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Tenho Uma Aluna Surda: Experiências de Ensino de Língua Portuguesa em Contexto de Aula Particular
Tenho Uma Aluna Surda: Experiências de Ensino de Língua Portuguesa em Contexto de Aula Particular
Tenho Uma Aluna Surda: Experiências de Ensino de Língua Portuguesa em Contexto de Aula Particular
UBERLÂNDIA
2017
ELAINE AMÉLIA DE MORAIS
UBERLÂNDIA
2017
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Sistema de Bibliotecas da UFU, MG, Brasil.
CDU: 801
Gerlaine Araújo Silva – CRB-6/1408
Decido esta dissertação a minha filha
Taina. Agradeço a ela pela confiança,
pelo amor e por ser a minha inspiração.
AGRADECIMENTOS
A princípio, agradeço a Deus que concedeu mais essa oportunidade, que me guiou e
permitiu que eu caminhasse academicamente até aqui.
À Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (CAPES), agradeço o
tempo em que fui bolsista do curso de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos, pelo
incentivo e apoio financeiro para os meus estudos.
Á minha orientadora e amiga, Profa. Dra. Dilma, que me conduziu para caminhos
narrativos antes desconhecidos, que me ensinou a contar essa experiência profissional e me
fez reconhecer meu potencial profissional. Especialmente, quando desvelava o que antes eu
não reconhecia sobre a experiência. Agradeço, não só por suas contribuições, mas também
por me mostrar como poderia me tornar uma pesquisadora narrativa inovadora e inclusiva.
Principalmente, por seu apoio quando me incentivava a perceber que nosso conhecimento
ultrapassa os muros acadêmicos e revela quem somos enquanto professores.
Aos professores que atuam no Programa de Pós-graduação em Estudos Linguísticos
(PPGEL), que muito dedicam sua prática a formação de pesquisadores e profissionais da
Educação na área de Linguística e Linguística Aplicada da região.
Às secretarias do PPGEL, Ma. Maria Virgínia e Ma. Luana, que muito se dedicam ao
seu trabalho documental para que nossas pesquisas sejam desenvolvidas no PPGEL.
Principalmente, à amiga Maria Virgínia pelos conselhos, incentivo e pela amizade.
Ao Prof. Dr. Fernando Zolin Vesz, que dedicou seu tempo à leitura do meu trabalho,
durante o XV SEPELLA.
À Profa. Dra. Valeska Virgínia Soares Souza, que contribuiu com suas observações no
XVI SEPELLA e no exame de qualificação.
Às professoras, Dra. Maria Inês Vasconcelos Felice, Dra. Viviane Bengezen e Dra.
Judith Mara de Souza Almeida, pelos esclarecimentos apresentados no exame de qualificação.
A todos os membros do GPNEP (Grupo de Pesquisa Narrativa e Educação de
Professores do Instituto de Letras e Linguística da Universidade Federal de Uberlândia), que
foram meus olhos e ouvidos quando eu não ouvia. Nesse grupo colaborativo, encontrei o
caminho para rever meus conceitos, aprender, colaborar e ser uma Pesquisadora Narrativa.
Aos amigos que fiz durante o curso de mestrado, em particular à Ma. Geralda, pelo
incentivo, pelos conselhos e pela companhia. Agradeço, por sua ajuda quando as dúvidas
persistiam e você com toda paciência nos auxilia com seus comentários no GPNEP.
Aos amigos Gabriel e Samuel, que foram meus companheiros de trajetória acadêmica.
Aos colegas e amigos que convivi durante as disciplinas de mestrado, que com suas
experiências contribuíram para minha formação acadêmica. Agradeço, principalmente a Ma.
Priscila que sempre esteve presente nas horas em que mais precisei.
Aos professores e demais profissionais da Educação, bem como os alunos da Escola
Estadual onde trabalho, por compartilharem suas experiências. Agradeço, pelo espaço em que
ensino e aprendo.
À minha família, especialmente ao meu querido esposo Cristiano, pelo incentivo,
amizade e pelos conselhos durante a realização desse sonho acadêmico. A você, agradeço,
com todo meu amor, pelo apoio incondicional e pelo cuidado para com nossas filhas durante
minha ausência.
Às minhas amadas filhas, Tainá, Gabriella e Déborah, pelo amor e pelo carinho,
especialmente nas horas de angústia e de conquistas.
À minha doce filha Gabriella que, com sua amizade, amor e seu carinho, compartilhei
as minhas incertezas, os meus anseios e as minhas conquistas.
À minha filha caçula Déborah, que com seus beijos e abraços me deu o carinho
necessário durante essa trajetória.
À minha filha Tainá, dedico essa pesquisa e agradeço pela confiança e pelo seu amor.
Obrigada, por ser a minha inspiração, por ter me feito uma mãe mais dedicada e uma
profissional que pode estar aberta a mudanças.
Aos meus pais, Maria e Leônidas, que dedicaram suas vidas e acreditaram em mim.
Exclusivamente, pelo apoio e pela compreensão quando estive ausente. Obrigada, por tudo,
pelo amor e dedicação nas horas de dificuldade e também de alegria. Agradeço, ao meu pai
que, com seu exemplo, me ensinou a prosseguir. À minha mãe pelo incentivo e pela
compreensão nas horas de ausência.
Aos meus amigos e familiares, que compreenderam a minha ausência.
Ao Sr. Abel e a Sra. Helena, que são um exemplo para a minha vida.
A todos que estiveram ou fizeram parte da minha vida acadêmica ou mesmo fora dela,
mas que compreenderam meus momentos de estudo, meu muito obrigado!
“Quando eu aceito a língua de outra pessoa, eu aceito a pessoa.
Quando eu rejeito a língua, eu rejeitei a pessoa
porque a língua é parte de nós mesmos.
Quando eu aceito a língua de sinais, eu aceito o surdo, e
é importante ter sempre em mente
que o surdo tem o direito de ser surdo.
Nós não devemos mudá-los, devemos ensiná-los, ajudá-los,
mas temos que permitir-lhes ser”.
REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 81
PRIMEIRAS HISTÓRIAS
O diagnóstico
1
Perdas Auditivas – Mínima (16-25 Decibéis): Perda de aproximadamente 10% da compreensão da fala;
Leve (26-40 DB): Sem amplificação de um aparelho auditivo, entre 25% e 50% da compreensão de conversas;
Moderada (41-55 DB): Sem amplificação, entre 50% e 100% da compreensão da fala pode ser perdida.
Moderada a severa (56-70 DB): Sem amplificação, a fala precisa ser produzida em volume muito alto para ser
compreendida; Severa (71-90 DB): Sem amplificação, somente vozes bem próximas e em alto volume; Surdez
profunda (>90 DB): Vibrações são percebidas em lugar de sons.
16
Em 2002, minha filha estava com seis anos de idade, quando tentei uma
vaga para ela em uma escola regular. Lembro-me de que tomei essa decisão
17
porque estava insatisfeita com a escola que ela frequentava há quatro anos.
Naquele lugar, estudavam, em uma mesma sala, alunos de diversas idades, entre
crianças, jovens e adultos surdos, e minha filha aprendia atitudes e hábitos
inadequados para sua idade. Naquela ocasião, fui, juntamente com minha filha, até
uma escola estadual de ensino regular para verificar se havia uma vaga disponível
para ela.
Na secretaria da escola, pedi informações sobre as matrículas e,
rapidamente, a secretária me encaminhou para a supervisora que, muito solicita,
prontificou-se rapidamente a arrumar a vaga. Mas, a história mudou depois que
perguntei se a escola tinha atendimento especializado para alunos surdos.
Imediatamente, a supervisora me perguntou se minha filha sabia ler e escrever e
se já tinha frequentado outra escola. Expliquei toda a situação, principalmente,
que ela frequentava uma Escola Municipal que ensinava LIBRAS aos alunos
surdos e não os ensinava a ler e a escrever em língua portuguesa.
Depois daquela explicação, a supervisora indelicadamente mudou de
atitude. Disse que tinha cometido um equívoco, pois não havia mais vagas na
escola. Em seguida, orientou-me a procurar uma vaga em uma escola
especializada como a APAE2, que era mais adequada e tinha profissionais
capacitados para lecionar para alunos surdos. Então, saí dali bem nervosa e
indignada com a mudança de atitude daquela supervisora, pois achei um absurdo
não aceitarem minha filha naquela escola. Mas, mesmo irritada, não expus o fato a
minha filha; somente a informei que não havia vaga naquele lugar. Dialogamos
muito até chegarmos em casa e, durante o percurso, expliquei que precisávamos
procurar outra escola especializada que atendesse alunos surdos.
2
APAE - Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Araguari/MG.
18
3
ENEM – Avaliação dos estudantes de escolas públicas e particulares do Ensino Médio, que acontece
uma vez por ano. Os resultados geram um boletim de desempenho individual e disponibiliza vagas em
Faculdades Federais e Particulares através dos processos seletivos PROUNI, SISU e FIES.
19
Em outro dia, minha filha e eu dialogávamos sobre sua redação feita durante
o ENEM, que pegamos no site do INEP4. Naquele dia, tive o impulso de ligar o
computador e abrir o arquivo que continha o espelho da redação de minha filha.
Ela sentou-se ao meu lado e eu mostrei a ela o quanto sua redação precisava ser
melhorada. No texto, identifiquei o quanto o tema abordado poderia ter sido mais
bem trabalhado e como minha filha precisava aprender a escrever a língua
portuguesa com urgência, para que pudesse ter oportunidade de cursar uma
faculdade. Essa realidade negativa trouxe à tona os problemas e mostrou-me o
quanto minha filha necessitava de minha ajuda. Ao conversamos, minha filha,
bem mais alegre, pediu-me que eu aproveitasse essa redação para ensiná-la um
pouco sobre como melhorar sua escrita.
Após esses eventos narrados, sobre as experiências vividas com minha filha, fiz um
levantamento dos últimos trabalhos realizados sobre o tema de ensino de português para
surdos. No entanto, assoberbada pelos prazos e pelas várias dificuldades por mim
encontradas, procurei trazer o estado da arte junto à fundamentação teórica desta pesquisa.
Influenciada pela observação das necessidades dos surdos, decidi desenvolver esta
pesquisa, cujo objetivo foi narrar e analisar minha experiência docente de ensino de língua
4
INEP – O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.
20
portuguesa para uma aluna surda, cujo intuito é compreender o que se adequa nesse contexto
de ensino.
Para atingir o objetivo proposto, elaborei as seguintes indagações de pesquisa:
1) Como pode ser vivida a experiência de ensino de língua portuguesa para uma aluna
surda?
2) Quais as implicações das experiências vividas para a construção de meu
conhecimento prático pessoal e profissional?
Assim, nesta dissertação, procuro fazer um estudo narrativo sobre minha experiência
como professora de língua portuguesa para uma aluna surda. Segundo Clandinin e Huber
(2007), o pesquisador narrativo justifica sua experiência com base em três aspectos possíveis:
pessoal, prático e social e/ou teórico.
Os autores destacam que, na justificativa pessoal, o pesquisador narrativo justifica sua
investigação por meio de suas experiências particulares de vida, das tensões e dos
questionamentos pessoais. Na justificativa prática, seu interesse parte da possibilidade de
intervenção direta em sua prática profissional, por meio da observação e do entendimento de
suas ações. Já na justificativa social, o pesquisador justifica sua investigação por meio da
compreensão de quais contribuições sua pesquisa pode trazer para a vida social
(CLANDININ; HUBER, 2007). Por último, Clandinin e Huber (2007) enfatizam a
possibilidade de o pesquisador narrativo poder incluir, na justificativa teórica, a justificativa
social, quando são acrescentados na teoria aspectos investigados na experiência.
Assim, como pesquisadora narrativa, minha justificativa pessoal para o
desenvolvimento desta dissertação relaciona-se com minhas experiências como mãe de uma
filha surda, que viveu junto com ela suas dificuldades de inclusão e de aprendizado da língua
portuguesa, dificuldades que despertaram em mim o interesse em entender a experiência de
ensino de língua portuguesa para uma aluna surda.
Como justificativa prática, pretendo analisar e compreender minha experiência e poder
modificar meu conhecimento prático profissional. Evidencio, como justificativa social, o
quanto esta pesquisa poderá contribuir para futuras discussões de profissionais da área ou de
outras áreas afins sobre a formação de professores e a construção de uma prática profissional
que leve em consideração também o ensino de língua portuguesa para alunos surdos.
Considerei como contexto de minha pesquisa o espaço das aulas de ensino de língua
portuguesa, como segunda língua, em formato de aulas particulares e individuais em minha
casa, para uma aluna surda.
21
A Pesquisa Narrativa
[...] esses termos que usamos para pensar a pesquisa narrativa estreitamente
associada à teoria da experiência de Dewey, especificamente às noções de
situação, continuidade e interação. Nossos termos não são extrapolações
rigorosas da teoria de Dewey. [...] nossos termos são pessoal e social
(interação); passado, presente e futuro (continuidade); combinados à noção
de lugar (situação). Esse conjunto de termos cria um espaço tridimensional,
com a temporalidade ao longo da primeira dimensão, o pessoal e o social ao
longo da segunda dimensão e o lugar ao longo da terceira (CLANDININ;
CONNELLY 2015, p. 85).
Narrativa refere-se aos quatro movimentos que orientam uma investigação narrativa: o
introspectivo, o extrospectivo, o retrospectivo e o prospectivo.
Em termos de movimento, Connelly e Clandinin (2004) entendem que, quando se
analisa as condições pessoais dos participantes, como os sentimentos, as emoções e as
reações, considera-se o movimento introspectivo e, quando se analisa as condições sociais,
considera-se o movimento extrospectivo.
Ainda segundo esses autores, ao recobrar e contar as experiências vividas, ao considerar
recontar das histórias contadas, o pesquisador realiza os movimentos retrospectivo e
prospectivo. Conforme postulam os autores, esses movimentos podem ser pensados de várias
formas diferentes. Segundo eles, é nesse mover que são apresentados questionamentos. Diante
desses questionamentos, é lançado o olhar do pesquisador sobre um determinado ponto
investigado (CONNELLY; CLANDININ, 2004).
Após expor um pouco do caminho teórico-metodológico da Pesquisa Narrativa,
apresento o contexto no qual minha pesquisa foi realizada, detalho o perfil dos participantes e
quais foram os procedimentos adotados para a composição dos textos de campo para minha
pesquisa.
O Contexto de Pesquisa
Esta pesquisa teve como contexto o espaço de aulas particulares de língua portuguesa.
As aulas ocorreram em minha própria casa. Lá contava com equipamentos tecnológicos, tais
como TV, áudio e aparelho de Cd para a exposição dos filmes, além do acesso à internet e
computador.
Fonte: Foto feita pela autora, durante a realização da pesquisa. (Agosto, 2016).
25
Participantes da Pesquisa
Karen (nome fictício escolhido pela participante) é uma jovem com surdez profunda,
filha de pais ouvintes e sempre teve dificuldades para escrever em língua portuguesa, como
segunda língua.
No período escolar, Karen estudou em duas escolas particulares no ensino básico, mas,
do terceiro ano até o ensino médio, ela frequentou três escolas públicas diferentes. Durante o
tempo em que Karen estudou nessas escolas, teve o auxílio de intérpretes de LIBRAS. Mesmo
depois da conclusão do ensino médio, em 2015, a jovem continuou com dificuldades para a
produção escrita em língua portuguesa.
Na época do desenvolvimento desta pesquisa, Karen tinha 20 anos de idade e estudava
para o processo do ENEM, para depois participar do SISU, em 2016.
Para compor os textos de campo, utilizei narrativas escritas por mim, durante e depois
das aulas ministradas, como registro de minha prática como professora. Essas narrativas
ajudaram-me a retomar a paisagem vivenciada, a rever minha relação com a participante e a
rever minha prática desenvolvida durante nossas aulas. Tive, também, como instrumento de
pesquisa as atividades produzidas pela aluna Karen durante as aulas, algumas fotos tiradas
dessas atividades produzidas pela aluna, além das atividades por mim planejadas para nossas
aulas.
5
Instead of an attempt to find or see „in the data‟ it is far more productive to compose meaning that the
data may lead us understand.
27
Neste capítulo, apresento alguns pressupostos teóricos que deram embasamento a minha
pesquisa. Nesta primeira seção, abordo a questão da formação de professores de língua
portuguesa para alunos surdos, com base em autores como Araújo (2010), Soares (2015) e
Leite (2015).
Traço, logo após, uma breve trajetória histórica que perpassa as vertentes teóricas
referentes ao ensino para surdos, até o surgimento da Educação Bilíngue, bem como apresento
e discuto pesquisas em relação ao tema.
Após apresentar essa trajetória, em outra seção, exponho alguns trabalhos referentes à
Educação de Português para alunos surdos, tais como: Rodrigues (2008), Vieira (2008),
Pereira (2011), Pires e Didó (2011), Andrade (2012), Oliveira (2014), Almeida (2015) e Silva
(2015). Em seguida, apresento a legislação referente à Educação de Surdos no Brasil, desde a
Lei que oficializou a LIBRAS até a Lei que assegurou a Educação Bilíngue no Brasil. Por
fim, exponho alguns aspectos teóricos sobre o conceito de conhecimento prático profissional.
A partir dessas questões, discuto qual é o papel do professor, qual é a importância da
LIBRAS para o ensino de língua portuguesa para alunos surdos, quais são os critérios de
correção das provas de candidatos surdos no ENEM e quais são as diferenças entre o ensino
em classes especiais, em salas de recursos e em salas de Atendimento Educacional
Especializado (doravante, AEE).
adequação na formação docente ao ensino de alunos surdos. Trago, também, Araújo (2010),
Soares (2015) e Leite (2015), que buscam, a partir da prática docente, refletir sobre o assunto.
Segundo Salles (2004), em 2000, o Departamento de Linguística, Línguas Clássicas e
Vernáculas (LIV) da Universidade de Brasília desenvolveu um projeto de ensino de língua
portuguesa que teve como objetivo a formação de professores de língua portuguesa como
segunda língua. Segundo a Salles,
registro no discurso, entre outros aspectos observados. Por esse motivo, a autora destaca a
urgente necessidade da criação de novas práticas pedagógicas que contribuam para a
transformação desse panorama.
Conforme o que compreendi dos estudos de Araújo (2010), o professor em formação
e/ou envolvido com esse contexto não pode se negar a essa realidade de escrita limitada e nem
se opor à necessidade de introdução de novas práticas que diminuiriam a distância existente
entre o aluno surdo e o ensino da língua portuguesa. Aliás, é somente a partir do
conhecimento da LIBRAS e das habilidades espaço-visuais dos surdos que esse
distanciamento poderá ser diminuído.
Compartilho, também, em relação à formação de professores, algumas pesquisas que
focalizam as dificuldades vividas durante a prática pedagógica e a falta de conhecimento
profissional de muitos ao atuarem na Educação dos Surdos. Esse desconhecimento, ou essa
inexperiência, é observado de forma unânime nas seguintes pesquisas: Soares (2015) e Leite
(2015), entre outras. Tais discussões revelam que a maioria dos professores em sua formação
não é preparada para atuar no Sistema de Ensino Regular com alunos surdos.
Em relação aos principais desafios encontrados pelos professores, para o ensino da
língua portuguesa para alunos surdos, Soares (2015) nos apresenta reflexões que completam o
que já foi exposto até aqui. Ao investigar a formação inicial de professores para a Educação
Bilíngue de surdos, Soares (2015) identificou quatro desafios importantes para a formação
docente: no primeiro desafio, a autora esclarece que o conhecimento construído é essencial
para a edificação de uma boa docência para esse grupo de alunos; é preciso, especialmente,
que se ofereça o aprendizado da LIBRAS nos cursos de formação de professores.
No que se refere ao segundo desafio, Soares (2015) menciona o investimento para a
construção de ações que visem à conscientização dos professores sobre a capacidade de
aprendizagem desses alunos surdos, bem como a necessidade contínua do ensino com
modernas abordagens e técnicas adequadas para esse contexto de aprendizagem. Essas
abordagens e técnicas que utilizem os recursos tecnológicos e visuais que possam adequar às
habilidades e necessidades desses alunos.
Como terceiro desafio indicado, a autora identifica a necessidade de serem feitas
escolhas metodológicas adequadas a esse modelo de ensino. Porém, esclarece que é mais
importante que o professor preveja quais abordagens poderão prejudicar ou auxiliar esse
aluno. O mais importante, segundo seus argumentos, é saber qual recurso deve ser utilizado
no ensino de língua portuguesa, como segunda língua, para surdos, e não como primeira
língua (SOARES, 2015).
31
No que se refere ao quarto desafio, Soares (2015) acredita, também, ser indispensável
que o professor tenha conhecimento linguístico sobre a LIBRAS, pois muitos acham que esse
aprendizado é desnecessário. A partir da identificação desses desafios a serem enfrentados na
Educação de Surdos para uma boa docência, a autora evidencia a necessidade de mais
investimentos para a obtenção de professores capacitados para esse ensino bilíngue no
contexto aqui discutido.
Nessa mesma direção, Leite (2015) problematiza a formação de professores que atuam
na educação de alunos surdos, pela perspectiva inclusiva, em espaços escolares. Procurou, por
meio de um estudo de caso e de análise documental, investigar a prática utilizada por doze
professores no contexto de ensino para alunos surdos em uma escola da Rede Estadual de uma
cidade da região. A autora observou que todos os respondentes afirmaram não ter tido acesso
à LIBRAS como disciplina curricular nos cursos de formação inicial. Além disso, enfatizaram
a inexistência de tempo e de condições para aprimorarem seus conhecimentos em cursos de
capacitação ou aperfeiçoamento.
Leite (2015) identificou opiniões adversas entre os depoimentos de seus participantes de
pesquisa, pois alguns professores apontaram que tinham facilidade para se relacionar com as
alunas surdas em sala de aula e que, de certo modo, alguns professores percebiam que as
alunas os entendiam. Porém, mesmo percebendo a compreensão, às vezes, sentem angústia
por não terem o preparo adequado para desenvolver atividades, considerando-se o contexto de
aprendizagem dessas alunas.
Leite (2015) percebeu, também, que os professores percebiam suas próprias limitações
em relação ao ensino do português para as alunas surdas, especificamente que esses limites
eram causados pelo desconhecimento da LIBRAS.
Em relação às práticas pedagógicas utilizadas por esses professores, no que se refere ao
contexto de ensino, os professores, participantes dessa pesquisa, apontaram que era difícil
elaborar suas aulas voltadas para o atendimento aos alunos surdos e aos ouvintes, ao mesmo
tempo e no mesmo espaço. A autora relata que, nas elaborações, uma das professoras afirmou
que não conseguia ensinar o conteúdo em LIBRAS, principalmente quando utilizava recursos
visuais, pois sentia que precisava de orientação para nortear sua prática.
Contudo, Leite pesquisou, nos documentos estudados, que a LIBRAS era obrigatória
como disciplina nos cursos de formação inicial de professores. Em relação ao apoio
32
6
AEE – Acessibilidade, que elimina as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando suas
necessidades específicas, nas escolas comuns, em um espaço físico denominado Sala de Recursos Multifuncional
(SEESP/MEC, 2008).
33
Essas salas atendem aos alunos com necessidades educacionais especiais (de natureza
física, mental, intelectual ou sensorial), alunos com transtornos globais do desenvolvimento,
Transtorno do Aspectro Autista e psicose infantil, além de alunos com altas
habilidades/superdotação (DUTRA; SANTOS; GUEDES, 2010).
Já a Sala Especial, conforme ressaltam as autoras, é uma sala de Ensino Regular, com
espaço e modulação adequados, onde o professor especializado em ensino especial utiliza
métodos, técnicas, procedimentos didáticos e recursos pedagógicos também especiais,
conforme as etapas de Ensino Fundamental. A ação pedagógica nessa classe especial visa ao
acesso ao currículo da base nacional comum para o ingresso no Ensino Regular.
Retomando Leite (2015), parece ser essencial que cada professor saiba identificar os
mecanismos adequados entre a teoria e a prática, para que esse profissional possa lidar com as
demandas necessárias para o ensino inclusivo. Para isso, a autora propõe que esses
professores interajam e sejam mediadores do processo de construção do conhecimento.
Como resultado, Leite conclui que, em geral, os professores são despreparados para
lidar com as alunas surdas. Nesse sentido, a autora enfatiza a necessidade da construção de
um novo currículo a ser elaborado pelas instituições formadoras para que os futuros
professores trabalhem a partir das diferenças nessa perspectiva bilíngue.
A autora acrescenta que cabe a esses futuros professores a capacidade de considerar as
particularidades dos alunos surdos, bem como sua cultura, seus costumes, entre outras
particularidades dos surdos. Considerações essas que evidenciam o quanto, na formação de
professores, os caminhos não percorridos precisam ser desbravados a partir de discussões
sobre essa temática.
A partir de meu entendimento em relação às questões abordadas por Leite (2015), noto
que nós, professores, ainda somos despreparos em relação ao ensino para o sujeito surdo e
percebo o quanto a insegurança proporciona maiores angústias que levam ao não
entendimento sobre esses alunos.
A partir das observações de Leite (2015), sobre o ponto de vista de um docente-
participante da pesquisa, é possível perceber a angústia vivenciada por alguns professores por
não saberem se seus alunos surdos conseguem entender o conteúdo ensinado, mesmo com o
intérprete de LIBRAS presente, pois, como percebeu essa referida participante, a
comunicação, por vezes, se perdia quando era terceirizada.
34
Nessa seção, exponho a trajetória histórica percorrida no Brasil até o momento em que
se reconheceu, de forma legítima, o ensino de língua portuguesa como segunda língua para
alunos surdos, bem como algumas pesquisas e conquistas referentes ao tema. Para essas
conquistas, a educação dos surdos perpassou três perspectivas distintas de ensino: o Oralismo,
a Comunicação Total e o Bilinguismo.
No Oralismo, privilegiou-se o ensino da língua oral e proibiu-se a LIBRAS, pois se
entendia que os sinais eram nocivos para a integração social dos surdos, segundo Quadros
(2004). Essa perspectiva, ou vertente teórica, era fundamentada nos aspectos pedagógicos dos
ouvintes (a fala), e se descartava a LIBRAS pelo fato de ela não ter, ainda, naquela época, o
status de língua; por não ser considerada como um sistema linguístico.
Quadros (2004) aponta que o Oralismo foi materializado a partir do Congresso de Milão
em 1880, sendo um momento obscuro na história dos surdos, pois o Comitê do Congresso era
constituído unicamente por ouvintes que privilegiavam o ensino exclusivo da língua oral para
os surdos.
Segundo a autora, a partir das décadas de 60 e 70, a LIBRAS foi reconhecida no Brasil,
como resposta à marginalização das comunidades surdas. Assim, surgiu a perspectiva da
Comunicação Total, vertente que propunha flexibilidade nas diferentes formas de
comunicação como a fala, os gestos naturais e a LIBRAS. Nessa vertente, a comunicação
continuava a ser oral, mesmo sendo possível a sinalização. Por essa perspectiva, não
sobreveio nenhum avanço significativo na Educação dos Surdos. Conforme Skliar (2010),
nesse ensino, ainda se privilegiava o domínio da fala, sendo a LIBRAS apenas um recurso
utilizado no contexto escolar. Skliar (2010) afirma que, paralelamente a essa perspectiva,
desenvolveram-se estudos sobre a importância dessa língua para os surdos.
A partir desses estudos, Skliar (2010) reconhece que se percebeu a necessidade do
desenvolvimento de uma aprendizagem educacional de qualidade para os alunos surdos.
Surgiu, assim, o Bilinguismo, ou modelo socioantropológico; concepção que nasceu como
oposição ao Oralismo. A partir dessa perspectiva educacional, a LIBRAS foi apreendida em
sua forma genuína. De acordo com o autor, no Bilinguismo, o surdo teve o acesso natural à
sua própria língua, sendo a língua portuguesa apreendida, na forma escrita, como segunda
língua (SKLIAR, 2010). Mas, segundo Salles (2004), o Bilinguismo é um modelo complexo,
que abrange questões de proficiência, regularidade, frequência no uso e nas escolhas
adequadas para uma interação comunicativa.
35
7
Critérios de correção são encontrados na Matriz de Referência para a Correção das Redações do ENEM
(Guia do participante – redação do ENEM 2013).
36
fim de que se tenha uma Educação Inclusiva de qualidade e em que a “língua instrua e não
seja um ensino do código” (ALMEIDA, 2012, p. 35).
Silva (2014) estudou como a realidade multilíngue se configura nesse tipo de educação.
Segundo a autora, a realidade bilíngue é pouco compreendida pelo simples motivo de a língua
portuguesa ainda ser vista como a única língua a ser ensinada. Em sua pesquisa, Silva (2014)
objetivou identificar se as concepções dos professores de português, no tocante aos alunos
surdos, sofreram modificações após frequentarem um curso de formação continuada em
língua portuguesa para surdos. A autora realizou um estudo, de caráter descritivo-exploratório,
a partir de uma abordagem qualitativa, para investigar se houve mudanças na prática dos
professores de uma escola regular, depois desse curso de formação.
Como resultado, Silva (2014) concluiu que os documentos analisados, como os PCNs e
os decretos específicos para os surdos, não são suficientes para modificar a prática, o contexto
e o mecanismo de funcionamento das escolas. Observou a necessidade de modificação das
condições de trabalho atuais, de tal forma que elas possam conduzir a uma forma diferenciada
de prática que seja produtiva para professores e alunos, para a Educação Inclusiva e para os
investimentos na formação continuada de professores.
No que concerne ao ensino oferecido aos alunos surdos nas escolas regulares, Silva
(2014) argumenta que a revisão e o aprimoramento das inúmeras questões referentes ao
ensino bilíngue para os alunos surdos são prioridades, especialmente, para os filhos de pais
ouvintes. Outra prioridade observada pelo autor se refere à necessidade da aprendizagem de
uma língua comum entre professor e alunos surdos, para a construção de relações interativas e
para a constituição desses sujeitos surdos.
De acordo com as considerações feitas pelo autor, mesmo sem mudanças relevantes na
prática docente, faz-se necessária a garantia do que é previsto nas leis. O autor ressalta
também a necessidade de investimentos na formação inicial e continuada desses professores e
de mudanças nas crenças e atitudes dos professores, o que possibilitaria as condições
adequadas para o desenvolvimento e a participação ativa dos alunos surdos nas práticas
sociais.
Considerando os esclarecimentos apresentados por Silva (2014) em relação às
dificuldades enfrentadas pelos alunos surdos, filhos de pais ouvintes, entendo, ao realizar esta
pesquisa, o porquê das dificuldades de muitos surdos ao apreenderem a língua portuguesa.
37
Nessa seção, apresento alguns estudos, como Rodrigues (2008), Vieira (2008), Gondim
(2011), Pereira (2011), Pires e Didó (2011), Andrade (2012), Oliveira (2014), Almeida (2015)
e Silva (2015), que pesquisam através da docência a perspectiva de ensino de português para
alunos surdos.
Apresento, também, algumas pesquisas relacionadas aos caminhos tecnológicos
utilizados no ensino de língua portuguesa para alunos surdos, como: Mirais (2009), Oliveira
(2010), Teixeira e Baalbaki (2014) e Júnior (2014).
Rodrigues (2008) investigou quais eram as situações vivenciadas por uma professora
ouvinte e alguns alunos surdos, quais eram os processos interpretativos ali estabelecidos e
quais oportunidades de aprendizagem puderam ser observadas em sala de aula. Para tal
investigação, analisou as aulas de língua portuguesa em uma turma do ensino fundamental de
uma escola pública de Belo Horizonte, em Minas Gerais. Nesse caso, o autor observou que os
alunos e a professora tinham um domínio variado da LIBRAS e que o conhecimento foi
construído a partir dos conteúdos abordados em sala de aula. Com base nesse domínio, o
autor entendeu que proporcionou a apropriação individual dos conteúdos e o entendimento
adequado das atividades pedagógicas propostas pela professora, naquele contexto de ensino.
Vieira (2008) averiguou a atuação de quatro professoras que tinham alunos surdos em
suas salas de aula. Uma das professoras também atuava em uma sala de Apoio Pedagógico
Especializado e outra exercia função de supervisora pedagógica na escola pesquisada. Em
sua pesquisa, Vieira conclui que, para melhorar sua prática profissional educativa, esse
professor precisa proporcionar uma sequência didática, planejar, organizar e utilizar o tempo e
os espaços adequadamente. Precisa, além disso, organizar os conteúdos e os materiais
curriculares, utilizando diferentes recursos didáticos, e saber avaliar seus alunos, diariamente.
A autora esclarece que esses elementos são complexos e interrelacionais e requerem do
professor uma consistente formação para que saiba gerenciar o ensino de língua portuguesa,
como primeira ou segunda língua, de forma consciente e racional.
Ainda segundo Vieira (2008), é crucial que sejam realizadas adaptações no currículo
comum para a inclusão e a apropriação daquilo que é necessário no ensino para alunos com
necessidades especiais, em especial para os alunos surdos, que foram o foco de sua pesquisa.
Vieira (2008) considera ser fundamental que os professores pesquisem e se renovem e
que, sobretudo, analisem os Parâmetros Curriculares Nacionais, pois esse documento
38
A partir das observações de Gondim (2011), percebo o quanto é crucial que o professor,
em exercício ou em formação, que a educação inclusiva, requer uma postura comprometida
com as necessidades diferenciadas dos alunos e que o aprendizado não seja compreendido
como um processo homogêneo.
Por sua vez, Pereira (2011) discute o ensino de português como uma preocupação de
vários educadores e pesquisadores da Educação de Surdos. Em seu estudo, a autora percebeu
que ainda se privilegia, em muitos casos, o ensino da língua oral, no ensino de língua
portuguesa para os alunos surdos. Nesse ensino, verifica-se que o português é, ainda, ensinado
pela introdução de palavras, pela utilização das estruturas frasais, das mais simples às mais
complexas, e pelos exercícios estruturais repetitivos, para que os estudantes memorizem
aspectos léxico-gramaticais e sintáticos da língua portuguesa.
Pereira (2011) esclarece que, antes, os surdos eram considerados incapazes para
apreender a língua portuguesa, mas que as dificuldades não estavam relacionadas à surdez e
sim ao modo como a língua era ensinada. A autora pontua, ainda, o problema de
aprendizagem dos alunos, filhos de pais ouvintes, que só têm a oportunidade de aprender
LIBRAS quando vão para uma escola especializada. Outro problema identificado foi o fato de
os professores não serem proficientes em LIBRAS. Diante dessa realidade, a autora defende a
importância do ensino de língua portuguesa a partir dos gêneros discursivos, como diálogos,
relatos, narrativas, entre outros, que apresentam a língua em uso.
Faz-se necessário lembrar que, segundo Vieira (2008), é determinante o aprendizado
contrastivo de ambas as línguas, LIBRAS e língua portuguesa, para o aluno surdo. Diante
dessa observação, e a partir dos estudos de Vieira (2008) e Pereira (2011), compreendo a
necessidade de aprendizado do professor no que tange a LIBRAS, para o ensino de língua
portuguesa para alunos surdos.
Além de Vieira (2008) e de Pereira (2011), autores como Pires e Didó (2011) também
focalizaram, em um estudo, o ensino de língua portuguesa para surdos em situações variadas.
Esses autores investigaram essa prática em diferentes contextos e relataram às experiências
vividas em uma escola especial e em uma escola regular inclusiva, ambas escolas públicas da
região metropolitana de Porto Alegre. Os autores observaram, nas práticas relatadas, nesses
dois cenários distintos, que há pontos em comum percebidos nas duas escolas, tais como a
falta de preparo dos professores e das instituições para lidarem com esses indivíduos. Na
primeira escola, os autores observaram que a prática se limitava ao ensino do vocabulário a
partir da flexão dos verbos, sem que fosse levado em consideração o contexto de uso.
40
Igualmente, os professores não utilizavam imagens e nem a LIBRAS como auxílio para o
letramento dos alunos surdos.
Já na segunda escola, Pires e Didó verificaram que a falta de um intérprete de LIBRAS
prejudicou a dedicação exclusiva da professora para o atendimento aos alunos surdos, já que a
professora em questão não dominava a LIBRAS. Também notaram que não houve interação
durante a produção de um e-mail, pois um corretor ortográfico anexo ao e-mail poderia ter
auxiliado os alunos a revisarem seus textos. No entanto, os autores observaram que a
utilização de um programa de apresentação de slides despertava o interesse dos alunos e os
auxiliava muito mais ao produzirem um e-mail (PIRES; IDÓ, 2011).
Conforme Pires e Didó (2011), a Educação de Surdos encontra-se em um momento de
transição, na busca de trajetórias que possibilitem a educação competente, como o
conhecimento sistemático da LIBRAS, além do conhecimento de vários níveis de organização
linguística, nos níveis lexical, semântico, morfológico e sintático da língua portuguesa,
especialmente, para a compreensão e para a escolha adequada dos enunciados.
Os autores concluem sua pesquisa com o entendimento de que a Educação dos Surdos
demanda não somente pessoas que aceitem as diferenças, mas que sejam pessoas
especializadas e engajadas no propósito de ensinar para alunos diferentes.
Tal como Pereira (2011), os autores ressaltam que as regras gramaticais deveriam ser
trabalhas a partir dos textos e não pelas simples explicitação das regras, de forma isolada e
descontextualizada. Compreendo, a partir das leituras feitas até aqui, que o ensino de língua
portuguesa, baseado no ensino contextualizado da língua, leva o aluno surdo à aprendizagem
discursiva competente. No entanto, percebe-se que esse ensino descontextualizado e
desfragmentado, que não abarca a diversidade discursiva existente na sociedade, ainda se faz
presente em muitos ambientes escolares.
Já Andrade (2012), em sua dissertação, objetivou conhecer e analisar práticas de ensino
da língua portuguesa, explicitando as possibilidades e dificuldades vividas no processo de
ensino e aprendizagem da língua portuguesa entre alunos surdos e professores ouvintes. Para
sua pesquisa, a autora desenvolveu um estudo de campo na Divisão de Educação e
Reabilitação dos Distúrbios da Comunicação - DERDIC8, instituição vinculada à Pontifícia
8
A Escola Especial de Educação Básica da DERDIC tem suas ações voltadas à educação, à acessibilidade
e à qualificação profissional de pessoas surdas. A Escola desenvolve as atividades educacionais buscando
priorizar a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) e a modalidade escrita da língua portuguesa e, para isso, conta
com a atuação de 50 profissionais. Essa escola também contribui para a formação de educadores e para a
realização de pesquisas e eventos científicos.
41
Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Durante duas semanas, observou seis aulas de
língua portuguesa em uma sala de 8º ano, com quinze alunos de idades entre treze e dezesseis
anos, sendo dez meninos e cinco meninas.
Nas análises, Andrade mostrou as possibilidades e as dificuldades vividas entre
professores e alunos durante a leitura e a construção de sentidos dos diferentes textos
apresentados. Observou, também, que a professora fez as leituras das notícias de jornal em
LIBRAS e atribuiu sentidos aos textos lidos quando autorizou que os alunos se manifestassem
em LIBRAS. No entanto, a autora percebeu que, quando a professora não utilizava a
LIBRAS, os alunos estranhavam a leitura feita por ela. Mas, Andrade identificou que a
professora e os alunos demostraram respeito e confiança mútua, principalmente, para que
houvesse uma abordagem interativa e efetiva.
Em relação ao ensino para os alunos surdos, a autora nos mostra que é importante que
seja apresentado um número maior de gêneros textuais, sempre privilegiando a LIBRAS
como a língua de base que amplia as possibilidades de compreensão desses alunos.
A autora notou, ainda, que a professora proporcionou atividades em grupo, como uma
forma coletiva de aprendizado que favoreceu a interação e a troca de conhecimento entre os
alunos. Em relação à prática da professora, percebeu um ensino pautado pela diversidade de
textos jornalísticos, narrativos e com Histórias em Quadrinhos. Nesse sentido, Andrade notou
que o uso desses diferentes gêneros permitiu maior construção de conhecimento e a
participação social dos alunos.
Em relação à prática dos professores, Andrade esclarece que cabe ao professor
proporcionar o entendimento do conteúdo, da forma e da estrutura de vários gêneros
discursivos, ensinando e adequando o conteúdo aos recursos linguísticos apropriados a cada
gênero. Como resultado de seu estudo, a autora mostra que, na prática, mesmo sendo
oferecidas as condições necessárias para o ensino da língua portuguesa aos alunos surdos,
como atividade discursiva, os professores ainda têm dificuldades de abandonar o ensino pelo
código. Isto ocorre mesmo no ensino dos gêneros mais complexos, como a poesia, que não
podem ser deixados de fora do conteúdo programático a ser apresentado aos alunos surdos,
pois isto impediria o acesso dos alunos a esse tipo de literatura.
Em relação ao trabalho de Andrade (2012), concordo com a autora quando enfatiza que
compete ao professor o entendimento do conteúdo, da forma e das várias estruturas
discursivas de cada gênero a ser ensinado. Em concordância com Andrade, entendo que o
trabalho com textos deve ter como base o ensino dos gêneros textuais e discursivos, na
42
modalidade escrita, para que os alunos percebam as diferentes situações de uso da língua e
adequem cada gênero ao seu uso.
Semelhantemente a Rodrigues (2008), Oliveira (2014) pesquisou o desenvolvimento de
ensino de língua portuguesa para um aluno surdo a partir do conhecimento em LIBRAS. No
entanto, investigou esse ensino em ambiente acadêmico. Para tal pesquisa, o autor
desenvolveu habilidades de leitura e escrita em língua portuguesa, como segunda língua, para
um aluno surdo no Curso de Licenciatura em Letras/Libras da Universidade Federal de Santa
Catarina. Conforme Oliveira (2014), o aprendizado se constituiu como um processo educativo
interativo entre o professor e pesquisador e o aluno surdo.
O autor focalizou o uso de atividades de leitura em LIBRAS nas produções de redação
com temas livres, e destacou a importância da leitura e do modo como o aluno construía o
sentido dos textos a partir de explicações em LIBRAS. Identificou, também, a necessidade do
uso de sinônimos, de classificadores e de expressões explicativas para o ensino de língua
portuguesa para alunos surdos, por meio da LIBRAS.
As palavras sinônimas são palavras diferentes com sentidos aproximados, segundo
Tamba (2006, p. 28). No caso da LIBRAS, uma língua viso-espacial, não é diferente. Nos
exemplos, dos sinais „velho‟ para objetos, como representação de coisas velhas; e para
pessoas ou animais, como representação de envelhecimento. Esses sinais são diferentes e
utilizados em situações parecidas com significados equivalentes.
Os classificadores são expressões que representam em formas de configuração das
mãos, que mostra ou descreve uma pessoa, um animal ou até mesmo um objeto, conforme
Quadros (2004). De acordo com a autora, os classificadores permitem que o indivíduo surdo
perceba sobre o que está se falando, situações como: duas bolas, alto, baixo e três crianças;
tudo isso são exemplos de classificadores.
Segundo o autor, o uso criativo de estratégias de leitura e escrita, tais como omissão,
seleção, generalização, construção e integração, durante as produções, eram importantes para
o processo de ensino e aprendizagem, bem como o uso de elementos argumentativos,
especialmente no uso dos conectivos (OLIVEIRA, 2014).
Assim, a partir dessas observações, Oliveira notou que houve grandes benefícios tanto
para o aluno surdo, quanto para o professor. Em relação aos benefícios para o aluno surdo, o
autor percebeu um desempenho satisfatório no que se refere ao desenvolvimento da leitura e
da escrita da língua portuguesa. Em relação ao professor, percebeu que houve um processo de
inovação, sobretudo a interação e a comunicação, considerando-se a realidade, as
necessidades do aluno e o meio social no qual vivia.
43
(MIRAIS, 2009). Por esse motivo, a autora acredita que o uso tecnológico proporcionou uma
visão diferente a esses alunos, pois conseguiram desenvolver efetivamente suas atividades
sem prejuízos significativos, através dessa ferramenta discursiva.
Já Oliveira (2010) analisou a utilização de jogos na educação de surdos na
aprendizagem bilíngue. Para a autora, os jogos podem contribuir para a melhoria da qualidade
da educação de surdos, pois possibilitam a oferta de material pedagógico.
A autora compreendeu que os jogos proporcionaram o desenvolvimento de habilidades
sociais, além de terem possibilitado o desenvolvimento de atividades exclusivamente
concretas, principalmente, aos surdos que utilizam uma língua visual. Nesses casos, os jogos
facilitam o aprendizado concreto. Assim, para Oliveira, é importante que o professor elabore
atividades com jogos para os alunos surdos, como forma promotora do aprendizado.
A autora concluiu que os jogos podem ser utilizados como uma atividade pedagógica,
tornando as aulas atrativas aos alunos surdos, devido ao caráter recreativo e visual dos jogos,
que contribuem para um conhecimento criativo, integral e pertinente, dentro das
possibilidades, no uso de Tecnologias de Informação e Comunicação.
Teixeira e Baalbaki (2014) analisaram um projeto de extensão intitulado “Recursos e
materiais para o ensino de português para alunos surdos”, desenvolvido com o intuito de
oferecer discussões para graduandos e professores de língua portuguesa por meio da
perspectiva bilíngue. Esse projeto objetivou, mais especificamente, a discussão sobre quais
materiais didáticos deveriam ser elaborados para que atendessem às necessidades linguísticas
dos alunos surdos, tendo como base a criação de recursos e metodologias de caráter inovador
e experimental. Nesse projeto, foram desenvolvidas oficinas e, nessas oficinas, foram
analisados alguns materiais de uso tecnológico para a educação da comunidade surda.
Para tal fim, Teixeira e Baalbaki (2014) selecionaram algumas bibliografias acerca do
assunto e coletaram materiais didáticos destinados aos alunos surdos. Além disso,
organizaram palestras com profissionais e pesquisadores da área para que discutissem essa
temática. Como resultado, os autores concluíram que as atividades desenvolvidas
proporcionaram reflexão acerca de quais abordagens de ensino são adequadas para esse grupo
de discentes. As autoras apontaram, inclusive, o quanto é importante que se tenha articulação
entre a teoria e a elaboração de novas abordagens para esse ensino. Além de que é
indispensável o desenvolvimento de materiais didáticos que priorizem a adaptação de
atividades, baseadas em diferentes gêneros, a partir do uso da LIBRAS. Segundo Teixeira e
Baalbaki (2014), na prática, o professor precisa se sensibilizar com os modos de aprendizado
diferenciados, ter uma visão crítica de como ensinar a língua portuguesa na modalidade
46
escrita para alunos surdos, ter acesso à cultura surda e, consequentemente, reconhecer a
multiculturalidade de seus alunos.
Numa outra perspectiva, a partir de um estudo de base etnográfica, Júnior (2014)
investigou o uso do Facebook, não apenas como uma rede social, mas também como uma
ferramenta que poderia propiciar aos alunos surdos uma oportunidade de aprendizado da
língua portuguesa, a partir do uso dessa tecnologia digital. O autor propôs esse mecanismo
tecnológico como uma possibilidade de letramento digital, na prática de leitura e escrita da
língua portuguesa.
Participaram da pesquisa o administrador de um grupo do Facebook, além de nove ex-
alunos surdos de uma Escola Estadual e o professor pesquisador. Para as análises, foram
observadas postagens, publicações e interações feitas com outros usuários dessa rede social.
Segundo esse autor, os participantes postavam algumas atividades, como a versão do Poema
Versos Íntimos de Augusto dos Anjos, com a imagem e a legenda para que os alunos
pudessem ler e compreender esse texto, antes trabalhado em sala. Foi postado também, um
vídeo da Música “O povo brasileiro tem fome de quê?”, da banda de Rock Titãs, e questões
sobre esse assunto, além do texto “A Bola”, de Luiz Fernando Veríssimo, e algumas
atividades feitas em grupo e visualizadas por outros membros amigos desses participantes.
Na análise das postagens, o autor percebeu que os textos por eles produzidos continham
coerência textual, mesmo que faltassem neles alguns elementos gramaticais, como conectivos
e preposições. Também notou que os alunos interagiam com os amigos em língua portuguesa,
sem desvios graves das normas gramaticais. Júnior identificou, também, que o ambiente
virtual, para esses participantes surdos, foi um elemento motivador para o aprendizado da
modalidade escrita da língua portuguesa, especialmente, para o desenvolvimento e o estudo
da comunicação.
De acordo com as conclusões de Júnior (2014), o aluno surdo, ao escrever em língua
portuguesa, utiliza, também, estruturas da LIBRAS. Apesar de a forma da língua portuguesa
utilizada nessas atividades não ser a padrão, essa ferramenta – o Facebook – representa uma
oportunidade para que o aluno surdo amplie seu vocabulário e melhore seu processo de
letramento.
O autor ressalta que, consequentemente, nesse ambiente virtual, o aprendizado acontece
de forma atemporal e sem limites de espaço. Serve, assim, como suporte para o ensino e a
aprendizagem da língua portuguesa. Para Júnior, essa ferramenta é uma forma interativa que
flui mais do que os suportes estáticos no ensino para os surdos. No entanto, o autor ressalta
47
que é importante que o professor utilize essa tecnologia a favor dos alunos, não para distingui-
los ou exclui-los, mas para envolvê-los nas práticas discursivas, através da leitura de imagens.
Ainda segundo o autor, essa ferramenta auxilia na leitura, no uso de imagens, como
apoio à leitura, na leitura de símbolos e figuras, como forma de compreensão e de produção
textual. Assim, ela possibilita aos surdos um caminho hipertextual, cibernético que diminuí as
desigualdades entre ouvintes e surdos. Júnior considera que a tecnologia digital tem uma
perspectiva inclusiva e menos tecnicista, que permite o uso da leitura e da escrita aos surdos,
abandonando o ensino funcional e tradicional.
Sua pesquisa indicou que o Facebook é um recurso que pode facilitar a aprendizagem
dos alunos surdos, pois pode ampliar suas oportunidades de construção de conhecimento de
mundo e de aprendizado da língua portuguesa. Sua pesquisa mostra, portanto, que o Facebook
pode ser utilizado dentro e fora do ambiente escolar como uma forma de apoio e interação
para o desenvolvimento das habilidades dos alunos surdos, possibilitando uma verdadeira
inclusão. Outro benefício destacado pelo autor refere-se aos melhoramentos ligados à prática
do professor, que é interativa e efetiva nesse modelo de ensino para o uso da língua
portuguesa.
Depois de aprofundar sobre estudos relacionados ao ensino de língua portuguesa a partir
de recursos tecnológicos, em concordância com os trabalhos de Mirais (2009) e Júnior (2014),
compreendo o quanto é importante que o professor faça escolhas adequadas para que os
alunos sejam envolvidos, de fato, no processo de aprendizagem. A partir do entendimento da
abordagem tecnológica, constato o quanto a escrita se desenvolve e quantos são os benefícios
quando o aluno se envolve com as tecnologias, durante o processo de aprendizagem. Em
relação à prática docente, essa abordagem possibilita ao professor a ampliação de sua visão e
proporciona uma relação comunicativa genuína com os seus alunos. Também, após a
experiência de leitura do trabalho de Júnior, citado acima, compreendo o quanto o uso do
Facebook pode ajudar na aprendizagem da língua portuguesa, sem as complicações que
normalmente se observa. Semelhantemente, ficou evidente que a produção de HQs online,
pode proporcionar interação e desenvolver a habilidade de escrita dos participantes surdos
mais do que os suportes estáticos que não atraem os alunos surdos e nem os ouvintes.
Após abordar e discutir pesquisas relacionadas à formação, à Educação Bilíngue e ao
ensino de língua portuguesa para alunos surdos, na seção seguinte, apresento algumas
informações sobre a legislação vigente, concernente ao tema aqui discutido e finalizo trazendo
as contribuições de autores como Schön (1983), Fenstermacher (1994), Elbaz (1983),
48
No Brasil, foi somente com a Lei 10.436 de 2002 que se oficializou a Língua Brasileira
de Sinais – LIBRAS – como a língua natural, ou como a primeira língua, dos surdos. Essa
conquista concretizou-se a partir de várias discussões e estudos sobre a importância da língua
de sinais para a comunicação e para a inclusão dos surdos, conforme Skliar (2010).
Na Lei 10.845/2004, instituiu-se o Programa de Complementação ao Atendimento
Educacional Especializado às Pessoas Portadoras de Deficiência9 (PAED), que preconizou e
garantiu o atendimento especializado a educandos portadores de deficiências, bem como a
integração em classes comuns de ensino regular.
No ano de 2004, o Ministério Público Federal publicou o documento “O Acesso de
Alunos com Deficiência às Escolas e Classes Comuns da Rede Regular”, com a intenção de
expandir os conceitos e as diretrizes para a inclusão de pessoas portadoras de deficiência,
assegurando o direito e os benefícios da escolarização de alunos com e/ou sem deficiência nas
turmas comuns do ensino regular.
O decreto 5.626/2005 regulamentou a lei 10.098/2002 que considerou a necessidade de
formação docente para o ensino da LIBRAS nas séries finais do ensino fundamental, no
ensino médio e no nível superior, em curso de graduação de licenciatura plena em Letras.
Em relação à formação de professores para a Educação de Surdos, o Decreto 5.626/05
atribuiu ao poder público e às instituições de Ensino Superiores credenciadas no MEC, a
assunção de tal responsabilidade.
Recentemente, em 2015, foi sancionada a Lei 13.146, Lei Brasileira de Inclusão, ou
“Estatuto de Inclusão”, que trata de questões relativas à acessibilidade e à inclusão de alunos
com necessidades especiais na educação, entre outros assuntos. Essa Lei assegurou a
Educação Bilíngue, tendo a LIBRAS como primeira língua e a língua portuguesa, na
modalidade escrita, como segunda língua, em escolas bilíngues ou em escolas inclusivas
(BRASIL, 2015, p. 20). Isto promove o ingresso dessas pessoas com necessidades especiais
às instituições de ensino superior, públicas e privadas. Contudo, para esse acesso, é cobrada a
9
Pessoas Portadoras de Deficiência – Termo empregado naquela época para designar o que hoje é
definido como pessoas com necessidades especiais.
49
escrita da língua portuguesa como segunda língua10 para os alunos surdos, de acordo com o
Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005.
10
(Guia do participante – redação do ENEM 2013, p.: 10): esclarece serem adotados mecanismos de
avaliação coerentes com o aprendizado da língua portuguesa como segunda língua, de acordo com o Decreto nº
5.626, de 22 de dezembro de 2005.
50
limitações sociais às quais o professor está exposto e que dão forma ao seu conhecimento. A
última orientação, a experimental, está centrada na experiência que o professor tem ao lidar,
articular e organizar suas aulas. Assim, segundo a autora, o saber teórico, os valores, a
experiência pessoal e as crenças são apontados como o conhecimento prático. Já o conteúdo é
um aspecto que incluí o subjetivo, as questões curriculares, a matéria programada, os
objetivos de cada aula, o conhecimento dos alunos e os processos que envolvem o ensino,
para que a aprendizagem se concretize.
Em relação à estrutura, o estudo de Elbaz mostra como as atitudes são tomadas em sala
de aula, diante das diferentes situações que possam surgir, e qual conduta, ou postura, devem
ser adotadas em sala, frente aos conteúdos que devem ser ensinados.
Contudo, o conhecimento prático, para Elbaz, não é um simples fazer, mas se configura
como o conhecimento de diversas áreas, e envolve não apenas o conteúdo a ser ensinado, mas
também as experiências pessoais, o contexto curricular e as relações sociais que abarcam a
prática docente. Vincula-se, principalmente, a um ensino que envolve as situações
educacionais, pessoais e sociais, além da experiência prática e teórica, que são interligadas
entre si.
Em concordância com Elbaz (1083), compreendo abranger o conhecimento prático
profissional perspectivas diversas, tais como: as experiências prática e teórica, as condições
pessoais e sociais, bem como as condições situacionais. Nesse sentido, entendo serem essas
condições, também, cruciais que refletem no conhecimento prático-profissional em sala de
aula. As situações conflitantes, por vezes, refletem diretamente na prática docente e podem
acarretar prejuízos em relação à postura do professor em sala. Compreendo que, por vezes,
essas condições saem da sala de aula, vão de encontro às esperas pedagógicas e podem refletir
nas esferas administrativas. Aspecto não mencionado pelo autor e que também refletem no
conhecimento prático profissional.
Schön (1983), tal como Elbaz (1983), entende que o conhecimento profissional não
abarca somente o conhecimento acadêmico, mas é fundado, também, na experiência. O autor
esclarece que essa experiência é assinalada com base na capacidade de fazer escolhas
acertadas e na resolução dos problemas. Segundo Schön, esse profissional pode até buscar o
conhecimento teórico, mas o conhecimento intuitivo o induz à identificação rápida do que é
preciso ser feito para que se possa resolver as situações não habituais em sala de aula.
Assim, para Schön (1983), esse conhecimento resulta no acúmulo de experiência e na
ação competente que proporciona a aprendizagem. Para o autor, esse conhecimento é
51
adquirido na prática diária e com o tempo. Porém, diferentemente de Elbaz (1983), Schön
(1983) encara as situações vividas pelo professor como situações difíceis.
Tal como Schön (1983), entendo serem as diversas situações diárias vividas pelo
professor difíceis de serem resolvidas, principalmente, em situações conflitantes.
O autor afirma que o conhecimento prático abrange alguns tipos de reflexão. O primeiro
refere-se à “reflexão na ação”, que se manifesta, na prática, através de uma determinada ação,
e que ocorre enquanto essa ação se processa, sendo essa “reflexão na ação” um processo que
possibilita a reformulação durante a ação.
Ainda, segundo Schön (1983) existe outro tipo de reflexão, a “reflexão sobre a ação”,
que não ocorre durante a ação, mas depois que essa ação acontece. Trata-se de reflexão que
ocorre depois que o professor atua, ou seja, a reflexão sobre a prática já ocorrida, que reflete
nas outras reflexões antes mencionadas. Para o autor, essas reflexões ajudam o professor a
desenvolver sua prática com maior autonomia, ao tentar compreender seu fracasso, ao ser
mais flexível e construir seu conhecimento prático profissional.
Já Calderhead (1987) aponta que:
Após apresentar as reflexões dos pesquisadores arrolados até este momento, abordo os
pressupostos apresentados por Fenstermacher (1994). Em seu estudo, o autor identifica dois
tipos de conhecimento fundamentais: o formal e o prático. Segundo Fenstermacher, o
conhecimento formal está implicado no conhecimento científico, associando conhecimento de
mundo consolidados a partir de pesquisas acadêmicas, com modelos convencionais, gerais,
que sejam válidos e significantes a determinado campo disciplinar.
Para o autor, o conhecimento prático é “inerente às situações de prática”
(FENSTERMACHER, 1994, p. 12). Assim, o conhecimento prático é construído
coletivamente, a partir das reflexões dos professores, bem como, de seus planos, seus
objetivos e seus desejos, incluindo a experiência vivida. No entanto, Fenstermacher explica
que esses conhecimentos não devem ser dissociados e sim interligados para a construção do
conhecimento profissional.
Telles (1999) descreveu as relações entre a teoria e a prática, percebidas em um grupo
de professores de língua portuguesa. De acordo com o autor, a dicotomia teoria versus prática,
em todo momento, esteve presente no discurso investigado. As diversas metáforas
apresentadas pelos professores esclarecem que a maioria deles sente necessidade da teoria,
como apoio para construírem o seu conhecimento profissional.
Desse modo, Telles entende que os docentes veem a teoria como algo estático que
soluciona os problemas e que o deslocamento da teoria para a prática ocorreria
constantemente.
O autor percebeu que, os professores analisados, equivocadamente, a “teoria pode
subvencionar a prática”, mas a prática jamais poderia estabelecer um produto teórico. Porém,
reconhecem que aprenderam mais com a experiência vivida e compartilhada com os colegas.
Assim, Telles compreendeu que os profissionais da educação valorizam mais suas
experiências ao compartilharem sua prática com os outros colegas, permitindo a construção
coletiva do conhecimento profissional e da ampliação para futuras experiências.
Clandinin e Connelly (1995), por meio de narrativas de professores, organizam
paisagens para compreender de que forma os espaços profissionais modelam e interferem no
conhecimento prático profissional do professor. Esses autores criam a metáfora da paisagem
para tratar o enredo relacional que envolve e interfere no trabalho docente. Para esses autores,
essa metáfora permite transpor o espaço, o lugar e o tempo, bem como possibilita que esse
espaço seja habitado por diferentes sujeitos. Nos estudos de Clandinin e Connelly (1995), essa
paisagem do conhecimento profissional constitui-se de histórias sagradas, secretas e de
fachada.
53
Para eles, essas “histórias sagradas”, aquelas impostas por instâncias externas que
11
refletem nas salas de aula; as “histórias secretas” que são vividas na convivência entre
professor e alunos, dentro da sala de aula como um espaço seguro. As “histórias de fachada”
12
são histórias contadas pelos professores a outros fora da sala de aula. Assim, “as vidas
historiadas dos professores são moldadas sobre e pela paisagem” (Clandinin, 2002).
A investigação narrativa busca compreender como se formam e são formadas pelas
paisagens o conhecimento profissional dos professores.
Monteiro (2013) considerou a Pesquisa Narrativa como forma de narrar às experiências
profissionais e pessoais dos professores pesquisados, por meio de relatos orais e escritos,
inter-relacionando ao pessoal e ao social. A autora buscou compreender, narrativamente, o
conhecimento profissional de professores pela experiência. Por meio dessa pesquisa, percebeu
que a experiência docente somente é compreendida quando nós nos colocamos no lugar
desses professores, dialogando, colaborativamente, para a reconstrução e a resignificância de
seus fazeres.
Monteiro (2013) explica que é preciso o conhecimento e a compreensão das
experiências vividas na docência, como as tensões e os impasses presentes na educação. Esse
conhecimento das experiências rompe com o anonimato e dá lugar à experiência do saber,
dotado de sentidos subjetivos, entrelaçados no espaço e no lugar de aprendizado docente. A
autora enfatiza que o conhecimento prático dos professores é constituído por meio da
experiência pessoal e social, e perpassa a teoria e a prática, o pessoal e o afetivo. Esses pontos
envolvem o individual e o coletivo, as influências, os conhecimentos pessoais e profissionais
do professor.
Monteiro (2013) entende que, independentemente de quem seja o pesquisador, é
possível dizer que todo professor, em formação inicial, leva suas crenças, os pressupostos
aprendidos, os valores, o conhecimento e a experiência, que podem influenciar na construção
de seu conhecimento prático profissional, quando de sua atuação.
Após o estudo sobre os autores abordados, entendo que o conhecimento prático
profissional pode ser entendo como o conhecimento de várias outras áreas que abrangem,
11
Histórias Secretas – A sala de aula é um espaço gerado por professor e alunos, sendo que o primeiro
tem supremacia em relação aos segundos, o que facilita ao docente a vivência de suas “histórias secretas”, as
histórias da prática (MESSIAS, 2008, p. 5).
12
Histórias de Fachada – Considerando-se que os vários espaços fora da sala de aula são moral e
epistemologicamente diferentes, essas histórias somente são compartilhadas em lugares seguros, neutros, em que
os professores sintam que não serão avaliados como incompetentes e, para fugirem desses conflitos, constroem
suas “histórias de fachada” (MESSIAS, 2008, p. 5).
54
desde o conteúdo ensinado, até as experiências pessoais vividas, além do contexto curricular e
das relações sociais que envolvem a prática docente, conforme Elbaz (1983).
Compreendo também que o conhecimento prático é construído por meio de diferentes
situações que são vivenciadas em sala de aula. Então, em concordância com Shön (1983),
entendo que o conhecimento é construído diariamente, com o passar do tempo, e é composto
pelo coletivo através da experiência de outros profissionais da educação.
Portanto, entendo que meu conhecimento acadêmico é perpassado pela prática diária,
pelo coletivo e pelo social, fatores que ultrapassam o âmbito escolar, as experiências pessoais,
e as diversas situações vividas em sala de aula, os conflitos e as situações adversas que levam
à reflexão sobre a necessidade do desenvolvimento de “maior autonomia”, ao rever os
“fracassos” ao ser mais flexível para a construção de um conhecimento pratico-profissional
condizente com as necessidades dos alunos.
55
Este capítulo está organizado em duas partes nas quais compartilho as narrativas e os
sentidos que compus em relação a minha prática docente. Na primeira parte, exponho as
narrativas relativas às experiências vividas em um primeiro momento de minha atuação como
docente e, na segunda, apresento os resultados dessas experiências vivenciadas como
caminhos para possíveis mudanças.
3.1 Iniciando Minha Prática de Ensino de Língua Portuguesa para Minha Aluna Surda
Durante o tempo em que a aluna escrevia, coloquei as roupas na máquina, coei café e
arrumei a mesa para o lanche da tarde. Depois de uma hora escrevendo, Karen entregou-me
sua redação e pediu que eu lesse. No entanto, observei que estava nervosa e ansiosa para que
eu dissesse como estava sua redação. Ao ver a aluna daquele jeito, pedi que fosse assistir à
televisão e tomasse o café da tarde enquanto eu lia e avaliava sua escrita.
Ao ler a redação de Karen, notei que as estruturas das frases eram coerentes com a
escrita de uma pessoa surda ao utilizar a língua portuguesa. Naquela hora, senti o quanto
aquela aluna precisava de mim. Coloquei-me em seu lugar e, ao mesmo tempo, lembrei-me
das minhas próprias dificuldades quando comecei a aprender LIBRAS, que, para mim, ainda
era uma língua na qual eu não era fluente. Depois que li sua redação, reconheci algumas de
suas dificuldades com a língua portuguesa.
Após a avaliação e a retomada de minhas lembranças de aprendizagem, decidi ensinar
Karen a partir daquilo que ela não sabia. Tomei essa decisão logo que identifiquei que sua
escrita não continha uma estrutura sintática que seguisse a ordem canônica da língua
57
portuguesa; também não continha algumas classes gramaticais da língua portuguesa, como os
artigos e as preposições, por exemplo. Percebi, ainda, que a aluna tinha dificuldades para
conjugar os verbos nessa língua.
A partir daquele dia, passei a elaborar as próximas aulas seguindo o que eu entendia ser
adequado para que a aluna aprendesse a escrever uma redação e aprendesse a dissertar.
Em uma das aulas, eu planejava ensinar a classe dos artigos a partir das semelhanças e
das diferenças existentes entre a LIBRAS e a língua portuguesa. A princípio, apresentei
algumas frases com as diferenças entre ambas as línguas, expliquei quais eram os artigos
definidos e indefinidos e apontei as diferenças entre o singular e o plural e entre o gênero
feminino e masculino. Identifiquei e distingui cada um dos exemplos para que a aluna
percebesse as diferenças e semelhanças existentes. Notei, naquele instante, que a aluna apenas
observava minhas explicações, cujo conteúdo pode ser visto no quadro nº 1:
Quadro 1 – Os Artigos
Conceitos: Artigos
Outros exemplos:
Singular Plural
a) A cadeira é bonita. As cadeiras são bonitas.
Os cadernos são bonitos.
b) O menino é um grande jogador. Os meninos são uns grandes jogadores.
As meninas são umas grandes jogadoras.
Fonte: Atividade elaborada pela autora sobre a explicação dos artigos. (Março de 2016).
58
pois margarida é um tipo de flor que faz parte dos vegetais. A partir daquelas explicações,
esclareci que o termo “coração” era específico em relação ao termo “amoroso” que era geral.
Após essa explicação, solicitei que Karen formasse três frases com os artigos definidos
e indefinidos ensinados. A figura 4 ilustra as frases elaboradas pela aluna.
Como meu intuito era ensinar a narrar, a descrever e a dissertar, achei melhor iniciar
pelo narrar a partir do gênero “bilhete”. Esse gênero é usado para informar, narrar algo, ou
algum acontecimento a ser comunicado, e para promover a interação com alguém sobre um
assunto particular, dentre outras finalidades de comunicação. Expliquei que existem vários
outros gêneros textuais e que o uso de cada gênero depende do propósito e da necessidade
encontrada em cada cena comunicacional. Assim, apresentei as características específicas do
gênero bilhete e as estruturas que o diferenciam de outros gêneros textuais. Mostrei também a
importância da data, do local, do assunto a ser descrito, da despedida e da assinatura de quem
envia o bilhete. Esclareci quais eram as finalidades do gênero: informar, lembrar ou dar uma
ordem. Em seguida, apresentei um modelo de bilhete a Karen e pedi que ela produzisse um
bilhete, naquele momento.
Muito descontente, a aluna pediu para beber água e ir ao banheiro e, assim, dei um
intervalo para que pudesse atender ao seu pedido. Karen demorou a retornar, levou mais ou
menos 20 minutos e, no instante em que retornou, disse que não conseguia fazer um bilhete e,
ainda, perguntou para quem poderia escrevê-lo.
Diante de suas dúvidas, informei a Karen que poderia escrever para quem quisesse, e
que deveria apontar, no bilhete, o vocativo e o endereço de que iria receber o bilhete. Depois
dessa indicação, Karen produziu um pequeno bilhete.
Escreveu, rapidamente, e logo me entregou sua produção pronta. Abaixo, apresento o
bilhete produzido por Karen:
60
Ao ler seu bilhete, notei que ela havia escrito um bilhete em poucas palavras e, a partir
daquele momento, fiquei desanimada diante do resultado insatisfatório de sua produção. Falei
com Karen sobre essa questão e ela respondeu não ter muito a dizer. Diante de sua resposta,
pensei que a aluna não tivesse compreendido a forma como o bilhete deveria ter sido feito. Ao
perceber meu desânimo, Karen, toda preocupada, esclareceu que não gostava de escrever, pois
tinha muitas dificuldades. Então, expliquei que o bilhete havia sido utilizado como uma
tentativa de aprendizado e que, somente assim, ela poderia aprender. Depois desses
comentários, lembro-me de que não dei mais espaço para que a aluna falasse, e terminei
aquela aula.
Na experiência seguinte, ensinei a aluna como perceberia a conjugação dos verbos, a
partir de um esquema dos círculos que criei.
Em outra aula, expliquei um pouco sobre os verbos, pois Karen disse que não sabia
inseri-los nas frases. Expliquei sobre os tempos verbais, passado, presente e futuro, e pontuei
a importância de diferenciá-los nas frases.
Em seguida, Karen levantou-se, pegou uma caneta e explicou que sabia quais frases
estavam no presente, mas que não identificava o tempo passado e nem o futuro. Depois de
detectar suas dificuldades, peguei o caderno e fiz três círculos para que ela pudesse visualizar
as diferenças entre os tempos verbais apresentados.
A figura número 6 ilustra o esquema produzido, na tentativa de fazer com que a aluna
compreendesse as diferenças entre os tempos verbais.
61
Após esses esclarecimentos, solicitei que Karen formasse frases, no singular e no plural,
com outro verbo. Depois de verificar que a aluna havia formado várias frases, mencionei que
os tempos verbais poderiam ser pensados por meio de uma reta. Nesse caso, pedi que
imaginasse o tempo através de uma reta desenhada, em que o passado seria o que acontecia
antes da reta, o presente sendo a reta e o futuro, aquilo que aconteceria depois da linha.
Ressalto que trouxe essa observação porque notei que a aluna, na maioria das vezes, escrevia
os verbos no infinitivo e não compreendia a forma como deveria conjuga-los. Logo após essa
tentativa de explicação sobre como o tempo é representado nos verbos, Karen disse que havia
compreendido que o passado em língua portuguesa era entendido em LIBRAS como o
movimento de uma das mãos feito para trás. Já o presente, o movimento de “agora” e o
futuro, como o movimento de uma das mãos para frente.
Ao iniciar nossa aula, nesse dia, procurei apresentar as questões ligadas à formação das
palavras a partir de alguns exemplos da língua portuguesa. Nesse sentido, expliquei a Karen
que algumas palavras podem ser formadas a partir de outras já existentes, ou incorporadas à
língua portuguesa, a partir de outros idiomas, como no caso de “computador”, “internet” e
“delete”, entre outras. Mostrei também como os nomes, ou substantivos, podem se tornar
adjetivos, e vice-versa, e esclareci sobre as diferenças entre as palavras abstratas e concretas.
Naquele dia, tive dificuldades para ensinar as palavras abstratas, pois, para a aluna,
essas palavras tinham sentido vago. Sabendo disso, tentei associar o concreto ao abstrato, no
entanto, mesmo assim, notei que essa relação continuava representando uma dificuldade para
a aluna. Expliquei palavra por palavra e expus que os substantivos abstratos são dependentes
de outros para existir. Já os substantivos concretos têm sua existência própria, ou seja, não são
dependentes de outros para existir.
Continuando, mencionei algumas palavras, tais como “saudade” e “mesa”, que têm
sentidos diferentes. Esclareci que “saudade” é um substantivo abstrato, pois depende de
alguém para que exista. Entretanto, a palavra “mesa” era um substantivo concreto, que não
dependia de outro para existir. Citei outros exemplos, como “amor” e “caderno”, “tristeza” e
“casa”, entre outros. Em seguida, expliquei a questão das palavras de sentido contrário, como
os antônimos. Palavras, como “preto” e “branco”, “pequeno” e “grande”, “menor” e “maior”,
“sol” e “chuva”, “triste” e “alegre”, além de outras. Em seguida, a aluna pediu que eu
explicasse melhor sobre aqueles antônimos. Diante do pedido, esclareci que as palavras
“triste” e “alegre” têm sentidos contrários, pois quando alguém está triste não pode estar
alegre, ao mesmo tempo.
64
Aquela aula foi complicada, pois tive de associar os sentidos de cada exemplo para que
Karen pudesse compreender as diferenças. Depois de três horas de várias exemplificações e
diferenciações dos significados das palavras, terminamos a aula.
diferenciada, que partisse da produção dos gêneros textuais que mais interessavam à aluna e, a
partir daí, que abordasse as questões gamaticais de forma contextualizada.
Ao desempacotar aquela outra aula sobre os artigos, por exemplo, percebo que o ensino
da gramática foi um desafio, mas, até então, eu não compreendia que uma alternativa de
mudança seria o ensino da gramática em uso, contextualizada, e a partir de gêneros
discursivos de seu interesse.
Com base nas experiências vividas e aqui contadas, percebi, também, o quanto não
compreendia que uma pessoa surda não aprenderia língua portuguesa como se fosse sua
primeira língua. Entretanto, mesmo sabendo que a aluna queria e precisava desenvolver suas
habilidades de produção escrita, insisti na exposição de estruturas gramaticais, ao invés de
possibilitar momentos para leitura e escrita do português.
Quando conto aquela experiência de ensino dos artigos, identifico, também, outra
tensão. Notei que, ao explicar as semelhanças e diferenças entre a língua portuguesa e a
LIBRAS, a aluna somente observou e não interveio. Ao rever esse momento da aula,
compreendo que isto ocorreu porque não dei espaço e nem criei condições para sua
participação. Naquele dia, entendi, erroneamente, que sua passiva aceitação era um sinônimo
de entendimento. Diante da leitura e releitura desse momento de aula, reconheço o quanto eu
estava enganada ao repetir os mesmos erros de meus professores do ensino regular. Naquele
instante, compreendi que eu era também uma professora tradicional e autoritária e o quanto
minhas aulas expositivas não eram atrativas para a aluna e nem propiciavam aprendizagem
significativa. Mas, entendi, também, ao recontar as experiências narradas, que aquelas aulas
contribuíram para a construção de meu conhecimento prático profissional.
Ao rever, também, a tentativa de fazer com que Karen identificasse quais eram os
artigos presentes no poema introduzido e, ainda, que verificasse o que eram os termos
genéricos e específicos, sem que antes eu tivesse explicado esse ponto gramatical específico,
percebi que, na verdade, a questão não era tão simples como eu imaginava. Depois de
observar aquela pergunta adequada feita por Karen, entendi o quanto minha abordagem
parecia complexa. Hoje, compreendo que eu elaborava aulas sem planejamento prévio e sem
objetivos específicos que estivessem voltados para as necessidades individuais da aluna.
Ao recontar as experiências vividas, entendo que, naquele momento, eu me sentia uma
professora detentora do conhecimento e que, assim, eu dificultava, ainda mais, o aprendizado
de Karen. Ao repensar minhas atitudes, percebo o quanto é necessário que o professor não se
deixe dominar pelo autoritarismo e que não confunda esse conceito com o de autoridade, que
são conceitos totalmente diferentes. Além disso, reconheço a necessidade de estabelecer em
66
minhas aulas uma relação mais aberta e flexível, que permita o ensino interativo e
colaborativo.
Em relação ao ensino dos tempos verbais por meio do sistema de círculos (Quadro da
p.59), constato algumas inquietações. Ao verificar que Karen, depois que reproduziu o que
solicitei, utilizou LIBRAS para expor o que havia compreendido sobre os diferentes tempos
verbais, comecei a pensar sobre quais foram as razões que me levaram a expor aquele sistema
de círculos para explicar os tempos verbais. Novamente, ao repensar minha prática, lembro-
me de que me preocupei em fazer minha exposição a partir de suas habilidades visuais, mas
não percebi o quanto aquela imagem, com setas para todos os lados, parecia complexa. Além
disso, a aluna poderia ter aprendido os tempos verbais observando vários gêneros discursivos
para notar suas diferenças.
Na última narrativa desse bloco, ao recontar minha experiência de ensino dos adjetivos
concretos e abstratos, percebo outra tensão. Quando tentei esclarecer sobre o sentido oposto
entre os antônimos, Karen disse que não havia entendido e pediu que eu explicasse
novamente. Expliquei categoricamente à aluna que as palavras “triste” e “alegre” tinham
sentidos contrários. Ao recordar esse momento, vejo que minha explicação foi insuficiente,
pois não esclareci adequadamente a questão de forma que a aluna pudesse compreender os
antônimos. Nesse sentido, eu deveria ter explicado que a ideia de que os antônimos são
opostos perfeitos e que têm equivalência direta não é suficiente para defini-los, uma vez que
não há equivalência perfeita entre os opostos. Hoje, vejo que não deveria ter afirmado tão
categoricamente que “triste” e “alegre” são antônimos perfeitos, pois uma pessoa pode estar
triste e parecer alegre, enquanto algumas outras pessoas podem parecer alegres mesmo
quando estão tristes. Além disso, trata-se de adjetivos cujos sentidos envolvem fatores de
ordem subjetiva e experiencial. Hoje, entendo o quanto é crucial o planejamento detalhado
das aulas e o quanto o professor precisa basear sua prática na concepção de língua em uso,
conectada com a vida e com nossas experiências vividas.
Desconsiderei, também, o conhecimento prévio e de mundo de Karen. Logo no início
de nossas aulas, a aluna escreveu uma redação, conforme minhas determinações e orientações,
mas, hoje, me pergunto por que não propus que partíssemos de seus próprios textos para
estudar a íngua portuguesa. Talvez porque eu estivesse mais preocupada em ensinar, ao invés
de me preocupar em propiciar condições para que Karen aprendesse.
Porém, como já foi dito, a forma como vivi inicialmente minha prática docente com
Karen criou condições para que eu pudesse repensar o meu fazer docente e tivesse a
67
Em uma das aulas, apresentei a Karen uma História da Mônica em DVD 13, com
sinalização em LIBRAS, e mostrei que aquele gênero apresentava vários diálogos. A partir
daquela história sinalizada, conversamos sobre como produzir um diálogo. Aos poucos,
retomei o tópico e perguntei quais eram os personagens e o enredo da história. Em seguida,
Karen sinalizou quais eram os personagens e qual era o contexto da história.
Dando continuidade a nossa aula, apresentei um programa on-line14 pelo qual Karen
poderia construir sua História em Quadrinhos (HQ). Expliquei como utilizaria aquele
programa e como poderia elaborar um diálogo. Inicialmente, mostrei as ferramentas do
programa, apresentei os ambientes e os diferentes temas que Karen poderia escolher, tais
como visita ao shopping center, ao parque e à fazenda, entre outros ambientes diferentes que
poderiam ser montados de várias formas. Apresentei, também, onde poderiam ser inseridos os
balões de diálogo e quais os formatos existentes, além de como escolheria os personagens e
onde escreveria a história. Depois, deixei que Karen pesquisasse e identificasse as
ferramentas disponíveis naquele programa on-line. Logo, a aluna examinou e conheceu o
programa e, aos poucos, montou a sua HQ.
13
História da Mônica (de Maurício de Souza) em DVD – "Uma Aventura no Tempo" com LIBRAS.
DVD/4 – 2014.
14
Pixton – programa de criação de história em quadrinhos em que o usuário pode construir quadrinhos,
escolhendo os personagens, o lugar e escrever a história. www.pixton.com.br
68
Fonte: História em quadrinhos elaborada pela aluna com aplicativo pixton (Abril de 2016).
69
Fonte: História em quadrinhos elaborada pela aluna com aplicativo pixton (Abril de 2016).
Durante sua produção, notei que estava empolgada, pois ficou no computador por uma
hora produzindo aquela História em Quadrinhos. No decorrer de sua produção, observei que a
aluna havia criado sua HQ com vários detalhes e diálogos, mas durante todo o tempo em que
produzia a história, não se direcionou a mim. Aos poucos, Karen selecionou os personagens,
os balões e escreveu a história. Diante daquela produção, compreendi o quanto Karen poderia
aprender e o quanto se sentiu à vontade com aquele recurso tecnológico.
Ao observar aquela aula, notei que eu não precisava ser sempre a professora expositiva
e a figura central na sala de aula. Entendi que eu precisava criar condições para que a aluna se
engajasse em sua produção e em sua experiência de aprendizagem.
70
Para uma de nossas aulas, decidi trabalhar com a escrita de cartas e comecei a explicar
para Karen como produziria uma carta pessoal. Expliquei que esse gênero poderia ser
elaborado para uma pessoa com quem se tem mais intimidade, sem que fosse inconveniente.
Confusa, Karen me perguntou o que era inconveniente e expliquei que uma pessoa
inconveniente era uma pessoa desagradável. Continuando, comentei que uma carta pessoal
seria utilizada para informar, comunicar ou narrar algo para alguém. No entanto, Karen disse
que aquele gênero não era mais usado e que havia sido substituiu pelo e-mail. Naquele
momento, fiquei surpresa e somente afirmei com a cabeça que estava correta.
Depois do comentário de Karen, retomei minha explicação e esclareci que uma carta
poderia ser enviada para um parente, por exemplo, e comentei sobre a estrutura e o que era
preciso ser colocado em uma carta: a cidade, a data e o vocativo, que informa a quem é
direcionado o assunto. Ressaltei a importância da despedida na escrita de uma carta.
Antes que eu terminasse, Karen interrompeu a explicação e me perguntou se poderia
mandar um e-mail para alguém. Respondi que poderia, sim, para quem quisesse. Diante de
sua atitude, liguei o computador e abri a caixa de e-mails para que escrevesse. Naquela hora,
solicitei que Karen enviasse uma mensagem para mim. Perguntei, também, se tinha endereço
de e-mail e a aluna respondeu que sim.
O perfil no Facebook
Depois que Karen criou seu perfil, comentei que poderia inserir nele seus sentimentos,
desejos e sonhos. Karen disse que gostava de várias coisas e que não sabia muito falar sobre
suas preferências. Novamente, mostrei meu perfil (p. 68) para a aluna e, logo depois, Karen
completou as informações que faltavam em seu próprio perfil.
portuguesa por meio de alguns gêneros textuais sobre os quais a aluna havia manifestado
interesse.
Ao recontar minha experiência, vejo a possibilidade de me ressignificar (CLANDININ;
CONNELLY, 1995). Busquei, em minhas tentativas, deixar a posição de única gestora das
aulas e me reposicionar enquanto profissional, tentando ser mais flexível e menos engessada
no tradicional.
No entanto, apesar das tentativas de mudança, encontrei tensões ao recontar a
experiência de produção de uma História em Quadrinhos. No início, expliquei como a aluna
utilizaria aquele programa, como inseriria e produziria sua História em Quadrinhos. Porém,
quando percebi que a aluna produzia sua HQ sem ao menos solicitar minha ajuda, me senti
deslocada e sem o meu papel de professora naquela aula. Lembro-me que senti uma sensação
de impotência ao notar que Karen não necessitava tanto de meu auxílio. Sua autonomia
causou-me estranhamento porque me vi fora do que entendia como meu papel enquanto
professora. Ao rever essa questão, compreendi que eu ainda estava apegada às aulas
expositivas e, quando me notei envolvida em outra possibilidade de aula, senti-me angustiada
e sem saber o que fazer.
Todavia, quando observei que a aluna empolgada havia produzido duas HQs, mesmo
que eu tivesse solicitado que produzisse apenas uma, percebi que aquela aula diferente
também poderia ser um caminho de ensino e aprendizagem. Ao rever essa experiência,
entendo que, ao invés do ensino descontextualizado da gramática, eu poderia ceder espaço
para o estudo de diversos gêneros textuais para que Karen aprendesse a argumentar.
Hoje, compreendo que o ensino de gramática contextualizada, a partir dos gêneros, pode
permitir o aprendizado da escrita para os alunos surdos, sem que seja imposta uma abordagem
contrastiva entre a língua portuguesa e a LIBRAS.
Ao recontar a próxima experiência, em que apresento o ensino do gênero carta, percebo
certa inquietação, que não poderia passar despercebida. Ao tentar propor aquela aula, solicitei
que trabalhássemos com o gênero carta. Porém, Karen, antes que eu terminasse as explicações
sobre a estrutura e as marcas linguísticas relativas ao gênero, propôs que substituíssemos o
gênero carta pelo gênero e-mail. Naquela hora, recordo-me de que vieram a minha mente as
tentativas de mudança que teriam que persistir em mim. Assim, de forma flexível, permiti que
a substituição fosse feita e expliquei como produziria um e-mail para alguém que desejasse.
Naquela hora, vi-me tentada a voltar as minhas velhas concepções, mas me lembrei de quais
seriam os benefícios daquela nova abordagem e continuei aquela aula sobre o gênero, tal
como proposto pela aluna.
74
Cabe ressaltar, no entanto, que, embora eu tenha flexibilizado minha prática e deixado
que a aluna trabalhasse com um gênero de sua escolha, ainda mantive certa posição
centralizadora. Hoje, vejo que não precisava ter explicado o que é o e-mail, pois, ao invés de
uma explicação formal, nós poderíamos ter coletado, juntas, diversas mensagens de e-mail
para que pudéssemos, juntas, analisá-los. Dessa forma, a aluna teria tido a oportunidade de
descrever, ela mesma, as características do gênero e-mail (pessoal), para que depois pudesse
ter feito suas escolhas na hora de produzir o seu próprio.
Por fim, reconto a última experiência de perfil do Facebook, em que tento mudar minha
prática. Nessa narrativa recontada, revejo que procurei pela tecnologia integrar uma diferente
possibilidade em minha prática.
Porém, ao recontar aquela experiência, notei que, novamente, comecei a aula de forma
expositiva, mas, depois, recorri à produção do perfil da aluna. Nesse caso, revendo minhas
ações, encontro uma tensão que me incomodou. Ao apresentar um exemplo de perfil, recorri
apenas a um modelo para que o reproduzisse. Hoje, percebo que poderíamos ter buscado,
juntas, vários outros exemplos de perfil para Karen, que permitissem uma rica análise do
gênero. Mas, apresentei apenas o meu perfil para a aluna. Ao rever aquela aula, compreendo
que poderia ter planejado e organizado melhor esse aspecto da aula, utilizando vários outros
exemplos. Novamente, pude perceber em mim aquela professora centralizadora e expositiva,
que não criava espaço para que Karen pudesse se tornar agente de seu próprio processo de
aprendizagem.
Diante daquela ação, vejo que poderia ter mostrado perfis diferentes com mensagens,
textos diversos, ou imagens que levassem a aluna a compreender como esse gênero estaria se
tornando um gênero híbrido.
Ao rever a paisagem de minhas aulas, noto uma imagem que veio a minha mente, como
uma metáfora sobre a minha prática. Nessas tentativas, visualizei uma escada em que dei
alguns passos curtos e lentos e consegui subir poucos degraus. Mas, compreendi que a
construção do conhecimento prático profissional requer tempo, comprometimento e
experiência.
Mas, ao compor sentido de minhas experiências, compreendo que consegui mudar algo
em mim, porém ainda posso mudar mais. Ao invés de manter uma prática centralizadora e
expositiva, posso atuar como mediadora no processo de ensino e aprendizagem.
Compreendi que os conflitos e as tensões são pontos de observação que possibilitam a
busca pela compreensão, de acordo com o que apontam Clandinin e Connelly (1995). Nessa
75
busca, entendo que o professor pode rever sua prática e mudar suas ações e,
consequentemente, mudar o próprio processo de ensino e aprendizagem.
Sei que ainda tenho que aprender muito e construir conhecimento prático, pessoal e
profissional sobre minha própria prática docente e sobre o contexto de ensino de língua
portuguesa para alunos surdos, como Karen. Mas, entendo que já dei meus primeiros passos.
76
CONSIDERAÇÕES FINAIS
permitiu dar espaço para que a aluna desenvolvesse mais sua autonomia. Juntas, poderíamos
ter levantado, lido e analisado diversas mensagens de e-mail e HQs e variados modelos de
Perfil no Facebook, até que a aluna conseguisse perceber suas formas textuais/discursivas e
sistêmicas, para que, então, pudesse fazer suas opções de elaboração e escrita. Mas como
deixar de ser o centro das atenções em minha aula? Eu não sabia o que fazer enquanto Karen
criava sua HQ, por exemplo. Como ela poderia não precisar de minhas explicações o tempo
todo?
Retomando meu objetivo inicial e minha questão de pesquisa, entendo, hoje, que minha
experiência de ensino de língua portuguesa para minha aluna Karen foi uma experiência de
imposição de um modelo de ensino de línguas. De acordo com aquele modelo, que eu
conhecia e utilizava em minhas aulas, aqueles gêneros textuais tradicionais pareciam ser o que
eu deveria naturalmente trabalhar com ela, sem respeitar suas necessidades, seus desejos, seu
conhecimento de mundo e seu conhecimento prévio sobre a língua estudada. Por outro lado,
foi uma experiência que me permitiu aprender muito sobre mim mesma e sobre o meu fazer
docente. Meu conhecimento prático profissional, até então construído por mim, foi
chacoalhado. Assim como eu, a professora, a gramática fora de contexto não precisava ser o
centro de nossas aulas. Parece que nem mesmo considerei que nosso contexto era o de ensino
e aprendizagem de língua portuguesa para uma aluna surda, portanto, português como uma
segunda língua. Cabe ressaltar que entendo, hoje, que o sistema da língua pode e deve ser
aprendido, mas entendi também que ensinar a língua é diferente de ensinar ou falar sobre a
língua.
Posso dizer, hoje, que a experiência vivida com Karen me permitiu redesenhar, ou
reconstruir, meu conhecimento prático profissional. E essa reconstrução tem tido reflexos em
minhas aulas na escola em que trabalho. Entendi que, desconsiderar os alunos, ou ficar
“surda” aos seus interesses e necessidades, não parece mais o melhor caminho para viver a
experiência de ensino e aprendizagem de língua portuguesa, independentemente do tipo de
aluno.
Ao rever minhas escolhas, meus posicionamentos e as tentativas de mudança, vejo que
não dei um salto, mas um passo pequeno, porém importante, como forma de mudança. A
partir dessas reflexões, procuro compreender qual foi o processo de construção de meu
conhecimento prático, processo que trouxe inquietações e até incertezas de como continuar
atuando. Esses passos dados foram importantes para que eu entendesse melhor quais eram as
minhas dificuldades, mais do que quais eram as dificuldades da aluna. Tenho clareza, hoje, de
que a construção de meu conhecimento prático profissional ocorre como um processo
78
contínuo que perpassa novas experiências que surgem na vida de uma professora em
movimento.
Em relação aos meus questionamentos de pesquisa, procurei compreender como pode
ser vivida a experiência de ensino de língua portuguesa para uma aluna surda e quais são as
implicações das experiências vividas para a construção de meu conhecimento prático, pessoal
e profissional. Hoje, depois de um tempo, comprometida com os resultados da pesquisa, vejo
que compreendo essa experiência como uma forma de rever meus conceitos, meus desejos e
meus propósitos enquanto professora. Vejo também o quanto à experiência me trouxe a
consciência de que eu não posso parar de aprender e de praticar abordagens diferenciadas que
busquem atender aos interesses dos alunos durante minhas aulas de língua portuguesa, tanto
para alunos surdos, quanto para os ouvintes.
Outra questão importante a ser mencionada refere-se à fragilidade e às limitações de
minha pesquisa. Durante a escrita de minha dissertação, notei-me confusa em relação aos
termos da Pesquisa Narrativa. Nas leituras e releituras que fiz sobre Pesquisa Narrativa, eu
entendia que demonstrar não entendimento e dúvidas era algo inaceitável para uma
mestranda. Assim, eu não expunha meus questionamentos e dúvidas, quando dos encontros do
grupo de pesquisa e também nos momentos de orientação. Silenciei-me e permaneci assim
por muito tempo, até que, diante dos prazos, notei que fazer um curso mestrado é estudar, em
geral, sobre o que não sabemos, ou sobre o que pouco sabemos. Mas, demorei a perceber isto
e, certamente, minha dissertação expõe um pouco de minha fragilidade, não somente em
termos do caminho teórico-metodológico perseguido, mas também em relação ao percurso
teórico de pesquisa. Eu poderia, e talvez devesse, ter abordado estudos e autores que tratassem
do ensino bilíngue e do ensino de português como segunda língua, por exemplo, mas não o
fiz, pela premência do tempo. Os dois anos de mestrado passaram muito rápido, e muito ficou
pelo caminho. Mas, isto também é um aprendizado.
Após mencionar minhas fragilidades, vejo a possibilidade de serem desenvolvidas
possíveis outras investigações que possam se seguir a esta. Hoje, vejo a possibilidade de
realizar um estudo sobre o uso das tecnologias digitais e assistivas para o ensino de português
para alunos surdos e não surdos. Vejo também a possibilidade de realizar pesquisas sobre o
ensino de português a partir de uma abordagem que parta da noção de gêneros
textuais/discursivos. Talvez possa também desenvolver pesquisa sobre minha própria escrita
em língua portuguesa, pois, ao longo do processo de redação desta dissertação, observei
minhas dificuldades na escrita e notei que meu português em muito se assemelha àquele
utilizado por Karen. Esta versão final da dissertação foi revisada várias vezes, mas tenho
79
Nesse processo, entendi que muito de mim, na condição de mãe, permanecia presente na
pesquisadora e na professora de ensino médio, mas percebi também que ecoava em meu
coração a vontade de dizer que aquela aluna surda era, sim, a minha filha.
Narrativamente, termino o relato dessa experiência dizendo que a construção de meu
conhecimento prático pessoal e profissional perpassa minhas lembranças de leitura, e que
minhas dificuldades, enfrentadas junto com minha filha surda, percorrem minhas escolhas
acadêmicas e terminam na escrita desta dissertação. Assim, finalizo dizendo que a mãe, a
pesquisadora e a professora são uma só pessoa, mas que meu conhecimento prático, pessoal e
profissional permanecerá em construção, percorrendo esses três papeis que compõem uma
Pesquisadora Narrativa em construção.
81
REFERÊNCIAS
ALBRES, N. de A.; Neves, S.L. G. Libras em estudo: política educacional. São Paulo:
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ALMEIDA, D. L. de; Santos, G.F.D. dos; Lacerda, C.B. F. de. O ensino de português como
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Você está sendo convidada para participar da pesquisa intitulada: “Tenho uma aluna
surda: as narrativas no ensino de Língua Portuguesa em contexto particular”, sob a
responsabilidade das pesquisadoras: Dra. Dilma Maria Mello e Profa. do PPGEL (Programa
de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos) da Universidade Federal de Uberlândia e
orientadora da pesquisadora Elaine Amélia de Morais.
Nesta pesquisa nós buscamos contar as experiências vividas no ensino de Língua
Portuguesa para uma jovem surda, de vinte anos de idade, em contexto familiar, residente em
Araguari/MG. As aulas serão narradas e analisadas para segundo a Pesquisa Narrativa, para
composição de sentido. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido será obtido pela
pesquisadora Elaine Amélia de Morais, e deve ser assinado por você, antes da primeira aula
de ensino de língua portuguesa a ser ministrada pela pesquisadora. Aulas que acontecerão na
residência da pesquisadora, que reside na cidade de Araguari. Os resultados serão publicados
e mesmo assim a sua identidade será preservada. Você não terá nenhum gasto e ganho
financeiro por participar na pesquisa. Também pode haver o risco da identificação do
participante da pesquisa. Contudo, com a finalidade de não contrariar a Resolução 466/12, a
equipe executora compromete-se com o sigilo absoluto a propósito da identidade da
participante, tendo a certeza de que não será identificada durante as aulas, nas narrativas, nas
análises e nem na escrita, ou seja, em toda a pesquisa. Outro risco existente é o de a
participante se sentir constrangida ou incomodada durante as aulas e durante a exposição das
narrativas. Caso isto ocorra, a pesquisa será interrompida. Os benefícios são indiretos, pois
auxiliará a participante a aperfeiçoar sua escrita e ter mais oportunidades em processos
seletivos. Você é livre para deixar de participar da pesquisa a qualquer momento sem nenhum
prejuízo ou coação. Qualquer dúvida a respeito da pesquisa, você poderá entrar em contato
com as pesquisadoras: Dilma Maria de Mello e Elaine Amélia de Morais, Av. João Naves de
Ávila, 2121. Campus Santa Mônica – Bloco U, 3239-4162, ramal 256. Poderá também entrar
em contato com o CEP/UFU: Av. João Naves de Ávila, nº 2121, bloco A, sala 224, Campus
Santa Mônica – Uberlândia –MG, CEP: 38408-100; Fone: (034) 3239-4131.
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Dilma Maria de Mello Elaine Amélia de Morais
Eu aceito participar do projeto acima, voluntariamente, após ter sido devidamente esclarecida.
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Participante da pesquisa
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