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Material para Artigo.3
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PUC-SP
SÃO PAULO
2008
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
São Paulo
2008
Banca Examinadora
_________________________
_________________________
_________________________
FICHA CATALOGRÁFICA
Este texto será escrito com a informalidade que me é característica. Não conseguiria
senti-lo sincero e parte de mim se assim não o fosse. Assim como os poetas têm
licença poética para expressarem suas almas, peço licença acadêmica para expor a
minha. E já que comecei com um pedido, acrescento outro: entendam que citar
nomes é um sofrimento tão grande quanto não citar. O anonimato em grupos
qualificadores não pretende desmerecer o apoio recebido. Saibam, não é
esquecimento, impossível esquecer qualquer carinho, é impossibilidade devido à
restrição do espaço. Afinal, a folha de agradecimento presente em toda dissertação é
a prova mais contundente de que esta não é uma produção solitária, uma multidão
está presente nestas linhas. A pesquisa só é possível com o apoio de uma extensa
rede de colaboradores. Todos em volta acabam, de certa forma, às vezes até de
modo involuntário, envolvidos no processo. Como é inevitável arrisco-me a dedicar
algumas palavras a pessoas e grupos que deste processo fazem parte direta ou
indiretamente ou, ainda, pelo fato de simplesmente existirem.
Minha querida e admirada orientadora Profa. Dra. Ângela B. C. T. Lessa, obrigada por
aceitar me acompanhar nesta pesquisa. A sua disponibilidade irrestrita, sua forma
exigente, crítica e criativa de questionar as idéias apresentadas, creio que deram
norte a este trabalho, facilitando o alcance de seus objetivos. Graças a sua orientação
segura, a sua disponibilidade e ânimo para ouvir todas as dúvidas, inseguranças,
questões e confusões, a sua disposição imensa para propor novos caminhos e
estimular o processo de reflexão, é que este trabalho cresceu, se agigantou. Respeito
muito sua coragem de ousar trabalhar com novas idéias e conceitos, correndo os
riscos inerentes a esta atitude. A admiração que, aqui, torno pública vem do
compromisso e paciência cotidianos, da inquietação, da ansiedade, dos tantos e
inesquecíveis diálogos, da hospitalidade, do humor, da amizade e do domingo que me
ensinaram muito mais do que é possível dizer em um texto. À amiga, devo mais do
que os ensinamentos que cabem no espaço de uma tese. Pela alegria de
trabalharmos juntas é que procurei, com a seriedade de meu trabalho, retribuir a
confiança em mim depositada.
A meus mestres, tanto os que fizeram parte de minha formação básica quanto da
acadêmica, sou grata por me ensinarem através da palavra e do exemplo que a busca
pelo conhecimento deve ser incessante. Obrigada pelas aulas, pelas sugestões pelos
conselhos e dicas informais, pelos livros emprestados, por me permitirem participar de
um mundo vertiginoso de descobertas que ajudaram e apoiaram minha formação.
Aos colegas de cursos e de vida, pelo desafio de tantas horas entre as paredes das
instituições, de partilhar a vida, ou uma simples palavra, ou sutil silêncio ou a
inacreditável loucura, a eles minha gratidão por tanta, tanta alegria e amizade.
Inevitável lembrar os colegas deste curso e de nossa mesa gigante de almoço perto
da PUC.
Aos meus amigos que compreenderam minha ausência. Quanto café estou devendo...
Quero agradecer a todas as pessoas que se fizeram presentes, que se preocuparam,
que foram solidárias, que torceram por mim. Daniela, por me incentivar a apresentar
meu projeto na PUC, me dar sua mão nos momentos iniciais, pelo seu estímulo,
amizade e confiança que nasceram na graduação. Cris, com sua disposição para
assinar toda a papelada do comitê de ética. Jonas e Ednéia, pelo empenho na
confecção dos horários, adequando-os às disciplinas que precisava cumprir. Tantos
outros afetos...
Aos novos amigos, José Carlos e Débora, duas amizades imprescindíveis na vida de
qualquer ser humano. Por partilharmos o mesmo objetivo é que nossas pesquisas se
misturaram e vocês estão aqui, co-autores destas reflexões. Dé, companheira de
curso, por ter me ajudado a manter a calma e me incentivado nos momentos
difíceis, oferecendo seu ombro e sua atenção, mesmo quando ela estava
ocupada com o próprio Mestrado.
Às escolas e aos alunos Surdos e ouvintes, que fizeram e fazem parte de minhas
inquietações profissionais. O compromisso que tenho com meus alunos e com o meu
trabalho (amo a docência) é que me trouxeram para a pesquisa. Colaboradores da
pesquisa, o meu muito obrigado pela compreensão dos objetivos deste estudo e por
participarem com muita disposição deste trabalho. Aos alunos, meu reconhecimento
pela disponibilidade com que atenderam à minha solicitação. Às professoras, pena
não poder nomeá-las, por me receberem em suas salas de aula/atendimento e se
desnudarem colaborativamente diante de câmeras e gravadores.
À Professora Ana Lodi e, novamente, à Professora Cecília Moura, por aceitarem fazer
parte deste caminhar, estando na Banca de defesa pública desta pesquisa. Espero
que este texto corresponda ao que vocês esperam de um pesquisador interessado no
campo da Surdez, uma vez que dedicaram suas vidas a este tema.
A minha mãe, pessoa mais importante de todo este trajeto, de minha vida. Pelo seu
amor que me infundiu a confiança necessária para realizar os meus sonhos. Por me
ensinar a importância da construção e coerência de meus próprios valores. Foram
eles que me deram a liberdade, a curiosidade e a possibilidade de me maravilhar com
o mundo. Por ficar no corredor do LAEL com minha filha, durante as aulas, ajudar nos
cuidados e brincar muito com ela para que não sofresse com minha ausência. Eu
sempre me orgulho de você, Sebastiana Candido Francisco Sudré.
Aos meus três irmãos, Maurício, Alessandra e Marcela, por me apoiarem e serem
especialmente fraternos, coisa rara entre os irmãos (Má, também pelas transcrições).
Meu muito obrigada pela compreensão quanto ao afastamento e ausência em
momentos especiais, por serem meus maiores amigos e por estarem sempre perto.
Obrigado por depositarem em mim a confiança para todas as horas. Por tudo que
passamos juntos, sei que vocês se orgulham por eu ter atingido uma etapa que
nenhum outro de nós tinha atingido antes. Mas este orgulho que sentem por mim,
converto numa obrigação de, a cada dia, procurar ser mais digna dele. Eu também me
orgulho de vocês.
A meu marido, Vanderlei, por me apoiar sempre, por me fazer sentir amada, por
acreditar em mim, por ficar na sala ao lado, na PUC, com nossa recém nascida, por
assumir, em muitos momentos, nossas responsabilidades, sozinho (como noites,
acordado, com nossa filha), por ser você, meu companheiro de vida. Por ter estado ao
meu lado, me incentivando desde o Ensino Médio. Foi indispensável a compreensão e
o imenso carinho com que me ouviu falar todo o tempo, mesmo quando não
entendia nada (obrigada, principalmente, pela expressão de que o assunto
era interessante). Acredito que, por vezes, deve ter detestado a mim e a este
trabalho, pois ele sacrificou muitos momentos que poderíamos ter desfrutado juntos,
mas sempre incentivou, sempre apoiou e, o melhor de tudo, sempre me cobrou para
que eu continuasse mostrando uma crença infinita na minha capacidade. Por você
existir na minha vida é que foi possível concluir mais esta etapa desta vida que vamos
construindo juntos. TE AMO.
A minha filha Helena que chegou junto com este projeto e, mesmo pequenina, soube
esperar algumas vezes pela sua mamãe. Filha, você ilumina cada instante da nossa
vida.
A Deus, por ter me iluminado e me abençoado para que este sonho nascesse e fosse
adiante...
RESUMO
INTRODUÇÃO..................................................................................................... 1
CAPÍTULO I......................................................................................................... 7
1. Fundamentação Teórica – O Ensino-Aprendizagem de Linguagem para 7
Surdos.............................................................................................................
1.1. Inclusão................................................................................................... 7
1.2. Teoria Sócio-Histórico-Cultural (TSHC).................................................. 15
1.3. Ensino-Aprendizagem e Desenvolvimento........................................... 16
1.3.1. Conceitos Cotidianos e Conceitos Científicos............................... 19
1.3.2. Mediação....................................................................................... 20
1.3.3. Funções Psicológicas Superiores................................................. 21
1.3.4. Linguagem..................................................................................... 22
1.3.4.1. Linguagem, Surdez e Educação...................................... 25
CAPÍTULO II........................................................................................................ 32
2. Metodologia – caminhos da pesquisa............................................................. 32
2.1. Tipo de Metodologia................................................................................ 32
2.2. Contexto................................................................................................. 33
2.2.1. A Escola de Origem dos Alunos Surdos...................................... 33
2.2.2. A Escola Onde se Desenvolve a Pesquisa.................................. 34
2.2.2.1. HTPC.............................................................................. 36
2.3. Participantes de Pesquisa....................................................................... 37
2.3.1. Pesquisadora............................................................................... 38
2.3.2. Professora Lígia........................................................................... 39
2.3.3. Professora Amanda...................................................................... 39
2.3.4. Professora Catarina..................................................................... 40
2.3.5. Os Alunos..................................................................................... 40
2.4. Geração de Dados e Instrumentos de Coleta......................................... 41
2.4.1. Dados........................................................................................... 41
2.4.2. Decisões de Transcrição.............................................................. 42
2.5. Categorias de Análise............................................................................. 46
2.5.1 Conteúdo Temático...................................................................... 47
2.6. Credibilidade da pesquisa...................................................................... 47
CAPÍTULO III....................................................................................................... 49
3. Análise e Interpretação de Dados................................................................... 49
3.1. Entrevista com professora de sala SAPE............................................... 49
3.1.1. Tema: Ensino-Aprendizagem....................................................... 49
3.1.2. Tema: Inclusão/Exclusão.......................................................... 59
3.1.3. Tema: Linguagem........................................................................ 63
3.1.4. Tema: Surdo................................................................................. 65
3.1.5. Conclusão da análise da entrevista com a professora de sala
SAPE........................................................................................... 66
3.2. Entrevista com Lígia - professora de sala regular................................... 68
3.2.1. Tema: Ensino-Aprendizagem...................................................... 68
3.2.2. Tema: Linguagem....................................................................... 73
3.2.3. Tema: Inclusão/Exclusão............................................................ 74
3.2.4. Conclusão da análise da entrevista com Lígia - professora de
sala regular................................................................................. 78
3.3. Aula da Lígia - professora de ensino regular......................................... 79
3.3.1. Análise dos conteúdos Temáticos.............................................. 80
3.3.2. Conclusão da análise da aula da Lígia - professora de sala
regular......................................................................................... 89
3.4. Entrevista com Amanda – professora de sala regular.......................... 91
3.4.1. Tema: Ensino-Aprendizagem..................................................... 91
3.4.2. Tema: Inclusão/Exclusão............................................................ 99
3.4.3. Tema: Linguagem....................................................................... 100
3.4.4. Tema: Surdo............................................................................... 101
3.4.5. Conclusão da análise da entrevista com Amanda. 102
3.5. Aula da professora Amanda - professora de classe regular.................. 103
3.5.1. Conclusão da análise da aula da Amanda – professora de
sala regular................................................................................ 109
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 110
ANEXOS.............................................................................................................. CD
ROM
ÍNDICE DE QUADROS
1
Para marcar minha posição em relação à Surdez a partir do aspecto cultural e lingüístico e me distanciar da
visão médico-fisiológica, os termos Surdo e Surdez sempre serão grafados, nesta pesquisa, com letra
maiúscula. Esta distinção também aparece em outros trabalhos tais como: Sacks (1998), Padden e Humphries
(1999), Moura (2000), Skliar (2001), Goldfeld (2002).
2
Estudos dos Distúrbios da Áudio-comunicação.
3
Agradeço a esses grupos de estudos pelas preciosas discussões que formaram a base inicial de meus
conhecimentos acerca da Surdez; e ressalto a bravura e o compromisso ético desses profissionais que, sem
apoio técnico da Secretaria de Educação, lançaram-se ao desafio de fazer a educação a que o Surdo tem
direito.
pelos Estudos Surdos (Skliar, 1997,1998) em oposição às propostas de orientação
médica, que eram uma constante na educação de Surdos.
Com a LIBRAS oficializada, tornava-se necessária a construção de um
currículo que obedecesse à recomendação da UNESCO (1954), no tocante ao
direito que têm as crianças de serem educadas em sua própria língua e, no caso
dos Surdos, em LIBRAS. Entretanto, articular esse direito com a orientação na
LDB 4 (BRASIL, 1996), para a matrícula preferencial do aluno com necessidades
educativas especiais 5 (NEE) na rede regular de ensino, tornou-se um novo desafio
que se impunha para nós.
Segundo a política educacional do município de Diadema, em consonância
com a política nacional, os alunos que terminavam o Ensino Fundamental II na
escola especial, eram encaminhados a escolas regulares para serem incluídos em
classes comuns do Ensino Médio. Entretanto, após o inicio do ano letivo, esses
alunos voltavam à escola especial na qual tinham estudado anteriormente,
mostrando-se bastante desanimados com as dificuldades encontradas na tentativa
de adaptação à nova escola regular. A principal queixa advinha do fato de não
haver professores que dominassem a LIBRAS na escola. Mesmo com nosso
empenho em encorajá-los a continuar, muitos desistiam de concluir sua educação
básica.
Para tentar diminuir a evasão desses alunos, a escola especial organizou
um projeto que buscasse auxiliá-los na compreensão dos conteúdos
desenvolvidos no Ensino Médio. De acordo com tal projeto, os alunos voltavam à
primeira escola, ou seja, à escola especial, e lá tinham aulas com professores que
usavam LIBRAS para explicar os conteúdos, da escola regular, que eles não
entendiam. O projeto funcionou por três anos com resultados positivos: melhoria
da auto-estima dos alunos bem como do rendimento escolar, e diminuição da
evasão. Essa experiência reforçou a percepção do grupo acerca do papel
fundamental da LIBRAS na aprendizagem dos alunos.
4
Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional.
5
Apesar de na LDB o termo utilizado ser Portadores de Necessidades Educativas Especiais, concordamos
com Sassaki (2002) quando afirma que a portabilidade é uma opção, o que não é o caso dos sujeitos de que
tratamos nesta pesquisa.
2
Além de trabalhar na escola municipal especial de Diadema, também
leciono em uma escola estadual, pertencente a outro município da grande São
Paulo: São Bernardo do Campo. Em 2005, recebi pela primeira vez alunos Surdos
no Ensino Médio regular, oriundos de uma escola especial. Acreditei que poderia
criar mais situações de aprendizagem, uma vez que trazia a experiência da escola
especial e conhecia LIBRAS. Percebi que eles também confiavam na minha
competência como professora de português para Surdos. Porém, nossas
expectativas não se confirmaram. Todos os esforços para conciliar minhas
experiências nas duas escolas amenizaram os problemas de ensino-
aprendizagem dos alunos, pois conseguíamos ter uma comunicação mais efetiva,
mas isto não era suficiente para desenvolver os conteúdos do Ensino Médio,
concomitantemente para ouvintes e Surdos. Por essa razão, tinha muitas dúvidas
sobre a metodologia de ensino adotada e me perguntava: “uma vez que conheço
LIBRAS e, conseqüentemente, desapareceu a dificuldade de comunicação de
linguagem, empecilho considerado como o único vilão até o momento, quais
seriam os outros problemas que deveriam ser estudados?”
Com tais questionamentos, parti para esta pesquisa. Ela nasceu, assim, de
um problema vivenciado por mim e por meus alunos Surdos em uma sala de
ensino regular. Estabeleci como objeto de meu trabalho investigar como se dá o
ensino-aprendizagem de alunos Surdos no Ensino Médio em classes de ensino
regular.
Nos últimos anos muito têm crescido as pesquisas acerca da inclusão. A
presença cada vez maior de alunos com Necessidades Educativas Especiais
(NEE) nas salas de aula tem incitado muitos estudiosos da Educação a focar a
inclusão de maneira mais abrangente. Na PUC-SP, mais especificamente no
LAEL, para relacionar apenas alguns, foram realizados vários trabalhos, tais
como: Oliveira (2008), que discute os sentidos e significados de um aluno com
NEE e de sua professora de inglês sobre inclusão; Souza (2006), que discute os
dilemas existentes na escola inclusiva; Fidalgo (2006), que busca discutir a
inclusão escolar ao longo da história da formação da escola brasileira.
3
Além dessas pesquisas mais abrangentes em relação às NEEs,
destacamos outras que não discutem diretamente a inclusão em classes comuns
mas, sim, contextos especiais de ensino-aprendizagem nos quais foram tomadas
algumas ações na direção da inclusão. Citamos, pois, Lodi (2004), que a partir do
estudo das práticas de leitura de alunos Surdos constatou o papel preponderante
da Língua de Sinais na construção dos sentidos; Rodrigues Moura (2008), que
procurou compreender como a linguagem pode ser utilizada como ferramenta
psicológica, no processo de ensino-aprendizagem de leitura de Língua
Portuguesa como segunda língua, por alunos Surdos, que têm a Língua de
Sinais como primeira língua; e Motta (2004), que faz um estudo sobre como
o professor aprende a ensinar inglês para alunos cegos ou com baixa visão.
Especificamente sobre a inclusão de Surdos em classes comuns de
ensino regular não encontrei nenhum trabalho no LAEL, e fazendo uma
busca em outras instituições, constatei que os trabalhos focalizam
principalmente as séries iniciais e contam, em sua maioria, com a presença
de intérpretes. Com relação ao contexto de ensino de Surdos no Ensino Médio
regular, localizei poucas pesquisas: a tese de Pedroso (2006), cujo objetivo
foi analisar as condições vividas por aluno Surdo em uma sala de aula para
ouvintes no Ensino Médio, na qual havia um professor fluente em LIBRAS atuando
como intérprete; a dissertação de Polidoro (2008), que estuda, a partir de
questionários, como o professor desenvolve seu trabalho em sala de aula.
Este trabalho que ora apresento, investiga a inclusão do aluno no Ensino
Médio em aulas de português e, mais especificamente, de literatura e traz como
contribuição a discussão de dados coletados em salas comuns de Ensino Médio,
que não contam com trabalho de intérprete. No âmbito do LAEL, esta pesquisa é
inovadora e deverá colocar várias questões como merecedoras de reflexão.
Para a realização deste trabalho, fundamentei-me nas teorias de Vigotski 6
(1930/2007) sobre desenvolvimento e ensino-aprendizagem, particularmente em
sua visão de conhecimento, como construído em ambientes naturais de interação
6
A grafia Vigotski está sendo utilizada por ser esta a adotada nas publicações nacionais da obra de Vigotski
pela Editora Martins Fontes, material usado para consulta.
4
social sendo, portanto, estruturado culturalmente. Segundo o autor, cada aprendiz
constrói seu aprendizado baseado em sua participação ativa em diversos
ambientes, tais como: o familiar, o social, o escolar, etc. A partir dessa
consideração, comecei a me perguntar que ambiente de interação social é
proporcionado para o aluno Surdo em sala de aula? Quais aspectos da cultura e
da identidade Surda são contemplados por esse espaço educacional? Por
entender que todos esses questionamentos estão diretamente relacionados à
questão de ensino-aprendizagem surge, então, nossa pergunta de pesquisa:
”Como se dá o ensino-aprendizagem de alunos Surdos nas aulas de Literatura em
classe comum 7 de ensino regular”.
Por trazer em seu bojo as questões de linguagem no ambiente escolar, esta
pesquisa está filiada aos estudos de Lingüística Aplicada (LA). Conforme Moita
Lopes (1996), a LA tem se preocupado cada vez mais com a investigação de
problemas em contextos institucionais, interessando-se em estudar as pessoas
em ação no mundo o que coadune com nosso objetivo: estudar pessoas em ação
numa sala de aula.
Pretendo que este trabalho de pesquisa possa colocar em pauta a
necessidade de se pensar a Surdez a partir de sua perspectiva visual e lingüística,
dentro da escola em que atuo, no sentido de envolver professores e alunos em
uma proposta de mudança. Esse objetivo é condizente com a Lingüística Aplicada
Contemporânea, pois, conforme Moita Lopes (2006), a pesquisa em LA, para ser
significativa, carece de reflexão e mudança de atitude tanto no contexto sócio-
histórico cultural do pesquisador quanto dos demais envolvidos na pesquisa.
Para responder à pergunta de pesquisa utilizo o aporte teórico dos estudos
sobre discurso desenvolvido por Bronckart (1997/,1999) e Bakhtin (1953/2003); os
estudos sobre ensino-aprendizagem de Vigotski (1934b/2001, 1930/2007); e os
Estudos Surdos de Skliar (1998, 1999).
A metodologia adotada é a interpretativista de cunho crítico, pois, segundo
Liberali & Liberali (mímeo), “a interpretação se torna a mola mestra para a
pesquisa. Essa interpretação seria a tentativa de tornar claro e coerente algo que
7
Denominação utilizada na LDB para discriminação das modalidades da educação.
5
anteriormente não era. (...) A compreensão seria então a base fundamental desse
paradigma”.
A coleta de dados compreendeu: observações e notas de campo;
gravações em áudio e áudio-vídeo de aulas e entrevistas. As categorias de análise
lingüísticas são os turnos (MARCUSCHI, 1986/2006) e o conteúdo temático
(BRONCKART, 1997/1999).
Esta dissertação está organizada da seguinte maneira: Capitulo 1, no qual
apresento e discuto os pilares teóricos; Capítulo 2, em que descrevo e justifico o
tipo de metodologia de pesquisa, o contexto, os participantes, instrumentos de
coleta e garantias de credibilidade da pesquisa; o Capítulo 3, que apresenta a
Análise e a Discussão de Dados; seguido de Considerações Finais, Bibliografia e
Anexos. Passemos ao Capitulo Teórico, no qual discutiremos Inclusão,
Ensino/Aprendizagem e Linguagem.
6
CAPÍTULO I
1.1. Inclusão
7
social (MACIEL, 2000; FOREST & PEARPOINT, 1997; MANTOAN, 2003 entre
outros), inclusão étnica e racial (SODRÉ, 1988; CARVALHO, 2005), inclusão de
gênero (FARAH, 2002), entre outras mais.
Todas essas discussões sobre inclusão são legítimas e passam pela
escola, por ser esta um lugar onde a sociedade se espelha. Os dilemas desta
sociedade são, portanto, os dilemas da escola também. A discussão sobre
inclusão no Brasil iniciou-se, segundo Sassaki (1999), em 1981, ano internacional
das pessoas deficientes. A partir de então, passou a se sobrepor ao termo
‘integração’, por apresentar um avanço na forma de pensar a sociedade inclusiva.
Nessa nova proposta, a inclusiva, não mais se buscaria a normalização do
deficiente para torná-lo integrável à sociedade, objetivo da integração. Na
inclusão, a sociedade é que se transformaria para que deficientes pudessem
assumir seu papel social. Nas palavras de Mantoan (1997: 235):
Partindo do conceito de inclusão, que tem por ideal uma sociedade capaz
de lidar com suas diferenças e oferecer igualdade de oportunidades, a escola
deixaria de ser setorizada em escola comum e escola especial, tornando-se uma
escola única, capaz de atender às necessidades educativas especiais de seus
alunos. Assim, de acordo com as políticas de inclusão, a escola deixa de ter
classes especiais e passa a ter classes heterogêneas, incluindo alunos com
necessidades educativas especiais (NEE).
Tais classes inclusivas estão nas escolas para todos e cabe-nos lembrar a
pergunta título do livro de Claudia Werneck (1999), sobre inclusão: “Quem cabe no
seu todos?” (grifo nosso). Tamanha generalização produziu uma escola que lida
8
com a dicotomia inclusão/exclusão sem ferramentas adequadas, fato que
culminou em muitos casos de inclusão excludente.
Neste trabalho encaramos a exclusão como parte da inclusão, pois
segundo Sawaia (2006:108) “são da mesma substância e formam um par
indissociável, que se constitui na própria relação”. Ou seja: só pensamos em
inclusão porque há a exclusão.
Sawaia (2006) prioriza a análise das contradições da exclusão, entendida
por ela como sinônimo de inclusão perversa, uma vez que a sociedade exclui para
incluir. Segundo a autora, também é perverso fazer o processo de inclusão de
forma homogeneizadora, desqualificando e desconsiderando o indivíduo. Tal
processo parte das políticas inclusivas que, por tentarem abranger a todos, não
têm uma identidade própria e perdem sua eficácia, resultando, assim, políticas de
uma inclusão excludente (FIDALGO & LESSA, 2004), as quais aumentam as
desigualdades em nome da igualdade de direitos.
Assim, uma parcela considerável desses alunos que compõem este para
todos é excluída do cenário educacional. Muitos permanecem, durante anos,
incluídos no excludente contexto da escola inclusiva. Como aponta Teixeira,
(s/d:13):
9
Quando rompe a imobilidade e abre o caderno, escreve, copia, olha para o
professor enquanto este fala; enfim, quando faz o mesmo que os demais alunos,
mistura-se ao grupo, torna-se igual. Ainda sobre esse assunto, Botelho (2005:15)
expõe:
8
Dentre as ações do LOAS para a promoção de inclusão social, está a garantia de um salário mínimo ao
deficiente que não puder se subsistir.
10
Partindo da recomendação de Sousa Santos (1996) de que as Ciências
Sociais devam utilizar categorias desestabilizadoras para a análise das questões
sociais, Sawaia (2006: 97-8) lança mão da afetividade e, em especial, do
sofrimento como imagem desestabilizadora, para estudar a exclusão. Argumenta,
então, que ao considerarmos a exclusão como sofrimento de diferentes tipos,
recuperamos o indivíduo perdido nas análises econômicas e políticas sem, no
entanto, perder o coletivo.
11
educação que nós, Surdos, queremos e temos direito” 9 cujo objetivo foi analisar,
discutir e oferecer propostas que tornem a inclusão uma proposta viável,
principalmente a partir da ótica do Surdo, a comunidade Surda traz à baila suas
necessidades lingüísticas e a impossibilidade de atendimento delas na escola
regular porque, segundo eles “há uma organização que implícita ou
explicitamente valoriza o ouvir, o saber ouvir, o ser ouvinte, trazendo uma
relação excludente entre os Surdos e seus pares” na escola. Tal colocação ecoa
em Lacerda (2000: 72) que, ao pesquisar sobre a presença de intérprete em
sala regular, conclui que “é bastante difícil pensar que uma escola organizada
para os alunos ouvintes possa contemplar esse tipo de necessidade Surda”.
9
Documento elaborado pela comunidade Surda a partir do encontro de Surdos na Bahia, realizado
na reitoria da UFBA-Universidade Federal da Bahia em 02 de novembro de 2006.
12
A escola atual não proporciona oportunidades para o
desenvolvimento das identidades pessoais, ao contrário, dá-se
prioridade às habilidades técnicas que são sugeridas pela lógica
contemporânea do mercado. Esta lógica impõe, por exemplo, a
inclusão de surdos em escolas regulares, justificando tal decisão
com argumentos do politicamente correto, do fazer surdos mais
eficazes, mais eficientes.
13
comunidade escolar e, principalmente, do professor. Segundo Souza & Góes
(1999: 173):
Essa discussão nos permite pensar a inclusão sob uma perspectiva mais
ampla e abrangente: uma inclusão que pressupõe o ponto de vista do outro, o
incluinte, e que constrói uma sociedade inclusiva não apenas de direito, mas de
fato. Nesse sentido, a sociedade inclusiva abandona a homogeneização das
propostas para que possa cumprir seu papel diante do sujeito sem impingir-lhe
sofrimento social (SAWAIA, 2006), com ações que pressuponham o sujeito
autônomo e completo cultural, social e historicamente. Com tal visão de sujeito,
este estudo está embasado pela Teoria Sócio-Histórico-Cultural, que explicito a
seguir.
14
1.2 .Teoria Sócio-Histórico-Cultural (TSHC)
15
constitui a partir de modelos reducionistas (FREITAS, 2006). Por vezes, a
educação parece tomar como foco apenas a dimensão psicológica do sujeito,
privilegiando aspectos internos dos alunos na escola. Em outros momentos, os vê
numa perspectiva mais social na qual esse social é a fonte de todas as
determinações. Este trabalho procura se distanciar de tais visões fragmentadas do
indivíduo que, sem considerar seus aspectos sócio-histórico-culturais, não levam à
inclusão e ainda podem reforçar a posição de exclusão.
Assim, o aspecto cultural tem que ser considerado como um elemento no
processo do desenvolvimento do ser humano, compreendendo a dinâmica interna
das relações pessoais e a forma como elas são mediadas pela cultura. Por
intermédio das práticas culturais no ambiente da escola, vão-se constituindo os
grupos, cada qual com sua identidade. Certeau defende a idéia de que a
verdadeira cultura não depende só das práticas sociais, mas é necessário que
estas tenham significado para aqueles que as realizam, pois “a cultura não
consiste em receber, mas em realizar o ato pelo qual cada um ‘marca’ aquilo que
outros lhe dão para viver e pensar” (CERTEAU, 1995: 11). Neste sentido, a escola
é um espaço nuclear das práticas culturais.
Portanto, discutimos as práticas pedagógicas realizadas nas situações de
inclusão, à luz dos conceitos vigotskianos que embasam a teoria sócio-histórica,
os quais explicam aprendizagem e desenvolvimento como processos mediados
pela linguagem, sendo esta a mais importante ferramenta humana (VIGOTSKI,
1934b/2007). Desses conceitos, trataremos na seqüência.
16
sociais. Esses bens que são construídos na relação com o outro nos constituem e
são constituídos por nós. Sendo assim, é possível afirmar que o homem é sócio-
histórico. Ou seja, durante toda sua vivência, por meio de suas relações num
determinado grupo cultural, o homem está aprendendo e se constituindo, uma vez
que “o aprendizado pressupõe uma natureza social específica e um processo
através do qual as crianças penetram na vida intelectual daqueles que as cercam”
(VIGOTSKI, 1934b/2007: 100).
Nessa perspectiva, a aprendizagem das crianças começa muito antes de
seu ingresso no ambiente escolar. Aprendizagem e desenvolvimento estão inter-
relacionados desde o primeiro dia de vida da criança e, portanto, a aprendizagem
escolar nunca pode partir do zero, mas deve pressupor um desenvolvimento já
existente.
Para Vigotski, o desenvolvimento pode ser identificado em dois diferentes
níveis. O primeiro diz respeito às conquistas já efetivadas, ao que a criança é
capaz de realizar sozinha, como conseqüência de suas relações socais. São
saberes conquistados pela criança, que já se consolidaram, de modo que ela não
precisa mais do apoio de alguém mais experiente de seu grupo cultural para
realizar. A este nível, Vigotski denominou Nível de Desenvolvimento Real.
O outro nível de desenvolvimento, chamado por Vigotski de Nível de
Desenvolvimento Potencial, está relacionado aos saberes em construção, ou seja,
são coisas que a criança será capaz de fazer mediante auxílio de outrem. Para
realizar as atividades que estão em seu nível de desenvolvimento potencial a
criança lançará mão da imitação, da experiência compartilhada, do diálogo, da
colaboração.
Entre estes dois níveis de desenvolvimento há o que Vigotski chamou de
Zona de Desenvolvimento Proximal (ZPD). Em suas palavras:
17
Nesse espaço, ocorre o aprendizado, pois vários processos do
desenvolvimento são colocados em funcionamento com ajuda do outro, do par
“mais experiente”. Quando discutimos ZPD, é importante mencionar Magalhães
(no prelo) no que concerne ao modo de construção de conhecimento nesse
espaço. Segundo a pesquisadora, a ZPD ocorre por meio de uma relação de
colaboração entre os envolvidos, na construção coletiva do conhecimento. Então,
ZPD define os conhecimentos que estão amadurecendo para virem a ser parte do
desenvolvimento real da criança e esse amadurecimento se dá a partir de
mediações ocorridas colaborativamente com o(s) outro(s) par(es) da interação.
Por isso, o aprendizado promove o desenvolvimento pleno das
características psicologicamente humanas e culturalmente organizadas, sendo
papel da escola propor desafios que se situem dentro da ZPD, de modo a
proporcionar oportunidades de aprendizado. Aceitar essa concepção significa
entender que quando o desafio se encontra no nível do desenvolvimento real do
aluno, não se configura uma situação problema que propiciará um salto qualitativo
no desenvolvimento da criança. Bem como, se a situação problema proposta
estiver além do desenvolvimento potencial do aluno, se configurará como uma
atividade impossível de se concretizar. Hadji (2006:18) pondera sobre esse
assunto que
18
conceitos. Para tal, distingue os conceitos em dois grupos: o dos cotidianos e o
dos científicos, noções que abordaremos agora.
19
espontâneo tenha alcançado um certo nível para que a criança possa absorver um
conceito científico correlato”. A internalização desses conceitos modificará
também o comportamento do indivíduo. Nessa perspectiva, a partir da
internalização de conceitos científicos, dá-se a formação da consciência reflexiva.
Nas palavras do autor:
1.3.2. Mediação
20
relacionar com o mundo a nossa volta. A relação do homem com o ambiente e
com o outro nunca é, portanto, direta; como dissemos, é sempre mediada. Nesta
relação mediada é que o mundo ganha sentido e que o homem vai se constituindo
enquanto ser social.
Desses processos mentais, que constituem a relação mediada do homem
com o mundo e com os outros homens, fazem parte os processos chamados, na
teoria vigotskiana, de funções psicológicas superiores.
21
atividade social, não são inatos e se desenvolvem durante a internalização das
formas culturais de comportamento humano.
Isto implica em uma escola que se faz espaço de construção das funções
psicológicas superiores, à medida que se planeja para construir conceitos
científicos. Conforme já citamos, para que se concretizem tais construções, a
linguagem se apresenta como ferramenta fundamental. Portanto, apresentamos
agora as concepções de linguagem que permeiam este trabalho.
1.3.4. Linguagem
22
Bakhtin, apesar de contemporâneo de Vigotski, não pertencia ao mesmo
grupo de discussões; seus estudos sobre linguagem, porém, também trazem
aspectos do contexto e da organização social. Outro ponto de convergência entre
os dois teóricos está na concepção de que, por meio da linguagem, o indivíduo
constitui sua subjetividade e sua consciência. Para Bakhtin, “não é a atividade
mental que organiza a expressão, mas ao contrário é a expressão que organiza a
atividade mental, que a modela e determina sua orientação” (1929/1999: 112).
Este autor apresenta, como condição para o sentido do discurso, o
dialogismo; e propõe que “o centro organizador de toda a enunciação, de toda a
expressão não é interior, mas exterior: está situado no meio social que envolve os
indivíduos” (BAKHTIN, 1929/1999: 121). Assim, quando se refere aos sentidos das
palavras, opõe-se à idéia de que estes sejam entendidos como algo pronto e
estático, apresentando-os como determinados pelo contexto social.
Silva (2001: 24), discutindo Bakhtin, diz que:
23
Vigotski, ao tratar dos sentidos, concorda com Bakhtin em alguns aspectos
da relação de sentido-palavra. Para Vigotski (1934b/2001: 466):
10
Sinal em Bakhtin não possui o mesmo sentido que em LIBRAS. Quando falamos de sinal em LIBRAS
estamos nos referindo ao equivalente à palavra, em Bakhtin.
24
A discussão de linguagem a partir dessa perspectiva nos remete às
questões de identidade e linguagem e de como o sujeito Surdo se constitui a partir
da linguagem. Para concluir, por ora, a discussão acerca da linguagem, no item
seguinte abordaremos alguns aspectos da relação Surdez, linguagem e educação,
bem como, da LIBRAS, uma vez que é a língua dos Surdos, enfocados neste
estudo.
25
bilíngüe, garantindo o acesso à educação por meio da língua de sinais; e a que
nomeia o ensino da língua portuguesa escrita como segunda língua. Segundo
Grannier (2002: 49):
Ser membro desse grupo lingüístico, no Brasil, não é tarefa fácil. Na história
da maioria dos Surdos do Brasil, o acesso à língua de sinais ocorre tardiamente.
Mais que isso, muitas vezes esse acesso ocorre na escola por meio de ouvintes
que usam um português sinalizado. Como expõe Goldfeld (2002: 46):
26
toda a complexidade necessária ao desenvolvimento do pensamento simbólico.
Segundo Botelho (2005: 58):
27
Essas condições, aliadas à formação inadequada de professores sobre
inclusão e, especificamente, sobre a comunidade Surda, contribuem para a
construção de uma imagem equivocada do aluno Surdo. Conforme Góes (2000:
38), nessas circunstâncias as professoras:
28
Na mesma direção, Moura (1996: 39) afirma que a identidade Surda só se
constituirá por meio da LIBRAS, destacando, ainda, que:
29
consome-se esforços de interlocução para instituir-se, ou
constituir-se ela própria de maneira que a elaboração de
conhecimentos pretendida (pela intencionalidade pedagógica)
realiza-se de forma muito limitada, quando (a duras penas) se
realiza.
30
palavra só tem sentido em um contexto que se especializa neste
determinado cenário.
31
CAPÍTULO II
32
envolvimento entre esta pesquisadora e os demais participantes na busca de
possibilidades de transformar a escola.
2.2. Contexto
33
Ao término do ensino fundamental nessa escola especial, os alunos Surdos
ingressam em uma escola estadual do município para cursar o Ensino Médio,
estudando em classes comuns, ou seja, não mais em classes especiais apenas
para Surdos. Devido à proximidade com a referida escola especial (doravante
nomeada de escola A), a escola regular em que estou realizando a pesquisa
(doravante chamada de escola B) recebe quase todos os alunos que terminam o
ensino fundamental na escola A. Conheceremos agora a escola B, onde se
desenvolveu esta pesquisa.
11
Educação de Jovens e Adultos
34
A, não houve adaptação alguma visando às necessidades do aluno Surdo como,
por exemplo, o sinal luminoso nas salas e pátio.
A escola B tem sido considerada pelos munícipes uma das melhores
escolas estaduais da região. Em consonância a essa percepção, seus alunos têm
atingido bons resultados no ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio). Tais
fatores levam os pais a procurarem matricular seus filhos nessa escola e, por essa
razão, a unidade recebe alunos de diversos bairros da cidade. Os alunos possuem
variado poder aquisitivo e diferentes estruturas familiares.
A Diretoria de Ensino (DE) coloca a escola B como pólo para recepção de
alunos Surdos devido à proximidade com a escola A, conforme já explicitado, e
por ter sala SAPE. Como conseqüência dessa ação da DE, hoje em torno de 5%
de seu corpo discente é formado por alunos Surdos.
Cerca de 80% dos docentes é efetivo e todos possuem formação na área
em que atuam. Em torno de 50% dos professores possuem mais do que um
emprego, acumulando cargos, o que caracteriza indisponibilidade para cursos fora
do horário de trabalho. A escola sofre com a falta de funcionários do quadro de
apoio ao magistério ficando, em muitos momentos, sem nenhum inspetor de
alunos no corredor. Possui um diretor, duas vice-diretoras e duas coordenadoras
pedagógicas.
A escola B funciona em três períodos e seus alunos são bem diferentes em
cada um deles. No período da tarde, atende o Fundamental II, que tem alunos
mais jovens. A maioria destes mora nas proximidades da escola. Nesse período,
há alunos com outras NEEs, que não a Surdez. À noite, atende alunos
trabalhadores no Ensino Médio e alunos adultos no EJA, vindos de diversos
pontos da cidade; nesse período, são atendidos Surdos trabalhadores e não há
alunos com outras NEEs, conseqüentes de problemas físicos ou mentais.
No período da manhã, no qual os dados foram coletados, a escola oferece
Ensino Médio a alunos de diversos pontos da cidade. A maioria não é trabalhador
e muitos fazem algum curso no contraturno. Neste período, há o nosso maior
contingente de alunos Surdos e há alunos com outras NEEs.
35
Faço, aqui, referência ao HTPC (Horário Técnico Pedagógico Coletivo) por
achar que esse espaço revela um pouco da situação docente na escola, no que
diz respeito à formação para a inclusão e aos espaços de construção de
conhecimento para práticas inclusivas.
2.2.2.1. HTPC
Os professores reúnem-se em um período de 3 horas por semana, em
HTPC, com a coordenadora pedagógica e, esporadicamente, com o diretor. Esse
momento é usado, principalmente, para informes de ordem administrativa não se
configurando como um espaço formativo. Nas oportunidades em que foram
tratadas questões pedagógicas durante o HTPC ou naquelas em que este se
constituiu como espaço de troca e formação, foram estudados temas e textos
encaminhados, prontos, da Diretoria de Ensino, os quais nem sempre estavam
relacionados às demandas da escola.
Por vezes os professores conseguem colocar na pauta dos HTPCs suas
necessidades referentes à questão do trabalho de inclusão. Contudo, apesar de
fazer parte da pauta, o problema da inclusão não é realmente discutido. Os
participantes focam, apenas, a descrição de situações de sala de aula e as
queixas sobre sua impotência e frustração no trato de tais questões. Por várias
vezes, apresentei ao grupo o problema de ensino-aprendizagem do Surdo, mas
nunca conseguimos nos aprofundar na discussão. Todos apenas reconhecem que
tal questão merece mais estudo e que deveríamos dar continuidade a isso. No
entanto, ainda não foi possível uma discussão sistemática que nos propiciasse
compreender melhor a questão e construir conhecimentos sobre a situação,
conforme era nosso desejo.
A coordenação pedagógica queixa-se de não receber formação para
orientar os professores e declara-se impotente diante das queixas. Ela repete
sempre que o aluno está na sala e que o professor é o responsável, não só por
procurar meios de incluí-lo nas atividades, como também por procurar auxílio da
professora de sala SAPE. Ocorre que a professora de sala SAPE faz HTPC em
36
outro horário e não encontra com os professores que trabalham no Ensino Médio,
segmento em que há alunos Surdos.
Os professores dividem-se em três grupos. O primeiro grupo está fazendo
LIBRAS na diretoria de ensino e já consegue trocar alguns sinais com os alunos
apesar do repertório comunicativo ser ainda pequeno, suficiente apenas para falar
do cotidiano. Por essa razão, para o desenvolvimento dos conteúdos, os
professores deste grupo estabelecem a comunicação por meio de tentativas
alternativas, quais sejam: apontar, desenhar, fazer mímica e escrever, práticas
alternadas com um ou outro sinal. O segundo grupo não faz curso de LIBRAS e,
portanto, vale-se apenas das formas alternativas de comunicação citadas, para
tentar dar sua aula. Há, ainda, um outro grupo que não consegue fazer nada
porque sente dificuldade de desenvolver comunicação alternativa. Devido a esse
bloqueio, este terceiro grupo ignora a presença do aluno Surdo na sala. As
professoras que fazem parte desta investigação estão no 2º grupo. Apresento, em
seguida, os envolvidos na pesquisa.
12
O nome desta participante e dos demais foi alterado a fim de atender às exigências do comitê de ética, no
sentido de preservar a identidade dos professores.
37
inclusos. Assim, apresentei-lhes a proposta e eles aceitaram colaborar. É
importante ressaltar que a professora, por diversas vezes, pediu para adiar as
gravações de aula e assim, gravei uma aula em 2007 e continuei no ano seguinte.
No ano de 2008, gravei mais uma aula com a mesma turma, agora no 3º
ano, que era, entretanto, ministrada por outra professora. Esta, ao saber que a
classe havia colaborado comigo no ano anterior, mostrou-se disposta a também
fazer parte da pesquisa e foi desta forma que passou a compor o grupo a 2ª
professora de sala regular, que chamarei de Amanda.
Como meu objetivo era a inclusão de Surdos e esta inclusão, retomo, é
acompanhada por um serviço de apoio chamado Sala SAPE, convidei a
professora da referida sala, doravante Catarina, para uma entrevista.
Prontamente, ela se dispôs a colaborar. Desse modo constitui-se o grupo
participante da pesquisa que passo a descrever.
2.3.1. Pesquisadora
38
minha profissão novamente me desafiou a desenvolver trabalho pedagógico
considerando o aluno Surdo incluso em sala regular. Diante da complexidade
deste desafio, parti para a pesquisa. Em 2006 ingressei no programa de estudos
pós-graduados do LAEL da PUC-SP, buscando apoio acadêmico para
desenvolver esta pesquisa.
39
primeira opção é a educação. Nos últimos 4 anos tem tido alunos Surdos na sala
de aula. Não sabe LIBRAS, não tem disponibilidade de tempo pra fazer o curso
fora do horário de trabalho, mas está aguardando um curso que o diretor da
escola está tentando conseguir junto ao CAPE (Centro de Apoio Pedagógico
Especializado), que deverá acontecer na própria escola.
2.3.5. Os Alunos
Este trabalho teve início numa sala de 2º ano do Ensino Médio, com
aproximadamente 35 alunos, sendo que três deles eram Surdos. Continuamos o
trabalho no ano seguinte com essa mesma turma, então cursando o 3º ano.
Destes, na análise e discussão de dados, apenas focarei os alunos Surdos e duas
alunas ouvintes que conhecem um pouco da língua de sinais. Para estas alunas
usarei a identificação ASS1 e ASS2. Usarei nomes fictícios para identificar os
alunos Surdos: Sara, Selma e Sólon.
ASS1: Aluna ouvinte que possui algum conhecimento da língua de sinais adquirido
no contato com os colegas Surdos.
40
ASS2: Aluna ouvinte que possui algum conhecimento da língua de sinais adquirido
no contato com os colegas Surdos.
Sara: 18 anos, pais ouvintes, oriunda da escola A, aprendeu LIBRAS na escola,
não faz leitura labial e utiliza-se da LIBRAS para se comunicar.
Selma: 17 anos, pais ouvintes, oriunda da escola A, mas já estudou em escola
regular quando criança; aprendeu LIBRAS na escola, faz leitura labial e utiliza-se
da LIBRAS para se comunicar.
Sólon: 19 anos, pais ouvintes, oriundo da escola A, aprendeu LIBRAS na escola,
não faz leitura labial e utiliza-se da LIBRAS para se comunicar.
2.4.1. Dados
A coleta de dados iniciou-se somente em outubro de 2007 devido a
diversos contratempos que foram surgindo no decorrer da pesquisa. Superados
os obstáculos, coletamos os seguintes dados no final de 2007 e início de 2008.
I) Entrevista audiogravada com a professora de Sala SAPE. Nesta
entrevista conversamos sobre a natureza do trabalho da sala SAPE,
a freqüência dos alunos e os recursos disponíveis para o
desenvolvimento do trabalho. A professora trouxe-nos, ainda, sua
visão de inclusão e do papel da LIBRAS na aprendizagem do aluno.
II) Entrevista audiogravada com a professora Lígia. Nesta entrevista a
professora fala de sua experiência docente, revelando a visão que
tem sobre seu próprio trabalho e sobre o processo de inclusão.
Conta, também, como tem buscado subsídios para desenvolvê-lo
em sala de aula com os alunos Surdos.
III) Aula audiovideogravada da professora Lígia, na qual a professora
dá um atendimento especial aos alunos Surdos.
41
IV) Aula audiovideogravada da professora Amanda: aula expositiva a
alunos Surdos e ouvintes.
V) Entrevista audiogravada com a professora Amanda. Nesta entrevista
a professora fala de sua experiência docente, revelando a visão que
tem sobre o próprio trabalho e sobre o processo de inclusão. Conta,
também, como tem buscado subsídios para desenvolvê-lo em sala
de aula com os alunos Surdos.
A fim de registrar as ações pedagógicas das professoras com os alunos
Surdos, optamos pela gravação das aulas em vídeo para propiciar a análise de
sua participação discursiva. Conforme discutirei, a seguir, nas decisões de
transcrição, esse tipo de gravação foi o mais adequado para registrar os aspectos
da fala em língua de sinais que é uma língua visual. Quanto às entrevistas com as
professoras ouvintes, as gravações foram apenas em áudio.
13
O SignWriting, isto é, a escrita de sinais é um sistema de registro gráfico que usa símbolos para
representar as configurações de mão, movimentos, expressões faciais e posicionamento do corpo
das línguas sinalizadas.
42
Além deste recurso, lançarei mão da tradução LIBRAS/Português,
entendendo que esta é uma leitura do texto produzido pelo aluno, impossível de
ser literal, visto que há o confronto de duas culturas em jogo, em conformidade
com Arrojo (2002), que diz:
e ainda:
43
perspectiva, “o turno pode ser tido como aquilo que um falante faz ou diz enquanto
tem a palavra” (grifo nosso) (MARCUSCHI, 1986/2006: 18).
Para atender às necessidades deste trabalho, a transcrição das aulas
obedeceu aos seguintes critérios:
44
9- Momentos em que não foi possível compreender o que estava sendo dito
utilizamos o sinal (...). Este sinal também foi utilizado para indicar a
supressão de trechos da fala.
Exemplos:
Aula 1 – (Excerto)
Aula 2 – (Excerto)
75 - Selma - (...)
76 - S4 – Tá bom, não fizemos porque é difícil.
77- Selma – É, nós não escrevemos porque é difícil.
78 - Sara – Acrescenta aí, é difícil poesia, poesia. (mostram o texto para ASS 2)
Simultaneamente.
79- Alunos – Sim
80 – Prof Amanda - Muito né eu só quis fazer uma comparação pra que vocês
percebessem sem tecnologia nenhuma avançada como nós temos hoje em dia
45
nós temos exemplos de arquiteturas que estão aí até hoje séculos e séculos,
então o que aconteceu?
Exemplo:
Entrevista professora de sala SAPE (Excerto)
46
2.5.1. Conteúdo Temático
47
Departamentos de Inglês e Lingüística da Faculdade de Comunicação e Filosofia
da Pontifícia Universidade Católica, realizados na PUC-SP. São eles:
A) IV Fórum de Inclusão Lingüística em Cenários Educacionais;
B) III Fórum de Linguagem em atividades do Contexto Escolar;
C) I Simpósio Ação Cidadã;
Passo agora, no capítulo seguinte, a fazer a análise e a discussão dos
dados.
48
CAPÍTULO III
Inicio agora a análise dos dados a partir das escolhas lexicais e dos
conteúdos temáticos (BRONCKART, 1999), com o objetivo de responder a
pergunta de pesquisa norteadora deste trabalho. Cada excerto é o que eu, como
pesquisadora, percebo como uma unidade de significado. Apresentaremos a
análise de dados na seguinte ordem:
Entrevista com Catarina – professora de sala SAPE,
Entrevista com Lígia – professora de sala regular,
Aula da professora Lígia de sala regular, 2ºE, 2007;
Entrevista com Amanda – professora de sala regular,
Aula da professora Amanda de sala regular, 3ºE, 2008;
Conteúdo Temático 1
O primeiro conteúdo que encontramos na entrevista analisada refere-se a
que a professora de sala SAPE deve trabalhar de uma maneira diferenciada,
utilizando ou a língua de sinais ou um material visual. Vejamos o excerto a
seguir:
49
Quadro 2: Conteúdo Temático 1
Na Sala SAPE deve-se 02- Catarina: A sala SAPE é um centro de apoio para os
trabalhar de uma maneira alunos portadores de deficiência auditiva. A gente visa
diferenciada, utilizando ou trabalhar realmente as dificuldades que o aluno tem
a língua de sinais ou dentro da sala de aula com uma maneira diferenciada
material visual. de trabalho, utilizando ou a língua de sinais, ou um
material visual que ele consiga ter a compreensão do
conteúdo que o professor passa ao aluno no ensino
regular, na sua sala de aula comum.
Conteúdo Temático 2
Outro conteúdo refere-se à visão de ensino-aprendizagem como um
processo fragmentado, a partir de unidades isoladas, no caso, itens lexicais.
50
trabalhar os sentidos como por exemplo, madeira. Tem uma palavra que eles
primeiramente a partir vieram outro dia aqui na sala, eu achei engraçado: fábrica.
das palavras. Mas não no sentido da palavra fábrica realmente. No sentido
que estava sendo projetada, no contexto de história, a palavra
fábrica no contexto da revolução industrial. A gente tem que
trabalhar a palavra primeiro, para depois buscar que o
aluno entenda o sentido do que está acontecendo ...
51
De acordo com a teoria vigotskiana, é dessa maneira que se constrói o
conhecimento: na e pela interação.
Conteúdos Temáticos 3 e 4
Já nestes conteúdos temáticos, a professora traz, como recursos de
ensino-aprendizagem, a tradução e a vivência dos conteúdos, como se pode
verificar nos quadros abaixo:
A professora deve traduzir o 20- Catarina: .... A gente faz um grupo de estudos, os
conteúdo para a língua de alunos vêm, a gente explica a matéria, às vezes a gente
sinais ou criar uma situação acaba traduzindo para a língua de sinais ou parte
para que o aluno vivencie o para uma experiência para que o aluno vivencie
conteúdo. aquilo que estava acontecendo anteriormente.
52
escolares. Se essa vivência é de qualidade semelhante à que propõe Vigotski
(1934c/2004) – construir conhecimento científico a partir da articulação deste com
o conhecimento cotidiano, em um movimento ascendente na direção das funções
psicológicas superiores – vemos como muito importante essa prática. Em minha
experiência, porém, tenho visto casos em que se busca tornar o conteúdo
concreto, sem problematizar, ficando o ensino no nível do palpável, apenas, e
resultando em mera simplificação do conteúdo. Sem estar “um tantinho acima” do
que eles já sabem (HADJI, 2006), tais práticas não chegam a possibilitar que o
aluno Surdo realize a necessária articulação dos conhecimentos cotidianos com
os científicos para ir além.
Quanto á tradução, não ficou claro de que modo a professora se vale deste
recurso. Em nossa concepção, vemos como um recurso de grande valia quando
possibilita um confronto entre duas culturas, a dos Surdos e a dos ouvintes, sendo
impossível, então, a transposição direta, de uma a outra. Como ressalta Agra
(2006:1), a tradução não consiste em simples troca de uma palavra por outra,
referente ao mesmo objeto do real, mas relaciona-se aos sentidos culturalmente
construídos, ao subjetivo, à visão de mundo de cada indivíduo.
Sob essa ótica, a tradução é um processo criativo a partir dos sentidos
culturalmente construídos e pode ser muito útil para superar as barreiras impostas
pelo desconhecimento da linguagem que circula na sala de aula. Pode, ainda,
possibilitar a distinção entre as características peculiares de cada língua e cultura.
Outra contribuição a apontar é que a tradução pode influir positivamente na auto-
estima do aluno, pois este se torna cônscio da diversidade, além de perceber o
respeito a sua língua. Caso a professora lance mão desse tipo de trabalho com
tradução, poderá contribuir para diminuir a distância entre Surdos e ouvintes.
Conteúdo Temático 5
53
Quadro 6: Conteúdo Temático 5
Conteúdos Temáticos 6 e 7
28- Catarina: Isso, e assim, por ser pedagogia a gente tem até
O professor
um conteúdo até de oitava série, os nossos alunos são
especialista precisa
praticamente todos do Ensino Médio, então a gente acaba
que o professor da
correndo atrás de professor: “Pelo amor de Deus explica o
54
disciplina lhe conteúdo de uma maneira mais simples”, pra tá passando
explique de maneira pra esse aluno também de uma maneira simplificada pra que
simples o conteúdo. ele consiga compreender.
Conteúdo Temático 8
55
A partir dos conteúdos temáticos 6, 7 e 8 percebemos que, na sala SAPE,
há um trabalho para aquisição do conteúdo, que passa, segundo a professora,
necessariamente pela simplificação da matéria estudada. Conforme Souza (2006),
a professora parece entender que “dar um desconto” significa oferecer
oportunidade de aprendizagem. Esta simplificação ou redução do conteúdo pode
representar a manutenção dos conhecimentos cotidianos que o aluno possui, sem
propiciar uma modificação qualitativa, ou seja, a simplificação vai de encontro ao
que se entende por ZPD, pois tal estratégia não provoca os conflitos necessários
que promovem o acesso aos conhecimentos científicos (VIGOTSKI, 1934a/1993).
Essa prática parece ilustrar que o professor não se encontra preparado
para atender as especificidades educacionais do aluno Surdo e,
conseqüentemente, que o sistema inclusivo não está garantindo a igualdade de
oportunidades que é sua prerrogativa (MANTOAN, 1997; SASSAKI, 1999). A
professora reconhece que são necessárias ações específicas, voltadas para as
necessidades dos Surdos. Entretanto, apesar de estarmos diante de uma
especialista na área, percebemos que ainda muito deve ser feito no que concerne
à formação desses profissionais, principalmente porque não se deve esquecer que
a formação inicial dos profissionais que hoje atuam ocorreu em tempos de
integração e oralismo.
Conteúdo Temático 9
Apesar de o 45- Elaine: O desempenho dos alunos? Como é que você está
atendimento na sala vendo isso? O atendimento, o quanto está conseguindo
SAPE colaborar com colaborar?
o desempenho dos 46- Catarina: Colabora, a gente tem alguns alunos que eles
alunos Surdos, este é estão com muitos problemas pessoais, então eu acho que é
dificultado por seus aonde acaba dificultando às vezes o aprendizado deles. E
56
problemas pessoais. aquele problema familiar, parente doente, então, se não fosse
esses percalços, no caso, esses obstáculos que eles estão
tendo eu acho que eles estariam bem melhores na atual
atividade.
Conteúdos Temáticos 10 e 11
57
Quadro 12: Conteúdo Temático 11
58
Assim, a escola mantém suas práticas regulares, sem levar em conta que, na
verdade, a limitação está nas condições de ensino a que esse sujeito Surdo está
assujeitado (BOTELHO, 2005).
Segundo Vigotski (1930/2007), os processos mentais humanos são
constituídos a partir da mediação simbólica através da cultura. Por essa
perspectiva, no contexto em que o aluno se encontra, na sala de aula em que a
linguagem está inacessível, ele não terá ferramentas para a construção do
pensamento conceitual, das abstrações (VIGOTSKI, 1934a/1993).
Além desse aspecto, chama a atenção o uso do diminutivo pela professora
– o subjetivo na cabecinha deles – em uma possível demonstração de
paternalismo. O diminutivo, na voz da professora, parece soar como se o Surdo
precisasse de um atendimento especial, mas, mais uma vez, não no sentido de
uso de outra linguagem e, sim, de algo diferente na relação professor-aluno.
Conteúdo Temático 12
Na escola regular o 29- Elaine: Não atingia por causa da questão da língua não é?
aluno usa a 30- Catarina: De não ter conhecimento, porque realmente os
LIBRAS e o nossos alunos que têm Surdez profunda aqui na escola, e eles
professor não. realmente se utilizam da língua de sinais, e o professor
praticamente quase nenhum tem língua de sinais, ou estão
fazendo.
Conteúdo Temático 13
59
Neste conteúdo temático a questão inclusão-exclusão é mostrada da
perspectiva da formação de professores.
Conteúdo Temático 14
60
A professora nestes conteúdos temáticos 13 e 14 levanta duas questões
bastante pertinentes acerca da inclusão. A primeira sobre a falta de preparo dos
professores, que acabam sendo responsabilizados por eventuais fracassos, sem
que se implementem ações efetivas, não pontuais, para a formação desses
profissionais. Souza e Góes (1999) apontam que a inclusão do aluno Surdo é um
processo que tem sido acompanhado por professores e profissionais que
desconhecem a língua de sinais e as condições bilíngües do Surdo. Por essa
razão os próprios professores, muitas vezes, consideram-se despreparados para
elaborar propostas pedagógicas que levem em conta as especificidades do aluno
Surdo.
A questão da defasagem dos alunos nos remete ao que Skliar (1998)
chama de “ouvintização” do ensino, situação em que o parâmetro é o do ouvinte e
o Surdo, que não se enquadra nele, está defasado. Esse modelo faz recair, sobre
o Surdo, a responsabilidade por seu insucesso escolar e pela exclusão, pois, se
lhe foi oferecida a oportunidade de estar na classe regular, cabe-lhe o esforço de
adaptar-se às demandas desse sistema de ensino, numa visão que se assemelha
ao conceito de integração e, não, de inclusão (SASSAKI, 1999). Não estamos
fazendo apologia do discurso corrente de que o Surdo não precisa aprender
português, nem dizendo que estes alunos não possuem um conhecimento diverso
do de seus colegas de sala ouvintes, mas que os parâmetros de ensino para
alunos Surdos, que têm o português como segunda língua, deveriam ser diversos
dos parâmetros utilizados no ensino aos ouvintes.
A constatação de que alunos e professores não partilham da mesma língua
demonstra o quanto a escola ainda está despreparada para receber o aluno
Surdo. Não estamos dizendo que o despreparo é prerrogativa para negar o
acesso do aluno à escola, mas que esta, a escola, necessita estar alicerçada pelo
mínimo, que seria oferecer condições comunicativas ao aluno. Investimentos na
formação dos profissionais que atuam com Surdos deveria ser uma prioridade das
políticas públicas de inclusão, bem como a garantia da presença de intérprete,
professor Surdo e de Português como segunda língua, na sala de aula (PERLIN,
2000).
61
As constatações deste trabalho vêm reforçar a necessidade que a escola
tem de superar os problemas apontados para se denominar como inclusiva. Sem
o que, não terá ferramentas adequadas e continuará promovendo uma inclusão
excludente.
Conteúdo Temático 15
62
Notamos que, segundo a percepção da professora, a situação de inclusão
que é oferecida ao aluno Surdo o coloca dependente de situações diferenciadas
de ensino que levam o aluno a sentir-se excluído. Para nós, isto encerra um
paradoxo, pois o único ambiente que há na escola no qual o Surdo consegue se
comunicar é visto como símbolo de exclusão. Como ficaria, então, a questão
identitária para esse aluno? Ter atividades diferenciadas, salas de atendimento
especializado, não ter um professor que consiga lhe explicar o conteúdo são
situações que o aluno não quer e fazem com que ele, apesar de estar na sala
regular, não se sinta incluído de fato. Talvez se a escola não tivesse uma
formação homogeneizante (SAWAIA, 2006), a diferença não seria vista como
“menos” e a existência da sala SAPE não seria constrangedora. Ou ainda, se o
ambiente escolar tivesse a presença de Surdos adultos, da cultura Surda e/ou da
LIBRAS, elementos que propiciariam o fortalecimento da identidade desse aluno
como Surdo (PERLIN, 1998; MOURA, 2000; LODI, 2005), ele estivesse mais
seguro nessas situações.
Conteúdo Temático 16
63
raciocinando também.
A idéia presente neste Conteúdo Temático talvez possa ser explicada por
meio das ações pedagógicas de ensino inglês que são tradicionalmente,
orientadas por exercícios de decodificação. Para isso, passa-se de um texto em
inglês usando dicionário para o português, preenchem-se lacunas, usam-se
estruturas prontas e chega-se ao significado. Em sendo assim, a professora
parece acreditar que o aluno Surdo se beneficiaria deste tipo de ensino, pois é
assim que ele raciocina, ou seja, ele parte de unidades mínimas – as palavras –
decodifica-as com o dicionário e assim, acredita que está construindo
conhecimentos. Logo, essa língua que tem, na percepção dela, todos os
significados em si mesma, se tornaria mais acessível para ele. Ou, talvez, essa
fala da professora possa revelar um prenúncio da percepção da condição bilíngüe
do Surdo e, conseqüentemente, da necessidade de trabalho com as línguas
portuguesa ou inglesa, ou outra que não a LIBRAS, como ensino de segunda
língua (GRANNIER, 2002).
Conteúdo Temático 17
Os sinais são 53- Elaine: Já que você falou em exclusão, você poderia falar
símbolos simples um pouquinho de como você vê a inclusão; o que você
usados por todos na acredita que seja inclusão.
sua vida diária.
54- Catarina: ... Só que a partir do momento em que eu tenho
que me comunicar de uma forma diferenciada, por mais que
todo mundo entenda o que eu estou falando, eu posso fazer
64
um sinal super simples, o gesto do telefone, que é
praticamente convencional, todo mundo faz uso do sinal do
telefone “me liga depois”, O sinal do depois também que é uma
coisa convencional, todo mundo utiliza. A partir do momento
que a pessoa utiliza, sendo Surda, esse sinal acaba caindo no
mundo desconhecido, ninguém consegue entender que aquele
“Y” na orelha invertido é o sinal de telefone e o enroladinho do
dedo do “depois” também significa depois pra um Surdo. É
como se fosse um extraterrestre na frente dele dizendo o que é
isso? De onde surgiu esse ser? É não bem assim, são sinais
tão simples que a gente utiliza na nossa vida diária,
corriqueiramente.
Conteúdo Temático 18
Neste conteúdo temático temos uma das visões de Surdo desta professora.
65
Conteúdo Temático Realização Lingüística
66
conteúdos e evitar conceitos abstratos, apostando em um atendimento que se
pauta pelo concreto. Outro aspecto que se destaca é que para tornar os conceitos
acessíveis ao aluno Surdo, ela lança mão de traduções dos termos não
compreendidos. Entretanto, não foi possível perceber se este recurso se pauta
pela construção de conhecimento em outra língua ou pela mera associação
palavra/sinal.
Frente aos esforços aqui apresentados, ainda que possam não promover
grande avanço no desenvolvimento das funções psicológicas superiores do aluno,
há que se deixar claro que existem, por parte da professora, o desejo e a coragem
de tentar, de buscar soluções para atender o aluno Surdo, para minimizar sua
condição de excluído.
Por outro lado, o Surdo, diante da impossibilidade de acessar os conteúdos
das aulas e de interagir nesse ambiente, em alguns momentos, é responsabilizado
por seu fracasso. Recebe essa injunção por não ser capaz de compreender
conceitos abstratos, ou por estar passando por problemas pessoais que interferem
no processo, ou ainda, por estar defasado, não possuindo os conhecimentos
mínimos necessários para acompanhar o Ensino Médio.
Quanto à linguagem, esta aparece como um código fragmentado e o fato de
a língua de sinais, condição necessária para a inclusão do aluno Surdo, não estar
presente na sala de aula, é apontado pela professora como um problema que ela
tenta minimizar.
Resumindo, o atual contexto escolar aposta numa educação para todos, o
que deixa o professor desamparado diante da diversidade a que precisa atender.
Em nossa análise, a professora parece impossibilitada de atender às
especificidades educacionais do aluno Surdo, uma vez que não lhe são
proporcionadas ferramentas adequadas. Não há investimentos para uma
formação robusta de professores, recaindo sobre seus ombros a responsabilidade
de preencher as lacunas do sistema. É voz corrente nos meios educacionais que a
formação pré-serviço do professor tem sido deficitária e, por isso, o discurso
inclusivo tem apostado sua viabilidade na formação em serviço e no atendimento
especializado.
67
Também a análise mostrou que o aluno que freqüenta a sala SAPE se
sente mal porque percebe nela uma maneira de exclusão. Esse comportamento
reflete a fragilidade da identidade Surda do aluno, que se compara ao ouvinte e
deixa de ver o apoio pedagógico como conquista, ainda que deficitário.
Simplesmente recusa-se ao atendimento, não cobrando da escola que lhe ofereça
interlocutores competentes em LIBRAS, intérpretes e materiais pedagógicos
adequados. Tal forma de exclusão é perceptível na fala da professora, no turno
48, quando sugere que a sensação de exclusão experimentada pelo aluno diante
de profissionais que não conseguem explicar o conteúdo, também ocorre diante
de uma sala de apoio que não contempla suas expectativas.
Para concluir, percebemos que a inclusão como está posta não atende às
necessidades educativas especiais dos alunos Surdos e, portanto, impossibilita
seu desenvolvimento, uma vez que não cria condições para o desenvolvimento
efetivo de suas funções psicológicas superiores. Este tipo de educação reforça a
desigualdade e promove a exclusão.
Passaremos, na próxima sessão, a analisar a entrevista com a professora
de sala regular, também organizada a partir dos temas: ensino-aprendizagem,
inclusão-exclusão, linguagem e Surdo.
Ensino é como 15- Ligia: Mais pra eles. Eu tive que procurar, com calma, com
68
vocação, inspiração jeito, com paciência, porque você usa aquela coisa de
e instinto materno. professor, de mãe, pega inspiração de tudo que você tem e
caminha. Eu ficava muito preocupada com eles. Mas a classe
ajudou bastante, as crianças ajudaram bastante. (...)
A professora sente 52- Elaine: Mas vocês não conseguiam horário pra se
que consegue encontrar?
encontrar sozinha o
53- Ligia: Não tenho tido horário.
caminho para
54- Elaine: O que é uma realidade nossa não é? Não tem
promover a
horário pra encontrar a professora da sala SAPE? Não tem
inclusão.
horário pra planejar o trabalho.
69
passo a matéria faço sinal pra eles e vou até as crianças. Eu
sempre procurei fazer assim, eu dou a matéria, depois eu sento
junto com eles.
O trabalho é 64- Ligia: (...) Mas isso tudo você descobre na hora.
desenvolvido sem
65- Elaine: Na intuição?
planejamento e a
66- Ligia: Na intuição, sensibilidade pura da coisa. Eu acho
partir da
que o professor tem que ser muito sensível. Tem que trabalhar
sensibilidade do
com a sensibilidade, com a percepção. Manter os ouvidos e os
professor.
olhos abertos. (...)
O trabalho desenvolve- 17- Ligia: (...) Não nesse sentido de precisar, mas no sentido
se a partir do esforço de que eles merecem todo esse trabalho e eu acho que eu
pessoal e do cuidado vou conseguir. Então eu fui buscar aquela força lá de
do professor. procurar, pesquisar, olhar. E eu tive um cuidado, de
lembrar sempre que eles estavam na minha frente. Então
sempre que eu passo a matéria faço sinal pra eles e vou até
as crianças. Eu sempre procurei fazer assim, eu dou a
matéria, depois eu sento junto com eles.
70
No nosso sistema educacional, a inclusão apenas coloca o aluno e
professor na sala de aula. Para apoiar o trabalho com alunos com NEE, oferece a
sala de apoio pedagógico; não cria, porém, espaços de discussão entre as
professoras envolvidas: a de sala de aula e a de sala SAPE. O Trabalho
desenvolve-se a partir do esforço pessoal e do cuidado que a professora tem
para com os alunos. Essa idéia de doação reforça-se pelo uso de termos que
remetem à condição própria da maternidade, pois a professora chama de
crianças, alunos que estão na faixa dos 18 anos e diz que se vale “daquela coisa
de mãe”.
Comprometida com seu trabalho, a professora se responsabiliza pelas
dificuldades de aprendizagem dos alunos e, assim, por se sentir responsável, ela
procura individualmente ações que levem ao aprendizado. O professor, em geral,
está muito sozinho em sua atividade docente, tornando–se difícil o exercício da
reflexão, necessário à sua atuação, tanto quanto a afetividade e a vocação. Não
podemos esperar que a qualificação do professor para atender à inclusão possa
surgir unicamente de seus dotes pessoais de sensibilidade, dedicação e
paciência, mas de investimento sério na formação docente de qualidade, conforme
prevê a LDB.
O trabalho docente implica uma obrigação a cumprir, implica desempenhar
um papel social. A professora, consciente dessa responsabilidade, tem boa
vontade e executa um bom trabalho. Respeito seu esforço de trabalho e analiso-o
a partir da teoria que, mesmo quando indica outra direção, não perde de vista que
o que tem sido feito é resultado de um contexto sócio-histórico-cultural, que deixa
os professores à mercê da própria sorte e, ao mesmo tempo, cobra resultados
sem oportunizar a formação necessária.
Conteúdo Temático 24
71
A partir da ajuda 39- Ligia: Você sabe que ela é difícil pra todos, imagine...
divina, a professora Então o que eu faço? Sempre eu tenho o cuidado de no
prepara as atividades mesmo momento que todos estão produzindo, eu preparo as
diferenciadas para os folhas, faço no computador pra eles também igualzinha. Só
alunos Surdos. que um texto que seja possível a interpretação por eles.
Uma linguagem mais simples. Uma coisa mais fácil de
entender, eu coloco no mesmo instante. Eles estão sendo
avaliados, eles perceberam, e é assim. Aí eu tenho o cuidado
de ir até a carteira e sempre, às vezes mesmo antes de
entregar, eu penso; “Meus Deus será que isso aqui?” Então
eu grifo e já escrevo alguma coisinha, já dou um sinônimo.
40- Elaine: As coisas que você acha que serão mais difíceis.
A professora reconhece que precisa fazer algo diferente. Mas, sem apoio
pedagógico para planejar suas atividades, segue tateando no escuro e resta-lhe a
ajuda divina para preparar suas atividades (turno 39: (...) “Meus Deus será que
isso aqui?”). Diante da complexidade do conteúdo, simplifica-o: não dá o
conteúdo programado, trabalha um texto que difere quanto ao conteúdo e ao
objetivo trabalhados com os outros alunos, ou ainda, grifa vocábulos e usa
sinônimos, pautando seu trabalho por uma metodologia de ensino da palavra.
Sem uma base dialógica, parece não conseguir ensinar os conteúdos esperados
(GÓES, 2000). Essa forma de trabalho parece considerar a linguagem como um
aglomerado de vocábulos que levam ao entendimento. No entanto, lançar mão de
sinônimos, a nosso ver, não tornará a linguagem mais acessível. Para tal, sentidos
e significados precisam ser constituídos. Segundo Bakhtin (1929/1999), as
palavras não podem ser entendidas fora do contexto e dos sujeitos que as falam.
E os professores, ao se pautar pelo ensino de palavras isoladas que, de fato não
levam à construção de novos significados, têm baixa expectativa pedagógica em
relação ao trabalho com Surdos (BOTELHO, 2005).
72
Destaco o uso do diminutivo pela professora no turno 39 (“... já escrevo
alguma coisinha”): tal fala nos mostra que a professora percebe que a
metodologia utilizada é insuficiente para atingir seus objetivos mas, que diante da
fatalidade de não saber por onde trilhar, ela apenas segue sua intuição.
Conteúdos Temáticos 25 e 26
A professora 23- Ligia: ... E essa vivência aqui na Escola B me fez perceber o
acredita que a quanto está fazendo falta. Porque eu sei que eu me aproximei
LIBRAS teria das crianças. Eu sei que eu procurei sempre fazer sempre o
trazido êxito ao seu possível, mas eu sinto que está faltando. Eu tenho que ser
trabalho. honesta, tenho que ser verdadeira com o meu trabalho. Se eu
tivesse essa linguagem eu acho que muita coisa que eu não
soube ensinar eu teria conseguido.
A professora 23- Ligia: Não. Sabia assim, que existia, sabia da necessidade.
reconhece a Acho que isso deve ser colocado para o professor. Eu estou
necessidade de inscrita desde o ano passado como voluntária pra ir fazer o
saber LIBRAS, mas curso em São Bernardo, nunca fui chamada. Eu nem sabia
não foi chamada que eu ia trabalhar com essas crianças aqui na Escola B. O ano
pela Diretoria de passado quando veio a rede para a escola pública eu me
73
Ensino. inscrevi como voluntária. Não tinha nenhuma criança Surda na
escola, nada. Mas é que eu acho que eu gosto de aprender. E
acho que de repente você pode encarar uma situação ímpar e
você tem que ter o mínimo de preparo. Então isso está
faltando. Eu pretendo fazer o curso. (...)
Conteúdo Temático 27 e 28
74
Incluir é estar atento 04- Elaine: Você usou coisas, cores, pra ensinar o português
às necessidades pra eles?
básicas do aluno.
05- Ligia: Mas de imediato, no primeiro instante, na primeira
aula, foi água e banheiro. Sabe? Eu falei: “Meu Deus eles não
falam nada.” Então eu retirei os dois da sala, um menino e uma
menina, mostrei onde era o banheiro das meninas, mostrei
onde era o banheiro dos meninos. Mostrei onde tinha água,
onde podiam comer alguma coisa. Porque foi a sobrevivência
mesmo, aquela coisa (...)
Os alunos devem se 15- Ligia: (...) Eu tive uma conversa com a classe eu falava:
colocar no lugar do “Pensem o seguinte, vocês estão no país que vocês nasceram,
aluno estrangeiro e qualquer palavrinha que vocês falam as pessoas entendem,
ajudar. vocês se fazem entender, são compreendidos. Eles não. Então
imagina se você estivesse na China hoje.” Aí eles diziam: “Ah,
professora que coisa difícil". “Então quando eles falarem alguma
coisa que você não entendeu faça com que eles mostrem, faça
um desenho, escreva pra eles, enfim vá usando tudo que é
possível”, eu dizia. Eu falava pra eles: “Quando vocês forem
comer lembre-se de levar a menina para o refeitório”. Porque
a menina era pequenina e ele já era maiorzinho. “Convidem o
menino para jogar”. E as crianças ajudaram bastante, ajudaram
muito mesmo. Foi uma experiência rica, muito rica.
75
aqui, não no sentido vigotskiano de construção colaborativa do conhecimento,
mas no sentido de co-operação, de complementaridade. Incluir é cooperar um
como o outro, mas sem o sentido de construção partilhada de novos sentidos.
Conteúdo Temático 29
Incluir é fazer tudo 39- Ligia: Você sabe que ela é difícil pra todos, imagine... Então
junto. o que eu faço? Sempre eu tenho o cuidado de no mesmo
momento que todos estão produzindo, eu preparo as folhas,
faço no computador pra eles também igualzinha. Só que um
texto que seja possível a interpretação por eles. Uma linguagem
mais simples. Uma coisa mais fácil de entender, eu coloco no
mesmo instante. (...)
Para a professora, incluir é fazer tudo junto, mas não significa fazer tudo
igual. A princípio, isso seria condizente com o sentido de inclusão, que é atender
às necessidades especiais de cada aluno (SASSAKI, 1999) e oferecer igualdade
de oportunidades. Entretanto, conforme Lacerda (2000), as necessidades dos
Surdos não chegam a ser contempladas neste modelo de escola que temos, ou
seja, organizada para ouvintes. Assim, diante da impossibilidade de ações
adequadas e carente de orientação, o fazer diferente dos professores reveste-se
de uma mutilação do texto literário ou do uso de textos variados, com objetivos
não condizentes com aqueles objetivos planejados para alunos ouvintes. Isso, a
meu ver, reflete como tem sido feita a inclusão até hoje: trata-se de colocar todos
na mesma sala, no mesmo momento e com uma ocupação qualquer.
Conteúdo Temático 30
76
Quadro 31: Conteúdo Temático 30
33- Ligia: Não. Eles ficam olhando, mas é claro pra eles é
difícil, então a gente sempre tem o cuidado de fazer sinal e
depois eu vou até a carteira deles.
34- Elaine: Depois você vai até a carteira e eles vão ter um
outro momento pra discutir com você. No momento em que
está a classe toda discutindo eles não conseguem
participar?
Conteúdo Temático 31
77
Incluir é um processo 46- Elaine: Lígia, o que você entende por inclusão?
longo, que exige
47- Ligia: Respeitar pra mim é a palavra chave. Saber
persistência e dedicação
respeitar as diferenças, saber respeitar as necessidades,
quanto ao respeito às
saber respeitar a vida.
diferenças.
48- Elaine: E você sente que esses alunos nessa escola
estão incluídos?
78
intuição e convoca os outros alunos a ajudar e a cooperar com o aluno Surdo.
Utiliza-se desses recursos, apesar de ver como necessária a formação específica,
porque não aparecem oportunidades institucionalizadas para fazer cursos ou
encontrar-se com a professora de sala SAPE.
Em nossa análise, achamos que isso ocorre porque os mecanismos de
inclusão não funcionam, estão mal planejados e/ou inacessíveis. Do professor são
cobradas respostas para a sociedade, apesar de ele não possuir ferramentas para
constituir seu trabalho. A única alternativa é, então, valer-se de persistência e da
paciência.
Nessas condições, a aprendizagem vai acontecendo á deriva, isto é,
quando acontece, num espaço paralelo que não iguala as oportunidades conforme
o pressuposto da inclusão. Nesse espaço paralelo, o trabalho que se pode realizar
é o de oferecer ao aluno conteúdos simplificados, à revelia das suas reais
necessidades. São propostos textos mutilados e atividades preparadas, não para
provocar um salto qualitativo no desenvolvimento do aluno, porque não são
planejadas para isso, mas para que os alunos as realizem no mesmo momento
que o restante do grupo. Não se pode negar que, bravamente, a professora lança
mão de todas as suas competências para promover a inclusão que é possível.
Sensível à problemática envolvida e cônscia de suas necessidades formativas,
busca o curso de LIBRAS que é oferecido na Diretoria de Ensino. Como vimos,
entretanto, apesar de procurar por formação, ela não teve a ”sorte” de ser
chamada para o curso de capacitação.
Assim a inclusão do estar junto vai se perpetuando e engrossando as
estatísticas de alunos inclusos. Ao aluno Surdo resta a concessão de fazer menos
que os outros por não ser capaz de fazer igual, mas diferente.
Tendo visto a entrevista, analisaremos a aula desta professora.
79
necessária, pois durante a análise das aulas percebemos que professora e os
alunos Surdos, em vários momentos da interação, desenvolviam,
concomitantemente, diferentes conteúdos temáticos. Por isso, quando necessário,
dois conteúdos temáticos foram levantados num mesmo excerto – um da
professora e outro dos alunos. Para a organização da dissertação, os conteúdos
que se realizaram simultaneamente foram apresentados em um só quadro. Outra
característica da análise das aulas, é que não estão organizadas por grandes
temas, como nas entrevistas, pois as aulas foram voltadas para tratar de um
conteúdo programático específico e delimitado a priori.
CT 32: Prof Lígia – 01- Prof Lígia: Antífona - Cruz e Souza, Romantismo -
1836/1881, Parnasianismo - 1881/1893, Simbolismo -
No Romantismo, o
1893/1902 uma flor desenhada. (escreve na lousa dividindo-a
importante é o
em cinco partes e colocando uma informação em cada parte)
sentimento, gostar e
Romantismo, 1836/1881. O que era importante? Amor
dar flores.
(escreve em um caderno que levou para apoiá-la)
80
“também” e aponta o olho. Em seguida bate no peito,
simulando o pulsar de um coração.
08- Prof Lígia: Faz uma mímica em que retira algo do peito e
oferece aos alunos. Flor. (aponta desenho na lousa)
81
Conteúdo Temático Realização Lingüística
CT 36: Prof Lígia – Romantismo: 20- Prof Lígia: Escrever. (repete o sinal de
doença escrever feito pelos alunos) Doença. (escreve no
caderno)
82
60: Sara: Ah! Lista. Bom
CT 40: Alunos Surdos – Bem 187 - Selma: (lendo) perfume da flor, música, igreja.
feito é o mesmo que lista (aponta “bem feito” no caderno) Fazer bem?
83
exemplo da não apropriação da língua portuguesa o que, segundo Botelho (2005),
está relacionado às condições educacionais oferecidas aos Surdos: como não há
língua partilhada, pautam-se pelo ensino de palavras.
CT 41: Prof Lígia - Simbolismo é 152 - Prof Lígia: (escreve no caderno) flor
apontar nariz, boca, ouvido, importante
apertar as pontas dos dedos.
153 - Selma: (aponta a lousa) Simbolismo.
(dirigindo-se a Sara) Você me ajuda?
CT 42: Alunos Surdos - A 154 - Prof Lígia: aponta nariz, boca, ouvido,
professora está falando de aperta as pontas dos dedos.
cheirar, ver, sentir a música.
155 - Sara: A professora está falando de
cheirar, ver, sentir a música.
CT 43: Prof Lígia - Simbolismo: – Prof Lígia: (escreve no caderno) Paladar. Une e
Paladar e Tocar separa a ponta dos dedos.
84
Neste trabalho não pretendemos afirmar que a interação é impossível e que
a comunicação não se estabelece. Ainda que de maneira rudimentar, professora e
alunos criam mecanismos para se comunicar que ora funcionam, como vemos nos
conteúdos temáticos 41 e 42, ora não funcionam, como vemos nos conteúdos
temáticos 43 e 44. Em outros momentos, fica a impressão de que está
funcionando, como vimos nos conteúdos temáticos 34 e 35, em que a professora
diz A o aluno entende B, mas ambos acham que conseguiram se fazer entender.
Entretanto, a construção de conceito científico, que é papel da escola e objetivo da
professora, perde-se em meio ao desgastante esforço de interlocução ficando a
aula muito limitada (SOUZA & GÓES, 1999), ou resumindo-se à compreensão de
alguns dos itens lexicais que a professora tenta construir com os alunos.
CT 45: Prof Lígia - Todos 211 - Prof Lígia: Na 1ª questão eu estou afirmando a
já sabem que toda escola preferência, preferência, gostar da indefinição e da
literária tem claridade (...). Vocês já sabem, todos (enfatiza o todos
características próprias. apontando na direção dos alunos ouvintes e logo após dos
alunos Surdos) vocês já sabem que toda escola literária
tem características próprias que são pontos
importantíssimos, que precisam estar registrados nos
textos para comprovar a época.
CT 46: Prof Lígia – 211 - Prof Lígia: (...) Simbolismo (...) a indefinição e a
Simbolismo é a claridade no começo e nós vamos tirar do texto palavras que
85
indefinição, a justifiquem isso. (Virando-se para Sara, Sólon, Selma) Faz
claridade, a uma mímica com a mão que parece um lento tchau. (escreve
interrogação. na lousa) Claro e um enorme ponto de interrogação.
(Virando-se para Sara, Sólon, Selma) aponta para os olhos,
aponta para a janela. Segura o tecido da própria blusa, aponta
CT 47: Alunos Surdos
roupas brancas dos alunos (articula) claro.
– Pergunta
Toca o sinal. Os outros alunos levantam-se e começam a sair
os Surdos não saem.
86
vemos, lhes faltam ferramentas. Como podemos constatar, os alunos não
acompanharam o que ela quis dizer para eles e, de fato, eles apenas conseguiram
construir o sentido de um item lexical, qual seja o de pergunta, interrogação.
Assim, o objetivo da aula – que era compreender aspectos do movimento literário
simbolista – não foi atingido. Essas ações da professora corroboram com nossa
percepção de que ela, em sua dedicação e empenho, acredita poder construir um
todo significativo a partir de algumas palavras escritas ou gestos isolados
inseridos em seu discurso oral. Acreditar que isso é possível sinaliza que os
professores, conforme apontado por Souza e Góes (1999) desconhecem a
realidade do sujeito Surdo e suas necessidades. Ainda em sua tentativa de
construir sentido, destaca alguns termos do conteúdo de sua fala como no
conteúdo temático 46: Simbolismo é a indefinição, a claridade a interrogação.
Assim, simplifica o conteúdo para o aluno e imagina estar negociando os
significados existentes no conteúdo Simbolismo. Os alunos, no entanto, entendem
que a professora está dizendo “Pergunta” e não a associam ao Simbolismo.
Conteúdos Temáticos 48 e 49
87
Quadro 43: Conteúdo Temático 49
CT 49: Prof Lígia - Os 210 - Prof Lígia: (fala para a classe) Antífona tá? É o
Surdos já sabem que o fragmento que está no caderno de vocês. Antífona é um
Simbolismo é uma canto importante que se pode fazer antes ou depois dos
escola mística que Salmos. Porque o Simbolismo é uma escola mística que
trabalha traços do vai trabalhar traços indefinidos e nós vamos trabalhar
indefinido. bastante destas características. É um texto de Cruz e
Souza, o maior representante do Simbolismo, que fez um
texto lindíssimo, difícil, indefinido e complicado chamado
Antífona, que quer dizer cântico antes ou depois dos
Salmos. Eles (aponta os alunos Surdos) já sabem isso
porque antes eu expliquei para eles. (Virando-se para
Sara, Sólon, Selma) Faz mímica para rezar e cantar.
88
Conteúdos Temáticos 50 e 51
Nestes conteúdos temáticos é possível ver o esforço de compreensão dos
integrantes da interação:
CT 50: Prof Lígia – Parnasianismo 130- Prof Lígia: (aponta a lousa) Romantismo.
(...), Simbolismo: (...), Romantismo:
131- Sara: amor
amor, flor, sentimento, natureza e
132- Prof Lígia: Cruza os braços. (aponta a
gostavam.
lousa) Parnasianismo. E faz curvas no ar.
89
espaços para construção coletiva, ou seja, ZPD – que propicia desenvolvimento,
internalização de conceitos científicos e formação da consciência reflexiva – a aula
resume-se a negociações de sentido sobre um conjunto de itens lexicais. Pela
nossa análise, esse conjunto de itens lexicais parece formar um todo de sentido
para o professor e um amontoado de palavras para os alunos.
Por não partilharem linguagem, professora e alunos Surdos estabelecem
uma pseudocomunicação. Através dessa tentativa de interação, a professora fica
com a impressão de que desenvolveu junto com os alunos Surdos os mesmos
conteúdos desenvolvidos com os alunos ouvintes, haja vista a fala da professora
no turno 210. Já o aluno assume uma postura de simulação, incapaz de se colocar
quando não compreende nem o item lexical que está sendo negociado. A escola,
tal como está estruturada, não promove, pois, o desenvolvimento das identidades
pessoais buscando apenas uma eficiência técnica em resposta à lógica do
mercado (SKLIAR, 1999). Assim, sem inserção da cultura Surda no espaço
escolar, esses alunos não se vêem fortalecidos identitariamente e conforme Moura
(2000), não se sentem passíveis de “virem a ser”.
A linguagem, na aula em análise, aparece como um conjunto de pequenas
coisas que são colocadas lado a lado. Para a professora, fica a impressão de que
se ela ensinar uma palavra ela consegue atingir o todo. Não houve sequer
condições para que ela compreendesse que o português escrito, instrumento e
objeto de sua prática, não é dominado pelos alunos.
Apesar da aparente boa vontade da professora e do respeito que temos por
sua corajosa prática de, numa situação de solidão que tem sido a sala de aula,
tentar desenvolver um trabalho que atinja a todos, constatamos que muito esforço
foi empenhado e pouco ou nada se construiu de significativo no que diz respeito
aos conteúdos escolares. Reflexo de uma escola que tem como objetivo a
inclusão de todos, mas não sofreu as modificações necessárias para isso. Essa
inclusão, construída a partir de políticas inclusivas, mas sem identidade – e por
isso ineficazes – acaba por consolidar uma inclusão excludente (FIDALGO &
LESSA, 2004).
90
3.4. Entrevista com Amanda - professora de sala regular
Conteúdo Temático 52 e 53
As atividades dos 06 - Amanda – (...) Então eles acabam fazendo muita cópia
alunos ficam no nível eu escrevo muitas palavras como substantivos adjetivos
do léxico e da cópia. é... é... direcionada para o que eu estou falando pra que eles
entendam (...)
91
discutimos, com base em Bakhtin (1953/2003) e Vigotski (1934b/2001), pautar o
ensino na palavra isolada não traz as inúmeras possibilidades de significação que
podem surgir numa situação discursiva. Para esses autores, a palavra só faz
sentido no contexto.
Além da questão da palavra, outra discussão que retomamos a partir deste
conteúdo temático 53 é a adaptação do conteúdo para o Surdo, a qual acaba,
muitas vezes, ancorada na idéia de menos valia. Isso é confirmado pela
professora, ao dizer que enquanto os ouvintes se preparam para o vestibular, o
Surdo faz uma atividade para preencher uma lacuna. Parece-nos que essa é uma
estratégia, não intencional por parte da professora, de acobertamento das
dificuldades (BOTELHO, 2005); estratégia que garante o aparente convívio
harmonioso de professores e alunos no ambiente escolar (GÓES & TARTUCI,
2002). No caso em análise, a professora garante que os ouvintes lerão um livro e
os Surdos também lerão, seja ele qual for. Nessa proposta, a atividade de leitura
como meio de preencher o tempo sobrepõe-se ao objetivo da leitura para
ouvintes. Ainda devemos ressaltar que, diante das dificuldades encontradas com o
conteúdo que precisa trabalhar e sem saber o que fazer, a professora delega à
professora de sala SAPE (“a professora que cuida dos DAs”) a adaptação de seu
trabalho. O resultado, segundo a própria professora, não atende ao objetivo
(vestibular), mas por não saber como intervir, ela se conforma.
Conteúdo Temático 54
92
conteúdo. peço pra eles copiem ai eu vou e depois que eles copiaram
eu assinalo, passo um traço embaixo dessas palavras
mais importantes por exemplo ruptura com passado,
quebra com o passado o que é modernismo, linguagem
simples né, é texto que o leitor possa compreender melhor
né, então eu tenho que pegar umas palavras assim e
riscar pra que eles entendam, um resuminho rapidinho
do que eles vão lendo.
O recurso da cópia tem sido usado para manter o aluno ocupado e causar a
impressão de pertencimento ao grupo, uma vez que realiza atividades no mesmo
instante que os demais. A leitura proposta é de textos mutilados, como se a parte
que não está grifada fosse desnecessária para o todo textual. Novamente,
percebemos o ensino de língua centrado no léxico. A idéia de menos valia, ou de
uma deferência, ou ainda de incerteza, que é expressa pelos diminutivos volta a
aparecer neste Conteúdo Temático conforme discutido nos CT 11 e 24.
Conteúdo Temático 55 e 56
Os próximos dois conteúdos temáticos nos dão uma possibilidade de ver as
concessões oferecidas aos alunos Surdos. Observemos:
A professora avalia a 07 - Elaine – Aí esse material que eles estão lendo, Pinóquio,
leitura pelo Chapeuzinho Vermelho como você faz pra avaliar?
resuminho do Surdo
08 - Amanda – Então eles me entregaram o CD, eles
ou pede para a aluna
visualizaram a história, são CDs que vem com as LIBRAS né,
ouvinte explicar o
e eles fazem um resuminho ai o que eu entendo... ou seja, o
conteúdo a ele
que eu não consigo entender eu peço pra Catarina me auxiliar
pra que eu possa ter compreensão do texto
93
Quadro 49: Conteúdo Temático 56
A professora não tem 23 - Elaine – mas a aula então você procura manter igual as
recursos na escola para outras?
trabalhar os conteúdos
24 - Amanda – É eu procuro porque eles vão ter que
próprios das séries com
acabar indo prum prum vestibular, um concurso então você
os Surdos
tenta oferecer da melhor forma né ééééé como eles estão
lendo Pinóquio e Chapeuzinho Vermelho, que dizer não
seria história pra você ta trabalhando no terceiro
colegial, mas como você não tem recurso pra ta
trabalhando leitura e escrita. Tudo bem, mas eu sei que
para um vestibular, fica muito mais difícil para eles
entrarem, quer dizer não tem, porque aí todo muito tá ééé
dentro de um mesmo sistema assim ali né você é avaliado e
eu acho complicado eles acabam também, ééé...
14
Não é o caso, aqui, discutir a validade do objetivo da professora.
94
sustentada por astúcias como a proteção ou acobertamento das dificuldades. E,
ainda, ao “não saber o que fazer”, sensação que envolve os professores diante da
impossibilidade comunicativa que se lhes apresenta (GÓES, 2000).
Conteúdo Temático 57 e 58
A aula é a mesma 21 - Elaine – É tem diferença da aula que você prepara pra sala
porque a cobrança que tem Surdos pra aula que você dá pra outras salas?
da sociedade será a
22 - Amanda – Não, eu procuro dar como eu falei, eu dou nas
mesma.
mesmas salas as mesmas aulas é reservo um pouco de tempo
pra dedicar pra esses alunos né dúvida, peço cópia, comento
alguma coisa na lousa com palavras objetivas com auxilio desse
aluno é o que eu consigo né?
A professora 21 - Elaine – É tem diferença da aula que você prepara pra sala
reserva uma parte que tem Surdos pra aula que você dá pra outras salas?
da aula para, com o
22 - Amanda – Não, eu procuro dar como eu falei, eu dou nas
auxílio de uma
mesmas salas as mesmas aulas é reservo um pouco de tempo
aluna que sabe
pra dedicar pra esses alunos né duvida, peço cópia, comento
sinais, se dedicar
alguma coisa na lousa com palavras objetivas com auxilio
95
ao aluno Surdo. desse aluno é o que eu consigo né?
Conteúdo Temático 59
96
Quadro 52: Conteúdo Temático 59
97
sistema do 5 (cinco) não to corrigindo a parte gramatical. O texto
ainda eu sento corrijo, tento comentar alguma coisa com o
auxílio da aluna, mas gramática fica difícil deixo fazer mas não
corrijo(...)
98
reafirmamos que uma escola organizada para alunos ouvintes não pode, mesmo,
contemplar necessidades Surdas (LACERDA, 2000).
Conteúdo Temático 60
No mesmo excerto, pode-se discutir a questão da avaliação como parte da
exclusão. Vejamos:
Quadro 53: Conteúdo Temático 60
99
professora percebe que o aluno também pode estar frustrado diante de tal
situação. Entretanto, parece não perceber que as faltas da aluna podem ser
explicadas pelo fato de estar desmotivada para esta aula. Em outras palavras,
parece que a professora tem uma percepção de alguns elementos que levam à
exclusão do aluno Surdo, embora ele esteja, fisicamente, presente à aula.
Entretanto, apesar disso, a professora não consegue romper com a lógica
excludente que coloca, no aluno, a responsabilidade por sua inclusão.
Conteúdo Temático 61
100
série de problemas gramaticais, que se atrapalha na compreensão, que devolve
pouco do que lhe foi oferecido. No entanto, os textos a que os alunos Surdos
foram expostos são fragmentos, resumo daqueles que são lidos pelos ouvintes
(somente algumas palavras foram sublinhadas por ela para chamar a atenção dos
alunos Surdos). Nesse contexto, chama a atenção que a professora diga que eles
devolvem pouco de tudo que ela lhes oferece. Talvez neste tudo da professora
esteja incluído o que foi oferecido a partir do discurso oral, inacessível ao Surdo.
Conforme já discutimos nos CTs 34-40, há um conhecimento ainda bastante
incipiente de português escrito por parte desses alunos, e uma vez que o acesso
ao conteúdo da aula se dá por esta via, pouco se pode esperar dos alunos
Surdos. Ocorre que, na escola inclusiva que temos, as necessidades do aluno
Surdo são vistas, mas não são olhadas (TEIXEIRA, s/d).
Conteúdo Temático 62 e 63
101
fazer mais do que isso e uma parte desanimada e que falta
muito também né?
102
execução das atividades, porque se sente despreparada e desamparada. O aluno
que reproduz atividades mecânicas para se manter no ambiente, ou aquele que
falta e desiste. E todos são apresentados como frustrados.
As atividades são propostas para preencher o espaço/tempo necessário
para a conclusão do ano letivo. A avaliação cumpre uma exigência protocolar. Um
grande jogo de simulação entra em cena e os sujeitos do processo comportam-se
de maneira protocolar sem, no entanto, cumprir os objetivos que os levaram a
estar no mesmo espaço escolar.
Esta inclusão perversa condena esses jovens a passarem pelos bancos
escolares sem desenvolverem seu potencial, sem se preparar para o que a
sociedade certamente cobrará deles. O próprio sistema coloca o educador em
uma situação de fragilidade, sem ferramentas para realizar seu trabalho. Assim, o
objetivo primeiro da educação inclusiva, igualdade de oportunidades, não se
cumpre.
Feita a análise da entrevista com a professora Amanda, na próxima sessão
analisaremos alguns Conteúdos Temáticos extraídos da transcrição de uma aula
desta professora. Destaco que muitos são similares a outros já levantados na aula
da professora Lígia e, portanto, analisaremos apenas algumas novas
contribuições que surgiram nessa interação.
CT 64: Prof Amanda 21 - Prof Amanda: - (...) (voltando-se para ASS) Tudo Bem? As
– Se o texto é difícil meninas entenderam? Elas entenderam o texto?
até para os ouvintes
22 - ASS: É difícil o texto, a linguagem
imagine para o
23 - Prof Amanda: – É, por causa de algumas palavras difíceis,
103
Surdo. é difícil até pra nós, é né porque nós saímos lá de um galego
português do Trovadorismo e ai foi caminhando, um português
mais né moderno, mas mesmo assim algumas palavras são
difíceis mesmo pra nós entender, mas deu pra entender a tônica
teatro moralizador né?
Conteúdo Temático 65
CT 65: As alunas não 73- Selma (está escrevendo um texto e lê para Sara): Nós
fazem a atividade não fizemos porque é difícil.
porque sentem
74 - Sara – (Ajudando a construir o texto apaga e reescreve,
dificuldade em
lê em seguida para Selma) Nós não conseguimos fazer
trabalhar o texto
porque é difícil.
poético.
75 - Selma - (...)
104
o texto para ASS)
Conteúdos Temáticos 66 e 67
105
copiar.
Conteúdo Temático 68 e 69
Nos próximos quadros, pode-se verificar como foi resolvida uma dificuldade
explicitada pelos Surdos:
106
CT 68: Prof Amanda - 103 - ASS1 – Professora, vem cá.
Como as alunas
104 - Prof Amanda – oi
Surdas não conseguem
105 - ASS1 – Ela veio falar pra mim que o livro Vidas Secas
ler Vidas Secas, devem
elas não estão conseguindo entender.
ver o CD Iracema, que
é em LIBRAS. 106 - Prof Amanda – Não, ééé lembra que eu comentei, eu
comentei com elas uma vez que tem o CD do Iracema que
elas podem estar vendo, Iracema, eu comentei acho que
elas não se recordam, o CD tem LIBRAS, elas não
precisam ler Vidas Secas.
CT 69: Prof Amanda – 106 - Prof Amanda – (...) elas não precisam ler Vidas
A avaliação dos alunos Secas.
Surdos é feita por meio
107 - ASS1 – Ah tá, porque elas vieram falar comigo.
de um trabalhinho ou
108 - Prof Amanda – Elas descem, fala com a Catarina tem
provinha sobre o CD de
o CD Iracema e ai elas vão ver o filme brasileiro tem
Iracema
línguas de sinais tudo, elas conseguem e aí eu vou pedir
um trabalhinho em cima disso, eu faço uma provinha com
elas sobre o CD, tem lá tem que conversar com a Catarina.
107
que a atividade é planejada tendo em vista o desenvolvimento real do aluno para
oferecer-lhe um desafio um “tantinho” maior (HADJI, 2006) e provocar um conflito
que resulte em salto qualitativo no seu desenvolvimento. A atividade aparece
como uma concessão oferecida por ela. Concessão necessária, certamente, por
não haver material na escola, não haver língua partilhada entre Surdos e ouvintes,
não haver formação que indique para a professora como construir sua prática
considerando a presença de alunos Surdos na sala.
Conteúdo Temático 70
CT 70: Prof Amanda – 112 - Prof Amanda – Por exemplo você tem que pegar
O ensino para Surdos aqueles trechos mais importantes e falar pra elas.
tem que ser objetivo,
113 - ASS1 – É foi o que eu falei pra elas.
sem muita explicação.
114 - Prof Amanda – Pega aqueles trechos assim, que fala
da sociedade da época, falar o básico assim, Gil Vicente
éééé viveu num em determinado período situações tal e tal,
foi um escritor brilhante que escreveu peças teatrais e
passado tanto tempo era uma pessoa que poderia ser lido
como se tivesse falando dos dias de hoje. Não adianta
tentar explicar demais tem que ser objetivo.
A professora está orientando a explicação que ASS1 deverá dar aos alunos
Surdos. Nessa orientação, a professora sugere à aluna que seja objetiva uma
vez que não adiantará explicar demais. Dois aspectos chamam-nos atenção
neste conteúdo temático. O primeiro é que a professora não acredita que o
conteúdo possa ser ensinado para esses alunos; então, orienta a aluna a explicar
em duas ou três frases tudo que ela falou em duas aulas. Mais uma vez, a
professora coloca o aluno Surdo numa posição de falta de, de menos que. O
108
segundo fato a se notar é que a professora transfere para a aluna a
responsabilidade por desenvolver o trabalho de ensino-aprendizagem. Ela abre
mão do seu papel de professora mediadora na construção do conhecimento, uma
vez que reconhece não ter a ferramenta que possibilitaria desenvolvê-lo, que, no
caso, é uma língua partilhada.
Nestes últimos conteúdos temáticos podemos também ver que a professora
sugere que a aluna passe, de maneira pontual, alguns conceitos prontos aos
alunos. Esta simples transferência impossibilita a criação de uma situação de
construção coletiva e colaborativa (MAGALHÃES, no prelo) de conhecimento.
109
CONSIDERAÇÕES FINAIS
110
Apesar de essa mudança ideológica significar avanço no atendimento às
diferenças, especificamente no âmbito desta pesquisa, que estuda o ensino-
aprendizagem de Surdos, pudemos observar que tal mudança ocorreu muito mais
no que diz respeito às leis e às discussões teóricas do que à realidade das
escolas. Percebemos, na escola pesquisada, que não estão disponíveis os
mecanismos de inclusão do Surdo, tal como previstos nas diretrizes pedagógicas
e trazidos a este trabalho na voz de Perlin (2000).
Com direito a intérprete em sala de aula, a professor Surdo para o
desenvolvimento da língua de sinais, a professores com conhecimentos de
LIBRAS para acesso aos conteúdos das aulas pela língua que dominam, a
professor de língua portuguesa como segunda língua e atendimento pedagógico
especializado, além de inserção da cultura Surda no ambiente escolar,
prerrogativa de escola que trabalha com mais de uma realidade lingüística, o
aluno Surdo pode contar, apenas, com o apoio da sala SAPE.
A análise mostrou que esta sala de apoio não dá conta de suprir todas as
demandas e acaba por oferecer um trabalho deficitário quanto à visão de
linguagem, ao apoio aos conteúdos do Ensino Médio e às necessidades dos
Surdos que ora buscam a sala com dúvidas sobre os conteúdos estudados, ora
recusam-se a receber atendimento por considerá-la excludente.
O atendimento parece apoiar-se numa visão de linguagem fragmentada, a
partir de itens lexicais, bem como na simplificação de conteúdos, na tradução de
palavras, talvez, apenas na transposição palavra/sinal e na busca de trazer para o
concreto os conceitos trabalhados em sala de aula. Discutimos a forma como esse
atendimento está estruturado, à luz da teoria vigotskiana, destacando os avanços
que poderíamos ter no que diz respeito _à construção de funções psicológicas
superiores. Sabendo que o aprendizado de conceitos científicos tem como lugar
privilegiado o ambiente escolar, questionamos a igualdade de oportunidades
oferecida pela escola, que não possui ferramentas para, efetivamente, promover o
desenvolvimento pleno de todos os seus alunos.
Os professores dessa escola, dita inclusiva, também devem contar apenas
com a professora da sala SAPE como apoio ao trabalho inclusivo. Esse apoio
111
ocorre em situações informais em que os profissionais conseguem se encontrar
fora do horário de trabalho, pois o horário destinado a discussões das questões
pedagógicas, isto é, os HTPCs, não são comuns aos professores e à professora
da sala especial. Levanto, aqui, um questionamento que não foi possível discutir
neste trabalho, mas que os dados suscitam.
Visto que a professora de sala SAPE afirma trabalhar com aquisição dos
conteúdos que os alunos não adquiriram na sala de aula, visto que os professores
de sala comum e a professora de sala SAPE não se encontram, visto que os
alunos não se apropriam dos conteúdos do Ensino Médio porque é desenvolvido
em língua oral, pergunto: sem oportunidade de discussão e planejamento e
contando apenas com o que trazem os alunos Surdos, que não entendem direito o
que acontece na sala de aula, que elementos tem a professora de sala SAPE para
estruturar esse atendimento? Creio que é um ponto a ser estudado na complicada
teia da atual configuração da escola inclusiva.
Neste momento, que faço uma análise reflexiva sobre a pesquisa aqui
apresentada, gostaria de trazer dois turnos da entrevista com a professora de sala
SAPE que não foram objeto de análise nos conteúdos temáticos porque não
respondiam diretamente a pergunta de pesquisa norteadora deste trabalho, mas
que apontam para uma questão que precisa ser investigada e precisa ser objeto
de ações governamentais.
No turno 10 da entrevista com a professora de Sala SAPE, ela declara que
o profissional não precisa ter LIBRAS para ser contratado para trabalhar na sala
de apoio. Um paradoxo interessante esse de não precisar conhecer a língua de
seu interlocutor. Outro fator que chama atenção está no turno 44: a professora
afirma que não recebeu assessoria da Secretaria de Educação ao longo daquele
ano, o que denota que não há formação continuada em serviço ou que a formação
se dá por eventos pontuais, sem uma política de formação.
Sendo o profissional de Sala SAPE um dos principais responsáveis pelo
processo inclusivo, a falta de investimento em sua formação contribui para o
fracasso da inclusão e para a promoção da exclusão.
112
Assim, a importância e a necessidade de formação dos profissionais que
atuarão em prol da inclusão aparecem como imprescindíveis nas determinações
da legislação, nas análises feitas por esta pesquisadora e aqui apresentadas, bem
como no discurso dos profissionais entrevistados para este trabalho. Diante disso,
poderíamos dizer que é senso comum que a formação precisa estar à frente da
política de inclusão. Contudo, o que se percebe é que não há vontade política para
garantir que se cumpra o que determina a lei. Para ilustrar um pouco mais esta
questão, e também para atender a uma das propostas deste trabalho, que é de
reflexão e denúncia, cito mais um dado colhido durante as entrevistas para este
trabalho.
A escola em que esta pesquisa foi desenvolvida, conforme já apontei na
metodologia, recebe todos os alunos que saem da escola especial para Surdos
que há no município. Atualmente há 43 alunos Surdos inclusos entre os períodos
da manhã e noite. Devido à demanda, a escola exerce forte pressão para o
oferecimento de curso de LIBRAS aos professores da escola. Diante de tal
necessidade, a Diretoria de Ensino se pronunciou informando que se houvesse
um grupo de vinte e cinco professores interessados em aprender LIBRAS, eles
abririam um curso na escola. Foi feita, então, uma pesquisa de disponibilidade de
horário junto aos professores (relembro que na caracterização da escola expus
que boa parte do corpo docente acumula cargos).
Com 17 professores interessados e com horário disponível para fazer o
curso, a Secretaria não abriu uma turma porque havia estabelecido o número
mínimo (25) de professores para oferecer o curso. Entretanto, não estamos
falando somente de 17 professores, mas principalmente de 43 alunos que não
interagem com seus professores. E dos que virão nos próximos anos. E de um
trabalho pedagógico comprometido.
A inclusão que está posta desconsidera a necessidade de formação dos
professores, na medida em que os órgãos competentes não oferecem cursos
específicos. A inclusão que está posta desconsidera a diferença lingüística do
aluno quando não faz questão que o professor que o atenderá conheça a LIBRAS
e quando não coloca intérprete na sala de aula.
113
À parte desses questionamentos que, se fogem ao escopo do trabalho, não
fogem ao contexto, retomo a reflexão sobre os resultados deste trabalho.
Recorrente no trabalho dos três profissionais que colaboraram com a
pesquisa em questão, chama-nos atenção algumas estratégias que observamos.
São elas: simplificação dos conteúdos, trabalho estruturado no léxico e tentativa
de tornar o conteúdo concreto, devido à crença de que o aluno é incapaz de
pensamentos abstratos. Estratégias estas que, segundo percebo, se materializam
em um ensino empobrecido que, no caso de sala de aula, vale-se principalmente
de cópia de material escrito na lousa. Também notei, nos professores, insatisfação
com a qualidade de seu trabalho que aparece, ora subentendida em diminutivos,
ora claramente explicitada em suas falas, ao se colocarem como profissionais
frustrados e sem conhecimentos para mudar a situação.
O desconhecimento das demandas implicadas em possuir uma minoria
lingüística no seu contexto de trabalho e a confusão entre o conceito de inclusão e
integração, a nosso ver, são fatores que levam a ações equivocadas, tais como a
de não haver um planejamento que considere as diferenças lingüísticas, culturais
e sociais desses alunos e a clara divisão dos alunos em dois grupos. O dos
ouvintes que, apesar de encontrarem dificuldades, atingem os objetivos e são
preparados para as demandas sociais e o grupo dos Surdos, que são defasados
ou faltosos, desinteressados ou tarefereiros, ou, ainda, com demandas pessoais
que os prejudicam no desenvolvimento, não tendo, portanto, como serem
preparados para as demandas sociais.
Outro equívoco percebido por meio da nossa análise está na avaliação da
aprendizagem desses alunos que, ou ocorre como uma tarefa para ser feita no
mesmo instante em que os alunos ouvintes estão sendo avaliados, ou é uma
forma de legitimar uma nota que atende a uma necessidade protocolar. Tal
expediente garante a encenação harmoniosa e homogênea de que todos são
iguais e, portanto, ninguém está excluído do processo.
Toda essa encenação leva profissionais comprometidos, como estes aqui
apresentados, a atitudes desesperadas, a ponto de tentarem explicar conceitos
tão complexos como os relacionados aos estudos literários a partir de mímicas,
114
desenhos e vocábulos soltos aleatoriamente num papel. Ou então, numa
demonstração de impotência ainda maior, delegar ao outro a responsabilidade
pelas adaptações do seu planejamento.
Por estarmos inseridos num paradigma de pesquisa sócio-histórico-cultural,
temos uma percepção dialética da questão, pois não responsabilizamos o
professor pelos problemas da inclusão que aqui apontamos. Nossa posição nos
faz considerar que é assim que a escola em geral e, a escola inclusiva em
específico, constituiu-se ao longo de nossa história; e que o professor constituiu-
se a partir desse contexto escolar. Contexto que não se organiza de forma a
oferecer com qualidade nem o que já possui, como, por exemplo, a sala SAPE.
Apesar de sua existência, não há momento de planejamento e troca, para juntos,
professor de sala comum e de apoio, construírem o trabalho inclusivo. Não há
quem oriente o professor, embora haja, na escola, a figura do coordenador
pedagógico que, por sua vez, também não é orientado. Está instituído o HTPC,
mas nele não está prevista a presença do professor de sala SAPE em horário
compatível. Há a possibilidade de curso de LIBRAS, mas sua implementação
esbarra numa exigência numérica. Infelizmente, há poucos mecanismos de apoio
à inclusão e o que há, ainda é mal utilizado.
Em meio a todos esses desencontros, temos um aluno que não vê atendida
nenhuma de suas necessidades. Que precisa corresponder ao ensino que recebe
em sala, pela oralidade, que não lhe é acessível. Que não é contemplado por
elementos no projeto político pedagógico da escola que o façam se sentir
pertencente ao grupo escola. Que possui sua identidade abalada pela
invisibilidade que suas questões representam na organização escolar. Que, para
suplantar o sofrimento que lhe é impingido, participa de um jogo de encenação no
qual a escola é conivente.
Ilustrando essa simulação que ocorre em nome da sobrevivência num
ambiente que se mostra hostil a alunos e professores, trazemos a aula da
professora Lígia novamente ao olhar analítico. É possível observar que, ao longo
da aula, não há nenhum momento em que a professora peça aos alunos para
repetir qualquer sinal ou que reformulem alguma expressão que ela não tenha
115
entendido. Por parte dos alunos o jogo continua e, também eles não dizem em
nenhum momento para a professora que não compreenderam o conteúdo ou um
vocábulo qualquer. Porém, afirmam reiteradas vezes que entenderam conforme
pode ser observado nos turnos: 37, 39, 68, 127, 133, 149, 156, 161, 163, 178,
198.
Deve-se reiterar que esta pesquisa foi desenvolvida sob a ótica da teoria
sócio-histórico-cultural, que considera o homem constituído na e pelas trocas
sociais mediadas pela cultura e situadas na história. Está embasada pela teoria de
ensino-aprendizagem de Vigotski, que tem na linguagem sua principal ferramenta
mediadora de acesso às funções psicológicas superiores. Filia-se aos Estudos
Surdos, que consideram o indivíduo Surdo como representante de uma minoria
lingüística com todas as suas implicações. Em diálogo com todos esses
fundamentos teóricos, procurei estudar como se dava o ensino-aprendizagem dos
alunos Surdos nas classes comuns de ensino regular.
Concluo este trabalho dizendo que, diante do quadro exposto, a escola
parece não cumprir seu papel no desenvolvimento dos alunos. Exceto, talvez, por
eventos pontuais, são poucas as possibilidades de os alunos se apropriarem de
conhecimentos para pleno exercício da cidadania. O aluno Surdo não tem
conhecimento lingüístico suficiente de língua portuguesa, sua segunda língua,
para acompanhar aula de português primeira língua, que lhe é oferecida na escola
bem como de acompanhar qualquer outra disciplina. Conseqüentemente, o aluno
não avança: continua com seus conceitos cotidianos iniciais, pois são raras as
ocasiões que se constituem como espaços de produção de conhecimento coletivo.
Também ressalto que as análises configuram a vivência do sofrimento
ético-político tanto do Surdo – oriundo da ausência de direitos básicos, que são
negligenciados pelo Estado, o que o acaba levando a constantes exposições ao
fracasso –, quanto do professor – que parece se sentir desamparado e
despreparado e ainda acaba sendo responsabilizado pelas falhas da inclusão. É
voz corrente que a inclusão tem seu principal entrave na resistência do professor
em aceitá-la. Entretanto, pelo que pude observar no âmbito deste trabalho, tal
posicionamento não se confirma. As professoras participantes desta pesquisa
116
demonstraram, ao contrário, interesse no aluno e em aprender LIBRAS, o que me
leva a crer que esse discurso que responsabiliza o professor, de fato, cumpre o
papel de encobrir a omissão do poder público.
Em última instância, vale apontar que a escola que poderá incluir o aluno
Surdo, de fato e de direito, ainda precisa ser configurada. Pelo que foi possível
observar, o tipo de escola que temos não dá conta das demandas lingüísticas,
políticas, sociais e culturais, pelo fato de, entre outros fatores, serem estes alunos
representantes de uma língua outra (LIBRAS) que não a que circula no ambiente
escolar.
Acredito que esta pesquisa possa provocar mudanças, ainda que mínimas,
pois plantou, na escola em que foi desenvolvida, o gérmen da discussão e da
reflexão acerca da inclusão que se pratica.
Entendo que, ainda que apoiada em pressupostos teóricos, esta pesquisa
se vê atravessada por minhas representações a partir da interação entre mim e os
professores envolvidos e que suas conclusões não esgotam o assunto. Muito pelo
contrário, suscita mais investigações, análises e discussões. Mas também percebo
que ela coloca em evidência uma perversa inclusão que, ou esconde as
diferenças sob o manto da indiferença, ou mascara seus conflitos numa simulação
de igualdade de direitos e oportunidades.
117
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