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Relatório Letramentos Digitais e Inclusão - PT Final 01.08
Relatório Letramentos Digitais e Inclusão - PT Final 01.08
Relatório Letramentos Digitais e Inclusão - PT Final 01.08
UNIVERSITY OF BRISTOL
Letramentos Digitais
e Inclusão Digital no
Brasil Contemporâneo
RELATÓRIO PREPARATÓRIO
Edward King
University of Bristol
MENTORES
Letícia Cesarino
Departamento de Antropologia, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Rafael Evangelista
Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo, Universidade de Campinas (Unicamp)
Thea Pitman
Escola de Linguagens, Culturas e Sociedades, University of Leeds
Tori Holmes
Escola de Artes, Língua Inglesa e Linguagens, Queen’s University Belfast
RELATÓRIO
Priscila Gonsales
Instituto Educadigital
COLABORAÇÃO
Kimberly Anastácio (conteúdo), Vanessa Stelzer (tradução) e Ricardo Ferrer (design)
9. Referências ........................................................................................................................ 80
1 Apresentação
Marcelo Buzato e Edward King
BRIEFING REPORT
6
Letramentos digitais e inclusão digital no Brasil contemporâneo
A proposta tem como foco a revisão dos conceitos “inclusão digital” e “letramento
digital” atualmente vigentes nas instituições do Estado e no terceiro setor no Brasil. A
atualização dos dois conceitos deve contemplar o atual cenário da cultura digital, isto é,
um cenário fortemente marcado por plataformas de comunicação e relacionamento,
dadificação, algoritmos sociais, inteligência artificial, vigilância, populismo digital,
desinformação sistemática, além da ocupação dos espaços cívicos e institucionais
por oligopólios empresariais.
Algoritmos – sequência de instruções que informa ao computador o que ele deve fazer
(DOMINGOS, 2017).
Inteligência Artificial (IA) – campo de estudo originário nas Ciências da Computação baseado
em um modelo estatístico de probabilidade que utiliza o tratamento de dados para se tornar
cada vez mais eficiente, sem a necessidade de intervenção humana (KAUFMAN, 2020).
Big Data – termo utilizado para nomear conjuntos de dados não estruturados que
necessitam de sistemas especialmente preparados (algoritmos) para encontrar, analisar e
aproveitar as informações geradas. (GONSALES et al., 2017). Caracteriza-se pelo uso de uma
grande variedade de tipos de dados em grandes volumes, obtidos e processados a grande
velocidade por meio de estatística avançada e inteligência artificial.
Data literacies – em português, “letramento em dados”, pode ser definido como a habilidade
de compreender as práticas sociais baseadas na dadificação. De acordo com a organização
Data Pop Aliance (2015, p. 8, apud BUZATO, 2018 p. 85), “o desejo e a habilidade de engajar-
se construtivamente na sociedade através de ou a respeito de dados”.
8
Letramentos digitais e inclusão digital no Brasil contemporâneo
• supervisionada - em que se delimita para a IA quais são as categorias e rótulos dos dados
a serem analisados;
• reconhecimento de imagem, que visa permitir com que máquinas sejam capazes de
compreender e extrair informações de imagens e vídeos.
Open data – em português, “dados abertos” são informações que ficam disponíveis para que
qualquer pessoa possa livremente utilizar, reutilizar e redistribuir para criar novos conteúdos,
interpretações e aplicações, ou simplesmente consultá-los. É fundamental que estejam em
formatos técnicos não proprietários, com licenças que permitam sua livre reutilização, por
pessoas e computadores (GONSALES et al., 2017).
Social network algorithms –algoritmos responsáveis por fazerem as postagens nas redes
sociais se destacarem ou não no feed das demais pessoas; fazem um ranqueamento segundo
os interesses dos usuários (identificado a partir do que se curte, compartilha e publica).
9
Novo contexto
Novo contexto dada
3 cultura
cultura digital
digital
BRIEFING REPORT
10
Letramentos digitais e inclusão digital no Brasil contemporâneo
Em 2011, o ativista norte-americano Eli Pariser tornou o termo Filter bubble (ou
“filtro invisível”, na tradução de seu livro para o português) mundialmente famoso,
para designar o restrito universo de informação que cada pessoa tem em sua vida
on-line, especialmente nas redes sociais. Ele documentava um novo fenômeno da
web focado na relevância, a partir da “personalização” das buscas pelo Google, algo
que foi rapidamente apropriado por todas as empresas atuantes na web, incluindo
as jornalísticas.
O alerta de Pariser, dez anos atrás, que hoje parece trivial, segue em constante
evolução, e contrasta com a ideia benevolente de conexão com o mundo que internet
trazia com o surgimento da web.
Lançada na década de 1990, como um sistema que interliga páginas acessadas pela
internet, a world wide web (www ou web) é provavelmente a aplicação mais conhecida
da internet, pois por meio dela se pode acessar a maioria dos sites, plataformas e
redes sociais. Um dos aspectos mais importantes da web é que ela é considerada
um bem público, ou seja, uma invenção não proprietária, livre para todos, tornando
possível, dentre outras atividades, a criação de websites sem a necessidade de recorrer
a qualquer tipo de licenciamento.
11
Vale lembrar, no entanto, que o acesso à internet ainda não é universal no Brasil.
Atualmente são 71% de domicílios com acesso, mas com forte desigualdade conforme
os níveis socioeconômicos, como mostram os dados da TIC Domicílios 2019 (figura 1):
Figura 1: https://cetic.br/media/analises/tic_domicilios_2019_coletiva_imprensa.pdf
A euforia otimista sobre a web, no entanto, não foi alardeada por todos. Na entrada
dos anos 2000, o professor de Harvard, Lawrence Lessig, um dos fundadores do sistema
de licenças abertas de direito autoral Creative Commons1, já chamava a atenção para
um certo futuro sombrio, à medida que os aspectos comerciais começavam a tomar
conta da grande rede.
No livro Code and Other Laws of Cyberspace, o pesquisador analisa certas batalhas
envolvidas na web, como propriedade intelectual, privacidade, discurso livre e direito
internacional. Pontua que são falsas e perigosas as afirmações de que o ciberespaço
deve ser um lugar livre, sem intervenção regulatória. Lessig já chamava a atenção para
a nova arquitetura da internet sendo traçada por empresas norte-americanas com a
ajuda silenciosa e protecionista do governo dos Estados Unidos, em prejuízo do usuário
comum e de outros países, como o Brasil (LESSIG, 2000).
Em 2021, mesmo que ainda seja possível para qualquer pessoa se conectar
num protocolo aberto e descentralizado, existe a dominância do acesso por meio de
BRIEFING REPORT
plataformas geradas por grandes empresas de tecnologia, as chamadas Big Techs. Por
exemplo, a pessoa tem um perfil em uma dada rede social e usa o mesmo perfil para
poder utilizar um outro tipo de serviço qualquer, até mesmo governo eletrônico, sem
nem questionar se isso é bom ou ruim (single sign on).
12 1. https://creativecommons.org/
Letramentos digitais e inclusão digital no Brasil contemporâneo
Figura 2: https://www.statista.com/chart/5194/active-users-of-social-networks-and-messaging-services/
2. https://www.statista.com/ 13
A imagem a seguir mostra quais as plataformas de social media mais populares por
país. Vale notar o predomínio do Whatsapp no Brasil e na Índia (figura 3):
Figura 3: https://www.addthis.com/blog/2019/06/06/most-popular-social-media-platforms-around-the-world/#.YCg5rJNKinc
Figura 4: https://cetic.br/media/analises/tic_domicilios_2019_coletiva_imprensa.pdf
14
Letramentos digitais e inclusão digital no Brasil contemporâneo
O mesmo relatório apontou que o Google é responsável por mais de 75% das
pesquisas feitas na internet, e por 95,9% das pesquisas feitas de smartphones, o que gera
vantagem para a empresa conseguir publicidade on-line com base no que as pessoas
procuram. Isso significa que as buscas on-line atualizam e “ensinam” os algoritmos de
inteligência artificial da Big Tech, tornando-a cada vez mais poderosa no cenário.
Figura 5: https://cetic.br/media/pdf/cetic/ceticbr_15anos_webinario_saude_digital_em_foco_23_novembro_2020.pdf
15
3.1 Inteligência artificial
Nos últimos anos, a inteligência artificial (IA) desponta como sendo a promessa
para a obtenção de melhorias em diversas áreas, como saúde, direito, finanças,
transportes, educação, dentre outras, por meio de uma visão que, invariavelmente,
reduz a tecnologia ao ferramental e ao utilitário e pouco contempla os riscos e as
implicações trazidas por ela.
Esse aprendizado com base na experiência e nos testes realizados pelos programas
dependem de muitos dados. É a partir da análise de uma grande quantidade de dados
que a IA consegue construir a sua inteligência. Esses dados podem ser os mais diversos,
contudo, para simular a forma como humanos desenvolvem o conhecimento (rede
neural), o grande desafio da IA é depreender sentido a partir de dados não-estruturados.
Dados estruturados são mais fáceis de serem organizados. São aqueles comumente
encontrados em planilhas organizadas por colunas e etiquetas: como uma planilha com
a quantidade de carros vendidos por uma empresa, que nos diz quais são os modelos
vendidos, em quais dias eles foram vendidos etc. Dados não-estruturados, por sua vez,
não possuem uma organização a priori conhecida, sua estrutura é flexível. É o caso de
documentos de texto, por exemplo: em sua maioria, é difícil categorizar cada palavra
de um texto e relacioná-la com seu contexto, com quem escreveu e em qual momento.
A IA visa identificar sentido frente aos dados disponíveis, sejam eles estruturados
ou não, construindo conhecimentos, deduzindo as relações entre eles e oferecendo
previsões. Ao lidar com uma quantidade enorme de textos não-estruturados publicados
em redes sociais, por exemplo, a IA buscará identificar organicamente as relações entre
os textos, extraindo sentido. Uma IA que precisa aprender a prever o clima de uma
região utilizará a maior quantidade possível de dados sobre a umidade, a temperatura,
a velocidade e origem dos ventos, a frequência de chuvas e demais informações que
possam ser relevantes sobre o local analisado. É a partir do cruzamento e análise dessa
BRIEFING REPORT
A IA há tempos não está mais restrita à ficção e às previsões do futuro: ela é visível
em nosso dia a dia. Ainda na época do pós-primeira Revolução Industrial, já havia
tensão sobre a automatização da vida, sobretudo quanto à substituição de homens e
mulheres por máquinas em seus trabalhos. O Ludismo4, por exemplo, foi um movimento
trabalhista do século XIX que, além de contestar as péssimas condições de trabalho da
época, questionava o espaço dado às máquinas na indústria em ascensão — inclusive
quebrando-as como forma de protesto.
A automação, no entanto, foi e é cada vez mais uma realidade dentro e fora do mercado
de trabalho, ainda que tenha facetas e avanços diferentes em cada fase histórica. Por
exemplo, agora a tecnologia possui foco não somente na execução de tarefas até então
manuais, mas também naquelas que requerem uma análise de grande volume de dados,
incorporando inteligência nos produtos e soluções. Atualmente, portanto, temos chegado
em níveis muito elevados de progresso tecnológico, que se torna parte do cotidiano.
Ainda assim, a realidade da IA não implica em termos robôs humanoides caminhando
entre nós, ou computadores ultra inteligentes capazes de pensar exatamente como
humanos o fazem. Muitas das aplicações de IA são mais simples do que se imagina.
Segundo Lemos (2019), o contexto atual da cibercultura pode ser caracterizado pela
sigla PDPA — plataformização, dataficação e performatividade algorítmica — que coloca
em xeque o traço emancipatório e libertador da cultura digital, pois as ações das pessoas
estão todas imbuídas em uma estrutura de hardware e software. A “plataformização”
está concentrada em grandes empresas conhecidas pela sigla GAFAM — Google, Apple,
Facebook, Amazon e Microsoft (CRUZ et al., 2019), que dominam grande parte da internet
a partir de modelos de negócio baseado na ampla coleta e extração de dados.
4. https://en.wikipedia.org/w/index.php?title=Luddite&oldid=998538805 17
Essa “tecnologização” da vida depende do processamento de uma grande
quantidade de dados para funcionar. Ao mesmo tempo, como em um fluxo de
retroalimentação, geram uma enorme quantidade de dados também. Voltando ao
exemplo dos assistentes de celulares.
Uma pessoa com seu celular, além de poder interagir com a assistente virtual que
responde aos comandos de voz, pedindo para checar o caminho mais rápido até o local de
destino, pode fazer uma videoconferência com um amigo lá no Japão e publicar um tuíte
reclamando sobre um fato ocorrido: tudo isso em um intervalo de poucos minutos. Para
que ele pudesse realizar todas essas ações, foi necessário que seu aparelho utilizasse a
tecnologia embutida em si (construída a partir da análise de dados) para viabilizá-las. Ao
mesmo tempo, o usuário gerou uma infinidade de novos dados sobre si: onde estava;
para onde ia e por qual caminho; com quem falou no Japão e por quanto tempo; qual
aplicativo usou; o que disse sobre o fato e a que horas etc. (LEMOS, 2020).
Diante de um cenário adverso que abalou boa parte do mercado, assim como acirrou
as desigualdades sociais já existentes, as Big Techs foram fortemente beneficiadas com
ganhos expressivos, como mostra o gráfico do Wall Street Journal (WSJ, 2021) (figura 6):
18 5. https://www.oxfam.org.br/justica-social-e-economica/forum-economico-de-davos/o-virus-da-desigualdade/
Letramentos digitais e inclusão digital no Brasil contemporâneo
Figura 6: https://www.instagram.com/p/CLKEeWMAXjW/?igshid=vz2zl7niwzq4
As Big Techs viram seus produtos e serviços sendo mais requisitados por pessoas
e empresas para a manutenção do trabalho, do estudo, do consumo e do lazer. O
resultado foi um crescimento vertiginoso para as corporações e, consequentemente,
o valor de suas ações. Em uma época em que empresas como companhias aéreas e
varejistas lutavam para sobreviver, a receita combinada das cinco maiores empresas de
tecnologia dos EUA — Apple, Microsoft, Amazon, Google-parent Alphabet e Facebook
—aumentou para US$ 1,1 trilhão. E sua capitalização de mercado combinada subiu
pela metade durante o ano passado para um espantoso 8 trilhões de dólares.
Lançado em dezembro de 2020 pela organização holandesa The Centre for Research
on Multinational Corporations (SOMO), o relatório Financialization of Big Tech6 apresenta
uma análise sobre os números financeiros por trás das operações de sete empresas,
cinco delas sediadas nos EUA — Alphabet (Google), Apple, Amazon, Facebook e Microsoft
— e duas na China, Alibaba e Tencent.
6. https://www.somo.nl/the-financialisation-of-big-tech/
19
o setor evoluiu para um ponto focal no mercado de ações, na comunicação política,
na geopolítica e na vida cotidiana contrasta fortemente com o ritmo muito mais lento
com o qual a sociedade civil e os órgãos de tomada de decisão têm sido capazes de
compreender a natureza transformadora dessas empresas.
Esse cenário impulsiona um novo tipo de desenvolvimento que vai além das formas
tradicionais de trabalho e capacidade dos estados e da sociedade civil organizada
para conduzir as transformações necessárias com base no interesse público.
eles sejam guiados apenas pela legislação dos territórios nos quais estão localizados
seus data centers.
7. https://www.youtube.com/watch?v=y26rN72Jmis&list=PLQq8-9yVHyOb6o0oRk55-KtDtgna_-qeL&index=4
20
Letramentos digitais e inclusão digital no Brasil contemporâneo
Figura 7: https://www.visualcapitalist.com/the-worlds-tech-giants-ranked/
21
3.3 Usos e apropriações sociais das TDIC
Para analisar o uso da internet como ferramenta indispensável na pandemia, a
pesquisa TIC COVID-198 trouxe, em três edições, informações sobre como vem sendo
feito o uso da rede pelos brasileiros desde março de 2020. De maneira geral, os dados
convalidaram as desigualdades de acesso que tradicionalmente ficam evidentes, ou
seja, as classes mais altas AB aumentaram o uso da web em ambiente doméstico em
seus diversos dispositivos e as classes mais baixas C e DE dependem do pacote de
dados pré-pagos em seus celulares.
Como esperado, o comércio eletrônico e as atividades culturais on-line tiveram
alta no período, 66%, em 2018 a proporção era 44%. O incremento maior foi entre as
mulheres – passando de 39% em 2018 para 70% em 2020. Pedidos de refeições via
aplicativos triplicou no período, saltando de 15% para 44%.
Houve, ainda, um aumento expressivo em relação ao acompanhamento de lives e
outras transmissões culturais por áudio e vídeo, 64% de usuários de internet, sobretudo
nas classes mais altas, entre mulheres e pessoas com 35 a 59 anos. Lives são assistidas
por espectadores das classes mais altas AB, 76% e 47% nas classes DE. Já o pagamento
por serviços de streaming de filmes e séries cresceu principalmente nas classes mais
baixas, 43% deles no caso de filmes e séries e 16% no caso de músicas.
A pesquisa apontou a preocupação com privacidade e proteção de dados pessoais
com o aumento da busca por informações e a realização de serviços públicos on-line:
72% dos usuários de internet procuraram informações ou usaram serviços públicos on-
line relacionados aos direitos do trabalhador ou previdência social, tais como INSS, FGTS,
seguro-desemprego, auxílio emergencial ou aposentadoria – percentual que era de 40%
da população de referência em 2019. Outros serviços mais procurados ou realizados on-
line foram os relacionados a documentos pessoais (46%), saúde pública (45%) e educação
pública (37%).
Sobre o recebimento do auxílio emergencial, 38% receberam, 20% tentaram e não
receberam e 39% não solicitaram o benefício. Entre os que tentaram e não receberam,
73% disseram que a solicitação não foi aprovada ou ainda estava em análise. Entre as
barreiras relacionadas à tecnologia, 12% dos usuários que solicitaram e não receberam
o auxílio disseram que não conseguiram usar o aplicativo do banco indicado pelo
governo e 10% não tinham espaço no celular para o aplicativo.
BRIEFING REPORT
8. https://www.cetic.br/pt/noticia/cetic-br-lanca-livro-com-dados-sobre-os-habitos-de-uso-da-internet-pelos-brasileiros-durante-a-
22 pandemia/
Letramentos digitais e inclusão digital no Brasil contemporâneo
O meio mais utilizado para a realização das consultas on-line foi por aplicativos
como WhatsApp ou Telegram (50%).
Apenas cerca de 30% dos usuários que fizeram teleconsulta utilizaram um aplicativo
do SUS ou do plano de saúde. Dentre os principais motivos para não terem utilizado esse
serviço destaca-se a preocupação com a segurança dos dados pessoais (55%) – sendo
que nas classes DE esse motivo foi reportado por 70% dos usuários de internet – e a falta
de confiança em realizar esse serviço pela Internet (34%). Um terço dos usuários indicou
preocupação com roubo de identidade e fraudes e pouco mais da metade afirmou que
os riscos de disponibilizar seus dados pessoais na Internet para governos e empresas
são maiores que os benefícios.
Figura 8: https://cetic.br/media/analises/tic_kids_on-line_brasil_2019_coletiva_imprensa.pdf
9. https://cetic.br/media/docs/publicacoes/1/20210312095947/dinamicas-de-genero-no-uso-das-tecnologias-digitais.pdf 23
O principal resultado aponta para o paradoxo entre riscos e oportunidades das TDIC,
ou seja, ao mesmo tempo que as mídias propagam preconceitos e discriminações, elas
são uma forma potente de disseminar a importância dessas questões. Por exemplo,
meninas reconhecem e percebem as diferenças de gênero na exposição em redes
sociais, sabem que estão mais vulneráveis. Há uma mudança geracional que desaprova
“brincadeiras” com questões raciais e de gênero, que admite a situação do preconceito.
24 10. https://tarciziosilva.com.br/blog/destaques/posts/racismo-algoritmico-linha-do-tempo/
Letramentos digitais e inclusão digital no Brasil contemporâneo
25
Letramento e
inclusão digital:
princípios e
4 ressignificações
BRIEFING REPORT
26
Letramentos digitais e inclusão digital no Brasil contemporâneo
A ideia de prática social como foco do conceito de letramento também está presente
no Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), que mensura, em indivíduos brasileiros
entre 15 e 64 anos, habilidades funcionais relacionadas à leitura/escrita de pequenos
textos e números (AÇÃO EDUCATIVA; INSTITUTO PAULO MONTENEGRO, 2018 apud
ROSA; DIAS, 2020). Em 2018, o Inaf apontou que 29% da população brasileira pode ser
considerada analfabeta funcional, ou seja, um índice bem baixo de letramento.
11. https://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,com-pandemia-letramento-digital-vira-um-passo-para-a-pedagogia-do-futuro,
70003449216 27
Marcelo Buzato (2007), professor e pesquisador do Instituto de Estudos da
Linguagem (IEL) da UNICAMP, traz uma leitura de letramento digital integrada
à linguagem e ao conceito de inclusão digital, contemplando uma perspectiva
sociocultural do letramento digital, com vistas a considerar a complexidade das
constantes transformações sociais e econômica ao longo dos tempos:
“Se uma visão de linguagem é uma visão de inclusão, também toda visão ou
modelo de letramento está necessariamente atrelada a uma concepção de
linguagem e uma concepção de sociedade. [...] cultura, tecnologia e poder
aparecem entrelaçados nas práticas sociais de leitura e escrita, isto é, nas práticas
de letramento, [...] a relação entre inclusão e letramento na era da modernidade
ilustrada e do capitalismo industrial com essa mesma relação hoje, na era da
sociedade em rede e do capitalismo informacional (BUZATO, 2007, on-line).
como RG, CPF, carteira de trabalho ou passaporte. Além disso, vale destacar o uso de
serviços como abertura de boletim de ocorrência, que pode ser feito on-line, bem como
a obtenção do auxílio emergencial em virtude da pandemia da COVID-19.
Dessa forma, para o propósito deste relatório, a junção “letramento e inclusão digital”
evidencia que “toda visão ou modelo de letramento estão atreladas a uma concepção de
linguagem e a uma concepção de sociedade” (BUZATO, 2007). Para o autor:
12.https://direitosnarede.org.br/2021/06/08/tentativa-de-bolsonaro-de-proteger-a-difusao-de-odio-e-desinformacao-pode-
quebrar-a-internet/
13. https://www.nytimes.com/by/kashmir-hill
30 14. https://www.youtube.com/playlist?list=PLx1XbvvfIlc4zQgE5ohJA9EJ2NCcGc2QQ
Letramentos digitais e inclusão digital no Brasil contemporâneo
e adaptações técnicas tiveram de ser implementadas para que eles pudessem mensurar
a quantidade de dados que estavam fluindo para uma determinada empresa durante
um comportamento específico e interconectando outras funcionalidades. O relato no
site Gizmodo elenca todos os detalhes de preparação que tiveram de ser feitos15.
Aplicativos de bem-estar
A pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Fernanda Bruno,
coordenou uma pesquisa em 2019 sobre aplicativos voltados para o “bem estar
emocional”, com o objetivo de analisar os discursos proferidos nesses aplicativos e a
coleta de dados que fazem. O resultado pode ser obtido no relatório Tudo por conta
própria: aplicativos de autocuidado psicológico e emocional16 (2020) que traz um recorte
inicial da pesquisa Economia Psíquica dos Algoritmos: racionalidade, subjetividade e
conduta em plataformas digitais.
A pesquisa foi publicada pelo New York Times18, que afirma ter procurado a
plataforma e recebeu o retorno de que a pesquisa contradiz os dados internos da
15. https://gizmodo.com/want-to-really-block-the-tech-giants-heres-how-1832261612
16. http://medialabufrj.net/publicacoes/2020/relatorio-tudo-por-conta-propria-aplicativos-de-autocuidado-psicologico-e-emocional/
17. https://cyber.harvard.edu/story/2019-08/how-youtube-radicalized-brazil
18. https://www.nytimes.com/2019/08/11/world/americas/youtube-brazil.html
31
empresa, no entanto não apresentou esses dados nem outras comprovações para
contestar os resultados da pesquisa.
Cancelamento de Trump
O episódio do “cancelamento” do ex-presidente norte-americano Donald Trump,
nas redes sociais, como consequência da invasão — incentivada por ele — do Congresso
por seus apoiadores, resistentes aos resultados das eleições, vem desencadeando
debates no mundo todo sobre liberdade de expressão. Um líder de estado sendo
removido, “desplataformizado”, por uma decisão unilateral da empresa dona da rede
social, escancara, por um lado, o poder avassalador das plataformas. Por outro, sugere
o debate sobre os limites das atitudes on-line e como devem ser as regulações.
grupo de extrema direita ligado a Trump, que já havia sido bloqueado no Facebook,
19. Internet slang that means cheating, setting a trap, in Portuguese, a “pegadinha”
20. https://pt.wikipedia.org/wiki/Caso_GameStop
21. https://www.economist.com/leaders/2021/02/06/the-real-revolution-on-wall-street
32
Letramentos digitais e inclusão digital no Brasil contemporâneo
33
Políticas de
tecnologia na
5 educação no Brasil
BRIEFING REPORT
34
Letramentos digitais e inclusão digital no Brasil contemporâneo
O uso da tecnologia no dia a dia das escolas e dos estudantes é uma realidade cada
vez mais palpável. É comum a propagação dos benefícios das tecnologias aplicadas a
questões pedagógicas, seja por meio de aplicativos que visam facilitar a aprendizagem
dos alunos, seja em ferramentas administrativas utilizadas por educadores e gestores.
O desenho das políticas, mesmo sob a ditadura militar, foi marcado por um
intenso processo colaborativo e participativo com universidades públicas, por meio
de seminários específicos, que resultaram em documentos base para o lançamento
do Projeto EDUCOM em 1984 (ANDRADE; ALBUQUERQUE LIMA, 1993, apud VALENTE;
ALMEIDA, 2020). Tais políticas eram na época de interesse da então Secretaria Especial
de Informática (SEI), órgão do Conselho de Segurança Nacional, pois tinha como meta
informatizar diversos segmentos da sociedade, dentre eles a educação, como forma de
aumentar a autonomia científica e tecnológica (MORAES, 1997).
Na prática, as ações do Proinfo tinham pouca integração com a sala de aula pois
as atividades ficavam restritas aos laboratórios de informática. Vale destacar, ainda,
a criação da Rede Internacional Virtual de Educação (RIVED) e do Portal Domínio
Público para disponibilizar conteúdos pedagógicos digitais. A partir de 2002, houve
a integração do ProInfo, à TVEscola e Proformação, que visava levar a formação em
magistério para professores que ainda não tinham a titulação.
Em 2007, o MEC lançou o projeto Um Computador por Aluno (UCA) com a distribuição
de laptops diretamente ao aluno e adesão a um programa internacional22. Em 2008, surge
o Programa Banda Larga nas Escolas, com o objetivo de oferecer conexão à internet a
todas as escolas públicas. Outras duas iniciativas no mesmo ano, o Portal do Professor,
com a intenção de fornecer objetos de aprendizagem e receber contribuições (planos
de aula) diretamente dos professores, e o repositório multimídia Banco Internacional
de Objetos Educacionais (BIOE), em parceria com a Rede Latino-americana de Portais
Educacionais (RELPE) e Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI).
BRIEFING REPORT
Professor etc) e uma portaria sobre Recursos Educacionais Abertos foi apresentada no
âmbito da Secretaria de Educação Básica (SEB)25.
Figura 9: http://educacaoconectada.mec.gov.br/o-programa/sobre
22. https://en.wikipedia.org/wiki/One_Laptop_per_Child
23. https://www.gov.br/cgu/pt-br/governo-aberto/a-ogp/como-funciona
24. https://plataformaintegrada.mec.gov.br/home
25. https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/14729210/do1-2018-05-17-portaria-n-451-de-16-
de-maio-de-2018-14729206
26. http://educacaoconectada.mec.gov.br/ 37
Figura 10: http://inep80anos.inep.gov.br/inep80anos/futuro/novas-competencias-da-base-nacional-comum-curricular-bncc/79
27. Mapeamento baseado em um script mostrou que 70% das universidades públicas e secretarias de educação estão expostas ao
38 capitalismo de vigilância www.educacaovigiada.org.br
Letramentos digitais e inclusão digital no Brasil contemporâneo
Em uma reportagem denúncia28, o The Intercept mostra que redes públicas estariam
utilizando para transmissão de aulas ao vivo para seus estudantes o mesmo aplicativo
de celular (empresa IP.TV, fornecedora do aplicativo Mano) utilizado pela TV Bolsonaro.
Em algumas redes que não fizeram a customização, o acesso a TV Bolsonaro29 fica
facilmente disponível no menu geral de canais que o aplicativo disponibiliza. Para poder
utilizar o aplicativo, concedido “gratuitamente” às secretarias, professores e estudantes
têm, obrigatoriamente, que concordar com as políticas de privacidade que incluem
acesso e tratamento de dados.
Segundo a pesquisa TIC COVID-1931, 74% dos usuários de Internet com 16 anos ou mais
das classes DE acessam a rede exclusivamente pelo telefone celular, percentual que é de
11% entre os usuários das classes AB. Entre os que frequentam escola ou universidade,
o celular aparece também como a ferramenta utilizada com maior frequência (37%) para
assistir às aulas e atividades educacionais remotas; 54% dos usuários das classes DE,
43% das classes C e 22% das classes AB.
28. https://theintercept.com/2020/06/15/app-empresa-tv-bolsonaro-aulas-on-line-pandemia/
29. An app channel with live videos from president Jair Bolsonaro’s supporters
30. https://porta23.blogosfera.uol.com.br/2019/04/23/doze-novos-projetos-de-lei-tentam-mudar-o-marco-civil-da-internet/
31. https://cetic.br/pt/noticia/celular-e-o-dispositivo-mais-utilizado-por-usuarios-de-internet-das-classes-de-para-ensino-remoto-
e-teletrabalho-revela-painel-tic-covid-19/
32. https://direitosnarede.org.br/2021/04/14/nao-ha-educacao-sem-conexao/
39
5.3. IA na Educação
Os usos de IA na educação podem ser dimensionados de duas formas. A primeira é o
ensino por meio de aplicações de IA amparadas em plataformas e ferramentas tecnológicas.
Entre elas, constam os chamados ambientes ou plataformas adaptativas, que fomentam a
aprendizagem através da experiência única, personalizada, de cada aluno ou educador. Para
tanto, tais soluções coletam dados sobre cada experiência dos usuários, como seus interesses,
dificuldades e histórico, e geram percursos de aprendizagem adaptados para cada realidade.
A construção de tais trilhas de aprendizagem passa pela coleta de informações não só de
alunos, mas dos educadores e das diretrizes pedagógicas.
33. http://contenttechnologiesinc.com/
34. https://lit.com.br/
35. https://mindspark.in/
40
Letramentos digitais e inclusão digital no Brasil contemporâneo
Com atuação global, a Khan Academy36 é uma plataforma que possui exercícios e cursos
que visam estabelecer um aprendizado personalizado para cada aluno, deixando com que
os usuários absorvam conteúdo em seu próprio ritmo e conforme seus interesses. Um
recurso similar é o M-Shule37, plataforma criada no Quênia que também fornece experiências
adaptativas construídas através da IA aos estudantes, mas através de mensagens de texto
(SMS) recebidas em telefones celulares, que independem do acesso à Internet.
36. https://pt.khanacademy.org/
37. https://m-shule.com/ 41
Auxílio a Pessoas com Deficiência (PCD): Soluções tecnológicas para auxiliar o
acesso à educação por PCD. Por exemplo, recursos que utilizam a Linguagem de
Processamento Natural para transformar conteúdo educativo falado em conteúdo
escrito, e vice-versa, ou disponível em ferramentas interativas no computador.
Formação de conteúdo pedagógico: Mapeamento automatizado de tendências
em recursos educacionais e catalogação de temas, para posterior curadoria e uso
por educadores.
Trocas entre professores: Plataformas que atuam na geração de planos de aula
e materiais didáticos com sugestões adaptadas para cada profissional.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi promulgada pela ONU em 1948,
alguns anos após a 2ª Guerra Mundial e apresenta 30 artigos que ressaltam valores
BRIEFING REPORT
Em 2016, a ONU reconhece os direitos digitais como uma extensão dos direitos
exercidos pelos cidadãos e incentiva que os países promovam a conexão e garantam um
42 38. https://www.ibm.com/ibm/responsibility/br-pt/downloads/e-book-IA-na-educacao.pdf
Letramentos digitais e inclusão digital no Brasil contemporâneo
Em 2012 foi criada a Lei de Acesso à Informação (LAI) que determina que a
informação pública tenha, de fato, um espaço público e esteja acessível a qualquer
pessoa, fazendo com que os órgãos públicos facilitem o acesso a esses dados. Para
isso, foi criado um mecanismo on-line que pode ser usado por qualquer cidadão que
deseja obter informações públicas por meio do acesso ao site da LAI e fazer um pedido
ao governo. O governo tem 20 dias para responder seu pedido.
39. https://www.article19.org/data/files/Internet_Statement_Adopted.pdf
40. https://www.gov.br/acessoainformacao/pt-br 43
pode utilizá-los, para quais fins? Quem é o responsável pela segurança dos dados?
Quem lucra com os dados? Por quanto tempo esses dados serão armazenados?
Crianças e adolescentes que desde muito cedo interagem com a tecnologia estão
construindo um rastro de dados, um mapa sobre si mesmas que poderá acompanhá-
las por muito tempo. Além disso, a relação educador-aluno tende a ser imersa em
muita confiança mútua e sensibilidade. A mediação de tal relação através de máquinas
pode expor o estudante a questões indesejadas. Por exemplo, em avaliações, exercícios
e redações, educadores podem fazer perguntas sensíveis sobre temas familiares
ou políticos. Os alunos, ao responderem a tais questionamentos, confiam na figura
do educador como receptor e guardião de suas opiniões pessoais. Resta incerteza,
portanto, sobre o que pode acontecer caso essas respostas sejam armazenadas em
ferramentas pouco transparentes sobre a segurança e uso dos dados coletados.
possam ser protegidos. Nesse sentido, a proteção de dados pessoais se relaciona com
o direito à privacidade, mas vai além, pois diz respeito à igualdade, acesso à informação,
liberdade de expressão, dentre outras questões.
41. https://www.internetlab.org.br/pt/liberdade-de-expressao/drag-queens-e-inteligencia-artificial-computadores-devem-decidir-o-
44 que-e-toxico-na-internet/
Letramentos digitais e inclusão digital no Brasil contemporâneo
45
Da mídia tática
à cultura digital
e os coletivos
6 contemporâneos
BRIEFING REPORT
46
Letramentos digitais e inclusão digital no Brasil contemporâneo
Inclusão digital sempre foi termo chave no Brasil quando consideramos as ações
e projetos de coletivos e organizações sociais que praticamente lançaram os debates
na sociedade, influenciando políticas públicas que vieram a se concretizar nas duas
primeiras décadas nos anos 2000, durante as duas gestões do presidente Lula. O
ativismo na época tinha muita ênfase na apropriação crítica das tecnologias de hardware
e software com base no movimento do software livre que ganhou muita força inclusive
como política pública federal42.
Uma das primeiras iniciativas foi a Mídia Tática Brasil43, uma ação cultural em
torno do da ideia de “mídia tática”44, conceito dos anos 90, que enfatizava o uso de
equipamentos de mídia para produções autorais e alternativas (em tv, rádio, impresso,
sites, performances etc) desvinculado de interesses de mercado, especialmente de mega
corporações. Possibilitar que vozes de comunidades economicamente desfavorecidas
e minorias étnicas e raciais pudessem ser ouvidas era o principal objetivo. Hoje a Mídia
Tática se concentra na preservação e registro dos arquivos45.
42. https://www.tibrasil.org/2010/08/20/ti-software-livre-economiza-r380-milhoes-ao-governo/
43. https://mtb.midiatatica.info/in_midiatatica.htm
44. https://www.ufrgs.br/conectartbr/midia-tatica-entre-ativismo-e-arte/
45. https://aprja.net/article/view/121491
46. https://metareciclagem.github.io/og.html
47. https://pt.wikipedia.org/wiki/MetaReciclagem 47
como neutralidade da rede, liberdade de expressão e privacidade, sobre os quais se
pautam os movimentos sociais na atualidade.
Estamos na terceira década dos anos 2000, na qual o acesso à internet por meio de
telefones celulares é dominante, e o uso de redes sociais cresce exponencialmente. O
quadro abaixo é da mais recente pesquisa, TIC Domicílios 2019, destacando os tipos de
atividades mais comuns entre os usuários de internet no Brasil (figura 11):
BRIEFING REPORT
48. https://pt.wikipedia.org/wiki/Jornadas_de_Junho
49. https://br.boell.org/pt-br/2021/04/01/politica-e-cultura-no-governo-bolsonaro-quais-disputas-estao-em-xeque
50. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13844.htm
48 51. https://oglobo.globo.com/cultura/roberto-alvim-copia-discurso-do-nazista-joseph-goebbels-causa-onda-de-indignacao-24195523
Letramentos digitais e inclusão digital no Brasil contemporâneo
Feminismo
52. https://coalizaonegrapordireitos.org.br/
53. https://inclusaopratodomundo.org.br/
54. https://direitosvalemmais.org.br/
55. https://sustentabilidade.estadao.com.br/noticias/geral,leia-carta-da-coalizao-brasil-clima-florestas-e-agricultura-ao-governo-e-
veja-quem-integra-o-grupo,70003674348 49
Maria Lab https://www.marialab.org/
Data de lançamento: 2017
Objetivo: think (and do) tank fundado pela pesquisadora Joana Varon, membro
do grupo ciberfeminista DeepLab, que traz um olhar feminista interseccional para
defender os direitos humanos no desenvolvimento, regulação e uso das tecnologias.
Redes comunitárias
Coolab https://www.coolab.org/
Data de lançamento: 2017
BRIEFING REPORT
Uneafro https://uneafrobrasil.org/
Data de lançamento: 2009
Objetivo: agrega militantes da causa negra, da luta antiracista, da causa das mulheres,
da diversidade sexual e do combate a todos os tipos de discriminação e preconceito;
da causa da Educação Popular e Libertária, da disseminação do protagonismo
comunitário e da luta contra a exploração econômica e a dominação política.
Cultura
Objetivo: organização da sociedade civil que cria, acolhe e difunde arte, ciência,
tecnologia e agroecologia em zonas rurais, áreas periféricas e de preservação
ambiental, estimulando o cruzamento entre técnicas intuitivas e saberes científicos.
Jornalismo
Énóis https://enoisconteudo.com.br/
Data de lançamento: 2014
BRIEFING REPORT
ObjETHOS https://objethos.wordpress.com/
Data de lançamento: 2009
Educação
Participação política
Me Representa https://merepresenta.org.br/
Data de lançamento: 2016
Objetivo: ONG formada por entidades de mulheres, pessoas negras e LGBT+ que
buscam promover igualdade de gênero, luta antirracista e respeito à diversidade
BRIEFING REPORT
54
Letramentos digitais e inclusão digital no Brasil contemporâneo
6.1 Casos
Bots cívicos
Bots são programas de computador feitos para automatizar procedimentos,
geralmente repetitivos. São robôs que só existem no mundo virtual e que realizam
tarefas gerais, como o envio de propaganda personalizada para usuários em um site
ou a manutenção da segurança de computadores. Alguns bots fazem uso da IA. Por
exemplo, videogames em que o jogador humano disputa contra uma máquina usam
bots inteligentes. Chatbots, bots capazes de conversar com usuários (por exemplo, para
solucionar problemas em compras de um site), também têm sido usados, alguns com
alto grau de “inteligência”.
Alguns bots são criados para fins antiéticos. É o caso de bots que são contas nas
redes sociais criadas apenas para aumentar artificialmente o número de curtidas em
uma página ou gerar conteúdo artificial sobre algum tema.
55
Outros, em uma linha bastante diferente, são chamados de bots cívicos56, criados
para uma função social de promover a cidadania, acompanhando a oferta de serviços
públicos, bem como denunciando violação de direitos. O mais conhecido no Brasil é a
Rosie, a bot do projeto Operação Serenata de Amor57, que utiliza a inteligência artificial
para auditar contas públicas.
A Rosie observa gastos dos parlamentares que não seguem um padrão e aponta-os
como potencialmente irregulares. Por exemplo, um deputado que declara um gasto de
R$ 150,00 para pagar um hambúrguer parece suspeito, enquanto o gasto de R$ 30,00
reais para o mesmo produto não o é. Um gasto feito para terceiro, e não para consumo
do próprio parlamentar, também é indevido. Após identificar tais irregularidades, a
BRIEFING REPORT
Mais recentemente, a Coalizão tem atuado no chamado “PL das Fake News”60,
aprovado pelo Senado e que agora segue para a Câmara, e que ainda precisa de algumas
correções61. No intuito de ampliar a comunicação com a sociedade, a Coalizão lançou
em 2020, a série Batalhas Digitais62 com entrevistas com pessoas das organizações da
rede sobre temas como racismo algorítmico, vigilância na educação, fake news, acesso
à internet, dentre outros.
Desde fevereiro de 2021, a Coalition tem feito um forte trabalho de defesa para
derrubar o veto do presidente a um projeto de lei emergencial para alocar recursos
financeiros para escolas em locais economicamente desfavorecidos. Se aprovado, as
escolas podem comprar equipamentos para seus alunos desfavorecidos ou contratar
banda larga ou até mesmo serviços de dados móveis. No Brasil, 4,8 milhões de crianças
e adolescentes vivem em lares sem acesso à internet. Essa população está totalmente
58. https://direitosnarede.org.br/
59. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13709.htm
60. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2256735
61. http://plfakenews.direitosnarede.org.br/
62. https://direitosnarede.org.br/podcasts/ 57
impedida de participar de qualquer tipo de ação educacional remota ou híbrida que as
redes de ensino estejam realizando.
Apesar de o Brasil já ter uma Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), ainda não está
difundida a cultura de proteção de dados por parte das instituições, haja vista a adesão
BRIEFING REPORT
58
Letramentos digitais e inclusão digital no Brasil contemporâneo
59
Considerações
Considerações
ee questões
questões
7 refIexivas
refIexivas
BRIEFING REPORT
60
Letramentos digitais e inclusão digital no Brasil contemporâneo
63. https://lavits.org/
64. http://redegovernanca.net.br/ 61
• Anderson Fernandes de Alencar - refletir sobre uma proposta de migração de
software proprietário para software livre. O trabalho discute o estado da arte da
tecnologia no contexto atual através de suas reflexões sobre o conceito de técnica
e tecnologia, as diversas atitudes em relação à tecnologia, a crítica à dependência
tecnológica, a apresentação da tecnologia como patrimônio da humanidade, a
reflexão sobre uma possível “prática tecnológica”, uma tecnologia a serviço das
causas da emancipação e da mudança social e a defesa de uma concepção de
infoinclusão. https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-08112007-
150130/pt-br.php
Ao criar uma tecnologia, há uma decisão a ser tomada. A tecnologia pode seguir
por um ou outro caminho, pode ter uma ou outra funcionalidade. Essas decisões são
políticas e fazem com que a própria tecnologia também o seja. Na inteligência artificial,
tal questão é clara.
É possível pensar em soluções, usos e processos éticos para a IA, uma vez que a
coleta e processamento massivo de dados podem implicar no aumento da vigilância,
na restrição da autonomia dos indivíduos, na redução da liberdade de expressão?
Com esses aplicativos, caso você entre em contato com alguém que, posteriormente,
seja diagnosticado com COVID-19, receberá um alerta sobre a possibilidade de estar
contaminado também. Embora tal uso da tecnologia possa trazer evidentes benefícios
para a contenção da pandemia, também traz sérios riscos à privacidade dos usuários.
65. https://www.aberta.org.br
66. https://www.escolhalivre.org.br
67. https://www.sciencemag.org/news/2020/05/countries-around-world-are-rolling-out-contact-tracing-apps-contain-coronavirus-how 63
Houve protestos contra primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu após o
anúncio de um programa de vigilância que usa a agência de segurança doméstica do
país para rastrear a localização de pessoas potencialmente infectadas pelo vírus. Já a
Coréia do Sul divulgou informações detalhadas sobre indivíduos infectados - incluindo
seus movimentos recentes - visíveis através de vários aplicativos particulares que
enviam alertas aos usuários nas proximidades. Nesse caso, os usuários do aplicativo
receberam mensagens como “Mulher de 60 anos foi contaminada próximo a você.
Saiba mais”, e puderam acessar conteúdo com muitos detalhes sobre a vida privada
da pessoa contaminada. Tal acesso a informações particulares pode fomentar
a discriminação não só para com a pessoa infectada, mas também para com os
estabelecimentos comerciais pelos quais ela passou, mesmo antes da doença se
manifestar plenamente.
O desafio atual, no caso dos contact tracing apps, é gerar soluções tecnológicas
que não apenas sejam eficazes na identificação de zonas de risco para usuários que
possam ter entrado em contato com pessoas contaminadas, mas também fazê-lo de
forma respeitosa quanto à privacidade das pessoas, aumentando a confiança pública.
Tal desafio, aliás, é aplicável para toda e qualquer tecnologia. A IA assertiva seria aquela
que funciona como ferramenta de viabilização dos direitos e serviços para os humanos,
e não como ferramenta de controle, vigilância e diminuição de direitos.
d. Preconceito e viés
Ao mesmo tempo em que a pandemia assolava o mundo, houve o florescimento
de protestos contra o racismo que se iniciaram nos Estados Unidos, à luz da morte
do jovem negro George Floyd por um policial, e que se alastraram por vários países.
Tais protestos fortaleceram críticas a sistemas e processos que pudessem alastrar o
racismo dentro das forças policiais. Foi nesse pano de fundo que a IBM69, uma das
maiores empresas de tecnologia do globo, anunciou o fechamento de toda a sua área
de inovação em reconhecimento facial. A empresa anunciou que não apenas pararia
de oferecer serviços de reconhecimento facial, como vinha fazendo sobretudo para a
polícia estadunidense, mas também pararia toda pesquisa e desenvolvimento sobre o
BRIEFING REPORT
68. https://www.technologyreview.com/2020/05/07/1000961/launching-mittr-covid-tracing-tracker/
64 69. https://www.theverge.com/2020/6/8/21284683/ibm-no-longer-general-purpose-facial-recognition-analysis-software
Letramentos digitais e inclusão digital no Brasil contemporâneo
O perfilamento racial citado pelo CEO da IBM, do inglês racial profiling, não é novo
ou exclusivo da tecnologia. Ele ocorre quando atores, sobretudo autoridades públicas
como policiais e afins, agem de maneira discriminatória para com indivíduos baseado
em sua raça, etnia, religião. O perfilamento racial aponta para uma predisposição
negativa contra certos indivíduos por suas características externas.
Conforme se joga o jogo preparado pelo MIT, percebemos que o COMPAS não
consegue chegar a decisões plenamente justas. Isso ocorre porque previsões feitas
pela inteligência artificial refletem os dados usados para produzi-las. Se réus negros
são presos em uma taxa mais alta do que os réus brancos no mundo real - ainda que
70. https://www.youtube.com/watch?v=IVMBMTwmqXc
71. https://www.technologyreview.com/2019/10/17/75285/ai-fairer-than-judge-criminal-risk-assessment-algorithm/
65
devido a imperfeições e injustiças sistêmicas, também terão taxa de risco mais altas de
prisão e desfrutarão menos da possibilidade de responderem em liberdade.
Anteriormente, juízes já tinham que tomar decisões difíceis que, por vezes,
geram injustiças baseadas no perfilamento racial. Agora, no entanto, através do
uso do algoritmo, é cada vez mais difícil contestar o dado oferecido pela máquina,
amparado por cálculos complexos e, muitas vezes, protegidos por segredo comercial.
Essas inconsistências e injustiças no uso de algoritmos ocorrem não apenas em casos
como a acima mencionada, sobre o sistema criminal, mas também em várias outras
aplicações, como em algoritmos de bancos que fazem a pontuação de crédito para
definir para quem oferecer empréstimo, por exemplo. Uma aplicação de IA utilizada
no contexto educacional para oferecer um mapeamento dos perfis dos estudantes
poderia facilmente incorrer em preconceito e desigualdade também.
e. Dilemas da automação
No início de 2020, a Microsoft, grande e antiga empresa de tecnologia, demitiu parte
do seu corpo editorial responsável pelo site de notícias MSN.com75. A empresa também
intensificou o uso de uma inteligência artificial para mapear e selecionar conteúdo de
outros jornais a ser republicado no site, filtrando informações e até mesmo sugerindo
fotos para estampar as notícias.
BRIEFING REPORT
72. https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_vieses_cognitivos
73. https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_cognitive_biases
74. https://betterhumans.pub/cognitive-bias-cheat-sheet-55a472476b18#.2ezsqki3y
66 75. https://www.msn.com/pt-br/
Letramentos digitais e inclusão digital no Brasil contemporâneo
O exemplo demonstra como uma solução positiva - o uso de uma IA para acelerar o
processo de filtragem e escolha de conteúdo, pode ter consequências erradas - no caso,
diminuindo a história e personalidade da pessoa sobre a qual a notícia trata. É comum
que humanos errem e o que aconteceu com a IA do MSN.com poderia ter ocorrido caso
fosse um jornalista humano o(a) responsável por selecionar uma foto da cantora.
76. https://www.theguardian.com/technology/2020/jun/09/microsofts-robot-journalist-confused-by-mixed-race-little-mix-singers 67
• Proporcionalidade: de que forma a IA está sendo “alimentada”. O que se ensina
às máquinas e quais dados são fornecidos a elas impactam na maneira como elas
funcionarão. As tecnologias não devem coletar dados que não sejam estritamente
necessários para o funcionamento da aplicação; tal coleta deve ser proporcional à
finalidade da IA;
• Direitos Humanos: como obter uma IA que respeite os direitos humanos, que
carregue em si uma perspectiva inclusiva, que trabalhe em prol da liberdade
de expressão?
BRIEFING REPORT
68
Letramentos digitais e inclusão digital no Brasil contemporâneo
De alguma forma, essas iniciativas das empresas acenam para o debate que
desponta na sociedade em relação ao contexto da dadificação. Teriam elas o potencial
de fomentar o letramento e a inclusão digital da sociedade?
77. https://itsrio.org/pt/artigos/o-oversight-board-do-facebook/
78. https://newsroom.tiktok.com/pt-br/tiktok-apresenta-seu-conselho-consultivo-de-seguranca-do-brasil
69
Alguns autores
contemporâneos
críticos ao
8 cenário atual
BRIEFING REPORT
70
Letramentos digitais e inclusão digital no Brasil contemporâneo
Em seu livro, Big Tech, ele faz uma crítica contundente à dinâmica de “solucionismo
tecnológico” imposta pelas empresas do Vale do Silício, isto é, a ideia de que a tecnologia
pode resolver todos os problemas sociais. O pesquisador ressalta que é possível ser a
favor da tecnologia e ao mesmo tempo criticar as grandes corporações. Segundo ele,
o Vale do Silício promete mais liberdade, mas entrega mais controle, uma vez que as
redes automaticamente organizam um leilão de anúncios a partir das buscas realizadas
e “vendem” ansiedades e inseguranças de seus usuários.
71
As experiências privadas humanas hoje se tornaram commodities para dataficação,
uma vez que tais fluxos de dados vêm de todos os tipos de interfaces: das buscas on-
line, aplicativos de celular, câmeras, devices diversos, sensores, e isso tudo nas casas,
nos automóveis, nas cidades.
Hoje, sabe-se que esse modelo não é limitado a propagandas de bem de consumo,
mas repercute no campo da política, como ocorreu com a Cambridge Analytics. Em
março de 2018, reportagem do New York Times79 revelou que a coleta foi de 50 milhões
de norte-americanos por conta de um teste de personalidade grátis no Facebook, o
que beneficiou as campanhas de Trump e do Brexit, como mostrou o documentário
Privacidade Hackeada80.
79. https://www.nytimes.com/2018/03/17/us/politics/cambridge-analytica-trump-campaign.html
80. https://www.netflix.com/br/title/80117542
72 81. https://www.ynharari.com/about/
Letramentos digitais e inclusão digital no Brasil contemporâneo
Outro alerta seria o de abrir espaço para o imprevisível nas práticas educativas,
formando mentes flexíveis. E um terceiro enfatiza a promoção do conhecimento de si
mesmo, incluindo consciência sobre as próprias fraquezas:
Se, no entanto, você quiser manter algum controle sobre sua existência pessoal e
o futuro de sua vida, terá de correr mais rápido que os algoritmos [...] e conseguir
conhecer a si mesmo melhor do que eles conhecem (HARARI, 2018 p. 330).
82. https://www.thesocialdilemma.com/ 73
Muitas empresas usam um score de crédito no processo de seleção. A pessoa pode
não ter um score bom no momento porque não tem emprego e, consequentemente,
não consegue o novo emprego porque o score não corresponde ao esperado. A isso,
muitas vezes, junta-se região de moradia, nível sócio-econômico, dentre outros fatores
que mantém a pessoa longe das oportunidades de trabalho.
O’Neil relata casos de professores que foram demitidos por conta de sistemas
de avaliação que utilizava um algoritmo que combinava o avanço ou declínio de
aprendizagem dos estudantes com o desempenho dos professores. Mais de 200
professores foram demitidos por terem ficado com score inferior ao determinado pelo
algoritmo. Vários desses professores, no entanto, sempre foram muito bem avaliados
pela chefia e pela comunidade de pais.
Em entrevista ao jornal Valor Econômico, que ele lamentou não ter sido
disponibilizada abertamente83, Lévy compara as Big Techs e suas plataformas ao
poder de um estado-nação. Empresas como Google, Apple, Facebook e Amazon hoje
influenciam a vida de bilhões de pessoas, com capacidade de manipular vontades e
votos e, com isso, se constituem em “estados-plataformas”, avançando em áreas e
funções estatais tradicionais. “Ele ressalta que, atualmente, 60% dos habitantes estão
conectados à rede, onde, afora as informações, proliferam fanatismos, pedofilia e
outras mazelas” (Lévy, 2020, on-line).
74 83. https://twitter.com/plevy/status/1319602726859378696
Letramentos digitais e inclusão digital no Brasil contemporâneo
84. https://www.uol.com.br/tilt/colunas/helton-simoes-gomes/2020/12/06/seios-a-mostra-sao-1-caso-do-brasil-avaliado-pela-tribunal-
do-facebook.htm 75
Cédric Durand, “tecnofeudalismo”
O economista francês, professor da Sorbonne, Cédric Durand, cunhou o termo
“tecnofeudalismo” para caracterizar a ascensão e domínio das mega plataformas, que
estão criando mais controle do que na época da revolução industrial. Ao contrário do
proclamado, a tecnologia não estaria gerando progresso humano, mas sim restaurando
monopólios, dependência, manipulação política, privilégios e uma tarefa de predação
global são a identidade verdadeira da nova economia:
Como Pierre Lévy, Durand também fala de “territórios digitais” para explicar o
domínio que as plataformas digitais estabelecem e como isso se aproxima da lógica
feudal. À medida que mais serviços surgem, mais dependência elas geram, ou seja, a
estratégia das empresas é a conquista desses territórios (obter cada vez mais dados),
sem nenhuma concorrência, ideia base do capitalismo.
Ele ressalta que não existe solução individual para a situação, embora as pessoas
não sejam inocentes. “O desafio consiste em encontrar soluções que passem pela
intervenção política que submetam o funcionamento dessas plataformas à lógica dos
serviços públicos” (DURAND, 2021, on-line).
O problema que vejo hoje é que não somos capazes de prover verdadeiras
alternativas. Quando você está cansado do Facebook você muda para outro
Facebook, que pode ser diferente apenas em sua política de dados e propriedade,
mas você acaba fazendo as mesmas coisas lá e sofre dos mesmos problemas
nessas novas plataformas. Criar alternativas faz também parte do que chamo de
tecnodiversidade (HUI, 2021, kindle).
Para ele, o dataísmo atual mostra que o ser humano não é mais soberano de si
mesmo, mas resultado de uma operação algorítmica que o domina sem que ele peceba.
Como Shoshana Zuboff, Chul-Han pontua a urgência de regulação e ressalta, ainda, a
necessidade de que haja uma renda básica para as profissões que serão devoradas
pelas novas tecnologias.
77
Autor de diversas obras, como A Sociedade do Cansaço (2014), A Sociedade da
Transparência (2017), a Agonia do Eros (2017) e No Enxame: reflexões sobre o digital, Chul-
Han é considerado um viral (GALINDO, 2018) apesar de serem as redes as responsáveis
por disseminar suas ideias veiculadas em entrevistas e matérias jornalísticas. “É quase
uma ironia, porque Han ataca com dureza o papel das redes e se pergunta se no final
será o algoritmo a construir o homem e não o inverso” (GALINDO, 2018).
85. A dark web é uma parte da internet que não está visívelpara os mecanismos de busca e requer uso de navegador que garante
78 anonimização como o Tor para ser acessada
Letramentos digitais e inclusão digital no Brasil contemporâneo
Já a visão deontológica, por sua vez, pontua que existem direitos e deveres a
serem observados e cumpridos, independentemente das consequências. O foco é no
agente da ação e não nas consequências. “A deontologia enquadra-se no domínio das
teorias morais que orientam e avaliam o que devemos fazer, [...] julgam a moralidade
das escolhas individualmente, por um parâmetro não orientado pelos resultados”
(MAGRANI, 2018 p. 93). É por meio da visão deontológica que se pode pensar em
princípios éticos fundamentais para regular o desenvolvimento e utilização da
inteligência artificial, entendendo o ser humano como um fim em si mesmo, de forma
a não prejudicar determinados grupos ou indivíduos.
86. http://eduardomagrani.com/ 79
9 Referências
Referências
BRIEFING REPORT
80
Letramentos digitais e inclusão digital no Brasil contemporâneo
AL-KHOURI, Ali M. Data ownership: who owns ‘my data’. International journal of
management &information technology. v. 2, n. 1, November, 2012. Disponível
em <https://www.researchgate.net/publication/331085049_Data_Ownership_Who_
Owns_%27My_Data%27 >. Acesso em 13 fev. 2021.
81
___________. O pós-humano é agora: uma apresentação. Trabalhos em linguística
aplicada, Campinas, SP, v. 58, n. 2, p. 478–495, 2019. Disponível em < https://
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