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Chapecó Durante o Estado Novo (1937-1945) Tese
Chapecó Durante o Estado Novo (1937-1945) Tese
Chapecó Durante o Estado Novo (1937-1945) Tese
CAMPUS CHAPECÓ
CHAPECÓ
2020
KELVIN FRANCISCO BONSERE
CHAPECÓ
2020
UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL
CEP 89802-112
This paper proposes to problematize the resonances of the archetype of border expansion
of capital applied in Chapecó in the delimited period of the Estado Novo, which was
consolidated in the country between the years 1937 and 1945. This theme is the result of
an opportunity to problematize and understand the current discourses in the region, which
proclaim an idea of a city in progress, the fruit of a Europeanized colonization, which the
statesmanship period promoted, seeking to create in the region its bastion of Brazilianness
and ensure the borders of the country, in an action aligned with its nationalist policy.
Thus, the transformation of Chapecó into a new pole of the capital in the western region
of Santa Catarina, took place in a context of authoritarian ascension, and mainly
persecution of the elements considered harmful to the inculcation of Brazilianity,
formulated from the ideology of the March to the West, managed by the ideologists of
the Estado Novo. In Chapecó, the elite formed by the first settlers and holders of the
media vehicle written at Voz de Chapecó, sought to resinify the nationalist ideals in order
to turn the migrant settlers of European descent into elements suitable for the retail
project. For such work, the use of the journalistic source helped to understand the
discourse emanating from this elite, congregated the official source that unveiled the links
to concretize the discourse in reality.
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 13
CAPÍTULO I CONSTRUINDO UMA FRONTEIRA ............................................ 27
1.1 Aspectos históricos da fronteira oeste. ............................................................... 29
1.2 Contestado: inflexão na definição da fronteira ............................................... 35
1.3 Colonização: Expansão da fronteira do capital ................................................... 38
1.4 Colonização: fronteira cabocla versus fronteira euro descendente ................. 42
CAPÍTULO II
ESTADO NOVO: NACIONALISMO E PROGRESSO [ NACIONAL E NA
REGIÃO OESTE] ..................................................................................................... 48
2.1 A construção do Estado Novo e A ideologia do progresso ............................. 49
2.2 A Marcha para Oeste e o progresso do sertão ..................................................... 60
CAPÍTULO III
A FORMAÇÃO DA FRONTEIRA OESTE CATARINENSE:
NACIONALIZAÇÃO, AUTORITARISMO E PROGRESSO. .............................. 72
3.1 O discurso dos “patrícios” na transformação da fronteira oeste...................... 74
3.2 Um modelo de sociedade: o nacionalismo e o autoritarismo unidos para instalação
do progresso. ......................................................................................................... 102
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 121
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................... 126
13
INTRODUÇÃO
1
Quando da sua criação em 25 de agosto de 1917 e durante o período estudado, o município de Chapecó
compreendia uma área de 13.958 km2, sendo desmembrado após a década de 1950 em vários outros municípios.
2
CARDOSO, Ciro Flamarion. História e Conhecimento: uma abordagem epistemológica. In: CARDOSO, Ciro
Flamarion. VAINFAS, Ronaldo. Novos Domínios da História. Rio De Janeiro: Elsevier, 2012. p.14.
14
reconhecida como tal, rememorando seu passado para justificar sua afirmativa. Aqui, cabe
ressaltar que que a denominação de sertão pode ser encarada, segundo trata Arruda:
3
ARRUDA, Gilmar. Cidades e Sertões: o historiador entre a História e a Memória. Projeto História, UNESP,
São Paulo, 1999. p.123.
15
Tal monumento, deflagrou na cidade um debate que extrapolou além do valor da obra,
estimada em trezentos mil reais, e suscitou a questão de quem se quer lembrar e de quem é na
maioria das vezes esquecido no âmbito da memória local. Aqui, cabe ressaltar o caráter
significativo da obra, construída para lembrar o centenário de Chapecó, e se perguntar o motivo
de sua produção na presente data. A atualidade da discussão se liga a uma ideia de
“conservação” do passado em voga atualmente, que François Hartog definirá como um
excesso de presentismo, onde segundo José Carlos Reis “ antes era a memória nacional; agora
o regime da memória mudou: memórias parciais, setoriais, particulares, de grupos, associações,
empresas, coletividades, que se consideram mais legítimas de que o Estado”4. Nesta linha, a
memória se reveste de caráter corporativista, e responde ao anseio presente de um grupo que
busca hegemonizar seu controle político, usando de uma memória do passado, aqui
corporificada em três personagens considerados responsáveis por deflagrar o progresso na
região, para propalar para o restante da sociedade seu ideário.
É no meio desse campo de disputa, onde lembrados e esquecidos surfam na maré da
História, é que se insere a proposta deste trabalho. Não culpabilizando os colonos que para a
região migraram, mas buscando jogar luzes sobre um processo, encetado por um ideário
político, econômico e social, que enfatizava a promulgação e propagação do progresso, frente
4
REIS, José Carlos. Teoria e História: tempo histórico, história do pensamento histórico ocidental e
pensamento brasileiro. Rio de Janeiro: FGV, 2012. p. 56.
16
Desta forma, denota-se que a constituição do conceito de fronteira não é um devir fácil
para quem o tente fazê-lo, logo que no bojo de sua estruturação se confrontam múltiplas
potencialidades e aspectos a serem abordados. Neste sentido, é necessário contextualizar
historicamente a constituição do conceito de fronteira e principalmente as diversas abordagens
adquiridas pelo mesmo na historiografia brasileira. Para tal, ao suscitar o processo de
construção do conceito Fronteira a obra clássica ao qual encontra ressonância em várias
produções historiográficas tanto no imediato de sua publicação quanto na contemporaneidade,
é a obra de Frederick Jackson Turner, um dos maiores historiadores americanos do século XIX
e autor da conhecida Tese de Fronteira, engendrada principalmente através de um
conglomerado de artigos, dos quais o mais famoso O Significado da Fronteira na História
Americana, lançado em 1893 em Chicago. A tese de Turner, apesar de hoje bastante contestada
e para muitos historiadores superada, devido a seu caráter romantizado sob o qual vislumbrou
5
MYSKIW, Antônio Marcos. Uma Breve História da formação da fronteira sul do Brasil. In: RADIN, José
Carlos; VALENTINI, Delmir José; ZARTH, Paulo. História da Fronteira Sul. Chapecó: Ed. UFFS, 2016. p.
43.
17
6
AVILA, Arthur Lima. E da fronteira veio um pioneiro: Frontier Thesis de Frederick Jackson Turner (1861-
1932). Dissertação (Mestrado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas Departamento de História Programa de Pós-graduação em História. Porto Alegre, 2006. p.54.
18
colonizador como um elemento formado pela mescla cultural com o nativo, ao se deparar com
o meio hostil que o rodeia, o europeu renuncia muitas de suas tradições europeias e toma para
si diversas práticas nativas indígenas que vão lhe auxiliar no processo de expansão da fronteira
europeia. Neste sentido, surge um novo elemento que segundo Robert Wegner, ao analisar o
legado de Holanda, sintetiza os três momentos da fronteira: “adaptação ao nativo, recuperação
do legado europeu e amálgama de tradições que resulta em algo novo”.7 Assim, esse novo
elemento que surgirá a partir do meio e da adaptação da cultura indígena, formará o homem da
fronteira.
É neste contexto, que podemos relacionar a ideia de fronteira, propalada por Turner e
adaptada por Holanda, com o programa de Marcha Para Oeste deflagrado pelo governo de
Vargas durante o Estado Novo. Neste programa, a ideia de um sertão a ser conquistado entra
em pauta, e a construção desse sertão e dessa conquista passa a ser concebida pelos intelectuais
estadonovistas, em vista a criar uma imagem mítica e propagandística do projeto, assim como
tratam Dutra e Silva, Galvão Tavares, Miranda de Sá e Andrade Franco, em seu artigo Fronteira,
História e Natureza: a construção simbólica do Oeste Brasileiro (1930-1940):
Desta forma, a obra Marcha Para Oeste de Cassiano Ricardo engendra a característica
mítica da fronteira oeste como um local a ser conquistado, de onde proverá os novos louros da
nação, tal qual as bandeiras buscaram no período colonial brasileiro. Nessa mesma perspectiva,
a obra de Ricardo evoca a figura de um neobandeirante reencarnado do espírito do bandeirante
paulista que expandiu as fronteiras da coroa portuguesa e explorou as riquezas da terra. Este
novo homem receberia a função de levar o espírito da brasilidade para o sertão selvagem
brasileiro, propagando a ideologia litorânea de progresso e civilidade.
Entretanto, o conceito de Fronteira se modifica e passa a ser encarado pela
historiografia, aqui no caso a brasileira, com uma abordagem que remete ao espaço de fronteira
7
WEGNER, Robert. A Conquista do Oeste: a fronteira na obra de Sérgio Buarque de Holanda. Belo Horizonte:
Ed UFMG, 2000. p.161.
8
SILVA, Sandro Dutra; TAVARES, Giovana Galvão; DE SÁ, Dominichi Miranda; FRANCO, José Luiz de
Andrade. Fronteira, História e Natureza: a construção simbólica do Oeste Brasileiro (1930-1940). Revista
de História Iberoamericana. Anápolis, v.7, n. 2, p. 4, 20 de outubro de 2014.
19
como local de confronto, onde se tecem diferenças culturais e se hegemonizam culturas que se
buscam dominantes no espectro social. Neste sentido, denota-se fronteira pelo aspecto de frente
em expansão, no qual um prisma ideológico imbuído de seu caráter expansor, dinâmico e
modernizador, busca atrelar as áreas que ainda “resistem” a sua ideologia. Sendo assim, a
fronteira se transforma em um espaço de conquista e aqui descrito como uma conquista do
capital em busca de expandir seu domínio, fato que será melhor elucidado no decorrer deste
trabalho.
Segundo esta perspectiva, a fronteira extrapola sua dimensão geográfica para adquirir
uma dimensão de construção e reconstrução de etnicidades, culturas, ideologias. É na expansão
de sua fronteira que o capital desalojará aquele que considera inculto, não civilizado e realocará
o elemento próspero para a implementação de seu ideário. Assim, como trata José de Souza
Martins, ao problematizar o conceito de fronteira:
9
MARTINS, José de Souza. Fronteira: a degradação do outro nos confins do humano. São Paulo: Hucitec,
1997. p.13.
20
10
BENOIST, Alain de. Uma Breve História da Ideia de Progresso. Legio Victrix, 2011. Disponível em:
https://legio-victrix.blogspot.com/2011/08/uma-breve-historia-da-ideia-de.html. Acesso em: 15 out. 2018.
21
Deste modo, o progresso continuou sendo aplicado a uma proporção universal podendo
atingir diversas sociedades. Com o advento das revoluções industriais e burguesas levaram o
patamar do progresso ao campo material, atrelado também a um sentido civilizatório. Aqui
progresso e civilização caminham unidos em um discurso para legitimar o processo de
colonização em diferentes partes do globo, sendo o colonizador o responsável por instituir a
civilização e deste modo guiar aquela localidade no sentido do progresso.
No século XIX, essa concepção de progresso irá se somar a outras teorias que irão
potencializar sua aplicação como o positivismo de August Comte, onde o endeusamento da
ciência e suas benesses chegará a seu auge com o autor estabelecendo estágios para o alcançar
do progresso, a qual cada sociedade deveria passar, a saber: o teleológico, o metafísico e o
positivo, sendo esse último o estágio evolutivo alvo para toda a sociedade considerada
civilizada. Nesse princípio de evolução, outras teorias que encontraram terreno fértil no bojo
da construção do ideário de progresso, são as teorias raciais, construídas a partir de um princípio
etnocêntrico e eurocêntrico, tais teorias colocam no centro do debate sobre o progresso a
questão étnica ou entendida no período como racial. Dentre essas teorias, encontramos a
Eugenia que pregava uma “higienização racial” através da herança biológica, buscando a
produção de uma raça pura superior. Essa concepção está ligada a uma adaptação da doutrina
11
NISBET, Robert. História da ideia de progresso. Brasília: UNB, 1985. p.88.
12
BENOIST, Alain de. Op., Cit.
22
13
ALENCASTRO, Luiz Felipe; RENAUX, Maria Luiza. Caras e modos dos migrantes e imigrantes. In:
NOVAIS, Fernando A.; ALENCASTRO, Luiz Felipe de. História da vida privada no Brasil: império: a corte e
a modernidade nacional. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 291-335.
14
HOBSBAWM, Eric. Nações e Nacionalismo desde 1780 –Programa, Mito e Realidade. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2002. 3 ed. p. 14.
23
O autor, denomina neste trecho a ideia de nação como algo intrinsecamente subjetivo,
calcado em um pressuposto ideológico formado a partir de um ideal imposto e insistentemente
hegemonizador, no qual o Estado teria papel fundamental em sua criação. Tal papel do Estado
mostra sua latência no Brasil no período ditatorial estadonovista, no qual o ponto central, a
campanha de nacionalização, se propõe a integrar todo o território a brasilidade, dirimir os
quistos étnicos, e modernizar todo o complexo formativo da nação, inerente a isso o trabalho e
a civilidade, pressupostos indispensáveis ao brasileiro que se propunha criar.
É dessa união entre a ideologia de criação de uma nação calcada no progresso com a
expansão da fronteira do capital para as áreas consideradas, até então, o sertão do país, que irá
se configurar o processo de formação da fronteira oeste em Santa Catarina. De tal modo, é
imperativo suscitar as idiossincrasias da conflagração formativa da região levando em
consideração os arranjos locais, tanto em termos políticos como sociais, que obtiveram também
papel conformador nesta fronteira da qual debruço minha análise. Sendo assim, proponho para
os próximos capítulos uma construção analítica em torno da formação da fronteira oeste em
suas variadas particularidades.
Para que se alcancem os objetivos pretendidos, alguns caminhos podem ser mais
producentes. O primeiro deles está na análise da documentação oficial que trata do governo
encabeçado por Getúlio Vargas durante o período denominado Estado Novo. Deste modo,
analisar os discursos oficiais, como os de Getúlio Vargas se faz de suma importância. Tais
documentos estão disponíveis em obras como Getúlio Vargas A Nova Política do Brasil,
encontrados em versão online no site da biblioteca da Presidência da República, outros
documentos foram encontrados no Arquivo público do Estado de Santa Catarina e tratam do
período governamental do interventor Nereu Ramos. Trabalhar com fontes oficiais envolve não
apenas transcrevê-las, como na historiografia tradicional, mas entende-las a luz do aparato
administrativo da época, como se inseriram no período analisado, quais foram apenas
burocracia acumulada ou efetivamente concretizadas.
Outro caminho possível de ser concretizado é através da análise da fonte jornalística,
por meio dos principais periódicos que circularam na fronteira Sul no período do Estado Novo.
Muitos desses periódicos são encontrados na Hemeroteca Digital do site da Biblioteca
Nacional, como O Estado e O Dia do estado do Paraná, outros como A Voz de Chapecó, está
disponível no Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina. Tal cenário aborda a imprensa
local como um veículo sobre o qual os estereótipos culturais e sociais da sociedade abordada
se fazem presente, com muito mais latência no período ditatorial em qual se vivia. Segundo
Tania de Luca:
24
Assim o uso da fonte jornalística de época nos faz entrar no jogo político local, buscando
entender as posições, os interesses e o discurso de quem controlava esse jogo político. Analisar
desta forma é ampliar o leque de interpretações, não vendo o jornal como verdade absoluta e
nem com minado de ideologia, mas sim um instrumento de reconstrução de culturas sociais de
determinado período.
As fontes iconográficas são outro exemplo de trabalho disponível para compreender o
processo de colonização do Oeste. Vários materiais se encontram hoje disponíveis no Centro
de Memória do Oeste de Santa Catarina (CEOM) e servirão de base para a pesquisa aqui
pretendida. O trabalho com fotografias leva em conta a materialidade dessa fonte como
instrumento de pesquisa histórica, não como reprodução da verdade, mas como uma construção
e representação da realidade, suscitando múltiplas interpretações. Desta forma, os registros
fotográficos da exploração da fronteira Sul, permitirão analisar as representações buscadas
pelos sujeitos que as produziram, jogando luz sobre como esse processo foi desenvolvido e
como foi propagado. O aspecto político também se encontra inerente aos registros fotográficos,
pois uma foto é também a dimensão a qual se busca focar para se perpassar ao futuro, é uma
idealização de uma sociedade, de um fato ou indivíduo, de um projeto político, que se tenta
emoldurar, buscando eternizar seus valores.
No primeiro capítulo deste trabalho, proponho problematizar os processos históricos
relevantes para a constituição do que engendro como Fronteira Oeste Catarinense, realizando
uma digressão histórica, com o intuito de remontar historicamente a constituição política e
social do que formaria a fronteira entre Brasil e Argentina, passando pela delimitação colonial
e desembocando nas querelas entre os já independentes Brasil e Argentina, chegando a questão
de limites do Contestado, entre Paraná e Santa Catarina. Tal conflito será encarado como um
momento de tensão e formação de um novo núcleo de povoamento e exploração na fronteira
Oeste. Deste modo, procurar entender a configuração do conflito a partir de uma lógica de
Estado para a perpetuação de um modelo social e econômico, em detrimento do elemento social
vigente em terras do Oeste Catarinense.
15
DE LUCA, Tania. Fotografia: múltiplos olhares. São Paulo: Contexto, 2005. p. 129.
25
Ainda no primeiro capítulo, será construída uma análise referente aos pressupostos
pautados pela colonização para a região oeste. Em outras palavras, analisar a expansão do
capital, engajado em seu viés de produção de excedentes, somado a ideia de um catolicismo
romanizado, progresso pelo trabalho e tradições patriarcais. Soma-se a isso, a formação da
fronteira étnica entre caboclos e colonos no oeste de Santa Catarina. Desta forma, explicitar os
antagonismos criados entre estes dois grupos e que vão consolidar por um longo tempo na
história local a figura do colono com o propulsor do progresso em contraposição ao caboclo
“preguiçoso e indolente”.
No segundo capítulo desta produção, farei uma abordagem da construção do Estado
Novo em âmbito nacional, estadual e local, enfatizando suas propostas nacionalistas e de
expansão da fronteira do capital rumo as áreas consideradas os sertões do país. Aqui busco
engendrar a formação do aparato estadonovista sob as óticas do autoritarismo, nacionalismo e
progresso e suas ressonâncias em âmbito regional, fundido com os interesses da elite
chapecoense, no intuito de legitimar sua perpetuação no controle das áreas de colonização. Ao
me referir ao termo elite engendro aqui a um conceito muitas vezes polissêmico, porém
entendido como trata Bobbio “uma minoria que, por várias formas, é detentora do poder, em
contraposição a uma maioria que dele está privada”16.
Neste sentido, vários autores denotam a diferenciação de elite em várias vertentes como
política, econômica, religiosa, entre outras. Aqui em Chapecó, percebo e trato a designação de
elite, como a confluência de uma minoria dominante economicamente e que buscará e logrará
imbricação com o domínio político ao atrelar suas emanações econômicas com o aparato
burocrático estatal. Então elite designa a minoria condutora do processo de transformação da
fronteira oeste catarinense em suas várias vertentes, destacando-se o econômico e o político.
Chama a atenção como essa elite local se autorreferenciava, como patrícios, um termo que
remete a alguém proveniente da mesma terra, com as mesmas origens. Termo esse que servia
para identificação e diferenciação dos elementos dominantes em Chapecó.
No terceiro capítulo, abordo de forma mais efetiva as ações, políticas e discursos que
permearam a construção do ideário de progresso e o arquétipo de modernização da fronteira
oeste, problematizando o discurso de progresso na região, elucidando como a elite local buscou
se apropriar deste discurso para manter sua hegemonia política e econômica. Soma-se a isso, a
utilização de meios coercitivos e autoritários, que buscavam a hegemonização cultural e a
16
BOBBIO, N; MATTEUCCI, N; PASQUINO, G. Dicionário de política. 4ª ed. Brasília: EDUnB, 1992. p.386.
26
transformação do elemento migrante em alguém apto tanto para modernizar Chapecó, quanto
para servir de bastião da ideologia nacionalista.
Enfim, busco neste trabalho contribuir para uma leitura da constituição política e social
da fronteira oeste num período de repressão e ideologia política nacionalizadora, frente a
construir um ideal de nação propalado pelos elementos civilizatórios, no que concerne a um
modelo econômico e num padrão social. Deste modo, nas próximas páginas, além de uma
digressão pela formação histórica da região, convido para uma análise da formação da fronteira
Oeste Catarinense sob as égides que a propalam atualmente, ou seja, uma localidade onde
progresso foi construído por mãos de uma etnia propensa ao labor em suspensão ao que aqui se
construía anteriormente e ensejando o período estudado, a transformação da localidade como
um bastião de fronteira a ser garantido para o domínio da brasilidade.
27
CAPÍTULO I
A região oeste de Santa Catarina, que compreende hoje a mais de uma centena de
pequenos municípios, tendo em Chapecó como uma cidade polo, teve em sua constituição
histórica social e econômica, um longo processo de formação, passando desde as populações
indígenas que chegaram a região a pelo menos nove mil anos antes do presente, passando pelos
portugueses que adentrariam esse território em fins do século XIX e culminando com a
migração colona rio-grandense. Como tratam Radin e Corazza:
Como explicitam os autores, a configuração histórica regional tem em sua base atual a
incorporação de vários elementos que foram se moldando para a formação de uma sociedade
estruturalmente capitalista. Neste ponto, discordo da maneira evolucionista como os autores
tratam a preponderância capitalista na região. Tal termo remete a uma concepção de que a lógica
do capital seria a culminância do que melhor se apresenta na humanidade, visão que discordo,
pois, creio que os modos de vida apresentados por indígenas e caboclos na região não seriam
um arcaísmo histórico, muito pelo contrário, cada qual em suas particularidades buscou viver
seu mundo dentro do que sua cultura e do que seu meio lhe apresentava, sendo assim, não temos
como classificar ou ordenar em ordem evolutiva tais culturas. Tal processo de evolucionismo
da humanidade, encontra ressonância em um ideal de superioridade cultural e de imposição
ideológica de um futuro de progresso, hegemonizando práticas e padrões de vida. Desta forma,
procuro engendrar neste capítulo inicial as bases históricas que construíram o Oeste Catarinense
como tal, que hoje se vangloria de seu progresso em marcha e de seu passado construído por
etnias que chegaram em um tempo muito posterior a populações aqui já estabelecidas e que,
neste cenário, criaram com essas populações uma relação de extrema violência e espólio,
buscando propagar o seu ideal e solidificá-lo na história como único, sem volta e verdadeiro.
17
RADIN, José Carlos. Dicionário histórico-social do Oeste catarinense / José Carlos, Gentil Corazza.
Chapecó: Ed. Universidade Federal Fronteira Sul, 2018. p.70.
28
18
LINO, Jaisson Teixeira. DA SILVA Elisana Reis. LINO Gislaine Inácio de Melo. Fronteiras
interdisciplinares no estudo do passado indígena: considerações sobre arqueologia e história em Santa
Catarina. Cadernos do CEOM - Ano 25, n. 37 – Fronteiras. p. 161-175.
19
CARBONERA, Mirian. Notas sobre a história das sociedades pré-coloniais do oeste catarinense. Revista
Tempos Acadêmicos, Dossiê Arqueologia Pré-Histórica, nº 11, Criciúma, 2013.
30
portuguesa, tanto pelas repúblicas Brasil e Argentina. Aqui, percebe-se que a região se
configurou com estratégica por estabelecer-se como uma fronteira e, portanto,
geopoliticamente20 de extrema relevância.
A região abrangente pelo território Oeste Catarinense foi palco de disputa tanto por
Portugal e Espanha, quanto posteriormente por Brasil e Argentina. Na era colonial brasileira a
questão da posse das terras envolvendo o sul do país começou a entrar em litígios a partir da
fundação da colônia de Sacramento em 1680 no qual os portugueses ingressavam para além do
tratado de Tordesilhas, ocupando territórios até então espanhóis. As divergências continuaram
mesmo com os tratados de Madri de 1750, de Santo Idelfonso de 1777 e de Badajós em 1801,
com o Brasil configurando seu território com base no princípio de uti possidetis, se alastrando
até após a independência das duas colônias, Brasil e Argentina. Já na era independente, as duas
nações ainda não encontravam acordo satisfatório para a questão. A argentina conclamava a
fronteira, na época conhecida como região de Palmas, nos rios Chapecó e Chopim, já o Brasil
defendia a fronteira pelos rios Peperi-Guaçu e Santo Antônio. Segundo Heinsfeld:
20
Definir o conceito de geopolítica não é uma tarefa das mais simples, pois existem uma multiplicidade de
correntes de pensamento oriundas de diversos países, assim Halford Mackinder (1861-1947) seria o fundador da
escola de geopolítica inglesa; Ratzel (1844-1904) o fundador da escola alemã; Vidal de La Blanche (1845-1918)
da escola francesa e Alfred Mahan (1840-1914) seria o fundador da escola norte-americana de geopolítica.
(CÉLERIÉR, 1969, p.11). Utilizo aqui a concepção de geopolítica inaugurada a partir das concepções da escola
alemã de Ratzel, que apesar de não ser o primeiro a levantar as bases de uma geografia política, foi um dos
pioneiros a tratar cientificamente a questão com a publicação de sua obra Geografia Política em 1897. Para
Ratzel, a força do Estado estava intimamente ligada ao espaço - na sua forma, extensão, relevo, clima e
disponibilidade de recursos naturais -, à sua posição - relações sociais estabelecidas entre o Estado e o seu meio
circulante no âmbito nacional e internacional - e, por último, ao sentido (ou espírito) do povo, que representava a
força desse determinado povo em relação a outro. MORAES Ant. Carlos Robert, Geografia Pequena História
Crítica 20° ED, São Paulo: Hucitec, 1994, p.15 a 21.
21
HEINSFELD, Adelar. A questão de Palmas entre Brasil e Argentina e o início da Colonização Alemã no
Baixo Vale do Rio do Peixe. Joaçaba: UNOESC, 1996. p. 61
31
da incursão dos índios, sendo responsáveis pela catequese desses índios como forma de
“civilizá-los”22.
Em 1889 Brasil e Argentina acordam em estabelecer a resolução da querela por
intermédio Norte Americano, entretanto em 1890 o chanceler brasileiro Quintino Bocaiúva
assina em Montevidéu um tratado com o seu par argentino Estanislao Zeballos, em que a área
contestada seria dividida entre os dois países. Porém, o fato não é bem recebido pela opinião
pública brasileira, e o congresso brasileiro o rechaça em agosto de 1891, alegando que a questão
poderia ser melhor resolvida, e vencida pelo lado brasileiro, em arbítrio do presidente
estadunidense. O Brasil nomeia então o Barão do Rio Branco como representante brasileiro em
Washington, que passa a reunir toda a informação histórica e cartográfica da região em litígio,
imbuído mais uma vez do princípio Uti Possidetis, onde provou a presença e ocupação
brasileira na região preterida pelo Brasil, conseguindo assim ganho de causa em 1895, por meio
do laudo do presidente norte-americano Glover Cleveland.
A situação, demonstra como as terras que se configurariam mais tarde como o Oeste
Catarinense, exerceram papel nevrálgico na delimitação das fronteiras dos Estados modernos
em construção na América do Sul. Deste modo, nesta região, delimitar o espaço territorial
determinaria não só a soberania de uma nação sobre esse espaço, mas também, engendraria um
jogo de poder ideológico, de conformação de uma ideia de nação frente aos indivíduos. Essa
percepção pode ser entendida ao analisarmos a abordagem que Heinsfeld faz sobre o renomado
geógrafo suíço Claude Raffestin:
22
XAVIER, Mário. O Coronel Freitas e a Colônia Militar do Chapecó: Os primórdios de Xanxerê e a
colonização do Oeste Catarinense. Florianópolis: Insular, 2016.
23
HEINSFELD, Adelar. Op., Cit. p. 29.
32
[...]Litoral (ou “costa”, palavra mais usada no século XVI) referia-se não somente a
existência física da faixa de terra junto ao mar, mas também a um espaço conhecido,
delimitado, colonizado ou em processo de colonização, habitado por outros povos
(índios e negros), mas dominado pelos brancos, um espaço da cristandade, da cultura
e da civilização... “ Sertão”, já se viu, designava não apenas os espaços interiores da
colônia, mas também aqueles espaços desconhecidos, inacessíveis, isolados,
perigosos, dominados pela natureza bruta e habitados por bárbaros, hereges, infiéis,
onde não haviam chegado as benesses da religião, da civilização e da cultura.24
Esta caracterização de “Sertão” e sua oposição com o litoral, não só prevaleceu, na sua
essência durante as primeiras décadas do século XIX, como também serviu de base para uma
idealização de nação, no qual esse espaço genuinamente sertanejo haveria de ser incorporado.
Pautadas tais considerações, percebe-se que o território contestado, apesar de ainda pechado de
sertão, era visto também como uma região estratégica, rica para ser explorada e urgentemente
necessária a ser “nacionalizada”, frente a sua fronteira com os argentinos.
24
AMADO, Janaína. Região, Sertão, Nação. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol 08, n.15, 1995, p. 145-151.
P.148.
33
O mapa 02 mostra a enorme extensão da região em litígio, área que mais tarde iria
compor grande parte do território catarinense. Aliás as pretensões do estado catarinense, pela
posse destas terras, já vinham sendo confirmadas em ações no Supremo Tribunal Federal, como
mostra Valentini: “em 1904 a questão foi levada ao STF que concedeu ganho de causa a Santa
Catarina; o Paraná, por sua vez, recorreu da decisão. Em1910, pela terceira vez, o STF
confirmou em definitivo a sentença em favor a Santa Catarina”25. Porém a tensão entre os dois
estados continuaria acentuando-se mais tarde em confrontos bélicos envolvendo os habitantes
do local.
As contendas envolvendo os dois estados só seriam solucionadas após o episódio
sangrento da Guerra do Contestado, que será melhor analisada em sua inflexão como ponto de
fronteira no próximo subcapítulo, em 1916. Neste ano, o governo federal apresenta uma
proposta acatada, com pequenas modificações, pelos dois governadores, na qual segundo
Machado:
Santa Catarina ficou com toda faixa norte do Contestado, sendo reconhecidos os rios
25
VALENTINI, Delmir José. Atividades da Brazil Railway Company no Sul do Brasil: A Instalação da
Lumber e a Guerra na Região do Contestado (1906-1916). Porto Alegre: PUC-RS, 2009. p.53.
34
Negro e Iguaçu (até União da Vitória) como divisa entre os dois Estados; a faixa oeste,
de União da Vitória até a fronteira Argentina, ficou dividida ao meio pelos litigantes.
[...] a cidade de Rio Negro foi desmembrada, mantendo este nome do lado paranaense,
na margem direita do rio Negro. A parte desta cidade que ficava à margem esquerda
passou a ser o município catarinense de Mafra. A antiga saliência paranaense formada
pelas vilas de Três Barras, Papanduva e Itaiópolis [e Timbó] foi entregue
integralmente para Santa Catarina, o mesmo acontecendo com os vales do Timbó e
Paciência. A cidade de União da Vitória ficou dividia pelo leito da estrada de ferro,
tendo o lado norte conservado seu antigo nome, passando sua fração catarinense, ao
sul, a denominar-se Porto União. Os municípios de Palmas e Clevelândia foram
divididos, surgindo ao sul da região oeste o município catarinense de Chapecó26.
Após aceito o acordo, pelo lado catarinense, são criados quatro grandes municípios que
abrangeriam a região sob a jurisdição de Santa Catarina. Tal lei, é sancionada pelo governador
do estado em 1917, conforme a figura número 02 abaixo.
Fonte: Assembleia Legislativa de Santa Catarina. Acervo do Arquivo Histórico de Santa Catarina.
Criada, desta forma Chapecó, após a resolução do conflito do Contestado, a região será
fatiada e aberta para a frente colonizadora, assim, a delimitação de um limite territorial se
estabelece como uma forma de ligação de um processo de expansão da fronteira litorânea, um
marco no estabelecimento da civilização e dos preceitos buscados para enquadrar a região em
um ciclo produtivo, inerente ao sistema liberal capitalista. De todo modo, as querelas
26
MACHADO, Paulo Pinheiro. Lideranças do Contestado: a formação e a atuação das chefias caboclas
(1912-1916). – Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2004. p.87.
35
envolvendo a posse destas terras infere um sentido de delimitação muito maior do que o
territorial, mas também controle, disseminação de um aspecto ideológico e de uma forma de
vida balizada pelas convenções criadas pela modernidade e pelo idealismo do progresso, desta
forma, uma comarca de justiça será instaurada, uma cadeia pública que reprima os que não se
enquadrem nesse modelo, uma escola que molde os pensamentos juvenis, assim a delimitação
de uma território, o estabelecimento de um fronteira, denota muito mais do que uma simples
demarcação em um mapa.
27
MACHADO, Paulo Pinheiro. Lideranças do Contestado: a formação e a atuação das chefias
caboclas (1912-1916). Campinas-SP: UNICAMP, 2004, p. 181.
36
que veio a ser confrontado pelas forças estatais, que visavam transformar a região em um celeiro
de progresso. A historiografia do Contestado só veio a ser revisada em tempos recentes, com a
inversão do viés da guerra, buscando entender o conflito também pela visão do caboclo,
marginalizado nos diversos aspectos de sua vida e muitas vezes esquecido pelo poder do Estado.
Trabalhos como o de Paulo Pinheiro Machado, corroboram para essa revisão da guerra e para
a colocação do caboclo como figura central do conflito, segundo o autor:
Por muito tempo existiu uma espécie de silêncio público sobre a Guerra do
Contestado. Desde o final da guerra até a década de 1980, esse assunto não foi objeto
da atenção pública, embora já houvesse uma farta produção de militares e acadêmicos
sobre o tema. A partir dos anos 1980, como parte do processo de redemocratização do
país, o conflito do Contestado passou, de distintas maneiras, a ser relembrado por
movimentos sociais, órgãos de Estado e pesquisadores acadêmicos. No entanto, boa
parte da população descendente dos seguidores do monge José Maria ainda apresenta
uma memória de guerra fortemente impactada pela versão dos vencedores e pelos
ressentimentos do olvido público. Um acontecimento não lembrado é quase algo não
acontecido. A vergonha da derrota mistura-se com a sensação de irrelevância pública
de uma experiência trágica presenciada.28
28
MACHADO, Paulo Pinheiro. Guerra, cerco, fome e epidemias: memórias e experiências dos sertanejos do
Contestado. Topoi, v. 12, n. 22, jan.-jun. 2011. p. 178-186.
37
mundo do caboclo do Contestado uma verdadeira ameaça para todos os valores congregados
pela idealização de um Brasil moderno. Sendo assim, compartilho da visão de Geller:
29
GELLER, Odair Eduardo. O Contestado entre Santa Catarina e o Paraná: uma questão de limite territorial
nos limites da Nação. 2006. 129f. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-Graduação em História,
Universidade de Passo Fundo (UPF). Passo Fundo. p.46.
30
VALENTINI, Delmir José. Atividades da Brazil Railway Company no Sul do Brasil: A Instalação da
Lumber e a Guerra na Região do Contestado (1906-1916). Porto Alegre, PUC-RS, 2009. p.53.
38
catolicismo não romanizado e repleto de rituais populares, outra característica utilizada para
depreciar a figura do caboclo do Contestado, lhe prestando a pecha de fanáticos ignorantes.
Ao analisar essas figuras religiosas, percebe-se a canalização de um anseio popular, uma
maneira das mulheres e dos homens sertanejos do Contestado demonstrarem seu modo inverso
a lógica suplantada pelos grandes coronéis e pelos governos, como trata Pinheiro Machado:
Mais do que entender que os sertanejos reagiram a uma agressão externa, é importante
considerarmos que eles não podiam ter sido mais explícitos na formação de um projeto
rebelde, de um novo modelo de sociedade. A resistência e a negação do mundo dos
coronéis e da empresa ferroviária norte-americana se desenvolveu na invenção de algo
absolutamente novo- a “Cidade Santa”. O novo é inventado dentro de um espaço
cultural, dentro de uma tradição.31
31
MACHADO, Paulo Pinheiro. Apresentação – Nem Fanáticos nem Jagunços: reflexões sobre o Contestado
(1912-2012). In VALENTI, Delmir Jose; ESPIG, Marcia Janete; MACHADO, Paulo Pinheiro. Nem fanáticos,
nem jagunços: reflexões sobre o Contestado (1912-1916). Pelotas: Ed. da Universidade Federal de Pelotas,
2012.p .19.
39
lógica do capital, como veremos com mais detalhes adiante. Assim, a Brasil Development e
Colonization, subsidiária da Brazil Railway Company, responsável pela estrada de ferro São
Paulo – Rio Grande, se responsabilizava a colonizar as terras do Oeste Catarinense num prazo
de 15 anos. Porém, a responsabilidade da empresa é delegada para inúmeras outras empresas
colonizadoras, que já atuam ou vão atuar em diversas áreas do Oeste.
Fonte: NODARI, Eunice Sueli. Persuadir para migrar: a atuação das companhias colonizadoras. Esboços - Revista
do Programa de Pós-Graduação em História da UFSC. v.10, n.10, 2002. Disponível em:
https://periodicos.ufsc.br/index.php/esbocos/article/view/23336/21024. Acesso em: 03 ago. 2019.
Denota-se, desta forma, a apropriação contínua e cada vez maior das terras por parte das
companhias privadas. O avanço da fronteira privada se dá ao passo da expropriação e coação
da população vigente no local.
A primeira etapa do processo de colonização consistia em angariar colonos com o
objetivo de levá-los as terras do Oeste. Para isso as companhias utilizavam de meios de
propagandas, levadas a cabo por agentes que circulavam entre as principais colônias no Rio
Grande do Sul, pela imprensa escrita, e também pelos próprios proprietários das companhias,
no caso analisaremos aqui o exemplo do Coronel Ernesto Bertaso. Como trata Bellani ao
analisar as cartas do colonizador a seus futuros ou potenciais clientes:
32
RADIN, José Carlos. Companhias colonizadoras em Cruzeiro: representações sobre a civilização do sertão.
2006. 210 p. Tese (Doutorado). Universidade Federal de Santa Catarina Programa de Pós-Graduação em
História. Florianópolis. p. 89.
33
BELLANI, Eli Maria. Madeira, balsas e balseiros no rio Uruguai o processo de colonização do velho
município de Chapeco (1917/1950). 1991. 190 p. Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Santa
Catarina. Florianópolis.1991. p.73.
41
34
RADIN, José Carlos. CORAZZA, Gentil. Dicionário histórico-social do Oeste catarinense. Chapecó: Ed.
Universidade Federal Fronteira Sul, 2018. p. 37
42
35
OLIVEIRA. Roberto Cardoso de. Identidade, etnia e estrutura social. São Paulo: Livraria Pioneira Editora,
1976.
43
imaculada. E assim, pautada por um ideal de sangue portador e fluido de princípios adquiridos
de maneira ascendente que a etnicidade se preservaria. No caso de alemães e italianos,
percebemos traços em comum que pautavam o entrelaçamento de laços étnicos, como a
valorização do casamento, a fidelidade ao credo religioso, o asseio ao trabalho e a
inviolabilidade da estrutura familiar encetada pelo pater família. São exemplos de valores que
não só solidificariam a estrutura da endogamia familiar, como também alicerçariam a vida no
grupo comunitário, do qual fazer parte se constituía de vital importância para sobrevivência,
em um período onde o “nome” e a “família”, suscitavam o caráter e a honra, amplamente
valorizados pelos pares.
Em um novo território, a etnicidade passa a adquirir status de diferenciação frente as
demais população que habitavam o mesmo espaço. Assim ítalos, germanos, poloneses,
edificariam um conjunto de práticas que os colocariam como os estabelecidos da região,
segregando os “brasileiros” e os transformando em outsiders em sua própria terra36.
Contribuiriam para as bases dessa edificação não só as tradições e o estigma de trabalho que
acompanhavam os migrantes, mas também a diferenciação material, simbólica e espacial que a
colonização implantou na região.
A fronteira étnica, desse modo, se deslinda pela bagagem material e pelos traços
culturais deflagrados pelo elemento migrante. Aspectos como a chegada da luz elétrica, a
36
ELIAS, Norbert; SCOTSON, John L. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a
partir de uma pequena comunidade. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
44
37
PICOLI, Bruno Antônio. Sono Tuti Buona Gente: a fabricação da superioridade italiana. Cadernos do
CEOM. Ano 24, n 35. Identidades. Chapecó: Argos, 2012. p. 338.
38
RENK, Arlene. CONFORTIN, Priscila Fernanda Rech. Territorialidade e minorias sociais na construção da
história local. In Carbonera Mirian. Onghero, André Luiz, Renk, Arlene. Salini, Ademir Miguel. Chapecó 100
anos: Histórias Plurais. Chapecó: Argos, 2017. p. 139.
45
39
QUEIROZ, Maurício Vinhas de. Messianismo e conflito social: a guerra sertaneja do contestado (1912-1914).
São Paulo: Ática, 1966. p.45.
46
oeste ainda rústico, bravio e dominado pela natureza selvagem. Este cenário de desagregação
da porção oeste com o restante do estado se dará até a deflagração do processo de colonização
da região e até o fim do conflito entre Paraná e Santa Catarina pelas terras do Contestado.
É com o avanço da colonização que a estrutura social cabocla inicia sua desagregação,
cedendo espaço, em uma relação de intenso conflito e violência, a fronteira do colonizador:
A perda da terra acompanha a imposição de valores e costumes até então não valorizados
pelos caboclos na região. A fronteira da colonização logra em expandir e introjetar nos
costumes sociais novas formas de sociabilidade, uso fruto da terra e padrões civilizatórios na
região. O que não se pode afirmar é que a migração perpetuou uma cultura hegemônica, já que
as relações culturais se projetam a partir de uma imensa rede imbricada de trocas e permutações
que equacionam novos traços e tradições. No oeste de Santa Catarina, tais traços se mostram
visíveis em ambas as esferas do tecido social que formou o oeste. Porém, o que se percebesse,
foi o uso intenso de uma força coercitiva para se moldar a localidade de uma forma higienizada,
civilizada e amparada pelo progresso, como nos mostra a imagem 05.
40
RENK, Arlene. CONFORTIN, Priscila Fernanda Rech. Op., Cit. p. 141.
47
CAPÍTULO II
41
GARCIA, Nelson Jahr. O Estado Novo: ideologia e propaganda política. São Paulo: Edições Loyola, 1982.p.
35.
49
A face elitista do projeto que gestou o Estado Novo, perpassa por uma concepção
positivista de ordem e progresso, no qual a condução e o destino do país, visto por uma ótica
do salvacionismo, se atrela a condução de uma elite letrada e “preparada” para o mando. Esta
elite intelectual, seria capaz de dirimir as desigualdades de classe em voga e construir o
nacionalismo, frente a guiar a construção de um copo nacional desenvolvido, em ritmo de
progresso, capaz de balancear as diferenças regionais no Brasil. Neste sentido, as elites urbanas
assumem um papel preponderante, ao proclamar o atraso do país a condição agrária e aos grupos
regionais que a balizavam. A face do Estado Novo também se delineia pelo conservadorismo,
ao proteger elites historicamente constituídas no país, a modernização proposta se calcava num
42
Esse termo também merece ser problematizado, pois, segundo o dicionário de conceitos históricos “Somente
com a Revolução Francesa o termo ganhou o significado que tem hoje: o de uma mudança estrutural, convulsiva
e insurrecional”. Porém, o que se conflagrou com o movimento de 1930 passou longe de uma mudança estrutural
nas bases sociais e políticas vigentes, muito pelo contrário, as velhas elites brasileiras continuaram a frente dos
postos de poder, agora apenas com uma nova roupagem.
43
OLIVEIRA, Lúcia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta; GOMES, Ângela Maria de Castro. Estado Novo:
ideologia poder. Rio Janeiro: Zahar Ed., 1982. p.15
50
Neste cenário, o papel do governo central passou a ter um peso extremo, basta lembrar,
que logo após a instauração do regime golpista, realizou-se no centro do Rio de Janeiro a queima
de todas as bandeiras estaduais, ao som do Hino Nacional, criando a simbologia de uma nação
una, marcando a tentativa de enfraquecimento do poder regional e a construção do nacionalismo
brasileiro sob a égide do Estado46.
Para construir o regime, o Estado Novo se cerca de uma base intelectual que irá fazer
emergir a legitimidade do mesmo, frente a proclamar a real necessidade de um Estado forte e
capaz de solucionar as mazelas brasileiras. Assim como os contratualistas do Ancien Régime, o
papel do modelo estatal é realçado através de um novo contrato com seu povo, para isso a figura
de um governante capaz de cumprir esse acordo é essencial, Vargas é colocado assim, como o
agente inspirador da nação, o pai do povo, munido de um caráter capaz de emergir a brasilidade
e solucionar os quistos que dirimiam o Brasil. Neste contrato, o povo é colocado como uma
massa inerte, incapaz de tomar suas próprias decisões, que devem ser balizadas por uma elite
da intelligentsia estatal. Entre os principais ideólogos desse contrato, temos Francisco Campos,
autor quase único da constituição de 1937 e também responsável por vários Atos Institucionais
da Ditadura Militar brasileira. Este personagem encarnou a áurea autoritária assumida pelo
44
Documento falso criado pelos integralistas para criminalizar os esquerdistas, e assim criar um cenário de ameaça
eminente a soberania nacional e abrir espaço para o golpe de Estado, concretizado em outubro de 1937.
45
HACKENHAAR, Clayton. O Estado Novo em Santa Catarina (1937-1945): política, trabalho e terra. 2014,
236 f. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas.
Florianópolis, 2014. p.25.
46
REIS, Elisa P. ZILBERMAN Regina. Retratos do Brasil. Porto Alegre: EDUPUCRS, 2004. p. 119.
51
regime, o que pode ser visto em vários de seus trabalhos e falas, como “governar é prender” e
"o povo não precisa de governo, precisa de curatela" 47.
A postura demonstrada por intelectuais aqui representados pela figura de Campos,
engendraram para o aparato discursivo e ideológico estadonovista a construção de símbolos,
signos e significados que legitimariam a doutrina postulada pelo regime. Assim, a
intelectualidade, desenvolvida no Brasil no início do século XX, assumia a missão de
salvaguardar a tutela do país, utilizando dos artificies cientificistas e higienistas, que iriam
enquadrar os diversos atores sociais emergentes no país, fruto da diversificação econômica e
urbana experimentada após a crise de 1929, em um processo de inculcação doutrinadora e
controle, como trata Schwab:
Azevedo Amaral acreditava que, para o despertar das massas, “é preciso que sobre
elas se exerça a ação deflagradora da inteligência e da vontade de domínio que só se
encontram como elementos do psiquismo das minorias”. Estes intelectuais,
principalmente Oliveira Vianna e Azevedo Amaral, contribuíram substancialmente
para a doutrina do Estado Novo, tanto com suas formulações, como influenciando
outros intelectuais do período.48
Azevedo Amaral e Oliveira Vianna, ilustram e dão tônica a conjectura inaugurada pela
deflagração do Estado Novo. Inspirados pelos ares europeus, no dizer dos regimes políticos
autoritários e totalitários deflagrados após a crise do capitalismo liberal de 1929, a exemplo do
Nazismo de Hitler e do Fascismo de Mussolini, esses nomes vão auxiliar a criar nos trópicos
uma versão tupiniquim das vertentes políticas vencedoras no velho mundo. Neste sentido, a
instauração do governo Vargas através do golpe do Estado Novo, buscou criar mecanismos para
a criação e edificação de um arquétipo de nação, ancorado no nacionalismo e no patriotismo,
utilizando de meios propagandísticos, como rádio, cinema e jornais, além de uma gama de
artistas contratados para enaltecer o regime e intelectuais para tecer o bojo legitimador do
projeto, para assim florescer uma consciência coletiva e um sentimento de pertencimento e
brasilidade, de modo a angariar apoio popular, para tal, como trata Souza:
Esse projeto quis imprimir nos sujeitos uma facticidade subjetiva, ou seja, quis criar
valores e projetos de vida que deveriam aparecer como realidade única na
concretização de uma nova nação e na consciência individual. Ao querer fazer o Brasil
renascer das cinzas da República Velha, os representantes e agentes da política estado-
novista adotaram estratégias de construção de novos significados e, diante da
47
DOS SANTOS, Marco Antonio Cabral. Francisco Campos: um ideólogo para o Estado Novo. Locus: revista de
história, Juiz de Fora, v. 13, n. 2, p. 31-48, 2007. p. 32
48
SCHWAB, Mariana de Castro. Os intelectuais no Estado Novo (1937-1945): a trajetória de Paulo Figueiredo e
as Revistas Cultura Política e Oeste. 2010, 119 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Goiás,
Faculdade de História, 2010. p. 26
52
Para moldar a nova ordem política instaurada, Vargas então institui o Departamento de
imprensa e propaganda (DIP), responsável pela comunicação e propaganda do regime. Aliás, é
através da propaganda que a propagação de uma imagem benéfica do ditador se consolidará,
buscando atrelar unidade a nação por meio da figura de seu comandante. Neste sentido, o rádio
é utilizado como grande meio propagador das ideias implementadas pelos articuladores do
Estado Novo, junto com o cinema, as marchinhas e imagens, que irão aludir para um país
traçado por uma cultura una e em intenso progresso, rumando para o mesmo caminho.
A mediação entre povo e governo, para a criação dessa nação una e em marcha de
progresso, é construída por Vargas através da abolição do intermédio dos partidos políticos na
articulação política, engendrando um modelo de inferência direta em relação a população.
Como é possível perceber em seus discursos, o mandatário reforça o sentimento pejorativo em
relação as organizações partidárias, como meio de legitimar seu poder frente ao processo
político, e se colocando como único capaz de atender os reais anseios dos brasileiros, com
explicita no discurso a seguir:
Não foi pelo gosto de fazer frases que acentuei a necessidade de abolir os
intermediários entre o povo e o Governo. Esses intermediários eram, até há bem
pouco, os partidos políticos e os grupos de pessoas mais ou menos ajustadas na defesa
dos próprios interesses. Sempre procurei fazer um governo de portas abertas, e, hoje,
derrubadas essas velhas pontes do parasitismo político, desejo receber do povo,
diretamente, os seus reclamos, ouvi-los e examiná-los, de forma a poder atender, dar
solução aos problemas administrativos, os verdadeiros e legítimos interesses da
coletividade.50
49
SOUZA, Rogério Luiz. A arte de disciplinar os sentidos o uso de retratos e imagens em tempos de
nacionalização (1930-1945). Revista Brasileira de Educação v. 19 n. 57 abr.-jun. 2014. p. 401.
50
Vargas, Getúlio, 1883-1954. Getúlio Vargas / organização, Maria Celina D’Araújo. — Brasília: Câmara dos
Deputados, Edições Câmara, 2011. p.15
51
OLIVEIRA, Lúcia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta; GOMES, Ângela Maria de Castro. Estado Novo:
ideologia poder. Rio Janeiro: Zahar Ed., 1982. p. 68.
53
alianças forjadas por interesses as vezes não muito claros, pois apesar do movimento de 1930
e do golpe do Estado Novo pregar a modernização do país através da industrialização e da
urbanização, a oligarquia Ramos, levada ao poder por esse movimento, representava justamente
o contrário, ou seja, os interesses agrário-exportadores do planalto catarinense52.
Desta forma, com a implantação do Estado Novo também em Santa Catarina, a
oligarquia Ramos se consolida no poder, com Nereu Ramos assumindo o posto de interventor
federal pelos anos subsequentes em que perdurará o regime. Em Chapecó também haverá
conflito entre os grupos políticos que se destacaram na região, estes diretamente ligados aos
fluxos de colonização e a exploração agrária. Fato preponderante a ser citado é a constante
mudança da sede do município, ora instalada em Xanxerê, ora no Passo Borman, destacando
como os grupos políticos ascendiam ou sucumbiam dos postos de poder a depender das forças
que dominavam o poder estadual. Após o movimento de 30 e principalmente após a
concretização do Estado Novo, os elementos tradicionais de mando local serão neutralizados
pelo meio da introdução dos interventores, que aplacam as disputas em torno da sede do
município instalando a mesma em território “neutro”, o denominado Passo dos Índios, atual
Chapecó, onde a colonizadora Bertaso também instalou sua sede53.
É no fluxo da colonização e dos pressupostos engendrados por ela que irá se cimentar a
influência do Estado Novo na região. Em Chapecó, assim como em várias localidades de Santa
Catarina, o regime nacional lançou seus tentáculos, porém, diferentemente de entender os
cenários regionais apenas por uma ótica de reprodução das emanações nacionais é necessário
compreender as particularidades e idiossincrasias locais no período, assim como trata
Hackenhaar:
52
HASS, Monica. Os partidos políticos e a elite Chapecoense: um estudo de poder local - 1945 a 1965. 1993.
373 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia). Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política. Universidade
Federal de Santa Catarina. Florianópolis. 1993. p. 80.
53
HASS, Monica. Ibidem. p.84.
54
HACKENHAAR, Clayton. As correspondências para o interventor: narrativas sobre o Estado Novo em
Santa Catarina. Anais do XIV Encontro Estadual de História - Tempo, memórias e expectativas, 19 a 22 de
agosto de 2012, UDESC, Florianópolis, SC. p.2
55
O oeste de Santa Catarina, apresentava-se neste período como região estratégica e com
elevado potencial econômico, basta lembrar, que ao insurgir para o interior o então presidente
da província Adolfo Konder, em sua famosa viagem ao Oeste em 1929, conclamava as benesses
da localidade que urgia por uma maior integração aos centros “civilizados” do país e uma maior
nacionalização, para enfrentar o perigo estrangeiro e construir aqui o “pertencer” a brasilidade.
Partindo desse pressuposto, da importância estratégica da região e dos grupos colonos que aqui
se instalaram, é que vai se configurar uma elite econômica e política, composta essencialmente
de membros migrados do Rio Grande do Sul e ligados a “missão” colonizadora impetrada pela
iniciativa privada com aporte do Estado. Essa elite, vai encontrar no regime do Estado Novo as
prerrogativas necessárias para seu projeto e poder, sustentando, desse modo, a base ideológica
propagada pela intelligentsia estadonovista e ressignificado em âmbito regional as emanações
centrais com o intuito de sustentar o arquétipo que buscava moldar a fronteira oeste no bastião
do progresso. Para tornar notórias e públicas suas pautas, a elite colonizadora se organizou em
volta do periódico A Voz de Chapecó, semanário que passou a circular no Velho Chapecó a
partir de 1939. Segundo Manfroi:
55
MANFROI, N. M. S. A História dos Kaingáng da Terra Indígena Xapecó (SC) nos artigos de Antonio
Selistre de Campos: Jornal A Voz de Chapecó 1939/1952. 144 f. Dissertação (Mestrado). UFSC, Florianópolis,
2008. p. 37.
56
Jornal A Voz de Chapecó. Nossa Ação. 03 de maio de 1939. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
56
principais problemas do país, e a que nos dedicaremos, especialmente dos meios coloniais, que
permanecem em plena florescência da influência estrangeira”57.
Caracterizado por tais parâmetros e guiados pelos princípios de justiça e progresso, os
arautos da nova fronteira oeste, em construção no regime varguista, buscavam atrelar a doutrina
de nacionalização aos novos migrantes, considerados germes do progresso, que aportavam na
região. Deste modo, era necessário conclamar uma forte intervenção do poder público na
localidade, para que se dirimisse a influência estrangeira nos núcleos e também transformasse
os colonos para além do braço do progresso, no neobandeirante, desbravador do sertão inculto
que asseguraria a brasilidade para os ermos desta terra em perigo eminente de fugir aos
controles da nação. Assim, os interesses da elite chapecoense representaram essa incongruência
de nacionalizar uma região com colonos descendentes principalmente de europeus, porém, na
perspectiva adotada por esses dirigentes, os filhos e filhas dos colonos ítalos e germânicos, eram
o que carregavam consigo o bastião da tradição do trabalho e do progresso, sendo comparados
até mesmo com abelhas em um apiário, trabalhando incessantemente para a construção de suas
colônias. Neste viés, é que a elite de Chapecó, detentora agora de um veículo de comunicação
que logo se espalharia pela região, também buscaria enquadrar suas colônias e colonos na
direção do nacionalismo, no qual suas etnias, costumes e dialetos deveriam ser renegociados
em prol do objetivo de se construir no oeste uma sociedade nas balizas do regime estadonovista
e que também se atrelasse aos interesses econômicos da elite controladora.
Nestas condições, a presença da ideologia nacionalista se fará sentir de várias formas,
buscando moldar as estruturas sociais que irão engendrar a fronteira oeste. As influências se
fizeram sentir em diversas frentes, desde a economia até as diversões públicas. Neste caso, ao
adentramos no Arquivo Público Municipal de Chapecó, nos deparamos com o decreto número
21.240 de 4 de abril de 1932, enviado a cidade pelo então ministério da justiça e negócios
interiores. O documento visava garantir a exibição de filmes nacionais nas salas de cinema do
país, definindo suas metragens e qualidades mínimas para serem repassados a população.
O decreto, enviado a uma cidade que iniciara incipientemente sua vida cultural, com
apenas uma sala de cinema, de porte pequeno e sem grande fluxo de espectadores, denuncia
uma preocupação dilatada com os fluxos culturais e as informações que circulavam na
localidade. O cinema, serviria assim de instrumento midiático nevrálgico para a perpetuação
de uma imagem do brasil e do brasileiro que se buscava engendrar no período, segundo Claudio
Aguiar Almeida:
57
Jornal A Voz de Chapecó. Nossa Ação. 03 de maio de 1939. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
57
58
ALMEIDA. Claudio Aguiar. O cinema brasileiro no estado novo: o diálogo com a Itália, Alemanha e URSS.
Rev. Sociologia. Política., Curitiba, 12, jun. 1999, p. 121-129. p.121.
58
O Instituto Nacional do Mate (INM), criado pelo Estado Novo em 1938, tinha como
principal objetivo tornar a produção da erva mate, até então encarada como algo amador e de
produção arcaica, em uma verdadeira indústria, caracterizada pela potencialização da produção
e maior aferição de lucros. O instituto visava lograr, então, a ampliação do mercado do produto,
junto com maior controle sobre as formas e tipos de comercialização, refletindo o conceito
intervencionista adotado pelo governo nas relações econômicas, principalmente nas regiões
consideradas menos desenvolvidas. como trata Fernandes “o INM tentou desenvolver a
industrialização ervateira brasileira, criando tipos, promovendo pesquisas e o uso de extratos
da planta, criando padronizações e produtos a serem inseridos nos “mercados velhos” e nos
novos a serem conquistados”60.
A conquista objetiva e concreta do campo econômico está diretamente ligada ao
proposto nacionalizador e dominador do meio propagado pelo regime vigente no país. O
aparelhamento dos produtores ao Estado compete a uma lógica de transformar a produção
adequada a um mercado regulado, distanciando-se do liberalismo desenfreado, em crise desde
a depressão americana e tão pouco experimentando uma lógica comunista, mas, engendrando
uma caracterização de efetivação do Estado Brasileiro, por meio dos seus mecanismos de
controle, em área ainda considerada central para a manutenção da brasilidade e dos interesses
do Brasil enquanto nação.
Neste cenário, é que se constrói-se no oeste uma perspectiva de progresso impulsionado
pelas diretrizes do Estado e incorporado nas mãos dos migrantes que aportam na localidade.
Esse progresso, engajado, construído e manipulado pelos fatores ideológicos do Estado Novo,
encontrara em Chapecó uma elite atuante e preparada para defende-lo toda custa. Estes
59
Oficio do Instituto Nacional do Mate, Departamento Regional de Santa Catarina. Chapecó 16 de março de 1939.
Arquivo Público de Chapecó.
60
FERNANDES, José Antonio. Breve panorama da trajetória do instituto nacional do mate: alguns apontamentos
sobre erva-mate e economia nacional. Revista História econômica & História de empresas, São Paulo, vol. 21
no 1 (2018), 49-73. p.54
60
Chapecó, assim como outras zonas do país, precisa progredir, esse progresso se faz
necessário, quer sob o ponto de vista militar em face de sua situação fronteiriça, quer
sob o ponto de vista econômico. Chapecó, com quase quinze mil quilômetros de terras
fertilíssimas e homogêneas cultivado, será uma das mais ricas colônias do sul do
Brasil e será talvez uma cobiça e uma porta aberta ao estrangeiro. 61
O editorial, tem este nome ao fazer duras críticas ao chamado bairrismo de algumas
regiões do país e conclamar para uma unidade ao “corpo da nação”, mas não deixa de privilegiar
a região de Chapecó e explicitar as potencialidades da mesma, criando inclusive a retórica do
inimigo externo sempre a espreita e cobiçoso, conclamando assim para uma maior
nacionalização e presença governamental na cidade. Este trecho explicita ainda, o objetivo
central de transformação do sertão em celeiro, do atraso em progresso e do migrante no pioneiro
que germinará a frente da civilização em uma região que se tornará portentosa através das ações
do regime. Deste modo, é que se configura a construção do Estado Novo na região, inculcando
bases para o arroteamento local as preposições nacionalistas e para a “marcha” civilizacional
propagada pelo novo bandeirantismo, inaugurado pela Marcha Para Oeste deflagrada por
Vargas, tema do item a seguir.
61
Jornal A Voz de Chapecó. Regionalismo. 10 de setembro de 1940. Acervo CEOM, Chapecó/SC
62
VARGAS, Getúlio. A Nova Política do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1938. p.12.
61
Repleto de uma aura mítica e ufanismo histórico, o discurso transparece que para muito
além do elemento econômico de incorporação e transformações de áreas “inertes”
economicamente aos olhos do capitalismo brasileiro, o arquétipo de Marcha engendraria em
seu bojo uma conquista ideológica dos espaços do país até então considerados quistos na
conjectura da brasilidade a ser instaurada. Assim, marchar ao oeste, incorporaria integrar o
corpo da nação ao seu sentimento máximo, o pertencimento a um único corpo, a um único
elemento coeso, para qual definir sentimentos, criar alegorias e elevar os interesses da nação
acima das particularidades, seria objetivo máximo do percurso a ser seguido.
Para embasar seu projeto, Vargas conta, mais uma vez, com o suporte da
intelectualidade que sustenta seu regime, neste caso, em particular destaca-se Cassiano Ricardo.
Em sua obra Marcha para Oeste: a influência da bandeira formação social e política do Brasil
(1940), o poeta, jornalista e romancista brasileiro, um dos principais nomes do modernismo do
país nas letras, configura um modelo da nação pautado através da figura de um governo forte,
que edificaria sua legitimidade através da rememoração histórica de um passado triunfante,
neste caso as bandeiras que sangraram o interior do incipiente Brasil e lavraram as fronteira do
país. A obra de Ricardo, apesar de não haver citações literais a Turner, constitui uma obra
análoga ao pensamento do autor norte-americano, como trata Vazquez Soares:
Sua obra trouxe à tona elementos das bandeiras paulistas da época colonial para
defender a expansão rumo à fronteira como um rompimento de amarras
conservadoras, e como forma de consolidar a brasilidade nas formas de organização
social. Ricardo fez a mesma analogia de Turner: leste conservador, no caso do Brasil
ligado à Europa, e o desbravamento do oeste como uma nova ordem, que significava
o rompimento dos laços com a antiga metrópole. O entendimento de Ricardo para a
lógica da fronteira é de um mito de origem, assim como na tese de Turner.63
Ricardo, constrói deste modo, uma narrativa pactuada com a ideia de uma frente
pioneira a quebrar as amarras que prendem o imenso oeste brasileiro em seu atraso e ali sim
construir o verdadeiro sentido da brasilidade. Assim como Turner, na ideia de que o pioneiro
ao desbravar o desconhecido sertão forjaria as bases da nacionalidade, Ricardo vê o oeste como
um reservatório para deflagrar o verdadeiro elemento nacional, livre dos vícios europeus
presentes no litoral. Assim como no período das bandeiras paulistas, que através da
miscigenação romperam o arcaísmo presente no regionalismo do país, o autor se refere a
Marcha Para Oeste como uma tutela a incorporar as mais distantes regiões ao corpo nacional.
63
SOARES, Herick Vazquez. A incorporação subordinada do Centro-Oeste ao capitalismo brasileiro: uma
interpretação histórica. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade Federal de São Paulo. São Paulo p.21, 2013.
62
Cria-se assim um espírito, uma áurea mítica para encorajar o desbravar do sertão, como trata
Dutra e Silva:
Os discursos sobre a marcha evidenciavam a excepcionalidade da conquista territorial
como traço da brasilidade. Era um traço do espírito bandeirante que se constituiu no
contato com a fronteira. Uma vez que a fronteira forjava a brasilidade e ela tornava
esses traços culturais cada vez mais vinculados ao território do novo continente em
rompimento com a tradição europeia. Assim, a imagem da nação em movimento e os
projetos de ocupação e deslocamento caracterizavam a representação social do
território nacional como um espaço de conquista, expansão e integração. Esses
conteúdos discursivos estimulavam o sentido de pertencimento a uma nação como
corpo em movimento, agregando a todos como participante.64
64
DUTRA E SILVA, Sandro. No Oeste a Terra e o Céu: a expansão da fronteira agrícola no Brasil central.
Rio de Janeiro: Mauad X, 2017. p. 87.
63
Foi com verdadeira satisfação que Chapecó ouviu o benemérito presidente Getúlio
Vargas reafirmar que o verdadeiro sentido de brasilidade é a Marcha Para Oeste,
porque esta marcha muito interessa a Chapecó. Interessa porque ela significa a
abertura de novas estradas, remodelação das antigas, conservação das transitáveis, e
como consequência, restabelecimento das linhas regulares de comunicação e
facilidades de transportes, o que acarretará um forte incremento ao intercâmbio
comercial e social, aos quais arrastam consigo o progresso, a civilização e o
adiantamento em geral.66
65
PETROLI, Francimar Ilha da Silva. Território, economia e modernidade: Oeste Catarinense, 1916-1945.
Anais do XIV Encontro Estadual de História - Tempo, memórias e expectativas, 19 a 22 de agosto de 2012,
UDESC, Florianópolis, SC. p.15
66
A Voz de Chapecó, Marchem Cá Para o Oeste, 25 de junho de 1939. Arquivos do CEOM.
64
Nesse sentido, o ato de marchar para o centro, para o oeste, implica não somente numa
trajetória de regeneração em que a pureza do sertão será subsumida pelo litoral. O
litoral é a Nação em marcha voraz, antropofágica, de quem o sertão receberá sua
67
MARTINS, J. S. O tempo da fronteira: retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de
expansão e da frente pioneira. Tempo Social, Revista de Sociologia da USP, volume 8, n°1, 25-70, São Paulo,
maio, 1996. p.32.
68
MARTINS, J. S. Ibidem. p.27.
65
riqueza material e cultural. Pois marchar para oeste significa a integração de milhares
de brasileiros à comunhão nacional... paisanos humildes, submissos e bons...,
brasileiros de mentalidade atrasada, penúria física, indigência intelectual, miséria
econômica.69
69
LENHARO, Alcir. Sacralização da Política. Campinas: Papirus, 1986. p. 72
70
LENHARO, Alcir. Ibidem. p.72.
66
do Paraná, e 14.402 km2 provenientes do Estado de Santa Catarina o que dava uma densidade
demográfica de 1,47 habitantes/km2 71.
A organização do território, que englobava as terras chapecoenses, representava para
elite local a esperança de ver as melhorias que a cidade tanto necessitava, já que, segundo os
próprios editoriais do periódico A Voz de Chapecó, o governo catarinense não era capaz de
suprir as demandas do município, que apesar de progressista, ainda necessitava de muitos
investimentos.
Foi com essa esperança que a elite chapecoense viu se delinear em Laranjeiras
(nomeada de Iguaçu, após a instalação do TFI), todo uma estrutura político-administrativa para
a efetivação do território e buscou nesta nova burocracia, agora um pouco mais próxima da
região, a concretização de seus anseios de progresso e transformação de Chapecó. O Território
Federal do Iguaçu, apesar de se pouco tempo de vigência, representou a convergência de uma
política nacionalista e autoritária sobre uma região considerada estratégica de fronteira, mas
acima disto, extremamente importante para expansão da fronteira capitalista.
71
LOPES, Sérgio. O Território Federal do Iguaçu e a “Marcha para Oeste”. Espaço Plural, UNIOESTE,
Cascavel, v 11, n 08, 2004. p. 16
67
Como explicita Lopes, o maior controle sobre essa faixa fronteiriça se alicerçava no
anseio de despertar o nacionalismo, na posse efetiva e potencial da terra, com vistas a
potencializar seu ritmo econômico, congregando, neste mesmo sentido, a prática cultural
estreitada com o viés do progresso. Neste mesmo pensamento, encontramos em paralelo as
designações da elite chapecoense expressadas através do periódico A Voz de Chapecó, como
se segue:
72
LOPES, Sergio. Ibidem. p. 16
73
A Voz de Chapecó, editorial, 10 de dezembro de 1939. Arquivos do CEOM
68
protetores da fronteira da nação, leais a causa brasileira. Esse discurso do jornal, é simplesmente
a vontade que a elite chapecoense sobrepujava sobre essa população e não necessariamente a
real identificação desses colonos, basta lembrar o intenso esforço do governo, ciente da
predominância cultural europeia, em deflagrar um projeto intenso de nacionalização na região,
lançando mão de métodos não apenas persuasivos, mas, também, coercitivos, através inclusive
da violência, como trata Nodari:
74
NODARI, Eunice Sueli. A dor do esquecimento: as marcas da ditadura Vargas no Oeste de Santa Catarina.
Revista História Oral, Rio de Janeiro, v. 12, n. 1-2, 2009. p. 161.
75
NODARI, Eunice Sueli. Ibidem. p. 160.
69
propulsor desta potência. Para contemplar tais bases, era necessário remodelar os modos de
produção, a estrutura administrativa, as vias de acesso, os hábitos, os costumes, enfim,
enquadrar todo o espaço natural e humano abarcado pelo território nas premissas do projeto
marcha.
Para viabilizar a constituição do TFI no bojo do projeto de nacionalização e marcha, o
governo federal organiza então um levantamento da situação regional por meio do primeiro
governador do território, Major João Garcez do Nascimento. Em relatório enviado ao Ministério
de Estado da Justiça e Negócios Interiores, o Major traça um panorama das urgentes
necessidades do território, levantando o número de prédios públicos, relatando a situação das
estradas de rodagem, das atividades econômicas, da arrecadação de impostos, entre outros. O
que chama a atenção neste documento transborda a questão quantitativa e recai sob as
expectativas do governador em relação as qualidades e principais potencialidades da região, ao
falar sobre os meios de comunicação discorre o Major:
São precaríssimos, ainda agravados pelas longas distancias que separam os grupos
populacionais, o que constitui fator embaraçante do desenvolvimento da civilização
naquele longínquo oeste. Apesar de tudo o território apresenta índices de vitalidade e
trabalho que animam o administrador a empenhar-se a fundo em propiciar-lhe os
meios de comunicação, sobre que repousar, sem dúvida, o desenvolvimento
financeiro, industrial e cultural. São cerca de cem mil habitantes, que vivem como
insulados entre si, pouco podendo produzir, porque pouco podem exportar.
Possibilitados os meios de transporte, temos a convicção de que dentro de dois ou três
lustros uma nova e próspera unidade terá sido criada para a nossa pátria.76
76
Relatório apresentado ao Ministro de Estado da Justiça e Negócios Interiores pelo governador Major João Garcez
do Nascimento. Laranjeiras, abril de 1944.
70
Exemplo disso, que diz respeito diretamente ao círculo político formado em Chapecó no
período, é a nomeação de Serafim Bertaso como prefeito do munícipio. Tal fato congrega a
formação de um “núcleo duro” de homens interessados na transformação da região e atrelados
ideologicamente as preposições do projeto de Marcha para Oeste, como trata Siqueira:
Para Chapecó, a criação do TFI significou a ascensão de uma nova família política na
região: a família de colonizadores Bertaso. Serafim Bertaso, engenheiro civil e filho
do coronel Ernesto F. Bertaso, foi nomeado prefeito do município pelo então
governador do território, João Garcez do Nascimento, e 24 de maio de 1944. Serafim
Bertaso nunca tinha ocupado um cargo político antes e seu pai havia sido presidente
do Conselho Municipal pelo Partido Republicano Catarinense (PRC) na gestão de
José Luiz Maia, em 1927 (sem, todavia, assumir um cargo político-eletivo).77
Certamente, perfeição, lógica, bom senso não foram e não podiam ser preocupações
daqueles homens da constituinte. Interesse geral, progresso e bem-estar da população
desta nossa amada zona brasileira fronteiriça não podiam alcançar boa vontade,
benevolência, solidariedade dos arautos da dita anulação da criação dos territórios.79
Podemos conjecturar que tal reação extremamente crítica dos controladores do jornal
para com os constituintes, que extinguiram o TFI na constituição de 1946 após a deposição de
Vargas, se processa em um cenário no qual, apesar de o TFI não haver até aquela data
77
SIQUEIRA, Gustavo Henrique de. Os donos do “Celeiro do Progresso”: redes sociais e política (Chapecó,
1956-1977). Dissertação (Mestrado) - Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Ciências Humanas e
da Educação, Programa de Pós-Graduação em História, Florianópolis, 2016.
78
KOSELLECK, R. Estratos do tempo: estudos sobre a História. Rio de Janeiro: Contraponto; Ed. PUCRJ, 2014.
79
A Voz de Chapecó, editorial, 29 de setembro de 1946. Arquivos do CEOM.
71
CAPÍTULO III
As fontes resultam da ação histórica do homem e, mesmo que não tenham sido
produzidas com a intencionalidade de registrar a sua vida e o seu mundo, acabam
testemunhando o mundo dos homens em suas relações com outros homens e com o
73
80
LOMBARDI, José Claudinei. “História e historiografia da educação: atentando para as fontes”. In:
LOMBARDI, J. C. e NASCIMENTO, M. I. M. (Org). Fontes, História e Historiografia da Educação.
Campinas: Autores Associados, 2004. p. 141-176.
81
NORONHA, Andrius Estevam. Instituições e elite política de Santa Cruz do Sul no contexto de
Internacionalização da Economia Fumageira. (Décadas de 1960 e 1970). 2006. 160f. (Dissertação de
Mestrado em Desenvolvimento Regional). Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional.
Universidade de Santa Cruz do Sul, UNISC, 2006. p. 75.
74
Assim, o discurso de pioneirismo, superação pelo trabalho das adversidades que a região
apresentava, o destaque ao mérito do colono desbravador, deslindam uma dinâmica discursiva
do entrelaçamento identitário e perpetuação discursiva de uma linha ideológica de dominação
e tentativa de manutenção de poder, ligada aos grupos colonizadores. Esta perspectiva,
endógena a demanda da elite local, servia de baliza para afastar o exógeno do centro de
comando e solidificar a afirmação de um elemento étnico e identitário necessário ao progresso
da localidade. Porém, percebemos na história da região uma contradição neste discurso que ao
mesmo tempo que se fecha entre os laços de ligação comunitários, sofre pressão externa das
emanações nacionais e estaduais no sentido de nacionalizar, modernizar, capitulando a essas
emanações. É desta forma, que mesmo neste paradoxo, o núcleo de poder chapecoense usará
de sua influência para moldar uma visibilidade local positiva em relação ao regime
estadonovista, onde mesmo elementos entrelaçados pelos laços identitários europeus poderiam
servir de bastiões de progresso e brasilidade para a fronteira Oeste Catarinense.
Conjecturado até aqui algumas problematizações que nos serão pertinentes no
desenrolar do capítulo, proponho subdividi-lo em dois subcapítulos com eixos temáticos que
abarquem duas discussões centrais: a primeira de uma análise dos discursos produzidos pelos
mecanismos de dominação da elite chapecoense, leia-se os periódicos circulantes na região,
junto com telegramas, ofícios e avisos propalados pelo executivo local, no intuito de aprofundar
a problematização aplicada ao projeto de transformação de fronteira Oeste Catarinense, do
hinterland a capital do progresso. Já a segunda discussão terá como inflexão a influência estatal
nesta “empreitada”, através de ações concretas, ordens e interferências diretas na dinâmica local
para transformá-la.
Ambas as discussões apontadas anteriormente serão implementadas a partir de uma
sintonia com a conjuntura política nacional, num Estado balizado por uma corporação
autoritária, inebriado por um discurso modernizador. Desse modo, no decorrer do capítulo os
âmbitos locais, estaduais e nacionais se imbricarão no sentido de problematizar a dinâmica que
deu propulsão ao movimento de transformação da fronteira oeste.
informações circundantes no país. Dito isso, devemos analisar os discursos proferidos nos
periódicos regionais que circularam pela região Oeste Catarinense à luz deste contexto. Porém,
não devemos nos escusar de empreender uma análise que transcenda o aparelho regulamentador
e explicite a construção de um projeto político, de um discurso transformador e principalmente
um arquétipo de poder atrelado ao discurso emanado pelas vias de comunicação regionais.
Contribui neste sentido Capelato:
A cooptação dos jornalistas se deu através das pressões oficiais, mas também pela
concordância de setores da imprensa com a política do governo. É importante lembrar
que Getúlio Vargas atendeu a certas reivindicações da classe, como por exemplo a
regulamentação profissional que garantia direitos aos trabalhadores da área. Muitos
jornalistas não se dobraram às pressões do poder, mas, segundo Nelson Werneck
Sodré, foram raríssimos os jornais empresariais que não se deixaram corromper pelas
verbas e favores oferecidos pelo governo. Por um lado, o autoritarismo do Estado
Novo explica a adesão e o silêncio de jornalistas; por outro, não se pode deixar de
considerar que a política conciliatória de Getúlio Vargas, aliada à “troca de favores”,
também surtiu efeito entre os “homens de imprensa”.82
Esse engajamento político e essa troca de favores explicitado por Capelato, encontrava
alta ressonância no Oeste Catarinense. Os periódicos que por aqui circularam buscavam
demonstrar seu alinhamento e congregar a ideologia política vigente com seu intuito de
transformar a região em um bastião de progresso. Para tornar isto exequível, determinadas
notícias ou determinadas passagens de discursos eram preferidos, no intuito de salientar e
mostrar unidade frente ao objetivo máximo de desenvolver a região. Vemos um exemplo claro
na edição de 16 de março de 1940 da Voz de Chapecó, ao comentar a viagem do mandatário
nacional a cidade de Blumenau, os editores escolheram e enfatizaram a seguinte passagem:
82
CAPELATO, Maria Helena. Propaganda política e controle dos meios de comunicação. In: PANDOLFI, Dulce
(org.). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999. Pp. 167-178. p.175.
83
A Voz de Chapecó, editorial, 16 de março de 1940. Arquivos Público do Estado de Santa Catarina.
76
Outro elemento fundador do periódico foi o juiz de paz Antônio Selistre de Campos,
oriundo do Estado do Rio Grande do Sul, chegou em Chapecó em 1931 onde logo se envolveu
no grupo político local e passou a ser um dos escritores do jornal. Seus artigos além de outros
assuntos, giravam em torno da defesa dos grupos indígenas locais, denunciando por diversas
vezes o Serviço de Proteção ao Índio em suas páginas. Porém, Selistre de Campos nunca
articulou uma defesa sólida desses mesmos indígenas em projetos políticos do grupo a qual fez
parte na cidade simbolizando mais uma contradição encontrada no seio da elite Chapecoense.
O terceiro elemento de destaque nas bases fundacionais do periódico foi o advogado e
jornalista Vicente Cunha. Por sua formação foi o principal responsável pelos editoriais do
jornal, além de manter correspondências com outras publicações de várias partes do país e
cuidar do setor jurídico das publicações. Cunha posteriormente também foi eleito prefeito de
Chapecó, o que destaca também seu viés político. Aliás, é a faceta política outro fator
aglutinador dos controladores da Voz de Chapecó, segundo Macedo:
84
MACEDO, Márcio de. “AO CORRER DA PENA”: História e Representação dos Kaingang no Jornal A
Voz de Chapecó. 1939 – 1953. 2010, Dissertação (Mestrado). Curso de Pós-Graduação em História, Setor de
Ciências Humanas, Letras e Artes, da Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2010. p. 52.
85
MACEDO, Márcio de. Ibidem. p.55
78
tinham como objetivo e identificação comum o desejo de colonizar as terras, então também se
identificavam como colonizadores, juntamente com o intuito de civilizar através de sua
influência a região.
Entretanto, durante o período aqui estudado, a relação destes patrícios com o regime de
Vargas vai ser delineada através de diversas contradições, conflitos e um intenso jogo de forças
e barganhas. A presente afirmação se consolida ao analisarmos o comando do executivo
municipal durante a conhecida Era Vargas, como trata Hass:
O segmento dos colonizadores teve sua força política reduzida no governo Vargas, de
1934 a 1944, com representantes das empresas colonizadoras perdendo espaço no
poder local. Durante a maior parte do Governo Vargas, as nomeações para o executivo
municipal incluíram uma burocracia militar de altas patentes e elementos que nem
sempre possuíam identificação com o lugar (eram do Rio Grande do Sul ou do litoral
catarinense). Nesses 14 anos, o município de Chapecó teve dez prefeitos nomeados e
um eleito que não tomou posse.86
86
HASS, Mônica. O Linchamento que Muitos querem Esquecer: Chapecó 1950-1956. Chapecó: Argos, 2013.
p.39.
79
Pode-se então dizer que o autoritarismo do Estado Novo se legitimou, de um lado, por
um discurso de união nacional em oposição às velhas disputas oligárquicas,
colocando-se o Estado como o único representante dos interesses coletivos. De outro
lado, porém, tendo-se em vista que as polarizações políticas regionais não foram
completamente superadas pelo regime, este discurso precisou embasar-se em uma
prática política de cooptação e mediação dos interesses dos diferentes grupos
políticos.87
87
ABREU, Luciano Aronne de. Um olhar regional sobre o Estado Novo. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2007.
80
Fonte: Jornal A Voz de Chapecó, 03 de maio de 1939. Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina.
81
O discurso local não era totalmente o mesmo do Estado Novo. Apresentava algumas
convergências, mas, também uma constate crítica a inexistência de ações por parte do
Estado. Para o colonizador, havia uma grande necessidade e urgência em concretizar
a nacionalização e civilização da região. Desde as primeiras edições, a crítica sempre
esteve presente no conteúdo dos editoriais. Por outro lado, a direção, em notas
publicadas, procurava informar o público leitor da possibilidade de censura policial;
explicavam uma possível interdição como resultado de denúncias locais. Tais
denúncias podem até mesmo explicar a paralisação na circulação do jornal em dois
momentos: um deles em setembro de 1939, quando o jornal é proibido de circular e
fica interditado por dois meses; e o outro, em setembro de 1941, quando é publicada
a ˙última edição, ainda no período do Estado Novo.88
Dentro do contexto arrolado até aqui, infere-se que a disputa política em Chapecó foi
intensa e a construção da hegemonia do grupo liderado pelos Bertaso enfrentou também
resistências. Neste processo fica mais evidenciado como a atuação da elite econômico-política
com o regime estabelecido no país também se deslindou por meio de entraves e negociações.
Para elucidar melhor isso chamo a atenção para trechos que se destacam na fonte da figura 12,
no qual o editorial se inicia com ressalvas a sua modéstia, mas exaltando seu imenso sentimento
pela grande pátria, já sinalizando para a campanha de nacionalização, grande mote do regime
varguista. Nesta mesma lógica, o texto consagra o apoio a constituição de 1937 pelo
aparelhamento estatal proposto ao país, mas, logo em sequência, vem a grande perpetuação da
ideia central neste editorial, que apesar de endossar o regime essa mesma elite não servirá como
figura subserviente “com o chapéu em mãos em zumbaia aos poderosos”. As palavras dos
controladores do jornal exacerbam o cerne da questão aqui proposta, ou seja, as fissuras dentro
da própria engrenagem em que se estrutura o poder local em Chapecó durante o Estado Novo,
por um lado utilizando o paternalismo de Vargas em seus discursos e ações governamentais,
sugando toda a seiva da ideologia nacionalista e desenvolvimentista do regime implementado
com o golpe de 1937, e por outro lado buscando se consolidar como poder local forte, com
determinada autonomia e hegemônico, ponto que vai culminar com a nomeação de Serafim
Bertaso prefeito em 1944 , mesmo com o jornal A Voz de Chapecó proibido de circular, já que
a publicação só retornaria em 1946.
88
PETROLI, Francimar Ilha da Silva. Um “desejo de cidade”, um “desejo de modernidade” (Chapecó, 1931-
1945). Florianópolis, 2008. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de Santa Catarina. p.79.
82
Permita vossa excelência que dirija a presente para melhor esclarecer os pedidos
constantes dos meus telegramas (...), em relação a transferência do professor estadual
de Abelardo Luz Sr Boaventura Correa Lemos, para o local do Passo do Ferraz e em
sua substituição, a nomeação do correligionário José Virgilio Silva. O professor
Boaventura Correa Lemos há muito tempo se empenhava em conseguir sua
transferência para Xanxerê, local onde ficaria mais próximo de sua família, o que
conseguido vagaria a cadeira que o mesmo exerce na sede do distrito de Abelardo
Luz. Por minha ida recente a Abelardo Luz, constatei uma briga irreconciliável entre
nossos amigos, entre o intendente exator José Virgilio Silva e um membro de nosso
diretório, cidadão Sabino Garcia de Oliveira. Obedecendo então a diretriz do partido,
tomei em harmonizar e reconciliar amigos em divergência por motivos locais e que
só irá fortalecer o nosso partido no município, chamei ambos e procurei uma forma
de resolver a situação satisfazendo ambos. De acordo com o combinado solicitou e
obteve a exoneração o intendente exator para que conseguida a transferência do
professor Boaventura Correa Lemos, fosse ele nomeado para a cadeira que iria vagar.
Nestas condições ficaria a situação resolvida satisfatoriamente (...).89
89
Telegrama enviado a Interventoria Estadual pela Prefeitura de Chapecó, 25 de novembro de 1937. Arquivo
Público do Estado de Santa Catarina.
90
HASS, Monica. Os partidos políticos e a elite Chapecoense: um estudo de poder local - 1945 a 1965. 1993.
373 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia). Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política. Universidade
Federal de Santa Catarina. Florianópolis. 1993. p. 48.
83
91
HASS, Mônica. Ibidem. p. 55.
84
constituiu fenômeno típico de nossa história colonial. É antes uma forma peculiar de
manifestação do poder privado, ou seja, uma adaptação em virtude da qual os resíduos
do nosso antigo e exorbitante poder privado têm conseguido coexistir com um regime
político de extensa base representativa.92
92
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. São
Paulo: Alfa-Ômega, 1975. p 23.
85
recebido pela interventoria do Estado de Santa Catarina no ano de 1940, que tem como
remetente o dirigente do periódico A Voz de Chapecó Vicente Cunha, em homenagem ao
primeiro aniversário do golpe do Estado Novo, deixa transparecer muito deste desejo:
(...) E por toda a parte do monte Roraima ao Chuí, do cabo de São Roque ao Acre,
todos os quadrantes da pátria, há uma palavra de ordem, há uma única senha: trabalho
e paz - ordem e progresso. E majestosamente, como natural corolário das sábias leis
sociais que fazem lembrar o espírito da Grécia Antiga, surge a siderurgia, surge o
petróleo, surge o estaleiro naval, surge um novo exército, surge uma nova armada e
há em tudo uma pulsação rítmica e vigorosa do progresso consciente. Em Santa
Catarina, pequena, mas como o Daví das escrituras, Nereu ramos aplica, adapta e
estiliza o sentimento viril do Estado Novo. E Em Chapecó, é nos grato verificar,
senhor interventor, que seguimos a mesma trilha luminosa e grande. (...) Getúlio
Vargas e Nereu Ramos são para nós alguma coisa mais abstrata do que simples
homens. Estes dois retratos são dois símbolos. Representam a cristalização dos
anseios criptopsiquicos da brasilidade: são o resultado do passado e as determinantes
do futuro.93
93
Cópia do telegrama recebido pelo interventor Nereu Ramos (1940). Fonte do Arquivo Público do Estado de
Santa Catarina, Pasta da Secretaria de Interior e Justiça.
86
Novo. Chamado pelos jornais da região de “obra de grande vulto do Estado Novo”, o censo
realizado no período teve grande destaque nas mídias locais, inclusive em Chapecó, onde o
periódico A Voz de Chapecó conclamou os patrícios chapecoense a colaborarem com o trabalho
dos recenseadores, igualando a participação no censo a uma grande função patriótica de
colaboração com o Brasil, como destacado na edição de 09 de junho de 1940:
(...) Desde séculos, pretende o Brasil realizar essa obra com a segurança e precisão
que empresa de tal vulto reclama. É chegada a ocasião de o fazer. Afastemos todas as
subalternidades que porventura nos queiram envolver e concorremos para que o Brasil
conheça de fato as suas possibilidades e os seus recursos, através desse balanço de
suas energias, do seu trabalho, de suas riquezas e de seus homens. O dever de ajudar
o bom êxito dessa tarefa pertence a todos, indistintamente – brasileiros e estrangeiros.
Para os brasileiros, porém, ele traz a cor e as tintas de uma grande causa nacional,
corresponde a um ligeiro estagio de caserna. Negas esse concurso, é negarmo-nos a
nós mesmos, amesquinharmo-nos diante do estrangeiro, que espreita nossos menores
gestos, observa até onde chega o nosso espírito cívico, que é a seiva vivificadora dos
povos capazes de conduzirem o seu destino e salvaguardarem no presente as glórias
do passado, em cujo reflexo devem assentar as esperanças do amanhã. Dentro de
poucos dias Chapecó também poderá trabalhar muito para o Brasil, auxiliando com
todo o seu entusiasmo os funcionários do recenseamento.94
94
A Voz de Chapecó, editorial, 09 de março de 1940. Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina.
95
A Voz do Oeste, editorial, 01 de setembro de 1940. Arquivo público do Estado de Santa Catarina.
87
possibilidades econômicas de perspectivas largas para os que veem para a nossa pátria
um futuro brilhante. 96
96
A Voz do Oeste, editoria, 01 de setembro de 1940, p. 2. Arquivo público do Estado de Santa Catarina.
88
Gráfico 07: Principais atividades econômicas e seus ocupantes em Chapecó no ano de 1940.
Os dados elencados pelos gráficos acima, capturados pelo tão aguardado censo de
1940, nos permitem inferir determinadas conjecturas estabelecidas em Chapecó durante o
período aqui estudado. Estes dados foram colhidos diretamente do material disponibilizado no
site do IBGE e apresentam algumas divergências quanto aos números em sua totalidade. A
razão destas divergências não está esclarecida no site do IBGE. Apesar disso, podemos
compreender sob qual perspectiva de sociedade estava assentada o discurso dos patrícios
chapecoenses e também quais os elementos sociais impactados pelo seu discurso.
Logo no gráfico 01, percebemos que dentre os mais de 44 mil habitantes recenseados
em 1940 havia uma predominância de elementos brancos, compondo mais de 90% do extrato
social de Chapecó. Um dado que chama atenção é o referente a população que se declarava da
cor amarela, historicamente associada aos grupos orientais e posteriormente os indígenas
brasileiros, neste caso apenas dois declarantes para Chapecó. O curioso, ou não tanto, é que em
Chapecó havia um numeroso grupo de indígenas da etnia Kaingang, com relatos arqueológicos
que remontam sua presença a séculos na região97. Porém, o que denotamos no censo é uma total
invisibilidade desse grupo populacional, o que nos cabe fazer certos questionamentos sobre essa
situação: teria esse grupo não participado das atividades do censo e ficado fora da contagem
oficial? Ou indagados por sua cor, os elementos indígenas teriam se declarado por outra? Mais
ainda, contados esses indígenas teriam sido recenseados como pretos e/ou pardos? As questões
são múltiplas e nos fazem refletir sobre o processo de tentativa de aculturação vivenciados por
esses povos, que em diversos momentos foram coagidos a assimilares o ethos do colonizador
branco. Junto a isso, temos a questão do papel atribuído ao indígena durante o período do Estado
Novo, que tentou construir, través de uma visão romantizada do indígena, a figura do índio
“sentinela” e protetor nacional, buscando a incorporação do indígena ao Estado Nação
brasileiro, como trata Garfield:
97
CIMI - TOLDO CHIMBANGUE. História e Luta Kaingang em Santa Catarina. Toldo Chimbangue: CIMI -
Regional Sul, 1984.
98
GARFIELD, Seth. As raízes de uma planta que hoje é o Brasil: os índios e o Estado-nação na era Vargas.
Revista Brasileira de História. vol.20 n.39 São Paulo, 2000. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01882000000100002
92
99
Para saber mais sobre a atuação do Juiz de direito Selistre de Campos e sua história em relação aos grupos
indígenas estabelecidos em Chapecó ler: MANFROI, Ninarosa Mozzato da Silva. A história dos kaingáng da
terra indígena xapecó(sc) nos artigos de antonio selistre de campos: Jornal A Voz de Chapecó 1939/1952.
2008, Dissertação (Mestrado). Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas.
Florianópolis, 2008.
93
ideólogos do Estado Novo como estritamente brasileira. Desta forma, apesar do nascimento em
solo brasileiro essa população passou por uma intensa campanha de nacionalização, com o
afinco de criar as bases da brasilidade na região, como trata Neumann:
O Estado Novo fora implantado sob o signo da ordem, e seus chefes proclamaram
desde o início a necessidade da união de pensamento e de ação pela grandeza
da pátria. Não era, portanto, ingenuamente que os líderes católicos daquela
época enalteciam o valor histórico do catolicismo como fundamento da unidade
100
NEUMANN, Rosane Márcia. A Campanha de Nacionalização: A Repressão Legitimada em Prol da
Brasilidade. p.01. www.scielo.com. Acessado em 23.07.2019. p 35.
101
CEOM (Org.). A viagem de 1929: Oeste de Santa Catarina. Chapecó: Argos, 2005
94
nacional; era uma maneira de mostrar ao governo que não poderia prescindir da
colaboração da Igreja Católica para a manutenção do regime autoritário.102
102
AZZI, Riolando. A vida religiosa no Brasil. Enfoques históricos. Estudos e debates latino-americanos 5.
São Paulo: Paulinas 1983.p. 58.
103
HASS, Mônica. O Linchamento que Muitos querem Esquecer: Chapecó 1950-1956. Chapecó: Argos, 2013.
95
104
SCHWARTZMAN, Simon; BOMENY, Helena Maria Bousquet; COSTA, Vanda Maria Ribeiro. Tempos de
Capanema. São Paulo: Paz e Terra; Fundação Getúlio Vargas, 2000. p. 88.
105
MODESTI, Tatiana. A escola pública primária em Chapecó (1930-1945). 2011. 147 f. Dissertação (Mestrado
em Educação) – Centro de Ciências da Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2011.
p.45.
96
não pintado internamente e não tem vidraças. Precisa dizer mais? Apenas um
professor e uma professora têm que lecionar para cento e quarenta crianças, em
diversos graus de adiantamento, a começar pelos analfabetos. (...) Espero que bastem
estas notas para chamar a atenção das autoridades do Estado para a gravíssima
situação e afim de melhorar a situação do ensino em Chapecó.106
O jornal descreve uma situação calamitosa para a educação em Chapecó, cenário esse
que não interessa nem ao projeto de nacionalização e marcha, nem aos anseios da elite
chapecoense em transformar a cidade em um polo do progresso regional. A ideia da educação
como sustentáculo de um futuro promissor e de inculcação de valores considerados bases para
o desenvolvimento civilizacional de Chapecó está presente em vários editoriais do A Voz de
Chapecó. Em 14 de maio de 1939 o periódico estampa em sua primeira página o editorial
intitulado nossas necessidades, tratando mais uma vez do tema da educação e traçando um
paralelo explicito com o projeto de nacionalização e desvendando seus anseios para a
transformação da população aqui residente em “verdadeiros” brasileiros, colaboradores da
pátria e imbuídos dos valores e sentimentos nacionais:
A voz de Chapecó, seguindo a sua orientação visada, como fez ver pelo seu artigo de
apresentação, não pode e não deve fazer ouvidos moucos aos pedidos da população
chapecoense, mormente sejam eles justos, de aspirações nobres, merecedores de
serem escutados por todos aqueles que tem na mão uma nau governamental. (..) O
município de Chapecó contando como conta com uma população já não pequena, com
diversas vilas em franco desenvolvimento, como sejam as de Itapiranga, Mondai, São
Carlos, Xaxim e Xanxerê, vão se tornando dignas e merecedoras de possuírem
suas casas escolares para a necessária alfabetização de nossos patriciosinhos,
homens de amanhã. O Estado de Santa Catarina, não tem se descurado, é certo, da
instrução pública, como se pode constatar pelas estatísticas, pois grande tem sido o
interesse tomado pelo governo, por isso mesmo dado esse interesse, não lhe custaria
dispender algumas dezenas de contos de réis, fazendo construir nas vilas ainda
desprovidas de grupos escolares, pequenas casas, embora em estilo simples, que se
tornassem receptoras da infância analfabeta e transmissoras da instrução. As vilas a
que nos referimos acima, em Chapecó, são daquelas onde impera em sua maior parte
a população de origens teuta e ítala onde a falta de casas escolares para o ensino da
língua vernácula, vem facilitando a continuidade da língua dos seus ascendentes, com
graves danos para a própria infância, ao município, Estado e maximé a nossa pátria.
O nosso governo, seguindo a norma do poder central, tem feito algo em prol da
nacionalização no Estado, assim sendo, cremos que o nosso pedido que é o pedido de
uma população, será bem visto, bem recebido e consequentemente atendido naquilo
que vem de pleitear, pequenas casas escolares e logicamente, bons professores.107
A formação dos “novos patrícios”, os homens de amanhã que irão comandar a cidade,
adquire nesse excerto figura central. Nele percebemos a preocupação da elite chapecoense em
formar uma nova geração imbuída dos valores éticos que conduzam Chapecó ao seu futuro e
106
A Voz de Chapecó, editorial, 04 de junho de 1939. Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina.
107
A Voz de Chapecó, editorial: Nossos Desejos, 14 de maio de 1939. Centro de Memória do Oeste de Santa
Catarina.
97
onde o terreno é bastante favorável para ser lançada a estrada e onde a terraplanagem
será diminuta. As pontes em número de duas, nos arroios dos buracos e formigas,
terão o vão de 5 metros cada uma. Tendo em vista a existência de madeiras em
quantidade próximas ao local, estas obras também serão de fácil execução. O plano
rodoviário do Estado, organizado sob a orientação clara do engenheiro Haroldo
Pederneiras, previu uma estrada ligando Clevelândia a Xanxerê, o que vem
demonstrar que o que temos dito já foi idealizado pela diretoria de estradas de
rodagem do estado. Esperamos que o plano rodoviário seja tornado realidade onde diz
respeito a nossa estrada. 108
A questão das estradas foi tema recorrente de vários editoriais do A Voz de Chapecó,
incluindo o tema das escolas, sendo vários editoriais intitulados Estradas e Escolas, com
reinvindicações diretas ao desenvolvimento do ensino e também a melhoria e abertura das vias
rodoviárias da cidade. Abrir estradas e conservá-las, ia ao encontro de um projeto de
modificação econômica e urbanização implementada pela elite chapecoense, por isso a
cobrança de autoridades e a orientação a população local eram constantes. As orientações
visavam a melhor estruturação do âmbito urbano da cidade, com o intuito de expandi-lo, vista
que o projeto da elite era para um grande desenvolvimento chapecoense. Desta forma, as
orientações para as novas edificações ganhavam espaço de destaque no periódico, desde o
tamanho dos quartos à melhor posição dos cômodos.
108
Jornal A Voz do Chapecó, editorial, 09 de julho de 1939. Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina.
99
(...) De 1930 ao final dos anos 50 assistiu-se a uma fase de “transição” para uma
economia capitalista. O Estado tinha então funções que eram basicamente as mesmas
que as da fase clássica de acumulação primitiva: a destruição do modo de acumulação
a que a economia se inclina “naturalmente”, fazendo-a funcionar de forma não-
automática através de controles administrativos, criando assim a base para a
reprodução da acumulação capitalista. 109
Atrás da linha da fronteira econômica está à frente pioneira, dominada não só pelos
agentes da civilização, mas, nela, pelos agentes da modernização, sobretudo
econômica, agentes da economia capitalista (mais do que simplesmente agentes da
economia de mercado), da mentalidade inovadora, urbana e empreendedora.110
109
VELHO, Otávio Guilherme. Capitalismo Autoritário e Campesinato. Rio de Janeiro: Difel, 1979. p. 124.
110
MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira: retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente
de expansão e da frente pioneira. In: Fronteira: a degradação do Outro nos confins do humano. São Paulo:
Hucitec: FFLCH/USP, 1997. p. 145-203. p. 138.
100
Os patrícios, buscavam através dos seus editoriais, opinar sobre a melhor forma de
ligação de Chapecó com os maiores centros consumidores do país. Reverbera aqui, um discurso
latente de otimização das vias que ligariam a cidade aos seus polos de venda, para uma maior
exacerbação de recurso auferidos no ganho comercial. No que tange a construção e conservação
de vias, esse discurso de acesso aos centros consumidores e civilizacionais do Brasil, encontra
ressonância na comunicação entre as autoridades do Estado Novo. Em telegrama de 22 de julho
de 1940, o então prefeito de Chapecó, Tenente João Mendes, escreve para o interventor Nereu
Ramos:
Fica latente nas comunicações oficiais trocadas pelos mandatários do Estado Novo,
quem a premência da conservação das vias de ligação do município ia diretamente ao encontro
do projeto de transformação econômica regional, já que era necessário conduzir uma
remodelação do processo produtivo, para que tal atendesse as demandas externas do município
e também diversificasse a matriz econômica. Neste contexto, durante o período de fins da
década de 1930 e início de 1940, Chapecó passa por uma mudança no cenário econômico, já
111
Jornal A Voz de Chapecó, primeira página, Nossas Necessidades. 02 de julho de 1939. Centro de memória do
Oeste de Santa Catarina.
112
Telegrama enviado pelo prefeito de Chapecó, tenente João Mendes, destino a interventoria do Estado. 22 de
julho de 1940. Arquivo público do Estado de Santa Catarina. Pasta Secretaria de Comunicação. Vol.22.
101
O intuito dos patrícios era que essa remodelação e extensão da fronteira do capital se
tronasse um movimento contínuo, que alterasse drasticamente a dinâmica de exploração
econômica de Chapecó e implementasse uma nova cultura de acumulação. No campo da
economia, essencial para a civilização do sertão oestino, era necessário congregar a
implementação de uma infraestrutura concernente com os preceitos civilizatórios, junto com
uma mentalidade de acumulação, da qual os elementos migrantes serviam de propagadores.
Neste emaranhado de proposições, das quais os patrícios eram arautos em seu jornal,
submergia um projeto de modernização que espelhava as ideias de um capitalismo de Estado,
ancorado em um arquétipo autoritário de transformação de sociedade. Segundo Lazarotto e
Arend:
113
PERTILE, Noeli. Formação do espaço agroindustrial em Santa Catarina: o processo de produção de
carnes no oeste catarinense. Tese (Doutorado). Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade
Federal de Santa Catarina – UFSC. Florianópolis-SC, 17 set. 2008. p.83.
114
LAZAROTTO, A. F.; AREND, S. M. F. Imprensa no Oeste de Santa Catarina: um Discurso em Prol da
Instrução Pública para as Crianças Durante o Estado Novo. Revista Pedagógica, Chapecó, v. 20, n. 45, p.
248-266, set./dez. p. 253.
102
Neste sentido, desde a análise da realidade social e econômica da cidade, refletida pelo
censo de 1940, no qual transpareceu os diversos obstáculos a transformação de Chapecó,
passando pelos editoriais do A Voz de Chapecó, até as correspondências trocadas pelas
autoridade regionais imbuídas pelo Estado Novo, vemos emergir um elo sócio-político que
convergirá não só para um discurso em paridade sobre as demandas urgentes ao progresso da
cidade, mas, também, ações que buscaram remodelar essa área considerada estratégica ao
preceitos da brasilidade. Deste modo, a presença e atuação de um Estado, apropriado de um
modelo de sociedade é nevrálgico para entender as transformações em Chapecó.
São imaginadas porque mesmo os membros das menores nações nunca irão conhecer
a maioria dos seus companheiros, encontrá-los, ou mesmo ouvi-los, ainda que nas
mentes de cada um exista a imagem da comunhão deles. (...) De fato, todas as
comunidades maiores que as vilas de contato cara-a-cara (talvez mesmo nestas) são
imaginadas. Comunidades devem ser distinguidas, não por sua falsidade/
autenticidade, mas pela forma como foram imaginadas.115
115
ANDERSON, Benedict R. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do
nacionalismo. São Paulo: Companhia das letras, 2008. p. 12.
116
NETO, Roberto Moll. A nação como “comunidade imaginada” nas relações internacionais: o caso das
narrativas sobre o papel dos Estados Unidos diante da revolução na Nicarágua e da guerra civil em El
Salvador nos anos 1980. revista tempo do mundo. v. 3. n. 1, jan. 2017. p. 286.
104
(narrativas) com decisões administrativas, de implementar uma língua única em todo o território
nacional e fortalecer fronteiras, na intenção de afastar o perigo estrangeiro.
Em Chapecó, estas medidas tanto no campo narrativo quanto no administrativo se
fizeram presentes. Ao abordar o projeto de nacionalização, a elite chapecoense, através de seu
periódico, buscou engendrar apoio através dos preceitos de eliminação dos quistos étnicos e
formação da brasilidade, como uma forma de garantir através de tais imposições o progresso
da cidade. Em 23 de julho de 1939, dois textos publicados na primeira página do A Voz de
Chapecó chamam a atenção para a apropriação feita pelos controladores do jornal do discurso
nacionalista do regime Vargas, o primeiro intitulado Nacionalização:
De certo tempo a esta parte vem se falando, com grande insistência em nacionalização,
afim de extinguir os quistos raciais ou impedir o seu desenvolvimento. Refere-se essa
expressão aos meios coloniais, que vão levando vida completamente estranha a
história, tradições e finalidade brasileira. Apregoa-se que o Estado Novo, regime
implementado no país pela constituição de dez de novembro, atendeu a esse problema
e lhe vem dando solução consertânea com a sua magnitude e para conjurar o perigo
que apresenta a vida nacional. Nossa opinião imparcial e despida de paixões é que até
a presente data muito pouco se tem feito para sanar o grande mal. Digamos mais
claramente, neste município, tudo está por se fazer. Os núcleos contaminados por
influência estrangeira, estrangeiros continuam em todo seu existir. Uma população
aproximada a dez mil almas, que quer se identificar com a nossa vida nacional, mas,
não tem os meios que, de direito lhe cabem e era nosso dever lhe fornecer, isto é, boas
escolas e professores competentes.117
Denotamos, que mais uma vez os editores do jornal chamam a atenção para a
preeminente necessidade de restruturação dos núcleos coloniais que compunham Chapecó,
frente a combater o estrangeirismo que, segundo a perspectiva do periódico, galvaniza a
estruturação social no seio da comunidade, sendo para enfrentá-lo necessário a presença efetiva
do Estado. Porém, é vista pela elite da cidade, uma extrema morosidade estatal em acompanhar
os anseios pelo progresso, do que eles consideram, a nova estrela da constelação dos municípios
brasileiros. Outro texto que chama a atenção publicado nesta mesma capa do dia 23 de julho é
uma reprodução do discurso do interventor federal Nereu Ramos, proferido em Blumenau:
117
Jornal A Voz de Chapecó, primeira página, Nacionalização. 23 de julho de 1939. Centro de memória do Oeste
de Santa Catarina.
105
alicerces sobre que imponente e majestosa, há de erguer-se essa obra decisiva para os
nossos destinos. 118
118
Jornal A Voz de Chapecó, primeira página, Discurso do Interventor Nereu Ramos. 23 de julho de 1939. Centro
de memória do Oeste de Santa Catarina.
119
AMARAL, Antônio José de Azevedo. O Estado Autoritário e a Realidade Nacional. Rio de Janeiro: José
Olympio Editora, 1938.
106
O clima de medo e perseguição a quase tudo que se relacionasse aos países em guerra
com o Brasil transformou o cotidiano de muitos migrantes e descendentes em Santa Catarina.
A proibição de utilização da língua materna, de se reunir com compatriotas ou de manifestar
opiniões políticas ou sobre o rumo do conflito são alguns exemplos. Porém, ao mesmo tempo
em que difundia essa exacerbada vigilância, o governo buscava dividir os nacionais dos países
que o Brasil estava em guerra em duas categorias: os que representavam risco iminente a
segurança nacional e os que pacíficos, ordeiros e seguidores das leis colaborariam para o
progresso do país. Esta ideia fica clara no discurso proferido por Vargas no 07 de setembro de
1942, quando conclamou em cadeia nacional de rádio a população com as seguintes palavras:
120
MOURA, Gerson. Autonomia na dependência – A política externa brasileira de 1935 a 1942. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1980. p.88
121
FAVERI, Marlene de. Memórias de uma (outra) guerra: cotidiano e medo durante a Segunda Guerra em
Santa Catarina. 2ª ed. Florianópolis: UFSC; Itajaí: UNIVALI, 2005. p.38.
107
Vargas deixa claro que o migrante afeito ao trabalho e obediente não precisa temer a
implacabilidade da perseguição aos estrangeiros. Assim, o chefe da nação impõe explicitamente
seu modelo de desenvolvimento, aplicado diretamente nos núcleos coloniais habitados por
euro-descendentes, pautado no progresso através do autoritarismo e a submissão ao Estado.
Em Chapecó, com núcleos coloniais abarrotados de migrante europeus e descentes, o
cenário de perseguição e imposição da doutrina “trabalho e obediência” também se configura.
A tentativa de controle e manipulação desta população se faz presente principalmente entre as
autoridades constituídas de Chapecó. Em 24 de março de 1942, um telegrama da Chefia de
Polícia, contendo o pedido do subprefeito de Itapiranga, distrito de Chapecó no período, Mario
Amorim para a interventoria do Estado, segue com o seguinte pedido:
122
Getúlio Vargas. Discursos / organização, Maria Celina D’Araújo. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições
Câmara, 2011. p.445.
123
Telegrama da Chefia de Polícia do Estado Para a Interventoria do Estado de Santa Catarina. 24 de março de
1942. Arquivo Público do Estado de Santa Catarina. Pasta da secretaria do interior e justiça, vol 70.
124
Para saber mais sobre a situação da criminalidade e das dinâmicas sociais por ela deflagradas no Oeste
Catarinense, ler MARQUETTI, Delcio. Bandidos, forasteiros e intrusos: história do crime no oeste
catarinense na primeira metade do século XX. Chapecó: Argos, 2008.
108
como coerção, para garantir que o nacionalismo se perpetue em uma região de importância
extrema para a nação brasileira.
Na semana seguinte, a Interventoria do Estado responde ao pedido deflagrado pela
chefia de polícia, autorizando o envio de novas forças policiais e instruindo medidas para a
contenção da ordem:
125
Telegrama da Interventoria do Estado de Santa Catarina para a Chefia de polícia do Estado, em 30 de março de
1942. Arquivo Público do Estado de Santa Catarina. Pasta da secretaria do interior e justiça, vol 70.
109
Figura 14: Oficio da Secretaria Geral do Estado Novo ao Interventor Federal de Santa
Catarina.
Fonte: Ofício enviado ao Interventor de Santa Catarina, Nereu Ramos, pela Secretaria Geral do Estado
Novo em 06 de abril de 1942. Arquivo Público do Estado de Santa Catarina, pasta da Secretaria do
Interior e Justiça, vol. 70.
110
Umas das ações recomendadas diretamente pela Secretaria Geral é, após a análise de
conveniência, o deslocamento de parte dessa população, considerada mais perigosa para outros
pontos do interior do país, provavelmente distante dos pontos de fronteira e também separado
dos grupos coloniais dos quais faziam parte. Deste modo, houve uma intensificação da
militarização e do autoritarismo na região, fazendo com que a pressão sobre os grupos coloniais,
instalados em Chapecó aumentasse. Como trata Mayer:
126
MAYER, Leandro. Repressão em Itapiranga (SC) durante o Estado Novo (1937-1945). Fronteiras: Revista
Catarinense de História, n. 26, p. 177-198, 5 jun. 2018. p. 186.
111
auferir os lucros que a mesma poderia advir. Em 10 de novembro de 1940, em meio a toda a
política de perseguição aos considerados estrangeiros no Brasil, em especial as colônias
alemães localizadas nas regiões de fronteira, o jornal A Voz de Chapecó pública em sua capa
uma notícia referente a cerimônia de comemoração pelos 10 anos de Getúlio Vargas no
comando do país, felicitando o mandatário pela passagem da data, porém logo ao lado desta
publicação, na mesma capa o jornal expõe a seguinte nota:
Algumas pessoas, com quem mantemos relações cordiais, dizem que esse jornal é
falador. Nos criticando. Mas o que é que nos preocupa? Qualquer inteligência mediana
percebe, é o bem público, que constitui nosso objetivo. Não vivemos da A Voz de
Chapecó, nossa profissão é outra. Este periódico é que vive de nós. Não cogitamos de
homens e sim de atos. O que há de verdade é isto: queremos que a nacionalização de
nossos patrícios, influenciados pela mentalidade estrangeira, seja feita com eficiência
e patriotismo e não com palavreado inócuo e vinganças mesquinhas e estúpidas.
Pugnamos pelo melhoramento da instrução pública e primária, se criando escolas em
uma infinidade de lugares do município, onde há centenas de crianças se
desenvolvendo em puro analfabetismo. Achamos que é necessário acabar com esse
eterno abandono a que estão relegadas as estradas do município, das quais alguns
trechos, como Chapecó a Itapiranga, são considerados de primeira classe e, no entanto,
são intransitáveis no inverno. E o serviço de correio? De Chapecó a Cruzeiro, de 8 em
8 dias, para Mondaí, de 15 em 15, e não precisamos dizer mais por hoje. Falador é
quem nos chama. 127
127
Jornal A Voz de Chapecó, primeira página, Nota. 10 de novembro de 1940. Centro de memória do Oeste de
Santa Catarina.
112
Falar em sua língua ancestral, professar à sua maneira a religião que aprenderam com
seus antecedentes, enfim empregar traços étnicos inerentes a sua cultura, se tornou um símbolo
de desafio a ordem vigente para muitos dos migrantes que constituíam a população
chapecoense. O que se esperava deles, tanto pelas mais altas autoridades federais, passando
pelos dirigentes estaduais e chegando aos controladores da política local, era a dedicação
irrestrita a construção do progresso pelo trabalho, a ordem e a manutenção dos valores morais
cristãos. Qualquer um que infringisse a linha tênue entre desejado e indesejado se tornava um
perigo para a consolidação do projeto estatal na região.
128
SOUZA, Ricardo Luiz. Autoritarismo, Cultura e Identidade Nacional (1930-1945). História da Educação,
ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n.15, p.89-127, abril, 2004. p. 98.
113
Com essa medida, o governo Vargas tomou para si o controle de vastas extensões de
terras ao longo das fronteiras. O decreto previa a obrigatoriedade das empresas
colonizadoras de apresentarem seus papéis de domínio ou posse da terra. A lei previa
a criação de uma comissão para rever as concessões já efetivadas. 130
129
Diário Oficial da União - Seção 1 - 19/1/1940, Página 1071. Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-1968-17-janeiro-1940-
411939publicacaooriginal-1-pe.htm>l. Acesso em 20 de Nov. de 2019.
130
WERLANG, Alceu Antonio. A Marcha Para Oeste em Santa Catarina. In MARIN, Joel Orlando; NEVES,
Delma. Campesinato e Marcha para Oeste. Santa Maria: Editora da UFSM, 2013. P. 88.
114
Os próceres do periódico pleiteiam, desta forma, uma intervenção mais profunda por
parte das autoridades federais, já que julgam a esfera estadual ineficaz, pois, não atende as
demandas para o progresso e civilidade da região oeste. Porém, temem que a já referida lei tome
o rumo dos percalços e não seja aplicada da maneira que os patrícios desejam, ou seja, que as
benesses auferidas com uma participação direta da união não se concretize e Chapecó continue
amargando suas más instalações e sua desconexão com os centros civilizados do país. O que os
editores do jornal não mencionam, silenciam ou escondem é a natureza autoritária desta
determinada lei, que exigia comprovações de nacionalidade, estabelecendo cotas máximas para
populações consideradas estrangeiras, no caso da Lei 1.968 de 1940 de no máximo 25%. Deste
131
A Voz de Chapecó, Quid Inde? 07 de abril de 1940. Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina.
115
modo, a permanência em suas terras, para muitos colonos assentados em Chapecó, dependia
diretamente da burocracia estatal em reconhecer seu pertencimento a nação brasileira.
Na esteira deste mesmo processo, a interventoria do Estado de Santa Catarina baixa o
decreto lei número 67 de 24 de maio de 1941, publicado no Jornal a Voz de Chapecó na edição
de 13 de junho de 1941, que decretava:
132
A Voz de Chapecó, Faixa de Fronteira, 13 de junho de 1941. Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina.
116
passado chapecoense visava romper, visando o fim último do progresso, aqui representado pela
acumulação material e modelagem de sua sociedade ao modelo cristão-capitalista.
Neste cenário, o periódico A Voz de Chapecó persistiu em sua atuação, ora embasando
e sustentando o regime, ora desvelando uma tática crítica, cobrando das autoridades pela
morosidade na aplicação de medidas civilizacionais a Chapecó. Nacionalização, escola e
estradas iriam figurar como motes centrais durante o período de 1939-1942, em qual o jornal
circulou pela primeira vez, tendo suas atividades suspensas no início de 1942 e retornando
apenas em 1946 após o período de redemocratização do Brasil. A suspensão da circulação do
periódico tem uma análise complexa, pelo período de censura vivido no país durante o Estado
Novo. As publicações do jornal tinham sim um tom crítico, o que pode ter sido usado por
desafetos do grupo que o controlava para conseguir juntos as autoridades do estado sua
paralização, porém, o jornal nunca representou ou pregou em suas páginas uma mudança de
regime ou qualquer alteração considerada “subversiva” da ordem vigente, muito pelo contrário,
a grande crítica era que essa ordem se demorava a instaurar em Chapecó. Tanto que, em 1944
um dos controladores do jornal, Serafim Ennos Bertaso, é nomeado pelas autoridades do Estado
Novo como novo prefeito de Chapecó, demonstrando que apesar das rusgas provocadas pelas
críticas do periódico, seus controladores representavam um peso político de extrema
importância e que não podia ser relegado pelas autoridades estadonovistas.
Em 1945 chegaria ao fim o regime do Estado Novo. Dentre os motivos que podemos
destacar para o desmoronamento do regime estão o forte desgaste provocado pela censura e
pelos meios autoritários de coerção política, que contrastavam com o período vivido de final de
Segunda Guerra mundial, onde os ideais de liberdade e democracia das potências aliadas
haviam suplantado o Fascismo e o Nazismo europeu. Uma grande contradição, já que o Brasil
havia enviado soldados para lutar contra tais ditaduras e na volta os combatentes ainda se
deparavam com uma ditadura dentro do seu próprio país. Estas contradições atingem o seio do
exército, um dos sustentáculos do regime até então, provocando divergências entre Vargas e
Góes Monteiro, chefe do Estado Maior do Exército. Vargas percebendo que a maré política o
levaria evidentemente a perda do poder, inicia um processo de redemocratização, marcando
eleições presidenciais para dezembro de 1945 e ao mesmo tempo buscando criar mecanismos
que não o alijassem totalmente do mando do país. Um desses mecanismos foi a criação de dois
partidos, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que congregava sua base populista alicerçada
117
no trabalhismo e o Partido Social Democrata (PSD), que alinhava a burocracia do Estado Novo
como, a exemplo, a figura dos interventores.133
No campo da oposição as principais articulações políticas que emergiriam seriam a
União Democrática Nacional (UDN) alicerçada por uma base elitista, indo desde a burguesia
liberal urbana aos coronéis das regiões rurais, e o Partido Comunista Brasileiro (PCB) que
voltava a legalidade também no período. Ainda na pretensão de se manter no poder, Vargas
insufla o movimento “Queremista” que baseado no slogan “Queremos Getúlio”, propalava a
permanência do ditador no poder. Paradoxalmente o PCB, sob a orientação de Moscou de apoiar
governos antifascistas no mundo todo, demonstra apoio ao movimento Queremista e a Getúlio.
Esta aproximação de Vargas com os comunistas só faz acelerar o descontentamento da ala mais
à direita do exército, que organiza um golpe e destitui Getúlio em 30 de outubro de 1945.
Entretanto, o candidato apoiado por Vargas, Eurico Gaspar Dutra, vence as eleições em
dezembro, mostrando como a popularidade do agora ex-ditador ainda continuava alta.134
Em Chapecó, durante a eleição de 1945 se organiza na cidade o PSD, liderado pela
família Bertaso e tendo como presidente o então prefeito Serafim Ennos Bertaso, os grandes
beneficiados da máquina do Estado Novo na região. Mas, segundo Hass:
133
SKIDMORE, Thomas Elliot. Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco, 1930-1964. 10. ed. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1992. p. 85.
134
SKIDMORE, Thomas Elliot. Ibidem. p.89.
135
HASS, Monica. Os partidos políticos e a elite Chapecoense: um estudo de poder local - 1945 a 1965.
Dissertação (Mestrado em Sociologia). Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política. Universidade
Federal de Santa Catarina. Florianópolis. 1993. p. 61-62.
118
mais uma vez um polo tenso de disputas políticas, que culminaria no famigerado linchamento
após a queima de igreja católica em 1950.136
Em 1947 é inaugurado em Chapecó o Jornal d’ Oeste, um periódico que fazia parte do
grupo de oposição ao PSD na cidade. Dirigido por Otavio Celso Rauer, Pedro Maciel e outros
membros da oposição petebista e udenista. O jornal se tornou meio de críticas e ataques
políticos ao grupo controlador da política em Chapecó, tentando fazer frente a influência do A
Voz de Chapecó, dominada pelo grupo pessedista.
No Jornal d’ Oeste, além da propaganda política em prol do candidato a prefeito da
coligação PTB-UDN, João Winckler, foram escritos vários editoriais opinativos sobre o novo
cenário político inaugurado com a constituição de 1946 e também ataques a política varguista
do Estado Novo. Nestes editoriais, a oposição que se constituíra em Chapecó, buscou denunciar
o projeto implementado pela ditadura Vargas na região, atrelando também a atuação dos agora
membros do PSD no período. Um desses editoriais, escrito em 08 de novembro de 1947,
intitulado “Colonos de Chapecó, Alerta!”, chama a atenção. Nele, os editores do Jornal d’
Oeste, denunciam a tentativa do PSD nacional de reviver a chamada Lei de Segurança Nacional
(LSN), implementada por Vargas em 1935, que definia crimes contra a ordem política e social.
A principal finalidade da LSN era transferir para uma legislação especial os crimes contra a
segurança do Estado, submetendo-os a um regime mais rigoroso, com o abandono das garantias
processuais, podendo desta forma vigiar, perseguir e punir os considerados “inimigos do
Estado”137. Pois bem, neste editorial de novembro de 1947, o Jornal d’ Oeste remete a aplicação
desta lei em território chapecoense e discorre:
Lei de Segurança Nacional, é aquela lei que na vigência do Estado de Guerra, era
executor da mesma lei, em Santa Catarina, o então Interventor Federal Nereu Ramos,
e hoje vice-presidente. Não é possível que aqueles duzentos e setenta colonos que
foram presos e injuriados neste município de Chapecó, para saciar os instintos
perversos daqueles que tinham a obrigação de zelar pelas garantias e liberdades do
cidadão, estejam todos esquecidos de seus sofrimentos e do perigo que para eles
representa a volta da chamada Lei de Segurança Nacional. Esta lei foi redigida sob o
pretexto de proteger o Brasil dos inimigos internos e externos do país. Entretanto, esta
mesma lei, foi utilizada pela ditadura como a mais feroz arma contra os inimigos
políticos do ditador e de seus agentes, baseado nesta lei, qualquer mal intencionado
que não gostasse de qualquer pessoa ou que esta lhe fizesse sombra, era suficiente
para afastá-lo, fazer uma denúncia, taxando-o de nazista ou fascista, para que o
delegado de polícia, sem a menor prova, prendesse um cidadão ou cidadãos e
conservasse preso por tempo indeterminado, sem a vítima ter a quem recorrer, porque
a prisão era feita em nome do Brasil e dos Brasileiros (...) E para defender este Brasil,
136
Para conhecer mais do episódio do linchamento recomendo o livro “O Linchamento que muitos querem
esquecer: Chapecó, 1950-1956”, da professora Mônica Hass. Livro que se tornou a maior referência sobre o
assunto na atualidade.
137
LEI de Segurança Nacional (LSN). Anos de Incerteza (1930 – 1937). Radicalização Política. A Era Vargas -
CPDOC. <http://www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/anos30-37/ev_radpol_lsn.htm>. Acesso em 08/04/20.
119
No editorial o jornal estabelece uma dura crítica ao projeto implementado pelo Estado
Novo nas colônias de migrantes assentados em Chapecó. O Jornal faz, atendendo obviamente
a seu interesse político e também amparado pela recente reabertura democrática, a oposição ao
projeto de nacionalização e modelamento social do arquétipo estadonovista. Essa denúncia, das
prisões e espólios contra os migrantes, sempre silenciada pelo periódico A Voz de Chapecó,
confrontava diretamente a elite controladora do único jornal que circulava na cidade durante o
Estado Novo. Além disso, cobrava as responsabilidades do grupo político, herdeiro da máquina
estatal da era ditatorial, que agora se aglutinava no PSD, fazendo no final do editorial uma
espécie de “terrorismo midiático” contra a volta da LSN e buscando atacar seus adversários que
a apoiavam.
Este cenário, propositado pela reabertura política, possibilitou convergir uma análise
melhor delimitada do projeto intentado para Chapecó durante o período do Estado Novo. Em
primeiro lugar percebemos claramente o benefício auferido por sua elite, gravitada em torno da
família Bertaso, da ditadura deflagrada em 1937. Esses benefícios iam desde o silenciamento
de um campo opositor, que se organiza apenas com a volta da democracia em 1945, até a
aplicação de instrumentos autoritários contra colonos que não se enquadrassem no projeto de
nacionalização. Em segundo lugar, a elite chapecoense durante o Estado Novo, utilizou do
projeto de nacionalização e Marcha para Oeste como plano de fundo para lograr êxito em seu
intuito de dinamizar e transformar economicamente Chapecó, o que impulsionaria seus lucros
empresariais na cidade. Esses lucros, seriam deste modo camuflados, em um discurso
civilizacional que se dizia muitas vezes “desinteressado” nas páginas da Voz de Chapecó, mas
que em suas entrelinhas demonstravam o verdadeiro objetivo de tal discurso, o de tornar
Chapecó uma potência no oeste do estado, desatrelando de seu passado caboclo, considerado
atrasado e infrutífero e convergindo então para um polo urbanizado e capitalista.
Deste modo, o modelo social idealizado e buscado em Chapecó estava condicionado
ao contínuo desenvolvimento capitalista na região, marcadamente adotado como pressuposto
último de uma sociedade civilizada, que se envergonhava de seu passado pré-colonial e
138
Jornal d’ Oeste, editorial Colonos de Chapecó, alerta! 08 de novembro de 1947. Arquivo Público do Estado
de Santa Catarina.
120
supervalorizava a experiência migrante, como redentora de uma terra onde antes “era tudo
mato”. Essa sociedade, emoldurada pelos colonos que aqui aportaram e levada adiante por seus
dirigentes, via nos seus modos tradicionais de vida, amplamente construídos na influência dos
seus antepassados, um elo comunitário forte para construir uma cidade onde seus valores seriam
preservados. No período ditatorial, inaugurado com a deflagração do Estado Novo, esses
colonos tiveram sua identidade contestada e muitas vezes coagidos a abandoná-la, frente a erigir
um novo arquétipo social do qual eles fariam parte como a força produtiva. Tiveram então, por
meios autoritários e coercitivos que ressignificar sua tradição, de modo que se adequassem a
figura de neobandeirantes que a pátria agora os exigia.
O desenvolvimento capitalista de Chapecó, se deu através de uma espécie de “pacto”
tecido entre as empresas colonizadoras e o poder público do Estado, no qual a ocupação e
manutenção dessas colônias se daria ao encargo da iniciativa privada que teria sua dívida com
a fazendo pública atenuada conforme os investimentos feitos. Entretanto, percebe-se ao longo
do estudo aqui tecido, que este pacto entra em desgaste, devido aos intensos esforços
necessários para transformar economicamente a região, que não conseguiam ser supridos
apenas pela iniciativa privada da colonizadora. Assim, ao chegarmos no período do Estado
Novo, percebemos que esta iniciativa privada, ansiosa por seus lucros e por atingir seus
objetivos de desenvolvimento, começa a exigir do Estado maiores ações para auferir resultados
que ainda não chegam. A morosidade do Estado em garantir tais benesses, faz crescer um
discurso de que o progresso se deu unicamente pelas mãos colonas, que abandonados pelo poder
público, “erigiram uma grande cidade do mato”. Esquecendo-se, desta forma, de um projeto
estatal em curso no período, que propalou a transformação regional pelo viés nacionalista,
autoritário e do trabalho sem contestação social. Este projeto, modelou em grande parte a
sociedade chapecoense do período.
Cabe aqui também uma reflexão sobre o progresso propalado e conquistado por
Chapecó. Percebemos, que o progresso no sentido material, econômico e de exploração é que
foi proposto e desenvolvido em sua maior escala. A região, ainda careceu durante muitos anos
de uma presença estatal em áreas vitais para o desenvolvimento social, como investimentos em
saúde, cultura, arte e educação técnica e superior. Destarte, a expansão do capital configurada
em Chapecó, buscou a transformação da região em uma espécie de “celeiro”, nomenclatura
aliás muito utilizada por seus dirigentes ao se referirem ao papel de Chapecó, que teria como
missão maior dinamizar a produção do solo e os potenciais naturais da região, transformando-
os em mercadorias com maior rentabilidade. Assim, o houve uma intensa tentativa em
configurar a sociedade chapecoense para que atingisse tais objetivos.
121
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
palavras, o colono descendente de europeu que antes fora o elemento primordial de um processo
idealizado de branqueamento e potencialização econômica da fronteira, agora era encarrado
com desconfiança, e precisava ser selecionado, para que os “Súditos do Eixo”, como muitos
alemães e italianos eram chamados, fossem separados dos colonos já “abrasileirados” e
congregados no seio do nacionalismo brasileiro. Assim, o regime pautava a aplicação de
medidas de controle populacional através da supressão e do medo, para modelar trabalhadores
dóceis a ideologia do regime, que servissem para produzir e progredir a localidade, desde que
não entrasse em conflito com as pactuação do nacionalismo autoritário brasileiro.
A Voz de Chapecó serviu muitas vezes como porta voz desta prática autoritária, em
suas muitas páginas que cobrava a nacionalização do ensino em Chapecó e ao mesmo tempo
silenciava sobre o verdadeiro regime de cerceamento de direito individuais vividos pelos
colonos em Chapecó. O periódico não só endossou as práticas do regime do Estado Novo, como
contribuiu para a sua perpetuação, tentando modelar a população colona, para que, ao se
adequar ao arquétipo propalado pelo regime, servisse de propulsora do progresso e da
modernização de Chapecó.
A elite, que controlava o periódico e também se tornou a principal herdeira do Estado
Novo em Chapecó, só foi confrontada de suas posições durante o período ditatorial após o
período de redemocratização do país, quando outras facções políticas passam a se aglutinar,
muito em resposta a essa dominação exercida pelos Bertaso e seu grupo. Desta forma,
mostrando como a perpetuação do poder político e econômico se deu através das práticas
autoritárias vividas no período.
Assim, não somente através do discurso, mas também do poder político e econômico,
a elite dos patrícios chapecoenses, gravitada em torno da família Bertaso, angariou força
durante o regime do Estado Novo, suplantando adversários políticos, que só puderam se
organizar após 1945, para hegemonizar seu projeto de progresso autoritário. Desta forma, a
modernização e transformação de Chapecó se calcaram em medidas de coerção, silenciamento
e inculcação ideológica, buscando transformar as pessoas que colonizaram a cidade em
elementos não só portadores do germe do trabalho mas também, multiplicadores de uma
ideologia de progresso, ordem e moral cristã, disposta a repelir qualquer elemento que
ameaçasse tal congregação de valores.
Enfim a transformação da fronteira oeste, agora em um novo polo do progresso,
calcado pelos valores do capital, teve no período nacionalista e ditatorial de Vargas um grande
propulsor. Neste período, foram lançadas as bases para uma Chapecó que passou a se apegar
ao discurso de trabalho, ordem, progresso e família, que perpassou as décadas e se encontra
125
presente até os dias de hoje. A ideia de cidade que não para, de celeiro do oeste, de povo ordeiro
e trabalhador constituem na contemporaneidade uma retórica ainda muito viva, de elemento
distintivo da cidade perante as demais e também de perpetuação política conservadora.
Neste sentido, os assuntos envoltos a temática de pesquisa até aqui realizada não
encontra esgotamento, pois as possibilidades de prosseguimento são múltiplas. Como por
exemplo, os impactos das políticas ditatoriais varguistas na dissolução de elos tradicionais dos
colonos, dando uma maior ênfase ao elemento cultural durante e após o período de repressão.
Os maiores impactos ambientais das políticas de dinamização do progresso no período, junto
com uma história de rememoração dos principais personagens chapecoenses no período,
também constituem outro exemplo de relevante pesquisa histórica envolvendo Chapecó e o
Estado Novo. Enfim, uma pesquisa em História nunca encontra uma conclusão definitiva, pois
o que seria do devir histórico se se esgotassem as perguntas e os problemas relacionados ao
nosso passado?
126
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Jornal O Dia, Paraná. Edições de 1937 a 1945. Disponível em:
http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/odia
Jornal O Estado, Paraná. Edições de 1937 a 1945. Disponível em:
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Periódico A Voz de Chapecó, ano I, n. 12, 18, 21, 26, 31, 32, 46, 55; ano II, n. 81, 87, 88.
Fonte Iconográfica:
Acervo digital Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina. Disponível em:
http://ceom.unochapeco.edu.br/ceom/index/
Acervo digital Gazeta do Povo. Disponível em: http://flip.gazetadopovo.com.br/pub/grpcom/
Fonte Oficial:
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Arquivo Público do Estado de Santa Catarina, pasta de correspondência do interventor 1937-
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