Comunicação Digital e Jornalismo de Inserção Big Data, Inteligência Artificial Etc
Comunicação Digital e Jornalismo de Inserção Big Data, Inteligência Artificial Etc
Comunicação Digital e Jornalismo de Inserção Big Data, Inteligência Artificial Etc
Como big data, inteligência artificial, realidade aumentada e internet das coisas
estão mudando a produção de conteúdo informativo
MÁRCIO CARNEIRO DOS SANTOS
1ª edição
LABCOM DIGITAL
São Luís
2016
Esta licença permite que outros façam download desta obra e
compartilhem desde que atribuam crédito ao autor, mas sem que possam alterá-los de
nenhuma forma ou utilizá-los para fins comerciais.
Editor
Capa
Carneiro, Márcio
p. 192
ISBN: 978-85-68070-04-8
1. Comunicação digital. 2. Realidade aumentada. 3 Jornalismo
de inserção. I. Titulo
CDD: 302.23
2016 • 1a edição •
Laboratório de Convergência e Mídias - LABCOM.
Universidade Federal do Maranhão
Avenida dos Portugueses, 1966 - Bacanga, São Luís - MA, 65080-805
AGRADECIMENTOS
PREFÁCIO ..................................................................................................... 6
INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 8
PARTE II – TECNOLOGIAS
CAPÍTULO 4 JORNALISMO E REALIDADE AUMENTADA.................... 78
CAPÍTULO 5 INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E SISTEMAS DE GERAÇÃO
DE CONTEÚDO AUTOMATIZADO........................................ 94
CAPÍTULO 6 JORNALISMO E INTERNET DAS COISAS: o modelo de
jornalismo de imersão.................................................................. 113
APÊNDICES
APÊNDICE A OS IMPACTOS DA TECNOLOGIA E O PROCESSO DE
PRODUÇÃO JORNALÍSTICA NAS REDAÇÕES E
ASSESSORIAS DA CIDADE DE SÃO LUÍS........................... 167
APÊNDICE B COMO AVALIAR AS CHANCES DE ADOÇÃO DE UMA
NOVA TECNOLOGIA?............................................................. 175
APÊNDICE C O CIBERESPAÇO COMO MUNDO DIEGÉTICO................... 183
PREFÁCIO
6
mas é fundamental para verificar as variáveis, a fim de observar as relações de
causalidade entre elas. A partir desse posicionamento, a curva de aprendizagem
aumenta e é possível sugerir novos produtos jornalísticos com o objetivo de estar em
sintonia com as necessidades informativas da sociedade contemporânea.
Então, pesquisador da nossa área, leia o livro e faça como Márcio Carneiro:
divirta-se com o novo parque de possibilidades tecnológicas, pois o passado do
jornalismo pertence ao passado.
Cabe a nós, a partir do que realmente é importante no processo jornalístico
consolidado nos últimos quatro séculos, construir o presente e o futuro do jornalismo,
para que ele continue sendo relevante à sociedade.
Boa leitura.
7
INTRODUÇÃO
8
foco mais preciso do complexo campo da Comunicação, palavra que parece permear e
imiscuir-se em quase todas as atividades humanas.
Diante de tão intricada situação, é fundamental dizer que o presente trabalho
está longe de propor uma solução ou um conjunto teórico totalmente novo capaz de
superar as atuais dificuldades e, bem distante disso, caracteriza-se, ao contrário, pela
simplicidade de pensamento e ações com muito mais semelhança com os relatos de
percurso do que com os grandes tratados.
9
dos outros, sem nos furtar dos novos diálogos com os teóricos das redes, das ciências
cognitivas, da interação homem-máquina e da filosofia da tecnologia.
10
O direcionamento da DS para critérios objetivos na solução de problemas
pode ser entendido a partir de um de seus conceitos fundamentais, o de “validade
pragmática” que “busca assegurar a utilidade da solução proposta para o problema.
Considera: custo/benefício da solução, particularidades do ambiente em que será
aplicada e as reais necessidades dos interessados na solução” (DRESCH; LACERDA;
ANTUNES Jr., 2015, p. 59). Considerando esses aspectos, observa-se que o ensaismo
presente em alguns trabalhos acadêmicos, facilmente encontrados na área da
Comunicação, estão bem distantes da DS, basicamente por não considerarem nem o
aspecto do rigor científico1, como também o da relevância social.
1
Ver Machado e Rohden (2016) e Machado e Sant’anna (2014).
11
representação da realidade que procura descrevê-la, mesmo que através
de simplificações, mas que tem o objetivo de apreender sua lógica de
operação interna para utilização como solução.
• Métodos – são conjuntos de procedimentos e ações orientados para o
desempenho de determinada tarefa ou solução de um dado problema. Os
métodos podem estar relacionados a modelos previamente estabelecidos,
sendo um passo a mais na escala entre abstração e tangibilidade da
solução que propomos anteriormente.
• Instanciações – o conceito de instância ou instanciar, bastante conhecido
entre programadores e cientistas da computação, representa na DS talvez
o nível mais tangível da solução criada no contexto prévio que a inspirou,
ou seja, representa o artefato em operação no ambiente que gerou a
necessidade da solução. As instanciações nos permitem também avaliar
algo importante dentro da proposta da DS que é a sua efetividade em
relação ao problema proposto ou às melhorias pretendidas no sistema
existente.
Figura 1: Escala de tangibilidade dos artefatos na DS. Fonte: Elaborado pelo autor
12
O termo classe de problemas que temos utilizado também faz parte dos
conceitos importantes da DS. Conjuntos de problemas práticos ou teóricos que tem já
estabelecido um conjunto de soluções ou artefatos a eles ligados constituem-se numa
classe de problemas. Como exemplo da Comunicação e das Ciências Sociais,
poderíamos citar a necessidade geral de coletar dados em repositórios na internet, que
poderíamos nomear como coleta de dados digitais. Seja para a produção de uma matéria
jornalística, para um plano de gestão ou para a definição de uma política pública sobre
determinado tema, com os processos de digitalização e o crescimento do uso de bases
de dados, a necessidade de conseguir tais informações, acessando seus repositórios
disponíveis na rede, tais como portais de transparência, por exemplo, caracteriza uma
classe de problemas onde operam artefatos como os métodos de scraping (raspagem) e
extração automatizada, bem como as instanciações disponíveis exemplificadas pelos
algoritmos em determinada linguagem de programação, que operam para resolver tais
problemas. Nesse último exemplo, os códigos poderiam não só ser classificados como
instanciações mas também como métodos, já que executam sequencias de comandos
para realizar suas funções.
O paradigma epistemológico da DS e a utilização de seus princípios
aplicados à pesquisa, a design science research (DSR), têm inspirado projetos e
iniciativas que temos desenvolvido ao longo do tempo e que, fora desse contexto,
estariam numa espécie de vácuo onde normalmente se confundem a pesquisa aplicada, a
pesquisa experimental e todas as variações do trabalho empírico de cunho científico.
Principalmente no campo da Comunicação, que tem forte tradição em outras disciplinas
das quais importou muito do ferramental de pesquisa utilizado, estudos como o de
Machado e Rohden (2016) demonstram como ainda é incipiente o desenvolvimento de
pesquisas voltadas para a proposição de soluções de problemas reais. Decidimos trilhar
tal caminho inspirados pelo trabalho de precursores que optaram pelo estranhamento de
operar a partir de classes de problemas e estratégias de pesquisa, em alguns casos, bem
diferentes das tradicionais da Comunicação, como pode ser observado na produção do
grupo ComTec2 e da rede JorTec3, por exemplo.
Guiado por proposições epistemológicas como a DS, com ênfase na
transdisciplinaridade, o livro traz notas e registros que descrevem um pouco do que
conseguimos avistar dentro das perspectivas propostas unindo experimentos,
2
<https://comtec.pro.br/>.
3
<http://tecjor.net/index.php?title=Objetivos>.
13
considerações teóricas e exemplos de utilização metodológica, com foco principal no
que hoje poderíamos descrever como eixo central do nosso trabalho que é a aplicação de
sistemas inteligentes ao processo de produção jornalística. Trata-se de uma temática
controversa porque as transformações nas redações ao mesmo tempo em que têm gerado
reduções de quadros, sobrecarga de trabalho para os remanescentes e até fechamento de
muitos veículos tradicionais de mídia, apontam também para um novo cenário onde a
busca pela requalificação do conteúdo e o aumento da percepção de relevância aos
consumidores continuam sendo metas possíveis, dependentes não só das novas
ferramentas utilizadas, mas também da reconfiguração adequada das habilidades dos
jornalistas e de seus processos produtivos, passando, portanto, pela atividade acadêmica
de formação de profissionais e pesquisadores, que são o público alvo principal desta
publicação.
O trabalho foi dividido em três partes que se complementam e oferecem
rotas de leitura diferentes de acordo com os interesses individuais de cada um.
A primeira parte – Pressupostos Teóricos – explicita um esforço de inserir
abordagens e procedimentos mais adaptados ao cenário dos processos digitais dentro de
um campo com fortes ligações com as Ciências Humanas e Sociais do período pré-
internet que ainda norteiam a maior parte dos esforços de pesquisa da área e, apesar de
sua efetividade e enormes serviços prestados, em algumas situações têm dificuldades de
captar o quadro completo quando tratamos de objetos regidos pela lógica binária, como
sites, tweets, plataformas de mídias sociais e bases de dados, entes bastante comuns
atualmente no ecossistema midiático que, como defendemos, apresentam uma ontologia
específica que deve ser considerada em qualquer esforço epistemológico ou
metodológico para entendê-los.
Assim iniciamos com um capítulo sobre a Filosofia da Tecnologia, primeira
porta de diálogo que consideramos aberta hoje aos pesquisadores da Comunicação e
seguimos, no capítulo dois, com o tema dos Métodos Digitais, que representam uma
tentativa de expandir a caixa de ferramentas do pesquisador contemporâneo sendo
muito úteis em determinadas situações. Por fim, no capítulo três, propomos uma
colaboração teórica orientada a conciliar parte do conhecimento tradicional da
Comunicação com uma visão sistêmica do ambiente digital a partir da sua mais forte
metáfora, a rede. A divisão tenta estabelecer, respectivamente, um contexto para a
discussão, um conjunto de ferramentas para fazê-lo e uma direção teórica que considera
as especificidades do ambiente digital. Como se pode ver na primeira parte, o foco não é
14
o jornalismo e sim as possíveis conexões que podem ser ativadas quando tentamos
projetar novos cenários para essa atividade a partir de soluções focadas em tecnologia.
As temáticas abordadas nessa parte são uma tentativa de explicitar os fundamentos que
consideramos importantes para o desenvolvimento da uma Ciência da Comunicação
onde a relação entre sociedade e tecnologia reflita a centralidade contemporânea que tal
tema adquiriu.
A segunda parte – Tecnologias – já tem seu direcionamento mais firme para
a aplicação de alguns tópicos, bastante discutidos atualmente como soluções de uso
geral, para a atividade específica da produção jornalística. Aqui, destacamos a
Realidade Aumentada (AR – Augmented Reality) no capítulo quatro, a Inteligência
Artificial (AI – Artificial Inteligence) no capítulo cinco e a Internet das Coisas (IoT –
Internet of Things) no capítulo seis, como ferramentas possíveis de integração capazes
de serem unidas em um modelo que chamamos de “jornalismo de inserção”, oferecendo
novas possibilidades não apenas de uso mas também em termos de formatos narrativos
e modelos de negócios.
Por fim, na terceira parte – Experimentos - listamos alguns relatos de nossas
atividades onde os pressupostos teóricos da primeira parte guiaram iniciativas de
utilização aplicada das tecnologias discutidas, diante de situações definidas de pesquisa
e desenvolvimento, tais como um gerador de leads de notícias automatizado no capítulo
sete; uma ferramenta para facilitar a geração de mapas de maior complexidade no
capítulo oito e um exercício de extração de dados a partir de uma plataforma da internet,
no capítulo nove. Provavelmente, mais importantes que os objetivos específicos de cada
um desses trabalhos sejam as descrições sobre como foram organizadas as estratégias de
abordagem para problemas dessa ordem, seguindo o roteiro previamente estabelecido
no capítulo dos Métodos Digitais.
A repetição de alguns cases apresentados antes de forma reduzida não se
trata de erro de revisão mas sim da inserção do tema em níveis de profundidade
diferentes, o primeiro de caráter informativo apenas e o segundo mais detalhado e
descritivo, pensando nos que têm intenção de estruturar pesquisas com objetivos
semelhantes. É o caso do gerador de leads automatizado que tem um resumo na
primeira parte, aparece no capítulo dedicado à inteligência artificial e também está
descrito na parte três dos experimentos. Como o livro pode ser lido integralmente ou de
acordo com os interesses específicos de cada um, enfatizamos alguns trabalhos para que
eles estejam presentes na maioria dos roteiros de leitura, basicamente por nossa
15
avaliação de importância em relação ao cenário do jornalismo contemporâneo e às
transformações que vem sofrendo.
A esse conjunto propomos também três apêndices que contribuem para o
quadro que desejamos traçar. No apêndice A resumimos os resultados de uma pesquisa
feita em nossa cidade sobre o impacto das tecnologias nas redações que, apesar de não
ter abrangência nacional, traz indícios de que tanto jornalistas, gestores e profissionais
de TI, ligados aos veículos de mídia, pensam sobre as transformações das novas
tecnologias e têm o desejo de experimentá-las e operá-las de forma mais efetiva, até
como fator para a manutenção da empregabilidade. No apêndice B fazemos um breve
resumo das teorias clássicas da difusão de inovações, para que o leitor possa também
utilizar esse pensamento para avaliar as possibilidades e chances de adoção que tais
tendências podem conseguir quando incorporadas ao fazer jornalístico. Por fim, no
apêndice C temos um texto escrito há um certo tempo sobre o conceito de ciberespaço,
elemento chave em muitas das discussões deste livro, que ainda não tinha tido a
oportunidade de ser publicado.
Esperamos que com este material possamos contribuir com um olhar que de
certa forma não parece estar nem no campo das Ciências Exatas nem totalmente
integrado ao material tradicionalmente produzido na Comunicação. O olhar do mestiço
que por suas origens nunca é totalmente aceito nos grupos previamente definidos,
pagando normalmente um preço alto por isso, mas que, em compensação, às vezes,
consegue perceber e visualizar paisagens que, na hibridação das diferenças, podem
oferecer também beleza e utilidade, como nos breves momentos de transição entre o dia
e a noite, no limiar entre a luz e a escuridão.
16
PARTE I
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
17
CAPÍTULO 1
FILOSOFIA DA TECNOLOGIA
18
Antes do século XX, Bacon, Marx e alguns poucos abordaram a questão da tecnologia,
muitas vezes de forma periférica.
Para que as afirmações anteriores tenham sentido é importante ressaltar as
diferenças entre técnica e tecnologia. Enquanto a primeira já fazia parte das discussões
dos filósofos gregos, a última efetivamente começa a constituir-se, ainda que de forma
embrionária, no Renascimento, a partir da junção da ciência aplicada e do objetivo,
naquele momento, cada vez mais claro, de dominar a natureza a partir da razão.
Para entender a diferença é preciso voltar cerca de cinco séculos antes da era
cristã. A tekhnè dos gregos, segundo Lemos (2002), estava intimamente ligada às ações
práticas cobrindo uma ampla faixa de atividades que iam dos ofícios mais simples
baseados em trabalhos manuais até as artes e a medicina. Era tekhnè, portanto, tudo
aquilo produzido pela ação do homem em contraponto ao que era gerado pela natureza.
Essa primeira dicotomia na Grécia de Platão e Aristóteles trazia um julgamento
de valor bem definido: o fazer da natureza era superior porque permitia a possibilidade
de gerar a si mesmo, de atravessar a fronteira entre a ausência e a presença, de forma
independente. A herança divina, por isso mais pura, fazia da physis o princípio da
geração das coisas naturais, superior à tekhnè, sempre algo inferior, sem a capacidade da
auto-poièses, ou seja, da autorreprodução.
A essa diferença Platão ainda acrescentou a ideia de que a contemplação e a
atividade do pensamento, da busca pelo conhecimento e pela compreensão do mundo,
eram as mais nobres possibilidades dadas aos humanos. As atividades práticas, segundo
ele, eram inferiores, provavelmente decretando a primeira cisão entre a mão e o cérebro
que Sennett (2009), mais de dois mil anos depois, vai desenvolver a partir da análise
histórica do trabalho artesanal, pensando, com base nos conceitos de Hannah Arendt4, a
diferença entre o Animal Laborens, aquele a quem interessa apenas o como, e o Homo
Faber, o que pensa no porquê.
As premissas dos gregos provavelmente têm seu reflexo até hoje no conceito
ainda difundido de que as atividades manuais ou artesanais são menos importantes.
Entretanto, Sennett (2009) também nos lembra que é no início da história humana que
encontramos o mito de Hefesto, o deus dos artífices, aquele que ensinou ao homem o
uso das ferramentas, tirando-o do caos e da vida nômade, possibilitando o início da
4 Sennett é discípulo de Arendt mas questiona a visão dela sobre a questão da tecnologia e a divisão
proposta entre animal laborens, o trabalhador braçal condenado à rotina, e o homo faber, superior ao
primeiro, consciente da vida em comunidade, que é capaz de discernir sobre seus próprios atos e procurar
soluções melhores.
19
civilização. O fazer humano, se não tinha o dom de se autocriar, tinha sim já o poder da
transformação, de alterar o que era tácito e natural. Hefesto traduzia uma possibilidade
humana associada aos ambientes digitais: a agência5.
Se as origens da técnica repousam na antiguidade, o conceito de tecnologia
veio bem depois. Ensina-nos Lemos (2002) que a tecnologia é a técnica moderna, muito
distante do imaginário da antiguidade e liberta dos seus laços com o divino. Pelo
contrário, é a técnica que, baseada na razão e no desenvolvimento científico, na física
newtoniana, na matemática cartesiana e no empirismo, transforma a natureza em
“objeto de livre conquista” (LEMOS, 2002, p. 45).
Para Rüdiger (2007, p. 175), “a técnica é, em essência, uma mediação do
processo de formação da vida humana em condições sociais determinadas”. Já a
tecnologia é
5 A capacidade de agirmos ou exercermos nossa própria vontade nos ambientes digitais. De certa forma
um conceito ligado ao de interatividade. Ver Murray (2003).
20
gerada pelo desenvolvimento industrial6 e a manipulação genética com a possibilidade,
mesmo que teórica, da clonagem de seres humanos que esse cenário começou a mudar e
a produção teórica sobre uma Filosofia da Tecnologia passou a tomar corpo.
A intensidade e a velocidade das mudanças econômicas e sociais nas últimas
décadas, de alguma forma, ligadas ao desenvolvimento tecnológico, deram a esse
campo um interesse com crescimento exponencial e uma diversidade de correntes e
enfoques.
As possibilidades vão do determinismo tecnológico e sua versão radical da
tecnologia autônoma de Ellul (1968), que de forma geral coloca os homens à mercê da
tecnologia, até versões opostas, como as que pregam a construção social da tecnologia,
definida não por parâmetros fora do controle humano mas, pelo contrário, a partir da
interação de vários grupos de interesse que definem as linhas gerais do seu
desenvolvimento.
Nomes como Heidegger, Arendt e Marcuse representam uma visão crítica do
problema, com escritos nem sempre de fácil leitura. Segundo Dusek (2006), há
variações para todos. Linguistas anglo-americanos, neo-marxistas, fenomenologistas
europeus, existencialistas, hermeneutas, representantes do pragmatismo americano e
filósofos pós-modernos como Deleuze, Virilio e, mais recentemente, Bruno Latour,
focalizaram seus olhares sobre a relação entre o homem e a tecnologia, transformando
uma temática pouco valorizada em algo com uma centralidade quase inevitável.
Em 1976 foi fundada a Sociedade para a Filosofia e a Tecnologia (SPT),
segundo sua própria página pública na internet7, uma organização internacional
independente que estimula, dá suporte e intermedia discussões filosóficas relevantes
sobre tecnologia.
As possibilidades de pensar as relações entre sociedade e tecnologia deram
origem a novos campos como o que hoje conhecemos como STS (Science and
Technology Studies). Nele, pensadores como Castells (1999) e Andrew Feenberg (2002)
têm se dedicado a formular um cenário compatível com os desafios de estudar uma
relação obviamente multifacetada e complexa.
Em sua crítica às visões simplistas sobre o papel da tecnologia no mundo de
hoje, Feenberg propõe-nos, inicialmente, uma espécie de mapeamento das posições
6 Em janeiro de 2013 a poluição em Pequim chegou a 25 vezes do valor máximo aceitável ao ser
humano, gerando inclusive um protesto que se constituía na venda de latinhas de ar na cidade. Edição do
Jornal Nacional – TV Globo – 29/01/2013.
7 <http://www.spt.org/>.
21
normalmente apresentadas e a partir delas tenta incorporar questões como democracia,
poder e liberdade, como fatores também importantes a considerar nas discussões dos
STS.
Na cartografia de Feenberg das sociedades modernas a tecnologia ocupa um
lugar de destaque entre as fontes de poder que se articulam no meio social. Para ele, as
decisões políticas que definem muitos dos aspectos da nossa vida cotidiana são
direcionadas pela influência dos controladores dos sistemas técnicos, sejam eles das
grandes corporações, militares, ou de associações profissionais de grupos como físicos,
engenheiros e, mais recentemente, poderíamos sugerir também desenvolvedores de
software.
Ao fazer tal constatação o autor remete-se ao pensamento de Marx que já no
século XIX criticava a ideia de que a economia pudesse ser apenas regida por fatores
extrapolíticos, através de leis naturais com a da oferta e da procura. Do mesmo modo,
imaginar o papel da tecnologia sem avaliar as diversas relações que ela estabelece com a
sociedade pode implicar em uma visão reduzida do problema.
Em um caminho semelhante à crítica marxista de uma economia regulada por
uma ordem natural e inexorável, Feenberg relativiza a racionalidade da tecnologia a
partir da constatação de que sua gênese e desenvolvimento acontecem no mundo dos
homens e, por isso, também são influenciados por ele.
8 “Technical creation involves interaction between reason and experience. Knowledge of nature is
required to make a working device. This is the element of technical activity we think of as rational. But
the device must function in a social world, and the lessons of experience in that world influence design.”
(Tradução do autor).
22
Nas últimas quatro décadas, os processos de digitalização e convergência
receberam crescente atenção das mais diversas áreas do conhecimento, tendo em vista
sua inegável interferência nas atividades humanas.
Das redes sociais à cibercultura, dos games online ao capital globalizado e suas
bolhas, dos ambientes virtuais aos avatares e entes digitais; um movimento de
desmaterialização, de descolamento entre representados e representantes parece estar
em andamento com ritmo acelerado. As discussões sobre esse aspecto da cultura atual
remontam ao final do século XX, em autores como Baudrillard, Jameson e Eco, entre
outros. Se é intensa a movimentação sobre as iniciativas de compreender tais processos,
também é possível notar que uma espécie de movimento contrário, de retorno ou busca
da dimensão material da existência, tem se manifestado em autores ou pesquisadores
contemporâneos que nos falam de indícios desse caminho, mesmo nos dias de hoje em
que estamos tão inseridos nas categorias e desdobramentos do que se considera virtual,
como em Benedikt (1991), Bricken (1990), Cohen (2007), Leão (2003), Macey (2000),
Punday (2000), Santaella (2003; 2004) e Stockinger (2001).
É óbvio que questões ligadas à materialidade são muito anteriores, entretanto,
para o presente trabalho, serão pensadas no horizonte temporal definido no início do
texto e relacionadas aos processos desencadeados pela convergência entre máquinas de
numerização e máquinas de representação, a trajetória que Manovich (2001) descreve
com detalhes mostrando como as tecnologias da informação e da comunicação uniram-
se, depois de décadas em trajetórias paralelas, constituindo, por fim, o atual cenário do
que se convencionou chamar de sistemas midiáticos digitais.
Don Ihde (2009), no texto que abre a coletânea “New Waves in Philosophy of
Technology”, faz um breve resumo sobre as diversas gerações de filósofos que se
dedicaram ao tema. Comentando a nova geração de autores do livro que apresenta, Ihde
fala sobre os principais traços que identifica no pensamento contemporâneo ali
representado.
A principal característica apontada é um aprofundamento em direção a uma
visão mais pragmática e empírica, a partir da análise do que ele chama de tecnologias
concretas. Esse direcionamento já havia sido tomado por sua própria geração, que
incluía entre outros, Albert Borgmann, Hubert Dreyfus, Andrew Feenberg, Donna
Haraway e Langdon Winner.
Para Ihde, as gerações anteriores a dele traziam a marca de uma forte divisão
entre visões utópicas e distópicas sobre a relação entre tecnologia e sociedade, bem
23
como o fato de enfrentarem o tema normalmente a partir de abordagens mais
metafísicas onde, em muitos trabalhos, pairava a sombra da ameaça tecnológica às
formas tradicionais da cultura e à própria humanidade.
A figura de Heidegger é destacada, representando o pensamento que superou a
divisão geracional proposta, apesar das ressalvas de que, sem perder a importância, o
sentido de suas palavras e, principalmente, suas conclusões também foram relativizadas
à medida que o tempo passou.
Nas imbricações entre tecnologia, comunicação e filosofia é possível
identificar essa preocupação com o tangível aos sentidos de forma explícita ou indireta.
Entre as muitas possibilidades, três autores que abordam a questão com estratégias e
intenções diferentes serão aqui destacados por falarem sobre o que talvez não seja uma
reação a algo oposto, mas sim a representação dialética do mesmo fenômeno.
De um lado a existência humana e sua indissolúvel relação de mútuas
influências com a técnica que molda o mundo e torna-se ferramenta para que possamos
operar sobre ele e, do outro, o lado humano que permanece conectado sem a mediação
da máquina e insere-nos naquilo que chamamos de real.
Por fim, Idhe aponta também como traço da nova geração de filósofos da
tecnologia um endereçamento à questão da materialidade e seus desdobramentos. Por
isso, no texto que segue, faz-se uma tentativa de encontrar possíveis pontes ou conexões
entre o pensamento de três autores que não estão nas listas tradicionais dos filósofos da
tecnologia e muito menos nas dos que representam juntos alguma corrente de
pensamento.
Apesar disso, e muito mais ligados à Comunicação e às Humanidades de forma
geral, Marshall McLuhan, Hans Ulrich Gumbrecht e Richard Sennett trazem-nos
questões que, ao nosso modo de ver, podem colaborar com as discussões da Filosofia da
Tecnologia e com a geração que Idhe (2009) nos apresentou.
24
Com o advento da internet, o trabalho de McLuhan tem sido recuperado com
olhares mais atentos e agora, a partir de um cenário midiático complexo, volta a ser
retomado com interesse por muitos pesquisadores que têm entre os seus objetos os
meios de comunicação e suas relações com os homens e a cultura.
Se existe algum determinismo no pensamento de McLuhan este encontrar-se-á
não nos objetos tecnológicos, mas no sistema nervoso humano, nos mecanismos de
percepção que a neurociência, muitos anos depois da publicação dos principais textos
do autor, ainda trabalha para desvendar.
Em alguns trechos de sua obra a conexão não mediada do aparelho sensório
humano e sua forma de reagir aos estímulos determinam o que conhecemos por
realidade e, portanto, altera-se quando algo se interpõe, “... a racionalidade ou
consciência é, em si mesma, uma ratio ou proporção entre os componentes sensórios da
experiência e não algo que se acrescenta a essa experiência” (MCLUHAN, 2007, p.
132).
É por tais declarações que McLuhan é nosso primeiro caminho no retorno ao
sensível já que, para ele, os meios são tradutores, instrumentos de conexão com a
realidade material, extensões de nós mesmos. Como um precursor de muitas ideias, o
autor recoloca a questão da materialidade na época diminuída pela preocupação com os
conteúdos e seus significados.
Para McLuhan, mais importante do que as mensagens eram os meios e suas
relações com o ser humano no nível do sistema nervoso, em uma espécie de mecanismo
construtor de mundos, anterior à interpretação pela razão.
25
Se em McLuhan não há efetivamente um retorno à materialidade e sim uma
antecipação das questões que agora ganham vulto, em Gumbrecht há uma explícita
intenção de questionar a interpretação, por consequência, a hermenêutica e a
superioridade da razão humana capaz de apreender e organizar o mundo, aprofundando-
se em questões que apenas se iniciam na materialidade e que logo devem ser levadas
adiante e para bem longe do corpo e do sensorial.
Em sua proposição de um campo não hermenêutico, Gumbrecht (1998)
argumenta que o primado da razão foi abalado pelo que muitos autores chamam de
condição pós-moderna, caracterizada por processos de destemporalização,
destotalização e desrreferencialização.
Utilizando a semiótica de Hjelmslev, o autor vai afirmar a inviabilidade atual
das Ciências do Espírito – Geisteswissenschaften – como preconizadas por Dilthey e
principalmente por Heidegger.
É para enfrentar esse problema que Gumbrecht propõe o que chama de campo
não hermenêutico, conceito que vai elaborar melhor posteriormente em outra obra
(GUMBRECHT, 2004), propondo a dicotomia entre produção de sentido e produção de
presença, em uma estruturação menos radical que não exclui a interpretação, mas a
equilibra com processos direcionados à apreensão direta pelo corpo e pelos sentidos.
De Hjelmslev, o autor importa a oposição conceitual básica entre expressão – o
significante – e conteúdo – o significado – acrescentando a isso uma segunda divisão
entre forma e substância.
É na área da expressão e, principalmente, em suas formas que Gumbrecht foca
seu interesse, justamente por sua característica material, na materialidade do
significante, antes menos valorizada.
Para sustentar seu pensamento, Gumbrecht retoma o trabalho de Paul Zumthor,
interessado nas qualidades da voz humana, e de Friedrich Kittler que tenta conectar a
materialidade dos meios de comunicação e dos movimentos corporais impostos por
eles, expandindo a temática antecipada por McLuhan e indicando o caminho que será
aprofundado por nosso próximo autor, Sennett.
26
Para a compreensão dos termos produção de presença e produção de sentido,
Gumbrecht, inicialmente, lembra-nos da etimologia do termo produção e sua raiz latina
producere que quer dizer trazer à frente, destacar.
Assim, na produção de sentido é destacada a interpretação e seus processos,
enquanto na produção de presença, é a materialidade que toma a frente. “O que esse
livro por fim defende é uma relação com as coisas do mundo que oscila entre efeitos de
presença e efeitos de sentido. Efeitos de presença, entretanto, exclusivamente
direcionados aos sentidos” (GUMBRECHT, 2004, p. 15).
Em outro trecho do seu trabalho Gumbrecht (2004, p. 15) diz:
9 “While modern (including contemporary) Western culture can be described as a process of progressive
abandonment and forgetting of presence, some of the “special effects” produced today by the most
advanced communication technologies may turn out to be instrumental in reawakening a desire of
presence.” (Tradução do autor).
27
eficiência, cega o bastante pelos seus objetivos, a ponto de destruir tudo mais ao seu
redor. “A tese que sustentei neste livro é de que o ofício de produzir coisas materiais
permite perceber melhor as técnicas de experiência que podem influenciar nosso trato
com os outros”. (SENNETT, 2009, p. 322)
Sennett procura construir um conceito de ética próprio, capaz de mudar o
ambiente social, como o artífice transforma os materiais em que trabalha. Uma proposta
que resgata o demioergos do hino a Hefestos, uma espécie de produtividade centrada
não em si mesma, não instrumental, mas sim coletiva, cidadã, uma visão da técnica
reconciliada com a sociedade.
O autor parece também propor esse retorno à apreensão do mundo de forma
direta e não tão somente mediada pelos sistemas de signos e linguagens que fomos
construindo ao nosso redor.
Sennett pretende sentir o mundo de um jeito novo. Mas, para tanto, o mundo
tem que possibilitar esse contato, essa resistência, esse potencial de modelagem que não
aceita tão facilmente a intenção do operador. Algo que só a materialidade pode oferecer
e que só o caminho do artífice, com sua escolha pela precisão e pela paciência tem a
chance de enfrentar.
Diz Sennett (2009, p. 19) que o artífice é aquele que alimenta “[...] o desejo de
um trabalho benfeito por si mesmo.” É assim que ele define a habilidade artesanal
completando que esta “[...] abrange um espectro muito mais amplo que o trabalho
derivado de habilidades manuais; diz respeito ao programa de computador, ao médico e
ao artista.” (SENNETT, 2008, p. 19).
Diante da resistência do objeto do seu trabalho, o artífice molda sua
transformação trilhando um caminho que representa uma linha tênue entre a técnica e a
arte. Do contato da mão com o mundo e da conexão da mesma com a mente surge a
força que altera a matéria, que a organiza e a faz melhor. “Todo bom artífice sustenta
um diálogo entre práticas concretas e ideias; esse diálogo evolui para o estabelecimento
de hábitos prolongados, que por sua vez criam um ritmo entre a solução de problemas e
a detecção de problemas.” (SENNETT, 2009, p. 20).
Sua filiação intelectual a Hannah Arendt guia seus passos em direção a essa
ética particular que na simplicidade do trabalho do artífice tem objetivos muito maiores.
28
dentro para fora e reconfigurar o mundo material através de um lento
processo de metamorfose (SENNETT, 2009, p. 327).
29
preditivas e prescritivas, no desenvolvimento de artefatos com utilidade e relevância
social10.
O conceito de agência
10
Para mais detalhes sobre a DS ver Simon (1996) e Dresch, Lacerda e Antunes Júnior (2015).
30
No mundo contemporâneo, impactado pelos efeitos das tecnologias de
informação e comunicação, o desejo de interação com o mundo e o outro parece ser
cada vez mais considerado como um valor ou objetivo a ser alcançado. Os pensadores
que listamos antes trazem-nos possíveis caminhos para compreender a importância cada
vez maior dada a essa tendência.
31
CAPÍTULO 2
32
Além disso, o pensamento comunicacional do ambiente digital reforçou
iniciativas internas como a Media Ecology, oriunda da tradição dos estudos com ênfase
nos meios, anteriores inclusive ao advento da popularização dos computadores.
11 Tradução do autor.
12 A ideia de transposição de conteúdos é explorada no webjornalismo por Mielniczuk (2001) e outros.
13 Apesar de ser um tópico que foge ao escopo deste texto, é importante observar que, apesar do processo
de digitalização ser aparentemente muito mais frequente e intenso nos dias de hoje do que o caminho
inverso, qualquer conteúdo midiático digital vai ser percebido pelo aparelho sensório humano através de
uma “desdigitalização”, ou seja, para ouvir o áudio mp3 os fones ou caixas de som terão que converter a
energia elétrica do circuito digital em energia sonora ou cinética, para que suas membranas de vibração
possam posteriormente estimular o tímpano humano, que, por sua vez, encaminhará as vibrações para
serem decodificadas no cérebro. Nesse caso, as conversões em formas energéticas diferentes vão tentar
preservar a ordem, a sintaxe interna da música ou mensagem sonora que está sendo transmitida, lidando
com os efeitos da redundância e entropia relativos a esse processo. Como um texto introdutório à
angulação no estudo de fenômenos passíveis de análise pela teoria da informação ver Epstein (1986).
33
origem em outros campos e têm sido adaptados para a internet e as redes sociais. A
netnografia ou etnografia virtual, os questionários aplicados via e-mail, as entrevistas
mediadas pelo computador e pelas redes são algumas das formas adaptadas, diferentes,
por exemplo, da mineração e raspagem de dados (data mining e scraping), do acesso
direto às APIs14 das plataformas de mídia social, da utilização de métricas com o Page
Rank15 ou de ferramentas como Open Refine16 para, respectivamente, coletar, classificar
e organizar dados. A proposta pretende “reorientar o campo da pesquisa relacionada
com a internet estudando e adaptando o que chamo de métodos do meio, ou talvez de
forma simplificada, métodos inseridos nos objetos digitais (ROGERS, 2013, E-
book)”17.
Assim, este capítulo é o recorte de um projeto que se propõe a: aprofundar a
compreensão dos problemas gerados pelo processo de digitalização; utilizar e aprimorar
ferramentas, técnicas e metodologias que considerem as características específicas dos
objetos digitais (o que detalharemos a seguir como uma ontologia específica); avaliar as
implicações do digital nas fases de coleta, análise e difusão de dados, de forma a
integrar um caminho teórico para avaliar esses problemas; que se constituiria em uma
epistemologia especializada para a Comunicação Digital.
34
permanente, verdadeiro e eterno que eles denominavam de physis, surgem a metafísica
de Aristóteles, a physica e a matemática gregas, com a aritmética e a geometria.
35
acreditam, como percebem o ambiente em que estão e que forças os movem nos dias de
hoje? Diante da enorme lista de possibilidades, talvez seja viável indicar que um mundo
hiperconectado, regido pelos velozes fluxos de informação que trafegam em redes
digitais, impactando ciência, economia, política, cultura, crenças e comportamento
humano, seria um dos itens da complexa metafísica do século XXI.
O conceito de sociedade informacional de Castells, de certa forma,
corrobora tal visão. “Uma revolução tecnológica concentrada nas tecnologias da
informação começou a remodelar a base material da sociedade em ritmo acelerado”.
(CASTELLS, 1999, p. 39).
Um aspecto interessante sobre essa linha de pensamento traduz-se no fato de
que a transformação material de que nos fala o autor está intimamente ligada ao advento
dos processos de digitalização, pelos quais grande parte da produção de sentido humana,
antes dependente dos suportes materiais para seu registro, torna-se agora uma enorme
massa de informação numérica, traduzida em sequências de 0 (zero) e 1 (um),
processadas de forma automatizada e, por muitas vezes, totalmente transparente ao
entendimento comum, fluindo ao nosso redor, sem que saibamos direito o que
realmente está acontecendo.
Seguindo a construção dessa metafísica do mundo digital contemporâneo é
necessário um esforço adicional para compreensão dos seus elementos constituintes, dos
entes que sustentam sua existência, bem como nas formas e métodos para que possamos
estudá-los e entendê-los. Ao digital caberiam, portanto, ainda que de forma restrita ou
especializada, uma ontologia e uma epistemologia capazes de ajudar-nos na descrição
do mundo que nos rodeia.
A utilização de uma abordagem ontológica para enfrentar problemas que
envolvem situações complexas é sugerida por Vieira (2008) quando afirma que
O próprio termo “ontologia” precisa ser aqui melhor explicado, mesmo que
de forma resumida e apontando mais especificamente para a aplicação que daremos a
ele neste texto.
A raiz “ont(o), do grego ón óntos, ser, ente, indivíduo, que se documenta em
vocábulos formados na linguagem científica internacional a partir do século XIX”
36
(CUNHA, 2007, p. 561) implica um interesse pela “exposição ordenada dos caracteres
fundamentais do ser que a experiência revela de modo repetido e constante”
(ABBAGNANO, 2007, p. 848).
Assim, Vieira afirma que “uma das vantagens da prática ontológica é que,
ao lidarmos com traços muito gerais das coisas, podemos utilizar os mesmos para fazer
comparações e conexões inter e transdisciplinares” (VIEIRA, 2008, p. 26).
O trabalho de Manovich (2001), no intuito de descrever as características
dos objetos digitais, dentro da discussão que trava sobre a dificuldade teórica em
delimitar novas e velhas mídias, parece-nos oferecer, ainda que o autor não use os
termos diretamente, uma proposta que nos aproximaria de uma ontologia dos entes
digitais.
Para Manovich (2001), os objetos digitais apresentam cinco traços ou
características que podem ou não estar presentes simultaneamente em sua existência, a
saber: descrição numérica, modularidade, automação, variabilidade e transcodificação.
A descrição numérica indica, como já citamos, que os objetos digitais
constituem-se no final das contas de sequências de números, podendo, por isso, sofrer
muitas das transformações que se aplicam a essa categoria, entre elas a possibilidade de
replicação idêntica, desde que a nova sequência mantenha a estrutura e a ordem original
da primeira. A transformação na indústria das gravadoras, definitivamente impactada
pelo consumo da música digital, é apenas um dos possíveis exemplos das consequências
da descrição numérica que poderíamos citar.
A modularidade nos termos de Manovich descreve os objetos digitais como
compostos de partes que podem ser arranjadas de diversas formas, sem que cada parte
ou módulo perca sua identidade original. Ao visitarmos a página de um site na internet
não estamos vendo a imagem de um único elemento completo, mas sim o resultado da
construção feita pelo browser18 a partir de diversas partículas de informação, os
pequenos arquivos enviados pelo servidor onde o site está hospedado. Esses são
agrupadas e estruturadas pela ordem descrita no código da programação HTML
(HiperText Markup Language) que define onde e de que jeito cada texto, foto, título,
vídeo, ou o que mais a página possua, vão estar.
18 Browser é uma categoria de software que age como um cliente de internet solicitando conteúdo aos
servidores da rede e organizando os elementos recebidos nas páginas que visitamos em nossa navegação
pela web.
37
A partir das duas primeiras características, as duas seguintes estabelecem-se
como consequências. Se podemos aplicar operações ou transformações matemáticas
sobre os objetos e recombiná-los em diversas configurações, porque são compostos de
forma modular, podemos também programar as ações e automatizar parte delas, para
que possam ser realizadas de forma transparente, sem que o usuário sequer perceba o
que está acontecendo. A automação permite que, ao apertar a tecla ENTER do
computador, uma grande quantidade de linhas de código de programação seja executada
e algo novo aconteça na tela, sem que seja necessário ser programador ou entender que
processos estão por trás dessa ação.
Para Manovich, as diversas possibilidades de combinação entre esses
elementos fazem com que eles também reajam de forma diferente a partir de contextos
ou situações distintas. A ideia de interatividade seria para o autor uma forma de
expressão da variabilidade dos objetos digitais, adaptáveis, programáveis e
recombináveis oferecendo aos usuários novas formas de contato e fruição. A não
linearidade das narrativas construídas a partir de hiperlinks ou a imersão que um game
oferece são bons exemplos do que o autor entende como variabilidade.
Por fim, a quinta característica será a que nos vai oferecer a base para dar
sequência ao tema que nos propomos abordar. Em termos simples, através do que ele
denomina de transcodificação, cada objeto digital é constituído de duas camadas ou
layers, uma utilizada para carregar o sentido a ser interpretado e processado pelos
humanos, a camada da representação, que nos oferece o material para que possamos
lidar com tal objeto. Entretanto, pela transcodificação existe ainda uma segunda
camada, que também descreve ou traz informações sobre o objeto, só que para o
processamento maquínico, automatizado, o layer dos dados estruturados que os
computadores entendem e que é usado para fazer esse objeto trafegar pelas redes
digitais.
38
Figura 2: Imagem do site do LABCOM/UFMA (www.labcomufma.com) com seu respectivo código
HTML aparente. Fonte: Do autor
39
Por exemplo, varredura e extração de dados, inteligência coletiva e
classificações baseadas em redes sociais, ainda que de diferentes gêneros e
espécies, são todas técnicas baseadas na internet para coleta e organização de
dados. Page Rank e algoritmos similares são meios de ordenação e
classificação. Nuvens de palavras e outras formas comuns de visualização
explicitam relevância e ressonância. Como poderíamos aprender com eles e
outros métodos online para reaplica-los? O propósito não seria tanto
contribuir para o refinamento e construção de um motor de buscas melhor,
uma tarefa que deve ser deixada para a Ciência da Computação e áreas afins.
Ao invés disso o propósito seria utiliza-los e entender como eles tratam
hiperlinks, hits, likes, tags, datestamps e outros objetos nativamente digitais.
Pensando nesses mecanismos e nos objetos com os quais eles conseguem
lidar, os métodos digitais, como uma prática de pesquisa, contribuem para o
desenvolvimento de uma metodologia do próprio meio (ROGERS, 2013, E-
book).19
19 Tradução do autor.
40
Segundo dados do Twitter amplamente repercutidos na mídia20, o debate no
SBT entre os candidatos à Presidência da República no segundo turno, que aconteceu
no dia 16 de outubro de 2014, teve mais de 550 mil publicações na plataforma e pico de
9.535 tweets por minuto (TPMs), quando, no final do programa, a candidata Dilma
Rousseff passou mal e foi ajudada por uma repórter.
Em uma situação assim, o que seria possível extrair da massa de conteúdo
com análises que considerassem 10, 100, 1.000 ou 10.000 tweets? E como fazer isso no
caso das amostras maiores?
São situações assim que exigem a incorporação de métodos que considerem
as características inerentes aos objetos digitais, entre elas a transcodificação nos termos
de Manovich. Como veremos a seguir, uma alternativa viável, para casos onde os dados
são gerados dentro de uma plataforma de mídias sociais como o Twitter, é o contato
direto com os servidores que a sustentam ou, em termos técnicos, a utilização da sua
API (Application Programming Interface) para realizar consultas e extração de
informação a partir do layer da máquina.
20 <http://oglobo.globo.com/brasil/debate-entre-presidenciaveis-gera-mais-de-550-mil-tweets-
14280643>.
41
O contraponto dessa forma de pesquisa é justamente a dificuldade de
estabelecer padrões mais gerais. Em muitos casos, as estratégias de amostragem não são
probabilísticas e, por isso, oferecem potencial reduzido de gerar inferências.
Longe estamos aqui de fazer críticas a essa forma de pesquisa que em
muitas situações é amplamente justificável e até, em alguns casos, a única alternativa
viável. Mesmo assim, a restrição existe e nos ambientes digitais pode ser agravada,
gerando um distanciamento entre resultados e procedimentos científicos, levando às
vezes ao caminho de um questionável ensaismo, como exemplifica Machado (2012).
As abordagens quantitativas que utilizam procedimentos estatísticos e
estratégias de amostragem probabilísticas oferecem, ao contrário, maior potencial de
extração de inferências e suporte mais sólido à identificação de padrões e tendências
diante de universos maiores. Ao mesmo tempo, sofrem da falta de aprofundamento na
compreensão do nível individual tendo seus resultados criticados justamente por
reduzirem a complexidade humana a modelos extremamente simplórios.
De novo, cada pesquisa tem seus objetivos e para atingi-los percorre o
caminho que cada pesquisador considera mais viável e efetivo para alcançá-los.
Entretanto, considerando o ambiente digital e suas características, nossa proposta
epistemológica baseada em uma ontologia específica dos objetos estudados pretende
minimizar as consequências das duas abordagens expostas à medida que, com os
métodos digitais, pretende olhar para as duas camadas de que são constituídas,
extraindo dados de ambas, dentro do possível, e ainda considerando as inter-relações
que estabelecem entre si.
42
O deslocamento da curva epistêmica com a inclusão dos métodos digitais
que permitem a coleta de dados do layer da máquina oferece ao pesquisador a
possibilidade de operar com amostras maiores e ainda ter um potencial de
aprofundamento considerável. Um exemplo seria coletar grandes massas de tweets e
ainda poder analisar o conteúdo das mensagens através de ferramentas específicas como
o NLTK Natural Language Toolkit21.
21 <http://www.nltk.org/>.
43
anteriormente, uma série de técnicas, como a mineração de dados, a extração direta de
informações a partir das APIs das plataformas de mídias sociais, o desenvolvimento de
códigos customizados para coleta e análise de material são apenas algumas
possibilidades.
Tais soluções oferecem uma espécie de escala de utilização como
representada no gráfico abaixo:
Gráfico 3: Representação da escala de utilização dos métodos digitais. Fonte: Elaborado pelo autor.
22 <https://www.google.com/alerts>.
44
Rogers (2013) lista algumas categorias ou questões que potencialmente são
objetos (classes de problemas) a serem abordados pelos métodos digitais. Entre eles
podemos citar:
45
Etapa 2 – Formatar a consulta ou requisição de dados alinhada ao tipo de repositório
onde eles se encontram de acordo com as opções acima.
Etapa 3 – Analisar os dados coletados a partir do processamento possível partindo do
que foi efetivamente conseguido. Nesta fase, dificilmente encontramos as informações
organizadas do jeito ideal e ferramentas como o Open Refine e outras semelhantes
podem nos ajudar na “limpeza” e organização da massa bruta que recebemos para
transformá-la em algo efetivamente útil para responder às nossas questões de pesquisa.
46
Figura 3: Representação das pontes de Königsberg e o grafo de Euler simplificando o desenho. Fonte:
Barabási (2009).
23
Grafos são representações visuais das redes que mostram seus nós e conexões.
24 Plataformas de mídias sociais são “ferramentas online que dão suporte à interação social entre
usuários.” (Tradução do autor). (HANSEN, SHNEIDERMAN, SMITH, 2011, p.30).
47
Nas Ciências Sociais, em muitos trabalhos, assume-se que as pessoas agem
e tomam decisões de forma individualística, sem observar o comportamento de outros
atores, considerando basicamente seus atributos pessoais e não os diversos contextos de
interação em que estamos inseridos.
Na ARS, ao contrário, é destacado o aspecto da influência recíproca entre os
atores que estão conectados por algum tipo de relação para que se possa entender o
comportamento de cada um. “Central para a agenda teórica e metodológica da ARS é
identificar, medir e testar hipóteses sobre as formas de estruturação e conteúdo das
relações entre atores” (KNOKE; YANG, 2008, p. 4)
Muitos autores concordam que o trabalho do psiquiatra Jacob Moreno,
considerado o fundador do campo denominado Sociometria, foi fundamental para o
desenvolvimento da ARS. Segundo Prell (2012), utilizando grafos que chamava de
sociogramas, Moreno começou a fazer o mapeamento de relações sociais simples nos
anos 30, trabalho que ele consolidou cerca de 20 anos depois em seu livro “Who Shall
Survive” de 1954.
Apesar de seus esforços, o fato de realizar toda a construção dos
sociogramas, bem como sua análise, sem qualquer recurso computacional, limitou
muito a aplicação das ideias de Moreno e sua linha de trabalho no período inicial. Foi
com a chegada dos computadores que a ARS reemergiu nos anos 60 e 70, nos padrões
que conhecemos hoje, a partir do desenvolvimento de pesquisadores ligados ao
departamento de Sociologia de Harvard que estabeleceram os conceitos iniciais da
metodologia bem como suas métricas de análise.
Figura 4: Exemplo de visualização de rede social gerada pela ferramenta NodeXL25. Fonte: Elaborado
pelo autor.
48
MBA – Modelagem Baseada em Agentes (Agent-Based Modeling)
49
representações simplificadas dos sistemas sociais a estudar, para com eles explorar de
forma mais eficiente sua complexidade e processos internos.
É preciso inicialmente afirmar que tal processo de modelagem implica em
uma simplificação do complexo objeto proposto, o que, mesmo assim, não deixa de
oferecer possibilidades de análise do problema; e tal procedimento não se trata de uma
exceção.
Tópico: Plataformas de Redes Sociais e conexão com suas APIs para coleta de dados
em grande volume
50
O trabalho tinha por objetivo avaliar a hipótese da plataforma Twitter ser
considerada um sistema de produção de notícias, em que usuários se comportariam
como produtores de conteúdo e audiência, constituindo uma rede onde informação e
atenção trafegam simultaneamente a partir das relações de interesse e filiação criadas
pelas categorias de seguidos e seguidores. Para isso, decidiu-se buscar no sistema algo
que fosse semelhante aos clássicos conceitos de valores-notícia ou critérios de
noticiabilidade. O experimento modelado fez medições da métrica tweets por minuto
(TPM) considerada como uma variável capaz de representar o interesse dos emissores
por determinados fatos ou temáticas e, daí, motivá-los a escrever sobre eles, como
jornalistas que consideram tais critérios também de forma intuitiva para decidir o que
vão publicar. Foi desenvolvido um código em linguagem Python, denominado Social
Tracker (ST), para coletar e analisar posts durante a transmissão do desfile das escolas
de samba do Carnaval do Rio de Janeiro de 2013 e verificar a variação dos TPMs de
acordo com o que estava acontecendo na transmissão. Mais detalhes em Santos (2013).
Figura 5: Imagem da resposta da API do Twitter recuperada por ST. Fonte: Santos (2013)
51
eminentemente teóricos. Tal procedimento que já é praticado por pelo menos duas
empresas americanas de inteligência artificial (Narrative Science e Automated Insights)
serviu de base para o desenvolvimento de um protótipo simplificado de código capaz de
escrever leads sobre os resultados do Campeonato Brasileiro de Futebol da Série A de
2013 a partir da extração automatizada dos dados sobre os resultados dos jogos
publicados no portal Terra. A ferramenta extraia apenas os gols das partidas e utilizava
as regras do próprio campeonato para inferir outras informações sobre a situação dos
times e, a partir da concatenação de listas de palavras, escrever pequenos textos para
publicação, como demonstrado em Santos (2014).
Figura 6: Tela do software com o lead construído a partir das informações lidas sobre o campeonato em
determinada rodada. Fonte: Santos (2014)
52
Language) para localizar e extrair elementos de interesse como links e imagens. A
coleta automatizada de dados, também conhecida como raspagem (scraping) ou
mineração, é um recurso cada vez mais comum no jornalismo investigativo e pode, no
caso do trabalho acadêmico, ser utilizada tanto para a execução de rotinas repetitivas,
permitindo ao pesquisador mais tempo para as tarefas de maior complexidade, como
para identificar padrões e tendências em grandes volumes de informação que, em
algumas situações, podem passar despercebidos no processo exclusivamente manual.
Nosso experimento inicial acessava o site conhecido como WaybackMachine ou
Internet Archive26 que se constitui de uma biblioteca digital de sites de internet.
Atualmente, já é possível acessar as versões das páginas iniciais arquivadas no
repositório e, a partir delas, analisar a evolução das versões, a intensidade e regularidade
das alterações e também as palavras ou termos mais utilizados ao longo do tempo.
Figura 7: Tela do Internet Archive com a marcação das versões arquivadas (399 entre 1997 e 2014) do
site da UFMA em suas respectivas datas no ano de 2007 que podem ser extraídas via código. Fonte:
Internet Archive (2014)
26 <https://archive.org/>.
53
Figura 8: Print do arquivo com a lista de links extraídos automaticamente para as páginas arquivadas.
Fonte: Elaborado pelo autor.
54
revisão dos métodos e pressupostos teóricos em que nos baseamos hoje para executar o
nosso trabalho. Não necessariamente destruindo o que se tem, mas permitindo que
novas espécies epistêmicas, híbridas ou totalmente novas, também possam surgir e
prosperar.
55
CAPÍTULO 3
[...] um agregado (m) de coisas (qualquer que seja a sua natureza) será um
sistema S quando por definição existir um conjunto de relações R entre os
elementos do agregado de tal forma que venham a partilhar propriedades P.
A vantagem dessa definição é que nos permite uma leitura direta da noção de
sistema a partir de um de seus parâmetros mais simples, a ideia de
composição, como expressa pela notação (m), o agregado que formará o
sistema. (VIEIRA, 2008, p.29)
56
elementos, bem como a integração de entes digitais compartilhando e interferindo na
massa de informação movimentada em seu funcionamento.
Figura 9: The structure of a society is connected to its total amount of information. Fonte: Mit Media Lab
(2011).
57
necessitam também de quadros teóricos interdisciplinares para que possam ser avaliados
de forma mais abrangente.
Uma das possiblidades teóricas disponíveis para enfrentar tais questões é a
Teoria das Redes embasada pelo que hoje chamamos de Teoria dos Sistemas
Complexos ou da Complexidade.
Uma definição tornou-se popular para traduzir o tema da complexidade: o
todo é diferente da soma das partes. A definição de Mitchell (2009) organiza o conceito
propondo que um sistema complexo é aquele em que
Hiperconectividade
Como descreve Barabási (2009), a ideia de que estamos próximos uns dos
outros mais do que imaginamos surgiu pela primeira vez em um conto do húngaro
Frigyes Karinthy, chamado Láncszemek (Correntes), publicado em 1929. Décadas
depois, em 1967, Stanley Milgram, professor de Harvard, realizou um experimento,
hoje clássico, com o objetivo de descobrir a “distância” entre duas pessoas quaisquer
nos Estados Unidos.
58
A questão balizadora do experimento era: quantos conhecidos são
necessários para conectar dois indivíduos selecionados ao acaso? Como
ponto de partida ele escolheu duas pessoas-alvo, a esposa de um estudante
graduado em teologia em Sharon, Massachusetts, e um corretor de ações em
Boston. Escolheu Wichita, em Kansas, e Omaha, em Nebraska, como pontos
de partida para o estudo [...]. O experimento de Milgram envolveu a remessa
de cartas a moradores aleatoriamente selecionados de Wichita e Omaha
pedindo-lhes que participassem de um estudo sobre o contato social na
sociedade americana (BARABÁSI, 2009, p. 25).
59
Voltando à nossa abordagem sistêmica, tratamos, portanto, de um sistema
que cresce exponencialmente aumentando a conectividade entre seus membros de forma
rápida, o que, pelo menos em tese, utilizando o exemplo dos recentes eventos de
manifestações nas ruas do país, poderia ser útil em qualquer tentativa de coordenação
para uma ação cívica ou política.
O contraponto da hiperconectividade pode estar em estudos como o de
Dunbar (1993) que propõe uma relação entre o tamanho do neocórtex cerebral e o limite
de relações sociais gerenciáveis por um indivíduo em um dado momento. Dunbar
sugere que o limite humano está em torno de 150 pessoas com quem poderíamos nos
relacionar socialmente.
Além disso, em um estudo da própria equipe do Facebook, divulgado por
Marlow (2009), fica claro que as relações entre membros são diferentes e podem ser
classificadas a partir do grau de intensidade, visualizado como abaixo pelos seus
padrões de comunicação. O número médio de conexões de um usuário do Facebook é
de 120 a 130, próximo ao limite de Dunbar.
Os grafos abaixo representam a mesma rede de um usuário do Facebook,
que vai sendo filtrada a partir da rede inicial que mostra todos os “amigos” listados em
seu perfil. Os grafos seguintes mostram apenas as pessoas com quem realmente esse
usuário mantém relações, as com quem se comunicou e, por fim, os diálogos, em que
houve mensagens e respostas.
60
Mayfield (2005) também sugere que as redes sociais sobrepõem-se
formando um ecossistema em camadas. A partir dos seus vínculos mais próximos
teríamos o que o autor denomina de rede de colaboração, com escala média de menos de
vinte pessoas. Daí, temos o nível do que ele chama de rede social, formada com número
médio de 150 indivíduos que se comunicam e que dão escala ao fluxo de informações.
Além dela, está a que ele define como rede política, formada a partir de todos os
desdobramentos das duas anteriores, com escala na faixa do(s) milhar(es), constituídos
por todos os que terão conhecimento do conteúdo publicado ou disponibilizado pelos
atores sociais das redes anteriores.27
Difusão acelerada
61
É importante ressaltarmos o termo “percebido”. Se a inovação é realmente
nova ou não, em termos do tempo que transcorreu entre o seu primeiro uso ou
descoberta, para Rogers, não tem tanta relevância como a percepção que o indivíduo
tem sobre o fato. Se a ideia parece nova para quem toma ciência dela (mesmo não
sendo), será uma inovação.
Se pensarmos, por exemplo, em um tipo de mensagem digital, o conteúdo
viral, como uma “novidade” que flui pela rede como uma espécie de inovação que as
pessoas escolhem ou não adotar, ou seja, passar adiante, será possível aplicar certos
modelos de difusão a esse objeto.
62
Figura 12: Gráfico S proposto por Ryan e Gross (1943) e sintetizado por Rogers (1995).
Desintermediação e Reintermediação
63
Essas novas práticas emergentes tem possibilitado um enorme sucesso em
áreas tão diversas como o desenvolvimento de software e reportagens
investigativas, vídeos de vanguarda e jogos online para vários jogadores.
Juntos elas sugerem a emergência de um novo ambiente informacional, onde
os indivíduos são livres para assumir um papel mais ativo do que era possível
na economia da informação industrial do século vinte. Essa nova liberdade
traz grandes possibilidades: como dimensão da liberdade individual, como
plataforma para melhor participação democrática, como meio para forjar uma
cultura mais crítica e uma crescente economia dependente da informação,
como um mecanismo para permitir avanços no desenvolvimento humano em
todo lugar (BENKLER, 2006, p.14).
28 Ver O'REILLY, Tim. "What Is Web 2.0 - Design Patterns and Business Models for the
NextGeneration of Software." O'Reilly Network: What is Web 2.0. 30 Sept 2005. O'Reilly Publishing. 09
Apr. 2006.
64
convencionais, contribuir para a constituição de um espaço público
democrático (MACHADO, 2001, p.5).
Formas de Difusão
65
Young (2009), discutindo modelos de difusão que incorporem a
heterogeneidade dos elementos da rede, propõe três formas básicas de difusão. É
importante ressaltarmos que os processos não se excluem mutuamente e, pelo contrário,
podem sobrepor-se de acordo com a situação analisada.
Vale lembrarmos também que em nossa abordagem utilizamos a premissa
de que a participação em uma ação coletiva de cunho político ou cívico pode ser tratada
como um processo de adesão a uma inovação, onde o que se transfere ou se espalha pela
rede é justamente a decisão de atuar e participar.
Como lembra Mayfield, “a estrutura em que todos se ligam com todos os
outros é uma rede que age como um canal através do qual viajam notícias, dicas de
emprego, possíveis parceiros românticos e doenças contagiosas”29 (MAYFIELD, 2005,
p. 122).
Contágio
29 “The structure of everyone’s links to everyone else is a network that acts as a channel trough which
news, job tips, possible romantic partners and contagious diseases travel.” (Tradução do autor).
66
em uma população, descreve essa possibilidade. A volatilidade dos virais talvez se deva
a dois aspectos: a estrutura da rede cada vez mais densa que facilita o contágio e o
próprio surgimento dos mesmos e, em contrapartida, a necessidade de atenção por parte
dos receptores, cada vez mais divididos pela enorme oferta de informação disponível no
sistema midiático digital.
67
Nesse modelo é importante considerarmos o conceito de limite ou limiar
(threshold) como o ponto a partir do qual o indivíduo adere, vamos dizer assim, ao
comportamento coletivo que identifica no seu entorno.
Desse modo, imaginemos a pequena rede abaixo onde cada nó representa
um indivíduo e seus vizinhos (os outros nós com os quais mantém contato e relações
sociais), que poderíamos supor como amigos ou conhecidos de uma turma da
universidade ou gestores de empresas da cidade, que avaliam se devem ou não
participar de uma manifestação de preservação ambiental, seja presencialmente, ou
através de apoio financeiro, ou ambos.
Em cada nó indicamos uma identificação e o limiar a partir do qual o ator
social se engaja na ação coletiva. Por exemplo, o nó central do grafo é identificado com
A-3, isto é, o nó A só vai participar se houver no mínimo 3 participantes no evento, ele
e mais dois. É importante observarmos que cada nó só está ciente do limiar dos nós com
os quais mantém contato direto, ou seja, o nó D só conhece o limiar de A, assim como C
e B não sabem qual o limiar um do outro.
Gráfico 4: Rede com limiar social e poucos canais de comunicação entre os elementos o que dificulta a
adesão coletiva. Fonte: Elaborado pelo autor.
68
diagrama abaixo, altera fortemente o resultado das decisões individuais e, em
consequência, do resultado da ação coletiva como um todo.
Gráfico 5: Rede com limiar social e poucos canais de comunicação entre os elementos o que dificulta a
adesão coletiva. Fonte: Elaborado pelo autor.
69
Através da tipologia de Young (2009) para difusão optamos por explorar a
modalidade de limite ou limiar social para exemplificar a utilização da teoria das Redes
como ferramenta de modelagem e análise para discussão dos problemas aqui propostos.
As redes e as tecnologias de informação e comunicação têm gerado
impactos sociais, culturais e políticos que provavelmente ainda não podemos avaliar na
totalidade, basicamente por estarmos no meio do processo e fazermos parte dele,
estando cientes disso ou não.
70
possiblidades de análise com um olhar interdisciplinar que envolva teorias de Rede e de
Comunicação.
A utilização de redes sociais para contornar as restrições de comunicação
em tais cenários e potencialmente gerar mudanças em escala e velocidade inéditas
também reforça o interesse desse tipo de abordagem e sua utilidade para a compreensão
de situações e sistemas de considerável complexidade.
Figura 13: Grafo da rede de comunicação pré-digital. Fonte: Elaborado pelo autor.
71
informação e, consequentemente, de visões de mundo (nível individual) ou de reações
ocasionadas por processos de difusão (nível coletivo).
Figura 14: Representação de um veículo tradicional da grande mídia atuando de forma concentrada sobre
a sociedade. Fonte: Elaborado pelo autor.
Figura 15: Ecossistema midiático que serve de base para as teorias tradicionais da Comunicação. Fonte:
Elaborado pelo autor.
72
uma alteração na rede informacional criando um novo padrão de fluxos, caracterizado
não apenas pela maior oferta de vias de tráfego para recepção mas também de novas
possiblidades de interação e engajamento com todo o ecossistema constituindo um
estado diferente do anterior.
Figura 16: Modelo de rede mais densa com mais possibilidades de interconexão e maior diversidade de
fluxos de comunicação. Fonte: Elaborado pelo autor.
30 <http://research.microsoft.com/en-us/projects/nodexl/>.
31 Ver por exemplo o trabalho do grupo Midiars em: <http://www.midiars.net/>.
73
a) Que a maior densidade de vias de tráfego de informação impacta todo o
sistema principalmente em termos da velocidade com que o mesmo
assume estados diferentes e evolui ao longo do tempo;
Figura 17: Representação de rede de relações do autor gerada através do NodeXL e utilizando a função de
identificação de clusters (grupos mais interconectados) como exemplo da atual situação de
hiperconectividade, difusão acelerada potencial e desintermediação e reintermediação. Fonte: Elaborado
pelo autor.
74
Uma analogia que pode ser usada seria imaginar o ecossistema midiático como
uma cidade em dois estados.
No primeiro, a cidade tem apenas as grandes avenidas para escoar todo o fluxo de
tráfego que vai crescendo ao longo do tempo. A importância e o impacto de tudo que
acontecia nessas vias tinham sempre grande repercussão em todo o trânsito da cidade já
que não havia alternativas. À medida que o número de carros foi aumentado mais
crescia a dependência do sistema em relação a esses canais e também mais demorado
ficava movimentar-se a partir dele, ou seja, as mudanças de estado tinham um tempo
maior para acontecer porque o sistema reduzia a velocidade do fluxo de informação
(representada pelos carros e seus motoristas). Esse é o retrato do ambiente pré-digital
onde apenas poucos e poderosos emissores concentravam todo o tráfego,
transformando-se em grandes hubs de poder dentro do sistema e, consequentemente,
desacelerando todo o conjunto.
No segundo estado as grandes vias não deixam de existir, mas a cidade consegue
estabelecer uma rede de ruas alternativas e avenidas interbairros capazes de oferecer
opção ao trânsito da crescente massa de veículos. Assim, a velocidade média do sistema
aumenta porque o número maior de conexões facilita o tráfego e permite que os
processos de deslocamento aconteçam com mais celeridade. O sistema como um todo
transforma-se mais rapidamente e a centralidade das antigas vias principais (antes as
únicas disponíveis) é reduzida em virtude da existência das outras possibilidades para o
fluxo. A presença do fluxo maior em outras áreas, que antes não eram próximas às
grandes vias, também ativa o desenvolvimento das outras regiões, dando-lhes
potencialmente oportunidades novas de crescimento e visibilidade. Por fim, abrem-se
novas opções de escolha ao usuário que trafega pela cidade e ele irá fazê-las em função
do seu próprio pensamento, mas também a partir do que os outros entes do sistema
estão fazendo ou, pelo menos, da percepção que tem sobre como os outros estão
decidindo.
Nessa descrição, a comunicação que se estabelece entre pontos da cidade e seus
motoristas, bem como a partir da sua base material que foi transformada, impacta todo o
sistema e também a velocidade com que emergem novos estados do mesmo. Olhar só
para as placas de trânsito ou buzinadas (as mensagens individuais), ou para o tipo de
pavimentação de cada via (o meio), ou ainda para quem as construiu ou determinou (os
antigos poderosos emissores) e suas intenções (sem considerar os usos e apropriações
75
em andamento que não estão sob esse controle) está longe de descrever o que realmente
está acontecendo.
Talvez isso esteja limitando agora muitos estudos no Campo da Comunicação.
76
PARTE II
TECNOLOGIAS
77
CAPÍTULO 4
78
primeiros jornais impressos a ter sua versão transposta32 na ainda pouco conhecida
internet de 1994.
Passaram-se os anos e novas tecnologias foram continuamente sendo
incorporadas ao fazer jornalístico. As bases de dados, a integração de múltiplas mídias
para contar uma única história, a capacidade de customizar e segmentar o conteúdo em
função dos interesses de usuários cada vez mais exigentes e difíceis de atrair. Surgiram
os sistemas Content Management Systems (CMS) que permitiram aos jornalistas
publicar diretamente seu conteúdo sem a intermediação de um programador ou
especialista em HTML33.
Chamar os tradicionais consumidores de notícias de leitores também não é
mais tão preciso. A digitalização, o barateamento dos equipamentos para produzir
imagens e som, a expansão da infraestrutura da internet e a ubiquidade dos dispositivos
móveis fizeram dos cidadãos fornecedores de conteúdo, dando a eles um espaço
crescente no processo de produção jornalística e fazendo surgir os conceitos de user
generated content (UGC), conteúdo gerado por usuários, e também o de jornalismo
participativo, termo que traduz uma série de iniciativas com escopo e dimensão
diversos34, indo do jornalismo produzido por ou para pequenas comunidades até
grandes iniciativas que, via internet, ganham alcance internacional.
O impacto da tecnologia no jornalismo também obrigou a revisão de alguns
conceitos clássicos como o da pirâmide invertida e do lead. A necessidade da
atualização constante e a pressão do tempo criaram novas formas narrativas onde a
notícia é construída em camadas, a partir das unidades de informação que vão se
tornando disponíveis, sendo conectadas pelos hiperlinks, cuja estrutura pode ir de
materiais praticamente brutos, sem qualquer edição, a pacotes completos do jornalismo
tradicional incluindo análises, desdobramentos e contextualização.
O conceito de resolução semântica de Fidalgo (2003) descreve o processo,
fazendo uma analogia com as imagens digitais que, a partir do aumento do número de
pixels35 que as formam, permitem gradualmente melhor visualização e compreensão. Na
32Mielniczuk (2001) discorre acerca das fases do jornalismo digital, chamando a primeira de fase
transpositiva, justamente porque o conteúdo do impresso era apenas copiado para a internet sem grandes
alterações.
33 HTML (HiperText Markup Language) é a linguagem que organiza os elementos de qualquer página na
web e que os browsers utilizam para construir o que os leitores veem em seus computadores.
34Ver em Knight e Cook (2013) a distinção entre os dois conceitos.
35O conceito de pixel parte da ideia de que as imagens digitais são formadas por matrizes de pontos que
definem a resolução da tela e traduz a menor unidade constituinte da representação das imagens quando
são gerenciadas por computadores.
79
redação digital as partículas de informação chegam em fluxo contínuo e com elas
construímos nossas histórias, iniciando, às vezes, apenas com poucas palavras na área
de “últimas notícias” e, quando merecem, chegando às grandes reportagens contadas no
ambiente digital como a premiada Snow Fall36.
36 <http://www.nytimes.com/projects/2012/snow-fall/?forceredirect=yes#/?part=tunnel-creek>.
80
Figura 18: Matriz de hibridização expandida baseada no conceito de transcodificação.
Fonte: Elaborado pelo autor.
37 Apesar do tempo verbal ser aqui colocado no passado, é óbvio que ainda há um grande número de
assinantes de jornais impressos que os recebem no seu formato tradicional. Entretanto, aparentemente,
uma mudança de hábitos, suportada pela disponibilidade desses conteúdos em formatos digitais, parece
estar em andamento. Tal constatação pode ser corroborada pela queda de faturamento e consequente
busca de novos modelos de negócios associadas às empresas que sustentam veículos impressos
tradicionais.
81
O conceito de remediação desenvolvido por Bolter e Grusin (2000), como
uma sequência do tetrad de McLuhan, também estabelece parâmetros para pensar como
os meios vão interagir entre si, definindo um espectro de possibilidades que vai
justamente das formas mais brandas de remediação, em que o meio mais novo apenas
vai facilitar o acesso ao conteúdo do meio mais antigo, até formas mais extremas, onde
o meio novo apaga o anterior.
No livro que escreveram propondo sua teoria, Bolter e Grusin (2000)
detalham o processo indicando que o meio que remedia o outro pode fazer isso de
quatro formas básicas. A primeira servindo apenas de canal para que o conteúdo do
meio anterior seja acessado (transparência); a segunda expandindo as características
originais do meio anterior (aperfeiçoamento); a terceira seria alterando de forma
significativa o meio anterior em uma espécie de crítica às suas limitações
(reconfiguração); por fim, na quarta forma haveria a total absorção do meio antigo pelo
meio que o remedia, fazendo com que as características do meio anterior não possam
ser mais percebidas (apagamento).
A fase transpositiva do webjornalismo nos termos de Mielniczuk (2001) é
um exemplo da primeira situação enquanto a relação entre telefonia fixa tradicional e
telefonia móvel parece caminhar para um caso da última modalidade.
Scolari (2008), na sua tentativa de estabelecer uma teoria comunicacional
para os meios digitais, avança nas consequências das hibridizações e choques que os
meios enfrentam durante sua evolução, concatenando o pensamento de muitos de seus
precursores através da metáfora biológica do ecossistema, onde seres diversos convivem
gerando novas espécies, híbridos criados pelo contato e pela mudança, em um processo
em andamento que ainda tentamos compreender. Entendemos que a realidade
aumentada é um deles, justamente por traduzir as experiências que oferecem ao
observador combinando elementos reais e virtuais, em um resultado que mistura as
ideias de transparência e opacidade, não só de elementos que transportam sentido mas
também de informações que estão ali, porém não para a leitura humana.
Nesse texto propomos a RA como uma forma de híbrido que remedia não só
o meio impresso e a televisão, mas a maioria das interfaces ou displays anteriores, na
modalidade que definimos anteriormente como de aperfeiçoamento.
82
Realidade Aumentada: Conceito, Histórico e Possibilidades de Utilização
83
Figura 19: Simplified Reality-Virtuality (RV) Continuum. Fonte: Milgran et al. (1994).
38 Augmented Reality (AR) is a variation of Virtual Environments (VE), or Virtual Reality as it is more
commonly called. VE technologies completely immerse a user inside a synthetic environment. While
immersed, the user cannot see the real world around him. In contrast, AR allows the user to see the real
world, with virtual objects superimposed upon or composited with the real world. Therefore, AR
supplements reality, rather than completely replacing it. (Tradução do autor).
39 Para citar apenas algumas, poderíamos incluir os bancos de dados, o reconhecimento de imagens e
padrões e a área conhecida como CV – Computer Vision, ligada à Ciência da Computação.
84
Figura 20: Suportes para aplicações de RA. Fonte: Uchoa (2013)
Aplicações em RA e jornalismo
85
processos já utilizados, a facilidade de utilização, experimentação e observação de
resultados, bem como a percepção de vantagens nesse uso.
Os experimentos estudados por Pavlik e Bridges (2013) tiveram boa
avaliação entre as empresas que testaram a partir de métricas ligadas:
RA e a extensão do papel
40 <http://www.wikitude.com/>.
41 <https://www.layar.com/>.
42 <http://www.metaio.com/home/>.
43 <http://www.metaio.com/home/>.
86
jornalismo impresso tradicional. Entretanto, é justamente ela que a utilização de
aplicações de RA acopladas ao conteúdo jornalístico permite.
À medida que podemos utilizar qualquer imagem ou padrão visual distinto
como gatilho ou elemento que vai disponibilizar o conteúdo adicional da aplicação de
RA ao usuário, cada foto ou conjunto de imagens impressas em um jornal poderá,
potencialmente, transformar-se em hiperlink, capaz de trazer, a quem está visualizando
aquela notícia, conteúdo adicional de diversas formas.
Um exemplo simples seria a cobertura de um evento como uma palestra ou
inauguração em que, a partir da foto da pessoa que fez o discurso, se poderia acessar o
vídeo da fala inteira ou mais imagens sobre a mesma situação.
O caso do jornal japonês Tokyo Shimbun44 vai além dessa possibilidade
tendo em vista que ao acoplar conteúdo adicional a páginas impressas também aponta
um caminho de reencontro dos veículos de mídia tradicionais com as novas gerações, ao
transformar a notícia em material educacional para crianças, capaz de contextualizar de
forma lúdica a informação que publica (Figura 21).
Figura 21: Aplicação de RA desenvolvida para crianças a partir do jornal impresso. Fonte: YouTube
(2013)
44 <http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=2ouW5W_tMbg>.
45 “Audiences have become disengaged from traditional news formats and have turned to social media
and mobile communications to learn about their world.” (Tradução do autor).
87
atraídos para o conteúdo de notícias oferecido via AR haja vista que este se apresenta de
forma interativa e multimídia, incorporado ao mundo real.
RA e a extensão da tela da TV
Figura 22: Exemplo de APP de segunda tela da séria Hannibal do canal AXN. Fonte: AXN (2014).
88
b) utilizando algum tipo de sinal ou traço sonoro, que é captado pelo
microfone do tablet ou celular que está sendo usado para acessar o
aplicativo, para que ele entenda que o episódio começou e, assim,
passe a oferecer o conteúdo sincronizado.
89
Figura 23: Print da tela do software T-Autor para construção de aplicações. Fonte: Elaborado pelo autor.
90
Figura 24: Logo do aplicativo de tradução baseado em RA. Fonte: Elaborado pelo autor (2014).
Desdobramentos da RA
91
aceleração das transformações tecnológicas em andamento, expandindo funcionalidades
e, talvez, ainda oferecendo um ponto de reencontro entre as novas gerações e formas
mais antigas de acesso à notícia.
Pavlik, um dos precursores no estudo dessa tecnologia, com experimentos
que exploraram seu conceito de relato imersivo, vê na RA uma forma paralela à própria
notícia, uma vez que o conteúdo das aplicações também permite ao usuário um canal
para expandir o conhecimento do mundo que está ao seu redor.
Devido às limitações do próprio escopo deste trabalho deixamos de analisar
outras implicações e possibilidades da utilização da RA pelo jornalismo, principalmente
a partir da capacidade de conectar os conteúdos adicionais não apenas a imagens ou
padrões específicos, mas também às informações de localização, facilmente acessáveis
através dos dispositivos móveis.
Essa linha de desenvolvimento levar-nos-ia a pensar em uma convergência
maior entre a produção de conteúdo e as possíveis formas de disponibilizá-lo, incluindo
aí a adição de metadados de geolocalização ao material coletado na reportagem, como
fotos e vídeos, possibilitando não só uma forma mais confiável de validação dos
mesmos, mas também sua inserção no banco de dados das aplicações de RA para
posterior visualização a partir da presença do usuário nesses locais.
Assim, ao invés de usar como gatilho uma determinada imagem, a
localização via celular permitiria, por exemplo, assistir a vídeos dos eventos na praça
Tahrir a um indivíduo que estivesse lá, inserindo-o no contexto da notícia através do
conteúdo que foi gerado a partir daquela localização, em uma forma narrativa com
características imersivas muito mais interessantes.
O desenvolvimento de projetos como Google Glass que representa o
crescimento de outra tendência tecnológica importante, a dos wearables, poderá dar um
passo a mais na portabilidade e mobilidade das soluções de RA, oferecendo novas
possibilidades narrativas.
Recentemente, o laboratório que coordenamos iniciou experimentos com
plataformas compactas de processamento de dados, como o Raspberry Pi associado a
implementação na linguagem Python da solução OpenCV, que disponibiliza uma série
de ferramentas para o reconhecimento de imagens e padrões, base das aplicações de
RA.
Como os processos de difusão tecnológica são guiados por múltiplos fatores
é impossível hoje prever qual será o grau de inserção da RA na produção jornalística,
92
entretanto, as diversas possibilidades disponíveis fazem-nos supor que novas espécies
no ecossistema midiático poderão surgir e prosperar.
93
CAPÍTULO 5
47A ideia do ciberiluminismo está relacionada à visão extremamente positiva e, às vezes, até ingênua
sobre a relação entre tecnologia e seres humanos, representada normalmente por suas características
inovadoras, gerando transformações capazes de criar um mundo melhor e mais justo. Já o ludismo vem de
Ned Ludd, supostamente, operário que liderou um movimento que pregava a destruição das máquinas nas
tecelagens inglesas porque elas reduziam os postos de trabalho. Alguns autores citam Ludd como um
personagem criado pelo movimento operário da época para facilitar a propagação da campanha contra a
automatização do processo fabril no início da Revolução Industrial.
94
representava também a cultura das coisas produzidas pelo homem, através das quais
este poderia causar danos a si mesmo.
As possibilidades de pensar as relações entre sociedade e tecnologia deram
origem a novos campos como o que hoje conhecemos como Science and Technology
Studies (STS). Nele, pensadores como Castells (1999) e Feenberg (2002) têm se
dedicado a formular um cenário compatível com os desafios de estudar uma relação
obviamente multifacetada e complexa.
Se no campo da Filosofia é amplo o debate, o cinema ao longo de décadas
tem traduzido esse imaginário de medo e fascínio em diversos filmes onde as soluções
tecnológicas são representadas por robôs, autômatos, máquinas e até sofisticados
programas de computador. Naves controladas por entidades automatizadas que se
rebelam contra os humanos, como o computador HALL 9000 em “2001 – Odisseia no
Espaço” de Kubrick (1968); que decretam sua extinção como em “Exterminador do
Futuro” de James Cameron (1984) ou ainda que os escravizam, em um mundo
digitalmente criado, a “Matrix”, para utilização da humanidade como simples fonte de
energia, dos irmãos Wachowski (1999), são apenas alguns dos inúmeros exemplos que
poderíamos citar.
Na série de TV Star Trek: The next generation, que também ganhou os
cinemas (Star Trek - First Contact, Jonathan Frakes, 1996), uma das piores ameaças
alienígenas já enfrentadas foi a dos Borgs, raça de seres híbridos, biológicos e
maquínicos, que rapidamente assumiam o controle das áreas que invadiam, a partir da
conversão dos seres que encontravam em sua própria espécie, através da inserção de
implantes que faziam as vítimas completamente integradas ao comando central, agindo
como uma colônia de insetos, em um exército cada vez maior.
Por outro lado, o fascínio pelas máquinas é muito anterior à quase inevitável
dependência contemporânea que estabelecemos com celulares, smartphones, tablets e
tantos outros gadgets tecnológicos dos quais não queremos mais nos separar.
Na Antiguidade e na Idade Média, os relatos sobre autômatos eram restritos,
sendo o século XVIII considerado sua época áurea. No trecho de Devaux (1964) é
descrita a apresentação de uma dessas peças que ainda hoje podem ser vistas em Paris, a
“Tocadora de Xilofone” de Roentgen, uma boneca musicista que, se supõe, tenha sido
inspirada na figura de Maria Antonieta48.
95
Numa sala do Palácio de Versalhes, entre as saias de balão e os vestidos da
corte, o exímio automatista Roentgen, apresenta a Luís XVI outra obra-
prima. Aquela Tocadora de xilofone, de corpete decotado e vestido de seda
bordada, provoca a curiosidade geral; fala-se do corpo da boneca
divinamente modelado debaixo do vestido, pasma-se com a precisão e a sua
altiva graciosidade. Uma pequena ária muito viva saltita desperta pela
saraivada dos martelos de marfim; todo um século se desprende dessa música
elegante e seca; e quando a jovem, debaixo dos anéis do seu penteado alto,
volta a cabeça para saudar, a semelhança levanta um sussurro em toda a
sala... Mais tocante e mais perfeita no mecanismo que o Escrivão ou a
Musicienne, dos Jaquet-Droz, ou o Pato, de Vaucanson, e os seus Flautistas,
a Tocadora de xilofone evoca fielmente, quanto a nós, a Primeira Idade do
Automatismo (DEVAUX, 1964, p. 7).
Figura 25: Tocadora de Xilofone de Roentgen, restaurada em 1864 por Robert Houdain. Fonte: Lutice
Créations ([200-]).
Jornalismo e Tecnologia
96
As funções essenciais do jornalismo resumidas nas etapas de observar fatos
relevantes e fazer boas perguntas às pessoas certas, tentar compreender as observações e
respostas dentro de um determinado contexto e, por fim, explicar os resultados das
etapas anteriores aos outros são, pelos autores, sintetizadas em termos de coleta de
dados, interpretação e narração. Para eles, esse núcleo essencial do fazer jornalístico não
mudou e sim foi reconfigurado e expandido pelas novas possibilidades tecnológicas.
Tentando detalhar essas premissas, Haak, Parks e Castells (2012) listam
novas ferramentas e práticas que seriam as principais tendências do jornalismo do futuro
que se propõem a descrever. São elas: jornalismo em rede (networked journalism);
inteligência coletiva e conteúdo gerado por usuários (crowdsourcing and user-
generated content); mineração de dados, análise de dados, visualização de dados e
mapeamento (data mining, data analysis, data visualization and mapping); jornalismo
visual (visual journalism); jornalismo de ponto de vista (point of view journalism);
jornalismo automatizado (automated journalism) e jornalismo global (global
journalism).
Analisar todas elas está além do escopo deste texto. Nosso foco está na
penúltima, a do jornalismo automatizado – JA –, que pode ser resumido pelo fato de que
hoje parte do conteúdo jornalístico publicado já não é mais escrito por humanos e sim
por máquinas, via software, através de ferramentas e soluções que envolvem desde
simples listas de palavras (como o experimento que apresentamos à frente) até
complexos modelos de inteligência artificial.
Independente da modalidade escolhida para realizar tal tarefa, o fato de
desconectar texto e jornalista de forma tão radical parece-nos representar a tendência
tecnológica mais problemática e ao mesmo tempo interessante, justamente por ser
aquela que vai operar com todo o imaginário já descrito na introdução.
É preciso observarmos também que tal temática é bastante recente dentro
dos estudos do Jornalismo e, em nosso entendimento, não pode ser confundida com a do
Jornalismo Digital em Base de Dados – paradigma JDBD (BARBOSA, 2007, 2008,
2009, 2011; FIDALGO, 2004, 2007; MACHADO, 2006; RAMOS, 2011) – já bastante
explorado por vários autores e que organiza suas conclusões tendo como eixo principal
as funções das bases de dados “como definidoras da estrutura e da organização, bem
como da composição e da apresentação de conteúdos de natureza jornalística”
(BARBOSA; TORRES, 2013, p.154).
97
Mesmo dentro do amplo espectro de funcionalidades coberto pelo
paradigma JDBD a parte dedicada à automação (nele denominada automatização) é
descrita como abaixo.
49 Metadados são dados sobre outros dados. Informações como o autor do texto, a data em que foi escrito
ou os registros de todas as suas versões, bem como a classificação ou tags indicando a que editoria
pertencem, são exemplos de metadados que normalmente são adicionados às matérias jornalísticas a
partir dos softwares de gerenciamento e publicação de conteúdo hoje já comuns nas redações.
98
Definido, portanto, o recorte e as principais linhas de diferenciação entre
JDBD e o jornalismo automatizado, pretendemos, neste trabalho:
Figura 26: Print de matéria sobre jornalismo automático. Fonte: Morozov (2012).
50<http://narrativescience.com/>.
99
Jornalismo da Northwestern University a partir do InfoLab e que basicamente escrevia
resumos sobre resultados de jogos do baseball americano. Em 2010, a empresa mudou
de nome e logo em seguida patenteou uma plataforma de autoria baseada em
inteligência artificial chamada Quill.
Figura 27: Portal Big Tem especializado em notícias do esporte e cliente da NS. Fonte: Big Ten Network
(2014).
Figura 28: Exemplos de conteúdo publicado por AI em plataformas móveis. Fonte: Automated Insights
(2013).
100
Arce (2009) já havia feito uma avaliação da possibilidade de automatização
dos discursos incluindo nela as ideias de Lage (1997) sobre o tema, ambos, entretanto,
em caráter teórico e não experimental.
Coppin (2010, p. 24) esclarece que, no campo da inteligência artificial, uma
das principais questões está relacionada à representação da realidade que será utilizada
pelo programa de computador, já que “para um computador poder solucionar um
problema relacionado ao mundo real, ele primeiro precisa de um meio para representar
o mundo real internamente. Ao lidar com aquela representação interna, o computador
torna-se capaz de solucionar problemas”.
Figura 29: Processo de transformação de dados brutos em narrativas da NS. Fonte: Narrative Science
(2010).
101
Para o autor, que em sua pesquisa avalia as reações publicadas por
jornalistas à utilização dos serviços da Narrative Science em redações, a emergência do
JA traz sérias questões sobre o futuro da prática jornalística enquanto atividade laboral,
sobre os padrões tradicionais de composição do conteúdo jornalístico e ainda sobre a
própria identidade e autoridade do jornalismo como função social, bem como suas
práticas de operação.
Já Clerwall (2014) aborda a questão do conteúdo gerado por software a
partir de uma abordagem experimental. Apresentando textos jornalísticos, escritos por
humanos e por máquinas, para um grupo de leitores, sem identificar sua origem, o autor
avalia a percepção dos receptores sobre o material, principalmente em termos de
qualidade, credibilidade e objetividade, observadas pelos participantes nessas narrativas.
Apesar de tratar-se de um estudo exploratório alguns resultados merecem
destaque. Os textos gerados por algoritmos foram definidos como descritivos e
entediantes, entretanto, destacaram-se no critério da objetividade. O estudo mostra
também que nos resultados não ficou muito clara a distinção, por parte dos que tinham
acesso ao material, entre o que era noticiário gerado por jornalistas e o que era
produzido por computadores.
Dalen (2012) foca sua análise nas habilidades requeridas para a execução do
trabalho jornalístico e no processo de comercialização de notícias. Partindo da
percepção dos profissionais diante das narrativas automatizadas o autor reúne um
quadro de pontos positivos e negativos levantados.
Os jornalistas ouvidos destacaram a capacidade de análise, a personalização
e a criatividade como pontos importantes diante de características como factualidade,
objetividade, simplificação e velocidade, essas últimas mais próximas do alcance do JA.
Mesmo diante das ressalvas feitas pelos profissionais, foi apontada a possibilidade
positiva de que a automatização de parte das narrativas propicia mais tempo para a
investigação e o aprofundamento em matérias de maior relevância.
Não tão focado no jornalismo automatizado, o trabalho de Lewis e Usher
(2014) propõe-se a avaliar as possibilidades do encontro entre profissionais do
jornalismo e desenvolvedores de software a partir do estudo de caso da iniciativa da
rede global Hacks/Hackers. Utilizando o conceito de zonas de troca, os pesquisadores
analisam as possibilidades de engajamento e cooperação entre os dois grupos,
discutindo as implicações, desafios e oportunidades que podem advir dessa combinação.
102
Mais próximo de uma postura negativa diante da automatização, Latar
(2015) descreve a nova lógica da extração de dados dos grandes repositórios digitais
como uma tendência disposta a traduzir a complexidade dos sistemas sociais a partir das
partículas de informação que geramos, através das interações e engajamento, via
plataformas de mídias sociais e dispositivos móveis, tendências emergentes no cenário
da comunicação digital.
A isso ele associa o nascimento de uma nova ciência que denomina de
social physics, em uma analogia com os átomos, partes microscópicas da matéria cujo
estudo permite inferir conclusões sobre o todo do qual fazem parte. Dentro desse
contexto, o autor avalia o surgimento do que chama de jornalismo robótico como um
subproduto dessa tendência, baseado na extração automatizada de informação dos
grandes silos de dados e na conversão desse conhecimento, via software, em narrativas
para leitura sem o envolvimento humano na etapa da produção.
Considerando os custos envolvidos nos procedimentos tradicionais de
geração de notícias, o autor alerta para um processo de obsolescência dos jornalistas em
detrimento da consolidação de engenheiros de software e gestores de bases de dados
como os empregados mais importantes dentro das empresas de mídia.
51 “In parallel to the emergence of the new field of “social physics”, narration, the art of telling stories, is
also becoming a scientific endeavor employing artificial intelligence algorithms taking advantage of the
vast body of knowledge of the field of linguistics and the study of natural language. AI algorithms are
being composed that can convert facts into readable stories in a fraction of a second.” (Tradução do
autor). A biblioteca NLTK (Natural Language Toolkit) que utilizamos no experimento descrito nesse
artigo é um exemplo de software de linguagem natural.
103
programação Python52 por considerá-la de mais fácil aprendizagem para não
especialistas em programação como jornalistas e profissionais da comunicação53.
A linguagem Python permite a utilização de diversos módulos de
programação já desenvolvidos previamente e com finalidades específicas, facilitando a
construção das soluções a partir da combinação de funções cujo código já existe. A
biblioteca NLTK54 – Natural Language Toolkit – que utilizamos nesse projeto é um
desses exemplos e incorpora um grande número de recursos para o processamento de
textos.
A modelagem do problema foi feita a partir da seguinte sequência: obter
resultados dos jogos e informações complementares tais como local da partida e número
da rodada; registrar essas informações em alguma estrutura simples de arquivo que
pudesse posteriormente ser consultada para a construção do material; traduzir as
próprias regras do torneio em termos de variáveis e relações para que a sintaxe do
regulamento pudesse orientar a concatenação dos elementos do texto; gerar as frases a
partir dos resultados das operações realizadas com os dados coletados nas partidas.
Assim, partimos para uma solução que, a partir de um endereço específico
na internet onde esses dados fossem disponibilizados, conseguia ler todas as
informações iniciais de forma automática e mais rápida. Para os testes, selecionamos a
página do portal Terra dedicada à área de esportes que publicava a cada rodada os
resultados e a tabela atualizada do campeonato (PORTAL TERRA, 2014)55. A tabela foi
usada como instrumento de validação dos cálculos do software já que ela também
totalizava as métricas que as regras do torneio geravam, tais como número de jogos,
pontos ganhos, gols feitos, gols sofridos, saldo de gols e índice de aproveitamento.
Definida a estratégia de coleta dos dados fizemos a parte do código que
salvava esses elementos associando-os a cada time, em uma estrutura que na linguagem
Python é conhecida por “dicionário”, onde a cada elemento, chamado de chave, são
associados valores diversos, cada um representando alguma informação gerada a partir
dos resultados dos jogos.
52<www.python.org>.
53Projetos envolvendo programação e jornalismo têm sido desenvolvidos, com exemplos na área do
Jornalismo Investigativo, no intuito de extrair e processar dados em grandes quantidades e utilizar essas
informações para a construção de infográficos e narrativas no jornalismo digital. <http://gijn.org/>.
54<www.nltk.org>.
55Atualmente o endereço da tabela é <http://esportes.terra.com.br/futebol/brasileiro-serie-a/tabela>.
104
Figura 30: Parte do código que mostra o endereço de extração dos dados e os times na estrutura de chaves
do dicionário, inicialmente com todos os campos zerados. Fonte: Elaborado pelo autor.
105
Figura 31: Tela que compara a página do portal com os resultados e a tela gerada pelo programa onde
podem ser vistos primeiro os dados registrados e depois as sugestões de título baseadas nos resultados.
Fonte: Elaborado pelo autor.
À medida que o software registra os jogos das rodadas ele vai atualizando
todos os parâmetros adicionais já listados, que são representações definidas pelas
próprias regras do torneio, incluindo, na estrutura de dicionário que foi criada, um
conjunto de dados que será utilizado para inferir várias outras informações como a
própria posição do time na tabela, o número de pontos que cada um tem e seu
aproveitamento (calculado dividindo o total de pontos conseguidos pelo total de pontos
disputados). Esses números permitem ao software escrever textos com mais
informações.
106
Figura 32: Tela do software que demonstra a estrutura do dicionário atualizada e um pequeno texto de
resumo da situação do time no campeonato a partir dos elementos registrados. Fonte: Elaborado pelo
autor.
107
Figura 33: Tela do software com o que seria o lead construído a partir das informações lidas sobre o
campeonato em determinada rodada. Fonte: Elaborado pelo autor.
108
A capacidade de coletar e processar informações em grande quantidade e
variedade parece indicar o potencial de uso desse tipo de solução, principalmente no
jornalismo online e nos grandes portais da internet que precisam atualizar seus
conteúdos com mais agilidade.
Em termos teóricos é importante ressaltar que Jornalismo em Base de Dados
(JBD) e Jornalismo Automatizado (JA) não devem ser confundidos e operam com
lógicas diferentes, apesar de estarem inseridos no processo maior de evolução das
rotinas de produção jornalística a partir da utilização de recursos tecnológicos.
O fato de sua implementação dar-se através da utilização de algoritmos de
categorias diferentes é uma das razões para isso. Enquanto o JBD utiliza-se das bases de
dados e de sua capacidade combinatória, resultando saídas que se estabelecem a partir
das relações previamente definidas na sua construção, o JA tem como principal suporte
os algoritmos de inteligência artificial que são capazes de inferir relações novas e
literalmente aprender à medida que são utilizados e processam os dados que lhes vão
sendo disponibilizados.
Outra diferença a observarmos é sobre o nível de granularidade de sua
atuação. Enquanto o JBD vai atuar em um nível macro, concatenando notícias inteiras a
partir dos metadados que foram associados a elas para criar, por exemplo, uma página
personalizada para torcedores de determinado time de futebol, o JA opera em nível
micro, interno, na esfera das palavras e da construção mais básica de sentido mediante
seu ordenamento e de suas relações sintáticas e semânticas.
Os desdobramentos desse tipo de tecnologia no mercado ainda não podem
ser avaliados. É importante ressaltarmos também que mesmo as soluções mais
complexas de inteligência artificial ainda estão distantes de replicar as sutilezas e
complexidades de um bom texto jornalístico, principalmente em uma língua como a
portuguesa, que até hoje apresenta dificuldades para outras categorias de software como
os de reconhecimento de voz e tradução, para conseguirem níveis altos de acerto.
Um dos mais recentes estudos sobre o tema avalia a situação atual do JA e
afirma que
109
potencialmente com menos erros do que qualquer jornalista humano.
Obviamente esse avanço tem aumentado o medo dos jornalistas de que o
conteúdo automatizado vá eliminar empregos nas redações apesar de
pesquisadores e profissionais observarem o potencial dessa tecnologia para
melhorar a qualidade das notícias56. (GRAEFE, 2016, p. 4)
56 In recent years, the use of algorithms to automatically generate news from structured data has shaken
up the journalism industry—most especially since the Associated Press, one of the world’s largest and
most well-established news organizations, has started to automate the production of its quarterly
corporate earnings reports. Once developed, not only can algorithms create thousands of news stories for
a particular topic, they also do it more quickly, cheaply, and potentially with fewer errors than any human
journalist. Unsurprisingly, then, this development has fueled journalists’ fears that automated content
production will eventually eliminate newsroom jobs, while at the same time scholars and practitioners see
the technology’s potential to improve news quality. (Tradução do autor).
110
um maior nível de personalização, bem como gerar, a partir do mesmo conjunto de
dados, conteúdo em diferentes línguas e angulações.
Entre as limitações, Graefe (2016) ressalta o fato do software se basear em
dados e inferências que podem estar sujeitos a distorções e erros, comprometendo o
conteúdo e trazendo ainda questões adicionais como a da responsabilidade sobre o
mesmo, que continua caindo sobre o jornalista ou editor, e a da transparência do
processo, ou seja, a informação para o usuário de como o algoritmo opera. O autor
também lembra que as soluções automatizadas não conseguem realizar algumas tarefas
essenciais para o trabalho como explicar um fenômeno novo (sobre o qual não há dados
anteriores), fazer perguntas e estabelecer causalidade.
Em relação aos jornalistas o estudo aposta em um fortalecimento da relação
homem-máquina dentro das redações e sugere justamente que eles devem se focar em
tarefas que os algoritmos não realizam com facilidade, como a análise em profundidade,
as entrevistas e as reportagens investigativas. Para a sociedade em geral, o estuda aponta
que o excesso de conteúdo noticioso gerado pelo JA vai dificultar o trabalho das
pessoas para encontrar conteúdo que lhes seja mais relevante.
Se “resistir é inútil”57 parece ser uma afirmação intimamente ligada às
relações entre homens e técnica na história das sociedades, no campo do jornalismo, um
texto criativo e bem elaborado poderá nos garantir a convivência pacífica com as
soluções automatizadas que têm seu valor em processos repetitivos e de baixo nível de
execução.
As informações disponíveis ainda são inconclusivas também para que se
estabeleça um novo gênero jornalístico, apesar de termos como “jornalismo
automatizado” ou “robotizado” estarem já aparecendo com mais frequência na literatura
do campo. Evidencia-se, entretanto, um tipo específico de modo narrativo, baseado na
concatenação de dados estruturados, na possibilidade de geração de inferências e
relações semânticas a partir do uso intensivo sobre grandes quantidades de informação e
na ausência da ação humana no processo, resultando, segundo alguns como Clerwall
(2014) e Gaefer (2016), em textos mais objetivos e confiáveis.
É interessante observarmos que o software que desenvolvemos alimenta-se
das informações intrínsecas ao evento ou contexto para o qual é direcionado, bem como
das relações internas que ali se estabelecem; hoje, lidando apenas com questões simples
57“Resistance is futile”, frase repetida pelos Borgs da séria Star Trek para suas vítimas. (Tradução do
autor).
111
mas, no futuro, talvez, sendo apto a identificar situações mais complicadas a partir da
evolução de tecnologias como a geração de linguagem natural, a exemplo da solução
NLTK que usamos em nosso experimento.
Muito mais nociva do que a geração de textos jornalísticos via software
parece ser a automatização dos jornalistas que deixam de exercer a ação humana e
complexa ligada à sua atividade, no exercício das práticas da profissão. Esse parece ser
o grande problema que teremos que enfrentar, sejamos nós céticos, temerosos ou
fascinados por tecnologia.
112
CAPÍTULO 6
Figura 34: Representação do modelo de análise de transformações a partir de três vetores fundamentais.
Fonte: Elaborado pelo autor.
58 Para ver um panorama das possibilidades teóricas sobre a questão das relações entre tecnologia e
sociedade ver Rüdiger (2007) e Feenberg (2002; 2010).
113
O erro que aparentemente parece estar embutido em cada uma dessas
possibilidades parece ser justamente a opção por traduzir uma situação de mudança em
um tipo de explicação estática, à qual se atribui de forma generalista uma proeminência
questionável sempre do mesmo fator, isto é, dá-se à parte o status do todo.
Tomemos por exemplo a introdução de um novo aplicativo para dispositivos
móveis que permite que as pessoas possam transmitir o que estão fazendo, com vídeo
em tempo real (live-streaming), para sua rede social próxima, conectada a partir de uma
plataforma como Twitter; o caso de apps como Periscope e Meerkat. Que forças estão
envolvidas nesse processo? Que nível de adoção conseguirá entre as pessoas? E que
mudanças poderá gerar em áreas como o Jornalismo, entre outras, transformando
potencialmente cada usuário não apenas em um repórter ou produtor de conteúdo mas,
guardadas as devidas proporções, na própria emissora de TV?
A resposta de Van Dick (2013) para entender situações assim afirma que é
preciso considerar diversos aspectos em dois níveis, que ele chama de micro e macro.
No primeiro seria preciso avaliar questões como as características da própria tecnologia,
o tipo de conteúdo que permite criar, bem como os usos e apropriações que dela advém.
No segundo a análise incorporaria questões como a propriedade, ou seja, quem é o dono
do aplicativo e que interesses representa, a governança, traduzida por suas regras de
utilização e os modelos de negócio que o sustentariam ou permitiriam ao dono obter
retorno financeiro a partir do crescimento do processo de adoção.
Tal metodologia, originalmente pensada pelo autor para aplicar no estudo de
plataformas de mídias sociais, além de ter utilidade mais geral, pelo menos equaciona o
problema em termos de múltiplas variáveis que podem assumir níveis diferentes de
importância de acordo com o objeto da análise e de outros fatores como período
histórico e lugar onde acontece. Mesmo sem usar o termo, poderia ser caracterizada
como uma abordagem complexa ou que considera a situação de complexidade em
questões desse tipo.
O interesse pela dinâmica da propagação de ideias, comportamentos,
opiniões, produtos e tecnologias através de redes de relacionamentos sociais remonta a
uma área de pesquisa empírica da Sociologia conhecida por Difusão de Inovações.
Trabalhos como os de Ryan e Gross (1943) já se preocupavam com essa temática ainda
na primeira metade do século XX.
As perguntas que procuravam responder ainda são atuais: Que fatores
favorecem ou atrapalham a difusão de novos conceitos ou ideias? Em que parâmetros as
114
pessoas se baseiam para adotar um novo padrão de comportamento ou pelo menos
considerá-lo como possibilidade? Será possível encontrar regras ou leis que expliquem
esse processo? E havendo, podemos planejar a introdução de novidades para que se
propaguem de forma mais eficiente?
Em termos do campo da Comunicação, partindo da noção básica de uma
mensagem que se propaga de um emissor para um receptor, as questões acima ampliam
o quadro investigado considerando agora não um par de elementos, mas um conjunto
maior de indivíduos que de alguma forma trocam informação entre si, constituindo o
que poderíamos chamar de uma rede informacional.
Ainda pensando sobre a forma como as informações são difundidas através
dessa estrutura, é necessário observarmos um aspecto importante: o comportamento
individual dos elementos dessa rede faz surgir uma dinâmica que não pode ser
simplesmente definida como a soma das partes que a constituem. A conectividade
desses elementos e a emergência de padrões não tão simples assim de serem mapeados
indicam sinais de um sistema complexo, ou melhor, de complexidade, um tema que
também tem atraído atenção de áreas tão diversas como a Ecologia, a Física, a
Economia e a Genética.
59 Complexity is another fashionable term in the social sciences today. It is used in two ways. The first,
and less controversial, use is synonymous to emergence. It is the recognition that sets of interacting actors
or units can have unexpected macro levels properties. (Tradução do autor).
115
comunicação suportadas pelas tecnologias digitais, espécies animais e sua adaptação às
mudanças em seus ambientes, o comportamento de colônias de insetos que, apesar de
sua simplicidade, conseguiam agir com padrões extremamente eficientes para sua
sobrevivência. Instaurava-se a complexidade que, de fato, sempre existiu, mas até então
não era visível pela ciência acostumada a dividir para conquistar.
A partir dos conceitos de complexidade e emergência, aqui considerados
como sinônimos, entendemos que tais processos de organização têm importância
fundamental para a difusão de tecnologias, principalmente se quisermos pensar em seu
potencial de adoção.
Mesmo nas Ciências Humanas e Sociais o conceito de complexidade nos
termos apresentados também começou a ganhar atenção; talvez trazido pelas influências
do pensamento pós-moderno e a desconfiguração das certezas lineares da modernidade
que este acarretou e, seguramente, pela velocidade e extensão das mudanças sociais
recentes. Trabalhos como de Morin (2005, p. 13) vão nesse sentido.
116
interoperabilidade, aponta também para a desconstrução de conceitos fundamentais
como o de presença, como demonstram pesquisas com as de Dublon e Paradiso (2014)
no desenvolvimento de um software de navegação (browser) específico para organizar e
permitir o acesso humano, através de visualizações tridimensionais e sons, à massa de
fluxos de informação produzida pela família de sensores e derivados que detalharemos
adiante. “Quando sensores e computadores tornam possível viajar virtualmente a
ambientes distantes e “estar” lá em tempo real, “aqui” e “agora” podem começar a ter
novos significados” (DUBLON; PARADISO, 2014, p. 26).60
60 When sensors and computers make it possible to virtually travel to distant environments and “be”
there in real time, “here” and “now” may begin to take on new meanings. (Tradução do autor).
117
gerar modelos de consumo de notícias diferentes dos atuais, principalmente
considerando a imbricação de novas possibilidades tecnológicas, hábitos
comportamentais das gerações recentes e a busca, quase desesperada, das empresas
tradicionais de mídia por soluções para enfrentar a fragmentação das audiências e a
oferta de conteúdo por canais distintos dos que controlavam. Exemplos, portanto, dos
três vetores da mudança aos quais nos referimos inicialmente.
Para isso, entendemos ser necessário estabelecer uma base inicial de
conceitos teóricos capazes de dar sustentação a iniciativas posteriores, bem como propor
uma estrutura simplificada de combinação entre os diversos elementos e forças que
gravitam ao redor da relação jornalismo e novas tecnologias. Estas não como algo
definitivo e sim como uma configuração, cuja emergência torna-se viável a partir de um
espaço probabilístico onde gravitam comportamentos sociais, modelos de negócio e
soluções tecnológicas, que dependem da maior ou menor velocidade em seus processos
de difusão. Em síntese, pretendemos propor uma tipologia para os diversos itens
listados sob o termo genérico de IoT e ainda um modelo de consumo de notícias que
incorpore alguns fatores já disponíveis no cenário atual.
Descrevemos também, ainda que de forma exploratória, a utilização de
plataformas como Dweet.io e Freeboard.io na construção de novos aplicativos e
produtos com utilização jornalística, baseados na lógica de automatizar e organizar via
código a parte quantitativa e lógica da informação disponível, deixando aos
profissionais suas bases de categorização, bem como o planejamento e concepção de
novas modalidades narrativas e informativas capazes de incorporar essas mudanças.
118
b) Sinalizadores (beacons) – quando adicionamos conectividade a um
sensor o transformamos em um sinalizador capaz de transmitir os
dados que está coletando de forma remota e integrar redes de
comunicação por onde as informações que está captando podem
trafegar. Uma câmera de monitoramento do trânsito conectada à
central de serviço público que a controla seria um exemplo.
Jornalismo de inserção
119
de emissores foi aumentado justamente devido aos fluxos de informação gerados por
esses novos agentes.
Essa evolução deu-se (Figura 35) a partir do ecossistema midiático
tradicional que era povoado basicamente pelas fontes oficiais e pelas grandes empresas
de comunicação. Uma primeira transição foi gerada pela popularização da internet, das
redes e das plataformas de mídias sociais (que muitos rotularam como fase 2.0 da web).
Um novo salto em termos de complexidade começa a acontecer à medida que, além dos
habitantes originais e dos recém-chegados usuários produtores de conteúdo via blogs,
sites e redes sociais da internet começaram também a injetar informação no sistema
relógios, sensores, eletrodomésticos e outros itens conectados.
Figura 35: Evolução dos emissores de conteúdo. Fonte: Elaborado pelo autor.
120
entrando na vida economicamente ativa e formalizando-se como consumidores. O que
terão as empresas de mídia do futuro para vender a essas gerações? E como farão isso?
A necessidade de consumo de informação a princípio não será extinta,
então, se não parece tão complicado responder a primeira pergunta, a segunda
permanece mais difícil de precisar.
No modelo ora proposto entendemos que essas gerações têm alguns traços
que devemos considerar. De forma resumida, o interesse crescente por games indica que
a gamificação do conteúdo que consomem parece ser algo de importância crítica
(LOFGREN, 2015; NEWZOO, 2013). O número de horas destinado a essa atividade
cresce fortemente e, por isso, consumir notícias em “modo” game pode acrescentar
atratividade para esse segmento que também tem sido estimulado de forma intensa a
produzir e compartilhar conteúdo, processo que Jenkins (2009) explica utilizando o
conceito de cultura de participação. Por fim, a gamificação e a participação têm
motivado a busca por interação em suas diversas formas: com outros usuários, com as
plataformas tecnológicas e com o próprio produto.
Como então enriquecer a experiência de consumo de notícias baseadas nos
fatores gamificação, participação e interação (vetor cultural), utilizando a IoT (vetor
tecnológico)? E como monetizar essa atividade (vetor econômico)?
121
IoT. Esses últimos basicamente oferecendo uma capacidade maior de contextualização e
inserção do consumidor nos cenários onde se dão as notícias.
A plataforma em si, gerenciada pela empresa de mídia, operaria via APIs66
executando as seguintes funções (Figura 46):
122
Figura 36: Modelo de Jornalismo de Inserção. Fonte: Elaborado pelo autor.
71 Transmissão ao vivo.
123
assinatura, complementado com a venda direta de conteúdo premium, tipo pay-per-
view, até a comercialização de inteligência de mercado como já utilizado pelas
principais plataformas de mídias sociais.
Do lado dos usuários de conteúdo, uma mecânica de remuneração baseada
em número de visualizações estimularia ainda mais a presença de câmeras da
plataforma em lugares e situações onde as maiores estruturas jornalísticas teriam
dificuldade de tempo e custos para cobrir.
A construção das narrativas jornalísticas também teria um grande espectro
de possibilidades, indo da veiculação direta do material bruto em tempo real até os
pacotes tradicionais com textos e material para contextualizar e aprofundar a análise
sobre os eventos. A mão de obra jornalística ficaria restrita apenas às funções mais
complexas e especializadas, enquanto uma parte mais simples do conteúdo seria
construída por algoritmos capazes de gerar leads e pequenos textos informativos, como
já fazem de forma comercial Narrative Science72 e Automated Insights73.
72 <http://www.narrativescience.com/>.
73 <http://automatedinsights.com/>.
124
A utilização da plataforma é livre e o usuário só tem custo se quiser proteger
o fluxo que está sendo transmitido, em uma espécie de canal privado com acesso
restrito.
Figura 37: Telas da plataforma Dweet com exemplos de um canal transmitindo dados sobre temperatura e
humidade em duas modalidades de visualização. Fonte: Elaborado pelo autor.
Figura 38: Tela de exemplo de painel de controle criado no Freeboard. Fonte: Elaborado pelo autor.
E o futuro?
125
A utilização dos entes e tecnologias que compõem o que chamamos de IoT
está apenas começando a ser descoberta por vários setores da atividade humana, entre
eles o do Jornalismo.
Como a versão contemporânea da ideia de McLuhan (2007) dos meios
como extensões do homem, a IoT e os projetos que hoje já exploram suas possibilidades
começam a expandir ou flexibilizar conceitos básicos como o de presença, a partir da
capacidade de oferecer informações em tempo real de ambientes à distância.
A introdução de plataformas como Dweet, Freeboard e outras soluções que
permitem organizar uma representação dos fluxos antes estabelecidos apenas entre
máquinas, agora para a interpretação humana, aumenta o potencial de difusão dessas
tecnologias baseadas em fatores clássicos que otimizam tal processo como o da
capacidade de experimentação e a percepção de vantagens em sua utilização.
As quatro categorias dos entes integrantes da IoT que ora propomos
(sensores, sinalizadores, processadores e intermediadores) são partes da tentativa de
construção de uma ontologia sistêmica básica, capaz de dar sustentação a pesquisas
posteriores, bem como de propor cenários de interconexão e utilização de tais
elementos, nesse texto, especificamente dentro da atividade de produção jornalística.
O modelo de jornalismo de inserção que apresentamos propõe-se a integrar
alguns dos principais fatores de impacto do processo de expansão digital, a partir dos
vetores tecnológico, cultural e econômico que, em nossa visão, nos ajudam a organizar
um ambiente complexo e de aceleradas transformações.
A transposição do receptor ao centro do fluxo de informações hoje
expandido pela inclusão de diversos tipos de emissores, entre eles elementos não
humanos como os que constituem a IoT, integra um amplo leque de possibilidades, que
vão desde os formatos narrativos tradicionais das notícias até a inserção em ambientes
virtuais imersivos, pensado principalmente para dar conta da chegada das novas
gerações ao mercado, em uma tentativa de enfrentar a já observada fragmentação das
audiências e a busca por interação, participação e customização da experiência de
consumo de conteúdo informativo.
A incorporação da lógica dos games na nova geração de produtos midiáticos
parece-nos sustentada pelos números já apresentados hoje por essa indústria que
indicam, mais uma vez, a confluência de evoluções tecnológicas em termos de
resolução, processamento e usabilidade, aliada ao desenvolvimento de novos hábitos e
126
formas de entretenimento, integrados por uma forte cadeia de fornecedores (consoles,
jogos, acessórios) com faturamento crescente.
Mesmo assim, é importante ressaltarmos que, como um sistema complexo,
guiado pela dinâmica da interconexão entre um número cada vez maior de fatores, a
escala de difusão de determinada tendência tecnológica sempre deverá ser representada
apenas como um número probabilístico, uma possibilidade dentro de um espaço de
posições disponíveis, em um mecanismo onde o aleatório e o incerto fazem parte da
equação.
127
PARTE III
EXPERIMENTOS
128
CAPÍTULO 7
74<www.python.org>.
75Projetos envolvendo programação e jornalismo têm sido desenvolvidos, com exemplos na área do
Jornalismo Investigativo, no intuito de extrair e processar dados em grandes quantidades e utilizar essas
informações para a construção de infográficos e narrativas no jornalismo digital. <http://gijn.org/>.
76<www.nltk.org>.
77Atualmente o endereço da tabela é <http://esportes.terra.com.br/futebol/brasileiro-serie-a/tabela>.
129
Python é conhecida por dicionário, onde a cada elemento, chamado de chave, são
associados valores diversos, cada um representando alguma informação gerada a partir
dos resultados dos jogos.
Figura 39: Parte do código que mostra o endereço de extração dos dados e os times na estrutura de chaves
do dicionário, inicialmente com todos os campos zerados. Fonte: Elaborado pelo autor.
130
Figura 40: Tela que compara a página do portal com os resultados e a tela gerada pelo programa onde
podem ser vistos primeiro os dados registrados e depois as sugestões de título baseadas nos resultados.
Fonte: Elaborado pelo autor.
À medida que o software registra os jogos das rodadas ele vai atualizando
todos os parâmetros adicionais já listados, que são representações definidas pelas
próprias regras do torneio, incluindo na estrutura de dicionário que foi criada um
conjunto de dados que será utilizado para inferir várias outras informações como a
própria posição do time na tabela, o número de pontos que cada um tem e seu
aproveitamento (calculado dividindo o total de pontos conseguidos pelo total de pontos
disputados).
Esses números permitem ao software escrever textos com mais informações.
131
Figura 41: Tela do software que demonstra a estrutura do dicionário atualizada e um pequeno texto de
resumo da situação do time no campeonato a partir dos elementos registrados. Fonte: Elaborado pelo
autor.
132
Figura 42: Tela do software com o que seria o lead construído a partir das informações lidas sobre o
campeonato em determinada rodada. Fonte: Elaborado pelo autor.
133
CAPÍTULO 8
134
ajudaram a engendrar têm sido alvo de avaliação dos produtores de conteúdo que,
cientes de estarmos passando por uma fase de acelerada transição, precisam encontrar e
manter pontos de contato com seu público anterior, não apenas como um esforço de
inovação mas, principalmente, de sobrevivência.
O conceito de convergência parece-nos importante nesta discussão pois, de
certa forma, está ligado a essas tendências, mesmo apresentando ainda dificuldades de
conceituação. “Convergência tem tantas definições como o número de pessoas que a
tente definir ou praticar” (QUINN, 2005, p. 4).
Gordon (2003) e Quinn (2005) organizam um conjunto de possibilidades
para o significado do termo dentro das questões ligadas ao jornalismo digital e às
empresas de mídia.
Para esses autores a convergência pode dar-se de cinco formas diferentes:
135
Na última categoria, a convergência narrativa de mídias, podemos inserir a
tendência do uso de recursos de visualização de dados no jornalismo digital e, como
uma de suas possibilidades, a utilização de mapas e gráficos com informações de
geolocalização. Kolodzy (2013) destaca o potencial dos recursos visuais como mapas,
gráficos e animações para traduzir números e ilustrar mudanças e relações, bem como
organizar as informações para enfatizar comparações e contrastes80.
80 A utilização de gráficos e recursos de visualização também tem impactado áreas onde seu uso não é
comum, como no trabalho de Moretti (2007).
81 “Many times, words or text are inadequate in providing explanation or understanding. Pictures,
graphics, video and audio might be clearer for a description or demonstration. While words can tell
audiences about what is happening, audio, video and still pictures can show it faster and clearer, adding
immediacy and credibility to the news.” (Tradução do autor).
136
analysis, data visualization and mapping); jornalismo visual (visual journalism);
jornalismo de ponto de vista (point of view journalism); jornalismo automatizado
(automated journalism) e jornalismo global (global journalism).
A visualização de dados, em sua forma mais geral, tem sido estudada
através do conceito de infografia. Cordeiro (2013) ensina-nos que a infografia
jornalística é bem anterior à internet, apresentando exemplos rudimentares de utilização
de formas visuais para suporte narrativo e estruturação de dados já presentes em
publicações do século XVII na América e na Europa.
Entretanto, a partir de estudos de Rodrigues (2009) e Amaral (2010) fica
clara uma evolução desse uso em termos de complexidade e integração de informações
a partir das bases de dados e sua utilização para a produção de conteúdo jornalístico
(BARBOSA, 2007, 2008, 2009, 2011, 2013; FIDALGO, 2004, 2007; MACHADO,
2006; RAMOS, 2011).
Por outro lado, autores que têm estudos focados na inserção de recursos
tecnológicos nas redações também incluem a utilização de mapas entre as ferramentas
disponíveis para a narração no ambiente digital. Quinn e Lamble (2008) exploram as
novas possibilidades que a internet oferece aos profissionais e definem os diversos
níveis em que computadores e redes podem ser utilizados pelos jornalistas. A esse
campo eles e outros autores chamam de Computer-Asssisted Reporting (CAR)82 ou, em
português, Reportagem Assistida por Computador (RAC).
Para os autores, a complexidade do uso e a necessidade de tempo e
treinamento definem a CAR em básica, intermediária e avançada. Utilizamos o primeiro
nível ao enviar e-mails, fazer consultas de busca e gerenciar os nossos sites favoritos. A
situação intermediária é exercitada ao refinarmos nossas buscas utilizando as regras dos
operadores booleanos como e (and), ou (or), não (not), ou ainda fazendo combinações
de recursos em plataformas já existentes (mashups) ao utilizar um agregador de notícias
como Flipboard83, por exemplo. Por fim, ao nível avançado, Quinn e Lamble (2008)
afirmam que chegamos quando: criamos e analisamos planilhas a partir de dados brutos;
criamos e analisamos bases de dados a partir de dados brutos; combinamos bases de
dados relacionais; ou ainda utilizamos sistemas de informação geográfica e mapeamento
(Geographic Information Systems – GIS mapping).
82 O termo CAR também é usado no sentido de Computer-assisted Research como em Paul (1999).
83 Ver: <www.flipboard.com>.
137
Tal classificação permite-nos inferir que a utilização de sistemas de
geolocalização significa uma das formas complexas ou avançadas de integração de
recursos computacionais à atividade de produzir notícias, exigindo, portanto,
treinamento e experiência, na medida em que transporta o jornalista para outro campo
de conhecimento, o da Geografia, onde a integração com ferramentas como Google
Maps84 e Fusion Tables85 pode ser útil.
A ferramenta que apresentamos neste trabalho tem a finalidade de facilitar
parte desse processo. Se a criação de mapas com marcadores (Figura 43) é
relativamente fácil, o mapeamento de áreas específicas a partir das informações que
traduzem os limites geográficos de cidades, estados e municípios tem um grau de
dificuldade maior porque exige as informações de geolocalização, normalmente tratadas
apenas por softwares e bases de dados específicos para uso dos geógrafos. Assim, nossa
proposta é, através de um trabalho experimental, oferecer uma solução para a criação
desse tipo de mapas podendo ser utilizada tanto por profissionais como em cursos de
jornalismo digital ou jornalismo guiado por dados86.
Figura 43: Exemplo de mapa com marcadores criado no Google Maps. Fonte: Elaborado pelo autor.
84 <https://www.google.com.br/maps>.
85 <https://support.google.com/fusiontables/?hl=en#topic=1652595>.
86 Para mais informações sobre Jornalismo Guiado por Dados ver Bradshaw (2014).
138
sistema de busca por informações geométricas geolocalizadas dos limites
administrativos dos municípios brasileiros individualmente (geocódigo), por estado,
mesorregião, microrregião ou região. É possível ainda fazer downloads das
representações dos limites estaduais e regionais não divididas por municípios, apenas
limites isolados (Figura 44). As coordenadas são baixadas e armazenadas em formato de
arquivo CSV e KML. O primeiro para visualização na plataforma Fusion Tables e o
segundo no Google Earth87.
Figura 44: Filtro (A) e o Campo de busca (B), na página inicial. Fonte: Labcom Data (2016).
139
do quadro natural, das relações sociais e econômicas particulares desta região. (LIMA,
2012).
Os Municípios por sua vez são considerados as menores unidades
federativas, sendo sua criação feita por lei estadual, conforme critérios estabelecidos
pelos próprios Estados. Ao todo, o Brasil possui 5.561 municípios (LIMA, 2012).
As funções do aplicativo
Figura 45: A seta mostra a seleção da categoria Estado. Fonte: Fonte: Labcom Data (2016).
140
Figura 46: O mapa, à esquerda, mostra o conjunto de municípios que compõe a microrregião e, à direita,
o limite isolado da microrregião. Fonte: Elaborado pelo autor.
Figura 47: A categoria Estado escolhida no filtro. Fonte: Fonte: Labcom Data (2016).
141
delimitadora no filtro e inserindo o conteúdo da busca no campo, o próximo passo é
acionar o botão “OK” e verificar os resultados na próxima página. Abaixo (Figura 48)
mostramos os resultados obtidos na busca.
Figura 48: Captura de parte dos resultados obtidos na busca. Fonte: Labcom Data (2016).
142
É na página de exportação (Figura 49) que o arquivo é criado pelo sistema e
feito o download ao acionar o botão Baixar arquivo.
143
Figura 50: Exemplo de mapa usando áreas geográficas em vez de marcadores, criado com os dados KML
da plataforma LABCOM DATA. Fonte: Elaborado pelo autor.
Considerações finais
144
CAPÍTULO 9
145
biblioteca digital de sites de internet com mais de 430 bilhões de páginas arquivadas. A
iniciativa da WBM, que oficialmente não tem fins lucrativos, deu início aos trabalhos
em 1996 tendo, a partir de 1999, incluído novos formatos em seu acervo, tais como
vídeos, arquivos de som e de texto, software e outros, constituindo-se em uma base de
dados útil para certas pesquisas.
Para acessar o repositório, desenvolvemos a prova de conceito de um código
capaz de recuperar, listar e oferecer ferramentas básicas de análise sobre dados
coletados a partir das diversas versões de portais jornalísticos ao longo do tempo.
Utilizando o conteúdo arquivado das séries disponibilizadas é possível
avaliar métricas como o número de versões ou atualizações anuais, palavras mais
frequentes ao longo do tempo, alterações na organização de conteúdo e design entre
outras.
Figura 51: Tela da Home do site Internet Archive. Fonte: Internet Archive (2014).
146
marcadas nos calendários mensais com pontos azuis que a WBM chama de “spots”. A
plataforma mantém uma API que responde a consultas com uma sintaxe própria.
Segundo dados do projeto, as coletas são feitas diariamente de forma a
documentar novas versões que ao serem registradas podem ser acessadas pelos usuários
a qualquer tempo através das ferramentas oferecidas.
Figura 52: Tela do Internet Archive com a marcação das versões arquivadas (399 entre 1997 e 2014) do
site da UFMA em suas respectivas datas no ano de 2007 que podem ser extraídas via código. Fonte:
Internet Archive (2014).
147
d) Gerar visualizações das métricas avaliadas como demonstraremos
abaixo em relação às atualizações por ano.
148
Figura 53: Print da tela do código com as informações iniciais básicas (item a da lista de objetivos) do site
jornalístico www.ig.com.br. Fonte: Elaborado pelo autor.
Figura 54: Print do arquivo com a lista de links extraídos automaticamente que levam às páginas
arquivadas do site www.ufma.br (item a da lista de objetivos). Fonte: Elaborado pelo autor.
149
sites estudados têm se modificado ao longo do tempo, um fator que, no caso dos sites
jornalísticos, pode ser associado à característica da atualização constante,
frequentemente atribuída ao jornalismo de internet.
É importante ressaltarmos que o número de versões identificadas pela
plataforma WBM não representa o universo total de mudanças. Segundo dados da
própria WBM, os resultados são conseguidos através de um crawler88 próprio e de
dados do portal Alexa que também varre a internet diariamente. De qualquer forma,
pela quantidade de registros, é possível percebermos que a amostra oferecida pela
WBM é bastante significativa e, considerando que usa a mesma metodologia para a
coleta dos diferentes sites que arquiva, tal amostra pode ser utilizada em estudos
comparativos de métricas específicas, como neste estudo.
Figura 55: Print com destaque para a parte do código que conta por ano o número de atualizações
registradas (item b da lista de objetivos). Fonte: Elaborado pelo autor.
88 Crawlers, também conhecidos como robôs, são programas que varrem a internet registrando endereços
de páginas e arquivando-os. Motores de busca como Google, plataformas de análise como Alexa
(www.alexa.com) e bibliotecas digitais como a WBM usam algoritmos assim para executar suas funções.
150
Para efeito deste estudo, apesar de coletados, os dados relativos ao ano de
2015 foram excluídos dos gráficos já que se referem a apenas alguns meses,
configurando uma unidade temporal diferente do restante.
Figura 56: Gráfico plotado com as atualizações registradas entre os anos de 2000 e 2014 do site
<www.ig.com.br> (item d da lista de objetivos). Fonte: Elaborado pelo autor.
89 <www.alexa.com>.
151
original gerada pelos veículos administrados pela empresa que, em 2013, passaria a ter
uma integração mais forte à internet como canal de distribuição desse conteúdo.
Figura 57: Gráficos mostrando o crescimento dos números de atualizações a partir dos anos 2010 e 2011
nos principais sites jornalísticos brasileiros. Fonte: Elaborado pelo autor.
152
Verificando o site abril.com em suas versões anteriores, observamos
também que, durante um bom período de tempo, a página inicial apenas era usada para
divulgar as diversas publicações semanais da editora e não para divulgação direta de
notícias, procedimento que só foi implementado nos últimos anos e ainda de forma
parcial. Tal situação explica as diferenças encontradas nos gráficos acima e permite-nos
também explorar outro aspecto dos arquivos que é a sua estrutura gráfica ou visual.
Uma função ainda em fase de teste permite que também salvemos prints, ou
seja, visualizações das versões arquivadas (Figura 58), facilitando a compreensão das
mudanças estéticas ou funcionais que os administradores do site foram definindo ao
longo da série histórica analisada.
Figura 58: Recorte de print salvo a partir do site www.abril.com.br demonstrando que, nesse caso, a
utilização da home é mais utilizada para divulgação das revistas do que das notícias. Fonte: Elaborado
pelo autor.
Por fim, a partir dos endereços que contêm as páginas arquivadas é possível
coletar os textos utilizados nos links da página principal que indicam os temas de
interesse e, no caso de sites jornalísticos, em grande parte, as chamadas para as matérias
que foram publicadas.
Apenas como teste, utilizamos a ferramenta no site do LABCOM
(www.labcomufma.com) que tem poucas versões arquivadas na WB para extrair os
testos dos links e verificar a frequência de utilização de cada termo (Figura 59).
153
Figura 59: Gráfico que mostra as 50 palavras ou expressões mais usadas nas versões arquivadas do site
www.labcomufma.com. Fonte: Elaborado pelo autor.
154
POR FIM ...
155
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166
APÊNDICE A
167
A investigação em ambiente laboratorial universitário sobre as
possibilidades, limites e inovações experimentais pode ter como farol sinalizador o fato
de o poder contido nas redes de mídia estar posicionado “em segundo lugar em relação
ao poder dos fluxos incorporados na estrutura e na linguagem das redes” (CASTELLS,
2007, p. 572). Trocando em miúdos, o que está em questão não é propriamente o
conteúdo de que é portadora a mensagem, mas o processo e a maneira pelas quais se
constrói essa expressão midiática.
Adentra-se ao universo conceitual das linguagens líquidas, às quais Lúcia
Santaella lança um olhar histórico e reflexivo:
Dos anos 1980 para cá os acelerados desenvolvimentos e apuros
tecnológicos, especialmente dos programas computacionais, como, por
exemplo, aqueles fazem uso de algoritmos genéticos, provocaram crescente
evolução das imagens geradas computacionalmente, que culmina hoje na
vida artificial, na realidade virtual e na realidade aumentada e mista.
(SANTAELLA, 2007, p. 391).
1 OBJETIVOS
2 REFERÊNCIAS TEÓRICAS
168
Fase 2: formatação dos questionários e aplicação dos mesmos
em redações e assessorias jornalísticas na cidade de São Luís.
Fase 3: tabulação de dados.
Fase 4: análise, geração de relatórios e infográfico com o
resumo da pesquisa e divulgação dos resultados em evento
público.
3 QUESTÕES E MÉTODOS
4 RESULTADOS
169
5.1.1 Área geral – conhecimento (teoria)
5.1.1.1 Competências digitais
5.1.3 Setoriais
Nos questionários setoriais destaca-se aqui apenas o item com maior índice
de interesse e importância entre as competências digitais.
170
4.2 Pesquisa com o pessoal de TI – Tecnologia da Informação
5 DISCUSSÃO E CONCLUSÕES
171
para os Cursos de Jornalismo, tendo à frente o professor José Marques de Melo:
redimensionar o ensino da profissão de jornalista. O texto foi recentemente aprovado
pelo Conselho Nacional de Educação, cabendo sua implementação aos cursos já
existentes (e os que vierem a ser criados), doravante denominados de Curso de
Bacharelado em Jornalismo; e, não mais, Curso de Comunicação Social – Habilitação
em Jornalismo. A ênfase estará colocada no desenvolvimento dos eixos fundamentais
de formação do jornalista: fundamentação humanística, fundamentação específica,
formação profissional, aplicação processual e prática laboratorial.
Ao pleno domínio da língua portuguesa (demanda cara aos gestores), serão
agregados os repertórios de conhecimento, por exemplo, em história, filosofia,
sociologia, disciplinas também lembradas pelos diretores de redação como desejáveis
aos profissionais, paralelamente a conhecimentos específicos em computação gráfica,
vídeos fotografia etc., razão pela qual já se admite, sem maiores ressalvas, que será
necessária uma reforma curricular nos cursos de Jornalismo, mesmo naqueles em que
houve mudanças curriculares há pouco tempo.
A preocupação com uso eficaz da rede mundial de computadores foi outro
ponto das observações levantadas pelos gestores de redação. Para alguns, a graduação
universitária deveria capacitar o futuro profissional para ir, preferencialmente, a fontes
de cuja credibilidade não haja contestação. Se, indubitavelmente, existem ganhos no
quesito tempo de apuração com a internet, necessita-se de fontes com credibilidade, da
qual possam brotar pautas inovadoras, no sentido de mudar o foco da abordagem
convencional e, mais ainda, exercer um papel fundamental na fiscalização dos poderes,
elevando-se, com isso, a participação da mídia na tarefa de construção da cidadania.
Trata-se, portanto, de um tema candente ao debate acerca da credibilidade
do material encontrado, por exemplo, na chamada blogosfera. O diferencial do
jornalista para o blogueiro opinativo tende a ser a capacidade de o primeiro orientar-se
por pesquisa documental extraída dos arquivos disponibilizados pela própria internet.
O trabalho de reinvenção dos cursos de Jornalismo passa pelas demandas do
mercado, assim como pelas soluções pedagógicas, no âmbito acadêmico, cujos
dimensionamento e impacto esta pesquisa, pioneiramente, mapeou, sendo este somente
um começo para um diálogo entre a universidade e as empresas de comunicação,
imbuído do propósito de reposicionar as práticas de treinamento, de procedimento e de
gestão em ambientes jornalísticos.
172
Figura 1: Infográfico gerado com os principais resultados. Fonte: Elaborado pelo autor.
173
REFERÊNCIAS
174
APÊNDICE B
1 DIFUSÃO DE INOVAÇÕES
O campo acadêmico da Difusão de Inovações – DI (Diffusion of
Innovations) – traz importantes contribuições para nossa análise e, por isso, faremos
uma pequena revisão de alguns dos seus principais conceitos para que possam ser
operacionalizados dentro do nosso estudo.
Os estudos de DI têm suas origens segundo Rogers (2003) em três fontes
básicas:
90 “Diffusion is the spread of new ideas, opinions, or products throughout a society.”(Tradução do autor).
91 “Diffusion is the process by which an innovation is communicated through certain channels over time
among the members of a social system. It is a special type of communication, in that the messages are
concerned with new ideas.” (Tradução do autor).
175
percebido como novo por um indivíduo ou outra unidade de adoção” (ROGERS, 2003,
p. 11).
É importante ressaltarmos o termo “percebido” porque se a inovação é
realmente nova ou não, em termos do tempo que transcorreu entre o seu primeiro uso ou
descoberta, segundo Rogers, não tem tanta relevância como a percepção que o indivíduo
tem sobre o fato. Se a ideia parece nova, para quem toma ciência dela, será uma
inovação.
Se pensarmos a implementação de uma nova tecnologia como uma
novidade que flui pela rede de atores sociais envolvidos no processo, uma espécie de
inovação que as pessoas escolhem ou não adotar, talvez possamos aplicar certos
modelos de difusão ao nosso objeto.
Desde o já citado trabalho de Ryan e Gross (1943), os adotantes de uma
inovação foram divididos em categorias que refletem a dinâmica de propagação da
mesma na rede social. Rogers os define como inovadores, adotantes imediatos, maioria
imediata, maioria posterior e retardatários. O autor propõe que a maioria das inovações
tem sua velocidade de adoção representada por uma curva com formato de S como
abaixo.
176
motivado a reduzir a incerteza sobre as vantagens ou desvantagens da
inovação (ROGERS, 2003)92.
177
2 VANTAGEM RELATIVA (RELATIVE ADVANTAGE)
Definida como o grau com que uma inovação é percebida como melhor que
a ideia que ela substitui.
Basicamente, a maioria das inovações está relacionada a algum tipo de
vantagem que deve ser percebida pelo potencial adotante em relação à situação que ele
tem sem ela. Por exemplo, no estudo clássico de Ryan e Gross (1943) o que eles
mapearam foi a adoção de um novo tipo de semente de milho, que oferecia um nível de
produtividade maior do que o nível conseguido até então pelas sementes tradicionais,
selecionadas a partir da própria produção que o fazendeiro obtinha na colheita anterior.
As sementes híbridas (hybrid seeds) representavam, naquela época na
América, o início de uma forte intervenção que a indústria de implementos, defensivos e
produtos industrializados para a agricultura trazia aos produtores agrícolas, impactando
muitas práticas tradicionais que eram conhecidas e replicadas há décadas entre esses
atores sociais.
As sementes híbridas tinham que ser compradas a cada ciclo de plantio e,
por isso, representavam uma mudança na forma como os fazendeiros organizavam os
custos da sua produção. Desse modo, um esforço inicial de divulgação da adoção foi
iniciado, mas o processo durou cerca de 10 anos nas comunidades de Iowa estudadas
pelos pesquisadores, que constataram também a influência das relações interpessoais
entre os membros da comunidade.
Valente (1995) cita um estudo semelhante que também monitorou a adoção
de novas sementes de milho no Brasil em 1970. Aqui, um processo parecido durou 20
anos para que se alcançasse um nível alto de prevalência93, ou seja, de adoção pelo
grupo estudado.
Nas duas situações, uma das forças que guiou o processo de adoção foi
justamente a percepção pelos agricultores da vantagem em termos de produtividade que
a nova semente oferecia. Tal vantagem foi sendo cada vez mais reforçada à medida que
novos adotantes passavam a trabalhar com a nova modalidade, multiplicando também
os exemplos de sucesso e motivando outros fazendeiros a replicarem a utilização da
inovação.
3 COMPATIBILIDADE (COMPATIBILITY)
É o grau com que uma inovação é percebida como consistente com valores,
experiências passadas e necessidades pré-existentes de potenciais adotantes.
Um conceito ligado à ideia de compatibilidade é o de agrupamentos
tecnológicos (ROGERS, 2003), que consistem em “um ou mais elementos distinguíveis
de uma tecnologia que são percebidos como sendo fortemente relacionados”.
É interessante observarmos que entre as características ligadas ao SBTVD-
T, é a interatividade que menos apresenta esse grau de inter-relação com as demais
possibilidades técnicas.
A melhor resolução da imagem, o áudio superior, a redução dos ruídos ou
distorções na tela e até a possibilidade de visualização em um celular parecem compor
um grupo que poderia ser chamado de agrupamento tecnológico (technology cluster),
nos termos de Rogers, por basicamente representarem melhorias incrementais na
transmissão tradicional dos fluxos de áudio e vídeo; no máximo, propondo novas
plataformas de recepção, mais ainda assim do conteúdo audiovisual tradicional. Já a
93 No caso dessa pesquisa, Valente (1995) aponta que depois de 20 anos as sementes hibridas de milho
foram adotadas por 98% dos agricultores pesquisados, 692 respondentes em 11 comunidades rurais.
178
interatividade acrescenta efetivamente possibilidades que vão além do que estamos
acostumados a receber, como um conteúdo normal da programação televisiva.
A literatura de DI é rica em exemplos sobre como o desconhecimento de
padrões ou rotinas já consolidadas, tradições culturais ou comportamentos arraigados
nas práticas diárias de determinada comunidade ou grupo foi responsável por insucesso
na adoção de inovações que foram percebidas como incompatíveis ou estranhas diante
do que se conhecia como usual ou tradicional.
Lansing (1991) demonstrou como o fracasso da introdução de novas
modalidades de arroz e técnicas do seu plantio na ilha de Bali94 estava relacionado ao
desconhecimento do governo que as incentivou sobre as formas tradicionais de irrigação
das plantações de arroz, um produto da maior importância na cultura balinesa.
O complexo ecossistema da ilha e seus vínculos com aspectos da religião
local não foram considerados quando o governo decidiu incrementar a produção de
arroz do país através da adoção de técnicas intensivas de plantio, inclusive com a
introdução do uso de pesticidas e defensivos agrícolas, na campanha de difusão que
ficou conhecida como “revolução verde”.
Os resultados foram muito negativos porque, com o abandono das formas
tradicionais do controle do fluxo de água para irrigação dos campos realizados pelos
antigos responsáveis, uma série de problemas de contaminação e aumento das
populações de ratos e insetos aconteceu, levando a campanha de difusão a um grande
fracasso.
Posteriormente, Lansing com a ajuda de uma equipe especializada modelou
uma simulação computadorizada que demonstrou que o sistema tradicional de irrigação
era o que permitia, dadas as condições do ecossistema local, a forma mais efetiva de
plantio, algo que os nativos vinham fazendo da mesma forma há pelo menos 800 anos.
O desconhecimento da tradição local, que ainda era reforçada por vários
aspectos ligados à religiosidade do povo, levou ao insucesso das inovações que
aparentemente eram boas, mas que, na percepção dos potenciais adotantes, eram
totalmente incompatíveis com tudo que tinham aprendido e em que acreditavam.
Mesmo os benefícios das novas técnicas nunca foram verificados de forma efetiva
justamente pelos problemas de desequilíbrio ecológico criados pelos métodos da
revolução verde. Lansing, um antropólogo, chamou a simulação criada de “a deusa e o
computador” e depois de um tempo retornou a Bali para apresentá-la aos líderes
religiosos das comunidades locais.
4 COMPLEXIDADE (COMPLEXITY)
179
Figura 2: Exemplo de Código NCL. Fonte: Elaborado pelo autor.
5 TESTABILIDADE (TRIALABILITY)
180
Se considerarmos que o processo de adoção de uma inovação é um processo
de busca de informações e redução da incerteza, fica claro que a testabilidade pode fazer
a diferença nesse processo, dando ao possível adotante uma chance de se colocar na
situação de uso sem o peso da escolha definitiva que pode trazer ônus financeiros e de
outras ordens.
No clássico estudo de Ryan e Gross (1943), a maioria dos fazendeiros que
participou da pesquisa declarou não ter adotado a nova semente de milho de forma
imediata, pelo contrário, fizeram isso de forma gradual, inicialmente em áreas pequenas
onde puderam testar os resultados e inclusive comprovar as vantagens atribuídas à
inovação.
No caso da interatividade em TV digital junto aos profissionais de produção
audiovisual nas emissoras de TV, a questão da testabilidade também pode ser
considerada como um fator negativo à velocidade de adoção.
Claro que, com a presença do programador ou através de uma empresa
terceirizada ou mesmo através de um setor interno ligado à engenharia ou à informática,
a interatividade tem sido testada nas emissoras, entretanto, a participação dos
profissionais de TV no processo, na maioria dos casos, é periférica e com pouca
importância, o que compromete, ao nosso modo de ver, não só a sua capacidade de
experimentação como, principalmente, a percepção de benefícios ou vantagens quando
tal característica da TV digital é implementada.
6 OBSERVABILIDADE (OBSERVABILITY)
É o grau com que os resultados de uma inovação são visíveis aos outros.
Ligada aos fatores anteriormente listados, a capacidade de observar
benefícios (e através dessa observação receber uma motivação adicional para a adoção)
normalmente fica comprometida em processos de difusão onde é difícil fazer testes e
utilizar tal inovação se ela é considerada complexa.
A visibilidade dada a resultados positivos em termos de adoção estimula a
discussão entre pares e a circulação de informações através das redes de contatos dos
possíveis adotantes.
Apesar de na literatura de DI esse último fator não ser considerado tão
fortemente ligado à taxa de adoção em relação aos anteriores, sua presença, ou melhor,
sua ausência, pode sim agregar dificuldades à avaliação geral que cada unidade de
adoção acaba fazendo quando considera começar ou não a utilizar uma novidade.
Quando pensamos, por exemplo, nos conteúdos que se propagam com
grande velocidade nas redes sociais, fica claro que é a possibilidade de observar que
outros estão replicando, ou pelo menos falando sobre aquele determinado assunto, que
nos incentiva a também fazer o mesmo.
Independentemente da própria avaliação pessoal que fazemos nesses casos,
a observação dos outros tem impacto sobre nossas decisões obviamente com variações
para mais ou para menos, chegando a situações que a literatura chama de efeitos em
cascata, onde passamos a replicar ideias ou comportamentos baseando nosso julgamento
mais no que os outros fazem e menos nas informações que nós mesmos temos sobre
aquele tópico.
No caso da interatividade em TV digital junto aos profissionais de produção
audiovisual, a percepção de complexidade, a falta de oportunidades de conduzir testes e
experimentações de forma mais independente, as diferenças no processo de produção
que a interatividade impõe, reduzem a observação dos benefícios e a percepção geral de
que uma vantagem relativa existe nessa situação.
181
Rice e Schneider (2007) enfatizam que novas tecnologias de informação e
comunicação podem gerar mudanças nos processos individuais, nas práticas de trabalho
e nos processos organizacionais, criando às vezes conflitos e desalinhamentos entre as
práticas consolidadas de trabalho.
A partir dessa linha de pensamento, que vincula a velocidade de adoção a
essas cinco características, é que propomos a necessidade de ferramentas de autoria e
processos mais simplificados na utilização da interatividade pelos profissionais do
audiovisual, como forma de minimizar as dificuldades de adoção que listamos acima.
REFERÊNCIAS
ROGERS, Everett. Diffusion of innovations. Nova York: Free Press. 2003 [E-book].
Disponível em: <http://www.amazon.com/Diffusion-Innovations-5th-Everett-Rogers-
ebook/dp/B000FC0NH8/ref=sr_1_1?s=digitaltext&ie=UTF8&qid=1391986181&sr=1-
1&keywords=everett+rogers>. Acesso em: 24 abr. 2013.
RYAN, B; GROSS, C. The diffusion of hybrid seed corn in two iowa communities. In:
Rural Sociology, v. 8, n. 1, p. 15-24. 1943.
182
APÊNDICE C
Resumo: O ciberespaço pode ser analisado de muitas formas. Um metameio onde todos
os outros anteriores são remixados em variáveis taxas de densidade informacional; uma
síntese de recursos materiais, pessoas e relações que se interconectam criando espaços
sociais, políticos e culturais; uma criação coletiva que narra a história da experiência
humana em seu estágio atual. Nos termos de Foucault, uma heterotopia que altera a
ordem social comum, materializando elementos em um ambiente virtualizado.
1 INTRODUÇÃO
183
Nesse ambiente, estabelece-se uma relação ambígua em termos de memória
e armazenamento já que à medida em que o ciberespaço permite a inclusão de
quantidades cada vez maiores de informação, através de uma capacidade de
armazenamento crescente; justamente por isso, o sentido comum de “algo especial” que
normalmente associamos às coisas que decidimos preservar vai se diluindo.
O simples ato de fazer o upload95 de um conteúdo qualquer para um
servidor de web, ou seja, publicar esse conteúdo, supõe a ideia de autoria e também a de
criação de uma narrativa particular que pode ser então compartilhada. Ao fazer isso,
cada um torna-se, de certa forma, cocriador de uma grande obra coletiva.
E mesmo quando simplesmente navega por páginas da internet, tendo
contato com o que outros ali deixaram, cada usuário move-se em espécie de mundo com
regras próprias de tempo e espaço, podendo assumir papéis diversos em uma história
sempre aberta e em andamento.
O presente artigo propõe pensar o ciberespaço a partir da abordagem que
Leão (2003) chama de modelagem cognitiva, explicando: “Dado um campo de saber
novo ou do qual pouco ainda se sabe, denominado A, busca-se estabelecer relações
entre A e o campo de conhecimento B – um saber antigo, anterior, do qual se tem mais
informações”. (LEÃO, 2003, p.154).
Assim, dentre as múltiplas formas de conceber o ciberespaço, aqui se usará
a Teoria da Narrativa para vê-lo como um mundo diegético (conceito que detalharemos
a seguir), recriado todas as vezes em que nos (inter)ligamos através da internet.
2 ALINHANDO CONCEITOS
184
refletindo também em como nos relacionamos com as próprias soluções tecnológicas de
que dispomos e os espaços sociais que elas criam.
Entretanto, utilizar isso em termos do ciberespaço implica em algumas
observações. A primeira questão é o próprio conceito de ciberespaço que pode variar
bastante em função do contexto em que se analisa o termo.
A maioria das referências históricas aponta o autor Willian Gibson como
seu criador, que o utilizou em uma série de quatro livros de ficção científica.
Neuromancer, o primeiro deles, foi publicado em 198498. Na versão Gibsoniana,
cyberspace é definido como uma “alucinação consensual”, uma espécie de
representação gráfica dos dados contidos em todos os bancos dos sistemas humanos.
Baseado em uma entrevista dada por William Gibson a Larry McCaffery, Daniel
Punday afirma: “de acordo com Gibson, o conceito de "cyberspace" foi desenvolvido
como uma forma de manipular elementos narrativos tradicionais para produzir novos
efeitos99.” (PUNDAY, 2000, p. 195).
Entretanto, após sua criação, o termo ciberespaço começou a assumir várias
outras interpretações. Mesmo assim, as possibilidades de conexão com as teorias da
narrativa estão presentes na maior parte delas.
Analisando o termo, Benedikt (1991, p.3) lista pelo menos onze leituras
possíveis, dedicando-se com mais detalhes a uma décima segunda, capaz de aglutinar
muitas formas diferentes de pensar o ciberespaço e baseada na teoria dos três mundos
proposta pelo filósofo da ciência Karl Popper. Benedikt explica a proposta de Popper:
O Mundo 1 ele identificou com o mundo objetivo das coisas materiais,
naturais e suas propriedades físicas - com sua energia, peso, movimento e
repouso; o Mundo 2 ele identificou com o mundo subjetivo da consciência -
com intenções, cálculos, sentimentos, pensamentos, sonhos, memórias e tudo
o mais nas mentes dos indivíduos. O Mundo 3, ele diz, é o mundo das
estruturas objetivas, reais e públicas criadas pelas mentes dos seres vivos, não
necessariamente de forma intencional, interagindo entre si e com o Mundo
natural 1100 (BENEDIKT, 1991 , p. 3).
98 Os outros livros de Gibson são Count Zero (1986), Burning Chrome (1986), Mona Lisa Overdrive
(1988).
99 According to Gibson, the concept of cyberspace developed as a way of manipulating tradicional
narrative elements to produce new effects. (Tradução do autor).
100 World 1, he identified with the objective world of material, natural things and their physical
properties—with their energy and weight and motion and rest; World 2 he identified with the subjective
world of consciousness—with intentions,calculations, feelings, thoughts, dreams, memories, and so on, in
individual minds. World 3, he said, is the world of objective, real, and public structures which are the not-
necessarily-intentional products of the minds of living creatures, interactingwith each other and with the
natural World 1. (Tradução do autor).
185
instituições que participam dessa interconectividade e, finalmente, o espaço
(virtual, social, informacional, cultural e comunitário) que se desdobra das
inter-relações homem-máquina (LEÃO, 2003, p.158).
101 First it is primarily a medium of communication between participants. This communication may be
of information and concepts, or art and imagination. The medium is accessed through an interface that
allows the participant to cross the screen barrier and become a part of the environment. […]It is a place
where individuals can encounter the real, the imaginary, and greater questions such as self and death. It is
a place where the storehouse of human knowledge can grow and be more accessible to more people.
(Tradução do autor).
186
Diegese vem do grego diègèsis e em termos simples indica a história, a
narrativa e o mundo particular que ela cria. No terceiro volume da República de Platão
há um detalhamento mais preciso do significado original do termo, intrinsecamente,
ligado em como o narrador conta a sua história e estabelecendo uma diferença entre a
diègèsis e a mimesis explicadas por Aumont e Marie (2007, p. 78) em seu Dicionário
Teórico e Crítico de Cinema:
[...] para Platão o campo da lexis (maneira de dizer; oposta a logos: o que é
dito) se divide em imitação propriamente dita (mimesis) e simples narrativa
(diègèsis). Essa “simples narrativa” designa tudo o que o poeta conta
”falando em seu próprio nome, sem tentar nos fazer acreditar que é outro que
fala”(o que é o caso da mimesis) (AUMONT; MARIE, 2007, p. 78).
Pelo que foi dito, ao estruturar sua narrativa, o autor ou narrador estabelece
também um conjunto único de lugares, personagens, relações, acontecimentos; um
conjunto com uma lógica própria, de espaço e tempo singulares; um mundo que vai
compartilhar com aqueles que de algum modo entram em contato com sua narração,
seja ela de forma oral, com imagens dentro de um cinema, nas páginas de um livro ou
em tela de computador. Um mundo que a diegese constitui, aglutina e que surge do
encontro daquele que narra com aquele que frui da narrativa, um mundo diegético,
conceito hoje não apenas ligado às narrativas cinematográficas, mas também aplicável,
com as devidas especificidades, aos meios digitais.
102 Aristóteles trata os dois termos como duas formas diferentes de imitação.
187
Para entender melhor a ideia do que seria um elemento desse mundo, criado
a partir de uma narrativa, podemos utilizar a classificação proposta por Gerárd Genette
que estabelece dois níveis de inserção de um elemento na diegese.
O primeiro nível seria o que Genette chama de extradiegético. Um exemplo
clássico seria uma música ou tema incidental que ouvimos em um trecho de um filme e
que é colocada ali para criar um determinado “clima”, que pode ser de tensão, horror ou
descontração. O tema musical do filme Tubarão (Jaws, de Steven Spilberg, 1975), que
começa lentamente e vai acelerando seu ritmo enquanto o monstro se aproxima de suas
vítimas, seria um exemplo clássico. Apesar de diretamente ligada às aparições do
tubarão, a música não faz parte do mundo da narrativa. Ela é um elemento externo,
extradiegético, colocado ali para buscar um determinado efeito ou reação do espectador.
Diferente é a situação de um músico que no filme toca seu instrumento para
a câmera e para o espectador. O som da sua performance faz parte da diegese e,
portanto, na classificação de Genette, é intradiegético, ou seja, é um elemento do mundo
diegético particular criado pela narrativa.
188
permite o desenvolvimento dos eventos que a constituem e a consequente criação do seu
mundo diegético particular.
Face à proliferação e diversidade indefinida das narrativas do mundo, uma
questão se levantou muito cedo: seria possível descobrir as características do
que fosse uma narrativa, uma narrativa mínima, espécie de célula na base de
toda a vida narrativa? Ou, para a formular de outro modo: haverá uma
operação mínima de narratividade que, atualizada num texto, me permita
reconhecê-lo como uma narrativa e que seria como que o seu núcleo?
Concorda-se que essa narrativa mínima corresponderia à figura nuclear
seguinte: equilíbrio desequilíbrio reequilíbrio. O que se poderia
parafrasear assim: na sequencia de um acontecimento, um mundo, até então
estável, fica desequilibrado. Depois, tenta recuperar a estabilidade, quer pela
instauração de um novo equilíbrio, quer pelo regresso ao primeiro equilíbrio.
É neste princípio da tríade estrutural que se baseia em grande medida a
abordagem de Claude Brémond, que retoma e desenvolve as idéias de
Vladimir Propp (GUARDIES, 2008, p.76).
É possível, portanto, conceber que, mesmo nas suas formas mais básicas, o
ciberespaço e as narrativas têm uma essência em comum: o binômio equilíbrio-
desequilíbrio, condição fundamental para sua dinâmica de existência e
desenvolvimento.
Pensar o ciberespaço como um mundo diegético implica também em
encontrar nele as formas que operacionalizam as narrativas de modo geral, tais como
tempo, espaço, personagens e ação, esta última já, de certa forma, encontrada na gênese
de ambos os conceitos como se mostrou acima.
Uma questão levantada por Cohen (2007, p.212) é que tipo de espaço o
ciberespaço seria. Especialista em direito, o autor resume as posições relativas à
questão:
Teóricos que estudam lugar e espaço reconhecem três categorias gerais de
lugares socialmente construidos, cada um deles para expressar e servir a
funções muito diferentes. Utopia são lugares imaginários através dos quais
seus arquitetos articulam visões de uma ordem social ideal. Isotopia são
lugares construidos, ou deliberadamente ou pela força do hábito, sob a forma
de lugares existentes. A relação entre o ideal e o real e entre o ideal e seu
oposto, a dystopia, são tópicos muito explorados. O ideal e o análogo,
entretanto, não esgotam nossas narrativas sobre lugares. Em uma instigante
palestra em 1967, Michel Foucault ofereceu o termo "heterotopia" para
descrever um terceiro tipo de lugar que ele analisou como peculiar na
constituição de diferentes sociedades humanas103 (COHEN, 2007, p.214).
103 Social theorists who study place and space recognize three general categories of constructed places,
each of which serves and expresses very different functions. Utopia are imaginary places through which
their designers articulate visions of ideal social ordering. Isotopia are constructed, whether deliberately or
by force of habit, after the pattern of existing places. The interplay between the ideal and the real, and
between the ideal and its opposite, the dystopia, are much explored topics.The ideal and the analogous,
however, do not exhaust our narratives of place. In a provocative lecture in 1967, Michel Foucault offered
the term “heterotopia” to describe a third type of place that he viewed as peculiarly constitutive of distinct
human societies. (Tradução do autor).
189
curioso, nos fundos um espaço tridimensional é projetado sobre uma tela em
duas dimensões104 ( FOUCAULT; MISKOWIEC, 1986, p.26).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
104 The heterotopia has the power of juxtaposing in a single real place different spaces and locations that
are incompatible with each other. Thus on the rectangle of its stage, the theater alternates as a series of
places that are alien to each other; thus the cinema appears as a very curious rectangular hall, at the back
of which a three-dimensional space is projected onto a two-dimensional screen. (Tradução do autor). O
texto da palestra de 1967 só foi publicado primeiramente em francês em 1984 e em inglês em 1986.
190
constituem uma tecnologia da explicitação. Através da tradução da
experiência sensória imediata em símbolos vocais, a totalidade do mundo
pode se evocada e recuperada, a qualquer momento (MACLUHAN, 2007, p.
77).
REFERÊNCIAS
AUMONT, Jacques; MARIE, Michel. Dicionário teórico e crítico de cinema. 3.ed.
tradução Eloisa Araújo Ribeiro. Campinas: Papirus, 2007.
COHEN, Julie. Cyberspace as/and Space. Columbia Law Review. v. 107, n. 1, p. 201-
256, jan. 2007. Disponível em
<http://www.columbialawreview.org/assets/pdfs/107/1/Cohen.pdf> Acesso em: 26 fev.
2011.
191
LEÃO, Lúcia. O Labirinto e a Arquitetura do Ciberespaço. In: NOJOSA, Urbano ;
GARCIA, Wilton ( Org.). Comunicação e Tecnologia. São Paulo: Nojosa, 2003 , p.
153-167.
192