Ser Baianao Na Medida Do Reconcavo
Ser Baianao Na Medida Do Reconcavo
Ser Baianao Na Medida Do Reconcavo
FACULDADE DE COMUNICAO
PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR DE PS-GRADUAO
EM CULTURA & SOCIEDADE
SER BAIANO
NA MEDIDA DO RECNCAVO:
O JORNALISMO REGIONAL COMO
ELEMENTO FORMADOR DE IDENTIDADE
Salvador
2009
JOS PRICLES DINIZ BAHIA
SER BAIANO
NA MEDIDA DO RECNCAVO:
O JORNALISMO REGIONAL COMO
ELEMENTO FORMADOR DE IDENTIDADE
Salvador
2009
A
Juciara, que por amor cmplice.
AGRADECIMENTOS
Aos professores Milton Moura, Renato da Silveira, Robrio Marcelo e Srgio Mattos, que
formam uma banca examinadora de qualidade acima da mdia;
Rui Barbosa
RESUMO
O discurso jornalstico estabelece e mantm relao direta com alguns dos processos e
mecanismos que balizam questes ligadas formao de identidade cultural. O que se reflete
de maneira mais especfica - porque mais prxima e intensa - em relao quele veiculado
atravs da imprensa regional, a exemplo da regio do Recncavo, onde se instalaram as
primeiras redaes de peridicos impressos fora da capital, j no sculo XIX. Tal relao se
d no apenas atravs das especificidades da narrativa jornalstica, que moldam sua natureza
institucional e a prpria estratgia discursiva em suas relaes de poder, mas inclusive na
atribuio de sentidos e na (re)formulao do real. Para avaliar com maior profundidade tal
questo, necessrio lanar mo de reflexes tericas construdas no campo da anlise do
discurso e da formao de referncias para a identidade cultural. O objetivo, neste sentido,
est em apreender este jeito Recncavo de ser baiano. Como este discurso prope, molda,
configura e refora identidades culturais que buscam determinar como deve e como pode ser
o nativo desta regio. Estabelecendo, assim, um horizonte que busque dimensionar as
influncias recorrentes, a partir de um determinado contexto social, mas igualmente como se
deu tal processo, considerando as caractersticas de um jornalismo regional ou
eventualmente, comunitrio em seu peso efetivo para a construo e legitimao de
representaes sociais, valores e imagens, saberes e fazeres de sua cultura peculiar.
The journalistic discourse establishes and maintains a direct relationship with several
processes and mechanisms which delimit the questions connected to the formation
of cultural identity. This is reflected in a more specific way - since it is closer and more
intense - in relationship to what is transmitted through the regional press, such as the region
of the Reconcavo ( a very fertile region in the coast of the state of Bahia, Brazil), where the
first press rooms of printed publications outside the state capital where installed, as early as
in the nineteenth century. Such relationships occur not only by means of the specificities of
the journalistic narrative, which shape its institutional nature and the very discourse strategy
in its relations with power, but, in addition, in the attribution of meanings and in the
reformulation of what is real. In order toevaluate this question in greater depth it is necessary
to utilize a theoretical thinking built in the field of discourse analysis and of the
development of references for the cultural identity. The objective, in this sense, is to
apprehend this Reconcavo way of being bahian. This discourse proposes, shapes,
configures and reinforces the cultural identities which strive to determine how the native of
this region can and should be. Establishing, thus, a horizon which tries to measure the
recurrent influences, starting from a given social context and appraising how this process took
place, as well, considering the characteristics of a local journalism - or, eventually,
a communitary journalism - in its effective importance towards the construction
and legitimation of social representations, values and images, and also, the learnings and
doings of its particular culture.
1 SOBRE A PESQUISA 13
2 OS FUNDAMENTOS TERICOS 24
BIBLIOGRAFIA 210
1 SOBRE A PESQUISA
Por outro lado, o jornalismo brasileiro completou 200 anos desde a circulao da
Gazeta do Rio de Janeiro, em 1808, o que por si s j justificaria um estudo o mais abrangente
possvel no sentido de colaborar para o enriquecimento da memria da imprensa nacional. Na
Bahia, o marco a fundao do jornal Idade DOuro do Brazil, em 14 de maio de 1811.
Todavia, era recomendvel estabelecer um ponto mais especfico para o recorte da pesquisa.
Assim, defini o perodo compreendido entre o ano de 1823 - quando surgiu o primeiro jornal
impresso em uma localidade do interior da Bahia, O Independente Constitucional, da cidade
de Cachoeira at pelo menos o encerramento do ciclo da cana-de-acar, entre o final do
sculo XIX e a primeira metade do sculo passado.
Neste universo, j bastante amplo, convm ainda selecionar quais os jornais de maior
destaque a serem estudados, a partir de parmetros que vo da periodicidade, formato e
tiragem at a sua longevidade, o tempo em que esteve em circulao, abrangncia, influncia
poltica ou algum detalhe curioso ou peculiar em sua trajetria. O levantamento de tais
caractersticas, complementado e enriquecido com testemunhos e relatos de poca, certamente
fornece pistas seguras para balizar a efetiva abrangncia e poder poltico de cada publicao.
Assim, foram pesquisados 28 peridicos cachoeiranos, a saber, O Recopilador
Cachoeirense (1832), O Constitucional Cachoeirano (1837), O Paraguassu (1847), O Povo
Cachoeirano (1849), O Argos Cachoeirano (1850), A Voz da Mocidade (1850), O Almotac
(1850), O Vinte e Cinco de Junho (1853), Jornal da Cachoeira (1855), O Progresso (1860), O
Americano (1867), A Formiga (1869), A Grinalda (1869), A Ordem (1870), Sentinella da
Liberdade (1870), Echo Popular (1874), A Verdade (1876), O Guarany (1877), O Futuro
(1878), O Santelmo (1880), Dirio da Cachoeira (1880), Echo do Povo (1881), A Imprensa
(1884), O Brazil (1886), O Tempo (1887), O Republicano (1890), A Cachoeira (1896) e
Pequeno Jornal (1912).
Objetivos mais especficos tambm foram alcanados neste trabalho, como a
elaborao de um perfil historiogrfico destes peridicos que circularam na regio, para efeito
de registro, diagnstico e comparao. A partir da, foi possvel definir o tipo de jornalismo
praticado predominantemente, atravs do levantamento de suas caractersticas gerais e das
estratgias narrativas adotadas, procurando estabelecer relao com os modelos tradicionais
de desenvolvimento histrico da atividade jornalstica nacional. Tratava-se de fato de uma
imprensa tribunista, ocupada principalmente em difundir os recm-adquiridos valores liberais
europeus, como independncia, progresso e repblica.
Este levantamento tambm levou em considerao os seguintes itens: nome do
peridico, data de fundao, proprietrio(s), periodicidade, nmero de pginas,
15
formato/colunagem, linha editorial, sees e colunas. Tal estudo buscou se habilitar a analisar
o discurso hegemnico nesta imprensa regional, distinguindo categorias, classificando os
temas propostos e as abordagens assumidas, bem como identificando nestes textos a ideologia
que sustenta os discursos, a partir do contexto social e cultural aos quais se referem. Neste
sentido, ideologia deve ser aqui entendida como a manipulao a servio dos indivduos e
grupos que detm certa hegemonia de poder econmico, poltico, social ou cultural - no caso,
os homens de imprensa e seus peridicos impressos - das formas simblicas de significaes.
Para analisar a produo discursiva da imprensa no se deve, portanto, deixar de
considerar a sua condio institucional de poder, o seu lugar de fala. Assim, foi possvel
reconhecer as identidades construdas e compreender como se deu a atribuio de sentidos nos
processos discursivos utilizados nos textos noticiosos, refletindo sobre as relaes de poder
estabelecidas no processo de formao de identidade cultural, especificamente a partir do
discurso jornalstico. Para tanto, foi necessrio aprofundar questes ligadas natureza dos
textos noticiosos e suas estratgias discursivas, para ento levantar e classificar o contedo
editorial ligado construo ou reforo de arqutipos relacionados cultura regional.
Parte integrante, testemunha e herdeiro das condies socioeconmicas que moldaram
aspectos dos mais significativos para a histria da Bahia, o Recncavo tem sido fundamental
para a consolidao daquilo que se convencionou chamar de baianidade, construo que
dispe da imprescindvel participao da imprensa, inserida que est na complexa estrutura de
mdia voltada cada vez mais ao entretenimento e ao turismo. Neste sentido, a regio oferece
campo vasto e pouco explorado pesquisa documental que inicialmente levante ao menos
parte do seu acervo de peridicos.
A partir da, foi possvel trabalhar em uma anlise mais aprofundada das condies em
se deram e se desenvolveram as prticas jornalsticas e suas relaes com a comunidade. Em
decorrncia, ao selecionar e classificar para anlise uma mostra significativa daquilo que foi
veiculado em relao criao, legitimao e reforo de representaes sociais, atribuio de
valores ou cristalizao de esteretipos, nos habilitamos a compreender como foram
configurados e articulados ideologicamente os discursos destinados formao de sua
identidade regional.
Pois cabe imprensa, certamente, o papel de um dos mais eficazes instrumentos na
tarefa de difundir e aprofundar o conhecimento das realidades socio-polticas e culturais de
uma nao ou regio. Nos peridicos impressos possvel encontrar os temas e problemas
mais caros e urgentes para dado perodo histrico. Atravs deles, facultada a oportunidade
16
seu contexto. E a terceira etapa, do processo discursivo em si, procurando desvendar como
foram trabalhados os efeitos de sentido e material simblico do texto.
O aporte terico utilizado para sustentar a anlise do material pesquisado contou,
ainda, com as contribuies do pensamento de Pierre Bourdieu (2001), a partir da definio
de poder simblico e seus mecanismos estruturantes e estruturados; Michel de Certeau
(1994), sobretudo quando avalia o fazer e o dizer histricos; e Benedict Anderson (2008),
com suas formulaes acerca das comunidades imaginadas e a construo do nacional; entre
outras noes e intelectuais citados, descritos e aprofundados no captulo segundo desta tese.
2 OS FUNDAMENTOS TERICOS
A regio do Recncavo passou a ser assim conhecida a partir do sculo XVI e engloba
uma faixa de terra formada por mangues, baixios e tabuleiros que contornam a Baa de Todos
os Santos. Pode ser descrita como um retngulo de aproximadamente 10 mil quilmetros
quadrados na direo nordeste-sudeste, entre os meridianos 37 e 39 a oeste de Greenwich e no
limite entre os paralelos 12 e 13 ao sul do equador. uma rea de topografia baixa at os
limites de Cruz das Almas, com predominncia dos solos de massap e clima tropical mido.
Entre suas principais formaes naturais esto a Baa de Todos os Santos e suas ilhas, a Serra
da Jiboia e os ecossistemas costeiros de Maragojipe, Nazar, Jaguaripe e Valena. Merece
destaque, ainda, o lago artificial formado pela barragem de Pedra do Cavalo. Tem ao norte os
municpios de Feira de Santa e Alagoinhas, entre outros menores; a leste o Oceano Atlntico;
ao Sul Valena e o Vale do Jiquiri; e a Oeste as localidades de Santo Estevo, Antonio
Cardoso e Castro Alves. Em termos administrativos, rene 35 municpios, em uma rea de
10.400 quilmetros quadrados de extenso.
Quando chegaram os portugueses ao litoral da Bahia, esta regio era habitada por
ndios tupis, mais especificamente pelos tupinambs e os tupiniquins, que h cerca de 200
anos migraram do alto Xingu, expulsando para o interior as tribos js (tapuias) que a
ocupavam at ento. Mais para o nordeste brasileiro, moravam os cariris. Conforme a
historiadora Ktia Queiroz Mattoso (1992, p. 69), at 1534, os portugueses no se
interessaram por aquela terra recm-descoberta, pois estavam empenhados na consolidao de
suas conquistas no Extremo Oriente. A partir de ento, comea a ganhar destaque a figura de
Diogo lvares Correia, o Caramuru, um campons portugus que se instalara - desde 1510 ou
antes - no local onde mais tarde seria fundada a cidade do Salvador.
Algumas lendas acompanham a trajetria daquele branco que teria sido adotado pelos
indgenas por sua capacidade de manipular o fogo, o trovo, mas o fato era que ele
efetivamente se dedicava a intermediar o comrcio de pau brasil com os primeiros europeus
que passaram a frequentar a costa local. Quando a poltica portuguesa mudou, por volta de
1530, ele passou a oferecer seus servios aos novos colonos. Mas a estratgia inicial de
25
implantar capitanias hereditrias fracassou, deixando como herana apenas a povoao criada
por Francisco Pereira de Coutinho no local hoje conhecido como o Porto da Barra,
apropriadamente chamada de Vila do Pereira, como ponto de apoio s embarcaes que
chegavam Baa de Todos os Santos.
Neste lugar desembarcou, no ano de 1549, Tom de Souza, designado governador
geral do Brasil, com a misso de erguer a sua sede, a cidade do Salvador. Ele escolheu um
ponto mais alto (onde hoje ficam o Terreiro de Jesus e as praas da S e Castro Alves) para
fundar o povoamento, que j na primeira metade do sculo XVI estava plenamente
consolidada, tornando-se ento ponto de partida e referncia logstica para a colonizao das
terras ao seu redor. A este respeito, diz Mattoso (1992, p. 727) que a populao das 47
aldeias de ndios existentes no Recncavo foi rapidamente dizimada, e a expanso dos
colonos tomou a direo da pennsula de Iguape, de Itapira e do Rio Vermelho.
As terras que hoje so conhecidas como o Recncavo da Bahia passaram a ser
ocupadas com a criao da Capitania do Paraguau, atravs de carta rgia assinada pelo rei
dom Sebastio, em 29 de maro de 1556. As primeira incurses se deram a partir de 1558,
sob o comando de Vasco Rodrigues de Caldas, mas tambm contaram com expedies
lideradas pelo prprio governador-geral. De fato, em 1559, Mem de S comandou
pessoalmente a expedio que fundou, no local conhecido como Engenho do Conde1, um
importante engenho de acar, mais tarde doado aos jesutas. Em torno dele surgiria o
primeiro ncleo populacional da regio.
De acordo com o historiador Lus Henrique Dias Tavares (2001, p. 90), o territrio foi
depois entregue ao colonizador lvaro da Costa, filho do segundo governador-geral da
colnia, Duarte da Costa, em recompensa por sua campanha militar na guerra contra os
indgenas que habitavam o trecho entre os rios Paraguau e Jaguaripe. Aps a completa
destruio das aldeias tupinambs que haviam nos arredores de Salvador, a expanso dos
colonos apontava para as terras do Recncavo. Com vrios cursos navegveis, a regio
facilitava o acesso e logo outro massacre seria perpetrado contra os habitantes nativos, a fim
de abrir espao para as plantaes de algodo, mandioca e cana.
A explorao se deu, inicialmente, pelos conquistadores que navegavam, em geral, at
Cachoeira e da saiam abrindo trilhas em direo ao norte, levando carroas, mulas, cavalos e
boiadas para as localidades hoje conhecidas como Jacobina, Maracs, Caetit, Rio das Velhas
e at as Minas Gerais. Estes caminhos de boiada seguiram para o serto2 e deixavam espao
1
No atual municpio de So Francisco do Conde.
2
De acordo com Ktia Mattoso (1992, p. 63), o termo deriva da expresso deserto, que os colonos usavam para
designar as vastas extenses de terra rida da regio.
26
no litoral para as plantaes de cana, fumo e algodo, destinadas exportao, que era a
prioridade para a colnia. Neste sentido, uma lei foi assinada em 1688 e ratificada em 1701
proibindo a criao de bovinos em uma faixa de 60 quilmetros da beira- mar e margens de
rios, a fim de impedir a competio entre o gado e as lavouras de monoculturas.
A primeira vila fundada na regio foi a de So Francisco da Barra do Rio Sergipe do
Conde, no ano de 1693, em terras ento pertencentes a dom Fernando de Noronha. Explica
Tavares (2001, p. 155) que igual a outras vilas, tambm esta se originou da feira semanal
armada em torno da primitiva capela do engenho.
A segunda foi a Vila de Nossa Senhora do Rosrio do Porto da Cachoeira, tambm em
1693, originria da ocupao de um vale profundo margem esquerda do maior dos rios do
Recncavo. O Paraguau tem 664 quilmetros de extenso, mas no totalmente navegvel,
em razo das grandes cachoeiras que possui. E a primeira delas desde a embocadura, 33
quilmetros continente adentro, estava justamente no local onde surgiria a povoao, em
terras pertencentes a Gaspar Rodrigues Adorno. Seu crescimento foi rpido e j em 1674
ganhou a categoria de freguesia, antes de tornar-se vila.
A localidade ganhou enorme importncia no sculo XVIII por causa de sua condio
de centro comercial de uma regio que inclua o Rio Iguape e era passagem para vilas e
povoados dos sertes do Rio So Francisco (TAVARES, 2001, p. 155). No dia 13 de maro
de 1837, teve seu ncleo urbano elevado categoria de cidade, com o ttulo de Heroica
Cidade de Cachoeira.
Em 1875, uma ferrovia estabeleceu ligao permanente com Feira de Santana e, em
1886, com So Gonalo dos Campos, ento destacado produtor de fumo. Apesar de festejadas
nestes tempos pioneiros, tais iniciativas podem ser consideradas muito pouca coisa em relao
ao grande potencial para o desenvolvimento que tinha a regio e o volume da riqueza que por
ela passou ao longo destes sculos.
O prestgio de Cachoeira pode ainda ser medido pelo fato de ter sido a primeira cidade
baiana a ganhar uma ponte, no ano de 1885, facilitando bastante o transporte para a vizinha
So Flix, at ento complicado e perigoso em razo das frequentes cheias do Paraguau.
Neste perodo, um barco levava pouco mais de sete horas para alcanar Salvador. A partir de
1819, o Vapor de Cachoeira passou a fazer a ligao capital, depois de atravessar a Baa de
Todos os Santos.
Seu territrio atual de 398 quilmetros quadrados. Graas ao inestimvel patrimnio
arquitetnico e paisagstico, um dos mais importantes de toda a Amrica Latina, Cachoeira
27
4
a maior baa de todo o litoral brasileiro, com mais de mil quilmetros quadrados de extenso e 300
quilmetros de costa, aberta para o oceano, mas amplamente protegida pela Ilha de Itaparica e por uma barra
falsa, a Ponta dos Garcez. Historiadores como Ktia Queiroz Mattoso referem-se a ela como mar interior.
31
poltica de fixao dos preos do acar e dos fretes e de regularizao dos transportes. Nesta
poca so tambm incorporadas melhorias agrcolas produo do acar, como a introduo
da cana caiana, uma espcie mais produtiva e resistente.
Segundo Wanderley Pinho (1946), a primeira metade do sculo XIX foi um perodo de
grande prosperidade para o Recncavo, com os preos do acar mantidos sempre altos por
diversos fatores, como as guerras napolenicas, a desorganizao da produo nas colnias
espanholas e inglesas das Antilhas e a ampliao do mercado consumidor europeu. O nmero
de engenhos mais que dobrou na regio durante o perodo de 1800 a 1835, passando de 400 a
811. A era do vapor finalmente chegou ao Brasil, quando motores com a nova tecnologia
foram instalados no engenho Boa Vista, em Itaparica; e no Pimentel, em Maragojipe, no ano
de 1815. Quatro anos mais tarde, uma destas mquinas passou a impulsionar um barco
armado no estaleiro da Preguia, em Salvador, inaugurando o famoso Vapor de Cachoeira.
Em 1834, 46 engenhos j eram movidos a vapor no Recncavo da Bahia.
No final do sculo XIX, entretanto, fatores como a perda de safras inteiras em razo de
pragas, a contnua transferncia de escravos para as minas do centro-oeste e as lavouras de
caf em So Paulo, bem como a morte de inmeros outros na Guerra do Paraguai, comearam
a desenhar um horizonte de crise para a monocultura da cana. No mercado externo, o Brasil
no conseguiu acompanhar a modernizao das tcnicas, com consequente aumento da
produo do acar, nas Antilhas, que cada vez mais ganhava espao.
O governo imperial ainda tentou superar a crise criando uma escola superior de
agricultura no Recncavo e construindo, a partir de 1875, engenhos centrais para separar as
etapas de produo agrcola e o fabrico do acar, incorporando tcnicas industriais, mas
ambas as iniciativas fracassaram. Finalmente, a abolio da escravatura, em 1888,
comprometeu de vez o sistema produtivo de engenhos h sculos adaptados a um regime
escravista. Teve incio, ento, uma fase de profunda decadncia para toda a regio.
presena de uma populao de mais de 363 mil almas no Recncavo, sendo destes cerca de
160 mil homens, 144 mil mulheres e 58 mil escravos.
Como reflexo desta situao, ao longo do sculo XIX, pelo menos seis importantes
peridicos circulavam na capital soteropolitana: Dirio da Bahia, Dirio de Notcia, Dirio do
Povo, Gazeta da Bahia, Gazeta da Tarde e Jornal de Notcias. Aloysio de Carvalho (2008, p.
50) registra em artigo publicado no Dirio Oficial de 2 de julho de 19235 que ento
circulavam diariamente em Salvador sete jornais: Dirio da Bahia, Dirio de Notcias, A
Tarde, Dirio Oficial, O Democrata, O Imparcial, A Hora e o Correio da Tarde. Segundo ele,
alguns jornais antigos ainda circulavam em cidades do Recncavo, como O Regenerador, de
Nazar, fundado em 1861, e A Ordem, que circulava desde 1870, em Cachoeira.
No entanto, o mesmo modelo que gerara tanta riqueza, passou a cobrar seu preo. A
decadncia regional provocada pela concorrncia e consolidao da produo aucareira das
Antilhas, entre o final do sculo XIX e at as dcadas de 1920 a 1940, acentuou-se na medida
em que a produo de caf no sul do Brasil passava a ocupar espao cada vez maior na
agenda de exportaes nacional, deslocando o foco do poder e de prestgio para a regio
sudeste do Brasil. A crise, contudo, se mostraria ainda mais contundente, pois no era
conjuntural, mas sim de natureza estrutural e profunda.
Se por um lado a monocultura do acar permitira e facilitara uma ocupao
permanente da terra, foi tambm responsvel por aprofundar a dependncia da regio a uma
manufatura vinda de fora, quase que exclusivamente da Europa, bem como de uma mo-de-
obra escrava trazida da frica. Tal modelo econmico adotado para a colnia tambm
fortaleceu o papel centralizador exercido por Salvador em relao sua hinterlndia. Assim,
a cidade acabou por concentrar os recursos financeiros, econmicos, sociais e polticos de
toda a provncia (MATTOSO, 1992, p. 79). Com reflexos inegveis para o desenvolvimento
do Recncavo.
Embora atrasse um grande contingente da populao rural em busca de melhores
oportunidades de trabalho, sobretudo a partir da dcada de 1850, Salvador jamais conseguiu
ultrapassar a condio de entreposto comercial, sempre dependente dos produtos
manufaturados no exterior e, depois, pelos fabricados pelas indstrias instaladas no Rio de
Janeiro e em So Paulo. A situao de decadncia se acentuou quando a regio sul da Bahia
passou a ocupar um papel de maior destaque regional com a consolidao da cultura do cacau,
ao tempo em que os velhos engenhos de cana j no mais conseguiam modernizar suas
tcnicas e acompanhar as mudanas que atingiam a produo aucareira em todo o mundo.
5
Edio comemorativa pelo centenrio da Independncia da Bahia.
34
Para a autora, o declnio enfrentado pelo Recncavo baiano ao longo do sculo XIX
envolve trs fatores ligados preponderantemente cultura da cana-de-acar. Primeiro, a
alternncia entre perodos muito longos de estiagens e chuvas intensas; depois, o desgaste e
empobrecimento do solo e, por fim, o desmembramento das grandes propriedades que
abasteciam os engenhos, seja pela partilha entre herdeiros ou em decorrncia de crises
econmicas. A ascenso do plantio de fumo tambm teve sua importncia, sobretudo para a
Cachoeira, So Felix e Cruz das Almas, onde se concentravam as manufaturas e charutos,
cigarros e rap.
Alm disso, como nunca lograra investir em infraestrutura bsica para a melhoria dos
seus meios de transportes e gerao de energia, no encontrou alternativas para substituir a
monocultura da cana e buscar novos caminhos para desenvolver-se. Para se ter uma ideia,
basta citar que a primeira estrada pavimentada da regio foi aberta somente em 1851, partindo
de Santo Amaro e com meros 330 metros de extenso. Uma grande estrada ligando Salvador a
Feira de Santana somente seria construda no ano de 1917, j em pleno sculo XX.
A alternativa ferroviria tambm nunca chegou a ser grande coisa. A primeira linha
saa de Salvador em direo ao Rio Joanes, no ano de 1860, com pouco mais de 18
quilmetros de extenso, levando regio de Aratu. Em 1875, uma estrada de ferro de 48
quilmetros estabeleceu a ligao entre Cachoeira e Feira de Santana. Iniciativas como a
Tram-Road Paraguau, criada em 1865, com dinheiro ingls, vez que aparentemente no
havia investidores com capital ou interesse neste tipo de empresa na Bahia daquela poca,
deveria ligar Cachoeira Chapada Diamantina, mas jamais conseguiu operar alm de Feira de
Santana, Cruz das Almas e So Gonalo.
O mesmo ocorreu com a Tram-Road Nazar Company, que nunca passou de pequeno
trecho entre Nazar, o povoado de Onha e Santo Antonio de Jesus. Outra linha planejada com
o objetivo de interligar Santo Amaro aos demais distritos aucareiros do Recncavo no
35
conseguiu sucesso por falta de investidores privados interessados, enquanto que o Estado
tambm parecia no dispor de recursos para tanto, limitando-se a intervenes pontuais e
abertura de pequenos trechos de estradas. A m conservao destes caminhos manteve por um
longo tempo o transporte martimo como principal seno nico meio de comunicao
entre a regio e capital.
Alguma mudana em direo modernizao ocorreria somente a partir de 1947,
quando comearam a ser explorados os campos petrolferos de Aratu e Candeias. Na dcada
de 1950, entrou em funcionamento a refinaria de Mataripe, foi criada a Companhia
Hidreltrica do So Francisco (CHESF) e inaugurada a rodovia Rio-Bahia. Novas atividades
agrcolas, como a extrao do dend, do bambu e de florestas de eucalipto, foram implantadas
ou intensificadas na regio. Tais investimentos inauguraram um relativo fluxo de crescimento
econmico, acarretando mudanas demogrficas e socioeconmicas. Outros marcos se
seguiram, nesta poca, ajudando a redesenhar o perfil do Recncavo e seu entorno, a exemplo
da implantao do Centro Industrial de Aratu (CIA), em 1967; e do Polo Petroqumico de
Camaari, na dcada seguinte.
Entretanto, o novo modelo de crescimento adotado seguiria reproduzindo e at mesmo
aprofundando a tradicional cartilha de concentrao da renda praticada desde a colonizao. O
Polo Petroqumico, por exemplo, chegou a ocupar simultaneamente, num primeiro momento,
cerca de 25 mil pessoas sem qualificao e consequentemente com baixa remunerao na
construo das suas unidade industriais. Era gente originria sobretudo de Salvador e do
Recncavo, mas tambm de vrias localidades do interior baiano e de outros estados. Mas ao
entrar em operao, em 1978, passou a empregar mo-de-obra qualificada, quase toda ela
trazida da regio Sudeste, onde ficavam e at hoje ficam, em verdade os principais
acionistas e administradores dos grupos empresariais que subscrevem seu capital.
Acima de tudo, tal processo de industrializao na Bahia visava no produo de
bens de consumo capazes de melhorar a qualidade de vida da sua populao, mas sim de
insumos dirigidos a outras regies do pas ou exportao. Em resumo, maior oferta de
trabalho desqualificado, baixos salrios, concentrao de renda. Logo, dois outros fatores
iriam somar-se a este quadro: altos ndices de desemprego e de informalidade, tanto no
comrcio quanto na prestao de servios. A formao de uma classe mdia alta, com direito
a bons salrios e poder de consumo, foi e segue sendo um processo muito lento, que
dependeu inicialmente da importao de tcnicos especializados destes estados do Sudeste e
Sul, agregando lentamente profissionais liberais e altos servidores estatais.
36
a fabricao de papel na Espanha ocupada pelo rabes no sculo XII e depois na Itlia, no
sculo XIV; os tipos de metal desenvolvidos na Coreia, em 1390; e finalmente a tecnologia
grfica de Gutenberg, em 1452, que levaria impresso em srie e criaria as condies
efetivas que permitem falar em periodismo, ou seja, o jornalismo feito de maneira regular,
como ofcio de caractersticas especficas e inserido em um ambiente urbano.
Neste momento histrico, em alguns pases da Europa, um contexto de universalizao
da alfabetizao e das liberdades liberais, de abertura de mercados impulsionada pela
colonizao do novo mundo, torna possvel falar em comunicao de massa, ainda que a
partir de uma imprensa com caractersticas de divulgadora de fatos singulares ou
espetaculares como recheio para informes comerciais os mais diversos. No sculo XVIII, o
jornalismo assume a caracterstica bsica de instrumento beletrista e panfletrio de militncia
poltica e literria, verdadeira tribuna para a reverberao dos princpios liberais e a difuso
dos valores burgueses.
A imprensa incorpora desde o seu nascimento todo o escopo terico e filosfico da
burguesia em ascenso, como liberdade (sobretudo as liberdades individuais, entre elas o
direito informao, propriedade privada e acumulao de capital), igualdade (mercado de
livre concorrncia e de oportunidades iguais) e fraternidade (responsabilidade social,
compromisso com os princpios de direitos civis, educao para todos). Suas bandeiras so o
nacionalismo (consolidao da noo de Estado), o mercantilismo (a iniciativa privada como
grande impulsionador das descobertas e das conquistas da humanidade) e a defesa do
vernculo (exaltao e guarda da lngua ptria), entre outras.
Todo um encadeamento de fatores - no por acaso exaustivamente enaltecidos, at
hoje, como algumas das grandes conquistas humanas - estabelece a lgica na qual o
jornalismo assenta seus pressupostos. Seno, vejamos. Em consequncia do processo de
colonizao, que descobriu novos mundos, garantiu acesso a matrias-primas as mais diversas
e abriu mercados consumidores, dando incio - para muitos - ao atual fenmeno da
globalizao, houve uma revoluo industrial, gerando incrvel desenvolvimento da
manufatura, aumento da eficincia e produtividade, com incio da produo em srie.
A industrializao, por sua vez, criou empregos e barateou mercadorias, possibilitando
assim a urbanizao (reunidos nas cidades, os trabalhadores estavam mais prximos das
fbricas em que trabalhavam e dos mercados em que comprariam o que era produzido) e a
universalizao da educao formal (o trabalho fabril exigia um mnimo de qualificao, pelo
menos saber ler e escrever). Desta forma, o cidado - morando na cidade, alfabetizado e
assalariado - poderia informar-se sobre o que acontecia neste mundo cada vez mais moderno
38
Gazeta do Rio de Janeiro, veculo impresso oficial, saiu das oficinas instaladas na Rua dos
Barbonos, no Rio de Janeiro, no dia 10 de setembro de 1808. Era um pobre papel impresso,
preocupado quase que to somente com o que se passava na Europa, de quatro pginas
(SODR, 1977, p.23). Publicar um jornal era monoplio da corte portuguesa.
Este seria, portanto, o marco considerado oficial para o surgimento da imprensa
brasileira. Contudo, uma pequena nota de variedades publicada no jornal cachoeirano O
Progresso, em edio de final do sculo XIX6, afirma que a primeira tipografia instalada no
Brasil decorreu de iniciativa de holandeses em terras pernambucanas, entre os anos de 1634 e
1654. Seu primeiro impresso teria sido o Brasilsch Gelt-sok (bolsa do dinheiro brasileiro).
Segundo a nota, que no foi assinada pelo redator, havia ainda uma outra tipografia na cidade
do Rio de Janeiro em 1759, fundada por Antonio Isidoro da Fonseca e que teve entre as
primeiras obras os exames para artilheiro e bombeiro. Tanto a tipografia quanto suas
publicaes teriam sido sequestradas pelo governo portugus.
De qualquer forma, imprensa independente do poder real e com opinio prpria,
nacionalista, era feita no incio do sculo XIX, principalmente atravs do Correio Braziliense,
impresso na Inglaterra por Hiplito Jos da Costa, a partir de 1 de junho de 1808, ou seja,
trs meses antes da Gazeta do Rio de Janeiro. Editado no exterior e geralmente
contrabandeado para o Brasil, o jornal tinha um carter eminentemente doutrinrio e muito
pouco noticioso, abordando as grandes questes nacionais sempre a partir de uma perspectiva
europeia. A propsito de uma possvel funo formativa da imprensa no fim do perodo
colonial, enquanto instrumento de universalizao do pensamento burgus em sua fase liberal,
pesquisa de Marclia Rosa Periotto (2004, pp.61-83) avalia a estreita vinculao que teria
mantido o Correio Braziliense, entre os anos de 1808 e 1822, com o processo de
independncia e afirmao da ideia de nao.
Defende que, a partir do momento em que dom Joo VI permitiu a instalao da
imprensa em territrio do Brasil, dezenas de peridicos foram surgindo, sempre com o
objetivo claro de participar do jogo poltico que se desenrolava. No tinham estes jornais o
objetivo de noticiar, mas sim de produzir e reverberar acontecimentos, de inflamar o debate
poltico no apenas a partir de uma viso partidria, mas de difuso de ideais. Ao tempo em
que a ordem burguesa se consolidava na Europa, crescia nas colnias o anseio por liberdade,
noo identificada com os princpios de igualdade, progresso e identidade nacional. Tais
jornais queriam a reforma das instituies, mas sem a participao popular. Na carta de
6
O Progresso. Cachoeira, 17 mar. 1873. p. 1-2.
41
Em sua anlise sobre a trajetria da imprensa nacional, Maria Amlia Mamede (1996)
prope um roteiro que parte das dcadas de 1940 e 1950 como de consolidao da atividade
jornalstica como empresa comercial. A tev, sobretudo, comea a adotar padres
empresariais. Novas tcnicas e procedimentos copiados principalmente do que se praticava na
imprensa norte-americana so introduzidos nas redaes. Nos jornais, surge a figura do
copidesque (ou redator) e os primeiros manuais de redao comeam a falar em lead, em
objetividade e imparcialidade, enquanto os parques grficos vo sendo modernizados. A ideia
de renovao tambm atinge o perfil editorial dos prprios jornalistas, conforme analisa
43
Barbosa (2007, p. 150) ao afirmar que o que se procura construir naquele momento a
autonomizao do campo jornalstico em relao ao literrio, fundamental para a
autoconstruo da legitimidade da prpria profisso.
Enquanto a impresso rgia manteve seu monoplio no Rio de janeiro, qualquer outra
publicao que circulasse em territrio brasileiro era apreendida pelas foras policiais. A
nica exceo seria a tipografia mantida - por autorizao expressa de dom Joo VI - pelo
negociante portugus Manuel Antonio da Silva Serva, em 1811, na cidade do Salvador. De
acordo com Octavio Mangabeira (2008, p. 30), esta primeira editora particular do Brasil
funcionaria, contudo, sob a condio imprescindvel de submeter quaisquer artigos, que
houvesse de publicar, ao prvio exame de uma comisso civil ou eclesistica.
De qualquer forma, bastante extensa a relao de jornais impressos por esta empresa
familiar7, a exemplo do Minerva Bahiense (1821), O Espreitador Constitucional, Idade do
Ferro, A Abelha (1822), Echo da Ptria (1823), Grito da Razo e Correio da Bahia (1824). A
antiga firma foi extinta e criada a Viuva Serva & Filhos, responsvel pela impresso de O
Farol (1827), O Soldado de Tarimba, Sentinella Constitucional da Liberdade, Gazeta da Bahia
(1828), A Funda de David defronte do Bahiano, A Massa de Hrcules (1829), Imperial
Brazileiro, O Campeo Brazileiro (1830), Sentinella da Liberdade, A Milcia, O
Esquadrinhador, O Voto Bahiense, O Pereira, O Paschoal, A Jovem Bahiana, A Ronda dos
Capadcios, Os Contrabandistas (1831), O Tolo Fallador, Choradeira dos Banzelistas,
Quaresma Poltica, O Paschoal contra os Banzelistas, O Viajante, O Escrivo, O Descobridor
de Verdades, O Diabo disfarado em urtiga (1832), O Doudo nos seus lucidos intervallos,
Conversa dos Sinos da Bahia e Gazeta Comercial da Bahia (1833).
Mais uma vez a empresa foi desfeita, para ressurgir com a denominao de Viuva
Serva e, logo depois, Viuva Serva & C, de onde sairiam O Frade, O Tribuno Brazileiro
(1834), O Gallo de Campina, Aurora da Bahia (1836) e O Recopilador (1837). Segundo
Mangabeira (2008, p. 32), inmeros outros peridicos foram impressos na tipografia da
famlia, que de 1811 a 1843 esteve mais ou menos ligada quase totalidade dos jornais que
se publicaram na Bahia. Ele destaca, a propsito, os veculos que estiveram a servio de
causas como a independncia do Brasil, a abolio da escravatura ou a proclamao da
7
Aps a morte de Manoel Serva, foi transformada na Casa de Impresso Viuva Serva & Carvalho.
44
1821, sob a responsabilidade do comerciante lusitano Jos da Silva Maia. Sua linha editorial
no deixava margem a qualquer dvida, tanto que logo ganhou dos baianos o apelido de
Semanrio Cnico. Silva (2005) todavia discorda da aplicao do rtulo de imprensa ulica ao
Idade dOuro, sobretudo aps o movimento constitucional na Bahia, em fevereiro de 1821. A
partir de quando, segundo ela, a gazeta baiana se tornou abertamente partidria do
constitucionalismo monrquico, atacando o ministrio do Rio de Janeiro por ainda no ter
aderido s Cortes de Lisboa (SILVA, 2005, p. 11).
Em decorrncia da constituio imposta a dom Joo pelos revolucionrios do Porto no
ano anterior, a censura prvia foi abolida e teve fim o monoplio estatal sobre a atividade
tipogrfica. As contingncias histricas haviam levado a uma intensificao dos movimentos
pela independncia da colnia e a liberdade de imprensa, o direito de imprimir e distribuir
com autonomia seus pensamentos, era fundamental neste sentido. E ainda que sob uma
vigilncia implacvel da censura rgia, a atividade jornalstica floresceu e conquistou espaos
estratgicos enquanto instrumento das conspiraes emancipatrias. Tantas foram as presses
que no dia 28 de agosto de 1821 foi publicado o decreto que abolia a censura prvia e a
imprensa nacional passou a exercer influncia cada vez mais decisiva em favor da
independncia.
No entanto, conforme ressaltam Lajolo e Zilberman (1999, p. 125), ter autorizao do
governo e dispor de maquinrio e mo-de-obra habilitada no eram suficientes para assegurar
a sobrevivncia de nenhum peridico num pas de to poucos leitores. Sem condies de
funcionar de acordo com uma lgica de mercado, tais publicaes estavam sempre
dependendo dos subsdios e patrocnios dos poderes governamentais ou das foras polticas
interessadas em sua oposio10.
Para Sodr (1977, p. 58), o primeiro peridico brasileiro inspirado no movimento
constitucionalista deflagrado na cidade do Porto em 1820, que exigia entre outras coisas o
retorno imediato da Corte Europa, foi o Aurora Pernambucana, editado a partir de 27 de
maro de 1821, no Recife. Contava com os auspcios do governador Luiz do Rego, que fez
redator o seu prprio genro, o portugus Rodrigo da Fonseca Magalhes. Resistiu menos de
seis meses, defendendo a liberdade poltica e os direitos da majestade e da nao. No geral,
contudo, seguia-se fazendo o mesmo tipo de imprensa oficial, sem que praticamente nada do
que se publicava representasse o pensamento brasileiro. Outras publicaes surgiram no Rio
10
As autoras acrescentam que tal lgica se aplicava no apenas ao funcionamento da imprensa, mas igualmente
para o sistema escolar e a publicao de livros. O que fez do Brasil um pas sem qualquer tradio de leitura,
lugar onde ler, enquanto prtica social, no valorizado, talvez mesmo menosprezado e desprestigiado.
46
Neste cenrio, um personagem singular iria dar novos contornos histria da imprensa
baiana: Francisco Ge Acayaba Montezuma11, que tomou a si a misso de ir ao Rio de Janeiro
convencer Pedro I da imperiosa necessidade de editar um jornal como instrumento de
resistncia e arma de guerra contra os portugueses. Tarefa perigosa e complicada,
considerando a grande mobilizao promovida pela frota portuguesa na Baa de Todos os
Santos para bloquear a entrada de quaisquer expedies organizadas no Rio de Janeiro em
auxlio aos resistentes do Recncavo, conforme noticiado pelo Sentinela Baiense, em edio
de 24 de julho de 1822, onde tambm ameaava:
11
Antes de incluir no prprio nome as homenagens aos lderes indgenas latinoamericanos, o futuro Visconde de
Jequitinhonha chamava-se Francisco Gomes Brando.
48
Sobre a imprensa praticada na Bahia durante o sculo XIX, Mattoso (1992, p.207)
contudo a considera muito desenvolvida, pois seria uma autntica tribuna para o esprito
crtico dos habitantes de Salvador. Para ela, os grandes jornais da poca foram o Dirio da
Bahia (1833-1958) e o Jornal de Notcias (1883-1917). E acrescenta:
Mas destaca que apesar de lerem muitos jornais, alm da literatura francesa, os
homens cultos da Bahia escreviam pouco. Deste perodo, cita apenas um poeta (Castro Alves)
e um romancista (Xavier Marques). Lembra, por outro lado, que apesar do acesso escola no
sculo XIX ser restrito aos filhos das elites dominantes e expressamente proibido aos escravos
e seus descendentes, um recenseamento de 1872 encontrou negros alfabetizados em algumas
localidades do Recncavo, como Cachoeira, Santo Amaro e Nazar. Nesta ltima vila,
inclusive, foram registradas 12 mulheres escravas que sabiam ler e escrever. Segundo Mattoso
(1992, p. 201), aprendizado destes cativos se dava na prpria casa dos seus senhores.
Tais fatos remetem a uma das mais interessantes caractersticas da imprensa da regio
neste perodo: a grande quantidade e variedade de peridicos impressos em circulao. Em
seu esforo para levantar um histrico da imprensa cachoeirana, Milton (1979, p. 367) aponta
como uma das dificuldades encontradas a vida efmera destas publicaes peridicas mas,
ainda que reconhecendo no se tratar de uma lista completa, enumera uma quantidade
considervel de impressos circulando entre 1811 e 1911. Informa que, de acordo com os
Anais da Imprensa da Bahia, organizados por Joo Nepomuceno Torres e Alfredo de
Carvalho, foram publicados nestes 100 anos pelo menos 107 jornais14.
Por suas prprias contas, o nmero ainda maior, chegando a 130 sem incluir os
quatro que ainda circulavam poca em que elaborou tal levantamento, em 1938: Pequeno
Jornal, A Cachoeira, Brasil Menino e Ateneu. Destas publicaes, o mais velho com 26 anos
de fundao (Pequeno Jornal) e o restante ainda nos primeiros anos de circulao, destacam-
14
A Relao completa dos jornais de Cachoeira, neste perodo, com as publicaes apontadas por Aristides
Milton e por Alfredo de Carvalho e Joo Nepomuceno Torres, est no Anexo A.
50
se ainda os fatos de terem, quase todos, suas prprias oficinas tipogrficas e serem dois deles
semanais (Pequeno Jornal e A Cachoeira) e dois mensais (Brasil Menino e Ateneu) de carter
noticioso e/ou literrio.
Da relao apresentada por Milton (1979, p. 368-384), destacam-se O Progresso,
editado entre 2 de janeiro de 1860 e 10 de maio de 1879, como veculo do Partido
Conservador, de carter noticioso e literrio. Saa duas vezes na semana e dispunha de sua
prpria tipografia. Outro peridico importante foi O Americano, rgo oficial do Partido
Liberal, criado em 30 de janeiro de 1867 e que circulou trs vezes por semana at 1895,
reunindo informao noticiosa, poltica, literria e comercial. Tinha grfica prpria. Merece
destaque tambm O Guarany, dirio fundado em 4 de abril de 1877, tambm de carter
noticioso, literrio e comercial, com grfica prpria. Deixou de ser publicado em 1896.
Houve, ainda, um peridico exclusivamente dedicado ao pblico feminino e inclusive
redigido por mulheres, algo muito raro naquela poca. Trata-se da Revista das Senhoras, que
circulou semanalmente em formato tabloide e oito paginas, entre primeiro de fevereiro de
1881 e novembro de 1885, totalizando 182 nmeros. Suas redatoras foram as pioneiras Maria
Cndida Rodrigues da Silva e Francelina Motta.
Um dos mais longevos e importantes jornais de Cachoeira certamente foi A Ordem,
fundado em 2 de junho de 1870 por Jos Ramiro das Chagas. Tendo como diretor Durval
Chagas, definia-se com uma folha popular, publicada s quartas-feiras e sbados, em
tipografia prpria situada na Rua Formosa. A partir de janeiro de 1890, aumentou seu formato
e chegou a ser o peridico de maior circulao em todo o interior do estado da Bahia,
encerrando suas atividades apenas no ano de 1935.
Milton (1979, p. 384) ressalta, por fim, que o perodo em que mais surgiram
peridicos impressos na cidade foi entre os anos 1870 e 1880, quando 13 novos ttulos
passaram a circular. A mdia geral era de dois jornais por ano, quase todos com existncia
muito curta. Dado que igualmente merece ser citado a partir da relao que ele apresenta a
profuso de nomes curiosos e criativos com que eram denominadas estas publicaes.
Encontramos desde O Apstolo da Cachoeira at O Lutador, O Filhote e O Ban-Ban-Ban. O
Asteride, O Lpis, O Alfinete e A Grinalda. O Esforo, O Patusco, O Mariola e Marche-
Marche. A Fasca, O Raio e O Relmpago. Planeta Vnus, O Suspiro, Sempre Viva e XPTO.
O Pic-Nic e O Passeio Feira. A rvore, O Pimento e A Urtiga. A Mutuca, A Marmata
Cachoeirense e A Marmota. Da srie com nomes de animais, houve tambm A Pulga, O
Beija-Flor e O Colibri. A Formiga e O Tamandu.
51
Nas consideraes que tece a respeito da ideia de regio, Bourdieu retoma e aprofunda
as reflexes sobre o poder simblico, a partir da constatao de que ele est firmado no
reconhecimento, principalmente na medida em que produz a existncia daquilo que enuncia.
Segundo ele, mesmo quando se limita a enunciar o ser, aquilo que , o autor (de um
enunciado qualquer) produz uma mudana no ser:
15
O Idade DOuro comeou a circular em 1811.
52
Desse modo, quaisquer agentes atuando no meio social com vistas a conduzir sua
pretenso instituio vo reclamar e pretender uma objetividade para seu discurso, como
uma espcie de certificado de realismo ou veredicto de utopismo aos quais se refere Bourdieu
como contribuies para determinar as probabilidades objetivas que tem esta entidade social
de ter acesso existncia (BOURDIEU, 2001, p. 119). O efeito simblico do discurso
cientfico inevitvel, na medida em que, nestes casos, os critrios ditos objetivos so
utilizados como armas nas lutas simblicas pelo conhecimento e pelo reconhecimento
(BOURDIEU, 2001, p. 120). Ou seja, um veredicto cientfico sobre questo regional ou
nacional funcionaria apenas como argumento contra ou a favor o reconhecimento e
legitimao da regio em questo. Prossegue Bourdieu (2001, p. 124):
Segundo ele, o caderno A Tarde Municpios foi planejado, desde o incio, com o
objetivo bem definido de apresentar-se como um agente de promoo de integrao
intermunicipal, oferecendo espao editorial para todas as correntes partidrias e ideolgicas
interessadas em defender abertamente a causa municipalista, ao tempo em que tambm
divulgava o potencial socioeconmico, cultural e turstico de cada uma das localidades
baianas e delas prprias entre si. Desta forma, estaria promovendo um intercmbio cultural
de fundamental importncia para a valorizao da cultura regional, destacando costumes e
manifestaes de cada municpio (MATTOS, 2009, p.299).
Em sintonia com esta perspectiva, Moroni e Ruas (2006, p. 29) tambm definem mdia
comunitria como
O que por vezes definido como jornalismo comunitrio no deve ser confundido,
todavia, com a prtica da imprensa nas pequenas cidades do interior do Brasil, margem das
estruturas industriais de circulao de notcias. Para Raquel Paiva (apud MORONI; RUAS,
2006, p. 30), a diferena bsica entre imprensa regional - aquela formada pelos jornais das
cidades do interior - e uma mdia efetivamente comunitria est no vnculo entre veculo e
comunidade, inclusive no que diz respeito aos processos produtivos e de gerenciamento. Em
outras palavras, um veculo comunitrio no deveria visar ao lucro, como o faz
56
Tal definio, bem entendido, foi construda para ser aplicada a um universo de
pesquisa limitado ao territrio do Estado do Rio Grande do Sul, no final da dcada de 1990.
Para as condies socioeconmicas e culturais do Recncavo da Bahia, sobretudo em seu
passado histrico, mas ainda atualmente, vamos encontrar uma realidade bem diversa, que
implica em uma maior informalidade na constituio legal das empresas jornalsticas, das
condies reais de trabalho e produo, do exerccio profissional e dos indicadores de
faturamento e circulao.
Gegrafo por formao, mas com relevante atuao junto imprensa nacional, Milton
Santos (2008, p. 178-179) props a definio de regio jornalstica, argumentando que o
domnio da notcia o mundo. Enquanto que o jornal tem o seu domnio limitado, atuando
numa determinada rea. Para ele, tais regies estariam, portanto, subordinadas e submetidas
s limitaes tcnicas que ento condicionavam a distribuio dos impressos dirios.17 Com
base nisso, montou um mapa brasileiro da atividade jornalstica que distingue os jornais
nacionais (aqueles publicados nas metrpoles polticas e econmicas, abordando temas
ligados conjuntura nacional) dos estaduais (editados nas capitais dos estados, com assuntos
de interesse geral e poltica provincial) e ainda dos regionais (de circulao localizada e
noticirio concentrado no registro dos fatos dos municpios de uma regio) e dos locais
(tiragem e linha editorial circunscritas a uma cidade especfica). Acrescentando que essas
categorias so, na ordem decrescente, de jornais cada vez menos polticos, no sentido mais
amplo de expresso, e cada vez mais interessados pelos problemas locais (SANTOS, 2008,
p. 181).
Dessa forma, parece igualmente relevante destacar a orientao proposta quanto
filosofia deste tipo de peridico, que segundo Dornelles deve ser essencialmente comunitria,
ou seja, orientada pelos anseios e reivindicaes da prpria comunidade e no pautada por
interesses pessoais ou de grupos. Para ela, tal postura seria mesmo uma exigncia para a
sobrevivncia comercial destes impressos, que no deveriam se limitar a observar e registrar
os acontecimentos cotidianos, como pretende a grande imprensa, mas participam e tomam
17
Milton Santos publicou este trabalho em 1955.
58
18
Intitulado Identidade da imprensa brasileira no final do sculo, o estudo foi patrocinado pela Ctedra Unesco
de Comunicao para o Desenvolvimento Regional, da Universidade Metodista de So Paulo, realizado entre os
dias 21 e 27 de maio de 1996.
19
De acordo com a expresso cunhada pelo socilogo francs Edgar Morin, seriam aquelas pessoas cuja
notoriedade nos campos da poltica, economia, esportes ou artes os tornam modelos de comportamento para o
cidado comum, como o eram na antiguidade os deuses do Olimpo para os gregos.
59
informao e 19% com opinio, ao tempo em que os grandes jornais dedicaram 61,6% ao
informativo contra 38,5% de texto opinativo.
Mais uma vez, a prioridade na vinculao geogrfica das matrias foi nacional para os
grandes veculos (55% contra 24,5% de assuntos regionais e 19,5% globais) e regional para os
jornais do interior (63% contra 27,5% de notcias nacionais e 10% do mundo). Quanto
temtica, nos regionais a notcia mais veiculada foi o esporte (14%), seguido por economia
(12%), enquanto nos grandes jornais foi dado maior espao economia (14,5%) e cultura
(14%). Em sua avaliao, Melo e Queiroz (1998, p. 208) concluem que foi possvel constatar
na imprensa regional uma tendncia para o cultivo de valores tpicos dos regionalismos.
tambm visvel que o processo de globalizao, paradoxalmente, criou uma motivao no
sentido de se buscar resgatar as identidades regionais.
Outra constatao deste estudo foi a de que os peridicos regionais dedicavam maior
espao ao jornalismo (81% contra 61,5%), ao tempo em que os veculos de circulao
nacional privilegiavam o gnero opinativo (38,5% contra 19% apenas). Neste caso, todavia,
os coordenadores da pesquisa recomendam cautela na anlise, vez que foram apuradas
grandes diferenas na imprensa do interior paulista, onde houve muita variao de um veculo
a outro, o mesmo ocorrendo em relao aos temas mais abordados. Em ambos os casos,
segundo Melo e Queiroz (1998, p.211-121), tratou-se apenas uma mdia, no necessariamente
uma tendncia.
Por fim, apresentaram outras trs concluses. Primeiro, de que os jornais do interior de
So Paulo estavam planejando melhor suas atividades, inclusive investindo em campanhas
publicitrias para aumentar a captao de anncios. Segundo, que os grandes jornais nacionais
ou mesmo alguns de circulao mais regionalizada hoje tm linguagens estticas parecidas
em aspectos como formato, sistema de impresso, uso de cores, ilustrao icnica, entre
outros (MELO; QUEIROZ, 1998, p. 214). A terceira concluso foi que os jornais do interior
tenderiam a dar maior nfase cobertura cotidiana da prpria rea em que atuam, cabendo aos
jornais maiores, ateno aos problemas de relevncia nacionais e internacionais.
Ou seja, nas cidades pequenas o noticirio contemplaria prioritariamente os fatos e
acontecimentos da prpria comunidade, abrindo depois espao para as questes da regio e
muito raramente as notcias nacionais e do mundo. Em geral, outros temas valorizados por
estas publicaes de pequeno porte so relacionados sade, esportes, servios urbanos e a
poltica e o funcionamento administrativo das prefeituras, autarquias e rgos da Justia e dos
governos estaduais e federal. No entanto, a falta de profissionais qualificados dificulta a
60
20
O Estudo Internacional PISA 2000, patrocinado pela Unesco, foi realizado no ano de 2000 e divulgado em
dezembro de 2001. Disponvel em: <www.pisa.oecd.org>. Os comentrios e avaliaes do Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas em Educao (INEP) sobre o desempenho do Brasil esto disponveis em
<http://www.inep.gov.br/imprensa/noticias/outras/news03_25.htm> .
2 21
Tais registros dificilmente ganham espao nas pginas dos grandes jornais da capital,
pois aquilo que notcia para uma cidade pequena, aquilo que lhe diz respeito diretamente,
nem sempre ser de interesse da metrpole, das capitais, onde ficam as sedes dos grandes
veculos de comunicao. E, de fato, quase nunca o , exceo dos escndalos e dramas que
se possam tornar picos, pitorescos ou universais, digamos, na medida da sua raridade,
curiosidade ou convenincia editorial. Dessa forma, acrescentam Moroni e Ruas (2006, p.
25), as pequenas cidades no iro se reconhecer nas pginas dos grandes jornais.
Sem poder oferecer a universalidade da televiso ou ainda a instantaneidade do rdio,
sem falar na internet que a todas estas caractersticas incorporou e potencializou, aos
pequenos jornais do interior restou investir na explorao dos principais fatos do cotidiano
22
Disponvel em: <www.wan-press.org> Acesso em: 24 maio 2005.
62
local, que noticia, registra, aprofunda e coloca em debate. Alm disso, eles tambm tm
procurado agregar servios e entretenimento a uma gama de leitores cada vez mais exigentes.
Tal frmula funciona, em maior ou menor escala de acerto e qualidade, em razo das
peculiaridades regionais, embora a maior dificuldade - apontada, por exemplo, no estudo da
professora Beatriz Dornelles costume ser a falta de profissionais qualificados para trabalhar
nos jornais das pequenas cidades do interior. O estabelecimento de faculdades de jornalismo
pelo interior do estado, tanto no Sul como na Bahia, ainda que em ritmo mais acelerado l do
que aqui, deve contribuir para reverter tal situao.
Desta forma, interpretar seria uma atitude violenta, na medida em que aquilo a ser
interpretado jamais se ofereceria passivamente, pelo contrrio, necessita apoderar-se, e
64
violentamente, de uma interpretao que est j ali, que deve trucidar, revolver e romper a
golpes de martelo (FOUCAULT, 1997, p.23). Ou seja, quando interpretamos, estamos em
verdade interpretando uma interpretao prvia, estamos impondo a ela uma perspectiva nova,
particular, individual, subjetiva. Mais ainda, lembra a observao do prprio Nietzsche de que
as palavras so inventadas pelas classes superiores: elas no indicam um significado, mas
impem uma dada interpretao.
Assim, conclui que a interpretao precede o smbolo, que pode ser visto como uma
mscara qual se deve sempre atribuir certa ambiguidade. O que evidencia a importncia de
se levar sempre em considerao: primeiro, quem interpreta? quem props a interpretao?
Pois, o princpio da interpretao no mais do que o intrprete (FOUCAULT, 1997, p.
26). E, segundo, que a interpretao circular, ao interpretar-se sempre a si mesma no pode
deixar de voltar-se sobre si mesma (FOUCAULT, 1997, p. 26). Se o alvo de uma
interpretao no uma verdade, precisa voltar-se sobre si mesma, colocar suas cartas na
mesa, para deixar claro de qual ponto de vista estamos tratando.
A pesquisadora Maria Amlia Mamede (1996) aborda a questo lembrando que o
jornalismo marcado pela disputa em torno do lugar de contador da verdade. Para ela, a
compreenso deste processo encontra-se no prprio discurso e no em determinaes externas
a ele. Assim, ele deve ser privilegiado como organizao formal da linguagem, ou seja,
como agente operador da construo dos seus prprios sistemas de representao
(MAMEDE, 1996, p. 32). A fim de legitimar-se em seu papel de mediador entre outras
instituies e o pblico, o jornalismo impe a si prprio uma srie de regras, prticas e
condutas destinadas a assegurar uma objetividade em seu discurso, ou seja, uma correlao
entre o fato e a notcia.
Partindo do pressuposto de que todo discurso construdo base de outros discursos,
Mamede (1996, p. 43) prossegue afirmando que o jornalstico justamente aquele que retrata
e cria o lugar do outro. Ou seja, o jornalismo se apropria, empresta ou negocia com outros
discursos para a construo de sua prpria narrativa, logrando ainda ser reconhecido como
agente capaz e legtimo para tal. Ocorre que ele no se limita a acolher tais representaes
sociais, ele tambm produz realidade, ao decidir o que ser noticiado ou no, ao atribuir maior
ou menor importncia, maior ou menor destaque (ou mesmo a oportunidade de ser citado) a
determinado acontecimento.
Utiliza para tanto de procedimentos como o agendamento da pauta e de uma srie de
artifcios de edio e diagramao. Por isso, defende, o jornalismo no apenas um sistema
de classificao, mas primordialmente de tematizao e interpretao da realidade
65
Bourdieu chama de simblico aquele poder invisvel que somente pode ser exercido
com a cumplicidade daqueles que, apesar de sujeitos a ele - ou, por outro lado, o exercendo -
preferem ignorar tal condio, simplesmente deixando de ocupar-se com a sua existncia. So
universos simblicos, tais como as religies, as artes, as cincias ou ainda as lnguas, que
classifica entre estruturas estruturantes ou estruturas estruturadas.
Os primeiros, como instrumentos de conhecimento e de construo do mundo
objetivo, seriam formas simblicas e estruturas subjetivas. Reportando-se tradio idealista,
desde Kant a Panofsky e Durkheim, explica que, neste caso, a objetividade do sentido do
mundo define-se pela concordncia das subjetividades estruturantes (BOURDIEU, 2001, p.
8), ou seja, por um con-senso socialmente determinado. J os sistemas simblicos como
estruturas estruturadas, estes passveis de anlise estrutural, podem ser vistos como
intermedirios, como meios de comunicao. Seriam objetos simblicos e estruturas
objetivas.
O poder simblico , portanto, um poder de construo da realidade, a partir de uma
concepo tornada homognea de tempo e de espao, onde os smbolos exercem, por sua vez,
a funo de instrumentos de integrao social. Por isso, diz Bourdieu (2001, p. 9), os sistemas
66
Deste modo, ao mesmo tempo em que responsvel pela real integrao da sua
prpria classe, o que faz atravs da comunicao, a cultura dominante tambm promove uma
falsa integrao do conjunto da sociedade, na medida em que desmobiliza, divulgando uma
falsa conscincia junto s classes dominadas e legitimando uma ordem estabelecida onde as
distines hierrquicas so tornadas naturais. Para lograr este efeito ideolgico, a cultura
dominante dissimula a funo de diviso e de fora naquela de comunicao. Pois a mesma
cultura que une, enquanto se apresenta como intermediria de comunicao, tambm separa e
distingue, determina e legitima desigualdades, fazendo supor a cada uma destas chamadas
subculturas (ou cultura subalterna, na definio bem prxima de Antonio Gramsci) que elas
devem buscar se definir a partir de sua posio de distncia em relao a ela prpria, cultura
dominante superior.
Ou seja, as relaes de comunicao so, portanto, relaes de poder, de poder
simblico, sobretudo:
Sobre as ideologias, em si, adverte que elas no devem ser vistas nem a partir de uma
abordagem idealista (onde as produes ideolgicas so tratadas como totalidades auto-
suficientes e autoagendadas), nem tampouco como mero resultado dos interesses das classes a
que servem, pois elas so sempre duplamente determinadas: atendem aos interesses de classes
ou de grupos especficos, mas igualmente aos daqueles que a produzem e das suas prprias
lgicas de produo. Conclui seu raciocnio afirmando que o poder simblico s se exerce se
for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrrio (BOURDIEU, 2001, p. 14). Mas no
67
se trata de um poder ilusrio. Ele , antes, dissimulado, embora plenamente capaz de gerar
efeitos reais, prticos. O que d s palavras o poder de manter a ordem ou subvert-la a
crena em sua legitimidade, a crena na autoridade de quem as pronuncia.
A identidade cultural compreende um discurso moldado pelas ideologias que
organizam o mundo buscando responder quem ou o que pertence a isto ou a aquilo, dentro de
um espectro histrico, lingustico, tnico, religioso, nacional e de classe social, entre outros.
Ao classificar os fenmenos culturais, as identidades determinam o que est includo e o que
est fora, estabelecendo relaes de poder entre ns e os outros. So, por conseguinte, as
ideologias que mediam este processo e determinam o valor e o papel de cada um. O que nos
remete a uma anlise sobre as especificidades e contradies, os pontos comuns e as
divergncias do discurso histrico e as ideologias que o moldam, em contraposio ao
discurso jornalstico e seus prprios sistemas de referncias.
Logo de incio, preciso avaliar o que significa, propriamente, fazer histria,
considerando sobretudo se aquilo que dito suficiente, o bastante para que estejamos
dispostos a abdicar do como ele dito, ou seja, do lugar de quem fala. Na verdade, a anlise
de uma dimenso (o que dito) no deve ser separada de outra (como dito, quem diz e de
que forma). sobre tal clivagem entre discurso e corpo social que nos chama ateno Michel
de Certeau (1994), acrescentando que ela se d tambm entre o discurso do historiador e o
mundo social (do presente). A noo do passado dada por aquilo que h no presente, ou
seja, o presente nos d a guia para entender o passado, o que passou e no mais, porque o
presente que diz o que foi o passado.
Mas tambm o historiador precisa estar imbudo por um saber-dizer do outro (para o
que lana mo de recursos tericos e metodolgicos, amparados por instituies sociais que
lhe conferem legitimidade), que garante o trabalho interpretativo. Tal saber-dizer deste outro
no passado determinado pelo mundo social do presente, onde est o historiador. Para balizar
o referencial terico que vai reconstituir o passado, preciso adotar um modelo interpretativo
que o explique. Enfim, na escolha do modelo que se apresenta ou se esconde o outro, objeto
do discurso. E este esconder se d atravs da escrita (da configurao de texto) da histria.
Pois justamente esta escrita que vai dar inteligibilidade ao modelo escolhido, onde
inteligvel aquilo que foi dito, restando no-inteligvel o que ficou escondido, que no foi
dito.
Assim, no seria efetivamente o fato histrico dependente do seu lugar no discurso?
Um lugar social que condiciona os procedimentos de construo e sintaxe, mas inclusive de
anlise de um texto, de sua narrativa. A histria interpreta a realidade a partir do seu prprio
68
sistema de referncias, dos seus valores. Pois, mais do que s pessoas em geral, os
historiadores escrevem primeiro para outros historiadores e esperam deles reconhecimento. O
saber, portanto, est ligado ao lugar e submete-se s suas regras e imposies, submete-se ao
coletivo. Dessa forma, a fim de analisar a histria, ou melhor, um discurso histrico, preciso
levar em considerao as instituies que o produziram. Ao analisar a distino entre
acontecimento e fato cotidiano proposta por Pierre Nora, Marialva Barbosa (2007, p.238)
afirma que
falar de uma verdade, mas sim de vrias e incontveis verdades individuais subjetivas. Haver
sempre que se perguntar, portanto, de qual verdade estamos tratando. A imprensa relata fatos
e apenas alguns deles.
Ento, para falar de objetividade, no bastaria ouvir os dois lados de uma questo (um
dos preceitos nos quais se arvora o jornalismo para promulgar sua imparcialidade
profissional), principalmente quando levamos em considerao que a imprensa costuma com
frequncia dar maior ateno a quem grita mais alto, ou seja, quelas fontes mais articuladas,
mais poderosas ou mais hbeis na divulgao de suas verses dos fatos. Desse modo, um
conjunto de fatos objetivos, de relatos precisos e coerentes com a realidade observada, no vai
representar necessariamente a verdade, vai ser sempre apenas uma verdade das tantas
possveis.
Ao tratar das caractersticas da notcia, Medina (1988, p.20) lembra que o
acontecimento, o fato cotidiano, substantivo, mas precisa ser transformado em relato, antes
de ser consumido como notcia. Torna-se mensagem e flui atravs dos sentidos, que so
eminentemente subjetivos. A soluo, para ela, lanarmos mo de alguns cuidados tcnicos
nesta tarefa, embora a escolha daquilo que vai se transformar em notcia seja sempre feita
pelo veculo de comunicao, ele prprio sujeito a toda uma srie de limitaes e imposies
tpicas de qualquer empresa obrigada a concorrer no mercado capitalista. Nesta delicada
equao, entram ainda os gostos e preferncias do pblico, aquilo que interessa ao
consumidor e que geralmente interpretado como sua livre escolha.
Para Pena (2005, p. 51), em razo da natureza subjetiva de qualquer profissional de
imprensa, toda a nfase na busca pela objetividade deveria ser dada metodologia de trabalho
nas redaes, j que para ele o mtodo que deveria ser objetivo, no o jornalista. Observa
que no jornalismo atual h muita confuso entre notcia (informao) e opinio. At mesmo o
uso corriqueiro da estatstica para balizar objetividade deve passar por um crivo crtico que
leve em considerao a sua origem, mtodos de elaborao e objetivos confessos ou no.
A questo vai sempre requerer cuidados redobrados, pois em geral o que se
convencionou denominar como objetividade jornalstica est impregnada - embora seja
possvel esconder satisfatoriamente da maioria dos seus consumidores - por todo um
arcabouo ideolgico que tem como objetivo manipular, confundir e fragmentar a informao
em benefcio dos extratos sociais que representa.
Neste sentido, preciso acrescentar que a narrativa jornalstica uma forma de
discurso institucional, pois o jornalismo uma instituio. E seu discurso vai refletir
necessariamente as relaes que ocorrem em sua ordem social, em sua ideologia. Em ltima
71
Entre estes novos termos e expresses a serem ensinados ao povo mereciam destaque
especial liberdade, revoluo e Constituio.
convivendo na cena das prticas sociais, numa relao de poder e resistncia. Por isso, diz
Zubieta (2000, p. 40), a hegemonia deve ser vista como um processo ativo, em constante
transformao, controlando, neutralizando e at mesmo incorporando as formas de oposio.
Manter ou combater - conforme o caso - tal hegemonia, seria papel dos intelectuais,
utilizando para isso instrumentos como a imprensa, os veculos difusores de cultura e as
escolas, que atuariam como mediadores entre as estruturas de comando das classes sociais
organizadas (os partidos) e a sociedade civil. Na avaliao de Lahuerta (1998, p. 133), ao
enfatizar a poltica como construo de hegemonia, Gramsci colocou no corao do
pensamento marxista a preocupao com o momento consensual da dominao, conferindo
um papel de destaque especial aos intelectuais nas discusses sobre as teorias do Estado,
cultura e sociedade.
Gramsci apresenta proposies bastante interessantes, sobretudo para a poca, a
respeito dos intelectuais e seu papel na sociedade. Para comear, garante que todos so
intelectuais, mas nem todos os homens desempenham na sociedade a funo de intelectuais
(GRAMSCI, 1978, p. 7). Alerta, neste sentido, que no se pode separar o homo faber do
homo sapiens, embora a imagem tradicional de intelectual que se costume popularizar seja
mesmo a do literato, filsofo ou artista. Merece destaque, neste ponto, a sua interessante
aluso aos jornalistas, que acreditariam ser os verdadeiros intelectuais. Mas afirma,
entretanto, que a educao tcnica, estreitamente ligada ao trabalho industrial, mesmo ao
mais primitivo e desqualificado, deve constituir a base do novo tipo de intelectual
(GRAMSCI, 1978, p.8). O que nos d uma pista para a classificao que prope.
Ele distingue duas categorias principais de intelectuais, cada uma exercendo uma
funo essencial no universo da produo econmica: o orgnico e o tradicional. Explica,
neste sentido, que cada novo grupo de intelectuais que surge, representando o pensamento dos
novos agentes da estrutura econmica em seu dinamismo histrico (os intelectuais orgnicos),
se defronta com outras categorias preexistentes (os tradicionais), ainda que algumas delas
costumem apresentar-se como representantes de uma continuidade histrica, sobreviventes
mesmo s mais complexas e radicais modificaes sociais e polticas.
A mais tpica destas categorias seria a dos eclesisticos, que por muito tempo
monopolizaram servios importantes como a ideologia religiosa, isto , a filosofia e a cincia
da poca, atravs da escola, da instruo, da moral, da justia, da benevolncia, da assistncia,
etc (GRAMSCI, 1978, p. 5). Os eclesisticos estavam organicamente ligados aristocracia
fundiria, numa sociedade feudal, e todavia, como observa Gramsci (1978, p.6), consideram
a si mesmos como sendo autnomos e independentes do grupo social dominante. Tais grupos
74
marcada de classes sociais e a influncia deste novo ambiente cultural (sua ideologia) sobre a
estrutura psquica do indivduo.
Enquanto a cultura clssica e a popular se valem da produo artesanal, espontnea,
rural, local ou regional, a cultura de massa instala-se a partir de um fazer industrial. urbana,
cosmopolita e baseada em relaes de consumo. Por isso, a cultura de massa absorve, recicla
e multiplica aspectos tanto da cultura clssica quanto da popular. Num certo sentido, para a
produo cultural em srie, tanto faz se os elementos envolvidos, em contedo ou forma, so
considerados eruditos ou populares tanto faz, contanto que venda.
Horkheimer e Adorno (1982, p. 157), ao avaliar a questo, partem da premissa de que
a civilizao moderna a tudo confere um ar de semelhana, onde os produtos desta indstria
cultural formam um sistema articulado e sincrnico. A prtir da, identificam os ingredientes
necessrios sua definio de massa: a falsa identidade do universal e do particular
(HORKHEIMER; ADORNO, 1982, p. 158), num ambiente onde h uma economia
concentrada (o capitalismo monopolista), produo em srie e estandardizao da produo
(fordismo), planificao e especializao do trabalho. Onde a arte cedeu lugar aos negcios,
indstria que privilegia o tecnolgico, onde a espontaneidade cede lugar ao padronizado
Segundo Bronner (1997, p. 45), foi Georg Lukacs em sua obra-prima intitulada
Histria e conscincia de classe quem introduziu os dois conceitos mais notoriamente
associados teoria crtica: alienao e reificao. Neste sentido, dizem Horkheimer e
Adorno (1982, p. 160) que cada um deve-se portar, por assim dizer, espontaneamente,
segundo o seu nvel, determinado a priori por ndices estatsticos, e dirigir-se categoria de
produtos de massa que foi preparada para o seu tipo. Eles identificam uma tendncia
padronizao de tudo aquilo o que produzido, mantendo-se apenas uma aparncia de
concorrncia e de liberdade de escolha. Assim, a diferena de valor entre os produtos da
indstria cultural no absolutamente objetiva, no diz respeito ao seu significado ou ao seu
contedo intrnseco, mas sim s suas condies de produo, sua embalagem.
Esta a lgica que permite indstria colocar venda, por exemplo, uma coleo de
livros, discos ou software multimdia dos mais variados autores (artistas, escritores,
compositores, intelectuais ou produtores culturais de diversas escolas, perodos, tendncias,
nveis de reconhecimento ou apelo popular), mas todos sempre com o mesmo preo de capa.
Ou seja, o preo calculado pelas margens definidas pela estratgia de marketing traada para
o segmento ou a coleo, se for o caso, independentemente de quaisquer avaliaes ou juzos
de valor que possam ser feitos sobre uma eventual qualidade intrnseca a cada obra.
77
Eles so feitos de modo que a sua apreenso adequada se exige, por um lado,
rapidez de percepo, capacidade de observao e competncia especfica,
por outro lado feita de modo a vetar, de fato, a atividade mental do
espectador, se ele no quiser perder os fatos que, rapidamente, se desenrolam
sua frente (HORKHEIMER; ADORNO, 1982, p. 163).
Citando Hegel, ainda a propsito da alienao, Bronner diz que ela existe medida em
que as criaes dos indivduos escapam ao seu controle consciente. Para ele, Toda forma de
objetificao, segundo Hegel e o Lukscs de Histria e conscincia de classe, resulta em
alienao (BRONNER, 1997, p. 48-49). J para Feuerbach, tambm citado por Bronner
(1997, p.50), a alienao derivaria da externalizao dos poderes e das possibilidades
humanas em uma entidade inexistente (Deus), uma vez que a realidade parece alheia ao
indivduo quando a responsabilidade por sua gnese transferida a Outro. Horkheimer e
Adorno, por sua vez, teriam podido analisar a indstria cultural da perspectiva de uma
racionalidade comprometida com a criao de produtos cada vez mais padronizados para a
audincia mais ampla possvel, para poder obter o lucro mais alto possvel (BRONNER,
1997, p. 61).
Estes autores tambm tratam das massas submissas ao mito do sucesso engendrado
pela ideologia liberal hegemnica, que teria moldado consumidores conformados, plenamente
satisfeitos com a produo do sempre igual. Sua crtica segue afirmando:
O que explica de forma ilustrativa o por vezes criticado, mas sempre bem recebido,
conservadorismo da mquina de produo cinematogrfica norte-americana, com suas
frmulas certeiras para produzir os chamados blockbusters. Horkheimer e Adorno destacam
que uma das caractersticas fundamentais da indstria cultural justamente a repetio. Seu
conceito tpico de inovao trata basicamente de melhorias dos mesmos processos de
reproduo em massa, ou seja, o que importa, o que deve ser renovado no propriamente o
78
contedo de um produto cultural, mas a tcnica necessria para engendra-lo. Neste sentido,
garantem:
O poder social adorado pelos expectadores exprime-se de modo mais vlido
na onipresena do esteretipo realizado e imposto pela tcnica do que pelas
ideologias velhas e antiquadas aos quais os efmeros contedos devem-se
ajustar (HORKHEIMER; ADORNO, 1982, p. 172).
A indstria cultural mais uma vez promete e nega, convida e desmente. Em mais uma
demonstrao do refinado pessimismo que caracteriza esta escola, arrematam, a propsito da
roda da mquina industrial, que gira constantemente, movendo-se para lugar algum, de volta
sempre ao ponto de partida: Combate-se o inimigo j batido, o sujeito pensante
(HORKHEIMER; ADORNO, 1982, p. 184). Pois seria caracterstica inerente cultura o
estabelecimento de mecanismos de controle social, embora esta cultura industrializada
consiga ir alm: Ela ensina e infunde a condio em que a vida desumana pode ser tolerada
(HORKHEIMER; ADORNO, 1982, p. 188). Bronner (1997, p. 68) igualmente alerta que a
alienao teria um componente existencial, sendo mais do que um mero reflexo das condies
sociais e irredutvel diviso do trabalho.
Portanto, ao submeter-se ao social a fim de alcanar segurana, as pessoas abririam
mo da sua prpria individualidade, identificando-se sem reservas com o universal. Tudo
seria produzido em srie, inclusive as individualidades possveis, todas fcil e imediatamente
reconhecveis a partir de modelos pr-concebidos e to difundidos pelos meios de
comunicao de massa. Embora reconheam que o princpio da individualidade sempre fora
contraditrio, estes autores da Escola de Frankfurt afirmam que a indstria cultural pode
fazer o que quer individualidade somente porque nela, e sempre, se reproduziu a ntima
fratura da sociedade (HORKHEIMER; ADORNO, 1982, p. 190-191). Submetidas ao sistema,
as pessoas estariam de bom grado abrindo mo de um esforo pela individualizao, ainda
que o substituindo por outro esforo, ainda mais trabalhoso, da imitao. As assumir tais
papis, elas vo tornando sua individualidade cada vez mais abstrao, ou seja, vo-se
tornando consumidores.
80
Um contraponto relevante a tal raciocnio o que nos oferece Certeau quando destaca
a importncia da vida diria para a interpretao dos fenmenos sociais, enquanto elemento
de pr-configurao narrativa. Para ele, o fundamento da vida cotidiana no est na
individualidade, mas sim no convvio social, nas regras e prticas sociais. O que interessa,
neste caso, est nas relaes sociais em si e no na soma de individualidades. A questo
tratada se refere a modos de operao ou esquemas de ao e no diretamente ao sujeito que
o seu autor ou seu veculo (CERTEAU, 1994, p. 38), esclarece, acrescentando que ela aponta
para uma lgica cujos modelos estariam nas astcias de sobrevivncia dos peixes disfarados
ou dos insetos camuflados.
O indivduo social representa a vida cotidiana na qual est inserido atravs dos usos e
prticas dos quais lana mo. Para tanto, afirma:
A partir da, ele vai especificar cada uma destas noes, denominando de estratgia
base na construo do Estado brasileiro. Lembra que foi na Bahia onde aconteceram algumas
das mais significativas e sangrentas rebelies de escravos, como a Revolta dos Mals, em
1835, mas aponta tambm outros exemplos de organizao poltica engendradas como forma
de resistncia. Os terreiros de candombl, as irmandades religiosas e as associaes
semissecretas que compravam indultos e alforrias so algumas delas.
Entre as mais famosas destas entidades esto a Sociedade Protetora dos Desvalidos
(fundada em 1832 e que segue em funcionamento at hoje, instalada no centro histrico de
Salvador) e a Irmandade da Boa Morte (criada na cidade de Cachoeira tambm no incio do
sculo XIX). So consideradas semissecretas porque apesar de no serem reconhecidas ou
autorizadas a funcionar por parte dos poderes estabelecidos, foram toleradas em razo de seu
perfil aparentemente assistencialista. Em verdade, tratava-se de organizaes estruturadas e
com objetivos bem definidos, cumprindo uma funo social de grande relevncia, sobretudo
para os afrodescendentes deixados prpria sorte aps o esgotamento do modelo
escravocrata.
Ocorre, todavia, que muito dificilmente lograram merecer espao na imprensa da
poca ou tampouco depois, salvo a partir do momento em que passaram a atrair o interesse
dos segmentos ligados explorao do turismo, como atualmente o caso da Irmandade da
Boa Morte. Outra questo de suma importncia estabelecer como esta imprensa, empenhada
que estava em consolidar os ideais liberais to em voga (liberdade, igualdade e fraternidade),
tratou o negro ante s questes de foro nacionalista, republicano e positivista. Teria sido a ele
atribudo o mesmo papel que hoje tanto interessa ao turismo? Conceio (2006, p.63) afirma,
a propsito, que
Em seu estudo sobre a questo racial na Bahia24, Thales de Azevedo (1996, p. 58)
explica em nota de rodap o sentido do termo mulato pachola, ento atribudo a certo
intelectual baiano: preguioso, vaidoso e exibicionista, qualidades que se atribuem muitas
vezes aos mulatos letrados, a tal ponto que o qualificativo injurioso de pachola quase s se
aplica atualmente a pessoas desse tipo fsico. Para comprovar o que diz, cita vrios trechos
24
As elites de cor numa cidade brasileira, pesquisa realizada entre 1951 e 1952, sob encomenda para o
Departamento de Cincias Sociais da Unesco.
84
de artigos publicados em jornais da poca, em que os tais mulatos so sempre descritos como
pessoas exageradas ao falar e muito preocupadas em se mostrar eruditos.
Argumenta, contudo, que este tipo de hostilidade no dirigido a um grupo tnico
enquanto tal, mas busca atingir especificamente a um indivduo que em virtude de sua
educao superior ou de aspiraes mais ambiciosas que as do seu grupo, procuram destacar-
se na esfera intelectual (AZEVEDO, 1996, p. 59). Ou seja, seria muito mais a aplicao de
um esteretipo depreciativo a um inimigo especfico, identificado, que propriamente uma
manifestao de racismo. E prossegue seu raciocnio avaliando as expectativas em relao ao
comportamento ou ao papel social atribudo aos grupos tnicos quando trata de classe e de
ascenso social. Os brancos esperam que as pessoas de cor, especialmente as mais escuras,
sejam comedidas em seus gestos, modestas e que, apesar dos seus mritos pessoais, guardem
certa distncia delas. E aquelas sabem muito bem de tudo isso (AZEVEDO, 1996, p. 68).
Para ele, tal comportamento se daria em razo de outro esteretipo, o de que os negros
e mestios seriam naturalmente espaosos, de atitudes largas e espalhafatosas, muitas vezes
at inconvenientes em sua maneira de comportar-se em pblico. Isto quando no, por outro
lado, definidos como excessivamente humildes e submissos, o que na verdade seria a regra
que explica e justifica a exceo. Neste sentido, defende as concluses do estudo de Donald
Pierson25 de que haveria na Bahia uma sociedade multirracial de classes, na qual importa
menos a cor da pele que a classe social de origem. O que soa contraditrio quando reconhece
que esperado do negro que ascende socialmente um padro de comportamento, um papel
social pr-definido. Sobre tais contradies enfrentadas pelos afrodescendentes que ascendem
socialmente na Bahia, Azevedo (1996, p. 72) comenta:
Sobre o uso do termo mulato, Ktia Mattoso (1992, p. 126), diz que a imensa
variedade de mestios para os quais os brasileiros inventaram diversas palavras, como
mulatos, cabras, pardos, sarars, cabos-verdes etc so declarados brancos se forem
socialmente aceitos e mulatos em caso contrrio. Mas questiona se tais construes sociais
j eram vlidas em perodos como o sculo XIX. A este respeito, Antonio Srgio Guimares
25
PIERSON, Donald. Brancos e pretos na Bahia. So Paulo: Companhia Editora Nacional, 1945.
85
(2003) diz que at a segunda metade do sculo XIX o termo preto usado para designar os
africanos trazidos ao Brasil, enquanto que crioulo era reservado aos negros aqui nascidos.
Somente depois que preto passa a referir-se igualmente a africanos e seus descendentes.
Negro deixa ento de designar a cor e passa, paulatinamente, a ter um significado
racial e pejorativo (GUIMARES, 2003, p. 250). A expresso seria depois resgatada pelas
lideranas negras pioneiras, nos anos 1920, nas cidades do Rio de Janeiro e So Paulo,
empenhados na conquista por direitos civis. Na Bahia, a valorizao do termo negro como
componente positivo de afirmao da cultura afrodescendente somente ocorreria por volta dos
anos 1970, mas aqui em um contexto diferente, mais voltado ao resgate e cultivo das origens
africanas e menos mobilizao poltica.
Numa abordagem que sugere o reconhecimento de uma democracia racial nesta Bahia
inicialmente circunscrita a Salvador e seu Recncavo, Mattoso (1992, p. 580) trata da
formao das hierarquias sociais, alertando contra as generalizaes apressadas,
especialmente perigosas quando se tratava de descrever o quadro social no s das velhas
regies aucareiras como das diversas sociedades de todo o Brasil. Neste sentido, critica
tanto a viso daqueles que enxergam apenas dois grupos sociais (os senhores e os escravos)
quanto os que dividem as classes em uma aristocracia da terra, uma burguesia urbana
mercantil e a plebe. Para ela, a realidade era sempre muito mais complexa que isso.
Questiona, por exemplo, as definies de povo e o lugar ocupado, neste contexto,
pelos alforriados, a meio caminho entre o homem livre sem posses e o cativo sem direito civil
algum. Eles seriam, portanto, uma gente que pagava taxas e impostos mas no tinha direito
cidadania plena. Ao contrrio, defende que a sociedade colonial baiana caracterizou-se desde
o primeiro sculo de sua formao por uma enorme capacidade de assimilao e uma grande
mobilidade social, alis ascendente e descendente (MATTOSO, 1992, p. 582). O que faz
lembrar o ditado muito popular na Bahia que fala das famlias que tiveram pai rico, filho
nobre e neto pobre.
De uma maneira geral, portanto, Mattoso conclui que a sociedade baiana, baseada no
modelo portugus estratificado entre nobres e plebeus, partiu de uma estrutura mais simples,
do tipo homens livres brancos e escravos negros, para um sistema complexo que inclua
tambm os mestios, os alforriados e migrantes que buscaram acumular riqueza, especializar-
se profissionalmente e ocupar um espao na estratificao social. Para ela, a aristocracia local
os senhores de engenho at que tentou tomar por modelo o portugus, mas para tanto
faltava-lhe a nobreza de bero, a linhagem.
86
Ali, por mais que conseguisse se impor por seu trabalho e crescer na estima
do seu senhor e da comunidade, um arteso jamais transporia os limites de
sua classe. Dificilmente podia converter-se em plantador de cana, muito
menos em senhor de engenho, pois esse domnio era dos brancos. [...] De
fato, a mobilidade social era maior na cidade que no campo porque ali os
homens eram menos dependentes. Essa maior autonomia era desfrutada at
pelos escravos, que alcanavam a alforria em nmero muito maior
(MATTOSO, 1992, p. 599-600)
Mas ainda que destaque tal mobilidade social e a participao dos vrios tipos de
mestios nas estruturas de poder, ela no deixa de identificar um momento, a partir de meados
do sculo XIX, em que a sociedade baiana passa a vetar com veemncia o acesso de pessoas
negras ao mercado de trabalho formal, certamente temendo uma concorrncia crescente.
Por fim, ao tentar explicar o profundo processo de estagnao que alcanou a Bahia e
de maneira particularmente perversa o Recncavo no final do sculo XIX, intensificando-se a
partir de 1920, Mattoso (1992, p. 649) soma os motivos de origem econmica (ineficincia
dos meios de comunicao e transportes, falta de diversificao na minerao e no setor
agrcola, sobretudo em relao s monoculturas da cana e do fumo) persistncia de uns
tantos mitos, fortemente enraizados nas mentalidades. O primeiro deles seria o mito da
democracia racial, que implicaria em contradies da escravatura em agir como se todo rico
fosse branco e todo negro fosse pobre.
Trata, tambm, do mito da falta de mo-de-obra, que envolve uma contradio
preconceituosa entre o incremento da venda de escravos para o centro e o sul do pas, na
segunda metade daquele sculo, enquanto se reclamava do aumento das alforrias e do direito
dos negros ao trabalho livre. Outro mito seria o das terras frteis e inesgotveis, que ocultaria
uma viso extrativista, como se as plantaes fossem minas de onde se retira o mximo
possvel e depois abandona. Haveria, finalmente, o mito das riquezas do Recncavo, que,
afinal, era mais uma iluso, que se rompia quando os proprietrios, com o tempo, e por efeito
das partilhas, se viam destitudos de extenses de terra suficientes para aumentar a
produtividade (MATTOSO, 1992, p. 649-650).
Com isso, os grande engenhos no modernizaram suas tcnicas de produo e no se
preocuparam com o financiamento dos seus negcios, ao final bancados e geridos pelos
comerciantes de Salvador. Ao mesmo tempo, embora numerosos e influentes junto ao poder
central, os representantes da elite baiana teriam se preocupado em defender no os interesses
da Bahia, mas especificamente os de suas prprias famlias, dos seus prprios engenhos ou
negcios. Ocuparam-se de sua ascenso individual. Para Mattoso (1992, p. 651),
88
funcionrios e polticos do alto bordo, uma vez no Rio de Janeiro, cercados de honrarias,
tendiam a esquecer que eram baianos. Sobre a intelectualidade local, por sua vez, escreveu
que o sonho de todo intelectual baiano, honesto ou no, conformista ou no, tornar-se, ele
mesmo, uma instituio (MATTOSO, 1992, p. 24).
Na esteira deste pensamento, ao apontar o papel central exercido pelo modelo de
famlia adotado no processo colonizador que levou formao da nossa identidade, Mattoso
(1992, p. 129) afirma que os conquistadores portugueses tiveram as mo livres para edificar
no Brasil uma vida econmica baseada em grandes unidades de produo agrcola e uma vida
social organizada em torno da famlia.
Assim, embora situadas nos pontos extremos desta estratificao social, as populaes
brancas (descendentes diretas dos portugueses) e negras (africanos e afrodescendentes) se
valeram ambas de estratgias endgamas, onde as afinidades familiares ou de classe (no
primeiro caso), tnicas ou religiosas (no segundo), determinavam os casamentos ou unies
informais. Entre estes dois extremos, a Bahia mestia seria obrigada a lanar mo de arranjos
familiares bastante criativos, tolerantes e diversificados, a fim de assegurar a sobrevivncia.
Embora predominantemente patriarcal, sobretudo entre a elite rural formada pelos
grandes senhores de engenho, a famlia baiana teria desenvolvido estratgias que
assegurassem uma rede de solidariedade para com os seus descendentes, como as diversas
figuras de padrinhos e madrinhas (de batismo, de crisma e at de consagrao), os agregados e
os arranjos informais, as unies naturais e os vrios sistemas de parentescos, inclusive aqueles
que condenava oficialmente, a exemplo da figura da concubina e do reconhecimento dos
direitos dos filhos ilegtimos. Que no teriam sido poucos, com base em levantamento feito
por Johildo Athayde26. Cobrindo os quase 15 mil registros de batismo feitos na parquia da S
no perodo entre 1830 e 1874, ele aponta a proporo de 73,3% de nascimentos ilegtimos,
sendo 12,5% destes enjeitados e acolhidos pela Santa Casa de Misericrdia. A propsito,
comenta Athayde (apud Mattoso, 1992, p. 199):
26
Publicado em artigo intitulado Filhos ilegtimos e crianas expostas, na Revista da Academia de Letras da
Bahia, edio de setembro de 1979.
89
Maria Brando (1999) entende que numa sociedade complexa como a nossa no h
como falar em identidade nacional no singular. Para ela, preciso averiguar de que forma a
imprensa peridica lida com a diversidade e com o diferente, assim como os esteretipos
ligados baianidade so contemplados em relao a um projeto nacional de unidade proposto
pelo discurso hegemnico das elites. A propsito, Osmundo de Arajo Pinho (1998, p. 109)
chama de ideia de Bahia a uma concepo bastante disseminada por vrios agentes sociais e
a imprensa certamente uma das mais influentes neste particular e onipresente nas
afirmaes do senso comum em nosso estado, pelo menos, que se apresenta como uma rede
de sentido indefinida e abrangente capaz de interpretar e constituir de determinada forma a
auto-representao dos baianos. O autor identifica a Bahia como uma comunidade
imaginada, de acordo com a definio apresentada por Benedict Anderson (2008), para quem
o sentimento de nacionalidade tem menos a ver com civismos ou outras determinaes ligadas
ao local de nascimento, mas nutre-se de uma variada e rica gama de anseios, esperanas,
valores e preconceitos desenvolvidos no prprio embate social.
Para ele, o sentimento nacional moderno est vinculado a fenmenos aparentemente
contrrios, mas que afinal se complementam, a exemplo da luta de classes, a ascenso das
lnguas vernculas, o crescimento e decadncia dos imprios coloniais e sobretudo a
consolidao da imprensa como veculo de uma era, de uma maneira de ver o mundo. Neste
sentido, apresenta a nao como uma comunidade poltica imaginada, limitada por fronteiras
bem estabelecidas e governada por um Estado, soberano e devidamente legitimado. Todavia,
o que faz desta comunidade um organismo autntico e autnomo tem menos a ver com o
estabelecimento de suas instituies e sim com o sentimento de comunho que une todos os
seus membros. So vnculos experimentados coletivamente por pessoas que no precisam se
conhecer pessoalmente ou sequer compartilhar um mesmo tempo, uma mesma existncia. Tal
sentimento de camaradagem e identificao nacional independe tambm de quaisquer formas
de explorao ou injustia que existam dentro dela.
Neste processo, a consolidao da lngua verncula determinante, pois toda nao
implica na existncia de uma lngua prpria. O que se consegue atravs da educao formal,
da literatura e da imprensa, sem a qual dificilmente se conseguiria to rpida e eficientemente
a homogeneizao da lngua nacional. Tal homogeneizao permite o surgimento de uma
conscincia de pertencer a um mesmo grupo e o estabelecimento de poderosos laos sociais.
Pois, ao contrrio das aristocracias, que formavam seu senso de comunidade atravs das
90
Desta forma, por sua vez, Pinho (1998) descreve a ideia de Bahia como discurso
construdo em torno de uma articulao entre povo, tradio e cultura. Aponta dois grandes
ncleos de discurso da nacionalidade no Brasil: o nacional-popular e a mestiagem. Este
ltimo, sobretudo no que diz respeito s ideias de democracia racial e do popular, integraria o
estoque de contedo positivo, embora controverso, da ideia de Bahia. este discurso que nos
possibilita entender algumas prticas cotidianas que muitas vezes reproduzem e ajudam a
manter desigualdades sociais e de status, mas que em geral interpretamos como cordialidade
ou deferncia. Para ele, a ideia de Bahia materializa-se nas formas de seu uso e realiza-se
como estrutura cultural de poder, na forma de uma ideologia sofisticada e persuasiva, de apelo
popular e organicamente articulada construo do imaginrio popular (PINHO, 1998, p.
112).
Tal construo envolve um sentimento de diferena que os baianos teriam em relao
ao resto do pas e do mundo, que se constri atravs de narrativas especficas, com contedos
ideolgicos particulares e que servem de base para um consenso poltico com vistas
dominao e para a reproduo de bens simblicos os mais diversos, negociados no mercado
internacional de cultura. Incluindo a desde a msica ao turismo, mas tambm a publicidade e
a literatura. Todo este arsenal simblico teria como objetivo formar uma rede cultural
destinada a sustentar as prticas discursivas que reforam constantemente a natureza deste ser
baiano.
Pinho (1998) identifica dois conjuntos de textos considerados fundamentais para a
simbologia da cultura baiana: os chamados guias de baianidade e a obra literria de Jorge
Amado. No geral, trata-se basicamente de livros escritos desde a dcada de 1940 sob
inspirao dos personagens, cenrios, tradies e aspectos culturais marcantes da Bahia. A
literatura, de fato, est na matriz deste tipo de discurso, tanto quanto a imprensa, que com ela
sempre dialogou, tanto no emprstimo dos seus estilos e formas narrativas quanto dos seus
91
Ao estabelecer uma classificao das canes que abordam o tema Bahia na msica
popular brasileira, Milton Moura28 (2001) observa que vrias delas falam das comidas que
levam dend (caruru, acaraj e vatap) ou de origem indgena e africana (cuscuz, mungunz);
da sensualidade do povo baiano (o dengo, a faceirice e brejerice da baiana), seus trajes, a
manha e a malandragem do baiano; a religiosidade (Senhor do Bonfim e Nossa Senhora,
Xang e Iemanj, principalmente); o espao urbano e a arquitetura (sempre descritos como
locais cheios de mistrio e beleza, como a Colina do Bonfim, a Baixa dos Sapateiros, a Praa
da S e Itapu), tudo recheado com bastante saudosismo, entre os que querem ir e os que
desejam voltar Bahia.
Sobre a obra de Dorival Caymmi, especificamente, o autor diz que sua musicografia
destaca, entre outros temas, os profissionais de vida dura e perigosa, como os pescadores que
vo ao mar e no sabem se retornam, as baianas que passam o dia a vender quitutes e acarajs
ou ainda as laboriosas lavadeiras de roupa do Abaet. Ele fala tanto do branco mulato quanto
do preto doutor, do dengo que a nega tem e de Me Menininha do Gantois. Moura (2001)
defende que a atribuio de malemolncia a Dorival Caymmi no encontra respaldo em sua
obra, mas engendrada desde fora, por identificar no cantor o baiano tpico, emblemtico da
27
De fato, um nmero considervel de escritores brasileiros esteve em algum momento da vida trabalhando em
uma redao de jornal.
28
O autor pesquisou 272 composies que fizeram sucesso nas rdios brasileiras entre 1904 e 1964.
92
maneira peculiar com que vrios artistas da Bahia costumam se referir sua prpria relao
com o tempo e o trabalho.
A mesma lgica pode ser aplicada quando se busca mensurar a contribuio da
imprensa no engendramento e na consolidao de outros mitos e arqutipos correlatos,
paralelos ou entrecruzados, a exemplo da democracia racial, alimentada pela alegria e
sociabilidade naturais do baiano. O que inclusive levaria a uma suposta docilidade e
passividade do seu povo, ou - pior ainda - a uma inata preguia do cordial cidado destas
terras obviamente abenoadas por Deus. Mestiagem tal que explicaria tambm o carter
pouco confivel do mulato pachola, a intensidade dos dotes sexuais do negro e a sensualidade
lasciva da mulata (este termo, por si, j to profundamente preconceituoso ao remeter ideia
de cruzamento entre espcies, como ocorre entre equinos).
Em seu arrazoado a propsito das tenses sociais na cidade do Salvador por volta dos
anos 1950, Azevedo (1996, p. 44-45) descreve alguns dos esteretipos aplicados a grupos
tnicos locais, como os rabes vendedores de tecidos (mascates ou ambulantes sempre muito
reservados) e o galego da padaria (imigrante espanhol da regio da Galcia, muito mesquinho
em relao a dinheiro). Sobre sua prpria terra, observa que no folclore, na propaganda
turstica, nas caricaturas que acompanham as crticas polticas, a Bahia geralmente
representada como a mulata baiana, com traje caracterstico das mulheres ligadas ao
candombl (AZEVEDO, 1996, p. 55).
Ao tratar da figura da morena sedutora, explica que:
sempre a traos fsicos e de cor da pele, ao tempo em que morena consegue espao nos
discursos da literatura ou mesmo do jornalismo para transmitir uma ideia de romantismo ou,
no mximo, de sensualidade? Azevedo (1996, p. 36) fornece uma pista quando descreve a
forma como o baiano utiliza alguns termos bem especficos, como o carinhoso meu negro ou
ainda negrinho simptico, que ocorreriam sem conotao depreciativa, mas ressaltando que
nigrinha
29
No esquecer que se trata de um estudo realizado em meados dos anos 1950, quando a televiso brasileira
ainda no exercia a hegemonia atual.
95
A tambm a exemplo do que ocorre aos demais esteretipos que nos dispusemos a
estudar possvel encontrar duas avaliaes distintas: uma branca, prpria da elite que ento
se afasta do locus da baianidade para rapidamente asseverar que esse povo no quer mesmo
hora com o trabalho; e outra negra, popular, que prefere assumir que cada coisa uma coisa e
cada uma tem seu tempo. Inclusive, uma das primeiras hipteses que Zanlorenzi (1998, p. 11)
levanta a de que predomina em Salvador uma viso particular sobre o valor e o sentido do
trabalho que contradiz a lgica capitalista de que tempo dinheiro: O trabalho no
representa a centralidade da existncia. Ela reconhece que, na verdade, trabalha-se muito na
Bahia, mas isto no o mais importante para o seu povo. Por no conseguir compreender esta
viso de mundo, os no-baianos - sobretudo do eixo sul-sudeste - a rotulariam como sendo
preguia, indolncia. Haveria tambm nesta atitude uma certa resistncia ao tempo e ao valor
do trabalho capitalistas.
Para Zanlorenzi, o mito comeou a ser construdo na dcada de 1950, quando teve
incio o processo de industrializao brasileira, responsvel pela intensificao do contato
entre baianos e sulistas, principalmente paulistas e cariocas. Ela avalia que, sendo a
nominao da preguia um processo relacional de identificao, a partir da aproximao da
Bahia com outros contextos sociais que foi se configurando uma das imagens do baiano
preguioso (ZANLORENZI, 1998, p. 14). Tal representao teria se consolidado a partir dos
anos 1980, quando j estava sedimentada no senso comum e ganhou ateno e amplificao
atravs da grande mdia, movida pelos interesses da indstria do turismo. A propsito do
papel da imprensa na consolidao do mito, comenta:
uma anlise do carter poltico, de construo social e uso ideolgico da imagem de preguia
atribuda aos baianos, o reforo ideia de que o baiano cultiva uma relao no-capitalista
com as noes de tempo e trabalho teriam o mrito de contribuir para a preservao das
tradies afrobaianas, que colocam as horas dedicadas ao trabalho remunerado no mesmo
patamar de importncia (ou menos) que o tempo dedicado a todas as demais atividades
cotidianas.
Zanlorenzi prope ainda uma reflexo sobre as relaes conflitantes que envolvem a
nominao de preguioso atribuda ao baiano, pois ela teria ao mesmo tempo atributos
depreciativos mas tambm de elogio por parte de alguns segmentos da prpria sociedade
baiana. Ou seja, vindo de fora, o termo tenta expressar indolncia, mas visto de dentro teria
um significado duplo: mesmo que a elite baiana reforce e endosse a imagem de um povo
inimigo do trabalho, uma outra parcela seguiria afirmando que a preguia uma forma
peculiar de estar no mundo (ZANLORENZI, 1998, p. 31).
Abordando a questo a partir da dimenso da linguagem enquanto instrumento de
construo e naturalizao de sentidos, ela aponta a existncia de mltiplas falas sobre a
preguia baiana, sem uma devida correspondncia entre elas e o comportamento manifesto.
Assim, a preguia assumida por artistas como Dorival Caymmi no a mesma que a classe
dominante atribui a seus subalternos. Tambm diferente daquela proposta pelo sul e sudeste
do Brasil. Para o artista, mais uma questo de jeito de ser baiano, que tem a ver com um
ritmo prprio, trao diferenciador para pessoas especiais. Mas na fala da elite baiana e do no-
baiano, trata-se mesmo de comportamento indolente, pouco afeito ao trabalho.
Portanto, no entender de Zanlorenzi, preciso ressaltar que tais construes foram
elaboradas a partir de circunstncias e interesses (ou seja, campos de relao de poder) bem
especficos, condicionados histrica, econmica, social, poltica e culturalmente. Entre tais
circunstncias, aponta o processo de migrao nordestina; a industrializao da Bahia; o fato
de Salvador ter uma populao de 80% de afrodescendentes, com enormes desigualdades
sociais; o controle poltico por parte de uma elite branca e a apropriao das tradies
afrobaianas pela indstria do turismo e do entretenimento.
Aprofundando a questo na relao trabalho e preguia, ela busca estabelecer
interaes entre a microrrealidade dos sistemas simblicos e uma anlise mais ampla da
conjuntura em que foram gerados. Ao analisar como a cultura reage e interage ao processo
histrico, diz:
97
estabelecendo uma relao contrastiva que surge apenas quando o estado intensifica suas
relaes com o universo do trabalho industrial estabelecido no sudeste do pas.
Conforme lembra Renato Ortiz (1988), a imagem do baiano preguioso passou a ser
construda num contexto histrico em que o rdio, o jornal e as revistas impressas de
circulao nacional eram os principais meios de comunicao de massa. A TV somente
comearia a se tornar popular na segunda metade dos anos 1960. At ento, o jornal impresso
era, de fato, o grande veculo de disseminao de ideias. Neste perodo, o Nordeste
praticamente no existe nas pginas dos principais jornais das regies Sul e Sudeste. Quando
aparece sempre em notcias que do conta da migrao em perodos de seca. A partir da, na
dcada de 1950, com a intensificao do processo de industrializao na regio Sudeste,
quando o nordestino migra (em busca de trabalho) justamente quando passa a ser
classificado como preguioso.
Para Zanlorenzi (1998, p. 161), isso evidencia o fato de que o racismo surge como
estratgia de excluso nos campos em que os sujeitos disputam pelos mesmos espaos. E
afirma, portanto, que o discurso sobre a preguia baiana no tem correspondncia com o
comportamento manifesto, pois serve para estabelecer e marcar fronteiras simblicas entre o
baiano e os demais. A baianidade, alm de um carter contrastivo de articulao de
identidades seria um conjunto de representaes, vivenciadas cotidianamente
(ZANLORENZI, 1998, p. 224). Sobre o uso especial do tempo por parte dos baianos, diz:
O olhar externo, que nomina esse manuseio do tempo e essa viso sobre o
sentido do trabalho como preguia, desleixo, indolncia, certamente o
olhar no relativista, que permanece na impossibilidade de considerar o
outro como, de fato, diferente, e ento respeit-lo na sua prpria diferena.
o olhar da incompreenso, da intransigncia, que tender a se utilizar do
artifcio da acusao para enquadrar o outro em categorias compreensveis e
que, de fato, inserem-se muito claramente em torno de interesses bem claros,
particularmente quando o outro visto como algum que deve trabalhar para
ns (ZANLORENZI, 1998, p. 243).
3 OS RESULTADOS DA PESQUISA
Este captulo est dividido em duas partes. A primeira enumera, por ordem
cronolgica, 28 dos mais importantes peridicos impressos que circularam na cidade de
Cachoeira no perodo compreendido entre 1832 e 1946, descrevendo suas caractersticas
fsicas e editoriais, bem como situando e avaliando o contexto sociopoltico e histrico em
que estavam inseridos e que lhes serviram de baliza para os respectivos discursos.
A segunda parte do captulo se dedica anlise propriamente dita das representaes,
princpios e preceitos, preconceitos e esteretipos embutidos nos discursos sustentados e
reverberado por estes peridicos.
Tal avaliao se d a partir de temas selecionados e classificados em torno daquilo que
de mais hegemnico foi encontrado em suas matrias, artigos, anncios e editoriais: o
nacional, civismo e progresso, os polticos e a imprensa, o Brasil e o povo brasileiro, a Bahia,
o baiano e o cachoeirano, tudo isso evidentemente permeado por uma noo de baianidade em
gestao.
3.1 OS JORNAIS
ideolgica, com opinies bem definidas em artigos longos e de inspirao filosfica e, muitas
vezes, em estilo literrio. Trazia, contudo, uma coluna de variedades e anedotas, alm de atos
oficiais, decretos, editais, avisos e prestao de servios comunidade, como a publicao da
relao de cartas que se encontrava na agncia local dos correios espera dos seus
destinatrios, que deveriam por elas procurar. Algumas destas notas eram provavelmente
pagas, como a de um professor oferecendo-se para aulas particulares de tcnicas comerciais
ou ainda a compra e venda de variados produtos, de animais e de escravos.
Figura 1
102
Figura 2
30
O mal causado por uma guerra civil o dobro daquele contra um estrangeiro.
103
3.1.3 O Paraguassu
Dois jornais circularam em Cachoeira num perodo prximo de tempo com este
mesmo nome, o primeiro bi-semanal, que se definia como poltico, literrio e comercial,
fundado em 10 de fevereiro de 1847. O outro, poltico, noticioso e literrio, circulou em
dezembro de 1859, publicado sempre s quintas-feiras, por oficina tipogrfica situada Rua
da Matriz, 48. Seu redator era L. C. de Souza Figueredo. Media 13 cm por 24 cm de mancha
grfica, com duas colunas em quatro pginas e sem fotos ou gravuras. Trazia pequenos
artigos, contos e notcias extradas de outros peridicos, como Jornal do Commercio. No
tinha propaganda, mas apenas os pequenos anncios ento denominados a pedido, escritos e
pagos por assinantes ou quaisquer pessoas interessadas em ver seu texto editado. Outros dois
jornais igualmente denominados O Paraguassu foram editados na vizinha cidade de So Flix,
neste perodo. O primeiro, entre 1 de junho de 1869 a 1888, com epgrafe de peridico
democrtico em favor da campanha abolicionista, enquanto que o outro se anunciava poltico
e noticioso, circulando entre 16 de fevereiro de 1890 e o ano de 1911.
Figura 3
104
Figura 4
105
Figura 5
106
Peridico literrio, doutrinrio e moral, teve seu primeiro nmero impresso tambm no
dia 7 de setembro de 1850, saindo sempre aos domingos, mas com vida muito curta, vez que
encerrou as atividades em 15 de dezembro do ano seguinte, quando seu principal redator,
Cincinato Pinto da Silva, mudou-se para a capital a fim de continuar os estudos. Era impresso
na tipografia dO Constitucional, no Largo dos Amores, 4. Sua epgrafe dizia Sou pequenina
e mesmo assim cumpro o que devo, mostro o meo fim. O objetivo anunciado no primeiro
nmero era unicamente publicar os discursos dos membros da Sociedade Escholastica
Doutrinaria Cachoeirense, que tinha pretenses literrias e filosficas, bem como artigos,
poemas, charadas, motes e outros escritos. No entanto, j nesta edio de estreia trazia crticas
venenosas contra o governo imperial. Praticamente no tinha anncios, vivendo apenas das
assinaturas. Possua um formato bem pequeno, com apenas uma coluna de texto, circulando
s vezes com quatro, seis ou at mesmo oito pginas. A partir do nmero 11, adotou o padro
de duas colunas, passando tambm a publicar romance em forma seriada. Suas pginas eram
numeradas em sequncia, prosseguindo a contagem de uma edio para a outra, como se
fossem fascculos.
Figura 6
107
3.1.7 O Almotac
Figura 7
108
Figura 8
109
Figura 9
110
Figura 10
111
3.1.10 O Progresso
Figura 11
112
Figura 12
113
3.1.11 O Americano
Figura 13
114
Figura 14
115
3.1.12 A Formiga
Figura 15
116
3.1.13 A Grinalda
Figura 16
117
Figura 17
118
3.1.14 A Ordem
Figura 18
119
Figura 19
120
Figura 20
Figura 21
121
Figura 22
122
Figura 23
123
3.1.17 A Verdade
Semanrio poltico e chistoso, adepto das ideias liberais, foi fundado em 25 de maio de
1876 e circulou at o ano de 1884. Seu administrador assinava J. F. V. Formiga. Era impresso
em tipografia prpria, localizada na Rua da Ponte Nova, em formato mdio, com trs colunas
somente de textos, em geral com quatro paginas por edio. Publicava artigos e editoriais em
defesa de suas opinies, seo de notcias diversas, notas abordando temas locais mas tambm
nacionais, transcrio de notcias de outros jornais brasileiros, incluindo a anlise e
repercusses de fatos internacionais, alm de variedades, poemas, folhetim seriado, pequenos
contos e ensaios. Aceitava anncios do tipo classificados comerciais e de oferta de servios.
Figura 24
124
3.1.18 O Guarany
Figura 25
125
3.1.19 O Futuro
Figura 26
126
3.1.20 O Santelmo
Figura 27
127
Figura 28
128
Figura 29
129
3.1.23 A Imprensa
Gazeta noticiosa, literria e potica, circulou de 1884 at pelo menos o ano seguinte.
Seu proprietrio e redator era Joaquim Alves Gomes, que a imprimia na Rua da Feira, 68. Em
tamanho de 15 cm por 26 cm, circulava em mdia com quatro pginas, em duas colunas com
texto e algumas imagens em clich. Trazia matrias locais, notas com informes nacionais e
mundiais, noticirio social, falecimentos, informes literrios, poemas e folhetim seriado. Entre
os anncios, predominavam os do tipo a pedidos. Outro peridico com o mesmo nome j
havia sido impresso em 3 de dezembro de 1870, ficando em atividade apenas at o ano
seguinte, 1871. E novamente o ttulo foi publicado com a denominao de jornal poltico,
noticioso e beletrista, em 12 de maro de 1933.
Figura 30
130
3.1.24 O Brazil
Figura 31
131
3.1.25 O Tempo
Figura 32
132
3.1.26 O Republicano
Figura 33
133
3.1.27 A Cachoeira
Vrios peridicos foram editados na cidade com este ttulo, o primeiro deles em 24 de
setembro de 1896, declarando-se rgo oficial do Partido Republicano Federal e que circulou
at 1916. Outro foi um semanrio noticioso e literrio, que surgiu em 18 de abril de 1934 e
saa sempre aos domingos at pelo menos o ano de 1942. Tinha como diretor geral Anarelino
Pereira, com redao e oficinas na Rua Virglio Damsio, 20. Sua mancha grfica tinha as
dimenses de 28 cm por 42 cm, com quatro pginas distribudas entre cinco colunas com
textos e imagens em clichs. Seu contedo se dividia em matrias diversas abordando
assuntos principalmente nacionais e locais, mas tambm notas sociais, atos oficiais, decretos e
portarias do governo, editais e muitos anncios comerciais, estes concentrados nas pginas 2 e
3. No perodo utilizado para esta pesquisa, no ano de 1942, o jornal encontrava-se
editorialmente comprometido com o Estado Novo, servindo de porta-voz para as suas
lideranas nacionais e representantes locais. Por fim, tambm podem ser encontrados
exemplares de um novo A Cachoeira circulando entre os anos de 1971 a 1989.
Figura 34
134
Figura 35
135
Figura 36
136
3.2 OS TEMAS
Entre os temas escolhidos para anlise, foram destacados aqueles mais recorrentes nos
discursos deste conjunto de peridicos regionais, a partir de uma proposta de mtodo que
busca desenhar um caminho claro e inequvoco desde a formao dos conceitos de
nacionalidade, civismo e progresso, passando pelo papel desempenhado pelos polticos e pela
prpria imprensa neste processo. Assim, encontramos as ideias de Brasil e do brasileiro,
enquanto povo cordato e humilde, aptico e analfabeto, portanto dependente de quem o
governe, alm de ordeiro e hospitaleiro.
Esto presentes, tambm, as representaes de Bahia e do baiano irreverente e festeiro,
do cachoeirano heroico e orgulhoso, bem como de uma baianidade ainda em gestao, atravs
de alguns dos seus esteretipos mais evidentes, como o preguioso, a morena sensual e o
mulato pachola, aquele sem noo, entre malandro e puxa-saco, mas sempre dono de fala
solta e pretensiosa. Tudo isso transversalmente cotejado por noes arraigadas no pensamento
social em relao ao lugar da mulher e do negro, do trabalhador rude e do lder empreendedor,
enfim, da posio que ocupa o outro na construo de um pretenso carter nacional.
Os grifos e destaques em negrito inseridos nos trechos de notcias apresentados a
seguir so de minha autoria e tm como objetivo chamar a ateno para a escolha das palavras
por parte dos redatores, facilitando a anlise do discurso que os sustenta. Foram mantidos os
eventuais destaques por aspas ou italic inseridos pelos prprios autores das matrias,
conforme o original. Tambm a ortografia original foi mantida, ainda que em desacordo com
as normas gramaticais de ento ou as atuais, embora explicada ou traduzida, quando
necessrio.
uma organizao. O narrador, ento, descreve como seriam (homens de grande corao,
sensveis ao infortnio e avessos perversidade e ao crime) e conclama aqueles que se
identificam como brasileiros que inclusive recebe uma inicial maiuscula - a um repdio
automtico contra aquilo que ele prprio j aponta como perverso ou criminoso. Que no caso
em questo, como vai deixar claro no decorrer da matria, seria a quebra da ordem
monarquista para instalao de um regime republicano.
O uso da narrativa jornalstica para a construo de uma ideia de nao est evidente
tambm em longo artigo publicado no Jornal da Cachoeira, Correspondencia particular
(1857, p.1-2), que trata da perda da presidncia da cmara por parte do deputado Pedro
Muniz, onde o redator - que assina apenas Seo amigo O - pondera:
Ao desenvolver o raciocnio, deixa claro que o caso do Brasil seria este ltimo (o de
muitos pases), uma vez que o utiliza como pressuposto para assentar sua defesa do poltico
cachoeirano, ao qual evidentemente atribui sabedoria e talento. O importante, no caso,
destacar a ideia bsica - reproduzida at os dias atuais - que aponta no sentido de que cada
nacionalidade teria seu conjunto especfico de atributos a influenciar no prprio carter (ou
falta dele) dos seus patrcios. No caso, a riqueza para a formao de um pretenso carter
norte-americano; a aristocracia para os ingleses etc.
Matria de primeira pgina do Pequeno Jornal, intitulada Depois da doutrina, o
homem (1943, p. 1), tece comentrios sobre o regime comunista russo de ento, ressalvando
discordar de seus princpios ideolgicos, mas identificando e apontando qualidades de
administrador em Stalin, que teria transformado um pas falido numa fora militar de alta
capacidade, sentenciando que
Alm de reforar a noo de que cada coisa - seja um pas ou uma pessoa, com suas
respectivas classes sociais - tem seu prprio lugar natural, um lugar que lhe cabe, o discurso
prope a ideia de que um povo teria certo temperamento, certo jeito de ser, atribuindo uma
caracterstica humana para aquilo que deveria ser tratado como um coletivo nacional em
determinado contexto histrico. Pois, para este tipo de narrativa, as coisas no acontecem em
decorrncia de uma conjuntura socioeconmica e cultural que as envolve e condicionam
historicamente, inclusive a partir do fato de estar a sociedade dividida em interesses de classe
quase sempre opostos e conflitantes, o que estratifica as diversas camadas e grupos de
populaes. Apesar disso, a ideia a ser vendida nos jornais que as coisas so assim
naturalmente, ou seja, as pessoas nascem dessa forma e ponto final. Conforme deixa explcito
a nota publicada na coluna Avulsas (1901, p.2) do jornal A Ordem:
interesses polticos ou de classe travestidos em ideais ora liberais ora republicanos, nacionais
ou democrticos, a depender do contexto histrico. Foi assim, por exemplo, com o
Recopilador Cachoeirense, que nas primeiras dcadas do sculo XIX argumentava em artigo
assinado por um Baro de Holbach (1832, p. 6) que
No texto, est claro o papel que cabe aos militares, qual seja o de defesa das pessoas e
suas posses, da propriedade privada, enfim, merecendo o estigma de traidor e covarde aquele
que de algum modo desviar-se desta orientao em favor que algum outro tirano ou dspota.
A cobrana de patriotismo, inclusive, foi uma constante no discurso desta imprensa que
tentava construir sua trajetria em uma nao ainda em formao e imersa em contradies
aparentemente insuperveis. Em outro exemplo, toda uma cartilha liberal surge bem explcita
no artigo dO Argos Cachoeirano (1850, p.2-3) que inicia enumerando
Outro tpico apelo ao patriotismo est na matria do Echo Popular (1877, p.1) que
anunciava os festejos em comemorao ao 25 de Junho:
31
Aqui, no sentido de treinados, bem preparados militarmente.
141
Sempre retomando a ideia dos deveres inescapveis de todo cidado, apela analogia
com a matemtica, emprestando um carter de cincia exata ao civismo e ao sistema de
democracia representativa, os quais defende ardorosamente como princpios universais
inabalveis. Mas certos contextos histricos podem tornar de tal maneira relativas as ideias de
civismo e de nacional a ponto de elaborar argumentos como o do redator dA Cachoeira em
matria de primeira pgina intitulada Getulio Vargas, o heroi do continente (1942, p.1), para
quem
Afinal, para alm da retrica alarmista e extremada que era exigida, sobretudo
imprensa, naqueles tempos de intensificao de um conflito brutal e de extenso mundial, o
apoio grande liderana que se empenhava em unificar a nao deveria ser incondicional e
inquestionvel, a partir de um discurso que alertava ou advertia que o patriotismo era uma
questo de merecimento.
Um extenso artigo publicado no peridico cachoeirano A Voz da Mocidade com o
ttulo O seculo XIX (1850, p.1-2) afirma que
Esto a quase todas as representaes que orientaram o discurso para o perodo, que o
prprio texto j identifica como o sculo das luzes: a inteligncia (razo, racionalidade), o
progresso (aqui entendido como avano e descoberta nos campos cientfico e tecnolgico), o
desenvolvimento (o uso deste conhecimento cientfico e de sua tecnologia) e a liberdade
(individual, de propriedade, de expresso, de voto e representao etc). Logo, seu redator
estaria tratando de maneira mais especfica deste conceito de liberdade, falando em nome do
povo, j que na liberdade que se bazeia a felicidade do povo, e foi por amor della que elle
sofreu por tantos annos as fogueiras da inquisio, que apesar das victorias que nella foro
lanadas, no podero destruir no corao humano, o amor da liberdade (1850, p. 1-2-).
Outro artigo, apropriadamente intitulado Theoria do Progresso (1859, p. 1-2), circulou
nO Paraguassu com a seguinte abertura:
o que seria hoje deste vasto Imperio, onde a natureza com tanta profuzo
espalhra seus mais ricos dons, s com sua constituio to liberal, s com
esses cdigos onde o cidado e os poderes do Estado estam sob uma
salvaguarda poderosa, na benefica e sbia distribuio dos direitos e deveres
que, nascendo do fulgente diadema, desce e cobre o desgraado que vive
envolto no lodo dos crimes e na esteira da misria?
Novamente, a aluso famosa generosidade da natureza para com o nosso pas. Mas
ele mesmo responde questo apontando o mau exemplo dos nossos amigos do sul, sobre os
quais descreve um quadro de profunda desordem social, para arrematar:
Felizmente nos fomos arrancados a esta lastimosa sorte pelo esforo que
temos feito, cercando nossas instituies liberaes com instituies posetivas,
e representadas, nas aberturas de estradas, no assentar dos carris, na
navegao dos rios, nas instituies de crdito, no progressivo
aniquilamento do trfico, e, emfim, distrahindo a opinio publica dos
negocios polticos, impellindo-a para alvos mais fecundos, mais positivos e
mais perduraveis (O PROGRESSO, 1861, p.1).
Cabe observar, ainda, que quando trata do trfico de escravos, relacionado entre as
aes de logstica dedicadas a impulsionar o desenvolvimento nacional, usa o termo
progressivo, um eufemismo para tentar explicar a injustificvel resistncia dos comerciantes
baianos em extinguir totalmente a atividade32. Neste sentido, o artigo tambm condena as
teorias sociais as mais engendradas dos americanos do norte, provavelmente referindo-se aos
intensos debates sobre a abolio da escravatura naquela parte do mundo, ento uma das
principais pautas a colocar lenha na fogueira que logo acenderia por l uma acirrada guerra
civil.
Tambm chama a ateno o verbo escolhido para ilustrar o esforo empregado pelo
prprio redator do texto e por aqueles que representava (o que fica claro quando ele resolve
empregar na narrativa a primeira pessoa do plural), no sentido de salvaguardar as nossas
instituies: eles estavam distraindo a opinio pblica dos negcios polticos, ou seja,
desviando, afastando, fazendo esquecer e tangendo em outra direo. Porque, para o autor do
texto, o progresso nacional, enquanto capacidade para gerar a infraestrutura necessria para
acumular bens e capitais, estaria baseado no na discusso de suas prprias instituies e
32
O que aconteceria apenas em 1888, com assinatura da Lei urea.
145
prticas polticas, mas em objetivos mais fecundos, como a abertura de estradas e a concesso
de crdito. Este, afinal, o ponto que se deseja alcanar com o discurso, para o qual conduz
toda a argumentao apresentada:
O discurso usa o artifcio de substituir a parte pelo todo, ou seja, faz de um tipo
especfico de cinema - o hollywoodiano norte-americano, que tem sua tcnica, linguagem
esttica, filosofia e estratgias bem definidas e especficas algo universal, de inspirao
altrusta, como se fora patrimnio humanitrio livre de quaisquer contaminaes de ordem
mercadolgica, poltica ou ideolgica. Recurso largamente utilizado, sobretudo pela prpria
imprensa, ao abordar vrios outros paradigmas formadores da nossa alma coletiva ocidental.
3.2.2 Os polticos
Mas hoje, tenho que luctar no s com a ausencia quasi completa de materia,
como tambem com o estado precario do meu cerebro, que me no tem pago
o tributo em razo, em razo de ter fallido (legalmente). Pobre cerebro!
Ests sendo victima tambem dos golpes que tem ferido os cofres
provinciais. Si entrasse a politica nos meus escriptos, ento teria sempre de
que fallar, porque a fonte inexgotavel e a politica nunca recusou
inspiraes aos seus adeptos; eu, porem, no metto o dente nella, pois acho
a de muito difficil digesto.
Ora, o autor do texto comete algo (escreve um comentrio de natureza poltica, como
a referncia irnica, porm direta, aos golpes que estariam vitimando e levando falncia os
cofres da provncia) e o nega, incontinenti, na frase seguinte! Pois quando algum escreve si
(se) entrasse, nesta forma condicional, porque efetivamente no entrou. E no entanto
exatamente isto o que ele fez, ou seja, entrou com um comentrio poltico em sua coluna.
Alm disso, refora o que seria a opinio geral em relao atividade, ou seja, o seu carter
negativo, quando assegura que no meteria os dentes nela (quer dizer, no a comeria ou
equivalentes do tipo tragaria, engoliria) por ser de difcil digesto.
Curiosa a metfora proposta pelo redator dO Argos Cachoeirano no artigo A
Constituinte (1851, p.1) onde escreve que
verificar a definio do homem pobre e seu lugar no mundo, seu destino no estado das coisas
de ento, quando denuncia o alto preo dos medicamentos:
Nessas alturas, com essa espada de Dmocles, sobre sua cabea, o pobre
nem deve dizer que adoeceu. Em todo caso, como a nossa Flora riquissima
e muito variada, Z Ninguem sente o mal, banca o medico e corre ao mato a
buscar folha ou raiz. Minora em pouco dos seus sofrimentos, mas se lhe
depara logo outro problema dificil a resolver: o da dieta... No havendo geito
(sic), recorre ao po dormido e... agua (A GUERRA e suas consequencias na
vida do pobre, 1942, p.1).
Sob a gide do Estado Novo regime de governo fundado, em boa hora, sob
os aplausos e as benes (sic) na nacionalidade, para salvar a patria do
abismo profundo da anarquia implantada pela ambio da poltica
partidaria vai o pais ganhando terreno no campo do progresso, da paz e
da ordem, estabelecidos por S.Exa. Sr. Dr. Getulio Vargas.
Ou seja, a culpa vai para o povo. A concluso da matria elucidativa, neste sentido:
E qualquer pedao de terra Brasileira que tiver a pouca sorte de ter filhos insatisfeitos ou
abraar elementos demolidores, h de ser irremediavelmente uma terra infeliz (TERRA
infeliz, 1944, p.1). Neste caso, o povo cachoeirano - na verdade, aquela parcela que se
colocava em oposio ao grupo ou aos interesses polticos com os quais o jornal se alinhava,
no momento - ilustrado na figura daqueles que criticavam a deciso do ento prefeito de
buscar recursos para calar a tal rua.
Novo exemplo de tentativa para manipular a autoestima de uma populao em
benefcio prprio, com reforo de discursos do tipo o quintal do vizinho sempre melhor que
o nosso, est na matria do semanrio O Brazil que leva o ttulo A nossa edilidade33 (1886,
p.1-3), onde o redator tece severas crticas administrao municipal. Embora afirme
33
Conjunto de representantes do municpio, como as atuais Cmara de Vereadores.
151
inicialmente que no desejaria escrever uma s palavra sobre o assunto, termina fazendo-o de
maneira extremamente arrogante, em estilo afetado e recheado por citaes em latim. Em
certo trecho, ataca:
3.2.3 A imprensa
Ele primeiro lamenta o que identifica como uma indiferena embora sem especificar
se por parte da populao em geral ou de suas lideranas ou de algumas delas, em particular
que estaria deixando nervosas as tais foras vivas e ativas da nao. As quais, mais adiante no
texto, identificaremos como os homens que comandavam as corporaes da agricultura,
comrcio e indstria do pas. Leva seu foco, ento, imprensa, que teria a misso espiritual de
oferecer-se como representante da conscincia e da opinio nacional, mas que por vezes pode
afastar-se deste mais augusto dos encargos para tratar de poltica ou de comrcio. E faria isso,
deixando de lado as necessidades pblicas e a soluo dos problemas sociais que golpeiam a
nacionalidade.
153
Esta imprensa preocupada apenas com a poltica e com o comrcio estaria dedicando-
se a polmicas e questes menores e repugnantes (da aldeia, pois), esquecendo de ouvir as
inteligncias que se ocupariam de algo til sociedade. Donde se conclui que, para o autor da
narrativa, a imprensa deveria ser um instrumento a ser colocado acima das discusses
polticas e dos embates sociais locais, acima tambm das preocupaes comerciais, para
dedicar-se ento a discutir os interesses da classe produtora da riqueza, do ouro amealhado de
forma constante e abnegada. Para deixar isto bem claro, ele conclui o texto louvando
fartamente o papel desempenhado pelos comerciantes, produtores agrcolas e industriais,
todos injustamente submetidos a altos impostos.
Esta disposio em mostrar-se como instrumento de fiscalizao e moralizao das
aes da sociedade aparece bem clara no artigo publicado no jornal O Vinte e Cinco de Junho,
intitulado Mordomia da Casa Imperial (1854, p. 4), que protesta de maneira veemente contra
as homenagens pstumas que o governo imperial estava anunciando em honra do seu antigo
conselheiro, senador, ministro da Guerra e governador geral, Jos Clemente Pereira.
Homenagens que incluam uma esttua e a nomeao da viuva como condessa. A certo
momento, o redator ameaa, chegando a mudar o estilo da narrativa a fim de dirigir-se
diretamente ao imperador:
com o pas viria em primeiro lugar. Mas as ameaas vo mais longe ainda, quando o redator
apela Constituio de ento, considerando a hiptese de apresentar uma representao
contra o imperador, pedindo o reconhecimento de sua incapacidade fsica e moral para
governar.
O jornal volta carga na edio seguinte, em artigo intitulado A morte do Sr. Jos
Clemente Pereira (1854, p.1), mais uma vez protestando contra as homenagens ao falecido
senador:
Deixando bem clara sua opo nacionalista, o jornal lembra que o poltico a ser
indevidamente homenageado teria sido tambm conselheiro do primeiro imperador, ao qual
teria sugerido ficar no Brasil a fim de conserv-lo para sempre unido a Portugal, o que pode
ser lido tambm como conserv-lo submisso a Portugal. Outra inteno no tem o trocadilho
com o dia do fico, no qual teria tambm ficado perpetuada a desgraa nacional. Sua
indignao evidente, portanto, contra os escritores miserveis, portugueses ingratos e
brasileiros degenerados que ousariam ento proclamar o tal conselheiro como patriarca da
independncia.
Em seu primeiro nmero, o jornal O Argos Cachoeirano proclama, em longo artigo de
apresentao (1850, p.3) que
Quer dizer, ele primeiro se apresenta como o recurso eficaz que tem o cidado para a
defesa dos seus direitos, mas logo identifica na faco saquarema, como foram apelidados os
seguidores do regime imperial de ento, a ameaa de arbitrariedades e de ataques sua
liberdade. Para ento advertir que esta imprensa ele prprio, portanto deve ser sustentada,
protegida, sem esquecer a ameaa de que nenhum de ns sabe sobre a cabea de quem cair,
155
amanh, a violncia e o raio do despotismo. Um detalhe sobre este jornal que, apesar de
declaradamente liberal e defendendo fervorosamente nos artigos e editoriais os direitos do
homem, a liberdade de expresso, de propriedade e de conscincia, circulou quase sempre
com uma grande quantidade de anncios de compra e venda escravos em suas pginas.
To igualmente convencidos de sua importncia estavam os responsveis pelo
peridico A Voz da Mocidade, que envolvidos ento na luta pelo fim do imprio - chegaram
ao ponto de produzir afirmaes como estas do artigo O espirito liberal (1850, p.2):
Por sua vez, o redator do jornal O Americano, P. Soares (1878, p.2), assegura que
Em texto to curto, seu autor conseguiu sintetizar com objetividade mpar uma viso
sobre a imprensa que permanece hegemnica, sagrada (como diz), intocvel mesmo, at os
dias de hoje. Esto nele no apenas os deveres ou misses, aqueles compromissos que em
geral so explicitados por seus agentes, como investigar (descobrir), denunciar (apontar) e
contribuir com responsabilidade social para o desenvolvimento e o bem estar da sociedade
(propor). No texto esto tambm aquelas atribuies que so quase sempre omitidas, s vezes
at negadas, apesar de familiares ao fazer jornalstico, quais sejam impor um padro moral
(moralizar), estabelecer um paradigma educacional (instruir) e provocar as reformas e
mudanas que considerar necessrias ou convenientes (regenerar). Pois assim a imprensa,
ela no deve ser apenas entendida, mas inclusive acatada, vez que deve ser um sacerdcio,
um altar e no um balco. Todavia, quando o redator escolhe a palavra deve aponta ao leitor
que ela necessariamente no , ou seja, que ela pode, sim (s vezes, por parte dos outros,
evidentemente), ser um balco.
Alguns peridicos optavam por um formato que explorava o humor e o escracho para
transmitir suas crticas aos governantes, defender seus ideais, difundir seus pontos de vista ou
156
apenas atacar seus desafetos pessoais. Foi o caso do Almotac, que entre um e outro artigo de
inspirao nacionalista e liberal, inclua anedotas, citaes jocosas, frases de efeito e outros
subterfgios para divulgar as notcias que de algum modo advogassem causas do seu
interesse. J no texto de apresentao do seu primeiro nmero, estabelecia que
O Almotac um juiz do Povo que por elle vella; sua autoridade local,
porem quando de outra localidade, ou parte do Imperio lhe vier alguma
circunstancia qua mal faa a sua administrao e bom governo, exigir da
authoridade donde ella tenha partido, providencias, a fim de arredar-lhe os
tropeos sua administrao (O ALMOTAC, 1850, p.1).
Ao concluir, deixa claro que vai usar as informaes que lhe forem encaminhadas, no
pagar por elas e seu autor ainda ser o nico responsvel por quaisquer consequncias
advindas de sua publicao. Contudo, na prtica, tais denncias apareciam sempre sob
pseudnimos, como o Escopeteiro, o Moxingueiro, o Codeos, o Castrador, o Impavido ou
Meumeu. Mas o repertrio dO Almotac inclua tambm uma coluna chamada Parte oficial,
dedicada a publicar pardias de atos oficiais, nomeaes, decretos governamentais e ordens
do dia atravs dos quais atingia os ento representantes do governo imperial. Os textos eram
annimos e mesmo os alvos das crticas quase sempre estavam identificados atravs de
personagens como o Baro das Crioulas (que seria o alcaide, representante maior do poder
oligrquico local), o Sr. anti-subdelegado da cidade (este, responsvel por vrias
arbitrariedades praticadas na vila), Sr. Caixa dOssos, Bollaxinhas de Mofo e o Mandacar
das Caatingas (certamente, algum oriundo da regio sertaneja), entre outros. Sem falar no
prprio Almotac, que em geral falava em primeira pessoa, assumindo a funo simblica de
fiscal dos pesos e medidas morais, sobretudo - da comunidade, como est claro na seguinte
Ordem do dia (1851, p.3):
S. Ex., o Sr. Almotac com guarda, manda fazer publico que se acha em
liberdade o cidado Joo Capistrano recrutado pelo Exm. Sr. Baro das
Crioulas, e manda louvar a pessoa que o protegeo, que prestou ao mesmo
recrutado e a seu irmo, tambem traioeiramente mandado recrutar na
capital pelo baro acima referido: e por honraria ao dito baro, manda S.Ex.
que seja dora em diante honrado pela guarnio com mais o titulo de =
marquez das Bufas = Salla das ordens 15 de janeiro de 1851 Bollaxinhas
de Mofo, tenente ajudante general.
Figura 37
Criativa tambm foi a frmula encontrada pelo jornal O Futuro, que criou a coluna
intitulada Porque ser? (1880, p.2) para formular questionamentos aos polticos e autoridades
locais, quase sempre lanando mo do humor, ironia e muito veneno, como a seguinte:
Ou ainda, na mesma edio, pouco mais abaixo: Que a qualquer hora do dia ou da
noite encontra-se a policia em um botequim que existe na rua das Ganhadeiras36? Estaro
por acaso patrulhando aquelle estabelecimento? (PORQUE ser?, 1880, p.2).
Mas a imprensa regional da poca tambm se ocupava de fatos curiosos e os publicava
por vezes sem preocupar-se em apurar sequer a sua verossimilhana. Como bem ilustra a nota
transcrita do jornal Commercio de Portugal pelo cachoeirano O Santelmo (NOTICIARIO,
1880, p.1-2), sem nenhuma referncia ou indicao de que se tratava de humor ou fico, mas
garantindo que estaria se apresentando em Paris um autntico fenmeno:
36
No Recncavo, o termo ganhadeiras atribudo s prostitutas.
159
J quando trata de tema que considera importantssimo para a vida nacional - no caso,
a proibio do jogo de azar, que logo define como pernicioso, destruidor da economia do
povo, imoral, funesto e selvagem, entre vrios outras adjetivaes to comuns ao estilo da
poca - o redator dA Ordem inicia seu discurso colocando as coisas em seus devidos lugares,
definindo o papel de cada um na questo:
Em texto intitulado A vitria do Pequeno Jornal, o articulista Ary Teles (1942, p.1)
prestava homenagem ao prprio peridico, que na data completava 30 anos de atividades,
assegurando que ele elevou-se nas doutrinas e opinies, refletindo a fibra e o valor de
Cachoeira; agigantou-se na amplitude de um ideal integrado nos moldes de renovao de
Estado Novo. Como se pode comprovar, mesmo um regime mais autoritrio e centralizador
em relao chamada liberdade de imprensa, como foi a era Vargas durante e logo aps a
Segunda Guerra Mundial, os veculos de imprensa seguem apontando seu papel de destaque,
ainda que seja renovador de uma certa fibra e valor do povo ao qual afirma ser porta voz.
Tal vocao natural para quarto poder tambm est explcita no artigo do mesmo
Pequeno Jornal com o sugestivo ttulo de Imprensa e governo (1942, p.1), onde afirma que
Neste tom elogioso que termina por confundir as instituies e instrumentos legais
com o governante de ento (vez que as leis altamente sbias so mesmo as nossas), segue
tecendo elogios imprensa nacional, que ento seguiria mantendo se irrestritamente ao lado
dos legitimos e superiores interesses da Patria, em apoio deciddo e justo ao Governo do
Presidente Getlio Vargas (IMPRENSA e governo, 1942, p. 1). Ou seja, para alm de uma
inclinao por bajular o poder que o Pequeno Jornal no parecia preocupado em esconder, as
motivaes da imprensa surgem ento intrinsecamente ligados aos interesses da nao (da
ptria) e mais especificamente ainda aos do ento presidente da Repblica (que encarnava o
governo, em si). Aps mais uma srie de elogios a Vargas, o texto trata da
Enfim, o articulista assume com todas as letras o papel que entende para o jornalista e
o uso que este deve fazer do seu ofcio no sentido de prover as energias cvicas ao povo, que
por sua vez deve ser orientado quanto a quem so os verdadeiros inimigos e quais so os seus
deveres sagrados.
Novo exemplo interessante deste mesmo perodo est na matria de Paulo de Campos
Moura (1943, p.2) que, aps reverenciar o papel que a imprensa desempenha para o progresso
nacional, lembra que
Neste caso, importante chamar a ateno para a escolha das palavras, como a
transformao (da opinio pblica) e a uniformidade (do esprito popular), que remetem ao
papel ativo que tem o campo jornalstico e seus agentes no sentido de interferir e influenciar,
homogeneizando a chamada opinio pblica, ou seja o pensamento mdio da populao,
sempre em favor do regime, de sua solidez com segurana. Por fim, o autor ainda fala de um
patritico objetivo do jornalismo brasileiro naqueles tempos de guerra.
161
Uma folha houve que anunciou estar gripada metade da populao! exato
que os casos no foram poucos. Residncias houve em que todos pagaram o
seu tributo doena. Outras, porem, se viram inteiramente indones. O ritimo
da vida carioca nada perdeu, em nada se alterou. Estivemos bem longe dos
tristes e lutosos dias de 1918. Emquanto, nos ttulos e subttulos os jornais
afirmavam a gravidade da pandemia, no noticirio registravam que apenas 7
gripados haviam dado entrada a Santa Casa, 5 o Hospital So Francisco de
Assis. E o boletim demogrfico anotava 35 mortos, por gripe, na semana de
4 a 11 do corrente. Que representa isto, numa populao de dois milhes de
habitantes? O alarme s serviu s farmcias, que fizeram negcio custa do
exagero da imprensa. Basta dizer que as injees de dilamina do Instituto
Pasteur da Baa, em dois tempos, tiveram seu estque esgotado... A alguem
devia aproveitar o ruido da imprensa (ARAJO, 1933, p.1).
162
3.2.4 Brasil
Uma das imagens reproduzidas com mais frequncia pelo senso comum em relao
ideia de Brasil talvez seja a do gigante pela prpria natureza, pas do futuro e de inesgotveis
riquezas, mas sempre refm de uma elite de governantes incapazes e desonestos, que subjuga
ao seu povo alegre, ordeiro e hospitaleiro, embora fraco, desnutrido, ignorante e sem
educao. Exatamente o quadro desenhado no artigo de Ervidio P. S. Velho (1888, p.3), que
inicia elogiando a civilizada Frana, a grave e pensadora Alemanha e a laboriosa Amrica do
Norte, creditando seu sucesso ao investimento em educao, para ento lamentar a completa
falta de escolas no Brasil, que descrito como
esse paiz gigante e colossal, esse paiz grandioso e sublime com qual a
natureza no podia ser mais prodiga do que foi, situado no Novo Mundo,
que na expresso ardente e magestosa de Emilio Castellar a terra do
porvir, ainda se acha sob esse ponto de vista collocado entre as naes de
segunda ordem. (...) Triste e lamentavel paiz! To bello, to rico, to
immenso, e obrigado a seguir a marcha lenta e perigosissima do acaso. A
eschola, donde emana a grandeza e a vitalidade das naes, onde se forma o
corao e se educa o espirito da mocidade, esse sustentaculo inexpugnavel
dos povos em todas as phases da vida da humanidade, est no brazil
desprezada pelos governos.
santa promessa que nos legaram os martyres de mais duma gerao, regada
com o sangue ardente do Proto Martyr da Inconfidencia, orvalhada das
amarssimas lagrimas dos cysnes expatriados, na solido do exilio, a alma da
mocidade, que guardara em seu seio santo gazophylacio como uma
preciosa reliquia, essas bemditas promessas de Redempo, estremeceu
extatica ao contemplar daquella viso mirifica, que era o sol nascente da
Republica vindo acordar os obreiros do Progresso, para entoar unisonos, no
grande concerto universal, os hymnos desse Evangelho novo Paz,
Trabalho e Liberdade.
A Repblica, ento, apontada no s como uma redeno de carter universal, mas como
autntico evangelho a ser seguido. Contudo, o articulista parece no concordar com os rumos
que a situao poltica tomara, pois logo questionava
quando deixar este infeliz paiz de ser prsa do monopolio dum grupo de
sabidos e felizardos, estadistas de contrabando que reinam sobre a
ignorancia do povo, especulando com o seu suor? (A REPBLICA e a
verdade eleitoral, 1900, p.1)
Mais uma vez, encontramos reunida num mesmo texto toda uma coleo de
construes que apontam cansativamente para uma s direo: a de uma nao grandiosa, que
havia alcanado sua forma republicana de ser e destinava-se ao progresso, mas que sofria,
infeliz, nas mos de lideranas inescrupulosas que se aproveitavam da ignorncia do seu povo
fraco e humilde.
De fato, sempre que pretendia atingir ao governo, os jornalistas daquele perodo
costumavam apelar para um tipo de discurso que investia contra a autoestima nacional. Como
faz o artigo Os homens de sangue s querem sangue!!! (1851, p. 4), no qual o redator dO
Argos Cachoeirano protesta com veemncia contra a expatriao de Domingos Guedes
Cabral, responsvel pelo jornal O Guaycur, da vizinha Santo Amaro, lamentando que este
paiz est condemnado a ser o apanagio exclusivo de realistas corcundas, de servis e
aduladores safados, de negreiros e moedeiros falsos, de velhacos e ladres de toda espcie, de
ciganos, em uma palavra.
Aproveita a oportunidade e coloca no mesmo balaio dos partidrios do imprio, os tais
realistas corcundas e sua corte de bajuladores aos quais se refere, tambm os traficantes de
escravos embora este mesmo jornal publique regularmente anncios de compra e venda de
africanos, como nesta mesma edio, na qual havia dois deles e os falsrios, golpistas e
ladres de toda espcie, sobrando insulto inclusive para os ciganos, que surgem na narrativa
como alvo final, a resumir e condensar os crimes de todos aqueles antes citados.
O mesmo ocorre com a matria S o rei governa (1877, p.1), onde o redator do
semanrio A Verdade, com a inteno de tecer crticas atuao do ministro da Fazenda, o
baro de Cotegipe, e atravs dele ao prprio imperador, inicia a narrativa desta forma: O
descalabro em que vai a direco dos publicos negocios nos faz entristecer. A desmoralisao,
o discredito e a corrupo dominam em nosso paiz. Somente depois que vai descrevendo a
suposta improbidade dos governantes.
164
Em artigo no qual lamenta a morte do jornalista Csper Libero, o redator Jos Firmo
(1943, p.2) tece um elogio ao falecido mas logo remete o raciocnio ao que entende como o
carter nacional, narrando:
perfeitamente aceitvel que se conclua, pelo que diz o articulista, que a corrupo
no parece um fenmeno humano, inerente atividade poltica onde quer que ela ocorra no
planeta, mas sim uma caracterstica especfica deste pas, o Brasil de onde e para onde ele
prprio escreve.
A fim de protestar contra um tabelamento de preos, matria do Pequeno Jornal sob o
ttulo Agora tarde (1945, p.1) dispara logo em sua abertura que no Brasil acontecem
cousas incriveis. Todos sabem disso. Mas, nem assim possvel imaginarmos at que
extremos somos capazes de chegar nessa materia de fazer cousas inconcebiveis. O tom
adotado dava mostras de que a publicao parecia, enfim, confiante em passar a criticar as
aes do governo sob regime do Estado Novo, que antes apoiara to veementemente. E
exemplifica, de forma eloquente, uma forma de discurso to disseminada no senso comum
nacional e, portanto, incansavelmente reproduzida pelos veculos de imprensa - segundo a
qual o Brasil no um pas srio ou ainda de que pode-se pensar em qualquer absurdo que
ele j teria acontecido aqui.
As referncias depreciativas em relao ao Brasil eram ainda mais especficas e
contundentes quando se tratava das provncias mais ao norte do pas. Exemplo disso est no
editorial produzido pelo jornal O Argos Cachoeirano, que pretendia argumentar contra as
tendncias separatistas que identificava poca. Em meio a diversas outras ponderaes de
ordem geogrfica, poltica, econmica, histrica, estratgica, logstica e at cvica, afinal
adverte:
entre ns, onde alis, h bem poucos annos, o luxo carnavalesco tocou ao
frenesi e a desenvoltura delirante da populao entregava-se toda ao prazer
da folia, vemos com que um certo indifferentismo (sic) para o carnaval, este
anno, pois que apenas algum falacio vago apparece a respeito. Muito triste
ser, pois, si o povo cachoeirano deixar passarem immersos no
indifferentismo os proximos dias de carnaval, o que pode dar em resultado
surgir novamente aqui o apparecimento do pernicioso entrudo, pois no
deixa de haver por ahi estouvados que delle ainda tenham saudades
(CARNAVAL, 1900a, p.1).
166
A referncia para tudo aquilo que o autor do texto considera civilizado europeu,
parisiense para ser mais exato, o que leva indicao direta dos modelos a ser imitados, como
a dana do can-can e as fantasias de pierrot, palhaos, polichinelos e dndis (aqui, tambm
so aceitos termos derivados das lnguas inglesa e italiana, no obstante o foco principal
permanea na cultura francesa). A narrativa, ento, se encaminha inevitavelmente na direo
de outras construes doravante e cada vez mais associadas ao carnaval brasileiro, quando
recomenda que no seio desnudo da alegria bebei o perfume do prazer e nas tranas pretas,
como as de uma mulher judia, da Folia pousae a face enrubecida pelos osculos deste sol de
quente vero (CARNAVAL, 1900b, p.1). A saber, esto a as figuras da morena (ainda que
remetendo a um modelo tnico talvez poca mais convenientemente associado ao extico),
do sol e do vero que a indstria do turismo aprendeu a associar de maneira to eficiente.
167
Por fim, a chamada paixo pelo futebol por parte do brasileiro no poderia ficar de
fora. O tema surge no artigo intitulado Eplogo de um jogo, escrito por Artur Marques (1943a,
p.4) no Pequeno Jornal, sobre os campos de futebol improvisados e precrios que surgem por
todo o pas e de onde despontam grandes craques, azes da pelota, artistas de um jogo
violento e que tem os seus nomes dentro e fra das fronteiras cantados em prosa e verso nos
dominios do esporte que eletriza multides e movimenta milhares de cruzeiros nas rodadas
dominicais. O texto prossegue afirmando que tais jogadores que vo se tornando famosos,
No fundo, um comentrio que se pode encontrar, sem muito trabalho de pesquisa, nos
editoriais ou colunas especializadas dos jornais de hoje. Em contrapartida, porm, o autor
lembra que muitas cabeas pejadas de sapincia so donas de muitos bolsos vazios, para
concluir dramaticamente que si de tais campos saem astros, dles tambm saem viboras
(MARQUES, 1943a, p.4).
Rude e inocente, sofrendo sob o jugo de lideranas que s pensam em seu prprio
benefcio, o povo brasileiro estaria ento sem um protetor que o guie e oriente, advogando sua
causa. Este povo digno de compaixo seria, portanto, completamente inepto e desorientado,
168
vez que precisaria de quem lhe diga onde ir. Seria tambm desprotegido e incapaz de defender
a si prprio. Por isso permaneceria assim, inerte, vacilante e colono em sua prpria terra. A
expresso tambm prepara o terreno para a posterior crtica contra o monoplio da agricultura
e comrcio em mos de portugueses. O texto segue criticando e condenando os tais polticos,
aliados ao regime imperial ento no poder. Mais adiante, se contradiz em relao ao povo
vacilante e sem guia, ao conclamar:
Pvo valente e generoso, povo do Brazil, ser posivel que te curves a eses
teus roncorozos inimigos? Ser posivel que continues a gemer debaixo da
tyrania de seus pezados grilhes? Ser posivel que te escravizes a um luvio
de covardes que entrego as altas pozies oficiaes; o comersio, as Artes, a
Agrecultura, nosas vidas, nosas HONRAS, tudo, tudo aos galgos?
(PENSAMENTO democrata, 1854, p.3)
Assim, quando chamado ao, este mesmssimo povo torna-se valente (alm de
generoso), embora logo depois esteja novamente curvado e gemendo ante a opresso dos
rancorosos e covardes inimigos. Inimigos estes que o prprio redator faz questo de apontar,
identificando-os entre aqueles que oferecem aos galegos37 os melhores cargos pblicos e o
monoplio das atividades agrcolas e comerciais. Por fim, conclui garantindo que a soluo
para todos estes males estaria no apoio popular realizao de uma constituinte, que seria o
meio (o instrumento) atravs do qual se alcanaria a Repblica, o fim (objetivo) e a salvao.
A construo de um pretenso carter nacional inclui, ainda, a reverberao insistente
de ideias como a publicada no artigo intitulado O indifferentismo (1850, p.4), onde o redator
do jornal O Argos Cachoeirano decreta que
Entre todos os males que tem flagellado a terra da Santa Cruz nenhum ha
que tenha excedido ao indifferentismo em todas as suas accepes,
quaesquer que ellas sejo. Ver a patria nadar sobre ruinas, enthronisado o
crime, admettido o assassinato como meio governativo, sem que um dia
siquer possamos contar com a segurana de nossa vida, nossos bens, e nossa
liberdade; eis o estado de maior prosperidade, que uma cora na America
nos tem podido elevar, sempre que ninguem se importe, sino com os
meios de melhormente agradal-a!
A mesma ideia ressurge no artigo Qual o candidato do povo? (1901, p.1), que trata das
eleies presidenciais que se aproximavam:
37
Na verdade, o termo atribudo no somente queles estrangeiros oriundos na regio da Galcia, que de fato
migraram em grande nmero para a Bahia, mas se estende principalmente aos portugueses e tambm aos
espanhis ou ibricos de uma maneira geral.
169
Mas a matria finalmente chega onde queria, quando lembra que, em razo de uma
educao que mal principiara, o eleitor nacional no tinha condies de compreender a
importncia patritica do sufrgio. E fica em casa, tranquilamente (a possvel ler-se, da
mesma forma, preguiosamente), indiferente ao processo e seus agentes. Igual avaliao sobre
a ndole do povo brasileiro serve at hoje para justificar o voto obrigatrio, sem o qual todos
prefeririam ir praia em lugar das urnas nos dias de eleio, opinio fcil de se ouvir em
qualquer roda de conversas pelo pas afora, inclusive fartamente reproduzida por quaisquer
veculos de comunicao brasileiros. Por fim, cabe observar que ao autor do texto no
conveio apresentar ao leitor uma explicao alternativa ao problema, qual seja uma possvel
manobra por parte do governo federal no sentido de controlar mais eficazmente a futura
eleio constituinte, cadastrando apenas a quantidade ou o perfil de origem daqueles eleitores
mais do seu interesse.
Na mesma linha, mas desta vez defendendo posio contra a adoo do divrcio no
pas, o articulista Nelson Silva (1933, p.1) argumenta:
Deixando claro que conhece intimamente a ndole do povo para o qual se apresenta
como porta-voz, o redator parece esquecer de maneira conveniente a misso civilizadora que
a imprensa gosta tanto de imputar a si prpria e passa a advogar, ento, o respeito aos
costumes populares, ainda que incivilizados e impuros. Ao faz-lo, todavia, no consegue
escapar sua prpria viso de mundo, onde o povo analfabeto, sem condies de
compreender sequer o que seja o casamento, quanto mais a sua dissoluo legal. E deve ser,
portanto, protegido das influncias externas que certamente trazem a desordem no apenas
aos seus costumes simples e pouco civilizados, mas inclusive prpria nao.
Bem a propsito, parece da mesma lavra o artigo que, sob o ttulo 13 de maio (1900,
p.1), procurava homenagear a Lei urea, cuja data estava sendo comemorada. Dispondo-se a
avaliar a relao entre o fim da escravido e a proclamao da Repblica, o texto defendia o
ponto de vista de que um fato teria levado ao outro. A certa altura, argumenta:
171
Pelo lado moral, pode-se dizer tambm que a data de 13 de maio de 1888
marca o dia do comeo da formao do caracter brazileiro. Num paiz em
que as creanas nutrem-se do leite de escravos, os homens no podem deixar
de ter o germen do servilismo a correr-lhes pelas veias, no sangue... E era
por isso que Pedro II ria-se da revolta esporadica de alguns dos seus mais
activos subditos. Ser-lhe-ia facilimo chamal-os obediencia, desde que o
quizesse. Elle bem sabia que no fundo de cada brazileiro havia mais ou
menos um escravo (13 DE MAIO, 1900, p. 1).
Interessante observar, neste sentido, que ao mesmo tempo em que refora a noo da
mistura de raas que se cruzam, formando um povo livre de preconceitos, sem castas, fraterno
e respeitador das instituies e governos, o texto segue alimentando a alegoria que costuma
atribuir s naes caractersticas, virtudes e at mesmo sentimentos humanos. Assim, teriam
os brasileiros um pouco do sangue (que tambm pode ser traduzido como a alma, o fervor)
dos franceses, dos ossos (a fora, a robustez) alemes e das cartilagens (a emoo, o mpeto)
italianas, restando ao africanos o vigor (para suportar os rigores do trabalho pesado, claro) e
aos indgenas a honra (por resistir invaso de suas terras e submisso a este mesmo regime
de trabalho imposto aos africanos). Tudo isso, ento, teria criado nada menos que o ser mais
simptico e amoroso da terra.
A imagem que tenta construir de si prprio, enquanto povo e nao, est muito
presente no discurso da imprensa. A matria intitulada Nota carioca (1942, p.1-2),
comentando recente discurso do general Manoel Rabelo, inicia tecendo rasgados elogios ao
velho soldado, que assumia uma vaga junto ao Supremo Tribunal Militar durante o governo
Getlio Vargas. Diz a matria que, ao discursar, o general expe, com vigor, sua opinio
sbre a mania atualmente muito em voga, de distines de cres e raas (NOTA carioca,
1942, p. 1-2). E prossegue afirmando que:
que aqui, onde a questo de raa e cres no constituiu problema, passou a merecer cuidados
especiais, acrescentando que indivduos da raa negra passaram a tornar-se indesejveis (...)
Macaqueadores do nazismo, muitos brasileiros acharam que deveramos fechar todas as
carreiras aos que no fossem brancos (NOTA carioca, 1942, p. 1-2). E conclui louvando o
voto memorvel proferido pelo general junto ao tribunal militar, embora sem especificar ou
esclarecer a que processo, ou contexto, se referia. Na pgina dois desta mesma edio,
contudo, h outro texto explicando do que se tratava: era o julgamento do tenente Benedito
Alves Junior, no Rio de Janeiro, que estaria sendo perseguido na Escola Militar por ser negro.
A matria reproduz na ntegra o discurso do general, que em certo trecho deixa claro a
complexidade do tema e a natureza contraditria desta questo. Ele diz:
A politica da mulher deve ser a politica do lar, sciencia que ella ignora, mas
que tanto alcance tem como a politica das naes. A mulher o anjo da
humanidade, a sacerdotisa da famlia e, para que ella comprehenda o
valor da alta misso que fal-a parecer uma soberana, deve cingir-se ao
cdigo do bom tom e s regras da civilidade tambm. Saber educar a sua
prole, saber dirigir a sua casa, saber tornar-se a enfermeira dedicada e
amiga da sua amiga, esta sciencia que far a mulher forte, exemplificando-
a de mais. A brasileira, no obstante o seu bello exemplar de mulher
dedicada, um cofre de ternuras e de confirmao de sacrificios quando
elle se torna precioso, ainda falta comtudo comprehender a grande politica
do lar a que acima me refiro, nesta delicadeza infinita da diplomacia que
deve mostrar nas rixas de famlia, abstrahindo de si, como esposa, o inferno
do ciume, tendo em vista que a sua casa o templo aonde os paes, os
maridos e os irmos sintam-se em paz, abenoando a vida. Assim, na
psychologia alheia, ella aprender a sua propria, na exaltao das virtudes e
da moral, sendo fidalga na dor e modesta na ventura (SABINO, 1901,
p.2).
(como um cofre, que guarda e protege) e terna, disposta a sacrifcios sem recompensa (pois
que fidalga na dor e modesta na ventura), inclusive o de abrir mo de manifestar ciumes ou
reprimendas ao eventual comportamento mais liberal do marido. De qualquer forma, o artigo
guarda ao menos o mrito de ter sido escrito por uma mulher, num jornal que circulou no
primeiro ano do sculo XX.
O tema mais uma vez abordado por um redator do jornal A Ordem que assinava
Robes Pierre (1933, p.1), em matria onde anuncia que
Direto ao assunto, ele hbil na escolha das palavras desde o momento em que
informa sobre o assunto, no qual a mulher estaria se intrometendo em assuntos de homem, a
poltica nacional. Logo depois, associa a ideia do divrcio ao adultrio e prostituio,
embora no se dando ao trabalho de explicar exatamente como isso aconteceria, apenas
reproduzindo entre os argumentos apresentados a mxima de que o casamento um
sacramento divino. Ao final do artigo, todavia, contradiz-se ao defender que o casamento civil
seria diferente, at mesmo identificado pelo clero como obra do diabo e, portanto, seria o seu
destrato at aceitvel. Quanto ao segundo tema, assegura que
Por este raciocnio, o direito opinio prpria levaria ao fim dos casamentos. A
imagem da atividade poltica nacional, de outra forma sempre associada a prticas pouco
recomendveis, tambm surge quando Pierre (1933, p.1) faz a ressalva de que o quanto
pensamos e dissemos no uma objurgatoria mulher brasileira. , antes, sua defesa, porque
se a politica lhe produz a facinao, aps esta, lhe viro os desgostos e as iluses, pois que,
entre ns, se diz com muita verdade que la no tem entranhas. E arremata com um conselho
final: Fuja o belo sexo desta megra, que se chama politica (PIERRE, 1933. p.1).
177
39
Era prtica comum entre os jornais da poca traduzir e reproduzir material publicado em peridicos europeus.
178
paternidade do esposo h algum tempo ausente. At mesmo porque pode muito bem haver
uma relao de causa e efeito entre um fato e outro.
O reforo de mitos e a reverberao de estigmas e preconceitos tambm esto
presentes no relato publicado em A Ordem sob o ttulo Pancadas de amor (1901, p.2):
tropas nacionais, ainda que organizadas apressadamente para responder agresso do pas
vizinho. O redator reconhece que as dificuldades so muitas e conta que
Quem obrigado a ceder a uma fora superior j no mais nosso caboclo, j pode ser
tratado como irmo, como igual, ao tempo em que at desanimam mas no deixam de tentar,
se esforam, usam de todos os meios para tentar superar o erro estratgico cometido
(subestimar em nmero e armamento o adversrio). Muito significativa a escolha do verbo
governar para deixar claro que tipo de falta atinge a nossa gente. De fato, os caboclos
estariam sentindo falta de quem os governe e os oriente, o que vale dizer, de quem aponte em
que direo seguir e finalmente os salve, vez que eles no seriam capazes de faz-lo por si
prprios. Ento, o redator insere o fato que muda o sentido da narrativa e, assim fazendo, a
legitima:
Enfim, confirma o texto que, com a chegada do seu general, as tropas nacionais (a
partir deste ponto, no h mais referncias aos caboclos, eles agora so os valorosos
companheiros de luta) finalmente se reorganizam e alcanam a retumbante e histrica vitria.
Outro aspecto a ser considerado o papel doutrinrio do jornal, contribuindo de
maneira decisiva para a construo de um discurso que parece destinado a atingir mortalmente
180
A escolha dos ttulos j oferece indcios da inteno dos seus autores, que falam de um
engrandecimento das provncias no mbito nacional, mas reservam para a Bahia um sentido
inverso, ou seja, de discutir a sua decadncia. Neste sentido, est clara a estratgia de mostrar
um quadro geral de referncia, para buscar contraste deste pano de fundo com os aspectos que
lhe incomodam no prprio grupo. Basta contar quantas vezes surge a expresso entre ns,
onde as coisas so diferentes do que ocorre no Brasil (as regies mais ao sul, bem entendido),
aqui onde as coisas so piores, onde as coisas so reprovveis.
Disposto a enumerar as causas da decadncia baiana, usa a mesma narrativa j
abundantemente identificada aqui nos discursos que buscam criar um pretenso carter
nacional, citando em primeiro lugar a atividade poltica, que seria um cancro que nos
imobiliza, afastando-nos da meta do desenvolvimento. Este, por sua vez, definido como a
simples explorao das riquezas naturais, o que reflete de modo claro a mentalidade
182
aqueles covardes que maldizem, especulam e dilaceram justamente por no terem famlia (no
sentido de bero, de procedncia, herana), no terem poder (cargo pblico, ascenso,
hierarquia) e no terem o respeito (celebridade, glria, honra) dos seus pares.
Por fim, cabe a considerao de que tal herana de que as coisas na Bahia so
diferentes, em geral piores, embora tambm melhores que a dos outros, quando conveniente
permanece arraigada, legitimada e reproduzida insistentemente pela estrutura miditica at
hoje. Tal qual as queixas de lideranas empresariais, polticas, intelectuais e artsticas contra
uma certa ingratido da Bahia para com os seus expoentes.
Alm desta tendncia em ser ingrata para com os seus filhos ilustres, a tica de grande
parte dos redatores cachoeiranos do sculo XIX tambm acusa a Bahia de padecer de
determinados problemas relacionados s vocaes e aptides naturais do seu povo, conforme
argumenta o artigo A questo do trabalho (1888, p.1):
Como deixou claro, o redator do jornal A Ordem bem que tentou alertar com
antecedncia aos lavradores da terra baiana sobre o problema, pois a natureza do trabalho
estava se transformando, mas desgraadamente ningum o quis atender. Mas a questo era
ainda mais grave, at mesmo difcil de explicar, uma vez que na Bahia eram os trabalhadores
sem nimo (ou disposio, entusiasmo, alento, coragem, fora) e os pobre indolentes
(apticos, indiferentes, insensveis, preguiosos). Para tudo, dependiam e esperavam do
governo, desconhecendo que, na verdade, a ferramenta milagrosa para superar a crise era a
iniciativa privada.
184
Assim sendo, este modo de encarar tais assuntos, esta maneira de pensar dos baianos,
que explicaria o nosso atraso (da Bahia, bem entendido). Para arrematar sua argumentao,
no poderia faltar a inevitvel comparao com as provncias do sul, mais uma vez
alimentando um certo complexo de inferioridade j tantas vezes diagnosticado neste estudo.
Mas o artigo prossegue, lanando mo de todo um conhecido arsenal de construes que cabe
tanto ao pretenso carter nacional quanto ao baiano, mas especificamente, quando diz:
Salta aos olhos que um paiz vasto, novo e fecundo como o nosso, e para o
qual entretanto importa-se ainda feijo, milho, arroz, trigo, palitos e alfafa,
no um paiz convenientemente explorado; no um paiz, aonde a lavoura
esteja perdida, falta de elementos, que possam influxionar a sua
prosperidade. O que nos falta, entretanto? Braos? Tambm ns
pensamos que os libertos da lei de 13 de maio, em sua maioria, no se ho
de sujeitar percepo de um salario qualquer, sobretudo nestes primeiros
annos do regimen de liberdade. Consequencia prevista da instituio servil,
que to funda havia penetrado em nossos costumes, ella ha de se fazer sentir
por algum tempo ainda. Carecemos, portanto, do trabalhador estrangeiro,
que venha rotear nossos campos, embellezando nossas cidades tambem (A
QUESTO do trabalho, 1888, p.1).
Neste trecho, surgem as referncias ao pas vasto e fecundo, o gigante pela prpria
natureza cujo povo no consegue explorar de maneira conveniente. O redator, ento, faz a
pergunta que lhe interessa e logo oferece como resposta aquilo que desde o incio era o seu
objetivo, conduzir o raciocnio lgica de que, tendo o Brasil um povo preguioso e ainda por
cima acrescido de escravos libertos que no se sujeitariam aos baixos salrios a eles
oferecidos, a nica soluo possvel seria importar outro tipo de mo-de-obra. De preferncia
uma que, alm de tudo, ainda embelezasse nossas cidades. A concluso vem junto ao
prognstico de um adicional e inevitvel embranquecimento da raa nacional, fazendo com
que tudo se ilumine e se expanda quando, a exemplo do que j vem ocorrendo no sul,
comearem a chegar os navios com aqueles que seriam amigos do trabalho e devotos sinceros.
posto em vigor, seria a salvao do Brasil, porque uma nova ra surgia para
a lavoura que se tornaria em pouco tempo prospera, trazendo nos a
abundancia e a felicidade; com ela levantar-se-iam da decadencia em que
vo o commercio e a industria; com estes esmagariamos a crise que ha j
longos annos nos opprime e afflige (LOCAO de servios, 1901, p.1)
Assim, abre o texto desde logo colocando cada estado em seu devido lugar, uns com
potencial produtivo e outro como exportador naturalmente privilegiado de itens agrcolas,
187
elogiando depois o seu governador justamente pela capacidade de ter mantido as coisas como
deveriam ser. Ou seja, os estados do sul merecem elogios por sua vocao empreendedora e
produtiva, mas isso no deve servir como exemplo para ns, j bastante agraciados com uma
natureza capaz de prover com uma variedade aprecivel de artigos agrcolas exportveis.
A ns, portanto, caberia apenas agradecer ao governante o fato de manter as coisas no
seu devido lugar, exatamente como deveriam estar. evidente o reforo ideia disseminada
de que ao sul/sudeste caberia o desenvolvimento da indstria nacional, enquanto o
norte/nordeste ficaria com a misso de prover o abastecimento dos itens agrcolas necessrios
a estes mesmos centros mais inclinados manufatura e ao beneficiamento, alm de preservar-
se como local de natureza privilegiada, bero de uma cultura primitiva e artesanal.
Ligada de maneira indissolvel a esta imagem que se foi construindo em torno do que
seria a Bahia, desenvolveu-se igualmente neste perodo to bem registrado nas pginas dos
peridicos cachoeiranos estudados um certo padro daquilo a ser esperado em relao ao
seu povo, o baiano. O jornal A Ordem, por exemplo, informa em sua coluna de pequenas
notas:
A coluna segue nesta mesma linha por diversas outras edies, somando inmeros e
bastante conhecidos ditos populares a tal adagirio, que tem como vtimas preferidas, alm
dos negros, a mulher, o trabalhador e o cidado comum da zona rural e das pequenas cidades
brasileiras.
190
3.2.7 O cachoeirano
O povo no necessita mais, de que se lhe diga que o partido dominante quer
ganhar as eleies para poder melhor escravisal-o. Nesta cidade em que o
povo he gloriosamente dominado do espirito e amor da liberdade poem os
despotas da epoca todo o empenho em apprimil-o, para extorquir-lhe o voto,
com terror; mas comprehenda o povo que elle vae ser victima do
despotismo e da tyrania, si se deixar iludir, ou aterrar por esses que disem
que o povo he nada; e que tem s o direito que lhe quer dar quem governa.
interessante notar, neste trecho, a inteligente referncia ao regime feudal, que o autor pretende
associar ao governo monarquista e sociedade latifundiria, monopolista e escravagista da
poca. Igualmente empenhado numa feroz campanha de oposio do governo de dom Pedro
II, o jornal Sentinella da Liberdade j no seu segundo nmero, reclamava:
Era este, evidentemente, o estilo da poca, mas o protesto do editor do novo jornal se
encaixa perfeitamente como uma verso local do suposto sentimento de ingratido ou de
autodepreciao que tambm identificamos em relao ao estado, algo do tipo S se v na
Bahia41 , ou ainda para todo o Brasil, acompanhando o sentido do Este no um pas srio.
De qualquer forma, cabe ressaltar que um dos traos mais marcantes no discurso sobre
Cachoeira e seu povo certamente o que reivindica qualidades heroicas e abnegadas
localidade, historicamente marcada por lutas de resistncia e exemplos de bravura. Como faz
o artigo intitulado O futuro, onde o jornalista P. Soares (1878, p.1) chega concluso de que
O redator est, como de praxe, voltado aos seus prprios interesses, procurando
agendar as necessidades da sociedade, esta infeliz terra, qual dita os caminhos e meios
necessrios para alcanar o tal engrandecimento moral e intelectual que advoga. Mas no se
furta, ao concluir, quando o objetivo conclamar e mobilizar, ao artifcio recorrente de apelar
ao herosmo (abnegao, dedicao, estoicismo) e glria (honra, passado, tradio) da
Cachoeira. Em editorial de primeira pgina, sob o ttulo Caminhemos (1888, p.1), A Ordem
tambm protestava:
41
A expresso serviu de ttulo a msica de Roberto Mendes e Jorge Portugal, utilizada com o sentido justamente
oposto por uma campanha de divulgao institucional de emissora de tev ligada a lideranas polticas do estado.
192
Quantas veses no ser elle sua dona o objecto de seu entretenimento, que
lhe dando saptisfao e prendendo os sentidos, lhe faz despresar essas
idias vans e cevadas de preconceitos inuteis, que as sociedades modernas
abraam, e que no entanto so dignos do repudio e do anathema, por
perigosas e offensivas. Ento a bella vivendo s para si, para seu toillette,
para seu album, acha motivos grandiosos e eloquentes, que s ella explicar
sabe e comprehender.
costumes e apenas registrar suas emoes e devaneios no dirio. Em outras palavras, que
fossem verdadeiras autistas, vivendo to somente para si, longe dos perigos externos.
Por sua vez, ao abordar e comentar um efervescente movimento que comeava a
espalhar-se pelo pas, Aydano Carneiro (1933, p.1), redator de A Ordem, pondera que
Enfim, fcil depreender as preocupaes inseridas no texto com relao regio, que
define a si prpria como uma humilde periferia, onde as tais ideias feministas j chegariam
impregnadas por pelo menos um grande defeito. Em Cachoeira, a exemplo das demais
localidades interioranas, as mulheres seriam inevitavelmente alienadas, ignorantes dos temas
polticos e interessadas apenas em folhear figurinos, acompanhar os ditames da moda, fazer
seus longos toaletes e cultivar a vaidade. Portanto, o redator sente-se muito confortvel para
aconselhar que as senhoras locais sequer se ocupassem do assunto, vez que ideias como o
feminismo ali no vingariam nem por diletantismo. No final da matria, condescendente, ele
ainda oferece novo conselho: Emfim conseguiram o direito de votar, pois bem votem, mas
votem com a consciencia pura, firme e altiva procurando sempre, com os olhos fitos no
porvir, o engrandecimento da Patria, o soerguimento do Brasil! (CARNEIRO, 1933, p.1).
A este respeito, a prpria trajetria dA Grinalda muito ilustrativa do papel exercido
pela imprensa junto s pequenas comunidades do Recncavo, tanto naquele perodo quanto
mesmo em poca mais recente. O semanrio comeou a circular em maro de 1869 com
propsitos exclusivamente literrios e, mais, inteiramente dedicado ao pblico feminino,
conforme garantia seu redator. Em pouco tempo, contudo, enfrentou srias dificuldades de
ordem financeira e passou a circular irregularmente, sempre reclamando mais apoio por parte
dos seus assinantes. J na edio de 22 de novembro (A GRINALDA, 1869, p.1) anunciava:
194
Outro bom exemplo ainda mais evidente est na denncia, no mnimo eloquente,
apresentada por A Ordem na matria intitulada digno de providencia (1877, p.2), que pode
ter sido escrita at mesmo pelo prprio Jos Ramiro das Chagas, seu fundador e principal
redator:
Ou seja, o cidado, mesmo o mais humilde, deve saber honrar sua terra e reconhecer e
obedecer a relevante dominao da classe poltica local, o que transmitido como fato
absolutamente natural e inevitvel. A existncia de uma elite poltica que domina as aes de
196
uma comunidade e deve por ela ser obedecida seria algo dado, imutvel, absolutamente
normal e fora de contestao. E completa seu artigo comemorando que a Cachoeira, neste
ponto, bem feliz (DANTAS, 1930, p.1), vez que sabe reverenciar os seus heris e tem
conscincia da superioridade moral dos seus filhos dedicados. Sobre a sociedade cachoeirana,
o articulista Jos Mascarenhas (1943, p.1) tambm proclama que
Em resumo, assegura o redator que o povo no precisa deixar de ser humilde para
continuar valente e patriota. Na verdade, Mascarenhas (1943, p.1) tinha como objetivo
anunciado lembrar os festejos pela data de 25 de junho42, afirmando que estas festas se
excederam nas suas demonstraes de civismo e de patriotismo por parte do povo e da
Comisso responsavel pelo exito das grandes festividades e honra data acima referida. Para
ele, o motivo seria por causa do desejo incontido do pvo cachoeirano em demonstrar aos
quinta-colunistas, uns traidores que, a Cachoeira contina vigilante e pronta para qualquer
eventualidade do presente como fez nas necessidades do passado (MASCARENHAS, 1943,
p.1). Numa referncia II Guerra Mundial, na qual o Brasil ento acabara de envolver-se,
prossegue:
Para concluir, da srie de discursos cujo objetivo principal demarcar e deixar claro o
lugar de cada um, merece destaque esta matria tambm publicada no Pequeno Jornal sob o
ttulo 13 de Maio (1946, p.2):
42
Incio da campanha vitoriosa contra os portugueses, que culminaria com o Dois de Julho
197
3.2.8 Baianidade
43
H, ainda, um termo bem prprio do Recncavo para designar o tipo: trata-se do mulato desassuntado.
198
vezes para no xadrs, depois de resistir com bravura, s vozes de priso que
recebia, toda vez que os vapores sobiam lhe cabea e lhe tiravam o juzo.
O autor deixa claro, desde o incio, quais as caractersticas ou traos marcantes lhe
interessa na construo do seu personagem: tipo de rua, alcolatra, com problemas com a lei,
mas desde logo mulato, embora forte e moo. Ele segue descrevendo as aventuras e
desventuras de Chico, que trabalhava ora com a venda de jornais - da o apelido - ora como
pescador ou propagandista de casas comerciais. Somente estas atividades j indicam uma
pessoa bastante ativa e inteligente, verstil e provavelmente simptico, carismtico. O texto
revela, ento, um lado devoto do personagem, que participava todo ano como voluntrio na
coleta de recursos e organizao dos festejos de So Roque, tradicional na cidade.
Por fim, mostra que o problema de Chico era, mesmo, com a bebida, que o tirava do
srio e o tornava violento. Narra a sua doena, sofrimento e morte, concluindo que ele
cumpriu o seu destino e hoje jaz sepultado na Terra das Flores como denominava a velha
Cachoeira, toda vez que o espirito dos alambiques se apoderava do seu corpo e o
transformava num aparelho rebelde ordem e disciplina (MARQUES, 1943b, p.4). Em
outras matrias do gnero, este mesmo redator - que assinava Artur Marques - relata vrias
histrias de tipos humanos em conflitos pitorescos ocorridos no Recncavo baiano, mas em
geral no descreve a cor de cada personagem, exceto quando ele negro ou mulato, todos
invariavelmente ligados a temas como bebidas, brigas, preguia, vagabundagem e delitos
variados. Ainda que a inteno - como foi no caso do texto para Chico da Gazeta - no seja
necessariamente denegri-los. A questo tnica, ou seja, diferenciar alguns indivduos apenas
quando sua pele mais escura, parece subjacente, automtica.
Outro exemplo do mesmo autor aparece no texto Trabalho mal feito (MARQUES,
1943c, p.4), onde comea descrevendo as atribuies que os fiis dedicam aos diversos santos
da Igreja Catlica e fixa-se no Santo Antonio, enquanto patrono das unies conjugais.
Descreve, ento, o costume de retirar a imagem do Menino Jesus dos braos do padroeiro at
que o pedido da moa seja atendido. E narra mais um caso, que desta vez teria sido
protagonizado por uma jovem carioca que tivera o noivado interrompido por iniciativa do
noivo:
Quinze dias depois, querendo fazer as pazes foi surpreendida por uma recusa
formal. Foi ento a jovem Igreja da Rua dos Invlidos e de l furtou a
pequena imagem. Agiu a moa, no sentido de reatar o lao que prendia o
noivo ao seu corao. Nada mais queria, do que o seu moreno, que de uma
199
Notar as aspas que destacam a referncia aos morenos, aqui envolvidos em pequenos
furtos e olhares furtivos, com quebras de compromissos e certa volubilidade, bastante
inadequada sobretudo para a poca. Ou seja, motivando e conduzindo a narrativa principal,
surge a figura da morena sedutora, aquela capaz de desorientar os olhares do noivo j
comprometido, desviando-o do caminho que o levava ao altar.
Empenhado em campanha antilusitana, o Jornal da Cachoeira publicou artigo
intitulado Ao pblico (1857, p.3), em estilo feroz e utilizando expresses bastante fortes como
de furtar-se ao trabalho. Contudo, o problema seria ainda mais grave, pois em lugar de
cultivar os campos, estas aberraes da natureza (que teriam sido produzidas pelo cio)
estariam a povoar as tabernas (os bares), copo de cachaa de mo em mo.
Para o redator, tal desvio deriva simplesmente de uma mania, ou seja, de um
comportamento que se adquire e que poderia, se houvesse vontade e determinao
(governamental? da sociedade baiana como um todo?) ser corrigido. Pensando nisto, ele passa
ento a descrever os esforos feitos pelos pases da Europa no sentido de combater e vencer o
problema, alertando para o perigo de o alcoolismo estabelecer os seus arraiaes entre uma
classe j dominada pelo miseravel vicio da ociosidade e da indolencia (PROGREDIOR,
1900, p.1). A mobilizao seria, portanto, para combater o apego ao lcool, pois j estaria
perdida a batalha contra o cio e a indolncia: a classe (do trabalhador baiano) j estaria
dominada.
O tema retomado em outro texto onde o redator, empenhado em defender o jovem
regime republicano dos argumentos de monarquistas nostlgicos que em breve iria enfrentar
nas urnas, parece preocupado com a aparente indiferena dos eleitores em relao ao pleito ou
mesmo s propostas da sua corrente poltica, pois questiona:
elaborada pelo autor da matria. Mas ele por fim se dedica censura direta e aberta ao tipo de
atitude que considera condenvel, quando arremata:
Assim, como nem sempre ser festeiro teve conotao positiva para descrever o baiano,
a alegria e a descontrao ento demonstradas pelos fiis nas igrejas so associadas falta de
decoro, ao tempo em que os instrumentos e estilos musicais mais populares tornam-se
sinnimo de desrespeito e desacato s normas religiosas. Tais atitudes de preconceito, de
condenao pblica e at mesmo de perseguio, vo permanecer por muito tempo, sobretudo
em relao s manifestaes culturais mais ligadas ao universo de matriz africana, como o
candombl, a capoeira, o samba de roda, a baiana do acaraj ou as lavagens de igreja, sobre as
quais j se tem referncias pelo menos desde meados do sculo XIX.
203
4 CONCLUSES
qual o peridico se mobilizava, pois, como fcil constatar, a imprensa deste perodo era
movida principalmente por interesses polticos, ideolgicos e frequentemente partidrios.
Esta pesquisa tambm constatou que um dos artifcios mais eficientes de que os
pequenos jornais do Recncavo lanavam mo para contornar suas limitaes tcnicas e
logsticas era a reproduo - e quando necessrio traduo - de notas, notcias e artigos
publicados em outros jornais da Bahia, do Brasil e mesmo do exterior, principalmente Frana,
Inglaterra e Portugal. Os redatores, todavia, sempre informavam a fonte original da notcia e
conseguiam contornar a defasagem de tempo entre o fato e a publicao do relato, que nesta
poca podia chegar a meses, acrescentando comentrios e anlises que contextualizavam e
atualizavam o texto. Na verdade, a imprensa regional no apenas reproduzia este material de
outros jornais, mas dialogava com as ideias e estigmas nele embutidos, s vezes se opondo ou
contradizendo, sobretudo em questes de mera poltica partidria, mas em geral reverberando,
amplificando, fortalecendo, justificando, legitimando e tornando naturais e universais as
representaes e a ideologia que lhe sustentava o discurso geral.
Conforme proposto em sua principal hiptese de trabalho, esta tese demonstrou
claramente como foram construdas, atravs das pginas dos mais importantes peridicos
cachoeiranos de um perodo bastante extenso que vai dos anos 1832 at 1946, arqutipos e
esteretipos como do povo festivo, porm preguioso e carente de um lder, fruto de uma
mestiagem que inclui ainda a morena sedutora e o mulato pachola. Todos enredados em um
rol de referncias, estigmas e preconceitos que mais tarde seriam fartamente utilizados tanto
pelas narrativas literrias e musicais - como os romances de Jorge Amado e os sucessos
radiofnicos de Dorival Caymmi - quanto pelos personagens de humor do cinema e da
televiso, com a inteno de vender produtos, apelos tursticos ou mesmo manipulaes de
cunho poltico populistas os mais diversos.
Claro, a linguagem, a tcnica e a motivao para fazer jornal tem variado e evoludo
bastante desde o incio beletrista, rebuscado, tribunista e amador quando estes peridicos
no raro eram produzidos, editados e administrados pela mesma pessoa, provavelmente algum
advogado, funcionrio pblico ou padre com formao intelectual de inspirao europeia e
erudita, que vendeu, alugou ou mesmo doou sua pena a alguma causa pela qual estava
disposto a morrer, embora em geral fossem tambm motivados por questes como dinheiro e
poder. Na imprensa interiorana, sobretudo, preciso acrescentar que as contendas chegavam a
assumir uma dimenso de mais intensa rivalidade pessoal ou familiar, acima inclusive das
partidrias ou doutrinrias, em busca de maior vantagem poltica, econmica ou de prestgio
social.
205
tambm teria um papel prprio, deste ou daquele modo de ser, no jogo das interaes
humanas e na conduo da histria da humanidade.
No reforo destas construes, todavia, os autores de tais discursos no incluem
anlises de contextos histricos ou de conjunturas socioeconmicas e culturais. Eles no se
importam com as interaes e contradies concretas de classes sociais ou o jogo poltico em
suas articulaes e negociaes de poder, mas apenas com os apelos mais simples devoo,
ao civismo, ao nacionalismo, ao patriotismo, cidadania. A ideia a ser vendida atravs destes
jornais de que as coisas so assim naturalmente, ou seja, as pessoas e as naes nascem da
forma como lhes determina o destino e so apresentadas em seus artigos e matrias. E ponto
final, sem espao para reflexes, aprofundamentos ou contradies.
Outra imagem bastante recorrente nas pginas da imprensa diz respeito ao progresso,
que entendido como um movimento de avano e descoberta no campo cientfico e do uso do
seu aparato tecnolgico decorrente. Neste sentido, desenvolvimento tambm explicado
como o uso deste conhecimento cientfico e de sua tecnologia. Trata-se de uma ideia de
desenvolvimento que seria universal e aplicvel a toda a humanidade, livre de quaisquer
contaminaes de ordem mercadolgica, poltica ou ideolgica. Enfim, um parmetro a ser
observado e desejado. Um desenvolvimento linear, que partiria de uma espcie de natureza
bruta e primitiva, a ser conquistada, domada e orientada em direo capacidade industrial de
acumular bens e capitais. Algo que, para esta imprensa, estaria levando inevitavelmente a
humanidade, degrau a degrau, de um perodo de trevas e ignorncia a um futuro brilhante e
radioso, ao menos em potencial.
Este mesmo discurso, todavia, fazia questo de deixar bem claro que todos os males
do pas residem na poltica e nas pessoas que dela se ocupam, ou seja, os polticos. Pois,
abundantes e eloquentes so as referncias no discurso destes jornais aos polticos corruptos,
como se fossem criaturas diferenciadas e que, entre outras caractersticas intrnsecas
obrigatrias, teriam o arraigado costume de manipular a verdade em benefcio prprio. O que
ressalta a contradio e a ostensiva manipulao de sentidos e representaes, neste caso, o
fato de que jornais da poca em geral faziam questo de expor claramente a sua matriz
ideolgica, sua posio partidria, sua cartilha poltica, s vezes explicitando isto nos prprios
ttulos. A exemplo dO Independente Constitucional, o Constitucional Cachoeirano ou O
Republicano.
Assim, escondendo ou omitindo a condio de serem, eles prprios, agentes ativos na
arena poltica e na disputa pelo poder - com frequencia at ocupando mandatos eletivos ou
cargos governamentais - os responsveis por estes peridicos defendiam e divulgavam a
207
qualquer oportunidade que surgia para atacar um desafeto ou opositor a tese de que os
polticos mentem, dissimulam e agem com desonestidade, numa generalizao insistente cujo
objetivo era tornar naturais, como se inevitveis, estes seus desvios de conduta. Jamais
deixavam claro, contudo, que em verdade estavam se referindo aos polticos do grupo
contrrio ao seu prprio, usando o veculo como uma tribuna na defesa dos seus interesses.
Contudo, ainda que raramente possvel encontrar nestes jornais referncia a um ou outro
homem digno e elogivel no cenrio local ou nacional, ocasio em que esquecem a prpria
construo de que todo poltico seria assim mesmo e ningum poderia fazer nada a respeito.
Este tipo de artifcio tem o objetivo claro de naturalizar a idia de que a atividade
poltica algo degradante, vil por natureza e, portanto, para ser exercida exclusivamente por
corruptos e desonestos. Ao cidado comum e probo, portanto, nada restaria fazer, a no ser a
obrigao de procurar suportar, mantendo-se o mais distante possvel deste tipo de situao.
Sim, porque mais uma vez estes mesmos homens de imprensa se deparam com o contraditrio
desafio de louvar e defender o regime democrtico, representativo, lembrando ao eleitor o
direito (que muitas vezes tambm precisa ser apontado como um dever) ao voto, a indicar
como representante justamente um destes seres polticos, que ento j permitem uma ou outra
excesso e que eles, evidentemente, no se furtam a nominar e propagandear. Nestes
momentos especiais, no se fala mais no z povo, rotineiramente descrito como um sujeito
inepto, fraco, pobre, indefeso e sem iniciativa. O discurso dos jornais muda, porque ele agora
deve ser tratado como um eleitor, aquele que decide os destinos da nao.
A estratgia narrativa muda completamente de tom quando se trata da imagem da
prpria imprensa. Auto-referente por natureza, os veculos da poca e seus principais
protagonistas - em geral apresentados como destemidos e abnegados defensores de uma causa
em prol do bem comum - esto quase sempre associados a algum interesse maior,
empenhados na difuso, defesa e consolidao de ideais como o nacionalismo e o civismo,
seja para legitimar um regime imperial ou monrquico constitucional, seja republicano ou
democrtico, o que depende da conjuntura poltica e do momento. Mas de um modo geral,
eles estavam sempre se posicionando como defensores irredutveis deste nacional e do seu
patriotismo, da ordem e do progresso, das ideias de Brasil e de Bahia.
Outra contradio que necessrio apontar, neste sentido, que esta mesma imprensa
fazia questo de ser identificada como uma instituio acima das pequenas discusses
polticas e dos embates locais, inclusive das preocupaes meramente comerciais. Seus
editoriais ou mesmo artigos e matrias de natureza poltica defendiam que ela devia ser aceita,
sem questionamentos, como legtimo instrumento de fiscalizao e moralizao das aes da
208
sociedade, da qual a mais autntica porta-voz. E que, portanto, reivindicava ser reconhecida
como um quarto poder, a ser observado e respeitado, embora tambm no abra mo de
defender, difundir e sustentar seus prprios pressupostos ideolgicos. Imbudos com tal
autoridade, estes jornais passam a construir a sua prpria ideia de Brasil, que descrevem desde
cedo como um gigante pela prpria natureza, pas do futuro e de inesgotveis riquezas, mas
desafortunadamente refm de uma elite de governantes quase sempre incapaz e desonesta, que
subjuga ao seu povo alegre, ordeiro e hospitaleiro, embora fraco, desnutrido, ignorante e sem
educao. Inmeras so as referncias nestes jornais cachoeiranos ao povo humilde e carente
de uma liderana, que ora a explorava e ora a guiava e protegia. Pois sempre que um destes
peridicos - evidentemente um rgo de oposio - queria atingir ao governo, apelava para
um argumento que tinha como alvo principal a autoestima popular ou da nao.
Assim, foi sendo intencionalmente construda uma noo de carter nacional que
inclui governantes e polticos inevitavelmente desonestos e corruptos, mas tambm uma
classe trabalhadora inepta, sem iniciativa. Por vezes, quando necessrio, principalmente em
ocasies festivas ou marcos cvicos destinados a lembrar ou reverenciar correligionrios, seus
redadores se referiam a um povo festeiro e alegre, mas quando a inteno era atingir algum
dos seus governantes, partido ou faco poltica no poder, eles sempre davam um jeito de
insinuar que esta gente (a mesma que elegeu tais lideranas) era igualmente, talvez por isso
mesmo, um tanto quanto inimiga do trabalho. Da mesma forma, sempre que descrita, a
corrupo no surge nas pginas destes jornais como fenmeno decorrente da atividade
administrativa e do jogo poltico onde quer que eles ocorram no planeta, mas sempre como
uma caracterstica especfica do nosso pas, segundo eles, pouco desenvolvido. No por
acaso, portanto, que soa e constatemente reverbera como plenamente incorporado ao discurso
desta imprensa a noo de que o Brasil no um pas srio, o que reforado por afirmaes
recorrentes de que pode-se pensar em qualquer absurdo que ele j ter acontecido por aqui.
Na esteira deste raciocnio, possvel encontrar nas edies pesquisadas algumas
referncias estereotipadas aos infortnios do sertanejo pobre e sempre castigado pela seca,
como igualmente paixo nacional pelo carnaval e pelo futebol, a uma pretensa democracia
racial erguida em nome da harmoniosa comunho das raas, entre outras noes correlatas.
Os discursos dando conta do papel da mulher nesta sociedade em evoluo tambm merecem
registro e apontam para a necessidade de estudos mais aprofundados.
Seguindo a mesma estratgia de atacar a autoestima nacional para atingir os
governantes aos quais eventualmente faziam oposio, os responsveis pelos peridicos de
Cachoeira tambm no tinham qualquer parcimnia em denunciar o que identificavam como
209
a decadncia da Bahia, lembrando com frequencia em seus artigos que entre ns as coisas
seriam sempre diferentes. Pois - apesar de tratar-se do bero do pas, lugar de grande riqueza
natural e de cultura primitiva e artesanal, segundo admitiam com frequncia - enquanto h
ordem e desenvolvimento nas demais provncias, aqui impera sempre o marasmo e o atraso.
Desta forma, a regra geral para os textos produzidos pelos redatores dos jornais que ento se
encontravam na oposio era abusar do argumento de que l fora - sobretudo nas localidades
do Sul - se cuida de trabalhar duro e buscar o progresso, ao tempo em que s de poltica se
cuida na Bahia, esta terra descrita sobretudo como ingrata para com os seus mais ilustres
filhos.
Se estes autoproclamados homens de imprensa escolhiam descrever deste modo a sua
prpria terra, seria de admirar que tampouco se fizessem de rogados para concluir, induzir ou
mesmo afirmar com todas as letras que isto ocorre justamente por conta de um povo mestio e
pouco afeito ao trabalho, embora hospitaleiro, sensual e festeiro, quando lhes fosse til
registrar. Ento, em detrimento das evidentes contradies que pudessem cometer, muitas
vezes em exemplos encontrados em textos impressos numa s edio, na prpria pgina ou
ainda em uma mesma matria ou artigo, so abundantes as referncias a um baiano (ou
brasileiro ou cachoeirano, dependendo do contexto) heroico, destemido, orgulhoso e
gloriosamente amante da liberdade, mas ainda assim humilde, ignorante, oprimido e
constantemente ameaado por dspotas.
Como estas concluses evidenciam, todos eles esto l, o mulato pachola, a morena
sedutora e o preto preguioso, estereotipados nas pginas da imprensa regional cachoeirana.
Se, evidentemente, ainda no h a preocupao com explorar um eventual potencial turstico
ou em promover ou valorizar a identidade cultural ou o patrimnio musical, culinrio,
artstico etc, certamente esto impressos nela alguns dos indcios de uma construo que
pretende demarcar e afirmar a medida do baiano enquanto povo indolente e mestio, musical,
hospitaleiro e festivo, embora ingrato e governado por ladres. De fato, produzidas pelos
redatores de jornais cachoeiranos desde as primeiras dcadas do sculo XIX, esto recorrentes
e eloquentes ideias de Bahia e de ser baiano. Ou seja, noes construdas e legitimadas de
como deve ser e se comportar o indivduo do Recncavo, como sementes daquilo que mais
tarde seria definido como baianidade.
210
BIBLIOGRAFIA
AZEVEDO, Thales de. As elites de cor numa cidade brasileira: um estudo de ascenso
social & classes sociais e grupos de prestgio. 2. ed. Salvador: Edufba/Egba, 1996.
BOURDIEU, Pierre. O poder simblico. 4 ed. Rio de Janeiro: Bertand Brasil, 2001.
BUCCI, Eugnio. Sobre tica e imprensa. So Paulo: Companhia das Letras, 2000.
CARVALHO, Aloysio de. A imprensa na Bahia em 100 anos. In: TAVARES, Lus
Guilherme Pontes (org.). Apontamentos para a histria da imprensa na Bahia. 2. ed.
Salvador: Academia de Letras da Bahia, 2008. p. 41-62.
CARVALHO FILHO, Aloysio de. Jornalismo na Bahia: 1875-1960. In: TAVARES, Lus
Guilherme Pontes (org.). Apontamentos para a histria da imprensa na Bahia. 2. ed.
Salvador: Academia de Letras da Bahia, 2008. p. 79-100.
CERTEAU, Michel de. A inveno do cotidiano: artes de fazer. Petrpolis: Vozes, 1994.
CONCEIO, Fernando. Cultura como alienao. Revista da USP, So Paulo, n.69, p.60-
71, mar/maio, 2006.
________ Nietzsche, Freud & Marx: Theatrum philosoficum. So Paulo: Princpio, 1997.
GARIN, Eugenio. Poltica y cultura em Gramsci, el problema de los intelectuales. In: BUEY,
F. Fernandez (org.). Actualidad del pensamiento de Gramsci. Barcelona: Grijalbo, 1977. p.
111-149.
GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4.ed. So Paulo: Atlas, 2002.
GUIMARES, Antonio Srgio Alfredo. Notas sobre a raa, cultura e identidade na imprensa
negra de So Paulo e Rio de Janeiro. In: Revista Afro-sia, Salvador, n. 29-30, 2003. p. 247-
269.
GUSMO, Neusa Maria M. de. Projeto e pesquisa: caminhos, procedimentos, armadilhas. In:
LANG, Alice Beatriz da Silva Gordo (org.). Desafios da pesquisa em cincias sociais. So
Paulo: CERU/USP, 2001. p. 73-87.
MAMEDE, Maria Amlia. A construo do Nordeste pela mdia. Fortaleza: [s.n.], 1996.
MATTOSO, Ktia Queiroz. Bahia, sculo XIX: uma provncia no imprio. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1992.
MELO, Jos Marques de. A opinio no jornalismo brasileiro. Petrpolis, Vozes, 1994.
MELO, Jos Marques de; QUEIROZ, Adolpho (orgs.). Identidade da imprensa brasileira
no final do sculo: das estratgias comunicacionais aos enraizamentos e s ancoragens
culturais. So Bernardo do Campo: Unesp, 1998.
MIGUEL, Lus Felipe. Retrato de uma ausncia: a mdia nos relatos da histria poltica do
Brasil. In: Revista Brasileira de Histria. So Paulo, v. 20, n. 2, 2000. p. 190-199.
ORLANDI, Eni Pulcinelli. Discurso & leitura. 6. ed. So Paulo: Cortez, 2001.
SANTOS, Milton. Classificao funcional dos jornais brasileiros: as regies jornalsticas. In:
TAVARES, Lus Guilherme Pontes (org.). Apontamentos para a histria da imprensa na
Bahia. 2. ed. Salvador: Academia de Letras da Bahia, 2008. p. 177-184.
________ Por uma outra globalizao: do pensamento nico conscincia universal. 6. ed.
Rio de Janeiro: Record, 2001.
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. A primeira gazeta da Bahia: Idade d`Ouro do Brazil. 2. ed.
Salvador: Edufba, 2005.
SODR, Nelson Werneck. Histria da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1977.
TAVARES, Lus Henrique Dias. Histria da Bahia. 10.ed. Salvador: Edufba, 2001.
THOMPSON, John B. Ideologia e cultura moderna: Teoria social e crtica na era dos meios
de comunicao de massa. Petrpolis: Vozes, 1995.
ZUBIETA, Ana Maria. Lo popular y la posibilidad de una crtica poltica. In: ZUBIETA, Ana
Maria (org.) Cultura popular y cultura de masas: conceptos, recorridos y polmicas.
Buenos Aires: Paids, 2000. p. 37-41.
214
CACHOEIRA, Joo da. Um passeio ao Bomfim. A Ordem. Cachoeira, 22 fev. 1933. p.2.
CAMINHEMOS. A Ordem. Cachoeira, 24 nov. 1888. p.1.
CARINHO de esposa. O Progresso. Cachoeira, 23 maio. 1861. p.3.
CARNAVAL. A Ordem. Cachoeira, 21 fev. 1900. p.1.
______ A Ordem. Cachoeira, 24 fev. 1900b. p.1.
CARNEIRO, Aydano. Movimento feminista. A Ordem. Cachoeira, 6 jan. 1933. p.1.
CASTRO, Luciano E. Idias. Pequeno Jornal. Cachoeira, 2 jul. 1930. p.4.
CESARIUS, Alibius. Ff e Rr. A Ordem. Cachoeira, 14 abr. 1886. p. 2-3.
CORRESPONDENCIA particular. Jornal da Cachoeira. Cachoeira, 13 nov. 1857. p.1-2.
COSTA, Dante. Cinema. A Ordem. Cachoeira, 1 abr. 1933. p. 4.
DANTAS, Pedro J. Reflexes derradeiras. Pequeno Jornal. Cachoeira, 2 jul. 1930. p.1.
DECADENCIA da Bahia. O Americano. Cachoeira, 12 maio. 1872. p. 2-3.
DEPOIS da doutrina, o homem. Pequeno Jornal. Cachoeira, 31 out. 1943. p.1.
DIGNO de providencia. A Ordem. Cachoeira, 29 ago. 1877. p.2.
ECHO Popular. Echo Popular. Cachoeira, 24 jun. 1877. p.1.
EVOCANDO o passado. Pequeno Jornal. Cachoeira, 21 maio. 1944. p.1.
FIRMO, Jos. O melhor elogio de Casper. Pequeno Jornal. Cachoeira, 24 out. 1943. p.2.
FIRMO, Nelson. Um estrangeiro que amou o Brasil. Pequeno Jornal. Cachoeira, 31 out.
1943. p.1.
GETULIO Vargas, o heroi do continente. A Cachoeira. Cachoeira, 8 nov. 1942. p. 1.
HOLBACH, Baro de. Variedades. Recopilador Cachoeirense. Cachoeira, 12 dez. 1832.
p.6.
IMPRENSA e governo. Pequeno Jornal. Cachoeira, 2 ago. 1942. p.1.
INDUSTRIAS e profisses. A Ordem. Cachoeira, 19 maio 1900. p.1.
INTERIOR. O Constitucional Cachoeirano. Cachoeira, 28 nov. 1837. p.6.
J.C. Sobre a mulher. A Ordem. Cachoeira, 13 mar. 1901. p.2.
LOCAO de servios. A Ordem. Cachoeira, 23 mar. 1901. p.1.
LONGE v o agouro. O Progresso. Cachoeira, 17 mar. 1873. p 2.
LYRA, Aderaldo. Saibamos comer. Pequeno Jornal. Cachoeira, 2 ago. 1942. p. 2.
MARQUES, Arthur. Socorro aos flagelados. A Ordem. Cachoeira, 18 jan. 1933. p.1.
______ Eplogo de um jogo. Pequeno jornal. Cachoeira, 25 jul. 1943a. p.4.
______ Chico da Gazeta. Pequeno Jornal. Cachoeira, 24 out. 1943b. p.4.
______ Trabalho mal feito. Pequeno Jornal. Cachoeira, 31 out. 1943c. p.4.
216
- O Prelo (peridico noticioso, literrio e comercial): janeiro de 1852 a 1853. Outro jornal
circulou com o mesmo nome em dezembro de 1859
- O Vinte e Cinco de Junho (jornal poltico liberal, literrio e comercial): 6 de junho de 1853 a
1855
- A Lyra (peridico semanal literrio e recreativo): 29 de maio de 1870 a 1871. Outro jornal
de mesmo nome circulou em 1880.
221
- A Imprensa: 3 de dezembro de 1870 a 1871. Outro peridico com o mesmo nome, que se
autodenominava como rgo noticioso, literrio e abolicionista, circulou em 1884. E
novamente foi publicado com a mesma denominao jornal poltico, noticioso e beletrista em
12 de maro de 1933.
- O Brazil (rgo do Partido Conservador): 22 de maro de 1872. Outro jornal circulou com o
mesmo nome em 1886 e novamente em 30 de janeiro de 1893, desta vez por iniciativa de uma
associao.
- A Verdade (semanrio poltico e chistoso, adepto das ideias liberais): 25 de maio de 1876 a
1884
- O Domingo (pequeno peridico literrio que circulava aos domingos): 4 de maio de 1878
- O Santelmo (jornal literrio e noticioso): fevereiro de 1880. Outro jornal com o mesmo
nome circulou entre 25 de junho de 1891 a 1893. Reapareceu a 3 de maio de 1899, mas
novamente com curta durao.
- A Luz: 1888. Outro jornal com o mesmo nome foi lanado em 21 de janeiro de 1900 e
circulou at 1 de maro de 1908
- O Colibri: 1 de janeiro de 1904. Outro jornal com o mesmo nome circulou em 1916.
- O Rebate: 15 de outubro de 1913. Outro jornal com o mesmo nome foi lanado em 20 de
outubro de 1937
- O Norte (jornal poltico, noticioso e literrio): 21 de novembro de 1913 a 1927, com vrias
interrupes neste perodo