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Resumo 4 Econtro de Gastronomia UFRJ

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APONTAMENTOS SOBRE OS HÁBITOS ALIMENTARES DO BRASILEIRO

DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19

Luiza Adelaide Lafetá – mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais


da PUC Minas, financiada pela CAPES.

Movidos pelas transformações causadas pela pandemia do COVID-19,


observamos estudos realizadas sobre os hábitos alimentares dos brasileiros durante o
isolamento social. A pesquisa se encontra em andamento, assim como os efeitos da
pandemia, que já causou a morte de mais de 145 mil brasileiros. Depois de 7 meses de
pandemia, é possível perceber mudanças drásticas em todas as esferas da sociedade, o
presente artigo, portanto busca identificar os principais impactos desse episódio na
alimentação do brasileiro, pois além do impacto na saúde, nas empresas e na economia,
o momento atual mudou até mesmo a relação das pessoas com a alimentação.
Enquanto estavam em casa os restaurantes estiveram fechados, as escolas não
forneceram a merenda escolar, assim como restaurantes populares e outros equipamentos
e organizações que forneceriam alimentos para a população de menor poder de compra.
Assim, buscamos identificar os dois lados de uma mesma moeda: a busca por uma
alimentação mais saudável e o crescimento da insegurança alimentar. De acordo com os
primeiros resultados da NutriNet Brasil, estudo executado pelo Núcleo de Pesquisas
Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens/USP) os
hábitos alimentares se tornaram mais saudáveis, indicando o aumento generalizado na
frequência de consumo de frutas, hortaliças e feijão (de 40,2% para 44,6%) durante a
pandemia (Martinez Steele E et al, 2020 pg4). Mas do outro lado houve o crescimento da
insegurança alimentar, estimativas mais recentes registram que mais de 130 milhões de
pessoas podem estar atingidas pela fome até o final de 2020 e a pandemia pode levar
cerca de 49 milhões de pessoas à extrema pobreza em 2020 (RIBEIRO-SILVA RC et al,
2020 pg 3422).

Nessa perspectiva principal objetivo deste texto é discutir as repercussões da


COVID-19 nos hábitos alimentares do brasileiro e como distanciamento social tem parte
de responsabilidade para o crescimento da insegurança alimentar e ao mesmo tempo
desencadeia um processo de construção de uma alimentação mais saudável para aqueles
que possuem maior poder de compra.

Para o levantamento de dados foram explorados os resultados iniciais do NutriNet


Brasil estudo que vai acompanhar 200 mil pessoas de todas as regiões do país para
identificar características da alimentação brasileira que aumentaram ou diminuem o risco
de doenças crônicas e que durante a pandemia alcançou mais de 10 mil participantes.
Segundo Carlos Monteiro, coordenador do NutriNet Brasil, é possível inicialmente
observar mudança positiva no comportamento alimentar que pode ser explicada por
alguns fatores "As novas configurações causadas pela pandemia na rotina das pessoas
podem tê-las estimulado a cozinhar mais e a consumir mais refeições dentro de casa”.
Entretanto a evolução positiva na alimentação, foi acompanhada por um aumento no
consumo de alimentos ultra processados nas regiões Norte e Nordeste e entre as pessoas
de escolaridade mais baixa (Martinez Steele E et al, 2020 pg 6).
Outra importante base de dados foram as pesquisas de mercado realizadas nesse
período, na sua quinta edição a Opinion Box avaliou os hábitos de compra dos
supermercados e descobriram que as pessoas estão indo menos vezes ao supermercado e
comprando mais itens a cada compra. No geral, as pessoas passaram a se alimentar
melhor durante a pandemia, 34% estão comendo mais frutas e 33% estão comendo mais
legumes e verduras do que comiam antes, e os principais motivos apontados é que elas
são mais saudáveis, passaram a fazer parte da dieta das pessoas, também porque são mais
práticas (OPINIONBOX, 2020 pg 1).

Os ovos, o arroz e o feijão também ganharam destaque não é só porque são


saudáveis, mas também porque são práticos e baratos. Mas nem só alimentos saudáveis
ganharam destaque, 27% estão consumindo mais doces e biscoitos, porque trazem
conforto e são práticos. E 23% dos brasileiros estão comendo mais macarrão e massas,
principalmente porque são práticos e baratos. Refrigerantes, bebidas alcoólicas, produtos
industrializados, pizzas, hambúrgueres e fast-food, comida congelada e snacks e
salgadinhos todos esses alimentos têm um percentual maior de pessoas que estão
consumindo menos do que os que estão consumindo mais (OPINION BOX, 2020 pg 2).

Em setembro, quando a pandemia já havia atingindo um patamar de 100 mil


mortos o IBGE divulgou os dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2016-
2017), com o resultado de consultas em 68,9 milhões domicílios de todas as regiões do
país. O resultado apontou que 36,7% (o equivalente a 25,3 milhões) estavam com algum
grau de Insegurança Alimentar (IA): IA leve (24,0%, ou 16,4 milhões), IA moderada
(8,1%, ou 5,6 milhões) ou IA grave (4,6%, ou 3,1 milhões). Baseando nos dados oficiais
do IBGE para 2018, o indicador de pobreza monetária permite afirmar que um
contingente de 13 milhões de pessoas está vivendo em pobreza extrema (6,5% da
população), podendo chegar até as 54,8 milhões de pessoas consideradas pobres (25,3%
da população) (IBGE, 2020).

Para compreender o crescimento da fome analisamos a terceira onda de coleta de


dados do Painel de monitoramento com lideranças comunitárias sobre os impactos do
avanço da pandemia do COVID-19, realizado pela Rede de Pesquisa Solidária. De acordo
com o Boletim 17 os problemas materiais causados pela pandemia como fome e
dificuldade de acesso à renda e emprego figuram como os mais citados entre as lideranças
comunitárias de dez regiões metropolitanas do país. Cerca de 67% das lideranças
trouxeram relatos sobre fome e privação de alimentação (REDE SOLIDARIA, 2020 pg
pg 3). Os lares “aglomerados” refletem outra situação: onde comem três não comem sete
o IBGE identificou que quanto menor o número de moradores, maior a segurança
alimentar. De acordo com o levantamento, 72,5% dos domicílios com acesso pleno e regular à
alimentação adequada de qualidade tinham até três moradores, enquanto 26,3% tinham entre
quatro e seis moradores (RIBEIRO, 2020 pg 11).

Ao longo das últimas duas décadas, diversas políticas públicas foram criadas para
a saída do Brasil do Mapa da Fome, uma delas é o Programa Bolsa Família (PBF). Estima-
se que o componente de transferência de renda adotado pelo programa tenha sido
responsável por 25% de redução da pobreza extrema e por quase 15% da redução da
pobreza desde 2004. Contudo, as políticas sociais com impactos na renda, na pobreza, e
na segurança alimentar dos brasileiros perderam força desde 2016 (RIBEIRO-SILVA RC
et al, 2020 pg 3423). O desmonte das políticas de proteção social, associado a redução do
poder de compra das famílias e a alta nos preços dos alimentos foram os principais fatores
que evidenciam a face mais cruel do hábito alimentar do brasileiro: a fome. A baixa
ingestão de micronutrientes como ferro, cálcio e vitaminas A e D, doença conhecida como
“fome oculta” desde os estudos de Josué de Castro nos anos 40, do século passado,
permanecem sendo importantes problemas no país (CASTRO, 2003 pg 51). Essa
condição traz sérias implicações para a saúde e o desenvolvimento físico e cognitivo, com
efeitos diretos na qualidade de vida das pessoas.

Ainda há muito a ser conhecido sobre o COVID-19, mas há um quadro real


acirrado pela crise sanitária e pelas medidas de distanciamento social aplicadas no Brasil,
resultando em impactos econômicos profundos nas condições de renda e emprego. E
dentre esses impactos de um lado estão os brasileiros que puderam optar em transformar
seus hábitos alimentares diversificando a ingestão de nutrientes, cozinhando a sua própria
comida e cuidando da saúde. Mas de outro lado estão os brasileiros que tiveram que optar
em morrer de vírus, ou morrer de fome, pois o isolamento social, nos lares aglomerados
nunca foi opção.

Palavras-chave: COVID-19, alimentos saudáveis, segurança alimentar, fome.

Referências Bibliográficas

CASTRO, Josué. Fome um tema proibido – últimos escritos de Josué de Castro /


Anna Maria de Castro (org). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

FAO. Food and Agriculture Organization of the United Nations. The State of Food
Security and Nutrition in the World: Safeguarding against economic slowdowns and
downturns. Rome: FAO; 2019.

IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares


(POF). Analise da Segurança Alimentar no Brasil. Brasília-DF; 2020

RIBEIRO, Luiz Cesar de Queiroz org. As metrópoles e a COVID-19: dossiê nacional


[livro eletrônico] / Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia. Forum Nacional de
Reforma Urbana. 1. ed. -- Rio de Janeiro, 2020.

MARTÍNEZ, Eurídice Steele; RAUBER, Fernanda; COSTA, Caroline dos Santos;


LEITE, Maria Alvim; GABE, Kamila Tiemann; LOUZADA, Maria Laura da Costa;
LEVY, Renata Bertazzi; MONTEIRO, Carlos Augusto Monteiro. Mudanças
alimentares na coorte NutriNet Brasil durante a pandemia de covid-19. Rev Saúde
Pública. 2020. 54:91

Rede de Pesquisa Solidária. Covid-19: Políticas Públicas e as Respostas da Sociedade.


Boletim 17. São Paulo, julho 2020.

SILVA, Rita de Cássia Ribeiro; PEREIRA, Marcos Pereira; CAMPELLO, Tereza


Campello; ARAGÂO, Érica; GUIMARÂES, Jane Mary de Medeiros; FERREIRA,
Andréa JF; BARRETO, Maurício Lima; SANTOS, Sandra Maria Chaves Implicações
da pandemia COVID-19 para a segurança alimentar e nutricional no Brasil. Revista
online Ciência & Saúde Coletiva, 25(9):3421-3430, 2020
OPINION BOX. Alimentação na pandemia: dados de pesquisa sobre como o
brasileiro está comendo na quarentena. Publicado em 20 de julho de 2020. Disponível
em < https://blog.opinionbox.com/alimentacao-na-pandemia/> Acessado em 05 de
setembro de 2020.

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