Nothing Special   »   [go: up one dir, main page]

546 5018 1 PB

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 22

ISSN 2177-3688

GT-1 – Estudos históricos e epistemológicos da Ciência da Informação

MINERAÇÃO DE DADOS NA PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO: DESAFIOS E


OPORTUNIDADES

DATA MINING IN INFORMATION SCIENCE RESEARCH: CHALLENGES AND OPPORTUNITIES


Josir Cardoso Gomes - Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia – Universidade
Federal Fluminense
Ricardo Medeiros Pimenta - Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia –
Universidade Federal Fluminense
Marco Schneider - Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia – Universidade
Federal Fluminense

Modalidade: Trabalho Completo

Resumo: Os termos mineração de dados, ciência de dados, aprendizado de máquina têm invadido
não só as manchetes de jornais e as redes sociais como também têm aparecido com uma maior
frequência em periódicos científicos. Os propagados avanços da Inteligência Artificial têm aberto o
debate sobre questões éticas do uso destas tecnologias no cotidiano e também no próprio fazer
científico. Assim, a questão inicial que se traz é: como as ciências sociais e as humanidades estão se
apropriando destas novas técnicas? E, em especial, como a Ciência da Informação pode contribuir
para o entendimento epistemológico destas novas áreas do conhecimento sem cair em uma narrativa
meramente comercial ou em um discurso “revolucionário” de como a sociedade será “transformada”
com o uso de tais tecnologias? Através de revisão bibliográfica e pesquisa exploratória, este ensaio
procurou analisar como a Ciência da Informação tem utilizado técnicas de mineração de dados e se o
campo pode trazer contribuições importantes para o uso de Mineração de Dados, tanto sob o ponto
de vista epistemológico como também em seus usos práticos, especificamente na área de sistemas
de organização do conhecimento.
Palavras-Chave: Mineração de Dados; Ciência de Dados; Epistemologia.

Abstract: The terms data mining, data science, machine learning have invaded not only newspaper
headlines and social media but have also appeared more frequently in scientific journals. The
propagated advances of Artificial Intelligence have opened the debate on ethical issues of the use of
these technologies in everyday life and also in scientific practice itself. Thus, the initial question that
arises is: how are the social sciences and the humanities adopting these new techniques? And, in
particular, how can Information Science contribute to the epistemological understanding of these new
areas of knowledge without falling into a merely commercial narrative or a "revolutionary" discourse
of how society will be "transformed" by the use of such technologies? Through literature review and
exploratory research, this essay sought to analyze how the Information Science has used data mining
techniques and whether the field can make important contributions to the use of Data Mining both
from an epistemological point of view and also in its practical uses specifically in the area of
knowledge organization systems.
Keywords: Data Mining; Data Science; Epistemology.
1
XX ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO – ENANCIB 2019
21 a 25 de outubro de 2019 – Florianópolis – SC

1 INTRODUÇÃO

Os termos mineração de dados (MD), ciência de dados, aprendizado de máquina


(machine learning), redes neurais (neural networks) e outros correlatos têm invadido não só
as manchetes de jornais e as redes sociais, como também têm aparecido com maior
frequência em periódicos científicos. Apesar de boa parte destes conceitos terem sido
criados pela Ciência da Computação desde a década de 60, somente agora seus usos passam
a ser popularizados em função do maior processamento dos computadores pessoais, da
disponibilização de serviços na nuvem e da maior oferta de produtos e serviços que fazem
uso dessas tecnologias e processos.
A discussão sobre Inteligência Artificial (IA) também tem aparecido constantemente
no noticiário, seja para relatar os últimos testes (e acidentes) de carros autônomos ou para
anunciar os novos dispositivos domésticos como o Alexa e o Google Home, que já podem ser
adquiridos a preços módicos. Entusiastas na área alardeiam que o uso de IA será um tsunami
(MANNING, 2015) ou uma revolução (SEJNOWSKI, 2018) que irá alterar profundamente a
sociedade, incluindo aí o próprio fazer científico. E, de fato, já é possível encontrar sinais de
que tal situação é cada vez mais concreta. Filip Vostal já aponta que a digitização (GOBBLE,
2018) das práticas de pesquisa - em uma medida anteriormente impossível - pelo menos
parcialmente -move processos analíticos de pesquisa social cada vez mais para a direção e
domínio da computação (VOSTAL, 2016, p. 178). Neste escopo, seria possível, ao menos
desejável, que refletíssemos se as universidades estariam sendo (re)sincronizadas no sistema
capitalista através de seus imperativos materiais e culturais que, nesse caso, operariam pelo
apelo aos recursos computacionais relacionados ao estudo e uso do Big Data (VOSTAL, 2016,
p. 62). Recursos estes que estariam ligados a um mercado em ebulição e, portanto, sob o
paradigma do capital e de sua aceleração compulsória.
Mesmo fazendo um filtro de todo o discurso mercadológico e de marketing de
empresas interessadas em fazer novos negócios, percebe-se que o próprio meio científico já
aderiu a este discurso. Refletir sobre qual cenário influencia o outro é tarefa árdua. Ao passo
que a cena científica produz avanços relacionados à temática, é esperado que o mercado se
aproprie dos respectivos avanços na intenção de reificá-los (LUKACS, 1989) ao passo que este
mesmo também acaba por influenciar nas escolhas de temas, objetos de pesquisa e
problemáticas que reincidem na academia buscando maiores esclarecimentos. Cursos de
2
XX ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO – ENANCIB 2019
21 a 25 de outubro de 2019 – Florianópolis – SC

“ciência de dados” começam a surgir em várias universidades, tanto na área da Estatística e


de Computação que seriam o território natural da chamada Ciência de Dados, mas também
em programas de Ciência da Informação.
Especificamente na CI, já existem inúmeros estudos de como os algoritmos têm
impactado os aspectos sociais, econômicos e culturais na sociedade contemporânea
(PIMENTA, 2013; BEZERRA, 2015; CALDAS e CALDAS, 2019). Questões sobre a invasão de
privacidade, vigilância, desinformação e os fluxos informacionais e econômicos das redes
sociais privadas já fazem parte dos anais e revistas científicas do campo. Entretanto, o campo
está se aproveitando destas tecnologias para criar novos métodos de pesquisa que consiga
analisar tal volume e variedade de dados?
Assim, a motivação inicial para esta pesquisa partiu do seguinte questionamento: em
que medida pesquisadores da CI estão fazendo uso de técnicas de mineração de dados como
método de pesquisa? E de forma inversa, pode-se perguntar também: existe
interdisciplinaridade entre a mineração de dados e a CI? Afinal, o estudo crítico sobre a
influência algorítmica e como as novas tecnologias de informação impactam a sociedade são
uma das principais vocações do campo da Ciência da Informação apesar desse mesmo não
ainda ter contato com contribuições importantes feitas dehors de suas próprias fronteiras.
Exemplo disso é o trabalho de Antoinette Rouvroy e Thomas Berns, Gouvernementalité
algorithmique et perspectives d’émancipation: Le disparate comme condition d’individuation
par la relation? (2013). Nele a discussão em torno de um pensamento crítico sobre como a
sociedade, as políticas públicas, seus atores e a própria legislação precisarão ser reavaliados à
luz de uma perspectiva crítica.
Como metodologia, utilizou-se a pesquisa bibliográfica e exploratória. A pesquisa
bibliográfica faz uso de documentos de fontes reconhecidas, sobretudo de livros e artigos
científicos (GIL, 2006) enquanto que a pesquisa exploratória procura examinar o
conhecimento sobre o tema pesquisado com perspectivas distintas (SAMPIERI; COLLADO;
LUCIO, 2013).
Para tentar mapear as questões abordadas, o estudo segue dividido em três partes: se
inicia a partir da montagem dos marcos teóricos sobre os conceitos do termo “dado” no
âmbito da Ciência da Informação. Esta introdução se mostra essencial em função das
inúmeras definições encontradas na literatura não só do termo dado, mas também dos

3
XX ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO – ENANCIB 2019
21 a 25 de outubro de 2019 – Florianópolis – SC

termos informação e conhecimento. Como diversos pesquisadores utilizam tais termos de


forma distinta (CAPURRO; HJØRLAND, 2007), é importante que se delimite quais autores serão
utilizados como referência para as reflexões que serão apresentadas. Em seguida, traremos as
definições para Mineração de Dados, aprendizado de máquina e Ciência de Dados, a
correlação entre eles e, principalmente, quais as relações interdisciplinares com a CI dentro
do referencial teórico explicado na primeira seção do artigo.
Por fim, com o objetivo de analisar como tais técnicas estão sendo utilizadas no
campo, realizou-se uma busca de artigos em periódicos e teses no Brasil que utilizaram
técnicas de MD na CI. E com base nos resultados encontrados, busca-se uma reflexão sobre
as possibilidades do uso de mineração de dados na área e se a integração do ferramental
teórico da CI em conjunto com a MD pode trazer contribuições para outras áreas de
conhecimento.

2 DADO, INFORMAÇÃO E CONHECIMENTO

Para que se possa entender o conceito de Mineração de Dados (MD), é importante


que se defina primeiramente o conceito do que é um Dado. Tradicionalmente, o termo
“dado” geralmente é considerado como a base da hierarquia DIKW (Data, Information,
Knowledge and Wisdom) onde informação é entendida como dado processado,
conhecimento como informação processada ou interpretada e sabedoria como
conhecimento interpretado (HJØRLAND, 2018).
Já a tríade Dado, Informação e Conhecimento também já foi amplamente discutida na
CI apesar de não existir um consenso entre os principais autores da área. Buckland (1991)
procurou trazer o aspecto da materialidade da Informação (Information as Thing), bem como
da informação como processo e como fenômeno cognitivo. Capurro e Hjørland (2007)
discutiram sobre o conceito de Informação e seu caráter polissêmico e Furner (2016) realizou
uma extensa pesquisa não só sobre a história e etimologia do termo dado (data em inglês),
mas trouxe também os vários usos do termo em diferentes áreas do conhecimento.
Desta forma, um dos objetivos iniciais do artigo é propor uma estrutura teórica
quetraga uma definição o mais objetiva possível do que é um “dado” para, em seguida, se
possa adentrar nos aspectos da MD e da sua interligação com a Ciência da Informação. Ou

4
XX ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO – ENANCIB 2019
21 a 25 de outubro de 2019 – Florianópolis – SC

seja, não se busca aqui listar todas as definições existentes, mas, ao contrário, delimitar o
termo para que se possa construir um raciocínio sobre o conceito de mineração de dados.
Diferentemente dos dois textos de Furner (2016) e de Capurro e Hjørland (2007) onde
os autores detalham a formação dos termos “dado” e “informação” através da história e de
sua etimologia e, tal como em um livro de suspense, constroem uma narrativa onde somente
no final da “trama”, no clímax dos respectivos artigos, trazem algumas possibilidades para a
definição dos dois conceitos, aqui se fará o caminho inverso. Uma definição será proposta e,
em seguida, o raciocínio utilizado para a escolha da mesma será detalhado. Obviamente esta
definição não tem a pretensão de ser definitiva. Pelo contrário, o objetivo é justamente
trazer novas reflexões que possam enriquecer o entendimento do assunto e delimitar o
termo para o objetivo central do artigo. Isso posto, a definição candidata dentro do modelo
teórico aqui proposto para o termo dado é: Dado é o registro do atributo de um ente,
objeto ou fenômeno.
Registro é o ato de registrar, ou seja, é a gravação ou a impressão de caracteres ou
símbolos que tenham um significado em algum documento ou suporte físico. A temperatura
de uma lâmina de aço só se transforma em dado, quando ela é medida e registrada, a cor de
uma planta só passa a ser um dado quando ela é registrada seja através de uma fotografia ou
por uma pintura à mão. Assim, se a temperatura ou a cor forem apenas observadas, mas não
houver o registro, esses atributos não podem ser considerados um dado.
Propositalmente, o termo “registro” foi escolhido justamente para trazer a ideia de
documento, ou seja, não há dado sem documento. Interessante notar que à informação
também se preconiza a existência do registro, do documento. Daí encontramos um ponto de
grande dúvida no senso comum sobre estas duas categorias: dado e informação. Se não
houver o registro, se não houver a medição, se não houver a observação, não existe dado.
Desta forma, o termo registro está intimamente relacionado ao ato de documentar e
organizar pois para que haja o registro, deve-se criar minimamente um conjunto de regras
para que tal registro fique ordenado para que futuramente possa ser recuperado.
Já o termo atributo se refere a uma característica (uma propriedade) de um ente,
objeto ou fenômeno. O termo “ente” foi uma opção preferencial pois estaria englobando
tanto os seres vivos como os inanimados e também o que se encontra no universo da
imaginação. Assim, recairia no conjunto dos entes, uma estrela, um elefante, um micróbio,

5
XX ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO – ENANCIB 2019
21 a 25 de outubro de 2019 – Florianópolis – SC

um martelo, uma poesia ou um personagem de ficção. Ou a lista de atributos de um


personagem de Jorge Amado não podem ser considerados como dados de tal personagem?
O termo “objeto” foi também incluído pois é utilizado por vários autores de referência
na CI (DAHLBERG, 1978; BRÄSCHER, 2014) e, por fim, optou-se também por incluir o termo
fenômeno para incluir o registro de um fato, de algo que ocorreu em um determinado
intervalo de tempo, e que efetivamente não está ligado a um objeto ou ente específico.
Como exemplo, pode-se citar os fenômenos meteorológicos ou a fala de um indivíduo.
A definição de “dados” utilizada aqui tem semelhança com definições propostas por
alguns autores. Christine Borgman (2016) reforça que não existe uma definição única para
dados, mas também propõe uma definição para o termo. Para a autora, um dado é uma
“entidade utilizada como evidência de um fenômeno para propósitos de pesquisa ou ensino”
(BORGMAN, 2016, p.29, tradução nossa)1. Esta definição fica bem próxima da nossa pois
reforça o conceito de registro através do uso do termo “evidência”. Entretanto, o uso do
termo “entidade” não consegue retratar bem o que efetivamente está sendo registrado.
Já Semeler e Pinto definem dado como “todo objeto criado em formato digital ou
convertido para o formato digital que possa ser usado para geração de insights de
informação e conhecimento” (2019, p.115). Aqui a delimitação de que o dado só existe
digitalmente diminui a universalidade do termo já que a sociedade continua criando dados
não digitais. Fica também em aberto o que seria efetivamente um “insight”.
Dessa forma, tendo uma definição candidata para “dado”, passa-se a uma outra fase
tão ou mais importante. Ora, se houve o registro do atributo de um objeto, como ele se deu?
Quem fez o registro? O que significa esse atributo que está sendo registrado? Ou seja, por
trás de todo o dado, existe sempre um conjunto de metadados. Nesta construção conceitual,
os metadados são os dados que detalham como o dado foi registrado. É o dado sobre o
dado.
O primeiro uso do termo "metadados" ocorreu em janeiro de 1967 por Stuart
McIntosh e David Griffel que utilizaram o prefixo “meta” (do grego τὰ μετὰ) para tentar
sintetizar o conceito "sobre os dados" e provavelmente a coleção de ensaios sobre metafísica
de Aristóteles serviu de inspiração para a confecção do termo (STEINER, 2017). Entretanto, o
conceito por trás da definição do termo pode ser rastreado desde a antiguidade: uma das

1
Do original: “data refers to entities used as evidence of phenomena for the purposes of research or scholarship”
6
XX ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO – ENANCIB 2019
21 a 25 de outubro de 2019 – Florianópolis – SC

primeiras formas de metadados é a obra de Pinakes, criada em 245 a.C. por Kallimachos de
Cirene para catalogar a Biblioteca de Alexandria de forma sistematizada (POMERANTZ, 2015,
p.6), ou seja, o termo metadado está intimamente associado à Biblioteconomia e por
consequência à Ciência da Informação.
Nota-se que o uso do termo metadado associado ao documento bibliográfico difere
da definição inicial já que, nesse contexto, a definição seria “os dados sobre o documento” e
não a definição inicial “os dados sobre o dado”. Entretanto, se o dado (ou o conjunto de
dados) for considerado um tipo de documento, as duas definições não se contradizem. E
realmente, a partir da ideia inicial de que o dado pressupõe um registro, não seria estranho
pensar que o dado pode ser considerado um tipo de documento. Furner corrobora essa
relação entre documento e os dados:
De fato, não é verdade que os documentos sejam constituídos por dados,
nem que o documento seja uma espécie de conjunto de dados: é o
contrário, em ambos os aspectos. Um conjunto de dados é constituído por
documentos; e o conjunto de dados é uma espécie de documento (p. 303,
tradução nossa)2

Outras definições de metadado já incorporam o termo “informação” criando ainda


mais ruído na tentativa de se encontrar uma definição mais precisa. Por exemplo, a National
Information Standards Association (associação que organiza padrões informacionais nos EUA)
define metadado como “informação estruturada que descreve, explica, localiza ou facilita a
recuperação, utilização ou gestão de um recurso de informação”3 (NISA, 2004).
Henning Spang-Hanssen (2001) corrobora a questão da necessidade de como o dado
foi coletado, apesar de não utilizar o termo “metadado”:
A informação sobre as propriedades físicas de um material está realmente
incompleta sem informação sobre a precisão dos dados e sobre as
condições em que esses dados foram obtidos. Além disso, várias
investigações de uma propriedade conduziram frequentemente a resultados
diferentes que não podem ser comparados e avaliados para além das
informações sobre os seus antecedentes. (p.3, tradução nossa)4

2
No original “it is not in fact the case that documents are made up of data, nor that the document is a species of
dataset: rather it is the other way around, in both respects. A dataset is made up of documents; and the dataset is a
species of document”.
3
No original “structured information that describes, explains, locates, or otherwise makes it easier to retrieve, use or
manage an information resource”
4
No original “Information about some physical property of a material is actually incomplete without information
about the precision of the data and about the conditions under which these data were obtained. Moreover, various
7
XX ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO – ENANCIB 2019
21 a 25 de outubro de 2019 – Florianópolis – SC

A complexidade deste modelo teórico pode ainda aumentar um pouco com a


seguinte reflexão: para todo dado, pode-se considerar que existem dois tipos de metadados
que o acompanham: metadados explícitos e implícitos. Metadados explícitos são os
metadados registrados em conjunto com o dado e os metadados implícitos são sabidos a
partir de sua descrição ou de outros metadados explícitos.
Voltando ao exemplo da temperatura da chapa de aço, o dado é o número medido e
os metadados explícitos são a indicação do instante em que a medição foi feita, do tipo de
material (no caso o aço), do equipamento que realizou a medição e da unidade de medida
utilizada. O próprio descritor “temperatura da chapa de aço” é um metadado. Entretanto,
não se registra o conceito do que é uma temperatura, pois o produtor deste dado parte do
pressuposto que o usuário ou leitor já conheça esse conceito. Ou seja, alguns metadados
deste documento já são implícitos ao documento. São implícitos inclusive os metadados
registrados: a unidade de medida de temperatura, as propriedades do instrumento de
medição e uma infinidade de conceitos que não foram registrados pois se pressupõe que o
leitor não necessite saber pois é um dado (ou melhor, um metadado) conhecido.
Desta forma, pode-se estender um pouco mais esse modelo teórico: quando se tem o
dado e seus metadados, o usuário consegue ter uma compreensão maior do que aquele
dado representa e do contexto em que ele foi registrado, ou seja, o conjunto (dado +
metadados explícitos e implícitos) pode ser uma possível definição para informação.
Contexto no qual se identificam conjuntos, como propusemos, nos remete à perspectiva de
relevância em Tefko Saracevic (1970; 1975), onde tal perspectiva aponta para a eficácia do
contato entre fonte e destinatário. Logicamente, se pensarmos no contexto atual da
intermediação eletrônica, a relevância se torna categoria mais ainda necessária e, talvez,
uma das mais críticas para compreendermos o processo existente entre dados, informação e
produção do conhecimento. Tal definição busca resgatar o aspecto cognitivo da informação
que é contemplado pelos metadados implícitos que compõem a “fórmula” (dado +
metadado), da relevância do contexto e da percepção do usuário que estará recuperando
esse dado. A análise ou percepção do conjunto de metadados implícitos é tão ou mais
marcante que o aspecto físico ou documental.

investigations of a property have often led to different results that cannot be compared and evaluated apart from
information about their background”
8
XX ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO – ENANCIB 2019
21 a 25 de outubro de 2019 – Florianópolis – SC

Voltando ao exemplo da lâmina de aço, um leitor só conseguirá interpretar o dado da


temperatura se ele souber o que significa uma temperatura. Ou seja, o dado foi registrado
corretamente, o contexto em que o dado foi coletado foi fornecido mas se o leitor não tiver o
conhecimento prévio dos termos empregados na definição dos metadados apresentados, o
dado não se transforma em conhecimento. Conforme atestam Marteleto, Nóbrega e
Morado, o “conhecimento que resulta da ação e das relações dos sujeitos em seu fazer na
história, em suas práticas culturais, é sempre um conhecimento contextual” (2013, p. 100).
O que está sendo chamado aqui de metadado implícito é efetivamente o que
Dahlberg define como conceito em sua Teoria do Conceito (DAHLBERG, 1978). E esta teoria
procura tratar toda a problemática do que é um conceito, o que é um termo, o que é uma
definição (a definição do que é uma definição), do que é a representação do conhecimento e
dos aspectos semióticos que são intrínsecos a uma visão cognitivista e conceitualista.
Ainda segundo Dahlberg, o conceito é um dos elementos centrais para a informação e
para a geração do conhecimento e reforça que todo conceito tem uma dimensão física e uma
dimensão cognitiva. Capurro joga com as palavras quando afirma que, enquanto
“information is a thing” (citando Buckland), “knowledge is no-thing”, ou seja, não existe
materialidade no conhecimento (CAPURRO, 2017). E, por não ser material, a definição do
que é conhecimento enfrenta enorme resistência em áreas como a Ciência da Computação:
[...] a visão “conceitualista”, apesar de servir a diversos propósitos na CI
como, por exemplo, em instrumentos como os vocabulários controlados,
não é adequada à realidade atual, caracterizada pelo uso de computadores.
Sistemas automatizados e computadores se tornam elementos obrigatórios
ante o grande volume de informação disponível. E computadores
necessitam de representações formais (SOUZA; ALMEIDA; BARRACHO, 2013
p.164)

A construção destas representações formais se traduz justamente na transformação


de conceitos (unidades de conhecimento) em metadados explícitos. Esta é a grande tarefa da
elaboração de instrumentos de construção semântica e de ontologias para que as
tecnologias de aprendizado de máquina e IA possam funcionar. Ou seja, quanto mais dados,
atributos e metadados estiverem disponíveis para um objeto, melhor o algoritmo poderá
“entender” e “aprender” de forma autônoma.
O grande esforço de construir uma Web Semântica (BERNERS-LEE et al, 2001) ou Web
3.0 é um exemplo de como a indústria e a ciência buscam insumos para que os algoritmos

9
XX ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO – ENANCIB 2019
21 a 25 de outubro de 2019 – Florianópolis – SC

tenham a possibilidade de aprender. Viana (2018) reforça este argumento quando ressalta
que o termo “semântica” visa “estabelecer uma interligação dos significados das palavras, o
que as possibilita de serem compreendidas por computadores” e complementa que a Web
3.0 pretende ser um espaço digital “desambiguado” pois as máquinas poderão “entender” o
significado do conteúdo de um site ou texto sem margem para dúvida na interpretação do
que está sendo apresentado.
Apesar do termo Web 3.0 ter sido criado há quase duas décadas, percebe-se que o
desenvolvimento da Web Semântica não atingiu seus objetivos com a mesma velocidade que
as demais tecnologias da Internet (MICHALAKIDIS, 2016). Mesmo com os inúmeros avanços
tecnológicos como a criação de padrões e boas práticas e com o uso de Linked Data, RDF e
SPARQL, o ser humano continua sendo peça essencial para a criação da camada extra de
dados (e metadados) que devem ser inseridas nas páginas web para que a máquina consiga
interpretá-las. A inclusão automatizada de artefatos semânticos nas páginas web ainda não é
possível e um dos motivos é a dificuldade em representar o conhecimento.
A Representação do Conhecimento (Knowledge Representation) é a disciplina que
tem como objetivo a captura e modelagem de representações sobre o mundo que possam
ser interpretadas por algoritmos para que estes possam resolver problemas complexos. E
esta área tem uma extensa fronteira interdisciplinar com a CI, Linguística, Filosofia, Psicologia
e Inteligência Artificial (BRÄSCHER, 2014).
A pesquisadora Marisa Bräscher (2014) ressalta ainda que o conhecimento
acumulado na construção de sistemas de indexação e de organização do conhecimento como
os tesauros, ontologias e taxonomias podem contribuir no campo teórico e prático para a
superação das dificuldades enfrentadas na área de representação do conhecimento e,
consequentemente para áreas como a Inteligência Artificial e a mineração de dados. Na
seção seguinte, a interdisciplinaridade das duas ciências será ainda mais ressaltada.

3 MINERAÇÃO DE DADOS

Se buscarmos na história da ciência da computação, a MD vem sendo utilizadas desde


1960, mas somente a partir da década de 80 que o termo passou a ser empregado para
consolidar um conjunto de processos e algoritmos que tinham um mesmo objetivo:

10
XX ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO – ENANCIB 2019
21 a 25 de outubro de 2019 – Florianópolis – SC

[...] a extração automatizada de padrões que representem algum


conhecimento implícito que esteja armazenado em grandes volumes de
dados, sejam eles armazenados em banco de dados, data warehouses, na
web ou qualquer outro tipo de repositório massivo ou fluxo de dados.
(HAN; KAMBER; PEI, 2011, p. 23 do prefácio, tradução nossa).

Fayyad, Piatetsky-Shapiro e Smyth (1996) consideram que a mineração de dados é


parte de um processo maior denominado Knowledge Discovery on Databases (KDD), que
envolve a coleta, a limpeza dos dados, o processamento em si e a análise e visualização dos
resultados encontrados. Entretanto considera-se aqui que a escolha do termo KDD é
equivocada por diversas razões. Como primeiro ponto, se utiliza mineração de dados em
repositórios que não estão necessariamente em banco de dados (databases), podendo estar
em coleção de textos, em imagens e até mesmo em fluxos de dados enviados em tempo real.
Mesmo se o termo databases fosse substituído por data, alguns autores ressaltam
que o processo de pré-processamento e limpeza de dados é intrínseco ao processo de
mineração, ou seja, não existe mineração sem modelagem e pré-processamento dos dados
(HAND; MANNILA; SMYTH, 2001). E, por fim, sob o ponto de vista epistemológico, o termo
KDD é muito amplo e pode se confundir com a própria definição do que é Ciência. Afinal, o
que é a ciência senão a busca de conhecimento através de dados empíricos coletados?
Vale notar que a obra de Han e Kamber vai mudando a sua percepção sobre os
termos KDD e MD ao longo de suas três edições. Em sua primeira edição (2001), os autores
seguem a definição de Fayyad. Já na segunda edição (2006), eles já concordam que o termo
Data Mining é considerado pela academia e pelo mercado como o processo integral e por
fim, na terceira edição (2011), citam apenas a perspectiva de Fayyad como uma forma de ver
o processo, mas que a grande maioria dos autores já colocam os dois termos como
sinônimos, sendo que a preferência é pelo termo Data Mining.
O conceito de KDD tampouco é compatível com o modelo teórico proposto no início
deste ensaio já que conhecimento não pode ser “descoberto”, ele é transmitido e adquirido
pelo ser humano através de processos de aprendizado que são alheios a técnicas de MD.
Assim, o presente texto segue o entendimento de outros autores (COENEN, 2011; HAN;
KAMBER; PEI, 2011; TRYBULA, 1999) e utiliza a expressão “Mineração de Dados” como mais
apropriada que KDD.

11
XX ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO – ENANCIB 2019
21 a 25 de outubro de 2019 – Florianópolis – SC

O estudo dos algoritmos e usos de mineração de dados se originou na Ciência da


Computação e recentemente passou a fazer parte de um novo campo se convencionou
chamar de Ciência de Dados (Data Science). Segundo Carvalho (2016), a Ciência de Dados
[...] estuda princípios, métodos e sistemas computacionais capazes de
extrair de forma eficiente conhecimento novo, útil e relevante presente em
conjuntos de dados. Para isso, ela faz uso de técnicas de mineração de
dados, particularmente de construção automática de modelos, capazes de
extrair esse conhecimento. A construção automática de modelos permite
que funções, hipóteses e regras sejam extraídas a partir de experiências
passadas, representadas no conjunto de dados (CARVALHO, 2016, p.63)

Na prática, a chamada Ciência de Dados vem sendo disputada também pelos cursos
de CI, Ciências Estatísticas e Administração. No exterior, a maior parte dos cursos que tem no
título a expressão “Data Science” estão sendo organizados pelos departamentos de Ciência
da Computação5. Já no Brasil, o primeiro curso de graduação de Ciência de Dados estará sob
a égide do Departamento de Matemática Aplicada e Estatística da USP/São Carlos6. Assim,
seria de bom tom que o termo Ciência de Dados ainda fosse utilizado com cautela já que
existe muito ruído entre o que está no âmbito da ciência e o que é apenas marketing ou
hype.
Outro termo que também merece desambiguação é o “Aprendizado por máquina”
(Machine Learning) que algumas vezes é confundido com o processo de MD (LESKOVEC;
RAJARAMAN; ULLMAN, 2014, p.20). De fato, a mineração de dados frequentemente utiliza
algoritmos de aprendizado por máquina para resolver determinadas etapas do processo e
nem todo algoritmo de aprendizado por máquina é utilizado no processo de mineração de
dados. Resumidamente, o aprendizado por máquina é uma das tecnologias utilizadas na
mineração de dados (HAN; KAMBER; PEI, 2011). A figura abaixo mostra melhor essa relação:
FIgura 1: Tecnologias utilizadas pela Mineração de Dados

5
A lista dos cursos pode ser vista em http://datascience.community/colleges.
6
A ementa do curso pode ser vista em https://www.icmc.usp.br/graduacao/estatistica-bacharelado
12
XX ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO – ENANCIB 2019
21 a 25 de outubro de 2019 – Florianópolis – SC

Fonte: Han, Kamber e Pei, 2011

As diversas estratégias de mineração de dados podem ser categorizadas em dois


grandes tipos em função dos processos que são empregados: descoberta supervisionada e
não supervisionada.
A descoberta supervisionada requer inicialmente que seja realizada uma etapa de
treinamento, na qual parte dos objetos será pré-classificados a priori. Seleciona-se um
subconjunto de objetos que serão estudados e associa-se um termo único que identifique a
classe à qual o item pertence. Dessa forma, o algoritmo terá uma base inicial de
“conhecimento” e a partir daí o algoritmo “constrói” um modelo computacional se baseando
no conjunto de objetos iniciais. Por fim, quando um novo elemento (do qual não se sabe a
qual classe pertence) for inserido no sistema, o algoritmo irá indicar a qual grupo ele
provavelmente irá pertencer.
Para tornar o método mais claro, vale um exemplo na ciência política. Seleciona-se
um grupo aleatório de parlamentares e cada um recebe um rótulo indicando se é de
esquerda, de direita ou de centro. Ou seja, o ser humano informa ao algoritmo qual o grupo
que cada parlamentar faz parte e indica também suas inúmeras características, como sexo,
profissão, idade, partido político, votações anteriores etc. A partir destes dados, o algoritmo
constrói um modelo e quando um novo candidato for inserido no sistema, o algoritmo
indicará a qual grupo ele pertence.
Modelos supervisionados geralmente têm o objetivo de previsão. E no caso do uso de
mineração de dados na pesquisa científica, estes algoritmos são muito úteis na fase de
geração de hipóteses. Um estudo que tenha como objetivo prever ao invés de explicar pode
13
XX ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO – ENANCIB 2019
21 a 25 de outubro de 2019 – Florianópolis – SC

revelar associações entre variáveis que formam a base para o desenvolvimento de teorias e
que podem ser posteriormente submetidas a outros tipos de testes empíricos mais rigorosos
(SHMUELI, 2010).
Já a técnicas ditas não supervisionadas procuram categorizar os objetos sem que se
saiba de antemão quantas classes existem. Retomando o exemplo dos políticos, imagine que
temos apenas as características dos políticos (dados de entrada) e nenhuma categorização
aparente (dado de saída), ou seja, não temos um modelo ou categorização prévia para
aplicar ao nosso conjunto de dados. Como podemos aprender mais sobre esse conjunto de
dados? No nosso exemplo, qual seria a melhor forma de dividir os políticos em categorias?
Será que existe apenas esquerda, direita e centro, ou há alguma outra categorização que
permita distinguir os políticos, mas que não esteja aparente? O nome desse processo de
classificação é chamado de segmentação (clustering) e o modelo teórico que fundamenta
esse processamento é baseado no princípio de maximizar as similaridades intra-classes e
minimizar a similaridade inter-classes (HAN; KAMBER, 2001).
Ainda dentro dos algoritmos não supervisionados, destaca-se a detecção de
anomalias (outliers) ou, em jargão popular, os pontos fora da curva. A detecção de anomalias
e os processos de segmentação são tarefas altamente relacionadas. O agrupamento encontra
os padrões em um conjunto de dados e os organiza em função da similaridade de suas
características, enquanto a detecção de outliers tenta capturar os casos excepcionais que se
desviam substancialmente dos padrões da maioria (HAN; KAMBER; PEI, 2011).
É importante também ressaltar um outro recurso que pode ser utilizado tanto nas
estratégias supervisionadas quanto nas não-supervisionadas: a visualização de dados. A
construção de visualizações planas ou espaciais dos dados procura aproveitar as capacidades
cognitivas dos seres humanos para favorecer percepções visuais sobre os dados que muitas
vezes os algoritmos de mineração de dados não conseguem fornecer.
A tecnologia digital implementou novas intermediações da informação por meio de
formas de ver até o momento incomuns ao sujeito informacional ordinário. Tais práticas têm
ressignificado a pesquisa em áreas como as ciências humanas, sociais e sociais aplicadas. A
forma como a informação é produzida e divulgada, compartilhada, consumida e sobretudo
apreendida pelas subjetividades de quem lhe acessa ou que por ela é (re)classificado, precisa

14
XX ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO – ENANCIB 2019
21 a 25 de outubro de 2019 – Florianópolis – SC

ser indagado à luz de seu regime sociotécnico de informação. Este é, sobretudo, um regime
marcado nos dias atuais por uma “visibilidade informacional” (PIMENTA, 2017).
Entretanto, o processo de montar visualizações em grandes bases não é trivial, pois é
necessário encontrar uma visão ou projeção que reduza a complexidade (o número de
atributos de cada objeto) enquanto captura informações importantes. O objetivo é reduzir a
complexidade perdendo a menor quantidade de informação possível (FAYYAD, 2001).
Também é possível categorizar os algoritmos de mineração de dados em função dos
tipos de suportes onde o dado está representado. Além de minerações em tabelas
relacionais, utiliza-se a mineração de dados em textos, na web, em imagens e vídeos e em
grafos.
A Mineração de Textos (Text Mining) procura categorizar ou encontrar padrões em
grandes coleções de documentos como notícias de jornal, páginas na Web, artigos de
revistas científicas e obras de um determinado autor ou período (PINTO, 2007). Também é
muito utilizado na mineração de opiniões ou análise de sentimentos (SOUZA; CAFÉ, 2018),
quando se procura encontrar padrões em conversações realizadas nas redes sociais ou
formulários online sobre algum tema específico.
A mineração na Web é uma categoria especial de mineração de texto pois necessita
de um passo extra (denominado Web Scraping ou Crawling) para transformar os dados não
estruturados de uma página web em um dado estruturado que possa ser minerado. Esse
passo extra é quase sempre manual (realizado por humanos) se a página web não contém
recursos semânticos como RDF7 ou outros tipos de metadados. Ressalta-se que o simples
processo de captura de dados na web não pode ser chamado de MD, ou seja, se a captura
não vem acompanhada de um processo de mineração em si, ela é apenas uma captura.
Ainda na área de mineração de texto, uma técnica que vem sendo muito estudada na
CI é a Modelagem de Tópicos (Topic Modeling). Muitas vezes há a necessidade de categorizar
coleções de documentos por assunto e para tal, existem método de classificação não-
supervisionada, semelhante ao agrupamento em dados numéricos, que procura descobrir
em qual categoria (tópico) cada um dos elementos pertence (NAVARRO; CONEGLIAN;
SEGUNDO, 2018).

7
RDF ou Resource Description Framework é uma especificação utilizada para modelagem e descrição formal de
metadados para que possa ser lida por um sistema computacional.
15
XX ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO – ENANCIB 2019
21 a 25 de outubro de 2019 – Florianópolis – SC

Já a Mineração de Imagens analisa imagens ou vídeos basicamente para categorizá-


las a partir de critérios pré-definidos ou para se encontrar padrões específicos em um grande
volume de imagens, como, por exemplo, imagens de satélite. Aqui entram técnicas
complexas de aprendizado de máquina, redes neurais (neural networks).
Por fim, a Mineração de Grafos é o estudo de grafos gerados a partir do
relacionamento entre entidades ou pessoas, como o relacionamento de pessoas nas redes
sociais, operações financeiras ou citações bibliográficas. Apesar do uso de grafos na análise
bibliométrica já ser uma prática comum na CI, novas técnicas vêm sendo empregadas na área
da Economia Política, para encontrar, por exemplo, relações entre financiadores de
campanhas eleitorais e empresas envolvidas em processos criminais.
Em síntese, ao analisar cada uma das tipologias e estratégias de mineração de dados,
percebe-se um elemento comum: a classificação. O objetivo final recai sempre no classificar,
ou seja, na busca dentro do universo pesquisado de um padrão que permita unir (ou
segregar) os entes, objetos ou fenômenos analisados. Pode-se dizer que ao final de cada
processo de mineração, emerge pelo menos um novo dado, um novo atributo para cada um
dos entes do conjunto. A metáfora que pode ser feita é comparar o processo de mineração
tradicional (no mundo material) que objetiva encontrar um metal oculto em um grande
volume de rocha bruta e, no caso da mineração de dados (no mundo informacional), o
objetivo é encontrar um dado oculto em um grande volume de dados.
E as classificações que emergem do processo de mineração nem sempre são triviais e
quanto mais complexas forem, mais necessitarão de sistemas que organizem os resultados
obtidos no processo. A partir deste raciocínio, pode-se intuir que o uso do conhecimento
teórico acumulado na área de Organização do Conhecimento pode trazer benefícios também
para essa etapa de análise dos resultados obtidos no processo de MD.
Em 1995, ao discorrer sobre a interdisciplinaridade entre Ciência da Informação e
Ciência da Computação, Saracevic afirmou que a Ciência da Computação era o braço
tecnológico da Ciência da Informação. Seria a Ciência da Informação o braço de construção
semântica para a Ciência da Computação e para a Ciência de Dados?

4 PESQUISA BIBLIOGRÁFICA

16
XX ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO – ENANCIB 2019
21 a 25 de outubro de 2019 – Florianópolis – SC

O uso de técnicas de mineração de dados tem aparecido com maior frequência em


artigos nas ciências sociais e nas chamadas humanidades. Só a revista científica especializada
em Mineração de Dados para Humanidades Digitais The Journal of Data Mining & Digital
Humanities já conta com mais de 58 artigos publicados. Em pesquisa bibliográfica preliminar
na base Web of Science utilizando o termo “Data Mining”, foram encontrados 79 artigos só
na área de Sociologia e Ciência Política.
Para tentar mapear de forma ampla o que se tem estudado no Brasil sobre MD na CI,
foram realizadas buscas com os termos “mineração”, “mining”, “machine” na BDTD
(Biblioteca Digital de Teses e Dissertações), na BRAPCI (que agrega parte das revistas
específicas de Ciência da Informação) e na BENANCIB (que agrega todos os trabalhos
apresentados no ENANCIB) sendo que na BDTD foi aplicado um filtro extra para trazer
registros apenas na área das Ciências Sociais e nas 3 bases, aplicou-se um filtro extra para
trazer documentos somente a partir de 2010 (inclusive).
A partir dos resultados iniciais, fez-se uma análise de cada um dos artigos para
verificar qual tipo de técnica ou algoritmo de MD foi aplicado ou se o artigo relatava uma
análise teórica ou descritiva sobre o tema. O objetivo desta análise era entender quais as
técnicas que eram mais utilizadas na CI. A busca pelo banco de teses e dissertações trouxe 69
teses na Grande Área de Ciências Sociais Aplicadas sendo 24 na área de Ciência da
Informação (8 teses e 13 dissertações). Deste total, 10 trabalhos foram sobre Mineração de
Textos, ou seja, quase a metade. A segunda maior frequência foi a de análises descritivas
sobre o processo de mineração de dados e a sua interdisciplinaridade com a CI.
Já na base BRAPCI, até Maio de 2019, foram encontrados 60 artigos8 entretanto 20
foram descartados pois continham os termos de busca no assunto, título ou palavra-chave
mas efetivamente não faziam uso de nenhuma técnica de MD ou tampouco faziam alguma
análise crítica sobre o uso de tais técnicas. O assunto que predominou foi também o de
Mineração de Texto tal como podemos observar na tabela abaixo:

8
A relação completa dos artigos pode ser acessada em: https://doi.org/10.5281/zenodo.3470020
17
XX ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO – ENANCIB 2019
21 a 25 de outubro de 2019 – Florianópolis – SC

Tabela 1: Total de Artigos na BRAPCI de 2010 a 2019/05 sobre Mineração de Dados

Categoria Número de Artigos


Análise de Sentimentos 2
Árvores de decisão 1
Classificação 2
Descritivo 11
Regras de associação 4
Segmentação 2
Mineração de Texto 12
Modelagem de Tópicos 3
Visualização 3
Total de Artigos 40
Fonte: Os autores

Por fim, na base do BENANCIB foram encontrados apenas 15 artigos sendo que em
2018 foram publicados 7 artigos, ou seja, quase metade do total de artigos analisados dos 8
anos anteriores. Da mesma forma que nas outras bases a preponderância se deu nas técnicas
de Mineração de Texto: 7 dos 15 artigos utilizaram tais técnicas em suas pesquisas.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir de uma perspectiva epistemológica para a tríade dado - informação -


conhecimento, buscou-se construir uma proposta de compreensão da inter-relação possível
entre MD e a CI, em especial na área de organização do conhecimento. Sabemos que há
certamente a necessidade de uma agenda ou programa de pesquisa que possa dar conta de
todas as singularidades possíveis dessa articulação, mas para o momento nossa proposição
se baseia em uma perspectiva inicial, de construção de um olhar sobre a temática.
As reflexões trazidas neste ensaio mostram que o uso de sistemas de organização do
conhecimento pode contribuir em grande medida no desenvolvimento das chamadas
Ciências de Dados e nos usos de MD e IA. A utilização de vocabulários controlados,
taxonomia e ontologias é peça essencial para toda a infraestrutura semântica necessária para
a construção de sistemas autônomos e de algoritmos de aprendizado de máquina. Quanto
mais organizados os metadados estiverem, quando maior for a capacidade de transformar
metadados implícitos (contexto) em metadados explícitos, maior será a capacidade de tais
sistemas aprenderem e maior será a capacidade e acurácia destes mesmos sistemas.

18
XX ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO – ENANCIB 2019
21 a 25 de outubro de 2019 – Florianópolis – SC

Percebe-se também que a infraestrutura para a construção da Ciência de Dados e de


processos aptos a minerar e trabalhar com o chamado Big Data depende de materializar (ou
digitalizar) o contexto dos problemas por eles enfrentado pois, efetivamente, as máquinas e
os algoritmos só podem tratar dados digitalizados. Desta forma, um investimento maior na
interdisciplinaridade entre a CI e Ciência de Dados poderá trazer benefício para a solução de
questões de pesquisa nas duas áreas.
Este estudo também mostrou que existem poucas pesquisas em CI no Brasil que
fazem uso de MD e de aprendizado de máquina tanto para resolver questões metodológicas
da própria CI como também de pesquisas que estejam avaliando o impacto destas
tecnologias na sociedade. Uma hipótese a ser estudada em trabalhos futuros recai sobre a
escassez de disciplinas de computação nos programas de pós-graduação de CI no Brasil e se
existe um real interesse dos estudantes e pesquisadores do campo em trabalhar nestes
novos campos científicos. O crescimento do número de artigos no Enancib 2018 e a escolha
do tema do encontro em 2019 podem ser indicativos que a comunidade acadêmica passou a
se interessar mais pelo assunto.

REFERÊNCIAS

BERNERS-LEE, T.; HENDLER, J.; LASSILA, O. The Semantic Web. Scientific American, v. 284, n. 5,
p. 34–43, 2001.
BEZERRA, Arthur Coelho. Vigilância e filtragem de conteúdo nas redes digitais: desafios para a
competência crítica em informação. In: Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da
Informação, 16, 2015, João Pessoa. Anais... João Pessoa: UFPB, 2015.
BORGMAN, C. L. Big data, little data, no data: scholarship in the networked world. MIT Press.
Cambridge. 2016.
BRÄSCHER, M. Semantic Relations in Knowledge Organization Systems. Knowledge
Organization v. 41, n. 412, 2014.
BUCKLAND, M. K. Information as Thing. Journal of the American Society of Information
Science v.42, n.5, p.351-360. 1991.
CAMPOS, M.L.A. Teoria do conceito. In: ________. Linguagem documentária: teorias que
fundamentam sua elaboração. Niterói, Editora da Universidade Federal Fluminense, 2001.
CALDAS, C. O. L.; CALDAS, P. N. L. Estado, democracia e tecnologia: conflitos políticos no
contexto do big-data, das fake news e das shit storms. Perspectivas em Ciência da Informação,
v. 24, n. 2, p. 196–220, 2019.

19
XX ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO – ENANCIB 2019
21 a 25 de outubro de 2019 – Florianópolis – SC

CAPURRO, R.; HJØRLAND, B. O conceito de informação. Perspectivas em Ciência da


Informação, v.12, n.1, p.148-207, 2007.
CAPURRO, R. Knowledge Map of Information Science: Rafael Capurro’s Responses to Chaim
Zins. Disponível em: <http://www.capurro.de/zins.html>. Acesso em: 5 ago. 2017.
CARVALHO, A.C.F. Interdisciplinaridade da Ciência de Dados. Computação Brasil. v.31, p.62-65.
2016.
CLEARY, J., Holmes, G., Cunningham, S.J., and Witten, I.H. MetaData for database mining.
Proceedings of the First IEEE Metadata Conference. Silver Spring, MD, USA. 1996.
DAHLBERG, Ingetraut. Teoria do conceito. Ciência da Informação v. 7, n. 2, p. 101-07, 1978.
FROHMANN, B. Deflating information: From science studies to documentation.Toronto,
Canada: University of Toronto Press, 2004.
FURNER, Jonathan. “Data”: The data. In: KELLY, Matthew; BIELBY, Jared (Orgs.). Information
Cultures in the Digital Age: A Festschrift in Honor of Rafael Capurro. Wiesbaden: Springer
Fachmedien Wiesbaden, 2016, p. 287–306. Disponível em: <https://doi.org/10.1007/978-3-
658-14681-8_17>. Acesso em: 14 mar. 2019.
GIL, A. C. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social.6. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
GOBBLE, M. M. Digitalization, Digitization, and Innovation. Research-Technology
Management, v. 61, n. 4, p. 56–59, 4 jul. 2018.
HAN, J.; KAMBER, M. Data Mining: Concepts and Technics. Londres: Academic Press, 2001.
HAN, J.; KAMBER, M. Data Mining: Concepts and Techniques. San Francisco: Morgan
Kaufmann Publishers. 2nd Edition. 2006.
HAN, J.; KAMBER, M.; PEI, J. Data Mining: Concepts and Techniques. San Francisco: Morgan
Kaufmann Publishers. 3rd edition. 2011.
HAND, D. J.; Mannila H.; Smyth P. Principles of Data Mining (Adaptive Computation and
Machine Learning). Cambridge, MA: MIT Press, 2001.
HJØRLAND, Birger. Data (with big data and database semantics). Knowledge Organization45,
no. 8: 685-708. ISKO Encyclopedia of Knowledge Organization, ed. Birger Hjørland, coed.
Claudio Gnoli. Disponível em <http://www.isko.org/cyclo/data>. Acesso em 05 jul. 2018.
LESKOVEC, J., RAJARAMAN, A., ULLMAN, J. D. Mining of massive datasets. Cambridge
University Press. 2014.
LUKÁCS, G. História e consciência de classe: estudos de dialética marxista. Trad. Telma Costa;
Revisão Manuel A. Resende e Carlos Cruz – 2° Edição, Rio de Janeiro: Elfos Ed.; Porto, Portugal,
Publicações Escorpião, 1989.
MANNING, C. D. Computational Linguistics and Deep Learning. Computational Linguistics, v.
41, n. 4, p. 701–707, dez. 2015.

20
XX ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO – ENANCIB 2019
21 a 25 de outubro de 2019 – Florianópolis – SC

MICHALAKIDIS, G. Appreciation of structured and unstructured content to aid decision


making - from web scraping to ontologies and data dictionaries in healthcare. Tese de
Doutorado. University of Surrey. 2016.
NAVARRO, F. P.; CONEGLIAN, C. S.; SEGUNDO, J. E. S. Big Data no contexto de dados
acadêmicos: o uso de Machine learning na construção de Sistema de Organização do
Conhecimento. In: XIX Encontro Nacional De Pesquisa Em Ciência Da Informação,2018,
Londrina. Anais.. Londrina, 2018.
PIMENTA, R. M. Big data e controle da informação na era digital: tecnogênese de uma memória a
serviço do mercado e do estado. Tendências da Pesquisa Brasileira em Ciência da Informação, v.
6, n. 2, 2013.
PIMENTA, R. M. Ciberespaço, internet e habitus: uma reflexão bourdieusiana sobre a era
digital. In MARTELETO, Regina M., PIMENTA, Ricardo M. (orgs.) PierreBourdieu e a produção
social da cultura, do conhecimento e da informação. Rio de Janeiro: Garamond, 2017.
PINTO, André Moreira. Mineração de textos e gestão do conhecimento: aplicação na
experiência operacional em geração de energia nuclear nas Usinas de Angra I e II.369 f. Tese
(Doutorado) –Escola de Ciências da Informação, UFMG, 2007.
POMERANTZ, Jeffrey. Metadata. Cambridge, Massachusetts ; London, England: The MIT Press,
2015.
ROUVROY, A. BERNS, T. Gouvernementalité algorithmique et perspectives d’émancipation: Le
disparate comme condition d’individuation par la relation? Réseaux, v. 177, n. 1, p. 163, 2013.
SARACEVIC, T. Interdisciplinary nature of information science. Ciência da Informação, v. 24, n.
1, p. 36-41, 1995.
__________. The concept of "Relevance" in information science: a historical review. In:
Introduction to information science. New York, Bowker, 1970.
__________. Relevance: a review of and a framework for the thinking on the notion in
information science. JASIST, v.26 n.6 p.321, Nov. 1975.
SEJNOWSKI, T. J. The deep learning revolution. Cambridge, Massachusetts: The MIT Press,
2018.
SEMELER, A. R.; PINTO, A. L. Os diferentes conceitos de dados de pesquisa na abordagem da
biblioteconomia de dados. Ciência da Informação, v. 48, n. 1, 3 maio 2019.
SHMUELI, G. To Explain or to Predict? Statistical Science, v. 25, n. 3, p. 289–310, ago. 2010.
SOUZA, Renato Rocha; ALMEIDA, Maurício Barcellos; BARACHO, Renata Maria Abrantes.
Ciência da Informação em transformação: Big Data, Nuvens, Redes Sociais e Web Semântica.
Ciência da Informação, v. 42, n. 2, 2013.
SOUZA, Renato Rocha; CAFÉ, L. M. A. Análise de sentimento aplicada ao estudo de letras de
música. Informação & Sociedade: Estudos, v. 28, n. 3, 28 dez. 2018.
STEINER, Tobias. Metadaten und OER: Geschichteeiner Beziehung. Synergie: Fachmagazinfür
Digitalisierung in der Lehrev. 4, S. 51-55. 2017.
21
XX ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO – ENANCIB 2019
21 a 25 de outubro de 2019 – Florianópolis – SC

VIANA, B. Journalism in the context of the Semantic Web. Media & Jornalismo, v. 18, n. 32, p.
187–199, 2018.
VOSTAL, F. Accelerating Academia: The Changing Structure of Academic Time. Springer, 2016.

22

Você também pode gostar