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Anna Peliano
Anna Peliano
Anna Peliano
Organizador
Fernando Rezende
Enid Rocha Nathalie Beghin
Em boa hora nos chega às mãos este livro, tão Anna Maria Medeiros Peliano era mineira e sociólo-
laboriosamente organizado a partir dos estudos ga. Veio para Brasília em meados dos anos 1970 e
conduzidos pela socióloga Anna Maria Medei- foi trabalhar no Ipea com políticas de alimentação e
ros Peliano. Uma pesquisa da Rede Brasileira de nutrição. Sua inteligência viva e seu incansável com-
Pesquisa em Soberania de Segurança Alimen- promisso com o trabalho e as causas que abraçava
tar e Nutricional mostrou que, em dezembro lhe deram destaque: participou da elaboração do
de 2020, mais da metade da população do país II Programa Nacional de Alimentação e Nutrição
não tinha acesso pleno e permanente a alimen- (Pronan), assessorou o ministro da Agricultura Pe-
tos. Nesse sentido, no Brasil, permanece atual dro Simon, ocupou o cargo de diretora da área so-
afirmar, como o fez Josué de Castro em seu livro cial do Ipea, foi conselheira do Conselho Nacional
Geografia da Fome, de 1946, que “metade não de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e
come; e a outra metade não dorme, com medo foi secretária executiva do programa Comunidade
da que não come”. Solidária por nomeação do presidente Fernando
Henrique Cardoso. Além disso, desenvolveu estudos
Encontraremos aqui meio século de reflexões so- e pesquisas na área de responsabilidade social em-
bre os erros, acertos, avanços e retrocessos que presarial. Nos últimos anos, participou de iniciativas
embalaram o percurso das políticas de combate à com organizações não governamentais: integrou o
pobreza no Brasil, desde a Era Vargas. O interes- conselho da Oxfam Brasil e realizou pesquisas em
se na leitura dos onze ensaios reunidos nesta obra parceria com a Comunitas. Anna também coorde-
ultrapassa em muito o da academia. Ela nos per- nou o Programa de Estudos da Fome, do Núcleo
mite reconstituir tanto as trajetórias das políticas de Estudos em Saúde Pública da Universidade de
implementadas quanto os dilemas travados entre Brasília (Nesp/UnB); e o Grupo de Pesquisa de Nu-
governos, técnicos e representantes da sociedade trição e Pobreza, do Instituto de Estudos Avançados
civil sobre qual estratégia adotar para erradicar a da Universidade de São Paulo (IEA/USP).
fome e a miséria do país.
Conheci Anna no final dos anos 1980 e, ao lon-
Quatro pilares sustentaram as ações gover- go do tempo, construímos uma sólida relação
namentais de combate à fome e à pobreza ao profissional, mas, sobretudo, uma profunda
longo desses anos: ampliação do acesso aos ali- amizade, que perdurou até o último dia, 19 de
mentos, fortalecimento da agricultura familiar, agosto de 2021, quando partiu. Direta, positi-
geração de emprego e controle social. A dosa- va e propositiva, deixou sua marca em todos os
gem entre programas emergenciais e estruturais lugares pelos quais passou. Tinha visão de futuro
sofreu pequenas variações com as mudanças de e era ousada, não tinha medo de abrir novas
projetos políticos ao longo do período estudado. fronteiras, se destacava por não aceitar ideais
Mais do que isso, o que transparece da leitura feitas. Deixa dois filhos, Adriana e Gustavo, um
desses temas são processos de continuidade com neto, Jorge, e seu companheiro de mais de trinta
poucas rupturas. anos, Fernando.
As análises não se limitam ao campo da atuação
governamental. Vão mais além. Como diz Anna
Peliano, “o combate à pobreza não se esgota
no âmbito restrito das ações sociais, mas não é
cabível imaginar que milhões de brasileiros in-
digentes possam continuar aguardando os re-
sultados de uma nova fase de desenvolvimento.
Eles demandam providências imediatas que só
terão eficácia se adotadas de forma continuada
e conjunta, mediante união de esforços do go-
verno e da sociedade”.
Os ensaios sobre as ações sociais das empresas
privadas descartam totalmente a contradição
fundamental entre a atuação pública e a priva-
da no combate à pobreza. Esse é precisamente
outro mérito deste livro, que não se detém à
descrição dos dados coletados, mas aporta con-
tribuições que instigam uma reflexão profunda
para as questões da fome e da pobreza no Brasil.
Anna Peliano
Governo Federal
Ministério da Economia
Ministro Paulo Guedes
Presidente
Carlos von Doellinger
Diretor de Desenvolvimento Institucional
Manoel Rodrigues Junior
Diretora de Estudos e Políticas do Estado,
das Instituições e da Democracia
Flávia de Holanda Schmidt
Diretor de Estudos e Políticas
Macroeconômicas
José Ronaldo de Castro Souza Júnior
Diretor de Estudos e Políticas Regionais,
Urbanas e Ambientais
Nilo Luiz Saccaro Júnior
Diretor de Estudos e Políticas Setoriais de Inovação
e Infraestrutura
André Tortato Rauen
Diretora de Estudos e Políticas Sociais
Lenita Maria Turchi
Diretor de Estudos e Relações Econômicas
e Políticas Internacionais
Ivan Tiago Machado Oliveira
Assessor-chefe de Imprensa e Comunicação
André Reis Diniz
Ouvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoria
URL: http://www.ipea.gov.br
Brasília, 2022
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SUMÁRIO
PREFÁCIO ...................................................................................................7
APRESENTAÇÃO ........................................................................................9
PARTE I
RETROSPECTIVA
CAPÍTULO 1
LIÇÕES DA HISTÓRIA – AVANÇOS E RETROCESSOS
NA TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE COMBATE
À FOME E À POBREZA NO BRASIL...............................................................15
PARTE II
TRAJETÓRIA
CAPÍTULO 2
ANNA PELIANO E AS POLÍTICAS DE ALIMENTAÇÃO
E NUTRIÇÃO NO BRASIL.............................................................................39
CAPÍTULO 3
BRASIL: OS PROGRAMAS FEDERAIS DE ALIMENTAÇÃO
E NUTRIÇÃO NO INÍCIO DA DÉCADA DE 1990............................................45
CAPÍTULO 4
O MAPA DA FOME: SUBSÍDIOS À FORMULAÇÃO DE UMA
POLÍTICA DE SEGURANÇA ALIMENTAR, ......................................................89
CAPÍTULO 5
UM BALANÇO DAS AÇÕES DE GOVERNO NO COMBATE
À FOME E À MISÉRIA – 1993....................................................................109
CAPÍTULO 6
II BALANÇO DAS AÇÕES DE GOVERNO NO COMBATE
À FOME E À MISÉRIA – 1994....................................................................185
CAPÍTULO 7
O COMUNIDADE SOLIDÁRIA: UMA ESTRATÉGIA
DE COMBATE À FOME E À POBREZA.........................................................253
PARTE III
NOVAS FRONTEIRAS
CAPÍTULO 8
BONDADE OU INTERESSE? COMO E POR QUE
AS EMPRESAS ATUAM NA ÁREA SOCIAL, .................................................271
CAPÍTULO 9
A INICIATIVA PRIVADA E O ESPÍRITO PÚBLICO: UM RETRATO
DA AÇÃO SOCIAL DAS EMPRESAS PRIVADAS NO BRASIL..........................335
CAPÍTULO 10
PARCERIAS NA CONDUÇÃO DOS INVESTIMENTOS SOCIAIS:
O QUE SE EXTRAI DOS RESULTADOS DO BISC?..........................................389
CAPÍTULO 11
A FAMÍLIA E O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO
ADEQUADA E SAUDÁVEL..........................................................................403
APÊNDICE A ..........................................................................................423
PREFÁCIO
1 RETROSPECTIVA
A publicação deste livro é parte das iniciativas que a direção do Ipea está adotando
para homenagear Anna Maria Medeiros Peliano pela contribuição que seu traba-
lho como pesquisadora dessa prestigiada instituição ofereceu ao debate nacional
sobre a importância de inserir o combate às desigualdades sociais na agenda das
prioridades do Estado brasileiro.
No primeiro capítulo, intitulado Lições da história – avanços e retrocessos
na trajetória das políticas públicas de combate à fome e à pobreza no Brasil, Anna
expressa sua satisfação por ter contribuído para que o tema ganhasse espaço na
agenda pública, mas, ao mesmo tempo, expressa sua insatisfação pelas dificuldades
enfrentadas para garantir que as coisas evoluíssem, nos quarenta anos em que esteve
na vanguarda dessa batalha, como esperava, seja por sucessivas crises econômicas,
seja por conflitos políticos que marcaram a história do Brasil nesse período.
A batalha não chegou onde almejava, mas as lições que deixa para as próximas
gerações de brasileiros que irão dar continuidade a essa luta são extremamente va-
liosas. Perseverança e dedicação são as palavras de ordem que emergem do trabalho
que ela conduziu durante seu longo percurso devotado ao tema.
2 TRAJETÓRIA
No capítulo que abre a segunda parte deste livro, Anna Peliano e as políticas de ali-
mentação e nutrição no Brasil, Nathalie Beghin, uma de suas principais colaboradoras
nessa empreitada, recorda os anos em que conviveu com Anna e apresenta um breve
balanço do trabalho que acompanhou durante essa convivência, adicionando alguns
pontos que, de certa forma, complementam o retrospecto feito na retrospectiva.
Não cabe aqui resumir o rico conteúdo do trabalho feito ao longo das décadas
de 1980 e 1990, amparado em trabalhos exploratórios realizados na segunda me-
tade dos anos 1970, quando assumiu a cadeira de pesquisadora do Ipea. Naquele
momento, Anna lançou as fundações de sua atividade profissional. Não poupava
esforços para entender o porquê da situação em que o Brasil vivia, com milhões
de famílias que não tinham acesso a uma alimentação adequada e viviam em
condições de extrema pobreza.
Dedicou-se nesses primeiros momentos ao tema da alimentação escolar,
ciente das dificuldades que as crianças enfrentavam nas escolas públicas para obter
a chave da porta, que dava acesso à escada que permitia escapar da situação em que
10 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
viviam, por meio da aquisição de conhecimentos básicos para obter bons empregos
e ultrapassar o limiar da pobreza. Daí em diante não parou mais.
No terceiro capítulo desta obra, Brasil: os programas federais de alimentação e
nutrição no início da década de 1990, faz uma reconstituição histórica dos progra-
mas dedicados ao tema da alimentação e da nutrição de 1990 a 1993. Um texto
ilustrativo das profundas transformações por que a área passou ao longo dos anos.
A oportunidade para dar um salto na direção daquilo que ambicionava surgiu
no início da própria década de 1990, quando Itamar Franco, seu conterrâneo,
assumiu a presidência da República após o impeachment de Fernando Collor de
Mello. Com o apoio de Itamar e da equipe do Ipea, produziu um documento que
teve grande repercussão, por revelar a profundidade e a amplitude das questões
que contribuíam para a persistência da fome no Brasil.
Com o sugestivo título de O Mapa da Fome: subsídios à formulação de uma
política de segurança alimentar, o trabalho – quarto capítulo deste livro – iluminou
as raízes do problema e indicou o que precisava ser feito para se alcançar a solução.
Não era a falta de alimentos que gerava essa situação, mas, sim, as desigualdades
econômicas e sociais que não permitiam que as famílias pobres conseguissem
garantir sua segurança alimentar. A divulgação do texto ganhou as manchetes dos
principais veículos de comunicação da época, gerando novos trabalhos que explo-
raram detalhes do tema para subsidiar as políticas que precisavam ser adotadas.
Anna, contudo, não se satisfazia em apenas apontar o que precisava ser feito,
era essencial acompanhar o que os governos faziam para enfrentar esse problema.
Daí a sua investida para analisar as medidas que os governos vinham adotando,
com o objetivo de avaliar o que estava sendo feito e apontar quão distante as inicia-
tivas governamentais estavam de uma efetiva atuação nessa área. O resultado dessa
avaliação está contido em dois trabalhos, publicados em 1993 e em 1994, inseridos
como os capítulos 5 e 6 desta coletânea, em que ela chama atenção para a impor-
tância de uma maior mobilização da sociedade, para dar suporte ao trabalho que
os órgãos públicos precisavam fazer com vistas à obtenção de melhores resultados.
Com a mudança no poder central, ela assumiu, durante o governo de Fernando
Henrique Cardoso (FHC), a posição de secretária executiva do programa Comuni-
dade Solidária, afastando-se temporariamente da pesquisa aplicada para se envolver
no tema de mobilização da sociedade. Pôde perceber aí, entretanto, que isso não
seria simples, pois os interesses de cada segmento da sociedade não convergiam e era
difícil para as autoridades públicas alcançar um entendimento sobre as prioridades da
nação. A trajetória do programa, seus princípios, objetivos, arcabouço institucional e
frentes de atuação estão descritos no sétimo capítulo, O Comunidade Solidária: uma
estratégia de combate à fome e à pobreza.
Apresentação | 11
3 NOVAS FRONTEIRAS
A mobilização avançou, mas a crise econômica não permitiu que tivesse o re-
sultado que dela se esperava. No segundo mandato de FHC, Anna retornou ao
Ipea e se dedicou a outra iniciativa para compensar as dificuldades que o governo
enfrentava para tomar medidas mais eficazes: a mobilização das empresas privadas.
O resultado das duas pesquisas que conduziu no Ipea sobre o tema, inseridas como
os capítulos 8 e 9 (que abrem a terceira parte desta obra), também tiveram grande
repercussão e isso alavancou uma maior investida nessa área ao assumir a coorde-
nação da pesquisa sobre o investimento social corporativo no Brasil, conduzida
pela Comunitas, uma instituição abrigada pelo Centro Ruth Cardoso. Tal pesquisa
é objeto do texto Parcerias na condução dos investimentos sociais: o que se extrai dos
resultados do BISC?, capítulo 10 deste livro.
Um novo passo foi o ingresso no Grupo de Pesquisa de Nutrição e Pobreza
do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA/USP),
onde teve a oportunidade de combinar a pesquisa empírica na esfera pública com
a atividade acadêmica, ampliando os horizontes pelo convívio com um grupo de
pessoas que partilhavam seu compromisso com o tema. O capítulo 11, A família
e o direito humano à alimentação adequada e saudável, publicado pelo IEA/USP
em 2019, busca refletir sobre a importância, as implicações e a necessidade de dar
uma atenção especial ao núcleo familiar como o elemento catalisador do direito
humano à alimentação adequada.
Foi longe, mas infelizmente não teve tempo de continuar na linha de frente
dessa batalha. Este livro, que o Ipea organiza em sua homenagem, reúne alguns de
seus trabalhos mais conhecidos, mas a riqueza do material contido na biblioteca
do Ipea é bem maior e pode ser vista no apêndice A.
Anna Maria Medeiros Peliano, ao longo de sua vida, acumulou uma rique-
za muito maior do que a amealhada pelos milionários mais conhecidos. Uma
herança de ensinamentos, de atitudes, de posicionamentos e de humanidade.
Uma herança imaterial que não acaba ao ser utilizada. Ao contrário, quanto
mais for disseminada e consumida mais ela crescerá.
Fernando Rezende
Organizador
PARTE I
Retrospectiva
CAPÍTULO 1
1 ABERTURA
A iniciativa de registrar a experiência do Fome Zero merece ser saudada com entu-
siasmo. Afinal, o próprio nome do programa expressa a indignação da sociedade com
a permanência do paradoxo da presença da fome num país que produz alimentos
em abundância. A fome é a face mais amarga do retrato de uma sociedade que
exibe índices de desigualdades sociais inadmissíveis diante dos níveis de riqueza
alcançados pelo país. Extirpar essa mazela é mais do que uma prioridade; é uma
obrigação ainda não cumprida.
A experiência do Fome Zero coroa uma sucessão de iniciativas registradas ao
longo da história brasileira recente que buscaram enfrentar, com ênfases e resultados
distintos, esse problema. Ainda na primeira metade do século XX, a insatisfação
com a permanência dessa mazela ensejou a adoção de políticas de alimentação e
nutrição no Brasil, dando início a sucessivas adaptações e mudanças que exibem
uma longa trajetória de avanços e retrocessos. Ao longo desse percurso, muito se
aprendeu sobre o que deve ser feito, sem que tal aprendizado tivesse evitado atrasos.
De positivo, há que se ressaltar o fato de que, tendo a alimentação sido elevada
à condição de direito constitucionalmente reconhecido, o desafio de assegurar a
segurança alimentar não é mais uma opção de governo, mas uma obrigação do
Estado, com toda a complexidade que o tema envolve.
Portanto, não há mais espaço para retrocessos. Importa extrair da história e do
presente as devidas lições. Para isso, o registro do que foi e do que está sendo feito
é de fundamental importância para que o aprendizado se beneficie da reflexão e
dos debates em curso não só no Brasil, mas em nível internacional. E nesse campo
o Brasil tem não apenas o que aprender com o exame de outras experiências, mas
também muito a oferecer, como demonstra o interesse internacional pelas ações
adotadas pelo país nessa área.
1. Originalmente publicado como: Peliano, A. M. M. Lições da história – avanços e retrocessos na trajetória das políticas
públicas de combate à fome e à pobreza no Brasil. In: Aranha, A. (Org.). Fome zero: uma história brasileira. Brasília:
MDS, 2010. v. 1, p. 26-41. Disponível em: <https://bit.ly/3GwAlsp>.
16 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
3. A elaboração do II Pronan foi coordenada por Eduardo Kertész, então coordenador da área de saúde da Coordenação
Nacional de Recursos Humanos (CNRH) do Ipea. O documento foi fruto de uma colaboração entre o Ipea e o Inan.
20 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
3.2 O
que significou a redemocratização de 1985 para as políticas de
alimentação e nutrição?
Em 1985, na esteira da redemocratização do país, espaços de participação e debates
sobre o tema da fome e desnutrição foram se estruturando. Ainda em 1985, o Mi-
nistério da Agricultura, por meio da Cobal, implantou o Programa de Alimentação
Popular (PAP) e organizou, no denominado Dia D do Abastecimento, o Debate
Nacional de Abastecimento Popular, que mobilizou cerca de 30 mil participantes
vinculados a quase 3 mil organizações populares das periferias dos centros urbanos.
Os participantes encaminharam uma pauta extensa de reivindicações, que trata-
vam da política econômica e da questão salarial, da política agrária e agrícola, dos
programas de abastecimento e da participação popular na formulação e fiscalização
das políticas públicas para o setor. As propostas extraídas desses encontros foram
trazidas para Brasília, debatidas e entregues ao então ministro da Agricultura,
Pedro Simon. A percepção pelas comunidades da complexidade dos problemas
alimentares ficou claramente expressa na abrangência das sugestões apresentadas.
Inaugurava-se ali um embrião das conferências de segurança alimentar. No ano
seguinte, foi realizada a I Conferência Nacional de Alimentação e Nutrição.
Na Universidade de Brasília (UnB), foi criado o Programa de Estudos da
Fome,4 onde foram desenvolvidas diversas atividades, entre pesquisas, seminários,
publicações (Cadernos de Economia e Nutrição) e a edição de um jornal – Fome
em Debate – com uma tiragem de 40 mil exemplares distribuídos dentro e fora
do Brasil. Esse jornal visava, essencialmente, promover a conscientização e a mo-
bilização política em torno do tema. Nas eleições de 1989, numa de suas edições,
foram realizadas entrevistas com os então candidatos à presidência da República
para que apontassem, se eleitos, quais seriam as medidas que adotariam para com-
bater a fome no país. Foi instituído o Prêmio Josué de Castro, que, na sua primeira
edição, premiou Walter Barelli, por sua luta no Departamento Intersindical de
Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) pela elevação do salário mínimo.
Por ocasião da premiação, reuniram-se, na UnB, as principais lideranças sindicais
do país para debater e elaborar a Carta de Brasília, sobre o tema fome e salário.
4. Cristovam Buarque, quando assumiu a reitoria da UnB, criou diversos núcleos de estudos multisetoriais, entre eles
o Núcleo de Estudos em Saúde Pública (Nesp), abrangendo o Programa de Estudos da Fome, coordenado por Anna
Maria Medeiros Peliano.
22 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
6. A proposta de descentralização da merenda escolar apresentada pelo governo federal aos prefeitos foi elaborada
no Ipea: Peliano e Beghin (1992).
7. Ver capítulo 4 desta obra.
Lições da História – avanços e retrocessos na trajetória das políticas públicas | 25
de combate à fome e à pobreza no Brasil
FIGURA 1
Distribuição da população indigente – Brasil
reduzir a enorme distância que separa o preço recebido pelos produtores dos custos
de aquisição dos alimentos básicos na rede do comércio varejista (Peliano, 1993, p. 6).
O documento segue fazendo sugestões para a questão do abastecimento ali-
mentar e defendendo ações complementares de assistência alimentar para regiões
extremamente pobres e para grupos específicos da população (reforço e aprimoramento
dos programas destinados ao grupo materno-infantil, a escolares e trabalhadores).
FIGURA 2
Distribuição da produção nacional de grãos alimentícios – Brasil
8. Dessa comissão, faziam parte Betinho (secretário executivo do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômi-
cas – Ibase), dom Mauro Morelli (bispo da Arquidiocese de Duque de Caxias), Denise Paiva (assessora do presidente
Itamar), Josenilda Brant (presidente do Inan) e Anna Maria Medeiros Peliano (coordenadora de política social do Ipea).
Lições da História – avanços e retrocessos na trajetória das políticas públicas | 29
de combate à fome e à pobreza no Brasil
11. Ver, a respeito, o documento Política Nacional de Alimentação e Nutrição, do Ministério da Saúde, aprovado pelo
Conselho Nacional de Saúde em 1999 (Brasil, 2000).
Lições da História – avanços e retrocessos na trajetória das políticas públicas | 33
de combate à fome e à pobreza no Brasil
grande parte, os resultados obtidos, por exemplo, na área de nutrição dos municípios
do Comunidade Solidária: uma queda de 54% nas internações e de 68% nos óbitos
de crianças menores de 5 anos por deficiências nutricionais entre 1994 e 1997.12
Apesar dos avanços, a década se encerrou com a presença de várias das dificul-
dades tradicionais, entre elas falta de prioridade política efetiva; recursos insuficientes
para garantir um atendimento mais adequado à população carente; descontinuidade
de programas em andamento; ausência, por parte do governo federal, de uma política
mais agressiva na área do abastecimento popular; falta de flexibilidade administrativa
para atender às demandas das comunidades, respeitando-se as diferenças regionais e
locais; dificuldades de promover o monitoramento e a avaliação de resultados; e um
efetivo controle e participação das comunidades. O terceiro ato se encerra, deixando
claro para o espectador que havia ainda muito a ser apresentado pela frente.
13. Foram consideradas como extremamente pobres aquelas pessoas que vivem em famílias com renda per capita
inferior a um quarto de salário mínimo, de acordo com cálculos realizados em 2010 pelo Núcleo de Informações Sociais
da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Ninsoc/Disoc) do Ipea.
Lições da História – avanços e retrocessos na trajetória das políticas públicas | 35
de combate à fome e à pobreza no Brasil
REFERÊNCIAS15
BARROS, R. P. de; HENRIQUES, R.; MENDONÇA, R. A estabilidade inaceitável:
desigualdade e pobreza no Brasil. In: HENRIQUES, R. (Org.). Desigualdade e
pobreza no Brasil. Rio de Janeiro: Ipea, 2000. p. 21-47. Disponível em: <https://
bit.ly/2ZIBVGW>.
BRASIL. Decreto-Lei no 2.478, de 5 de agosto de 1940. Cria o Serviço de Ali-
mentação da Previdência Social (Saps) no Ministério do Trabalho, Indústria e
Comércio. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, p. 15173, 7 ago. 1940. Seção
1. Disponível em: <https://bit.ly/3EBSBPj>.
______. Ministério da Saúde. Política Nacional de Alimentação e Nutrição.
Brasília: MS, 2000.
______. Lei no 11.947, de 16 de junho de 2009. Dispõe sobre o atendimento
da alimentação escolar e do Programa Dinheiro Direto na Escola aos alunos da
educação básica; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília,
p. 2, 17 jun. 2009. Disponível em: <https://bit.ly/2ZDtPzv>.
CASTRO, J. de. Geografia da fome. 3. ed. São Paulo: Ed. Brasileira, 1965.
CRUSIUS, Y. R. (Coord.). Plano de combate à fome e à miséria: princípios,
prioridades e mapa das ações de governo. Brasília: Ipea, abr. 1993. Disponível em:
<https://bit.ly/3Ew6wWZ>.
1 INTRODUÇÃO
No Brasil, a história recente da política de alimentação e nutrição se confunde
com a de Anna Peliano, pesquisadora do Ipea, que dedicou boa parte de sua vida
profissional a refletir sobre as causas da fome. Ela também foi personagem impor-
tante no desenho e na implementação de relevantes iniciativas federais na área.
2 AS ORIGENS
Como ela gostava de lembrar, uma das principais referências do tema, tanto no Brasil
como no mundo, foi o pernambucano Josué de Castro, que, de maneira inovadora,
mostrou que a fome era essencialmente um problema político. Seu pensamento se
caracterizou por romper com algumas falsas convicções que imperavam à época
(e que ainda se fazem presentes) de que a fome e a miséria do mundo eram resul-
tantes do excesso populacional e da escassez de recursos naturais.
Em seus livros, Castro provou que a fome não era uma questão de quantitativo
de alimentos ou de número de habitantes, mas, sim, de má distribuição das rique-
zas, concentradas cada vez mais nas mãos de poucas pessoas. Por isso, acreditava
que a problemática da fome não seria resolvida com a ampliação da produção de
alimentos, mas com a distribuição dos recursos e da terra para os trabalhadores
nela produzirem, tornando-se um ferrenho defensor da reforma agrária.
Josué de Castro também está na origem dos primeiros passos da política
de alimentação e nutrição que foram dados no âmbito das políticas trabalhistas
do governo Getulio Vargas. Foi fundador e dirigente dos primeiros órgãos volta-
dos para a questão alimentar. Em 1940, foi criado o Serviço de Alimentação da
Previdência Social (Saps), com o objetivo de promover a instalação de refeitórios
em empresas maiores; fornecer refeições nas menores; vender alimentos a preço
de custo a trabalhadores com família numerosa; proporcionar educação alimentar;
formar pessoal técnico especializado; e apoiar pesquisas sobre alimentos e situação
alimentar da população.
1. Originalmente publicado como: Beghin, N. Anna Peliano e as políticas de alimentação e nutrição no Brasil. Blog do
Inesc, 26 ago. 2021. Disponível em: <https://bit.ly/3BB0qCK>.
40 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
3 A INSTITUCIONALIZAÇÃO
Um fato novo ocorreu em 1972, quando foi criado o Instituto Nacional de Ali-
mentação e Nutrição (Inan), autarquia vinculada ao Ministério da Saúde, com o
objetivo de assistir o governo na formulação da Política Nacional de Alimentação
e Nutrição (PNAN); elaborar o Programa Nacional de Alimentação e Nutrição
(Pronan), promovendo e fiscalizando a sua execução e avaliando os seus resultados;
e estimular a pesquisa científica.
É nesse momento que Anna Peliano entra em cena como jovem pesquisa-
dora, participando da elaboração das duas edições do Pronan, entre 1973 e 1979.
O programa definiu como público prioritário as gestantes, as nutrizes e as crianças até
7 anos de idade na população de baixa renda, bem como os escolares de 7 a 14 anos.
O Pronan ofereceu o primeiro modelo de PNAN, incluindo distribuição
de cesta de alimentos in natura; amparo ao pequeno produtor rural por meio
da aquisição de sua produção; combate às carências nutricionais específicas
(anemia ferropriva, hipovitaminose A e bócio); promoção do aleitamento ma-
terno; acompanhamento da alimentação do trabalhador; e apoio à realização de
pesquisas e à capacitação de recursos humanos. Além da merenda, que passou
a denominar-se Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), nos anos
seguintes, sob a égide do Pronan, doze programas e ações de alimentação e
Anna Peliano e as Políticas de Alimentação e Nutrição no Brasil | 41
4 OS FRACASSOS
Como dizia Anna Peliano, “o que foi bom não funcionou e o que funcionou não
foi bom”. Ainda que esses programas, juntos, tenham mobilizado recursos da
ordem de US$ 1 bilhão em 1989 e que possuíssem desenho adequado, também
apresentaram diversos problemas, tais como irregularidade no atendimento; baixa
cobertura; distribuição de alimentos de má qualidade; distribuição de alimentos
formulados caros e pouco aceitos pelos beneficiários; centralização da gestão em
Brasília, o que contribui para episódios de corrupção; e superposição de programas,
gerando desperdício de recursos, entre outros.
Em 1986, foi realizada a I Conferência Nacional de Alimentação e Nutrição,
como desdobramento da famosa VIII Conferência Nacional de Saúde, na qual
se reivindicam a participação social e a alimentação como direitos de cidadania.
Ali se começa a gestar para o Brasil a ideia de segurança alimentar e nutricional.
Diante das inúmeras dificuldades vivenciadas nos anos 1970 e 1980, o Inan
acaba sendo extinto em 1997. O PCCNE e o PNIAM foram absorvidos por áreas
do Ministério da Saúde. O PNAE e o PAT se mantêm ativos até hoje. Os demais
foram extintos ou reeditados anos depois.
5 AS REVIRAVOLTAS
Com a redemocratização do país e a fome resultantes da década de 1980, chamada
de “perdida”, a sociedade pressiona o poder público por respostas. Em 1992, a
Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida mobiliza o Brasil e insta
o presidente Itamar Franco a tomar medidas.
Anna Peliano entra novamente em cena. Como diretora do Ipea, coordena a
elaboração do Mapa da Fome, que identificou e localizou 32 milhões de pessoas
passando fome no país.3 A convite de Itamar, organizou a elaboração do Plano de
Combate à Fome e à Miséria. Também ajudou a criar, no âmbito da Presidência da
que se articulou em torno de três eixos: i) garantia de renda, para alívio imediato
da situação de pobreza; ii) acesso a serviços públicos, para melhorar as condições de
educação, saúde e cidadania das famílias; e iii) inclusão produtiva, para aumentar
a capacidade e as oportunidades de trabalho e geração de renda entre as famílias
mais pobres do campo e da cidade.
O resultado desse acúmulo, que passou por altos e baixos, avanços e retroces-
sos, é que, em 2014, o país saiu do Mapa da Fome da ONU. Finalmente se havia
erradicado a fome no Brasil, ainda que ela permaneça inaceitavelmente presente
em populações específicas, como a indígena.
1 INTRODUÇÃO
A reconstituição da história dos programas de alimentação e nutrição no início
dos anos 1990 se apresenta hoje como um árduo desafio: arquivos com informa-
ções essenciais foram destruídos, alguns programas implementados ficaram sem
registros sobre o seu desempenho e, como agravante, diversas equipes técnicas
que coordenavam os tais programas foram totalmente desestruturadas ou extintas.
Portanto, a recomposição do quadro da atuação governamental no período
exigiu um esforço enorme de exploração dentro das diversas instituições envolvidas
e o apoio de profissionais que atuaram na área e que se dispuseram a colaborar nessa
tarefa. Assim, muitas das informações apresentadas não constam em documentos
oficiais e foram extraídas de entrevistas e estimativas realizadas em conjunto com
os próprios entrevistados.
Os resultados obtidos estão reunidos neste texto em duas partes distintas.
Na primeira (seção 2), é apresentada uma avaliação do triênio 1990-1992, que
se notabilizou por uma significativa deterioração da atuação governamental,
culminando com a extinção de quase todos os programas de alimentação e nutri-
ção existentes no país. Além de uma caracterização geral do período, também é
apresentada, nessa parte, a análise de cada um dos programas vigentes no triênio,
inclusive daqueles que funcionaram apenas em 1990.
Na segunda parte (seção 3), é analisada a reviravolta ocorrida nos programas
de alimentação com a nova administração que assumiu o governo no final de 1992.
Da mesma forma, a análise desse período inicia-se com um panorama geral da
ação do governo e é acompanhada de uma avaliação mais detalhada de cada um
dos programas de alimentação e nutrição selecionados como prioritários no bojo do
Plano de Combate à Fome e à Miséria.
1. Originalmente publicado como: Peliano, A. M. M.; Beghin, N. Brasil: os programas federais de alimentação e nutrição
no início da década de 90. Brasília: Ipea, abr. 1994.
46 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
2. Programa de Suplementação Alimentar (PSA); Programa de Complementação Alimentar (PCA); Programa de Ali-
mentação dos Irmãos dos Escolares (Paie); Programa Nacional do Leite para Crianças Carentes (PNLCC); Programa
Nacional de Alimentação Escolar (PNAE); Programa de Abastecimento de Alimentos Básicos em Áreas de Baixa Renda
(Proab); Projeto de Aquisição de Alimentos Básicos em Áreas Rurais de Baixa Renda (Procab); Programa de Combate
ao Bócio Endêmico (PCBE); Programa de Combate à Anemia Ferropriva; Programa de Combate à Hipovitaminose A;
Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno (PNIAM); e Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT).
3. Grupo de Trabalho Interministerial para Coordenação das Ações na Área de Alimentação e Nutrição (GTCA), em
1985; Grupo Executivo Interministerial para Assuntos de Alimentação Popular (Geiap), em 1986; e Conselho Consultivo
Técnico-Científico do Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição (CCT/Inan), em 1987.
4. Os dois programas não chegaram a funcionar em 1990 e, portanto, não estão incluídos neste texto.
Brasil: os programas federais de alimentação e nutrição no início da década de 1990 | 47
2.2.1 O PAN
O PAN, executado pela LBA, tinha como objetivo atender a gestantes, nutrizes
e crianças de 6 a 36 meses distribuindo um conjunto de alimentos formulados,
associado a ações básicas de saúde, por meio das unidades de apoio comunitário
(UACs) da própria LBA. As crianças desnutridas recebiam um tratamento especial
48 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
e uma complementação alimentar adicional com leite nos centros de atenção aos
desnutridos (CADs).
Avaliações realizadas no início da década apontavam para a necessidade de
informações mais confiáveis sobre o programa (beneficiários efetivamente atendidos,
alimentos distribuídos, custas) e questionavam a utilização de produtos formulados.
Vale destacar que a distribuição desse tipo de alimento foi severamente condenada
por auditoria do Tribunal de Contas da União, principalmente no que se refere ao
desperdício de recursos públicos: relação custo-benefício muito mais alta do que a
dos produtos básicos, perdas significativas de alimentos devido à sua rejeição pelos
beneficiários etc. (TCU, 1993).
Assim, procedeu-se a uma nova contagem dos usuários e estabeleceu-se uma
série de normas para a redefinição das ações do PAN, incluindo a recomendação
do abandono definitivo dos produtos formulados. A partir dessas providências e de
uma aparente vontade institucional de redirecionar o programa, podia-se imaginar
que o PAN ganharia um novo fôlego, reforçado pelo fato de estar sendo coman-
dado pela primeira-dama da nação Rosane Collor (de março de 1990 a setembro
de 1991). Entretanto, a partir de 1990, houve drástica redução de recursos, que
culminou na desativação do PAN no segundo semestre de 1991, no meio de um
festival de denúncias de irregularidades e corrupção.
Em 1990, foram atendidos cerca de 1 milhão de beneficiários,5 envolvendo
recursos da ordem de US$ 88,6 milhões para a aquisição de 11,4 mil toneladas
de alimentos (tabela A.2 do apêndice A). Adicionalmente, no último mês do
ano, foram liberados recursos para a aquisição de 1.603.723 cestas básicas pelas
superintendências regionais, não havendo informações sobre a composição destas
cestas nem sobre os beneficiários contemplados.
Para o exercício de 1991, foi alocado ao programa o equivalente a US$ 158,7
milhões. Entretanto, apenas US$ 5,9 milhões (3,7%)6 foram destinados à aqui-
sição de 2.439 t de leite para as crianças desnutridas, não existindo, igualmente,
informações sobre o número de beneficiários.
Em 1992, a LBA abandonou oficialmente a aquisição e distribuição direta
de qualquer tipo de alimento.
5. Esse atendimento representou uma redução de 42% do número de beneficiários atendidos em 1989 (1,8 milhão
de usuários).
6. Do restante dos recursos, US$ 56 milhões foram repassados ao Ministério da Agricultura para financiar parte da
segunda etapa do programa Gente da Gente (como será analisado na subseção 2.5) e US$ 96,8 milhões voltaram
para os cofres do Tesouro.
Brasil: os programas federais de alimentação e nutrição no início da década de 1990 | 49
2.2.2 O PNLCC
O PNLCC7 dirigia-se a famílias com crianças de até 7 anos e que auferiam uma
renda mensal de até dois salários mínimos. Por meio das associações comunitá-
rias, eram fornecidos tíquetes para a aquisição mensal de 30 l de leite tipo C no
comércio local.
Em 1990, o programa distribuiu 1.157.326.484 l de leite atendendo a 7,818
milhões de crianças a um custo de aproximadamente US$ 669 milhões. Naquele
ano o PNLCC absorveu mais da metade do total de recursos federais despendidos
na área de alimentação e nutrição (tabelas A.1 e A.3 do apêndice A ).
Entretanto, esse programa estava muito identificado com o governo anterior,
a ponto de ser chamado de O Leite do Sarney. Isso provavelmente tenha expli-
cado sua progressiva desativação. No orçamento de 1991, foram consignados ao
programa apenas US$ 106,8 milhões. Ainda assim, no início do mesmo exercício,
por decreto presidencial, o PNLCC foi suspenso, e os recursos transferidos para
o Inan (PSA) e a FAE (PNAE).
2.2.3 O PSA
O PSA, coordenado pelo Inan, era direcionado para crianças de 6 a 36 meses, gestan-
tes e nutrizes pertencentes a famílias com renda mensal de até dois salários mínimos.
A meta consistia na distribuição, por meio da rede básica de saúde pública, de uma
cesta mensal de alimentos in natura para 6,7 milhões de beneficiários. Para tanto,
seria necessária a aquisição de aproximadamente 360 mil toneladas de alimentos.
Em 1990, adquiriu-se apenas 60.401 t (aproximadamente 17% da meta) a
um custo de US$ 115,5 milhões. O desempenho do programa foi ainda pior em
1991: foram compradas apenas 36.484 t de alimentos (equivalentes a 10% do
mínimo necessário) e despendidos cerca de US$ 47,7 milhões (tabelas A.1, A.4,
A.5 e A.6 do apêndice A).
Além dos resultados extremamente insatisfatórios apresentados nesse período,
o PSA foi marcado pela introdução de alimentos industrializados (carne bovina em
lata ou fiambre) e formulados (mistura láctea), representando aproximadamente
7,5% do total de alimentos adquiridos. Até 1990, esse era um dos únicos progra-
mas institucionais que jamais havia outorgado qualquer espaço às indústrias de
alimentos formulados.
7. O programa foi iniciado em 1986 pela Secretaria Especial de Ação Comunitária, que se transformou em Secretaria
Especial de Habitação e Ação Comunitária, órgão este que passou sucessivamente pela Presidência da República, pela
Secretaria de Planejamento, pelo Ministério do Interior e pelo MAS. Em 1990, o PNLCC passou a ser executado pela LBA
e ser normatizado pela Secretaria Nacional de Promoção Social do MAS. A faixa etária dos usuários foi redefinida – 6
meses a 6 anos –, mantendo-se o critério de renda.
50 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
2.2.4 O Paie
O Paie tinha por objetivo distribuir alimentos para os irmãos – de 4 a 6 anos –
dos alunos matriculados nos estabelecimentos de ensino da rede pública e filan-
trópica. O volume de produtos distribuídos deveria ser suficiente para cobrir
15% das necessidades nutricionais diárias de cada criança. O programa, acoplado
ao PNAE, era coordenado pela FAE. Às secretarias estaduais de educação (SES)
cabia a definição da estratégia a ser adotada para a operacionalização do programa
localmente. Geralmente, os alimentos eram distribuídos pelas escolas por meio de
cestas mensais ou as SES credenciavam algumas instituições de assistência que se
encarregavam do atendimento (consumo local ou domiciliar).
Em 1990, durante o primeiro semestre, o Paie atendeu a 5,3 milhões de crianças,
distribuindo 11.653 t de alimentos – entre formulados e básicos – a um custo de
aproximadamente US$ 34 milhões (tabelas A.1 e A.8 do apêndice A). Foi suficiente
para cobrir apenas 30 dos 180 dias letivos considerados como meta (16,6%).
Assim, a partir do segundo semestre de 1990, o Paie foi progressivamente
desativado. Com isto, já na última aquisição de alimentos realizada pela FAE na-
quele ano, os recursos financeiros foram destinados tão somente ao atendimento
dos pré-escolares e escolares da rede pública e filantrópica de ensino.
Esse insatisfatório desempenho foi associado a uma série de dificuldades na
operacionalização e no acompanhamento do programa: ausência de infraestru-
tura nas escolas para o preparo dos alimentos e/ou para a distribuição das cestas;
descontinuidade do programa uma vez que geralmente, na escassez de recursos, a
merenda tinha prioridade etc.
progressivo pela FAE da compra desses produtos que sempre encareceram absurda-
mente os programas institucionais de alimentação e nutrição.
TABELA 1
Evolução do preço/tonelada dos produtos formulados consumidos pelo PNAE (1990-1992)
Ano Beneficiários Formulados (t) Valor (US$) US$/t Kg/beneficiário
8. No primeiro trimestre de 1992, a FAE distribuiu ainda mais 1.349 t de leite em pó com os US$ 6,9 milhões oriundos
do extinto PNLCC.
Brasil: os programas federais de alimentação e nutrição no início da década de 1990 | 53
devido calculado sobre o lucro real ou presumido. Os encargos sociais sobre o valor
do benefício também se beneficiam da isenção fiscal. Quanto aos trabalhadores,
eles colaboram financiando, no máximo, 20% do valor da refeição recebida.
Neste sentido, o PAT se configura como um programa típico de parceria, em
que todos os atores envolvidos colaboram no seu custeio. Funciona baseado em
um sistema de adesão extremamente simples e de baixo custo: as empresas inte-
ressadas adquirem um formulário próprio nos Correios e o enviam ao Ministério
do Trabalho para sua aprovação.
No início dos anos 1990, a desestruturação da máquina administrativa atingiu
também o Ministério do Trabalho. A equipe que coordenava o programa foi redu-
zida a um único técnico. Com isso, passaram-se três anos sem um levantamento
das informações básicas, tais como beneficiários atendidos, empresas cadastradas,
perfil dos usuários, atendimento por região, custos etc.9
Ainda assim, o PAT foi o único programa de alimentação e nutrição que,
desde sua criação, em 1976, veio apresentando um crescimento contínuo: em
termos de beneficiários, a taxa de crescimento média anual foi da ordem de 17%,
correspondendo a uma incorporação de aproximadamente 470 mil trabalhadores
por ano (Mazzon, 1992). Comparando-se esta taxa com a de incremento das
empresas participantes, em torno de 27%, verifica-se que o número de empresas
está crescendo a um ritmo superior, indicando que estão entrando no programa
empresas de menor porte. Esta constatação é reforçada por outro dado: a redução
da taxa média de trabalhadores beneficiados por empresa ao longo dos anos, que
passou de 597 em 1977 para 200 em 1992.
Entretanto, nesses primeiros anos da década de 1990, o PAT evoluiu em um
ritmo menos acelerado. Em termos de beneficiários, em 1991, a taxa de crescimento
foi de apenas 6%, uma das mais baixas desde a criação do programa (1976). Em
1992,10 a incorporação de novos trabalhadores foi bem maior – em torno de 15% –,
atingindo um total de 7,8 milhões de assalariados (tabela A.12 do apêndice A).
A adesão de novas empresas ao programa, por sua vez, foi da ordem de 10%
em 1990 e 1991, caindo para um crescimento de apenas 3,8% em 1992 – um dos
piores índices desde 1976. Naquele mesmo ano, o número de empresas participantes
atingiu 39.181 (tabela A.13 do apêndice A).
No que se refere ao tipo de atendimento, também ocorreram algumas modifi-
cações no perfil do programa durante o período. Em 1990, pouco mais da metade
dos trabalhadores era atendida por tíquetes (refeição-convênio); o restante recebia
suas refeições no próprio local de trabalho. Em 1992, a alimentação via cupons
9. Os dados apresentados neste documento foram levantados em abril de 1994 e estão sujeitos a eventuais correções.
10. Os dados para 1992 estão sujeitos a modificações.
54 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
TABELA 2
Complementação de renda decorrente do auxílio-alimentação, por faixa de salário mínimo
Salário mínimo Complementação (%)
1 50,7
2 25,4
3 17,0
4 12,6
5 10,1
11. Gabinete Militar da Presidência da República, Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), Defesa
Civil, Ministério do Exército, Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Ministério da Fazenda, Banco do Brasil
e Casa da Moeda.
56 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
dos programas no que tange à colocação das cestas em pontos estratégicos do Nor-
deste: armazéns chamados de polos regionais de distribuição (PRDs). Ao Exército,
por meio do Comando Militar do Nordeste (CMNE), coube a proteção dos polos
e a organização da distribuição dos alimentos dos PRDs até os beneficiários. Na
prática, o Exército trabalhou de forma articulada com as Comdecs. O Tesouro Na-
cional e o Banco do Brasil, por sua vez, procederam ao mecanismo de equalização
dos estoques de alimentos, colocando-os à disposição da Conab para que pudesse
viabilizar a produção das cestas. Vale aqui destacar que as duas etapas do programa
diferem em alguns aspectos. A composição das cestas foi sendo aprimorada em
termos de componentes alimentares (tabelas A.17 e A.19 do apêndice A). No que
se refere ao aporte nutricional do programa, a tabela 3 ilustra essa informação.
TABELA 3
Aporte nutricional, por etapa do programa Gente da Gente
Necessidade nutricional mensal de uma Aporte
família de quatro pessoas GGI GGII
Elaboração: CPS/Ipea.
12. Enquanto o preço de remição do produto considera todos os custos incorridos pelo Tesouro para seu carregamento
no tempo-armazenagem, juros financeiros, perdas físicas e deságios comerciais, o PVE reflete o valor comercial daquele
produto em dado momento. Neste sentido, quanto mais antiga for a safra menor será o PVE e maior será o preço de
remição. Vale destacar, entretanto, que, toda vez que os estoques públicos são colocados à venda no mercado, esse
diferencial entre preço de remição e PVE é custeado pelo Tesouro.
Brasil: os programas federais de alimentação e nutrição no início da década de 1990 | 57
13. O Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) dispensou o programa do Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços (ICMS).
14. Cálculo elaborado a partir de informações de pesquisas de preço fornecidas pela FAE.
15. O Confaz não dispensou o GGII do ICMS.
58 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
2.6.1 O PCBE
O PCBE é um programa executado pelo Inan em parceria com a Fundação Nacio-
nal de Saúde (FNS). O objetivo das instituições é reduzir a prevalência do bócio
endêmico promovendo condições para garantir em nível nacional a iodação do sal
destinado ao consumo humano e animal. Assim, o Inan adquire o iodato de potás-
sio, que é distribuído às indústrias salineiras pela FNS. Esta se encarrega também
do monitoramento das empresas produtoras e da análise mensal do sal iodatado.
Para poder iodatar no teor recomendado pelo Ministério da Saúde toda a
produção de sal destinada ao consumo humano e animal – em torno de 2 milhões
de toneladas –, seriam necessários aproximadamente 72 mil quilos de iodato de
potássio. Em 1990, o governo adquiriu 62,5 t e nos anos seguintes a compra foi
da ordem de 40 t anuais.
Os dados mais recentes publicados pelo Inan sobre a análise do sal apontam
que mais de 90% apresentaram teores satisfatórios de iodo metaloide.
Em termos de impacto do programa, as informações mais atualizadas se
referem ao inquérito realizado em 1989-1990 nas áreas de maior prevalência,
chamadas de cidades sentinelas.17 Na maioria das regiões, a prevalência do bócio,
segundo a Classificação de Gandra, tinha ficado abaixo dos padrões recomendados
pela Organização Mundial da Saúde (OMS), não se caracterizando mais como
um problema de saúde pública. Entretanto, em alguns estados como Minas Gerais
e Goiás, o problema, ainda que tivesse diminuído de intensidade, permanecia.
16. Vale destacar que não foi possível desagregar por atividade as informações referentes a gastos financeiros, uma vez
que o Inan apresenta a informação consolidada para os programas de combate às carências nutricionais específicas
e de aleitamento materno.
17. A partir do II Inquérito Nacional de Bócio Endêmico, realizado em 1975, foram identificadas cidades sentinelas, que
passaram a ser monitoradas regularmente desde 1984. Em 1989-1990, foram pesquisadas treze cidades, sendo duas
em Minas Gerais, três no Pará, duas no Maranhão, quatro em Goiás e duas em Tocantins.
Brasil: os programas federais de alimentação e nutrição no início da década de 1990 | 59
Assim, a um custo extremamente barato (em torno de US$ 0,02 per capita no
início da década) e por meio de um programa simples e desburocratizado, pode-
-se afirmar que, em 1990, o bócio endêmico estava praticamente sob controle no
Brasil. Entretanto, nos anos seguintes, a aquisição pelo governo federal de iodato
de potássio ficou muito aquém do necessário (em torno de 55%) e não foram
mais realizados os inquéritos (que deveriam ser bianuais) nas cidades sentinelas.
Considerando-se que a análise do sal continua indicando que o produto está
sendo iodatado dentro dos limites recomendados, surgem alguns questionamentos:
será que as indústrias estão comprando o iodato de potássio por conta própria? Será
que as amostras de sal colhidas para exame estão viciadas? Para responder a essas
perguntas, far-se-á necessário a realização de um inquérito para avaliar a prevalência
do bócio e uma análise minuciosa do sal medido no comércio.
2.6.3 O PNIAM
O PNIAM foi concebido como alternativa para reverter o quadro da desnutrição
infantil e as tendências de desmame precoce. O programa, criado em 1981, é co-
ordenado pelo Inan e integrado por cerca de 64 instituições organizadas em nove
comitês nacionais, que tratam dos seguintes temas: código de alimentos sucedâneos
ao leite materno, proteção ao trabalho da mulher, incentivo à amamentação na
rede de saúde, atenção alimentar e nutricional, educação, aspectos psicossociais,
comunicação de massa, aspectos comunitários e banco de leite humano.
Durante o triênio 1990-1992, o desempenho do PNIAM deixou a desejar por
insuficiência de recursos humanos e financeiros, ficando inclusive sem coordenação
de agosto de 1992 a junho de 1993.
Dos nove temas a serem trabalhados, as atividades se concentraram em torno do
estabelecimento e da manutenção de centros de referência em banco de leite humano,
com o objetivo de desenvolver atividades de pesquisa, coleta, processamento, controle
de qualidade e distribuição do leite. Foram também organizados centros de referência
para capacitação de profissionais de saúde em ações de estímulo ao aleitamento materno.
60 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
3 A MUDANÇA EM 1993
21. A utilização do leite no programa se deu, essencialmente, pela pressão exercida por dois grupos: as organizações
comunitárias mobilizadas em diversas regiões do país, que reivindicavam com veemência a volta do PNLCC; e o setor
leiteiro, que vinha se deparando com uma forte retração da demanda, além de uma redução nas compras governamentais
para os programas sociais e da falta ou quase inexistência de recursos para o financiamento dos estoques. A título
ilustrativo, em 1989, o consumo de leite desses programas era da ordem de 2,1 bilhões de litros/ano, ou seja, aproxi-
madamente 15% da produção nacional. Em 1992, esses números caíram para 188 milhões e 1,23%, respectivamente.
Brasil: os programas federais de alimentação e nutrição no início da década de 1990 | 63
22. Estima-se o custo médio mensal dos alimentos em torno de US$ 9 por beneficiário.
64 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
em risco nutricional. Mais de 60% dessa clientela estava localizada nas 24 capitais
que ingressaram no programa. Ficam faltando ainda Vitória-ES, Florianópolis-SC
e Campo Grande-MS (tabelas A.20 e A.21 do apêndice A).
Quanto à distribuição dos usuários por região, 72% encontram-se no
Nordeste, 34% no Sudeste, 11,5% no Norte, 6,5% no Centro-Oeste e 6,6%
no Sul. Ressalta-se que é no Nordeste e no Sudeste que vive a grande maioria
das crianças desnutridas.
23. O valor inicialmente alocado no OGU para a FAE correspondia ao equivalente a US$ 400 milhões. Em julho de 1993,
contudo, o Congresso Nacional votou um ajuste no orçamento e, com o apoio do Consea, o programa da merenda foi
suplementado em mais US$ 370 milhões.
66 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
24. A alimentação deve ser ingerida quente; os trabalhadores subcontratados passam a ter os mesmos direitos alimen-
tares que os vinculados diretamente à empresa participante; o programa não pode ser utilizado como instrumento de
punição e/ou premiação por assiduidade etc.
68 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
25. Fundação Nacional do Índio (Funai), FAE, Conab, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Confederação
das Mulheres do Brasil etc.
26. A Conab ainda não concluiu seu relatório do programa.
Brasil: os programas federais de alimentação e nutrição no início da década de 1990 | 69
3.5.2 O Prodea
A seca que afetou o Nordeste nos últimos anos agravou significativamente a pobreza
naquela região. Havia consenso no âmbito do governo federal e da sociedade civil
de que algo deveria ser feito em termos de distribuição emergencial de alimentos.
Assim, o Ministério da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária (Maara)
apresentou uma proposta de atendimento com um perfil semelhante ao do GGI.
Esse projeto foi discutido no âmbito do Consea, que questionou vários pontos,
dentre os quais: a ausência de transparência em relação ao dispêndio público en-
volvido e aos mecanismos previstos de trocas e vendas de estoques de alimentos; e
o elevado fator de conversão de alimentos in natura em produtos beneficiados. A
partir do debate travado em cima da proposta do Maara, nasceu o Prodea, baseado
nos seguintes princípios:
• transparência dos dispêndios públicos; e
• parceria do governo com a sociedade civil, destacando-se os comitês
da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, igrejas,
entidades civis etc.
O programa teve por objetivo distribuir 205 mil toneladas de alimentos (arroz,
milho, feijão e farinha de mandioca) oriundos dos estoques públicos do governo,
sob a forma de 2,05 milhões de cestas por mês, por um período mínimo de quatro
meses, às populações residentes nos municípios nordestinos com calamidade pública
decretada, ou seja, 1.162 prefeituras (tabela A.26 do apêndice A). A distribuição
foi prevista para o início de novembro, tendo sido iniciada efetivamente no final
de dezembro.
Os beneficiários do Prodea são os mesmos que participam do programa
Frentes Produtivas de Trabalho.27 Cada família cadastrada adquiriu o direito de
receber 25 kg de alimentos por mês com a seguinte composição: 12 kg de arroz
em casca, 4 kg de feijão, 6 kg de milho em grão e 3 kg de farinha de mandioca.
Esses alimentos são doados in natura, o que gerou sérias controvérsias no
âmbito do setor público, mas vários argumentos fundamentam essa opção:
• a urgência – posta pela situação de calamidade pública na região;
• o grupo alvo do programa – trabalhadores rurais acostumados com o
manuseio de gêneros não processados;
27. Este programa foi criado pela Lei no 8.651, de 28 de abril de 1993, e coordenado pela Sudene, tendo como objetivo
organizar frentes produtivas de trabalho nas áreas atingidas pela seca na região Nordeste. O programa atingiu cerca de
2.055 trabalhadores (chefes de família), remunerando-os com meio salário mínimo por mês por três dias de trabalho
por semana em atividades emergenciais.
70 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os programas de alimentação e nutrição seguiram trajetórias opostas nesse início
da década de 1990. Em um primeiro momento (1990-1992), observou-se uma
desestruturação total da área e, em seguida (1993), uma reviravolta de rumo, com
tais programas transformando-se na prioridade da política social do país.
Destacam-se dois fatos novos nessa recuperação dos programas alimentares: a
descentralização de sua execução e a parceria com a sociedade civil. O chamamento
à sociedade brasileira para se engajar no combate à fome resultou em uma grande
mobilização nacional. Segundo pesquisas do Instituto Brasileiro de Opinião Pública
e Estatística (Ibope), cerca de 2,8 milhões de brasileiros se declararam envolvidos
de alguma maneira na denominada Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria
e pela Vida.
A importância desse movimento não está na sua participação direta na distri-
buição de alimentos, pois ela deverá sempre ter um caráter complementar à ação
governamental. Tanto é assim que, apesar da inexistência de dados fidedignos,
estima-se que o volume de alimentos distribuídos até o momento no âmbito da
campanha de combate à fome e pela ação da cidadania representou não mais do
72 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
que 10% do volume total de alimentos distribuídos no país. O seu grande mérito
está em ter colocado o problema da fome na agenda dos debates nacionais, cons-
cientizando e organizando a sociedade para pressionar, acompanhar e controlar a
ação governamental.
Entretanto, apesar dos avanços recentemente verificados, as dificuldades
que se observam no setor governamental são enormes, destacando-se aquelas de
ordem orçamentária – decorrentes da crise financeira do Estado – e as deficiências
administrativas e gerenciais que decorrem do desmantelamento do setor público,
incapacitado de responder às demandas sociais com a eficiência necessária.
A despeito desses limites, apresentam-se como desafios para o governo federal
em 1994:
• consolidar a municipalização da merenda escolar em todo o território
nacional, atingindo 30 milhões de alunos;
• ampliar o atendimento aos desnutridos por meio do SUS para cerca de
7 milhões de crianças e gestantes de risco nutricional; e
• estender o PAT para setores até hoje pouco atingidos (construção civil
e setor rural), de forma a se chegar a uma cobertura de 10 milhões de
trabalhadores.
Não bastassem esses desafios, é também forte a pressão para a distribuição dos
estoques públicos de alimentos em bolsões de pobreza em operações semelhantes
à do Prodea.
REFERÊNCIAS
CRUSIUS, Y. R. (Coord.). Plano de combate à fome e à miséria: princípios,
prioridades e mapa das ações de governo. Brasília: Ipea, abr. 1993. Disponível em:
<https://bit.ly/3Ew6wWZ>.
DELGADO, G.; BEGHIN, N. Nota técnica sobre o Programa Emergencial
Nordestino de Segurança Alimentar (Pensar). Brasília: Ipea, 1993.
INAN – INSTITUTO NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO.
Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição. Brasília: Inan; FIBGE; Ipea, 1990.
Disponível em: <https://bit.ly/3bqUEsP>.
______. Diretrizes gerais do Inan/MS para uma política nacional de alimen-
tação e nutrição – proposta. Brasília: Inan, out. 1992.
MAZZON, J. A. PAT: uma avaliação histórica e impactos sócio-econômicos. São
Paulo, set. 1992.
Brasil: os programas federais de alimentação e nutrição no início da década de 1990 | 73
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
COITINHO, C. D. et al. Condições nutricionais da população brasileira:
adultos e idosos. Brasília: Inan/MS, 1991.
DELGADO, G.; SILVA, A. R. E. Estoques públicos: avaliação para o Conselho
Nacional de Segurança Alimentar. Brasília: CPS/Ipea, 1993.
LOBATO, A. L.; PORTO, E. Programa de Alimentação do Trabalhador. Brasília:
MTb; CPS/Ipea, 1994. (Nota técnica).
MAZZON, J. A. (Coord.). O Programa de Alimentação do Trabalhador e o
sistema de refeições – convênio. São Paulo, 1992.
PELIANO, A. M. M. (Coord.). Um balanço das ações de governo no combate
à fome e à miséria – 1993. Brasília: CPS/Ipea, 1994.
PELIANO, A. M. M.; BEGHIN, N. Programas de alimentação e nutrição
para crianças e adolescentes: qual o destino? Brasília: CPS/Ipea, 1992. (Relatório
Interno, n. 3).
______. O papel do Estado na área de alimentação e nutrição. Brasília: CPS/
Ipea, 1992. (Relatório Interno, n. 7).
SILVA, A. R. E. Uma avaliação do Prodea. Brasília: CPS/Ipea, 1994. Mimeo-
grafado.
74 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
APÊNDICE A
TABELA A.1
Despesas realizadas em programas de alimentação e nutrição – Brasil (1990-1993)
(Em US$)
Programa 1990 1991 1992 1993
PNAE 402.275.5121 280.767.4692 155.140.4053 455.941.6644
PSA 115.587.4095 47.786.9626 16.428.8877 -
Programa de Atendimento aos Desnutridos
- - - 32.450.0908
e às Gestantes em Risco Nutricional – Leite é Saúde
PCA/PAN 88.661.7599 5.965.47710 - -
PNLCC 669.356.75711 6.643.58112 - -
GGI - 60.458.62413 - -
GGII - - 35.113.82014 -
Ação Emergencial de Doação de Feijão à População Carente - - 31.155.44515
Prodea - - 19.693.96916
Programas de combate às carências nutricionais específicas e
6.614.960 2.910.719 1.293.255 841.046
de incentivo ao aleitamento materno/Inan17
Total 1.282.497.397 404.532.832 207.976.367 540.082.214
Fontes: Balanços gerais da União de 1990 a 1992 (Despesa realizada); Inan (1990; 1991; 1992; 1993); FAE (1986; 1990; 1991; 1992; 1993); FLBA (1990; 1991a;
1991b); Conab (1991; 1992); BB (1993); Brasil (1993); e entrevistas com técnicos e dirigentes dos diversos órgãos.
Elaboração: Coordenação de Política Social (CPS)/Ipea.
Notas: 1 A conversão foi feita pelo dólar médio de 1990 no valor de US$ 67,78, já que o programa funcionou ao longo do ano. Está incluído o Programa de
Alimentação dos Irmãos dos Escolares (Paie).
2
A conversão foi feita pelo dólar médio de 1991 no valor de US$ 410,16, tendo o programa operado ao longo do ano.
3
O orçamento da Fundação de Assistência ao Estudante (FAE), equivalente a US$ 148,4 milhões, foi convertido pelo dólar médio de 1992 no valor de US$
4.512,64. Incluíram-se adicionalmente os recursos oriundos do extinto PNLCC. Considerando-se que esses recursos foram utilizados para a aquisição de
1.349 t do leite em pó no período de fevereiro a março de 1992, a conversão foi feita pelo dólar médio dos mesmos meses (US$ 1.655,73), perfazendo
um total de US$ 6,9 milhões.
4
A conversão foi feita pelo dólar médio de 1993 no valor de US$ 86,91.
5
A conversão foi feita pelo dólar médio de julho a dezembro de 1990 no valor de US$ 97,05, uma vez que as aquisições só foram efetivadas no segundo semestre.
6
A conversão foi feita pelo dólar médio de julho a dezembro de 1991 no valor de US$ 575,73, tendo em vista que os gêneros alimentares foram
comprados nesse período.
7
O PSA não funcionou em 1992. Os valores apresentados correspondem aos recursos repassados pelo extinto PNLCC para a aquisição de leite em pó.
Na época da compra – fevereiro e março de 1992 –, a conversão foi feita no valor de US$ 1.655,73. Vale ressaltar que aproximadamente 3% desse
total se refere a recursos oriundos do orçamento do Inan para ressarcimento de despesas com frete e armazenagem do leite e viagens de supervisão.
8
A conversão foi feita pelo dólar médio de outubro e novembro de 1993 no valor de US$ 171,23, quando praticamente todo o recurso foi transferido
para as prefeituras.
9
A conversão foi feita pelo dólar médio de 1990 no valor de US$ 67,78, uma vez que o programa funcionou ao longo do ano.
10
A conversão foi feita pelo dólar médio de 1991 no valor de US$ 410,15. Vale destacar que, no Orçamento Geral da União (OGU) daquele ano, tinham
sido consignados aproximadamente US$ 158,7 milhões para o PAN, tendo sido executado apenas 3,7% do disponível. Uma parte desses recursos
destinou-se ao financiamento do programa GGII e o resto foi devolvido aos caixas do Tesouro (Crédito não utilizado).
11
A conversão foi feita pelo dólar médio de 1990 no valor de US$ 67,78, já que o programa funcionou ao longo do ano.
12
A conversão foi feita pelo dólar médio de 1991 no valor de US$ 410,16. Cabe ressaltar que tinham sido consignados no OGU para o PNLCC aproxima-
damente US$ 106,8 milhões. Os US$ 6,6 milhões disponíveis em 1991 se referem exclusivamente a gastos com indenizações e restituições ao Banco do
Brasil. Foram para Crédito não utilizado em torno de US$ 7,3 milhões e o restante, cerca de US$ 93 milhões em 1991, destinaram-se ao Inan e à FAE
para aquisição de leite em pó. Salienta-se que esses recursos só foram utilizados no exercício de 1992, tendo sofrido uma desvalorização de quase 70%.
13
O cálculo do custo do programa foi feito a partir dos preços de valoração dos estoques (PVEs) de novembro de 1990 a janeiro de 1991. O valor médio
do dólar daquele período foi de US$ 156,04. Como não se dispõe do cronograma preciso de escoamento dos estoques, partiu-se do pressuposto de que
a maior parte dos alimentos in natura foi vendida e/ou trocada no mercado no período de novembro de 1990 a janeiro de 1991.
14
A conversão foi feita pelo dólar médio de fevereiro a junho de 1992 no valor de US$ 2.209,04, o que correspondeu ao período de implementação do
programa. Uma parte dessa intervenção foi financiada com estoques públicos de alimentos vendidos no mercado, sendo o resultado dessas transações
incorporados no custo do programa.
15
O cálculo do custo da distribuição do feijão foi feito a partir do PVE médio do produto no período de vigência do programa, ou seja, a US$ 319/t. As
estimativas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) foram transformadas pelo dólar médio de março a maio de 1993 – no valor
de US$ 29.458,72 –, período correspondente à maior retirada do produto.
16
A conversão foi feita pelo dólar médio de dezembro de 1993 no valor de US$ 277,75, quando os recursos foram alocados na conta da Companhia
Nacional de Abastecimento (Conab) e do Exército.
17
A conversão foi feita pelo dólar médio de cada ano.
Obs.: 1. PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar; PSA – Programa de Suplementação Alimentar; PCA – Programa de Complementação Alimentar;
PAN – Programa de Apoio Nutricional; PNLCC – Programa Nacional do Leite para Crianças Carentes; GGI – Gente da Gente I; GGII – Gente da Gente II;
Prodea – Programa de Distribuição Emergencial de Alimentos; Inan – Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição.
2. Convém ressaltar que os dados correspondem apenas aos recursos alocados pelo governo federal nos programas alimentares, não permitindo uma
avaliação mais precisa dos custos do atendimento. As informações disponíveis não permitem essa análise porque os números não refletem os gastos com
recursos humanos, físicos e administrativos nas diversas esferas de governo e na contrapartida local. Entretanto, foi feito um esforço no sentido de que a
transformação dos cruzeiros correntes para dólares fosse a mais fiel possível aos períodos de aquisição dos alimentos (essas informações estão indicadas
nas notas da tabela). Com isso, obtém-se um resultado mais próximo da despesa real efetuada pela União em programas de alimentação e nutrição.
Brasil: os programas federais de alimentação e nutrição no início da década de 1990 | 75
TABELA A.2
PAN: beneficiários, volume de alimentos distribuídos e recursos financeiros alocados
(1990 e 1991)
Ano Beneficiários (1 mil) Alimentos (t) Recursos (US$ 1 milhão)
TABELA A.3
PNLCC: beneficiários, volume de leite distribuído e recursos financeiros alocados
(1990 e 1991)
Ano Beneficiários (1 mil) Leite (l) Recursos (US$ 1 milhão)
1990 1
7.818 1.157.316.484 669,3
19912 - 6,6
TABELA A.4
PSA: beneficiários, volume de alimentos distribuídos e recursos financeiros alocados
(1990-1992)
Ano Beneficiários (1 mil) Alimentos (t) Recursos (US$ 1 milhão)
Fonte: Inan.
Elaboração: CPS/Ipea.
Nota: 1 Corresponde à distribuição de leite em pó com recursos financeiros provenientes do extinto PNLCC.
Obs.: Para atender adequadamente (dez cestas anuais) a 6,7 milhões de beneficiários (1,8 milhão de mães e 4,9 milhões de
crianças menores de 36 meses), seriam necessárias 360 mil toneladas de alimentos.
76 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
TABELA A.5
PSA (1990 e 1991)
A.5A – Volume de alimentos distribuídos, por região (t)
Fiambre e carne
Arroz Feijão Macarrão Leite em pó Mistura láctea Total
Região enlatada
1990 1991 1990 1991 1990 1991 1990 1991 1990 1991 1990 1991 1990 1991
Norte 1.743 1.091 1.228 763 1.305 763 681 425 51 261 141 - 5.149 3.303
Nordeste 10.821 5.688 7.533 3.977 9.318 3.977 4.830 2.215 621 1.359 752 - 33.875 17.216
Centro-Oeste 1.018 797 715 573 714 573 352 321 - 210 101 - 2.900 2.474
Sudeste 4.562 3.022 3.248 2.148 3.397 2.148 1.163 1.201 675 764 380 - 13.425 9.283
Sul 1.736 1.370 1.208 974 1.208 973 577 545 152 346 171 - 5.052 4.208
Total 19.880 11.968 13.932 8.435 15.942 8.434 7.603 4.707 1.499 2.940 1.545 - 60.401 36.484
Mães 4 2 2 1 -
Crianças de 6 a 18 meses 1 1 1 - 1,5
Crianças de 19 a 36 meses 1 1 1 1 -
Fonte: Inan.
Elaboração: CPS/Ipea.
TABELA A.6
PSA: distribuição dos beneficiários e do volume de alimentos, por região
Alimentos
Beneficiários
Região 1990 1991
N % t % t %
Fonte: Inan.
Elaboração: CPS/Ipea.
TABELA A.7
PSA: volume de leite em pó adquirido com recurso do PNLCC e beneficiários, por
Unidade da Federação (UF)
UF Leite em pó (kg) Beneficiários1
Norte 328.350 314.350
RO 50.000 50.000
AC 25.000 21.520
AM 61.425 58.316
(Continua)
Brasil: os programas federais de alimentação e nutrição no início da década de 1990 | 77
(Continuação)
UF Leite em pó (kg) Beneficiários1
RR 25.000 25.000
PA 125.000 125.000
AP 25.000 18.418
TO 16.925 16.096
Nordeste 1.438.425 1.340.159
MA 174.525 165.707
PI 100.050 84.289
CE 225.000 203.398
RN 77.175 73.292
PB 125.000 104.698
PE 235.750 234.433
AL 83.500 79.290
SE 49.000 44.627
BA 350.425 350.425
Centro-Oeste 198.575 198.575
MS 36.050 36.050
MT 41.325 41.325
GO 85.625 85.625
DF 35.575 35.575
Sudeste 621.600 621.600
MG 247.150 247.150
ES 30.025 30.025
RJ 127.525 127.525
SP 216.900 216.900
Sul 312.050 312.050
PR 131.100 131.100
SC 74.775 74.775
RS 106.175 106.175
Total 2.889.000 2.786.734
TABELA A.8
PNAE: estimativa dos beneficiários, por região (1990)
Peae Paie Total
Região
N % N % N %
(Continuação)
Peae Paie Total
Região
N % N % N %
Centro-Oeste 2.061.552 8,5 268.171 5,0 2.329.723 7,8
Total 24.361.077 100,0 5.314.991 100,0 29.680.968 100,0
Fonte: FAE.
Elaboração: CPS/Ipea.
Obs.: O Programa Estadual de Alimentação Escolar (Peae) envolve os pré-escolares e escolares do primeiro grau de toda a rede
pública nacional, assim como os alunos das escolas filantrópicas.
TABELA A.9
PNAE: alunos atendidos, volume de alimentos distribuídos e recursos financeiros
alocados (1990-1992)
Ano Alunos (1 mil) Alimentos (t)1 Recursos (US$ 1 milhão)
Fonte: FAE.
Elaboração: CPS/Ipea.
Notas: 1 Incluindo alimentos formulados.
2
Não estão incluídas as 1.349 t de leite em pó distribuídas com os recursos do extinto PNLCC. Vale destacar que, no
final do ano, a FAE repassou recursos diretamente para os estados num valor equivalente a cinco dias de merenda,
que não estão computados nesta tabela.
Obs.: Para atender adequadamente (15% das necessidades diárias do aluno) a 30,6 milhões de crianças (na pré-escola, no
primeiro grau e em escolas filantrópicas), seriam necessárias cerca de 500 mil toneladas de alimentos.
TABELA A.10
PNAE: distribuição de produtos básicos e formulados, por região (1990-1992)
(Em t)
1990 1991 1992
Região Produtos Produtos Produtos Produtos Produtos Produtos
Total Total Total
básicos formulados básicos formulados básicos formulados
Norte 7.809 5.766 13.575 6.293 3.828 10.121 8.918 861 9.779
Nordeste 36.109 19.953 56.062 30.198 12.576 42.774 35.477 1.928 37.405
Sudeste 18.587 13.954 32.541 33.893 17.381 5 1.274 22.918 3.576 26.494
Sul 14.100 8.891 22.991 15.084 5.600 20.684 11.306 1.330 12.636
Centro-Oeste 9.763 3.184 12.947 6.886 2.945 9.831 6.221 382 6.603
Total 86.368 51.748 138.116 92.354 42.330 134.684 84.840 8.077 92.918
Fonte: FAE.
Elaboração: CPS/Ipea.
Brasil: os programas federais de alimentação e nutrição no início da década de 1990 | 79
TABELA A.11
PNAE: evolução dos beneficiários e do volume de alimentos distribuídos, por região
(1990-1992)
1990 1991 1992
Região
Beneficiários Alimentos (t) Beneficiários Alimentos (t) Beneficiários Alimentos (t)1
Brasil 29.680.968 138.116 29.065.105 134.684 30.600.250 92.918
Norte 2.902.899 13.575 2.636.985 10.121 2.884.913 9.779
Nordeste 12.244.417 56.062 9.156.100 42.774 9.581.943 37.405
Sudeste 7.533.663 32.541 11.191.449 51.274 11.693.837 26.495
Sul 4.670.266 22.990 4.007.316 20.684 4.279.976 12.636
Centro-Oeste 2.329.723 12.948 2.073.255 9.831 2.159.58I 6.603
Fonte: FAE.
Elaboração: CPS/Ipea.
Nota: 1 Não estão incluídas as 1.349 t de leite em pó distribuídas com os recursos do extinto PNLCC. Vale destacar que, no
final do ano, a FAE repassou recursos diretamente para os estados num valor equivalente a cinco dias de merenda, que
não estão computados nesta tabela.
TABELA A.12
PAT: trabalhadores beneficiados, por região (1990-1992)1
1990 1991 1992
Região
N % N % N %
TABELA A.13
PAT: empresas participantes, por região (1990-1993)1
1990 1991 1992 1993
Região
N % N % N % N %
TABELA A.14
PAT: proporção de trabalhadores beneficiados, por tipo de serviço (1990 e 1992)1
(Em %)
Ano Convênio Fornecedor Próprio Cesta Total
TABELA A.15
PAT: trabalhadores beneficiados, por faixa de salário mínimo (1992)1
Beneficiados
Salário mínimo
N %
TABELA A.16
GGI: municípios atendidos, polos de distribuição, famílias beneficiadas e volume de
alimentos distribuídos, por estado (nov. 1990-maio 1991)
Estado Municípios Polos de distribuição Famílias Alimentos (kg)
TABELA A.17
GGI: volume mensal de cada alimento distribuído na cesta do programa, por estado
(nov. 1990-maio 1991)
(Em kg)
Estado Arroz Farinha Feijão Fubá Total
Fonte: Dirab/Conab.
Elaboração: CPS/Ipea.
Obs.: Houve alteração na composição das cestas a partir da terceira distribuição: fase inicial (primeira e segunda distribuição) –
10 kg de arroz, 3 kg de fubá e 3 kg de farinha; segunda fase (a partir da terceira distribuição): 10 kg de arroz, 3 kg de
farinha, 2 kg de fubá e 1 kg de feijão.
TABELA A.18
GGII: municípios atendidos, polos de distribuição, famílias beneficiadas e volume de
alimentos distribuídos, por estado (fev.-jun. 1992)
Estado Municípios Polos de distribuição Famílias Alimentos (kg)
Fonte: Dirab/Conab.
Elaboração: CPS/Ipea.
Obs.: Para atender a 655 mil famílias durante cinco meses, foram distribuídas 3.275.000 cestas de 16 kg de alimentos.
82 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
TABELA A.19
GGII: volume mensal de cada alimento distribuído na cesta do programa, por estado
(fev.-jun. 1992)
(Em kg)
Estado Arroz Farinha Feijão Fubá Açúcar Óleo de soja Total
Fonte: Dirab/Conab.
Elaboração: CPS/Ipea.
Obs.: Composição das cestas de 16 kg de alimentos: 5 kg de arroz, 3 kg de farinha, 3 kg de feijão, 2 kg de fubá, 2 kg de
açúcar e 1 lata de óleo de soja.
TABELA A.20
Programa de Atendimento aos Desnutridos e às Gestantes em Risco Nutricional – Leite
é Saúde: municípios atendidos, beneficiários e recursos financeiros repassados pela
União, por UF (1993)
Beneficiários
Recursos
UF Municípios Crianças
Contatos1 Gestantes Total (US$)2
desnutridas
(Continuação)
Beneficiários
Recursos
UF Municípios Crianças
Contatos1 Gestantes Total (US$)2
desnutridas
MA 7 9.324 18.648 6.362 34.334 1.497.877
PB 30 7.271 14.542 4.845 26.658 1.151.705
PE 5 8.098 16.196 4.938 29.232 1.444.570
PI 17 10.696 21.392 5.228 37.316 1.761.198
RN 7 6.075 12.150 4.713 22.938 928.360
SE 6 5.445 10.890 2.146 18.481 904.018
Sudeste 60 68.000 136.000 40.698 244.698 10.883.357
ES 5 1.305 2.610 3.441 7.356 252.632
MG 38 13.008 26.016 15.396 54.420 2.087.213
RJ 3 21.116 42.232 7.180 70.528 3.311.623
SP 14 32.571 65.142 14.681 112.394 5.231.889
Sul 22 11.281 22.562 9.352 43.195 1.894.343
PR 9 3.501 7.002 3.859 14.362 602.360
RS 12 5.575 11.150 3.840 20.565 908.768
SC 1 2.205 4.410 1.653 8.268 383.214
Centro-Oeste 34 12.184 24.368 10.453 47.005 1.994.816
DF 1 720 1.440 275 2.435 126.146
GO 29 9.330 18.660 7.624 35.614 1.543.849
MS 1 464 928 547 1.939 70.387
MT 3 1.670 3.340 2.007 7.017 254.434
Fonte: Inan.
Elaboração: CPS/Ipea.
Notas: 1 Crianças de 2 a 5 anos que sejam irmãs dos desnutridos menores de 2 anos inscritos no programa.
2
A conversão foi feita pelo dólar médio de outubro e novembro de 1993 no valor de US$ 171,23.
TABELA A.21
Programa de Atendimento aos Desnutridos e às Gestantes em Risco Nutricional – Leite
é Saúde: beneficiários e recursos financeiros repassados pela União, por capital (1993)
Beneficiários Beneficiários nas
Capital capitais/total de Recursos (US$)1
N % beneficiários
Brasil 460.026 100,0 63,7 21.789.020
Norte 60.979 13,3 73,5 2.834.787
Rio Branco 4.812 1,0 100,0 196.097
Manaus 26.693 5,8 99,3 1.317.113
Macapá 4.383 1,0 100,0 178.613
Boa Vista 4.115 0,9 100,0 167.694
Porto Velho 7.453 1,6 67,8 303.719
Belém 12.690 2,8 51,4 637.609
Palmas 833 0,2 11,6 33.942
(Continua)
84 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
(Continuação)
Beneficiários Beneficiários nas
Capital capitais/total de Recursos (US$)1
N % beneficiários
Nordeste 169.712 35,9 55,7 8.274.641
Maceió 19.910 4,3 100,0 1.037.156
Salvador 16.722 3,6 60,6 853.963
Fortaleza 32.672 7,1 37,1 1.629.573
São Luís 18.435 4,0 53,7 752.091
João Pessoa 6.340 1,4 23,8 329.535
Recife 20.553 4,5 70,3 1.039.103
Teresina 25.593 5,6 68,6 1.285.926
Natal 16.227 3,5 70,7 656.091
Aracaju 13.260 2,9 71,7 691.203
Sudeste 185.649 40,4 75,9 8.630.533
Vitória - - - -
Belo Horizonte 17.158 3,7 31,5 602.552
Rio de Janeiro 65.000 14,1 92,2 3.117.493
São Paulo 103.491 22,5 92,1 4.910.488
Sul 23.524 5,1 54,5 1.113.689
Curitiba 8.524 1,9 59,4 398.817
Porto Alegre 15.000 3,3 72,9 714.872
Florianópolis - - - -
Centro-Oeste 20.162 4,4 42,9 935.371
Distrito Federal 2.435 0,5 100,0 126.146
Goiânia 11.625 2,5 32,6 587.723
Campo Grande - - - -
Cuiabá 6.102 1,3 87,0 221.502
Fonte: Inan.
Elaboração: CPS/Ipea.
Nota: 1 A conversão foi feita pelo dólar médio de outubro e novembro de 1993 no valor de US$ 171,23.
TABELA A.22
PNAE: distribuição dos beneficiários e dos recursos financeiros repassados pela União,
por região (1993)
Beneficiários Recursos Recursos (%)
Região
N % (US$ 1 milhão) Para os estados Para os municípios1 Total
Fonte: FAE.
Elaboração: CPS/Ipea.
Nota: 1 Aderiram à descentralização do programa 23 capitais e 286 municípios com população acima de 50 mil habitantes.
Brasil: os programas federais de alimentação e nutrição no início da década de 1990 | 85
TABELA A.23
PNAE: municípios candidatos e municípios habilitados para a descentralização do
programa, por UF (1993)
UF Municípios candidatos1 Alunos Municípios habilitados2 Alunos
Brasil 591 11.438.547 309 6.054.988
Norte 45 727.687 23 304.856
AC 2 18.241 2 25.782
AM 7 78.437 2 93.044
AP 2 14.337 2 11.605
RR 1 0 1 1.148
RO 8 145.149 8 82.707
PA 22 433.396 5 65.910
TO 3 38.127 3 24.660
Nordeste 180 2.729.408 86 1.442.718
AL 8 117.465 6 68.758
BA 41 646.774 10 150.115
CE 23 312.054 17 231.088
MA 24 539.417 15 362.837
PB 19 177.306 11 85.255
PE 30 592.074 13 166.150
PI 19 196.503 7 199.690
RN 9 82.222 3 122.092
SE 7 65.593 4 56.733
Sudeste 205 5.706.839 100 3.140.998
ES 10 308.621 3 32.632
MG 66 1.295.267 45 929.168
RJ 29 875.989 8 103.365
SP 100 3.226.962 44 2.075.833
Sul 140 1.866.780 85 844.400
PR 39 632.841 31 475.736
RS 65 817.386 40 243.783
SC 36 416.553 14 124.881
Centro-Oeste 21 407.833 15 322.016
DF 0 0 0 0
GO 10 213.102 5 107.631
MS 5 82.837 4 143.887
MT 6 111.894 6 70.498
Fonte: FAE.
Elaboração: CPS/Ipea.
Notas: 1 Inclui capitais (26 – o DF é considerado Estado), municípios com população acima de 50 mil habitantes e municípios
que participaram da experiência de descentralização em 1986-1989 (565).
2
Número de municípios que preencheram os requisitos de participação do programa e que foram efetivamente incorporados.
86 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
TABELA A.24
Ação Emergencial de Doação de Feijão à População Carente: distribuição mensal
(fev.-set. 1993)
(Em t)
Mês Distribuição
Fevereiro 1.698
Março 27.056
Abril 18.049
Maio 12.784
Junho 8.941
Julho 8.416
Agosto 9.170
Setembro 1.768
Total 87.882
Fonte: BB (1993).
TABELA A.25
Ação Emergencial de Doação de Feijão à População Carente: volume de feijão doado,
retirado e não retirado, por região (1993)
(Em t)
Região Feijão doado Feijão retirado Feijão não retirado
Fonte: BB (1993).
TABELA A.26
Prodea: municípios atendidos, famílias beneficiadas e volume de alimentos distribuídos,
por estado (1993)
Estado Municípios Famílias Alimentos (t)1
(Continuação)
Estado Municípios Famílias Alimentos (t)1
Sergipe 35 62.756 6.275,6
Bahia 246 372.767 37.276,7
Minas Gerais 50 54.735 5.473,5
Total 1.162 2.050.000 205.000
REFERÊNCIAS
BB – BANCO DO BRASIL. O Banco do Brasil na Ação Emergencial de Doação
de Feijão à População Carente. Brasília: Deape, 1993.
BRASIL. Ministério da Ação Social. Programa Nacional do Leite para Crianças
Carentes – PNLCC: relatório 1990. Brasília: Senpros, 1990.
______. Ministério do Bem-Estar Social. Ação emergencial de distribuição de
alimentos à população pobre: metodologia e operacionalização. Brasília: Sehac,
1993. (Relatório Técnico, n. 2).
CONAB – COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO. Relatórios
parciais sobre o programa Gente da Gente I. Brasília: Conab, 1991.
______. Relatórios parciais sobre o programa Gente da Gente II. Brasília:
Conab, 1992.
FAE – FUNDAÇÃO DE ASSISTÊNCIA AO ESTUDANTE. Proposta para
atendimento ao Programa de Alimentação dos Irmãos dos Escolares – Paie.
Brasília: FAE, 1986.
______. Relatório anual de atividades de 1990. Brasília: FAE, 1990.
______. Relatório anual de atividades de 1991. Brasília: FAE, 1991.
______. Relatório anual de atividades de 1992. Brasília: FAE, 1992.
______. Relatório anual de atividades de 1993. Brasília: FAE, 1993.
FLBA – FUNDAÇÃO LEGIÃO BRASILEIRA DE ASSISTÊNCIA. Plano diretor
LBA – triênio 1991/1993. Brasília, 1990.
______. Relatório de atividades. Brasília, ago. 1991a.
______. LBA relatório geral – 1990. Brasília, 1991b.
88 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
1 INTRODUÇÃO
Segurança alimentar significa o acesso por todas as pessoas e em todos os momentos
a uma alimentação suficiente para uma vida ativa e saudável.
Há indicações claras de que o combate à fome foi incorporado pelo governo
federal como a grande prioridade nacional. Por meio de uma proposta de mobiliza-
ção conjunta de esforços do setor público, dos partidos políticos e da sociedade civil,
a questão da segurança alimentar deverá assumir uma nova feição no Brasil, com
uma importância proporcional, espera-se, à dimensão e à gravidade do problema.
A manifestação concreta dessa prioridade é a criação do Conselho Nacional de Se-
gurança Alimentar (Consea), presidido pelo próprio presidente da República, que se
responsabilizará pelo encaminhamento da Política Nacional de Segurança Alimentar.
O Ipea tem acompanhado todas as etapas de implementação de tal em-
preendimento. Coube-nos, até agora, a tarefa de dimensionar a população que
apresenta condições mais graves de insuficiência alimentar (o Mapa da Fome),
além da condução de propostas iniciais para quatro questões identificadas como
de prioridade imediata:
• redução dos preços dos produtos que compõem a cesta básica;
• descentralização da merenda escolar;
• implantação de um programa de atendimento ao desnutrido; e
• revisão e ampliação do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT).
Este documento é o primeiro resultado da análise da questão alimentar no
Brasil. Nele são expostos os indicadores da indigência e da fome (desagregados por
áreas metropolitanas, urbanas e rurais de cada Unidade da Federação), os dados
regionalizados sobre a produção de alimentos e algumas considerações sobre as
prioridades de intervenção para o enfrentamento do problema alimentar no país.
1. Originalmente publicado como: Peliano, A. M. M. (Coord.). O mapa da fome: subsídios à formulação de uma política de
segurança alimentar. Brasília: Ipea, mar. 1993. (Documento de Política, n. 14). Disponível em: <https://bit.ly/3pSbTvG>.
2. O texto original contou com a colaboração de Alfonso Rodrigues Arias, Guilherme Costa Delgado, Lúcia Manalti
Panariello, Luis Carlos dos Santos, Marco Antonio Lima Lincon, Maria Alice C. Barbosa, Marly Izaltina dos Santos Pinto,
Nathalie Beghin e Sebastião Francisco Camargo.
90 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
3. A ocorrência de índices mais elevados de desnutrição nas áreas rurais deve-se a maiores dificuldades de acesso a
serviços de saúde e saneamento.
O Mapa da Fome: subsídios à formulação de uma política de segurança alimentar | 91
A curto prazo, a redução dos preços poderá ser alcançada por meio de acordos
negociados entre o governo e os principais representantes do complexo agroali-
mentar, bem como das redes de supermercados, com o propósito de se estabelecer
uma regra de reajuste de preços que tenha por referência a política salarial. Esse
acordo deverá restringir-se a um grupo de dez alimentos que compõem o cardápio
tradicional da família brasileira e contemplar, como contrapartida do governo, a
redução dos impostos que oneram a produção e a comercialização dos produtos.
5 PRÓXIMOS PASSOS
O trabalho do Ipea, em seguida, estará voltado para o detalhamento de propostas
para cada uma das questões inicialmente consideradas e que abrangem o bara-
teamento da cesta básica e os programas governamentais de alimentação. A esse
respeito, atenção especial deverá ser atribuída ao problema da garantia de recursos
indispensáveis ao atendimento das metas, previstas especialmente para o programa
de merenda escolar e de atenção aos desnutridos.
O detalhamento das propostas mencionadas no parágrafo anterior será
realizado em conjunto com os ministérios setoriais envolvidos e o seu resultado,
debatido com os diversos segmentos da sociedade. Os documentos finais serão
encaminhados à apreciação do Consea.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
BATISTA FILHO, M.; BARBOSA, N. de P. Pró-memória – alimentação e
nutrição no Brasil: 1974-1984. Brasília: Inan/MS, 1984. 87 p. Disponível em:
<https://bit.ly/3wogdUt>.
PELIANO, A. M. M.; BEGHIN, N. O papel do Estado na área de alimentação
e nutrição. Brasília: CPS/Ipea, dez. 1992. (Documento de Trabalho, n. 7).
SAMPAIO, Y.; VITAL, T. W. Alimentação e nutrição: a situação atual, a política
de alimentação e nutrição e suas perspectivas. SAE, nov. 1992. (Projeto Alimentos,
n. BRA-91/014). Mimeografado.
O Mapa da Fome: subsídios à formulação de uma política de segurança alimentar | 95
APÊNDICE A1
FIGURA A.1
Distribuição da população indigente – Brasil
1. Entendem-se pessoas indigentes como aquelas cuja renda familiar corresponde, no máximo, ao valor de aquisição
de uma cesta básica de alimentos que atendam, para a família como um todo, aos requerimentos nutricionais reco-
mendados pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a Organização Mundial da
Saúde (OMS) e a Organização das Nações Unidas (ONU).
96 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
FIGURA A.2
Distribuição da produção nacional de grãos alimentícios – Brasil
Elaboração: CPS/Ipea.
Obs.: 1. A produção das 63 zonas estratificadas corresponde a 81% da produção nacional de milho, feijão, arroz, soja e trigo
de 1986 a 1989, ou cerca de 48 milhões de toneladas.
2. Figura reproduzida em baixa resolução em virtude das condições técnicas dos originais (nota do Editorial).
O Mapa da Fome: subsídios à formulação de uma política de segurança alimentar | 97
GRÁFICO A.1
Distribuição percentual de pessoas indigentes, segundo UFs agrupadas por região (1990)1
GRÁFICO A.2
Distribuição percentual de pessoas indigentes nas áreas urbana e rural, segundo UFs
agrupadas por região (1990)1
GRÁFICO A.3
Distribuição percentual de pessoas indigentes, por UF (1990)1
GRÁFICO A.4
Distribuição percentual de pessoas indigentes nas áreas urbana e rural, por UF (1990)1
TABELA A.1
Estimativa de pessoas indigentes por área de domicílio, segundo UF (1990)
Área urbana
UF Total Área metropolitana Área rural
não metropolitana
Fonte: Dados brutos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 1990/Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Elaboração: CPS/Ipea.
Notas: 1 Exclusive as pessoas da área rural.
2
Inclusive as pessoas da área rural.
3
Exclusive as pessoas da área rural da região Norte.
100 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
TABELA A.2
Proporção de pessoas indigentes em relação ao total de pessoas por área de domicílio,
segundo UF (1990)
Área urbana
UF Total Área metropolitana Área rural
não metropolitana
TABELA A.3
Distribuição percentual de pessoas indigentes por área de domicílio, segundo UF (1990)
Área urbana
UF Total Área metropolitana Área rural
não metropolitana
TABELA A.4
Distribuição percentual de pessoas indigentes em relação ao total de pessoas por área
de domicílio, segundo UF (1990)
Área urbana
UF Total Área metropolitana Área rural
não metropolitana
TABELA A.5
Proporção de pessoas indigentes por área de domicílio, segundo UF (1990)
Área urbana
UF Total Área metropolitana Área rural
não metropolitana
TABELA A.6
População residente por área de domicílio, segundo UF (1990)
Área urbana
UF Total Área metropolitana Área rural
não metropolitana
AM 1.419.603 - 1.419.603 -
RR 87.293 - 87.293 -
PA 2.573.571 1.206.108 1.367.463 -
AP 105.320 - 105.320 -
Nordeste 42.264.091 7.496.686 16.545.436 18.221.969
MA 5.127.772 - 1.879.976 3.247.796
PI 2.633.200 - 1.226.973 1.406.227
CE 6.427.695 2.173.004 1.591.174 2.663.517
RN 2.312.310 - 1.525.332 786.978
PB 3.236.088 - 2.081.588 1.154.500
PE 7.181.242 2.971.310 2.089.681 2.120.251
AL 2.418.107 - 1.391.155 1.026.952
SE 1.401.811 - 746.844 654.967
BA 11.525.866 2.352.372 4.012.713 5.160.781
Sudeste 64.472.369 31.808.612 23.365.773 9.297.984
RJ 13.929.217 11.202.703 1.668.738 1.057.776
MG 15.606.971 3.631.431 7.861.250 4.114.290
ES 2.504.154 - 1.624.562 879.592
SP 32.432.027 16.974.478 12.211.223 3.246.326
Sul 22.554.056 5.384.607 9.794.562 7.374.887
PR 9.096.924 2.362.826 3.856.770 2.877.328
SC 4.437.013 - 2.653.275 1.783.738
RS 9.020.119 3.021.781 3.284.517 2.713.821
Centro-Oeste 10.179.387 - 7.403.004 2.776.383
MS 1.752.919 - 1.363.129 389.790
MT 1.718.408 - 998.976 719.432
GO 4.900.216 - 3.380.183 1.520.033
DF2 1.807.844 - 1.660.716 147.128
Brasil 3
144.411.554 45.896.013 60.844.318 37.671.223
TABELA A.7
Mapeamento da produção agrícola do Brasil
Território
Produção
Zona Estado de ocorrência Área (km2) nacional Municípios Produtos Produção (t)
nacional (%)
(%)
1 PI, SE, AL, SP, SC e RS 101.359 1,19 24 Arroz, milho, feijão e soja 1.070.092 2,23
10 MT, MS e GO 102.820 1,21 12 Arroz, milho e soja 820.243 1,71
11 MG e RO 115.695 1,36 4 Arroz e feijão 26.210 0,05
12 RO 64.310 0,76 1 Arroz e feijão 6.584 0,01
13 RJ 25.803 0,30 1 Arroz e feijão 7.513 0,02
15 MS 126.618 1,49 2 Arroz, milho e soja 90.189 0,19
16 MT, GO e TO 86.403 1,02 5 Arroz e soja 104.443 0,22
PI, CE, RN, PB, PE,
17 366.661 4,21 100 Arroz, milho e feijão 393.842 0,82
BA e SE
18 RO 20.672 0,24 1 Arroz, milho e feijão 25.257 0,05
19 MT 37.625 0,44 8 Arroz, feijão e soja 233.851 0,49
20 MA e TO 122.776 1,44 8 Arroz e milho 71.782 0,15
21 PA 47.817 0,56 1 Arroz, milho e feijão 49.062 0,10
22 TO 63.511 0,75 2 Arroz 21.290 0,04
23 SC 26.090 0,31 15 Arroz, milho e feijão 199.756 0,42
30 AC 103.664 1,22 1 Arroz, milho e feijão 23.718 0,05
31 MA e PA 377.654 4,44 4 Arroz, milho e feijão 195.070 0,41
34 PA 164.915 1,94 1 Arroz 17.020 0,04
35 PA 390.639 4,59 9 Arroz, milho e feijão 143.623 0,30
36 AC, RO e MA 451.340 5,30 5 Arroz, milho e feijão 141.925 0,30
38 MT 57.133 0,67 1 Arroz 5.026 0,01
39 PA 341.205 4,01 2 Milho e feijão 17.958 0,04
40 MA e PI 137.986 1,62 43 Arroz, milho e feijão 554.552 1,16
PI, CE, RN, PB, PE,
43 410.449 4,82 132 Arroz, milho e feijão 420.884 0,88
AL e SE
44 BA e MG 60.667 0,71 8 Arroz, milho e feijão 42.819 0,09
46 RS 32.588 0,38 7 Arroz, milho, feijão e soja 591.598 1,23
Arroz, milho, feijão, soja
47 RS 20.517 0,24 8 474.029 0,99
e trigo
48 MG e RJ 43.570 0,51 13 Arroz, milho e feijão 103.579 0,22
49 BA e MG 57.678 0,68 3 Feijão 11.714 0,02
50 MG e ES 43.332 0,51 16 Arroz, milho e feijão 173.727 0,36
51 MG e ES 23.009 0,27 10 Arroz, milho e feijão 104.413 0,22
52 RJ 8.082 0,11 2 Arroz 12.325 0,03
53 MG, ES, RJ e SP 35.877 0,42 12 Arroz, milho e feijão 121.491 0,25
(Continua)
106 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
(Continuação)
Território
Produção
Zona Estado de ocorrência Área (km2) nacional Municípios Produtos Produção (t)
nacional (%)
(%)
(Continuação)
Território
Produção
Zona Estado de ocorrência Área (km2) nacional Municípios Produtos Produção (t)
nacional (%)
(%)
91 MG e GO 78.749 0,93 37 Arroz, milho, feijão e soja 1.650.027 3,44
Arroz, milho, feijão, soja
92 SP, PR, MG e GO 78.255 0,92 124 5.161.546 10,76
e trigo
Total 6.547.003 76,85 1,455 47.975.329 100,00
REFERÊNCIAS
ÁRIAS, A. R. et al. Brasil: estimativas das pessoas indigentes, por situação do
domicílio, segundo Unidades da Federação, 1990. Brasília: CPS/Ipea, mar. 1993.
Mimeografado.
EMBRAPA – EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA.
Mapeamento da produção de grãos no Brasil. SAE, 1992. (Projeto Alimentos,
n. BRA-91/014). Mimeografado.
CAPÍTULO 5
1 INTRODUÇÃO
Já em 1951, Josué de Castro, em sua Geopolítica da Fome, premonitoriamente
nos alertava:
no mundo atual, constituído como um organismo vivo e unitário, com todas as suas
partes indissoluvelmente ligadas, não é mais possível deixar-se impunemente uma
região sofrendo fome, apodrecendo e morrendo de fome sem que o mundo inteiro
venha a sofrer as consequências dessa infecção local, e fique também ameaçado de
morte (Castro, 1951).
No Brasil de hoje, essa afirmação, escrita há 43 anos, ilustra o conflito entre
uma estrutura econômica e social, cuja principal caraterística é a exclusão, e um
sistema político-institucional no qual as liberdades individuais e o conceito de
cidadania vão ganhando espaço.
Parafraseando Caetano, “morar em campos de concentração de renda em
São Conrado” parece ser, eticamente, cada vez mais “desconfortante”. A extensão da
violência cotidiana, que já não poupa nenhum setor social, reflete a inviabilidade
de uma ordem social excludente. As alegações econômicas, políticas e psicológicas,
que no passado recente pretendiam justificar a segmentação entre uma minoria
opulenta e uma maioria marginalizada, vão perdendo cada vez mais adeptos, mesmo
entre os beneficiários dessa ordem.
Nessa direção, os acontecimentos políticos de 1992 introduziram no debate
público a questão da ética que, inicialmente restrita ao combate à corrupção, foi
se ampliando para incorporar a solidariedade institucional e civil. Depois da ex-
periência do governo Collor, que fez da “modernidade” seu lema, as alternativas
que esta pode apresentar começam a ser repensadas e reformuladas.
1. Originalmente publicado como: Peliano, A. M. M. (Coord.). Um balanço das ações de governo no combate à fome e
à miséria – 1993. Brasília: Ipea, 1993.
2. O texto original contou com a colaboração de Ana Lúcia Lobato, Carlos Alberto Ramos, Enid Rocha, Guilherme Costa
Delgado, Nathalie Beghin e Ronaldo Coutinho Garcia.
110 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
2 DIRETRIZES E PRIORIDADES
3. Do original: “ce ne sera pas parce que tel est le sens de l'Histoire mais parce que nous aurons fait l'histoire pour
qu'elle prenne ce sens”.
112 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
4. Considerando que apenas 38 mil empresas participavam do programa, enquanto cerca de 380 mil poderiam fazê-lo.
5. Ver capítulo 4 desta obra.
Um Balanço das Ações de Governo no Combate à Fome e à Miséria – 1993 | 113
6. Fizeram parte da referida comissão: Herbert de Souza, sociólogo; dom Mauro Morelli, o bispo da Diocese de Duque
de Caxias; Josenilda Brant, presidente do Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição (Inan); Denise Paiva, assessora
especial para assuntos sociais da Presidência da República; Anna Maria Medeiros Peliano, coordenadora da Coordenação
de Política Social (CPS) do Ipea; e Yeda Crusius, ministra da Secretaria de Planejamento, Orçamento e Coordenação da
Presidência da República (Seplan).
114 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
7. A estratégia operacional do Prodea foi estabelecida com a interferência do Consea que participa hoje da Comissão
Nacional Executiva do programa com a Companhia Nacional de Abastecimento do Ministério da Agricultura, do Abas-
tecimento e da Reforma Agrária (Conab/Maara).
8. O Consea está coordenando a realização do movimento Criança: contra a Fome e pela Vida e a Conferência Nacional
de Segurança Alimentar.
118 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
9. Esses beneficiários representam, aproximadamente, 10% da população total do país, podendo atingir 20%
considerando-se os dependentes indiretamente atendidos.
Um Balanço das Ações de Governo no Combate à Fome e à Miséria – 1993 | 121
11. Em 1989, o consumo de leite desses programas era da ordem de 2,1 bilhões de litros/ano, ou seja, aproximada-
mente 15,00% da produção nacional. Em 1992, esses números caíram para 118 milhões e 1,24%, respectivamente.
Um Balanço das Ações de Governo no Combate à Fome e à Miséria – 1993 | 123
12. Estima-se em torno de US$ 9 o custo médio mensal dos alimentos por beneficiário.
13. CR$ 5,5 bilhões – CR$/US$ = 151,225, média de outubro de 1993 (Suma Econômica, 1993, p. 34). Disponível
em: <https://bit.ly/3nNABvs>.
Um Balanço das Ações de Governo no Combate à Fome e à Miséria – 1993 | 125
14. CR$ 662 bilhões – CR$/US$ = 4.512,40, média de 1992 (Suma Econômica, 1993, p. 30).
Um Balanço das Ações de Governo no Combate à Fome e à Miséria – 1993 | 129
15. Base de cálculo para o repasse dos recursos aos estados e aos municípios.
Um Balanço das Ações de Governo no Combate à Fome e à Miséria – 1993 | 131
16. Trinta e dois por cento das matrículas são feitas em escolas municipais e 53%, em escolas estaduais, conforme as
estimativas para 1990 dos estudos estatísticos, feitos pelo MEC, referentes à educação pré-escolar e ao ensino regular
do primeiro e do segundo graus.
Um Balanço das Ações de Governo no Combate à Fome e à Miséria – 1993 | 133
17. Segundo dados da Receita Federal, a renúncia fiscal, em 1990, decorrente do incentivo de até 5%, seria de cerca de
U$$ 115 milhões, valor este considerado irrelevante, dada a dimensão de seu atendimento de 8 milhões de trabalhadores.
134 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
Ampliação do atendimento
Conforme colocado anteriormente, a participação governamental restringe-se
à dedução de até 5% do imposto de renda real ou presumido da empresa. Esse
percentual, contudo, está vinculado ao limite máximo de isenção de 8% concedido
às empresas que fornecem aos seus trabalhadores o valetransporte (constitucional)
e desempenham atividades de desenvolvimento tecnológico e industrial.
Dessa forma, os debates entre os envolvidos diretamente com o programa
(empresários, trabalhadores e governo), no que se refere à legislação fiscal, giraram
em torno da desvinculação do incentivo relativo ao PAT dos demais e da viabilidade
de incentivo fiscal a ser aplicado sobre outros impostos – como o Imposto sobre
Circulação de Mercadoria e Serviço (ICM), o Imposto sobre Produtos Industriali-
zados (IPI) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) –,
de forma a permitir a adesão de pequenas empresas.
Ainda com vistas à revisão da legislação referente ao programa, no que concerne
ao atendimento prioritário aos trabalhadores que recebem até 5 salários mínimos
(SMs), foi proposta a elevação desse teto para até 8 SMs ou 10 SMs.
Para aquelas empresas que optassem pela modalidade serviços próprios, foi
sugerido o estabelecimento de condições diferenciadas de financiamento para
instalação de cozinhas industriais.
136 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
18. Uma listagem sobre os seminários realizados por entidades civis pode ser encontrada no apêndice A.
19. Relação entre calorias e proteína líquida.
Um Balanço das Ações de Governo no Combate à Fome e à Miséria – 1993 | 137
2.2.4 O Prodea
Antecedentes
O Nordeste vinha passando, nos últimos dois anos, pela pior seca já registrada
desde 1932, com a frustração de duas safras consecutivas, que resultou no agra-
vamento do quadro de miséria e degradação humana que prevalece na região.
Em cerca de 1.162 municípios com calamidade pública decretada, mais de 2 milhões
de famílias tentavam sobreviver com 0,5 SM, que corresponde à remuneração dos
22. Este programa foi criado pela Lei no 8.651, de 28 de abril de 1993. Coordenado pela Sudene tem como objetivo
organizar frentes produtivas de trabalho nas áreas atingidas pela seca na região Nordeste (Brasil, 1993b), absorvendo
atualmente 2.055 mil trabalhadores (chefes de família), remunerando-os com 0,5 SM/mês por três dias de trabalho/
semana nas atividades emergenciais.
Um Balanço das Ações de Governo no Combate à Fome e à Miséria – 1993 | 141
Para gerir o Prodea, foi criada uma comissão nacional executiva coordenada
pela Conab e integrada por representantes do Maara, do Ministério da Integração
Regional, do Ministério do Exército, do Ministério da Fazenda, do Banco do Brasil
e por dois membros da ação da cidadania indicados pelo Consea. A comissão tem
como função supervisionar a execução do programa e decidir sobre eventuais pro-
blemas surgidos durante a etapa de implementação. No nível regional foi criada,
com o gabinete da Sudene, uma comissão de coordenação integrada por repre-
sentantes da Conab, da Defesa Civil, do Ministério do Exército, da Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e da ação da cidadania, com
a atribuição de acompanhar e supervisionar as operações do programa.
Metas físicas e custo financeiro do programa
O programa previa distribuir mensalmente 1,5 milhão de cestas, durante quatro
meses consecutivos, em 1.155 municípios com calamidade pública decretada,
atendendo à totalidade das famílias cadastradas no Programa Frentes Produtivas
de Trabalho (tabela 1). No entanto, por determinação da Presidência da República,
reconhecendo a expansão da área atingida pela seca, o número de famílias cadas-
tradas neste programa aumentou para 2.050, implicando elevação, na mesma
magnitude, do número de cestas de alimentos a ser distribuído.
Cada família cadastrada adquire o direito de receber 25 kg de alimentos in
natura, respeitando-se, sempre que possível, a seguinte composição: 12 kg de arroz
em casca, 4 kg de feijão, 6 kg de milho em grão e 3 kg de farinha de mandioca,
que são distribuídos em “recipientes medidas” e colocados em sacos ou sacolas
trazidos pelos próprios beneficiados.
O Prodea foi orçado em CR$ 5,4 bilhões, correspondendo, em setembro de
1993, a US$ 50 milhões. No entanto, mediante os atrasos na sua implementação,
na liberação dos recursos pela Secretaria do Tesouro Nacional, e o aumento no
número de famílias assistidas, tem sido necessária a suplementação proporcional
a este acréscimo, além da diferença equivalente à correção monetária do período
em que as despesas estão sendo efetivadas.
TABELA 1
Quantidade de municípios e famílias beneficiadas pelo Prodea, por estado
Estado Municípios Famílias
Maranhão 38 128.290
Piauí 148 238.865
Ceará 181 369.000
Rio Grande do Norte 136 153.750
Paraíba 159 252.765
Pernambuco 135 345.901
(Continua)
Um Balanço das Ações de Governo no Combate à Fome e à Miséria – 1993 | 143
(Continuação)
Estado Municípios Famílias
Alagoas 34 71.171
Sergipe 35 62.756
Bahia 246 372.767
Minas Gerais 50 54.735
Total 1.162 2.050.000
Fonte: Sudene.
Elaboração: CPS/Ipea.
TABELA 2
Operacionalização da distribuição dos alimentos
2A – Arroz em casca
Quantidade
Origem Destino Distância média (km)
(1 mil quilogramas)
Total 17.998,8
2B – Milho
Quantidade
Origem Destino Distância média (km)
(1 mil quilogramas)
Total 8.999,9
146 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
2C – Farinha de mandioca
Quantidade
Origem Destino Distância média (km)
(1 mil quilogramas)
2D – Feijão
Quantidade
Origem Destino Distância média (km)
(1 mil quilogramas)
Fonte: Conab.
Elaboração: CPS/Ipea.
no Polígono da Seca do país. Neste sentido, sua continuidade irá depender das
mudanças nas condições climáticas que lhes deram origem.
As recentes chuvas ocorridas na região, até o momento da elaboração deste
documento, atingiram apenas o sul do Maranhão e do Piauí e o oeste da Bahia,
surgindo a necessidade de que sejam previstos recursos adicionais para o programa,
caso a estiagem persista em outras regiões. Ressalta-se que a proposta orçamentária
para 1994, apresentada pelos ministérios da Fazenda e do Planejamento, inclui a
rubrica “Prodea” no orçamento do Maara, o que demonstra que o governo federal
está se preparando para o caso de os efeitos da seca persistirem além do que já foi
planejado, e, então, ser necessária a suplementação de recursos.
A ideia de ampliação do Prodea para outras regiões do país, igualmente neces-
sitadas, deve ser analisada com cautela. Como ficou claro no decorrer deste relatório,
o que originou tal programa foi o estado de emergência instalado nas áreas secas do
Nordeste. Em outras regiões, uma ampla discussão com representantes da sociedade
civil local e com as diferentes esferas governamentais é recomendável, a fim de serem
consideradas, além dessa, outras alternativas mais adequadas regionalmente.
estados e dos municípios. Neste sentido, seria imprescindível que os governos estaduais
e municipais se envolvessem mais com a reforma agrária, responsabilizando-se pela
execução de parte maior das atividades. À sociedade civil organizada e às organizações
não governamentais deve caber porção expressiva das ações de suporte aos projetos
de assentamento, além de, o mais importante, dar o essencial respaldo político.
No momento, estamos presenciando o crescimento da consciência so-
cial sobre a miserável situação em que vivem dezenas de milhões de brasileiros.
O Movimento pela Ética na Política, a Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria
e pela Vida e outros movimentos similares têm desempenhado fundamental papel
neste processo. Vivemos um período de construção de uma vontade coletiva para
transformar o Brasil em um país mais democrático, participativo e menos iníquo.
E, para tanto, é necessário fazer avançar a reforma agrária.
Realizá-la não é algo trivial. Existem vultosas dificuldades técnicas, financeiras
e principalmente políticas. Mas não é impossível. Sua viabilidade advém, inclusive,
do fato de ser uma das poucas ações passíveis de implementação mais imediata
e com enorme poder de alterar a estrutura causadora da miséria. As dificuldades
técnicas e financeiras são mais facilmente superáveis. As condições políticas po-
deriam vir a ser criadas, como o foram as condições jurídico-legais (Lei Agrária25
e Lei do Rito Sumário para Desapropriação de Terras26) que tornaram exequíveis
as desapropriações de terras improdutivas e agilizaram, na Justiça, o andamento
dos processos.
O importante é dar início à construção de um novo estilo de desenvolvimento
(mais equitativo, espacialmente desconcentrado e com maior eficiência econômica)
e de uma nova forma de convivência social não pautada na indiferença, na violên-
cia e na desigualdade extrema. A solidariedade, a equidade e a cidadania exigem a
democratização do acesso à terra. Por isso o Consea a fez prioritária.
Breve balanço
De 1990 a 1992, o programa de reforma agrária esteve praticamente paralisado.
Seja porque não havia interesse político em realizá-lo, seja por dificuldades jurídico-
-legais para executar desapropriações de terras, devido à não regulamentação dos
artigos pertinentes da CF/1988. Este quadro se alterou com a administração de
Itamar Franco, que se comprometeu a retomá-la.
No início de 1993, o Congresso Nacional aprovou a Lei Agrária, estabelecendo
critérios definidores da função social da propriedade. O presidente da República a
sancionou, com os vetos reclamados pelos trabalhadores rurais, com o que se torna
possível discriminar as terras improdutivas a serem objeto de desapropriação por
interesse social. Em julho do mesmo ano, após intensa pressão da Ação da Cidadania
contra a Fome, a Miséria e pela Vida, o presidente da Câmara dos Deputados, que
a vinha retendo por contrariar interesses dos latifundiários, encaminha à sanção
presidencial a Lei do Rito Sumário para Desapropriação de Terras. Em 6 de julho
de 1993, o presidente da República fez publicá-la. Este instrumento permite im-
primir maior rapidez aos processos de desapropriação, aumentando a velocidade
da reforma agrária, caso haja vontade política e capacidade operacional para tanto.
Assim, três dias após a publicação da nova lei, foram reiniciadas às desapropria-
ções. Até início de dezembro, 54 propriedades foram declaradas de interesse social
para a reforma agrária, correspondendo a 423 mil hectares, nos quais poderão ser
assentadas cerca de 8.450 famílias.
O Incra já encaminhou ao Maara processos visando à desapropriação de
mais 150 mil hectares (com capacidade de assentar cerca de 6,7 mil famílias) e
está concluindo processos referentes a 61.680 hectares, objetivando beneficiar
3.380 famílias.
No que se refere ao efetivo assentamento de famílias, ao final do exercício de
1993, o Incra havia conseguido implantar mais de cinquenta projetos, com um
total de 7 mil famílias. Levando-se em conta o Programa Emergencial de Reforma
Agrária, no qual foi estipulada a meta de assentar 20 mil famílias, verifica-se que
se realizou apenas 35% do previsto. E isto se deveu a diversas razões.
A mais evidente delas diz respeito às dificuldades técnico-administrativas que
o Incra enfrenta, decorrentes da insuficiência de pessoal qualificado e apto a realizar
as tarefas necessárias, do desaparelhamento material, da precária base de informa-
ções relevantes e da escassez de recursos financeiros apropriados à superação destas
dificuldades (orçamento inadequado e reduzido, e liberações financeiras feitas com
atraso). Não tem sido menos importante a descontinuidade administrativa ocorrida
no Maara (sete ministros em quinze meses), o que tem dificultado a rápida tomada
de decisões, bem como a célere tramitação de processos. Vale ressaltar, também, a
falta de unidade política e administrativa no escalão superior da direção do órgão,
pois a atual gestão, empossada em fevereiro de 1993, ainda não conseguiu nomear
dirigentes afinados com a nova orientação.
Há, no entanto, que se destacar a integral execução do orçamento de crédito
para a reforma agrária, com o que foi possível atender 74.833 famílias com finan-
ciamentos para produção (Programa de Crédito Especial para Reforma Agrária –
Procera e fundos constitucionais de investimentos), e 10.902 famílias com crédito
para implantação (alimentação, fomento e habitação). Em que pesem os pequenos
valores concedidos em cada financiamento tornando mais morosa a capitalização
dos assentados e dificultando a ampliação de sua capacidade produtiva, os benefícios
152 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
3.1.3 Conclusões
Apesar da recuperação econômica observada durante 1993, o Brasil continua no
impasse estrutural que se estende desde o começo dos anos 1980. No curto prazo,
não se vislumbram alternativas que revertam esse quadro. Essa indefinição tem
sua origem em dois fatores.
O primeiro, quase óbvio, refere-se à transitoriedade do atual governo. O
segundo, mais complexo, surge da falta de um projeto econômico e social que se
torne politicamente hegemônico. A fragmentação político-partidária brasileira,
paralelamente ao grau de organização da sociedade civil, torna extremamente
complexa a busca de caminhos para a superação da crise.
O desafio continua: como lograr, preservando o jogo democrático e dada
a tradição políticopartidária do Brasil, e gerenciar a implementação de um novo
projeto de país, qualquer que seja o perfil que este venha a adquirir?
28. Uma das providências estabelecidas pela Lei no 4.923/1965 (Brasil, 1965).
29. Os dados da Lei no 4.923/1965, que servem de fonte de informação para o emprego no setor formal, tiveram início
em dezembro de 1984, daí ser este mês/ano a base de comparação.
Um Balanço das Ações de Governo no Combate à Fome e à Miséria – 1993 | 159
Foi por meio do setor terciário (comércio e serviços) que o setor formal
conseguiu, ainda durante 1993, a modesta recuperação assinalada.30 Essas infor-
mações para a totalidade do Brasil, proporcionadas pelo MTb, são confirmadas
por outras fontes de informação. Segundo os dados da Federação das Indústrias do
Estado de São Paulo (Fiesp), que refletem o segmento mais moderno da indústria
de transformação, o nível de emprego industrial se situou, no transcurso de 1993,
em um patamar inferior (15%) ao observado em 1980.
Contrariamente, o emprego informal (assalariados sem carteira de trabalho
assinada e autônomos) vem mostrando uma crescente importância (gráfico 3).
Segundo as informações da PED-Dieese para a Grande São Paulo, a ocupação
dos assalariados sem carteira de trabalho assinada foi, sempre durante 1993, 40%
superior ao nível de 1985. No caso dos autônomos, esse percentual atinge 50%.
O mercado de trabalho brasileiro assiste, assim, a uma crescente precarização,
tendência que não foi alterada pela recuperação de 1993. Devemos lembrar que os
trabalhadores que logram algum tipo de ocupação nos espaços informais possuem,
em geral, os menores rendimentos, não estando, também, protegidos pela legislação
trabalhista, nem cobertos pelos benefícios previdenciários.
GRÁFICO 1
Evolução da taxa de desemprego total – Grande São Paulo (1985-1993)
30. Da totalidade dos empregos criados nesse ano, 57% foram gerados no setor terciário.
160 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
GRÁFICO 2
Evolução do emprego formal – Brasil (1985-1993)
Fonte: MTb.
Elaboração: CPS/Ipea.
Obs.: 1. Tem-se como base dezembro de 1984 = 100.
2. Figura cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das condições técnicas dos originais
(nota do Editorial).
GRÁFICO 3
Emprego formal versus informal – Grande São Paulo (1985-1993)
GRÁFICO 4
Produtividade: vendas reais/ocupados (1989-1992)
Fonte: Fiesp.
Elaboração: CPS/Ipea.
Obs.: 1. Tem-se como base janeiro de 1990 = 100.
2. Figura cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das condições técnicas dos originais
(nota do Editorial).
Um Balanço das Ações de Governo no Combate à Fome e à Miséria – 1993 | 163
GRÁFICO 5
Produtividade: índice de atividade/ocupados (1989-1992)
Fonte: Fiesp.
Elaboração: CPS/Ipea.
Obs.: 1. Tem-se como base janeiro de 1990 = 100.
2. Figura cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das condições técnicas dos originais
(nota do Editorial).
GRÁFICO 6
Salários de trabalhadores empregados da Fiesp versus trabalhadores com carteira
assinada (1990-1993)
GRÁFICO 7
Salários de trabalhadores empregados da Fiesp versus trabalhadores sem carteira
assinada (1990-1993)
3.2.4 Conclusões
A análise que desenvolvemos nesta subseção sugere que uma política de combate
à indigência e à pobreza, no caso do Brasil, passa inelutavelmente pela rediscussão
do marco institucional que regula o mercado de trabalho. Esta afirmação se fun-
damenta nas duas observações a seguir.
1) Historicamente, a magnitude da segregação no Brasil dista de ser um
fenômeno marginal. Só esse fator tende a inviabilizar políticas compen-
satórias no longo prazo.
Um Balanço das Ações de Governo no Combate à Fome e à Miséria – 1993 | 167
31. O sistema de financiamento rural e garantia de preços, pelo critério equivalente-produto para os bens agrícolas
mencionados, foi estabelecido a partir do voto do ministro da Agricultura, aprovado consultivamente no CNPA e apre-
sentado ao Conselho Monetário Nacional (voto no 86/1993), que, uma vez aprovado pelo conselho, transformou-se na
Resolução no 2.009/1993 do Banco Central.
32. Estima-se em US$ 5,5 bilhões o montante de crédito rural a ser concedido pelo Sistema Nacional de Crédito Rural
(SNCR), a maior parte do qual vinculado ao sistema equivalente-produto, de acordo com dados divulgados pelo Maara
por intermédio de sua Secretaria Nacional de Política Agrícola.
170 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
TABELA 3
Principais benefícios do sistema de seguridade social rural
Situação atual (1992-1993)
Situação até 1989
1992 1993
Benefício Valor mínimo do
Valor mínimo do Beneficiários benefício (SM) Beneficiários Beneficiários
benefício (SM) (1 mil) (1 mil) (1 mil)
TABELA 4
Receita e despesa: rural versus urbano (1984-1992)
Contribuição Despesa Contribuição Despesa
Ano1 Total – % (A/B) Total – % (C/D)
rural (A) rural (B) urbana (C) urbana (D)
34. Para uma análise da reforma comercial no período, ver Horta, Piani e Kume (1991).
174 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
TABELA 5
Posição de estoques públicos de alimentos: trigo, milho, arroz e feijão (1988 e 1993)
(Em 1 mil toneladas)
Estoques medidos em 15 jun. 1993, mediante
Produto Estoques de passagem (31 dez. 1988)
solicitação do Consea
Fontes: Para 31 dez. 1988, Conab; e, para 15 jun. 1993, Banco do Brasil.
Elaboração: CPS/Ipea.
3.3.5 Conclusões
1) As várias instâncias estatais que regulam e operam políticas voltadas ao
desenvolvimento rural, à segurança alimentar, ao bem-estar social e ao
comércio de mercadorias promoveram intensas, e algumas vezes contra-
ditórias, inovações no âmbito das políticas públicas em 1993.
2) A prioridade ao combate à fome e à miséria, explicitada pelo governo e
institucionalizada de forma ainda incompleta no Consea, apoiou-se em
recomendações deste e na mobilização autônoma da ação pela cidadania,
para promover importantes avanços na politização da questão do combate
à fome. Contudo, a precariedade de organização das instituições estatais
foi obstáculo a uma melhor gestão das ações governamentais.
Um Balanço das Ações de Governo no Combate à Fome e à Miséria – 1993 | 177
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ano de 1993 se singularizou pela incorporação à agenda do debate nacional do
movimento contra a fome. Apesar de ser um flagelo que historicamente castiga
milhões de brasileiros, a preocupação com a fome estava restrita a pequenos círculos
e nunca tinha sido objeto de reflexão e ação de parcelas importantes da sociedade,
tampouco alcançado a dimensão a ela atribuída pelo atual governo.
178 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei no 4.923, de 23 de dezembro de 1965. Institui o cadastro permanente
das admissões e dispensas de empregados, estabelece medidas contra o desemprego
e de assistência aos desempregados, e dá outras providências. Diário Oficial da
União, 29 dez. 1965. Disponível em: <https://bit.ly/3Dbxin5>.
______. Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os planos de benefícios
da Previdência Social e dá outras providências. Diário Oficial da União, 25 jul.
1991. Disponível em: <https://bit.ly/3He4Wey>.
______. Lei no 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. Dispõe sobre a regulamentação
dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no capítulo
III, título VII, da Constituição Federal. Diário Oficial da União, 26 fev. 1993a.
Disponível em: <https://bit.ly/3D9xeEB>.
180 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
APÊNDICE A
EVENTOS REALIZADOS
1 INTRODUÇÃO
A criação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), suas virtudes,
suas limitações e suas potencialidades futuras devem ser analisadas como parte de
um movimento social cujos maiores méritos foram incorporar o combate à fome
e à miséria dentro da agenda nacional e participar de uma nova etapa na definição
e gestão das políticas públicas.
Dentro desse contexto, este documento pretende ser uma modesta contribui-
ção para subsidiar o debate sobre as possíveis alternativas que visem consolidar e
aprofundar esse movimento. Partimos da premissa de que a transparência é tanto
uma exigência na gestão da coisa pública como uma obrigação dos técnicos, bu-
rocratas e intelectuais que alimentam ou participam na formulação de políticas.
Esse compromisso com a transparência nos obriga a explicitar nossa identificação
com esse movimento social.
Nessa direção, todo balanço deve salientar as virtudes e os avanços, mas tam-
bém as limitações e os desvios. Como o leitor observará no transcurso do texto,
certas passagens possuem um tom crítico, talvez extremamente crítico para alguns.
Esses questionamentos, porém, não podem ser assumidos como um julgamento
negativo à natureza e aos objetivos do movimento social cujo eixo foi o combate
à fome e à miséria e a participação da sociedade civil na formulação e no controle
das ações do Estado. Em contrapartida, um balanço cujo objetivo é subsidiar o
debate visando contribuir para o aprofundamento de um processo em curso não
tem (nem poderia ter) a pretensão de identificar “culpados” ou outorgar méritos.
Tanto os possíveis “erros” como as visíveis virtudes são coletivas, produto de um
processo, contraditório e não linear, como todo processo social.
1. Originalmente publicado como: Peliano, A. M. M. (Coord.). II balanço das ações de governo no combate à fome e à
miséria – 1994 (versão preliminar para discussão na XI reunião do Consea). Brasília: Ipea, dez. 1994.
2. O texto original contou com a colaboração de Ana Lúcia Lobato, Carlos Alberto Ramos, Enid Rocha, Guilherme Costa
Delgado, Nathalie Beghin, Ronaldo Coutinho Garcia e Valéria Rezende.
186 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
Esta desigual atenção entre o curto e o médio e longo prazos pode estar ali-
mentada por dois fatores (não excludentes). O primeiro diz respeito à organização
interna do Consea, que não permitiu que as preocupações e aspirações de seus
integrantes se traduzissem em demandas ou sugestões concretas. Estes aspectos
nos remetem à seção 2. O segundo fator é mais preocupante, visto que pode
estar refletindo uma posição que relega a um papel secundário a importância das
mudanças no aparelho institucional-legal no processo de mudança estrutural. Em
outros termos: parte-se do suposto que as mudanças estruturais dar-se-ão, exclu-
sivamente, a partir da organização da sociedade civil e poderiam prescindir dos
marcos legais e institucionais estatais. Neste caso, nossa crítica será relativamente
forte, dado que se refugiar em soluções “alternativas”, à margem do Estado e de seu
marco institucional, sob o pretexto de autonomia e autossuficiência da sociedade
civil pode: i) levar a um impasse no médio prazo; e/ou ii) introduzir um novo
tipo de segmentação social. Mais que uma estratégia “alternativa” à crise, essas
soluções são produtos da crise, e o Consea, na medida em que constitui um espaço
de articulação entre governo e sociedade civil, é o âmbito ideal para discutir essas
mudanças. Esses temas serão o objeto da seção 4.
3. Formalmente o Consea, criado pelo Decreto no 807, de 24 de abril de 1993, é o órgão de consulta e assessoria do
presidente da República, sendo os seus membros designados por iniciativa presidencial.
4. Vale salientar que, após a instalação do Consea, esta ação passou a denominar-se Ação da Cidadania contra a Fome,
a Miséria e pela Vida.
II Balanço das Ações de Governo no Combate à Fome e à Miséria – 1994 | 189
3.1.1 Antecedentes
No Brasil, a subnutrição começou a ser identificada como problema social e de
saúde pública durante o governo Vargas, a partir da segunda metade dos anos 1930.
Entretanto, é só na década de 1970, através do Programa Nacional de Alimentação
e Nutrição (Pronan), que foram efetivamente implementadas ações, de âmbito
nacional, para o combate à desnutrição materno-infantil. A partir de então, pro-
liferaram programas de alimentação e nutrição: nos anos 1980 o governo federal
chegou a operar seis programas somente voltados para mães e crianças menores
de 7 anos.6 Essa multiplicidade de ações assemelhadas acarretou superposição no
atendimento e pulverização de recursos escassos.
A avaliação extraída da experiência da década de 1980 é fundamental para
a reorientação da política de alimentação e nutrição, com vistas a aumentar a
eficiência e a eficácia das ações. De um modo geral, os programas não foram devi-
damente focalizados, em termos de faixa etária prioritária, grupos de menor poder
6. Foram eles: Programa de Suplementação Alimentar (PSA), Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno
(PNIAM) e Programa de Combate às Carências Nutricionais Específicas (PCCNE), todos eles do Instituto Nacional de
Alimentação e Nutrição (Inan); Programa de Complementação Alimentar da Legião Brasileira de Assistência (PCA/LBA);
Programa de Alimentação dos Irmãos dos Escolares da Fundação de Assistência ao Estudante (Paie/FAE); e Programa
Nacional do Leite para Crianças Carentes da Secretaria Especial de Habitação e Ação Comunitária (PNLCC/Sehac).
II Balanço das Ações de Governo no Combate à Fome e à Miséria – 1994 | 197
crianças desnutridas, 2,2 milhões de contatos e 1,2 milhão de gestantes sob risco
nutricional, a um custo anual de aproximadamente R$ 540 milhões.
Ao longo do corrente exercício, aderiram ao programa em torno de 2 mil
prefeituras. Entretanto apenas 370 se habilitaram de fato, representando uma clien-
tela da ordem de 600 mil beneficiários que consumiram R$ 53 milhões, ou seja,
22% do orçamento previsto (R$ 242 milhões). Somando os 700 mil beneficiários
atendidos pelos convênios assinados em 1993 aos novos usuários de 1994, pode-se
afirmar que o programa praticamente beneficiou 1,3 milhão de crianças e gestantes.
Quanto à distribuição regional da clientela, 56,9% encontram-se no Nordeste;
13,6%, no Sudeste; 11%, no Norte; 10,6%, no Centro-Oeste; e 7,8%, no Sul.
É bem verdade que o desempenho do programa, desde a sua criação, dificulta
uma contundente defesa para uma maior alocação de recursos. Todavia é necessário
definir se o enfrentamento da desnutrição materno-infantil se constitui, de fato,
em uma prioridade de governo e da sociedade. Se assim for, o equacionamento das
dificuldades e dos entraves hoje existentes é perfeitamente factível.
8. Comissão Intergestores Bipartite: instância decisória, no âmbito de cada estado, que congrega representantes
da secretaria estadual e dos gestores municipais de saúde, indicados pelo Conselho de Secretarias Municipais de
Saúde (Cosems).
II Balanço das Ações de Governo no Combate à Fome e à Miséria – 1994 | 203
dessa medida,9 toda criança identificada como desnutrida pela rede de saúde será
imediatamente comunicada ao ministério. Assim, a associação da notificação com-
pulsória com o programa permite a identificação precisa e o tratamento da criança
desnutrida no grupo etário de maior risco de morbimortalidade, numa fase em que
teoricamente é possível uma recuperação completa sem sequelas. Tem, portanto,
um caráter preventivo e curativo que, além de identificar e tratar estas crianças no
nível local, permite estimar taxas de prevalência, de incidência e de recuperação
de casos, áreas de risco e tendências temporais.
Obviamente que se passarão muitos meses antes que a notificação compul-
sória esteja implantada em todo o país e funcionando como um sistema regular de
informações. Enquanto isto, continuar-se-á trabalhando com estimativas, previsões
e informações locais. Cumpre ressaltar mais uma vez que a sua implementação
imediata representaria um grande avanço.
3.2.1 Antecedentes
A importância da alimentação escolar é reconhecida internacionalmente e im-
plementada até mesmo por países do primeiro mundo, tais como Japão, Suécia e
Estados Unidos. No Brasil, o governo criou um programa dessa natureza na segunda
metade da década de 1950. Em 1988, a alimentação escolar foi incorporada como
direito constitucional.
Em 1992, na gestão do presidente Itamar Franco, o programa viveu uma
profunda mudança operacional, uma vez que se iniciou um processo de descen-
tralização através do repasse de recursos para estados e municípios assumirem sua
implementação. Essa nova dinâmica de atendimento veio atender aos anseios de
9. Vale destacar que esta é uma recomendação da I Conferência Nacional de Alimentação e Nutrição.
204 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
TABELA 1
Distribuição da municipalização do PNAE, por região (30 nov. 1994)
Prefeituras conveniadas
Em relação ao total de Clientela
Região com a FAE
municípios da região (%)
N % N %
Fonte: FAE.
Elaboração: Diretoria de Políticas Sociais (DPS) do Ipea.
10. Lei no 8.913, de 12 julho de 1994, que dispõe sobre a descentralização da merenda escolar.
II Balanço das Ações de Governo no Combate à Fome e à Miséria – 1994 | 205
Deve também ser fortalecida a equipe técnica para que possa acompanhar e
avaliar o programa, assim como prestar assistência técnica aos estados e aos muni-
cípios. Informações preliminares apontam que a descentralização contribuiu para
baratear o custo da merenda. Se o dado for confiável e verídico para um número
razoável de localidades, significa que, a um custo idêntico para a União, pode ser
aumentado o valor nutricional da merenda.
Em contrapartida, existem em torno de 2,5 mil prefeituras que nem sequer
manifestaram interesse em aderir ao programa. Cabe então a FAE estabelecer
um diálogo com os estados e os municípios, procurando divulgar o programa,
colaborar na capacitação técnico-operacional local e discutir em parceria a
implementação da Lei de Descentralização, principalmente no que se refere à
criação de conselhos de alimentação escolar, colocados como pré-requisito para
o repasse de recursos financeiros.
Sugere-se que sejam redefinidos os critérios de repasse de recursos no intuito
de privilegiar as regiões mais pobres e premiar aquelas que apresentam melhor
desempenho. A FAE, sensibilizada com essa questão há algum tempo, promoveu
debates e está desenvolvendo, em parceria com o Ipea, um estudo nessa linha.
Desse trabalho irão surgir propostas que deverão ser amplamente discutidas com
os parceiros da FAE – governamentais e não governamentais –, uma vez que
implicarão novos modelos de redistribuição de recursos federais. Recomenda-se
também que, naquelas localidades de maior concentração de miséria, o atendi-
mento seja estendido para os dias de férias e a cobertura nutricional da merenda
passe de 15% para 50%.
Concluindo, cabe destacar que o processo de descentralização da merenda
escolar avançou e que a FAE teve um papel fundamental, apesar de todas suas
limitações, pois teve o mérito de ter ousado deslanchá-lo no final de 1992, re-
passando recursos para as UFs e deixando de comprar alimentos definitivamente
em 1993. Em pouco mais de um ano, quintuplicou o número de convênios com
estados e municípios. Abriu ao público todas as informações sobre o programa
e se articulou para transformar a descentralização em lei. Esse esforço merece ser
reconhecido e a melhor estratégia para tanto consiste no fortalecimento, “amplo
senso”, dessa instituição, no sentido de assegurar a manutenção e a consolidação
da descentralização da alimentação escolar.
R$ 50 milhões poderá ser utilizada nas localidades de maior pobreza, nas quais a
merenda será reforçada.
13. Para maiores detalhes sobre a forma de funcionamento do PAT, consultar Peliano (1993a).
14. Ver Documento Técnico n. 7, do MTb, de 1979.
II Balanço das Ações de Governo no Combate à Fome e à Miséria – 1994 | 211
15. O salário médio dessa região, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (PNAD/IBGE), é de 5,3 SMs.
16. Consideram-se, como benefícios diretos ao trabalhador para efeito de incentivo fiscal, o vale-transporte, a formação
e treinamento profissional e o PAT. O incentivo fiscal dos três benefícios somados não pode exceder 8%.
17. Fonte: Secretaria da Receita Federal/Ministério da Fazenda.
212 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
Como dito anteriormente, parte dessas propostas deveria ser viabilizada pelo MTb
e pelo Ministério da Fazenda.
Visando imprimir maior atenção e seriedade dos atores envolvidos no pro-
cesso de alimentação dos trabalhadores, o MTb regulamentou uma norma que
passaria a constituir parte da Portaria no 3.214/1978 relativa à segurança e saúde
do trabalhador (Brasil, 1978). No que diz respeito ao PAT, os principais avanços
referem-se: à possibilidade de fiscalização pelo trabalhador, visando à correta uti-
lização do programa; à extensão do benefício aos trabalhadores subcontratados; ao
estabelecimento de horário durante a jornada de trabalho para aquisição das cestas
básicas; a melhores condições de higiene da alimentação, entre outras.
Entretanto, aquelas propostas de ampliação e aperfeiçoamento do programa,
dependiam de entendimentos entre MTb e Ministério da Fazenda ou só deste
último, não foram sequer discutidas. Nem mesmo os custos operacionais e o total
da renúncia fiscal devidos ao PAT foram apreciados pela Secretaria da Receita
Federal, apesar das reiteradas demandas e dos avisos ministeriais enviados pelo
ministro do Trabalho (Walter Barelli) aos ministros da Fazenda.
Em todos os relatórios de acompanhamento do PAT elaborados pelo Ipea
e entregues ao Consea, as propostas eram sempre reapresentadas no intuito de
que esse conselho exercesse alguma pressão sobre os ministérios no sentido de
discuti-las. Contudo, uma única vez esse tema foi recomendado aos ministros
competentes sem que houvesse uma posterior cobranças sobre o andamento do
processo de discussão.
Assim, mais uma vez apresentamos aquelas propostas que consideramos
imprescindíveis para a ampliação, revisão e aperfeiçoamento do PAT (uma das
prioridades do Consea em seu Plano de Combate à Fome e à Miséria):
• criar um sistema de informações de modo a permitir o conhecimento
dos custos do programa;
• fortalecer o gerenciamento do PAT no MTb,18 visando ao melhor aten-
dimentos aos beneficiários e à maior agilidade aos resultados estatísticos;
• revisar o custo máximo da refeição disposto na Instrução Normativa no
16 da Receita Federal, atualmente em 3 Ufirs;
• ampliar o atendimento prioritário aos trabalhadores que recebem até
8 SMs;
19. Quadro comparativo de custos e aproveitamento – arroz em cascas versus arroz beneficiado, publicado pela Conab/
Maara, em setembro de 1994.
216 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
20. Segundo a Conab, isto ocorre porque o método caseiro se constitui em exposição do produto ao sol em uma saca
e, em seguida, o batimento para desprendê-la provoca quebra bem elevada.
II Balanço das Ações de Governo no Combate à Fome e à Miséria – 1994 | 217
3.4.5 Recomendações
1) Em relação aos programas de distribuição emergenciais de gêneros alimen-
tícios, é importante diferenciar, inicialmente, a natureza dos objetivos:
a) atendimento às populações flageladas, atingidas por infortúnios
climáticos (secas e inundações) – exige-se atendimento imediato, no
qual organismos governamentais não têm outro objetivo que não o
de fazer chegar os alimentos da maneira mais rápida possível para a
população que se quer beneficiar; e
b) atendimento às populações carentes que padecem de fome e desnu-
trição crônica – a distribuição de alimentos pode e deve ser acom-
panhada de outras ações que visem ao engajamento e à organização
das comunidades locais, bem como a ações educativas e de geração
de emprego e renda.
2) Em ambos os casos, é necessário contar com estruturas públicas ágeis:
estoques estrategicamente localizados, prontidão na sua liberação e na
transformação em alimentos processados, quando for o caso, bem como
uma certa divisão de tarefas (parceria e descentralização) com estados e
municípios que podem responsabilizar-se pelo cadastramento das famílias
carentes, pelo transporte dos gêneros e pela distribuição propriamente dita.
3 Quanto à origem dos alimentos a serem distribuídos, deve-se esclarecer
que já existe legislação específica sobre a destinação de estoques públicos
para programas emergenciais de segurança alimentar. Trata-se de fazer
com que esta seja observada com rigor.
A seguir, citam-se os principais pontos da portaria interministerial que versa
sobre as regras disciplinadoras da formação e liberação dos estoques públicos e que
estão diretamente relacionados com a questão.
220 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
TABELA 2
Comparação entre o Incra e o PATR (1993 e 1994)
Proposto no plano emergen-
Lei orçamentária 1994 (B) Execução
cial revisado (A) Realizado
física até 2 B/A C/B C/D
Projeto/atividade Recursos em
Metas Recursos de dezembro (%) (%) (%)
Metas físicas necessários 1993 (D)
físicas consignados (R$) de 1994 (C)
(R$)
Desapropriação de
2.400.000 660.480.0001 1.046.000 418.566.2342 673.573 554.039 44,0 65,0 122,0
terra (ha)
Assentamento de
trabalhadores – 60.000 117.631.200 36.500 71.566.465 6.395 4.268 61,0 23,0 197,0
número de famílias
Crédito concedido –
160.000 359.904.000 15.000 33.523.420 47.3003 76.1343 9,40 315,0 62,0
número de famílias
Durante o ano que ora finda, ficou, mais uma vez, evidenciado o quanto é
difícil acelerar a reforma agrária. No entanto, ela andou, e um pouco mais rápido.
Longe está de adquirir a velocidade desejada por aqueles que sofrem a exclusão, as
injustiças, a opressão e a fome. Porém se move.
No que se segue, há uma tentativa de analisar algumas dificuldades existentes
e uns poucos aspectos aparentemente favoráveis. Em seguida são apresentadas
sugestões com vistas a auxiliar as discussões sobre como dar maior eficiência e
agilidade à reforma agrária.
A União Democrática Ruralista (UDR), face mais visível desta oposição, ganhava
espaço e acumulava forças. Outros poderosos segmentos contrários, porém menos
estridentes (bancos, grande indústria e especuladores), conquistaram importan-
tes posições com relação ao governo, ao parlamento e à grande imprensa. Disto
resultaram enormes dificuldades políticas para executar o previsto no I PNRA.
A contrapartida deste movimento – os interesses favoráveis à reforma agrária –
não conseguia fazer avançar suas propostas e, a cada golpe sofrido, perdia em
organização e em capacidade de pressão. Isto era evidenciado nas sucessivas trocas
de ministros do Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário (Mirad)
e de direção do Incra – sempre substituindo pessoas mais comprometidas com a
reforma agrária por outras menos dedicadas à causa; nas mudanças na estrutura
organizacional do Mirad e do Incra; nos embates na Constituinte; na disputa por
recursos orçamentários, entre outros episódios.
Atualmente, não há uma oposição política à reforma agrária explícita e atu-
ante. A UDR acaba de adotar a decisão de desmobilizar-se (seria por considerar
que não há mais empenho e condições para realizá-la?). A legislação pertinente
conheceu avanços com a Lei Agrária e a Lei do Rito Sumário para Desapropria-
ção de Terras, ambas de 1993. A grande imprensa já não trata a reforma agrária
como algo a ser sistematicamente atacado. Quase todos os segmentos sociais têm
se referido a ela como um instrumento necessário na luta contra a miséria, ainda
que quase nenhum deles detalhe propostas e muitos dos discursos não revelem
sinceridade. Os trabalhadores rurais sem-terra têm aprofundado sua organização,
mesmo possuindo reivindicações que deixam a desejar em termos de consistência
e adotem práticas e métodos políticos discutíveis ou pouco eficazes.
No entanto, a grande maioria da população brasileira ainda ignora a impor-
tância da reforma agrária. Trata a questão como se não lhe dissesse respeito, como
se não repercutisse sobre o seu cotidiano, através de melhoria do abastecimento
alimentar, da geração de ocupações produtivas e de renda, de redução das migrações
rurais, de ampliação da demanda sobre os setores industrial e de serviços, entre
outras importantes consequências. Enquanto a sociedade não se manifestar sobre
a reforma agrária, o processo caminhará sem a velocidade e o conteúdo capazes
de promover soluções amplas e duradouras para a imensa maioria dos pobres e
despossuídos do campo. A mobilização popular em prol da reforma agrária poderia
ter se constituído em uma das principais tarefas do Consea e da ação da cidadania.
Talvez venha a ser no futuro, pois somente quando a pressão popular atingir níveis
próximos do insuportável terá sido alcançada uma das condições fundamentais
para efetivar transformações na estrutura agrária.
Mas há outra condição igualmente importante para que a reforma agrária
possa deslanchar: a capacidade operacional para implementá-la. A rigor, esta deve
II Balanço das Ações de Governo no Combate à Fome e à Miséria – 1994 | 225
importante é definir o que será feito, como e quando. Quem fará é o resultado
das respostas ao anterior. O Incra não foi concebido para implementar uma re-
forma agrária massiva, mas pode vir a desempenhar relevantes tarefas, desde que
reestruturado para tanto.
Uma reforma agrária que não se limite a disseminar, desordenadamente,
pequenos proprietários pobres pela vastidão territorial do país não será feita sem:
orientação central; planejamento estratégico e situacional; cooperação dos três
níveis de governo; parcerias com a sociedade civil; muita participação popular; e
intensa cobrança por parte dos interessados. Para que o Incra possa se envolver
nesta tarefa, são apresentadas algumas sugestões. Elas estão ordenadas segundo a
lógica do processo de execução e não revelam uma ordem hierárquica dada pela
importância particular de cada tópico.
O cadastro rural é estratégico. Deve estar atualizado, fazendo uso da mais
avançada tecnologia (de informática, processamento gráfico e sensoriamento
remoto). Assim é possível dispor de uma base fidedigna tanto para o lançamento
do ITR como para a identificação de áreas passíveis de desapropriação. O ITR é
um importante instrumento para regular o mercado de terras. No entanto, a baixa
progressividade, a elevada ineficiência arrecadadora, a evasão e a sonegação fazem
dele um arremedo de imposto.
Um bom cadastro, com suporte gráfico, é ferramenta básica para superar
a situação vigente, proporcionando à Secretaria da Receita Federal um precioso
elemento para sua atuação. No que se refere à arrecadação de terras para assenta-
mento, o cadastro é como uma lista de endereços. Se complementado por imagens
de satélite bem interpretadas, as vistorias prévias às desapropriações podem ser feitas
com indicação segura, elevando a produtividade na obtenção de áreas, chegando,
no limite, a alcançar uma desapropriação para cada vistoria realizada.
As vistorias são necessárias para bem fundamentar o processo desapropriató-
rio. Devem ser conduzidas com extremo rigor técnico, obedecendo aos mesmos
critérios metodológicos de avaliação. O Incra pode e deve dispor da colaboração
dos governos estaduais e municipais, dos sindicatos de trabalhadores rurais e das
entidades populares nesta tarefa. Ademais é de fundamental importância que
instituições públicas responsáveis pela área de meio ambiente e de fiscalização das
relações de trabalho e contratos agrários (parceria e arrendamento) participem
das vistorias. Só assim será possível a verificação do total cumprimento dos dis-
positivos que caracterizam a função social da propriedade (Brasil, 1993, art. 9o).
A exigência de atendimento integral e simultâneo dos itens definidores da função
social tornará possível, tanto de enquadramento como de interesse social para a
reforma agrária, uma área de terra sensivelmente superior à que hoje se obtém,
apenas pela averiguação de índices de produção e de produtividade.
228 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
dades extremas. Ou seja, é necessário ser formado e capacitado para esta finalidade.
Atualmente, observa-se uma carência de profissionais com este perfil no Incra ou
nos órgãos auxiliares da União, dos estados e dos municípios.
Ademais, o corpo de servidores à disposição da reforma agrária é insuficiente.
Evidencia-se como imperativo ampliar o quadro técnico, e não apenas no Incra.
Deveria ser pensada a constituição de uma carreira de técnicos em reforma agrária,
selecionados com extremo rigor (a exemplo dos gestores de políticas públicas) e
submetidos a completo treinamento. Posteriormente seriam distribuídos para todos
os órgãos relacionados com a reforma agrária. Os governos estaduais poderiam
ser induzidos ou convencidos a adotar o mesmo procedimento. Assim, estar-se-ia
criando uma cultura institucional, sem a qual são aumentadas as dificuldades para
se levar a cabo tão formidável tarefa.
Os setores de colonização e regularização fundiária precisam ser revistos em
profundidade. O Incra deve se concentrar apenas em reforma agrária (cadastro,
arrecadação de terras e assentamento). Os projetos de colonização devem ser ime-
diatamente emancipados ou transferidos para órgãos de desenvolvimento regional
federais ou estaduais. Não faz mais nenhum sentido o Incra manter pesadas estru-
turas em apoio a projetos de colonização que praticamente se transformaram em
municípios, com centros urbanos não desprezíveis. Tal é o caso de grande número
de projetos de colonização, principalmente, em Rondônia, em Mato Grosso, no
Pará e na Bahia. Alguns desses projetos que se encontram em situação mais desfa-
vorável devem ser transferidos para os governos dos estados onde se localizam, pois
demandam infraestruturas social e econômica e assistências técnica e financeira
que podem ser mais bem supridas por estados e municípios, mesmo contando com
transferências de recursos federais, para cobrir as parcelas dos custos.
A regularização fundiária só deveria ser executada diretamente pelo Incra
quando se tratasse de arrecadar terras para assentamento ou de titular pequenos
posseiros. Em áreas de ocupação antiga ou apropriadas por grandes fazendas, a
regularização deveria ser terceirizada, com os beneficiários arcando com todas as
despesas inerentes ao processo. As alterações de natureza legal para viabilizar esta
mudança devem ser imediatamente promovidas.
3.5.4 Conclusões
Com transformações propostas, acredita-se que a reforma agrária poderia ganhar
outra dinâmica. Vale a pena lembrar que a conquista de maior eficiência e pro-
dutividade se dá em processo, vencendo etapas. A título de exemplo, do começo
da Nova República, em março de 1985, até meados de 1986, não foi criado
um único projeto de assentamento; contudo, com a administração de Dante de
Oliveira, tiveram início os assentamentos. No segundo semestre daquele ano, foram
230 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
assentadas 12.211 famílias e, no ano seguinte, 32.840 famílias. Este último número
nunca voltou a ser alcançado, porque faltaram controle, recursos e organização,
condições e vontade políticas. Todavia pode ser superado em prazo não muito
longo, mesmo se começando de um estágio operacional inferior daquele que foi
o ponto de partida em 1986.
O Incra pode ser recuperado, transformado e agilizado. Deve se tornar
mais enxuto em termos de atribuições (sem colonização e apenas fiscalizando a
regularização fundiária), concentrando-se na reforma agrária propriamente dita.
As superintendências regionais, presentes em todas as UFs, precisam se tornar
grandes articuladoras, construtoras de parcerias federal-estadual-municipal e
governo-sociedade, mobilizando a infraestrutura, a assistência técnico-financeira
e os serviços sociais básicos para os projetos de assentamento. Ao governo federal
caberia apenas desapropriar terras, implantar a infraestrutura mínima e assentar
os trabalhadores, fornecendo crédito apropriado. Tudo o mais seria transferido à
responsabilidade dos outros níveis de governo, pois eles são os principais bene-
ficiados com os projetos, em termos de geração de ocupações produtivas, renda,
alimentos, impostos e votos. Não mais voto de cabrestos, mas voto de cidadãos.
A reforma agrária é necessária e possível. É um requisito para levar equidade,
democracia e cidadania ao meio rural. É um instrumento imprescindível para
combater a miséria no campo, proporcionalmente maior que na cidade. As con-
dições políticas para retomá-la são hoje melhores do que há quase dez anos; já as
condições técnico-operacionais são inferiores. Superá-las irá exigir determinação.
Os resultados virão e lhe darão força. Os avanços podem ser significativos em prazos
reduzidos. Etapas poderão ser queimadas, se bem conduzidas e articuladas. É hora
de tentar fazer mais e melhor.
3.7 A I CNSA
Em meados de 1993, surge, no Consea, a proposta de realizar uma conferência nacional
de segurança alimentar, cujos principais objetivos eram: i) construir um conceito de
segurança alimentar a partir de uma ampla discussão nacional; ii) mobilizar e sensibilizar
a população em torno do tema; e iii) desencadear um processo no qual a realização
de um grande evento nacional seria apenas uma etapa de uma longa caminhada que
deveria resultar, em algum dia, na eliminação da fome e da miséria no país.
A organização da conferência não pretendia obter propostas surgidas de defini-
ções acadêmicas, de soluções burocráticas ou alternativas oriundas de alguns poucos
estudiosos da área. Ao induzir um grande debate, pretendia-se que a parceria entre
governo e sociedade civil fosse efetivamente exercida, fato que teria como corolário
o surgimento de propostas concretas para a implementação de uma política de
segurança alimentar no Brasil ou, no limite, sistematizar um conjunto de ideias e
experiências a partir das quais se pudesse construir um projeto nacional nesta área.
Os resultados, por sua vez, seriam encaminhados às autoridades governamentais,
legislativas e judiciárias, e aos principais candidatos às eleições de 1994.
Observa-se, assim, que a CNSA tinha compromisso tanto com os resultados
(propostas para uma política de segurança alimentar) como com as formas de atingir
esses resultados (a ampla participação popular e a parceria Estado-sociedade civil).
Nessa direção, o processo de construção da I CNSA ocorreu nos moldes tradicio-
nais de organização de conferências, ou seja, a partir de um sistema piramidal de
delegação de poder. Foram realizadas centenas de encontros municipais ou locais
que elegeram seus representantes para a instância estadual, a qual, por sua vez,
identificou os delegados que participariam da nacional. A agenda da I CNSA foi
elaborada seguindo a mesma dinâmica, a partir das propostas oriundas de centenas
de eventos que ocorreram em todo o país. As conferências estaduais consolidavam
as propostas emanadas das conferências municipais e, por sua vez, a coordenação
24. Este último risco será tratado com maior profundidade na seção 4.
II Balanço das Ações de Governo no Combate à Fome e à Miséria – 1994 | 235
25. Questão agrária e desenvolvimento rural; políticas agrícolas e de abastecimento alimentar; desenvolvimento urbano;
assistência social; saúde; alimentação e nutrição; educação; geração de emprego e renda; e participação popular e
democratização da gestão.
236 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
Essa pode ter sido uma decisão correta, dado que um dos objetivos era
mobilizar a população e desencadear um processo. Entretanto, a diversidade e o
volume de propostas e, em alguns casos, seu caráter contraditório parecem não
ser compatíveis com um dos objetivos da conferência: subsidiar o Estado para a
implementação de uma política de segurança alimentar.
Para relativizar o caráter contraditório dos objetivos perseguidos, alguns
tendem a atribuir um papel secundário aos documentos emanados da I CNSA,
alegando que o processo – que mobilizou milhares de brasileiros, colaborou para
difundir a prática da parceria governo/sociedade e provocou uma reflexão em torno
do tema – se sobrepõe aos resultados formais obtidos ao final.
Outras correntes, mesmo privilegiando o processo sobre os resultados, apontam
que uma conferência nos moldes da CNSA não se adequa a essa nova realidade
emergente da ação da cidadania. No Plenário final, Betinho fez um comentário
que merece reflexão: afirmou que a ação da cidadania não tem comitê central e
que os delegados ali presentes não a representavam; eles representavam apenas a
conferência. Ou seja, a novidade e a riqueza dessa ação, que emerge, se caracte-
rizam pelas incontáveis iniciativas descentralizadas que surgem localmente para
amenizar as dramáticas consequências da fome e da miséria. São pessoas de todo
tipo que se unem em algum momento para fazer alguma coisa. Portanto, não
poderiam ter representantes e muito menos escolhidos através de uma estrutura
de delegação porque quem é eleito, na maioria das vezes, não é quem está fazendo
de fato alguma coisa, mas, sim, quem foi apto a fazer um melhor discurso sobre
o que deve ser feito.
Essas observações abrem um leque de indagações para aqueles que estão
preocupados com o futuro dessa realidade diferente que desponta: como trabalhar
com uma realidade social nova que envolve milhares de instâncias, iniciativas e
pessoas, e que tem como principal característica a participação? Como evitar que
a ação da cidadania se transforme em uma espécie de partido ou sindicato, com
uma coordenação eleita, lutas internas pelo poder, tendências políticas divergentes
e palavras de ordem?
Finalmente, faz-se necessário salientar o mérito do presidente Itamar Franco de
ter não apenas apoiado a realização da conferência, mas também de ter participado
do evento. Esta atitude mostrou que a prioridade de combater a fome e a miséria
era dele, não sendo por acaso que criou o Consea e o Plano de Combate à Fome
e à Miséria. Ele sabia que desse encontro sairiam duras críticas ao governo, mas
entendeu que essa era uma etapa fundamental na construção de uma democracia
mais participativa.
II Balanço das Ações de Governo no Combate à Fome e à Miséria – 1994 | 237
3.8 M
obilização em prol da criança e do adolescente: programa
Embala Brasil
26. Participam do programa Embala Brasil onze ministérios (Justiça, Saúde, Educação e Desporto, Cultura, Trabalho,
Bem-Estar Social, Exército, Minas e Energia, Comunicações, Agricultura e Reforma Agrária e Seplan); oito órgãos do
governo (Fundação Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência – CBIA, LBA, Corde, Fundação Nacional de Saúde –
FNS, Conab, Ipea, Empresa Brasileira de Comunicação – Radiobrás e TV Educativa); catorze empresas públicas (Banco
do Brasil, BNB, Caixa, BNDES, Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência – Dataprev, Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária – Embrapa, Financiadora de Estudos e Projetos – Finep, Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz, Incra,
Telecomunicações Brasileiras S/A – Telebras, Furnas, Companhia Energética de São Paulo – Cesp, Petrobras e Empresa
Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT), três conselhos nacionais (Conanda, CNAS e Consea); cinco organismos
internacionais (Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF, Organização Pan-Americana da Saúde da Orga-
nização Mundial da Saúde – OPAS/OMS, Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura – FAO,
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO e Organização Internacional do
Trabalho – OIT); e Presidência da República.
27. O conjunto das ações desenvolvidas pelo programa Embala Brasil está elencado no documento Semana da criança:
relatório de avaliação.
238 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
28. Cabe destacar o apoio da Radiobrás e da TV Educativa, que, para além da divulgação de temas, fizeram coberturas
de experiências bem-sucedidas na atenção à criança e ao adolescente e montaram programações específicas voltadas
para o público infanto-juvenil.
II Balanço das Ações de Governo no Combate à Fome e à Miséria – 1994 | 239
alização do seminário Vidas Interrompidas, promovido pelo CBIA. Por sua vez,
a terceira sustentou-se na formação de parcerias. Considerando que o programa
não contou com recursos próprios, a formação de algumas parcerias abriu o leque
de possibilidades de atuação e, em parte, contribuiu para amortecer as limitações
financeiras. São exemplos o amplo apoio dado à Pastoral da Criança pelo Coep e
a realização de um workshop sobre profissionalização, promovido pelo Conanda,
pelo MTb e pela OIT.
Em termos jurídico-formais, não teve nenhum documento que instituísse
o programa Embala Brasil. Entretanto, apesar de ter sido implementado infor-
malmente, o programa motivou os servidores públicos federais para as questões
afetas à cidadania de crianças e adolescentes. Nesse contexto, a coordenação do
programa buscou aplicar uma metodologia de “obra aberta”, imprimindo-lhe um
caráter de articulação, de modo tal que novas sugestões puderam ser incorporadas
ao longo de todo o processo.
No âmbito da sociedade civil, em diferentes estados, comitês da ação da
cidadania realizaram atividades voltadas para crianças e adolescentes, durante a
Semana da Criança, de 10 a 16 de outubro de 1994.
Já o Coep não só desenvolveu um número significativo de atividades, como
integrou-se no processo de mobilização do programa. Durante a Semana da Criança,
comitês de várias empresas, em diferentes localidades, mobilizaram-se para arre-
cadar e distribuir alimentos e brinquedos e patrocinar festas e outros eventos para
crianças e adolescentes. Alguns projetos de caráter mais permanente também foram
implementados, a exemplo das oficinas educativas da Caixa.
3.9 C
onclusões – organizando o combate à pobreza: seleção de alvos e
ações convergentes
O Plano de Combate à Fome e à Miséria pretendeu inaugurar uma nova forma de
implementar políticas governamentais, dirigindo-as para um mesmo e prioritário
objetivo. Não se cogitava criar novos programas, e sim dar consistência e integrar as
diversas ações setoriais. Com tal concepção – e através da parceria e da mobilização
e participação populares –, procurava-se aumentar o potencial de transformação e
a eficiência e a eficácia do conjunto, resultando em maior capacidade de resolver os
agudos problemas sociais brasileiros. Contudo, por razões diversas, a programação
dos órgãos responsáveis pela execução não se fez sob criterioso e coordenado plane-
jamento, de forma a assegurar a unidade de propósitos e a convergência espacial e
de público-meta. Por conta disto não foi realizado todo o potencial de mudanças
contidos nas formulações iniciais do plano. Tendo em vista superar as deficiências
apontadas, apresentam-se as sugestões contidas neste tópico.
A miséria e a fome estão disseminadas por todo o espaço territorial brasileiro.
Não há um só município onde elas não se manifestem. Enfrentá-las é uma tarefa
que exige vontade política, prioridades bem estabelecidas, organização apropriada,
integração de esforços e manejo competente dos instrumentos das políticas mais
adequadas a cada caso particular. Flexibilidade, consistência e eficiência podem
ser palavras-chave, pois a implementação das diversas ações deve ser feita de forma
a assegurar aderência às realidades locais e alta resolubilidade perante os fatores
causais dos problemas a serem enfrentados.
Todavia, os recursos existentes não são, de imediato, suficientes para atacar
a pobreza em todas as frentes. Há, portanto, de se ter critérios bem definidos para
selecionar e hierarquizar os objetivos, ainda que a pretensão seja, em um prazo esti-
pulado, erradicar a miséria, atendendo a todos os que se encontram nesta situação.
II Balanço das Ações de Governo no Combate à Fome e à Miséria – 1994 | 241
32. O único país da América Latina que vem apresentando, sistematicamente, taxas de desemprego decrescentes e um
SM em elevação é o Chile. Porém, deve-se lembrar que esse país não viveu processo inflacionário agudo e, portanto,
as medidas anti-inflacionárias foram marginais no ajuste estrutural.
33. Uma das providências estabelecidas pela Lei no 4.923/1965 (Brasil, 1965).
34. Obviamente, as comparações realizadas visam mostrar uma possível tendência estrutural. O plano de estabilização,
especialmente depois da introdução do real (julho), elevou sensivelmente o poder de compra dos trabalhadores de
menores rendimentos que não tinham acesso ao mercado financeiro.
II Balanço das Ações de Governo no Combate à Fome e à Miséria – 1994 | 247
35. A má “qualidade” dos empregos criados pode ser percebida com maior nitidez se consideramos só os postos de
trabalho gerados no setor formal. Durante 1993, um ano de crescimento econômico, a oferta de empregos cresceu
devido à elevação dos postos de trabalho de até 3 SMs. As faixas superiores tiveram um saldo negativo, com base em
Brasil (1965). Ou seja, as firmas utilizaram a rotatividade de mão de obra para reduzir os níveis salariais, substituindo
trabalhadores com elevados salários por trabalhadores com baixos salários.
248 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
36. A liberação dos recursos do FAT, no montante de US$ 500 milhões para a geração de empregos, foi aprovada em
março de 1994 e até o momento (dezembro de 1994) não foi repassada aos bancos oficiais (Banco do Brasil, BNB
e BNDES). Uma posição clara do Consea a esse respeito poderia ter sido fundamental para acelerar esse processo.
250 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A ação contra a fome sintetiza, no Brasil de hoje, uma multiplicidade de processos
emergentes cuja tradução política resulta difícil de ser abordada a partir das visões
tradicionais de poder. Na ausência de modelos de referência, os conflitos sociais
tendem a adquirir a forma de múltiplas contradições (e demandas) que não se
traduzem em um projeto político global. Os novos movimentos sociais já não
se situam no plano da “conquista do Poder-Estado”. Se por um lado este tipo de
dinâmica amplia os espaços democráticos, antes restritos às práticas partidárias,
por outro, resulta difícil visualizar uma alternativa de organização social fruto
desses novos movimentos.
Nesta nova realidade, cujas perspectivas futuras são um espaço em aberto,
realizar um balanço constitui uma tarefa, no mínimo, temerosa. A própria palavra
balanço não seja, talvez, a mais adequada às circunstâncias. Seu significado supõe
contrapor os logros aos retrocessos e, a partir dessa comparação, determinar se o
saldo foi positivo ou negativo. O termo balanço, quando referido a um processo,
como é o combate à fome, deve adquirir um significado diferente. Os avanços
realizados devem confrontar-se com os avanços que teriam sido possíveis e com as
condições criadas para um maior aprofundamento e consolidação desse movimento.
Nessa perspectiva, a ação contra a fome é credora de três grandes contribui-
ções para tornar a sociedade brasileira mais democrática e justa: i) a politização
do problema da fome; ii) a mobilização da sociedade civil que encontra poucos
antecedentes na história recente; e iii) a ampliação, através do Consea, da partici-
pação cidadã na formulação e no controle das políticas públicas.
O conteúdo deste documento permite concluir que essas contribuições es-
tiveram quase que exclusivamente limitadas à esfera das políticas compensatórias
(especialmente distribuição de alimentos). Esta característica pode merecer duas
leituras. A primeira, positiva, salienta que, através dessa distribuição, rompeu-se
uma inércia secular na sociedade brasileira diante do problema da fome e, para-
lelamente, permitiu-se dar uma resposta, ainda que parcial e de curtíssimo prazo,
ao flagelo da falta de alimentação das populações miseráveis.
A segunda leitura enfatiza o lado negativo dessa concentração nas políticas
compensatórias: não se utilizou a mobilização da sociedade civil, e a influência
lograda, através do Consea, na ação governamental, para a formulação de políticas
públicas que gerassem mudanças estruturais que permitissem reduzir a necessidade
de políticas compensatórias. Como afirmou-se na seção 1, toda conquista social é
relativa: avançou-se, mas poder-se-ia ter avançado mais.
Resta agora responder a uma terceira questão: o processo ocorrido em 1993-
1994 consolidou as bases para um aprofundamento do combate à fome e à miséria
II Balanço das Ações de Governo no Combate à Fome e à Miséria – 1994 | 251
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei no 4.923, de 23 de dezembro de 1965. Institui o cadastro permanente
das admissões e dispensas de empregados, estabelece medidas contra o desemprego
e de assistência aos desempregados, e dá outras providências. Diário Oficial da
União, 29 dez. 1965. Disponível em: <https://bit.ly/3Dbxin5>.
______. Portaria no 3.214, 8 de junho de 1978. Aprova as normas regulamentadoras
do capítulo V, título II, da Consolidação das Leis do Trabalho, relativas a segurança
e medicina do trabalho. Diário Oficial da União, 6 jul. 1978. Disponível em:
<https://bit.ly/3HLXBmT>.
______. Decreto no 91.766, de 10 de outubro de 1985. Aprova o Plano Nacional
de Reforma Agrária (PNRA), e dá outras providências. Diário Oficial da União,
p. 14903, 11 out. 1985. Seção 1. Disponível em: <https://bit.ly/3xf03xn>.
______. Lei no 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. Dispõe sobre a regulamentação
dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no capítulo
III, título VII, da Constituição Federal. Diário Oficial da União, 26 fev. 1993.
Disponível em: <https://bit.ly/3D9xeEB>.
CONSEA – CONSELHO NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR. Rela-
tório final: I Conferência Nacional de Segurança Alimentar. Brasília: Consea, 1994.
FRANCO, A. de. A ação cidadã na nova realidade política brasileira. Brasília:
Ipea, out. 1994. (Texto para Discussão).
GARCIA, R. C. Programação convergente e controle social das ações de go-
verno. Brasília: Ipea, 1994. (Documento de Política, n. 22).
IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA.
Censo Demográfico 1991: resultados preliminares. Rio de Janeiro: IBGE, 1992.
INAN – INSTITUTO NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO.
Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição. Brasília: Inan; FIBGE; Ipea, 1990.
Disponível em: <https://bit.ly/3bqUEsP>.
PELIANO, A. M. M. (Coord.). Um balanço das ações de governo no combate
à fome e à miséria – 1993. Brasília: Ipea, 1993a.
______. (Coord.). O mapa da fome: subsídios à formulação de uma política de
segurança alimentar. Brasília: Ipea, mar. 1993b. (Documento de Política, n. 14).
Disponível em: <https://bit.ly/3pSbTvG>.
______. O mapa da fome – volume III: indicadores sobre a indigência no Brasil
(classificação absoluta e relativa por municípios). Brasília: Ipea, ago. 1993c. Dis-
ponível em: <https://bit.ly/31Z8IZf>.
CAPÍTULO 7
1 INTRODUÇÃO
O compromisso governamental com o combate à fome e à pobreza passa pela
estabilidade da moeda, pelo crescimento econômico e pela redistribuição da
renda nacional. Passa também pela prioridade conferida às áreas de saúde e
educação, como políticas essenciais para a promoção da cidadania e inclusão
social. Passa igualmente pela política de assistência social voltada para a garantia
dos mínimos sociais, para o atendimento das necessidades básicas, em especial
dos segmentos mais vulneráveis da população brasileira. Finalmente, passa pela
implementação de uma estratégia de ação que possa trazer benefícios imediatos
para a parcela da população que não usufruiu os benefícios do crescimento do
país. Tal estratégia reveste-se do reconhecimento de que o combate à pobreza não
se esgota no âmbito restrito das ações sociais; mas não é cabível imaginar que
milhões de brasileiros indigentes possam continuar aguardando os resultados de
uma nova fase de desenvolvimento. Eles demandam providências imediatas que
só terão eficácia se adotadas de forma continuada e conjunta, mediante união
de esforços do governo e da sociedade.
O Comunidade Solidária nasce, cresce e amadurece a partir de uma experiên-
cia brasileira inédita que emergiu no início de 1993 com o Conselho Nacional de
Segurança Alimentar (Consea). O Consea inaugurou uma nova era, colocando na
agenda do presidente da República a questão do combate à fome e à miséria como
prioridade nacional. Introduziu os princípios de parceria, solidariedade e descen-
tralização como eixos norteadores da ação do governo federal. Sempre defendeu
a articulação das ações públicas como a melhor estratégia para o enfrentamento
das grandes carências sociais.
Assim, o Consea engendrou o Comunidade Solidária e o que é mais im-
portante: mudaram-se os nomes, as pessoas, mas permaneceram as ideias-valores.
Pela primeira vez na história do país, assiste-se, apesar da mudança de governo,
1. Originalmente publicado como: Peliano, A. M. M.; Resende, L. F. de L.; Beghin, N. O Comunidade Solidária: uma
estratégia de combate à fome e à pobreza. Planejamento e Políticas Públicas, n. 12, p. 19-39, jan.-jun. 1995. Disponível
em: <https://bit.ly/3km07WM>.
254 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
2. O Programa de Complementação Alimentar (PCA), da Legião Brasileira de Assistência (LBA) do MBES; o Programa de
Suplementação Alimentar (PSA), do Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde (Inan/MS); o
Programa Nacional do Leite para Crianças Carentes (PNLCC), da Secretaria Especial de Habitação e Ação Comunitária
do Ministério da Ação Social (Sehac/MAS); e o Programa de Alimentação dos Irmãos dos Escolares (Paie), da Fundação
de Assistência ao Estudante do Ministério da Educação (FAE/MEC).
O Comunidade Solidária: uma estratégia de combate à fome e à pobreza | 255
R$ 2,6 bilhões, elevou-se, a partir de uma ampla discussão, para mais de vinte
programas, somando recursos da ordem de R$ 5,0 bilhões.
Finalmente, vale reiterar que o Comunidade Solidária não esgota as ações do
governo na área social. Ele é parte dessa ação, ainda que tenha caráter abrangente.
3. Parceria não é sinônimo de cooptação, não significando, também, terceirização, embora a terceirização possa ser
um dos resultados da parceria.
256 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
4. Agricultura; Educação; Esportes; Fazenda; Justiça; Planejamento e Orçamento; Previdência e Assistência Social;
Saúde; e Trabalho.
5. Sobre os critérios de concessão e desdobramentos, ver a seção 5 deste capítulo.
O Comunidade Solidária: uma estratégia de combate à fome e à pobreza | 257
4 O ARCABOUÇO INSTITUCIONAL
O Comunidade Solidária não cria mais uma estrutura paralela de ação governa-
mental. Configurando-se como um sistema composto por quatro atores/agentes
em interação permanente – o conselho consultivo, a secretaria executiva, os mi-
nistérios setoriais e os interlocutores estaduais –, tem por missão a utilização mais
racional dos escassos recursos disponíveis: financeiros, humanos, administrativos
e organizacionais.
6. Agricultura; Casa Civil; Educação; Esportes; Fazenda; Justiça; Planejamento e Orçamento; Previdência e Assistência
Social; Saúde; e Trabalho.
7. Ruth Cardoso (presidente), André Roberto Spitz, Arzemiro Hoffmann, Augusto César Franco, Denise Dourado Dora,
Éfrem de Aguiar Maranhão, Gilberto Gil, Hélio de Souza Santos, Herbert José de Souza, Joaquim de Arruda Falcão Neto,
Jorge Eduardo Saavedra Durão, dom Luciano Mendes de Almeida, Maria do Carmo Brandt de Carvalho, Miguel Darcy de
Oliveira, Ney Bittencourt de Araújo, Pedro Moreira Salles, Regina Duarte, Renato Aragão, Romeu Padilha de Figueiredo,
Sérgio Eduardo Arbulu Mendonça e Sonia Mirian Draibe.
258 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
8. Vale lembrar que uma das preocupações do atual governo é voltar a pensar prioritariamente o longo prazo.
260 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
9. O Mato Grosso do Sul concluiu pela conveniência de concentrar seus esforços em assentamentos, em vez de municípios.
10. Esse valor engloba recursos orçamentários da ordem de R$ 2,7 bilhões, além de R$ 1,3 bilhão do Fundo de Amparo
ao Trabalhador (FAT), para geração de emprego e renda e capacitação profissional (Programa de Geração de Emprego
e Renda – Proger Urbano e Rural), e R$ 1,1 bilhão do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), destinado aos
programas Promoradia e Prosaneamento, sendo o FAT e o FGTS recursos para financiamento.
O Comunidade Solidária: uma estratégia de combate à fome e à pobreza | 261
TABELA 1
Alocação de recursos financeiros segundo áreas prioritárias (1995)
(Em R$ 1 milhão)
Área Recursos
12. O sistema Bancos do Povo não se propõe a constituir-se instrumento de política compensatória.
O Comunidade Solidária: uma estratégia de combate à fome e à pobreza | 263
13. Maior detalhamento sobre a proposta em pauta pode ser encontrado no documento intitulado Sistema Bancos
do Povo: uma proposta, elaborado pelo Ipea e pela Secretaria Executiva do Comunidade Solidária – não publicado.
14. O aval solidário transfere o risco de inadimplência para o próprio tomador, ou seja, este utiliza-se de seus conhecimentos
locais para minimizar seu próprio risco, envolvendo, em última análise, um compromisso “moral” para com seu grupo.
15. Há ainda outros mecanismos que poderiam vir a substituir as exigências formais de garantia, como o seguro de
crédito (cobrança de um spread sobre a taxa de juros como forma de cobrir eventuais inadimplências) e o fundo de aval.
264 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
16. O comitê técnico deverá ser composto, em princípio, por representantes oriundos das seguintes instituições: BNDES,
Secretaria Executiva do Comunidade Solidária, Ipea, Ministério da Fazenda, Banco Central, Ministério do Trabalho e
Agência Brasileira de Cooperação, além de entidades que venham a aportar novos recursos financeiros. Poderão ser
convocados, ainda, representantes das instituições executoras e dos clientes.
17. As informações sobre a operacionalização do sistema estão detalhadas no documento Sistemas Bancos do Povo: uma
proposta, tais como os critérios para delimitação do público-alvo e seleção dos beneficiários, e a forma de treinamento
das equipes que trabalharão no sistema.
O Comunidade Solidária: uma estratégia de combate à fome e à pobreza | 265
TABELA 2
Valores, taxa de juros e prazo propostos1
Valor máximo (R$) Valor mínimo (R$) Taxa de juros Prazo (meses)
Elaboração: CPS/Ipea.
Nota: 1 Os custos operacionais serão analisados no encaminhamento de cada proposta do agente executor e poderão ser
negociados com cooperação técnica internacional ou orçamentos públicos.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Verifica-se que o Comunidade Solidária é uma estratégia de ação para o combate
à fome e à miséria que surge como avanço de uma experiência inédita que vi-
nha sendo desenvolvida recentemente no Brasil, no âmbito do referido Consea.
Não cria nenhuma estrutura paralela nem desenvolve programas próprios, promo-
vendo a parceria e a articulação com a sociedade civil no sentido de colaboração,
e não de cooptação. A articulação e a parceria são componentes fundamentais do
Comunidade Solidária, que não encontra similar em outros países da América
266 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
Latina, embora seja recorrente sua comparação, por exemplo, com o Programa
Nacional de Solidariedade (Pronasol), do México.18
Avanços foram obtidos ao longo desses primeiros meses de implantação,
conforme listado a seguir.
1) Em 1995, os programas selecionados como prioritários não sofreram di-
minuição de recursos orçamentários apesar do corte de aproximadamente
R$ 3 bilhões efetuado no início do ano pelo MPO.
2) Na proposta orçamentária para 1996, encaminhada pelo Executivo ao
Legislativo, os programas que levam o selo do Comunidade Solidária
foram beneficiados com um aumento médio global da ordem de 56%.
3) Em 1994, o Programa de Combate à Desnutrição Materno-Infantil,
coordenado pelo Inan, repassou para os municípios em torno de R$ 40
milhões. Em 1995, o programa dispõe de R$ 162 milhões e, até o mo-
mento, já foram contemplados 430 municípios, atendendo a 1,1 milhão
de novos beneficiários, entre crianças e gestantes.
4) Em 1994, os recursos da merenda escolar começaram a ser transferidos
praticamente em meados do ano, tendo sido liberado para estados e
municípios um total de R$ 415 milhões, o que permitiu oferecer, em
média, pouco mais de 100 dias de alimentação escolar. Em 1995, a
partir dos recursos repassados, já foi garantido o atendimento de 155
dias, estimando-se chegar a 175 dias até o final do ano. Este é o melhor
desempenho do programa desde sua criação.
5) Ainda no campo da alimentação, por meio do Programa de Distribuição
Emergencial de Alimentos (Prodea), executado pela Companhia Nacional
de Abastecimento (Conab), já foram distribuídas 1,9 milhão de cestas,
contendo 30 kg de alimentos. O programa está beneficiando em todo
o país: 930 mil famílias em 525 municípios e 158 acampamentos dos
sem-terra.
6) Em 1995, após três anos, finalmente foram reativados financiamentos da
Caixa Econômica Federal (Caixa), com recursos oriundos do FGTS no
valor de R$ 1,1 bilhão, destinado aos programas Promoradia e Prosane-
amento, voltados para o atendimento à população com renda mensal de
até três salários mínimos. No momento, os estados e municípios estão
18. O Pronasol concentrou todas as ações em um ministério específico, constituindo uma estrutura paralela que se
reproduz nos âmbitos estadual e municipal, nos quais se dá a articulação com a sociedade civil. Ou seja, no México
criou-se um vínculo direto do governo federal com as organizações de base, como, aliás, já foi experimentado no Brasil
por meio da extinta Secretaria Especial de Ação Comunitária (Seac). De forma distinta, no Comunidade Solidária a
articulação com a sociedade civil se dá, predominantemente, na esfera dos estados e municípios.
O Comunidade Solidária: uma estratégia de combate à fome e à pobreza | 267
12) O conselho detectou ainda ações que podem ser apoiadas por empresários
em prol de crianças e adolescentes, como o já mencionado engajamento
com a fundação Abrinq.
13) Desenvolvimento e negociação, com instituições nacionais e interna-
cionais, do sistema Bancos do Povo, objetivando prover à população de
menor renda o acesso ao crédito.
Esses são apenas alguns exemplos de conquistas obtidas pelo Comunidade
Solidária em poucos meses de atuação. Entretanto, uma listagem mais extensa
de sucessos – que de fato existem – não mascara nem ilude sobre a enorme quanti-
dade de dificuldades que retardam o processo de implementação de uma estratégia
eficiente e eficaz de combate à fome e à miséria no país. Acredita-se, porém, que
uma vontade de mudança permeia, ainda que de forma latente, toda a sociedade.
Os velhos modelos mostraram sua incapacidade em resolver os problemas sociais
do país. Então, por que não apostar na união de esforços em prol dos mais neces-
sitados? Afinal, o que deveria interessar a qualquer cidadão (independentemente
de cor, sexo, partido, ideologias ou credo) é o resultado concreto das ações empre-
endidas para melhorar a vida das pessoas que estão vivas hoje.
REFERÊNCIA
IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA.
Identificação de áreas de pobreza no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 1995.
PARTE III
Novas fronteiras
CAPÍTULO 8
1 INTRODUÇÃO
A cada dia aumenta o interesse da sociedade brasileira em conhecer as motivações
e as consequências do crescente envolvimento das empresas privadas na área social.
Há três anos, o Ipea promove estudos sobre esse tema, em busca de entender como
e por que o setor privado vem se dedicando a desenvolver ações sociais em benefício
das comunidades. Em complementação aos levantamentos quantitativos sobre o
universo das empresas privadas do país, buscou aprofundar o conhecimento com
informações mais qualitativas, obtidas por meio de visitas a um grupo de empresas,
de diferentes portes, localizadas nas regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de
Janeiro e Belo Horizonte.
É o resultado da pesquisa com as maiores empresas que o instituto ora divulga,
trazendo novidades para o debate a respeito da atuação da iniciativa privada no
campo social. Entre os temas analisados destacam-se:
• bondade ou interesse: reflexão sobre os fatores externos e internos às
empresas que têm influenciado a sua participação na área social (seção 3);
• modismo ou permanência: forma como as ações sociais são inseridas na
estratégia mais geral das empresas e as perspectivas de sua continuidade
(seção 4);
• próximas ou distantes: relações que as empresas estabelecem com os
beneficiários e como fazem as suas escolhas (seção 5);
• transformadoras ou compensatórias: detalhamento e análise das ações
sociais desenvolvidas pelas empresas (seção 6);
• amadorismo ou profissionalismo: mecanismos de gestão adotados pelo
setor para realizar o atendimento social (seção 7);
1. Originalmente publicado como: Peliano, A. M. M. (Coord.). Bondade ou interesse? Como e por que as empresas
atuam na área social. Brasília: Ipea, nov. 2001. Disponível em: <https://bit.ly/3D5W7AO>.
2. O texto original contou com a colaboração de Enid Rocha.
272 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
2.1 Os objetivos
Muitos acreditam que as empresas privadas investem na área social apenas por seus
próprios interesses: será apenas esse o elemento que motiva a crescente participa-
ção das empresas privadas em ações sociais? Que outros fatores concorrem para
a recente expansão do volume de recursos privados aplicados no atendimento às
demandas das comunidades? Pesam as considerações de ordem moral e humanitária
ou legítimas preocupações com a contribuição de todos para o equacionamento
dos problemas sociais do país?
O primeiro bloco de indagações da pesquisa foi direcionado especificamente
para se buscar entender as principais motivações que levam as empresas privadas –
cuja principal missão é a produção de bens e serviços de uso privado para a geração
de lucro – a investir tempo e recursos na realização de ações sociais em benefício da
comunidade. Para efeitos desta pesquisa, trataram-se como ação social as atividades
ou doações não obrigatórias realizadas pelas empresas para atender ou ajudar a
comunidade com serviços de assistência, alimentação, saúde e educação, entre
outros. Foram considerados no atendimento à comunidade tanto a ação direta
das empresas nos segmentos sociais beneficiados quanto o seu apoio a entidades
filantrópicas, fundações, associações e mesmo organizações governamentais que
prestam serviços sociais.
Cabe ressaltar que o estudo do Ipea analisa o comportamento das empresas
como ator social que vem se inserindo no campo das políticas públicas de combate
à pobreza. Não se trata aqui de emitir julgamento sobre o valor do papel social
dessas empresas e, muito menos, os princípios éticos que regem seu comportamento
perante a sociedade. O objetivo principal de atenção não é o social nas empresas,
mas, sim, as empresas no social, isto é, a maneira pela qual o setor privado participa
de ações sociais de caráter público.
Bondade ou Interesse? Como e por que as empresas atuam na área social | 273
3. Informações constantes da pesquisa Ação Social das Empresas da Região Sudeste, realizada pelo Ipea em 1999.
274 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
GRÁFICO 1
Distribuição das 34 empresas pesquisadas, segundo a receita bruta
4. É importante lembrar que as contribuições empresariais para a área social são antigas e não chegaram a ser de
conhecimento público devido ao baixo interesse das empresas e da mídia, de modo geral, na sua divulgação. A isso
soma-se a escassez de trabalhos acadêmicos sobre o assunto. Alguns estudos, no entanto, apontam registros interes-
santes sobre os marcos da filantropia empresarial no Brasil: “Naquele final da década de 1910 Monteiro Lobato era dos
mais influentes intelectuais brasileiros (além de empresário, criador de revistas e editoras) (...) e criou, para campanha
brasileira, o Jeca Tatu, personagem de um livreto que alcançou a espantosa tiragem de 1 milhão de exemplares (isto
num tempo onde a população era muito menor e o analfabetismo muito maior) distribuídos pelo Laboratório Fontoura,
numa ação que se poderia classificar de filantropia empresarial (...). Monteiro Lobato e o Laboratório Fontoura plantaram
o marco fundador de um determinado tipo de ação” (Goes de Paula e Rohden, 1996).
5. Ver capítulo 9 desta obra.
276 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
Dentro da sociedade hoje é muito difícil só contar com o apoio governamental – estadual
ou municipal. Então, de alguma forma, se a gente pode contribuir com o bem-estar do
próximo, a gente procura agir (Empresa do setor de siderurgia e metalurgia).
Quando a empresa veio para esse município, era uma fábrica pequena e a cidade era
linda, (...) era verde com ar puro. Com o passar dos anos, a empresa cresceu e ficou forte,
enquanto a cidade foi ficando miserável. A empresa tinha que fazer alguma coisa pela
cidade, e quanto maior o poder maior a responsabilidade (...). Na cidade não tem água,
não tem esgoto, o trânsito é caótico, tem muitas favelas (...), mas o sentimento que nos
movia era a decadência da cidade e do próprio país (Empresa do setor farmacêutico).
Uma série de preparativos vem sendo feita [pela empresa] visando responder à norma
internacional SA8000, que, entre outras exigências, avalia se a empresa realiza ações
sociais, se responde adequadamente às normas ambientais, se respeita as características
culturais locais etc. (Empresa do setor de siderurgia e metalurgia).
7. Os outros oito fundamentos são: qualidade centrada no cliente, foco nos resultados, comprometimento da alta dire-
ção, visão de futuro de longo alcance, valorização das pessoas, ação proativa, resposta rápida e aprendizado contínuo.
278 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
Eu convivi com o sr. (...). Ele sempre teve esse lado altruísta, sempre teve essa pre-
ocupação com o pobre. Ele se sentia bem ao fazer isso. Por exemplo, em Ilha Bela,
Bondade ou Interesse? Como e por que as empresas atuam na área social | 279
local onde costumava pescar, ele chegou a fazer uma grande doação de material e
equipamentos para os caiçaras, como barcos, caixa d’água, encanamento, radioamador,
tudo com dinheiro do próprio bolso (Empresa do setor de siderurgia e metalurgia).
A empresa passou a fazer ações sociais por decisão pessoal do presidente, que sempre
diz que “deve-se devolver à sociedade parte do que se ganha com a atividade empre-
sarial” (Empresa do setor farmacêutico).
No Brasil, não há uma diretriz, mas é quase um “dogma internalizado”: onde a em-
presa possui unidades, deverá haver a preocupação não apenas com a qualidade de
seus produtos, mas também com a qualidade de vida das pessoas ao redor. Apesar
de as filiais respeitarem alguns padrões, há um respeito aos usos e costumes locais
(Empresa do setor de alimentos).
Anualmente, a matriz nos Estados Unidos emite para todo o grupo as informações
de todas as ações nos países em que ela atua. Consolida as informações e distribui
para a comunidade externa e a imprensa. É publicado o que é feito em todas as
unidades, em forma de balanço social, no qual se tem um resumo geral de todas as
ações sociais da empresa (Empresa do setor automotivo).
Na medida em que os donos ou altos executivos das empresas vêm desempe-
nhando um papel tão determinante na atuação social do setor privado, buscou-se
observar na pesquisa a postura que assumem diante dos problemas e desafios sociais.
Foi interessante confirmar que o envolvimento pessoal tem peso significativo no
comportamento das próprias empresas. Os resultados evidenciaram que, na maioria
das empresas pesquisadas (59%), os principais responsáveis pelo seu envolvimento
na área social (presidentes, donos, diretores ou sócios) realizam trabalhos voluntários
para a comunidade ou participam, voluntariamente, em conselhos que cuidam
de ações sociais governamentais, ou conselhos de alguma entidade filantrópica.
280 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
Segundo os entrevistados, o fato de uma ou várias pessoas da alta direção ser ou ter
sido atuante em entidades do terceiro setor ou em movimentos sociais contribuiu
muito para o envolvimento da empresa na realização de ações sociais.
O fundador da empresa tinha uma visão social ampla. Foi uma figura central para a
ação social da empresa. Foi pioneiro, por exemplo, na oferta de creches, na adoção
de direitos trabalhistas e na promoção da cultura, ainda no início do século (Empresa
do setor de fumo).
O presidente tem uma história familiar do pai, que foi responsável pela constituinte
em Portugal. Ele participou da revolução que derrubou Salazar, era uma pessoa atu-
ante. É uma formação familiar, tem um valor de cidadania (Empresa de prestação
de serviços públicos).
Outro aspecto de foro íntimo dos dirigentes empresariais que influencia o
seu envolvimento na área social diz respeito a seus sentimentos de religiosida-
de ou à sua filosofia de vida. Indagada se os princípios religiosos ou filosóficos
dos dirigentes influenciaram a participação da empresa em ações sociais, a metade dos
entrevistados respondeu afirmativamente, embora nem todos admitam que tenha
sido o fator determinante. Em geral, os princípios filosóficos foram muito mais
citados que os religiosos.
Sim, [princípios] filosóficos. Segundo o presidente [da empresa], se você tem sucesso
no seu empreendimento, você deve devolver à sociedade esse resultado. Ele sempre
fala que ninguém vive isolado. Se você ganha dinheiro, tem que dividir. Se você tem
sorte, tem que devolver (Empresa do setor têxtil).
Desde sua formação, os dirigentes da empresa foram influenciados por uma corrente
filosófica da Europa chamada economia e humanismo, liderada pelo padre Lebret,
cujo princípio era buscar o desenvolvimento econômico sem se esquecer da parte
humana (Empresa do setor de siderurgia e metalurgia).
Sim, embora não seja uma motivação explícita, há um fio condutor religioso, pois
todos os diretamente envolvidos nas decisões possuem profundas convicções religiosas
na dimensão de transcendência, do papel da pessoa nesta vida, da espiritualidade,
sensibilidade e solidariedade (Empresa do setor financeiro).
Bondade ou Interesse? Como e por que as empresas atuam na área social | 281
A nossa empresa deu certo porque soube ouvir as necessidades dos clientes e dos
funcionários (Empresa do setor de tecnologia e computação).
8. Conforme assinala Okumura (2001), um recente estudo da Harvard University revela que “a taxa de crescimento das
empresas socialmente responsáveis é quatro vezes maior do que a da empresa comum”.
282 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
Pesquisa recente promovida pelo Instituto Ethos, pelo jornal Valor Econômi-
co e pela Indicator Opinião Pública com consumidores brasileiros mostrou que
22% dos entrevistados prestigiam ou punem empresas pelo seu comportamento
social (Instituto Ethos, 2001). Entre as atitudes empresariais que estimulam os
consumidores a comprar seus produtos ou a recomendá-los aos amigos está, em
primeiro lugar, a contratação de portadores de deficiência (43%); em segundo,
a colaboração com escolas, postos de saúde e entidades sociais da comunidade
(42%); e, em terceiro, a manutenção de cursos de alfabetização para funcionários
e familiares (28%).9
As mudanças na sociedade estão fazendo que questões éticas comecem a dis-
ciplinar o lucro, já existindo vários registros de empresas que foram prejudicadas
por terem agido mal socialmente, lesando o consumidor ou o meio ambiente.
Segundo Tranjan (1999, p. 51), o caminho para a ética nos negócios é resultado da
mudança na escala de valores e sua ausência leva “ao vazio e à falta de significado
nas empresas, e até em nossa vida”. O autor ressalta que não há saída nesse novo
milênio para aquelas empresas “sem alma que necessitam promover mudanças na
maneira de pensar” (idem, ibidem).
A percepção de que a ação social acaba por trazer um retorno positivo para a
empresa é generalizada entre os pesquisados. Embora nenhuma empresa entrevis-
tada tenha declarado mensurar esse retorno, todas sabem, intuitivamente, que o
resultado é positivo, mesmo que intangível em alguns aspectos. É difícil quantificar
os benefícios das ações sociais para o prestígio público da empresa, a satisfação dos
empregados e a valorização do produto.
A gente vê mais em função da imagem do que em resultados financeiros. A impressão é
de que o retorno é infinitamente maior do que os recursos investidos. A ideia não
é buscar resultado econômico, mas sabemos que a imagem é positiva, embora não
tenhamos o cálculo exato (Empresa do setor de alimentos).
Retorno há, mas não tem como medir (Empresa do setor de tecnologia e computação).
O retorno não é fácil de calcular, mas se percebe que há melhora na relação da co-
munidade com a empresa (Empresa do setor de transportes coletivos).
Para se reforçar a ideia de que as empresas sabem, ainda que intuitivamente, que
o retorno de suas ações sociais é positivo, que agrega valor à marca, apresenta-se, a
seguir, a percepção dos executivos entrevistados em relação às mudanças observadas
a partir do atendimento social. As respostas foram estimuladas pela apresentação
das alternativas que constam da tabela 1, solicitando-se aos entrevistados que lhes
atribuíssem graus de importância, indicados nas suas respostas.
9. Os percentuais representam a frequência com que a atitude foi citada, sendo possível ao entrevistado mencionar
mais de uma; por esta razão, ultrapassam os 100%.
Bondade ou Interesse? Como e por que as empresas atuam na área social | 283
TABELA 1
Retorno das ações sociais, segundo a percepção dos entrevistados
Pergunta Alternativa Resposta (%)
Alto 65
Médio 35
Melhora da imagem na comunidade? Baixo 0
Nenhum 0
Não sabe 0
Alto 50
Médio 32
Melhora da imagem com os clientes? Baixo 6
Nenhum 12
Não sabe 0
Alto 38
Médio 21
Melhora da imagem com os fornecedores? Baixo 15
Nenhum 26
Não sabe 0
Alto 53
Médio 23
Aumento do envolvimento dos funcionários com a missão da empresa (aumenta a
Baixo 15
produtividade)?
Nenhum 9
Não sabe 0
Alto 59
Médio 18
Melhora do relacionamento com parceiros importantes (governo, agências internacionais,
Baixo 3
outras empresas, ONGs)?
Nenhum 17
Não sabe 3
Alto 0
Médio 9
Aumento das vendas? Baixo 6
Nenhum 59
Não sabe 26
Alto 0
Médio 6
Diminuição dos impostos a pagar? Baixo 3
Nenhum 82
Não sabe 9
Elaboração: CPS/Ipea.
O retorno para as empresas foi considerado alto nos seguintes itens: melho-
ra da imagem na comunidade; melhora da imagem com os clientes; melhora da
284 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
Há preocupação com a boa imagem da empresa. Hoje a sociedade está mais madura
e é possível considerar que todas essas parcerias implicam duas vias. Estamos bene-
ficiando a comunidade e, por outro lado, estamos recebendo o retorno dessas ações
que contribuem para os negócios da empresa e para a motivação dos funcionários
(Empresa do setor de alimentos).
[Esperamos] que seja percebido que nossa atuação é diferenciada na área social,
capaz de adicionar valores. Se os investimentos forem eficientes, vão contribuir para
a instituição mantenedora (...). No final, isto dá lucro! Não é expressão de culpa
(Empresa do setor de fumo).
BOX 1
Tipos de incentivos praticados pelas empresas para estimular a participação dos
empregados em ações sociais
Ampliação das chances de o funcionário permanecer na empresa em momentos de corte de pessoal.
Divulgação em veículo de comunicação interna dos nomes dos funcionários que participam das ações sociais.
Instituição de prêmios para os funcionários que participam de ações sociais.
Liberação no horário de expediente para participar de trabalho voluntário.
Preferência no processo de contratação da empresa.
Preferência para a progressão funcional na empresa.
Realização de programas de voluntariado na empresa.
Treinamento para o exercício de ações sociais.
Elaboração: CPS/Ipea.
286 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
Primeiro, a satisfação de poder ajudar outras pessoas em situações piores que as deles:
sentem-se úteis, motivados, orgulhosos e satisfeitos. As pessoas que têm feito esse tipo
de trabalho relacionam-se melhor com o grupo, aumentam o poder de interferência
que têm não só na empresa, mas também na sua comunidade e bairro (Empresa do
setor automotivo).
O box 2 resume os principais resultados percebidos pelos entrevistados quanto
à participação dos empregados em ações sociais. Vale destacar que as observações
mais recorrentes se referem ao aumento da satisfação, sociabilidade e consciência
social dos funcionários. Entretanto, todas as mudanças observadas trazem resultados
positivos para o desempenho global da empresa.
BOX 2
O que a empresa percebe em relação à participação dos empregados
Faz que o funcionário adquira consciência social, sintonizando-se com a missão da empresa.
Amplia o poder de interferência do empregado na empresa e na comunidade onde atua.
Aumenta a satisfação do empregado e eleva a sua produtividade.
Aumenta a sociabilidade do empregado e melhora seu relacionamento dentro da empresa.
Desenvolve competências úteis à carreira profissional dos empregados.
Melhora o relacionamento entre as chefias e os empregados.
Elaboração: CPS/Ipea.
A participação não seria uma ação espontânea, envolveria privações – como deixar de
estar com a família – e esse tipo de trabalho tem uma dimensão técnica que, se a pessoa
não dominar, acaba atrapalhando (Empresa do setor de química e petroquímica).
Não se pode ignorar, ainda, a preocupação, em geral não explicitada, das
novas cobranças que podem advir dos empregados para que os benefícios tam-
bém sejam estendidos a eles. Apesar desses receios, mesmo nas empresas em que
os empregados não se envolvem, já há uma percepção de que o seu envolvimento
traz retorno positivo, e alguns entrevistados deixaram transparecer a intenção de
fomentar, no futuro, maior envolvimento dos empregados.
Temos como meta criar um programa de voluntários que ainda não temos, porque
está havendo uma demanda muito grande da parte dos empregados de participarem
das nossas ações [sociais]. Para isso, vamos criar um banco de dados que mostre
as habilidades que o empregado possui em relação às necessidades que a entidade
apresenta (Empresa do setor automotivo).
[Os diretores da empresa] perceberam que isso [a ação social] trazia um retorno
muito grande por parte dos funcionários, que trabalhavam melhor (...), notaram
que as ações sociais, mesmo eventuais, surtiam bons efeitos no que se refere à forma
como a comunidade passava a tratar o serviço oferecido pela empresa [diminuía a
degradação dos ônibus]. Davam até mesmo preferência aos serviços [de transporte]
oferecidos pela empresa (Empresa do setor de transportes coletivos).
Depoimentos dessa natureza mostram que as empresas vêm se organizando
para assumir uma postura mais proativa no campo social e internalizando as fun-
ções sociais. A maioria das empresas pesquisadas (79%) declarou que atender à
comunidade já faz parte da sua estratégia institucional – observe-se que, na metade
das que assim procedem, tal atribuição encontra-se devidamente formalizada em
documentos orientadores e reveladores da sua missão (tabela 2).
Bondade ou Interesse? Como e por que as empresas atuam na área social | 289
TABELA 2
Ações sociais como parte da missão institucional da empresa
Pergunta Alternativa Resposta (%)
Sim, formalizadas em documentos internos à empresa 38
Realizar ações sociais para a
comunidade faz parte da missão Sim, mas não estão formalizadas em documentos 41
institucional da empresa?
Não fazem parte da missão institucional 21
Elaboração: CPS/Ipea.
Faz parte da cultura da empresa, mas só estará formalizado no balanço social que a
empresa lançará em fevereiro de 2001 (Empresa do setor de alimentos).
Se eu buscar ler “missão da empresa”, não sei se encontro escrito, mas, ainda que não
esteja, reflete a missão da empresa hoje (Empresa do setor de transportes coletivos).
O cálculo dessas doações foi feito em cima do limite mínimo suportável; se os lucros
da empresa caírem, os sócios assumem esse custo. Ainda não aconteceu isso, pelo
contrário, houve até um aumento nos rendimentos, o que possibilitou a ampliação
(Empresa do setor de tecnologia e computação).
Pela carência que a gente vê nelas. E para se integrar também, pois somos parte dessas
comunidades; 70% de nossa mão de obra vem dessas comunidades (Empresa do
setor de transportes coletivos).
Nossa missão é atender às comunidades carentes. Lógico que, se você tiver uma
comunidade mais próxima à sua instalação, é mais fácil acompanhar essa ação.
Priorizamos ações que atendam comunidades necessitadas e o segundo critério é o
da proximidade (Empresa do setor automotivo).
É nesse contexto de um atendimento personalizado que as empresas vêm
buscando uma relação mais direta com as comunidades que vivem no seu en-
torno, estabelecendo um diálogo mais constante e aberto. Assim, cerca de dois
terços das empresas relacionam-se de alguma forma com os vizinhos, e os próprios
empregados contribuem para essa aproximação. Em geral, o contato da empresa
com a comunidade é feito por meio de: i) participação em reuniões e comissões
10. Os percentuais representam a frequência com que o motivo foi citado, sendo possível ao entrevistado mencionar
mais de um; por esta razão, ultrapassam os 100%.
292 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
[A relação com a comunidade] é boa. Mas não temos diálogo porque não queremos
nada em troca, mesmo. As entidades nos convidam para festa de fim de ano, ani-
versário da fundação, mas nós não vamos. O que fazemos quando recebemos algum
convite é dar mais alguma coisa (...). O que eu tenho são pedidos formais, por meio
de ofícios que mandam para mim. Dependendo do que eles pedem, aí, sim, eu peço
que venham até aqui ou eu dou uma passadinha lá (Empresa do setor têxtil).
É interessante observar as diversas facetas que assumem as relações entre as
empresas e as comunidades atendidas. Por exemplo, outro aspecto revelado na
pesquisa foi que a vizinhança não significa para as empresas, necessariamente, o
espaço geográfico que circunda as suas plantas físicas. Cerca de 75% dos entrevis-
tados declararam que a atuação da empresa se estende para além de seu entorno
geográfico, mostrando que a preferência pelo local de atuação depende de seu grau
de capilaridade e do seu raio de influência e liderança. A vizinhança da empresa, na
verdade, relaciona-se com o espaço no qual ela se sente inserida (bairro, município,
estado ou país) e guarda estreita relação com a abrangência de sua produção ou
serviço prestado.11
Assim, uma organização cuja receita gerada é circunscrita a apenas deter-
minadas regiões de um município tende a se sentir parte somente da região por
onde seus serviços ou produtos circulam. As empresas cujas receitas são geradas
em âmbito nacional, por sua vez, não restringem seus investimentos sociais apenas
aos locais onde estão fisicamente instaladas. Essa pode até ser uma característica do
início de seu envolvimento social, mas a tendência é que expanda suas ações para
outras localidades. Na verdade, o espaço de atuação de uma empresa também está
relacionado com o alcance de sua marca, isto é, empresas cujas marcas têm alcance
nacional buscarão igualmente realizar ações sociais com visibilidade nacional.
A empresa tem unidades espalhadas por todo o país. Os projetos sempre foram rea-
lizados onde a empresa possuía unidades, dado o apoio voluntário dos funcionários.
A partir do momento em que passou a ampliar as ações, a empresa teve de procurar
parcerias com as ONGs que possuem estrutura para atuar onde a empresa não tem
presença (Empresa do setor de alimentos).
A empresa opta pelo investimento e não pelo custeio; preocupa-se com o efeito
multiplicativo. Ao apoiar (nacionalmente) o ensino público fundamental, estava
necessariamente optando por não personalizar a alocação de verba – os negócios da
empresa se estendem por todo o país (Empresa do setor financeiro).
A empresa escolhe com razão e não com emoção (Empresa do setor de prestação de
serviços de limpeza).
Não chega a ser surpresa o fato de as empresas procurarem saber onde investem
seus recursos e o nível de necessidade das comunidades atendidas. O que merece
registro é que, apesar do esforço da “racionalidade técnica”, a ação social ainda é
muito mais influenciada pelo conhecimento obtido em contatos diretos que por
levantamentos estatísticos ou estudos de campo. Com efeito, a maior preocupação
das empresas é focalizar o seu atendimento nas comunidades realmente carentes.
Ao se analisarem as observações feitas pelos entrevistados, nota-se que o critério
da pobreza permeia a maior parte das escolhas das empresas, mesmo se optam por
uma determinada instituição ou pela atividade que consideram prioritária.
Quando [os sócios da empresa] pagam uma conta de água ou luz para uma família
que os procura, ou cuidam de algum doente, não há uma priorização de ações.
Atendem quem os procura, dentro do possível e do que necessitam (Empresa do
setor de prestação de serviços terceirizados).
ver se procede. É bom saber para onde se destina a doação (Empresa do setor de
siderurgia e metalurgia).
Os beneficiários dos investimentos privados podem ser também escolhidos
por serem clientela potencial dos produtos/serviços comercializados pela empresa,
conforme se observou em cerca de um terço do grupo pesquisado.
O objetivo é educar os passageiros de amanhã e mostrar o que é necessário para um
ônibus rodar (Empresa do setor de transportes coletivos).
A empresa recebe solicitações de diversas instituições que têm projetos nas áreas de
saúde e educação e, então, sensibiliza os decisores das ações. Muitas vezes, o ponto
de entrada foi uma relação comercial – não que a decisão mude em função dessa
relação, mas ela pode facilitar o acesso para a análise (Empresa do setor financeiro).
BOX 3
Seleção dos beneficiários: exemplos de critérios utilizados
Critérios objetivos:
• conhecimento dos problemas da comunidade/entidade apoiada;
• convergência com o foco de ação da empresa;
• grau de organização da comunidade;
• pobreza/carência;
• projetos-modelo capazes de atrair parceiros; e
• qualidade/sustentabilidade dos projetos.
Critérios pessoais e afetivos:
• indicação de amigos e pedidos políticos e/ou de familiares;
• motivos religiosos;
• sensibilidade a determinado tipo de clientela (portador de deficiência, criança, idoso etc.); e
• sensibilidade a pedidos de entidades.
Elaboração: CPS/Ipea.
TABELA 3
Outras áreas de atuação das empresas, segundo a ordem de frequência
Área Frequência (%)
Elaboração: CPS/Ipea.
BOX 4
Ações desenvolvidas em quatro áreas distintas
4A – Assistência social
4B – Alimentação e abastecimento
Apoio ao projeto Mesa São Paulo, contra o desperdício, para a formação de banco de alimentos.
Cessão de espaço para o desenvolvimento de horta comunitária.
Distribuição de sopa, balanceada nutricionalmente, preparada a partir de sobras limpas de restaurante próprio
da empresa.
Doação de sobras limpas de alimentos para a comunidade.
Doações de cestas básicas.
Fornecimento de almoço diário para policiais civis e militares na sede da empresa.
Fornecimento de refeições para os membros da comunidade que participam dos cursos oferecidos, em várias áreas,
pela empresa.
(Continua)
Bondade ou Interesse? Como e por que as empresas atuam na área social | 299
(Continuação)
4C – Saúde
4D – Educação e alfabetização
(Continuação)
Cessão de canal ao MEC para levar informações a escolas e para a reciclagem de professores.
Cessão de ônibus para ações educativas e de recreação.
Desenvolvimento de artes em papel, madeira, teatro e capoeira.
Doação de escolas para comunidades (construção e infraestrutura).
Doações de livros didáticos.
Educação de jovens (noções de saúde, prevenção de doenças, gravidez, marketing pessoal, informática e docu-
mentação bancária).
Educação em informática.
Educação para o trabalho (criação de reserva extrativista, organização de cooperativas).
Escola de enfermagem (criada e mantida pela própria empresa) aberta para a comunidade.
Financiamento de programa de educação em ética e valores universais.
Formação de bibliotecas nas escolas.
Formação de professores leigos.
Fornecimento de material de apoio, dirigido a diretores e professores de ensino fundamental.
Implementação de hortas nas escolas.
Instituição de prêmios para professores do ensino fundamental, com vistas a estimular a melhoria da qualidade
de ensino.
Material e informações relativas ao plantio de mudas de árvores.
Mobilização para a volta de crianças de baixa renda à escola.
Montagem de laboratórios de informática para o treinamento de professores em escolas de comunidades de baixa renda.
Ofertas de cursos em modalidades esportivas.
Oficina de reciclagem e reforço escolar para crianças de 1a a 4a série.
Oficinas profissionalizantes nas áreas de música, arte e publicidade.
Orientação para o combate ao desperdício de energia elétrica.
Orientação sobre meio ambiente.
Parceria com o Canal Futura.
Parceria com o MEC para desenvolver e organizar as escolas rurais do Nordeste.
Parcerias para a manutenção de escolas públicas.
Pré-escola, ensino fundamental, ensino médio, cursos técnicos e supletivos, ofertados em colégio da própria empresa,
aberto para a comunidade.
Premiação para as ONGs que realizam projetos educacionais para crianças e famílias de baixa renda.
Preservação ambiental.
Programa de conscientização das crianças na área de segurança (prevenção de acidentes e educação para o trânsito).
Programa de educação em saúde (higiene pessoal, nutrição, aproveitamento de alimentos, prevenção de Aids etc.).
Programa de orientação para o combate ao trabalho infantil.
Programa de reintegração social de crianças de 4 a 14 anos.
(Continua)
Bondade ou Interesse? Como e por que as empresas atuam na área social | 301
(Continuação)
Porque é uma comunidade carente e, se não tiver algum tipo de benefício, não vai
resolver os problemas que se apresentam no dia a dia. Hoje, a situação é tão difícil
que as pessoas não têm condições de sobreviver sozinhas. Espero poder amenizar
um pouco mais o sofrimento desses que mais precisam hoje (Empresa do setor de
prestação de serviços terceirizados).
Esperamos que as doações realmente sirvam para essas comunidades; temos consciência
de que isso não resolve o problema deles, mas minimiza, até que possam encontrar
empregos e se restabelecer (Empresa do setor de prestação de serviços terceirizados).
A empresa tem de servir à comunidade, pois é um instrumento social. E essa comu-
nidade tem de saber que pode contar com seu apoio (Empresa do setor de siderurgia
e metalurgia).
Por seu turno, o entendimento de que se faz necessário mudar o patamar de
desenvolvimento social do país leva à defesa de investimentos em ações consideradas
mais estruturantes. Nesse caso, as empresas direcionam seus esforços, especialmente,
para as áreas de saúde, educação e qualificação profissional.
É claro que a gente tem a consciência de desenvolver a sociedade, de buscar algo
mais justo, de que também é nossa responsabilidade por um mundo melhor. O que
mais sensibiliza a empresa é que ela está no dia a dia com essa população. A nossa
Bondade ou Interesse? Como e por que as empresas atuam na área social | 303
BOX 5
Exemplos de atividades executadas diretamente pelas empresas
Apoio à organização, à instalação e à manutenção de cooperativas de produção.
Atendimento de saúde (exames médicos e radiológicos).
Campanha de prevenção à Aids na qual a empresa distribui material didático e preservativos.
Campanhas de arrecadação (alimentos, roupas, brinquedos, agasalhos) dentro das empresas ou por meio de seus
empregados.
Campanhas educativas diversas na comunidade e em escolas, realizadas por funcionários da empresa (palestra,
publicação e distribuição de material didático e outros materiais como sementes, mudas etc.).
Capacitação e apoio a voluntários.
Concursos e prêmios em educação para alunos e professores.
Concursos e prêmios para projetos comunitários e de ONGs em distintas áreas sociais.
Construção de escolas e doação para a comunidade.
Construção de hospital.
Construção e manutenção de supermercado para venda a preços mais baixos aos cooperados e à comunidade
do entorno.
Criação e manutenção de companhia de dança na comunidade.
Criação e manutenção de programas de esporte para crianças e adolescentes, incluindo, além de aulas esportivas,
acompanhamento do desempenho escolar e orientação aos pais.
Desenvolvimento de plano pedagógico e treinamento de professores.
Formação de bibliotecas.
Fornecimento de refeições feitas na própria empresa.
Instalação e manutenção de escola de enfermagem.
(Continua)
Bondade ou Interesse? Como e por que as empresas atuam na área social | 305
(Continuação)
Elaboração: CPS/Ipea.
Vale ressaltar que nenhuma empresa se restringiu às ações que executa direta-
mente. Todas fazem alguma doação, ou às comunidades (68%), ou a entidades que
realizam atendimento social (85%), ou às duas simultaneamente (65%). Salienta-se,
todavia, que nem sempre as empresas fazem distinção clara entre execução direta
e doação, e que uma mesma ação pode ser classificada nas duas alternativas. Se
a empresa se limita a doações de recursos financeiros, está claro que se trata de
doações; mas, se adquire e distribui algum bem, como cestas básicas ou material
didático, tanto pode considerar essa atuação como execução direta quanto como
doação. Em geral, se os próprios empregados participam (em caráter voluntário
ou remunerado) da realização de atividade, o atendimento é considerado também
como execução direta.
Executar diretamente significa conduzir tudo. A gente faz tudo (Empresa do setor
de prestação de serviços terceirizados).
Isso ocorre na medida em que a empresa visita a instituição e partilha das soluções
de seus problemas (Empresa do setor de prestação de serviços de limpeza).
É interessante assinalar, ainda, o fato de frequentemente se verificar que as
empresas aproveitam suas vantagens nos projetos que executam. Como exemplo,
pode-se mencionar uma empresa de transporte que cede veículos para atividades
comunitárias, ou uma indústria de medicamentos que faz educação em saúde.
306 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
6.4 O público-alvo
Da mesma forma que é extensa a lista de atividades desenvolvidas pelas empre-
sas, a lista dos beneficiários inclui grupos bastante distintos, conforme os relatos
dos entrevistados, apresentados no box 6. A pesquisa revelou que dessa lista de
beneficiários quatro grupos são alvos prioritários da ação social do setor privado:
crianças, jovens, comunidade em geral e adultos.
BOX 6
Beneficiários da ação social das empresas
Agentes de saúde.
Comunidade em geral.
Crianças.
Desempregados.
Educadores/agentes de educação.
Famílias.
Idosos.
Índios.
Jovens.
Meninas.
Moradores de rua.
Moradores do entorno (da empresa).
Mulheres.
ONGs ou entidades assistenciais.
Pais.
Pediatras.
Policiais.
Portadores de necessidades especiais.
Produtores rurais.
Professores.
Elaboração: CPS/Ipea.
Sendo assim, a questão que serviu como pano de fundo para o desenvolvimento
desse tópico é a seguinte: na realização de suas ações sociais, as empresas praticam os
procedimentos básicos de uma boa gestão, como o planejamento, a previsão orçamentária,
o controle da execução, o acompanhamento, a avaliação e a divulgação? Consideraram-
-se, inicialmente, o planejamento e o financiamento, pois essas atividades são as que
permitem dimensionar o atendimento e prever sua continuidade ao longo do tempo.
Entre as empresas pesquisadas, menos da metade (44%) respondeu que dispõe de
plano definido para a sua atuação social; 38% disseram que a empresa estabelece apenas
linhas gerais de execução; e 18% não fazem nenhum tipo de planejamento. Por quê?
Porque os projetos surgem conforme a demanda e são realizados conforme a dispo-
nibilidade da empresa (Empresa do setor de prestação de serviços de saúde).
Na verdade, nunca paramos para planejar isso. Fomos respondendo aos estímulos
(...), se fôssemos valorizar tudo aquilo que doamos (Empresa do setor de siderurgia
e metalurgia).
Quando você formaliza alguma coisa no papel, tem que cumprir, independentemente
da sua situação financeira e da do país. Isso é complicado. Você colocar no papel e
deixar de cumprir é pior (Empresa do setor têxtil).
A empresa tem foco e linhas gerais [de ação], mas não é uma camisa de força (Em-
presa do setor financeiro).
Em relação às empresas que declararam dispor de um plano definido, procurou-se
conhecer o conteúdo desse plano de ação. Conforme pode ser observado, nem
todos os planos contêm definição de metas, previsão dos resultados esperados e,
muito menos, clareza quanto aos procedimentos a serem adotados para a execução
das atividades (tabela 4).
TABELA 4
Conteúdo do plano de ação das empresas
Pergunta Alternativa Resposta (%)
Definição de metas 79
Definição de responsabilidades 14
Cronograma de atividades 7
Elaboração: CPS/Ipea.
Bondade ou Interesse? Como e por que as empresas atuam na área social | 309
TABELA 5
Definição de orçamento para as ações sociais
Pergunta Alternativa Resposta (%)
Elaboração: CPS/Ipea.
Funciona assim: temos em nosso cronograma que vamos fazer a campanha da crian-
ça; eu sento com o diretor e pergunto “quanto você vai me arrumar para eu fazer
isso aqui?”; depois inventamos que precisamos comprar doces também, eu torno a
pedir. Não temos hoje um orçamento predefinido, trabalhamos conforme as coisas
vão acontecendo (Empresa do setor de transportes coletivos).
O atendimento social prestado pelas empresas é, geralmente, bem menor
que as solicitações recebidas. Mesmo assim, quase um terço das empresas pesqui-
sadas declarou atender a mais de 60% das demandas que lhes chegaram às mãos.
Se, por um lado, isso pode significar grande disponibilidade para atender aos
pedidos, por outro, dadas as carências da comunidade, pode ser que o acesso a
algumas empresas não seja fácil.
Sei que a demanda aí fora é muito maior e sei que a nossa participação, embora
importante, sozinha não resolve todas as demandas. Teria de haver uma rede de
instituições trabalhando na mesma linha para cobrir essas demandas (Empresa do
setor automotivo).
Em nenhum ano, até hoje, o orçamento foi respeitado; sempre é superado, pois
adotamos a postura de que projetos viáveis e importantes não deixam de ir para a
frente por falta de recursos (Empresa do setor financeiro).
Nas empresas que estabelecem previamente os recursos a serem utilizados na
área social, tais recursos constam, geralmente, de um orçamento definido a partir
310 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
dos gastos históricos na área. Menos de 10% das empresas vinculam o orçamento
a um percentual de vendas ou faturamento, ou têm geração e captação de recursos
por meio de institutos ou fundações.
Independentemente de previsões orçamentárias, o setor privado já aplica
um volume de recursos significativo.12 Do total de empresas pesquisadas, 21%
investiram de R$ 1 milhão a R$ 3 milhões em um ano, e outros 18% aplicaram
mais de R$ 3 milhões, conforme se observa no gráfico 2.
GRÁFICO 2
Distribuição das empresas por montante de recursos aplicados na ação social
12. Dados da pesquisa Ação Social das Empresas da Região Sudeste, realizada pelo Ipea, abrangendo todas as
empresas da região, apontaram uma aplicação de recursos da ordem de R$ 3,5 bilhões em 1998. Esses recursos
representaram 30% dos recursos aplicados pelo governo federal na área social no mesmo ano e região (excluídos
os gastos da previdência social).
Bondade ou Interesse? Como e por que as empresas atuam na área social | 311
Não sei [valor do investimento] e não quero saber (Empresa do setor de prestação
de serviços terceirizados).
Considerando-se que as empresas, em geral, não conhecem os custos totais
dos seus programas e que, para várias atividades, têm dificuldades de dimensionar
até mesmo o número de pessoas beneficiadas, não é estranho que também não
conheçam o custo per capita do atendimento. Só 10% das empresas pesquisadas
mencionaram os valores aplicados por beneficiário em seu projeto principal, e
apenas nesse projeto.
A distribuição dos recursos entre as áreas de atuação também não é conhecida
por muitos entrevistados. Metade deles, entretanto, apresentou estimativas que
permitem as observações a seguir elencadas.
1) Os custos administrativos giram em torno de 10% (com variações de
4% a 20%) e não guardam relação com o volume de recursos aplicados.
Das sete empresas que investiram mais de R$ 5 milhões/ano, quatro não
conhecem os custos administrativos, que estimam estar entre 5% e 15%.
2) A área de educação absorve o maior volume de recursos. As empresas que
mais investem na área social investem proporcionalmente mais em educa-
ção – de 60% a 90% entre as que aplicaram mais de R$ 5 milhões/ano.
3) A saúde vem em segundo lugar, com recursos bem menos expressivos.
Com raras exceções, a área de saúde absorve de 10% a 30% dos recursos
destinados à área social, inclusive nas empresas que investem mais de
R$ 5 milhões/ano.
4) A assistência social recebe proporcionalmente mais recursos nas empre-
sas que investem menos. Isto é, naquelas empresas que aplicaram até
R$ 100 mil/ano, a assistência consumiu de 50% a 70% dos recursos
312 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
TABELA 6
Utilização de incentivos fiscais
Pergunta Alternativa Resposta (%)
Sim 21
Os incentivos fiscais são importantes na decisão da empresa de fazer ação social
Não 73
para a comunidade?
Não respondeu 6
Sim 35
Em 1999, a empresa utilizou incentivos fiscais para financiar a ação social que
Não 56
realizou para a comunidade?
Não respondeu 9
Elaboração: CPS/Ipea.
São muito poucos. São burocráticos. É uma hipocrisia o 1%. Seria bom se isso pu-
desse chegar aos ouvidos de quem pode resolver. Você pode pegar 1% do IR a pagar
[pessoa jurídica] ou 6% [pessoa física]; porém, a lei obriga a fazer esse depósito antes
de calcular o seu imposto. Você tem até 30 de dezembro de um determinado ano
para fazer esse depósito e só calcula o seu imposto no ano seguinte. Os incentivos
poderiam ser importantes, mas na prática não são. O dinheiro para o fundo da
criança poderia aumentar se fosse destinado no momento da arrecadação (Empresa
do setor farmacêutico).
Contrariamente às críticas feitas aos incentivos fiscais destinados às entidades
filantrópicas e ao Fundo da Criança e do Adolescente, de que seriam irrisórios e ine-
ficazes, o fundo destinado a apoiar a cultura foi muito elogiado pelos entrevistados.
Consideramos os incentivos fiscais incertos. Não consta do orçamento das ações
sociais na empresa nenhum recurso incentivado. O oposto acontece no caso dos
projetos culturais que, segundo os dispositivos da Lei Rouanet, são 100% incentivados
(Empresa do setor financeiro).
Não utilizamos porque são quase inexistentes, e o que há é irrelevante. Seria im-
portante que a área social tivesse os mesmos incentivos que a cultura (Empresa do
setor de fumo).
Deploramos que haja incentivo fiscal na área cultural, que não é prioridade do país,
e não haja para a social, que é uma prioridade. É uma incongruência na estratégia
do governo (Empresa do setor de tecnologia e computação).
Todo o trabalho que a gente está fazendo tem que ficar na comunidade. Se está fa-
zendo diferença, é muito difícil medir (...), são resultados de longo prazo. Estamos
ensinando higiene, bons hábitos de alimentação, preservação do meio ambiente.
Nossas informações são os comentários dos funcionários, as ligações telefônicas dos
pais e associações de moradores, sempre agradecendo. Nossos indicadores são o “ín-
dice de acidentes igual a zero”, o nível de cordialidade entre motoristas e passageiros
(Empresa do setor de transportes coletivos).
Os resultados são positivos, sem dúvida, mas é aquela coisa (...), é na área da percep-
ção, não tem mensuração (Empresa do setor de comunicação).
A exemplo do que ocorre na etapa do acompanhamento, também na ava-
liação as empresas têm se mostrado satisfeitas com as impressões e os retornos
informalmente recebidos.
Bondade ou Interesse? Como e por que as empresas atuam na área social | 317
Sim, a gente está avaliando qual foi o resultado de nossa ação na mídia, é uma ava-
liação de resultados, mas não é para medir resultados (...), é um sistema de avaliação
que não é formal, mecânico (Empresa do setor de comunicação).
A empresa não avalia e isso não interessa. É a história daquelas pessoas que ajudam
sem nada em troca (Empresa do setor têxtil).
Não avalio porque não tenho esse objetivo. Faço isso independentemente de que as
pessoas fiquem sabendo que sou eu quem está fazendo (Empresa do setor de prestação
de serviços terceirizados).
318 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
TABELA 7
Principais características da equipe responsável pela ação social nas empresas
(Em %)
Característica %
Empresas que têm equipes com pelo menos um profissional com dedicação em tempo integral 48
Profissionais com dedicação parcial 69
Profissionais do sexo feminino 50
(Continua)
Bondade ou Interesse? Como e por que as empresas atuam na área social | 319
(Continuação)
Característica %
Principais profissões encontradas
Administrador de empresa 19
Psicólogo 11
Profissional da área de comunicação 10
Assistente social 8
Engenheiro 5
Elaboração: CPS/Ipea.
TABELA 8
Estratégia de comunicação das ações sociais
Pergunta Alternativa Resposta (%)
Elaboração: CPS/Ipea.
Mas o que a gente não quer, e não deve, é associar as ações sociais às nossas marcas.
O trabalho comercial da empresa é uma coisa, a responsabilidade social é outra
(Empresa do setor farmacêutico).
Acho errado [divulgar]. A filantropia tem que ter exatamente os critérios que a
maçonaria ensina – “essa mão, quando dá, a outra não pode enxergar”. E ajudar o
próximo não é ficar falando (Empresa do setor de prestação de serviços terceirizados).
Os donos da empresa acham que não devem divulgar o que fazem, mas o setor de relações
públicas acha importante e divulga no jornal interno algumas coisas, pois julga que a
sociedade precisa saber o que a empresa faz (Empresa do setor de transportes coletivos).
A empresa não tem coração. Então a ação não é dela, mas das pessoas que estão por
trás, e vincular a ação à empresa faz parecer que se quer tirar proveito de algo, que se
quer incentivo (Empresa do setor de prestação de serviços terceirizados).
Não temos comunicação dirigida. Nossa expectativa é que a visibilidade seja conse-
quência dos benefícios resultantes do programa (Empresa do setor de fumo).
Nós vamos fazer isso o ano que vem (...). Hoje você tem que fazer uma associação, tem
que avisar a comunidade de que está fazendo isso, ou pelo menos o governo (...). Porque
volto a falar, eu quero trazer mais empresas para fazer isso. A nossa ideia é essa: quero
que você se doe um pouquinho, tem que fazer alguma coisa, não adianta só reclamar
(Empresa do setor têxtil).
Observa-se que os argumentos sobre a divulgação ou não das ações sociais
das empresas são diversificados. Muitas temem que, ao associarem os projetos que
realizam para a comunidade a algum tipo de estratégia de comunicação, a sociedade
possa interpretar que a atuação social tem como objetivo apenas promover marcas
e produtos. Temem passar para a sociedade a imagem de que a empresa busca se
evidenciar à custa de um problema social.
Tudo indica que tais temores ocorrem sobretudo porque a divulgação das ações
sociais realizadas pelo setor empresarial não é internalizada nas organizações como
forma de dar transparência e facilitar o controle da sociedade. Uma demonstração
disso é o fato de o balanço social, por exemplo, não ser compreendido como um
instrumento de informação ao grande público. Apenas um terço das empresas
pesquisadas publica o seu balanço social, e algumas sequer têm conhecimento de
qual seria o seu conteúdo. Outras consideram que a atuação social ainda é pequena
ou muito fragmentada, o que dificultaria a sua apresentação.
A confecção do balanço social é algo que poderá ser feito progressivamente, mas é
importante para isso que a diretoria da empresa veja o trabalho social como mais que
o trabalho de uma área (Empresa do setor de atacado e comércio exterior).
A empresa é pioneira nesta área [social], mas o comitê executivo resiste muito à
divulgação desses dados. Há preocupação de que se use para marketing e a empresa
faz ação social por vocação (Empresa do setor de tecnologia e computação).
322 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
Acho que não é importante. Já estou vendo no dia a dia, não tenho que elaborar
absolutamente nada ou saber quanto foi isso (Empresa do setor de prestação de
serviços terceirizados).
Não há interesse, a não ser que isso servisse como exemplo a outras empresas e até
mesmo ao governo (Empresa do setor de prestação de serviços terceirizados).
A empresa não vê como uma questão de obrigação, mas como responsabilidade social
que todo cidadão deve ter. Pesa a visão da ética do processo de sua inserção na socie-
dade (...). Precisamos participar da agenda do país; é natural: ou se faz porque está
dentro de você, ou não vai funcionar, porque a conjuntura pode mudar a qualquer
momento (Empresa do setor financeiro).
É filosofia, é uma escolha, uma opção, e a gente acha que a comunidade tem esse
direito. A gente deve a essa comunidade não só esse retorno de ação social, mas
também mais informação e disponibilidade (Empresa do setor de serviços).
Algumas empresas definiram sua atuação social como algo que pretende suprir
a ausência ou as limitações do Estado na área social:
Todas as empresas hoje têm consciência da limitação que o governo tem na área
social – limitação de recursos e de ideias. O papel da empresa é contribuir não só
financeiramente, mas intelectualmente; desenvolver uma ação complementar às ações
do governo (Empresa do setor automotivo).
Passa a ser um dever a partir do momento em que o Estado não faz isso. Se um
não faz, o outro vai ter que fazer. Quem é o outro? A empresa. Teoricamente é um
dever do Estado. A partir do momento em que a empresa toma consciência de que
o Estado não vai fazer, por incompetência, por mau uso do dinheiro, aí, sim, é dever
das empresas (Empresa do setor farmacêutico).
Outras empresas já se sentem mais corresponsáveis:
A empresa reconhece que os problemas da sociedade não são responsabilidade somente
do governo. Todas as instituições são corresponsáveis pelas soluções dos problemas
nacionais, cada uma dando a sua contribuição dentro das suas possibilidades – o
Estado dando aquilo que pode e a empresa contribuindo com o que pode. Se a
empresa é um instrumento criado pela sociedade, ela é corresponsável pela solução
dos problemas (Empresa do setor de siderurgia e metalurgia).
324 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
A visão da empresa é clara: há coisas que são obrigações do Estado, mas a gente sabe
que o Estado não tem condições de resolver sozinho. A empresa tem por obrigação
auxiliar o Estado no que ela puder, pois o trabalho a ser feito é muito grande, é uma
tarefa hercúlea mudar alguma coisa neste país. E se a gente deixar para o Estado fazer,
ele não tem capacidade, não é nem capacidade por causa de pessoas capacitadas ou
de interesse político, porque a tarefa, o desafio é muito grande. Se pegar a educação
deste país, esse governo tem feito muito; e muito ainda tem de ser feito. Então, tem
que ter uma contribuição da iniciativa privada (Empresa do setor de comunicação).
Temos a crença de que o Estado, sozinho, não conseguirá atender a todas as demandas
sociais do país. A iniciativa privada não pode se furtar a entender a agenda nacional,
devendo participar dela. Deve-se articular essas ações de forma responsável e não
paralela (Empresa do setor financeiro).
Indagou-se, ainda, qual seria a melhor forma de o empresário oferecer sua
contribuição à sociedade. Este foi o momento para o entrevistado se posicionar a
respeito das contribuições do setor privado para melhorar as condições de vida da
comunidade. De acordo com as respostas às alternativas apresentadas pela pesquisa,
observa-se que, para os empresários, contribuir com ação social significa ir além
das atribuições específicas do campo dos negócios (tabela 9). As duas respostas
mais frequentes evidenciam a percepção de que contribuir pressupõe envolver-se
pessoalmente no atendimento social e retribuir à sociedade parte dos ganhos obti-
dos individualmente. Garantir empregos e benefícios, pagar impostos e investir na
qualidade dos produtos foram itens considerados, por muitos, como uma obrigação
da empresa e não como forma de contribuição social.13
TABELA 9
Formas de contribuição à comunidade, segundo a percepção dos entrevistados
Pergunta Alternativa Resposta (%)1
Elaboração: CPS/Ipea.
Nota: 1 Os percentuais representam a frequência com que a forma de contribuição foi citada, sendo possível ao entrevistado
mencionar mais de uma; por esta razão, ultrapassam os 100%.
Com efeito, o papel social que as empresas podem ocupar no espaço público
decorre, em grande parte, dos motivos que as levam a atuar e das contribuições
13. Essas alternativas apresentadas aos entrevistados foram extraídas de pesquisa realizada no Rio Grande do Sul pela
universidade federal daquele estado (Tavares dos Santos, Marenco e Cesar, 1999, p. 42). Contudo, é instigante observar
que, nesse caso, as respostas dos micro e pequenos empresários foram exatamente inversas às obtidas nas grandes
empresas do Sudeste abrangidas por esta pesquisa.
Bondade ou Interesse? Como e por que as empresas atuam na área social | 325
BOX 7
Exemplos de atividades da parceria entre empresa e governo
7A – Cessão de recursos humanos e materiais para programas governamentais
Cessão de espaço físico da empresa para congresso de secretários estaduais e municipais de Saúde.
Cessão de pessoal para cursos de capacitação de professores.
Cessão de pessoal para trabalhos de mutirão para reformas de escolas.
Cessão de veículos para atividades das secretarias municipais de Educação (atividades escolares e outras).
Doação de material para escolas e hospitais públicos.
326 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
Acorda Brasil.
Alfabetização Solidária.
Biblioteca Nacional.
Capacitação Solidária.
Programa de iluminação de bairro carente.
Programa de prevenção à Aids.
Programas locais diversos de educação.
Pró-Sangue.
No momento em que decide como e onde atuar, a maioria das empresas declara
que não leva em consideração os investimentos governamentais, ou seja, que não há
Bondade ou Interesse? Como e por que as empresas atuam na área social | 327
A gente não toma conhecimento [do governo]. Veja bem, isso não é divulgado. Você
faz alguma coisa quando acha que a causa é nobre (Empresa do setor de prestação
de serviços terceirizados).
Fazemos à parte. Porque se o governo fizesse uma parte, poderia haver uma seleção
das comunidades a serem atendidas, e não seria preciso que as empresas fossem tão
fundo. Ou seja, se o governo não faz, é necessário responder o melhor possível às
demandas da sociedade (Empresa do setor de siderurgia e metalurgia).
Algumas empresas, em minoria, já têm procurado fazer que suas ações se
integrem ao esforço governamental na área social.
[A empresa] fica mais sensível se o Estado investe mais. As empresas encontrariam
bons motivos para investir mais porque acreditariam mais nos resultados. Por exemplo:
apoiamos a Comunidade Solidária no projeto Alfabetização Solidária porque havia
visão de que a empresa poderia alavancar [recursos] (Empresa do setor financeiro).
Nossa atuação está voltada para a comunidade local infantil; talvez, se houvesse ini-
ciativa da prefeitura de atuar mais nesta área, pudéssemos iniciar uma ação conjunta
(Empresa de prestação de serviços terceirizados).
É uma visão da empresa voltada para algumas questões sociais. Dentro da sociedade
hoje, é muito difícil só contar com o apoio governamental – estadual ou municipal.
328 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
14. Vale lembrar, mais uma vez, que as empresas do Sudeste injetaram na área social, em 1998, recursos equivalentes
a cerca de 30% do valor aplicado pelo governo federal na mesma região (excluída a previdência social).
Bondade ou Interesse? Como e por que as empresas atuam na área social | 329
que haja esforços, de todos, para o mútuo conhecimento e para que se estabeleça
uma relação mais transparente. É preciso disposição para se trabalharem propostas
conjuntas, respeitando-se as devidas autonomias.
Para que a contribuição das empresas se torne mais eficaz, é necessário ca-
minhar na direção de uma estratégia integrada de enfrentamento dos problemas
sociais, com definição e distribuição de responsabilidades, em que a participação
crescente do setor privado não signifique superposição ou paralelismo ao Estado,
mas, pelo contrário, represente complementação efetiva de esforços. Só assim o
resultado final poderá ser maior que a soma das partes.
Betinho
Cresce, nos últimos anos, o envolvimento do setor privado na área social, e modifica-
-se o conteúdo dessa participação. Em paralelo à postura filantrópica tradicional,
as empresas vão assumindo, gradativamente, novas responsabilidades sociais.
A despeito dos méritos da filantropia, começa a ser difundida a ideia de que o
sentimento humanitário, ainda que essencial, não é suficiente para o enfrentamento
da pobreza e da exclusão social. São necessários, simultaneamente, maior compro-
misso e atuação mais agressiva e mais bem estruturada.
O que distingue, no comportamento das empresas, a filantropia do compro-
misso social? À luz dos resultados da pesquisa, é possível construir um paralelo
entre atitudes próprias da filantropia empresarial e aquelas que caracterizariam o
maior engajamento social, conforme é apresentado no box 8.
É importante ressaltar que, na prática, essas diferenças nem sempre são nítidas
e que as atitudes não são, necessariamente, excludentes. Ademais, nem todos os
avanços são observados, simultaneamente, numa mesma empresa. Entretanto, isso
não é o mais relevante, porque o objetivo não é utilizar essa comparação para clas-
sificar as empresas em uma ou outra categoria. O objetivo é destacar os avanços da
participação social das empresas observados na pesquisa e subsidiar o debate sobre
os possíveis caminhos na direção de maior efetividade da atuação do setor privado.
Bondade ou Interesse? Como e por que as empresas atuam na área social | 331
“Há novidades no ar”, e elas apontam para mudanças nas relações das empresas
com a sociedade. Entre as mudanças recentes sobressaem novas atitudes que vêm
sendo incorporadas, com intensidade distinta, pelas empresas que almejam evoluir
no campo social e transformar-se em referência.
BOX 8
Um paralelo entre a filantropia e o compromisso social: subsídios ao debate
8A – Na filantropia
8B – No compromisso social
O sentimento é de responsabilidade.
A participação é proativa e as ações, mais integradas.
A relação com o público-alvo é de parceria.
A ação social é incorporada na cultura da empresa e envolve todos os colaboradores.
Os resultados são preestabelecidos e há preocupação com o cumprimento dos objetivos propostos.
Busca-se dar transparência à atuação e multiplicar as iniciativas sociais.
Busca-se complementar a ação do Estado, numa relação de parceria e controle.
Elaboração: CPS/Ipea.
São essas novas atitudes, apresentadas, a seguir, como as sete virtudes capi-
tais, que vêm caracterizando o compromisso social mais efetivo das empresas com
as comunidades.
1) Responsabilidade social: para além das motivações altruístas, a atuação social
é entendida como responsabilidade inerente àqueles que já usufruem dos
benefícios do desenvolvimento social.
2) Participação proativa: mais que atender pontualmente às demandas
que batem às suas portas, as empresas voltam-se para o apoio a proje-
tos mais estruturados, fazendo parcerias e comprometendo-se com a
sua continuidade.
332 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
REFERÊNCIAS
DRUCKER, P. F. The new realities: in government and politics/in economics and
business/in society and world view. New York: Harpercollins, June 1989.
GIFE – GRUPO DE INSTITUTOS, FUNDAÇÕES E EMPRESAS. Censo
Gife 2001. São Paulo: Gife, 2001.
GODBOUT, J. T.; CAILLÉ, A. O espírito da dádiva. Rio de Janeiro: FGV, 1999.
GOES DE PAULA, S.; ROHDEN, F. Empresas e filantropia no Brasil: um
estudo sobre o prêmio Eco. Rio de Janeiro: Iser, 1996.
Bondade ou Interesse? Como e por que as empresas atuam na área social | 333
1 INTRODUÇÃO
O Ipea apresenta agora os resultados da pesquisa Ação Social das Empresas para
todo o país. O ineditismo é a marca da pesquisa: trata-se da primeira investigação
que abrange todo o universo das empresas formais no Brasil com um ou mais
empregados localizadas no interior e nas capitais de todos os estados, além do
Distrito Federal.
Inicialmente, é importante registrar que o conceito utilizado para definir a
ação social empresarial foi, deliberadamente, abrangente: considerou-se qualquer
atividade que as empresas realizam, em caráter voluntário, para o atendimento às
comunidades, nas áreas de assistência social, alimentação, saúde e educação, entre
outras. Essas atividades incluem desde pequenas doações eventuais a pessoas ou
instituições até grandes projetos mais estruturados.
Foram excluídas do conceito de ação social as atividades executadas por obri-
gação legal, por exemplo, o cumprimento de normas ambientalistas em razão do
licenciamento ambiental e as contribuições compulsórias ao Serviço Brasileiro de
Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Serviço Social da Indústria (Sesi),
Serviço Social do Comércio (Sesc), Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
(Senai), Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) e Serviço Nacional
de Aprendizagem Rural (Senar).
Mas o que, exatamente, se buscou investigar? A pesquisa possibilitou traçar,
para o Brasil, o primeiro perfil do envolvimento empresarial no campo social ao
definir os contornos de sua atuação. A partir desse retrato, estudos complementares
poderão auferir, com maior detalhamento, a qualidade desse atendimento.
Assim, a pesquisa foi organizada para responder às indagações elencadas
a seguir.
1. Originalmente publicado como: Peliano, A. M. M. (Coord.). A iniciativa privada e o espírito público: um retrato da
ação social das empresas no Brasil. Brasília: Ipea, dez. 2003.
2. O texto original contou com a colaboração de Nathalie Beghin.
336 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
TABELA 1
Composição da amostra da pesquisa, por região
Região Empresas
Sudeste 1.752
Nordeste 1.812
Sul 1.832
Centro-Oeste 1.910
Norte 1.834
Brasil 9.140
Fonte: Rais/MTE.
TABELA 2
Distribuição das empresas privadas com um ou mais empregados, por região
Região Empresas
Sudeste 444.802
Nordeste 60.344
Sul 87.631
(Continua)
338 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
(Continuação)
Região Empresas
Centro-Oeste 23.908
Norte 164.938
Brasil 781.623
Ipea instalou uma Central de Atendimento Gratuito (linha 0800), que funcionou
durante todo o decorrer da pesquisa em horário comercial. Cabe aqui assinalar que,
do total de ligações recebidas, uma minoria dizia respeito a dúvidas específicas sobre
o questionário. Deduz-se, portanto, que houve clareza no instrumento utilizado.
TABELA 3
Forma de preenchimento dos formulários, por região
(Em %)
Forma Sudeste Nordeste Sul Centro-Oeste Norte Brasil
Papel 63 55 56 64 56 59
Disquete 25 24 25 13 12 22
Site 7 9 9 9 15 9
E-mail 5 12 10 14 17 10
Total 100 100 100 100 100 100
GRÁFICO 1
Distribuição das empresas – Brasil
Fonte: Dados da primeira etapa da pesquisa Ação Social das Empresas (1999-2001).
Obs.: Gráfico cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das condições técnicas dos originais
(nota do Editorial).
GRÁFICO 2
A empresa realiza ações sociais para a comunidade?
Fonte: Dados da primeira etapa da pesquisa Ação Social das Empresas (1999-2001).
Obs.: Gráfico cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das condições técnicas dos originais
(nota do Editorial).
De modo geral, a distribuição das 462 mil empresas que fazem algum tipo
de ação social por região, por porte e por setor de atividade tende a manter
uma correspondência com a distribuição do universo das 782 mil empresas
do país com um ou mais empregados. Isto é, são majoritariamente empresas
comerciais (52%), de menor porte (58%) e localizadas no Sudeste (64%),
conforme gráfico 3.
Contudo, uma análise mais detalhada dos dados revela algumas diferenças
entre essas distribuições que merecem destaque. Assim, por exemplo, no Sudeste,
encontram-se 57% das empresas do país e 64% das empresas que atuam no so-
cial. Esse resultado indica que, nessa região, as empresas são proporcionalmente
mais atuantes no que tange ao atendimento de comunidades. Inversamente, a
proporção de microempresas (um a dez empregados) envolvidas com atividades
sociais em prol da comunidade (58%) é menor do que a proporção de micro-
empresas no conjunto das empresas com um ou mais empregados (63%). Ou
seja, os empreendimentos de muito pequeno porte tendem a ser relativamente
menos atuantes.
342 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
GRÁFICO 3
Distribuição das empresas que realizam ações sociais para a comunidade – Brasil
Fonte: Dados da primeira etapa da pesquisa Ação Social das Empresas (1999-2001).
Obs.: Gráfico cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das condições técnicas dos originais
(nota do Editorial).
GRÁFICO 4
Participação das empresas em ações sociais para a comunidade, por região
Fonte: Dados da primeira etapa da pesquisa Ação Social das Empresas (1999-2001).
Obs.: Gráfico cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das condições técnicas dos originais
(nota do Editorial).
GRÁFICO 5
Participação das empresas em ações sociais para a comunidade, por UF
Fonte: Dados da primeira etapa da pesquisa Ação Social das Empresas (1999-2001).
Obs.: Gráfico cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das condições técnicas dos originais
(nota do Editorial).
GRÁFICO 6
Participação das empresas em ações sociais para a comunidade, por número
de empregados
Fonte: Dados da primeira etapa da pesquisa Ação Social das Empresas (1999-2001).
Obs.: Gráfico cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das condições técnicas dos originais
(nota do Editorial).
GRÁFICO 7
Participação das grandes empresas1 em ações sociais para a comunidade, por região
Fonte: Dados da primeira etapa da pesquisa Ação Social das Empresas (1999-2001).
Nota: 1 Empresas com mais de quinhentos empregados.
Obs.: Gráfico cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das condições técnicas dos originais
(nota do Editorial).
346 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
GRÁFICO 8
Participação das empresas em ações sociais para a comunidade, por setor de
atividade econômica
Fonte: Dados da primeira etapa da pesquisa Ação Social das Empresas (1999-2001).
Obs.: Gráfico cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das condições técnicas dos originais
(nota do Editorial).
A Iniciativa Privada e o Espírito Público: um retrato da ação social das empresas | 347
privadas no Brasil
GRÁFICO 9
Principais ações desenvolvidas pelas empresas – Brasil
GRÁFICO 10
Principais ações desenvolvidas pelas empresas, por número de empregados
GRÁFICO 11
Principais ações desenvolvidas pelas empresas, por setor de atividade econômica
GRÁFICO 12
Principais ações desenvolvidas pelas empresas, por região
GRÁFICO 13
Grupo-alvo prioritário das empresas – Brasil
GRÁFICO 14
Grupo-alvo prioritário das empresas, por número de empregados
GRÁFICO 15
Grupo-alvo prioritário das empresas, por região
GRÁFICO 16
Grupo-alvo prioritário das empresas, por setor de atividade econômica
Atividades sociais voltadas para a família ocupam 40% das empresas do país, sobre-
tudo as localizadas no Sudeste (49%) e no Sul (42%), e as empresas de serviços (49%).
A localização da empresa é um fator importante quando se trata de atender à
comunidade em geral: em todo o país, 27% das empresas declaram realizar ações
sociais para esse público. No Nordeste e no Sul, esse percentual é bem maior: 80%
e 70%, respectivamente.
Quanto ao grupo juvenil, são as grandes empresas (48%) e, especialmente, as
localizadas no Norte do país (64%) as que mais se voltam para esse grupo da população.
Surpreendentemente, 45% das empresas do Nordeste informam realizar ações
sociais direcionadas para mulheres. Por que razão existe esse comportamento tão
diferenciado das empresas dessa região se no país como um todo esse percentual é
de apenas 13%? As indagações a respeito desse resultado são várias; por exemplo,
serão as mulheres, em caráter pessoal ou como representantes de organizações co-
munitárias, as que mais solicitam apoio? Ou, para essas empresas, o atendimento às
mulheres estaria mais associado ao atendimento às crianças? Para responder a essas
e outras perguntas, faz-se necessário desenvolver estudos locais mais detalhados.
GRÁFICO 17
Motivos para as empresas realizarem ações sociais – Brasil
GRÁFICO 18
Motivos para as empresas realizarem ações sociais, por número de empregados
GRÁFICO 19
Motivos para as empresas realizarem ações sociais, por região
GRÁFICO 20
Motivos para as empresas realizarem ações sociais, por setor de atividade econômica
Manter uma política de boa vizinhança com seu entorno tem sido um bom
motivo para levar as empresas à ação. Busca-se atender a comunidades que habitam
as proximidades do negócio (38%) e responder a demandas de entidades que batem
às portas das empresas pedindo ajuda (33%). Essas motivações crescem ainda mais
nas grandes empresas (51% e 42%, respectivamente) e naquelas localizadas no Sul
(46% e 49%, respectivamente).
Motivações mais internas à dinâmica da empresa, como melhorar a imagem
do negócio e aumentar a satisfação dos empregados, são apresentadas por um quarto
dos empresários do país. A busca por uma imagem melhor é uma motivação para
atuar no social bastante relevante para o Nordeste (64%). Quanto à preocupação
com os empregados, ela cresce com o porte das empresas e está presente na maior
parte dos negócios das regiões Sul (45%), Centro-Oeste (52%) e Norte (64%).
É interessante notar as influências religiosas na participação das empresas.
Mais de um quinto dos empresários do país (22%), o que representa um universo
de cerca de 100 mil empresas, declara atuar motivado por questões religiosas. Essa
influência é mais marcante nas empresas industriais (39%).
Procurou-se averiguar na pesquisa se as deduções permitidas pelo imposto de
renda motivam as empresas a atuar no social. O número de respostas positivas foi
tão insignificante que não valeu a pena sequer registrá-lo. Paralelamente, nota-se
que é reduzido o número de empresas que declaram estar complementando a ação
do governo. Ou seja, observa-se que a motivação, em geral, para a atuação social do
empresariado no Brasil, para além de seus muros, pouco tem a ver com o Estado e
mesmo com seus interesses próprios. Trata-se de um processo voluntário, marcado
por um espírito filantrópico basicamente orientado para assistir crianças carentes.
Aqui, como alhures, observam-se especificidades por porte, por setor e por
localização das empresas. Apesar de predominarem as motivações humanitárias,
nas grandes empresas já se verificam razões ligadas à satisfação dos empregados
da empresa e a um aumento da produtividade do trabalho. No Nordeste, há uma
grande preocupação com a imagem da empresa e, nas regiões Centro-Oeste e Norte,
a motivação para atuar no social também passa pela satisfação dos empregados. Note-
-se que, no Sul do país, há uma gama variada de razões para atuar no campo social.
Cerca da metade das empresas dessa região informa os seguintes motivos: atender
a pedidos de comunidades ou entidades, por um lado; e, por outro, melhorar sua
imagem, aumentar a satisfação dos empregados, bem como elevar a produtividade
do trabalho. Como pode ser observado, mesclam-se motivações mais reativas (res-
ponder a demandas) com motivações mais proativas e ligadas à dinâmica do negócio.
Quanto ao comportamento por setor de atividade, as razões humanitárias no
comércio predominam de longe. Na indústria, o aspecto religioso não é negligen-
ciável; e, para o setor de serviços, nota-se que as motivações para atuar no social
passam pela ajuda às comunidades da vizinhança e pela satisfação de seus empregados.
A Iniciativa Privada e o Espírito Público: um retrato da ação social das empresas | 355
privadas no Brasil
GRÁFICO 21
Frequência do atendimento social – Brasil
GRÁFICO 22
Frequência do atendimento social, por número de empregados
GRÁFICO 23
Frequência do atendimento social, por região
GRÁFICO 24
Frequência do atendimento social, por setor de atividade econômica
GRÁFICO 25
Local de realização da ação social – Brasil
GRÁFICO 26
Local de realização da ação social, por número de empregados
GRÁFICO 27
Local de realização da ação social, por região
GRÁFICO 28
Local de realização da ação social, por setor de atividade econômica
GRÁFICO 29
Forma de atuação das empresas – Brasil
GRÁFICO 30
Forma de atuação das empresas, por número de empregados
GRÁFICO 31
Forma de atuação das empresas, por região
GRÁFICO 32
Forma de atuação das empresas, por setor de atividade econômica
É interessante notar, ainda, que 20% das empresas do Norte e 18% das
indústrias declaram desenvolver projetos em parceria com organizações comu-
nitárias. Apesar de esse conjunto de empresas informar que recorre a algum tipo
de parceria para atuar no social, essa não é uma prática comum entre as empresas
A Iniciativa Privada e o Espírito Público: um retrato da ação social das empresas | 361
privadas no Brasil
GRÁFICO 33
Recursos doados – Brasil
GRÁFICO 34
Recursos doados, por número de empregados
Somente 14% das empresas financiam indiretamente suas ações por meio
dos salários de trabalhadores liberados durante o horário de expediente. Essa é
uma prática que se verifica, sobretudo, nas empresas localizadas nas regiões Norte
(32%) e Sul (28%), e nas empresas de serviços (24%), conforme gráficos 35 e 36.
GRÁFICO 35
Recursos doados, por região
GRÁFICO 36
Recursos doados, por setor de atividade econômica
GRÁFICO 37
Responsável pela ação social – Brasil
GRÁFICO 38
Responsável pela ação social, por número de empregados
GRÁFICO 39
Responsável pela ação social, por região
GRÁFICO 40
Responsável pela ação social, por setor de atividade econômica
GRÁFICO 41
Os empregados participam nas atividades sociais da empresa?
GRÁFICO 42
Participação dos empregados nas ações sociais da empresa, por número de empregados
GRÁFICO 43
Participação dos empregados nas ações sociais da empresa, por região
GRÁFICO 44
Participação dos empregados nas ações sociais da empresa, por setor
de atividade econômica
GRÁFICO 45
Como as empresas contribuíram para a participação dos empregados?
GRÁFIC7O 46
Foi feita alguma avaliação?
GRÁFICO 47
Foi feita alguma divulgação?
GRÁFICO 48
Realizar ações sociais faz parte da estratégia da empresa?
TABELA 4
Distribuição do investimento social privado, por região (2000)
Sudeste Nordeste Sul Centro-Oeste Norte Brasil
Investimento social privado (R$ 1 milhão) 3.894 277 346 125 51 4.693
Investimento social privado/PIB (%) 0,61 0,19 0,18 0,16 0,10 0,43
Fonte: Ipea.
GRÁFICO 49
Foram utilizados incentivos do imposto de renda?
Dos empresários que recorrem aos incentivos fiscais federais, a maioria (49%)
declarou fazê-lo nas doações para entidades civis. Contudo, somente 7% daqueles
que se beneficiaram das deduções permitidas pelo imposto de renda o fizeram
por meio de contribuições aos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Considerando-se a prioridade revelada no atendimento às crianças e a possibilidade
de se incrementarem os recursos das próprias empresas com a redução dos impostos,
verifica-se um potencial de aplicação que merece ser mais bem explorado.
Por fim, quando perguntado por quais motivos não recorreu aos incentivos
fiscais para financiar sua ação social, pouco mais de um terço dos dirigentes
empresariais (35%) respondeu que o valor da dedução era tão pequeno que não
valia a pena solicitá-lo (gráfico 50). Segundo 22% das empresas, as isenções
permitidas não se aplicam às atividades sociais realizadas. Finalmente, 17%
delas alegaram desconhecer a existência de incentivos fiscais para financiar o
atendimento social.
A Iniciativa Privada e o Espírito Público: um retrato da ação social das empresas | 371
privadas no Brasil
GRÁFICO 50
Motivos para a não utilização dos incentivos fiscais – Brasil
GRÁFICO 51
Há planos de expansão?
GRÁFICO 52
Planos de expansão, por número de empregados
Entretanto, o que merece ser destacado nessa questão foi o número elevado
de empresários que, no conjunto, não soube ou não quis se manifestar a respeito.
Com efeito, 39% das empresas não responderam à indagação sobre a intenção
de ampliar sua participação em atividades sociais. A indefinição observada indica
que se admite a possibilidade de expansão da ação social, ainda que não esteja
assegurada. Portanto, uma ampla mobilização do setor privado em prol de uma
maior participação pode trazer resultados positivos.
Note-se que as perspectivas das empresas para o futuro são bastante diferen-
ciadas se considerados sua localização e o setor de atividade ao qual pertencem.
Assim, por exemplo, as empresas do Norte e do Nordeste são, de longe, as mais
otimistas: 74% e 71%, respectivamente, declaram que irão expandir suas atividades
no futuro próximo. As empresas mais indecisas são as do Sul e as do Sudeste: pouco
A Iniciativa Privada e o Espírito Público: um retrato da ação social das empresas | 373
privadas no Brasil
mais de 40% delas (47% e 41%, respectivamente) não sabem informar quanto
aos rumos de seu investimento social (gráfico 53). Já entre os diversos setores de
atividade, os mais animados são os comerciantes (gráfico 54).
GRÁFICO 53
Planos de expansão, por região
GRÁFICO 54
Planos de expansão, por setor de atividade econômica
GRÁFICO 55
Resultados percebidos – Brasil
GRÁFICO 56
Resultados percebidos, por número de empregados
GRÁFICO 57
Resultados percebidos, por região
GRÁFICO 58
Resultados percebidos, por setor de atividade econômica
3. O percentual de empresas que responderam a esse quesito foi tão pequeno que se optou por não registrá-lo. Somente
as empresas sediadas na região Norte apresentaram um percentual de respostas mais elevado.
A Iniciativa Privada e o Espírito Público: um retrato da ação social das empresas | 377
privadas no Brasil
GRÁFICO 59
Principais dificuldades encontradas – Brasil
GRÁFICO 60
Principais dificuldades encontradas, por número de empregados
GRÁFICO 61
Principais dificuldades encontradas, por região
GRÁFICO 62
Principais dificuldades encontradas, por setor de atividade econômica
sociais. As empresas da região são ainda as que mais reclamam tanto da ausência
de incentivos governamentais quanto da precariedade dos projetos apresentados
pelas comunidades. Queixam-se, também, da falta de confiança nas organizações
que executam projetos sociais. Talvez essas restrições expliquem, em parte, sua
particular cautela quanto à expansão das ações no futuro próximo.
O Nordeste apresenta várias especificidades. Em geral, os empregados partici-
pam pouco das atividades sociais das empresas, provavelmente porque essa é uma
forma de agir no campo social que se caracteriza, essencialmente, pela doação, por
parte dos dirigentes, de recursos financeiros diretamente a pessoas ou comunidades
carentes que vêm à empresa para pedir auxílio. As empresas dessa região são as
que relativamente menos executam projetos próprios. Verifica-se uma particular
preocupação em manter uma política de boa vizinhança com aqueles que habitam
as redondezas do negócio. Com efeito, a atuação dessas empresas é impulsionada
por motivos humanitários, mas, também, para melhorar a sua imagem e para
responder a demandas das comunidades vizinhas. Os empresários do Nordeste se
diferenciam ainda pelo seu entusiasmo: apesar de serem os que mais reclamam da
falta de recursos, são, por sua vez, os que mais percebem resultados positivos em
decorrência de sua atuação e os mais otimistas quanto à expansão de suas ações
sociais no futuro próximo.
Ampliar o atendimento é também uma proposta encontrada no Norte do
país, o que, em certa medida, surpreende, pois os empresários dessa região são os
que, proporcionalmente, menos investem recursos privados em ações sociais e
menos têm o hábito de ajudar. Os empresários do Norte atuam impulsionados por
motivos humanitários e para aumentar a satisfação de seus empregados. Realizam
atividades sociais voltadas para jovens e crianças, fazendo, sobretudo, donativos
em espécie ou executando diretamente seus projetos. É interessante notar que já se
verifica, em alguns deles, a percepção de que o retorno da ação resulta no aumento
tanto da produtividade do trabalho quanto da lucratividade da empresa.
Por fim, o Centro-Oeste tem um comportamento bastante semelhante à média.
No entanto, as empresas dessa região se diferenciam porque, proporcionalmente,
são as que mais investem na área cultural e nas pessoas portadoras de necessidades
especiais. São também as empresas que mais reclamam da falta de incentivos go-
vernamentais; queixam-se, ainda, da falta de confiança na capacidade de gestão e
na transparência das organizações que executam projetos sociais.
10 CONCLUSÕES
O que a pesquisa revela sobre as ações voluntárias das empresas privadas no Brasil
no campo do atendimento social a comunidades? Não obstante os riscos de se
extraírem generalizações a partir de informações sobre um universo multifacetado,
elencam-se, a seguir, características que marcaram a ação social do setor privado
no Brasil no fim da década de 1990.
1) Das 782 mil empresas privadas com um ou mais empregados, 59% – o
equivalente a 462 mil empresas – realizam algum tipo de ação social vol-
tada para o atendimento de comunidades. Esse envolvimento, de caráter
voluntário, compreende desde pequenas doações eventuais a pessoas ou
comunidades até grandes projetos mais estruturados.
2) Essas 462 mil empresas, no seu conjunto, destinaram para as atividades
sociais cerca de R$ 4,7 bilhões em 2000. Esse valor corresponde a 0,4%
do PIB do país, para o mesmo ano. Note-se que 83% desses recursos estão
concentrados na região Sudeste. Tendo em vista que o valor do investi-
mento social privado corresponde a um percentual pequeno em relação à
riqueza produzida no país, avalia-se que há espaço para seu crescimento.
Essa é a opinião de 39% dos empresários atuantes do país. Os incentivos
fiscais federais em pouco contribuíram para financiar as atividades sociais
do setor privado, e seu uso ficou restrito a apenas 6% das empresas.
A Iniciativa Privada e o Espírito Público: um retrato da ação social das empresas | 385
privadas no Brasil
1 INTRODUÇÃO
O que fazem as empresas no campo social? Como elas se relacionam com as de-
mais organizações, públicas e privadas, para atuarem nessa área? Essas questões
assumem especial relevância em um contexto no qual o setor privado é cada vez
mais pressionado a participar de um esforço coletivo de enfrentamento dos pro-
blemas sociais que afetam a sociedade brasileira. Com o propósito de contribuir
para os debates sobre esses temas, este texto fornece algumas respostas extraídas
dos resultados da pesquisa do Benchmarking do Investimento Social Corporativo
(BISC) e da experiência da Comunitas na construção do programa Juntos pelo
Desenvolvimento Sustentável.
A pesquisa do BISC foi instituída em 2008, pela Comunitas, 2 sob a
inspiração da experiência pioneira do Chief Executives for Corporate Pur-
pose (CECP),3 e desde então vem sendo realizada anualmente. Seu objetivo
central é acompanhar o perfil da atuação social de empresas no Brasil, definir
padrões de benchmarking e realizar comparações internacionais. Sem perder
essa perspectiva, várias inovações e aprimoramentos foram introduzidos na
versão brasileira, com vistas a se adaptar o BISC às características nacionais e
contribuir para o desenvolvimento e o aperfeiçoamento da gestão e avaliação
dos investimentos sociais privados. Não é só. A pesquisa visa, ainda, subsidiar
a reflexão acadêmica sobre o tema e hoje é fonte de inspiração para estudos
realizados dentro e fora do país.
1. Originalmente publicado como: Peliano, A. M. M.; Loyola, P. Parcerias na condução dos investimentos sociais: o que
se extrai dos resultados do BISC? Boletim de Análise Político-Institucional, Rio de Janeiro, n. 20, p. 107-115, jun. 2019.
Disponível em: <https://bit.ly/3GcrPNU>.
2. A Comunitas é uma organização da sociedade civil (OSC), sem fins lucrativos, que atua no estímulo à participação
da iniciativa privada no desenvolvimento social do país.
3. O CECP: The CEO Force for Good, parceiro da Comunitas, é uma organização social sediada nos Estados Unidos que
reúne o mais expressivo fórum internacional de presidentes executivos (chief executive officers – CEOs), cuja missão é
exclusivamente focada nos investimentos sociais corporativos (Comunitas, 2017, p. 10).
390 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
GRÁFICO 1
Evolução dos investimentos sociais do grupo BISC (2007-2017)
(Em R$ 1 bilhão)
3,5
2,9
2,6 3,0
2,9
2,6 2,4
2,6
2,2 2,5 2,5 2,7
1,8 2,2 2,4
1,9 2,1 2,1
2,2 2,1
1,6 1,8
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
(6%) (5%) (-0,3%) (7,6%) (3,9%) (1,8%) (2,7%) (0,2%) (-3,8%) (-3,6%) (1%)
GRÁFICO 2
Investimentos sociais das empresas, por área de atuação
(Em %)
62
Educação 71
80
5
Arte e cultura 13
14
4
Esporte e lazer 2
2
2
Geração de renda 2
1
1
Saúde 1
1
3
Defesa de direitos 1
0,40
22
Outros 10
2
GRÁFICO 3
Investimentos sociais dos institutos, por área de atuação
(Em %)
62
Educação 71
80
5
Arte e cultura 13
14
4
Esporte e lazer 2
2
2
Geração de renda 2
1
1
Saúde 1
1
3
Defesa de direitos 1
0,40
22
Outros 10
2
GRÁFICO 4
Estratégias adotadas por empresas e institutos para conduzir os seus projetos sociais
(Em %)
33
Totalmente financiador de projetos de terceiros
0
17
Principalmente executor de projetos próprios
40
0
Totalmente executor de projetos próprios
30
8
Não sabe
0
Empresa Instituto
7. Os resultados de 2017 referentes ao número de organizações apoiadas e aos valores transferidos podem estar
subestimados, uma vez que nem todas as empresas forneceram tais informações.
Parcerias na Condução dos Investimentos Sociais: o que se extrai dos resultados | 395
do BISC?
GRÁFICO 5
Áreas de atuação em parceria com as organizações sem fins lucrativos
(Em %)
71
Patrocínio de eventos culturais
25
71
Arte e cultura em comunidades pobres
38
71
Esporte e lazer
38
Educação 71
75
Geração de renda 57
38
Meio ambiente 43
25
Saúde 43
50
Assistência social 43
13
Desenvolvimento territorial 43
(comunitário e/ou econômico) 63
29
Defesa de direitos
25
29
Formação técnica e profissional
13
Negócios sociais 14
13
Estudos e pesquisas 14
25
Segurança pública 0
13
Infraestrutura 0
13
Outros 0
13
Empresa Instituto
GRÁFICO 6
Mudanças recentes na relação das empresas com as organizações sem fins lucrativos
(Em %)
GRÁFICO 7
Projetos sociais das empresas alinhados às políticas públicas listadas
(Em %)
Agropecuária sustentável 8 67 25
Moradia digna 17 67 17
Planejamento urbano 33 50 17
Políticas para as mulheres: promoção da igualdade
25 58 17
e enfrentamento à violência
Promoção da igualdade racial e superação do racismo 17 67 17
Qualidade ambiental 50 42 8
Saneamento básico 17 58 25
GRÁFICO 8
Avanços observados no apoio das empresas às políticas públicas
(Em %)
Apoio à gestão escolar 44 11 11 33
Apoio financeiro 13 13 50 13 13
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A relação das empresas com atores externos, especialmente com as organizações da
sociedade e dos governos, é muito relevante e tem sido acompanhada sistematica-
mente pelo BISC. Os resultados apontam que, isoladamente, a atuação social do
setor privado terá alcance reduzido, e o fortalecimento das parcerias é reconhecido
como o caminho para o alcance dos objetivos almejados. O grupo de participantes
do BISC enfatiza a necessidade de se buscar, cada vez mais, a adesão dos demais
atores envolvidos nos seus projetos sociais e reconhece que o êxito vai depender
desse engajamento dos parceiros e das comunidades envolvidas.
REFERÊNCIAS
BUFFETT, H. W.; EIMICKE, W. B. Social value investing: a management fra-
mework for effective partnerships. New York: Columbia University Press, 2018.
COMUNITAS. Relatório BISC 2017: retrospectiva da atuação social corporativa
nos últimos dez anos. São Paulo: Comunitas, 2017. Disponível em: <https://bit.
ly/3ogYbkw>. Acesso em: 26 mar. 2019.
______. Relatório de 2018. São Paulo: Comunitas, 2018. Disponível em: <https://
bit.ly/3rvTipM>. Acesso em: 26 mar. 2019.
JACOBI, P. R. Educação ambiental, cidadania e sustentabilidade. Cadernos de
Pesquisa, n. 118, p. 189-205, 2003.
PELIANO, A. M. M. (Coord.). Bondade ou interesse? Como e por que as em-
presas atuam na área social. Brasília: Ipea, nov. 2001. Disponível em: <https://bit.
ly/3D5W7AO>. Acesso em: 5 abr. 2019.
SANTOS, B.; JOHNSON, L. Juntos: building governance for the 21st century –
public private coalition to reform local governments in Brazil. Columbia: Picker
Center Case Collection, 2018.
CAPÍTULO 11
1 INTRODUÇÃO
Qual a importância das famílias na promoção de uma alimentação saudável?
Quais as implicações e dificuldades para se trabalhar o núcleo familiar como
catalisador do direito humano à alimentação adequada? Qual a contribuição
das famílias para o alcance de metas estabelecidas na Agenda 2030 de Desen-
volvimento Sustentável?
Foi para estimular a reflexão sobre questões dessa natureza que o Grupo
de Pesquisa de Nutrição e Pobreza do Instituto de Estudos Avançados da Uni-
versidade de São Paulo (IEA/USP), em parceria com o Family Talks – associação
vinculada à International Federation for Family Development –, promoveu um
encontro de especialistas, no formato de grupo focal, em setembro de 2018.
Uma síntese das discussões, elaborada a partir da transcrição das intervenções dos
participantes, é apresentada neste capítulo.
Para avançar na compreensão do objeto, partiu-se da delimitação do conceito
de que a família, conforme consta no art. 16, § 3o, da Declaração Universal dos
Direitos Humanos, representa o “elemento natural e fundamental da socieda-
de”, e deve receber “especial proteção do Estado”, de acordo com o art. 226 da
Constituição Federal de 1988. Esse status é consequência de seu papel fundamental
na formação das sociedades e culturas, bem como da constatação da universalida-
de dessa instituição. Mesmo em culturas bastante distintas, como a brasileira e a
japonesa, há mais semelhanças que diferenças entre as famílias.
É amplamente reconhecido que as tarefas levadas a cabo pelas famílias são
essenciais para a sociedade e que suas responsabilidades se estendem dos cuidados
e da educação das crianças e dos adolescentes aos cuidados com as pessoas idosas,
1. Originalmente publicado como: Sawaya, A. L. et al. A família e o direito humano à alimentação adequada e saudável.
Estudos Avançados, v. 33, n. 97, p. 363-383, 2019. Disponível em: <https://bit.ly/3lwl15S>.
2. O texto original contou com a colaboração de Ana Lydia Sawaya, Maria Paula de Albuquerque e Semíramis Martins
Álvares Domene.
404 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
2 METODOLOGIA
Este capítulo apresenta os resultados de um debate realizado por meio da técnica
de entrevista focus group (Krueger, 2002; Freitas et al., 1998). Essa técnica permite
que pesquisadores ou especialistas obtenham conhecimento de determinado tema
a partir de uma discussão objetiva em grupo. Tal discussão é conduzida por um
moderador, que propõe questões e tem a função de mediar as intervenções dos
interlocutores. O conteúdo da entrevista é transcrito e analisado a fim de produzir
3. Mais informações podem ser encontradas no site do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF): <https://
uni.cf/2ZX645u>.
A Família e o Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável | 405
4. Lista de participantes do grupo focal: Ana Lydia Sawaya (Universidade Federal de São Paulo – Unifesp e IEA/USP);
Anna Maria Medeiros Peliano (Ipea e IEA/USP); Lilian dos Santos Rahal (Ministério do Desenvolvimento Social); Maria
Paula Albuquerque (Centro de Recuperação e Educação Nutricional – Cren e IEA/USP); Mariana Pinheiro (Ministério do
Desenvolvimento Social); Michele Lessa (Ministério da Saúde); Sandra Maria Sawaya (USP e IEA/USP); Semiramis Martins
Álvares Domene (Unifesp e IEA/USP); Denise Chaer (Novos Urbanos); e Rodolfo Canônico (Family Talks).
406 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
3 RESULTADOS
no desenho das políticas públicas voltadas às famílias é que estas não devem ser
abordadas de forma isolada, fora do contexto mais amplo em que vivem. Em re-
lação à segurança alimentar, é evidente que fortes influências externas dificultam
a alimentação saudável e adequada das famílias. Por exemplo: a crônica falta de
tempo nas cidades; a instabilidade financeira; as moradias precárias, com espaço
insuficiente para a mesa e para refeições com “comida de verdade” e em horários
adequados; assim como a dificuldade de encontrar alimentos saudáveis nas perife-
rias. Ou seja, a política pública precisa abordar essas outras realidades extrínsecas
às famílias para ser efetiva.
A esse respeito, foi ressaltada a necessidade do contato direto com as famílias
e foram mencionadas algumas iniciativas da sociedade civil que conseguiram
grande capilaridade e acesso às famílias mais vulneráveis, a exemplo do método
de busca ativa, adotado em caráter pioneiro, pelo Cren, ainda no início dos
anos 1990 (Martins e Solymos, 2011). Nesse método, o agente executor da
ação vai até a unidade familiar mais vulnerável e que necessita de atendimento.
Tal estratégia permite o estabelecimento de abordagens adequadas às características
locais, tendo sido adotada pelo governo federal, por meio do programa Bolsa
Família. Na mesma linha foi desenhado o Programa de Agentes Comunitários
de Saúde, que prevê a realização de visitas domiciliares, e, mais recentemente, o
programa Criança Feliz, com uma cobertura ainda muito restrita (Silva, 2019c).5
Outro aspecto destacado é que, apesar de as políticas públicas atingirem
hoje boa parte da população a que se destinam, grupos dispersos em regiões
mais distantes ainda deparam com grande dificuldade de acesso às intervenções
governamentais. Um exemplo é o acesso ao Bolsa Família por parte de indígenas
aldeados no interior de regiões da Amazônia. Há casos registrados em que a famí-
lia toda se desloca, fazendo longas e constantes viagens para acessar os benefícios.
Isso gera várias instabilidades na vida daquelas pessoas, com impactos negativos
na própria rotina alimentar. Portanto, há situações em que as políticas públicas
precisam especializar-se para entregar, de maneira efetiva, um serviço de qualidade
a determinados grupos populacionais, os quais não podem permanecer “invisíveis”
nos dias atuais.
Nesse cenário complexo ressalta-se o grande potencial para uma atenção
diferenciada às famílias, que pode ampliar o impacto das políticas públicas, desde
que as intervenções sejam contextualizadas no território – com atenção a uma
apropriada conceituação de família, para evitar exclusões. Uma estratégia para
5. O programa consiste em visitas domiciliares por profissionais da área de assistência social com o objetivo de
fortalecer os vínculos familiares entre cuidador e criança, a fim de estimular o desenvolvimento infantil. Além disso,
pretende identificar vulnerabilidades para encaminhar ações por meio de uma rede pública intersetorial da assistência
social, secretarias municipais de educação e serviços municipais de saúde, dentre outros. Até abril de 2018, o programa
acompanhou 275 mil crianças e 37 mil gestantes em 2.044 municípios (Brasil, 2018; Silva, 2019c).
410 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
7. Na discussão foi mencionado o risco de restringir o acesso a determinados benefícios à ausência de um companheiro.
Poderia ocorrer situação em que, com o marido desempregado em casa, fosse mais conveniente para a mulher interromper
esta relação para poder acessar o benefício. Ou seja, um incentivo para a ruptura deste vínculo.
8. Merece também ser observado os riscos da ausência de um olhar diferenciado para a perspectiva da mulher, conforme
observação feita ao desenho do programa Criança Feliz: “o programa deveria, a partir de um diagnóstico da situação
da criança e da família, encaminhar o atendimento de suas necessidades aos serviços competentes, por meio de ação
intersetorial, tarefa esta que ainda não se iniciou. Assim, o programa objetiva trazer qualidade à interação entre cuida-
dores e filhos no domicílio, mas parece não reconhecer a realidade de imensa sobrecarga da dupla jornada feminina,
em especial das mulheres em pobreza. Sugere-se, dessa forma, que o programa desenvolva mecanismos para ampliar
a participação masculina no cuidado e nos afazeres domésticos” (Silva, 2019c, p. 35).
9. Do ponto de vista da segurança alimentar, a presença da mãe com a criança, garantida pela licença-maternidade,
é fundamental para, além do aleitamento materno, possibilitar a formação do hábito alimentar da criança – mais um
motivo para se avaliar se os tempos de licença disponíveis hoje são suficientes. Além disso, é necessário ter em conta
estudos consistentes sobre a importância da licença-paternidade para diminuir as desigualdades de gênero.
A Família e o Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável | 413
ser a principal no dia de muitas pessoas – por exemplo, a merenda escolar para
escolares de família com baixa renda. Logo, as merendeiras têm um papel destacado
na promoção da segurança alimentar. Nesse sentido, a atenção às famílias precisa
ser complementada pela atenção aos profissionais das instituições nas quais são
ofertados serviços a diversos membros do núcleo familiar, dado o papel decisivo
que possuem na garantia de alimentação adequada e saudável.
Um projeto de formação de profissionais realizado em São Paulo por uma
organização do terceiro setor – o Cren – em parceria com a prefeitura da cidade,
intitulado Cuidar de Quem Cuida, pode ser uma referência interessante. Em um
primeiro momento, trata-se de trazer ao profissional da ponta um senso de pro-
pósito para seu trabalho, de modo a exercer criticamente seu papel e deixar de ser
um mero executor. Há relatos da transformação causada, por exemplo, em grupos
de aleitamento materno, que passam a funcionar adequadamente quando esses
profissionais estão imbuídos de propósito.
No contexto da alimentação, os profissionais de saúde enfrentam as mesmas
dificuldades que a população em geral: restrições de tempo, influência negativa
da propaganda, dentre outras. Por isso, nesse processo de formação, é necessário
que o tema da alimentação saudável e adequada faça sentido para as pessoas. Para
tanto, enfatiza-se novamente a importância de apelar à memória afetiva dos pro-
fissionais, resgatando as experiências alimentares que tiveram em suas vidas, o que
também contribui para o fortalecimento das culturas alimentares. A partir desse
resgate, o profissional pode encontrar, com muito mais facilidade, o propósito de
sua missão de cuidar dos outros, pois essas atividades passam a estar conectadas
com sua própria história.
Vale ressaltar que a abordagem do Cuidar de Quem Cuida é uma forma de
fortalecer e potencializar os laços positivos nas redes em que as pessoas, e conse-
quentemente as famílias, estão inseridas. Como já destacado, no caso das políticas
de alimentação, um resultado esperado dessa abordagem é a redução do número de
crianças com subnutrição e obesidade, com consequente redução nos custos com
saúde. Sem dúvida, essa personalização do atendimento aos profissionais de saúde,
aliada a uma maior atenção às relações interpessoais, pode ser um importante passo
para novas políticas públicas (ou evolução para as atuais) e, especificamente, para
a formação profissional – inicial e permanente – dos agentes de saúde e demais
prestadores de serviços em equipamentos que oferecem algum tipo de alimentação.
Nesse aspecto, o guia alimentar para crianças menores de 2 anos traz inova-
ções em relação ao guia já disponível (Brasil, 2019). A principal delas é a atenção
devida à pessoa que prepara o alimento: a necessidade de formação dessa pessoa; o
cuidado com a situação ambiental, por exemplo, se há mesa no domicílio; e o local
adequado para o armazenamento do alimento. Trata-se de um importante avanço
416 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
10. A meta 4.7 do ODS 4 estabelece: “até 2030, garantir que todos os alunos adquiram conhecimentos e habilidades
necessárias para promover o desenvolvimento sustentável, inclusive, entre outros, por meio da educação para o de-
senvolvimento sustentável e estilos de vida sustentáveis, direitos humanos, igualdade de gênero, promoção de uma
cultura de paz e não violência, cidadania global e valorização da diversidade cultural e da contribuição da cultura para
o desenvolvimento sustentável” (Silva, 2019b, p. 18).
A Família e o Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável | 417
4 CONCLUSÕES
Nos debates realizados sobre o tema central do encontro – a relevância, as implica-
ções e as dificuldades para que a família possa ser catalisadora do direito humano à
alimentação adequada –, destacou-se o reconhecimento da importância do papel
da família, independentemente da forma como ela se estrutura, no cuidado e na
transmissão da cultura, das práticas e do hábito alimentar. Indispensável, portanto,
atribuir-lhe um lugar de destaque nas políticas públicas voltadas para a promoção
da segurança alimentar.
Ademais, dadas as desigualdades sociais verificadas no país, enfatizou-se a
necessidade de conferir uma atenção especial às famílias de menor renda que se
defrontam com grandes dificuldades para garantir uma alimentação saudável. Para
isso, concorrem, dentre outros, a instabilidade financeira, que restringe o acesso
aos alimentos na quantidade necessária e na qualidade recomendada; a falta de
um ambiente alimentar adequado, devido às condições precárias das moradias,
com espaço insuficiente para a mesa e para a elaboração de refeições com “comida
de verdade”, em horários recomendados; a falta de tempo crônica nas cidades; a
dificuldade para a aquisição de alimentos saudáveis nas periferias; e as mudanças
de hábitos alimentares decorrentes da maciça propaganda de bebidas e alimentos
ultraprocessados, nutricionalmente prejudiciais à saúde.
Como agravante, é nesse grupo da população que se encontra uma grande
presença de famílias monoparentais, nas quais cabe especialmente às mães, muitas
vezes isoladas de seu contexto social, a tarefa exclusiva de cuidar dos seus depen-
dentes. Esse isolamento diz respeito a uma rede social primária (familiar) pouco
densa, implicando uma pobreza de recursos relacionais, com reflexos negativos na
qualidade dos cuidados prestados. Diversos estudos têm evidenciado que é nesse
ambiente que geralmente se encontram os casos de subnutridos mais graves.
Diante desse quadro multifacetado de problemas, fica evidente a complexidade
e os desafios que se apresentam para o desenho e a implementação das políticas
públicas de alimentação. Romper o círculo vicioso da pobreza, fazer chegar políticas
adequadas aos diferentes territórios e contextos em que vivem as famílias brasileiras,
garantir o atendimento nas regiões mais distantes e superar as fragilidades das redes
de proteção locais foram destacadas entre as principais preocupações que devem
orientar os caminhos a serem seguidos.
Sem a pretensão de esgotar os debates sobre o tema, o grupo identificou
diversas ações a serem adotadas na busca da garantia do direito humano a uma
alimentação adequada. De início foi enfatizada a necessidade de garantir o acesso
direto às famílias, com a adoção de estratégias como a da busca ativa, em que o
agente executor da ação vai até a unidade familiar que necessita de atendimento.
Os resultados positivos obtidos em programas dessa natureza, desenvolvidos
A Família e o Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável | 419
ções deve ser o de proteger as famílias das influências negativas das propagandas
resguardando, ao mesmo tempo, sua liberdade de escolha.
Pelos diversos ângulos analisados, ficou mais uma vez evidenciado o papel
fundamental das famílias no desenvolvimento da sociedade. Não por acaso, a Or-
ganização das Nações Unidas (ONU) reconhece que políticas públicas voltadas à
família possuem o potencial de acelerar o alcance de várias metas da Agenda 2030
para o Desenvolvimento Sustentável. Nesse encontro, promovido pelo Grupo
de Pesquisa de Nutrição e Pobreza do IEA/USP, foi possível identificar que, a
partir de uma perspectiva da família, as políticas públicas podem estabelecer uma
conexão direta com os objetivos que tratam do combate à pobreza (ODS 1), da
promoção da segurança alimentar (ODS 2), de uma vida saudável (ODS 3),
da educação de qualidade (ODS 4), da igualdade de gênero (ODS 5), da redução das
desigualdades (ODS 10) e de um padrão de consumo sustentável (ODS 12). Isso
reflete a amplitude dos temas debatidos e a riqueza dos resultados apresentados.
REFERÊNCIAS
ARREGUI, C. C.; WANDERLEY, M. B. Gestão pública e pobreza: um estudo
de famílias chefiadas por mulheres. In: SAWAYA, A. L. et al. (Org.). Desnutrição,
pobreza e sofrimento psíquico. São Paulo: Edusp, 2011. cap. 9.
BRASIL. Ministério da Saúde. Guia alimentar para a população brasileira.
2. ed. Brasília: SAS, 2014.
______. Ministério do Desenvolvimento Social. Suas e programa Criança Feliz:
atuação integrada. Brasília: MDS, 2018. Disponível em: <https://bit.ly/3rHtRBE>.
______. Ministério da Saúde. Guia alimentar para crianças brasileiras menores
de 2 anos. Brasília: MS, 2019. Disponível em: <https://bit.ly/3rVUAuG>.
EISEN, L. Brazil’s revolutionary new food guide focuses on how food is made.
The Nature of Things, 2018. Disponível em: <https://bit.ly/3dmLw9G>.
FERREIRA, P. Pesquisa revela que 41,5% dos jovens de 19 anos não concluíram
ensino médio. O Globo, 5 abr. 2017. Disponível em: <https://glo.bo/3Dpct71>.
FILGUEIRAS, A. R.; SAWAYA, A. L. Multidisciplinary and motivational
intervention for the treatment of low income Brazilian obese adolescents. Revista
Paulista de Pediatria, São Paulo, v. 36, n. 2, p. 186-91, 2018.
FREITAS, H. et al. The focus group, a qualitative research method: reviewing
the theory, and providing guidelines to its planning. Baltimore: ISRC, Feb. 1998.
(Working Paper ISRC, n. 010298). Disponível em: <https://bit.ly/3IloXAv>.
A Família e o Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável | 421
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
AT LAST! Guidelines based on food and meals! Brazilian dietary guidelines. World
Nutrition, Jakarta, v. 5, n. 12, p. 1050-1051, Dec. 2014.
MYNARSKA, M. et al. Vulnerability of families with children: major risks,
future challenges and policy recommendations. Dec. 2015. (Families and Societies
Working Paper Series, n. 49).
APÊNDICE A
HERANÇA
QUADRO A.1
Publicações de Anna Maria Medeiros Peliano
Título Tipo Ano Participação
A Crise e a Fome Livro 1983 Autora
O Problema Alimentar Brasileiro: situação atual, perspectivas e
Livro 1983 Autora
proposta de políticas
Alimentação e Abastecimento: contribuições a uma intervenção
Livro 1984 Autora
de curto prazo
Descentralização da Merenda Escolar: o modelo funcionou no
Livro 1984 Autora
Rio? Funcionará em outros estados?
Economia e Nutrição: contribuição para um debate Livro 1988 Coordenadora
Quem se Beneficia dos Programas Governamentais de
Livro 1990 Autora
Suplementação Alimentar
O Novo Padrão de Gerenciamento do Setor Público (v. 3) Livro 1991 Autora
O Novo Padrão de Gerenciamento do Setor Público (v. 4) Livro 1992 Autora
Descentralização da Merenda Escolar Livro 1992 Autora
Os Programas de Alimentação e Nutrição para Mães e Crianças
Livro 1992 Autora
no Brasil
Papel do Estado na Área de Alimentação e Nutrição Livro 1992 Autora
Programas de Alimentação e Nutrição para as Crianças e
Livro 1992 Autora
Adolescentes: qual é o destino?
O Mapa da Criança: a indigência entre as crianças e os
Livro 1993 Coordenadora
adolescentes
O Mapa da Criança II: a indigência entre as crianças e os
Livro 1993 Coordenadora
adolescentes
O Mapa da Fome: subsídios à formulação de uma política de
Livro 1993 Coordenadora
segurança alimentar
O Mapa da Fome II: informações sobre a indigência por
Livro 1993 Coordenadora
municípios da Federação
O Mapa da Fome III: indicadores sobre a indigência no Brasil;
Livro 1993 Coordenadora
classificação absoluta e relativa por municípios
Plano de Combate à Fome e à Miséria: princípios, prioridades e
Livro 1993 Autora
mapa das ações de governo
Um Balanço das Ações de Governo no Combate à Fome e à
Livro 1993 Coordenadora
Miséria – 1993
II Balanço das Ações de Governo no Combate à Fome e à
Livro 1994 Coordenadora
Miséria – 1994
Brasil: os programas federais de alimentação e nutrição no
Livro 1994 Autora
início da década de 90
(Continua)
424 | Anna Peliano: uma batalha incansável contra a fome, a pobreza e a desigualdade social
(Continuação)
Título Tipo Ano Participação
Rede de Parceiros para Enfrentar a Exclusão Capítulo 1996 Coordenadora
Uma Estratégia de Combate à Fome e à Miséria através da
Livro 1997 Coordenadora
Parceria Governo e Sociedade
Programa Comunidade Solidária Capítulo 1998 Autora
1999
Ação Social das Empresas do Sudeste: quem são e onde estão Livro Autora
2000
(Continuação)
Título Tipo Ano Participação
ODS 10: reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles Caderno 2019 Equipe técnica
ODS 12: assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis Caderno 2019 Equipe técnica
EDITORIAL
Chefe do Editorial
Reginaldo da Silva Domingos
Assistentes da Chefia
Rafael Augusto Ferreira Cardoso
Samuel Elias de Souza
Supervisão
Camilla de Miranda Mariath Gomes
Everson da Silva Moura
Editoração
Danilo Leite de Macedo Tavares
Leonardo Hideki Higa
Capa
Adriana Peliano
Livraria Ipea
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Tel.: (61) 2026-5336
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Cartão supremo 250g/m2 (capa)
Brasília-DF
Missão do Ipea
Aprimorar as políticas públicas essenciais ao desenvolvimento
brasileiro por meio da produção e disseminação de conhecimentos
e da assessoria ao Estado nas suas decisões estratégicas.
Inspiração. Este sem dúvida foi o maior legado deixado pela nossa querida professora Anna Peliano.
Desde o início e o fortalecimento da Comunitas, bem como na coordenação da pesquisa BISC, ela
nos presenteou com sua inestimável contribuição e valiosos ensinamentos nos últimos catorze
anos. Anna sempre trabalhou pelas bandeiras de políticas sociais efetivas e atuação empresarial
com responsabilidade e propósito. A partir do seu conhecimento profundo nesse campo, fazia
questão de compartilhá-lo, sempre de forma generosa e provocativa. Tinha como seu aliado
contínuo o levantamento de dados e informações, com os quais chamou atenção para importantes
tendências no campo social, contribuindo para a qualificação do debate tanto de lideranças
empresariais quanto de executivos sociais no Brasil. Deixa um legado único e inspirador.
Regina Esteves
Diretora-presidente da Comunitas