Tese-No Tempo Do rádio-LiaCalabre PDF
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NO TEMPO DO RDIO:
Radiodifuso e Cotidiano no Brasil. 1923 - 1960.
Niteri
2002
LIA CALABRE DE AZEVEDO
NO TEMPO DO RDIO:
Radiodifuso e Cotidiano no Brasil. 1923 - 1960.
BANCA EXAMINADORA:
______________________________________
Prof. Dr.Ana Maria Mauad Souza Andrade Essus
Universidade Federal Fluminense - Orientadora
______________________________________
Prof. Dr. Len Menezes Medeiros
Universidade Estadual do Rio de Janeiro
______________________________________
Prof. Dr. Angela de Castro Gomes
Universidade Federal Fluminense
______________________________________
Prof. Dr. Alzira Alves de Abreu
Fundao Getlio Vargas - CPDOC
______________________________________
Prof. Dr. Mnica A. Kornis
Fundao Getlio Vargas - CPDOC
Ao Guinho
Mais uma vez um adorvel e constante companheiro
de viagem.
AGRADECIMENTOS
Ana Mauad Pela orientao, pela pacincia, pelo incentivo e pela amizade.
A Idemburgo Pereira Frazo Felix (Guinho) Pela presena constante, pelo incentivo
inesgotvel, pela pacincia e pelas leituras crticas.
A todos aqueles que de alguma forma contriburam para a realizao desse trabalho,
principalmente meu pai, minha madrasta, meu irmo e meus sogros. Aos colegas,
professores e funcionrios da Ps-Graduao em Histria da Universidade Federal
Fluminense. Aos amigos ps-graduandos de outras instituies com quem tive o prazer de
partilhar idias. Aos amigos que resistiram e continuaram a ser meus amigos mesmo com
as constantes recusas aos convites a mim realizados. Aos funcionrios das diversas
instituies nas quais realizei as pesquisas, aos depoentes e aos colecionadores que
permitiram meu acesso seus acervos pessoais. Ao CNPq e a CAPES pelo financiamento
atravs de bolsas de Aperfeioamento, Mestrado e Doutorado, fundamentais apoios
financeiros para o desenvolvimento da pesquisa.
RESUMO
cumprido pelo rdio no Brasil desde o seu surgimento, em 1923, at 1960, ou seja deseja
indireta nas mudanas e permanncias vivenciadas pela sociedade brasileira nesse perodo.
auditrio e de calouros.
RSUM
Dans cette thse on vise reconstituer le rle social jou par la radio au Brsil
depuis son apparition, en 1923, jusquen 1960, cest- dire retrouver les relations de la
changements et aux tats vcus par la socit brsilienne pendant cette priode.
du monde civilis, la radio a exerc une grande influence, faonnant de nouvelles formes au
dans le processus de formation et de diffusion dun style de vie associ aux nouvelles
plusieurs gens de radio ainsi que de lexamen du programme de certaines radios. Parmi la
les informations, les feuilletons, les missions de varits avec la participation de public et
Since its introduction in daily life, about the twenties, the radio has been changing
daily routines, molding tastes and bringing the last news from the civilized world to inside
home. The radio is considered a powerful media which influence was decisive to frame the
daily life of a great part of Brazilian society during the twentieth century.
The main propose of this research is to develop a social history of Brazilian radio
between 1923 and 1960, through different types of historical sources such as: specialized
In this approach is considered the role played by this medium in the organization of
lugar da sala ao redor da qual a famlia e os amigos se reuniam para juntos partilharem as
notcias, as emoes e as diverses j fazem parte de um passado que nos parece cada vez
convergncia dos mdias na Internet, fazem do solitrio aparelho de rdio uma imagem de
notcias transmitidas pelo reprter radiofnico que era uma prtica comum nos centros
urbanos brasileiros nas dcadas de 1930, 1940 e 1950 algo absolutamente impensvel no
No apagar das luzes do sculo XX, podemos dizer que este foi o tempo da
revoluo das formas de comunicao distncia. Muitos diro que foi o tempo da
Sem dvida, h coerncia em tais idias. Entretanto, sem os rpidos meios de comunicao,
Esta tese tem como principal objetivo a reconstituio do papel social cumprido
pelo rdio, no Brasil, desde o seu surgimento, em 1923, at 1960, ou seja, deseja resgatar,
as relaes do rdio com o cotidiano, demonstrando sua participao direta e indireta nas
sociedade e fez com que os sujeitos assumissem a condio de receptores como uma parte
de sua identidade. Ser cidado, pertencer a uma determinada sociedade, passa a implicar em
tambm integrar esse conjunto de consumidores dos produtos culturais oriundos, em sua
trabalho de histria do rdio brasileiro, mas da presena deste media no cotidiano. Nesse
caso, as escolhas dos tipos dos programas, das prticas profissionais, dos comentrios
procedimento com certeza causou algumas ausncias pelas quais me desculpo, mas sempre
um trabalho em especial.
deveria atender tanto aos ouvintes urbanos quantos aos rurais. importante ressaltar que o
rdio no est sendo estudado aqui como uma instituio isolada, mas, ao contrrio, est
sendo visto como um elemento integrante de um contexto scio-cultural maior, no qual atua
pas tanto mais moderno quanto mais ele consiga partilhar dessa comunidade virtual
Tendo surgido na dcada de 1920, o rdio brasileiro iniciou seu efetivo crescimento
dcada de 1940. Veio o tempo das cantoras populares disputando o ttulo de Rainhas do
propaganda utilizando largamente o veculo tanto para lanar novos produtos como para
sociedade brasileira.
So inmeros os relatos das reunies familiares de fim de tarde e incio de noite para a
atravs de noticirios que ficaram famosos tais como o Reprter Esso ou o Grande Jornal
Falado Tupi. Em casa, depois de um dia inteiro de trabalho, nada melhor que uma boa dose
de distrao com os programas humorsticos. Para os que preferiam ouvir msica existia
programas que atendiam aos diversos gostos (do clssico ao popular). As radionovelas
msica sem intervalo para animar as festas familiares), outras dedicavam-se ao Teatro em
A expresso cotidiano, nesta tese, tem seu sentido ligado quilo que se pratica
as prticas cotidianas passaram a ser reestruturadas com maior rapidez. Prticas tradicionais
foram sendo cada vez mais rapidamente substitudas por outras que passaram a estar na
rdio era o principal porta-voz da sociedade urbano-industrial, que para ser moderna
programao da NBC de Nova York e da BBC de Londres, para os ouvintes que possuam
Como estava constitudo esse meio? Qual a sua capacidade de penetrao? Como
estava estruturada sua programao? Dentre as problemticas a serem aqui tratadas est a
sociedade de massa.
irradiado. Tendo o rdio brasileiro, na maioria das vezes, adotado um modelo comercial o
2Schafer, R. Murray. Rdio Radical. IN: Rdio Nova, constelaes da radiofonia contempornea 2. Org.
Lilian Zaremba e Ivana Bentes. Rio de Janeiro: UFRJ, ECO, Publique, 1997. P. 29.
modelo de programao pelo pblico ouvinte , em geral, medida pelas pesquisas de
trabalho.
nmero de trabalhos sobre o tema nas reas de histria, sociologia e antropologia social. As
instrumental terico metodolgico que auxilie nos estudos do papel dos meios de
segmentos da sociedade.
de massa devem se tornar no s objeto de estudo para os historiadores, mas que tambm
os contedos por eles veiculados so fonte de elucidao de questes para as quais as fontes
urbano-industrial.
principalmente, nos Estados Unidos, o rdio j trazia o mundo para dentro da casa, "sua
forma, um pouco difcil reconhecer as inovaes culturais trazidas pelo rdio, pois: "muito
daquilo que ele iniciou tornou-se parte da vida diria" 5. O rdio inovou, ao mesmo tempo
em que absorveu e adaptou outras formas de arte j existentes. No caso brasileiro, essas
novas prticas culturais radiofonizadas se consolidaram e atingiram seu pice nos anos
1940 e 1950.
4 Hobsbawm, Eric. Era dos Extremos: o breve sculo XX. 1914-1991. So Paulo: Cia das Letras, 1995. p.194.
5 Idem. p.195.
nacional. Segundo o estudioso paulista Joo Batista Borges Pereira, apesar de ter
centralizado sua pesquisa no rdio paulista, ele no poderia deixar de referir-se ao que
brasileiras, 7 de uma forma mais geral, que se destacaram por sua atuao at o final de
dcada de 1950, temos como a principal a Rdio Nacional do Rio de Janeiro. A Rdio
em especial no perodo compreendido entre 1945 e 1955, uma espcie de modelo que foi
das emissoras brasileiras, a programao apresentada pela emissora servir de base para
parte significativa das anlises que sero aqui apresentadas. Entretanto, gostaria de ressaltar
que foram realizados levantamentos sobre outras emissoras tanto do Rio de Janeiro quanto
6 Pereira, Joo Baptista Borges. Cor, Profisso e Mobilidade: O Negro e o Rdio de So Paulo. So Paulo:
Edusp, 2001. P. 32-33.
7 No caso das emissoras cariocas as rdios Mayrink Veiga, Tupi e Tamoio, junto com a Nacional eram as
que obtinham os maiores ndices de audincia. No restante do pas podem ser destacadas as rdios Clube de
Pernambuco, a Jornal do Comrcio de Recife, Farroupilha e Gacha no Rio Grande do Sul, Inconfidncia em
Belo Horizonte e as paulistas Excelsior, Record, So Paulo e Tupi.
A inexistncia de um centro de documentao ou arquivos pblicos ou particulares
que renam informaes sobre o setor radiofnico brasileiro, fez com que a maior parte das
informaes aqui contidas fossem obtidas atravs das colunas sobre rdio publicadas na
imprensa diria, tais como nos jornais: Dirio de Notcias, A Noite, A Manh, O Globo e
Deve-se destacar ainda o fato de a Rdio Nacional do Rio de Janeiro ser a nica emissora
no eixo Rio - So Paulo a possuir um arquivo que mantm uma parte significativa daquilo
que foi por ela veiculado, o acervo de registros sonoros que a emissora preservou est
pblicos, tambm foram realizadas entrevistas com alguns dos pioneiros do rdio. Foram
entrevistados: Hlio do Soveral, Gerdal dos Santos, Aurlio de Andrade, 8 Luiz Mendes,
Haroldo de Andrade e Lima Duarte. O presente trabalho foi construdo a partir da difcil
coleta de informaes fragmentadas pelas mais variadas fontes, tais como revistas de
colunas dirias dos jornais e de algumas revistas forneceram material para a reconstituio
8 A entrevista com Aurlio de Andrade foi realizada em 1985, as de Gerdal dos Santos e Hlio do Soveral
foram realizadas no ano de 1997. As entrevistas de Luiz Mendes, Haroldo de Andrade e de Lima Duarte
foram realizadas em 2001.
da relao estabelecida entre o rdio e o conjunto da sociedade ouvintes e no-ouvintes
do mundo radiofnico, tanto com elogios como com crticas, como por exemplo as
reaes dos ouvintes, a vida pessoal dos artistas, os projetos governamentais, entre outros.
Tambm nos jornais dirios podem ser encontradas, ainda que de forma um pouco
irregular, as grades das programaes das emissoras. A essas informaes foram somadas
as encontradas nas pesquisas realizadas pelo IBOPE desde 1943 at 1959, especialmente
nas pertencentes aos volumes das Pesquisas Especiais, que eram realizadas por todo o pas.
comunicao foram retiradas informaes sempre com o cuidado metodolgico que requer
o trabalho com relatos orais e memrias. Dos depoimentos utilizados somente se encontra
transcrita parte dos que foram realizados pelo Centro Cultural So Paulo, os outros, tiveram
que ser ouvidos na ntegra, sendo realizada uma seleo seguida de uma transcrio parcial.
diversos anncios veiculados pela Rdio Nacional do Rio de Janeiro, a opo foi feita tendo
em vista que a maioria dos textos comerciais foi produzida pelas agncias de publicidade e
veiculada em todo o pas. Foram gravadas 120 mensagens publicitrias, sendo que mais de
60% do total foi transcrito, para poder ter o contedo analisado. Tambm foram utilizadas
da prtica rotineira de ouvir rdio. O Captulo III trata do funcionamento interno das
analisa o rdio como um meio fundamental de informao, que com sua capacidade de
calouros e radionovelas.
CAPTULO I
Ao buscar mapear as teorias da comunicao, Mauro Wolf alerta para o fato de que
componentes diversos e correntes diferenciadas, na verdade deve ser tratado como uma
espcie de termo guarda-chuva, como um conceito que necessita ser precisado a cada
ampliar os meios de transporte, termina por acarretar uma deteriorao de valores e laos
tradicionais ( familiares, profissionais, religiosos, etc) e sua substituio por ideais como os
conservando o asco. 11
atomizado, padronizado e que no vivencia nenhum tipo de conflito por estar nesta
situao. As variaes que vo ocorrer entre as diversas correntes, ficam mais restritas
exemplo, segundo Martn-Barbero, para Ortega y Gasset esse ser oriundo da sociedade de
massa incapaz de produzir cultura, assim sendo, ele sada a arte moderna no por aquilo
que ela produz (que tambm no lhe agrada) mas por ser o que em meio ao igualitarismo
11 Martn-Barbero, Jess. Dos meios s mediaes: Comunicao, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Ed.
da UFRJ, 1997. p. 43.
social e da massificao cultural nos torna patente que ainda h classes12, contrapondo
Frankfurt, que tm entre seus integrantes, Max Horkheimer, Siegfried Kracauer, Herbert
veiculados pelo cinema e rdio da poca em uma lgica industrial capitalista. Segundo os
De cada filme sonoro, de cada transmisso radiofnica, pode-se deduzir aquilo que
no se poderia atribuir como efeito de cada um em particular, mas s de todos em
conjunto na sociedade. Infalivelmente, cada manifestao particular da indstria
cultural reproduz os homens como aquilo que j foi produzido por toda a indstria
cultural.15
Em um artigo posterior (da dcada de 1960) Adorno explica que ele e Horkheimer
cultura de massa, para evitar qualquer possibilidade de se acreditar que o que foi produzido
12 Idem. p. 55
13 Uma traduo em portugus pode ser encontrada na obra: Horkheimer, M. e Adorno, Theodor W. A
Indstria Cultural: O Iluminismo como mistificao de Massas. In: Costa Lima, Luiz (org). Teoria de Cultura
de Massa. So Paulo: Paz e Terra, 1990.
14 Horkheimer, M. e Adorno, T. W. op. cit. p.161.
15 Idem. p. 167.
neste mbito pertena esfera de uma cultura espontnea, oriunda das prprias massas. No
mesmo artigo Adorno reafirma sua idia de que a Indstria Cultura se funda em um
indstria cultural gostaria de fazer crer, ele no o sujeito dessa histria, mas seu
objeto.16
dominados foi a que predominou na maioria dos estudos ao longo das dcadas de 1960 e
1970. Na Amrica Latina, por volta dos anos 1980, segundo Martn-Barbero,
tericos. Em Culturas Hbridas, Nstor Canclini tambm busca fugir de uma viso
recepo das mensagens, sem descartar o uso do conceito de indstria cultural, mas
16 Adorno, T. W. A indstria cultural. IN: Cohn, Gabriel (org.) Theodor W. Adorno. Coleo Grandes
Cientistas Sociais n. 54. So Paulo: tica, 1986. p. 92-93
17 Martn-Barbero, Jsus. op. cit. p.15.
equivalentes aos que outros produtos da indstria geram; entretanto, esse enfoque
costuma dizer pouco sobre o que produzido e o que acontece com os receptores.18
meios, Edgar Morin, ainda na dcada de 1960, definia cultura de massa como produto de
dilogo no qual o consumidor no fala, ele ouve, ele v ou se recusa a ouvir ou a ver
Dentro desse conjunto de reflexes Edgar Morin termina definindo a cultura de massa
que a da sociedade em sua totalidade. 20 Para Morin essa no uma relao de simples
processo mais sutil, que no pode ser mecanicamente comparado ao processo de consumo
industrial pura e simplesmente, mesmo que o conjunto dos mass media sejam controlados
pelo Estado o consumidor pode no ligar o aparelho de rdio, o de TV, ou no ler o jornal.
Uma outra questo que esteve presente nos debates sobre os meios de comunicao
de massa e o contedo que eles veiculam foi a da classificao ou no essa produo como
secundrio nos estudos culturais. Porm, muitos esforos foram gastos no debate: cultura
... que alguns chamam de cultura de massa (Roland Barthes, Edgar Morin), outros
de indstria cultural (Theodor Adorno, Pierre Bourdieu), outros ainda de indstria
da conscincia (Hans Magnus Enzensberger), constitui realmente um outro
subcampo ideolgico para o fenmeno moderno de produo do cultural. Este
outro espao no funda nenhuma diferena antropolgica para com a produo da
cultura elevada, isto , no produz nenhum conceito de homem radicalmente
diverso daquele presente nas elaboraes da cultura elevada. Trata-se de um
momento distributivo, de um aspecto democratizante da cultura burguesa, que
balana, como um pndulo, entre as sublimaes espiritualizadas da cultura
elevada e o entretenimento vitalista, o gosto pelo espetculo, das camadas plebias.
(...) A produo dita de massa se apoia na rentabilidade do capital investido, o que
leva a buscar um pblico consumidor socialmente diversificado (heterogneo,
disperso e annimo) e a faz dependente (heternima) do mercado.21
de 1980, quando os estudos de comunicao ainda encontravam-se sob forte influncia das
que era produzido pelos meios de comunicao de massa, ou seja, produtos de um tempo
qualidade do que produzido, Muniz Sodr classifica o contedo veiculado pelos meios de
21 SODR, Muniz. Cultura, indstria , ps-modernidade. IN: Cultura /Comunicao. Revista Tempo
Brasileiro, Rio de Janeiro: janeiro-maro-1982. Pp 10 e 11.
comunicao como algo que pertence a o campo da produo cultural moderna, alm de
alertar para o fato de que o consumo desse produto cultural moderno no pode ser imposto,
As tendncias dos estudos dos mass media aqui apresentadas nos levam a trabalhar
com o rdio dentro do campo dos estudos culturais. Algumas vezes a expresso indstria
cultural, ser utilizada nesta tese apoiada nas reflexes de Nstor Canclini, ou seja, com o
sentido da forma da produo, do processo segmentado, que como numa linha de produo
caso do radioteatro que necessita, para ser executado de: escritores, ensaiadores, diretores,
profissionais tem uma funo especfica e que resultar em um produto final: a radionovela.
mais uma das vozes que se levanta para alertar aos pesquisadores sobre a necessidade dos
estudos culturais, no campo dos mass media, avanarem para alm dos limites da idia de
interpretao 22.
Chartier, de que o desejo das camadas dominantes de impor modelos culturais no anula os
espaos prprios de recepo. Existem muitas diferenas entre o que o emissor pretendeu
social. Para realizar tal intento parto tanto da observao das prprias tendncias e
renovao constante, que tem como objetivo principal a manuteno de uma audincia
cativa quanto dos reflexos desse processo que podem ser encontrados na imprensa escrita.
22 Chartier, Roger. Cultura Popular: revisitando um conceito historiogrfico. In: Estudos Histrico, Rio de
Janeiro, vol. 8, n 16,1995. p. 186.
compartilh-lhos. Reorganizam as relaes de dramatizao e credibilidade com o
real. 23
renovao dos saberes da sociedade brasileira tambm um dos objetivos desse trabalho.
Essa participao esteve relegada, durante muito tempo, a pequenas referncias. Um dos
poucos historiadores brasileiros a iniciar um trabalho mais sistemtico com o rdio foi Alcir
Lenharo. Escolhendo a msica, os cantores do rdio, como seu objeto de estudo, Lenharo,
vu que cobre os anos 50, na sua verso massiva, e duvidar na rapidez com que se fala nos
Essa massificao radiofnica, que alcanou seu pice na dcada de 1950, teve no
rdio dos anos de 1930 o ponto de partida. Segundo Mrtin-Barbero, a dcada de 1930 a
tradies populares por novas formas de controle social. Segundo Barbero, a comunicao
de massa deve ser vista como um processo social integrado nas prticas culturais da vida
vista suas peculiaridades e, para tanto, a questo das formas de mestiagem ocorridas na
Foi dentro desse contexto que mescla culturas urbana e rural nacionais com a
estrangeira que o rdio brasileiro foi construindo seus modelos de programao. Ainda
segundo Barbero:
Para o socilogo Renato Ortiz, os estudos sobre cultura brasileira e indstria cultural
erudita da cultura.28
O rdio dos anos 40 e 50 mostra-se como um campo especial para a observao dos
Renato Ortiz. Este foi um perodo rico na criao de diversos dolos da msica popular, o
que era um fato novo no cenrio cultural brasileiro e que criava uma aura em torno do mito
da dcada de 1980 (ou at mesmo antes em alguns setores), verificamos que j no causa
nenhum estranhamento a aura adquirida - no sentido que lhe atribuiu Walter Benjamin
obra de arte - pelos produtos oriundos de indstria cultural de massa que, em geral, no so
dolos, de deuses, tanto nos chamados pases subdesenvolvidos, quanto na Europa, isso
Uma importante contribuio de Renato Ortiz para os estudos culturais sobre anos
nos trinta primeiros anos do sculo XX, eram tidas como exclusivamente populares) ao
foi um elemento fundamental na consolidao desse processo, com o samba por exemplo.
importante ressaltar que a expresso rdio, neste trabalho, tem um carter amplo,
diz respeito ao campo da produo radiofnica 29 que visto como um espao onde atuam
28 Ortiz, Renato. A moderna tradio brasileira: Cultura Brasileira e Indstria Cultural. So Paulo:
Brasiliense, 1991. p. 65.
29 O conceito de campo aqui utilizado extrado da obra de Pierre Bourdieu.
diversos grupos em constante disputa pelo poder hegemnico. A produo radiofnica no
deve ser tratada como uma totalidade homognea. O rdio enquanto um meio de
mensagem e transmisso da mesma (com todas as variantes e intervenientes que isso possa
significar) resulta no campo da produo radiofnica onde atuam profissionais dos mais
diversos.
Histria Cultural do sculo XX. Segundo o historiador Roger Chartier, uma histria cujo
projeto reconhecer como os atores sociais investem de sentido suas prticas e discursos,
deve dedicar uma ateno especial tenso entre as capacidades inventivas dos indivduos,
ou dos grupos, e as normas que as cerceiam 30 e o campo dos mass media se mostra como
um lugar privilegiado para a observao de tal fenmeno. Esto presentes nos meios de
tm sua origem em atores sociais diversos (tanto indivduos quanto grupos sociais), ou seja,
eles so os canais de divulgao dos discursos, das representaes, de natureza das mais
diversas, seja tanto entre os diversos campos (poltico, cultural, social, etc), quanto dentro
dos mesmos. Esta diversidade que gera conflitos permanentes entre o que pode (quando
30 Chartier, Roger. A Histria hoje: dvidas, desafios, propostas. In: Estudos Histricos. Rio de Janeiro,
vol. 7, n. 13, 1994. p.106.
pode), o que deve ser transmitido por esses medias e o que lhes est, ainda que
temporariamente, interditado, exatamente uma das grandes riquezas apresentadas por esse
tipo de fonte.
um dos principais pontos de reflexo era o do fato de que apesar da evidente importncia
eles ainda no haviam se tornado objetos de estudo freqente - nos anos 80, os historiadores
ainda no tinham feito deste setor um importante campo de trabalho 31. Na tentativa de
justificar tal ausncia, o autor enumera uma srie de questes que considera as responsveis
por tal quadro, tais como: a da multiplicidade dos meios, a da disperso das informaes e a
franceses, de realizar qualquer tipo de trabalho ligado aos meios de comunicao de massa.
texto com o objetivo de realizar a reconstituio do que ele denominou de: a trajetria de
sobre esses meios, por parte dos historiadores, o prprio ttulo do artigo j expressa parte
das dificuldades ainda existentes: Audiovisuel: le devoir de sen mler . Segundo o autor,
31 Jean-Nol Jeanneney. A Mdia: In: Ren Rmond. Por uma Histria Poltica. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ /
Ed. FGV, 1996. (a publicao do original em francs data de 1988).
32 Jean-Nol Jeanneney. Audivisuel: le devoir de sen mler. In: Jean-Pierre Rioux e Jean-Franois
Sirinelli. Pour una histoire culturelle. Paris: Ed. du Seuil, 1997. p. 147.
socilogos e dos cientistas polticos. Ao longo do artigo, o historiador lista algumas das
obras e alguns dos grupos dedicados, desde a dcada de 70, na Frana, ao estudo dos meios
de comunicao de massa. Jeanneney, nesse artigo, faz um breve relato das diversas
material produzido pelo rdio e pela televiso franceses, como o da criao de um rgo
televiso. O autor chama a ateno para o fato de tratar-se de um campo de estudos que
vem crescendo de forma contnua, porm, lenta, no qual a maioria dos trabalhos foi
realizada nos ltimos dez anos e onde muito ainda se encontra por fazer.
Nstor Garcia Canclini, que afirma que no campo dos estudos culturais existe uma quase
total ausncia de trabalhos de um subsetor que ele considera o mais dinmico desse campo
indstria cultural, propriamente ditas, somente comearam a ser objeto de estudo no Brasil,
anlises das questes pertinentes ao rdio continuaram a se evidenciar tambm nas dcadas
33 Canclini, Nstor Garcia. Los estudios culturales de los ochenta a los noventa: perspectivas antropolgicas
y sociolgicas. In: Canclini, Nstor Garcia (compilador) Cultura y pospolitica: El debate sobre la
modernidad en Amrica Latina. Mxico: Consejo Nacional para la Cultura y las Artes, 1991. p. 34.
dedicado aos temas "economia e cultura" no perodo de 1930 a 1964. Encontramos a
elemento cultural importante na sociedade brasileira 34. Um exemplo dessa dicotomia pode
ser observado na coleo Histria da Vida Privada no Brasil que apesar de utilizar o rdio
ttulo Repblica: da Belle poque Era do Rdio 35 e apresentar na capa uma foto extrada
da revista Selees, de 1942, onde se v uma mulher sintonizando seu rdio, no dedica
nenhum de seus captulos ao estudo da Era do Rdio ou da relao deste com a sociedade
brasileira.
A maioria dos estudos existentes sobre radiodifuso no Brasil foi produzida nos
campo, dedicam-se a trabalhar com um tempo bem prximo ao presente (os recuos
temporais raramente ultrapassam o perodo de 10 anos). Como esta Tese se limita a estudar
34 Ver: Lenharo, Alcir. Sacralizao da poltica. Campinas, Papirus, 1986.; Gomes, ngela de Castro. A
Inveno do Trabalhismo. Rio de Janeiro: Vrtice-IUPERJ, 1988. ; Sodr, Nelson Werneck. Sntese de
Histria da Cultura Brasileira. So Paulo: Difel, 1982.
35 Sevcenko, Nicolau (org.) Histria da Vida Privada no Brasil; Repblica: da Belle poque Era do
Rdio. Vol. 3. So Paulo: Cia das Letras, 1998.
36 neste perodo que os mass media passam a ser, efetivamente, objetos de estudo.
histrica praticamente inexistente. Dos trabalhos que pretendem realizar uma abordagem
alguns equvocos e a divulgao de dados pouco confiveis37. Neste item pretendo destacar
os principais trabalhos que, ora de forma direta, ora indireta, tratam de questes relativas ao
rdio brasileiro e com os quais estabeleci alguns pontos de dilogo. importante destacar
cincias sociais ainda pequeno tendo em vista o papel social cumprido pelo rdio em seus
fontes que nos permitem recuperar a histria da presena do rdio no Brasil fizeram com
do Rdio como fonte privilegiada, outros centraram suas observaes sobre os depoimentos
Um dos trabalhos pioneiros nos estudos das relaes do rdio com a sociedade o
Pereira, originalmente tese de doutoramento, publicado pela primeira vez em 1967, com
vrias reedies, sendo a mais recente em 2001. O trabalho est ligado a um grupo maior de
37 Certamente a falta de preservao da documentao, seja dentro das prprias emissoras, ou em instituies
especializadas justifica, em parte, esta situao. Entretanto nos ltimos 10 anos vm sendo desenvolvidos
trabalhos que utilizaram novas fontes, antes pouco aceitas, tais como os depoimentos orais, complementados
por informaes extradas da imprensa escrita e de arquivos particulares.
estudos das relaes intertnicas no Brasil, realizados na Universidade de So Paulo.
Segundo o autor, a escolha em trabalhar com o rdio se deu pelo fato de ser este um dos
espaos sociais nos quais os negros gozavam de condies peculiares de trabalho. O rdio
paulista. O principal objeto de anlise foi a programao das emissoras de uma forma mais
abrangente. O autor centrou parte significativa de suas anlises nas informaes obtidas
atravs de entrevistas com alguns dos primeiros profissionais do rdio. Tendo em vista a
pioneiro do trabalho, o autor terminou por realizar uma amostragem panormica do rdio
paulista de grande valia para trabalhos mais pontuais que foram realizados posteriormente.
Cultura Brasileira e Indstria Cultural, Ortiz analisa a presena dos meios de comunicao
de massa no pas e entre eles o rdio, dentro da perspectiva dos estudos culturais. Para
Ortiz, no Brasil existe um relativo silncio sobre o relacionamento entre a produo cultural
viso global dos processos de implantao das indstrias culturais no Brasil 38 e, para
tanto, trabalha com o conjunto da produo cultural (imprensa escrita, rdio, cinema e
televiso) nos anos 40 at os anos 70. Apesar do carter muito abrangente que possui a
Moderna Tradio Brasileira, j que o autor trata do conjunto dos meios de comunicao
verdadeiros dolos, artistas de larga popularidade que foram colocados em cena pela
indstria cultural. Nesse campo destaca-se o Cantores do Rdio: a trajetria de Nora Ney
e Jorge Goulart e o meio artstico de seu tempo, trabalho do historiador Alcir Lenharo, que
tem como principal objetivo a reconstituio da trajetria artstica de Jorge Goulart e Nora
pretende com este trabalho contribuir para o que denomina de desvendamento cultural das
camadas populares, atravs da msica popular para Lenharo uma espcie de crnica do
caso do trabalho de Lenharo, a msica a questo central e o rdio surge como um dos
populares.
38 Ortiz, Renato. A moderna tradio brasileira: cultura brasileira e indstria cultural. So Paulo:
Brasiliense, 1988. p. 8
Em um outro trabalho, Alcir Lenharo, tendo como referncia as emissoras de rdio
como um todo, estuda o fenmeno das " cantoras do rdio" 39. O autor centra a anlise na
questo das relaes que se estabelecem entre o artista e o pblico, tentando demarcar o
o autor mostra a relao existente entre rdio e modernidade em So Paulo, nas dcadas de
impostas pela cultura de massa. Antnio Pedro Tota chama a ateno para a dificuldade do
trabalho com o tema rdio devido ausncia de uma histria social dos meios de
comunicao. Segundo o autor, sua tese tem como ponto de partida a Histria do Cotidiano
e as propostas de anlise das estruturas de longa durao para resolver algumas questes
metodolgicas. Esse um dos poucos trabalhos que busca entender e resgatar o papel
locus especfico a cidade de So Paulo, o estudo de Antnio Pedro nos permite traar um
relacionando-as com o perodo seguinte. Segundo o autor aponta, j nos anos de 1920
39Lenharo, Alcir. Fascnio e solido: As cantoras do rdio nas ondas sonoras do seu tempo. IN: Luso-
Brazilian Review, 30:1, Summer, 1993. p.75-83.
indiscreto aparelho, que vai, por exemplo, substituir as orquestras e os gramofones nos
saraus domsticos 40
A partir do final da dcada 1980 e mais propriamente dos anos 90, comearam a
surgir alguns trabalhos na rea de comunicao social que pretendiam resgatar a histria e o
papel do rdio no Brasil e que se distinguiam dos anteriores por no realizarem apenas uma
mensagem jornalstica. Entretanto para realizar seu trabalho, a autora vai resgatar parte da
uma perspectiva histrica. O largo recorte temporal - o rdio de seus primrdios at o final
da dcada de 1980 e a diversidade dos temas tratados fez com que a maioria dos temas
estatsticos.
lacunas existentes na histria desse popular meio de comunicao de massa ainda que de
forma sinttica, terminado por apontar novos caminhos a serem trilhados pela pesquisa.
40 Tota, Antonio Pedro. A locomotiva no ar: Rdio e modernidade em So Paulo - 1924-1934. So Paulo:
Secretaria de Estado da Cultura/PW, 1990. p. 43
Uma outra vertente de trabalho que tem se manifestado nos ltimos tempos a dos
importncia tendo em vista que a maior parte dos estudos que reconstitui a histria do rdio
vista tanto a importncia numrica das emissoras destas duas regies, quanto a comprovada
A seguir, sero destacados alguns dos trabalhos sobre emissoras locais. Pertencem a
das Amazonas, de Luiz Eugnio Negreiros Nogueira, defendida em 1997, e que reconstitui
rdio em questes polticas de mbito mais geral, em Taubat, a partir dos editoriais
transmitidos pela principal emissora da cidade. Existe tambm alguns trabalhos publicados,
Rdio em Porto Alegre de Srgio Roberto Dillenburg; 50 anos da Cear Rdio Clube de
Brasil dos anos 40 e 50 do sculo XX, seja observando pelos altos ndices de audincia que
a emissora registrava em todo o pas, seja pelo fato de a mesma ser tida como um modelo
de rdio a ser seguido. Como j foi dito anteriormente, tendo em vista tal quadro, grande
parte das anlises a serem aqui apresentadas tero como fonte principal a programao da
Rdio Nacional. Por sua importncia a Rdio Nacional foi objeto de alguns trabalhos
especficos.
O primeiro deles, intitulado Por Trs das Ondas da Rdio Nacional, de Miriam
autoria de Lus Carlos Saroldi e Snia Virgnia Moreira: Rdio Nacional: O Brasil em
Comunicao e Artes da ECA/USP em 1992, por Doris Fagundes Haussen, sob o ttulo:
Rdio e Poltica: Tempos de Vargas e Pern. E por ltimo Quando Canta o Brasil - A
oriundas das diversas fraes de classe e visando romper com a idia de que somente a
Entretanto a autora reafirma que o rdio um lugar por excelncia de doutrinao poltica
da classe dominante.
41 Goldfeder, Miriam. Por trs das ondas da Rdio Nacional. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. p.13
Quanto s fontes utilizadas, segundo Miriam Goldfeder, o material original da
Rdio Nacional estaria perdido 42, o que a levou a considerar a Revista do Rdio sua
principal fonte, e centrar a anlise no fenmeno das "rainhas do rdio". Inicia o trabalho
O segundo texto deve ser considerado como uma obra de referncia indispensvel
a qualquer anlise que envolva a Rdio Nacional. Tem como principal objetivo escrever a
histria da emissora, sem pretender aprofundar uma anlise da conjuntura poltica ou entrar
que contribui para acelerar o processo de decadncia que j se encontrava em curso. A obra
uma excelente fonte de consulta, fruto de uma pesquisa cuidadosa. Foi de grande valia
populismo alcanada pela fuso das obras de Francisco Weffort, Ernesto Laclau, Octvio
deveu a essa prtica poltica, mas sim s inovaes tcnicas, a autora pretende estabelecer
fenmeno populista na Amrica Latina. Durante todo o trabalho, Haussen tenta demonstrar
contrria poltica implementada pelo Estado, alm do prprio fato de que o estudo
anlise das programaes feita de forma superficial, acredito que isso se deva ao fato de a
autora ter escolhido um perodo muito extenso para seu trabalho e a prpria diversidade da
identidade popular: 1936-1945, pela PUC do Rio de Janeiro em 1996. Cludia analisa a
43 Haussen, Doris F. Rdio e Poltica: Tempos de Vargas e Pern. So Paulo: Tese de Doutorado, ECA/USP,
1992. p.I.
Rdio Nacional como a responsvel pela produo de um novo modelo artstico que ser
seguido pelas outras emissoras. Para realizar seu trabalho, Cludia elegeu alguns produtores
seus estilos peculiares e buscando destacar o modelo artstico criado por cada um deles.
Embora discordando da autora que esses modelos fossem criao exclusiva da Rdio
Nacional, pois eles j eram utilizados por outras emissoras como pela Rdio Mayrink
Veiga, fundamental buscar entender como a Rdio Nacional se torna o grande modelo
radiofnico imitado por todo o pas e nesse aspecto o trabalho de Claudia Maria traz boas
contribuies.
trabalho especfico sobre a Rdio Nacional apesar de ter sido utilizado o material irradiado
dedicada reconstituio das relaes estabelecidas pelo Estado, em pleno perodo do Estado
Novo, com o setor radiofnico. O objetivo foi o de demonstrar que mesmo neste perodo
ideologia do Estado. O rdio brasileiro havia crescido dentro de uma lgica que
44 Azevedo, Lia Calabre de. Na sintonia do Tempo: Uma leitura do cotidiano atravs da produo ficcional
radiofnica. (1940-1946). Niteri, Dissertao, Mestrado em Histria Universidade Federal Fluminense,
1996. 228p.
Gostaria de ressaltar que no foi subestimado o fato de a Rdio Nacional ser citada
Brasil. Ao longo desta tese, sero estabelecidos dilogos com algumas dessas obras.
CAPTULO II
novembro de 1920, nos Estados Unidos. A KDKA, como foi batizada a primeira emissora
radiofnica, utilizava equipamentos fabricados pela Westinhouse e tinha como base de sua
Nos Estados Unidos, o sucesso do rdio foi imediato, produzindo uma verdadeira
seis) novas emissoras entravam no ar. Ao final do ano de 1924, os Estados Unidos j
expanso para outros pases, mas em nenhum outro lugar foram registrados ndices de
45Briggs, Asa. The history of broadcasting in the United Kingdom. Vol. I. Oxford New York. Oxford
University Press. 1995. P. 56
participantes exibiam, entre outras coisas, as novidades tecnolgicas. Para o Brasil, a
mostrar-se prspero, saudvel, desenvolvido, e, acima de tudo, moderno, frente aos olhos
recepo das transmisses foram instalados diversos aparelhos nos pavilhes da Exposio,
fundarem a Rdio Sociedade do Rio de Janeiro, eles pretendiam criar uma emissora de
rdio com finalidades estritamente culturais e educativas, nos moldes das que estavam
radiodifuso era ainda um investimento muito caro e o nico pas a possuir um grande
46 Edgar Roquette Pinto era mdico e antroplogo, foi membro da Academia Brasileira de Cincias (onde
conseguiu apoio para fundar a Rdio Sociedade do Rio de Janeiro), da Academia Nacional de Medicina e da
Academia Brasileira de Letras. Fundou ainda o Instituto Nacional de Cinema Educativo, a Revista Nacional
de Educao e o Rdio Escola do Distrito Federal. Na poca da fundao da Rdio Sociedade Henrique
Morize era o presidente da Academia Brasileira de Cincia, fornecendo apoio para o empreendimento de
Roquette Pinto.
nmero de emissoras e de aparelhos receptores de rdio era os Estados Unidos. A indstria
transmisso, fazendo com que o governo interferisse na distribuio e utilizao das ondas
hertzianas.47 Tanto na Amrica como na Europa, eram intensas as discusses sobre o papel
social do novo meio de comunicao de massa, sobre o carter dos contedos transmitidos,
duas emissoras em 1923, cinco em 1924, trs em 1925, duas em 1926. Em 1930, o pas
brasileiras. Os aparelhos de escuta de rdio dos primeiros tempos, com seus fones
transistorizados que invadiram o mercado mundial a partir da dcada de 1960 e que foram
dia.
escuta individual que era feita atravs de um fone de ouvido. Os rdios podiam ser
conviveu com os rdios de galena e narra seus primeiros contatos com o rdio, aos seis
anos de idade.
O rdio era um baita de um mvel e no tinha som que se ouvisse ao redor dele,
havia necessidade de se colocar o fone e era uma pessoa no mximo que podia
ouvir o rdio. Minha me quase que monopolizava o rdio, mas ainda assim de
vez em quando ela dava uma chance para a gente e a gente botava o fone .49
custava caro. Em So Paulo, por exemplo, um aparelho de rdio, em agosto de 1924, era
vendido por 1:200$000 ris, enquanto uma famlia de trabalhadores composta por cinco
era um elemento complicador da vida dos ouvintes. O sistema era precrio pois os
possuam antenas,
captao das ondas do rdio e da parafernlia tcnica que tinha que ser montada. Luiz
Mendes morava em uma cidade no interior do Rio Grande do Sul e o rdio de sua famlia
captava as transmisses oriundas das cidades vizinhas, tanto brasileiras como argentinas,
entretanto:
Para poder se captar era preciso ter uma antena do lado de fora e a antena era
uma torre , uma torre de madeira grande. Nas recordaes de criana que a gente
tem, na imaginao de criana as coisas ficam maiores, mas eu ouvi dizer que
aquela torre tinha 17 metros.52
So Paulo, que nasceu em 1922, em sua infncia na cidade de Campinas, com quatro,
cinco anos, presenciava seu pai e mais um grupo de amigos se reunirem, at altas horas da
madrugada, para tentar sintonizar as emissoras de rdio estrangeiras. Uma vez, em especial,
contou que seu pai chegou eufrico em casa pois havia conseguido ouvir o Bib Ben pela
arraial dos Souzas, o ento Arraial dos Souzas, perto de Campinas e ficavam corujando o
mecanismos para adaptar alto-falantes, como os dos gramofones, aos aparelhos receptores
51 Almirante. No tempo de Noel Rosa. Rio de Janeiro: F. Alves Ed., 1977. p. 63.
52 Luiz Mendes, entrevista j citada.
53 Depoimento de Henrique Lobo , de 09 de dezembro de 1983. Diviso de Pesquisas Centro Cultural So
Paulo.
de rdio. A escuta individual transformou-se em escuta coletiva, acabando com os
aparelhos de rdio lanavam novas peas com promessas de melhorias na qualidade das
Nos Estados Unidos o rdio fazia um sucesso cada vez maior. A primeira metade da
dcada de 1920 foi vivida pelos norte-americanos como tempos de prosperidade sem fim, o
americanas, muitas delas propriedade das fbricas de aparelhos de rdio, eram vistas como
pas, e era tema de diversas reportagens como a que foi publicada pela revista Eu sei tudo,
rdio na vida das pessoas, mostrando que os norte-americanos o utilizavam para: aulas de
natao, acalmar os animais do zoolgico, escutarem suas canes prediletas, fazer seus
exerccios dirios, ou mesmo, distrair as pobres criancinhas que serviam de modelos vivos
para os escultores.
produto oferecido entretanto, alertava ao cliente que s poderia faz-lo nas horas de
problemas tcnicos, as emissora cariocas no possuam um horrio muito regular para suas
Almirante, entre os anos de 1923 e 1926, o quadro radiofnico carioca era o seguinte:
Nos trs primeiros anos funcionavam somente duas estaes de rdio, com
pouqussimos horrios de audies. Devido aos problemas de contato das galenas,
combinou-se a transmisso, com irradiaes intercaladas. Uns transmitiam
somente s segundas, quartas e sextas, e a outra, s teras, quintas e sbados. Aos
domingos no se ouvia rdio. Depois surgiram outras emissoras e, com a inveno
das lmpadas a pilhas, facilmente se ouviam, com absoluta pureza, audies em
todo o mundo.54
mensal. Mais que uma opo, essa foi a nica sada encontrada pelas emissoras de rdio
pois a legislao em vigor concentrava nas mos do governo tanto o poder de concesso de
publicidade. Tal fato se dava tanto pelo pequeno nmero de aparelhos receptores existentes
como eram chamados os aparelhos de rdio tambm era grande. Os proprietrios de tais
quem desejasse ouvir rdio deveria obter autorizao do governo. Em 1923 foram
expedidas, a ttulo precrio, 563 licenas. Inicialmente, no havia pagamento de taxas para
transmisses e captaes de rdio clandestinas. Nos primeiros tempos havia ainda muitas
dvidas e suspeitas sobre o uso desse novo meio de comunicao, que foram reavivadas
1940 e terminou sendo extinta devido ao completo descumprimento da lei por parte dos
proprietrios de aparelhos de rdio. Tais registros tambm eram utilizados para informar os
e diverso, entretanto essas transmisses poderiam ser captadas por qualquer pessoa que
rdio-sociedades, pois:
A programao das rdios brasileiras nos primeiros anos era composta de msicas
clssicas, peras, entrevistas de estdio, leitura e comentrios das notcias publicadas nos
se gratuitamente. Renato Murce, por exemplo, apesar de ter se apresentado no rdio pela
primeira vez em 1924, somente recebeu seu primeiro cach (pagamento por uma
artistas se apresentavam para tornarem-se mais conhecidos e atrair mais pblico para os
procuravam criar um pblico cativo, atrair patrocnio, melhorar e consolidar sua audincia.
Segundo o historiador Antnio Pedro Tota, a Rdio Educadora Paulista, em 1924, criou o
57 Murce, Renato. Bastidores do rdio: fragmentos do rdio de ontem e de hoje. Rio de Janeiro: Imago, 1976.
P. 21.
58 Murce, Renato. Op. Cit. P.19-23.
O fato de a criana ser includa na programao de rdio revela a ateno dada ao
aliciamento de novos ouvintes. Certamente a criana, ao ser envolvida nos apelos
radiofnicos, exigiria que a famlia aceitasse o rdio. Em outras palavras, o rdio
passava a ser includo nos hbitos familiares, ao mesmo tempo em que a presena
rdio no cotidiano das famlias, reordenando o uso do espao domstico e, de forma sutil,
impondo novos hbitos. Esse no era um fenmeno exclusivo do rdio paulistano. No caso
famlia. Essa busca pode ser ilustrada pela propaganda da Mayrink Veiga & Cia, publicada
mostrar a importncia do rdio para a populao que vive fora da capital do pas. Na sala se
ao aparelho, que ocupa um lugar de destaque na sala e que coloca todos a sua volta. O texto
atualizado como o da capital e sem sair de casa era um verdadeiro progresso. Era o
redefinio do espao domstico. interessante notar que nesse primeiro momento o apelo
comercial tambm feito para o homem, para o dono da casa, o rdio ainda no havia
Instalada na Rua Municipal, 21 (depois renomeada como Rua Mayrink Veiga), a Mayrink
era uma emissora como as outras de seu tempo, ou seja, foi fundada como uma associao,
ou clube, e vivia da contribuio financeira dos ouvintes. Mas, como pode ser observado na
receptores com claros objetivos comerciais. Na dcada de 1930 a rdio Mayrink Veiga,
emissoras de rdio havia crescido e o pblico ouvinte tambm. Nas casas construdas no
sculo XIX e no incio do sculo XX, no havia instalaes para os novos aparelhos
Uma das revistas na qual estes anncios estavam sempre presentes era A Casa, uma
para os grupos sociais de maior poder aquisitivo. interessante observar que at 1926,
casas sem serem previstas instalaes para receptores de rdio. Quando construir a sua,
1927 com o aparecimento dos primeiros artistas que disputavam a preferncia dos
ouvintes. 61 Estes profissionais ainda recebiam cachs muito pequenos ou, na maioria das
fiel.
O cotidiano de um lar passava cada vez mais a ser visitado pelo som indiscreto
emitido pelo alto-falante do aparelho radiofnico. Um sarau at pouco tempo, era
resultado do som produzido por uma pequena orquestra ou dependia do trabalho
de dar corda em um gramofone. O aparecimento do rdio dispensou essa
relao62
Apesar de ainda manter uma programao mais ao gosto das elites, as emissoras de
rdio tentavam se tornar mais populares. Em 1927, por exemplo, a Rdio Educadora
Rio de Janeiro para So Paulo uma partida do campeonato brasileiro entre paulistas e
cariocas. Para permitir que um nmero grande de ouvintes pudesse acompanhar a faanha,
sede do jornal A Gazeta. No dia seguinte, os jornais publicavam fotos e comentrios das
Rdio Educadora Paulista tinha entre seus associados Jlio Prestes, candidato Presidncia
campanha para o candidato paulista. Dentro da Rdio Educadora no se falava nos nomes
Rdio Sociedade Record de So Paulo foi uma delas. Fundada em 1928, a Rdio Record foi
vendida em 1931 para Jorge Alves Lima, Joo Batista do Amaral e Paulo Machado de
declararam:
s, que consistia em um mvel que continha um rdio, uma eletrola e um gravador (que
gravava tanto a partir de discos como do rdio)66. Apesar dos avanos tcnicos chegarem
com fins polticos nas eleies de 1930. Segundo o historiador Antnio Pedro Tota o que
ocorreu em 1932 foi uma verdadeira guerra no ar entre as emissoras do Rio de Janeiro e
rdios Philips do Rio de Janeiro e a Record de So Paulo, que at poucos dias antes da
movimento paulista as emissoras passaram a servir como armas na luta, ocupando campos
em desmentir as notcias produzidas pelo campo inimigo. Csar Ladeira, na poca locutor
67 Como pode ser visto na tabela de salrios operrios apresentada mais frente, em 1931 os maiores salrios
individuais giravam em torno de 280$000.
68 Tota, Antnio Pedro. Op. cit. p. 97/98.
69 Ladeira, Csar. Acabaram de ouvir: reportagem numa estao de rdio. So Paulo: Cia. Editora Nacional,
1933. P. 121-122.
A rapidez com que as notcias podiam ser veiculadas, o uso variado de cada
demonstraram que o rdio era em si mesmo um veculo revolucionrio, com seu largo
alcance e rapidez na divulgao dos fatos, e que tinha vindo para ficar.
Com esses dois textos legais o Brasil atendeu ao fabuloso desenvolvimento das
radiocomunicaes, nelas includas a radiodifuso, at 1962, quando foi institudo
o Cdigo Brasileiro de Telecomunicaes.70
poderiam destinar 10% (dez por cento) de cada programa irradiao de textos comerciais.
Paulo, por exemplo, logo no ano seguinte, em 1933, surge a Rdio Difusora, a primeira
longo da dcada de 30, os preos ainda altos dos aparelhos diminuam a velocidade do
Em 1933, um anncio de uma loja de rdios e vitrolas apresenta uma senhora bem
vestida e tristonha por no ter em sua casa uma vitrola ou um rdio, para distrair as
visitas. Esses acessrios eram apontados como fatores que tornavam a vida mais alegre, a
casa mais freqentada, fornecendo distino aos seus proprietrios. Mas o rdio no servia
somente para o lazer, ele representava a ligao com o mundo, o caminho para viver
dentro de sua prpria poca, para sentir o corao de sua poca. Um outro anncio dos
aparelhos Phillips sintetiza os benefcios do rdio afirmando que ele instrui as crianas,
que possui muitas utilidades, capaz de agradar e ser til a todas as faixas de idade. Soma-
um pblico muito maior do que o das palestras educativas. Ainda assim, os preos dos
aparelhos continuam proibitivos para uma boa parte da populao. A tabela abaixo uma
amostra dos salrios dos operrios na cidade do Rio de Janeiro, ento Distrito Federal.
Tomando os salrios pagos pela Amrica Fabril como referncia, pode-se imaginar
que uma famlia operria, em 1934, na qual trs membros trabalhavam na fbrica em uma
funo mdia (dois maiores e menor) obtinha uma renda de 415$700 mensais. No mesmo
73 A tabela aqui apresentada apenas a reproduo de parte da original. Somente foram extradas as
categorias profissionais nas quais constavam as mdias salariais de todos os anos.
perodo, um anncio de promoo dos rdio RCA Victor apresentava preos que variavam
aparelho deveria significar uma grande necessidade para justificar tal investimento familiar.
Em 1936, uma leitora da revista Carioca e admiradora do rdio sugeria que entre os
problemas que mantinham o rdio brasileiro em um estgio ainda embrionrio estava o dos
pesados impostos que incidiam sobre os aparelhos, que eram importados, tornando sua
aquisio somente possvel para as classes mais abastadas. Restava aos menos abastados
apenas o martrio de namor-los (os aparelhos de rdio) nas vitrines dos estabelecimentos,
a leitora-ouvinte afirmava que onde quer que funcione um rdio a aglomerao de ouvintes
matemtica e terminava sua carta apresentando-se como uma ouvinte que, ainda no
nenhum acesso ou conhecimento das programaes das emissoras de rdio. Uma boa
equipe de pesquisa do Centro Cultural So Paulo, contou que seus primeiros contatos com
o rdio, como ouvinte, ocorreram por volta de 1934. Na poca era aprendiz de barbeiro e
ainda morava na cidade paulista do Esprito Santo do Pinhal. Arnaldo Cmara Leito era
na periferia da cidade de Curitiba, no incio da dcada de 40, ressalta como eram grandes
...na casa de um vizinho. E como esse vizinho era um sujeito que gostava muito das
pessoas que habitavam as proximidades da casa dele, o seu Alfredo que era um
alemo...E era at um perigo porque a guerra terminou em 1945, a Segunda
Guerra Mundial, e seu Alfredo era alemo. E durante a guerra muita gente alegava
que seu Alfredo ouvia, acompanhava muito a programao que trazia informaes
sobre a guerra e principalmente sobre as foras do Eixo. Quer dizer, o que os
nazistas defendiam. Mas passada a guerra, seu Alfredo comeou a receber as
pessoas aos domingos s 7 horas da noite e deixava a vizinhana ouvir, escutar
rdio. Ele colocava numa varanda grande que ele tinha, o rdio num volume muito
alto e a gente ficava ouvindo ali. Achava muita graa, Alvarenga e Ranchinho,
Jararaca e Ratinho, essas coisas assim. Quer dizer, ele procurava uma estao que
tivesse uma programao que mais ou menos na idia dele agradasse aquela gente
simples76
75 Arnaldo Cmara Leito. Depoimento. Diviso de Pesquisas Centro Cultural So Paulo. 14/06/1984.
76 Haroldo de Andrade. Entrevista - 25/01/2001
Mesmo na cidade do Rio de Janeiro, a Capital Federal, as dificuldades das famlias
em comprarem seus aparelhos de rdio era grande, em seu livro de memrias o empresrio
muro, enquanto dona Thereza lavava a roupa suja de todo o dia .77
leitor da revista Carioca, escrevia indignado quanto falta de ateno das emissoras de
Tendo sido antecipada de vrias horas a chegada desse dirigvel, a muitas pessoas
no foi dado apreciar o espetculo indito e majestoso. Sendo hora do jantar,
quando os rdios geralmente esto ligados, o rudo dos motores era abafado pelos
acordes de sambas e foxes transmitidos pelas nossas rdio-emissoras, que podiam
perfeitamente abrir um pequeno parntesis nas suas transmisses e informar aos
paulistanos da visita que estavam recebendo. Essa notcia seria tambm
interessante para os habitantes de Santos, Curitiba, Paranagu e outras cidades
para onde o dirigvel rumou depois de cruzar por vrias vezes os cus de
Piratininga.78
77 Ferreira, Paulo Csar. Pilares Via Satlite: da Rdio Nacional Rede Globo. Rio de Janeiro,: Rocco,
1998. P. 28.
78 Carioca. 02/01/1937. P. 46
O rdio do final da dcada de 1930 j era visto como um meio de comunicao
somente poderia ser informada por um meio de comunicao gil, entretanto, ainda
segundo o protesto do leitor, o rdio paulistano estava longe de cumprir com suas
distncia para as cidades e estados vizinhos. Indiretamente, o leitor nos informa que o ponto
observado na propaganda o da dimenso que o rdio toma frente s pessoas. Nos anncios
tamanho dos aparelhos no ultrapassava o dos homens. A imagem projetada pelo anncio
do Rdio Pilot a de um pequeno homem em frente a um aparelho de rdio que tem mais
exclusividade dessa marca especfica de rdio. O mesmo fenmeno pode ser observado no
anncio dos aparelhos de rdio Philips publicado no jornal O Globo no ano seguinte, como
por exemplo em 15/12/. Ao lanar seu novo modelo para o ano de 1940, a firma holandesa
Philips chama a ateno dos leitores para as qualidades de seus aparelhos na captao das
79 O Globo. 05/01/1938.
transmisses em ondas curtas. Ao lado de um enorme aparelho de rdio temos um pequeno
homem a toc-lo. o rdio que liga os homens de todas as partes do mundo, grandioso em
Uma alternativa muito utilizada para suprir a falta de aparelhos de rdio foi a da
como verdadeiras emissoras de rdio, tocando msicas, mantendo locutores que eram
responsveis pela leitura dos noticirios, dos textos dos anunciantes e da prestao de
servios em geral. O radialista paulista Walter Silva iniciou sua carreira trabalhando em um
1930, este tipo de servio foi desaparecendo dos grandes centros urbanos. Entretanto, no
que os textos das irradiaes tinham que ser submetidos censura prvia e que a nica
sociedade brasileira vai sendo ampliada e se tornando mais evidente. Uma crnica
publicada pela revista Carioca, explica como era escolhido lugar preferido de uma casa:
A presena do rdio passou a ser associada, cada vez mais, alegria da casa. O
aparelho passou a ser uma presena quase que obrigatria no dia-a-dia das famlias,
intestino est de fato jubolisado que alegria. E ordena empregada: Liga o rdio!.83
A alegria e a distrao das casas passam a ser trazidas pelas ondas do rdio.
Ao mesmo tempo em que o rdio ficava mais popular a indstria aumentava a oferta
sintonia e, ao mesmo tempo, serem um objeto de decorao da sala de estar, at mesmo por
Mesmo sem sair de casa, um apaixonado pelo futebol e pelos esportes em geral pode
as transmite... 84. A General Eletric anuncia em julho de 1940 que 1941 chegou antes.
A GE lanava um novo modelo de rdio que era construdo pea por pea, para
notcias e o rdio era o meio mais rpido e eficaz na divulgao das informaes sobre o
83 O Globo. 01/12/1941. P. 8
84 O Globo, 07/07/1940. P. 6
85 O Globo, 06/07/1940. P. 5
A Guerra fez com que o interesse pelas transmisses radiofnicas aumentasse com
grande rapidez. Segundo o radialista paulistano Vicente Leporace, em 1940, com a Guerra,
rdio, quaisquer que elas fossem, para conhecer o que estava ocorrendo no campo de
O interesse pela Guerra levou mesmo algumas famlias a adquirir seu primeiro
Estourou a Guerra e o meu av, o meu padrinho que era portugus, ele queria
saber das coisas da guerra e a gente ficava ouvindo. Ele comprou um rdio (...) um
New Condor, comprado nas Lojas Assuno e a gente ficava ouvindo rdio em
ondas curtas. Ouvia-se bem a BBC de Londres, a Rdio Central de Moscou, ouvia-
se a Emissora Nacional de Lisboa e as notcias da guerra. Sempre boletins em
portugus, ele (meu av) tinha horrio de todos os boletins em portugus para o
pesquisa e de produo de materiais para o setor blico. Durante algum tempo o quadro da
linha de anncios que garantiam melhoramentos fantsticos para os aparelhos que viessem
Philco. 88
Em um futuro prximo a esttica, os rudos e a interferncia sero coisa do
passado na histria da rdio-transmisso (...) Os magnficos receptores de FM
General Eletric que sero fabricados depois da guerra sero o instrumento mais
guerra.90
ateno dos ouvintes. Um dos recursos que o rdio utilizava para testar sua capacidade de
O principal objetivo era o de recolher e doar alumnio para as foras armadas para que o
Todo menino tratar de arranjar coisas velhas que sejam feitas de alumnio:
panelas, colheres, copos, enfim, tudo que seja confeccionado com esse metal que
est se tornando raro porque ele necessrio para fins militares e principalmente
para o avio.91
88 Selees. junho/1944
89 Selees. agosto/ 1944
90 Selees. agosto/1944
91 Vamos ler. 04/09/1941. P. 43
Em 17/03/1942, a revista Noite Ilustrada publicava o resultado da campanha como
junto s camadas menos favorecidas chama a ateno dos cronistas da poca. Nelson
horas da manh. 93
Genolino Amado tambm afirmava que a credibilidade dos locutores de rdio junto
aos ouvintes era muito grande e que o envolvimento do pblico com o veculo de
comunicao tambm havia crescido. O radialista utiliza alguns dados da Rdio Tupi do
Rio de Janeiro para ilustrar suas afirmativas. Segundo Genolino Amado a Rdio Tupi
internacionais, do que todos os rgos dos Dirios Associados, de cuja organizao faz
passa a tratar, com muita freqncia, do que muitos denominam os males do rdio, onde os
principalmente aos efeitos do rdio sobre os lugarejos mais afastados dos grandes centros
urbanos).
94 Carta de Genolino Amado dirigida ao Presidente da Repblica. Rio de Janeiro, 02/09/1942. Arquivo
Gustavo Capanema. CPDOC
95 Idem.
O cronista de A Noite Ilustrada alerta para o fato de que os modismos de linguagem
para definir a sua emoo outro verbo mais apropriado do que desmilinguir-se 96, uma
Muito do que era julgado prejudicial pelos cronistas , muitas vezes, recordado
Para mim, ao contrrio o rdio era uma mquina de sonhos, uma fbrica de
fantasia. Eu jamais me preocupava com o aparelho, mas deixava a imaginao
correr com a msica, os sons e as idias que fluam atravs dele. (...)Meu melhor
companheiro de maratonas radiofnicas era meu av Juca, pai de meu pai, a
pessoa que mais amei na infncia. Ele morava em So Paulo e antes de eu vir para
o Rio ns ouvamos tudo o que o rdio oferecia, principalmente os boletins da
agncia Reuteurs sobre a guerra e as novelas de aventura da Rdio So Paulo. (...)
Acho que aprendi a ler na revista Radioler, editada pela Rdio So Paulo, que meu
av sempre me trazia, junto com o tablete de manteiga que ele comprava todas as
tardes. 97
pela guerra, despontava como um excelente aliado para a implementao das vendas das
os servios do IBOPE no se limitaram ao rdio e logo outros produtos eram oferecidos tais
polticas e sociais.98
Paulo. Entre as informaes presentes nos boletins fornecidos pelo IBOPE estava a mdia
de ouvintes por casa em cada horrio, essas informaes eram pesquisadas regularmente.
98 O Globo. 10/03/1947. P. 6.
Como pode ser observado nos resultados da pesquisa, o ndice de ouvintes por
casa na cidade do Rio de Janeiro era maior do que em So Paulo. Esse um indcio de que
a cidade do Rio de Janeiro possua uma maior concentrao de pessoas por unidade
residencial. Esse tipo de pesquisa era muito utilizado tanto pelas emissoras para estudos de
adequao da programao ao pblico ouvinte, quanto pelos anunciantes para escolha dos
com variaes muito pequenas. atravs da figura feminina que o rdio conquista um
papel de destaque no cotidiano familiar. Ao longo das dcadas de 1930 e 1940 vai sendo
criada uma cultura familiar radiofnica, que tambm vai contemplar horrios com
programaes infantil e masculina. Para atrair mais aos homens, algumas estaes de rdio
programas de msica e humor como ficou bem ilustrado pelas lembranas de Walter
Clark anteriormente citadas. A Rdio Nacional, por exemplo, criou alguns programas de
hbitos e preferncias dos ouvintes de rdio. Para isso usava um sistema chamado pelos
americanos de coincidental radio checking , que consistia em fazer, por meio de visitas
domiciliares, de porta em porta, um completo levantamento dos ndices de ouvintes de
cada estao de rdio, em cada dia da semana e em cada quarto de hora de irradiao.99
trazia a audincia que influenciava na escolha do horrio pelo patrocinador. Esses trs
sociedade brasileira.
11/11/1943, no artigo A revoluo feita pelo rdio!, indagava se o rdio estava perdendo
crnica alertava para o fato de que os heris locais estavam sendo substitudos pelos gals
das radionovelas e as msicas tradicionais pelas de Orlando Silva. Segundo Genolino isso
1945 e os ltimos anos da dcada de 50. importante ressaltar que a expresso ureo
perodo possusse mais ouvintes do que o de hoje, at mesmo porque tal fato seria
(principalmente pelo fenmeno dos aparelhos portteis de uso individual). Nos anos 1940 e
1950, o rdio passou a possuir um glamour, formava um ambiente todo especial. A Rdio
Nacional do Rio de Janeiro era uma espcie de Hollywood brasileira, capaz de realizar
sonhos, transformando a vida num conto de fadas. 101 Ser cantor ou ator de uma grande
emissora carioca ou paulista era o suficiente para que o artista conseguisse sucesso em todo
Normalmente as turns nacionais desses astros eram concorridssimas, fazendo com que
muitos dos jovens da poca, de todas as regies do pas, tivessem como maior desejo, ou
101 Esse mundo de fantasia era alimentado por um conjunto de publicaes, entre elas a da Revista do Rdio,
que se dedicava a apresentar aos ouvintes-leitores as trajetrias de vida dos astros e estrelas radiofnicos. As
narrativas eram comumente construdas no sentido de refazer a vida do astro de existncia pobre fama, do
anonimato ao estrelato.
sonho, tornar-se artista de rdio na Capital Federal seria o correspondente ao desejo de
Segundo Arnaldo Cmara Leito, em 1948, quando ele iniciou sua atividade de
crtico radiofnico:
setor radiofnico como um todo, como pode ser observado na tabela abaixo. Um conjunto
ondas curtas, o que significava que uma mesma emissora poderia possuir mais de uma
102 Depoimento de Arnaldo Cmara Leito. s. d. Diviso de Pesquisas Centro Cultural So Paulo.
EMPRESAS RADIOFNICAS SEGUNDO O ANO DE INSTALAO
Ano N de emissoras
1933 05
1934 15
1935 09
1936 08
1937 05
1938 -
1939 06
1940 10
1941 11
1942 07
1943 03
1944 08
1945 06
1946 26
1947 42
1948 49
1949 26
1950 47
1951 45
1952* 34
1953* 34
1954* 34
1955* 33
1956 44
1957 44
1958 11
1959 25
nmero de empresas quanto do nmero de estaes. Nas dcadas de 1940 e 1950 era
comum que uma emissora transmitisse a mesma programao a partir de diversas estaes
Anurio de 1958.
frequncias PRE-8, PRL-7, PRL-8, PRL-9, com uma mesma programao. Nesse caso a
Rdio Nacional do Rio de Janeiro era classificada pelo Anurio Estatstico como uma
empresa com 4 estaes. Tendo em vista a falta de informaes precisas quanto ao nmero
de empresas com mais de uma estao, ao longo do perodo de 1932 a 1960, a tabela de
desejassem investir nesse setor - j que teriam que adquirir novos transmissores o que
encarecia o investimento. A Rdio Nacional do Rio de Janeiro, por exemplo, realizava suas
transmisses em 4 (quatro) tipos de ondas diferentes, era a PRE-8 (ondas mdias), as PRL-
todo o territrio nacional com transmisses de qualidade, alm de tambm ter alcance
melhor atenderem aos seus clientes. De tais pesquisas se pode extrair ndices da
McCann Erickson encomendou uma pesquisa especial sobre as preferncias dos ouvintes
cariocas para a pasta de dentes Kolynos. As principais perguntas eram: Quais so as suas
horas favoritas de irradiao? Quais os estilos de programas que mais gosta? Obtendo as
seguintes respostas:
HORRIO
ESTILO DE PROGRAMA
homens mulheres total
Novelas 6.4 % 32.8 % 19.6 %
Populares 19.2 % 16.4 % 17.8 %
Msicas variadas 13.2 % 11.6 % 12.0 %
Teatro 6.0 % 16.0 % 11.0 %
Humor 14.0 % 5.2 % 9.6 %
Esportivos 11.2 % 0.4 % 5.8 %
Fonte: IBOPE Pesquisas Especiais - 1945
feminina sobre as demais (como j foi visto na pesquisa comparativa de audincia entre as
cotidianas se faziam, em sua maioria, atravs da mulher, que, de certa forma, tambm
utilizava o rdio para fugir da rotina, da mesmice do servio domstico. Na crnica Rdio
dotes crticos como literrios, reconstitui o papel dos anncios e do speaker que os l, no
cotidiano feminino:
Para se ter uma idia do que o anncio de rdio, basta citar o caso do speaker.
Esse benemrito cidado, com efeito, fez-se na vida, prosperou e at romantizou-se,
proclamando a infalibilidade de pomadas para calos, xaropes de mulher, laxantes
suaves e outros bichos. Um speaker passou a ser um sujeito lrico, um homem
quase fatal, quase vampiresco. Inspira paixes imensas. Recebe cartas de senhoras
casadas.103
com o mundo do rdio. Em geral, nas prprias propagandas dos aparelhos de rdio o
pblico alvo era a mulher. Era ela que ficava em casa, que era a responsvel por receber
os amigos e at mesmo por escolher os produtos que deveriam ser consumidos pela famlia.
noite, fazendo com que fosse criada uma linha especial de programas com horrios
anunciantes.
Dentro dos programas diversos, um dos gneros de maior audincia eram o das
radionovelas, uma espcie de soap-operas originrias dos Estados Unidos nos anos 30.
latino-americanas. Cuba, em 1931, foi o pas pioneiro nesse novo gnero, logo seguido
pela Argentina (1935). 104 Rapidamente as novelas passaram a ocupar os horrios mais
patrocinadores do horrio das 21h, informa aos leitores como se deu a consolidao deste
o artigo depois de pensado nos gabinetes e de realizadas as pesquisas para saber qual o
horrio do dia que concentrava o maior nmero de pessoas dentro de casa, verificou-se que
104 Ortiz, Renato. A moderna tradio brasileira: cultura brasileira e indstria cultural. So Paulo:
Brasiliense, 1991. P. 44 e 45.
105 Um horrio famoso. In: A Noite Ilustrada, 12/10/1948. P. 32
O rdio, j na segunda metade da dcada de 1940, demonstrava todo o seu potencial
sobre propagandas de marcas de caf, realizada pelo IBOPE, para o caf Globo,106 o rdio
deveria ento declarar de que marca se tratava e o local onde essa propaganda havia sido
veiculada. O rdio foi o veculo mais citado, independente da marca de caf lembrada,
Plenamente incorporado ao dia-a-dia, o rdio passa a ser visto como mais um dos
elementos da vida moderna que deveria estar presente em todos os momentos do dia. O
rdio servia para, junto com o jornal, manter os homens informados, alegrar as reunies de
famlia, fazer companhia mulher e acompanhar os jovens nos passeios e na praia, como
A compra do primeiro aparelho de rdio de uma famlia era motivo de festa, como
A mulher era a rainha do lar, mas isso no significa que a audincia masculina
no fosse valorizada, mesmo concentrada nos horrios noturnos e dos finais de semana. O
rdio passava a servir como veculo de diverso para toda a famlia. Segundo o cronista
Nos anos dourados do rdio brasileiro se deu a efetiva popularizao dos aparelhos
de rdio junto a populao. Em 1948, o nmero de domiclios com aparelhos de rdio havia
de 1948, a Clipper, que fabricava rdios com a contra-marca ASA, festejava o 100.000
Em maro de 1947, por exemplo, a Casa Nata Ltda anunciava um aparelho simples,
marca Americano por Cr$ 545,00. 111 Mas para os clientes mais exigentes havia tambm
as marcas mais afamadas do mercado. Nas lojas Novidades Murray, por exemplo, em abril
de 1948, um aparelho Philips era vendido por Cr$ 1.680,00 e um Philco por Cr$ 1.100,00, e
o pagamento poderia ser realizado prazo. 112 Os fabricantes dos aparelhos de rdio
estavam sendo plenamente incorporados aos seus produtos e que ao comprar um rdio G.E.,
o cliente poderia ter a certeza de que a mesma tcnica e preciso que servem indstria
em todo o mundo tambm contribuem para o conforto do seu lar113 No anncio de seus
Sintonize...o mundo !
Do febril trabalho da cincia durante a guerra surgiram provas impressionantes da
conquista, pelo homem moderno, do tempo e da distncia. (...) Aviao, rdio, eis
dos jornais e das revistas. Observando a tabela de salrios mnimos pagos nas cidades do
nas dcada de 1940, verifica-se a existncia real de possibilidades de uma famlia operria
adquirir seu aparelho de rdio. Mesmo que somente um dos membros da famlia
trabalhasse, seria possvel adquirir um modelo mais simples pelo sistema de prestaes .
invaso do rdio ao conjunto dos lares. Segundo o cronista: naquele lugar reservado aos
pianos um aparelho de rdio se instalou. Grande ou pequeno, bom ou mau, ele ali est ao
alcance de todos. Basta lig-lo e ele nos pe em comunicao com o resto do mundo.
Como era muito comum na poca, o cronista segue criticando a ao do rdio sobre
afazeres e tambm se rene, mas para tomar chimarro e ouvir rdio. 115
desse crescimento podem ser observados em um estudo publicado, no Brasil, pela revista
Crescimento produo de receptores de rdio nos trs maiores pases produtores (em
milhares de aparelhos): 1935 1950.
PASES 1935 1950 ndice de crescimento
Estados Unidos 5.634 14.580 258,37 %
Inglaterra 1.850 18.100 97,83 %
Canad 191 788 412,56 %
Fonte: Statistical Yearbook 1951 United Nations. In: Conjuntura Econmica, dezembro 1952.
Esse mesmo estudo da Fundao Getlio Vargas chama a ateno para o fato de que
nacional somente se tornou efetivo na segunda metade da dcada de 1940, quando surgiram
vrias fbricas montadoras de aparelhos de rdio, tanto representantes das famosas marcas
116 Idem.
117 Rdio, imprensa e cinema. In: Conjuntura Econmica, dez. 1952. P. 68-73
118 Indstria Rdio e Televiso. Conjuntura Econmica. Maio/1951. P. 12-16.
1948 568 56.770 1.339 147.312
1949 821 86.036 72 9.604
1950 1.391 125.852 7 1.019
Fonte: Conjuntura Econmica, maio-1951
Como pode ser verificado a partir dos dados acima apresentados, o pas diminua
comparao entre dois estudos diferentes, realizados pelo IBOPE, acerca da preferncia de
marcas de rdio entre os ouvintes, nos anos de 1943 e de 1949, aponta para o crescimento
contra 26% para as marcas nacionais. Sendo que 19% dos entrevistados no tinham
119 Citado em Gontijo, Silvana. A voz do povo: o IBOPE no Brasil. Rio de Janeiro: Objetiva, 1996. P. 47
Cruzeiro 8,0 % Detrola 8,0 %
Anderson 6,0 % Garod 8,0 %
Fonte: IBOPE Pesquisas Especiais 1949
Philco International Corporation de Nova York, em visita ao pas, para inspeo das novas
ndices de civilizao e liberdade dos povos modernos e que o rdio no mundo moderno
era um privilgio dos povos livres, que podem escutar o que desejam, sem sujeio nem
sempre buscou apresentar uma programao popular que agradasse maioria dos
ouvintes. bem verdade que tambm surgiram algumas emissoras que tinham como
pblico alvo as camadas privilegiadas, mas essas emissoras eram a minoria. As rdios que
se tornaram mais famosas nesse perodo, (no caso carioca as rdios Nacional, Tupi, a
civilizatria do rdio preconizada pelo pioneiro Roquette Pinto tinha sido substituda pelo
120 Fabricao no Brasil, em larga escala , dos rdios Philco. In: O Globo, 14/02/1949. P.4
binmio informao e diverso e dava os primeiros passos rumo a consolidao da
crticos ao meio:
Ouvir rdio uma coisa, saber ouv-lo outra. Tudo em excesso prejudica, enfastia
e at o povo confirma esta verdade no refro que diz: o que demais sobra. O
hbito de ligar o aparelho e deix-lo funcionando horas seguidas um erro. Satura
o ouvinte de tal forma que ele no saber mais distinguir o bom do mau programa.
121
A gente do povo , sobretudo, a que no apenas usa, mas abusa do rdio. Tem a
mania de ouv-lo da manh noite, seja o que for. E o pior que no s perverte o
prprio gosto, ao invs de aperfeio-lo, como azucrina os ouvidos alheios, da
vizinhana que, nem sempre estar disposta a escutar mesmo um bom programa,
quanto mais os de ltima classe, as insuportveis novelas, com seus gritos e
soluos que nunca mais acabam e que constituem, precisamente, o chamariz para
platia enternecida.
preciso, portanto, que se modere o uso do rdio, que deve ser individual,
escrita servem como uma espcie de termmetro para medir a popularidade de alguns
auditrio, por exemplo, atraam multides aos estdios das emissoras e normalmente eram
uma pesquisa destinada a eleger os dez programas mais populares do rdio carioca. Em
primeiro lugar estava o Programa Csar de Alencar com 22,2 % da preferncia dos
ouvintes. O segundo colocado foi o programa Sequncia G-3, com 7,3 % da preferncia 123.
histria do rdio brasileiro. Ficaram famosas as filas para a compra de ingressos que
segundo colocado na pesquisa, o Sequncia G-3, era um programa que tinha como principal
quadro o de reclamaes e de pedidos de auxlios, era o rdio abrindo seus microfones para
uma nova pesquisa quanto a preferncia dos ouvintes e obteve como resultados: 18,1% para
o Programa Csar de Alencar, 11,5% para o Programa Manoel Barcelos e 9,7% para o
Sequncia G-3. 124 O que se verifica que 29,6% dos ouvintes tinham nos programas de
Foi dentro desse clima de crescente popularizao do rdio e de seus dolos que, em
1948, a Associao Brasileira de Rdio ABR, promoveu seu primeiro concurso para a
Rainha do Rdio. O ttulo j existia desde 1937 e era promovido pelo Iate dos Laranjas,
que premiava, anualmente, uma cantora com o ttulo de Rainha do Rdio. O concurso
concurso era anual e os votos eram vendidos. O concurso para Rainha do Rdio mais
polmico e famoso ocorreu em 1949, quando a cantora Emilinha Borba era a preferida e
entretanto foi Marlene que ganhou o concurso graas ao patrocnio da Cia. de Cerveja
radiofnica, foram os canalizadores dessa disputa entre os poderosos f-clubes das duas
cantoras.
rdio dos outros estados, entre outros. Rapidamente a revista tornou-se popular e, em
novembro de 1950, ocupava o 4 lugar entre as revistas mais lidas na Capital Federal.
Leitura de revistas e poder aquisitivo
REVISTA Classe A Classe B Classe C Mdia
O Cruzeiro 86,0 % 75,0 % 40,0 % 58,9 %
Grande Hotel 6,0 % 13,0 % 11,0 % 11,7 %
Revista da Semana 26,5 % 15,5 % 3,0 % 10,0 %
Revista do Rdio 2,0 % 7,5 % 12,0 % 9,3 %
Jornal das Moas 4,5 % 11,5 % 6,5 % 8,8 %
Fon-fon 8,5 % 10,0 % 2,5 % 6,4 %
Carioca 8,5 % 8,5 % 1,5 % 5,2 %
Careta 5,5 % 3,5 % 1,0 % 2,4 %
Club dos Amores 1,0 % 1,5 % 2,0 % 1,7 %
Noite Ilustrada 1,5 % 2,5 % 1,0 % 1,7 %
Cena Muda 1,0 % 1,0 % - 0,5 %
Fonte: IBOPE Pesquisas Especiais - 1951
colocadas eram muito pequenas. A Revista do Rdio era uma publicao extremamente
popular, o seu pblico leitor concentrava-se nas classes C e B. A popularidade da revista foi
torno dos artistas da Rdio Nacional. Este fato gerava um certo mal-estar com as outras
grandes emissoras cariocas. Mas tal procedimento deve-se aos altos ndices de audincia
alcanados pela Rdio Nacional, na poca, tanto na cidade do Rio de Janeiro, quanto no
restante do pas.
Rio de Janeiro, a Nacional era a lder absoluta de audincia em todas as classes e em todos
os horrios. Em uma pesquisa, realizada pelo IBOPE em 1949 e publicada pelo Anurio do
forma:
cidade, o mercado radiofnico carioca era controlado por poucas delas. Ao longo de toda a
dcada de 1950, a disputa de audincia se deu entre as rdios Nacional, Mayrink Veiga,
Tupi e Tamoio, sendo que a Rdio Nacional continuou na liderana geral at meados da
dcada de 1960.
respeito relao entre as capitais e o interior ou mesmo entre as diversas regies do pas.
importados e era necessrio existir algum tipo de garantia de retorno do capital aplicado.
energia eltrica. Ao longo das dcadas de 1940 e 1950 o pas passou por diversas
apelo populao que fizesse o possvel para que economizar energia, pedindo, inclusive,
que ligassem o menos possvel seus aparelhos de rdio 125. Quanto mais distante dos
grandes centros, pior tornava-se a situao, pois o quadro de distribuio eltrica pelo
anos 30 e 40. Logo de incio, pode-se observar que no setor urbano, da regio norte, o
crescimento domiciliar foi maior que o de fornecimento de energia eltrica, causando uma
inclua Rio de Janeiro e So Paulo) e sul conseguiam ter mais de 50% de seus domiclios
abastecidos com energia eltrica. Quanto ao quadro rural, a situao no incio dos anos 50
era extremamente precria, pois mesmo a regio melhor abastecida de energia no chegava
diretamente o faturamento das emissoras de rdio que eram obrigadas e diminuir o horrio
racionamento noturnos o prejuzo era ainda maior, pois os horrios mais valorizados das
aparelhos receptores para uma populao estimada em 52.632.577 de habitantes 128, o que,
1.375.000 em cidades de mdio e pequeno portes e somente 800.000 nas reas rurais, alm
do fato de que neste mesmo perodo, mais de 70% do pas ainda no era servido de energia
eltrica 129, o que praticamente inviabilizava o projeto de uma famlia do interior de possuir
um aparelho de rdio. Repassando os totais para os nveis regionais o estudo revela que
cidade do Rio de Janeiro (Distrito Federal). Cada aparelho receptor de rdio normalmente
atendia a uma famlia de 5 membros e, muitas vezes, aos vizinhos na hora da novela ou dos
126 Como por exemplo o artigo A Light agente de uma conspirao internacional contra a industrializao
do Brasil publicada na PN: Publicidade e Negcios. 05/07/1953. P. 6
127 PN - Anurio do Rdio. Rio de Janeiro, 1951/1952. p. 26
128 IBGE - Anurio Estatstico do Brasil. 1960. Rio de Janeiro. p. 21
129 No recenseamento de 1960, ou seja, dez anos depois, somente 38,54 % dos domiclios visitados pelo
IBGE possuam abastecimento de energia eltrica. Ver. VII Recenseamento Geral - 1960 . Rio de Janeiro p.
126
programas mais famosos, ou seja, a escuta familiar e / ou compartilhada ampliava o alcance
do aparelho de rdio.
Anurio de Rdio informava ainda que, somente na cidade do Rio de Janeiro, as vendas de
aparelhos de rdio era o da ampliao das vendas a prestaes, que ofereciam, no mercado
carioca, a possibilidades de compra de um modelo simples pelo valor de Cr$ 20,00 (vinte
cruzeiros) mensais. Nesse perodo o salrio mnimo era regional, no caso do Distrito
Federal o valor estipulado era de Cr$ 380,00 (trezentos e oitenta cruzeiros) 130. A compra
cotidianidade. Segundo Agnes Heller a vida cotidiana a vida do indivduo 131 , sendo
que este indivduo sempre um ser particular e genrico. Para a estudiosa o homem da
cotidianidade atuante e fruidor, ativo, receptivo, mas no tem tempo nem possibilidade
da locuo das horas, minutos e segundos. As pessoas passaram a acertar seus relgios pela
133 Lobo, Fernando. Crnica Rdio Relgio. In: A Noite Ilustrada. 16/10/1951.
134 PN:Publicidade e Negcios. 15/01/1950 p. 10-13.
Um dos setores onde a presena, a influncia, cotidiana do rdio mais sobressaa era
criando fortes laos de identificao entre seus ouvintes. As expresses criadas pelo rdio
cada vez maiores ndices de audincia. Tal situao no intimidava alguns cronistas que
135Sennett, Richard. O Declnio do Homem Pblico: as tiranias da intimidade. So Paulo: Cia das Letras,
1988. p. 344.
rdio educativo. Para esse grupo o meio deveria ter como principal objetivo o de educar e
elevar o nvel cultural da populao brasileira. O jornal carioca Dirio de Notcias, por
exemplo, mantinha uma coluna de rdio denominada O Dirio nos Estdios na qual
predominava uma linha de crtica ao rdio popular. A presena do rdio no cotidiano das
camadas populares era um tema bastante presente na coluna, como no exemplo abaixo:
chamando a ateno para o fato de que mesmo aqueles que no possuam aparelhos de
rdio em casa acabavam tendo contato com o poderoso meio de comunicao nos
estabelecimentos comerciais. Era uma prtica comum que bares e armazns mantivessem
aparelhos de rdio ligados durante todo o dia e sintonizados nas estaes de maior
descrita na crnica, ela se encontrava presente em um samba de Jorge Veiga que gerou
muita polmica a acabou sendo censurado e retirado da programao das rdios. Apesar da
delas que, segundo sua viso, servem mais para deseducar do que para educar o povo.
permitir que atravs dela se possa avaliar o processo de interferncia do rdio nas camadas
populares. Nesse caso, ela fornece um exemplo de uma prtica, ou melhor, uma expresso,
que foi tornada de uso comum, cotidiano, e que teve sua origem na transmisso
radiofnica.
tambm nos anos de 1950. Em outubro de 1953, por exemplo, a crnica classificava o
programa de Haroldo Barbosa, A Cidade se Diverte, irradiado pela Rdio Mayrink Veiga,
crtica opo popularesca, adotada pela Rdio Nacional, afirmando que Vitor Costa
cedo se convenceu dos grandes lucros que iria auferir explorando os programas
grupos era inegvel. A presena do rdio no podia mais ser ignorada pelos intelectuais:
O rdio com sua fora tremenda, tende a unificar a linguagem nacional a um ponto
impossvel de imaginar antes; a lngua oficial falada no Brasil, em todos os
crculos sociais e em todos os estados , afinal de contas, a da Rdio Nacional. Se
amanh o pessoal dessa estao resolver inventar um adjetivo qualquer
transmisses das diversas emissoras do perodo, com todas as suas variedades e graus
Meu pai, cedo partido desta vida, est sentado, impecvel pijama abotoado at em
cima, como era de seu modo (...), ao lado do rdio de caixa, objeto principal da
modesta sala de jantar de nossa casa de vila. Ouve notcias da Segunda Guerra
Mundial nas rdios Nacional e Tupi ou msica clssica na Rdio Ministrio da
Educao. Eu, (...) brinco a ss, enquanto incorporo memria emotiva sons e
nomes. (...) Eu ficava a imaginar a face do Prncipe Igor ou me via a saltar, sem
gravidade, nas ensolaradas ou nevadas (eu no sabia) lonjuras das estepes da sia
Central.
Devo tudo isso Rdio Ministrio da Educao (ser mistrio da educao?) e a
meu pai, como muito devo tambm s tardes, quando meus pais saam para
trabalhar e eu ficava aos cuidados da boa e parruda negra Doris (era o teso da
portuguesada do bairro), que me propiciou o contato com os programas
populares das rdios Nacional e Tupi. (...)
Sim, sou formado pelo rdio dos anos quarenta, cinquenta e sessenta tanto quanto
o fui pelos colgios, pela faculdade de direito, pelas esquinas cariocas, pelos tantos
livros que li e pela precoce militncia poltica.
Como disse acima, meu pai ouvia as rdios Ministrio da Educao (MEC) e
Jornal do Brasil, a incios da dcada de quarenta, eu colhia a(s) obra(s) dos sons e
palavras. Minha empregada, (...) ouvia as rdios Nacional e Tupi. convivi desde
cedo - e fundamentalmente - com essas duas realidades radiofnicas decisivas em
vivenciadas por boa parcela da sociedade carioca nos anos de 1940 e 1950. provvel que
Ministrio da Educao ou mesmo da Jornal do Brasil, tidas como rdios de elite, mas
certamente foram formados atravs dos programas das rdios Nacional e Tupi - as
tal como na rdio Jornal do Brasil, acrescida dos programas estritamente educativos. As
emissoras citadas esto claramente divididas em dois grupos de programao. Tal fato no
programas educativos, mas esse no era o tipo de programao que as caracterizava, que
lhes fornecia uma identidade. O fato de a Rdio Nacional ter sido a campe absoluta de
audincia durante grande parte da dcada de 1950, mostra tambm que um nmero
139 Tvola, Arthur. 60 anos. In: Braslia, Revista da ABERT, 1996. n 112 pp.40-41.
Uma pesquisa realizada pelo IBOPE em 1956, encomendada pela Rdio Mundial e
que buscava determinar a concentrao dos ouvintes das emissoras pelas classes sociais,
obteve os seguintes resultados em uma proporo de 100 ouvintes para cada emissora:
resultados obtidos pela pesquisa do IBOPE. A Rdio Jornal do Brasil, dentre as emissoras
apresentadas, era a que possua menor ndice de interesse entre as camadas populares e, em
contrapartida, o maior ndice na camada alta. Exatamente o oposto ocorre com as rdios
Nacional e Tupi, que concentram audincia entre as camadas populares e mdia, sendo
mais negativas sobre o veculo e principalmente contra o contedo por ele veiculado,
surgiram algumas observaes favorveis ao rdio. Uma delas foi feita pelo poeta
Guilherme Figueiredo e diz respeito ao poder de interferncia do rdio na alterao dos
hbitos cotidianos. Aps vrias observaes que qualificavam o rdio como produtor de
Entretanto, foroso reconhecer que o rdio tem prestado bons servios ao povo.
No apenas servios informativos e educativos, at o limite em que isso possa ser
possvel. Mas servios at mesmo de noes de higiene. Quando um anunciante
anuncia uma pasta de dentes, presta o servio de ensinar que se deve usar pasta de
dentes. Isto entre ns muito importante.140
A publicidade veiculada pelas emissoras alm de servir ao seu objetivo original que
o da venda do produto que se encontra anunciado, servia (e serve ainda hoje) para
venha solucionar problemas que os indivduos possam ter. obvio que dentro da lgica das
o rol das necessidades bsicas do homem e, por conseguinte, tendo o rdio brasileiro se
isso fez dele um veculo muito bem utilizado pelas agncias de publicidade.
Lever, por exemplo, o anunciante realmente informava ao seu ouvinte sobre a importncia
da higiene pessoal e do hbito de tomar banho todos os dias. Para as fbricas estrangeiras
140 Guilherme Figueiredo na entrevista: Como os intelectuais vem o rdio brasileiro. In : PN - Anurio do
Rdio. Rio de Janeiro, 1953. p. 8.
era importante que a utilizao dos produtos de limpeza, tanto os da casa quanto os do
corpo, se tornassem moda. Para a populao brasileira, que ainda vivia com problemas de
na moda. Em seu estudo sobre o cotidiano e a histria, Agnes Heller trata tambm da
tradio aponta para o passado e a moda para o futuro. Nas sociedades burguesas a
fato de que: Quem quer ento desempenhar adequadamente seu papel (social) no se pode
permitir o menor atraso com relao moda.141 O rdio tanto informava sobre a moda
que:
141 Heller, Agnes. O cotidiano e a histria. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989. p. 90.
no cai. Floriano Faissal interpretava nele, um sujeito que tinha um curi para
vender e passava o dia em casa recebendo telefonemas de pessoas interessadas em
adquirir o curi.142
O rdio com sua interferncia cotidiana, criava modismos, ou seja, prticas, usos e
hbitos que ficavam na moda e que seriam logo substitudos por outras novidades. Esse gil
com os modernos processos de produo industrial que estavam sendo trazidos para o pas
pelas multinacionais.
opinio, atribuindo status tanto aos que neles atuavam quanto ao que atravs deles se
anunciava:
meio de comunicao de massa. Para se ter uma melhor noo do alcance do rdio no
142 Gente de rdio e suas novidades. In: A Noite Ilustrada. Rio de Janeiro, 13/05/1952. p. 22
143MERTON. Robert K. e LAZARSFELD, Paul F. Comunicao de massa, gosto popular
e a organizao da ao social. In: COSTA LIMA, Luiz(org.). Teoria da Cultura de
Massa.1990, Paz e Terra, Rio de Janeiro: P.111. O texto foi publicado, nos Estados Unidos,
pela primeira vez em 1948.
conjunto da populao brasileira importante ressaltar que segundo os dados fornecidos
pelo recenseamento geral de 1960, o pas ainda possua um ndice de 53,16 % de sua
populao analfabeta, sendo que 61,98 % dos que no sabiam ler se encontrava entre a
populao rural.
O censo de 1960 nos fornece ainda dados quando s principais caractersticas dos
domiclios particulares, dos quais detalha itens tais como o abastecimento de energia
outros.
Para uma melhor visualizao dos resultados obtidos a tabela acima foi montada
com os dados numricos oferecidos pelo recenseamento sendo seguidos pelo clculo dos
percentuais que eles representam em termos dos totais das colunas. Com esses percentuais
domiclios servidos por energia eltrica 91,8 % desses possua aparelhos de rdio. Do
mesmo modo que se percebe que somente uma pequena parcela da populao tinha acesso
aos aparelhos de televiso - 4,6% do total, sendo que se passarmos para o quadro rural o
permite afirmar que ocorreu um processo de absoluta popularizao do rdio, fazendo dele
quase que uma presena obrigatria nos lares brasileiros, uma espcie de utenslio
mercado nacional no final dos anos 60. As prprias caractersticas fsicas do aparelho de
rdio faziam com que ele ainda se mantivesse como um aparelho de escuta coletiva, o que
permitia uma possvel troca de impresses entre aqueles que se reuniam em torno dele.
banalizao, da presena do rdio nos grandes centros urbanos o fato de em uma pesquisa
do IBOPE de 1960 144, sobre o potencial efetivo dos mercados carioca e paulista para as
utilidades domsticas o rdio ter ficado de fora. A pesquisa do Instituto apurou a existncia
indicador de renda, pois j havia se tornado acessvel aos grupos de baixa renda. Um outro
exemplo da popularizao do rdio, ainda em 1960, foi a pesquisa, tambm realizado elo
IBOPE, sobre a forma atravs da qual os habitantes de Belo Horizonte conheceram a loja
atravs dos anncios de rdio, seguidos de 18 % que o fizeram atravs dos jornais e 12%
pela televiso.
restrito, chegava ao final dos anos de 1950 e incio de 1960 consolidado em sua posio de
vinham pelas ondas do rdio. A produo industrial crescia, era necessria a rpida
dcada de 1940, fosse como anunciante ou como empresrio havia deixado de ser um
Como era o rdio dos anos dourados? Era um cenrio de fantasia no qual a
Rdio Nacional do Rio de Janeiro era considerada como uma Hollywood brasileira. Era o
lugar onde se produziam os sonhos que iriam povoar a cabeas das mocinhas com as
Atrs desse cenrio sonoro de conto de fadas, havia gente de verdade que trabalhava
muito. O rdio era todo feito ao vivo, muito pouco era gravado. At a dcada de 1960
Tardieu145, chama a ateno para o fato de que a expresso rdio (como a televiso ou o
cinema) representa no uma realidade monoltica (uma arte ou uma tcnica), mas uma
operaes entrelaam aqueles que produzem com os que consomem, envolvendo assim
uma parcela significativa da sociedade nessa complexa rede. O rdio reunia elementos do
145 Tardieu, Jean. Grandeurs et faiblesses de la radio: essai sur l'volucion, le rle et da porte culturelle de
l'art radiophonique dans la socit contemporaine. Paris, UNESCO, 1969. p.17.
diversos setores da produo cultural linguagem radiofnica e tendo como mediador o
pblico ouvinte.
rdio e o cinema contriburam, na primeira metade deste sculo com a organizao dos
integrao social do rdio era ainda maior. As transmisses em ondas curtas aliadas
O rdio era tanto um meio de diverso e atualizao para seus ouvintes quanto um
lugar de projeo social para quem nele trabalhava. Ouvir o rdio era estar sintonizado com
o mundo. Trabalhar no rdio era ser ouvido por todo mundo. O rdio promovia um
O modelo adotado pelo rdio brasileiro, desde sua criao e que vigorou at a
dcada de 1960, foi o de apresentar uma programao variada com msica, dramaturgia,
jornalismo e variedades. Nas emissoras de rdio estavam reunidos os profissionais dos mais
146 Canclini, Nstor Garca. Consumidores e cidados: conflitos multiculturais da globalizao. Rio de
Janeiro: UFRJ, 1995.p. 139
147 Idem. P. 140.
locutores que atuavam nas sees esportiva, de noticias, feminina, de servios, de crnicas,
etc. O mesmo fenmeno ocorria com os outros setores. Nas grandes emissoras, o setor
musical era composto por orquestras inteiras, diversos maestros e conjuntos regionais, estes
dentro da programao de uma emissora de rdio e eram esses profissionais que criavam os
arranjos para os programas dos mais variados estilos. Ou seja, a estrutura interna de uma
emissora de rdio era grande, variada, porm todos os setores funcionavam de maneira
interligada.
programao, vistas tanto do ponto de vista interno como do externo. O rdio das dcadas
de 1930 a 1950 era muito diferente do atual em praticamente todos os aspectos. Para a
compreenso do papel social cumprido pelo rdio fundamental o resgate da dinmica das
relaes internas das emissoras tanto pelo olhar dos profissionais que nelas atuavam quanto
dedicao e o desprendimento dos pioneiros. O rdio foi criado por um grupo de rdio-
aficcionados, que investia capital prprio sem nenhuma expectativa de retorno financeiro.
O sistema funcionava como uma espcie de clube, no qual seus associados e simpatizantes
tinham um papel fundamental. A primeira emissora brasileira, a Rdio Sociedade do Rio de
Janeiro, foi fundada em 1923. O antroplogo e escritor Edgard Roquette Pinto, um de seus
criadores, lia e comentava as notcias dos jornais dirios, irradiava msicas gravadas com
retribuio, eram enviados agradecimentos pelo ar. O radialista Renato Murce era um f de
transmisses eram suspensas no meio do dia e retomadas noite. Esse era um rdio que
desejava ser inteiramente dedicado aos fins educativos e que contava com trabalho
voluntrio para alcanar seus objetivos. Renato Murce, um dos pioneiros do rdio
Os primeiros anos do rdio foram difceis: muita msica clssica, muita pera,
muita conversa fiada e a colaborao graciosa de alguns artistas da sociedade.
Quase todos apresentavam nmeros do mesmo estilo dos discos irradiados. Eu
mesmo apresentei-me na Rdio Sociedade, a convite do meu dileto amigo Roquette
Pinto, em junho de 1924 (data que assinalo como a minha entrada para o sem-fio),
com um programa operstico. 149
148Murce, Renato. A Histria de Renato Murce (ou a histria do rdio brasileiro). In: Status. 26/09/1976.
149Murce, Renato. Bastidores do rdio: fragmentos do rdio de ontem e de hoje. Rio de Janeiro: Imago,
1976. P. 19-20
para sobreviverem. Essa era a nica forma de receber a permisso de funcionamento do
governo, pois a publicidade paga ainda estava proibida, restrita a prvia autorizao do
primeira emissora da cidade foi a Rdio Educadora Paulista. O estudo informa que a
primeira notcia sobre uma transmisso realizada pela Educadora Paulista, publicada pelo
Correio Paulistano, foi de uma audio musical especial para o presidente do Estado que
Leporace, que ingressou no rdio em 1928, conta que as emissoras no incio funcionavam
em perodos curtos porque elas acreditavam que as vlvulas, no Brasil, um pas tropical,
No final da dcada de 1920, o rdio era um bom lugar para os cantores lanarem
suas msicas e atrarem o pblico para os seus espetculos que se realizavam nos teatros e
circos. O rdio funcionava como uma espcie de lugar de divulgao gratuita, se o cantor
no recebia para estar ali tambm no pagava para tocarem as suas msicas e divulgarem
150 Rocha, Vera Lcia e Vila, Nanci V.H. Cronologia do Rdio Paulistano: anos 20 e 30. So Paulo:
CCSP/Diviso de Pesquisa, 1993. Vol I. P. 12-12
151 Vicente Leporace. Depoimento. Diviso de Pesquisa Centro Cultural So Paulo. 20/01/1978.
seus shows. Renato Murce, por exemplo, apesar de ter se apresentado no rdio pela
primeira vez em 1924, somente em 1929 conseguiu ganhar seu primeiro cach, em um
programa organizado por ele mesmo na Rdio Educadora, para o qual foram convidados
vrios artistas.152
maioria daqueles que participavam dessa aventura o faziam de forma experimental. Mesmo
para o cantor profissional, acostumado com grandes platias, cantar em um lugar fechado,
sozinho e ser ouvido por uma multido invisvel era uma experincia nova, a multido
Carmen Miranda, umas das pioneiras do rdio, contou em uma entrevista Revista
emissoras de rdio para destinarem 10% (dez por cento) de sua programao para
152 Murce, Renato. Bastidores do rdio: fragmentos do rdio de ontem e de hoje. Rio de Janeiro: Imago,
1976. P. 23.
153 Miranda, Carmen. Carioca. 30/05/1936. P. 42
a) o tempo destinado ao conjunto dessas dissertaes no poder ser
superior a dez por cento (10%) do tempo total da irradiao de cada
programa;
b) cada dissertao durar, no mximo, trinta (30) segundos;
c) as dissertaes devero ser intercaladas nos programas, de sorte a no se
sucederem imediatamente;
d) no ser permitida, na execuo dessas dissertaes a reiterao de
palavras ou conceitos. 154
governo iam alm da simples questo da sobrevivncia financeira das emissoras. Este
encontrava-se atento expanso das empresas estrangeiras no Brasil, cuja instalao era
acompanhada de suas eficazes agncias de propaganda (fato que tambm ocorria em outros
radiofnico melhor regulamentado. 155 Haveria melhor veculo de propaganda que o rdio,
154Artigo
73 do Decreto n 21.111, de 1/03/32. Coleo de Leis do Brasil - 1932. p.342
155Tal como o exemplo da Coca-Cola que patrocina um programa de rdio criado especialmente para
acompanhar o lanamento do produto no Brasil.
pblico156. Este Decreto regulamentou a atividade de radiodifuso de forma pormenorizada,
nos aspectos mais variados, criando condies para o real desenvolvimento do setor.
educacional Assim sendo, o rdio no perderia seu carter "ideal" (o de servir educao
Na prtica a interferncia do MES nas emissoras de rdio foi praticamente nula, a grande
O Artigo 15, que trata das concesses, prev que a constituio das diretorias das
dois teros (2/3), no mnimo, de pessoal brasileiro, logo cria uma reserva de mercado de
formavam dentro das prprias emissoras. Para tentar melhorar a situao da ausncia de
Tcnica de Rdio, que entre outras funes deveria cuidar da organizao dos programas
se fazia na prtica.
156 Artigo 3 do Decreto n 21.111, de 1/03/32. Coleo de Leis do Brasil - 1932. p.314.
Um dos locutores mais famosos da histria do rdio brasileiro foi Csar Ladeira.
Antes de ingressar no rdio Csar Ladeira trabalhava como jornalista. Mas o rdio tinha
seus encantos e o microfone era mais misterioso, mais sedutor que a rotativa. 157 Csar
continuaram sendo formados dentro das prprias emissoras, como ocorreu com Csar
Ladeira. Uma das formas mais utilizadas para a contratao de profissionais para atuarem
emissoras. interessante notar que alm de cumprir sua finalidade principal que era a de
preencher com novos valores os quadros artsticos das emissoras, os concursos tambm
atraam a ateno do pblico ouvinte, que acompanhava cada etapa, torcendo pela
157 Ladeira, Csar. Acabaram de ouvir...reportagem numa estao de rdio. So Paulo: Cia Editora Nacional,
1933. P. 48
158 Idem. Pp.49-50.
Em 1937, a Revista Carioca noticiava que a Rdio Record de So Paulo, em
speakers, contratando aps concorrido concurso, os jovens Joo Bento Ferreira da Silva e
Hora da Peneira, irradiado pela Record, continuava fazendo muito sucesso e que os
emissora. O sonho de trabalhar no rdio atraa um grande nmero de pessoas, que muitas
exatamente numa publicao norte-americana que Celso Guimares foi buscar inspirao
para lanar um novo tipo de programa que se tornou muito famoso: o programa de
calouros. Segundo Celso Guimares o primeiro programa de calouros que surgiu no rdio
brasileiro, com gongo, com interrupo da apresentao, com julgamento imediato do
O sucesso do gnero foi imediato a tal ponto que periodicamente a emissora tinha que
suspender as inscries, tamanho o nmero de candidatos que buscavam apresentar-se.160
ingressar na carreira artstica. Muitos artistas que ficaram famosos como ngela Maria ou
Isis de Oliveira, ingressaram no rdio atravs de concurso de calouros.
msica instrumental e a fornecer chance para os msicos novatos executantes dos mais
diversos instrumentos.161
livremente de uma rdio para outra. Era uma espcie de convnio que:
Essa era uma forma das emissoras manterem os salrios dos astros e estrelas do
rdio sob controle, essa prtica terminava estimulando o trnsito de artistas entre o Rio de
Janeiro e So Paulo. Arnaldo Cmara Leito contou ainda que essa situao somente foi
alterada com a inaugurao da Rdio Nacional de So Paulo em 1952, pois o diretor da
emissora, Vitor Costa, chegou a So Paulo oferecendo salrios mais altos e contratando os
astros das outras emissoras sem se preocupar com os protestos dos outros empresrios.
Mas para as novas pequenas emissoras que se formavam na dcada de 1940,, uma
So Paulo, juntamente com Jlio Cozzi. Como eles teriam problemas para tirar
profissionais de outras emissoras, instituram um concurso em busca de talentos e
importantes personalidades do rdio e da TV, como Mrio Lago e Dias Gomes. 163
O artista de rdio viveu uma situao social contraditria durante muito tempo, pois
fica bem traado no romance A Estrela Sobe, de Marques Rebelo, lanado em 1938. A
protagonista do romance uma jovem, quem tem boa voz e que sonha em se tornar uma
cantora do rdio famosa. O preo da fama alto. A protagonista vira uma estrela mas, para
alcanar tal posio, teve que se entregar a homens inescrupulosos. O tom do romance
moralista, mas reflete bem tanto o preconceito da poca contra o meio radiofnico quanto o
envolvimento das classes populares com o veculo.
Saint-Clair Lopes, locutor e radioator, que iniciou sua carreira em 1936, afirma que
os pioneiros foram muito marginalizados. Ele prprio ao tentar alugar uma casa, quando
declarou que sua profisso era a de radialista, o proprietrio rasgou o contrato afirmando
que no alugava casa a vagabundo do rdio. 164
certo que para alguns como Francisco Alves, um operrio de uma fbrica de
fabulosos. Mas esse foi o caso de poucos, a regra geral era a de muito trabalho e nem tanto
dinheiro assim. Diferentemente do que parecia ao senso comum, o trabalho no rdio era
rduo, a diverso era dos ouvintes. Dois elementos so comuns nas memrias dos pioneiros
163 Azevedo, Lia Calabre. Rdio Jovem Pan. In: Dicionrio Histrico e Biogrfico Brasileiro ps-1930.
Coord. Alzira Alves de Abreu [et al.]. Ed. Ver. E At. Rio de Janeiro: Ed. FGV/CPDOC. 2001. P. 4865.
164 Saint-Clair Lopes. Depoimento. Diviso de Pesquisa - Centro Cultural So Paulo. 13/09/1979.
continham muitas exigncias tais como: boa dico, domnio de termos estrangeiros e um
Imagem e do Som do Rio de Janeiro, 165 que depois de uma pequena experincia
ser cantor, porm o diretor artstico da emissora, Tefilo de Barros, lhe disse que ele
deveria fazer teste para locutor. Como j possua alguma experincia o diretor props que
ele ficasse na emissora durante um ms, trabalhando em carter experimental, o que dizer
sem remunerao. Luiz de Carvalho relatou que prontamente aceitou s condies
impostas, pois importante era o fato de estar no Rio de Janeiro, na Capital Federal,
trabalhando em uma destacada emissora de rdio, uma chance que no poderia ser perdida,
primeiro vinha a oportunidade de trabalho, depois a remunerao. Durante esse perodo
Luiz de Carvalho leu na revista Carioca que a Rdio Nacional estava realizando concurso
para locutores, resolveu concorrer, junto com mais de trezentos candidatos. O teste
constava de leitura de nome de discos em francs, em ingls, em alemo, alm de um teste
de conhecimentos gerais onde um tema era sorteado na hora e sobre o qual o candidato
deveria falar de improviso. Luiz de Carvalho ficou em sexto lugar no concurso e foi
por exemplo, o radialista Randal Juliano, contou ter passado por um processo seletivo
idntico ao vivido por Luiz de Carvalho no Rio de Janeiro.
Havia perodo de eu ter uma novela e dois programas por semana. Uma novela
representava 3 captulos por semana, que naquele tempo no eram dirios e os
programas eram dois por semana, ento eu escrevia. Quando no estava no
microfone estava escrevendo, saa da rdio 10, 11 horas da noite, saa de cima da
mquina de escrever.167
de 1936, j em sua criao contava com um cast artstico exclusivo. A concorrncia era
grande, a Rdio Mayrink Veiga era uma grande emissora e a Rdio Tupi tambm possua
boa audincia. Para competir com as emissoras j estabelecidas, a Rdio Nacional era
lanada sob o slogan de ser a emissora que possua o maior e mais escolhido cast de
166 Raldal Juliano. Depoimento. Diviso de Pesquisa - Centro Cultural So Paulo. 21/05/1984.
167 Mrio Brassini. Depoimento. Museu da Imagem e do Som-RJ. junho/1993.
168 Carioca, 12/09/1936.
Nstor Garcia Canclini afirma que diversos estudos sobre os meios de comunicao
o pblico ouvinte na escolha da programao que deveria ser irradiada. Muitas emissoras
estimulavam seus ouvintes para telefonar ou escrever para a rdio dando sua opinio sobre
os programas apresentados. A Rdio Nacional do Rio de Janeiro era uma delas. A emissora
emissora recebeu 184.288 cartas. 171 Na tabela abaixo se pode verificar o aumento
progressivo da correspondncia recebida pela, durante uma dcada, pela Rdio Nacional do
Rio de Janeiro:
169 Canclini, Nstor Garca. Consumidores e Cidados: Conflitos multiculturais da globalizao. Rio de
Janeiro: Editora da UFRJ, 1995. P. 52
170 Idem.
171 Boletim de Programao da Rdio Nacional. 03 a 09/12/1944.
1949 291.414
1950 1.308.073
1951 1.100.586
1952 1.140.017
1953 987.953
1954 742.714
1955 1.240.360
Fonte: Rdio Nacional: 20 anos de liderana a servio do
Brasil. Rio de Janeiro. s.ed. 1956.
programas com concursos. Nos programas os concursos, em geral, faziam uma pergunta
de um dos produtos dos patrocinadores. O sucesso do concurso era visto como o sucesso de
juiz . 172
que naquele ano, o humorista Barbosa Jnior havia recebido 23.570 cartas, o locutor e
radioator Celso Guimares 17.802 cartas e o animador Paulo Gracindo 6.271 cartas. Os
ouvintes escreviam para as emissoras de rdio por motivos diversos, que variavam desde
172 Rdio Nacional: 20 anos de liderana a servio do Brasil 1936-1956. Rio de Janeiro: s.ed., 1956.
Em agosto de 1946, para testar a audincia de seu programa, Manezinho Arajo, da
Rdio Tamoio:
No caso brasileiro, o fato das emissoras de rdio terem sido estabelecidas como
negcios, como empresas que deveriam ser lucrativas, coloca em evidncia essa relao de
enriquecimento cultural da nao, ele seria um dos responsveis pela educao do pas.
acessveis s camadas mais baixas da populao, a programao das emissoras ia cada vez
se popularizando mais.
Em 1933, o locutor Csar Ladeira, escreveu um livro, uma crnica sobre o rdio
paulistano. No balano sobre a situao do rdio, Ladeira afirmava que: o rdio estava
vencendo na sua finalidade de agradar e que querer educar pelo rdio era bobagem. 174
O rdio idealizado pelo pioneiro Roquette Pinto, com palestras de intelectuais e com
distante da realidade, sendo superado pelo rdio entretenimento, pelo rdio popular.
criticado por diversos cronistas radiofnicos e pelos intelectuais de maneira geral. A crtica
programao popular passou a estar sempre presente nas colunas radiofnicas publicadas
Achamos que o mal reside no tanto na preferncia das perres pelas melodias
populares, e, sim, no esquecimento quase completo da msica fina. Os
organizadores dos programas tem o direito de fazer girar na vitrola, entre os
textos publicitrios, as produes que falam das mulatas dos morros e dos
bambas inimigos do trabalho. Mas ofeream igualmente ao pblico, em
determinadas horas, os hits de classe. Quem pode afirmar com segurana, que os
sintonizadores decidem-se incondicionalmente pelo samba? Nunca foi realizado um
inqurito sobre o assunto.175
seus intrpretes. O jornal Dirio de Notcias, que sempre manteve em suas crnicas
radiofnicas um tom elitista, trazia crticas freqentes aos cantores populares que se
jornal comentava a atuao da cantora Heleninha Costa, da seguinte forma: Sua voz
vulgar, dessas que se confundem com tantas outras pela falta de caractersticas
Um gnero muito popular e constante alvo de crticas foi o dos programas auditrio.
quadros diversos que iam desde apresentaes musicais a concursos de calouros. Havia um
suspense ao final da cada captulo, da apresentao de histrias com alto grau de sofrimento
ponto que esta se encontrava, de certa forma, cindida entre os que elogiavam e os que
ser observado na grade de programao abaixo extrada do jornal Dirio de Notcias. 179
179 Como a concentrao da audincia de rdio era noturna, alguns jornais optavam por publicar a
programao a partir das 17h ou18h.
20h30 Jovens 19h Recital de 19h15 Teatro - 18h45 Esportes 19h Boa noite
recitalistas violino Arsene Lupin em Revista para voc
brasileiros Frangos e
19h15 Noticirio 20h Radionovela 19 Programa
bicicletas
da BBC de Rivoli
Londres
21h Londres 20h Programa 20h30 Festivais 19h15 Hora 20h Orquestra
Informa com orquestra Sertaneja Tabajara
21h15 Os 20h30 Liga pela 21h Radionovela 20h Radionovela 20h30
Grandes mestres infncia com Caminho Radionovela
Lucilia Tavares Meu amor
Perdido
23h 20h35 Audio 21h30 Um 20h30 Show de 21 O pessoal da
Encerramento da soprano milho de Gilberto Alves Velha Guarda
Maria Celeste melodias com Almirante
dos Santos (msica)
20h45 Programa 22h Programa 21h Melodias de 21h30 Colgio
da Holanda com as Irms outrora Musical de Ari
Meireles Barroso
21h Msica da 22h30 21h30 Queixas
Frana Gravaes de Bandoneon
21h30 Lies de 23h30 Vale a 22h Cassino do 22h Audies
Literatura pena ouvir de Chacrinha Rataplan
novo
22h Sonata 0h Msica 24h Boa noite, 22h30
Kreutzer para deliciosa Brasil! Gravaes
piano e violino Variadas
22h30 0h30 Rdio 23h30 Penumbra
Chamando a Reprise
Amrica
23h Dirio do ar 1h Encerramento 24h
Encerramento
23h30 lbum de
Melodias
24h
Encerramento
Fonte: Dirio de Notcias, 09/07/1947180
180 O jornal no informa que a Rdio Nacional transmitia duas edies noturnas do Reprter Esso, uma s
20h25 e outra s 22h55, que a Rdio Tupi possua o Grande Jornal Tupi e que s 19h30 todas as emissoras
transmitiam o noticirio da Agncia Nacional A Hora do Brasil.
Praticamente at meados dos anos de 1950, a maioria das emissoras de rdio
pela Rdio Nacional do Rio de Janeiro. Como a emissora possua um cast profissional de
alta qualidade terminava por manter a liderana no Rio de Janeiro e estar entre as
Pinto sempre mantiveram uma programao voltada para fins educativos, mesclando
permitindo ao declarante vrias respostas 181, o Instituto averiguou que a Rdio Nacional do
Rio de Janeiro detinha 85,0 % da audincia feminina, seguida pela Rdio Tupi com 29,3%.
Em terceiro lugar vinha a Rdio Tamoio, com 13,4 % da preferncia. No caso da audincia
masculina, a Rdio Nacional liderava com 70,0 % da preferncia seguida pela Rdio
Continental com 30,4 % e em terceiro lugar estava a Rdio Tupi com 27,8 %. Na grade de
respectivamente.
181 O IBOPE possua diversos tipos de pesquisa, uma delas era a da resposta espontnea e que permitia que o
entrevistas respondesse como a emissora preferida no lugar de s uma , duas ou mais, isso resultava numa
tabulao superior a 100 %. Ver. IBOPE. Pesquisas Especiais. 1948.
Grade de programao das emissoras cariocas quinta-feira, 08/09/1949.
RDIO TUPI RDIO CONTINETAL
18h30 Brasil Pandeiro, com Mrio Ernani 18h Reprter em Ingls
18h55 Boa Noite para voc com Carlos Frias 18h05 Programa com Do
19h Melhoral Informa 18h15 Cartaz Vascano
19h05 Rdio Esportes Tupi 18h45 Resenha Esportiva Fluminense
19h30 Noticirio da Agncia Nacional 19h15 Turfe
20h Ritmo Louco produo Antnio Maria 19h25 Noticirio de Basketball
20h30 Radionovela Caminho do mal 19h30 Noticirio da Agncia Nacional
21h Nos bastidores do mundo Al Neto 20h Comentrio de Luiz Paes Leme
21h05 Big Broadcasting da Exposio 20h05 Audio de Alexandre Brailowsky
21h35 Onde est o poeta Almirante 20h15 Esportes
22h15 Gravaes Variadas 21h Parlamento de Graa
22h35 Grande Jornal Tupi 21h30 Tribuna Turfista
23h35 Selees Musicais 21h36 Vozes do Cinema
0h25 Suplemento do Grande Jornal 23h Esportes
0h30 Encerramento 23h15 Vamos danar
0h15 Boite
Fonte: Dirio da Noite, 08/09/1949. P. 4
Voltando aos dados apresentados pelo IBOPE observa-se que no perodo a Rdio
parcela da audincia carioca para ser dividida entre o conjunto das outras emissoras. No
esportivas (como poder ser observado pela grade de programao do ano seguinte), fato que
explica uma posio razovel junto audincia masculina e uma pequena projeo (12,2%)
seus equipamentos tcnicos quanto pela equipe de profissionais que integravam seu cast.
Uma emissora que irradiasse uma programao somente baseada em msicas gravadas no
era bem vista. As rdios mais importantes da poca contavam com um nmero significativo
jornalistas e demais funcionrios nas reas tcnica e burocrtica, enfim um nmero grande
e variado de profissionais.
Pode orgulhar-se de sua programao, que a mais variada. Basta correr os olhos
em sue boletim, como estamos fazendo agora. Desde a msica de classe, para o
pblico rafin, ao programa de calouros, cem por cento popular; desde o grande
programa musical, com impressionantes efeitos sinfnicos, ao programa leve,
simples, despretensioso, tudo isso apresentado com rara homogeneidade artstica
pela Rdio Nacional.182
produzir programas mais sofisticados, uma das solues encontradas pelas emissoras de
nas cidades do Rio de Janeiro e de So Paulo. Em uma crnica de 1948, Haroldo Barbosa
instalaes e os estdios da Rdio Servios, Propaganda Ltda, uma empresa que tinha
shows, musicais, textos, jingles, recitais, enfim, tudo aquilo que se faz comumente em nosso
assinatura a partir da qual poderia receber programas regularmente. Outra soluo que se
tornou muito utilizada pelas rdios do interior do pas, vinha do prprio desenvolvimento
do setor, foi a da formao de grandes redes integradas por emissoras situadas em diversas
Capital.
183 Haroldo Barbosa. Uma inaugurao importante. In: Dirio da Noite. Rio de Janeiro, 10/05/1948 p. 8
184 Novas Instalaes da Rdio Clube de Pernambuco. In: PN - Anurio de Rdio. 1955-1956. P. 112.
Para satisfazer o desejo dos fs, a Rdio Clube Pernambuco estava terminado uma
enorme reforma e instalando dois novos estdios com auditrios. O estdio B da emissora
pernambucana passou a comportar 260 pessoas. Mas a ousadia maior estava no estdio
principal, que no momento da reportagem ainda encontrava-se em reforma, mas que ao ser
terminado contaria com um auditrio de 1200 lugares, alm de possuir camarotes para a
seguintes motivos:
O auditrio era o carto de visitas das rdios em todo o pas. Era para l que se
dirigia o pblico ouvinte com a finalidade de ver de perto seus astros prediletos. No final
dos anos de 1940, os programas de auditrio haviam se transformado em uma febre, eram
mais famosos chegaram a ser realizados em teatros, para conseguir comportar a afluncia
do pblico ouvinte.
pblico estava presente em todo o pas. A Rdio Tupi do Rio de Janeiro inaugurou em
185 Idem.
1952, as novas instalaes da emissora. Um dos maiores orgulho da emissora era o
auditrio que possua 1.600 lugares e ficou conhecido como o Maracan dos auditrios.
Uma outra amostra desse fenmeno pode ser observada em So Paulo, onde as Emissoras
na Cidade do Rdio, na qual registrava que um pblico superior a cinco mil pessoas se
dirigia, aos domingos, para a Cidade do Rdio para participar dos programas de auditrio.
formavam. Havia dois perodos de programao. Pela manh das 10h s 13h retornando
programao foi a Rdio Nacional e no caso paulista foi a Rdio So Paulo. A maior parte
186 Domingo na Cidade do Rdio In: O Cruzeiro. Rio de Janeiro, 14/08/48, pp. 48 a 51.
programas dos mais diversos gneros, como por exemplo, os de informao ou os de
carter cientfico, optavam pela encenao de parte do seu texto, ao invs de realizar uma
palestra linear. Tal tcnica fazia com que o contedo ficasse mais leve e a narrativa menos
tanto pelas novelas quanto por todos os sketchs radiodramatizados que ocorressem nos
O grupo desse setor que possua maior projeo junto ao pblico ouvinte era o corpo de
emissora, que produziam sob encomenda. Esses vendiam seus textos e tinham os scripts
para serem produzidos e dirigidos por outros profissionais - Oduvaldo Viana, por exemplo,
vendia seus textos para diversas emissoras por todo o pas. Havia ainda os escritores
vinculados s agncias de publicidade. Nesse caso os textos eram preparados nas agncias e
chegavam prontos para serem encenados pelos casts das emissoras de rdio.
efeitos sonoros sonoplastia e sonofonia - e pelas trilhas musicais. Os efeitos causados pela
sonoplastia so, ainda hoje, um dos elementos fundamentais em todas as produes dos
media eletrnicos (rdio, cinema e televiso), mas no caso do rdio esses efeitos assumem
um papel ainda mais importante, na medida em que facilitam a recepo o texto, ou seja,
na ausncia total de imagens visuais, os rudos e o fundo musical auxiliam a construo do
ambiente imaginrio, quanto melhor o efeito maior ser o grau de veracidade atingido pela
transmisso.
conseguir efeitos sonoros mais perfeitos os profissionais das diversas emissoras realizavam
contava com 4.720 discos com msicas ou rudos para a produo dos efeitos. Para
facilitar o trabalho dos sonoplastas a rdio chegou a instalar uma pequena casa dentro do
estdio principal, que possua portas, janelas, assoalhos, mveis, louas e demais
apetrechos.
Teatro em Casa da Rdio Nacional. Mas o sucesso do gnero ocorreu com as novelas em
Blanco, adaptado por Gilberto Martins, sob o patrocnio da pasta dental Colgate. O sucesso
das novelas produzidas no Rio e em So Paulo para depois retransmiti-las em outras regies
do pas.
187 Rdio Nacional: 20 anos de liderana a servio do Brasil 1936-1956. Rio de Janeiro: S.ed.. 1956.
A msica tem um papel especial dentro de uma emissora de rdio. Durante as trs
costumavam ter mais de uma orquestra (que executavam tanto peas musicais clssicas
responsveis pelos arranjos musicais de toda a programao. O prefixo musical era a marca
musical da Rdio Nacional do Rio de Janeiro contava com 48 cantores, 43 cantoras, 199
recebiam uma orquestrao especial, o que era uma das caractersticas marcantes da Rdio
Nacional.
de rdio foi um recurso tambm utilizado desde os primeiros tempos do rdio. Muitas
cantores e grandes orquestras. A prpria contratao de cantores pelas rdios s teve incio
por volta de 1930, antes os cantores iam s emissoras se apresentar em troca de um cachet
188 Publicao comemorativa da Rdio Nacional em 1958. Rio de Janeiro: s.ed. 1958.
Dentro do setor musical, o grupo de maior destaque junto ao pblico ouvinte era o
dos cantores populares. Ser cantor ou cantora de rdio, na dcada de 50, significava poder
dos cantores nas emissoras de rdio era feita em programas de transmisso ao vivo e com
presena de auditrio. Uma prtica comum era a do lanamento das msicas, as chamadas
com a participao de auditrio onde cada composio poderia ser testada, verificando-se
conhecido por milhares de ouvintes e de vender discos pelo pas inteiro. So famosas as
disputas entre as cantoras para o ttulo de Rainha do Rdio, que indiretamente significariam
contrato com uma gravadora, ou ainda convites para shows e, muitas vezes, tudo isso junto.
A Rdio Nacional, onde eu trabalhei 26 anos 26 anos! nunca pagou bem aos cantores e
artistas. Os diretores nadavam em ouro, mas os cantores e os artistas recebiam mal. A nica
compensao que ns tnhamos era que a Rdio Nacional dava um nome, uma popularidade
imensa. Eu me valia disso para equilibrar minhas finanas, fazendo excurses artsticas nas
frias, indo na minha caminhonete at o Paran, Santa Catarina, Rio Grande do Norte, por
189 Murce, Renato. A Histria de Renato Murce (ou a histria do rdio brasileiro). In: Status. 26/09/1976.
Uma reportagem publicada em 1953, no Anurio do Rdio, com o Presidente do
Os salrios fantsticos e fabulosos eram ganhos apenas por uma pequena minoria
dos artistas. Os artistas eram contratados exclusivos das emissoras e somente poderiam se
apresentar em outros lugares com a autorizao da emissora contratante. Era comum que as
emissoras de rdio concedessem licenas aos seus astros, sem vencimentos, para que eles
Dentro das emissoras havia tambm o setor de radiojornalismo, que contava com
imprensa. importante recordar que muitas das emissoras de rdio (fora da fase das
pioneiras rdio-clubes) surgiram como mais uma integrante de uma empresa ou grupo que
criada em 1936, como mais uma empresa do grupo A Noite, que controlava os jornais A
de Janeiro, fundada em 1935, como a primeira emissora de rdio dos Dirios Associados,
foi seguida pela Tupi de So Paulo, que ao ser inaugurada em 1937, com seus transmissores
1940 a rede dos Dirios e Emissoras Associados contava com 20 jornais, 5 revistas, com as
Havia alguns grupos menores, tais como o da Rdio Gazeta, de So Paulo, ligados
ligado ao grupo dos jornais Folha da Manh, Folha da Tarde e Folha da Noite; a Rdio
Janeiro.
prprios noticirios. Em geral, cada emissora de rdio era filiada a uma agncia
nacional. Tais agncias eram fornecedoras da matria prima para a confeco dos
emissoras passaram a contar com uma equipe prpria de reportagem. Dentro do setor de
191 Morais, Fernando. Chat: O Rei do Brasil. So Paulo: Cia das Letras, 1994. P. 415.
jornalismo havia especificidades como o esportivo. Ao longo dos anos de 1940, as
notcias internacionais. Muitas vezes uma mesma emissora possua vrios informativos
Havia ainda os programas de humor, a maioria destes era escrito como uma espcie
de crnica criticando o cotidiano. Esses programas faziam muito sucesso junto ao pblico
que ficaram famosos como Csar de Alencar, Paulo Gracindo, Manoel Barcelos, entre
outros e que muitas vezes contavam com a presena de auditrio. Alguns desses programas
alguns outros estilos em menor nmero. Todos esse programas contavam com a
ou seja, programas criados com a finalidade nica de educar o pblico ouvinte. No caso do
Rio de Janeiro, por exemplo, as rdios oficiais, tais como a Difusora da Prefeitura (depois
educativa. Na maioria das vezes essas emissoras convidavam especialistas para realizarem
palestras ou participarem de debates como pde ser visto na grade de programao de
tambm possuam alguns programas educativos, mas estes constituam uma parte nfima no
locutores, concorrendo em popularidade com os atores. O papel dos locutores dentro das
emissoras era fundamental. A eles cabia a apresentao dos programas dos mais variados
estilos, a leitura dos anncios e dos noticirios. Os salrios recebidos pelos locutores
um percentual de participao por cada texto comercial lido. Csar Ladeira, uma das vozes
mais famosas das dcadas de 1930 e 1940, transferiu-se de So Paulo para o Rio de Janeiro
para ser locutor exclusivo da Mayrink Veiga e, em 1941, ganhava dois contos e quinhentos
ris de salrio. Entretanto, com o percentual dos anncios, esse salrio mensal passava para
19 contos de ris, um salrio maior que do Ministro da Educao, Gustavo Capanema, que
ficava acertado que o speaker receberia dois contos de remunerao mensal, aos quais
seriam acrescidos quinhentos mil ris pelos programas por ele idealizados, mais a comisso
de 1,5% sobre o valor mensal lquido dos anncios por ele lidos ao microfone, 193 isso
tornava a funo de locutor muito atraente. Era muito comum que alguns anunciantes
exigissem que seus anncios fossem lidos por um determinado speaker, que muitas vezes se
Para fazer toda essa enorme engrenagem funcionar, os donos das empresas
privadas, provinham da publicidade por elas veiculada. Nos primeiros tempos a Rdio Tupi
largamente utilizado por Assis Chateaubriand era utilizar as diversas empresas de sua
Miranda, na Rdio Tupi, eram patrocinadas pelo Laboratrio Licor de Cacau Xavier, uma
comprando uma srie de empresas que eram grandes anunciantes das rdios e dos jornais
vendiam mais.194
O anunciante poderia chegar a concluso que deveria anunciar pela Rdio Nacional - do
grupo A Noite e pela revista O Cruzeiro do grupo Associado para obter um melhor
publicidade. Os altos ndices de audincia alcanados pela emissora fizeram com que, nas
dcadas de 1940 e 1950, os intervalos comerciais da Rdio Nacional fossem os mais caros e
Pelo largo alcance que possua (em nmero de ouvintes e em alcance geogrfico) o
rdio era considerado um dos veculos ideais para o lanamento dos produtos estrangeiros
que comeavam chegar ao Brasil. Alm do prprio fato de que as empresas multinacionais
Uma outra estratgia utilizada pela empresas para o lanamento e seus produtos e a
diversas. Uma das crticas mais constantes era sobre a interferncia do anunciante na
produo do anncio ou do tipo de programa a ser patrocinado pelo seu produto. Em uma
195 Saroldi, Luiz Carlos e Moreira, Snia Virgnia. Rdio Nacional: o Brasil em sintonia. Rio de Janeiro:
FUNARTE, 1984. p.30.
196 Entrevista com Luiz Mendes. 13/06/2001
desta praa. (...) Cada anunciante um diretor artstico. Ora, seu Manoel roxo
por um fadinho, e por isso, o quarto de hora das Alpercatas Aerodinmicas devem
ser integralmente ocupados por fados de Severa. Acontece que j nosso patrcio
Marcelino das Dores prefere que seu rico dinheirinho, destinado aos anncios,
seja empregado nas piruadas de um humorista que a delcia da famlia. 197
O problema da publicidade pelo rdio, ainda que sem soluo, j foi muito pior.
Comeam os anunciantes a conceder um crdito de confiana aos redatores
especializados das emissoras, gente que tem experincia na confeco de um texto
inteligente, na criao de um slogan que marca poca e na descoberta de novos
processos para atrair a ateno do ouvinte, mas ainda h bastante patrocinadores
renitentes. Eles tentam fazer prevalecer seu gosto pessoal desprezando muitas
vezes o bom programa que lhe oferece a estao. 198
um estilo pr-combinado de programa, como no caso das novelas. Em 1950, por exemplo,
a Rdio Nacional transmitia s 10h o Rdio Teatro Colgate, s 20h a novela da Colgate-
Palmolive e s 21h a novela do leo de Peroba, o nome do horrio era fixo e diversas
novelas foram apresentadas nesses horrios. Uma amostra da relao que se estabelecia
publicado em outubro de 1948 na revista Noite Ilustrada sobre o horrio das 21h do leo
explicar ao pblico como os horrios das programaes eram escolhidos pelas emissoras.
Segundo o artigo, uma emissora de rdio somente selecionava um horrio para uma
determinada programao aps larga pesquisa junto aos ouvintes, tanto os da capital como
O leo de Peroba, o supremo renovador dos mveis, que leva dia sim, dia no, s
21 horas, as mais belas histrias de amor aos ouvintes de todo o Brasil, apresenta
tambm em outro horrio que se fez famoso, o das 21horas de domingo, Nada
alm de dois minutos, com script de Paulo Roberto, programa que traz a
mensagem do Creme Sanitrio que torna todos os metais tinindo de beleza.
21 horas pois um horrio famoso por dois motivos; a novela do leo de Peroba e
o programa Nada alm de dois minutos, aos domingos. Nele, a Rdio Nacional
fez a maior cobertura de ouvinte, apresentando os melhores programas do rdio
brasileiro. 199
qualidade do que era transmitido e pelo prprio profissionalismo da emissora. No caso das
novelas e programas patrocinados, muitas vezes o texto a ser irradiado era produzido pela
comum dos patrocinadores era no da escolha dos locutores que leriam os seus anncios. O
programa era promovendo concursos com distribuio de prmios. O modelo adotado era
sempre o de juntar rtulos do produto, algumas vezes respondendo a uma questo qualquer,
Nacional um total de 48.103 cartas. O leo de Peroba, patrocinador da novela, premiou trs
campanhas com a finalidade de medir a audincia de seus programas. Uma das experincias
imposio dos patrocinadores a novela era irradiada s 10h 30m. Segundo o radialista
Saint-Clair Lopes, ningum acreditava no possvel sucesso de uma novela nesse horrio,
pois o horrio nobre era o da noite. 202 Frente ao descrdito do poder de audincia do
horrio a Standart lanou uma promoo para testar a popularidade da novela: receberiam
que enviassem para a emissora uma carta contendo um rtulo do creme dental Colgate. No
audincias dos programas. Havia uma outra modalidade de concurso, como o anunciado no
Ford, Cancioneiro Royal, Musical Super-Flit, Ritmos Panair, entre outros. Um outro estilo
marcou poca foi o dos noticirios, o mais famoso deles foi o Reprter Esso.
vez mais alto e as emissoras necessitavam de mais verbas publicitrias para implementar
Segundo o cronista:
203 Rdio Nacional 20 anos de liderana a servio do Brasil. Rio de Janeiro, s.ed. 1956. P. 53.
estao no fazia mais programas de estdio porque lhe era muito mais fcil
vender aos anunciantes programas de discos por serem muito mais baratos.204
muitas vezes, esse fenmeno foi atribudo tambm s presses dos anunciantes. O rdio
passou a ser visto como um veculo que atingia diretamente as classes B e C. O grupo que
formava a classe B, para os pesquisadores, era composto por assalariados mdios em geral.
J a classe C era formada por grupos sociais que apesar de no possurem um grande poder
aquisitivo e com um grau de instruo inferior, forados, por isso mesmo, a ordenados
minguados e variados, mas que mesmo com tudo isso representavam uma frao
capacidade per capta com um elevado nmero de indivduos. 205 Uma pesquisa realizada
pelo PN - Anurio do Rdio, em 1953, revelou que o setor industrial que mais anunciava no
Como se pode observar, a programao de uma emissora de rdio era composta por
ao meio. No rdio dos anos de 1940 aos de 1960 podia ser ouvida uma cantora lrica
um programa de humor como o Palcio dos Veraneadores da Rdio Tupi do Rio de Janeiro
gravaes prvias.
meio como um veculo para o qual convergem diversas formas de produo cultural. O
modelo adotado pelo rdio brasileiro foi o empresarial. Uma emissora de rdio era uma
empresa que deveria gerar lucros. A constante busca desse objetivo foi um dos fatores que
nos metrs, nibus, trens, carros, na televiso, no rdio, no cinema, imagens comuns nos
anos que encerraram o sculo XX. Apesar da arte de anunciar no ser uma criao do
fenmeno que surgiu nos Estados Unidos e na Europa, a partir da dcada de 1920 e que
rapidamente se expandiu para outras partes do mundo. Com o fim da Primeira Grande
filiais por diversas regies do mundo e as agncias de publicidade foram convocadas para
um papel destacado. Segundo os estudos de Mattelart, de 1930 a 1950, o principal alvo das
que a maioria dos pases que a compem optou por uma estruturao comercial de seus
americano. 208 Logo aps a chegada ao Brasil da agncia Thompson, foi a vez da
do desenvolvimento do setor radiofnico. Nos Estados Unidos, o rdio foi um dos grandes
aliados das agncias de propaganda. Ele passou a ser o veculo no qual eram aplicados os
de forma cada vez mais acelerada. O rpido desenvolvimento industrial, marcado pela
diversificao na oferta de produtos e pela inveno constante de novos materiais, fez com
viam, pelas publicaes que liam e pelo conjunto de produtos que utilizavam. Segundo
Agnes Helles,
de massa criou referenciais no campo cultural para os diversos grupos sociais. Muitas
brasileiro, o maior exemplo disso foi o samba, que passou de manifestao musical das
classes populares cariocas a smbolo cultural nacional. Esse processo foi gradativo, sofreu
grandes emissoras de rdio passaram a ter tambm conjuntos regionais. Maestros, como
Radams Gnattali, fizeram para os sambas famosos arranjos musicas. O samba foi
divulgado pelas rdios, pelo cinema, pela indstria fonogrfica, e ganhou multides de fs
recordar o que foram os anos dourados do rdio brasileiro, reconstitui um dos universos
209 Heller, gnes. Sociologia de la vida cotidiana. Barcelona: Ediciones Pennsula, 1994. P.73
sede com Guar, mate Hildefonso e Hydrolitol, firmou o topete com Gumex, vestiu
cala Brim Coringa, foi salvo da bronquite pelo Rhum Creosotado, aprendeu que
Antisardina era o segredo da beleza feminina e o leo de Peroba o supremo
renovador dos mveis, divertiu-se com as chanchadas de Oscarito e desconhecia
prazer maior que o de abrir ao meio o almanaque anual do Globo Juvenil, cerrar
os olhos e tomar uma prise de suas pginas obrigatrio prembulo amoroso
leitura de seus quadrinhos.210
algumas premiadas, a distribuio dos prmios aos felizardos de todo o pas ocorria nos
as figurinhas e os adultos ainda podiam ganhar algum brinde. O sabonete Eucalol, tambm
pensava em toda a famlia, trazia sries de paisagens, animais, plantas tambm para as
crianas colecionarem e conservava a mulher bonita como Emilinha Borba. 212 As crianas
cresciam saudveis com Calcigenol e mantinham seus cabelos arrumados, como os dos
ou riograndenses, esses eram produtos que eram distribudos por todo o pas e que
pelas principais capitais Rio de Janeiro, So Paulo, Porto Alegre e Recife - chegava
curtas, fosse atravs dos programas gravados e vendidos ao interior. Muitos dos programas
com os j existentes, criando uma nova prtica local assemelhada dos grandes centros.
o potencial mercado consumidor. Desde a dcada de 1930, mas principalmente nas de 1940
e 1950, o grande veculo de alcance nacional era o rdio. Junto com a propaganda do
dentifrcio, o ouvinte, rico ou pobre, leitor de revistas e jornais ou analfabeto, aprendia que
deveria escovar os dentes para evitar as cries. Assim, o hbito de escovar os dentes vrias
pasta dental, assim com esse, outros hbitos divulgados atravs da publicidade radiofnica
relaes econ6omicas e culturais com a Amrica Latina. A poltica do american way of life
chegava ao Brasil com o apoio das agncias de publicidade que j estavam aqui instaladas
213 Ver: Moura, Gerson. Tio Sam chega ao Brasil a penetrao cultural americana. So Paulo: Brasiliense,
1985.
4.1 chegado o tempo dos reclames!
Tal quadro se devia a diversos fatores tais como: o pequeno nmero de emissoras, o
de 1932, que permitiu e regulamentou a transmisso de anncios pelo rdio, que o veculo
passou a ser encarado como uma pea importante para a publicidade. Diversas agncias de
1933 a Standard, em 1935 a McCann-Erickson, alm das novas agncias. Esse processo
mercado cada vez mais competitivo. Ainda em 1932 a verba investida, no Brasil, em
anncios nas emissoras de rdio, j ultrapassava a que era gasta nos painis e cartazes. 215
Indstrias Qumicas S.A. foi a que colocou no ar o primeiro anncio de sabo, em 1932, os
boas risadas, mas depois se renderam evidncia de que o rdio havia se tornado um
Pereira era o sabonete Cinta Azul, que patrocinava uma srie de programas em diversas
propaganda, como foi o caso da General Motors que por sua eficincia serviu de
exemplo para muitas agncias que foram criadas em seguida. A General Motors
considerada a primeira empresa a realizar uma campanha publicitria no rdio. Esta foi
com o Pssaro Amarelo e medida em que o carro ia passando pelas cidades, telegramas
se. A agncia Standard foi uma das pioneiras no uso sistemtico do rdio na publicidade de
...minha maior satisfao foi ter descoberto o rdio. Foi por volta de 1937 que
comecei a preocupar-me com a venda do ento ainda novo meio entre ns (...) eu
sentia o interesse que as donas de casa manifestavam pelo rdio. Compreendi que
o rdio lhes chegava por mais tempo e com mais familiaridade que a imprensa.
Cheguei a concluso de que toda a vez que o problema fosse vender dona de
casa, o melhor caminho seria o rdio.220
setores e de porte variado. Como j foi visto no captulo III, existiam diversas modalidades
comerciais.
que deveriam ser produzidos pelos profissionais da prpria emissora ou das agncias de
publicidade.
crticos afirmavam que isso resultava em anncios repetitivos, pouco criativos, elaborados
sob a presso dos clientes. A discusso, ao longo das dcadas de 1930 e 1940, era a de que
na maioria das vezes, o cidado que patrocinava um programa era ele mesmo um f, que
setor publicitrio foi lento, mas, mesmo assim, j havia avanado muito no final da dcada
Nesse ponto as empresas de propaganda prestaram bom trabalho. Hoje, e bem que
o mal ainda no esteja de todo debelado, j se pode ouvir grande parte dos
anncios de rdio. No que sejam um primor, mas j podem ser suportados (...) As
grandes firmas anunciadoras sabem disso, pois seus oramentos para publicidade
aumentam ms para ms. E as emissoras por sua parte, demonstram grande
interesse por esse aspecto do rdio, selecionando e contratando redatores
especializados para o servio de textos comerciais.223
significa dizer que as agncias no atuavam no mercado de todo o pas. O que ocorria, em
remessa dessas gravaes para o restante do pas, o que de certa forma atribua uma aura
especial aos produtos anunciados pelas mais famosas vozes dos rdios carioca e paulista.
para serem distribudos por todo pas. O negcio caminhava bem quando comeou a
Segunda Guerra e eles passaram a ter problemas com a matria-prima para gravaes:
interior alm dos prprios produtos, alguns hbitos sob a roupagem da modernidade, do
Europa e dos Estados Unidos para o Brasil, do Rio de Janeiro e de So Paulo para o
Gamexame n 22 uma das mais recentes descobertas da cincia britnica? 226 Como
definitiva para as mazelas nacionais, com o tifo e a malria, doenas tpicas das regies
subdesenvolvidas.
Um outro exemplo do que afirmou Renato Ortiz, pode ser observado com a Coca-
Cola, que ressaltava nos textos comerciais o fato de ser um produto de consumo
internacional.
brasileiros deveriam se orgulhar em poder consumir produtos nacionais, tais como Guar,
Guar que lhes ofereceu este programa to brasileiro como o seu prprio nome.
feito base de produtos nacionais, tem sabor bem brasileiro, seus criadores so
brasileiros, assim como os operrios que trabalham em suas fbricas. E mais
brasileiro ainda o seu crescimento, a sua expanso, pois Guar cresceu graas
aos seus amigos, tornando-se uma grande indstria nacional de refrigerantes e
pode orgulhar-se do progresso to rpido que teve o Brasil. Em breve o Brasil
inteiro consagrar Guar. 232
231 Produtos Aristolino e Laboratrio Oliveira Jnior. D/623/80. Rio de Janeiro. Arquivo Rdio Nacional.
1954.
232 Refrigerante Guar. D/038/80. Rio de Janeiro. Arquivo Rdio Nacional. 29/04/1948.
4.2 Formao de novos hbitos
Porm, muitos dos produtos consumidos nas metrpoles eram desconhecidos em grande
importncia da escovao dos dentes vrias vezes ao dia. Muitos dos hbitos propagados
tomar banho, tinha que ser com o sabonete de uma determinada marca, como alerta um
Rapaz, oua bem esse conselho, se voc deseja ser forte e varonil siga esse fcil e
salutar mtodo: levante-se cedo, pratique pelo menos 15 min de ginstica sueca,
depois faa alguns minutos de corrida acelerada e finalmente dirija-se para o
banheiro e tome seu banho com o sabonete Gessy. Esta ltima fase das mais
importantes porque para ser forte e ter sade o rapaz deve cuidar da higiene
perfeita do corpo.
O sabonete Gessy feito com maravilhosos leos extrados de benfica planta da
flora brasileira limpa e higieniza todo o corpo proporcionando uma agradvel
sensao de limpeza e bem-estar.
Seguindo esse mtodo voc ser um rapaz forte e sadio tornando-se um perfeito
de 1944 a 1947, narrava as aventuras de um heri voador, sempre acompanhado por sua
abertura de cada captulo e era lido em um tom didtico, 234 como uma lio de higiene e
de sade. O Homem Pssaro foi lanado em plena Segunda Guerra Mundial, no momento
em que o Brasil lutava na Europa ao lado dos pases aliados, o texto comercial e o prprio
seriado estavam envolvidos em um clima de nacionalismo. Todo jovem deveria querer ser
forte, varonil, sadio, um perfeito atleta e um defensor da ordem e da justia, pois o pas
mandava os seus soldados para a guerra. A ginstica, em 1937, havia passado a fazer parte
dos currculos escolares, todos os jovens deveriam cuidar da forma fsica. A valorizao
das riquezas nacionais tambm estava presente, pois o sabonete era bom porque continha as
propriedades benficas da flora brasileira. Mas para que o conjunto funcionasse ele deveria
pois como alertava a propaganda do sabonete Gessy - Lembre-se de que para um banho
233 O Homem Pssaro, episdio "O aranha negra".. Arquivo Rdio Nacional. maio/45
234 Os textos comerciais aqui apresentados foram gravados dos programas originais e transcritos, o que
permite algumas observaes sobre suas caractersticas sonoras.
235 Gessy. D/032/80. Rio de Janeiro. Arquivo Rdio Nacional. 21/09/1947
saneamento brasileiras dificultavam a utilizao da receita. Tomar banho com gua limpa
no era hbito fcil de ser conservado pela populao de um pas que, em 1948, possua
somente 1.373 localidades (cidades, vilas e povoados) abastecidas de gua, das quais 1.182
tinham gua encanada e 191 eram abastecidas por bicas e chafarizes, sendo que nesse total
dirigidos aos diversos tipos de possveis consumidores. O incentivo ao uso da pasta dental
Mas o apelo poderia ser pelo poder sedutor de dentes brancos e saudveis
236 Na tabela de abastecimento de gua no consta o nmero total de localidades que o pas possua.
Entretanto, pode-se estabelecer uma pequena comparao com a tabela de distribuio de iluminao, do
mesmo volume do Anurio Estatstico, na qual constavam 3.526 localidades abastecidas por iluminao
pblica no ano de 1948, ou seja, mais de 50% das localidades abastecidas por iluminao no possuam gua.
IBGE Anurio Estatstico do Brasil. 1950. Pp. 344-345
237 Kolynos. D/057/80. Rio de Janeiro. Arquivo Rdio Nacional. 23/12/1946
Sonho de amor, uma simples palavra murmurada ao ouvido e um sorriso
nada que desagrade ou irrite. S quem vive esse momento sabe quanto vale sorrir
ostentando dentes brancos e bonitos. S quem viveu este momento sabe quanto lhe
conseqncias desse desleixo. O Sr. E a Sra. que nos ouvem experimentem dar Kolynos ao
seu filho. Kolynos tem um sabor agradvel que refresca a boca e perfuma o hlito. As
crianas adoram escovar os dentes com Kolynos este creme dental anti-sptico que limpa
Os grandes anunciantes do rdio desejavam vender seus produtos para todo o pas e
no somente nos grandes centros urbanos. As dificuldades eram grandes, pois como j foi
visto, na maioria das vezes, o material a ser irradiado era gravado no Rio de Janeiro e em
implantao das estaes em ondas curtas no incio da dcada de 1940, algumas agncias
passaram a preferir investir suas verbas em potentes emissoras que eram ouvidas em todo o
pas, era uma forma de fazer publicidade mais barata e com maior eficincia.
Segundo a avaliao das agncias, desde meados da dcada de 1940, o rdio vinha
para os rins, realizado pelo IBOPE para a agncia Ecltica, a pergunta efetuada era: Voc
j ouviu falar de alguns remdio para os rins?, caso a resposta fosse positiva o
suas verbas de forma a obter o mximo de eficcia de venda possvel. Para isso, elas
deveriam saber quem era o ouvinte de determinado horrio, para ento decidir que
programa cada produto deveria patrocinar, que tipo de texto publicitrio deveria ser
feitas ao IBOPE de pesquisas especficas de audincia por horrio eram muito comuns. Em
resultados:
pesquisa era o de confirmar qual o momento do dia que concentrava uma maior audincia
do conjunto dos ouvintes. O resultado, j na dcada de 1940, apontava o horrio das 21h
como o mais ouvido pelo conjunto da populao, criando no rdio a idia de um horrio
nobre, um horrio mais caro e concorrido por todos os anunciantes, que se manteve ao
escritos para encontrar o pblico certo para um determinado patrocinador. Como se pode
Brasileiro PN, do binio de 1951-52, levantou l como estava a relao das agncias de
publicidade com o rdio. Uma das questes pesquisada foi o percentual que cada uma
dcada de 1950, as agncias preferiam manter sob seu controle a produo ou a preparao
dos scripts dos programas patrocinados pelos seus clientes, muitas delas continuavam a
manter um Departamento de Rdio com uma mdia de cinco a dez profissionais exclusivos
patrocinado ela acompanhava de perto a produo. Para grandes emissoras como a Rdio
Nacional do Rio de Janeiro, uma prtica comum adotada pelas agncias de publicidade era
tanto a do envio dos textos artsticos e comerciais para serem encenados pelo cast da
publicitrio. Em 1953, a agncia aplicava 47% de sua verba em jornais e revistas e 36,5%
departamento tinha entre suas obrigaes e compra do tempo nas estaes, elaborao de
programas, superviso das irradiaes. Muitas vezes a agncia se encarregava da produo
do que era irradiado que ia desde a produo de spots, jingles, redao de textos
J no final dos anos 40 alguns produtos tinham alcance nacional e novos hbitos de
consumo iam se estabelecendo por todo o pas. Em 1953, ao deslocar-se para a cidade
Juazeiro para a cobertura da inaugurao da mais uma emissora do grupo das Associadas, a
ao lado dos produtos tipicamente regionais, nos mercados da cidade, fato que refora a
rdio, os prprios anunciantes tratavam de avisar aos ouvintes que seus produtos tinham
Do Creme Sanitrio
Vende-se por dia, em todo o Brasil, uma mdia de 20.000 latas de Creme
Sanitrio. Ao comprar amanh mesmo o Creme Sanitrio para limpeza e
conservao de metais, cristais e louas, estar fazendo o que 20.000 de pessoas j
fizeram hoje e faro amanh. Com o Creme Sanitrio fica tudo tinindo de
limpo.245
Vale Quanto Pesa famoso em todo o Brasil e est a venda em toda parte. Vale
Quanto Pesa traz sempre no envoltrio a figura de uma balana, sua marca de
legitimidade, verifique antes de receb-lo. O sabonete Vale Quanto Pesa toda a
gente j sabe: pesa por 2, vale por 3 e dura por 4. o sabonete das donas de casa
de todo o Brasil. 246
limites geogrficos e de classe social. Utilizar o produto mais consumido no Brasil, ou fazer
amanh o que 20 mil pessoas fizeram hoje, imaginariamente estar integrado s prticas
cotidianas da sociedade nacional. Polir as panelas com areia uma prtica pouco civilizada
244 Cera Tabu. D/966/80. Rio de Janeiro. Arquivo Rdio Nacional. s.d.
245 Creme Sanitrio. D/033/80. Rio de Janeiro. Arquivo Rdio Nacional. 21/09/1947
246 Vale Quanto Pesa. D/074/80. Rio de Janeiro. Arquivo Rdio Nacional. 10/07/1947
para um pas que comea a possuir indstrias qumicas e que possui Bombril a esponja
mgica que torna fcil toda a limpeza difcil. 247 Os textos publicitrios se propem a
modernizar os hbitos.
Brasil contemporneo, Fernando Novais e Joo Manoel Cardoso de Mello, afirmam que a
carreira desabalada pela ascenso social , antes de tudo, uma corrida de miserveis,
Alguns produtos tinham distribuidores por todo o pas, podendo facilmente serem
grande, mas que ainda sim pretendiam abastecer os consumidores das diversas regies do
Rio de Janeiro, para todo o pas. Havia, naquela poca, os intervalos comerciais e os
novelas e das sries radiofnicas, era comum haver um patrocinador fixo para todo o
horrio e neste caso eram produzidos vrios textos comerciais, um primeiro de abertura, um
patrocinador cria uma estratgia para que seu produto possa ser adquirido independente do
fato de estar disponvel, ou no, no comrcio local, ou seja, o oferece pelo servio de
reembolso postal.
Jernimo. A primeira delas era uma pesquisa sobre hbitos de audincia de radioteatro
audincia total. A outra pesquisa era de hbitos de audincia entre jovens nas cidades do
Rio de Janeiro, So Paulo, Recife, Salvador e Porto Alegre. Dos jovens entrevistados 79 %
possuam o hbito de ouvir rdio. Na lista dos programas mais ouvidos, Jernimo ocupava
So Paulo e do Rio de Janeiro tal fato no se repetia nas cidades do interior do estado de
nacional. Era muito comum que um determinado programa de sucesso (como o caso de
algumas radionovelas) tivesse uma dupla montagem uma em So Paulo e outra no Rio de
consumo no Brasil, ocorrido entre os anos de 1940 e 1960. Neste perodo se deu a
diversificao dos produtos oferecidos. Para o economista Paul Singer, entre os anos de
tributria que abrange o centrosul do pas. 252 A industrializao levava a uma maior
CRESCIMENTO POPULACIONAL
% 1940/1950 1950/1960
BRASIL 26,0 36,7
Rural 16,6 17,7
Urbano 53,8 79,2
Fonte: IBGE 253
entre eles o rdio. Nos pequenos centros urbanos, os servios de alto-falantes e a prtica
252 Singer, Paul. Interpretao do Brasil: Uma experincia histrica de desenvolvimento. In: Fausto, Boris
(dir.) Histria Geral da Civilizao Brasileira. III. O Brasil Republicano. 4. Economia e Cultura (1930-
1964).So Paulo: Difel, 1986.p. 218
253 Patarra, Neide. Dinmica populacional e urbanizao no Brasil: o perodo ps-30. In: Fausto, Boris
(dir.) Histria Geral da Civilizao Brasileira. III. O Brasil Republicano. 4. Economia e Cultura (1930-
1964).So Paulo: Difel, 1986.p. 263.
O rdio foi um agente fundamental na implantao dos novos hbitos de consumo,
programao havia outros elementos, tais como o texto ficcional radiofnico, que agiam
como introdutor de novas prticas sociais e formas de consumo. Esse processo poderia
Entretanto, havia ainda os efeitos dos desdobramentos da prpria histria ficcional, atravs
dos hbitos mantidos pelos personagens, que possuem carros, viajam de avio, tm em
suas casas aparelhos eletrodomsticos, dentre outros, sem necessariamente alardear a marca
consumo dos astros e estrelas do rdio, propagandeados, de maneira geral, nas revistas
Num pas de dimenses continentais, com graves problemas sociais, o rdio tinha
como uma de suas funes a de ser um poderoso elo de ligao entre as regies. No
publicidade muitas vezes era veiculada atravs do jornal, como a do cigarro Lincoln, que
afirmava que Emilinha Borba, a favorita da marinha e estrela da Rdio Nacional, tambm
prefere os cigarros Lincoln.255 Ou ainda do sabonete Eucalol, que tambm tinha como
estrela principal Emilinha Borba, que dizia que no palco, na tela ou no microfone, Emilinha
Borba conquista sempre novos triunfos e maiores admiradores. Ela precisa conservar-se
produtos, muitas vezes alterando velhos hbitos. Meio e mensagem levavam os ecos das
Rotativas no ar - O Radiojornalismo
socilogo Pierre Bourdieu chama a ateno para o fato de que os jornais cotidianos devem
pode ser o estranho, o inusitado ou simplesmente aquilo que no comum aos outros
efeito real, ou seja, ela pode fazer ver e fazer crer no que faz ver, assim sendo, a televiso
Bourdieu, no se deve esquecer que o relato de um reprter, ou melhor, que o ato de relatar
rdio pode fazer ouvir e fazer crer no que ele faz ouvir. O episdio mais famoso do fazer
crer radiofnico no que faz ouvir ou do efeito real na histria do rdio, o do programa
Teatro Mercrio no Ar de Orson Welles, em 1938, no episdio Guerra dos Mundos, que
escritor ingls H.G.Wells, com o ttulo original de Guerra nos Ares. Transmitido em 30 de
257 Bourdieu, Pierre. Sobre a televiso. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997. p. 26-28
258 Idem. Ibidem.
outubro, Dia das Bruxas, o programa de Orson Welles foi produzido no formato de uma
reportagem, que ia aumentando aos poucos o suspense. O programa com uma durao
Mundos provocou pnico e um intenso debate, nos dias que se sucederam a irradiao,
sobre os efeitos causados pela transmisso e de uma possvel punio aos seus produtores.
A maior parte dos estudiosos concorda que a prpria conjuntura da poca um mundo j
assustado com um clima de vspera de guerra facilitou o efeito real causado pela
apresentao de Welles. Entretanto o que ficou evidente que pela primeira vez o mundo
estava diante de um meio de informao que transmitia as notcias com mais rapidez e com
mais detalhes que a mdia impressa e que possua uma imensa capacidade mobilizadora.259
Durante a Segunda Grande Guerra o rdio foi largamente utilizado permitindo s pessoas
do mundo inteiro acompanhar juntas o conflito, fato que deu um forte impulso ao
O historiador francs, Pierre Nora, afirma que devemos aos mass media o
intermdio deles e somente por eles que o acontecimento marca a sua presena e no nos
259Zaremba, Lilian. Orson Welles: O labirinto auditivo de Guerra dos Mundos. IN: Radio Nova,
constelaes da radiofonia contempornea. Org. Lilian Zaremba e Ivana Bentes. Rio de Janeiro: UFRJ, ECO,
Publique, 1996. Pp. 77-92.
pode evitar, eles nos impem imediatamente o vivido como histria.260 Ainda segundo
Expressa as crescentes complexidades da vida urbana com seus nibus que trocam
de trajeto e seus cortes de servios, com penosas situaes econmicas que tornam
teis as indicaes sobre preos convenientes e data de pagamento, sobre planos
estatais e desemprego, com mltiplas organizaes setoriais que se comunicam
atravs das rdios com os seus representados. Porm, tambm moderno como
nova racionalidade que faz da informao um instrumento de um saber,
ilusoriamente transparente, em um mundo de poder de cujas decises se depende.
moderno em termos de agenda comunicativa, nica possibilidade de no ficar
margem do que ocorre, dessa realidade cada vez mais fabricada pelos meios e dos
quais depende toda possibilidade de legitimao social. 261
media brasileiro desde a sua fundao. Entretanto, nem sempre o rdio foi o primeiro a dar
publicadas nos jornais dirios, sendo que, em muitos deles, os apresentadores se limitavam
agncias de notcia. Por mais criativa que fosse a reinterpretao da notcia feita pelo
260 Nora, Pierre. O retorno do fato. In: Le Goff, J. e Nora, P. Histria: novos problemas. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1979. P. 181-183.
261 Mata, Maria Cristina. Radio: Memorias de la recepcion. Aproximaciones a la identidad de los sectores
populares. In: Dilogos de la Comunicacion. N. 30, junho/1991. P. 48
locutor, ela limitava-se ao que j havia sido publicado pelos jornais impressos. No se
Segundo o produtor radiofnico Hlio Tys, 262 nos primeiros tempos as emissoras
jornais. Esse mtodo no era uma peculiaridade das emissoras brasileiras. No romance
Tia Jlia e o escrevinhador, o escritor Mario Vargas Llosa descreve o que era ser diretor
uma vez..263
brasileiro nos anos 1920 e 1930. No Brasil o rdio viveu a partir de meados da dcada de
prprio. O rdio desejava antecipar-se aos jornais impressos na divulgao das notcias. A
formao era muito mais intuitiva e criativa do que tcnica. Alguns dos membros das
262 Tys, Hlio. O rdio no Brasil. In: Comunicao. Rio de Janeiro, Ano 7(25), 3-12, 1978.
263 Llosa, Mario Vargas. Tia Jlia e o escrevinhador. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991. P. 9
equipes de jornalismo radiofnico j haviam passado pelas redaes dos jornais, mas isso
no era uma regra, muito pelo contrrio. Os indivduos ingressavam no rdio atravs de
testes (de locuo, de redao, de interpretao) realizados pelos responsveis dos setores
(jornalstico, musical, etc) e iam sendo aproveitados ora por suas potencialidades ora pelas
chances que apareciam nos diversos setores. A lgica interna de contratao que regia o
setor de jornalismo radiofnico era idntica a das outras reas, o indivduo parecia ter
vocao para aquela funo, era contratado e aprendia na prtica diria, no havia um
campo a ser explorado, que permitia a experimentao. O radialista paulista Walter George
Durst, foi um dos jovens que saiu do jornalismo impresso para o rdio. Segundo o
radialista, logo no incio de sua carreira no Jornal de Notcias, quando fez uma srie de
noticirios radiofnicos tornaram-se muito populares. Muitas vezes eles eram a nica fonte
de informao de uma parte significativa dos moradores da cidade e do interior, fosse pelo
um papel fundamental, eles eram muitas vezes a nica forma das pessoas se manterem
radiofnicos. O ator Lima Duarte, contou em uma entrevista, como foram os seus primeiros
contatos com o rdio e, atravs dele, com o restante do mundo, quando ainda vivia em sua
expanso radiofnica no pas. Nelas esto descritas parte das mudanas dos hbitos da
populao tais como a de se preparar no mais para a conversa de fim de tarde, mas para
ouvir as transmisses de fim de tarde. Mesmo para aqueles que no podiam ouvir as
privilegiados reproduzindo o que havia sido noticiado. O rdio era um poderoso veculo de
informao que, de certa forma, concedia parte de seu poder queles que entravam em
contato com ele. Como j foi visto no primeiro captulo, num certo tempo tinham destaque
no seu grupo de convvio social os proprietrios de aparelhos de rdio que partilhavam sua
Mesmo para aqueles que viviam nas grandes cidades e tinham sua disposio uma
srie de jornais impressos, o rdio era uma fonte de informao largamente utilizada.
Parte significativa das emissoras brasileiras foi fundada por grupos que j atuavam
comunicao de Assis Chateaubriand que, nos anos 30, era composto por diversos jornais e
j contava com muitas emissoras de rdio como j foi visto no captulo III. Com vasta
experincia no ramo dos jornais impressos, o grupo dos Dirios Associados foi o pioneiro
na organizao de uma equipe para a produo de um jornal falado. Em 1937, a Rdio Tupi
266 CLARK, Walter. O campeo de Audincia. So Paulo: Ed. Nova Cultural, 1991. p. 21
servio. A emissora foi a primeira a criar uma edio para os jornais falados, com
Jornal Falado Tupi, um programa conjunto das Rdios Tupi de So Paulo e do Rio de
logo de incio eles perceberam que o pblico ouvinte no estava habituado a ficar tanto
jornal radiofnico utilizando as mesmas frmulas consagradas para o jornal impresso. Para
que as rotativas das ondas cumprissem a sua funo, algumas mudanas na estrutura
A equipe do Grande Jornal Falado verificou que deveriam ser criadas novas
indispensvel com a entonao da fala. Mas era tambm preciso criar no pblico o hbito
jornal da Rdio Tupi, a Europa era palco da Segunda Guerra Mundial, fato que contribuiu
efetivamente para a criao desse hbito dirio de se manter informado ouvindo o rdio. As
267 assim que se faz jornal falado. IN: Revista do Rdio. Ano VIII, n. 314. 17/09/1955. P. 14.
Vivamos tempos de respirao suspensa, todo mundo doido para saber as
novidades. Raras as casas onde, noite, no sobrasse uma luz acesa: centenas de
milhes de pessoas dispensando as horas de sono, olhos abertos, ouvido querendo
entrar pelo rdio, onda larga, mdia, curta, por qualquer freqncia poderia vir a
bomba.268
Henrique Lobo, era uma honra para um locutor novo ter oportunidade de falar no Grande
Jornal Falado Tupi. 269 O crescimento do prestgio dos jornais radiofnicos no incio da
dcada de 1940 gerou uma larga discusso sobre se o sucesso rdio significaria a falncia
dos jornais escritos. Passada a Guerra, no final da dcada de 1940, a convivncia entre os
jornalstico da Rdio Tupi de So Paulo, que pertencia ao grupo dos Dirios Associados,
colaborao dos jornais associados paulistas agindo ao lado deles, paralelamente. E, mais
do que isso, cabe portanto aos informativos radiofnicos, quando feitos com inteligncia,
conduzir o ouvinte quele jornal (impresso) que lhe possa satisfazer o interesse. 270
268 Lago, Mrio. Bagao de beira-estrada. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1977. p. 107
269 Henrique Lobo. Depoimento. Diviso de Pesquisa - Centro Cultural So Paulo. 09/12/1983
270 O jornal avana para o rdio. In: PN: Publicidade e Negcios. Rio de Janeiro, Ano X - 01/01/1950. p.33
Inicia-se o jornal dando de forma sinttica, em forte back-ground, as manchetes -
um resumo lido com rapidez das principais notcias do dia. Seguem-se, j com
outra msica em transio, o boletim do tempo, o horscopo e um conselho mdico.
Abre-se ento a primeira pgina, com noticirio poltico, a seo de pessoas
desaparecidas que esto sendo procuradas, informaes sobre a vida parlamentar.
(...) Vem a segunda pgina, anunciada por outra msica, noticirio internacional e
noticirio de So Paulo. Nova msica, muito rpida, anuncia a terceira pgina:
Pela descrio acima se pode perceber que o noticirio radiofnico da Rdio Tupi
de So Paulo era preparado dentro de uma lgica semelhante que regia o restante dos
jornais impressos da cadeia dos Dirios Associados, Corifeu Marques utiliza inclusive a
expresso pgina, metaforicamente, para referir-se a cada uma das sees do noticirio.
empresas A Noite, que contava com jornais impressos (A Noite e A Manh), com revistas
(Noite Ilustrada e Carioca) e com uma grfica. O locutor Aurlio de Andrade que
trabalhou na emissora desde 1936, em uma entrevista, comentou a relao entre a Rdio
sua mdia grfica, o jornal, da revista Carioca, a revista Vamos Ler que era
intelectual e A Noite Ilustrada que era uma revista que ia para todo o Brasil,
271 Idem.
subsolo, de maneira que faltava uma rdio para fazer a publicidade do
jornal e etc, etc, etc. De maneira que tivemos que sair da, com um jornal
Durante os primeiros anos, dentro do grupo de A Noite, a Rdio Nacional era menos
valorizada que os jornais. 273 Entretanto, na virada de 1930 para 1940, o rdio comeou a
meio da listagem de programas, surge com destaque o aviso de que a partir das 18h a
emissora apresenta s horas certas jornais falados com notcias de primeira mo. A
programao, revela o uso de uma estratgia especial para atrair a ateno do leitor para a
existncia dos noticirios e para o fato de que eles apresentavam novidades, que produziam
notcias, que no mais se limitavam a reproduzir o que j fora publicado nos jornais dirios.
Os programas jornalsticos noturnos eram a grande sensao, pois traziam as notcias que
incio da dcada de 1940, tambm transmitia s 18h55m o jornal da United Press, com 15
utilizava uma estratgia diferente daquela usada pela Rdio Tupi de So Paulo. Produzindo
ouvintes para as notcias a serem apresentadas no bloco seguinte. Tal estratgia tambm
permitia que o contedo do informativo seguinte pudesse ser alterado caso algo de
importante ocorresse entre as edies dos noticirios como a programao das emissoras
de rdio era feita ao vivo, sempre havia profissionais diversos trabalhando de planto,
notcias extraordinrios.
Como ocorreu tambm com o grupo dos Dirios Associados, os jornais do grupo A
Noite e a rdio, ao longo do tempo, passaram a trabalhar mais interligados. O grupo possua
Nacional mantinha importantes noticirios pela manh e noite, que eram subdivididos em
sees. Pela manh a emissora apresentava o A Manh Informa, um matutino falado feito
em combinao com A Manh. 274 O jornal radiofnico A Manh Informa tinha incio com
notcias United Press, a seguir vinham as sees: O que vai pelo Brasil, Sntese
274 Os jornais falados da Rdio Nacional. In: Revista da Rdio Nacional. Rio de Janeiro, N. 1, Agosto de
1950, ANO I. p. 23.
radiofnico seguia uma lgica similar ao dos jornais impressos apresentando primeiro as
por ltimo os setores especficos: economia, esporte e cultura. No final da tarde, s 17h, era
apresentado o A Noite Informa. Tanto o noticirio da manh quanto o da noite tinham como
noticirios eram transmitidos em ondas curtas para todo pas. Como a maioria das
emissoras, a Rdio Nacional tinha um jornal noturno, irradiado s 23h, com a sntese dos
acontecimentos dirios e com alguns dos assuntos que viriam a ser notcias dos matutinos
do dia seguinte.
Tanto os produtores dos jornais da Rdio Tupi como os da Rdio Nacional fazem
Rdio Globo. Fundada em 1944, a Rdio Globo tambm possua um noticirio de hora em
275 Os jornais falados na Rdio nacional. In: Revista da Rdio Nacional. N. 2, setembro de 1950, ANO I. P
32.
hora, com cinco minutos de durao, O Globo no Ar. 276 O noticirio era inicialmente
irradiado diariamente a partir das 8h, em intervalos regulares de 60 minutos. Contando com
edies extraordinrias. O Globo no Ar vem sendo irradiado pela Rdio Globo desde 1945.
horrio. A edio final de O Globo no Ar era irradiada das 22h40m s 23h30m, e possua
diversas sees como Vida Cultural, Observaes Econmicas, Aconteceu no Rio (crnica
de Joracy Camargo), Dos Dois Lados, Noticirio Poltico Nacional, Homens e Opinies
das atividades do rdio carioca, afirmava que as reportagens haviam sido o forte da
temporada, 278 mas que apesar disso, em termos de informao e servio, o rdio
realizao de reportagens externas e em especial quando estas tinham que ser realizadas
fora da cidade. Segundo Celestino Silveira o ouvinte exige material indito e isso s pode
se realizar com a melhora dos equipamentos. O reprter trabalhava para o grupo O Globo e
na dcada de 1950, irradiou diversas reportagens da Europa e dos Estados Unidos para a
276 A Rdio Globo AM sofreu diversas alteraes na programao, entretanto em 2002 a emissora ainda
mantinha o noticirio no ar, conservando praticamente o mesmo formato desde seu lanamento em 1944.
277 O Globo. 21/12/1945.
278 Silveira, Celestino. O Globo no Rdio. In: O Globo, 19/12/1947.
A Rdio Globo, na dcada de 1950, transformou-se em uma emissora que baseava
sua programao no trip: msica, esporte e notcia. Em uma reportagem de 1954, Hern
Domingues, elogiava a Rdio Globo, dizendo que ela parecia ter conseguido, pela primeira
vez, pelo menos no Rio, uma entrossagem satisfatria com o jornal O Globo, pois
mobilizando a esquadra de veteranos de O Globo, a Rdio Globo teve, dum golpe, boas
populares que iniciavam cedo sua jornada de trabalho e que possua trs edies matinais,
como pode ser observado na grade de programao abaixo. Entre os temas abordados pelo
Reprter Esso s 8h, horrio que julgava que o pblico alvo do noticirio ainda estaria em
casa, se preparando para ir trabalhar, e que desejava ficar em dia com os ltimos
acontecimentos do pas e do mundo 80% (oitenta por cento) das notcias do Esso, nesse
briga pela preferncia dos ouvintes. A campe de audincia era a Rdio Nacional do Rio
de Janeiro, que liderava no Rio de Janeiro e possua boa penetrao em praticamente todos
programao mais direcionada para um determinado setor, como exemplo a Rdio Relgio
emissoras. Em uma reportagem de 1953, Gagliano Neto fazendo uma anlise retrospectiva
das realizaes da emissora, nos quatro anos de existncia, apontou os seguintes nmeros:
era o nome dado as entradas dos reprteres ao longo da programao diria. Os reprteres
reprteres para o local. A Rdio Tupi tambm possua os Comandos Tupi, dedicados s
reportagens externas.
esportivas, aos comentrios polticos, entre outros. O hbito de informar-se atravs do rdio
foi sendo ampliado. Com uma audincia cativa cada vez mais diversa e exigente, as
emissoras de rdio criaram padres de programao para cada tipo de ouvinte. Essa
280 A servio do povo por toda parte. In: Revista do Rdio, n. 179, 10/02/1953, ANO VI.
preocupao tambm ocupava as pginas nas crnica especializada, alguns reprteres e
cronistas, discutiam sobre quais seriam as notcias mais adequadas para cada grupo de
ouvintes e em que horrios estas deveriam ser irradiadas. Tal questo pode ser observada
horrio em que so irradiados esses noticirios. Um que se destina s 14 horas, no pode ser
jornalismo radiofnico.
dedicados a reas especficas. O setor de esportes um dos mais famosos, engloba notcias,
aqui estudado.
pela primeira vez foi realizada uma cobertura internacional de uma Copa do Mundo. O
locutor esportivo Gagliano Neto, irradiou as partidas da Frana, por telefone, para Rdio
Clube do Brasil, que mandou instalar alto-falantes em alguns pontos da cidade para que a
Todos a postos nos rdios! Era ento a maior faanha esportiva do rdio brasileiro.
o rdio a audincia masculina, fato que incentivou a algumas emissoras, como a Rdio
tambm compositor Ari Barroso. Em uma pesquisa realizada pelo IBOPE, em 1951, que
desejava conhecer quais os locutores esportivos mais populares, Ari Barroso venceu com
36,5 % da preferncia, seguido por Oduvaldo Cozzi, Jorge Curi, Luiz Mendes e Antnio
respectivamente. 282
por seu estilo prprio, criatividade e fluncia perfeita, segundo o comentarista esportivo
Luiz Mendes, deixou muito imitadores, formando o que se poderia chamar de escola
1950, publicada pelo Anurio do Rdio, a escolha dos ouvintes cariocas estava distribuda
da seguinte forma:
preferncia carioca era pelo No Mundo da Bola, da Rdio Nacional, que obtinha o ndice de
18,6%, seguido por Rdio Esportes Tupi, com 4,2% de audincia. A preferncia dos
um resumo das classificaes obtidas pelas emissoras cariocas ao longo do ano de 1949, no
qual destacava o nmero de vezes que as emissoras teriam obtido os trs primeiros lugares
283 Mendes, Luiz. 7 mil horas de futebol. Rio de Janeiro: Freitas Bastos. 1999. P. 66.
Classificao das emissoras do Distrito Federal - 1949
1 lugar 2 lugar 3 lugar
Nacional 649 0 99 008
Tupi 036 307 197
Tamoio 067 225 120
Globo - 030 150
Jornal do Brasil - 044 103
Mayrink Veiga - 007 079
Rdio Clube do Brasil - 011 018
Cruzeiro do Sul - 004 025
Continental 001 009 018
Guanabara - 003 013
Fonte: PN Anurio do Rdio. Maro 1950. P. 61-62284
sozinha o primeiro lugar, seguida pelas rdios Tupi e Tamoio. Como a audincia feminina
dos ouvintes por emissora e por sexo. Permitindo ao entrevistado apontar mais de uma
284 A Rdio Tamoio e a Rdio Tupi pertenciam ao grupo das Emissoras Associadas. A Rdio Tamoio era
especializada em radionovelas e no possua equipe esportiva.
Audincia por emissora e por sexo - 1948
Emissora Homens % Mulheres %
esportivas variadas, como futebol, turfe, lutas, automobilismo, entre outras. Com um
Silveira. O titular do programa era um jornalista que escrevia crnicas de cinema para os
transferindo-se, trs anos mais tarde, para a Rdio Mayrink Veiga. Na dcada de 1940, o
noticirio passou a ser apresentado pela Rdio Globo. O programa era escrito e
apresentado por Celestino Silveira. Cabia ao reprter recolher as informaes, assistir aos
filmes, realizar entrevistas e depois com esse material redigir um programa com meia hora
filme novo a cada noite, recolher informaes sobre os atores, diretores, produtores, etc,
para realizar o programa da tarde seguinte. Cine-Rdio-Jornal ainda contava com visitas
impar de uma crnica de rdio ganhar uma verso impressa devido ao sucesso alcanado.
diversificar o contedo de seus noticirios, buscando atrair a ateno do ouvinte local com
jornais falados que eram transmitidos em ondas curtas para todo o pas. Uma dessas
iniciativas teve lugar na Rdio Guanabara. Em 1949, foi criado, no Rio de Janeiro, o
ocorrncias dirias.286 O interesse foi grande e logo no ano seguinte, o noticirio passou a
contar com trs edies dirias. O jornalismo policial se tornou um gnero de grande
Rdio Globo.
Um outro estilo de programa jornalstico que se tornou muito utilizado, a partir dos
anos 50, foi o de prestao de servios ao pblico ouvinte. Nesse gnero, existiam os
para prestar esclarecimentos aos ouvintes. Um dos famosos programas desse gnero foi o
Com a Boca no Mundo, irradiado pela Rdio Globo com apresentao do reprter Raul
apresentado pela Rdio Mayrink Veiga tambm mantinha o mesmo sistema que o da Rdio
votao. Em abril 1947, a Rdio Roquette Pinto resolveu instalar seus microfones no
287 Um bom programa: Com a boca no mundo. Revista do Rdio. N. 112, 30/10/1951. P. 32.
288 O que vai pela Mayrink. In: Revista do Rdio. n. 117, 04/12/1951.
Pinto limitava-se a reproduzir os debates sem a interferncia de um comentarista poltico.
observar que o programa da Rdio Roquette Pinto exercia um papel fundamental, o pas
atuao dos polticos eleitos era uma novidade. A Ditadura do Estado Novo havia deixado a
populao fora do processo poltico decisrio por quase sete anos. O rdio contribua para o
populao podia verificar, fiscalizar e cobrar a atuao de seus candidatos. O rdio trazia
posicionarem. Algumas emissoras criavam sees sobre poltica dentro dos seus noticirios,
como foi o caso da Rdio Nacional que em novembro de 1946, criou o Notas do
Rdio Continental, porm o mais famoso foi o Parlamento em Ao irradiado pela Rdio
Globo.
irradiado semanalmente pela Rdio Globo. Durante o dia eram gravados trechos dos
severas ao governo Vargas e aos seus aliados, fato que suscitou uma srie de polmicas
perodo do suicdio de Getlio Vargas, em 1954, a Rdio Globo chegou a ser apedrejada.
Ocorreram tentativas de invaso emissora que passou a ser associada a imagem de Carlos
Lacerda e tida como uma das responsveis pela crise presidencial e por seu desfecho
trgico.290
marcaram poca, mas a grande estrela do radiojornalismo dos anos de 1940 at 1960 foi o
acontecimento
modelo para muitos dos jornais radiofnicos e televisivos que o sucederam. A primeira
edio do Reprter Esso foi ao ar em final de agosto de 1941, na Rdio Nacional do Rio de
Mundial.291 Segundo alguns estudiosos, o Esso era uma pea de propaganda das
Havia uma intensa censura do Departamento de Imprensa e Propaganda - DIP sobre o que
noticirios nacionais. Tal fato aliado prpria conjuntura de Guerra, fazia com que a
produzido pela agncia de notcias UPI - United Press International, seguindo os padres do
radiojornalismo norte-americano.
Standart foi a Rdio Nacional. Trabalhar com o material distribudo pela UPI no era
291O Reprter Esso radiofnico foi transmitido at dezembro de 1968 e sua verso televisiva at 1970.
292O pioneirismo que mudou a cara do jornalismo brasileiro. Revista da Abert. Braslia; n 111,
maio/junho 1996.
nenhuma novidade para a Nacional. A emissora carioca j possua um noticirio noturno
Durante o ano de 1941, foram transmitidos tanto o Reprter Esso quanto o Jornal da
do noticirio continuaram a buscar a voz ideal para o Reprter Esso. Depois de algumas
experincias com outros locutores, Hern Domingues foi selecionado para ser o locutor
1946, foi publicada uma pequena reportagem sobre o noticirio, afirmando que os
responsveis pelo Reprter Esso tiveram desde o incio o desejo de confiarem sua leitura a
uma s voz que se mostrasse altura do prestgio por ele conquistado. 294 Apesar de o
Reprter Esso ter possudo outros locutores nas outras cidades onde era produzido, Hern
O Reprter Esso foi tambm produzido em So Paulo, Recife, Porto Alegre e Belo
Horizonte e transmitido pelas rdios Record (transferido depois para a Tupi), Jornal do
nas cidades vizinhas para transmitir seu noticirio. Para garantir recepo do noticirio em
quatro emisses dirias com 5 minutos de durao cada uma, apresentadas sempre com
absoluta pontualidade. Esse padro deveria ser seguido pelos locutores de todas as regies
1941, o rdio brasileiro, de uma maneira geral, ainda era produzido de uma forma
ateno da mensagem radiofnica deveria estar voltada para os efeitos sonoros. O Reprter
expressar sua opinio pessoal e sim restringir-se a noticiar o fato. Para os produtores essa
era a frmula dos noticirios imparciais. Durante muito tempo vrios noticirios
295 O Reprter Esso poder ser ouvido a qualquer hora, em qualquer cidade do interior. In Vamos Ler.
07/09/1944. P. 54
296 Reprter Esso - Instrues Gerais. Arquivo Rdio Nacional. D. 2639/80.
fato de que o prprio ato de escolher a notcia e o que dizer sobre ela estar assumindo
Inmeros ouvintes, de todas as regies do pas, tinham no Reprter Esso sua principal,
seno nica, fonte de informaes sobre o que se passava nos outros lugares. Pierre
Bourdieu afirma que muitas pessoas tm na televiso sua nica fonte de informao, o que
formao das cabeas de uma parcela muito importante da populao. 298 No Brasil da
dcada de 1940, o Reprter Esso possua o monoplio do fato sobre a formao das
cabeas.
que para essas pessoas o Esso era, simplesmente, sinnimo de verdade. 299 Ainda segundo
Dalmcio, famlias se reuniam para todos pudessem ouvir juntos o Reprter Esso.
notcia. 300
adquirida pelo Reprter Esso em deter o monoplio do fato. O patrocinador pretendia que
o noticirio tivesse o poder de criar segurana no ouvinte fazendo com que ele tivesse no
quando foi retirado do ar. Mesmo com o desaparecimento do DIP em 1946 e as mudanas
299 Entrevista de Dalmcio Jordo. In: O pioneirismo que mudou a cara do jornalismo brasileiro. Revista da
Abert. N. 111, maio/junho/ 1996.
300 Lago, Mrio. Bagao de beira-estrada. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1977. p. 108.
polmicas para garantir uma melhora nos nveis de audincia, o Reprter Esso manteve o
Janeiro, foi o escolhido para dar as instrues aos profissionais das demais regies do pas.
publicidade.301
O noticirio carioca possua quatro edies dirias durante a semana. A primeira era
noticirio a de que as pessoas poderiam acertar seus relgios e organizar seu tempo a
padro apresentado por Hern Domingues (impostao de voz, pronncia, ritmo da fala,
etc), formando uma espcie de linhagem de reprteres Esso. Para a primeira edio matinal,
Segundo o texto, ao Reprter Esso estavam reservadas vrias funes sociais alm
com o rumo dos acontecimentos mundiais. Ainda que consciente de estar em meio a uma
conjuntura de crise o noticirio da Esso deveria ter um tom de otimismo mesmo que o
bom humor ficasse somente restrito saudao, pois era impossvel narrar os bombardeios
A primeira edio do Reprter Esso era planejada como o primeiro contato dirio
do ouvinte com o restante do mundo, como o prprio texto diz, servia para arranc-lo da
letargia matinal e atir-lo na realidade da vida que lhe era trazida pelo noticirio. Essa
afirmativa evidencia a questo levantada por Bourdieu sobre a produo do efeito real, ou,
302 Idem.
para a sua publicidade. Esse tempo no pode de maneira alguma ser desperdiado,
cada dcimo de segundo, cada centsimo, tem que ser trabalhado pelo locutor a
fim de tirar o maior efeito possvel do escasso tempo. Uma das regras para a
leitura eficiente do anncio do Reprter Esso a ausncia de comercialismo na voz
do locutor. Est provado que o estilo vulgar da leitura de anncios pelo rdio
desmoralizou o chamado texto avulso. O ouvinte recebe-o com indiferena e no
toma conhecimento dele. 303
locutores do Esso tcnicas de pronncia e formas de entonao que, segundo ele, realizam a
Num jornal impresso toda a matria distribuda com maior ou menor destaque
pela ordem de importncia e usa-se para isso diversos artifcios como o negrito, a
manchete, etc. Num jornal falado meios semelhantes podem ser usados, como a
chamada de ateno ou ateno-ateno ou ento ao contrrio, baixando a
voz. Donde se conclui que o negrito na imprensa tem o seu equivalente no rdio
atravs das nuanas da voz. O maior inimigo de um jornal falado a
monotonia...304
Hern Domingues seguia rigorosamente todas as recomendaes constantes no
consolidou fazendo com que durante toda as dcadas de 1940 e 1950 o Reprter Esso
dominasse a preferncia popular carioca e servisse de modelo para outros noticirios, como
INFORMATIVOS
90
77,1
80
70
60
50
40
30
20
8,4 8,4 6,3 6,3
10 2,1 2,1 4,2
0
a
am
so
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obter informaes sobre a audincia de seus programas fora do eixo Rio-So Paulo. Quanto
Corporation, sobre a audincia dos jornais falados em trs importantes cidades nordestinas.
No nordeste o Reprter Esso era transmitido em ondas curtas pela Rdio Clube de
Pernambuco. Na poca era muito comum que as cidades vizinhas, mesmo as capitais,
A edio do noticirio era de responsabilidade local da emissora pela qual ele ia ser
transmitido. Porm tanto os textos das propagandas quanto s notcias brutas eram
era colocar-se em sintonia com o restante do pas. O noticirio era um dos canais de ligao
centro-periferia da poca.
Uma outra questo importante para o patrocinador era conhecer o pblico que ouvia
Noticirios preferidos
ampla maioria na preferncia dos ouvintes cariocas, alcanando no total o ndice de 86,6 %.
reconhecidamente uma emissora popular, que controlava a audincia nas classes B e C. Nas
Nacional estava nas radionovelas. Um outro gnero muito popular na emissora era o dos
entrevistado deveria ainda responder o que lhe desagradava no Reprter Esso 305. O
305 Nas pesquisas que realizava o IBOPE utilizava diversas metodologias. Em geral, nas Pesquisas Especiais,
o formulrio utilizado acompanha a divulgao resultado obtido No caso especfico dessa pesquisa o Instituto
Opinio sobre o Reprter Esso
predominavam as notcias internacionais. Na pesquisa realizada pelo IBOPE fica claro que
dedicada uma ateno maior ao noticirio nacional. Somando os que reclamam do pequeno
nmero de notcias nacionais com aqueles que apontam o problema do excesso de ateno
mais notcias nacionais. Entretanto, curioso observar que mesmo fazendo crticas quanto
natureza das notcias veiculadas, grande parte desse pblico se mantinha como ouvinte fiel
utilizou para alguns itens o sistema de pergunta com resposta aberta, no-estimulada, permitindo que o
entrevistado se expresse com mais liberdade.
do Reprter Esso. O noticirio alcanou um grau de notoriedade tamanho que se manteve
Congresso para a aprovao do projeto de lei para criao da Petrobrs. Neste mesmo ano a
Standard Oil estava sendo acusada de buscar obter o controle de um projeto para a criao
de um plo de refino de petrleo em Niteri e que foi muito combatido pelos grupos
FAVORVEIS DESFAVORVEIS
Grande Companhia monopolizante
Grande Investidor um truste
Muito eficiente Um mau investidor
Boas iniciativas Sanguessuga do Brasil
Bons produtos automobilsticos Quer controlar nosso ouro negro
Formidvel No revelam as verdades sobre a Standard
Bom patrocinador M
Faz bons servios para o Brasil
Cia de renome internacional
Fonte : IBOPE - Pesquisas Especiais - vol. 11 - 1952
perguntava sobre empresa Esso. Provavelmente essa estratgia tenha feito com que a
relao entre as duas empresas, a Esso e a Standart Oil, passasse despercebida para muitos
dos entrevistados. Apesar de no trazer o percentual de opinies desfavorveis o resultado
O poder do rdio de criar novos hbitos tem no Reprter Esso em excelente modelo.
O informativo criou um modelo que vrias outras emissoras de rdio tentaram seguir.
Independente da insatisfao de uma parcela dos ouvintes com a pequena ateno que era
dedicada aos noticirios nacionais e das questes polmicas que envolviam seu
patrocinador, o Esso seguiu como o lder de audincia dos jornais radiofnicos at a dcada
de 1960. E foi sem dvida um dos principais responsvel pela criao do hbito cotidiano
O rdio que foi produzido pelas maiores emissoras das dcadas de 1940 e 1950, era
manifestaes culturais, sempre buscando atrair o maior pblico possvel. O rdio, que era
programas. 306
o dolo e o rdio, pois o media criava o dolo que ia atrair a audincia para esse prprio
media, processo que tambm ocorre com o cinema e com a televiso. J na dcada de
O rdio criou uma corte imaginria com Rainhas do Rdio, Reis da Voz, sempre
seguidos por sditos fiis. O sucesso era tamanho que foram lanadas revistas
especializadas em rdio, que eram distribudas por todo o pas. As pessoas desejavam saber
o que vestiam, o que consumiam e como moravam seus astros prediletos. Os jornais
tocar nos donos das vozes que embalavam seus sonhos. Esses astros poderiam ser vistos
por uma srie de quadros com msica, brincadeiras, teatro e concursos. Nesses programas
todos os seus astros prediletos. Para os que ficavam em casa restava o sonho de um dia
esse dia no chegava, o ouvinte poderia se deixar levar pelas radionovelas. Pois segundo
Walter Avancini:
A radionovela foi o grande fenmeno de audincia dos ltimos anos do rdio que
precederam a TV. Na dcada de 1940, as radionovelas significavam o sucesso que
307 Merton. Robert K. e Lazarsfeld, Paul F. Comunicao de massa, gosto popular e a organizao da ao
social. In: Costa Lima, Luiz(org.). Teoria da Cultura de Massa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990. P. 111
tem hoje as novelas de uma Rede Globo, por exemplo, com uma massificao de
audincia semelhante a TV Excelsior do passado. 308
Inicialmente o rdio era feito somente para ser ouvido. As emissoras possuam
pequenos estdios de onde irradiavas seus programas. A platia estava ausente. Segundo
Csar Ladeira, em 1933, ele se dirigia para uma multido de criaturas e as encontraria
309 A cantora Marlia Batista tambm foi uma das pioneiras do rdio. Ela atuou no
Programa Cas, ao lado de Noel Rosa, ainda nos primeiros tempos do programa, na Rdio
Philips. Marlia Batista contou que primitivamente no havia auditrio, voc cantava e ia
perguntar l fora: - Como saiu? Ningum via o artista cantando e era um microfone s
querer mais somente ouvir seus artistas favoritos, eles desejavam v-los. Uma reportagem
1936, informava aos leitores como eram as instalaes das emissoras do Rio de Janeiro.
A Rdio Nacional foi apresentada como a emissora maior e mais luxuosa de 1936,
seguinte quadro:
Pelos dados apresentados pode-se ver que a austera Rdio Clube do Brasil tambm
possua como principal atrao o quadro morar de graa, no qual o animador sorteava
possuam diversos estdios para gravao e irradiao de alguns programas, mas a maioria
delas reservava parte de sua programao para ser apresentada com a presena de auditrio.
Algumas emissoras transmitiam seus programas de maior sucesso diretamente dos teatros,
no caso carioca, o Teatro Carlos Gomes era muito utilizado pelas rdios. Apesar de todas as
Rdio Nacional que o gnero fez mais sucesso. Os programas da Nacional ficaram
Tinhoro:
Brasil. 315
abrangente, eram produzidos por brasileiros e para brasileiros, no tinham um carter local.
nordestino, que atuou em diversas emissoras cariocas, fora do Rio de Janeiro a Nacional
314
Revista do Rdio. 24/04/1951.
315
Tinhoro, Jos Ramos. Nos anos de ouro dos auditrios. In: Jornal do Brasil- Revista de
Domingo.01/05/1977.
nunca foi considerada uma emissora carioca, era do Brasil. Ela era padro, padro de
eram exclusivos dos sbados e domingos, apesar da maioria deles estar concentrado nos
No interior, a presena dos auditrios era fundamental, pois era l que os astros e
estrelas visitantes, que vinham das grandes emissoras se apresentavam. Era comum que os
temporadas pelo interior do Brasil era uma das formas que os artistas encontravam para
complementar seus rendimentos, devido aos baixos salrios pagos pelo rdio. Uma das
grandes estrelas do rdio da dcada de 1950 foi a cantora Marlene. Segundo a cantora
quando ela foi contratada pela Rdio Nacional, o diretor artstico, Vitor Costa, lhe disse:-
ordenado que vai servir para os seus alfinetes. 319 Marlene declarou ter ganho muito
dinheiro com as excurses que fez. As viagens ao interior, em geral, eram rendosas
financeiramente, pois:
Quando empreende viagem pelo Brasil afora, o artista de prestgio, sabe que ir
encontrar multides de jovens frementes de entusiasmo e vibrao. infalvel. Por
isso mesmo que se diz, de um artista famoso, que ele possui um banco
inesgotvel, no Brasil inteiro. Para sacar, basta que ele realize uma temporada em
teatros e cinemas do interior. A renda da bilheteria ser farta e prdiga. 320
Eram poucas as cidades que possuam grandes teatros, os auditrios das emissoras
do interior serviam de palco para essas apresentaes que, em geral, tambm eram
auditrio tinham uma importncia fundamental para a populao do interior que contava
com poucas formas de diverso, pois representava um excelente passatempo, pois que alia
Os programas de auditrio tambm serviam como uma fonte de renda extra para as
emissoras do interior:
319 Marlene. Coleo Depoimentos. Rio de Janeiro: Fundao Museu da Imagem e do Som, 1991. P. 2
320 Revista do Rdio. 18/11/1952. P. 40
321 Os auditrios no interior. In: PN: Publicidade e Negcios. 01/04/1950. P. 10
Todos sabem que a receita de uma estao do interior no se limita a publicidade
irradiada, como acontece com a maioria das emissoras do Rio e de So Paulo.
Alm da publicidade, pela escassez de diverses coletivas (cinema, boite, teatro), o
auditrio, sobretudo com cartazes de fora uma grande atrao, a entrada
paga, pela impossibilidade do patrocinador local cobrir todas as despesas com o
artista de renome, uma necessidade para a emissora.322
Mas no eram somente programas populares que eram irradiados com auditrio.
Paulo tambm realizavam programas com msicas orquestradas e debates intelectuais 323
Segundo Tinhoro,
..para o cavalheiro de classe mdia ou alta o rdio era apenas mais uma forma de
lazer; mas para o ouvinte pobre, representado pela oportunidade de comparecer
aos programas de auditrio, para ele constitua muitas vezes a nica oportunidade
prolongando-se um pouco pela dcada seguinte. Ainda em 1946, uma crnica de Anselmo
Numa manh de sol, vesti minha melhor roupa, abri meu melhor sorriso e saltei
para o primeiro bonde, ao lado de minha me. Iria viver uma das experincias
mais eletrizantes da minha vida. Como por encanto entrei no rdio, vi as vlvulas
por dentro, a mquina em marcha do Trem da Alegria. Um dos programas de
auditrio mais concorridos do Brasil, j nem cabia mais no salo de trezentos
lugares da Rdio Tupi. E ns tomamos o rumo do imenso Teatro Carlos Gomes.
(...)Eu mal conseguia respirar. Nem minha me. Samos os dois do auditrio, de
olhos arregalados, agarrados aos brindes gentilmente oferecidos pelos
empresrio Paulo Csar Ferreira, servem como um excelente contraponto crtica elitista
em casa. Csar de Alencar dizia claramente em seus programas que o que interessava a
todo o Brasil, seja esse, aquele ou outro patrocinador, o que interessa muita alegria.328
programas. Uma crnica do radialista Celestino Silveira diz reproduzir uma situao por ele
O lotao esvaziou. Cada qual seguiu seu destino ou no seguiu destino algum.
Saltamos tambm com a convico plena e rasa: Todos os cavalheiros cuja
ojeriza pelo rdio e sua gente, se traduzia nos ataques mais tenebrosos, escutavam
rdio. No perdem programa de auditrio, de conselhos, de novelas. Pelo menos
andam rigorosamente em dia com o rdio e chegam a ouvir, a dar crdito, a
tornou-se ainda mais comum criticar o baixo nvel dos programas de rdio, as reclamaes
diferenas entre eles. Com as mudanas nos estilos das programaes das emissoras de
rdio, ao longo das dcadas de 1960 e1 970, esses programas passaram a ser produzidos na
televiso.
uma parte diversificada que poderia ser com calouros, com humor, entre outros. Algumas
dessas atraes ficaram famosas. Uma delas foi o Programa Luiz Vassalo, na Rdio
Nacional, irradiado aos domingos das 10h s 21h com os quadros Campeonato Brasileiro
330 Mximo, Joo. : A Era do Rdio. In: Souza, Trik de et alli. Brasil Musical. Rio de Janeiro, Art Bureau,
1988. p. 185
331 Boletim da Rdio Nacional. 03 a 09/12/1944.
programa muito famoso e que foi irradiado por diversas emissoras tais como a Nacional, a
Tupi e Globo, foi o Programa Manoel Barcelos. Em 1947, A Noite Ilustrada, informava
promovidas pelos animadores era to acentuado, que mesmo sendo cobrados, os ingressos
reportagem sobre o Programa Csar de Alencar informava que logo s primeiras horas da
manh, do primeiro dia de venda dos ingressos j no h mais lugares. 333 Era comum
formarem-se filas de ouvintes, desde a madrugada, para conseguir comprar ingressos para
ficava numa fila que dava voltas pelo quarteiro at a hora de subir. 334
Marlene, uma das grandes estrelas do rdio, iniciou sua carreira radiofnica em 1948, no
programa Csar de Alencar. Marlene era uma cantora conhecida na noite carioca, era
uma emissora de rdio com um grande auditrio era uma experincia diferente.
disputa pelo ttulo de Rainha do Rdio criaram um novo fenmeno de popularidade, que
nas excurses e arrecadavam dinheiro para todo ano organizar festas e presentear o artista.
Caubi Peixoto. As disputas mais famosas da histria dos f-clubes ocorreram entre os
Costa e Manoel Barcelos. Era muito comum na poca que grupos profissionais se
radialistas foi a da realizao de concursos anuais de Rainha do Rdio, com votos vendidos
pelas concorrentes.
A campanha da Marlene foi patrocinada pela Cia Antrtica Paulista que pagou pelos
votos necessrios para a vitria de sua candidata. Marlene foi vitoriosa, com Ademilde
episdio. A rivalidade foi inicialmente alimentada pela Rdio Nacional onde Marlene era a
A imprensa tambm lucrava com a disputa. A Revista do Rdio criou a coluna O Dirio
de Emilinha, por exemplo, que no era escrito pela cantora. Segundo Borelli Filho, um dos
fundadores da revista, os ouvintes queriam ver as fotos dos artistas, os bastidores do rdio,
337 Marlene. Coleo Depoimentos. Rio de Janeiro: Fundao Museu da Imagem e do Som, 1991. P. 2
copiar os figurinos dos artistas.338 A disputa entre os f-clubes aumentava a venda de
revistas.
do cast da Tupi, tinha que ser eleita a Rainha do Rdio daquele ano.339 At a vspera da
destinar os votos para sua candidata. O resultado foi a vitria, com larga vantagem, de
freqncia do auditrio servia tanto para medir a popularidade de uma emissora quanto o
funcionamento da emissora e que tanto Csar de Alencar como Manoel Barcelos vinham
Ante esta situao que apelamos para os leitores a fim de que nos auxiliem na
campanha de moralizao dos auditrios, pois sabemos que nossos leitores so
todos pessoas bem educadas e que, com um pouco de boa vontade podero chamar
a ateno dos que no souberem se comportar. Incentivem seus artistas, mas no
338 Francisco Borelli Filho. Depoimento. Museu da Imagem e do Som RJ. 07/10/1984.
339 Morais, Fernando. Chat: o Rei do Brasil. So Paulo: Cia das Letras, 1994. P.507
vaiem os outros. Batam palmas s boas atuaes, mas no interrompam as
audies com gritos. 340
de ngela Maria, A Rainha Canta, irradiado pela Rdio Nacional e que tinha o seguinte
texto de abertura:
Sua Majestade ngela Maria, canta para os seus sditos de todo o Brasil.
Majestoso momento este em que a Soberana vai cantar. Empolgante essa hora em
que acariciando nossas almas, sua voz, que toda ternura, a Rainha canta para
todos os seus vassalos. Alegre instante em que em um gesto de pura democracia
sua Majestade dirige-se com simplicidade a todos os seus sditos. Angela Maria,
um reino governado por uma rainha que fazia a alegria do povo ao cantar de forma simples
astros. Os programas de auditrio tornavam os astros mais acessveis. Era o lugar onde o
ouvinte podia entregar um presente ao seu artista preferido e mesmo ganhar um abrao em
retribuio.
Nos anos de 1953 e 1954, a Revista do Rdio publicou uma srie de reportagens
denominada Galeria das Fan...ticas, onde uma f era entrevistada, o texto vinha
estrelato ao cidado comum, alimentando o mito da popularidade, pois a f tinha sua foto
e pblico. Uma f do cantor Francisco Carlos declarou que conhecia o Chiquinho desde que
ele entrou para o rdio, que desde os tempos da Rdio Tamoio vinha acompanhando os
progressos do cantor. 342 Uma f da cantora Dircinha Batista, que comeava a reportagem
elogiando a iniciativa da Revista, que permitia a expresso popular, narrou que o dia em
que ela abraou Dircinha foi um dos dias mais felizes da vida dela e que ela mantinha em
mos ainda a fotografia da cantora em forma de estrela com a qual todas ns, suas fs, a
saudamos quando de sua entrada no auditrio. 343 Uma f dos artistas da Rdio Tupi,
programa de emissora e que: - todos os dias pego meu lotao e antes de comear o
mais apaixonadas.
Creio que todos vocs j ouviram falar de mim: sou a Berenice Rosas, moro em
Nova Iguau, estou entre as mais assduas frequentadoras de auditrio, desde os
primeiros tempos da Rdio Tupi, como por exemplo a Sequncia G-3. Um
reprter outro dia me perguntou de quem eu sou f. Para dizer a verdade j nem
sou mais f, sou uma fantica do Paulo Gracindo. Quero-o como nenhuma outra
mulher j o quis, disso tenho certeza. Acho-o inteligente, talentoso e bonito,
com entusiasmo.345
Eu me chamo Ivone Lima da Silva, e com muita honra quero dizer que sou vice-
presidente do Clube dos Fs de ngela Maria. (...) Por ela j discuti muitas vezes,
e se for preciso algum dia, brigarei at.346
Eu me chamo Dirce Gomes. Foi num espetculo de caridade que conheci a minha
querida Marlene. Achei-a formidvel. Meiga, bondosa e com muita personalidade,
logo me tornei sua f ardente. Por ela fao qualquer sacrifcio, brigo at. Alis,
falando em brigas, certa vez amarrotei a cara de uma fulana l na porta da
Nacional por causa dela. Garanto que aquela no tem coragem de falar de mais
ningum.347
outro veculo de comunicao. Ir ao auditrio das emissoras de rdio era uma das
atividades que preenchiam o dia-a-dia de algumas pessoas. Mesmo aqueles que no eram
fanticos tinham seus artistas preferidos, torciam por eles confeccionando faixas,
cantor annimo tentar a sorte no rdio. A primeira apresentao da cantora Emilinha Borba
no rdio, ainda muito jovem, foi no programa de calouros de Lamartine Babo, onde ganhou
o prmio mximo.349 Muitos programas de calouros tiveram vida longa no rdio como o
Calouros em Desfile do Ari Barroso, que estreou em 1935, na Rdio Cruzeiro do Sul, e em
calouros poderia realmente ser a chave da porta de entrada para o estrelato radiofnico. Em
setecentos candidatos passaram pelas trs provas, que entre outras coisas avaliou ritmo,
dois cantores e duas cantores tinham como prmio a assinatura de um contrato com a
Rdio Nacional e com uma gravadora. E alm disso, os dois primeiros colocados um
348 Goldfeder, Mirian. Por trs das ondas da Rdio Nacional. Rio de Janeiro: Paz e Terra., 1980. P. 144.
349 Emilinha Borba. Depoimento. Museu da Imagem e do Som RJ. 1996.
homem e uma moa receberiam um prmio de 10 mil cruzeiros oferecido pelos
Ilustrada, levanta uma interessante hiptese sobre a origem desse interesse crescente:
teste. O pblico presente no programa tambm ajudava a julgar os calouros. Como o autor
do artigo afirmou, o programa de calouros era uma atrao que tinha como principal
candidatos para participar desses era imensa. O grande sonho de todo participante era o de
ganhar um prmio e talvez um contrato com uma emissora de rdio. O pblico ouvinte (do
sucesso ou pelo fracasso desse novo artista que surgia. Os programas de calouros
Dirio de Notcias, por exemplo, ao criticar o programa A Hora do Pato, afirmava que: -
tinham a mulher como pblico alvo e se tornaram altamente populares. No texto ficcional
radiofnico, as questes ligadas ao cotidiano eram reforadas pelo fato deste ser um
produto consumo imediato, de no pretender ter significao universal e sim manter fortes
laos com seu prprio tempo, com o momento mesmo de sua criao ou adaptao. O
ouvidas e no lidas. A circulao dos programas era de grande alcance pois grande parte
dos textos eram reencenados, por diversas emissoras, em diferentes regies do pas. Em
1947, a novela de aventuras Arsne Lupin estava sendo irradiada pelas rdios Nacional do
atitudes tomadas pelos personagens, criando com estes laos de admirao ou rancor.
354 Gay ,Peter. A paixo terna. So Paulo: Cia das Letras, 1990. p.124.
355 A Noite Ilustrada. 28/01/1947. P. 28-29.
aes de determinados personagens. Havia ainda casos de associao entre a personalidade
do ator e a do personagem por ele representado. Existe um caso muito comentado que
ocorreu com o ator e diretor Floriano Faissal. Na novela Em Busca da Felicidade, ele
idosa, nos estdios e pediu ao ator que lhe receitasse um remdio para o fgado. Ele tentou
explicar que no era mdico. Mas diante da resistncia da senhora em ir embora sem o
Em junho de 1941, foi ao ar, pela Rdio Nacional do Rio de Janeiro, a primeira
novela cubana de Leandro Blanco. Segundo Renato Ortiz 358, a origem das radionovelas
encontra-se na adaptao das soap-operas, surgidas nos Estados Unidos na dcada de 1930.
depois adaptadas aos interesses folhetinescos das mulheres latino-americanas. Cuba foi o
pas pioneiro nas experincias do novo gnero - a primeira radionovela cubana de 1931,
seguida pela Argentina em 1935. O crtico cubano Reynaldo Gonzlez afirma que a crise
econmica de 1929 contribuiu para o xodo de muitos dos artistas do teatro para o rdio,
356 Floriano Faissal. Depoimento. Museu da Imagem e do Som RJ. setembro/76. O caso tambm foi
comentado por Mrio Lago em seu livro Bagao de beira-estrada.
357 Gilberto Martins foi responsvel por vrias adaptaes dos textos cubanos para o rdio brasileiro. O
excesso de dramaticidade impresso nos originais no agradavam muito os ouvintes brasileiros.
358 Ortiz, Renato. A moderna tradio brasileira: cultura brasileira e indstria cultural. So Paulo:
Brasiliense, 1991. p.44 e 45.
359 Gonzlez, Reynaldo. "Prehistoria de la radionovela". In: Revolucin y Cultura. n 2, fevereiro 86, Ano
XXX. p.68-9.
Em busca da Felicidade foi uma novela empolgante, que foi durante dois anos
consecutivos um big hit neste pas. Eu poderia contar para vocs, durante horas,
coisas importantes que aconteceram por causa dessa novela no esprito do pblico,
porque a persuaso tremenda, aquela persuaso exercida pelo rdio fabulosa.
De forma que a novela era uma coisa inusitada, ningum sentia ou ouvia. De
repente passou a ouvir a cena dentro da sua prpria casa. Imagine voc o que fez a
radiodifuso por a, por esse pas inteiro. Um pas, por exemplo, dividido em faixas
econmicas tremendamente diferenciadas, Por exemplo: uma misria terrvel ao
lado de uma riqueza espantosa em So Paulo e no Rio de Janeiro. Aquele povo da
misria totalmente distanciado da comunicao que era o cinema, de repente
passou a ouvir o teatro dentro da sua prpria casa, ouvia aquela mensagem como
se fosse uma mensagem para ele. Aquele teatro era feito para aquele homem
simples. Era a famlia que se reunia ansiosamente a volta do rdio para ouvir as
nossas representaes.360
audincia to grande que em seus ltimos captulos o comrcio fechava mais cedo, os jogos
de futebol tinham o horrio adiado e os cinemas comeavam suas sees mais tarde, aps a
decadente. O sucesso da novela no Brasil foi imenso, como no restante da Amrica Latina,
mesmo tendo 314 captulos e ficando quase trs anos sendo irradiada. No Brasil, as
irradiaes em toda a Amrica) resolveu imprimir uma sntese dos mesmos, para atender a
dias, chegaram Rdio Nacional, nada menos de 97.000 cartas, de todo o Brasil. 362
Em abril de 1952, com a novela ainda sendo irradiada, A Noite Ilustrada, publicou
crianas eram batizadas com os nomes dos personagens principais: Alberto Limonta,
Maria Helena e Isabel Cristina. Mame Dolores virava nome de praa, de creche e tema de
novela! 363
362 2 milhes de cruzeiros pelo Direito de Nascer. In: Revista do Rdio. 13/11/1951.
363 A Noite Ilustrada. 15/04/1952. Pp. 8-11.
O envolvimento emocional dos ouvintes com os personagens das radionovelas em
cartaz tem sua verso contempornea nas telenovelas, onde os atores ainda costumam ser
abordados na rua de forma bastante inusitada, por conta dos viles ou mocinhos que
Sem fugir linha de seu estilo, procurando imprimir a cada produo um sentido
de realidade, mesmo quando se embrenha pelo terreno da fantasia, Saint-Clair
Lopes vem colhendo os mesmo sucessos, graas aos temas abordados, misturando
a dura realidade da vida aos vos romnticos da fantasia, de tanto agrado do
grande pblico radiofnico. 365
preferncia dos ouvintes. O gnero mais apreciado era o drama, no era comum a irradiao
de novela cmicas. Em 1952, a Revista do Rdio realizou uma pesquisa entre os escritores
teatro o ouvinte preferia o drama ou a comdia. Oduvaldo Viana, escritor das Emissoras
Acho que o ouvinte da classe menos favorecida, ou seja, o grande povo, prefere o
drama, porque nele encontra, com maior facilidade, alguma semelhana com a
Apesar dos constastes protestos dos intelectuais contra os dramalhes que iam ao ar
Walter Forster eram os dramas que mais se aproximavam das situaes reais, que
ficcional radiofnica foi dando certo e o rdio seguiu formando um grupo de novelistas
que se tornaram famosos como Oduvaldo Viana, Ivani Ribeiro, Dias Gomes e Janete Clair.
radiofnicas:
ouvisse bem.368
Alm das novelas existiram alguns seriados que ficaram famosos como: O Anjo,
reportagem afirmava que O Sombra era um heri de grande influncia na vida das pessoas,
at substituindo o homem-do-saco nos castigos que as mes aplicavam nos filhos: se vocs
no me obedecem chamo O Sombra e ele pega todo mundo. O programa era irradiado pela
Porm o mais curioso da reportagem era a descrio do que ocorria nas audies do
processo de produo das novelas foi sendo aprimorado dentro das emissoras de rdio,
porm sempre procurando atender ao gosto da maioria dos ouvintes. As novelas lanavam
modas, criavam expresses, que iam sendo substitudas a cada novo sucesso.
Havia uma enorme variedade de programas que juntos interferiam nos diversos
e Walter Foster, eram imaginariamente atenuadas pelos finais felizes, com o bem
O rdio surgiu num Brasil que era rural, com poucos centros urbanos, num pas que
pas de grandes dimenses geogrficas. O rdio levava o sonho da modernidade para cada
lugarejo onde as ondas hertzianas passavam a ser recebidas. O projeto do veculo ideal de
educao do povo dos pioneiros de 1923 foi sendo substitudo pelo crescimento de um
rdio comercial cada vez mais poderoso. O rdio foi o canal de comunicao atravs do
qual uma parte significativa da populao brasileira tomou contato pela primeira vez com
Essa tese pretendeu ser uma contribuio no para a histria das emissoras de rdio
no Brasil, mas para a histria das mudanas nos hbitos de um povo, influenciado pela
comportamento da sociedade brasileira. Para realizar tal tarefa parte do trabalho foi
pessoas passaram a partilhar as mesmas fontes de informao. Junto com o cinema, o rdio
foi a base de formao de uma indstria cultural no Brasil. O rdio contribuiu para que as
ouvintes informao, o rdio despertava a curiosidade pela leitura do jornal no dia seguinte,
pela compra da revista com reportagens mais detalhadas. Para a diverso havia os
programas de teatro cego e de humor, que tornavam os artistas conhecidos por todo o
pas e os ouvintes vidos por oportunidades de conhec-los, ainda que fosse atravs das
telas do cinema. Ao mesmo tempo que esse sujeito um consumidor dos produtos do
media rdio as informaes por ele recebidas e que interagem com cada um dos indivduos
de forma particular forma uma esfera de opinio pblica. Os indivduos tero elementos
emissora ou de desligar o rdio. A programao das emissoras de rdio sempre foi feita a
diretamente ligada ao poder de Estado, e que esses canais pertencem aos grupos que de
dcada de 1950, foram substitudas, na prtica, pelas necessidades impostas pela lgica do
Um produto cultural para ter boa aceitao deve possuir e produzir elementos de
ligao com a bagagem cultural trazida pelo ouvinte. Hbitos e prticas cotidianas que hoje
so tidos como comuns, foram introduzidos e consolidados atravs do rdio. Por exemplo,
existe hoje uma necessidade de mantermo-nos informados sobre o que ocorre no pas e no
restante do mundo. Essa necessidade sanada pelo conjunto dos meios de comunicao
eletrnicos. Mesmo um indivduo que leitor assduo dos jornais impressos, costuma
vezes por dia, mantendo os indivduos plenamente atualizados com o que ocorria do outro
Reprter Esso era o padro. Era o noticirio que criava um sentimento de pertencimento
nacional, na medida que o que ele noticiava sofria poucas diferenciaes no conjunto das
emissoras brasileiras nas quais ele era irradiado. Era o padro Esso que estabelecia o que
deveria ser notcia nacional e internacional de destaque. Por outro lado havia as emissoras
com uma produo mais local. Havia tanto as emissoras como a Rdio Jornal do Brasil e a
MEC que faziam noticirios mais intelectualizados, como as emissoras que traziam o
pblico para os seus microfones com os problemas de reclamaes e queixas. Todas elas
utilizando-o como um canal de resoluo dos seus problemas cotidianos, a cada queixa
irradiada poderiam somar-se outras. Os ouvintes creditavam mais confiabilidade aos meios
que s autoridades.
tambm estava baseada nas prticas de consumo. Ele estava sempre anunciando os
saber que Melhoral melhor e no faz mal. O trabalho feminino ficou mais fcil com a
O rdio foi um dos principais elementos introdutores de uma cultura de massa que,
diferente do que se pensava nos primeiros tempos dos estudos sobre comunicao, no agiu
de forma homogeneizadora, eliminando as diferenas. O que essa cultura de massa fez foi
interagiam as tradies trazidas pelos receptores. Isso tambm no significa dizer que a
no Brasil, devem ter no rdio um dos marcos iniciais desse processo. O rdio brasileiro at
a dcada de 1960 foi um meio atravs do qual vrias manifestaes artsticas se fizeram
integrantes da vida privada, ora fazendo companhia s donas-de-casa nas montonas tarefas
do dia-a-dia, ora sendo uma forma de lazer disponvel e barata ao alcance das classes
trabalhadoras. O rdio que trazia as notcias, os acontecimentos para dentro das casas era o
mesmo que permitia a fuga da dura realidade cotidiana. Esta tese pretendeu ser uma
de massa na vida cotidiana, ficando aqui mais do que uma concluso, um incentivo, ou um
desafio, para que outros pesquisadores tambm venham navegar nas ondas do rdio.
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Saint-Clair Lopes 13/09/1979
Vicente Leporace 20/01/1978
Walter Silva 20/12/1983
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Depoente Data
Aurlio de Andrade 20/08/1995
Gerdal dos Santos 14/08/1997
Haroldo de Andrade 25/01/2001
Hlio do Soveral 04/10/1997
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