Atualidade de Carl Schmitt Alain de Benoist PDF
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© Antagonista, Sociedade Editora, 2009
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Alain de Benoist
«GUERRA JUSTA», TERRORISMO,
ESTADO DE URGÊNCIA E «NOMOS DA TERRA»
A Actualidade de Carl Schmitt
antagonista
Para Jerónimo Molina Cano
Índex
Introdução - 6
Do «Caso de Urgência»
ao Estado de Excepção Permanente - 108
6
INTRODUÇÃO
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«GUERRA JUSTA», TERRORISMO,ESTADO DE URGÊNCIA E «NOMOS DA TERRA»
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INTRODUÇÃO
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«GUERRA JUSTA», TERRORISMO,ESTADO DE URGÊNCIA E «NOMOS DA TERRA»
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INTRODUÇÃO
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«GUERRA JUSTA», TERRORISMO,ESTADO DE URGÊNCIA E «NOMOS DA TERRA»
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INTRODUÇÃO
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1
Cf. especialmente Shadia B. Drudy, Leo Strauss and the American
Right, St. Martin’s Press, Nova Iorque 1997 (2ª ed.: MacMillan,
Nova Iorque 1999). Da mesma autora: Political Ideas of Leo Strauss,
MacMillan, Londres, 1988; «Leo Strauss e i neoconservatori», in
Itride, Bolonha, XVII, 42, Maio-Agosto 2004, pp. 291-301; «La
sponda americana: un modello politico? Sterminare il nemico. Leo
Strauss e Carl Schmitt», in Il Ponte, 2005, 2-3, S. 103-117. O melhor
estudo sobre a influência de Strauss nos Estados Unidos continua
a ser contudo o de Kenneth L. Deutsch e John A. Murley (ed.),
Leo Strauss, the Straussians, and the American Regime, Rowman &
Littlefield, 1999. A tese de uma influência de Leo Strauss sobre
os neoconservadores foi igualmente retomada recentemente, de
maneira mais sumária, quando não simplista, por Anne Norton,
Leo Strauss and the Politics of American Empire, Yale University
Press, New Haven 2004 (trad. Fr.: Leo Strauss et la politique de
l’empire américain, Denoël, Paris 2006). Cf. também Benjamin
Barber, «Among the Straussians», in New York Review of Books,
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INTRODUÇÃO
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Dieu bénisse l’Amérique. La religion de la Maison-Blanche, Seuil,
Paris 2004, p. 206.
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Daedalus, Verão de 2004.
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Sébastien Fath, escreve não sem razão, que «o presidente Bush
Jr. não leu provavelmente uma única linha de Strauss» (op. cit.,
p. 219). Podemos, sem corrermos um grande risco de nos en-
ganarmos, pensar que não leu jamais uma única linha de Carl
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Schmitt. Peter Sirk realça por seu lado que seria evidentemente
erróneo presumir «que quem quer que seja que empregue argu-
mentos análogos aos de Schmitt o faça porque foi directamente
influenciado por Schmitt, ou até mesmo indirectamente influen-
ciado por vias complexas, subterrâneas ou conspirativas» (Carl
Schmitt, Crown jurist of the Third Reich. On Preemptive War, Military
Occupation, and World Empire, Edwin Mellen Press, Lewiston
2005, p. 35). Chantal Mouffe chega a conclusões idênticas (On the
Political, Routledge, Abingdon 2005, pp. 77-80). Cf. também Linda
S. Bishai e Andreas Behnke, War, Violence, and the Displacement
of Political, Townson University, Townson [Maryland] 2005; James
O’Connor, Exceptions, Dinstinctions, and Processes of Identification:
The «Concrete Thought» of Carl Schmitt and US Neoconservatism as
Seen through Readings of Kenneth Burke and Jacques Derrida, tese de
mestrado, Universidade de Helsinquia, Helsinquia 2006.
15
Lembramos que foi apenas numa data relativamente recente
que as principais obras de Carl Schmitt foram traduzidas para
língua inglesa. Citamos, por ordem de publicação: The Concept
of the Political, Rutgers University Press, New Brunswick 1976
(2e ed.: University of Chicago Press, Chicago 1996); Political
Theology. Four Chapters on the Concept of Sovereignty, MIT
Press, Cambridge 1985 (2e ed.: University of Chicago Press,
Chicago 2005); The Crisis of Parliamentary Democracy, MIT Press,
Cambridge 1985; Political Romanticism, MIT Press, Cambridge
1986; «The Plight of European Jurisprudence», in Telos, Nova
Iorque, 83, Primavera de 1990, pp. 35-70; The Leviathan in the
State of Thomas Hobbes. Meaning and Failure of a Political Symbol,
Greenwood Press, Westport 1996; Roman Catholicism and Political
Form, Greenwood Press, Westport 1996; The Tyranny of Values,
Plutarch Press, Washington 1996; Land and See, Plutarch Press,
Washington 1997; State, Movement, People. The Triadic Structure of
the Political Unity, Plutarch Press, Corvallis 2001; The «Nomos» of
the Earth in the International Law of the «Jus Publicum Europaeum»,
Telos Press, Nova Iorque 2003 : Legality and Legitimacy, Duke
University Press, Durham 2004; On the Three Types of Juristic
Thought, Praeger Publ., Westport 2004; «Theory of the Partisan.
Intermediate Commentary on the Concept of the Political», in
Telos, Nova Iorque, 127, Primavera de 2004, pp. 11-78 (outra trad.:
«The Theory of the Partisan. A Commentary/Remark on the
Concept of the Political», in The New Centennial Review, East Lan
sing [Michigan], IV, 2004, 3); War/Non-war? A Dilemma, Plutarch
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INTRODUÇÃO
1995). Para além do texto de Leo Strauss, a obra contém três cartas
tendo como destinatário Carl Schmitt em 1932-33. Em França, para
além da versão constante no livro de Heinrich Meier, o texto de
Strauss foi igualmente traduzido por Jean-Louis Schlegel em ane-
xo ao livro de Carl Schmitt, Parlementarisme et démocratie (Seuil,
Paris 1988, pp. 187-214).
24
La notion de politique, op. cit., pp. 183 et 186.
25
Der Leviathan in der Staatslehre des Thomas Hobbes. Sinn und
Fehlschlag eines politischen Symbols, Hanseatische Verlagsanstalt,
Hamburgo 1938 (última edição: Hohenheim, Köln-Lövenich 1982, cf.
pp. 20-21; trad. fr.: Le Léviathan dans la doctrine de l’État de Thomas
Hobbes. Sens et échec d’un symbole politique, Seuil, Paris 2002).
26
Sobre as relações entre Schmitt e Strauss, cf. Paul Gottfried,
«Schmitt and Strauss», in Telos, Nova Iorque, 96, Verão de
1993, pp. 167-176; John P. McCormick, «Fear, Technology, and
the State. Carl Schmitt, Leo Strauss and the Revival of Hobbes
in Weimar and National Socialist Germany», in Political Theory,
XXII, 1994, 2, pp. 619-652; Robert Howse, «From Legitimacy
to Dictatorship – and Back Again. Leo Strauss’s Critique of the
Anti-Liberalism of Carl Schmitt», in David Dyzenhaus (ed.), Carl
Schmitt’s Challenge to Liberalism, n° especial do The Canadian
Journal of Law and Jurisprudence, Londres [Ontário], X, 1, Janeiro
de 1997, pp. 77104, texto reeditado in David Dyzenhaus (ed.), Law
as Politics. Carl Schmitt’s Critique of Liberalism, Duke University
Press, Durham 1998, pp. 56-90; e «The Use and Abuse of Leo
Strauss in the Schmitt Revival on the German Right – The Case
of Heinrich Meier» (texto inédito); Eduardo Hernando Nieto,
«¿Teología política o filosofía política? La amistosa conver
sación entre Carl Schmitt y Leo Strauss», in Jorge E. Dotti y Julio
Pinto (ed.), Carl Schmitt. Su época y su pensamiento, Eudeba,
Buenos Aires 2002, pp. 189-209; Claudia Hilb, «Más allá del
liberalismo. Notas sobre las “Anmerkungen” de Leo Strauss al
“Concepto de lo político” de Carl Schmitt», ibid., pp. 211-227;
Miguel E. Vatter, «Strauss and Schmitt as Readers of Hobbes
and Spinoza. On the Relation between Political Theology and
Liberalism», in CR: The New Centennial Review, East Lansing, IV,
3, Inverno de 2004, pp. 161-214; Carlo Altini, La storia della filosofia
come filosofia politica. Carl Schmitt et Leo Strauss lettori di Thomas
Hobbes, ETS, Pisa 2004; D. Janssens, «A Change of Orientation:
Leo Strauss’s “Comments” on Carl Schmitt Revisited», in
Interpretation, XXXIII, 2005, 1, pp. 93-104; Reinhard Mehring,
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Da «Guerra Regular»
ao Retorno da «Guerra Justa»
«Os homens de Estado deveriam ter, antes mais, a capa-
cidade de distinguir os amigos dos inimigos», escreveu
Irving Kristol um dos principais neoconservadores america-
nos, no jornal do seu filho William, The Weekly Standard1.
Carl Schmitt não teria evidentemente desautorizado este
propósito, tanto no seu aspecto descritivo como no seu as-
pecto normativo. A própria essência do político é originá-
ria com efeito, segundo ele, não tanto do factor inimizade
quanto da possibilidade de uma distinção ou de uma dis-
criminação entre o amigo (público) e o inimigo (público),
não da luta, mas da possibilidade de uma luta. A política,
noutros termos, implica a conflitualidade: uma visão es-
tritamente pacificada da vida social é uma visão impolíti-
ca. Desde logo, a incerteza sobre a identidade do inimigo
constitui em política um dos maiores perigos que existem.
Schmitt não adopta contudo a célebre fórmula de
Clausewitz, segundo a qual a guerra não é senão a prosse-
cução da política por outros meios. Sublinha pelo contrário
que esta definição «não esgota a significação da guerra para
quem procura determinar a natureza da política»2. A guerra
é, tal como o Estado de excepção, do qual falaremos em se-
guida, um conceito limite (Grenzbegriff). Prolonga incontes-
tavelmente o político, uma vez que este implica a inimizade,
mas não se reconduz a ele, uma vez que tem a sua própria
essência. Schmitt lembra com efeito que, se a guerra tem a
sua óptica e as suas regras próprias, estas «supõem contudo
que a decisão política, aquela que designa o inimigo, é um
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resulta que todas as cruzadas são, ipso facto, guerras justas, va-
lendo os mandatos pontificais como títulos para a conquista
territorial das terras pertencentes a povos não-cristãos. A ini-
mizade sem limites é assim arremessada para fora do mundo
europeu. A teoria da guerra justa introduz pois uma concep-
ção discriminatória da guerra: se há guerras justas, há tam-
bém guerras injustas. Mas divide também a humanidade em
duas: contra os «infiéis» e os «bárbaros», tudo é permitido.
Carl Schmitt, no seu ensaio de 1938 sobre «a vira-
gem em direcção ao conceito discriminatório de guerra»11,
situa o começo da desagregação do antigo direito das gen-
tes por volta de 1890. Este processo concluir-se-á durante
a Primeira Guerra Mundial, que começa sob formas ainda
tradicionais, mas que desemboca a partir de 1917 numa
guerra de novo tipo. A era da guerra justa moderna inicia-
se com a assinatura do Tratado de Versalhes e pela vontade
das potências aliadas em levar perante a justiça o imperador
Guilherme II, sob a acusação principal de «ultraje supremo
à moral internacional e à santidade dos tratados», pelo facto
de ter começado a guerra. Foi assim abandonado um dos
princípios fundadores do jus publicum europaeum, segundo
o qual não existiria sobre a terra potência alguma que tives-
se o direito de julgar o soberano (Hobbes: Non est potestas
super terram quoe comparetur ei). Doravante, aquele que de-
clara uma guerra pode ser encarado como um culpado, que
é necessário julgar e sancionar, como um criminoso. As con-
sequências revelar-se-ão devastadoras. «Schmitt considera,
escreve Norbert Campagna, (…), que as guerras deixaram de
ser, aparentemente, lutas entre adversários que se reconhe-
cem os mesmos direitos e o mesmo estatuto, tendendo cada
vez mais a tornar-se acções policiais, opondo os polícias da
ordem internacional ao Estado julgado agressor. A guerra
torna-se assim uma espécie de luta entre as forças do bem e
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res, cujo salário pode chegar aos 1.000 dólares por dia, não
estão submetidos a quaisquer regras, convenção ou restrição
das suas acções. O seu estatuto é eminentemente paradoxal
uma vez que, embora legalmente engajados pelos Estados
Unidos, eles são tidos pelo direito internacional como com-
batentes ilegais28. «As companhias militares privadas, cujos
serviços são pagos pelo Pentágono, a um custo por vezes
excessivamente elevado, escreve Sami Makki, tornaram-se
essenciais a uma nova estratégia intervencionista que assen-
ta sobre a capacidade de projecção rápida das forças sobre
todos os pontos do planeta»29. O «mercado» do mercenário
é hoje em dia estimado em 100 milhões de dólares por ano30.
Paralelamente, mas em sentido inverso, constata-se uma mi-
litarização do humanitário, uma vez que a ajuda ao desen-
volvimento e a ajuda humanitária se tornaram, por si só, em
instrumentos auxiliares da luta contra as ameaças assimé-
tricas, e simultaneamente em multiplicadores de influência
sobre o panorama internacional.
O apagamento das fronteiras entre as categorias
clássicas da beligerância culmina finalmente numa amálga-
ma confusa das próprias noções de guerra e de paz. Com
efeito, quando o inimigo é erigido em figura do Mal, deixa
de ser possível fazer a paz com ele, uma vez que fazer a paz
levaria a negociar, a transigir com o Mal. No antigo direito
das gentes a derrota era considerada como uma «punição»
suficiente. Agora, é necessário acusar perante os tribunais
aqueles que se estigmatiza como «responsáveis» pela guer-
ra. A prossecução indefinida da guerra, inclusive em tempos
de paz, torna-se então num imperativo moral. Carl Schmitt
tinha acertadamente visto que o tratado de Versalhes e o
pacto Briand-Kellog criavam um estado intermédio entre a
guerra e a paz, no qual a paz se tornava uma espécie de pros-
secução da guerra por outros meios31. Desde então esta si-
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efeito»45.
Como vimos, os Estados Unidos não hesitam em
designar o inimigo, o que parece incontestavelmente muito
schmittiano. Fazem-no mesmo com uma resolução e com
uma energia que contrastam com a moleza e a indecisão de
que fazem, tão frequentemente, prova os Europeus. Mas esta
designação do inimigo não corresponde de forma alguma
aos critérios enunciados por Carl Schmitt. Não somente não
representa para eles o gesto político por excelência, um gesto
que, como tal, não poderia corresponder a outros critérios
de apreciação que não políticos, mas toma uma dimensão
imediatamente maniqueísta e moral. O inimigo da América
não é um adversário de circunstância, que poderia ocasional-
mente transformar-se em aliado. Confunde-se com o mal.
No seu discurso de 3 de Agosto de 1983, Ronald
Reagan tinha já designado a URSS e os países do bloco de
Leste como o «império do mal» (evil empire). A partir daí,
o sistema soviético cedeu o lugar ao «terrorismo mundial»
e aos «Estados párias» (rogue States), segundo a expressão
cunhada em 1994 por Madeleine Albright, mas o inimigo
continua a ser denunciado nos mesmos termos. Em conse-
quência dos atentados do 11 de Setembro, George W. Bush
optou, de imediato, por apresentar a guerra contra o terro-
rismo como uma «luta entre o Bem e o Mal» («O Bem e o
Mal raramente se manifestaram de forma tão clara»). Pediu
ao resto do mundo para se solidarizar com a sua «cruzada»
(«Juntem-se à nossa cruzada ou então encarem a perspectiva
certa da morte e da destruição»). Evocando os atentados de
Nova Iorque e de Washington, declarou: «Hoje, a nossa na-
ção viu o Diabo». A 29 de Janeiro de 2002, o presidente ame-
ricano empregaria também a expressão, forjada por David
Frum, de «eixo do mal» (axis of evil), que será vastamente
reutilizada daí em diante. Nesta visão, o mundo partilha-se
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nhecido como ilegal desde sempre por aquilo que seria uma
das características da “guerra justa”»62. Tal é contudo im-
possível, uma vez que a definição clássica da «guerra justa»,
em Grotius por exemplo, exclui formalmente o atacar em
primeiro e a guerra preventiva, desencadeada pelo medo ou
suposição de um ataque63. Para os antigos teóricos da guerra
justa, a guerra é em simultâneo sempre um mal (inevitável)
e um meio (legítimo) de remediar ao mal. A despeito do seu
pano de fundo «moral», a guerra justa, como já vimos aci-
ma, continua a obedecer a certos princípios e a responder
a certas condições. Nem tudo é pois aí permitido: a própria
existência do jus in bello contradiz o adágio Inter arma silent
leges («sob as armas, calam-se as leis»), a legítima defesa é,
ela própria, definida num sentido muito estrito.
A noção de guerra justa remete por outro lado para
a questão de saber estabelecer quem pode declarar que uma
guerra é justa ou não o é. Quem decide da conformidade à
«justiça» na circunstância? Na Idade Média, a decisão cabia
geralmente a um terceiro tido como imparcial. Mas George
W. Bush repele de chofre a ideia de um terceiro (que pode-
riam ser as Nações Unidas), tal como repele por inteiro a
ideia de neutralidade. A partir do momento em que a tarefa
de qualificar a guerra deixa de ser imputada a um terceiro, só
a potência dominante é susceptível de validar, como sendo
ou não justificada, a ideia de um empreendimento militar,
em qualquer dos casos a «guerra justa» não é mais do que
aquela levada a cabo pelo mais forte.
Se a doutrina da guerra justa está de volta, hoje
em dia, apoiada na ideologia dos direitos do homem,
quer isto dizer na versão moderna do direito natural sub-
jectivo, é pois de uma maneira «selvagem», sem levar em
conta o que fazia, na Idade Média, dizer de uma guerra
que ela era «justa» ou «injusta». É suficiente doravante,
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para que uma guerra seja declarada justa (por aqueles que
a fazem), que esta seja conduzida em nome dos grandes
princípios da liberdade, da humanidade ou da democra-
cia, apenas com o inconveniente destes princípios serem
constantemente escarnecidos no decurso das hostilidades.
As outras condições perdem-se de vista. Mais do que às
guerras medievais, este tipo de guerra, com um forte fun-
damento ideológico e moral, reconduz-nos antes às guer-
ras de extermínio cuja descrição encontramos na Bíblia.
A retórica do «eixo do Mal» oposto às forças do Bem recon-
duz-nos, desse ponto de vista, à teologia política mais primi-
tiva. Como o escreveu Danilo Zolo, «a nova guerra é “global”
num sentido que se pode dizer monoteísta, pela referência
constante aos valores universais por parte das potências (oci-
dentais) que a promovem: a guerra já não é mais justificada
em nome de interesses ou de objectivos particulares, mas de
um ponto de vista superior e imparcial, por valores que se
supõe serem partilhados por toda a humanidade. O “polite-
ísmo” weberiano das morais e das crenças religiosas é siste-
maticamente negado pelos teóricos da guerra global. Uma
visão monoteísta do mundo opõe-se, em particular aquela,
bíblica e ardentemente cristã, do actual grupo dirigente dos
Estados Unidos, composto por metodistas, presbíterianos,
episcopalianos e luteranos, ao pluralismo dos valores e à
complexidade do mundo»64.
Este procedimento permite aos Estados Unidos
apresentar a sua soberania como inviolável considerando-se
eles próprios, não obstante, como autorizados a intervir à
sua vontade no resto do mundo, e isto correndo o risco de
serem olhados como o factor principal da brutalização cres-
cente das relações internacionais. «O Estado de excepção
internacional, escreve ainda Francesco Ragazzi, estaria pois
nesta lógica, contido na estratégia americana de suspender
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em formações paramilitares.
30 Cf. Peter Singer, Corporate Warriors. The Rise
of the Privatized Military Industry, Cornell University
Press, Ithaca 2003; Philippe Chapleau, Sociétés mili-
taires privées. Enquête sur les soldats sans armées, Rocher,
Paris 2005; Jean-Jacques Roche (ed.), Insécurités pu-
bliques, sécurité privée? Essais sur les nouveaux merce-
naires, Economica, Paris 2005; Olivier Hubac (ed.),
Mercenaires et polices privées. La privatisation de la vio-
lence armée, Universalis, Paris 2006; Xavier Renou, La
privatisation de la violence. Mercenaires et sociétés privées
au service du marché, Agone, Marselha 2006. Sobre a
privatização da espionagem, cf. Jean-Jacques Cécile,
Espionnage business. Guerre économique et renseigne-
ment, Ellipses, Paris 2005.
31 «Aí onde já não é possível, escreve Carl
Schmitt, discernir o que é guerra e o que é paz, torna-
se ainda mais difícil de dizer o que é a neutralidade»
(La notion de politique, op. cit., p. 172). Cf. sobre este
assunto Aurélie de Andrade, «A distinção de tempo
de paz/tempo de guerra em direito penal militar: al-
guns elementos de compreensão», in Les Champs de
Mars, Paris, 2º sem. 2001, pp. 155-169, que sublinha a
maneira pela qual a emergência e o desenvolvimento
de um direito penal internacional ainda acentuaram
mais essa tendência. «Impõe-se constatar, escreve, a
ausência da distinção tempo de paz/tempo de guerra
em direito penal internacional. Quer seja nos estatu-
tos e regulamentos de ambos os tribunais penais inter-
nacionais, Haia e Arusha, quer no do Tribunal Penal
Internacional, não há nenhum traço dessa distinção»
(p. 189). A adaptação do direito penal e do direito mi-
litar francês ao estatuto destas novas instâncias judi-
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prova que se não está seguro de si. A América e a sua
hiper-potência é com efeito impotente relativamente à
novidade do acontecimento estratégico (…) é uma si-
tuação histérica» («L’état d’urgence permanent», in Le
Nouvel Observateur, Paris, 26 de Fevereiro de 2004, p.
96). Cf. também Armand Clesse, «America’s Classical
Security Dilemma. Search for a New World Order», in
World Affairs, Abril-Junho 2004, pp. 14-20; Frederik
Rosén, «Towards a Theory of Institutionalized Judicial
Exceptionalism», in Journal of Scandinavian Studies in
Criminology and Crime Prevention, VI, 2, Dezembro de
2005, pp. 147-163.
67 Cf. Carlo Galli, La guerra globale, op. cit.
66
Do Guerrilheiro ao Terrorista «Global»
No final dos anos 1990, Arbatov, conselheiro de Gorbatchev,
disse aos americanos: «Vamos infligir-vos o pior dos golpes:
vamos privar-vos de inimigo». Palavra significativa. O desa-
parecimento do «império do mal» soviético arriscava-se com
efeito a suprimir toda a legitimação ideológica da hegemo-
nia americana sobre os seus aliados. Era necessário, desde
logo, aos americanos encontrar um inimigo de substituição,
cuja ameaça, real ou suposta, lhes permitisse continuar a
impor essa hegemonia a parceiros mais ou menos transfor-
mados em vassalos. Foi o que os Estados Unidos fizeram,
conceptualizando em 2003, dois anos após os atentados do
11 de Setembro, a noção de guerra global contra o terrorismo
(Global War on Terrorism).
Esta nova designação do inimigo explica que,
no decurso destes últimos anos, vários autores tenham
examinado a situação do mundo actual à luz de tal ou tal
aspecto da obra de Carl Schmitt, mais frequentemente
em correlação com as operações de guerra levadas a cabo
pela América e com as medidas tomadas por Washington
para lutar contra o islamismo ou o terrorismo global1. É o
que faremos ao estudar a figura do terrorista «global» por
comparação com a figura do guerrilheiro, tal como Carl
Schmitt a evocou no seu célebre Teoria da Guerrilha2.
Mas é importante lembrar em primeiro lugar que
na origem, a palavra «terror» não designa de forma alguma
a acção do combatente irregular. «O Terror» é o nome
genérico do período, que se estende de Setembro de 1793
a Julho de 1794, durante o qual o poder revolucionário
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DO GUERRILHEIRO AO TERRORISTA GLOBAL
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1
Cf. especialmente Thomas Assheuer, «Geistige
Wiederbewaffnung. Nach den Terroranschlägen erlebt
der Staatsrechtler Carl Schmitt eine Renaissance», in
Die Zeit, Hamburgo, 15 de Novembro de 2001, p. 54;
«Carl Schmitt Revival Designed to Justify Emergency
Rule», in Executive Intelligence Review, 2001, 3, pp.
69-72; J. Hacke, «Mit Carl Schmitt in den Krieg –
mit Carl Schmitt gegen den Krieg», in Ästhetik und
Kommunikation, Berlim, XXXIII, 2002, 118, pp.
29-32; Frederik Stjernfelt, «Suverænitetens para-
dokser: Schmitt og terrorisme», in Weekendavisen,
10 de Maio de 2002; Nuno Rogeiro, O Inimigo
Público. Carl Schmitt, Bin Laden e o Terrorismo Pós-
Moderno, Gradiva, Rio de Janeiro 2003; Lon Troyer,
«Counterterrorism. Sovereignty, Law, Subjectivity»,
in Critical Asian Studies, 2003, 2; Ulrich Thiele,
«Der Pate. Carl Schmitt und die Sicherheitsstrategie
der USA», in Blätter für deutsche und internationale
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14
Posfácio a Carl Schmitt, Terre et Mer. Un point de
vue sur l’histoire mondiale, Labyrinthe, Paris 1985, pp.
108-109.
15
Théorie du partisan, op. cit., pp. 287 e 305.
16
David C. Rapoport, professor na Universidade
da Califórnia em Los Angeles e fundador da revista
Terrorism and Political Violence, distingue na história
moderna quatro grandes vagas de terrorismo. A pri-
meira, que começa na Rússia nos anos 1880 e se es-
palha rapidamente nos Balcãs e na Europa ocidental, é
sobretudo obra de anarquistas. A passagem do século
XIX ao XX será a «idade de ouro do assassinato políti-
co». Essas primeiras acções terroristas dos tempos mo-
dernos são associadas ao desenvolvimento da impren-
sa quotidiana, ao progresso dos meios de transporte e
à invenção do telégrafo (cf. «Terrorisme et médiatis-
me», in De defensa, Bruxelas, 25 de Maio de 1998, pp.
16-19). A segunda vaga é a vaga anticolonialista, que
começa por volta de 1920 e prossegue durante uma
quarentena de anos, culminando por volta dos anos
1960. É esta que dará crédito à ideia de que os ter-
roristas são antes de tudo «combatentes pela liberda-
de». A terceira vaga, de uma menor amplitude, é a das
organizações de extrema-esquerda que, após a morte
de «Che» Guevara, preconizam a guerrilha urbana:
Brigadas vermelhas (Itália), Acção Directa (França),
Fracção do Exército Vermelho (Alemanha) mas tam-
bém Tupamaros (Uruguai), Montoneros (Argentina),
etc. Esta vaga, hoje em dia enfraquecida na maior par-
te dos países ocidentais, sobrevive ainda no Nepal, no
Peru, na Colômbia, etc. A última, é a actual vaga de um
terrorismo global predominantemente «islamita». Vê
generalizarem-se as acções suicidas, muito impropria-
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«Os participantes de conflitos assimétricos são to-
dos em definitivo “transnacionais”, constata Zygmunt
Bauman. Eles são-no também no seu comportamen-
to: móveis, pertencentes a lugar nenhum, mudam
facilmente de alvo e não reconhecem nenhuma fron-
teira» (La société assiégée, Le Rouergue/Chambon,
Rodez 2005, p. 142, trad. de: Society Under Siege,
Polity, Cambridge 2002). Ele acrescenta: «As guerras
verdadeiramente assimétricas são um acontecimento
concomitante do processo de globalização. Talhadas à
medida para o espaço global e lev unt Bauman, «Wars
of Globalization Era», in European Journal of Social
Theory, IV, 2001, 1, pp. 11-28.
45
Acerca da noção de guerra assimétrica, cf. Jorge
Verstrynge, La guerra periférica y el islam revolucionario.
Orígenes, reglas y ética de la guerra asimétrica, El Viejo
Topo, Madrid 2005.
46
Art. cit., p. 19. Zygmunt Bauman nota igualmente
que o caminho percorrido pela civilização ocidental é
constatável, entre outras coisas, «pela rapidez com que
a vontade de sacrificar a sua vida por uma causa se viu
condenada e classificada como sintoma de fanatismo
religioso, atraso cultural ou barbárie, por países que,
durante muitos séculos, apresentaram o martírio por
uma causa como sendo prova de santidade e dando di-
reito à beatificação» (La société assiégée, op. cit., p. 148).
47
No espaço de três decénios, o terrorismo causou a
morte de pouco menos de 20 000 pessoas.
48
Op. cit., p. 10.
49
«A Definitional Focus», in Yonah Alexander
e Seymour Maxwell Finger (ed.), Terrorism.
Interdisciplinary Perspectives, John Jay Press, Nova
Iorque 1977, p. 21.
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50
«L’état d’urgence permanent», art. cit., p. 96.
51
Cf. Yonah Alexander e Richard Latter (ed.), Terrorism
and the Media. Dilemmas for Government, Journalists
and the Public, Brassey’s, Washington 1990; Pierre
Mannoni, Un laboratoire de la peur: terrorisme et médias,
Hommes et perspectives, Marselha 1992.
52
Rüdiger Safranski, Quelle dose de mondialisation
l’homme peut-il supporter?, Actes Sud, Arles 2005, p.
84.
53
«Qu’est-ce que le terrorisme?», entr. cit., p. 16.
54
George W. Bush, escreve François-Bernard Huyghe,
«é o primeiro a conduzir o seu principal combate con-
tra um perigo que não reside no poderio do império
adverso, mas na perversidade moral de um grupo in-
visível» («Le terrorisme, le mal et la démocratie», in Le
Monde, Paris, 18 de Fevereiro de 2005).
55
Cf. Ulrich Beck, Risikogesellschaft. Auf dem Weg in
eine andere Moderne, Suhrkamp, Frankfurt/M. 1986
(trad. fr.: La société du risque, Aubier, Paris 2001). Cf.
também Jane Franklin (ed.), The Politics of the Risk
Society, Polity Press, Oxford 1998; Corey Robin, La
peur. Histoire d’une idée politique, Armand Colin, Paris
2006.
56
Art. cit., p. 97. Cf. também Enrique Dussel, «Estado
de guerra permanente y razón cinica», in Herramienta.
Revista de debate y crítica marxista, 21, Inverno-
Primavera 2002-03.
57
«O terrorismo global leva ao extremo dois aspectos,
observa por seu lado Jürgen Habermas: a ausência de
objectivos realistas e a capacidade de tirar benefícios
da vulnerabilidade de sistemas complexos, (entrevista
com Giovanna Borradori, in Le Monde diplomatique,
Paris, Fevereiro de 2004, p. 17).
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Do «Caso de Urgência» ao Estado de Excepção
Permanente
Face ao terrorismo, a velha doutrina do «containment» tor-
nou-se obsoleta. A luta contra o terrorismo tornou-se numa
luta ofensiva e preventiva. Implica um direito de perseguição
ilimitada que, ao autorizar o perseguidor a transpor as fron-
teiras, lhe permite simultaneamente afirmar a sua hegemo-
nia no mundo1. Mas ela decorre também da urgência, e de-
semboca por esse facto no estado de excepção. Característica
dos «tempos de aflição», o estado de excepção assemelha-se
a esse «estado de necessidade» que o historiador Theodor
Mommsen punha em paralelo com a legítima defesa. No es-
tado de excepção, um Estado encontra-se subitamente con-
frontado com um perigo extremo, com uma ameaça mortal
à qual não pode fazer face senão recorrendo a meios que se-
riam injustificáveis em tempo normal, por comparação com
as suas próprias normas. A situação de urgência ou estado
de excepção define-se por outros termos como a ocorrência
brutal de acontecimentos raros ou de situações imprevisí-
veis que, dado o facto do seu carácter ameaçador, exigem que
se lhes faça face imediatamente por meio de medidas, elas
mesmo excepcionais (restrição das liberdades, lei marcial,
estado de sítio, etc.), consideradas como as únicas adaptadas
à situação.
Ora, a noção de «caso de urgência» (Ernstfall) ou de
estado de excepção (Ausnahmezaustand) desempenha um pa-
pel central na teoria política e constitucional de Carl Schmitt,
onde se liga à sua crítica do liberalismo2. Para Schmitt sendo
a excepção imprevisível, é vão acreditar que se possa previa-
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1
«Recolhendo o testemunho de outras formas de in-
gerência menos consensuais ou menos eficazes (hu-
manitária, direitos do homem, guerra contra a droga
ou o crime organizado), (a luta antiterrorista) permite
encarar, de novo, uma expansão à escala planetária, es-
creve Percy Kemp. Neste sentido, ela faz figura de con-
traponto guerreiro ao mercado económico mundial»
2
Esta noção é particularmente estudada no primeiro
dos quatro capítulos da Théologie politique de 1922:
Politische Theologie. Vier Kapitel zur Lehre von der
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Setembro de 2001.
11
Em Novembro de 2003, o Congresso votou uma
emenda ao Patriot Act («Patriot II») que permite às
agências federais exigir dos fornecedores de acessos
à Internet informações pessoais sobre qualquer inter-
nauta sem serem submetidas a nenhum controlo ju-
dicial. Além disso, o «Domestic Security Enhancement
Act» de 2003 permite retirar a nacionalidade america-
na a todo o cidadão acusado de terrorismo, conceden-
do assim às autoridades um poder discricionário no
que ao reconhecimento da cidadania diz respeito. As
disposições previstas pelo Patriot Act foram renovadas
em 2005. Para ver estas medidas em detalhe cf. Kim
Lane Scheppele, «Law in a Time of Emergency: States
of Exception and the Temptations of 9/11», in Journal
of Constitutional Law, Maio de 2004, pp. 175 (texto re-
publicado em Outubro 2004 sob forma de brochura,
University of Pennsylvania Law School, Scholarship at
Penn Law, Paper 55). O autor precisa que examinou as
circunstâncias nas quais estas medidas foram toma-
das «à luz dos escritos de Carl Schmitt sobre a nature-
za do estado de excepção».
12
Em Inglaterra, a Anti-Terrorism Crime and Security
Act de 2001 permitia também encarcerar indefinida-
mente os estrangeiros suspeitos de terrorismo. Um
acórdão dos «Lords judges» (NDT: em Inglaterra e na
Commonwealth juízes de tribunais de instâncias su-
periores) declarou em seguida ilegal a sua detenção
sem inculpação ou processo.
13
As convenções de Haia e de Genebra estipulam es-
pecialmente que as populações civis não devem nunca
ser tomadas como alvos, que os prisioneiros devem
ser assistidos e bem tratados, que certas armas são
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Cf. também Susie Linfield, «La danse des civilisa-
tions: l’Orient, l’Occident et Abu Ghraib», in Esprit,
Paris, Junho de 2005, pp. 66-84,que se pergunta se
um país pode «lutar eficazmente contra grupos terro-
ristas sem, mais dia, menos dia, recorrer a técnicas
extrajudiciárias no estrangeiro ou sem ser levado a li-
mitar as liberdades no seu próprio território» (p. 78).
20
Kim L. Scheppele, art. cit., p. 3. O autor analisa con-
sequentemente as razões pelas quais os países euro-
peus, embora confrontados, eles próprios, com a ame-
aça do terrorismo, não se empenharam na mesma via.
A sua conclusão, que podemos discutir, é a de que «a
concepção schmittiana de excepção já não é considera-
da como um quadro de resposta aceitável por um gran-
de número dos nossos aliados, em particular pelos eu-
ropeus» (ibid.). Sobre este ponto, cf. Alexandre Adam,
La lutte contre le terrorisme. Etude comparative Union
européenne/États-Unis, L’Harmattan, Paris 2005.
21
Cf. Adrien Masset, «Terrorisme et libertés pu-
bliques», in Quentin Michel (ed.), Terrorisme –
Terrorism. Regards croisés – Cross Analysis, Peter Lang,
Pieterlen 2005. Sobre as consequências da adopção
do Patriot Act para os cidadãos dos Estados Unidos,
cf. George Steinmetz, «The State of Emergency and
the Revival of Modern American Imperialism. Toward
an Authoritarian Post-Fordism», in Public Culture,
Primavera 2003, pp. 323345; M.C. Williams, «Words,
Images, Enemies. Securitization and International
Politics», in International Studies Quarterly, XLVII, 4,
Dezembro de 2003, pp. 511-531; Andrew Norris, «“Us”
and “Them”», art. cit.; Bernd Hamm (ed.), Devastating
Society. The Neo-Conservative Assault on Democracy and
Justice, Pluto Press, Londres 2005; Robert Harvey e
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Da Dualidade Terra/Mar
ao Novo «Nomos da Terra»
Carl Schmitt escreve que «a história mundial é a história da
luta das potências marítimas contra as potências continen-
tais e das potências continentais contra as potências maríti-
mas»1. Acrescenta que «toda a transformação histórica im-
portante implica na maior parte das vezes uma nova percep-
ção do espaço»2. Esta oposição entre a Terra e o Mar não lhe
é própria, uma vez que a encontramos em numerosos espe-
cialistas militares, geopolíticos ou especialistas de geoestra-
tégia. Contudo, em Carl Schmitt, a «lógica da Terra» e a «ló-
gica do Mar» têm um alcance mais extensivo. A Terra é para
Schmitt um elemento histórico mais ainda do que geográfi-
co. É também um elemento antropológico: o homem é antes
de tudo um animal terrestre, um «terrestre». Vimos antes
que Schmitt, falando do guerrilheiro, lhe atribui um carácter
«telúrico». Este elemento «telúrico» (das Tellurische) está in-
trinsecamente associado, na sua obra, simultaneamente ao
político, à instância estatal e ao «grande espaço» europeu3.
A lógica da Terra repousa sobre delimitações espa-
ciais, quer isto dizer numa repartição da Terra em espaços
claramente distintos. Esta lógica é fundamentalmente polí-
tica, no sentido em que não há forma política que não esteja
ligada a um espaço terrestre, mesmo que existam tradições
políticas «terrestres» e tradições «marítimas», a Terra de-
termina a liberdade concreta, que é sempre uma liberdade
localizada, por oposição à liberdade «líquida» e «informe»
do Mar. A Terra constitui o substrato do pensamento da or-
dem concreta. A lógica do Mar é pelo contrário intrinseca-
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Abril de 2005).
15 Acerca do papel do espaço, e mais especial-
mente do espaço extra-atmosférico, no pensamento
estratégico actual, cf. Serge Grouard, la guerre en orbi-
te. Essai de politique et de stratégie spatiales, Economica-
FEDN, Paris 1994; Benoît d’Albion, «L’emploi des
armes aériennes dans les conflits modernes», in Revue
de défense nationale, Paris, Janeiro de 1996.
16 Cf. acerca deste assunto Thierry Garcin,
«L’espace, outil géopolitique des États-Unis», in
Aymeric Chauprade (ed.), Géopolitique des États-Unis.
Culture, intérêts, stratégies, Ellipses, Paris 2004, pp. 69-
74, que sublinha que «a vontade americana de exercer
uma predominância ou uma hegemonia repousando
em parte sobre o espaço é (igualmente) evidente no
domínio civil, a começar pela rede terrestre de esta-
ções de recepção» (p. 72). A 6 de Outubro de 2006,
a Casa Branca publicou um novo documento sobre a
sua política espacial (New Space Policy). O texto subli-
nha que «a segurança nacional dos Estados Unidos
depende de maneira crítica da sua capacidade espa-
cial, e que essa dependência continuará a crescer»,
opondo-se a qualquer tratado que interdite as armas
espaciais («a liberdade de acção no espaço é tão im-
portante para os Estados Unidos como a sua potên-
cia aérea e marítima. Os Estados Unidos opor-se-ão a
todo o novo regime jurídico ou a qualquer outra res-
trição que vise a interdição ou a limitação da sua uti-
lização do espaço») e precisa que os Estados Unidos
«Impedirão, se necessário, aos adversários a utiliza-
ção de uma capacidade espacial hostil ao interesse
nacional americano». Cf. também Peter Hayes (ed.),
Space Power Interests, Westview Press, Boulder 1996;
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