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Chapecó Durante o Estado Novo (1937-1945) Tese

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL

CAMPUS CHAPECÓ

PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

KELVIN FRANCISCO BONSERE

CHAPECÓ DURANTE O ESTADO NOVO (1937-1945): UMA


REFLEXÃO A PARTIR DOS CONCEITOS DE PROGRESSO,
NACIONALISMO E FRONTEIRA

CHAPECÓ
2020
KELVIN FRANCISCO BONSERE

CHAPECÓ DURANTE O ESTADO NOVO (1937-1945): UMA


REFLEXÃO A PARTIR DOS CONCEITOS DE PROGRESSO,
NACIONALISMO E FRONTEIRA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em História da Universidade Federal da
Fronteira Sul-UFFS, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em História

Orientador: Prof. Dr. José Carlos Radin

CHAPECÓ

2020
UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL

Av. Fernando Machado, 108 E

Centro, Chapecó, SC – Brasil

Caixa Postal 181

CEP 89802-112

Bibliotecas da Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS

Bonsere, Kelvin Francisco


CHAPECÓ DURANTE O ESTADO NOVO (1937-1945): UMA
REFLEXÃO A PARTIR DOS CONCEITOS DE PROGRESSO,
NACIONALISMO E FRONTEIRA / Kelvin Francisco Bonsere. -
2020.
132 f.

Orientador: Doutor José Carlos Radin

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal da


Fronteira Sul, Programa de Pós-Graduação em História,
Chapecó, SC, 2020.

1. Nacionalismo. Progresso. Fronteira do Capital.


Autoritarismo. Estado Novo.. I. Radin, José Carlos,
orient. II. Universidade Federal da Fronteira Sul. III.
Título.

Elaborada pelo sistema de Geração Automática de Ficha de Identificação da Obra pela


UFFS com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).
AGRADECIMENTOS

Neste espaço gostaria de tecer meus agradecimentos as diversas pessoas, que de


uma maneira ou de outra contribuíram para a realização deste trabalho. Primeiramente
aos professores da UFFS, em especial aos componentes do PPGH, que possibilitaram esta
oportunidade de meu progresso na pesquisa em História, em particular professor José
Carlos Radin pela oportunidade de orientação que me deu em todo este processo.
Gostaria de salientar e estender meus agradecimentos a todas as pessoas que lutam
pela universidade pública no Brasil. Açoitadas a todo o momento, por políticas que visam
minar a autonomia universitária e esfacelar a ciência no país, são verdadeiros heróis na
cruzada pela educação e pelo ensino de qualidade no país.
Enfim, aos meus pais, colegas e amigos que me auxiliaram nesta jornada, meu
muito obrigado.
RESUMO

O presente trabalho propõe problematizar as ressonâncias do arquétipo de expansão de


fronteira do capital aplicadas em Chapecó no período delimitado do Estado Novo, que se
consolidou no país entre os anos de 1937 e 1945. Tal temática é fruto de um ensejo de
problematizar e compreender os discursos correntes na região, que propalam uma ideia
de cidade em progresso, fruto de uma colonização europeizada, a qual o período
estadonovista impulsionou, buscando criar na região seu bastião de brasilidade e
assegurar as fronteiras do país, numa ação alinhada à sua política nacionalista. Desta
forma, a transformação de Chapecó em um novo polo do capital na região oeste de Santa
Catarina, se produziu em um contexto de ascensão autoritária, e principalmente
perseguição aos elementos considerados nocivos a inculcação da brasilidade, formulada
a partir da ideologia da Marcha para Oeste, gestada pelos ideólogos do Estado Novo. Em
Chapecó, a elite formada pelos primeiros colonizadores e detentores do veículo de mídia
escrita a Voz de Chapecó, buscou ressignificar os ideais nacionalistas vista a tornar os
colonos migrantes de descendência europeia em elementos aptos ao projeto varguista.
Para tal trabalho, a utilização da fonte jornalística ajudou a compreender o discurso
emanado por esta elite, congregado a fonte oficial que desvelou as ligações para
concretização do discurso em realidade.

Palavras-chave: Nacionalismo. Progresso. Fronteira do Capital. Autoritarismo. Estado


Novo.
SUMMARY

This paper proposes to problematize the resonances of the archetype of border expansion
of capital applied in Chapecó in the delimited period of the Estado Novo, which was
consolidated in the country between the years 1937 and 1945. This theme is the result of
an opportunity to problematize and understand the current discourses in the region, which
proclaim an idea of a city in progress, the fruit of a Europeanized colonization, which the
statesmanship period promoted, seeking to create in the region its bastion of Brazilianness
and ensure the borders of the country, in an action aligned with its nationalist policy.
Thus, the transformation of Chapecó into a new pole of the capital in the western region
of Santa Catarina, took place in a context of authoritarian ascension, and mainly
persecution of the elements considered harmful to the inculcation of Brazilianity,
formulated from the ideology of the March to the West, managed by the ideologists of
the Estado Novo. In Chapecó, the elite formed by the first settlers and holders of the
media vehicle written at Voz de Chapecó, sought to resinify the nationalist ideals in order
to turn the migrant settlers of European descent into elements suitable for the retail
project. For such work, the use of the journalistic source helped to understand the
discourse emanating from this elite, congregated the official source that unveiled the links
to concretize the discourse in reality.

Keywords: Nationalism. Progress. Frontier of Capital. Authoritarianism. Estado Novo.


LISTA DE FIGURAS
Figura 01 – Monumento de bronze em homenagem a figuras históricas chapecoenses...15
Figura 02 – Lei de Criação do munícipio de Chapecó, Mafra e Porto União...................34
Figura 03 – Exploração de madeira em Chapecó década de 1940…................................41
Figura 04 – Religiosidade e progresso pelo colonizador, Chapecó 1940.........................43
Figura 05 – Escola para índios em Chapecó, 1940..........................................................46
Figura 06 – Homenagem a Vargas na Escola Bom Pastor em Chapecó, década de
1940.................................................................................................................................53
Figura 07 – Decreto de regulamentação do cinema nacional...........................................57
Figura 08 – Cinema em Chapecó em 1942, Avenida Getúlio Vargas...............................58
Figura 09 – Mensagem do Governo Catarinense a Assembleia Legislativa em 1937......62
Figura 10 – Grupo Escolar Marechal Bormann durante a visita do governador do
Território Federal do Iguaçu, Frederico Trotta.................................................................66
Figura 11 - Prefeitura Municipal de Chapeco em 1945.................................................76
Figura 12 - Editorial de 26 de novembro de 1939 do jornal A Voz de Chapecó.
Censura............................................................................................................................80
Figura 13 - Abertura de Estrada em Chapecó, 1940.......................................................98
Figura 14 - Oficio da Secretaria Geral do Estado Novo ao Interventor Federal de Santa
Catarina..........................................................................................................................109
LISTA DE MAPAS

Mapa 01- Estado de Santa Catarina em 1927...................................................................28


Mapa 02-Região do Contestado......................................................................................34
LISTA DE TABELAS

Tabela 01 – Colonizadoras e suas áreas de atuação.........................................................39


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 13
CAPÍTULO I CONSTRUINDO UMA FRONTEIRA ............................................ 27
1.1 Aspectos históricos da fronteira oeste. ............................................................... 29
1.2 Contestado: inflexão na definição da fronteira ............................................... 35
1.3 Colonização: Expansão da fronteira do capital ................................................... 38
1.4 Colonização: fronteira cabocla versus fronteira euro descendente ................. 42
CAPÍTULO II
ESTADO NOVO: NACIONALISMO E PROGRESSO [ NACIONAL E NA
REGIÃO OESTE] ..................................................................................................... 48
2.1 A construção do Estado Novo e A ideologia do progresso ............................. 49
2.2 A Marcha para Oeste e o progresso do sertão ..................................................... 60
CAPÍTULO III
A FORMAÇÃO DA FRONTEIRA OESTE CATARINENSE:
NACIONALIZAÇÃO, AUTORITARISMO E PROGRESSO. .............................. 72
3.1 O discurso dos “patrícios” na transformação da fronteira oeste...................... 74
3.2 Um modelo de sociedade: o nacionalismo e o autoritarismo unidos para instalação
do progresso. ......................................................................................................... 102
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 121
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................... 126
13

INTRODUÇÃO

O presente trabalho propõe elucidar algumas ressonâncias oriundas de um arquétipo de


expansão de fronteira do capital aplicadas no Oeste de Santa Catarina, mais especificamente no
chamado “Velho Chapecó”1, designação do município de Chapecó até meados da década de
1950 que abrangia praticamente todo o oeste catarinense no período delimitado do Estado
Novo, que se consolidou no país entre os anos de 1937 e 1945. Tal temática é fruto de um ensejo
de problematizar e compreender os discursos correntes na região, que propalam uma ideia de
cidade em progresso, fruto de uma colonização europeizada, a qual o período estado novista
impulsionou. Buscando, deste modo, criar na região seu bastião de brasilidade e assegurar as
fronteiras do país, numa ação alinhada à sua política nacionalista, tudo isso no bojo de uma
apropriação autoritária da sociedade.
Desse modo, proponho uma abordagem ancorada nas fontes oficiais disponíveis sobre
o período, como os ofícios e os decretos, com o intuito de deslindar os discursos proferidos em
relação a transformação da localidade em um celeiro de progresso. Soma-se a isso, a fonte
jornalística a partir do periódico A Voz de Chapecó e a análise dos editoriais do mesmo, que
no apogeu do processo colonizador, buscavam atrelar a figura do migrante como o arauto e
instalador do progresso. Neste sentido, a análise de fontes iconográficas se torna também
relevantes para a compreensão do processo, ao se problematizar que imagens se buscavam
eternizar da localidade e quais mensagens propunham emitir.
Desta forma, compartilho da visão de Ciro Flamarion Cardoso ao citar o historiador
polonês Adam Schaff, que prega que “a História é reescrita repetidamente no tempo, porque os
critérios de valoração dos acontecimentos passados variam de acordo com o tempo...”2, fazendo
assim, com que a visão e a percepção em torno de determinado evento histórico se modifique
de acordo com o presente do qual o historiador emana suas concepções. Portanto, ao olhar para
o presente percebemos na região o ressonar de um discurso inebriado ainda pela noção de
“cidade em marcha”, muito próprio do arquétipo estadonovista que propunha levar o progresso
para as regiões do país. Porém, agora o discurso é ressignificado, já que a região não se
considera mais como um sertão, mas sim, como um celeiro progressista e almeja ser

1
Quando da sua criação em 25 de agosto de 1917 e durante o período estudado, o município de Chapecó
compreendia uma área de 13.958 km2, sendo desmembrado após a década de 1950 em vários outros municípios.
2
CARDOSO, Ciro Flamarion. História e Conhecimento: uma abordagem epistemológica. In: CARDOSO, Ciro
Flamarion. VAINFAS, Ronaldo. Novos Domínios da História. Rio De Janeiro: Elsevier, 2012. p.14.
14

reconhecida como tal, rememorando seu passado para justificar sua afirmativa. Aqui, cabe
ressaltar que que a denominação de sertão pode ser encarada, segundo trata Arruda:

A ideia de sertão aparece em diversos discursos nomeando realidades geográficas


distintas. Transformou-se em oposição ao termo civilização e foi utilizada como
justificativa por inúmeros projetos de reocupação de territórios interiores do país.
Articulou-se com vários desejos de construção da identidade nacional, foi usada como
recurso ordenador da memória da história de algumas cidades. 3

Neste cenário, podemos perceber, no munícipio de Chapecó, ligações arraigadas com o


período ditatorial supracitado. Basta lembrar, que a principal avenida chapecoense foi batizada
em homenagem a figura líder do Estado Novo, Getúlio Vargas, nomenclatura persistente até a
contemporaneidade e que muitas das figuras políticas também hoje rememoradas, se forjaram
naquele período. Deste modo, a compreensão da gênese deste discurso progressista, sempre
atrelado a figura do migrante descendente de europeu e destas ligações percebidas com a figura
Vargas, me motivaram a deslindar o arquétipo da Estado Novo para com a região.
O período selecionado não possui uma bibliografia extensa na região, fato que motiva
uma maior pesquisa para corroborar com a historiografia local, com intuito de problematizar o
contexto do Estado Novo no âmbito local. Soma-se a isso, a importância de dar voz a muitos
elementos silenciados neste processo, que em muitos aspectos demonstrou ser violento e
repressivo, frente a parcelas sociais consideradas subalternas a ideia de desenvolvimento que
se queria propalar e até mesmo com aqueles que não se enquadrassem no desígnio de progresso
que se buscava alcançar. Assim, o discurso progressista para a região de Chapecó, que não se
modificou de grande modo nas demais localidades da fronteira Sul do país, norte gaúcho e
sudoeste paranaense, engendrou uma mentalidade e criou bases para uma identificação coletiva
de boa parte dos habitantes dessa localidade; a ideia de que são frutos, descendentes e agentes
ativos desse progresso, sempre marcado por um elemento étnico e cultural muito bem
delimitado, me refiro aqui as tradições pautadas na italianidade e germanidade inculcadas no
arrolar da colonização, que a todo o momento são exaltados na região.
Exemplo claro deste processo de exaltação histórica por qual Chapecó atravessa é a
construção de um monumento de bronze no qual três figuras históricas “marcantes” no cenário
local são homenageadas, a constar o colonizador Ernesto Bertaso, o industriário, Plinio de Nes
e o cooperativista, Auri Bodanese, ambos ligados ao ideário de progresso da qual a cidade busca
se vangloriar.

3
ARRUDA, Gilmar. Cidades e Sertões: o historiador entre a História e a Memória. Projeto História, UNESP,
São Paulo, 1999. p.123.
15

Figura 01- Monumento de bronze em homenagem a figuras históricas chapecoenses.

Fonte: ClicRDC. Disponível em: https://clicrdc.com.br/monumento-homenageara-personagens-da-historia-de-


chapeco/. Acesso em: 10 abri. 2019.

Tal monumento, deflagrou na cidade um debate que extrapolou além do valor da obra,
estimada em trezentos mil reais, e suscitou a questão de quem se quer lembrar e de quem é na
maioria das vezes esquecido no âmbito da memória local. Aqui, cabe ressaltar o caráter
significativo da obra, construída para lembrar o centenário de Chapecó, e se perguntar o motivo
de sua produção na presente data. A atualidade da discussão se liga a uma ideia de
“conservação” do passado em voga atualmente, que François Hartog definirá como um
excesso de presentismo, onde segundo José Carlos Reis “ antes era a memória nacional; agora
o regime da memória mudou: memórias parciais, setoriais, particulares, de grupos, associações,
empresas, coletividades, que se consideram mais legítimas de que o Estado”4. Nesta linha, a
memória se reveste de caráter corporativista, e responde ao anseio presente de um grupo que
busca hegemonizar seu controle político, usando de uma memória do passado, aqui
corporificada em três personagens considerados responsáveis por deflagrar o progresso na
região, para propalar para o restante da sociedade seu ideário.
É no meio desse campo de disputa, onde lembrados e esquecidos surfam na maré da
História, é que se insere a proposta deste trabalho. Não culpabilizando os colonos que para a
região migraram, mas buscando jogar luzes sobre um processo, encetado por um ideário
político, econômico e social, que enfatizava a promulgação e propagação do progresso, frente

4
REIS, José Carlos. Teoria e História: tempo histórico, história do pensamento histórico ocidental e
pensamento brasileiro. Rio de Janeiro: FGV, 2012. p. 56.
16

a um sertão bravio, inculto, indolente e fanático, levando as “benesses” de um capitalismo


cumulativo e predatório, frente a um modo de vida subsistente e atrelado a um coletivismo não
cumulativo. Deste modo, instigar a reflexão frente a uma mentalidade exploratória gestada pela
colonização, onde o “braço” do colono era motriz do domínio da natureza e da transformação
da localidade em um centro de progresso. Soma-se a essa lógica, o enquadramento nacionalista
visado pelo período detalhado, no qual o elemento migrante é transformado em um
neobandeirante, responsável por garantir a posse e a exploração do território para a nação
brasileira. Porém tal processo, criado a partir de um viés autoritário e centralizador, não iria se
propagar sem resistência e conflitos, outro elemento a ser problematizado nesta produção.
Para iniciar a contextualização dos elementos presentes neste trabalho, o conceito de
fronteira se torna elemento relevante para a compreensão dos processos deflagrados com a
colonização e a consolidação do Estado Novo. É necessário lembrar que o conceito de fronteira
é fluido, repleto de dinâmicas que envolvem lutas, disputas, culturas e movimentos que o
engendram, como trata Myskiw:

As fronteiras são construções da história humana, resultado e expressão de processos


sociais, recheada de encontros e desencontros, esperanças e desencantos, amores e
ódios, tratados selando parcerias ou declarações de guerras. Podemos afirmar,
seguramente, que cada fração da fronteira carrega sua singularidade histórica e social,
pois, a fronteira, ao mesmo tempo em que pretende separar povos, identidades,
culturas e governos, acaba por aproximar povos, identidades, culturas e ações
governamentais.5

Desta forma, denota-se que a constituição do conceito de fronteira não é um devir fácil
para quem o tente fazê-lo, logo que no bojo de sua estruturação se confrontam múltiplas
potencialidades e aspectos a serem abordados. Neste sentido, é necessário contextualizar
historicamente a constituição do conceito de fronteira e principalmente as diversas abordagens
adquiridas pelo mesmo na historiografia brasileira. Para tal, ao suscitar o processo de
construção do conceito Fronteira a obra clássica ao qual encontra ressonância em várias
produções historiográficas tanto no imediato de sua publicação quanto na contemporaneidade,
é a obra de Frederick Jackson Turner, um dos maiores historiadores americanos do século XIX
e autor da conhecida Tese de Fronteira, engendrada principalmente através de um
conglomerado de artigos, dos quais o mais famoso O Significado da Fronteira na História
Americana, lançado em 1893 em Chicago. A tese de Turner, apesar de hoje bastante contestada
e para muitos historiadores superada, devido a seu caráter romantizado sob o qual vislumbrou

5
MYSKIW, Antônio Marcos. Uma Breve História da formação da fronteira sul do Brasil. In: RADIN, José
Carlos; VALENTINI, Delmir José; ZARTH, Paulo. História da Fronteira Sul. Chapecó: Ed. UFFS, 2016. p.
43.
17

o processo de expansão da fronteira americana rumo ao Oeste, constitui um ponto de inflexão


na discussão e entendimento dos pressupostos do que seria Fronteira.
Turner em seus escritos, extrapolou uma visão geográfica da composição conceitual de
Fronteira, buscando compreender os motivos e frutos da expansão, apogeu e democracia norte
americana, que ao conquistar o oeste criaram as bases de umas das mais poderosas nações do
globo. Nesta análise, o autor norte americano colocou frente a frente a oposição que iria
configurar sua definição de fronteira, sendo a civilização desenvolvida no litoral atlântico frente
o mundo selvagem ao qual se constituía o oeste americano. Nesta oposição é forjada a figura
do pioneiro, o homem americano responsável por essa expansão e pela mobilidade da fronteira,
na teoria de Turner esse homem imbuído de ideais puros forjaria a identidade e a democracia
americana, segundo Arthur Lima de Avila:

Este aspecto do pensamento de Frederick Turner fica mais evidente se levarmos em


consideração alguns dos pressupostos básicos de sua frontier thesis. A fronteira
aparece, em última instância, como sendo um processo social e econômico imbuído
de poderes transformadores para os Estados Unidos. Antes de ser somente uma região
do país, ou a linha divisória entre duas sociedades antagônicas – a europeia e a nativa
-, ela é uma força que conduz e determina o tipo de regime político existente na
América, a democracia, e seu funcionamento. Os agentes históricos que ali transitam
são sempre tipos sociais específicos, anônimos e condicionados por seus lugares no
processo de apropriação no continente... Pode-se dizer que ele escreve a história do
'homem comum', sem rosto e sem nome, que se move no tabuleiro da história graças
à ação de forças que controla apenas superficialmente.6

Neste sentido, o pioneiro se transforma em um agente carregado da missão de


transplantar para as terras livres do oeste americano os ideais de civilização e progresso
inerentes a sociedade americana desenvolvida no litoral atlântico. Inculcado com seu ideal
puritano, o pioneiro se embrenhará na aventura selvagem de desbravar o desconhecido,
ressignificando e renegociando vários aspectos de seus elementos europeus, voltando as costas
a Europa muitas vezes, para se adaptar ao meio hostil que o ambiente lhe oferece, porém sem
jamais esquecer a linha limítrofe entre sua civilidade e o selvagem a sua frente. É neste sentido,
que a figura do pioneiro adquire a plasticidade ideal para a adaptação aos percalços que
submetem sua jornada. Aqui é possível evocar a obra de Sérgio Buarque de Holanda, Caminhos
e Fronteiras, no qual ao traçar a expansão da fronteira europeia rumo ao interior brasileiro,
principalmente pela figura do bandeirante se aproxima da obra de Turner.
Holanda engendra em seu trabalho o elemento agregador da expansão da fronteira no
Brasil, a plasticidade cultural. Tal elemento é caracterizado em suas obras ao definir o

6
AVILA, Arthur Lima. E da fronteira veio um pioneiro: Frontier Thesis de Frederick Jackson Turner (1861-
1932). Dissertação (Mestrado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas Departamento de História Programa de Pós-graduação em História. Porto Alegre, 2006. p.54.
18

colonizador como um elemento formado pela mescla cultural com o nativo, ao se deparar com
o meio hostil que o rodeia, o europeu renuncia muitas de suas tradições europeias e toma para
si diversas práticas nativas indígenas que vão lhe auxiliar no processo de expansão da fronteira
europeia. Neste sentido, surge um novo elemento que segundo Robert Wegner, ao analisar o
legado de Holanda, sintetiza os três momentos da fronteira: “adaptação ao nativo, recuperação
do legado europeu e amálgama de tradições que resulta em algo novo”.7 Assim, esse novo
elemento que surgirá a partir do meio e da adaptação da cultura indígena, formará o homem da
fronteira.
É neste contexto, que podemos relacionar a ideia de fronteira, propalada por Turner e
adaptada por Holanda, com o programa de Marcha Para Oeste deflagrado pelo governo de
Vargas durante o Estado Novo. Neste programa, a ideia de um sertão a ser conquistado entra
em pauta, e a construção desse sertão e dessa conquista passa a ser concebida pelos intelectuais
estadonovistas, em vista a criar uma imagem mítica e propagandística do projeto, assim como
tratam Dutra e Silva, Galvão Tavares, Miranda de Sá e Andrade Franco, em seu artigo Fronteira,
História e Natureza: a construção simbólica do Oeste Brasileiro (1930-1940):

Os discursos da Marcha apelavam para conteúdos míticos, cuja construção imaginária


evidenciava traços do conservadorismo romântico em que a “utilização das imagens
como dispositivos discursivos de propaganda atendia a finalidades políticas muito
claras, que os próprios teóricos do poder não escondiam. Foi nesse contexto que se
procurou construir uma visão mítica do Oeste como um vazio demográfico, fundo
territorial, frente de expansão, terra de provisão e novo eldorado, sobretudo no período
da Segunda Guerra Mundial, quando o conteúdo fortemente nacionalista do Estado
Novo encontrou vias privilegiadas de propagação de seus ideais.8

Desta forma, a obra Marcha Para Oeste de Cassiano Ricardo engendra a característica
mítica da fronteira oeste como um local a ser conquistado, de onde proverá os novos louros da
nação, tal qual as bandeiras buscaram no período colonial brasileiro. Nessa mesma perspectiva,
a obra de Ricardo evoca a figura de um neobandeirante reencarnado do espírito do bandeirante
paulista que expandiu as fronteiras da coroa portuguesa e explorou as riquezas da terra. Este
novo homem receberia a função de levar o espírito da brasilidade para o sertão selvagem
brasileiro, propagando a ideologia litorânea de progresso e civilidade.
Entretanto, o conceito de Fronteira se modifica e passa a ser encarado pela
historiografia, aqui no caso a brasileira, com uma abordagem que remete ao espaço de fronteira

7
WEGNER, Robert. A Conquista do Oeste: a fronteira na obra de Sérgio Buarque de Holanda. Belo Horizonte:
Ed UFMG, 2000. p.161.
8
SILVA, Sandro Dutra; TAVARES, Giovana Galvão; DE SÁ, Dominichi Miranda; FRANCO, José Luiz de
Andrade. Fronteira, História e Natureza: a construção simbólica do Oeste Brasileiro (1930-1940). Revista
de História Iberoamericana. Anápolis, v.7, n. 2, p. 4, 20 de outubro de 2014.
19

como local de confronto, onde se tecem diferenças culturais e se hegemonizam culturas que se
buscam dominantes no espectro social. Neste sentido, denota-se fronteira pelo aspecto de frente
em expansão, no qual um prisma ideológico imbuído de seu caráter expansor, dinâmico e
modernizador, busca atrelar as áreas que ainda “resistem” a sua ideologia. Sendo assim, a
fronteira se transforma em um espaço de conquista e aqui descrito como uma conquista do
capital em busca de expandir seu domínio, fato que será melhor elucidado no decorrer deste
trabalho.
Segundo esta perspectiva, a fronteira extrapola sua dimensão geográfica para adquirir
uma dimensão de construção e reconstrução de etnicidades, culturas, ideologias. É na expansão
de sua fronteira que o capital desalojará aquele que considera inculto, não civilizado e realocará
o elemento próspero para a implementação de seu ideário. Assim, como trata José de Souza
Martins, ao problematizar o conceito de fronteira:

A fronteira de modo algum se reduz e se resume à fronteira geográfica. Ela é fronteira


de muitas e diferentes coisas: fronteira da civilização (demarcada pela barbárie que
nela se oculta), fronteira espacial, fronteira de culturas e visões de mundo, fronteira
de etnias, fronteira da história e da historicidade do homem. E, sobretudo, fronteira
do humano. 9

Ao tratar da constituição da fronteira em Chapecó, é possível observar a tensão da frente


do capital em expansão, no confronto entre o civilizado e o bárbaro, o moderno e o arcaico, o
progresso e o sertão. Neste caso, a expansão da fronteira capitalista para o Oeste Catarinense,
significaria a imposição de um modelo calcado ideologicamente na transformação da região em
um polo do capital, a despeito de outros modos de vida até então radicados na região, caso das
populações indígenas e caboclas. Assim a civilização iria ser consolidada, com o hábito do
trabalho e os costumes polidos de um elemento europeizado cristão, em contraposição ao
fanático indolente, corporificado como um caboclo bárbaro incapaz de desenvolver a região. O
moderno também seria implementado, por meio do domínio da natureza selvagem, da abertura
de estradas, que seria o caminho para o vigorar do progresso na localidade. É aí que a fronteira
como local de confronto se delineia, mostrando todas as exacerbações étnicas, culturais e
materiais dele resultante.
Outro conceito de extrema importância para o desenvolvimento deste trabalho e que
encontra extrema ligação com o conceito de fronteira é o de progresso. Tal ligação se faz por
meio principalmente do discurso propalado para a expansão da fronteira rumo ao oeste, que

9
MARTINS, José de Souza. Fronteira: a degradação do outro nos confins do humano. São Paulo: Hucitec,
1997. p.13.
20

pregava a institucionalização do progresso, frente a enquadrar a região na expansão do capital,


da qual a máxima exploração e o domínio do meio natural eram essenciais para transformar o
sertão em um oeste civilizado. Deste modo, compreender o que era progresso em um período
autoritário e de expansão da fronteira do capital rumo ao oeste é parte intrínseca para elucidar
a construção da fronteira oeste tal qual ela se estruturou.
Ao se falar de progresso podemos logo indagar dois questionamentos: progresso para
onde? E progresso para quem? Logo no primeiro questionamento podemos conjecturar a ideia
de progresso inaugurada pelos princípios cientificistas que tomaram a Europa após o advento
das concepções iluministas e também das Revoluções Burguesas, que enquadraram um
pressuposto de História baseado em um destino glorioso, de avanços tecnológicos, permeado
por uma noção evolutiva da humanidade. Deste modo, o progresso deveria ser levado pelas
nações que já o alcançaram rumo aos locais onde ainda predominasse o primitivismo, sendo
essa uma das justificativas para as ações neocolonialistas impetradas contra a África e a Ásia
em meados do século XIX. Assim, criou-se um mito em torno do conceito de progresso,
atrelado a materialidade da expansão capitalista e dos valores culturais europeus. No que
concerne a segunda indagação lançada logo acima e embasados pelo que se entendia de
progresso naquele período podemos refletir que esse ideal deveria ser levado a todo o indivíduo
que orbitasse a sua margem, em uma espécie de “salvação de almas” promovida pelo
colonizador europeu, porém, as benesses colhidas durante esse processo, principalmente ao
olharmos para a conjuntura neocolonial, dizem respeito muito mais ao enriquecimento do
colonizador e o aprofundamento de tensões, conflitos e subjugação do colonizado.
Neste sentido, entender o conceito de progresso e principalmente a ideia de progresso
propagada para Chapecó se faz nevrálgico para o entender deste trabalho. Para elucidar essa
questão é necessário um olhar sobre os teóricos que sobre a questão se debruçaram, para
Benoist:

Os teóricos do progresso diferem na direção do progresso, o ritmo e a natureza das


mudanças que o acompanham, e mesmo seus principais agentes. Não obstante, todos
aderem a três ideias-chave: (1) uma concepção linear do tempo e a ideia de que a
história possui um sentido, orientado para o futuro; (2) a ideia de uma unidade
fundamental da humanidade, toda ela chamada a evoluir na mesma direção junta; e
(3) a ideia de que o mundo pode e deve ser transformado, o que implica que o homem
afirma-se como mestre soberano da natureza. 10

10
BENOIST, Alain de. Uma Breve História da Ideia de Progresso. Legio Victrix, 2011. Disponível em:
https://legio-victrix.blogspot.com/2011/08/uma-breve-historia-da-ideia-de.html. Acesso em: 15 out. 2018.
21

Essas concepções, segundo Robert Nisbet, sociólogo americano, calcadas em um ideal


de tempo linear rumo ao um fim já pré-concebido e gestado em um paradigma de salvação tem
sua gênese no deflagrar do cristianismo, principalmente nos escritos de Santo Agostinho e sua
História Universal, aplicável a toda a humanidade que é convocada a progredir rumo a uma
direção melhor.11 Porém, com o advento da ciência e da tecnologia, frutos do irromper do
iluminismo na Europa o conceito de progresso adquire um caráter secular, e a salvação dá lugar
a busca pela felicidade, o bem estar e o acumulo que proporcione uma vida confortável, segundo
Benoist:

Daí em diante, a teoria do progresso possuía todos os seus componentes. Turgot, em


1750, depois Condorcet, formularam-na simplesmente, como a convicção de que: "A
humanidade como um todo está sempre tornando-se mais perfeita". Assim a história
da humanidade foi vista como definitivamente unitária. Isso preservou a ideia cristã
de uma futura perfeição da humanidade e a certeza de que a humanidade está
movendo-se na direção de um fim único. Mas a Providência foi abandonada e
substituída pela razão humana. Daí em diante, o universalismo foi baseado na razão
concebida como "una e inteira em cada indivíduo", independentemente de contexto e
particularidade.12

Deste modo, o progresso continuou sendo aplicado a uma proporção universal podendo
atingir diversas sociedades. Com o advento das revoluções industriais e burguesas levaram o
patamar do progresso ao campo material, atrelado também a um sentido civilizatório. Aqui
progresso e civilização caminham unidos em um discurso para legitimar o processo de
colonização em diferentes partes do globo, sendo o colonizador o responsável por instituir a
civilização e deste modo guiar aquela localidade no sentido do progresso.
No século XIX, essa concepção de progresso irá se somar a outras teorias que irão
potencializar sua aplicação como o positivismo de August Comte, onde o endeusamento da
ciência e suas benesses chegará a seu auge com o autor estabelecendo estágios para o alcançar
do progresso, a qual cada sociedade deveria passar, a saber: o teleológico, o metafísico e o
positivo, sendo esse último o estágio evolutivo alvo para toda a sociedade considerada
civilizada. Nesse princípio de evolução, outras teorias que encontraram terreno fértil no bojo
da construção do ideário de progresso, são as teorias raciais, construídas a partir de um princípio
etnocêntrico e eurocêntrico, tais teorias colocam no centro do debate sobre o progresso a
questão étnica ou entendida no período como racial. Dentre essas teorias, encontramos a
Eugenia que pregava uma “higienização racial” através da herança biológica, buscando a
produção de uma raça pura superior. Essa concepção está ligada a uma adaptação da doutrina

11
NISBET, Robert. História da ideia de progresso. Brasília: UNB, 1985. p.88.
12
BENOIST, Alain de. Op., Cit.
22

do naturalismo inglês Charles Darwin e transformada no Darwinismo Social, calcado na crença


que raças superiores poderiam suplantar raças inferiores e se sobressair no meio13. Essa visão
se liga a problemática do progresso, principalmente a pregada nas áreas de colonização, por
meio de atribuir a uma determinada etnia, no caso a branca europeia, a qualidade e a
“responsabilidade” da implantação do progresso, em detrimento dos demais elementos étnicos
presentes nas localidades. Um exemplo claro é a política do branqueamento, assumidamente
adotada desde o império brasileiro durante o período de atração de migrantes para o país, onde
elementos de pele branca eram preferidos, numa tentativa de minar a negritude
“exageradamente” presente no país.
Tais conceitos, de Fronteira e de Progresso, se apresentam de maneira latente no período
a ser estudado o do Estado Novo, no qual um outro conceito de extrema relevância se destaca,
o de Nacionalismo. Nesta questão, a formação de uma nação era peça chave para se consolidar
uma ideologia de Estado corporificado em um personagem ditatorial e que promulgava o
domínio das massas e a homogeneização do sentimento de brasilidade. Tal conceito de
Nacionalismo pode ser trabalhado a partir de Eric J. Hobsbawm, utilizando principalmente seu
livro Nações e Nacionalismo Desde 1870, no qual o autor debate sobre a mutabilidade do
vocábulo e da ideia de nação atrelado a história ocidental, desde a construção dos primeiros
estados-nação até a utilização moderna do termo, na qual será meu foco de estudo. Se antes, na
era medieval, o termo nação se atrelava a concepção de descendência e nascimento, no final do
século XIX e na primeira metade do século XX a utilização do termo se constituiria a partir das
noções de etnia, língua, território, história, cultura entre outros, sob a tutela do Estado ou
Estado-nação. Desta forma, o significado moderno de nação, comportaria em si a ideia de
centralidade e unidade, por meio da unificação e classificação de seres humanos, cabendo ao
papel do Estado a criação da “consciência nacional” nas camadas populares. Essa consciência
buscaria incutir a ideia de nação como central não só pra a identificação como para a
manutenção e sobrevivência dos membros desta, como postula Hobsbawm:

Pois a principal característica desse modo de classificar grupos humanos é que –


apesar da alegação, daqueles que pertencem a uma nação, de que ela é, em alguns
sentidos, fundamental e básica para a existência social de seus membros e mesmo para
a sua identificação individual – nenhum critério satisfatório pode ser achado para
decidir quais das muitas coletividades humanas deveriam ser rotuladas desse modo.14

13
ALENCASTRO, Luiz Felipe; RENAUX, Maria Luiza. Caras e modos dos migrantes e imigrantes. In:
NOVAIS, Fernando A.; ALENCASTRO, Luiz Felipe de. História da vida privada no Brasil: império: a corte e
a modernidade nacional. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 291-335.
14
HOBSBAWM, Eric. Nações e Nacionalismo desde 1780 –Programa, Mito e Realidade. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2002. 3 ed. p. 14.
23

O autor, denomina neste trecho a ideia de nação como algo intrinsecamente subjetivo,
calcado em um pressuposto ideológico formado a partir de um ideal imposto e insistentemente
hegemonizador, no qual o Estado teria papel fundamental em sua criação. Tal papel do Estado
mostra sua latência no Brasil no período ditatorial estadonovista, no qual o ponto central, a
campanha de nacionalização, se propõe a integrar todo o território a brasilidade, dirimir os
quistos étnicos, e modernizar todo o complexo formativo da nação, inerente a isso o trabalho e
a civilidade, pressupostos indispensáveis ao brasileiro que se propunha criar.
É dessa união entre a ideologia de criação de uma nação calcada no progresso com a
expansão da fronteira do capital para as áreas consideradas, até então, o sertão do país, que irá
se configurar o processo de formação da fronteira oeste em Santa Catarina. De tal modo, é
imperativo suscitar as idiossincrasias da conflagração formativa da região levando em
consideração os arranjos locais, tanto em termos políticos como sociais, que obtiveram também
papel conformador nesta fronteira da qual debruço minha análise. Sendo assim, proponho para
os próximos capítulos uma construção analítica em torno da formação da fronteira oeste em
suas variadas particularidades.
Para que se alcancem os objetivos pretendidos, alguns caminhos podem ser mais
producentes. O primeiro deles está na análise da documentação oficial que trata do governo
encabeçado por Getúlio Vargas durante o período denominado Estado Novo. Deste modo,
analisar os discursos oficiais, como os de Getúlio Vargas se faz de suma importância. Tais
documentos estão disponíveis em obras como Getúlio Vargas A Nova Política do Brasil,
encontrados em versão online no site da biblioteca da Presidência da República, outros
documentos foram encontrados no Arquivo público do Estado de Santa Catarina e tratam do
período governamental do interventor Nereu Ramos. Trabalhar com fontes oficiais envolve não
apenas transcrevê-las, como na historiografia tradicional, mas entende-las a luz do aparato
administrativo da época, como se inseriram no período analisado, quais foram apenas
burocracia acumulada ou efetivamente concretizadas.
Outro caminho possível de ser concretizado é através da análise da fonte jornalística,
por meio dos principais periódicos que circularam na fronteira Sul no período do Estado Novo.
Muitos desses periódicos são encontrados na Hemeroteca Digital do site da Biblioteca
Nacional, como O Estado e O Dia do estado do Paraná, outros como A Voz de Chapecó, está
disponível no Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina. Tal cenário aborda a imprensa
local como um veículo sobre o qual os estereótipos culturais e sociais da sociedade abordada
se fazem presente, com muito mais latência no período ditatorial em qual se vivia. Segundo
Tania de Luca:
24

O papel desempenhado por jornais e revistas em regimes autoritários, como o Estado


Novo e a ditadura militar, seja na condição difusor de propaganda política favorável
ao regime ou espaço que abrigou formas sutis de contestação, resistência e mesmo
projetos alternativos, tem encontrado eco nas preocupações contemporâneas,
inspiradas na renovação da abordagem do político.15

Assim o uso da fonte jornalística de época nos faz entrar no jogo político local, buscando
entender as posições, os interesses e o discurso de quem controlava esse jogo político. Analisar
desta forma é ampliar o leque de interpretações, não vendo o jornal como verdade absoluta e
nem com minado de ideologia, mas sim um instrumento de reconstrução de culturas sociais de
determinado período.
As fontes iconográficas são outro exemplo de trabalho disponível para compreender o
processo de colonização do Oeste. Vários materiais se encontram hoje disponíveis no Centro
de Memória do Oeste de Santa Catarina (CEOM) e servirão de base para a pesquisa aqui
pretendida. O trabalho com fotografias leva em conta a materialidade dessa fonte como
instrumento de pesquisa histórica, não como reprodução da verdade, mas como uma construção
e representação da realidade, suscitando múltiplas interpretações. Desta forma, os registros
fotográficos da exploração da fronteira Sul, permitirão analisar as representações buscadas
pelos sujeitos que as produziram, jogando luz sobre como esse processo foi desenvolvido e
como foi propagado. O aspecto político também se encontra inerente aos registros fotográficos,
pois uma foto é também a dimensão a qual se busca focar para se perpassar ao futuro, é uma
idealização de uma sociedade, de um fato ou indivíduo, de um projeto político, que se tenta
emoldurar, buscando eternizar seus valores.
No primeiro capítulo deste trabalho, proponho problematizar os processos históricos
relevantes para a constituição do que engendro como Fronteira Oeste Catarinense, realizando
uma digressão histórica, com o intuito de remontar historicamente a constituição política e
social do que formaria a fronteira entre Brasil e Argentina, passando pela delimitação colonial
e desembocando nas querelas entre os já independentes Brasil e Argentina, chegando a questão
de limites do Contestado, entre Paraná e Santa Catarina. Tal conflito será encarado como um
momento de tensão e formação de um novo núcleo de povoamento e exploração na fronteira
Oeste. Deste modo, procurar entender a configuração do conflito a partir de uma lógica de
Estado para a perpetuação de um modelo social e econômico, em detrimento do elemento social
vigente em terras do Oeste Catarinense.

15
DE LUCA, Tania. Fotografia: múltiplos olhares. São Paulo: Contexto, 2005. p. 129.
25

Ainda no primeiro capítulo, será construída uma análise referente aos pressupostos
pautados pela colonização para a região oeste. Em outras palavras, analisar a expansão do
capital, engajado em seu viés de produção de excedentes, somado a ideia de um catolicismo
romanizado, progresso pelo trabalho e tradições patriarcais. Soma-se a isso, a formação da
fronteira étnica entre caboclos e colonos no oeste de Santa Catarina. Desta forma, explicitar os
antagonismos criados entre estes dois grupos e que vão consolidar por um longo tempo na
história local a figura do colono com o propulsor do progresso em contraposição ao caboclo
“preguiçoso e indolente”.
No segundo capítulo desta produção, farei uma abordagem da construção do Estado
Novo em âmbito nacional, estadual e local, enfatizando suas propostas nacionalistas e de
expansão da fronteira do capital rumo as áreas consideradas os sertões do país. Aqui busco
engendrar a formação do aparato estadonovista sob as óticas do autoritarismo, nacionalismo e
progresso e suas ressonâncias em âmbito regional, fundido com os interesses da elite
chapecoense, no intuito de legitimar sua perpetuação no controle das áreas de colonização. Ao
me referir ao termo elite engendro aqui a um conceito muitas vezes polissêmico, porém
entendido como trata Bobbio “uma minoria que, por várias formas, é detentora do poder, em
contraposição a uma maioria que dele está privada”16.
Neste sentido, vários autores denotam a diferenciação de elite em várias vertentes como
política, econômica, religiosa, entre outras. Aqui em Chapecó, percebo e trato a designação de
elite, como a confluência de uma minoria dominante economicamente e que buscará e logrará
imbricação com o domínio político ao atrelar suas emanações econômicas com o aparato
burocrático estatal. Então elite designa a minoria condutora do processo de transformação da
fronteira oeste catarinense em suas várias vertentes, destacando-se o econômico e o político.
Chama a atenção como essa elite local se autorreferenciava, como patrícios, um termo que
remete a alguém proveniente da mesma terra, com as mesmas origens. Termo esse que servia
para identificação e diferenciação dos elementos dominantes em Chapecó.
No terceiro capítulo, abordo de forma mais efetiva as ações, políticas e discursos que
permearam a construção do ideário de progresso e o arquétipo de modernização da fronteira
oeste, problematizando o discurso de progresso na região, elucidando como a elite local buscou
se apropriar deste discurso para manter sua hegemonia política e econômica. Soma-se a isso, a
utilização de meios coercitivos e autoritários, que buscavam a hegemonização cultural e a

16
BOBBIO, N; MATTEUCCI, N; PASQUINO, G. Dicionário de política. 4ª ed. Brasília: EDUnB, 1992. p.386.
26

transformação do elemento migrante em alguém apto tanto para modernizar Chapecó, quanto
para servir de bastião da ideologia nacionalista.
Enfim, busco neste trabalho contribuir para uma leitura da constituição política e social
da fronteira oeste num período de repressão e ideologia política nacionalizadora, frente a
construir um ideal de nação propalado pelos elementos civilizatórios, no que concerne a um
modelo econômico e num padrão social. Deste modo, nas próximas páginas, além de uma
digressão pela formação histórica da região, convido para uma análise da formação da fronteira
Oeste Catarinense sob as égides que a propalam atualmente, ou seja, uma localidade onde
progresso foi construído por mãos de uma etnia propensa ao labor em suspensão ao que aqui se
construía anteriormente e ensejando o período estudado, a transformação da localidade como
um bastião de fronteira a ser garantido para o domínio da brasilidade.
27

CAPÍTULO I

1. CONSTRUINDO UMA FRONTEIRA

A região oeste de Santa Catarina, que compreende hoje a mais de uma centena de
pequenos municípios, tendo em Chapecó como uma cidade polo, teve em sua constituição
histórica social e econômica, um longo processo de formação, passando desde as populações
indígenas que chegaram a região a pelo menos nove mil anos antes do presente, passando pelos
portugueses que adentrariam esse território em fins do século XIX e culminando com a
migração colona rio-grandense. Como tratam Radin e Corazza:

No caso do Oeste catarinense, analisar a formação social significa caracterizar as


diversas classes, camadas ou estratos sociais, bem como as identidades dos povos que
habitaram ou ainda habitam a região, no período de sua formação socioeconômica,
política e cultural. Tendo como ponto de partida as sociedades indígenas, na sua
especificidade e complexidade, seus diversos povos, costumes, crenças, concepções
de vida e visões de mundo, esta formação social regional resultou da combinação de
elementos da formação social cabocla e colonial, que evoluíram na direção de uma
formação social preponderantemente capitalista.17

Como explicitam os autores, a configuração histórica regional tem em sua base atual a
incorporação de vários elementos que foram se moldando para a formação de uma sociedade
estruturalmente capitalista. Neste ponto, discordo da maneira evolucionista como os autores
tratam a preponderância capitalista na região. Tal termo remete a uma concepção de que a lógica
do capital seria a culminância do que melhor se apresenta na humanidade, visão que discordo,
pois, creio que os modos de vida apresentados por indígenas e caboclos na região não seriam
um arcaísmo histórico, muito pelo contrário, cada qual em suas particularidades buscou viver
seu mundo dentro do que sua cultura e do que seu meio lhe apresentava, sendo assim, não temos
como classificar ou ordenar em ordem evolutiva tais culturas. Tal processo de evolucionismo
da humanidade, encontra ressonância em um ideal de superioridade cultural e de imposição
ideológica de um futuro de progresso, hegemonizando práticas e padrões de vida. Desta forma,
procuro engendrar neste capítulo inicial as bases históricas que construíram o Oeste Catarinense
como tal, que hoje se vangloria de seu progresso em marcha e de seu passado construído por
etnias que chegaram em um tempo muito posterior a populações aqui já estabelecidas e que,
neste cenário, criaram com essas populações uma relação de extrema violência e espólio,
buscando propagar o seu ideal e solidificá-lo na história como único, sem volta e verdadeiro.

17
RADIN, José Carlos. Dicionário histórico-social do Oeste catarinense / José Carlos, Gentil Corazza.
Chapecó: Ed. Universidade Federal Fronteira Sul, 2018. p.70.
28

Mapa 01 - Estado de Santa Catarina em 1927.

Fonte: Arquivo digital de mapas catarinenses. Disponível em: http://www.spg.sc.gov.br/mapas/sc/sc-1-1927-


01.pdf. Acesso em: 20 set. 2019.

Assim, neste capítulo, apresento como se solidificou a constituição política, apresentada


no mapa 01, assim como as bases sociais que moldaram o Oeste Catarinense. No mapa acima,
vemos já delimitados os dois municípios criados logo após a resolução do conflito do
Contestado, Chapecó e Cruzeiro. Neste sentido percebemos, que Chapecó, longe de sua área
atual, ocupava na época a maior parte do que consideramos o oeste do estado, cerca de 14 mil
km², ficando conhecido como o Velho Chapecó que mais tarde seria desmembrado, dando
origem a região conhecida contemporaneamente como a mesorregião do Oeste Catarinense,
formada por 119 municípios. Porém, para se constituir como o mapa a caracteriza em 1927, a
região passou por diversos conflitos, a definindo como uma região estratégica de fronteira e
necessária a segurança nacional. É o que será abordado nos próximos itens desse capítulo.
29

1.1 Aspectos históricos da fronteira oeste.

O Povoamento da região sul do Brasil, em especial o Oeste Catarinense, por grupos


humanos se expressa, segundo o professor Jaisson Teixeira Lino18 a pelos menos 12 mil anos.
Em diversas localidades a presença humana pode ser estudada devido aos vestígios
arqueológicos encontrados, como materiais líticos, estruturas de habitação, cerâmicas, restos de
fogueiras, entre outros. Nesse sentido, destaca-se na primeira leva de ocupação os povos
caçadores-coletores, entre eles o homem sambaqui estabelecido no litoral, a Tradição Vieira
estabelecida na serra gaúcha, produtores dos “cerritos”, os povos da Tradição Umbu e Humaitá
característicos por suas casas subterrâneas os “buracos de bugre” estabelecidos nas regiões do
planalto catarinense. Em uma datação mais recente, cerca de 2 mil anos, temos a ocupação pelos
povos de matriz linguística Jê, mais conhecidos como Caingangues e Xoclengues, que entraram
em conflito com os povos já aqui estabelecidos pelo domínio territorial. Por último, temos a
leva migratória Guarani, proveniente da bacia Amazônica, que por meio da guerra ou por
assimilação cultural foram conquistando extensos territórios.
Neste contexto, percebe-se o estabelecimento de uma rica e antiga cultura dos povos
indígenas na região, hoje explicitada graças a um intenso trabalho, principalmente na área
arqueológica desenvolvida na localidade, destacando-se os trabalhos de Jaison Lino e Mirian
Carbonera19 e também de pesquisas propagadas pelo Centro de Memória do Oeste de Santa
Catarina, guardião de um rico acervo sobre a população ameríndia local. Tais trabalhos
corroboram na tentativa de findar a invisibilidade a que os povos indígenas locais foram
submetidos, principalmente após a consolidação da colonização da região e do assentamento
da economia capitalista, buscando valorizar e trazer a público a cultura e a contribuição desses
povos.
A ocupação indígena sofrerá revezes e alterações a partir do século XIX, quando da
chegada do elemento europeu, principalmente portugueses a região, alterando a dinâmica do
espaço e das relações sociais. Destas relações, temos o florescimento de um novo tipo étnico o
caboclo, que será melhor elucidado nos próximos subcapítulos, porém também teremos a
alteração da dinâmica do espaço, do território e seu controle. Este fato é visível pelas diversas
querelas envolvendo a posse destas terras, discutidas tanto pelas coroas espanholas e

18
LINO, Jaisson Teixeira. DA SILVA Elisana Reis. LINO Gislaine Inácio de Melo. Fronteiras
interdisciplinares no estudo do passado indígena: considerações sobre arqueologia e história em Santa
Catarina. Cadernos do CEOM - Ano 25, n. 37 – Fronteiras. p. 161-175.
19
CARBONERA, Mirian. Notas sobre a história das sociedades pré-coloniais do oeste catarinense. Revista
Tempos Acadêmicos, Dossiê Arqueologia Pré-Histórica, nº 11, Criciúma, 2013.
30

portuguesa, tanto pelas repúblicas Brasil e Argentina. Aqui, percebe-se que a região se
configurou com estratégica por estabelecer-se como uma fronteira e, portanto,
geopoliticamente20 de extrema relevância.
A região abrangente pelo território Oeste Catarinense foi palco de disputa tanto por
Portugal e Espanha, quanto posteriormente por Brasil e Argentina. Na era colonial brasileira a
questão da posse das terras envolvendo o sul do país começou a entrar em litígios a partir da
fundação da colônia de Sacramento em 1680 no qual os portugueses ingressavam para além do
tratado de Tordesilhas, ocupando territórios até então espanhóis. As divergências continuaram
mesmo com os tratados de Madri de 1750, de Santo Idelfonso de 1777 e de Badajós em 1801,
com o Brasil configurando seu território com base no princípio de uti possidetis, se alastrando
até após a independência das duas colônias, Brasil e Argentina. Já na era independente, as duas
nações ainda não encontravam acordo satisfatório para a questão. A argentina conclamava a
fronteira, na época conhecida como região de Palmas, nos rios Chapecó e Chopim, já o Brasil
defendia a fronteira pelos rios Peperi-Guaçu e Santo Antônio. Segundo Heinsfeld:

A República brasileira herdou uma série de problemas fronteiriços com os países


vizinhos, sendo obrigada, para resolvê-los, a efetuar estudos de profundidade e de
grande interesse, tanto históricos, como geográficos e geopolíticos. Nesta fase,
indiscutivelmente sobressai a figura de José Maria da Silva Paranhos, o Barão do Rio
Branco é considerado pela Escola Superior de Guerra um dos precursores do
conhecimento geopolítico brasileiro. O primeiro trabalho dirigido pelo Barão do Rio
Branco, envolveu as fronteiras do Brasil com a Argentina, na "Questão de Palmas" ou
de "Misiones", que conservou para o Brasil um território de 30.691 quilômetros
quadrados pretendido pelos Argentinos.21

No ano de 1859, o governo brasileiro, como uma forma de garantir a soberania e o


princípio da ocupação deste território em contenda, cria duas colônias militares na região, a
Colônia Militar de Chapecó e a Colônia Militar de Chopim. as colônias eram destinadas para a
defesa da Fronteira, à proteção dos habitantes dos Campos de Palma, Erê, Xagú e Guarapuava

20
Definir o conceito de geopolítica não é uma tarefa das mais simples, pois existem uma multiplicidade de
correntes de pensamento oriundas de diversos países, assim Halford Mackinder (1861-1947) seria o fundador da
escola de geopolítica inglesa; Ratzel (1844-1904) o fundador da escola alemã; Vidal de La Blanche (1845-1918)
da escola francesa e Alfred Mahan (1840-1914) seria o fundador da escola norte-americana de geopolítica.
(CÉLERIÉR, 1969, p.11). Utilizo aqui a concepção de geopolítica inaugurada a partir das concepções da escola
alemã de Ratzel, que apesar de não ser o primeiro a levantar as bases de uma geografia política, foi um dos
pioneiros a tratar cientificamente a questão com a publicação de sua obra Geografia Política em 1897. Para
Ratzel, a força do Estado estava intimamente ligada ao espaço - na sua forma, extensão, relevo, clima e
disponibilidade de recursos naturais -, à sua posição - relações sociais estabelecidas entre o Estado e o seu meio
circulante no âmbito nacional e internacional - e, por último, ao sentido (ou espírito) do povo, que representava a
força desse determinado povo em relação a outro. MORAES Ant. Carlos Robert, Geografia Pequena História
Crítica 20° ED, São Paulo: Hucitec, 1994, p.15 a 21.
21
HEINSFELD, Adelar. A questão de Palmas entre Brasil e Argentina e o início da Colonização Alemã no
Baixo Vale do Rio do Peixe. Joaçaba: UNOESC, 1996. p. 61
31

da incursão dos índios, sendo responsáveis pela catequese desses índios como forma de
“civilizá-los”22.
Em 1889 Brasil e Argentina acordam em estabelecer a resolução da querela por
intermédio Norte Americano, entretanto em 1890 o chanceler brasileiro Quintino Bocaiúva
assina em Montevidéu um tratado com o seu par argentino Estanislao Zeballos, em que a área
contestada seria dividida entre os dois países. Porém, o fato não é bem recebido pela opinião
pública brasileira, e o congresso brasileiro o rechaça em agosto de 1891, alegando que a questão
poderia ser melhor resolvida, e vencida pelo lado brasileiro, em arbítrio do presidente
estadunidense. O Brasil nomeia então o Barão do Rio Branco como representante brasileiro em
Washington, que passa a reunir toda a informação histórica e cartográfica da região em litígio,
imbuído mais uma vez do princípio Uti Possidetis, onde provou a presença e ocupação
brasileira na região preterida pelo Brasil, conseguindo assim ganho de causa em 1895, por meio
do laudo do presidente norte-americano Glover Cleveland.
A situação, demonstra como as terras que se configurariam mais tarde como o Oeste
Catarinense, exerceram papel nevrálgico na delimitação das fronteiras dos Estados modernos
em construção na América do Sul. Deste modo, nesta região, delimitar o espaço territorial
determinaria não só a soberania de uma nação sobre esse espaço, mas também, engendraria um
jogo de poder ideológico, de conformação de uma ideia de nação frente aos indivíduos. Essa
percepção pode ser entendida ao analisarmos a abordagem que Heinsfeld faz sobre o renomado
geógrafo suíço Claude Raffestin:

Raffestin argumenta que "a fronteira é manipulada como um instrumento para


comunicar uma ideologia" e que a mesma se torna um "sinal" quando o Estado
Moderno atingiu um controle territorial "absoluto" e tornou unívoca a mensagem
"fronteira igual limite sagrado". A linha fronteiriça só é de fato estabelecida quando a
demarcação se processa. A fronteira "de fato estabelecida" significa não estar mais
sujeita à contestação por parte de um dos Estados que têm essa fronteira em comum.
Pela demarcação elimina-se não um conflito geral, mas um conflito no qual a fronteira
poderia ser pretexto. A linearização da fronteira é uma tendência do Estado moderno,
que não foi desmentida desde o século XV, para culminar, no século XX, nas linhas
"rígidas", por vezes impermeáveis porque contornadas por "muros".23

Percebe-se, através da análise de Raffestin a fronteira sendo engendrada como um mito,


criado e sustentado por outro exercício de convenção social humana que é o estabelecimento
do Estado moderno, com o qual ele se pautou no início da modernidade, locado por um
território, uma língua, um povo e um sentimento de pertencimento e amor a esse território. Tal

22
XAVIER, Mário. O Coronel Freitas e a Colônia Militar do Chapecó: Os primórdios de Xanxerê e a
colonização do Oeste Catarinense. Florianópolis: Insular, 2016.
23
HEINSFELD, Adelar. Op., Cit. p. 29.
32

mito da fronteira, se recria, principalmente em momentos de tensão e querelas, no qual ele é


utilizado como um espaço de confrontação de soberania, caso visto no processo pelo qual Brasil
e Argentina foram envoltos na questão de Palmas. Porém, mesmo após a vitória brasileira sobre
a questão, os conflitos de interesse inerentes a essas terras iriam se alongar durante o período
republicano, no qual, os agora dois estados formados Paraná e Santa Catarina iriam batalhar
pela jurisdição em torno do território em disputa.
A região contestada entre Paraná e Santa Catarina, se configurava com enorme potencial
de exploração em termos de madeira, erva-mate, plantio e criação de animais, porém até os
primeiros anos do século XX nenhum estado havia de fato explorado a região, e muito menos
prestado algum tipo de auxílio a população que a habitava. Basta lembrar, um fato recorrente a
colonização brasileira como um todo, referente a concentração populacional na costa do país e
a região do oeste da nação sendo encarrada como um sertão, selvagem, bravio e inculto, aonde
predominava o desconhecido e a civilização ainda se mostrava apartada. Tal noção de “Sertão”
encontra-se imbricada na cultura e no imaginário popular, desde a construção desse território
que denominamos Brasil. Contribui para tal percepção a escritora Janaína Amado, ao
caracterizar como esse termo se engendra na história da construção do país, amplamente
utilizado na ótica dos viajantes que aqui aportaram e que descreveram tal região sertaneja,
construindo para o termo um sentido pejorativo, que predominou mesmo após o Brasil
independente. Para a autora:

[...]Litoral (ou “costa”, palavra mais usada no século XVI) referia-se não somente a
existência física da faixa de terra junto ao mar, mas também a um espaço conhecido,
delimitado, colonizado ou em processo de colonização, habitado por outros povos
(índios e negros), mas dominado pelos brancos, um espaço da cristandade, da cultura
e da civilização... “ Sertão”, já se viu, designava não apenas os espaços interiores da
colônia, mas também aqueles espaços desconhecidos, inacessíveis, isolados,
perigosos, dominados pela natureza bruta e habitados por bárbaros, hereges, infiéis,
onde não haviam chegado as benesses da religião, da civilização e da cultura.24

Esta caracterização de “Sertão” e sua oposição com o litoral, não só prevaleceu, na sua
essência durante as primeiras décadas do século XIX, como também serviu de base para uma
idealização de nação, no qual esse espaço genuinamente sertanejo haveria de ser incorporado.
Pautadas tais considerações, percebe-se que o território contestado, apesar de ainda pechado de
sertão, era visto também como uma região estratégica, rica para ser explorada e urgentemente
necessária a ser “nacionalizada”, frente a sua fronteira com os argentinos.

24
AMADO, Janaína. Região, Sertão, Nação. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol 08, n.15, 1995, p. 145-151.
P.148.
33

Mapa 02 - Região do Contestado

Fonte: Disponível em: https://i0.wp.com/deviante.com.br/wp-content/uploads/2016/07/Santa-Catarina-Historia-


Geografia-10-02.jpg. Acesso em: 20 set. 2019.

O mapa 02 mostra a enorme extensão da região em litígio, área que mais tarde iria
compor grande parte do território catarinense. Aliás as pretensões do estado catarinense, pela
posse destas terras, já vinham sendo confirmadas em ações no Supremo Tribunal Federal, como
mostra Valentini: “em 1904 a questão foi levada ao STF que concedeu ganho de causa a Santa
Catarina; o Paraná, por sua vez, recorreu da decisão. Em1910, pela terceira vez, o STF
confirmou em definitivo a sentença em favor a Santa Catarina”25. Porém a tensão entre os dois
estados continuaria acentuando-se mais tarde em confrontos bélicos envolvendo os habitantes
do local.
As contendas envolvendo os dois estados só seriam solucionadas após o episódio
sangrento da Guerra do Contestado, que será melhor analisada em sua inflexão como ponto de
fronteira no próximo subcapítulo, em 1916. Neste ano, o governo federal apresenta uma
proposta acatada, com pequenas modificações, pelos dois governadores, na qual segundo
Machado:

Santa Catarina ficou com toda faixa norte do Contestado, sendo reconhecidos os rios

25
VALENTINI, Delmir José. Atividades da Brazil Railway Company no Sul do Brasil: A Instalação da
Lumber e a Guerra na Região do Contestado (1906-1916). Porto Alegre: PUC-RS, 2009. p.53.
34

Negro e Iguaçu (até União da Vitória) como divisa entre os dois Estados; a faixa oeste,
de União da Vitória até a fronteira Argentina, ficou dividida ao meio pelos litigantes.
[...] a cidade de Rio Negro foi desmembrada, mantendo este nome do lado paranaense,
na margem direita do rio Negro. A parte desta cidade que ficava à margem esquerda
passou a ser o município catarinense de Mafra. A antiga saliência paranaense formada
pelas vilas de Três Barras, Papanduva e Itaiópolis [e Timbó] foi entregue
integralmente para Santa Catarina, o mesmo acontecendo com os vales do Timbó e
Paciência. A cidade de União da Vitória ficou dividia pelo leito da estrada de ferro,
tendo o lado norte conservado seu antigo nome, passando sua fração catarinense, ao
sul, a denominar-se Porto União. Os municípios de Palmas e Clevelândia foram
divididos, surgindo ao sul da região oeste o município catarinense de Chapecó26.

Após aceito o acordo, pelo lado catarinense, são criados quatro grandes municípios que
abrangeriam a região sob a jurisdição de Santa Catarina. Tal lei, é sancionada pelo governador
do estado em 1917, conforme a figura número 02 abaixo.

Figura 02 - Lei de criação do município de Chapecó, Cruzeiro, Mafra e Porto União.

Fonte: Assembleia Legislativa de Santa Catarina. Acervo do Arquivo Histórico de Santa Catarina.

Criada, desta forma Chapecó, após a resolução do conflito do Contestado, a região será
fatiada e aberta para a frente colonizadora, assim, a delimitação de um limite territorial se
estabelece como uma forma de ligação de um processo de expansão da fronteira litorânea, um
marco no estabelecimento da civilização e dos preceitos buscados para enquadrar a região em
um ciclo produtivo, inerente ao sistema liberal capitalista. De todo modo, as querelas

26
MACHADO, Paulo Pinheiro. Lideranças do Contestado: a formação e a atuação das chefias caboclas
(1912-1916). – Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2004. p.87.
35

envolvendo a posse destas terras infere um sentido de delimitação muito maior do que o
territorial, mas também controle, disseminação de um aspecto ideológico e de uma forma de
vida balizada pelas convenções criadas pela modernidade e pelo idealismo do progresso, desta
forma, uma comarca de justiça será instaurada, uma cadeia pública que reprima os que não se
enquadrem nesse modelo, uma escola que molde os pensamentos juvenis, assim a delimitação
de uma território, o estabelecimento de um fronteira, denota muito mais do que uma simples
demarcação em um mapa.

1.2 Contestado: inflexão na definição da fronteira

A Guerra do Contestado se deflagrou em território disputado por Paraná e Santa


Catarina e envolveu diversos grupos populacionais que habitavam este território. A guerra foi
caracterizada por uma intensa mortandade, estima-se que tenha deixado mais de 10 mil mortos,
e por emprego de vultuosos recursos do governo brasileiro para reprimir os revoltosos.27 No
bojo desta construção, os motivos que levam a eclosão do conflito perpassam pela construção
da Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande que previa a expropriação de terras ao largo de 15
km a cada lado da estrada de ferro. Desta forma, milhares de camponeses forma espoliados de
suas terras, perdendo assim a possibilidade de produção da subsistência, soma-se a isso, os
empregados demitidos após a construção da estrada e os mais variados grupos políticos que se
antagonizavam na localidade, que somavam o caldo que iria irromper no Contestado.
As hostilidades têm início após a aglutinação de milhares de caboclos em torno de uma
figura messiânica conhecida como Monge José Maria. A figura do monge congregava a
espiritualidade desse povo pobre e marginalizado do Contestado, pregando um catolicismo não
romanizado e pautado nos elementos naturais. A aglutinação provocou pavor das autoridades
estatais, que enviaram forças militares para a dispersão dos caboclos. Devido à forte resistência
do povo, as forças policias são auxiliadas pelo exército brasileiro, que se utilizou de armamento
de ponta para o extermínio dos rebeldes.
O resultado do Contestado foi um número exorbitante de mortos e pessoas espoliadas
de seus mais variados aspectos, inclusive de sua dignidade. O conflito, tachado pela
historiografia tradicional e pelas mídias locais do período como um conflito de fanáticos,
bandidos e jagunços, se configurou como uma luta incessante pela terra e por um modo de vida

27
MACHADO, Paulo Pinheiro. Lideranças do Contestado: a formação e a atuação das chefias
caboclas (1912-1916). Campinas-SP: UNICAMP, 2004, p. 181.
36

que veio a ser confrontado pelas forças estatais, que visavam transformar a região em um celeiro
de progresso. A historiografia do Contestado só veio a ser revisada em tempos recentes, com a
inversão do viés da guerra, buscando entender o conflito também pela visão do caboclo,
marginalizado nos diversos aspectos de sua vida e muitas vezes esquecido pelo poder do Estado.
Trabalhos como o de Paulo Pinheiro Machado, corroboram para essa revisão da guerra e para
a colocação do caboclo como figura central do conflito, segundo o autor:

Por muito tempo existiu uma espécie de silêncio público sobre a Guerra do
Contestado. Desde o final da guerra até a década de 1980, esse assunto não foi objeto
da atenção pública, embora já houvesse uma farta produção de militares e acadêmicos
sobre o tema. A partir dos anos 1980, como parte do processo de redemocratização do
país, o conflito do Contestado passou, de distintas maneiras, a ser relembrado por
movimentos sociais, órgãos de Estado e pesquisadores acadêmicos. No entanto, boa
parte da população descendente dos seguidores do monge José Maria ainda apresenta
uma memória de guerra fortemente impactada pela versão dos vencedores e pelos
ressentimentos do olvido público. Um acontecimento não lembrado é quase algo não
acontecido. A vergonha da derrota mistura-se com a sensação de irrelevância pública
de uma experiência trágica presenciada.28

O que condiciona o conflito do Contestado a ter se tornado uma trágica experiência,


passa pela noção de controle social, higienização e violência estatal pelo qual o Brasil se
estruturou no período republicano. Basta lembrar, a extensa carga bélica empregada no conflito
e até mesmo os relatos e a visão perpetuada pela imprensa tanto nacional como regional acerca
do conflito. Deste modo, o Contestado se tornou um território de fanáticos, jagunços, gente
pobre e mestiça, que na ótica do processo civilizatório pelo qual o Brasil procurava seguir,
representava um entrave aos objetivos da nação. Muito além de um conflito por limites
territoriais, o episódio engendrou uma verdadeira limpeza étnica, pois espoliou, dizimou e
dispersou, centenas de caboclos, indígenas, posseiros, entre outros, que habitavam a localidade
historicamente por meio de seus ancestrais.
Gente terrível, facínoras, bandidos e fanáticos são alguns dos adjetivos deslindados para
caracterizar os elementos constituintes da luta do contestado. Essa visão, ilustra em elevado
grau a percepção da elite controladora do país durante a Primeira República em relação aos
grupos marginalizados do processo de modernização do país, que se sustentava por um
arquétipo repressor em função de modelar o brasileiro ideal para o Estado Nação que se buscava
constituir. Deste modo, a missão do exército brasileiro, muito além da garantia de uma paz
armada e segurança, se traduz em uma missão civilizatória, a ter de extirpar esse gente
considerada “terrível”, contribuindo assim para uma verdadeira higienização social, que via no

28
MACHADO, Paulo Pinheiro. Guerra, cerco, fome e epidemias: memórias e experiências dos sertanejos do
Contestado. Topoi, v. 12, n. 22, jan.-jun. 2011. p. 178-186.
37

mundo do caboclo do Contestado uma verdadeira ameaça para todos os valores congregados
pela idealização de um Brasil moderno. Sendo assim, compartilho da visão de Geller:

O contestado constitui-se em uma “fronteira interna”, onde em uma extremidade está


a sociedade cabocla, e na outra, a sociedade urbana. Com distintas inserções na
história, as duas sociedades entram em rota direta de colisão, com a deflagração
sertaneja como o seu principal resultado. Do caboclo ao capitalista, passando pelo
coronel fazendeiro, o contestado é um espaço de diversidade; para o observador
urbano o caboclo e sua sociedade constituem-se em uma verdadeira fenda no tempo.29

Essa fronteira interna, corporificada pelo caboclo do Contestado atenta contra a


idealização do Estado-nação moderno em voga no país, onde todas as barreiras internas devem
ser suprimidas, com o fim de assegurar as balizas da nação em um sentido coeso. Assim, o
modo de vida, as crenças, o vestir, o falar, o comer, em suma o ethos caboclo representariam
uma janela temporal para a nação, que apresentava uma paisagem do passado arcaico brasileiro,
já defasado e símbolo do atraso.
É neste mesmo cenário, que se pode engendrar a construção da ferrovia São Paulo- Rio
Grande, a estrada de ferro ligaria as cidades de Itararé (SP) e Santa Maria (RS), adentrando a
região marginal ao território contestado. O empreendimento, idealizado desde o Império
Brasileiro, se configurou como um marco no projeto de modernização e integração econômica
brasileira, buscando levar o progresso para regiões, como já anteriormente discutido,
consideradas os sertões do país. Entretanto, o processo de construção da ferrovia, se moldou
através de uma faceta autoritária e despótica, símbolo da imagem perpetuada pelas elites
controladoras do país. Tal disposição se mostra a partir das concessões feitas a companhia norte
americana responsável pela construção, a Brazil Railway Company, que previa a concessão de
15 quilômetros de cada lado da estrada de ferro para a exploração da companhia, fato que
desalojou antigos ocupantes da terra que não possuíam títulos legais de posse das mesmas.30
Esses desalojados representaram a imagem da situação de miserabilidade, da qual boa
parte da população camponesa do interior do Brasil era submetida, agora então, espoliados de
seu bem maior, o acesso à terra que lhes garantia sobrevivência, a situação piora. Esta
configuração, atrelada a demais elementos marginalizados que se produziram através da
construção da ferrovia, gerou um cenário latente de descontentamento social e flagelo. Neste
panorama, é que se destaca a presença mística dos monges errantes na região, praticantes de um

29
GELLER, Odair Eduardo. O Contestado entre Santa Catarina e o Paraná: uma questão de limite territorial
nos limites da Nação. 2006. 129f. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-Graduação em História,
Universidade de Passo Fundo (UPF). Passo Fundo. p.46.
30
VALENTINI, Delmir José. Atividades da Brazil Railway Company no Sul do Brasil: A Instalação da
Lumber e a Guerra na Região do Contestado (1906-1916). Porto Alegre, PUC-RS, 2009. p.53.
38

catolicismo não romanizado e repleto de rituais populares, outra característica utilizada para
depreciar a figura do caboclo do Contestado, lhe prestando a pecha de fanáticos ignorantes.
Ao analisar essas figuras religiosas, percebe-se a canalização de um anseio popular, uma
maneira das mulheres e dos homens sertanejos do Contestado demonstrarem seu modo inverso
a lógica suplantada pelos grandes coronéis e pelos governos, como trata Pinheiro Machado:

Mais do que entender que os sertanejos reagiram a uma agressão externa, é importante
considerarmos que eles não podiam ter sido mais explícitos na formação de um projeto
rebelde, de um novo modelo de sociedade. A resistência e a negação do mundo dos
coronéis e da empresa ferroviária norte-americana se desenvolveu na invenção de algo
absolutamente novo- a “Cidade Santa”. O novo é inventado dentro de um espaço
cultural, dentro de uma tradição.31

A tradição do elemento do Contestado configurada por seu modo de produção, sua


mística e crença religiosa, e diversos componentes inerentes a miscelânea de tipos que
compunham o movimento e que reagiram a supressão provocada pelo Estado, representaram
assim uma afronta. No fim, os conflitos foram sangrentos e duraram até início de 1916, quando
o último líder caboclo foi preso, Adeodato. Milhares de homens, mulheres e crianças haviam
sido dizimados, o exército que pela primeira vez havia usado aviação em conflito, dispensando
grandes recursos para manter o status quo dos coronéis locais e assegurar o poder do Estado e
os interesses capitalistas sobre a região. Aos sobreviventes coube a dispersão pelas matas da
região e ainda a continuidade da violência por parte agora dos jagunços das grandes fazendas,
que apesar do fim oficial do conflito, continuaram a perseguir os caboclos da região. Desta
forma, a Guerra do Contestado foi evento singular para se entender o processo de expansão da
fronteira do “progresso” capitalista para a região, já que a intensa perseguição aos caboclos
abriu caminho para que as terras fossem ocupadas pelos migrantes descendentes de europeus,
considerados elemento puro do trabalho e o elo para o progresso.

1.3 Colonização: Expansão da fronteira do capital

Após os eventos do Contestado, temos na região o advento da colonização


protagonizada pelas figuras das companhias colonizadoras, que atuaram como uma espécie de
“braço” particular do Estado, que naquele momento não demonstrava autossuficiência para
promover o projeto de reocupação das terras por elementos estritamente selecionados pela

31
MACHADO, Paulo Pinheiro. Apresentação – Nem Fanáticos nem Jagunços: reflexões sobre o Contestado
(1912-2012). In VALENTI, Delmir Jose; ESPIG, Marcia Janete; MACHADO, Paulo Pinheiro. Nem fanáticos,
nem jagunços: reflexões sobre o Contestado (1912-1916). Pelotas: Ed. da Universidade Federal de Pelotas,
2012.p .19.
39

lógica do capital, como veremos com mais detalhes adiante. Assim, a Brasil Development e
Colonization, subsidiária da Brazil Railway Company, responsável pela estrada de ferro São
Paulo – Rio Grande, se responsabilizava a colonizar as terras do Oeste Catarinense num prazo
de 15 anos. Porém, a responsabilidade da empresa é delegada para inúmeras outras empresas
colonizadoras, que já atuam ou vão atuar em diversas áreas do Oeste.

Tabela 01 - Colonizadoras e suas áreas de atuação.

Fonte: NODARI, Eunice Sueli. Persuadir para migrar: a atuação das companhias colonizadoras. Esboços - Revista
do Programa de Pós-Graduação em História da UFSC. v.10, n.10, 2002. Disponível em:
https://periodicos.ufsc.br/index.php/esbocos/article/view/23336/21024. Acesso em: 03 ago. 2019.

A tabela 01 demonstra a variedade de companhias que atuaram no processo de


colonização das terras do Oeste Catarinense. Nela, podemos notar também a diversidade étnica
presente no contexto de atuação destas empresas, direcionadas para um público alvo e
organizadas a partir de uma lógica de cooptação de determinado grupo. Assim, foram
engendradas colônias para descendentes de alemães, italianos, poloneses, russos, enfim,
diferenciados pelas suas origens étnicas e também pelo seu credo religioso, católicos,
protestantes, eram separados em colônias distintas. Entretanto, apesar de estas subdivisões na
atuação das companhias, o objetivo central e a filosofia empregada pelas mesmas adquiriam
uma áurea de unicidade ao tratar a terra a ser explorada. A potencialidade do espaço era
ressaltada e as população nele já introjetados eram relegadas ao deletério da memória, com o
fim de construir ali um novo caminho, que seria abalroado entre o espanto e isolamento frente
40

a natureza bravia e o germe do trabalho explicito ao migrante para transformá-la em prol de


uma lógica de perpetuação do capital.
O viés, de consolidação do capital da terra, tem suas bases no Brasil, em termos mais
latentes, desde a criação da Lei de Terras em 1850, onde a exigência do registro em cartório
para a garantia da posse da terra, criou uma imensa margem de exclusão dos iletrados, que
apesar do continuo e histórico usufruto da terra em que habitavam não tiveram acesso ao
registro oficial. Esse processo, também se deflagrou nas terras do oeste, consideradas então
devolutas pelo governo e abertas a força colonizadora, como destaca Radin:

Aproveitando-se de tais facilidades, vários empresários da colonização passaram a


controlar grande quantidade de terras devolutas, em curto espaço de tempo. Alguns
dados são significativos nesse particular e ilustram a situação. Em 1921, as concessões
e títulos expedidos somaram 809, referentes a uma área de 209.914 hectares. No
entanto nada se compara às emissões feitas pelo governo catarinense, nos anos de
1922 e 1925. Hercílio Luz salienta que, apesar das manifestações de 1922, “emanadas
principalmente da situação política, a questão envolvendo as terras devolutas foi
bastante animada”. Nesse ano: “expediram-se títulos de terras, inclusive os destinados
a pagamento de estradas, com a área total de 3.519.226 hectares”. Já em relação ao
ano de 1925, salienta que “foram expedidos 450 títulos definitivos concernentes a área
de 1.188.624 hectares.32

Denota-se, desta forma, a apropriação contínua e cada vez maior das terras por parte das
companhias privadas. O avanço da fronteira privada se dá ao passo da expropriação e coação
da população vigente no local.
A primeira etapa do processo de colonização consistia em angariar colonos com o
objetivo de levá-los as terras do Oeste. Para isso as companhias utilizavam de meios de
propagandas, levadas a cabo por agentes que circulavam entre as principais colônias no Rio
Grande do Sul, pela imprensa escrita, e também pelos próprios proprietários das companhias,
no caso analisaremos aqui o exemplo do Coronel Ernesto Bertaso. Como trata Bellani ao
analisar as cartas do colonizador a seus futuros ou potenciais clientes:

Com relação à atividade empresarial encetada por Ernesto Francisco Bertaso, na


região estudada, avista-se, nas suas correspondências, aos futuros compradores de
terra, a propaganda que fazia, analisando sempre as condições e qualidade das terras
desta região para o desenvolvimento de culturas e, principalmente, sempre
descrevendo as portentosas riquezas dos recursos naturais nelas existentes. 33

32
RADIN, José Carlos. Companhias colonizadoras em Cruzeiro: representações sobre a civilização do sertão.
2006. 210 p. Tese (Doutorado). Universidade Federal de Santa Catarina Programa de Pós-Graduação em
História. Florianópolis. p. 89.
33
BELLANI, Eli Maria. Madeira, balsas e balseiros no rio Uruguai o processo de colonização do velho
município de Chapeco (1917/1950). 1991. 190 p. Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Santa
Catarina. Florianópolis.1991. p.73.
41

Figura 03 - Exploração de madeira em Chapecó, década de 1940.

Fonte: Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina.

A potencialidade da terra, ressaltada pela propaganda das companhias, vai ao encontro


da dominação e exploração potencial dos recursos apresentados na terra. Deste modo, a
extração e beneficiamento madeireiro se configuraria como mote inicial no processo de domínio
do meio natural. Para abrir estradas, construir, plantar, vender e lucrar, era necessário desmatar,
assim ante ao empecilho da inóspita selva, sua transfiguração passaria para elemento base da
gênese industrial na nova terra. O capital, desse modo, além de selecionar o elemento étnico,
responsável por sua expansão, visaria o meio natural como motriz de seu arquétipo.
A atuação das companhias colonizadoras, para além do domínio do meio natural, buscou
moldar uma organização social pautada em valores próprios que congregassem a descendência
do elemento prioritário para a empreitada da colonização, o que estabeleceu entre eles um
vínculo de organização e emoldurou novos preceitos sociais, como tratam Radin e Corazza:

Embora movido por fins mercantis, o processo de colonização, ao introduzir a


pequena propriedade familiar, ajudou a criar um profundo sentimento comunitário e
religioso. Numa região em que a presença do Estado pouco ou quase não existia, “o
caráter coletivo e comunitário da colonização do Oeste de Santa Catarina foi condição
necessária para a reprodução da família camponesa”. Os valores que balizaram a
organização da vida comunitária e individual dos colonizadores promoveram uma
mudança bastante acelerada na sociedade e, em certa medida, condicionaram a
população local a adaptar-se ao novo sistema de propriedade e de trabalho ou a ficar
marginalizada. A adaptação significava a desestruturação do modo de vida anterior à
colonização. Com a reocupação progressiva das terras, que eram posses dos
caboclos/nativos, estas passaram a ser verdadeiros deserdados da terra, além de terem
sido destruídas suas tradicionais condições de vida.34

34
RADIN, José Carlos. CORAZZA, Gentil. Dicionário histórico-social do Oeste catarinense. Chapecó: Ed.
Universidade Federal Fronteira Sul, 2018. p. 37
42

A pequena propriedade, a vida camponesa, os grupos de proximidade étnica, religiosa e


de costumes, fizeram do processo de colonização, encetado por tais companhias, a expansão de
uma fronteira do patriarcado, onde a figura masculina tange uma posição de destaque frente a
família, outra instituição perpetuada e de preceitos invioláveis para os elementos migrados, da
moral, impregnada de valores cristãos e neste caso destaca-se a visão protestante, onde a
remissão pelo trabalho é valor inestimável, e das práticas de sociabilidade, que buscavam nos
laços da tradição um ancoradouro para uma vida em uma região, considerada por eles bravia,
inóspita.

1.4 Colonização: fronteira cabocla versus fronteira euro descendente

A expansão da fronteira do Estado Nacional rumo ao oeste não se dá apenas pela


apropriação da terra e domínio da natureza, mas, também, pela delimitação de um elemento
étnico primordial para levar a cabo a expansão da fronteira. É neste sentido, que as levas
migratórias oriundas do Rio Grande do Sul penetraram o território trazendo consigo a extensão
de um ethos personificado na figura do colono desbravador que ao se chocar com a figura do
caboclo oestino constroem aqui uma nova zona fronteiriça étnica deslindada neste item.
Para compreendermos a construção desta fronteira precisamos adentrar no mundo
cultural engendrado pelos elementos que aqui aportaram, nesta ótica é latente a percepção de
símbolos, valores e estruturas sociais que remanejadas e ressignificadas pelas populações
migradas em ambiente novo darão a tônica de sua identidade, assim como contribui Oliveira:

Partindo de Barth, pudemos então elaborar a noção de identidade contrastiva,


tomando-a como essência da identidade étnica: a saber, quando uma pessoa ou grupo
se afirmam como tais, o fazem como meio de diferenciação em relação a alguma outra
pessoa ou grupo com que se defrontam; é uma identidade que surge em oposição,
implicando a afirmação de nós diante dos outros, jamais se afirmando isoladamente.35

Essa afirmação de identidade, fortemente presente nas comunidades assentadas nas


terras do Oeste Catarinense, passa por uma idealização de uma tradição ligada a
consanguinidade e a manutenção de práticas culturais que remontariam a uma pátria a muito
tempo deixada na Europa, porém deixada apenas na corporificação física, mas introjetada em
uma rememoração intensa da nacionalidade como atributo de diferenciação e que transbordaria
nas práticas imateriais de uma cultura, que na visão daqueles que a professavam seria ainda

35
OLIVEIRA. Roberto Cardoso de. Identidade, etnia e estrutura social. São Paulo: Livraria Pioneira Editora,
1976.
43

imaculada. E assim, pautada por um ideal de sangue portador e fluido de princípios adquiridos
de maneira ascendente que a etnicidade se preservaria. No caso de alemães e italianos,
percebemos traços em comum que pautavam o entrelaçamento de laços étnicos, como a
valorização do casamento, a fidelidade ao credo religioso, o asseio ao trabalho e a
inviolabilidade da estrutura familiar encetada pelo pater família. São exemplos de valores que
não só solidificariam a estrutura da endogamia familiar, como também alicerçariam a vida no
grupo comunitário, do qual fazer parte se constituía de vital importância para sobrevivência,
em um período onde o “nome” e a “família”, suscitavam o caráter e a honra, amplamente
valorizados pelos pares.
Em um novo território, a etnicidade passa a adquirir status de diferenciação frente as
demais população que habitavam o mesmo espaço. Assim ítalos, germanos, poloneses,
edificariam um conjunto de práticas que os colocariam como os estabelecidos da região,
segregando os “brasileiros” e os transformando em outsiders em sua própria terra36.
Contribuiriam para as bases dessa edificação não só as tradições e o estigma de trabalho que
acompanhavam os migrantes, mas também a diferenciação material, simbólica e espacial que a
colonização implantou na região.

Figura 04 - Religiosidade e progresso inaugurados pelo colonizador. Chapecó 1940.

Fonte: Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina.

A fronteira étnica, desse modo, se deslinda pela bagagem material e pelos traços
culturais deflagrados pelo elemento migrante. Aspectos como a chegada da luz elétrica, a

36
ELIAS, Norbert; SCOTSON, John L. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a
partir de uma pequena comunidade. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
44

religiosidade congregada com aspirações do catolicismo romano, o modo de se vestir e de se


portar em grupo, caracterizam a construção de um status em paralelo ao que a gente da “terra”
do Brasil representava. Nesta lógica, a epopeia da colonização é significada sob uma ótica de
desbravamento e da salvação, onde seus percursores se transformam na síntese do pioneiro que
enfrenta a natureza selvagem de uma localidade apartada da civilização, como trata Picoli:

E os imigrantes chegaram. Em verdade, a grande maioria composta por migrantes.


Fizeram-se pioneiros. Desbravadores. Legítimos bandeirantes na heroica faina de
civilizar esse sertão. Com eles as estradas, o progresso, o trabalho. E, os frutos deste.
A verdadeira religião, livre de fanatismos tão comuns por estas bandas. A ordem. A
lei. Com muito sacrifício e honestidade, do nada construíram uma terra próspera.
Esses valorosos heróis são fortalezas da integridade moral. Faróis onde antes só havia
escuridão. 37

A história heroica edificada pelos vencedores do processo colonizador na região, jogou


sombras sob a história de quem os contrapunha, aqueles hoje marginalizados pela história
oficial, aquela adotada e propalada pelos governos da região, e diversas vezes despojados de
sua constituição histórica, caboclos e indígenas. Na narrativa do colonizador, a população
composta por estes elementos não seria afeita ao trabalho, sendo preguiçosa, indolente e
perniciosa, seu modo de vida contraproducente, um desperdício ao veio produtivo do qual a
região poderia oferecer. Porém, ao analisar a constituição histórica desses elementos com
presença ancestrais na localidade, visamos um ethos complexo, repleto de uma cosmologia
própria e dissociado da lógica da fronteira do capital implantada pelo migrante.
Ao me referir ao termo caboclo levo em conta o habitante miscigenado da região oeste,
presente nestas terras desde a primeira leva portuguesa, no qual o contato com o indígena e com
o meio local criou um elemento com um conjunto de valores e categorias sociais diversas, assim
fugindo de uma lógica puramente étnica, o ser caboclo se destacada pelo seu modo de vida,
suas crenças, que formam uma sociabilidade baseada em relações recíprocas de comunidade.
Como tratam Renk e Confortin, “o compadrio, expresso no parentesco espiritual, jogava o papel
de liame de reciprocidades mútuas e múltiplas nessa sociedade. A sociabilidade era movida
pelas relações de solidariedade e reciprocidade 38. Neste sentido, em um mundo de parcas
monetarizações e influência direta do prestígio social e de laços comunitários, o caboclo se
desenvolveu no oeste praticamente intocado pelos autoridades estatais até pelo menos o
Contestado e o início da colonização, preservando um modo de vida próprio.

37
PICOLI, Bruno Antônio. Sono Tuti Buona Gente: a fabricação da superioridade italiana. Cadernos do
CEOM. Ano 24, n 35. Identidades. Chapecó: Argos, 2012. p. 338.
38
RENK, Arlene. CONFORTIN, Priscila Fernanda Rech. Territorialidade e minorias sociais na construção da
história local. In Carbonera Mirian. Onghero, André Luiz, Renk, Arlene. Salini, Ademir Miguel. Chapecó 100
anos: Histórias Plurais. Chapecó: Argos, 2017. p. 139.
45

O ethos caboclo congregava uma forma de organização social voltada para a


subsistência e sem acumulação de excedentes que pudessem figurar em um processo comercial
significativo. Esse fato explica por que as companhias colonizadoras que assumiram a missão
de colonizar as terras desta região não consideravam os caboclos como “gente própria” para
esta terra, fomentando sua expulsão ou mesmo coação para que vendessem seus pedaços de
terra. Desta forma, o estilo de vida e o próprio caboclo foi extremamente estigmatizado, tanto
no período em que o processo foi deflagrado como também posteriormente, já que a própria
historiografia por muitos anos os manteve a margem do processo histórico. A estigmatização
do caboclo esteve embasada a partir das emanações por um país mais moderno em
contraposição ao rural e atrasado sertão.
Esse modo de vida caboclo é o que vai ser sua principal característica, já que defini-lo
como um grupo étnico em si é extremamente difícil devido à ampla variedade de sua origem e
constituição. A partir disso, podemos denotar que as atividades econômicas que perduraram
durante o período pré-colonização oficial do território, junto com a população atrelada a ela,
não constituíam como a idealizada para a região, na qual se projetava, pelas elites governantes,
como estratégica de fronteira e como potencialmente aproveitável para atividades ligadas a
produção de excedentes comercializáveis, introduzindo assim, a região, a um ciclo nacional
capitalista.
Outra característica da população cabocla era a forte presença de um misticismo ligado
a prática religiosas não ortodoxas. Cabe ressaltar que a grande maioria desses caboclos
professavam o catolicismo, porém com métodos e crenças que se desvencilhavam da práxis
romana, a qual era considerada a verdadeira fé pela Igreja Católica. Neste cenário, as relações
entre caboclos e padres seguiam um grau de tensão, já que monges não reconhecidos pela Igreja,
como João Maria e posteriormente José Maria, angariavam profundo reconhecimento perante
essa população, postulando práticas religiosas ligadas a profecias, bênçãos miraculosas,
curandeirismo com ervas e orações de cunho popular39.
A caracterização do modo de vida caboclo se calca então em premissas de subsistência,
aliado a uma noção de sociabilidade baseada na comunidade, com total desatenção pelas esferas
de poder público. Em outras palavras, o que se desenrolava no Oeste Catarinense no período
das décadas finais do século XIX e iniciais do século XX, se diferenciava em demasia do
restante do estado, leia-se espaço litorâneo, no qual contava com instituições, como escolas,
hospitais, força policial, que engendravam um pacto social moderno, em dissonância com o

39
QUEIROZ, Maurício Vinhas de. Messianismo e conflito social: a guerra sertaneja do contestado (1912-1914).
São Paulo: Ática, 1966. p.45.
46

oeste ainda rústico, bravio e dominado pela natureza selvagem. Este cenário de desagregação
da porção oeste com o restante do estado se dará até a deflagração do processo de colonização
da região e até o fim do conflito entre Paraná e Santa Catarina pelas terras do Contestado.
É com o avanço da colonização que a estrutura social cabocla inicia sua desagregação,
cedendo espaço, em uma relação de intenso conflito e violência, a fronteira do colonizador:

É no confronto com o migrante colonizador que se contrastam as diferenças e


estabelecem as fronteiras étnicas, a fricção étnica, gestando-se o processo de minoria
étnica agudizando a subalternidade e seus efeitos concretos, como a perda do modo
de vida, do território e da territorialidade. A questão mais crucial é o cerceamento do
acesso à terra nos modos realizados tradicionalmente e a retirada das áreas ocupadas,
a limpeza destas para a venda40.

A perda da terra acompanha a imposição de valores e costumes até então não valorizados
pelos caboclos na região. A fronteira da colonização logra em expandir e introjetar nos
costumes sociais novas formas de sociabilidade, uso fruto da terra e padrões civilizatórios na
região. O que não se pode afirmar é que a migração perpetuou uma cultura hegemônica, já que
as relações culturais se projetam a partir de uma imensa rede imbricada de trocas e permutações
que equacionam novos traços e tradições. No oeste de Santa Catarina, tais traços se mostram
visíveis em ambas as esferas do tecido social que formou o oeste. Porém, o que se percebesse,
foi o uso intenso de uma força coercitiva para se moldar a localidade de uma forma higienizada,
civilizada e amparada pelo progresso, como nos mostra a imagem 05.

Figura 05 - Escola para índios em Chapecó, 1940.

Fonte: Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina.

40
RENK, Arlene. CONFORTIN, Priscila Fernanda Rech. Op., Cit. p. 141.
47

Personificado nesta fotografia, o cenário deflagrado pelo deslocamento da fronteira


étnica colonizadora, onde as populações já aqui assentadas são remodeladas ao padrão
civilizatório desembarcado pelos colonos. Uma escola indígena, simboliza muito mais do que
uma tentativa de hegemonização cultural por uma instituição nativa da cultura branca,
simboliza também, o enquadrar das populações nativas a um projeto de construção de uma
nação modelada sob um protótipo de renascer pelo progresso, onde a extirpação da cultura
autóctone é mais um prisma no arquétipo de construir um Brasil uno, livre de quistos e
preponderante frente as ameaças que o espreitavam.
Deste modo, a questão indígena e cabocla, com latência na região do Oeste Catarinense
se tornou peça fundamental para a segurança nacional, em um período de construções de
nacionalismos e em uma região estratégica de fronteira, transformar essa população em
“brasileiros”, ao modo estrito e elitizado do termo, se transformou em algo preponderante.
Assim, os indígenas, através do Serviço de Proteção ao Índio, passam a ser mão de obra na
proteção da fronteira, com o objetivo de serem assimilados a “cultura nacional”, tendo, deste
modo, renegado seus direitos ancestrais sobre a terra.
Na conjectura, até aqui deslindada, percebemos a transmutação da fronteira étnica no
Oeste Catarinense, caracterizando a proeminência de um modus vivendi, e transformando
populações historicamente estabelecidas na região em outsiders em sua própria terra. A História
oficial, amplamente arraigada pelos pressupostos do colonizador, foi monopolizada por um
grupo, atuante até hoje na localidade, que desloca essa população marginalizada de seu lugar
meritório, o de verdadeiros pioneiros. Também, essa mesma fronteira étnica, vencedora para a
essa História Oficial, esconde seus obscuros meios aplicados para a consolidação da hegemonia,
transformando heróis e anti-heróis muitas vezes desfigurados pelos seus verdadeiros atos.
Essa fronteira étnica, explorada pela colonização e pautada no elemento migrante,
branco e “afeito” ao trabalho será explorada no sentido de resguardar a fronteira para o Estado
Nacional Brasileiro. Assim, a fronteira pautada pela etnicidade sofrerá um novo conflito durante
a ascensão de Vargas ao poder e na deflagração do Estado Novo, que buscará, através da
imposição do sentimento da brasilidade, transformar esses migrantes em guardiões de
nacionalidade brasileira na fronteira. Esse complexo processo será melhor delineado no
próximo capítulo, que explicitará a conflagração do Estado Novo e suas ressonâncias na região
Oeste Catarinense.
48

CAPÍTULO II

ESTADO NOVO: NACIONALISMO E PROGRESSO [NACIONAL E NA REGIÃO


OESTE]

A conjuntura inaugurada pela deflagração do Estado Novo (1937-1945) no Brasil,


representou o angariar de força de um autoritarismo estatal, tutelado por um viés ideológico
amparado no nacionalismo exacerbado, linha corrente em diversos países europeus e que
assumiu nos trópicos americanos facetas próprias. Aqui, o desejo de se criar uma nação, elevou
a estruturação de um aparato de Estado, onde a centralização política, a busca pela hegemonia
cultural e a corporificação do país em um corpus uno e idealizado foram a base da intelligentsia
que projetou o arquétipo estadonovista.
Assim, o Estado Novo, segundo Garcia, “configurou-se representativo dos interesses do
capital, relativos às oligarquias ligadas ao setor agrícola e à incipiente burguesia industrial, com
a incorporação de interesses das classes média e operária41. Projetando-se dessa maneira, vemos
a estruturação de um novo aparato ideológico, porém sustentado por recorrentes elites
econômicas já dominantes no país.
No decorrer de sua vigência, essa estrutura de Estado, buscou centralizar nas mãos do
executivo nacional as diretrizes principais de comando. Munido do princípio salvacionista do
país por intermédio das elites, as agruras e mazelas nacionais foram interpostas como entraves
ocasionados pelo desiquilíbrio regional e pelas presenças de quistos étnicos-culturais que
desagregavam a corporificação brasileira. Desse modo, a autonomia dos entes da federação foi
minada e projetos para o povoamento, domínio e exploração de áreas consideradas sertões do
país deflagrados.
Na culminância desse tema, a Marcha Para o Oeste, foi considerada a epopeia da
civilização rumo a conquista das áreas incultas do país. É a construção desse Estado autoritário,
a profusão da ideologia nacionalista no período e a intensificação da Marcha rumo ao oeste que
é discutido neste capítulo, trazendo as ressonâncias e ressignificações que este projeto
expansionista e exploratório deflagrou em Santa Catarina, em específico em Chapecó.

41
GARCIA, Nelson Jahr. O Estado Novo: ideologia e propaganda política. São Paulo: Edições Loyola, 1982.p.
35.
49

2.1 A construção do Estado Novo e A ideologia do progresso

Nas primeiras décadas do século XX o Brasil viveu, politicamente sob a égide de um


sistema pautado pelas relações coronelistas, onde a oligarquia, de alguns estados com peso
econômico, ditava os rumos da condução do país. Esse cenário, proveniente da estrutura agrária
formada principalmente pela exploração do sistema econômico cafeeiro, fora tachado pela
historiografia de República Velha. A expressão “Velha” remonta um conceito que encarna algo
que já foi ou está a um passo de ser superado por algo novo, que expresse elementos que
suplantem uma estrutura já desgastada, em desuso. Esta nova estrutura, assim concebida por
seus próprios idealizadores, e reproduzida pela historiografia brasileira, se intitulou Estado
Novo.
A gestação do Estado Novo é concebida a partir das mudanças da conjuntura política
deflagrada pela autoproclamada revolução de 193042, que através da Aliança Liberal e da força
das armas de Minas Gerais e Rio Grande do Sul destituiu a oligarquia paulista do comando da
nação. A aliança abarcava um amplo leque de concepções ideológicas e políticas, segundo
Oliveira:

Se o debate político comportava o confronto de diferentes projetos. Os contendores


partilhavam o mesmo universo de temas comuns ao pensamento político da época.
Podemos dizer, com risco de simplificação que três grandes eixos marcaram o
pensamento dos anos 30 e se fizeram igualmente presentes na doutrina do Estado
Novo. São eles: o elitismo. o conservadorismo e o autoritarismo.43

A face elitista do projeto que gestou o Estado Novo, perpassa por uma concepção
positivista de ordem e progresso, no qual a condução e o destino do país, visto por uma ótica
do salvacionismo, se atrela a condução de uma elite letrada e “preparada” para o mando. Esta
elite intelectual, seria capaz de dirimir as desigualdades de classe em voga e construir o
nacionalismo, frente a guiar a construção de um copo nacional desenvolvido, em ritmo de
progresso, capaz de balancear as diferenças regionais no Brasil. Neste sentido, as elites urbanas
assumem um papel preponderante, ao proclamar o atraso do país a condição agrária e aos grupos
regionais que a balizavam. A face do Estado Novo também se delineia pelo conservadorismo,
ao proteger elites historicamente constituídas no país, a modernização proposta se calcava num

42
Esse termo também merece ser problematizado, pois, segundo o dicionário de conceitos históricos “Somente
com a Revolução Francesa o termo ganhou o significado que tem hoje: o de uma mudança estrutural, convulsiva
e insurrecional”. Porém, o que se conflagrou com o movimento de 1930 passou longe de uma mudança estrutural
nas bases sociais e políticas vigentes, muito pelo contrário, as velhas elites brasileiras continuaram a frente dos
postos de poder, agora apenas com uma nova roupagem.
43
OLIVEIRA, Lúcia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta; GOMES, Ângela Maria de Castro. Estado Novo:
ideologia poder. Rio Janeiro: Zahar Ed., 1982. p.15
50

profundo alargamento do capital, frente as áreas “selvagens e virgens” do país, representando


assim um modelo econômico amparado ideologicamente pelo ideal de progresso.
O viés autoritário do regime, se constrói a partir do golpe implementado em 1937,
cercado pelo alarde de uma conspiração comunista, o Plano Cohen44 e a iminente ameaça à
segurança nacional. Ancorado pelas forças armadas, Vargas se sobrepõe a constituição liberal
de 1934 e outorga sua própria constituição, popularmente conhecida como “a polaca”, por ser
inspirada no regime polonês e fortemente centralizadora e autoritária. O golpe estabelecia agora
um “novo Estado” com o intuito de criar uma nação coesa pautada na valorização da brasilidade
e, segundo Hackenhaar, além de possuir forte inspiração fascista:

Caracterizou-se como um governo centralizado, autoritário, corporativista,


intervencionista, antiliberal, anticomunista, elitista, tecnocrático, voluntarista e,
segundo o seu próprio discurso, investido da função de constituir a nacionalidade
brasileira.45

Neste cenário, o papel do governo central passou a ter um peso extremo, basta lembrar,
que logo após a instauração do regime golpista, realizou-se no centro do Rio de Janeiro a queima
de todas as bandeiras estaduais, ao som do Hino Nacional, criando a simbologia de uma nação
una, marcando a tentativa de enfraquecimento do poder regional e a construção do nacionalismo
brasileiro sob a égide do Estado46.
Para construir o regime, o Estado Novo se cerca de uma base intelectual que irá fazer
emergir a legitimidade do mesmo, frente a proclamar a real necessidade de um Estado forte e
capaz de solucionar as mazelas brasileiras. Assim como os contratualistas do Ancien Régime, o
papel do modelo estatal é realçado através de um novo contrato com seu povo, para isso a figura
de um governante capaz de cumprir esse acordo é essencial, Vargas é colocado assim, como o
agente inspirador da nação, o pai do povo, munido de um caráter capaz de emergir a brasilidade
e solucionar os quistos que dirimiam o Brasil. Neste contrato, o povo é colocado como uma
massa inerte, incapaz de tomar suas próprias decisões, que devem ser balizadas por uma elite
da intelligentsia estatal. Entre os principais ideólogos desse contrato, temos Francisco Campos,
autor quase único da constituição de 1937 e também responsável por vários Atos Institucionais
da Ditadura Militar brasileira. Este personagem encarnou a áurea autoritária assumida pelo

44
Documento falso criado pelos integralistas para criminalizar os esquerdistas, e assim criar um cenário de ameaça
eminente a soberania nacional e abrir espaço para o golpe de Estado, concretizado em outubro de 1937.
45
HACKENHAAR, Clayton. O Estado Novo em Santa Catarina (1937-1945): política, trabalho e terra. 2014,
236 f. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas.
Florianópolis, 2014. p.25.
46
REIS, Elisa P. ZILBERMAN Regina. Retratos do Brasil. Porto Alegre: EDUPUCRS, 2004. p. 119.
51

regime, o que pode ser visto em vários de seus trabalhos e falas, como “governar é prender” e
"o povo não precisa de governo, precisa de curatela" 47.
A postura demonstrada por intelectuais aqui representados pela figura de Campos,
engendraram para o aparato discursivo e ideológico estadonovista a construção de símbolos,
signos e significados que legitimariam a doutrina postulada pelo regime. Assim, a
intelectualidade, desenvolvida no Brasil no início do século XX, assumia a missão de
salvaguardar a tutela do país, utilizando dos artificies cientificistas e higienistas, que iriam
enquadrar os diversos atores sociais emergentes no país, fruto da diversificação econômica e
urbana experimentada após a crise de 1929, em um processo de inculcação doutrinadora e
controle, como trata Schwab:

Azevedo Amaral acreditava que, para o despertar das massas, “é preciso que sobre
elas se exerça a ação deflagradora da inteligência e da vontade de domínio que só se
encontram como elementos do psiquismo das minorias”. Estes intelectuais,
principalmente Oliveira Vianna e Azevedo Amaral, contribuíram substancialmente
para a doutrina do Estado Novo, tanto com suas formulações, como influenciando
outros intelectuais do período.48

Azevedo Amaral e Oliveira Vianna, ilustram e dão tônica a conjectura inaugurada pela
deflagração do Estado Novo. Inspirados pelos ares europeus, no dizer dos regimes políticos
autoritários e totalitários deflagrados após a crise do capitalismo liberal de 1929, a exemplo do
Nazismo de Hitler e do Fascismo de Mussolini, esses nomes vão auxiliar a criar nos trópicos
uma versão tupiniquim das vertentes políticas vencedoras no velho mundo. Neste sentido, a
instauração do governo Vargas através do golpe do Estado Novo, buscou criar mecanismos para
a criação e edificação de um arquétipo de nação, ancorado no nacionalismo e no patriotismo,
utilizando de meios propagandísticos, como rádio, cinema e jornais, além de uma gama de
artistas contratados para enaltecer o regime e intelectuais para tecer o bojo legitimador do
projeto, para assim florescer uma consciência coletiva e um sentimento de pertencimento e
brasilidade, de modo a angariar apoio popular, para tal, como trata Souza:

Esse projeto quis imprimir nos sujeitos uma facticidade subjetiva, ou seja, quis criar
valores e projetos de vida que deveriam aparecer como realidade única na
concretização de uma nova nação e na consciência individual. Ao querer fazer o Brasil
renascer das cinzas da República Velha, os representantes e agentes da política estado-
novista adotaram estratégias de construção de novos significados e, diante da

47
DOS SANTOS, Marco Antonio Cabral. Francisco Campos: um ideólogo para o Estado Novo. Locus: revista de
história, Juiz de Fora, v. 13, n. 2, p. 31-48, 2007. p. 32
48
SCHWAB, Mariana de Castro. Os intelectuais no Estado Novo (1937-1945): a trajetória de Paulo Figueiredo e
as Revistas Cultura Política e Oeste. 2010, 119 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Goiás,
Faculdade de História, 2010. p. 26
52

precariedade notória da nova ordem política, estimularam a ritualização de práticas


sociais e a disciplinarização das condutas.49

Para moldar a nova ordem política instaurada, Vargas então institui o Departamento de
imprensa e propaganda (DIP), responsável pela comunicação e propaganda do regime. Aliás, é
através da propaganda que a propagação de uma imagem benéfica do ditador se consolidará,
buscando atrelar unidade a nação por meio da figura de seu comandante. Neste sentido, o rádio
é utilizado como grande meio propagador das ideias implementadas pelos articuladores do
Estado Novo, junto com o cinema, as marchinhas e imagens, que irão aludir para um país
traçado por uma cultura una e em intenso progresso, rumando para o mesmo caminho.
A mediação entre povo e governo, para a criação dessa nação una e em marcha de
progresso, é construída por Vargas através da abolição do intermédio dos partidos políticos na
articulação política, engendrando um modelo de inferência direta em relação a população.
Como é possível perceber em seus discursos, o mandatário reforça o sentimento pejorativo em
relação as organizações partidárias, como meio de legitimar seu poder frente ao processo
político, e se colocando como único capaz de atender os reais anseios dos brasileiros, com
explicita no discurso a seguir:

Não foi pelo gosto de fazer frases que acentuei a necessidade de abolir os
intermediários entre o povo e o Governo. Esses intermediários eram, até há bem
pouco, os partidos políticos e os grupos de pessoas mais ou menos ajustadas na defesa
dos próprios interesses. Sempre procurei fazer um governo de portas abertas, e, hoje,
derrubadas essas velhas pontes do parasitismo político, desejo receber do povo,
diretamente, os seus reclamos, ouvi-los e examiná-los, de forma a poder atender, dar
solução aos problemas administrativos, os verdadeiros e legítimos interesses da
coletividade.50

Nas palavras de Getúlio, é latente a busca pela personificação em si da legitimidade de


uma liderança nacional. Forjado sob a égide do salvacionismo nacional, frente aos perigos que
sombreiam a nação, a figura do líder do Estado Novo é delineada a partir de traços superiores
e distintos, assim as potencialidades do Estado estariam atreladas na personalidade de seu
estadista e o destino do povo engajado nas figuras dos heróis nacionais, limbo do qual o atual
governante já postulava fazer parte.51

49
SOUZA, Rogério Luiz. A arte de disciplinar os sentidos o uso de retratos e imagens em tempos de
nacionalização (1930-1945). Revista Brasileira de Educação v. 19 n. 57 abr.-jun. 2014. p. 401.
50
Vargas, Getúlio, 1883-1954. Getúlio Vargas / organização, Maria Celina D’Araújo. — Brasília: Câmara dos
Deputados, Edições Câmara, 2011. p.15
51
OLIVEIRA, Lúcia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta; GOMES, Ângela Maria de Castro. Estado Novo:
ideologia poder. Rio Janeiro: Zahar Ed., 1982. p. 68.
53

Figura 06 - Homenagem a Vargas na Escola Bom Pastor em Chapecó, década de 1940.

Fonte: Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina.

A adoração pelo chefe do país é um sentimento buscado e construído pelos arquitetos


do regime, escolas, ruas, monumentos públicos são renomeados em honra ao mandatário. Um
exemplo é Chapecó que nomeia sua principal avenida de Getúlio Dorneles Vargas, em uma
construção de imagem que imbrica homem e comando. Nesta narrativa quase mitológica, de
produzir sentidos e sentimentos, emoldurando a liderança varguista ao mito do herói nacional,
temos a reprodução de um populismo de massa, engendrado para lançar as bases de sustentação
do regime, que centralizava o mando e cerceava cada vez mais o pluralismo democrático. Como
nos mostra a figura 06, é perceptível o alinhamento as emanações nacionais dos grupos
colonizadores da região oeste. Além de se perfilar a adoração do chefe nacional, a região
encontrará em tal figura e em seu governo os pressupostos essenciais para transformar a
localidade, calcando no autoritarismo e no elitismo uma das bases para a transformação da
fronteira oeste em um novo polo civilizatório. Deste modo, Vargas também terá sua imagem
explorada e exaltada em Chapecó, servindo como figura propulsora para deflagração do
progresso.
Em Santa Catarina, com a vitória do movimento de 1930, houve a substituição da
oligarquia dominante durante o período da política dos governadores, os Konder que na eleição
presidencial apoiaram Júlio Prestes. Estes perderam seus postos no comando do executivo para
a oligarquia Ramos, fiel a Vargas durante o processo vitorioso em 30. Aqui é possível perceber
como os movimentos políticos no Brasil se pautam muito mais por relações de compadrio e
54

alianças forjadas por interesses as vezes não muito claros, pois apesar do movimento de 1930
e do golpe do Estado Novo pregar a modernização do país através da industrialização e da
urbanização, a oligarquia Ramos, levada ao poder por esse movimento, representava justamente
o contrário, ou seja, os interesses agrário-exportadores do planalto catarinense52.
Desta forma, com a implantação do Estado Novo também em Santa Catarina, a
oligarquia Ramos se consolida no poder, com Nereu Ramos assumindo o posto de interventor
federal pelos anos subsequentes em que perdurará o regime. Em Chapecó também haverá
conflito entre os grupos políticos que se destacaram na região, estes diretamente ligados aos
fluxos de colonização e a exploração agrária. Fato preponderante a ser citado é a constante
mudança da sede do município, ora instalada em Xanxerê, ora no Passo Borman, destacando
como os grupos políticos ascendiam ou sucumbiam dos postos de poder a depender das forças
que dominavam o poder estadual. Após o movimento de 30 e principalmente após a
concretização do Estado Novo, os elementos tradicionais de mando local serão neutralizados
pelo meio da introdução dos interventores, que aplacam as disputas em torno da sede do
município instalando a mesma em território “neutro”, o denominado Passo dos Índios, atual
Chapecó, onde a colonizadora Bertaso também instalou sua sede53.
É no fluxo da colonização e dos pressupostos engendrados por ela que irá se cimentar a
influência do Estado Novo na região. Em Chapecó, assim como em várias localidades de Santa
Catarina, o regime nacional lançou seus tentáculos, porém, diferentemente de entender os
cenários regionais apenas por uma ótica de reprodução das emanações nacionais é necessário
compreender as particularidades e idiossincrasias locais no período, assim como trata
Hackenhaar:

A intensidade da campanha da nacionalização “dependia de constelações políticas,


sociais e econômicas locais, da qualidade e do posicionamento das autoridades do
lugar e de alguns outros fatores” Assim, no Rio Grande do Sul as regiões coloniais
foram menos incomodadas, do que em Santa Catarina. Para René Gertz (1987), a
intensidade dessas intervenções estava relacionada muitas vezes ao peso econômico,
político e social que as regiões coloniais de Santa Catarina possuíam, superior a
importância que estas mesmas regiões de imigrantes detinham no Rio Grande do
Sul.54

52
HASS, Monica. Os partidos políticos e a elite Chapecoense: um estudo de poder local - 1945 a 1965. 1993.
373 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia). Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política. Universidade
Federal de Santa Catarina. Florianópolis. 1993. p. 80.
53
HASS, Monica. Ibidem. p.84.
54
HACKENHAAR, Clayton. As correspondências para o interventor: narrativas sobre o Estado Novo em
Santa Catarina. Anais do XIV Encontro Estadual de História - Tempo, memórias e expectativas, 19 a 22 de
agosto de 2012, UDESC, Florianópolis, SC. p.2
55

O oeste de Santa Catarina, apresentava-se neste período como região estratégica e com
elevado potencial econômico, basta lembrar, que ao insurgir para o interior o então presidente
da província Adolfo Konder, em sua famosa viagem ao Oeste em 1929, conclamava as benesses
da localidade que urgia por uma maior integração aos centros “civilizados” do país e uma maior
nacionalização, para enfrentar o perigo estrangeiro e construir aqui o “pertencer” a brasilidade.
Partindo desse pressuposto, da importância estratégica da região e dos grupos colonos que aqui
se instalaram, é que vai se configurar uma elite econômica e política, composta essencialmente
de membros migrados do Rio Grande do Sul e ligados a “missão” colonizadora impetrada pela
iniciativa privada com aporte do Estado. Essa elite, vai encontrar no regime do Estado Novo as
prerrogativas necessárias para seu projeto e poder, sustentando, desse modo, a base ideológica
propagada pela intelligentsia estadonovista e ressignificado em âmbito regional as emanações
centrais com o intuito de sustentar o arquétipo que buscava moldar a fronteira oeste no bastião
do progresso. Para tornar notórias e públicas suas pautas, a elite colonizadora se organizou em
volta do periódico A Voz de Chapecó, semanário que passou a circular no Velho Chapecó a
partir de 1939. Segundo Manfroi:

O periódico A Voz de Chapecó, jornal intitulado semanário independente, com média


de 4 a 6 páginas por número, circulava aos domingos abrangendo a cidade de Chapecó
e região. Fundado em 3 de maio de 1939, publicava eventualmente edições
comemorativas, compondo o jornal nessas ocasiões em torno de 10 a 12 páginas.
Além da Voz de Chapecó, circulava também na época, o jornal A Voz do Estudante
com tiragem mensal, localizado em Xanxerê/SC. A partir de fevereiro de 1951 surge
na cidade de Chapecó o jornal O Imparcial.55

Através das páginas do periódico os interlocutores do jornal entre meio a dicas de


higiene, saúde pública, notas de viajantes e padrões arquitetônicos, deslindavam seus interesses
políticos através dos editoriais estampados sempre na primeira página. Nestes parágrafos, o
grupo controlador do semanário emanava suas percepções a respeito da política nacional,
preocupados na sua relação com os núcleos coloniais instalados no oeste. Logo na primeira
edição, em 03 de março de 1939, A Voz de Chapecó estabelece as diretrizes de sua área de
atuação, segundo seus controladores o jornal “sustenta o regime político da Constituição
Federal de 10 de Novembro de 1937, porque entendemos ser no momento a garantia da
Segurança Nacional”56, além disso, “Nossas ideias sobre nacionalização, o que é hoje um dos

55
MANFROI, N. M. S. A História dos Kaingáng da Terra Indígena Xapecó (SC) nos artigos de Antonio
Selistre de Campos: Jornal A Voz de Chapecó 1939/1952. 144 f. Dissertação (Mestrado). UFSC, Florianópolis,
2008. p. 37.
56
Jornal A Voz de Chapecó. Nossa Ação. 03 de maio de 1939. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
56

principais problemas do país, e a que nos dedicaremos, especialmente dos meios coloniais, que
permanecem em plena florescência da influência estrangeira”57.
Caracterizado por tais parâmetros e guiados pelos princípios de justiça e progresso, os
arautos da nova fronteira oeste, em construção no regime varguista, buscavam atrelar a doutrina
de nacionalização aos novos migrantes, considerados germes do progresso, que aportavam na
região. Deste modo, era necessário conclamar uma forte intervenção do poder público na
localidade, para que se dirimisse a influência estrangeira nos núcleos e também transformasse
os colonos para além do braço do progresso, no neobandeirante, desbravador do sertão inculto
que asseguraria a brasilidade para os ermos desta terra em perigo eminente de fugir aos
controles da nação. Assim, os interesses da elite chapecoense representaram essa incongruência
de nacionalizar uma região com colonos descendentes principalmente de europeus, porém, na
perspectiva adotada por esses dirigentes, os filhos e filhas dos colonos ítalos e germânicos, eram
o que carregavam consigo o bastião da tradição do trabalho e do progresso, sendo comparados
até mesmo com abelhas em um apiário, trabalhando incessantemente para a construção de suas
colônias. Neste viés, é que a elite de Chapecó, detentora agora de um veículo de comunicação
que logo se espalharia pela região, também buscaria enquadrar suas colônias e colonos na
direção do nacionalismo, no qual suas etnias, costumes e dialetos deveriam ser renegociados
em prol do objetivo de se construir no oeste uma sociedade nas balizas do regime estadonovista
e que também se atrelasse aos interesses econômicos da elite controladora.
Nestas condições, a presença da ideologia nacionalista se fará sentir de várias formas,
buscando moldar as estruturas sociais que irão engendrar a fronteira oeste. As influências se
fizeram sentir em diversas frentes, desde a economia até as diversões públicas. Neste caso, ao
adentramos no Arquivo Público Municipal de Chapecó, nos deparamos com o decreto número
21.240 de 4 de abril de 1932, enviado a cidade pelo então ministério da justiça e negócios
interiores. O documento visava garantir a exibição de filmes nacionais nas salas de cinema do
país, definindo suas metragens e qualidades mínimas para serem repassados a população.
O decreto, enviado a uma cidade que iniciara incipientemente sua vida cultural, com
apenas uma sala de cinema, de porte pequeno e sem grande fluxo de espectadores, denuncia
uma preocupação dilatada com os fluxos culturais e as informações que circulavam na
localidade. O cinema, serviria assim de instrumento midiático nevrálgico para a perpetuação
de uma imagem do brasil e do brasileiro que se buscava engendrar no período, segundo Claudio
Aguiar Almeida:

57
Jornal A Voz de Chapecó. Nossa Ação. 03 de maio de 1939. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
57

Num discurso de 1934, “O cinema nacional, elemento de aproximação dos habitantes


do País”, Getúlio Vargas manifestou o seu desejo de “amparar” a “indústria
cinematográfica nacional”, apontando as virtudes propagandísticas e pedagógicas do
cinema: um dos “mais úteis fatores de instrução de que dispõe o Estado moderno”. 58

Figura 07 - Decreto de regulamentação do cinema nacional.

Fonte: Arquivo público Municipal de Chapecó.

58
ALMEIDA. Claudio Aguiar. O cinema brasileiro no estado novo: o diálogo com a Itália, Alemanha e URSS.
Rev. Sociologia. Política., Curitiba, 12, jun. 1999, p. 121-129. p.121.
58

Figura 08 - Cinema em Chapecó em 1942, Avenida Getúlio Vargas.

Fonte: Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina.

Amparado pelo pressuposto de construção de uma nação moderna e atrelada ao


progresso, o desenvolvimento, ampliação, controle e disseminação de filmes nacionais,
cumpria um ensejo de higienização, controle e aparelhamento de condutas e perpetuação de
ideologias e propagandas governamentais indispensáveis para a manutenção do poder da elite
que assumira o controle do país. Propalado, pelo grupo dominante na localidade, o progresso
através da normatização dos hábitos e modos vivendi da população, também seria visado em
Chapecó, tanto que a reeducação e a questão do ensino na região, seriam sempre mote de
discussão e apelos, demonstrados pelo grupo instalado no poder local. O cinema, deste modo,
se constituiria como mais um instrumento para de edificar um ideal civilizatório e, além disso,
cumpriria papel integrador ao restante do país, ligando a cidade as emanações nacionalistas
presentes à época.
Para além das diversões públicas, aqui utilizadas como instrumento pedagógico de
inculcação ideológica, o regime varguista também visava o aparelhamento econômico da
região, assim, para integrar a localidade na marcha de progresso propalada pelo governo era
necessário deslindar estrito controle sobre as atividades produtivas e sobre os produtores,
criando mecanismos de regulamentação autoritária sobre o processo de produção e sobre as
riquezas auferidas do local. Desse modo, para exercer o aparelhamento no oeste sobre a
produção da erva mate, uma das principais fontes de renda na região, o governo por intermédio
59

do Instituto Nacional do Mate envia uma determinação a prefeitura de Chapecó, datada de 16


de março de 1939 que expõe:

Consoante já deve ser do conhecimento de v. s., todos os produtores, industriais e


comerciantes da erva mate, são obrigados a se registrar no Instituto Nacional do Mate
na forma do que estabelece o decreto lei nº 3.128 de 05 de outubro de 1938, não
podendo exercer atividade e ficando sujeitos a multa, aqueles que deixarem de se
registar dentro do prazo estabelecido. Incluso, estou enviando a v. s. alguns avisos que
dizem respeito ao registro e que rogo ordenar que sejam afixados nesta cidade e
respectivos distritos, evitando assim, que os interessados aleguem ignorância da lei
em apreço.59

O Instituto Nacional do Mate (INM), criado pelo Estado Novo em 1938, tinha como
principal objetivo tornar a produção da erva mate, até então encarada como algo amador e de
produção arcaica, em uma verdadeira indústria, caracterizada pela potencialização da produção
e maior aferição de lucros. O instituto visava lograr, então, a ampliação do mercado do produto,
junto com maior controle sobre as formas e tipos de comercialização, refletindo o conceito
intervencionista adotado pelo governo nas relações econômicas, principalmente nas regiões
consideradas menos desenvolvidas. como trata Fernandes “o INM tentou desenvolver a
industrialização ervateira brasileira, criando tipos, promovendo pesquisas e o uso de extratos
da planta, criando padronizações e produtos a serem inseridos nos “mercados velhos” e nos
novos a serem conquistados”60.
A conquista objetiva e concreta do campo econômico está diretamente ligada ao
proposto nacionalizador e dominador do meio propagado pelo regime vigente no país. O
aparelhamento dos produtores ao Estado compete a uma lógica de transformar a produção
adequada a um mercado regulado, distanciando-se do liberalismo desenfreado, em crise desde
a depressão americana e tão pouco experimentando uma lógica comunista, mas, engendrando
uma caracterização de efetivação do Estado Brasileiro, por meio dos seus mecanismos de
controle, em área ainda considerada central para a manutenção da brasilidade e dos interesses
do Brasil enquanto nação.
Neste cenário, é que se constrói-se no oeste uma perspectiva de progresso impulsionado
pelas diretrizes do Estado e incorporado nas mãos dos migrantes que aportam na localidade.
Esse progresso, engajado, construído e manipulado pelos fatores ideológicos do Estado Novo,
encontrara em Chapecó uma elite atuante e preparada para defende-lo toda custa. Estes

59
Oficio do Instituto Nacional do Mate, Departamento Regional de Santa Catarina. Chapecó 16 de março de 1939.
Arquivo Público de Chapecó.
60
FERNANDES, José Antonio. Breve panorama da trajetória do instituto nacional do mate: alguns apontamentos
sobre erva-mate e economia nacional. Revista História econômica & História de empresas, São Paulo, vol. 21
no 1 (2018), 49-73. p.54
60

chapecoenses almejam, desta forma, alinhados aos pressupostos nacionalista, transformar a


localidade utilizando dos aparatos e discursos do regime em favor dos seus interesses. Isto fica
claro ao analisarmos as emanações de do grupo dominante local, como vemos no editorial do
A Voz de Chapecó 10 de setembro de 1940, intitulado Regionalismo:

Chapecó, assim como outras zonas do país, precisa progredir, esse progresso se faz
necessário, quer sob o ponto de vista militar em face de sua situação fronteiriça, quer
sob o ponto de vista econômico. Chapecó, com quase quinze mil quilômetros de terras
fertilíssimas e homogêneas cultivado, será uma das mais ricas colônias do sul do
Brasil e será talvez uma cobiça e uma porta aberta ao estrangeiro. 61

O editorial, tem este nome ao fazer duras críticas ao chamado bairrismo de algumas
regiões do país e conclamar para uma unidade ao “corpo da nação”, mas não deixa de privilegiar
a região de Chapecó e explicitar as potencialidades da mesma, criando inclusive a retórica do
inimigo externo sempre a espreita e cobiçoso, conclamando assim para uma maior
nacionalização e presença governamental na cidade. Este trecho explicita ainda, o objetivo
central de transformação do sertão em celeiro, do atraso em progresso e do migrante no pioneiro
que germinará a frente da civilização em uma região que se tornará portentosa através das ações
do regime. Deste modo, é que se configura a construção do Estado Novo na região, inculcando
bases para o arroteamento local as preposições nacionalistas e para a “marcha” civilizacional
propagada pelo novo bandeirantismo, inaugurado pela Marcha Para Oeste deflagrada por
Vargas, tema do item a seguir.

2.2 A Marcha para Oeste e o progresso do sertão

Em sua mensagem de fim de ano em 1937, durante discurso de saudação ao ano


vindouro em 31 de dezembro, o Chefe da nação dá início e conclama a população ao seu projeto
de Marcha Para Oeste. Carro chefe da ditadura instaurada por Vargas, o projeto visava a
incorporação do sertão brasileiro as balizas da civilização e do progresso. Desse modo, assim
postula Vargas:

O verdadeiro sentido de brasilidade é a marcha para oeste. No século XVIII, de lá


jorrou a caudal de ouro que transbordou na Europa e fez da América o continente das
cobiças e tentativas aventurosas. E lá teremos de ir buscar: os vales férteis e vastos, o
produto das culturas variadas e fartas; das estradas de terra, o metal com que forjara
os instrumentos da nossa defesa e de nosso progresso industrial.62

61
Jornal A Voz de Chapecó. Regionalismo. 10 de setembro de 1940. Acervo CEOM, Chapecó/SC
62
VARGAS, Getúlio. A Nova Política do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1938. p.12.
61

Repleto de uma aura mítica e ufanismo histórico, o discurso transparece que para muito
além do elemento econômico de incorporação e transformações de áreas “inertes”
economicamente aos olhos do capitalismo brasileiro, o arquétipo de Marcha engendraria em
seu bojo uma conquista ideológica dos espaços do país até então considerados quistos na
conjectura da brasilidade a ser instaurada. Assim, marchar ao oeste, incorporaria integrar o
corpo da nação ao seu sentimento máximo, o pertencimento a um único corpo, a um único
elemento coeso, para qual definir sentimentos, criar alegorias e elevar os interesses da nação
acima das particularidades, seria objetivo máximo do percurso a ser seguido.
Para embasar seu projeto, Vargas conta, mais uma vez, com o suporte da
intelectualidade que sustenta seu regime, neste caso, em particular destaca-se Cassiano Ricardo.
Em sua obra Marcha para Oeste: a influência da bandeira formação social e política do Brasil
(1940), o poeta, jornalista e romancista brasileiro, um dos principais nomes do modernismo do
país nas letras, configura um modelo da nação pautado através da figura de um governo forte,
que edificaria sua legitimidade através da rememoração histórica de um passado triunfante,
neste caso as bandeiras que sangraram o interior do incipiente Brasil e lavraram as fronteira do
país. A obra de Ricardo, apesar de não haver citações literais a Turner, constitui uma obra
análoga ao pensamento do autor norte-americano, como trata Vazquez Soares:

Sua obra trouxe à tona elementos das bandeiras paulistas da época colonial para
defender a expansão rumo à fronteira como um rompimento de amarras
conservadoras, e como forma de consolidar a brasilidade nas formas de organização
social. Ricardo fez a mesma analogia de Turner: leste conservador, no caso do Brasil
ligado à Europa, e o desbravamento do oeste como uma nova ordem, que significava
o rompimento dos laços com a antiga metrópole. O entendimento de Ricardo para a
lógica da fronteira é de um mito de origem, assim como na tese de Turner.63

Ricardo, constrói deste modo, uma narrativa pactuada com a ideia de uma frente
pioneira a quebrar as amarras que prendem o imenso oeste brasileiro em seu atraso e ali sim
construir o verdadeiro sentido da brasilidade. Assim como Turner, na ideia de que o pioneiro
ao desbravar o desconhecido sertão forjaria as bases da nacionalidade, Ricardo vê o oeste como
um reservatório para deflagrar o verdadeiro elemento nacional, livre dos vícios europeus
presentes no litoral. Assim como no período das bandeiras paulistas, que através da
miscigenação romperam o arcaísmo presente no regionalismo do país, o autor se refere a
Marcha Para Oeste como uma tutela a incorporar as mais distantes regiões ao corpo nacional.

63
SOARES, Herick Vazquez. A incorporação subordinada do Centro-Oeste ao capitalismo brasileiro: uma
interpretação histórica. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade Federal de São Paulo. São Paulo p.21, 2013.
62

Cria-se assim um espírito, uma áurea mítica para encorajar o desbravar do sertão, como trata
Dutra e Silva:
Os discursos sobre a marcha evidenciavam a excepcionalidade da conquista territorial
como traço da brasilidade. Era um traço do espírito bandeirante que se constituiu no
contato com a fronteira. Uma vez que a fronteira forjava a brasilidade e ela tornava
esses traços culturais cada vez mais vinculados ao território do novo continente em
rompimento com a tradição europeia. Assim, a imagem da nação em movimento e os
projetos de ocupação e deslocamento caracterizavam a representação social do
território nacional como um espaço de conquista, expansão e integração. Esses
conteúdos discursivos estimulavam o sentido de pertencimento a uma nação como
corpo em movimento, agregando a todos como participante.64

O discurso de Marcha conclamava, desta forma, os brasileiros a desbravarem o imenso


sertão que se constituía o interior do Brasil, rompendo as máculas desse inóspito espaço e
gestando um novo país. Desta forma, percebemos que a ideia e o discurso de Marcha Para Oeste
se calcam na invocação de um novo espírito bandeirante, que se embrenhe nas entranhas do
sertão brasileiro e lá semeie a seiva do desenvolvimento, integrando as bases da nação, unindo
litoral e interior num único movimento, marchando junto com a premissa básica de elevar o
Brasil a um lugar de destaque em meio às potências do globo. Aqui mito, sentimentalismo,
simbologia, discurso, coerção e política são ferramentas num processo de concretização de
marcha e edificação de um novo paradigma nacional.
No Oeste Catarinense este novo bandeirante será o migrante, convocado a se integrar
ao projeto nacionalista, e destinado a levar ao bravio sertão o progresso, tendo para tal que se
adequar, remanejar seu ethos para figurar como elemento digno de sustentar a brasilidade numa
região estratégica. A ideia e o discurso de Marcha também encontraram ressonâncias aqui,
tendo sido incorporados e resinificados por uma elite que assumiu a égide do processo de
colonização e levou a cabo o projeto de transformar o Oeste Catarinense numa grande potência.

Figura 09 - Mensagem do Governo Catarinense à Assembleia Legislativa em 1937.

Fonte: Acervo Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina.

64
DUTRA E SILVA, Sandro. No Oeste a Terra e o Céu: a expansão da fronteira agrícola no Brasil central.
Rio de Janeiro: Mauad X, 2017. p. 87.
63

O processo de transformação de Chapecó em uma potência alinhada ao progresso e aos


preceitos civilizatórios propalados pela Marcha, é constituído desde a esfera Estadual, neste
caso do interventor Nereu Ramos, onde o discurso se alinha as preposições de expansão
capitalista e exploração do potencial econômico. Aqui o alargamento da fronteira do capital se
traduz na apropriação e máximo aproveitamento das riquezas naturais do munícipio, desta
forma, a natureza se traduz em um espaço a ser conquistado, dominado e transformado para as
benesses econômicas, segundo Petroli:

O discurso nacionalista de Vargas em torno da promoção da Marcha para Oeste


fortaleceu o desejo de homens preocupados em transformar a realidade. Muitas
lideranças políticas do Oeste perceberam que a Marcha para Oeste seria vital, pois
poderia garantir a abertura de estradas, melhoramentos nos sistemas de transportes e
de comunicações; poderia garantir, inclusive, o “branqueamento” da população
através da introdução de descendentes de italianos e alemães. Portanto, com a Marcha
para Oeste, o Estado se faria presente na região através de investimentos.65

O discurso oficial, engendra neste contexto, o sentido enunciativo presente na ideologia


evolutiva da sociedade, tornando o Estado como promotor, incentivador e parte indispensável
no processo de transformação do sertão. O interventor, assumindo aqui o papel de interlocutor,
transmite o ideal de “um novo caudal de ouro”, ressignificando a fala de Vargas no lançamento
do projeto de Marcha. Aqui essa caudal se corporifica no potencial do meio natural e a
necessidade intrínseca de aproveitá-lo. Deste modo, o espírito bandeirante de abertura de novas
frentes econômicas e rompimento das figuras “perniciosas” que travam o desenvolvimento do
interior do país, se impõe sobre o Oeste Catarinense.
Em Chapecó, o discurso propalado pelo grupo controlador do periódico A Voz de
Chapecó, se alinha as preposições estaduais e federais. A elite aqui instalada vislumbra no
projeto de Marcha uma oportunidade para efetiva apropriação do território e consolidação de
um ideal de civilização baseado na evolução do progresso e inculcação do capital. Discorre o
jornal em junho de 1939:

Foi com verdadeira satisfação que Chapecó ouviu o benemérito presidente Getúlio
Vargas reafirmar que o verdadeiro sentido de brasilidade é a Marcha Para Oeste,
porque esta marcha muito interessa a Chapecó. Interessa porque ela significa a
abertura de novas estradas, remodelação das antigas, conservação das transitáveis, e
como consequência, restabelecimento das linhas regulares de comunicação e
facilidades de transportes, o que acarretará um forte incremento ao intercâmbio
comercial e social, aos quais arrastam consigo o progresso, a civilização e o
adiantamento em geral.66

65
PETROLI, Francimar Ilha da Silva. Território, economia e modernidade: Oeste Catarinense, 1916-1945.
Anais do XIV Encontro Estadual de História - Tempo, memórias e expectativas, 19 a 22 de agosto de 2012,
UDESC, Florianópolis, SC. p.15
66
A Voz de Chapecó, Marchem Cá Para o Oeste, 25 de junho de 1939. Arquivos do CEOM.
64

As palavras levadas a cabo pelo periódico, estruturam as bases de um projeto


colonizador desenvolvido no Oeste Catarinense baseado em fases de estruturação capitalista e
de expansão da fronteira do capital. Denotamos aqui, que neste momento, os interesses da elite
colonizadora de Chapecó se introjetam em um processo que José de Souza Martins denominará
de frente pioneira, que se configura em uma situação espacial e social onde as relações
capitalistas estruturaram uma nova ordem, na qual as balizas do sertão representariam entraves
para a reprodução capitalista, devendo ser implodidas pela civilização do capital 67. Neste
cenário, temos a mercantilização da terra e o predomínio da monetarização nas transações do
capital, justifica-se assim o anseio pelo incremento nos transportes e nas vias que escoem a
produção demonstrado no periódico.
Cabe aqui conjecturar, que neste espaço onde a fronteira do capital busca sua expansão,
os interesses econômicos se mesclam e se fundem nas preposições ideológicas. É na fronteira
que o embate com o outro se deslindará, aqui conjugado nos antagonismos pioneiros e caboclos,
com suas percepções e visões em choque, como trata Martins:

O conflito faz com que a fronteira seja essencialmente, a um só tempo, um lugar de


descoberta do outro e de desencontro. Não só o desencontro e o conflito decorrentes
das diferentes concepções de vida e visões de mundo de cada um desses grupos
humanos. O desencontro na fronteira é o desencontro de temporalidades históricas,
pois cada um desses grupos está situado diversamente no tempo da História.68

Percebe-se então, a busca incessante dos autoproclamados pioneiros migrantes no Oeste


Catarinense de perpetuar sua concepção e sua temporalidade sobre a terra colonizada. Ao
evocar o movimento do progresso rumo a terra conquistada, temos não só o desejo de
predomínio econômico, mas também a tentativa instauração de um novo marco temporal para
os sertões oestinos onde a fronteira pioneira seria o símbolo, o marco instaurado dessa nova
concepção de mundo.
A Marcha Para Oeste, gerida por ideólogos engajados na concepção do progresso,
serviria, deste modo, aqui no Oeste Catarinense como a catarse da fronteira, ou seja, a libertação
das amarras do sertão e a congregação a comunhão da civilização. Assim, como trata Lenharo:

Nesse sentido, o ato de marchar para o centro, para o oeste, implica não somente numa
trajetória de regeneração em que a pureza do sertão será subsumida pelo litoral. O
litoral é a Nação em marcha voraz, antropofágica, de quem o sertão receberá sua

67
MARTINS, J. S. O tempo da fronteira: retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de
expansão e da frente pioneira. Tempo Social, Revista de Sociologia da USP, volume 8, n°1, 25-70, São Paulo,
maio, 1996. p.32.
68
MARTINS, J. S. Ibidem. p.27.
65

riqueza material e cultural. Pois marchar para oeste significa a integração de milhares
de brasileiros à comunhão nacional... paisanos humildes, submissos e bons...,
brasileiros de mentalidade atrasada, penúria física, indigência intelectual, miséria
econômica.69

Lenharo explicita a ideologia do Estado Novo, materializada a partir da concepção do


olhar sobre o local inculto sob o qual se edificou a visão sobre o interior do país, emblemático
viés que forjaria os elementos reais e imaginários que compunham a matiz social “embrenhada”
nos sertões. O caboclo pobre, a figura desgrenhada e o pouco apreço pelo desenvolvimento da
nação. Assim o pretexto de recolonizar essas áreas se deslinda, tornando necessário o braço
forte e trabalhador que forjaria as bases nacionais a partir do trabalho, tudo isso tutelado sob a
vigia do “pai dos pobres”. Para isso então, é necessário a comunhão, a integração, a partir de
um discurso de harmonia e regeneração, neste caso “o encontro das duas partes deverá redundar
na nação integrada e purificada, convivendo seletivamente o melhor da materialidade do litoral
com a pureza espiritual do sertão, fundadores da nova qualidade da Nação, plena e
harmoniosa”.70
Uma marcha de harmonia, é desta forma que o projeto de Marcha Para Oeste será
propalado. Contudo, o que se projeta no processo de reocupação das terras do Oeste Catarinense
é um quadro de intenso conflito, sujeição e expropriação. Se verá nestas terras, o uso da
violência para com as populações indígenas, o desprezo e a coação para com a população
cabocla e a formação de uma massa de “intrusos” em terras ancestralmente ocupadas por estas
populações agora tornadas intrusas. No bojo deste cenário, se conjecturará um modelo de
expansão da frente do capital por meio de discursos, ações e projetos que visariam a instauração
do progresso, não importando o subjugar o outro, não apenas na forma física mas, também no
estereótipo e na memória histórica de elementos considerados não aptos a este progresso
deflagrado pela marcha.
O projeto de Marcha Para Oeste, tem um momento de inflexão na região do Oeste
Catarinense quando do momento da criação do Território Federal do Iguaçu (TFI) criado
através do decreto lei nº 5.812, de 13 de setembro de 1943. A área do Território do Iguaçu
abrangia o Oeste e o Sudoeste do Paraná e o Oeste de Santa Catarina. Estava dividido em cinco
municípios: Foz do Iguaçu, Iguaçu, Clevelândia, Mangueirinha e Chapecó. Foi definida a
cidade de Iguaçu (atual Laranjeiras do Sul), como capital do Território. Ao todo, a área do
Território Federal do Iguaçu correspondia a 65.854 km2, sendo 51.452 km 2 oriundos do Estado

69
LENHARO, Alcir. Sacralização da Política. Campinas: Papirus, 1986. p. 72
70
LENHARO, Alcir. Ibidem. p.72.
66

do Paraná, e 14.402 km2 provenientes do Estado de Santa Catarina o que dava uma densidade
demográfica de 1,47 habitantes/km2 71.
A organização do território, que englobava as terras chapecoenses, representava para
elite local a esperança de ver as melhorias que a cidade tanto necessitava, já que, segundo os
próprios editoriais do periódico A Voz de Chapecó, o governo catarinense não era capaz de
suprir as demandas do município, que apesar de progressista, ainda necessitava de muitos
investimentos.
Foi com essa esperança que a elite chapecoense viu se delinear em Laranjeiras
(nomeada de Iguaçu, após a instalação do TFI), todo uma estrutura político-administrativa para
a efetivação do território e buscou nesta nova burocracia, agora um pouco mais próxima da
região, a concretização de seus anseios de progresso e transformação de Chapecó. O Território
Federal do Iguaçu, apesar de se pouco tempo de vigência, representou a convergência de uma
política nacionalista e autoritária sobre uma região considerada estratégica de fronteira, mas
acima disto, extremamente importante para expansão da fronteira capitalista.

Figura 10 - Grupo escolar Marechal Bormann durante visita do governador do Território


Federal do Iguaçu Frederico Trotta, 1946.

Fonte: Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina.

71
LOPES, Sérgio. O Território Federal do Iguaçu e a “Marcha para Oeste”. Espaço Plural, UNIOESTE,
Cascavel, v 11, n 08, 2004. p. 16
67

A criação do TFI, está ligada diretamente com o projeto de nacionalização e de ocupação


das fronteiras da nação, pois, atrelada a esse arquétipo do Estado Novo, está a preocupação com
o abandono em que se encontram as fronteiras do país, completamente a mercê da influência
estrangeira. Desta forma, colocar essa faixa de fronteira diretamente sob jurisdição federal, ia
ao encontro com as percepções dos ideólogos da Marcha Para Oeste e também com a frente
militar, interessada no processo de segurança nacional, como explicita Lopes:

Portanto, a criação do território pode ser concebida como um ato de ocupação


definitiva da faixa fronteiriça, para assim romper o isolamento e afastar
definitivamente o perigo estrangeiro para a soberania nacional, que rondava a região.
Embora não se tratasse de um perigo de invasão propriamente dito por parte dos países
vizinhos, entendia-se que o perigo se dava, sobretudo, em decorrência do abandono
em que se encontravam as regiões fronteiras. Além do que, a redivisão territorial, no
entendimento dos ideólogos da “Marcha para Oeste” e do projeto nacional
desenvolvimentista do governo Vargas, visava facilitar a ação governamental no
sentido de recuperar humana, cultural e economicamente as fronteiras brasileiras. 72

Como explicita Lopes, o maior controle sobre essa faixa fronteiriça se alicerçava no
anseio de despertar o nacionalismo, na posse efetiva e potencial da terra, com vistas a
potencializar seu ritmo econômico, congregando, neste mesmo sentido, a prática cultural
estreitada com o viés do progresso. Neste mesmo pensamento, encontramos em paralelo as
designações da elite chapecoense expressadas através do periódico A Voz de Chapecó, como
se segue:

Mas é preciso que se diga, se afirme, se proclame, que se trata de populações


brasileiras, brasileiríssimas, elementos nativos do Rio Grande do Sul, muitos já
distanciados dos troncos estrangeiros duas, três ou mais gerações. Há
incompatibilidade em falar-se em nacionalização e depois vir chamar de colônias
alemãs, colônias italianas a povoações essencialmente brasileiras. Certo é que ocorre
muitas vezes ser desconhecida a língua nacional e haver conservação das tradições
estrangeiras. Isto é um mal, ou são dois males, mais propriamente, é um tríplice mal,
porque evidencia também o relaxamento, descuido e negligencia de governo
anteriores. A orientação atual é corrigir o abandono em que foram deixadas as
colônias, entregues à própria orientação no que diz respeito a educação. Mas intenção
só não basta, boa vontade não se pode manifestar em preocupações subalternas, ação
concreta do governo em prol da efetiva nacionalização desses meios influenciados
pela ação estrangeira, não pode surtir efeitos quando para os cargos públicos são
nomeadas pessoas inidôneas, sem preparo intelectual, despidas de senso moral e sem
noção da própria responsabilidade. Enfim a alma da brasilidade precisa vibrar
uniforme cantando a canção máscula do patriotismo consciente, pelo aperfeiçoamento
do caráter e pelo culto da virtude, contra a fraqueza e a orientação deficiente das
coisas. Este é o nosso pensamento.73

O discurso do jornal procurava quebrar a pecha de estrangeiros dos colonos e rotulá-


los com uma nova imagem, que agora estava em alto no cenário brasileiro, a imagem dos

72
LOPES, Sergio. Ibidem. p. 16
73
A Voz de Chapecó, editorial, 10 de dezembro de 1939. Arquivos do CEOM
68

protetores da fronteira da nação, leais a causa brasileira. Esse discurso do jornal, é simplesmente
a vontade que a elite chapecoense sobrepujava sobre essa população e não necessariamente a
real identificação desses colonos, basta lembrar o intenso esforço do governo, ciente da
predominância cultural europeia, em deflagrar um projeto intenso de nacionalização na região,
lançando mão de métodos não apenas persuasivos, mas, também, coercitivos, através inclusive
da violência, como trata Nodari:

Essas persistências acabaram dando a motivação para o processo de nacionalização


que foi desencadeado. Nessas conjunturas, as atenções do governo brasileiro
voltavam-se para as áreas onde grupos suficientemente grandes de imigrantes e
descendentes, considerados culturalmente estrangeiros, estavam concentrados e,
então, passaram a ser vistos como uma ameaça à integridade nacional.74

Neste cenário, a repressão do Estado Novo a cultura considerada estrangeira desses


migrantes foi intensa e diversificada nos mais variados aspectos da vida desses elementos.
Assim, denotamos que os migrantes que vieram a compor as colônias no Oeste Catarinense, no
princípio de seu assentamento nas novas terras, foram obrigados a rever as bases de sua
etnicidade, como trata Nodari, “esse fator exigiu das etnias no Oeste de Santa Catarina uma
renegociação imediata e contínua para facilitar a sua permanência física e garantir a sua
sobrevivência no local”75.
Percebemos que o interesse é da construção de uma imagem do migrante como um ser
necessário para o desenvolvimento do arquétipo nacionalista, entretanto este deve ser suscetível
às exigências impostas a ele, e deve ser remodelado, independentemente de suas
particularidades culturais, para um bem maior, que é a edificação de uma nação coesa,
desenvolvida, progressista. Desta forma, percebemos que a ideia e o discurso de Marcha Para
Oeste se calcam na invocação de um novo espírito bandeirante, que se embrenhe nas entranhas
do sertão brasileiro e lá semeie a seiva do desenvolvimento, integrando as bases da nação,
unindo litoral e interior num único movimento. Aqui mito, sentimentalismo, simbologia,
discurso, coerção e política são ferramentas num processo de concretização de marcha e
edificação de um novo paradigma nacional.
O território Federal do Iguaçu, no contexto engendrado até aqui, se constituiria em um
momento nevrálgico no projeto de Marcha Para Oeste. Buscava, deste modo, o aparelhamento
desta zona fronteiriça a um projeto de expansão civilizatória, calcada nas bases da
potencialização econômica e da configuração de um modelo étnico subentendido como o

74
NODARI, Eunice Sueli. A dor do esquecimento: as marcas da ditadura Vargas no Oeste de Santa Catarina.
Revista História Oral, Rio de Janeiro, v. 12, n. 1-2, 2009. p. 161.
75
NODARI, Eunice Sueli. Ibidem. p. 160.
69

propulsor desta potência. Para contemplar tais bases, era necessário remodelar os modos de
produção, a estrutura administrativa, as vias de acesso, os hábitos, os costumes, enfim,
enquadrar todo o espaço natural e humano abarcado pelo território nas premissas do projeto
marcha.
Para viabilizar a constituição do TFI no bojo do projeto de nacionalização e marcha, o
governo federal organiza então um levantamento da situação regional por meio do primeiro
governador do território, Major João Garcez do Nascimento. Em relatório enviado ao Ministério
de Estado da Justiça e Negócios Interiores, o Major traça um panorama das urgentes
necessidades do território, levantando o número de prédios públicos, relatando a situação das
estradas de rodagem, das atividades econômicas, da arrecadação de impostos, entre outros. O
que chama a atenção neste documento transborda a questão quantitativa e recai sob as
expectativas do governador em relação as qualidades e principais potencialidades da região, ao
falar sobre os meios de comunicação discorre o Major:

São precaríssimos, ainda agravados pelas longas distancias que separam os grupos
populacionais, o que constitui fator embaraçante do desenvolvimento da civilização
naquele longínquo oeste. Apesar de tudo o território apresenta índices de vitalidade e
trabalho que animam o administrador a empenhar-se a fundo em propiciar-lhe os
meios de comunicação, sobre que repousar, sem dúvida, o desenvolvimento
financeiro, industrial e cultural. São cerca de cem mil habitantes, que vivem como
insulados entre si, pouco podendo produzir, porque pouco podem exportar.
Possibilitados os meios de transporte, temos a convicção de que dentro de dois ou três
lustros uma nova e próspera unidade terá sido criada para a nossa pátria.76

No trecho do relatório apresentado é evidente o sentido simbólico empregado pelo


Major a tarefa que lhe está sendo incumbida. Ao relatar que apesar das parcas vias de
comunicação a região apresenta um elevado índice de vitalidade e trabalho, o governador
conclama para o deflagrar da marcha do progresso sobre a região, possível apenas após
introdução do colono branco responsável por essa revitalização sobre a terra. Assim, a abertura
de estradas, o fomento industrial e a introdução de modernos meios de comunicação seriam a
força motriz para instauração da civilização, pautada na dinâmica do capital aqui caracterizada
pelo incremento necessário aos produtos de exportação. Deste modo, civilização e progresso só
se implantariam quando as últimas amarras do velho oeste cedessem espaço ao capital,
capitaneado pelo germe do trabalho inculcado pelo colono.
Outras medidas também seriam adotadas pelo Major Garcez do Nascimento com o
intuito de entrelaçar suas expectativas de progresso para a região com a efetivação das mesmas.

76
Relatório apresentado ao Ministro de Estado da Justiça e Negócios Interiores pelo governador Major João Garcez
do Nascimento. Laranjeiras, abril de 1944.
70

Exemplo disso, que diz respeito diretamente ao círculo político formado em Chapecó no
período, é a nomeação de Serafim Bertaso como prefeito do munícipio. Tal fato congrega a
formação de um “núcleo duro” de homens interessados na transformação da região e atrelados
ideologicamente as preposições do projeto de Marcha para Oeste, como trata Siqueira:

Para Chapecó, a criação do TFI significou a ascensão de uma nova família política na
região: a família de colonizadores Bertaso. Serafim Bertaso, engenheiro civil e filho
do coronel Ernesto F. Bertaso, foi nomeado prefeito do município pelo então
governador do território, João Garcez do Nascimento, e 24 de maio de 1944. Serafim
Bertaso nunca tinha ocupado um cargo político antes e seu pai havia sido presidente
do Conselho Municipal pelo Partido Republicano Catarinense (PRC) na gestão de
José Luiz Maia, em 1927 (sem, todavia, assumir um cargo político-eletivo).77

Consolidada essa elite Chapecoense, durante a vigência do TFI todas as políticas


implementadas irão confluir para o ordenamento de um novo status quo tanto político quanto
social. Tudo isso, sob as amalgamas da retórica de um horizonte de expectativas dilatado para
a região, como trata Koselleck, ao discernir a lógica do progresso na história como uma
aceleração do tempo, impulsionada por um intenso desejo e expectativa do futuro, onde
progresso, ciência e modernidade, representados pelos avanços tecnológicos balizaram todo um
ordenamento social78, que aqui no oeste encontraria terreno fértil para sua propagação.
Neste contexto, Marcha para Oeste e TFI representaram a culminação de um projeto
autoritário de centralização, transformação e conformação social da região. Não obstante,
explicitaram a formação de um grupo político hegemônico em Chapecó durante toda a segunda
metade do século XX, esse grupo via na aproximação com o governo central uma oportunidade
imensa de auferir lucros e mais concentração de poder, sempre travestida com uma retórica de
trabalho pelo benefício comunitário. Corrobora nesta premissa de raciocínio o editorial de 29
de setembro de 1946 da Voz de Chapecó, onde logo após a extinção do TFI expressa:

Certamente, perfeição, lógica, bom senso não foram e não podiam ser preocupações
daqueles homens da constituinte. Interesse geral, progresso e bem-estar da população
desta nossa amada zona brasileira fronteiriça não podiam alcançar boa vontade,
benevolência, solidariedade dos arautos da dita anulação da criação dos territórios.79

Podemos conjecturar que tal reação extremamente crítica dos controladores do jornal
para com os constituintes, que extinguiram o TFI na constituição de 1946 após a deposição de
Vargas, se processa em um cenário no qual, apesar de o TFI não haver até aquela data

77
SIQUEIRA, Gustavo Henrique de. Os donos do “Celeiro do Progresso”: redes sociais e política (Chapecó,
1956-1977). Dissertação (Mestrado) - Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Ciências Humanas e
da Educação, Programa de Pós-Graduação em História, Florianópolis, 2016.
78
KOSELLECK, R. Estratos do tempo: estudos sobre a História. Rio de Janeiro: Contraponto; Ed. PUCRJ, 2014.
79
A Voz de Chapecó, editorial, 29 de setembro de 1946. Arquivos do CEOM.
71

proporcionado grandes contribuições para o progresso chapecoense, o desejo de transformar a


região em potência ainda era latente, e o projeto varguista de Marcha, mesmo com a figura de
Vargas estando afastada do poder, ainda estava vigente entre a elite de Chapecó. Este cenário,
se engendrava devido a todo contexto proporcionado pela campanha de nacionalização, que
criou grande simbologia em torno dos elementos que iriam servir como propulsores da
brasilidade no “sertão” oeste. Assim, podemos denotar que apesar do fracasso do TFI, por ter
sido incipiente em seu projeto, não foi suficiente para abalar a ideologia dos colonos arautos do
progresso em Chapecó.
Desta forma, para compreender melhor o projeto arquitetado para transformar Chapecó
em um novo polo do progresso é necessário compreender melhor como se constituía esta
sociedade e também os personagens que levaram a cabo este arquétipo. Assim, no próximo
capítulo conheceremos melhor os indicadores sociais que a elite chapecoense visava melhorar,
junto com a problematização de um discurso alinhado a ações autoritárias que permearam a
região na busca de modelar uma nova sociedade.
72

CAPÍTULO III

A FORMAÇÃO DA FRONTEIRA OESTE CATARINENSE: NACIONALIZAÇÃO,


AUTORITARISMO E PROGRESSO.

Quando falamos em engendrar a construção da Fronteira Oeste Catarinense,


perpassamos por todo um processo de configuração regional que culminou na transformação
do hinterland oestino em uma região de expressiva expansão capitalista em Santa Catarina.
Essa transformação se gestou através da colonização e domínio destas terras, no bojo de um
cenário político de modernização autoritária, onde os elementos considerados não “propícios”
ao germe do progresso foram submetidos a diversas espoliações e tiveram sua terra ancestral
transfigurada aos moldes do capital dito civilizador.
Este processo, encontrou inflexão relevante no período ditatorial do Estado Novo, no
qual as bases de uma centralização autoritária alicerçaram na região, com o auxílio de uma elite
de chapecoenses, o discurso de progresso, aliado a ordem e a manutenção de um status familiar
patriarcal, cristão, que buscou elevar Chapecó a um papel de destaque no cenário nacional.
Neste capítulo, proponho elucidar fatos e explanar uma análise que congrega a formação dos
alicerces desta nova fronteira Oeste Catarinense, utilizando principalmente de fontes oficiais
encontradas no Arquivo Público do Estado de Santa Catarina, dentre elas correspondências,
telegramas e ofícios que deslindam a relação estabelecida entre os âmbitos municipal e estadual
de governo, que convergem para uma mesmo caminho, o de tornar o Oeste Catarinense uma
região homogeneizada e atrelada aos pressupostos da ideologia do progresso autoritário.
Apesar da documentação oficial, na sua gênese, apresentar um caráter muitas vezes
protocolar inerente a prática administrativa das esferas de poder, ela pode ser extremamente útil
para configurar uma análise das relações estabelecidas entre as figuras de mando que
influenciaram no processo histórico. Embora protocolares, muitos documentos revelam visões
de mundo, ideologias políticas, apreços pessoais, afetos e desafetos que desmistificam o homem
atrás do aparelho burocrático do qual ele emana. Este homem está, muitas vezes, inebriado com
ideias circundantes do seu tempo, o que fornece ao historiador uma grande margem de análise
mesmo através de uma aparente burocratização. É como trata Lombardi:

As fontes resultam da ação histórica do homem e, mesmo que não tenham sido
produzidas com a intencionalidade de registrar a sua vida e o seu mundo, acabam
testemunhando o mundo dos homens em suas relações com outros homens e com o
73

mundo circundante, a natureza, de forma que produza e reproduza as condições de


existência e de vida.80

Neste caso, os documentos produzidos pelo aparato oficial ajudam a elucidar e


corroboram na constituição da teoria da formação da fronteira Oeste Catarinense, junto a isso,
na mesma simetria de discurso, vem os periódicos circundantes na região, na maioria das vezes
ligados ao poder econômico e político local, que emanam as preposições governamentais e em
parte adicionam e potencializam as mesmas. Assim, busco analisar neste capítulo essa simetria
ente os poderes governamentais e a elite colonizadora constituída, com o intuito de elucidar as
matrizes fundantes da fronteira Oeste Catarinense junto com as ações efetivas proporcionadas
pelo Estado para garantir a inculcação regional na civilização do progresso.
Neste contexto, é extremamente relevante destacar, algo que melhor será elucidado
neste capítulo, a espécie de áurea mitológica tecida em torno do discurso colonizador e muitas
vezes referendado por produções historiográficas, de que o desenvolvimento de Chapecó só foi
possível graças a força autônoma e independente dos colonos aqui aportados. Esta matriz
discursiva, buscava e ainda busca referendar a ideia do pioneirismo atrelada a realização pessoal
e muitas vezes a superação frente ao abandono estatal, ao bravio da natureza, a solidão e o
descaso. Creio, e buscarei através da análise dos documentos oficiais, problematizar essa
construção discursiva, no intuito de demonstrar a participação e muitas vezes efetivação estatal
de ações que corroboraram no alinhamento local as preposições nacionais de nacionalização e
progresso. É claro, com a ideia desvelada até aqui, que a construção política discursiva segue
um objetivo intrínseco de perpetuação e consolidação de uma matriz dominante idealizada pela
elite local chapecoense ainda em fase de assentamento de suas bases. Contribui para tal
entendimento Noronha:

Os laços culturais tradicionais que eram impróprios para a modernização econômica


e política foram trabalhados no sentido de garantir a confiança recíproca entre
comunidade e Estado. Assistiremos ao fortalecimento do discurso identitário, que
passa a ser o elemento central de identidade local ou a própria bandeira da
comunidade. Os elementos tradicionais, que antes eram impróprios para o processo
modernizador, agora se interiorizam para os centros culturais, as associações
empresariais, o jornal local e, consequentemente, estabelecem uma nova estratégia de
reprodução social de sua elite, com seu respectivo discurso político.81

80
LOMBARDI, José Claudinei. “História e historiografia da educação: atentando para as fontes”. In:
LOMBARDI, J. C. e NASCIMENTO, M. I. M. (Org). Fontes, História e Historiografia da Educação.
Campinas: Autores Associados, 2004. p. 141-176.
81
NORONHA, Andrius Estevam. Instituições e elite política de Santa Cruz do Sul no contexto de
Internacionalização da Economia Fumageira. (Décadas de 1960 e 1970). 2006. 160f. (Dissertação de
Mestrado em Desenvolvimento Regional). Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional.
Universidade de Santa Cruz do Sul, UNISC, 2006. p. 75.
74

Assim, o discurso de pioneirismo, superação pelo trabalho das adversidades que a região
apresentava, o destaque ao mérito do colono desbravador, deslindam uma dinâmica discursiva
do entrelaçamento identitário e perpetuação discursiva de uma linha ideológica de dominação
e tentativa de manutenção de poder, ligada aos grupos colonizadores. Esta perspectiva,
endógena a demanda da elite local, servia de baliza para afastar o exógeno do centro de
comando e solidificar a afirmação de um elemento étnico e identitário necessário ao progresso
da localidade. Porém, percebemos na história da região uma contradição neste discurso que ao
mesmo tempo que se fecha entre os laços de ligação comunitários, sofre pressão externa das
emanações nacionais e estaduais no sentido de nacionalizar, modernizar, capitulando a essas
emanações. É desta forma, que mesmo neste paradoxo, o núcleo de poder chapecoense usará
de sua influência para moldar uma visibilidade local positiva em relação ao regime
estadonovista, onde mesmo elementos entrelaçados pelos laços identitários europeus poderiam
servir de bastiões de progresso e brasilidade para a fronteira Oeste Catarinense.
Conjecturado até aqui algumas problematizações que nos serão pertinentes no
desenrolar do capítulo, proponho subdividi-lo em dois subcapítulos com eixos temáticos que
abarquem duas discussões centrais: a primeira de uma análise dos discursos produzidos pelos
mecanismos de dominação da elite chapecoense, leia-se os periódicos circulantes na região,
junto com telegramas, ofícios e avisos propalados pelo executivo local, no intuito de aprofundar
a problematização aplicada ao projeto de transformação de fronteira Oeste Catarinense, do
hinterland a capital do progresso. Já a segunda discussão terá como inflexão a influência estatal
nesta “empreitada”, através de ações concretas, ordens e interferências diretas na dinâmica local
para transformá-la.
Ambas as discussões apontadas anteriormente serão implementadas a partir de uma
sintonia com a conjuntura política nacional, num Estado balizado por uma corporação
autoritária, inebriado por um discurso modernizador. Desse modo, no decorrer do capítulo os
âmbitos locais, estaduais e nacionais se imbricarão no sentido de problematizar a dinâmica que
deu propulsão ao movimento de transformação da fronteira oeste.

3.1 O discurso dos “patrícios” na transformação da fronteira oeste.

Para compreender a construção de um discurso ideológico, caracterizado no bojo do Estado


Novo, devemos remontar um aparato estatal criado e alimentado para controlar, coibir e
inúmeras vezes cercear a livre manifestação do pensamento. Exemplo claro é a criação do
Departamento de Imprensa e propaganda (DIP) encarregado de chancelar ou censurar as
75

informações circundantes no país. Dito isso, devemos analisar os discursos proferidos nos
periódicos regionais que circularam pela região Oeste Catarinense à luz deste contexto. Porém,
não devemos nos escusar de empreender uma análise que transcenda o aparelho regulamentador
e explicite a construção de um projeto político, de um discurso transformador e principalmente
um arquétipo de poder atrelado ao discurso emanado pelas vias de comunicação regionais.
Contribui neste sentido Capelato:

A cooptação dos jornalistas se deu através das pressões oficiais, mas também pela
concordância de setores da imprensa com a política do governo. É importante lembrar
que Getúlio Vargas atendeu a certas reivindicações da classe, como por exemplo a
regulamentação profissional que garantia direitos aos trabalhadores da área. Muitos
jornalistas não se dobraram às pressões do poder, mas, segundo Nelson Werneck
Sodré, foram raríssimos os jornais empresariais que não se deixaram corromper pelas
verbas e favores oferecidos pelo governo. Por um lado, o autoritarismo do Estado
Novo explica a adesão e o silêncio de jornalistas; por outro, não se pode deixar de
considerar que a política conciliatória de Getúlio Vargas, aliada à “troca de favores”,
também surtiu efeito entre os “homens de imprensa”.82

Esse engajamento político e essa troca de favores explicitado por Capelato, encontrava
alta ressonância no Oeste Catarinense. Os periódicos que por aqui circularam buscavam
demonstrar seu alinhamento e congregar a ideologia política vigente com seu intuito de
transformar a região em um bastião de progresso. Para tornar isto exequível, determinadas
notícias ou determinadas passagens de discursos eram preferidos, no intuito de salientar e
mostrar unidade frente ao objetivo máximo de desenvolver a região. Vemos um exemplo claro
na edição de 16 de março de 1940 da Voz de Chapecó, ao comentar a viagem do mandatário
nacional a cidade de Blumenau, os editores escolheram e enfatizaram a seguinte passagem:

O ponto culminante de sua brilhante oração ocorreu no momento em que Sua


Excelência se referiu ao problema da nacionalização, fixando com honestidade,
critério e sensatez, o que se deve entender por esta questão. ‘Encanta-me a juventude
que aqui está para receber-me, que é o ressurgimento de uma nova geração, que bem
dignifica o futuro grandioso que espera o Brasil. Aquelas cabecinhas louras como um
trigal maduro representam o futuro da nacionalidade. O desconhecimento da língua
pátria neste recanto, o que tanto se lamenta, não é culpa dos elemento que para aqui
vieram há noventa anos e criaram essa linda colônia e sim dos governos passados que
só se aproximavam dos colonos, ou como algozes para cobrar impostos ou como
pedintes para mendigar o voto, sendo que governos que pedem votos perdem a força
moral, daí transigirem mesmo com o sacrifício dos interesses nacionais. Entretanto os
colonos sempre pediram apenas duas coisas: escolas e estradas. O Brasil não é inglês,
nem alemão, o Brasil é brasileiro’. Com frases desta natureza o presidente Vargas
definiu bem como deve ser a orientada a campanha patriótica da nacionalização sem
exageros jacobinos nem subserviências coloniais. Abrasileirar os quistos de
população estrangeira pelo raciocínio, pela persuasão, pela bondade, gradativamente
sem violências, sem acidentes, sem menosprezos, porém, com firmeza, energia,
destemor e patriotismo.83

82
CAPELATO, Maria Helena. Propaganda política e controle dos meios de comunicação. In: PANDOLFI, Dulce
(org.). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999. Pp. 167-178. p.175.
83
A Voz de Chapecó, editorial, 16 de março de 1940. Arquivos Público do Estado de Santa Catarina.
76

Podemos analisar o discurso do ditador e sua inserção no periódico a partir de diversas


facetas. A primeira diz respeito ao intuito explicito de solidificar o regime do Estado Novo com
a tática de minar o liberalismo e as bases da primeira República, denominada de “velha” após
o golpe de 1930. Tal contexto fica claro nas passagens a que Vargas se refere aos seus
antecessores como mendigos de voto, onde a prática não seria algo moral. Assim denota-se, a
retórica voltada a suprimir os anseios democráticos que poderiam questionar seu modelo de
Estado ao mesmo tempo que reverbera as correntes políticas em voga no período que viam nas
instituições democráticas uma trava da nação. Outra característica da fala, ainda inserida neste
mesmo projeto nacional-autoritário, diz respeito a convocação geracional deflagrada pelo
mandatário, ao conclamar um grupo de jovens a traspor as barreiras de “sua própria ignorância”
enquanto a língua e os “costumes” nacionais, com a máxima de edificar uma nova nação. Para
arrematar o paralelismo retórico do louro da etnicidade com o trigal de viés econômico elucida
bem a imagem que Vargas constrói para os colonos do Estado, a de construtores de uma
purificada civilização que só necessitam de escolas e estradas, a primeira o espaço de inculcação
de um nacionalismo ainda inoperante na localidade e a segunda as veias que fluiriam o
progresso.
Mas para os controladores da Voz de Chapecó, no que interessaria esse trecho específico
do discurso de Vargas? Há alguma intencionalidade que traça um paralelo entre o núcleo de
Blumenau e as colônias implementadas em Chapecó? Que elementos do discurso presidencial
foram apropriados no ceio desta elite chapecoense? As perguntas são múltiplas, mas as
respostas nem sempre se delineiam de forma simples. Para tentar esclarecê-las é necessário
entender antes quem são estes controladores que exerciam a chefia do jornal e também
desempenhavam papel preponderante na sociedade chapecoense.
Deste modo, iniciamos pelas figuras que idealizaram e controlaram a Voz de Chapecó
em sua essência: Ernesto Bertaso, Antonio Selistre e Vicente Cunha. Bertaso, considerado o
grande colonizador de Chapecó tem origens italianas, migrou para o Rio Grande do Sul ainda
jovem e foi uns dos fundadores da empresa Colonizadora Bertaso, Maia e Cia. Responsável
pela comercialização de grande parte dos lotes territoriais que constituíram a cidade de
Chapecó, segundo Macedo:

Considerado um pioneiro e tendo um grande poder econômico e político, Bertaso era


uma das figuras centrais na cidade, influenciando decisões sobre projetos ligados ao
município e também sobre os distritos da redondeza. O título de coronel conferia
77

status de homem a ser respeitado, principalmente num período em que o coronelismo


era uma das principais forças políticas no Brasil.84

Outro elemento fundador do periódico foi o juiz de paz Antônio Selistre de Campos,
oriundo do Estado do Rio Grande do Sul, chegou em Chapecó em 1931 onde logo se envolveu
no grupo político local e passou a ser um dos escritores do jornal. Seus artigos além de outros
assuntos, giravam em torno da defesa dos grupos indígenas locais, denunciando por diversas
vezes o Serviço de Proteção ao Índio em suas páginas. Porém, Selistre de Campos nunca
articulou uma defesa sólida desses mesmos indígenas em projetos políticos do grupo a qual fez
parte na cidade simbolizando mais uma contradição encontrada no seio da elite Chapecoense.
O terceiro elemento de destaque nas bases fundacionais do periódico foi o advogado e
jornalista Vicente Cunha. Por sua formação foi o principal responsável pelos editoriais do
jornal, além de manter correspondências com outras publicações de várias partes do país e
cuidar do setor jurídico das publicações. Cunha posteriormente também foi eleito prefeito de
Chapecó, o que destaca também seu viés político. Aliás, é a faceta política outro fator
aglutinador dos controladores da Voz de Chapecó, segundo Macedo:

Os três principais fundadores do jornal, além de aliados nas páginas do periódico,


eram também correligionários político-partidários. Nos anos de 1940, os partidos
políticos que atuavam no município eram o Partido Liberal (PL) e o Partido Social
Democrático (PSD). O primeiro tinha a adesão de figuras como o coronel Berthier de
Almeida, Pedro da Silva Maciel; o segundo era o partido de maior destaque no
município, recebendo inclusive o apoio dos padres da cidade, que por sua vez se
envolviam ativamente na política. A ele estavam filiados os três principais fundadores
do A Voz de Chapecó, além do delegado Argeu Lajus e o filho de Bertaso, Serafim.85

Neste contexto, é característico que os principais elementos que se constituíram como a


elite controladora de Chapecó, apesar de suas particularidades e suas diversas formações,
buscavam conformar através de seu grupo uma hegemonia político-econômica. Para tal, se
tratavam como “patrícios”, a expressão que remete ao Império Romano, o pater família, a
aristocracia que se estabeleceu em Roma e se proclamava fundadora da grandeza do Império,
foi ressignificada pelos homens que assumiram o controle político-econômico da cidade e
utilizada como elemento aglutinador de seus interesses. O termo “patrício”, também remete sua
significação, muito utilizada entre os imigrantes italianos, com a de conterrâneo, compatriota.
Apesar de suas distinções, os elementos que criaram o “núcleo” da comunidade de patrícios

84
MACEDO, Márcio de. “AO CORRER DA PENA”: História e Representação dos Kaingang no Jornal A
Voz de Chapecó. 1939 – 1953. 2010, Dissertação (Mestrado). Curso de Pós-Graduação em História, Setor de
Ciências Humanas, Letras e Artes, da Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2010. p. 52.
85
MACEDO, Márcio de. Ibidem. p.55
78

tinham como objetivo e identificação comum o desejo de colonizar as terras, então também se
identificavam como colonizadores, juntamente com o intuito de civilizar através de sua
influência a região.
Entretanto, durante o período aqui estudado, a relação destes patrícios com o regime de
Vargas vai ser delineada através de diversas contradições, conflitos e um intenso jogo de forças
e barganhas. A presente afirmação se consolida ao analisarmos o comando do executivo
municipal durante a conhecida Era Vargas, como trata Hass:

O segmento dos colonizadores teve sua força política reduzida no governo Vargas, de
1934 a 1944, com representantes das empresas colonizadoras perdendo espaço no
poder local. Durante a maior parte do Governo Vargas, as nomeações para o executivo
municipal incluíram uma burocracia militar de altas patentes e elementos que nem
sempre possuíam identificação com o lugar (eram do Rio Grande do Sul ou do litoral
catarinense). Nesses 14 anos, o município de Chapecó teve dez prefeitos nomeados e
um eleito que não tomou posse.86

O controle do executivo da cidade foi encabeçado pelo grupo denominado de Patrícios


apenas em 1944, na derrocada do regime do Estado Novo, por nomeação de Vargas. Desta
forma, percebe-se um emaranhado jogo político traçado em Chapecó que evoluiu das
intervenções cívico-militares estrangeiras a localidade até a tomada de poder do executivo pelo
grupo ligado a colonização e ao periódico A Voz de Chapecó.

Figura 11: Prefeitura Municipal de Chapeco em 1945.

Fonte: Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina.

86
HASS, Mônica. O Linchamento que Muitos querem Esquecer: Chapecó 1950-1956. Chapecó: Argos, 2013.
p.39.
79

Para compreendermos melhor as relações travadas entre os denominados patrícios


chapecoenses e o governo Vargas, devemos entender que apesar da busca pela centralização
autoritária, característica da idealização do regime do Estado Novo, houve também, nas
relações travadas com as elites regionais, uma intensa negociação, como trata De Abreu:

Pode-se então dizer que o autoritarismo do Estado Novo se legitimou, de um lado, por
um discurso de união nacional em oposição às velhas disputas oligárquicas,
colocando-se o Estado como o único representante dos interesses coletivos. De outro
lado, porém, tendo-se em vista que as polarizações políticas regionais não foram
completamente superadas pelo regime, este discurso precisou embasar-se em uma
prática política de cooptação e mediação dos interesses dos diferentes grupos
políticos.87

Assim, as ressonâncias políticas das relações entre o regional e o nacional se imbricam


em um cenário bem mais complexo. Podemos conjecturar que essas relações se basearam em
um sistema de pesos e contrapesos, no qual de um lado da balança vemos uma tentativa direta
de centralização por meio da nomeação de prefeitos/interventores na sua maioria desconhecidos
da dinâmica local e do outro lado a negociação e aproximação com a elite de colonizadores
locais como forma de sustentação de um projeto de progresso. Neste sistema se introjetam por
um lado a face autoritária, da imposição, censura e coação e por outro a cooptação e o arranjo
político negociado.
Na face autoritária, além dos prefeitos/interventores nomeados para Chapecó, temos a
tensa relação, travada em alguns momentos, entre A Voz de Chapecó e os representantes do
regime varguista. Nesta relação, percebemos o conflituoso jogo político local, no qual a elite
colonizadora de Chapecó busca sua sustentação em meio a um regime de caráter autoritário
como o qual se constituiu o Estado Novo. Desta forma, destacamos a censura imposta a Voz de
Chapecó e também a seu diretor Vicente Cunha, o qual chegou até mesmo a ser detido devido
a sua atuação no periódico. Apesar de não se intitularem como opositores do regime varguista,
até mesmo por que neste período ditatorial o espaço oposicionista era extremamente restrito, os
controladores do jornal mostravam diversas vezes uma opinião crítica contundente para com as
autoridades do regime vigente no país, cobrando maiores investimentos para o progresso de
Chapecó. Fruto desta posição rígida quanto as ações em prol do desenvolvimento da cidade, a
interdição do periódico se deflagra em 1939, ficando a publicação por dois meses proibida de
circular, como demonstra a figura 12.

87
ABREU, Luciano Aronne de. Um olhar regional sobre o Estado Novo. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2007.
80

Figura 12: Editorial de 26 de novembro de 1939 do jornal A Voz de Chapecó. Censura.

Fonte: Jornal A Voz de Chapecó, 03 de maio de 1939. Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina.
81

Podemos perceber que as críticas efusivas do jornal levaram a um desgaste com as


autoridades estaduais, soma-se a isso, que as forças políticas contrárias ao grupo dominante em
Chapecó também se articulavam buscando fazer frente a tentativa de hegemonia, através de
denúncias que levaram ao cerceamento da circulação do jornal. Para compreender melhor tal
situação, colabora Petroli:

O discurso local não era totalmente o mesmo do Estado Novo. Apresentava algumas
convergências, mas, também uma constate crítica a inexistência de ações por parte do
Estado. Para o colonizador, havia uma grande necessidade e urgência em concretizar
a nacionalização e civilização da região. Desde as primeiras edições, a crítica sempre
esteve presente no conteúdo dos editoriais. Por outro lado, a direção, em notas
publicadas, procurava informar o público leitor da possibilidade de censura policial;
explicavam uma possível interdição como resultado de denúncias locais. Tais
denúncias podem até mesmo explicar a paralisação na circulação do jornal em dois
momentos: um deles em setembro de 1939, quando o jornal é proibido de circular e
fica interditado por dois meses; e o outro, em setembro de 1941, quando é publicada
a ˙última edição, ainda no período do Estado Novo.88

Dentro do contexto arrolado até aqui, infere-se que a disputa política em Chapecó foi
intensa e a construção da hegemonia do grupo liderado pelos Bertaso enfrentou também
resistências. Neste processo fica mais evidenciado como a atuação da elite econômico-política
com o regime estabelecido no país também se deslindou por meio de entraves e negociações.
Para elucidar melhor isso chamo a atenção para trechos que se destacam na fonte da figura 12,
no qual o editorial se inicia com ressalvas a sua modéstia, mas exaltando seu imenso sentimento
pela grande pátria, já sinalizando para a campanha de nacionalização, grande mote do regime
varguista. Nesta mesma lógica, o texto consagra o apoio a constituição de 1937 pelo
aparelhamento estatal proposto ao país, mas, logo em sequência, vem a grande perpetuação da
ideia central neste editorial, que apesar de endossar o regime essa mesma elite não servirá como
figura subserviente “com o chapéu em mãos em zumbaia aos poderosos”. As palavras dos
controladores do jornal exacerbam o cerne da questão aqui proposta, ou seja, as fissuras dentro
da própria engrenagem em que se estrutura o poder local em Chapecó durante o Estado Novo,
por um lado utilizando o paternalismo de Vargas em seus discursos e ações governamentais,
sugando toda a seiva da ideologia nacionalista e desenvolvimentista do regime implementado
com o golpe de 1937, e por outro lado buscando se consolidar como poder local forte, com
determinada autonomia e hegemônico, ponto que vai culminar com a nomeação de Serafim
Bertaso prefeito em 1944 , mesmo com o jornal A Voz de Chapecó proibido de circular, já que
a publicação só retornaria em 1946.

88
PETROLI, Francimar Ilha da Silva. Um “desejo de cidade”, um “desejo de modernidade” (Chapecó, 1931-
1945). Florianópolis, 2008. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de Santa Catarina. p.79.
82

Um exemplo da negociação política e do jogo de influências tecido durante o período


do Estado Novo em Chapecó, encontramos no Arquivo Público do Estado de Santa Catarina,
através de telegramas trocados entre os prefeitos da cidade e o interventor federal Nereu Ramos.
Detecta-se através da análise desta correspondência uma cabal utilização da máquina pública
com o intuito de perpetuar ideologias políticas e favorecer determinados agrupamentos
partidários. Na fonte abaixo citada, telegrama datado de 25 de novembro de 1937, entre o então
prefeito Pedro da Silva Maciel e o interventor Nereu Ramos, temos deslindado um pouco desta
lógica política:

Permita vossa excelência que dirija a presente para melhor esclarecer os pedidos
constantes dos meus telegramas (...), em relação a transferência do professor estadual
de Abelardo Luz Sr Boaventura Correa Lemos, para o local do Passo do Ferraz e em
sua substituição, a nomeação do correligionário José Virgilio Silva. O professor
Boaventura Correa Lemos há muito tempo se empenhava em conseguir sua
transferência para Xanxerê, local onde ficaria mais próximo de sua família, o que
conseguido vagaria a cadeira que o mesmo exerce na sede do distrito de Abelardo
Luz. Por minha ida recente a Abelardo Luz, constatei uma briga irreconciliável entre
nossos amigos, entre o intendente exator José Virgilio Silva e um membro de nosso
diretório, cidadão Sabino Garcia de Oliveira. Obedecendo então a diretriz do partido,
tomei em harmonizar e reconciliar amigos em divergência por motivos locais e que
só irá fortalecer o nosso partido no município, chamei ambos e procurei uma forma
de resolver a situação satisfazendo ambos. De acordo com o combinado solicitou e
obteve a exoneração o intendente exator para que conseguida a transferência do
professor Boaventura Correa Lemos, fosse ele nomeado para a cadeira que iria vagar.
Nestas condições ficaria a situação resolvida satisfatoriamente (...).89

Através do excerto da fonte citada acima podemos deslindar diversas idiossincrasias


dos aspectos políticos que se configuraram em Chapecó. Para entende-lo melhor é necessário
compreender a “virada política” ocorrida em Santa Catarina após a Revolução de 1930. Durante
a maior parte da chamada República Velha, a política catarinense foi dominada pelos partidários
do Partido Republicano, principalmente através da figura de Hercílio Luz. Porém após
divergências endógenas a sigla, principalmente com a oligarquia Ramos, temos uma cisão entre
os correligionários, o que vai levar a formação do Partido Liberal Catarinense em 1931 por
Nereu Ramos, apoiador da Aliança Liberal de Vargas que em 1930 é alçada ao poder através
das armas. Deste modo, com a ascensão de Vargas vemos a subida dos liberais catarinenses ao
poder do Estado e a consolidação destes com a nomeação de Nereu Ramos como interventor
do Estado em 1937 após o golpe do Estado Novo e o fechamento dos partidos políticos90.

89
Telegrama enviado a Interventoria Estadual pela Prefeitura de Chapecó, 25 de novembro de 1937. Arquivo
Público do Estado de Santa Catarina.
90
HASS, Monica. Os partidos políticos e a elite Chapecoense: um estudo de poder local - 1945 a 1965. 1993.
373 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia). Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política. Universidade
Federal de Santa Catarina. Florianópolis. 1993. p. 48.
83

As contendas políticas que se desdobravam em âmbito estadual também aplicavam


suas ressonâncias em Chapecó. Na cidade, o governo da Revolução de 1930 buscou amenizar
as violentas disputas entre os grupos oligárquicos que se digladiavam na região e que se
traduziam nas frequentes transferências da sede do município entre Passo Bormann (reduto da
oligarquia colonizadora) e Xanxerê (reduto da oligarquia extrativista). Após o movimento de
30 a sede do município é instalada em Passo dos Índios (atual Chapecó). Em 1936 se realizam
as últimas eleições no município antes do golpe de 1937, saindo vencedor Berthier de Almeida
do Partido Liberal, porém o mesmo não tomou posse nos 30 dias delimitados e perdeu o cargo
em um processo comandado pelo Juiz Selistre de Campos, que reuniu a Câmara de Vereadores
e empossou no seu lugar o presidente da Câmara, o comerciante Pedro da Silva Maciel, também
do Partido Liberal.91
Desta forma, temos a consolidação do grupo vencedor da revolução de 1930 também
em Chapecó. Assim, percebemos o contexto de “fala” do prefeito Pedro da Silva Maciel ao
pedir um favor a Nereu Ramos, que é o de consolidar uma nova hegemonia política em Chapecó
pactuada pelo grupo liberal. O telegrama enviado pelo chefe do executivo em Chapecó também
transparece a relação desvelada entre as esferas públicas e privadas no que concerne a utilização
da “máquina pública”. Esta relação intrinsecamente permeada por interesses pessoais e/ou
corporativistas reflete muito como se engendrava a política denominada coronelista que se
sustentou durante a República Velha, mas também, se manteve em boa parte do interior do país
durante o Estado Novo, que apesar de apregoar o fim das oligarquias regionais em muito as
sustentou e as remodelou com o intuito de sobrepujar os interesses do grupo agora dominante.
O coronelismo como força política, econômica e social pode ser entendido como um
fenômeno da conjuntura da sociedade brasileira, alijada por durante séculos da presença estatal,
inculta, desassistida em suas mais irrequietas necessidades, apregoa na figura quase mística do
homem abastado, cercado por seus jagunços e dotado de uma patente militar a presença de um
Estado por a muito distante. Assim a figura do coronel, que pululou em diversas localidades
interioranas do Brasil, se traduz na justiça, na oportunidade e na sobrevivência de muitos
brasileiros que se viam por muitas vezes abandonados pelo poder governamental. Destarte, a
emergência do poder do coronel traduz esta apropriação das esferas públicas pelo poder
privado, como trata Leal:

Concebemos o “coronelismo” como resultado da superposição de formas


desenvolvidas do regime representativo a uma estrutura econômica e social
inadequada. Não é, pois, mera sobrevivência do poder privado, cuja hipertrofia

91
HASS, Mônica. Ibidem. p. 55.
84

constituiu fenômeno típico de nossa história colonial. É antes uma forma peculiar de
manifestação do poder privado, ou seja, uma adaptação em virtude da qual os resíduos
do nosso antigo e exorbitante poder privado têm conseguido coexistir com um regime
político de extensa base representativa.92

Esta apropriação das funções públicas pelos interesses privados do coronel se


corporificava em instrumentos de coação, exploração econômica e perpetuação oligárquica que
beneficiava seu grupo enquanto paralelamente excluía o grupo antagônico na velha versão do -
“aos amigos pão e água fresca, aos inimigos bala” – criando assim as interfaces do filhotismo,
aqueles protegidos e beneficiados pelos poderes do coronel, e do mandonismo, aqueles
coagidos pelo seu poder econômico – político – militar.
Chapecó também viveu e sentiu os efeitos do fenômeno político do coronelismo.
Especialmente no período aqui estudado, do Estado Novo, e também durante boa parte da
história da cidade se destacou a figura do Coronel Bertaso, já citado neste capítulo, colonizador
e responsável por boa parte da estruturação do que se tronou a Chapecó contemporânea. Não
quero aqui explicitar a trajetória de Bertaso ou suas realizações políticas, mas sim tomar a
personagem do coronel e sua representação como parte integrante da explicação do ideário
implementado em Chapecó, o de civilização e progresso.
Foi com o grupo representado pela figura do coronel Bertaso que se deflagrou com
maior intensidade a busca pela transformação de Chapecó em um celeiro do capital moderno,
da civilização aos moldes europeus e do nacionalismo. Deste modo, o mandonismo configurado
na figura do Coronel Bertaso serviu como mote para a disseminação e implementação de tais
ideias. Mas aí nos vem um questionamento, como o grupo representado pela figura do coronel
Bertaso, que em termos práticos não comandou o executivo municipal durante boa parte da
vigência do Estado Novo, se articulou para hegemonizar seu ideário? É aí que o instrumento do
jornal A Voz de Chapecó e o alinhamento do discurso dos “patrícios” representaram um papel
de extrema relevância na consolidação deste projeto político “civilizacional” para Chapecó.
Mesmo fora do comando direto da máquina pública municipal, exercido em grande
medida por burocratas aliados do arquétipo estadonovista, os patrícios de Chapecó buscaram
mecanismos de consolidar sua influência e poder, gerando muitas vezes alinhamentos com o
discurso central, como também embates, como o já demonstrado pela censura ao periódico A
Voz de Chapecó. Quando falamos em alinhamento de discurso podemos denotar um desejo
intrínseco na elite que se estruturou em Chapecó de obter no projeto que se delineava no país
as benesses para a consolidação de seu poder. O trecho que segue, destacado de um telegrama,

92
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. São
Paulo: Alfa-Ômega, 1975. p 23.
85

recebido pela interventoria do Estado de Santa Catarina no ano de 1940, que tem como
remetente o dirigente do periódico A Voz de Chapecó Vicente Cunha, em homenagem ao
primeiro aniversário do golpe do Estado Novo, deixa transparecer muito deste desejo:

(...) E por toda a parte do monte Roraima ao Chuí, do cabo de São Roque ao Acre,
todos os quadrantes da pátria, há uma palavra de ordem, há uma única senha: trabalho
e paz - ordem e progresso. E majestosamente, como natural corolário das sábias leis
sociais que fazem lembrar o espírito da Grécia Antiga, surge a siderurgia, surge o
petróleo, surge o estaleiro naval, surge um novo exército, surge uma nova armada e
há em tudo uma pulsação rítmica e vigorosa do progresso consciente. Em Santa
Catarina, pequena, mas como o Daví das escrituras, Nereu ramos aplica, adapta e
estiliza o sentimento viril do Estado Novo. E Em Chapecó, é nos grato verificar,
senhor interventor, que seguimos a mesma trilha luminosa e grande. (...) Getúlio
Vargas e Nereu Ramos são para nós alguma coisa mais abstrata do que simples
homens. Estes dois retratos são dois símbolos. Representam a cristalização dos
anseios criptopsiquicos da brasilidade: são o resultado do passado e as determinantes
do futuro.93

O trecho destacado do telegrama enviado por um dos membros da elite colonizadora


de Chapecó é emblemático. Na retórica rebuscada de Vicente Cunha, cheia de referências
geográficas e históricas, entoando uma áurea mítica a escrita aplicada, ressalta um discurso
alinhado as prepositivas sociais e econômicas do novo regime, colocando Chapecó no esteio
desse novo processo de modernização do Brasil. Aqui a mistificação da figura do líder nacional
com seu representante no estado, se cola a preposições de ordem econômico-político. A ode ao
novo e a estruturação do país ao progresso capitalista do século XX, respondem ao ensejo de
romper as barreiras econômicas de Chapecó, visto pelo menos até o período pré-colonizador,
como um sertão atrasado. Deste modo, é perceptível uma incessante busca por remodelar este
passado “sombrio” da cidade através de uma oportunidade ímpar deflagrada durante o Estado
Novo. Assim, destacar Vargas e Ramos como muito mais que homens mais símbolos de um
projeto de brasilidade e também como determinantes de um futuro, faz sentido no seio do
projeto dessa elite para congregar Chapecó na fronteira capitalista que se desenha no Brasil
durante o Estado Novo.
Para levar a cabo o projeto de transformação de Chapecó em um polo civilizacional e
progressista em Santa Catarina, era necessário reformular as bases sociais que engendravam a
cidade. Partindo deste pressuposto, para iniciar tal processo de mudanças era proeminente o
conhecimento das estruturas que compunham a sociedade. A grande oportunidade para
conhecer a transformar Chapecó veio com o recenseamento de 1940 organizado pelo Estado

93
Cópia do telegrama recebido pelo interventor Nereu Ramos (1940). Fonte do Arquivo Público do Estado de
Santa Catarina, Pasta da Secretaria de Interior e Justiça.
86

Novo. Chamado pelos jornais da região de “obra de grande vulto do Estado Novo”, o censo
realizado no período teve grande destaque nas mídias locais, inclusive em Chapecó, onde o
periódico A Voz de Chapecó conclamou os patrícios chapecoense a colaborarem com o trabalho
dos recenseadores, igualando a participação no censo a uma grande função patriótica de
colaboração com o Brasil, como destacado na edição de 09 de junho de 1940:

(...) Desde séculos, pretende o Brasil realizar essa obra com a segurança e precisão
que empresa de tal vulto reclama. É chegada a ocasião de o fazer. Afastemos todas as
subalternidades que porventura nos queiram envolver e concorremos para que o Brasil
conheça de fato as suas possibilidades e os seus recursos, através desse balanço de
suas energias, do seu trabalho, de suas riquezas e de seus homens. O dever de ajudar
o bom êxito dessa tarefa pertence a todos, indistintamente – brasileiros e estrangeiros.
Para os brasileiros, porém, ele traz a cor e as tintas de uma grande causa nacional,
corresponde a um ligeiro estagio de caserna. Negas esse concurso, é negarmo-nos a
nós mesmos, amesquinharmo-nos diante do estrangeiro, que espreita nossos menores
gestos, observa até onde chega o nosso espírito cívico, que é a seiva vivificadora dos
povos capazes de conduzirem o seu destino e salvaguardarem no presente as glórias
do passado, em cujo reflexo devem assentar as esperanças do amanhã. Dentro de
poucos dias Chapecó também poderá trabalhar muito para o Brasil, auxiliando com
todo o seu entusiasmo os funcionários do recenseamento.94

No editorial do jornal a atividade do recenseamento é revestida de um caráter


extremamente relevante para a perpetuação do nacionalismo no país. Conclamando os
chapecoenses para colaborarem e prestarem seu serviço a pátria, tenta incluir os moradores em
um dever cívico para com a nação que se deseja engendrar. Corrobora, nesta mesma esteira de
pensamento outros jornais que circulavam pela região oeste do estado neste período, um
exemplo é do jornal A Voz Do Oeste, produzido na cidade de Cruzeiro – fronteiriça a Chapecó,
em sua edição de 1 de setembro de 1940, traz em sua manchete “ Desenvolvimento da Obra de
Grande Vulto do Estado Novo: o recenseamento geral de 1940 no Oeste Catarinense” um
panorama do censo nas cidades do Oeste de Santa Catarina. O que salta logo aos olhos abaixo
do título principal é a frase: “O censo é o retrato do Brasil, quem não aparecer nele não é
brasileiro nem tem o direito de viver em nossa terra”95.
Deste modo, a visão formativa dos dois periódicos insere um caráter ultranacionalista
a atividade do censo, atrelando-o a um processo de formação da nacionalidade e principalmente
da brasilidade e uma região conhecida por seus quistos étnicos. O Jornal A Voz do Oeste ao
tratar especificamente da cidade de Chapecó segue:

Tudo o que se refere ao município de Chapecó causa certa curiosidade no litoral,


motivo pelo qual todos esperam uma contagem exata de suas riquezas, de suas

94
A Voz de Chapecó, editorial, 09 de março de 1940. Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina.
95
A Voz do Oeste, editorial, 01 de setembro de 1940. Arquivo público do Estado de Santa Catarina.
87

possibilidades econômicas de perspectivas largas para os que veem para a nossa pátria
um futuro brilhante. 96

Chapecó, na visão do periódico de Cruzeiro, desperta interesse no litoral, devido as


potencialidades que o município congrega para o futuro do estado. Nesta visão, o levantamento
preciso das riquezas e benesses econômicas já produzidas pode gerar um panorama e uma
perspectiva para o futuro da transformação chapecoense em um polo da fronteira capitalista na
região. Para compreender o que o censo representou e seus dados, desvelo nos gráficos
seguintes os principais indicadores socioeconômicos produzidos pela ação do recenseamento.

Gráfico 01: Declaração de sua cor dos residentes em Chapecó em 1940:

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Recenseamento Geral do Brasil.


Série Regional. Parte XIX. Santa Catarina. Disponível em:
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20-
%20RJ/CD1940/Censo%20Demografico%20e%20Economico%201940_pt_XIX_SC.pdf

96
A Voz do Oeste, editoria, 01 de setembro de 1940, p. 2. Arquivo público do Estado de Santa Catarina.
88

Gráfico 02: Declaração de nacionalidade da população residente em Chapecó em 1940.

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Recenseamento Geral do Brasil.


Série Regional. Parte XIX. Santa Catarina. Disponível em:
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20-
%20RJ/CD1940/Censo%20Demografico%20e%20Economico%201940_pt_XIX_SC.pdf

Gráfico 03: Declaração de religiosidade da população residente em Chapecó em 1940.

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Recenseamento Geral do Brasil.


Série Regional. Parte XIX. Santa Catarina. Disponível em:
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20-
%20RJ/CD1940/Censo%20Demografico%20e%20Economico%201940_pt_XIX_SC.pdf
89

Gráfico 04: População alfabetizada de Chapecó em 1940.

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Recenseamento Geral do Brasil.


Série Regional. Parte XIX. Santa Catarina. Disponível em:
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20-
%20RJ/CD1940/Censo%20Demografico%20e%20Economico%201940_pt_XIX_SC.pdf

Gráfico 05: População de Chapecó segundo seu nível de instrução.

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Recenseamento Geral do Brasil.


Série Regional. Parte XIX. Santa Catarina. Disponível em:
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20-
%20RJ/CD1940/Censo%20Demografico%20e%20Economico%201940_pt_XIX_SC.pdf
90

Gráfico 06: População frequentando a escola em Chapecó no ano de 1940.

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Recenseamento Geral do Brasil.


Série Regional. Parte XIX. Santa Catarina. Disponível em:
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20-
%20RJ/CD1940/Censo%20Demografico%20e%20Economico%201940_pt_XIX_SC.pdf

Gráfico 07: Principais atividades econômicas e seus ocupantes em Chapecó no ano de 1940.

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Recenseamento Geral do Brasil.


Série Regional. Parte XIX. Santa Catarina. Disponível em:
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20-
%20RJ/CD1940/Censo%20Demografico%20e%20Economico%201940_pt_XIX_SC.pdf
91

Os dados elencados pelos gráficos acima, capturados pelo tão aguardado censo de
1940, nos permitem inferir determinadas conjecturas estabelecidas em Chapecó durante o
período aqui estudado. Estes dados foram colhidos diretamente do material disponibilizado no
site do IBGE e apresentam algumas divergências quanto aos números em sua totalidade. A
razão destas divergências não está esclarecida no site do IBGE. Apesar disso, podemos
compreender sob qual perspectiva de sociedade estava assentada o discurso dos patrícios
chapecoenses e também quais os elementos sociais impactados pelo seu discurso.
Logo no gráfico 01, percebemos que dentre os mais de 44 mil habitantes recenseados
em 1940 havia uma predominância de elementos brancos, compondo mais de 90% do extrato
social de Chapecó. Um dado que chama atenção é o referente a população que se declarava da
cor amarela, historicamente associada aos grupos orientais e posteriormente os indígenas
brasileiros, neste caso apenas dois declarantes para Chapecó. O curioso, ou não tanto, é que em
Chapecó havia um numeroso grupo de indígenas da etnia Kaingang, com relatos arqueológicos
que remontam sua presença a séculos na região97. Porém, o que denotamos no censo é uma total
invisibilidade desse grupo populacional, o que nos cabe fazer certos questionamentos sobre essa
situação: teria esse grupo não participado das atividades do censo e ficado fora da contagem
oficial? Ou indagados por sua cor, os elementos indígenas teriam se declarado por outra? Mais
ainda, contados esses indígenas teriam sido recenseados como pretos e/ou pardos? As questões
são múltiplas e nos fazem refletir sobre o processo de tentativa de aculturação vivenciados por
esses povos, que em diversos momentos foram coagidos a assimilares o ethos do colonizador
branco. Junto a isso, temos a questão do papel atribuído ao indígena durante o período do Estado
Novo, que tentou construir, través de uma visão romantizada do indígena, a figura do índio
“sentinela” e protetor nacional, buscando a incorporação do indígena ao Estado Nação
brasileiro, como trata Garfield:

(...) A incorporação na sociedade brasileira evitaria a possibilidade de que "seja nossa


população indígena atraída para os países limítrofes"48. O medo de uma quinta coluna
indígena - de atração para "países limítrofes" -, demonstrou que por todo seu
simbolismo nacionalista, os índios apresentavam um problema complicado também
para as elites. Os índios, como primeiros habitantes do Brasil, desafiavam as
instituições e tradições do Estado-nação. Apresentavam uma alternativa às leis
brasileiras e ao sistema socioeconômico - em suma, a tudo em que a legitimidade do
governo se apoiava49. Ao heroicizar o índio, o Estado Novo buscou camuflar este
conflito que sugeria não ser a lealdade indígena inata nem iminente.98

97
CIMI - TOLDO CHIMBANGUE. História e Luta Kaingang em Santa Catarina. Toldo Chimbangue: CIMI -
Regional Sul, 1984.
98
GARFIELD, Seth. As raízes de uma planta que hoje é o Brasil: os índios e o Estado-nação na era Vargas.
Revista Brasileira de História. vol.20 n.39 São Paulo, 2000. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01882000000100002
92

Nesta lógica de serem “incorporados” e passarem a serem parte de um corpo nacional,


os conflitos entre indígenas e brancos foram camuflados pela história e pela ação estatal durante
o período ditatorial de Vargas. Nesta lógica não interessava um passado e um presente de
intenso embates e genocídios, mas sim a contribuição que o indígena poderia dar a formação
da brasilidade e do Brasil como um grande Estado Nação, sendo trabalhadores agrícolas
ordeiros e afeitos ao progresso material. Assim, o índio foi romantizado como heroico e
protegido até o limite que se enquadrasse no ideário de desenvolvimento do Estado. Para
arrematar, cabe aqui também problematizar como os patrícios muitas vezes se referiam aos
indígenas de Chapecó. Em muitos de seus escritos para o periódico A Voz de Chapecó, o juiz
de direito Selistre de Campos, endossou um discurso protetivo as populações indígenas
criticando a situação de abandono dos mesmos pelo SPI (Serviço de Proteção ao Índio), que
muitas vezes chegou a chamar de serviço de perseguição ao índio. Porém, a retórica do juiz em
defesa dos indígenas de Chapecó se atrelava em uma concepção vigente pelo Estado Novo, de
despersonificar o índio e torná-lo um trabalhador nacional, com vistas a contribuição do
progresso da pátria. Em raros ou praticamente inexistentes momentos Selistre de Campos
defendeu verdadeiramente a manutenção da cultura indígena frente ao avanço da lógica
capitalista civilizacional deflagrada pelo processo branco colonizador na região. Desse modo,
a ausência do indígena no censo diz muito sobre o projeto de incorporação das camadas
consideradas “subalternas” ao arquétipo de transformação de Chapecó na capital do progresso
oestino99.
No gráfico número 02, temos um tema considerado central nas preposições
doutrinárias do Estado Novo, a questão da nacionalidade. No bojo de um projeto, que visava
constituir e inculcar a brasilidade, utilizando para isso uma retórica nacionalista, num expoente
de dirimir os quistos étnicos e remodelar a nação através de um só corpo e uma só pátria, este
quesito figura como de excepcional relevância para se analisar a constituição de Chapecó em
1940. Temos aqui uma predominância de brasileiros natos, vista que a grande maioria dos
colonizadores que migraram para Chapecó eram filhos de europeus instalados no Rio Grande
do Sul e, portanto, já brasileiros de nascimento. Porém, muitos destes se identificavam muito
mais com a cultura e nacionalidade dos seus antepassados do que com aquela preconizada pelos

99
Para saber mais sobre a atuação do Juiz de direito Selistre de Campos e sua história em relação aos grupos
indígenas estabelecidos em Chapecó ler: MANFROI, Ninarosa Mozzato da Silva. A história dos kaingáng da
terra indígena xapecó(sc) nos artigos de antonio selistre de campos: Jornal A Voz de Chapecó 1939/1952.
2008, Dissertação (Mestrado). Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas.
Florianópolis, 2008.
93

ideólogos do Estado Novo como estritamente brasileira. Desta forma, apesar do nascimento em
solo brasileiro essa população passou por uma intensa campanha de nacionalização, com o
afinco de criar as bases da brasilidade na região, como trata Neumann:

A Campanha de Nacionalização tinha por princípio a incorporação dos considerados


“estrangeiros” ou “desnacionalizados” ao meio nacional. Em sua essência, a fronteira
entre o “ser nacional” e o “ser estrangeiro” era determinada pelo conhecimento e pelo
domínio da língua portuguesa. A nacionalidade gera no conjunto dos seus membros
um sentimento de inclusão o qual distingue o “nós” dos “outros”, os de dentro dos de
fora, os nacionais dos estrangeiros. Internamente, o “outro” surgia na figura do
imigrante e por extensão, de seus descendentes.100

Os considerados estrangeiros, sofreram por diversas vezes através da coerção de seus


costumes e suas línguas, as mais diversas formas de tentativa de dominação cultural por parte
do regime do Estado Novo, que visou a inserção forçada desse grupo a brasilidade, frente a
banir o perigo estrangeiro. Era esse perigo sempre destacado na região oeste, aqui vale lembrar
a conhecida Viagem de 1929, ou bandeira Konder, deflagrada pelo então presidente da
província catarinense da época Adolfo Konder. Nesta “epopeia”, a qual foi considerada a
viagem de Konder pelo sertão do Oeste, o mandatário além de nomear estradas, escolas, rios e
outros, constatou e reforçou a necessidade de nacionalizar a região, pois via como perigo um
grande número de paraguaios e argentinos fixados em terras brasileiras participando do ciclo
econômico extrativista então vigente. Soma-se a isso, o grande número de brasileiros que
utilizavam escolas, cartórios e moeda estrangeira (Argentina). Desta forma, propalava Konder
a necessidade urgente de “ligar” o Oeste Catarinense ao restante do Brasil e ao ceio da
brasilidade.101
Essa ligação e, portanto, a expansão da fronteira do capital para o oeste de Santa
Catarina, também possuía forte ligação com a formação da religiosidade e intrinsecamente com
o papel da Igreja Católica neste projeto. Destarte, percebemos pelos dados apresentados no
gráfico número 03, como majoritariamente a população de Chapecó na década de 1940 se
compunha de membros pertencentes a Igreja Católica Romana. Sendo assim, denota-se que a
figura da Igreja era peça central para a consolidação do projeto de consolidação do capital e do
progresso em Chapecó. Segunda Azzi:

O Estado Novo fora implantado sob o signo da ordem, e seus chefes proclamaram
desde o início a necessidade da união de pensamento e de ação pela grandeza
da pátria. Não era, portanto, ingenuamente que os líderes católicos daquela
época enalteciam o valor histórico do catolicismo como fundamento da unidade

100
NEUMANN, Rosane Márcia. A Campanha de Nacionalização: A Repressão Legitimada em Prol da
Brasilidade. p.01. www.scielo.com. Acessado em 23.07.2019. p 35.
101
CEOM (Org.). A viagem de 1929: Oeste de Santa Catarina. Chapecó: Argos, 2005
94

nacional; era uma maneira de mostrar ao governo que não poderia prescindir da
colaboração da Igreja Católica para a manutenção do regime autoritário.102

O catolicismo serviria, deste modo, como o “cimento’ da união nacional e um dos


elementos nevrálgicos na constituição da brasilidade. Sendo assim, a religião junto com os
párocos católicos foram figuras ativas na manutenção da ordem social rumo ao progresso de
Chapecó. Tanto na exaltação da figura de Vargas, quanto na execração do comunismo, como
grande inimigo da fé e incompatível com “um homem de boa índole”. Deste modo, a Igreja
serviu de mote para consolidar o poder local chapecoense, basta lembra que o pároco em uma
comunidade ainda incipiente e “fechada” em seus valores tradicionais era considerada uma alta
autoridade e a Igreja um local de sociabilidade e congregação dos valores tradicionais da
família.
O grande poder emanado pela figura da Igreja foi expressado em 1950, logo após ao
fim do Estado Novo, durante o episódio do Linchamento ocorrido em Chapecó, quando quatro
indivíduos foram linchados na cadeia pública acusados de serem os responsáveis pela queima
da então igreja matriz da cidade. O fato, marcado também intensamente por querela políticas
entre os envolvidos, demonstrou além do coronelismo e do mandonismo local, uma conjuntura
religiosa de defesa dos valores católicos da cidade frente a forasteiros que os afrontavam. 103
Outro aspecto de extrema relevância para o arquétipo deflagrado durante o Estado
Novo é a educação. Percebemos, analisando o gráfico número 04, a defasagem educacional
vivenciada em Chapecó durante o período de 1940, onde a grande maioria dos habitantes não
dominava a leitura e a escrita. Destarte, dos chapecoenses que possuíam alguma instrução, a
maioria esmagadora detinha apenas o grau primário, demonstrado pelo gráfico número 05.
Entretanto o dado que mais chama atenção e que dialoga em paralelo com as reivindicações dos
patrícios chapecoenses é apresentado pelo gráfico número 06. Nele percebemos que dos 29588
habitantes que poderiam estar recebendo algum grau de instrução apenas 2954 estavam
frequentando algum tipo de estabelecimento de ensino. Isto retrata muito da precariedade
vivenciada nas primeiras décadas da cidade no que concerne a oferta da educação pública, o
que ia de encontro ao propalado pelos ideais nacionalistas do regime de Vargas, que via na
educação umas das vias, de suma importância, para a inculcação da brasilidade e a constituição
do sentimento nacionalista brasileiro. Umas das intencionalidades da prática pedagógica
durante o Estado Novo era, segundo Schwartzman:

102
AZZI, Riolando. A vida religiosa no Brasil. Enfoques históricos. Estudos e debates latino-americanos 5.
São Paulo: Paulinas 1983.p. 58.
103
HASS, Mônica. O Linchamento que Muitos querem Esquecer: Chapecó 1950-1956. Chapecó: Argos, 2013.
95

[...] homogeneizar a população, dando a cada nova geração o instrumento do idioma,


os rudimentos da geografia e da história pátria, os elementos da arte popular e do
folclore, as bases da formação cívica e moral, a feição dos sentimentos e ideias
coletivos, em que afinal o senso de unidade e de comunhão nacional repousam. 104

Neste sentido, a defasagem de estabelecimentos de ensino implicava diretamente na


ideia de conjugação do projeto nacionalista e também da transformação de Chapecó em um
polo do progresso e na nova fronteira do capital, já que na falta de escolas e professores
brasileiros, muitos colonos educavam seus filhos em língua estrangeira, principalmente o
alemão e o italiano, representando um entrave a nacionalização da fronteira e na hegemonização
da brasilidade. Segundo Modesti:

Assim, com a intenção de assimilar culturalmente essas populações, escolas


consideradas estrangeiras eram fechadas, sobretudo no período do Estado Novo
(1937-1945). Era preciso fazer com que as pessoas se identificassem com o Brasil
como pátria e se unissem em torno de sentimentos nacionalistas a fim de garantir a
constituição de Estado/Nação forte e consolidado. Para o êxito da política
nacionalista, era preciso suprir a defasagem de escolas, pois a falta delas propiciava o
surgimento de escolas estrangeiras. Além disso, com o fechamento de muitas destas,
estabelecimentos oficiais de ensino deveriam ser criados.105

O que representasse um risco ao arquétipo estadonovista para a região, diretamente


representava um entrave para a consolidação dos projetos da elite chapecoense em desenvolver
Chapecó. Desta forma, os patrícios chapecoenses lançaram mão de vários editoriais do A Voz
de Chapecó para fazerem clamar suas reinvindicações quanto ao ensino público na cidade.
Como o de 04 de junho de 1939:

Os assuntos de instrução, pelo menos ao relativo ao ensino aos analfabetos, são


daqueles que quanto mais se escreve mais há que explanar. Nesse como em tantos
outros ramos da administração, o nosso município sempre foi encarado com
desinteresse por parte dos governos. Não há em nossas palavras espírito de oposição
sistemática ou de crítica apaixonada e tendenciosa. Nossa ação é construtiva e bem
intencionada, desejamos ser uteis a Chapecó e por isso as nossas expressões podem
ter certa aparência de rudeza, mas a sua finalidade é atrair a atenção dos responsáveis
para que façam por Chapecó aquilo que tem sido feito em prol do progresso da
instrução em outras zonas do Estado. É de justiça reconhecer que o inspetor escolar
Dr. Antonio Lucio tem feito o que está ao seu alcance para melhorar a situação
lamentável das escolas chapecoanas. Mas, parece que a sua ação é limitada e por isso
há muitas providências, de imperiosa necessidade que ainda estão esperando
oportunidade ou outro motivo, para serem tomadas, e as crianças continuam a ser
prejudicadas. Os fatos falam mais alto do que as nossas toscas palavras. Estamos
quase ao fim do primeiro semestre do corrente ano e as escolas públicas ainda não
entraram em seu funcionamento regular. O prédio, que se conseguiu obter, para
funcionamento das escolas reunidas desta cidade, é inadequadíssimo. É de madeira,

104
SCHWARTZMAN, Simon; BOMENY, Helena Maria Bousquet; COSTA, Vanda Maria Ribeiro. Tempos de
Capanema. São Paulo: Paz e Terra; Fundação Getúlio Vargas, 2000. p. 88.
105
MODESTI, Tatiana. A escola pública primária em Chapecó (1930-1945). 2011. 147 f. Dissertação (Mestrado
em Educação) – Centro de Ciências da Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2011.
p.45.
96

não pintado internamente e não tem vidraças. Precisa dizer mais? Apenas um
professor e uma professora têm que lecionar para cento e quarenta crianças, em
diversos graus de adiantamento, a começar pelos analfabetos. (...) Espero que bastem
estas notas para chamar a atenção das autoridades do Estado para a gravíssima
situação e afim de melhorar a situação do ensino em Chapecó.106

O jornal descreve uma situação calamitosa para a educação em Chapecó, cenário esse
que não interessa nem ao projeto de nacionalização e marcha, nem aos anseios da elite
chapecoense em transformar a cidade em um polo do progresso regional. A ideia da educação
como sustentáculo de um futuro promissor e de inculcação de valores considerados bases para
o desenvolvimento civilizacional de Chapecó está presente em vários editoriais do A Voz de
Chapecó. Em 14 de maio de 1939 o periódico estampa em sua primeira página o editorial
intitulado nossas necessidades, tratando mais uma vez do tema da educação e traçando um
paralelo explicito com o projeto de nacionalização e desvendando seus anseios para a
transformação da população aqui residente em “verdadeiros” brasileiros, colaboradores da
pátria e imbuídos dos valores e sentimentos nacionais:

A voz de Chapecó, seguindo a sua orientação visada, como fez ver pelo seu artigo de
apresentação, não pode e não deve fazer ouvidos moucos aos pedidos da população
chapecoense, mormente sejam eles justos, de aspirações nobres, merecedores de
serem escutados por todos aqueles que tem na mão uma nau governamental. (..) O
município de Chapecó contando como conta com uma população já não pequena, com
diversas vilas em franco desenvolvimento, como sejam as de Itapiranga, Mondai, São
Carlos, Xaxim e Xanxerê, vão se tornando dignas e merecedoras de possuírem
suas casas escolares para a necessária alfabetização de nossos patriciosinhos,
homens de amanhã. O Estado de Santa Catarina, não tem se descurado, é certo, da
instrução pública, como se pode constatar pelas estatísticas, pois grande tem sido o
interesse tomado pelo governo, por isso mesmo dado esse interesse, não lhe custaria
dispender algumas dezenas de contos de réis, fazendo construir nas vilas ainda
desprovidas de grupos escolares, pequenas casas, embora em estilo simples, que se
tornassem receptoras da infância analfabeta e transmissoras da instrução. As vilas a
que nos referimos acima, em Chapecó, são daquelas onde impera em sua maior parte
a população de origens teuta e ítala onde a falta de casas escolares para o ensino da
língua vernácula, vem facilitando a continuidade da língua dos seus ascendentes, com
graves danos para a própria infância, ao município, Estado e maximé a nossa pátria.
O nosso governo, seguindo a norma do poder central, tem feito algo em prol da
nacionalização no Estado, assim sendo, cremos que o nosso pedido que é o pedido de
uma população, será bem visto, bem recebido e consequentemente atendido naquilo
que vem de pleitear, pequenas casas escolares e logicamente, bons professores.107

A formação dos “novos patrícios”, os homens de amanhã que irão comandar a cidade,
adquire nesse excerto figura central. Nele percebemos a preocupação da elite chapecoense em
formar uma nova geração imbuída dos valores éticos que conduzam Chapecó ao seu futuro e

106
A Voz de Chapecó, editorial, 04 de junho de 1939. Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina.
107
A Voz de Chapecó, editorial: Nossos Desejos, 14 de maio de 1939. Centro de Memória do Oeste de Santa
Catarina.
97

mantenham em marcha o processo de transformação. Assim a educação, se converte em uma


proposta de dominação e perpetuação ideológica. O que é perene ao longo do processo de
colonização de Chapecó. Dominação, pois busca conjugar, corpos, almas e mentes em um
projeto de “substituição cultural”, ao qual coagidos a abandonar sua cultura patentemente
europeizada, os colonos que em Chapecó aportaram, sem viam em voltas a um processo de
cerceamento de sua livre expressão étnico/cultural, obrigados a congregar sentimentos,
costumes e valores considerados nacionais. A perpetuação ideológica, no sentido de solidificar
os costumes de trabalho, moral e progresso econômico tão caro aos patrícios e segundo os quais
iriam romper o passado de sertão de Chapecó e coloca-la no rol das potências do país.
O progresso econômico, ao meu ver, é o grande mote do discurso dos patrícios no que
diz respeito ao futuro de Chapecó. Como já arrolado anteriormente, Chapecó precisava se livrar
do seu passado de subsistência, simbolizado pela população cabocla, e ser inserida no novo
contexto de expansão do capital, capitaneado pela indústria e comércio. Porém, o contexto
demonstrado pelo censo de 1940, mostrava uma Chapecó ainda amplamente rural e extrativista,
olhando para os dados apresentados pelo gráfico número 07, percebemos que a grande atividade
em terras chapecoenses eram as ligadas a agricultura, pecuária e extrativismo, exercida em sua
imensa maioria por homens. Enquanto por outro lado, as mulheres se ocupavam das atividades
domésticas e poucas se destacavam em outros setores, exceções que parecem confirmar a regra.
Em outras palavras, uma sociedade fortemente tradicional, patriarcal, agrícola e fortemente
vinculada a terra.
A despeito do cenário apresentado pelo censo, as pretensões dos patrícios
chapecoenses era mudar este cenário em Chapecó. Não ao que diz respeito ao papel da mulher
e a consolidação dos costumes tradicionais, mas sim das estruturas que fundavam a economia
chapecoense. Para essa mudança, era necessário um incremento urgente na infraestrutura local
que fizessem Chapecó abrir as veias para que fluíssem a civilização rumo a cidade. Essas veias
seriam as estradas, pontes, prédios e tudo mais que pudesse urbanizar e civilizar a cidade. Neste
sentido, o discurso dos patrícios se voltará a todo esse complexo que pudesse fazer fluir o capital
para Chapecó. Em 09 de julho de 1939, o jornal A Voz de Chapecó traz em sua primeira página
a seguinte notícia:

Em último número falamos sobre a vantagem que, para o comércio de Chapecó,


oferece uma estrada ligando esta cidade à Porto União. Continuaremos hoje batendo
na mesma tecla, pois assunto de tamanha importância para o nosso comércio deve ser
sempre lembrado, até que os poderes competentes se convençam de que o problema
que abordamos não é apenas local, mas que diz respeito também, ao interesse estadual
e mesmo interestadual. Tivemos conhecimento por intermédio de moradores, que os
poucos quilômetros que faltam para que a ligação seja realizada, estão em regiões
98

onde o terreno é bastante favorável para ser lançada a estrada e onde a terraplanagem
será diminuta. As pontes em número de duas, nos arroios dos buracos e formigas,
terão o vão de 5 metros cada uma. Tendo em vista a existência de madeiras em
quantidade próximas ao local, estas obras também serão de fácil execução. O plano
rodoviário do Estado, organizado sob a orientação clara do engenheiro Haroldo
Pederneiras, previu uma estrada ligando Clevelândia a Xanxerê, o que vem
demonstrar que o que temos dito já foi idealizado pela diretoria de estradas de
rodagem do estado. Esperamos que o plano rodoviário seja tornado realidade onde diz
respeito a nossa estrada. 108

A questão das estradas foi tema recorrente de vários editoriais do A Voz de Chapecó,
incluindo o tema das escolas, sendo vários editoriais intitulados Estradas e Escolas, com
reinvindicações diretas ao desenvolvimento do ensino e também a melhoria e abertura das vias
rodoviárias da cidade. Abrir estradas e conservá-las, ia ao encontro de um projeto de
modificação econômica e urbanização implementada pela elite chapecoense, por isso a
cobrança de autoridades e a orientação a população local eram constantes. As orientações
visavam a melhor estruturação do âmbito urbano da cidade, com o intuito de expandi-lo, vista
que o projeto da elite era para um grande desenvolvimento chapecoense. Desta forma, as
orientações para as novas edificações ganhavam espaço de destaque no periódico, desde o
tamanho dos quartos à melhor posição dos cômodos.

Figura 13: Abertura de Estrada em Chapecó, 1940.

Fonte: Centro de memória do Oeste de Santa Catarina.

108
Jornal A Voz do Chapecó, editorial, 09 de julho de 1939. Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina.
99

Todos esses aspectos fazem parte de um projeto maior de desenvolvimento e ligação


dos sertões do Brasil a nação, mote central do projeto de Marcha para Oeste, em pleno o vapor
durante o Estado Novo. Assim, a ocupação e conexão das regiões consideradas de fronteira era
essencial para o corpo nacional e o progresso brasileiro. Nesta fase, o capitalismo brasileiro
passa por um período de transição, como trata Velho:

(...) De 1930 ao final dos anos 50 assistiu-se a uma fase de “transição” para uma
economia capitalista. O Estado tinha então funções que eram basicamente as mesmas
que as da fase clássica de acumulação primitiva: a destruição do modo de acumulação
a que a economia se inclina “naturalmente”, fazendo-a funcionar de forma não-
automática através de controles administrativos, criando assim a base para a
reprodução da acumulação capitalista. 109

Em Chapecó esta fase de transição também se faz presente. O modo de produção de


subsistência que caracterizava as comunidades, principalmente compostas por indígenas e
caboclos na região, era visado com um dos entraves para o progresso de Chapecó. A nova frente
que se denominava pioneira, composta pelos descendentes europeus, deveria, deste modo, levar
as “benesses” do capital a região, se sobrepondo a uma área já ocupada geograficamente,
independentemente do grau da densidade demográfica. Para compreender melhor, sob o aspecto
que se fundamentava a retórica da frente pioneira, trago a colaboração de Martins:

Atrás da linha da fronteira econômica está à frente pioneira, dominada não só pelos
agentes da civilização, mas, nela, pelos agentes da modernização, sobretudo
econômica, agentes da economia capitalista (mais do que simplesmente agentes da
economia de mercado), da mentalidade inovadora, urbana e empreendedora.110

Era assim que os patrícios de Chapecó se apresentavam, como a frente pioneira e os


agentes da modernização e do progresso e em Chapecó. A figura de desbravadores, relegava a
população aqui assentada a figura de meros espectadores e muitas vezes perniciosos a expansão
da fronteira do capital levada a cabo pelos patrícios. A inculcação de uma zona econômica que
representasse a dinâmica esperada para Chapecó, era uma das grandes necessidades desta elite
chapecoense. O incremento do comércio, com a intensificação da circulação de mercadorias e
pessoas se tornou um ponto almejado neste processo. Em 02 de julho de 1939, o jornal A Voz
de Chapecó explana em sua primeira página com o título de “Nossas Necessidades” o seguinte
excerto:

109
VELHO, Otávio Guilherme. Capitalismo Autoritário e Campesinato. Rio de Janeiro: Difel, 1979. p. 124.
110
MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira: retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente
de expansão e da frente pioneira. In: Fronteira: a degradação do Outro nos confins do humano. São Paulo:
Hucitec: FFLCH/USP, 1997. p. 145-203. p. 138.
100

Se observarmos o mapa de Santa Catarina, e o do município de Chapecó e aí


estudarmos o seu sistema rodoviário, veremos que as suas estradas procuram a via
férrea na direção de José Bonifácio (RS), estação Herval, estação Volta Grande, estas
apenas em projeto, e estação de Porto União. De Chapecó a José Bonifácio a distância
a percorrer é de 120 kms; a estação de Herval é de 180 Kms; a de Volta Grande seriam
140 Kms; a de Porto União aproximadamente 280 Kms. A regra mais preliminar de
economia comercial, é procurar vender os produtos onde o preço é mais vantajoso e
para onde o transporte é mais barato. É sabido que os grandes centros consumidores
do país são São Paulo e Rio de Janeiro e, forçosamente, os produtos dos Estados
sulinos procuram esses dois centros. Retornando ao caso particular de Chapecó,
cumpre-nos estudar qual a melhor e mais econômica via de comunicação que nos
levará aqueles centros. Herval é, nos nossos dias, a estação mais próxima e que mais
vantagens oferece para a ligação com os Estados do Norte. Em melhores condições
estaria a estação de Volta Grande, porém, infelizmente, os poderes estaduais tem se
esquecido desta ligação apesar das promessas feitas para realizá-la.111

Os patrícios, buscavam através dos seus editoriais, opinar sobre a melhor forma de
ligação de Chapecó com os maiores centros consumidores do país. Reverbera aqui, um discurso
latente de otimização das vias que ligariam a cidade aos seus polos de venda, para uma maior
exacerbação de recurso auferidos no ganho comercial. No que tange a construção e conservação
de vias, esse discurso de acesso aos centros consumidores e civilizacionais do Brasil, encontra
ressonância na comunicação entre as autoridades do Estado Novo. Em telegrama de 22 de julho
de 1940, o então prefeito de Chapecó, Tenente João Mendes, escreve para o interventor Nereu
Ramos:

Atendendo a prementes necessidades do município, dirijo esta a v. exa. Para pedir-lhe


determinar uma pequena conservação no trecho de estrada compreendido entre São
Carlos e Passarinhos. São apenas 40 quilômetros e é por onde se escoam os produtos
dos referidos distritos. São Carlos tem mais de 20.000 arrobas de fuma para exportar
e Palmitos (no distrito de Passarinhos) cerca de 10.000, cujos produtos estão correndo
o risco de se estragarem por falta de estrada. Caso v. exa. Queira entregar ao município
aquele trecho, nos comprometeremos a conservá-lo em boas condições desde que o
Estado nos dê 1:500$000 por mês, ou sejam 7:500$000, até o fim de ano. Faço-lhe
esta proposta porque naquela estrada não tem havido fiscalização do engenheiro
residente de Cruzeiro. Aguardando suas ordens, subscrevo-me com toda estima. 112

Fica latente nas comunicações oficiais trocadas pelos mandatários do Estado Novo,
quem a premência da conservação das vias de ligação do município ia diretamente ao encontro
do projeto de transformação econômica regional, já que era necessário conduzir uma
remodelação do processo produtivo, para que tal atendesse as demandas externas do município
e também diversificasse a matriz econômica. Neste contexto, durante o período de fins da
década de 1930 e início de 1940, Chapecó passa por uma mudança no cenário econômico, já

111
Jornal A Voz de Chapecó, primeira página, Nossas Necessidades. 02 de julho de 1939. Centro de memória do
Oeste de Santa Catarina.
112
Telegrama enviado pelo prefeito de Chapecó, tenente João Mendes, destino a interventoria do Estado. 22 de
julho de 1940. Arquivo público do Estado de Santa Catarina. Pasta Secretaria de Comunicação. Vol.22.
101

fruto deste desejo incessante de remodelação e de tornar Chapecó o celeiro do progresso do


oeste do estado, como colabora Pertile:

É evidente que a origem da indústria no Oeste de Santa Catarina esteve vinculada ao


segmento extrativo, tendo a erva-mate e a madeira como fontes principais. Dessa
mesma fonte, também bebeu o comércio da região, acrescido pelo fator terras. No
entanto, a partir da década de 1940, passou a emergir a indústria e o comércio voltados
para o setor de alimentos. Este setor foi estimulado pela crescente presença dos
migrantes nas novas áreas colonizadas.113

O intuito dos patrícios era que essa remodelação e extensão da fronteira do capital se
tronasse um movimento contínuo, que alterasse drasticamente a dinâmica de exploração
econômica de Chapecó e implementasse uma nova cultura de acumulação. No campo da
economia, essencial para a civilização do sertão oestino, era necessário congregar a
implementação de uma infraestrutura concernente com os preceitos civilizatórios, junto com
uma mentalidade de acumulação, da qual os elementos migrantes serviam de propagadores.
Neste emaranhado de proposições, das quais os patrícios eram arautos em seu jornal,
submergia um projeto de modernização que espelhava as ideias de um capitalismo de Estado,
ancorado em um arquétipo autoritário de transformação de sociedade. Segundo Lazarotto e
Arend:

Ancorados no projeto de modernizar o Estado brasileiro com base na política ditatorial


estabelecida em 1937, e movidos pelo desejo de transformar um território visto como
uma espécie de “faroeste” do cinema norte-americano em uma cidade moderna, a elite
do município de Chapecó, composta por madeireiros e comerciantes, fez-se ouvir por
meio da imprensa, na década de 1940.114

Utilizando as páginas do periódico A Voz de Chapecó, a elite da cidade, buscou alinhar


seu discurso ao projeto vigente durante o Estado Novo e também perpetuar sua dominação
política-ideológica. Apesar de algumas críticas incisivas do jornal, serem encaradas como
oposição ao regime ditatorial, o que levou a episódios de censura já relatados a priori, ao
analisarmos a estrutura e o caráter do discurso deflagrado pelos controladores do jornal,
percebemos a presença de elementos retóricos de alimentação dos preceitos de nacionalismo,
progresso, modernização e civilização, caros a ideologia estadonovista do período.

113
PERTILE, Noeli. Formação do espaço agroindustrial em Santa Catarina: o processo de produção de
carnes no oeste catarinense. Tese (Doutorado). Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade
Federal de Santa Catarina – UFSC. Florianópolis-SC, 17 set. 2008. p.83.
114
LAZAROTTO, A. F.; AREND, S. M. F. Imprensa no Oeste de Santa Catarina: um Discurso em Prol da
Instrução Pública para as Crianças Durante o Estado Novo. Revista Pedagógica, Chapecó, v. 20, n. 45, p.
248-266, set./dez. p. 253.
102

Neste sentido, desde a análise da realidade social e econômica da cidade, refletida pelo
censo de 1940, no qual transpareceu os diversos obstáculos a transformação de Chapecó,
passando pelos editoriais do A Voz de Chapecó, até as correspondências trocadas pelas
autoridade regionais imbuídas pelo Estado Novo, vemos emergir um elo sócio-político que
convergirá não só para um discurso em paridade sobre as demandas urgentes ao progresso da
cidade, mas, também, ações que buscaram remodelar essa área considerada estratégica ao
preceitos da brasilidade. Deste modo, a presença e atuação de um Estado, apropriado de um
modelo de sociedade é nevrálgico para entender as transformações em Chapecó.

3.2 Um modelo de sociedade: o nacionalismo e o autoritarismo unidos para instalação do


progresso.

No subcapítulo anterior podemos compreender melhor sob qual discurso se pautava a


retórica dos patrícios chapecoenses na busca pela legitimação de um ideário de progresso,
modernidade e principalmente transformação de Chapecó de uma simples vila em um polo
regional, onde a fronteira do capital tivesse se instaurado. Partindo deste pressuposto, a ideia é
que neste item deste trabalho possamos problematizar a construção deste modelo social,
embasado em uma concepção positivista da história, no qual o fim último da glória societária
se engendra na acumulação de capital e redenção popular sob um modelo moral pré-
estabelecido. Para atingir tal objetivo, os agentes controladores da “máquina” estatal em
consonância com os preceitos da elite aqui estabelecida, direcionaram suas ações para o fim
último de edificar uma Chapecó brasileira, desenvolvida e cristã.
Proponho nesta altura do trabalho, discutir e elucidar a participação ou influência
direta de ações estatais para modelar a sociedade chapecoense. Destarte, os meios utilizados
para garantir a ordem e a nacionalização, em uma região considerada ainda um quisto étnico,
incrustrado no projeto nacionalista de Vargas. Soma-se a isso, pautar o alinhamento de discurso
e ação que imbricaram as relações entre os patrícios chapecoenses e as autoridades do Estado
Novo.
Aqui é importante entendermos a formação do nacionalismo brasileiro, que mesmo em
meados do século XX ainda estava em face de solidificação, vista os enormes esforços
encetados por Vargas e seu regime, para deflagrar a brasilidade e concretizar o sentimento de
nação única e pertencimento a um corpo coeso. Sendo assim, a noção de nação e nacionalismo,
o sentimento de pertencimento a tal, se imbricam neste trabalho com o intuito de jogar luz sobre
o arquétipo nacional e local de manutenção de determinada ordem social. Utilizo aqui o
103

conceito de nação criado por Anderson, intitulado de “Comunidades Imaginadas”, no qual o


cientista político disserta sobre a formação dos Estados-nação utilizando das práticas culturais
de inculcação de um sentimento de pertencimento. Segundo Anderson:

São imaginadas porque mesmo os membros das menores nações nunca irão conhecer
a maioria dos seus companheiros, encontrá-los, ou mesmo ouvi-los, ainda que nas
mentes de cada um exista a imagem da comunhão deles. (...) De fato, todas as
comunidades maiores que as vilas de contato cara-a-cara (talvez mesmo nestas) são
imaginadas. Comunidades devem ser distinguidas, não por sua falsidade/
autenticidade, mas pela forma como foram imaginadas.115

Para a formação da nação, utilizando do preceito de Anderson, seria imprescindível


então a disseminação de traços culturais, tradições, que rememorariam um passado simbólico,
atrelados a formação do Estado, para que então a nação e o sentimento deflagrado por e para
ela, nacionalismo, pudessem se fazer presentes. Segundo Neto:

Do ponto de vista de Anderson, as “comunidades imaginadas” são pensadas por meio


de práticas culturais e administrativas dos estados modernos a fim de estimular os
sujeitos a definir suas obrigações enquanto membros de um grupo que, supostamente,
é especial e homogêneo pela própria natureza. Tais práticas estimulavam os homens
a buscarem suas identidades e a definirem suas obrigações com o Estado. Como nota
Anderson, o estado moderno, em seu processo de formação, atuou como promotor da
alfabetização e de uma gramática vernácula comum, que possibilitaram que os
homens reconhecessem nos jornais imagens comuns e narrativas coletivas. Nessas
imagens e narrativas, diversos eventos e relatos formam uma espécie de romance real
e se entrecruzam com a vida do leitor. Dessa forma, o leitor se vê como parte de uma
“comunidade imaginada”, com um espaço circunscrito e sujeitos nunca vistos, onde
se desenrolam os enredos e as narrativas que guiam parte de suas vidas. Em suma, a
era das nações emergiu na modernidade por meio de práticas culturais e
administrativas dos estados modernos, como a definição de fronteiras, a promoção da
alfabetização e de uma gramática vernácula comum.116

A ideia de “inventar” uma nação, me parece, ao nos referirmos ao período do Estado


Novo aqui estudado, uma hipótese válida para explicar aspectos pensados pela intelligentsia
varguista durante o período do projeto de Marcha Para Oeste, em especial Cassiano Ricardo,
que reincorporava a figura mítica do bandeirante, como um símbolo para aflorar a brasilidade
no sertão brasileiro. Neste cenário, as políticas e o discurso oficial adotados durante a maior
parte do Estado Novo vão ao encontro de recuperar uma narrativa histórica do passado que
possa unificar o sentimento nacional. Assim como analisou Neto sobre a hipótese de Anderson,
no Brasil de Vargas houve o entrelaçamento de estruturas culturais, míticas e tradições

115
ANDERSON, Benedict R. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do
nacionalismo. São Paulo: Companhia das letras, 2008. p. 12.
116
NETO, Roberto Moll. A nação como “comunidade imaginada” nas relações internacionais: o caso das
narrativas sobre o papel dos Estados Unidos diante da revolução na Nicarágua e da guerra civil em El
Salvador nos anos 1980. revista tempo do mundo. v. 3. n. 1, jan. 2017. p. 286.
104

(narrativas) com decisões administrativas, de implementar uma língua única em todo o território
nacional e fortalecer fronteiras, na intenção de afastar o perigo estrangeiro.
Em Chapecó, estas medidas tanto no campo narrativo quanto no administrativo se
fizeram presentes. Ao abordar o projeto de nacionalização, a elite chapecoense, através de seu
periódico, buscou engendrar apoio através dos preceitos de eliminação dos quistos étnicos e
formação da brasilidade, como uma forma de garantir através de tais imposições o progresso
da cidade. Em 23 de julho de 1939, dois textos publicados na primeira página do A Voz de
Chapecó chamam a atenção para a apropriação feita pelos controladores do jornal do discurso
nacionalista do regime Vargas, o primeiro intitulado Nacionalização:

De certo tempo a esta parte vem se falando, com grande insistência em nacionalização,
afim de extinguir os quistos raciais ou impedir o seu desenvolvimento. Refere-se essa
expressão aos meios coloniais, que vão levando vida completamente estranha a
história, tradições e finalidade brasileira. Apregoa-se que o Estado Novo, regime
implementado no país pela constituição de dez de novembro, atendeu a esse problema
e lhe vem dando solução consertânea com a sua magnitude e para conjurar o perigo
que apresenta a vida nacional. Nossa opinião imparcial e despida de paixões é que até
a presente data muito pouco se tem feito para sanar o grande mal. Digamos mais
claramente, neste município, tudo está por se fazer. Os núcleos contaminados por
influência estrangeira, estrangeiros continuam em todo seu existir. Uma população
aproximada a dez mil almas, que quer se identificar com a nossa vida nacional, mas,
não tem os meios que, de direito lhe cabem e era nosso dever lhe fornecer, isto é, boas
escolas e professores competentes.117

Denotamos, que mais uma vez os editores do jornal chamam a atenção para a
preeminente necessidade de restruturação dos núcleos coloniais que compunham Chapecó,
frente a combater o estrangeirismo que, segundo a perspectiva do periódico, galvaniza a
estruturação social no seio da comunidade, sendo para enfrentá-lo necessário a presença efetiva
do Estado. Porém, é vista pela elite da cidade, uma extrema morosidade estatal em acompanhar
os anseios pelo progresso, do que eles consideram, a nova estrela da constelação dos municípios
brasileiros. Outro texto que chama a atenção publicado nesta mesma capa do dia 23 de julho é
uma reprodução do discurso do interventor federal Nereu Ramos, proferido em Blumenau:

Desconhecer a língua da pátria é pecar gravemente contra ela. E faltar a um dos


grandes mandamentos. Desestimá-la, atentar contra a sua unidade. Os verdadeiros, os
de coração e atitudes de alma e pensamento; os que não respeitam tradições outras
que as do nosso próprio passado: os que não rendemos culto se não ao pavilhão do
Brasil: os que temos por pátria única, inigualável e insubstituível, a terra prodigiosa
de Santa Cruz, e não a de antepassados próximos ou remotos, aplaudimos com calor
e entusiasmo a obras nacionalizadora do Estado Novo que congraçou nos mesmo
anseios e nas mesmas preocupações militares e civis. A escola e a caserna são os

117
Jornal A Voz de Chapecó, primeira página, Nacionalização. 23 de julho de 1939. Centro de memória do Oeste
de Santa Catarina.
105

alicerces sobre que imponente e majestosa, há de erguer-se essa obra decisiva para os
nossos destinos. 118

O discurso de Nereu Ramos, veiculado pelo jornal em Chapecó, expele diversos


elementos circundantes do arquétipo social visado pelos controladores do Estado Novo e
também pelos patrícios chapecoenses. Nele, percebe-se além dos traços de uma exacerbação
nacionalista, através da renúncia aos antepassados estrangeiros e a concórdia com a brasilidade,
a forte presença de um autoritarismo estatal congregado na presença de um modelo formal de
“formação social”, aqui balizado pela institucionalização de um ensino altamente voltado para
os preceitos da nacionalização unido a tal a presença militar, a caserna, citada no discurso, como
um dos sustentáculos da pátria que se buscava erigir. Deste modo, pressupõe-se que não
somente pelo aparelhamento ideológico estatal das instituições de ensino, que buscariam
inculcar e florescer o sentimento de pertença a nação, se formaria a idílica nação, mas também,
com o controle e a tutela militar, inspirado aqui nas correntes Fascistas e Nazistas, que gozavam
de admiradores entre os membros do governo, mesmo o Brasil em estado de beligerância com
o Eixo.
A figura da caserna, extremamente necessária para a manutenção do regime do Estado
Novo, que empregou diversos militares em postos de comando e setores estratégicos do país,
representou a consolidação de um modelo de Estado Autoritário, guiando o país para um
progresso através do autoritarismo, no qual o desenvolvimento da nação seria pautado pelo
controle e modificação dos indivíduos nela pertencentes. Aqui é interessante pautar, a própria
visão de Estado Autoritário gestado dentro do Estado Novo. Um de seus principais ideólogos
Azevedo Amaral, autor de obras como O Estado Autoritário e a Realidade Nacional, ao
defender o regime de Vargas e buscando afastá-lo das acusações de pactuar com o fascismo, o
qual, segundo Amaral, reduzia a coletividade a uma massa de escravos, assim definiu o Estado
engendrado pelo golpe de 1939:

No Estado autoritário, porém, não há compressão do indivíduo ou cerceamento das


suas iniciativas e atividades, por forma a submeter a coletividade nacional à ação
arbitrária do poder público em condições praticamente equivalentes a um regime de
escravidão. Tanto no plano espiritual como na esfera econômica, a autoridade do
Estado do tipo agora adotado no Brasil faz-se sentir sob a forma de coordenação e
reajustamento das atividades dos indivíduos e dos grupos sociais, bem como pela
intervenção protetora que visa preencher, pela assistência estatal, as deficiências e
lacunas verificadas no tocante a assuntos que normalmente devem permanecer na
órbita das responsabilidades individuais. 119

118
Jornal A Voz de Chapecó, primeira página, Discurso do Interventor Nereu Ramos. 23 de julho de 1939. Centro
de memória do Oeste de Santa Catarina.
119
AMARAL, Antônio José de Azevedo. O Estado Autoritário e a Realidade Nacional. Rio de Janeiro: José
Olympio Editora, 1938.
106

Azevedo Amaral tenta “suavizar” as práticas ditatoriais implementadas pelo regime


em vigência no país, tratando suas medidas como meros ajustes e evocando o patriarcalismo
estatal, numa face protetora aos interesses da coletividade. Deste modo, esquecendo-se da
censura implementada, dos presos políticos, das denúncias de tortura e desaparecimentos, da
imposição política e do cerceamento do contraditório, Azevedo Amaral define o Estado
Autoritário como um regulador de diversos aspectos da sociedade.
Diante desta conjectura, soma-se ao cenário aqui abordado, o estado de beligerância
vivido no país desde a declaração de guerra do Brasil ao Eixo em agosto de 1942, devido as
pressões populares pelo bombardeio de navios brasileiros por submarinos alemães e também
pelos acordos diplomáticos e aproximação do Brasil com os Estados Unidos120. Deste modo, os
descendentes e também os natos dos países pertencentes ao Eixo, em especial alemães e
italianos, tiveram vigilância redobrada e sofreram com maior intensidade as pressões do Estado
Autoritário varguista. Como destaca De Faveri:

Em Santa Catarina, como em todo o país, italianos, japoneses, alemães e descendentes


foram os alvos da lógica suspeição, estando na mira da população e da polícia, o que
oportunizava, então, enfrentamentos étnicos. Com a entrada do Brasil na guerra, em
22 de agosto de 1942 (...) esta suspeição/demonização do ‘outro’ tomou forma mais
explícita na imprensa, a qual veiculou artigos apresentando estrangeiros e
descendentes como inimigos do país e prováveis colaboradores do Eixo, detonando
então um clima de violência.121

O clima de medo e perseguição a quase tudo que se relacionasse aos países em guerra
com o Brasil transformou o cotidiano de muitos migrantes e descendentes em Santa Catarina.
A proibição de utilização da língua materna, de se reunir com compatriotas ou de manifestar
opiniões políticas ou sobre o rumo do conflito são alguns exemplos. Porém, ao mesmo tempo
em que difundia essa exacerbada vigilância, o governo buscava dividir os nacionais dos países
que o Brasil estava em guerra em duas categorias: os que representavam risco iminente a
segurança nacional e os que pacíficos, ordeiros e seguidores das leis colaborariam para o
progresso do país. Esta ideia fica clara no discurso proferido por Vargas no 07 de setembro de
1942, quando conclamou em cadeia nacional de rádio a população com as seguintes palavras:

Seremos implacáveis no combate aos invasores e seus agentes infiltrados


traiçoeiramente no meio de nossas populações laboriosas. Mas, aos nacionais, dos
países com os quais estamos em guerra, que aqui vieram e construíram os seus lares

120
MOURA, Gerson. Autonomia na dependência – A política externa brasileira de 1935 a 1942. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1980. p.88
121
FAVERI, Marlene de. Memórias de uma (outra) guerra: cotidiano e medo durante a Segunda Guerra em
Santa Catarina. 2ª ed. Florianópolis: UFSC; Itajaí: UNIVALI, 2005. p.38.
107

de forma regular e honesta, nada devem recear enquanto permanecerem entregues ao


trabalho, obedientes à lei e prontos a colaborar nas atividades defensivas do país.122

Vargas deixa claro que o migrante afeito ao trabalho e obediente não precisa temer a
implacabilidade da perseguição aos estrangeiros. Assim, o chefe da nação impõe explicitamente
seu modelo de desenvolvimento, aplicado diretamente nos núcleos coloniais habitados por
euro-descendentes, pautado no progresso através do autoritarismo e a submissão ao Estado.
Em Chapecó, com núcleos coloniais abarrotados de migrante europeus e descentes, o
cenário de perseguição e imposição da doutrina “trabalho e obediência” também se configura.
A tentativa de controle e manipulação desta população se faz presente principalmente entre as
autoridades constituídas de Chapecó. Em 24 de março de 1942, um telegrama da Chefia de
Polícia, contendo o pedido do subprefeito de Itapiranga, distrito de Chapecó no período, Mario
Amorim para a interventoria do Estado, segue com o seguinte pedido:

Gabinete Chefe Polícia: esta chefia recebeu do delegado de polícia do município de


Chapecó neste estado o seguinte telegrama: por medida de ordem pública comunico
que compareceu a esta delegacia de polícia o senhor prefeito local, Mario Amorim,
subprefeito de Itapiranga 13º distrito, município de Chapecó, Santa Catarina. O qual
declarou estar autorizado pelo prefeito do dito município a pedir recursos de
policiamento a este Estado, visto existir naquele distrito de quatro a cinco mil
habitantes alemães natos e descendentes, diz também existir grande quantidade de
armas de guerra escondidas naquela localidade, pertencentes a súditos do eixo. O
referido subprefeito teme se dar qualquer alteração da ordem pública, visto não existir
autoridade policial naquele distrito. O distrito de Itapiranga acha-se localizado a oito
quilômetros da divisa com a Argentina.123

No pedido do subprefeito de Itapiranga transparece o temor interno provocado pela


presença maciça dessa população ainda não “abrasileirada”. O migrante, que carregou em sua
instalação nas novas colônias o símbolo de ser o agente do trabalho e do progresso, agora é
encarrado como um inimigo a ser combatido, caso não seja transformado em um elemento
modulador do patriotismo brasileiro. A alegação de que possuíam uma grande quantidade de
armas, algo que no período era corriqueiro em uma região marcada pela violência, banditismo
e ausência de punição aos mais diversos crimes124, busca transformar esse migrante em um fora
da lei que pode transgredir a segurança nacional, sendo necessário a presença da força do Estado

122
Getúlio Vargas. Discursos / organização, Maria Celina D’Araújo. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições
Câmara, 2011. p.445.
123
Telegrama da Chefia de Polícia do Estado Para a Interventoria do Estado de Santa Catarina. 24 de março de
1942. Arquivo Público do Estado de Santa Catarina. Pasta da secretaria do interior e justiça, vol 70.
124
Para saber mais sobre a situação da criminalidade e das dinâmicas sociais por ela deflagradas no Oeste
Catarinense, ler MARQUETTI, Delcio. Bandidos, forasteiros e intrusos: história do crime no oeste
catarinense na primeira metade do século XX. Chapecó: Argos, 2008.
108

como coerção, para garantir que o nacionalismo se perpetue em uma região de importância
extrema para a nação brasileira.
Na semana seguinte, a Interventoria do Estado responde ao pedido deflagrado pela
chefia de polícia, autorizando o envio de novas forças policiais e instruindo medidas para a
contenção da ordem:

Em resposta ao vosso telegrama autorizo fornecer para as autoridades de Itapiranga,


13º distrito de Chapecó, Santa Catarina, o maior número possível de elementos da
polícia local. Caso seja possível, podeis mesmo confiar a guarda da cadeia local a
civis de confiança a fim de dispor de maior número de elementos para a referida
diligência. Podeis também enviar guardas florestais disponíveis.125

As medidas propostas pela Interventoria do Estado parecem reconhecer a premente


necessidade de vigilância nos núcleos coloniais de Chapecó, propondo o maior número que
fosse possível destacar para a região, além de propor o auxílio de “pessoas de confiança” para
auxiliar na tarefa de vigilância dos supostos “súditos do eixo”. Aqui podemos questionar quem
poderiam ser essas pessoas de confiança, seriam os que abertamente teriam se “abrasileirado”?
Os defensores do progresso e do trabalho sem questionamentos a ordem vigente? Infelizmente
a documentação encontrada não relata as pessoas de confiança empregadas na diligência de
manter a ordem em Itapiranga, mas revelam a atuação para conter os elementos perniciosos a
segurança nacional nesta região.
A figura número 14, arrolada logo abaixo, evidencia a política de segurança adotada
pelo regime Vargas, com o intuito de manter a ordem social privilegiada pela ideologia do
Estado Novo. Percebemos, através deste documento, uma articulação entre as esferas
governamentais preocupadas com a presença de populações ainda não nacionalizadas ocupando
faixas de fronteiras, próximas a outras nações, como a Argentina. Neste caso, o poder central,
justificando sua ação por meio de denúncias que haviam chegado ao Catete, exige medidas da
das autoridades estaduais quanto as ações de súditos do Eixo, instalados em faixa de 150
quilômetros de fronteira, compreendida como área de segurança nacional. No documento em
questão é solicitada a investigação das residências e também do comportamento de tais
indivíduos frente a campanha de nacionalização a que o país e a região vinham sendo
submetidos. Deste modo, o governo propõe as autoridades locais que distingam entre os
cidadãos “dóceis” ao processo de brasilidade e nacionalismo e aqueles que afrontam o sistema
a ser implementado.

125
Telegrama da Interventoria do Estado de Santa Catarina para a Chefia de polícia do Estado, em 30 de março de
1942. Arquivo Público do Estado de Santa Catarina. Pasta da secretaria do interior e justiça, vol 70.
109

Figura 14: Oficio da Secretaria Geral do Estado Novo ao Interventor Federal de Santa
Catarina.

Fonte: Ofício enviado ao Interventor de Santa Catarina, Nereu Ramos, pela Secretaria Geral do Estado
Novo em 06 de abril de 1942. Arquivo Público do Estado de Santa Catarina, pasta da Secretaria do
Interior e Justiça, vol. 70.
110

Umas das ações recomendadas diretamente pela Secretaria Geral é, após a análise de
conveniência, o deslocamento de parte dessa população, considerada mais perigosa para outros
pontos do interior do país, provavelmente distante dos pontos de fronteira e também separado
dos grupos coloniais dos quais faziam parte. Deste modo, houve uma intensificação da
militarização e do autoritarismo na região, fazendo com que a pressão sobre os grupos coloniais,
instalados em Chapecó aumentasse. Como trata Mayer:

Em Itapiranga podemos citar um conjunto de medidas intervencionistas que foram


adotadas pelo Estado a partir de março de 1942. Até 1942, o que ocorrera em termos
de nacionalização em Itapiranga havia sido o fechamento das escolas paroquiais, a
proibição de partidos políticos e de falar o alemão. Porém, este último não cobrado
rigorosamente. Todavia, as medidas mais profundas seriam implantadas agora, com a
instalação da Brigada Militar do Rio Grande do Sul no distrito (...) as principais
medidas, que compreendiam o recadastramento de todos os estrangeiros; recolha de
armas e rádio receptores; posse obrigatória de Salvo Conduto; proibição de falar o
alemão, em qualquer que fosse o lugar, inclusive na própria casa ou tratamento a um
animal; desqualificação da cidadania, rotulando os alemães de Quinta Coluna; recolha
e destruição de todo e qualquer material impresso em idioma alemão. A Brigada
Militar do Rio Grande do Sul esteve em Itapiranga entre fevereiro de 1942 a julho de
1944, responsável pela “nacionalização” dos alemães, assimilando e integrando os
alemães à sociedade brasileira.126

Através do contexto analisado até aqui, percebemos que o projeto de nacionalização


foi amparado, em sua larga escala, por medidas de cunho autoritário e de imposição de conduta
frente as populações das colônias que compunham Chapecó. Esse processo envolvia várias
frentes, como a coerção frente ao uso da língua, da escrita e mesmo de hábitos que
rememorassem uma descendência estrangeira, junto também com a imposição de um
sentimento de medo constante de separação de membros familiares, fazendo com o que muitos
elementos dessas colônias fossem obrigados a adotar as medidas do projeto nacionalizador. A
presença do Estado, sentida pelos populares através da coação e do medo, se fez presente
primeiro pela força das armas e do controle, gerando nestas populações o sentimento de um
Estado inoperante frente a suas necessidades e controlador frente a seus hábitos comunitários.
A política de nacionalização e as ações do Estado para a concretização de um processo
de subjugação dos migrantes aos preceitos patrióticos e brasileiros reverberaram no núcleo
político chapecoenses, que a esta altura continuava seu papel na linha de frente na cobrança das
autoridades para a conflagração do progresso por via nacional na região. Neste sentido, através
de seu canal de comunicação de maior destaque, o periódico A Voz de Chapecó, a elite
chapecoense prosseguia seu plano de embarcar Chapecó na esteira da nacionalização para

126
MAYER, Leandro. Repressão em Itapiranga (SC) durante o Estado Novo (1937-1945). Fronteiras: Revista
Catarinense de História, n. 26, p. 177-198, 5 jun. 2018. p. 186.
111

auferir os lucros que a mesma poderia advir. Em 10 de novembro de 1940, em meio a toda a
política de perseguição aos considerados estrangeiros no Brasil, em especial as colônias
alemães localizadas nas regiões de fronteira, o jornal A Voz de Chapecó pública em sua capa
uma notícia referente a cerimônia de comemoração pelos 10 anos de Getúlio Vargas no
comando do país, felicitando o mandatário pela passagem da data, porém logo ao lado desta
publicação, na mesma capa o jornal expõe a seguinte nota:

Algumas pessoas, com quem mantemos relações cordiais, dizem que esse jornal é
falador. Nos criticando. Mas o que é que nos preocupa? Qualquer inteligência mediana
percebe, é o bem público, que constitui nosso objetivo. Não vivemos da A Voz de
Chapecó, nossa profissão é outra. Este periódico é que vive de nós. Não cogitamos de
homens e sim de atos. O que há de verdade é isto: queremos que a nacionalização de
nossos patrícios, influenciados pela mentalidade estrangeira, seja feita com eficiência
e patriotismo e não com palavreado inócuo e vinganças mesquinhas e estúpidas.
Pugnamos pelo melhoramento da instrução pública e primária, se criando escolas em
uma infinidade de lugares do município, onde há centenas de crianças se
desenvolvendo em puro analfabetismo. Achamos que é necessário acabar com esse
eterno abandono a que estão relegadas as estradas do município, das quais alguns
trechos, como Chapecó a Itapiranga, são considerados de primeira classe e, no entanto,
são intransitáveis no inverno. E o serviço de correio? De Chapecó a Cruzeiro, de 8 em
8 dias, para Mondaí, de 15 em 15, e não precisamos dizer mais por hoje. Falador é
quem nos chama. 127

Nas palavras da nota redigida pelos controladores do periódico, percebemos a relação


por assim dizer muitas vezes dúbia com relação as autoridades do Estado Novo. No mesmo
momento em que sustenta o regime representado por Vargas, enaltecendo seu programa de
governo, cobra algumas autoridades pela inépcia na implantação de tais ações do programa. A
relação, complexa, de conflito e reciprocidade entre a elite chapecoense e os representantes do
Estado Novo já foi analisada neste trabalho, entretanto, chamo a atenção aqui para os outros
elementos concernentes nesta nota. Nela, há o silencio em relação a presença militar que, nos
espaços coloniais, buscava regular a vida dos migrantes pela coação e o medo. Porém, o que é
destacado nas palavras é o intuito das benesses econômicas que precisam ser implementadas
por esse projeto de nacionalização. Aqui é claro, que a cultura, a liberdade e o bem estar social
dos migrantes que compunham majoritariamente a população chapecoense figura em segundo
plano, frente a sustentar o desenvolvimento capitalista na região, que beneficiaria em grande
parte os empresários, como Ernesto Bertaso. É cognoscível, que a crítica do periódico recaía
sobre os efeitos econômicos que o atraso ou ineficácia do projeto de nacionalização poderiam
acarretar. O tom crítico se resume a resguardar os interesses de uma elite que via nas ações
nacionalistas uma salvaguarda para seus lucros, enquanto as violações à população eram

127
Jornal A Voz de Chapecó, primeira página, Nota. 10 de novembro de 1940. Centro de memória do Oeste de
Santa Catarina.
112

invisibilizadas nas entrelinhas do único meio de comunicação a circular em Chapecó no


período.
Neste cenário, a população residente em Chapecó, vivia no período uma tentativa
constante de hegemonização cultural, econômica e social. Um modelo de sociedade, sob a
orientação da expansão capitalista e maior aproveitamento das potencialidades produtivas
locais, somado com a incessante busca por uma inculcação cultural identitária brasileira, que
sob um regime de imposição autoritária buscava tutelar o seio social rumo ao progresso. Desta
forma, o migrante se via muitas vezes sob a atuação de um estado de ambiguidade referente ao
projeto nacionalista que se engendrava no período. Explicando melhor, ao mesmo tempo em
que sua força produtiva e sua descendência branca europeia tornava o migrante descendente de
ítalos, germânicos, entre outros, um elemento primordial para o arquétipo civilizacional
deflagrado pelo Estado Novo para o Brasil – baseado em uma lógica cientificista de
branqueamento, controle racial e superação do subdesenvolvimento pelo trabalho gerador de
excedentes –, os quistos étnicos de sua descendência estrangeira sustentavam um entrave para
a total incorporação desses elementos ao seio nacional. Assim, a utilização do autoritarismo se
mostrava como um instrumento capaz de aglutinar e dirimir as dissonâncias frente ao regime,
como trata Souza:

O autoritarismo caracteriza-se pela recusa à diferenciação e pela tendência à busca da


homogeneidade. Minorias tendem a ser rejeitadas em nome de um modelo político,
social e cultural que busca o consenso. A recusa à alteridade implica, por sua vez, na
recusa ao conflito, que passa a ser visto como um desafio e não como direito à
divergência. Com isto, o poder autoritário recusa a mudança e tende ao imobilismo:
mudanças são aceitas apenas na medida em que são passíveis de controle por parte do
regime. Qualquer tentativa de mudança que tenha origem externa ao sistema é vista
como desafio à manutenção do poder autoritário e tratada como tal. 128

Falar em sua língua ancestral, professar à sua maneira a religião que aprenderam com
seus antecedentes, enfim empregar traços étnicos inerentes a sua cultura, se tornou um símbolo
de desafio a ordem vigente para muitos dos migrantes que constituíam a população
chapecoense. O que se esperava deles, tanto pelas mais altas autoridades federais, passando
pelos dirigentes estaduais e chegando aos controladores da política local, era a dedicação
irrestrita a construção do progresso pelo trabalho, a ordem e a manutenção dos valores morais
cristãos. Qualquer um que infringisse a linha tênue entre desejado e indesejado se tornava um
perigo para a consolidação do projeto estatal na região.

128
SOUZA, Ricardo Luiz. Autoritarismo, Cultura e Identidade Nacional (1930-1945). História da Educação,
ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n.15, p.89-127, abril, 2004. p. 98.
113

Outra iniciativa de viés autoritário e na esteira do processo de nacionalizar as regiões


consideradas estratégicas para o governo foi o Decreto-Lei nº 1.968, de 17 de janeiro de 1940
que regula a concessão de terras e os estabelecimentos de indústrias nas faixas de fronteira. O
decreto, editado pelo governo central, propunha abrasileirar as fronteiras do país mantendo um
fluxo permanente de colonização que priorizasse e dirigisse a ocupação das terras por
brasileiros natos, diminuindo assim a permanência e afloração de comunidades estrangeiras em
áreas tão próximas a outros países. Logo no primeiro artigo, a Lei 1.968 de 1940 delega poderes
ao Conselho de Segurança do Estado e segue estabelecendo parâmetros para a ocupação de uma
faixa de 150 km nas fronteiras:

Art. 1º As concessões de terras na faixa de cento e cinquenta quilômetros ao longo da


fronteira do território nacional, somente poderão ser feitas mediante prévia audiência
do Conselho de Segurança Nacional.
Art. 2º Na apreciação das concessões de que trata o artigo anterior ter-se-á em vista:
I - Que os concessionários sejam, de preferência brasileiros ou se achem constituídos
em famílias brasileiras considerando-se brasileira a família cujo chefe seja brasileiro
ou tenha filhos brasileiros;
II - O aproveitamento racional das terras dentro dos prazos que, para esse fim, forem
estabelecidos em cada caso, não devendo elas constituir latifúndios inexplorados ou
deficientemente explorados:
III - A predominância de brasileiros natos nos núcleos de população na razão de
cinquenta por cento (50%) no mínimo bem como, nos mesmos núcleos, para cada
nacionalidade estrangeira, a percentagem de vinte e cinco por cento (25%) no
máximo, computados, em qualquer caso somente os maiores de 12 anos, de ambos os
sexos.129

O decreto, explicita a intenção governista em retirar o total domínio estadual sobre as


faixas de fronteiras, que agora deveriam ficar sob a supervisão do Conselho de Segurança
Nacional, ou seja, a autonomia em âmbito regional vai sendo minada em função da ideologia
do nacionalismo e da construção da brasilidade, já que a lei prevê a preferência para brasileiros
natos se assentarem na região. A obrigatoriedade da lei recai também sobre as concessões já
realizadas as companhias colonizadoras, obrigando-as a implementarem medidas de controle
populacional com a finalidade de abrasileirarem a fronteira. Como trata Werlang:

Com essa medida, o governo Vargas tomou para si o controle de vastas extensões de
terras ao longo das fronteiras. O decreto previa a obrigatoriedade das empresas
colonizadoras de apresentarem seus papéis de domínio ou posse da terra. A lei previa
a criação de uma comissão para rever as concessões já efetivadas. 130

129
Diário Oficial da União - Seção 1 - 19/1/1940, Página 1071. Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-1968-17-janeiro-1940-
411939publicacaooriginal-1-pe.htm>l. Acesso em 20 de Nov. de 2019.
130
WERLANG, Alceu Antonio. A Marcha Para Oeste em Santa Catarina. In MARIN, Joel Orlando; NEVES,
Delma. Campesinato e Marcha para Oeste. Santa Maria: Editora da UFSM, 2013. P. 88.
114

Vemos que a autoridade do Estado se instituía na transformação de áreas de


colonização como áreas de segurança nacional, sujeitas a intervenção direta do poder central,
com o intuito de comandar de perto não só a ocupação das terras por populações consideradas
seguras aos interesses do país, como também ordenar a exploração do solo e as potencialidades
produtivas regionais, com vistas a acelerar o ritmo produtivo. Deste modo, o Estado criava uma
base alicerçada na legislação para interferir nos núcleos coloniais dando um ar legitimo a
perseguição, frente ao intuito máximo que seria a nacionalização.
Em Chapecó as determinações do decreto foram recebidas com certa descrença, pois
os próceres do jornal A Voz de Chapecó pleiteavam investimentos econômicos mais concretos,
junto com ações que pudessem desenvolver Chapecó com maior celeridade. No editorial de 7
de abril de 1940, o periódico apresenta a notícia do decreto lei em sua capa, logo após uma
questão em latim “Quid Inde?”, que em tradução para o português ficaria “e então?” Qual a
consequência disso? A partir daí argumenta o editor:

A população desta zona, chamada fronteiriça, aguarda providencias governamentais


concretas. Há uma esperança latente, dado o retraimento do governo do Estado que
até a presente data não tem podido atender as estradas deste município, incluídas no
plano rodoviário, mas abandonadas, e as escola com superabundância de crianças,
sem professores e sem prédios escolares, a população confia que o governo federal,
se, efetivamente, tomasse conta da faixa territorial aludida, haveria de realizar esses
melhoramentos imprescindíveis, cuja necessidade é clamorosa. A digna comissão
especial continuando, como continua, lá no Rio de Janeiro, tem que falhar na sua
finalidade. Assim, as boas leis e as ótimas intenções têm de ir como vão indo, com o
decurso dos meses e dos anos, águas abaixo. Já falaram em colônias militares e nestas
modestas colunas condenamos essa revivescência de ideias mortas e fracassadas no
passado. Queremos levar nossos aplausos ao governo federal e o faremos, com
sinceridade, desinteressadamente, mas, queremos realizações concretas, não
abstrações e fantasmagorias.131

Os próceres do periódico pleiteiam, desta forma, uma intervenção mais profunda por
parte das autoridades federais, já que julgam a esfera estadual ineficaz, pois, não atende as
demandas para o progresso e civilidade da região oeste. Porém, temem que a já referida lei tome
o rumo dos percalços e não seja aplicada da maneira que os patrícios desejam, ou seja, que as
benesses auferidas com uma participação direta da união não se concretize e Chapecó continue
amargando suas más instalações e sua desconexão com os centros civilizados do país. O que os
editores do jornal não mencionam, silenciam ou escondem é a natureza autoritária desta
determinada lei, que exigia comprovações de nacionalidade, estabelecendo cotas máximas para
populações consideradas estrangeiras, no caso da Lei 1.968 de 1940 de no máximo 25%. Deste

131
A Voz de Chapecó, Quid Inde? 07 de abril de 1940. Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina.
115

modo, a permanência em suas terras, para muitos colonos assentados em Chapecó, dependia
diretamente da burocracia estatal em reconhecer seu pertencimento a nação brasileira.
Na esteira deste mesmo processo, a interventoria do Estado de Santa Catarina baixa o
decreto lei número 67 de 24 de maio de 1941, publicado no Jornal a Voz de Chapecó na edição
de 13 de junho de 1941, que decretava:

Os proprietários de terras situadas nos municípios de Chapecó e Concórdia abrangidas


pela faixa de 150 quilômetros, ao largo da fronteira, ficam obrigados a exibir perante
Coletoria do município de situação, até 20 de junho de 1941, os seguintes documentos:
a) prova de nacionalidade; b) certidão de que o imóvel se acha registrado no cartório
competente.132

No decreto estadual, suplementando as regras dispostas pelo governo central, vemos


mais especificamente como se daria o cerceamento em torno dos colonos que compunham a
população chapecoense no período. A exigência da comprovação de nacionalidade e o registro
de terras em cartórios competentes, a ser suprida em tão poucos dias, se transformava em uma
exigência dura para ser cumprida para elementos em sua grande maioria analfabetos ou que
moravam afastados da sede municipal responsável pelo controle destas informações, que em
muitas vezes demoravam meses ou até nem recebiam estas informação devido a reclusão de
suas vidas no campo.
Utilizando destes meios contenciosos das liberdades individuais e mecanismos de
coação e tentativa de hegemonização cultural, a ditadura Vargas, se apoiando da conivência,
leniência e auxilio do grupo econômica e politicamente dominante em Chapecó, buscou
inculcar seu projeto de progresso para as regiões interioranas do país, alimentando um arquétipo
de introjetar um “modelo brasileiro” as comunidades que pudessem comungar de origens e
costumes estrangeiros. Desta forma, durante o momento ditatorial vivido, assumiu o Estado a
forma de um pai autoritário, em um sentido paternalista que busca congregar todos ao mesmo
seio de nacionalidade, ao mesmo tempo que em uma força centrífuga expele os elementos
considerados nocivos ao seu intuito maior.
A elite chapecoense, com seu melhor meio de explanação dos seus ideais para o
desenvolvimento de Chapecó, atuou como um meio fundamental para propagar os ideais de
nacionalização, muitas vezes à revelia das origens culturais do povo que escolheu para migrar
para a região. Sua atuação, que muitas vezes se dizia desinteressada, muito pelo contrário
desvelava os seus objetivos econômicos e políticos, visto a assegurar e expandir seus lucros,
rompendo o que eles consideravam o limiar civilizacional, o qual o atraso representado pelo

132
A Voz de Chapecó, Faixa de Fronteira, 13 de junho de 1941. Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina.
116

passado chapecoense visava romper, visando o fim último do progresso, aqui representado pela
acumulação material e modelagem de sua sociedade ao modelo cristão-capitalista.
Neste cenário, o periódico A Voz de Chapecó persistiu em sua atuação, ora embasando
e sustentando o regime, ora desvelando uma tática crítica, cobrando das autoridades pela
morosidade na aplicação de medidas civilizacionais a Chapecó. Nacionalização, escola e
estradas iriam figurar como motes centrais durante o período de 1939-1942, em qual o jornal
circulou pela primeira vez, tendo suas atividades suspensas no início de 1942 e retornando
apenas em 1946 após o período de redemocratização do Brasil. A suspensão da circulação do
periódico tem uma análise complexa, pelo período de censura vivido no país durante o Estado
Novo. As publicações do jornal tinham sim um tom crítico, o que pode ter sido usado por
desafetos do grupo que o controlava para conseguir juntos as autoridades do estado sua
paralização, porém, o jornal nunca representou ou pregou em suas páginas uma mudança de
regime ou qualquer alteração considerada “subversiva” da ordem vigente, muito pelo contrário,
a grande crítica era que essa ordem se demorava a instaurar em Chapecó. Tanto que, em 1944
um dos controladores do jornal, Serafim Ennos Bertaso, é nomeado pelas autoridades do Estado
Novo como novo prefeito de Chapecó, demonstrando que apesar das rusgas provocadas pelas
críticas do periódico, seus controladores representavam um peso político de extrema
importância e que não podia ser relegado pelas autoridades estadonovistas.
Em 1945 chegaria ao fim o regime do Estado Novo. Dentre os motivos que podemos
destacar para o desmoronamento do regime estão o forte desgaste provocado pela censura e
pelos meios autoritários de coerção política, que contrastavam com o período vivido de final de
Segunda Guerra mundial, onde os ideais de liberdade e democracia das potências aliadas
haviam suplantado o Fascismo e o Nazismo europeu. Uma grande contradição, já que o Brasil
havia enviado soldados para lutar contra tais ditaduras e na volta os combatentes ainda se
deparavam com uma ditadura dentro do seu próprio país. Estas contradições atingem o seio do
exército, um dos sustentáculos do regime até então, provocando divergências entre Vargas e
Góes Monteiro, chefe do Estado Maior do Exército. Vargas percebendo que a maré política o
levaria evidentemente a perda do poder, inicia um processo de redemocratização, marcando
eleições presidenciais para dezembro de 1945 e ao mesmo tempo buscando criar mecanismos
que não o alijassem totalmente do mando do país. Um desses mecanismos foi a criação de dois
partidos, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que congregava sua base populista alicerçada
117

no trabalhismo e o Partido Social Democrata (PSD), que alinhava a burocracia do Estado Novo
como, a exemplo, a figura dos interventores.133
No campo da oposição as principais articulações políticas que emergiriam seriam a
União Democrática Nacional (UDN) alicerçada por uma base elitista, indo desde a burguesia
liberal urbana aos coronéis das regiões rurais, e o Partido Comunista Brasileiro (PCB) que
voltava a legalidade também no período. Ainda na pretensão de se manter no poder, Vargas
insufla o movimento “Queremista” que baseado no slogan “Queremos Getúlio”, propalava a
permanência do ditador no poder. Paradoxalmente o PCB, sob a orientação de Moscou de apoiar
governos antifascistas no mundo todo, demonstra apoio ao movimento Queremista e a Getúlio.
Esta aproximação de Vargas com os comunistas só faz acelerar o descontentamento da ala mais
à direita do exército, que organiza um golpe e destitui Getúlio em 30 de outubro de 1945.
Entretanto, o candidato apoiado por Vargas, Eurico Gaspar Dutra, vence as eleições em
dezembro, mostrando como a popularidade do agora ex-ditador ainda continuava alta.134
Em Chapecó, durante a eleição de 1945 se organiza na cidade o PSD, liderado pela
família Bertaso e tendo como presidente o então prefeito Serafim Ennos Bertaso, os grandes
beneficiados da máquina do Estado Novo na região. Mas, segundo Hass:

Em função de rivalidades locais, surgiu uma ala dissidente do PSD, durante a


campanha eleitoral de 45, que mais tarde se transformaria na UDN, liderada pelo
comerciante Pedro da Silva Maciel, o médico Otávio Celso Rauen, Alcindo Silva e
outros. (...) Ressalta-se o caráter oposicionista local em detrimento do caráter
ideológico, na formação da UDN e do PTB de Chapecó, onde tais partidos foram
criados ‘contra’ os Bertaso. Ou seja, em oposição ao grupo que detinha o privilégio
do poder político municipal. 135

O PTB chapecoense, desta forma, em contraposição as proposições nacionais do


partido, surge em Chapecó como uma ala dissidente do PSD, como uma forma de organizar
uma oposição a família Bertaso, até então dominante política e economicamente na cidade.
Então, nas disputas eleitorais após a redemocratização do país, se terá em Chapecó, uma aliança
entre PTB e UDN para juntos buscar alijar a família dominante do poder, criando na cidade,

133
SKIDMORE, Thomas Elliot. Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco, 1930-1964. 10. ed. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1992. p. 85.
134
SKIDMORE, Thomas Elliot. Ibidem. p.89.
135
HASS, Monica. Os partidos políticos e a elite Chapecoense: um estudo de poder local - 1945 a 1965.
Dissertação (Mestrado em Sociologia). Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política. Universidade
Federal de Santa Catarina. Florianópolis. 1993. p. 61-62.
118

mais uma vez um polo tenso de disputas políticas, que culminaria no famigerado linchamento
após a queima de igreja católica em 1950.136
Em 1947 é inaugurado em Chapecó o Jornal d’ Oeste, um periódico que fazia parte do
grupo de oposição ao PSD na cidade. Dirigido por Otavio Celso Rauer, Pedro Maciel e outros
membros da oposição petebista e udenista. O jornal se tornou meio de críticas e ataques
políticos ao grupo controlador da política em Chapecó, tentando fazer frente a influência do A
Voz de Chapecó, dominada pelo grupo pessedista.
No Jornal d’ Oeste, além da propaganda política em prol do candidato a prefeito da
coligação PTB-UDN, João Winckler, foram escritos vários editoriais opinativos sobre o novo
cenário político inaugurado com a constituição de 1946 e também ataques a política varguista
do Estado Novo. Nestes editoriais, a oposição que se constituíra em Chapecó, buscou denunciar
o projeto implementado pela ditadura Vargas na região, atrelando também a atuação dos agora
membros do PSD no período. Um desses editoriais, escrito em 08 de novembro de 1947,
intitulado “Colonos de Chapecó, Alerta!”, chama a atenção. Nele, os editores do Jornal d’
Oeste, denunciam a tentativa do PSD nacional de reviver a chamada Lei de Segurança Nacional
(LSN), implementada por Vargas em 1935, que definia crimes contra a ordem política e social.
A principal finalidade da LSN era transferir para uma legislação especial os crimes contra a
segurança do Estado, submetendo-os a um regime mais rigoroso, com o abandono das garantias
processuais, podendo desta forma vigiar, perseguir e punir os considerados “inimigos do
Estado”137. Pois bem, neste editorial de novembro de 1947, o Jornal d’ Oeste remete a aplicação
desta lei em território chapecoense e discorre:

Lei de Segurança Nacional, é aquela lei que na vigência do Estado de Guerra, era
executor da mesma lei, em Santa Catarina, o então Interventor Federal Nereu Ramos,
e hoje vice-presidente. Não é possível que aqueles duzentos e setenta colonos que
foram presos e injuriados neste município de Chapecó, para saciar os instintos
perversos daqueles que tinham a obrigação de zelar pelas garantias e liberdades do
cidadão, estejam todos esquecidos de seus sofrimentos e do perigo que para eles
representa a volta da chamada Lei de Segurança Nacional. Esta lei foi redigida sob o
pretexto de proteger o Brasil dos inimigos internos e externos do país. Entretanto, esta
mesma lei, foi utilizada pela ditadura como a mais feroz arma contra os inimigos
políticos do ditador e de seus agentes, baseado nesta lei, qualquer mal intencionado
que não gostasse de qualquer pessoa ou que esta lhe fizesse sombra, era suficiente
para afastá-lo, fazer uma denúncia, taxando-o de nazista ou fascista, para que o
delegado de polícia, sem a menor prova, prendesse um cidadão ou cidadãos e
conservasse preso por tempo indeterminado, sem a vítima ter a quem recorrer, porque
a prisão era feita em nome do Brasil e dos Brasileiros (...) E para defender este Brasil,

136
Para conhecer mais do episódio do linchamento recomendo o livro “O Linchamento que muitos querem
esquecer: Chapecó, 1950-1956”, da professora Mônica Hass. Livro que se tornou a maior referência sobre o
assunto na atualidade.
137
LEI de Segurança Nacional (LSN). Anos de Incerteza (1930 – 1937). Radicalização Política. A Era Vargas -
CPDOC. <http://www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/anos30-37/ev_radpol_lsn.htm>. Acesso em 08/04/20.
119

era preciso, no conceito dos agentes da ditadura, que os colonos brasileiros de


descendência italiana ou alemã, fossem presos, espancados e despojados de seus mais
preciosos haveres. (...) Colonos de Chapecó, alerta! Alerta com a Lei de Segurança
Nacional, que o PSD está defendendo. Esta lei não é para vos proteger, esta lei é para
vos atormentar, é talvez para que sejas obrigado a vender tuas vacas de leite quase de
graça, para arrancar teu rádio, fechar jornais, entre outras coisas.138

No editorial o jornal estabelece uma dura crítica ao projeto implementado pelo Estado
Novo nas colônias de migrantes assentados em Chapecó. O Jornal faz, atendendo obviamente
a seu interesse político e também amparado pela recente reabertura democrática, a oposição ao
projeto de nacionalização e modelamento social do arquétipo estadonovista. Essa denúncia, das
prisões e espólios contra os migrantes, sempre silenciada pelo periódico A Voz de Chapecó,
confrontava diretamente a elite controladora do único jornal que circulava na cidade durante o
Estado Novo. Além disso, cobrava as responsabilidades do grupo político, herdeiro da máquina
estatal da era ditatorial, que agora se aglutinava no PSD, fazendo no final do editorial uma
espécie de “terrorismo midiático” contra a volta da LSN e buscando atacar seus adversários que
a apoiavam.
Este cenário, propositado pela reabertura política, possibilitou convergir uma análise
melhor delimitada do projeto intentado para Chapecó durante o período do Estado Novo. Em
primeiro lugar percebemos claramente o benefício auferido por sua elite, gravitada em torno da
família Bertaso, da ditadura deflagrada em 1937. Esses benefícios iam desde o silenciamento
de um campo opositor, que se organiza apenas com a volta da democracia em 1945, até a
aplicação de instrumentos autoritários contra colonos que não se enquadrassem no projeto de
nacionalização. Em segundo lugar, a elite chapecoense durante o Estado Novo, utilizou do
projeto de nacionalização e Marcha para Oeste como plano de fundo para lograr êxito em seu
intuito de dinamizar e transformar economicamente Chapecó, o que impulsionaria seus lucros
empresariais na cidade. Esses lucros, seriam deste modo camuflados, em um discurso
civilizacional que se dizia muitas vezes “desinteressado” nas páginas da Voz de Chapecó, mas
que em suas entrelinhas demonstravam o verdadeiro objetivo de tal discurso, o de tornar
Chapecó uma potência no oeste do estado, desatrelando de seu passado caboclo, considerado
atrasado e infrutífero e convergindo então para um polo urbanizado e capitalista.
Deste modo, o modelo social idealizado e buscado em Chapecó estava condicionado
ao contínuo desenvolvimento capitalista na região, marcadamente adotado como pressuposto
último de uma sociedade civilizada, que se envergonhava de seu passado pré-colonial e

138
Jornal d’ Oeste, editorial Colonos de Chapecó, alerta! 08 de novembro de 1947. Arquivo Público do Estado
de Santa Catarina.
120

supervalorizava a experiência migrante, como redentora de uma terra onde antes “era tudo
mato”. Essa sociedade, emoldurada pelos colonos que aqui aportaram e levada adiante por seus
dirigentes, via nos seus modos tradicionais de vida, amplamente construídos na influência dos
seus antepassados, um elo comunitário forte para construir uma cidade onde seus valores seriam
preservados. No período ditatorial, inaugurado com a deflagração do Estado Novo, esses
colonos tiveram sua identidade contestada e muitas vezes coagidos a abandoná-la, frente a erigir
um novo arquétipo social do qual eles fariam parte como a força produtiva. Tiveram então, por
meios autoritários e coercitivos que ressignificar sua tradição, de modo que se adequassem a
figura de neobandeirantes que a pátria agora os exigia.
O desenvolvimento capitalista de Chapecó, se deu através de uma espécie de “pacto”
tecido entre as empresas colonizadoras e o poder público do Estado, no qual a ocupação e
manutenção dessas colônias se daria ao encargo da iniciativa privada que teria sua dívida com
a fazendo pública atenuada conforme os investimentos feitos. Entretanto, percebe-se ao longo
do estudo aqui tecido, que este pacto entra em desgaste, devido aos intensos esforços
necessários para transformar economicamente a região, que não conseguiam ser supridos
apenas pela iniciativa privada da colonizadora. Assim, ao chegarmos no período do Estado
Novo, percebemos que esta iniciativa privada, ansiosa por seus lucros e por atingir seus
objetivos de desenvolvimento, começa a exigir do Estado maiores ações para auferir resultados
que ainda não chegam. A morosidade do Estado em garantir tais benesses, faz crescer um
discurso de que o progresso se deu unicamente pelas mãos colonas, que abandonados pelo poder
público, “erigiram uma grande cidade do mato”. Esquecendo-se, desta forma, de um projeto
estatal em curso no período, que propalou a transformação regional pelo viés nacionalista,
autoritário e do trabalho sem contestação social. Este projeto, modelou em grande parte a
sociedade chapecoense do período.
Cabe aqui também uma reflexão sobre o progresso propalado e conquistado por
Chapecó. Percebemos, que o progresso no sentido material, econômico e de exploração é que
foi proposto e desenvolvido em sua maior escala. A região, ainda careceu durante muitos anos
de uma presença estatal em áreas vitais para o desenvolvimento social, como investimentos em
saúde, cultura, arte e educação técnica e superior. Destarte, a expansão do capital configurada
em Chapecó, buscou a transformação da região em uma espécie de “celeiro”, nomenclatura
aliás muito utilizada por seus dirigentes ao se referirem ao papel de Chapecó, que teria como
missão maior dinamizar a produção do solo e os potenciais naturais da região, transformando-
os em mercadorias com maior rentabilidade. Assim, o houve uma intensa tentativa em
configurar a sociedade chapecoense para que atingisse tais objetivos.
121

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento do presente trabalho possibilitou elucidar as ressonâncias de um


projeto nacionalizador deflagrado em um período de exacerbação nacionalista, no qual o
enraizamento de uma idealização de nação foi buscado com afinco. Para realizar esta obra, a
contextualização histórica desta região, foi necessária, abordando os elementos que auxiliaram
na constituição do que se processava nesta localidade. Neste sentido, a busca pelo entendimento
de como a visão de oeste selvagem e incivilizado perdurava no período de gênese do Estado
Novo, se constituiu como uma questão nevrálgica para o desenrolar das ações e dos discursos
que permearam o período pesquisado, caracterizando, deste modo, o conceito de Sertão, que
perpassou a história do Brasil e se aplicou a região oeste. Assim, foi possível constatar pela
bibliografia levantada, logo no primeiro capítulo, a caracterização dos elementos que habitavam
esta região, num momento anterior a chegada dos primeiros colonos com descendência
europeia, os denominados caboclos.
Tais elementos, foram caracterizados, na maioria das vezes, pelos migrantes que aqui
se assentaram como figuras perniciosas, não afeitas ao trabalho, perigosos e incivilizados, sendo
assim, não poderiam trazer a região o progresso e a modernidade necessários para o
desenvolvimento de Chapecó. Entretanto, o que foi possível caracterizar por este trabalho, foi
o modo de vida diferenciado do migrante que o caboclo levava, com um ethos voltado para a
subsistência e a não correlação com o sistema do capital moderno. Essa diferença foi o que
selou para a história, através de uma historiografia tradicional, a figura do migrante como
grande desbravador e o responsável único para o desenvolvimento da região, pois foi a partir
da entrada do migrante que Chapecó entra na rota da exploração capitalista.
Um ponto de inflexão nesta trajetória, sem dúvidas foi a Guerra do Contestado, que
além de mostrar as intenções particularistas do Estado, lançou mão de uma dizimação intensa
da população cabocla, colaborando para a desapropriação da terra dos caboclos e a abertura do
processo de colonização através da iniciativa privada. Assim, a questão do Contestado marca
profundamente a colonização de Chapecó, pois, além de representar um querela entre Santa
Catarina e Paraná pelo controle das terras, esse fato deflagra um conflito campesino sangrento,
no qual, a população menos abastada sofre as amargas consequências das pretensões de um
Estado, que passou a visar para a região um caminho pautado na exploração dos bens naturais
e no enquadramento com uma perspectiva de acumulação, oposta, aos meios utilizados pelos
caboclos, o de subsistência.
122

Assim se delimita uma primeira fronteira, representada pela civilização do migrante


que, na visão estatal, possuidor do germe do trabalho, iria finalmente romper os séculos de
atraso que a região vivia. Esta fronteira, deveria ser expandida e alinhada aos pressupostos
nacionalistas brasileiros, frente a criar os novos bandeirantes que iriam proteger as fronteiras
brasileiras e levar o progresso para o interior do país.
É neste cenário que se deflagra o período ditatorial do Estado Novo e com ele o projeto
de Marcha para Oeste, propondo desbravar o interior do país, ligando o então incauto sertão
com as principais veias civilizatórias do litoral brasileiro. O projeto, tinha em uma de suas bases
o melhor balanceamento econômico entre as regiões brasileiras, potencializando o que as terras
do interior poderiam oferecer. As ideias da Marcha para Oeste tiveram uma boa aceitação entre
a elite chapecoense, que através do seu principal meio de comunicação, o periódico A Voz de
Chapecó, faz ressoar seus desejos de transformar Chapecó em um novo polo do capital.
Neste sentido, os ideais de nacionalismo e progresso, propalados pelos principais
ideólogos do regime então vigente, foram incorporados em Chapecó, que crescia baseada na
força do trabalho migrante, principalmente descendentes de europeus, que possuíam suas
crenças tradicionais fortemente arraigadas na cultura de seus antepassados. Deste modo, os
colonos que então aportavam em Chapecó, se depararam, principalmente após a instauração do
Estado Novo, com uma situação em que precisaram readequar seus modos de vida tradicionais,
frente a se enquadrarem as novas postulações que o Estado lhes impunha.
Esses migrantes foram constantemente coagidos a abandonar suas práticas ancestrais,
que incluía principalmente sua língua, vista a se tornarem aptos para o projeto nacionalizador
inaugurado durante a ditadura Vargas. Sendo assim, pode-se chegar a algumas conclusões que
apontam a tentativa da elite chapecoense, principalmente em torno da família Bertaso, de
transformarem os migrantes em elementos capazes de propagar e sustentar a brasilidade e os
interesses brasileiros no até então sertão oestino.
É nesta perspectiva, que o a ideia e o discurso de Marcha Para Oeste serão
incorporados e ressignificados por esta elite local, com a finalidade de se beneficiar das
benesses que o projeto de nacionalização propunha para as regiões do oeste do Brasil. Assim,
através da refundação do mito bandeirante, postulado pelos ideólogos estadonovistas, que
engendravam uma nova simbologia para o país, frente a criar um imaginário coletivo, no qual
a figura da nação e seu líder figuravam como expressão maior, os próceres oestinos, colocaram
o elemento migrante como esse “neobandeirante” que iria se embrenhar nas matas do sertão
selvagem, na perspectiva de sustentar as balizas da nação e lá levar os símbolos nacionais.
123

Esta tentativa de hegemonização cultural, que buscava inculcar tradições e figuras


consideradas brasileiras, em todos os cidadãos do país, foi ressignificada pela elite local
chapecoense, que apostou na remodelagem da tradição dos colonos, para que os mesmos,
abandonassem práticas, como a comunicação em língua estrangeira, e adotassem costumes que
revelassem sua brasilidade. Soma-se a isso, a tentativa constante de livrar o Oeste Catarinense
da pecha de incivilizado e selvagem. Deste modo, durante vários editoriais, o jornal buscou
cobrar das autoridades auxílio para que esse projeto fosse concretizado, reivindicando
investimentos em estradas para ligar a cidade aos centros “civilizados do país”, construções de
escolas para o ensino dos “patrícios” e qualificação dos professores, para que fossem capazes
de plantar aqui a brasilidade pelos métodos educativos.
Ao cobrar das autoridades maior empenho, a elite chapecoense, viu então no projeto
de Marcha para Oeste e em suas ações, como a criação do Território Federal do Iguaçu, uma
oportunidade inigualável de enquadrar Chapecó nos moldes da modernidade capitalista,
apostando que com a intervenção direta do governo federal, a região poderia receber os recursos
suficientes para a concretização de tal desejo. O censo de 1940 serviu da baliza para caracterizar
a sociedade que os patrícios chapecoenses buscavam modificar. Fortemente agrária, com
escoamento de produção ainda escasso, ausência de grandes industrias, com índices
educacionais precários e população analfabeta em larga escala. Os problemas sociais
apresentados constituíam verdadeiro entrave para a consolidação deste projeto modernizador,
cujo fim último seria alcançar o progresso e alavancar Chapecó para um posto relevante tanto
em cenário estadual quanto nacional.
Durante essa busca por consolidar este projeto modernizador, os interesses
econômicos que beneficiavam diretamente esta elite em Chapecó foram amplamente discutidos
e cobrados das autoridades do Estado Novo, gerando rusgas que iriam levar inclusive a censura
do periódico que explanava essa voz crítica. Dinamizar o comércio, através da abertura e
conservação de vias que escoariam a produção de maneira mais eficaz, estabelecer linhas de
ônibus que trariam incremento de outras população a cidade, consolidar a energia elétrica,
investir em aparato educacional para formar pessoas qualificadas para produzir e gerir o
progresso, constituíam algumas das bases para afluir o processo civilizatório, potencializar a
transformação da cidade e estender a fronteira do capital rumo ao oeste do estado.
Com o endurecimento do regime, principalmente após a entrada do Brasil no conflito
da Segunda Guerra Mundial, que gerou diversas perseguições e cerceamentos ainda maiores a
liberdades individuais, as ações nacionalistas se tornaram práticas de um regime militar
aplicado as populações colonas que passaram a representar um perigo a brasilidade. Em outras
124

palavras, o colono descendente de europeu que antes fora o elemento primordial de um processo
idealizado de branqueamento e potencialização econômica da fronteira, agora era encarrado
com desconfiança, e precisava ser selecionado, para que os “Súditos do Eixo”, como muitos
alemães e italianos eram chamados, fossem separados dos colonos já “abrasileirados” e
congregados no seio do nacionalismo brasileiro. Assim, o regime pautava a aplicação de
medidas de controle populacional através da supressão e do medo, para modelar trabalhadores
dóceis a ideologia do regime, que servissem para produzir e progredir a localidade, desde que
não entrasse em conflito com as pactuação do nacionalismo autoritário brasileiro.
A Voz de Chapecó serviu muitas vezes como porta voz desta prática autoritária, em
suas muitas páginas que cobrava a nacionalização do ensino em Chapecó e ao mesmo tempo
silenciava sobre o verdadeiro regime de cerceamento de direito individuais vividos pelos
colonos em Chapecó. O periódico não só endossou as práticas do regime do Estado Novo, como
contribuiu para a sua perpetuação, tentando modelar a população colona, para que, ao se
adequar ao arquétipo propalado pelo regime, servisse de propulsora do progresso e da
modernização de Chapecó.
A elite, que controlava o periódico e também se tornou a principal herdeira do Estado
Novo em Chapecó, só foi confrontada de suas posições durante o período ditatorial após o
período de redemocratização do país, quando outras facções políticas passam a se aglutinar,
muito em resposta a essa dominação exercida pelos Bertaso e seu grupo. Desta forma,
mostrando como a perpetuação do poder político e econômico se deu através das práticas
autoritárias vividas no período.
Assim, não somente através do discurso, mas também do poder político e econômico,
a elite dos patrícios chapecoenses, gravitada em torno da família Bertaso, angariou força
durante o regime do Estado Novo, suplantando adversários políticos, que só puderam se
organizar após 1945, para hegemonizar seu projeto de progresso autoritário. Desta forma, a
modernização e transformação de Chapecó se calcaram em medidas de coerção, silenciamento
e inculcação ideológica, buscando transformar as pessoas que colonizaram a cidade em
elementos não só portadores do germe do trabalho mas também, multiplicadores de uma
ideologia de progresso, ordem e moral cristã, disposta a repelir qualquer elemento que
ameaçasse tal congregação de valores.
Enfim a transformação da fronteira oeste, agora em um novo polo do progresso,
calcado pelos valores do capital, teve no período nacionalista e ditatorial de Vargas um grande
propulsor. Neste período, foram lançadas as bases para uma Chapecó que passou a se apegar
ao discurso de trabalho, ordem, progresso e família, que perpassou as décadas e se encontra
125

presente até os dias de hoje. A ideia de cidade que não para, de celeiro do oeste, de povo ordeiro
e trabalhador constituem na contemporaneidade uma retórica ainda muito viva, de elemento
distintivo da cidade perante as demais e também de perpetuação política conservadora.
Neste sentido, os assuntos envoltos a temática de pesquisa até aqui realizada não
encontra esgotamento, pois as possibilidades de prosseguimento são múltiplas. Como por
exemplo, os impactos das políticas ditatoriais varguistas na dissolução de elos tradicionais dos
colonos, dando uma maior ênfase ao elemento cultural durante e após o período de repressão.
Os maiores impactos ambientais das políticas de dinamização do progresso no período, junto
com uma história de rememoração dos principais personagens chapecoenses no período,
também constituem outro exemplo de relevante pesquisa histórica envolvendo Chapecó e o
Estado Novo. Enfim, uma pesquisa em História nunca encontra uma conclusão definitiva, pois
o que seria do devir histórico se se esgotassem as perguntas e os problemas relacionados ao
nosso passado?
126

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Periódico A Voz de Chapecó, ano I, n. 12, 18, 21, 26, 31, 32, 46, 55; ano II, n. 81, 87, 88.

Fonte Iconográfica:
Acervo digital Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina. Disponível em:
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Acervo digital Gazeta do Povo. Disponível em: http://flip.gazetadopovo.com.br/pub/grpcom/

Fonte Oficial:
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Diário Oficial da União - Seção 1 - 19/1/1940, Página 1071. Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-1968-17-janeiro-1940-
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