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5618-Texto Do Artigo-26650-1-10-20180730
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2018
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.2447-4266.2018v4n5p69
RESUMO
Esta pesquisa busca analisar práticas de letramento em um contexto quilombo-
la, partindo de um contexto micro, a sala de aula, para um contexto macro, a
comunidade, buscando compreender, em última instância, a inter-relação das
práticas processadas nesses dois contextos. Como referência para a análise, a-
dotamos as contribuições da Sociolinguística (Antunes, 2008; Bagno, 2002,
2007; Bortoni-Ricardo, 2005) e dos Estudos do Letramento (Kleiman, 1995; Rojo,
2009; Soares, 2003; Street, 2007, 2008; Street e Street, 2004; Tfouni, 2006), entre
outros. Os resultados da pesquisa relevam que a forma como o grupo colabo-
1
Doutorando em Linguística na Universidade de Brasília (UnB). Mestre em Educação pela Uni-
versidade de Brasília (UnB). Graduado em Letras Português e Respectivas Literaturas pela Uni-
versidade de Brasília (UnB). E-mail: eddnney@hotmail.com.
2
Doutora em Linguística pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre em Linguís-
tica pela Universidade de Brasília (UnB). Graduada em Comunicação Social pela Universidade de
Brasília/UnB. Professora da Faculdade de Educação (FE) da Universidade de Brasília (UnB). E-
mail: verafr@globo.com.
3
Endereço de contato dos autores (por correio): Universidade de Brasília, Faculdade de Educa-
ção - MTC. Campus Universitário Darcy Ribeiro/FE 1, Asa Norte. Cep: 70910900 - Brasília, DF –
Brasil.
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rador utiliza o letramento em sua vida diária varia conforme as diferentes con-
cepções de leitura e escrita e de linguagem, bem como de acordo com os dife-
rentes usos dos letramentos que se materializam nos diferentes domínios soci-
ais da comunidade.
ABSTRACT
This research aims to analyze literacy practices inside a quilombola context,
starting from a micro (classroom) to a macro (community) context. Ultimately, it
also searches to comprehend the interrelation of practices processed between
both contexts. The contributions of Sociolinguistics (Antunes, 2008; Bagno,
2002, 2007; Bortoni-Ricardo, 2005) and Literacy Studies (Kleiman, 1995; Rojo,
2009; Soares, 2003; Street, 2007, 2008; Street e Street, 2004; Tfouni, 2006),
among others, have been adopted as references. The results show that literacy
is used by the sample group, in its daily life, in different ways, based on the sev-
eral conceptions of reading and writing, and speech, as well as in accordance
with the different usages of literacies, which are materialized in different social
contexts of the community. In addition, the study emphasizes the necessity of
linking practices processed in school with the multiple literacies present in the
community context.
RESUMEN
Esta investigación busca analizar prácticas letradas en un contexto quilombola,
partiendo de un contexto micro, el aula, para un contexto macro, la comunidad,
buscando comprender, en última instancia, la interrelación de las prácticas pro-
cesadas en esos dos contextos. Como referencia para el análisis, adoptamos las
contribuciones de la Sociolingüística (Antunes, 2008, Bagno, 2002, 2007, Borto-
ni-Ricardo, 2005) y de los Estudios de la Literacidad (Kleiman, 1995; Rojo, 2009;
Soares, 2003; Street, 2007, 2008; Street y Street, 2004, Tfouni, 2006), entre otros.
Los resultados de la investigación subrayan que la forma en que el grupo cola-
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borador utiliza la literacidad en su vida diaria varía según las diferentes concep-
ciones de lectura y escritura y de lenguaje, así como de acuerdo con los diferen-
tes usos de las literacidades que se materializan en los diferentes ámbitos socia-
les de la comunidad.
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Introdução
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O presente estudo resulta de recorte da pesquisa de mestrado realizada por Edinei Carvalho
dos Santos - vinculada ao Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade de Brasília
(PPGE/UnB) - sob orientação da professora dra. Vera Aparecida de Lucas Freitas.
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(NEL), corrente teórica que concebe a língua como atividade e produto de prá-
ticas sociais, uma rápida análise sobre a realidade do ensino de língua no Brasil
revela que ainda existe na escola uma resistência em abordar definitivamente o
estudo da língua materna como objeto em si mesmo (Cf. BAGNO, 2002).
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Nesse sentido, vale trazer aqui a análise de Bagno (2007, p. 66). Segundo
esse autor, “a língua não se manifesta nem em palavras soltas nem em frases
isoladas e descontextualizadas”. Pelo contrário, toda e qualquer manifestação
de linguagem, falada ou escrita, é, segundo ele, necessariamente, invariavel-
mente e inevitavelmente um texto (BAGNO, 2007).
Ainda, de acordo com Bagno (BAGNO, 2007, p. 66), “outro problema sé-
rio da Gramática Tradicional – sem dúvida, o mais grave – é que seu foco de
interesse é extremamente restrito”, resultado, sobretudo, de uma visão tradicio-
nal de língua. Gnerre (2009, p. 30) compartilha da mesma análise ao afirmar que
“A visão tradicional de língua é muito restrita, com uma ênfase forte sobre as
estruturas linguísticas”. Isso pode ser justificado, em certa medida, tendo em
vista que “Todo o aparato de conceitos, definições e instrumentos de análise
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que ela oferece se limita ao estudo da frase: o ponto final da frase escrita é o
ponto final da análise gramatical” (BAGNO, 2007, p. 66).
Como nos ensina Cagliari (2009), o objetivo mais geral do ensino de Lín-
gua Portuguesa para todos os anos da escola é mostrar como funciona a lin-
guagem humana e, de modo particular, o português; quais os usos que tem, e
com os alunos devem fazer para entenderem ao máximo, abrangendo metas
específicas, esses usos nas suas modalidades escrita e oral, em diferentes situa-
ções de vida. Para que isso aconteça, de fato, deve-se considera o ensino-
aprendizagem da língua materna como uma realidade “Eminentemente textual
e discursiva, devidamente situada e contextualizada” (ANTUNES, 2008, p. 176).
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teração verbal”. E com Brandão (2003, p. 17) que defende que uma abordagem
da “dimensão discursiva do texto pressupõe uma concepção sociointeracionista
da linguagem centrada no problema da interlocução”, acrescentando a essas
propostas que somente um ensino contextualizado, dialógico e historicamente
situado é capaz de estreitar o hiato que se forma entre a escola, a vida social
dos alunos e a aprendizagem efetiva do uso de sua língua materna.
Soares (2003) observa que, a partir dos anos 1980, a tradição psicológica
e histórica, predominantes nos estudos e pesquisas sobre o letramento, somou-
se a uma perspectiva social e etnográfica que se consolidou, nos anos 1990, sob
a denominação de “Novos Estudos do Letramento (NEL)”5, de que são obras de
destaque Ways with words (1983), de Shirley Brice Heath e Literecy in theory
and pratice, de Brian Street (1984). Segundo essa autora, essa nova perspectiva
trouxe, além de novos princípios e pressupostos teóricos sobre o letramento,
alguns instrumentais de análise, entre os quais se destacam dois pares de con-
ceitos: modelos autônomo/ideológico de letramento e práticas/eventos de le-
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Corrente de pensamento teórica que concebe o letramento como prática social; tradição res-
ponsável por questionar concepções hegemônicas e dominantes do letramento.
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tualizado e ambíguo; no caso dos usos letrados, por sua vez, teríamos um racio-
cínio abstrato, descontextualizado e lógico.
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Pesquisa de Mestrado vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação/PPGE da Uni-
versidade de Brasília (UnB). Para a constituição do corpus da pesquisa e desvelamento dos sig-
nificados da realidade social em estudo, o autor adotou os seguintes procedimentos etnográfi-
cos de geração de dados: observação participante, entrevistas semiestruturadas, notas em diário
de campo, aplicação de questionários, registros audiovisuais, registros fotográficos e coleta de
documentos institucionais. Para a geração de dados, o pesquisador selecionou, utilizando o
critério de disponibilidade, uma professora quilombola, que atuava na 3ª série (4º ano) do Ensi-
no Fundamental, bem como seus alunos, de um total de 25, para serem os principais sujeitos
colaboradores da pesquisa (SANTOS, 2014).
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Situada a 60 km de Brasília, a comunidade Mesquita constitui o núcleo de descendentes de
escravos mais próximo da Capital Federal. A comunidade está situada na zona rural da Cidade
Ocidental (GO). Possui pouco mais de 775 famílias e conta com uma população estimada em
3.000 habitantes; população em sua maioria da raça negra, descendentes de escravos de matriz
africana, reconhecida pela Fundação Cultural Palmares (FCP) como remanescente de quilombo-
las, por meio da inscrição da certidão de autorreconhecimento no Instituto Nacional de Coloni-
zação e Reforma Agrária (INCRA), publicada no Diário Oficial da União (DOU) em 19 de maio de
2006. Seus ancestrais são africanos da etnia Malês, possivelmente, islamizados, com origem do
Sudão (SILVA, 2003), trazidos para o antigo arraial de Santa Luzia (hoje Luziânia), na época da
escravidão, entre os anos de 1746 e 1775, para trabalhar na lavra do ouro durante o ciclo da
mineração; atividade iniciada por sertanista, nas terras do Brasil Central, durante o século XVIII
(SANTOS, 2014).
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Em todas as transcrições do presente estudo, o sinail de + representa um pausa pequena na
fala dos sujeitos colaboradores, e os sinais de ++ representam pausas maiores.
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Visando preservar a identidade dos participantes, todos os nomes dos sujeitos colaboradores
apresentados na pesquisa são fictícios.
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aluno mostra uma certa aversão pela atividade “responder tarefa para a profes-
sora” (E13), evento de letramento típico da esfera escolar. Como alternativa a
essa prática pedagógica, legitimada e consagrada na escola, evidenciando sua
identidade leitora, ele revela em seu discurso a preferência por outro tipo de
evento de letramento: a leitura de histórias (E17), classificada, segundo ele, pela
extensão do texto: [...] eu não gosto de textos pequenos de ler, não, porque a
gente mal lê, já acabou, (E19) (gosta de ler). Assim, texto grande, é, assim, textos
de histórias.
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mundo e o contexto social, histórico e cultural dos alunos. Sobre o assunto, So-
ares discorre que
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sultam muito mais interessantes para elas do que as formas escolares, que po-
dem ser classificadas como canônicas, formais, rígidas ou impostas.
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tem essa crença e os pais que também não, num incentivam o filho,
né, pra isso também, deixando-os na escola com outras pessoas res-
ponsáveis (Professora Colaboradora).
Fonte: Santos, 2014.
Ver-se que nesses recortes a fala da professora foge a essa noção de le-
tramento, já que a sua ação pedagógica está relacionada ao contexto social e
cultural dos alunos. Observa-se que, no tipo de prática pedagógica mencionada
pela professora, ela foge à noção neutra de aprendizagem, optando pela esco-
lha de conteúdos que possibilitam a problematização da realidade social, bem
como a conscientização sobre a constituição e origem histórica dos alunos, a-
presentando uma alternativa ao modelo hegemônico de letramento esco-
lar/autônomo - geralmente, imposto, conservador -, promovendo uma relação
dialógica entre os conteúdos produzidos/ensinados em sala de aula e a realida-
de social, cultural e histórica na qual eles estão envolvidos. Esse trabalho nos
remete, nos termos de Freire (2011), para um processo de alfabetização voltado,
essencialmente, para a formação de uma consciência crítica sobre a realidade
social e, nos termos de Street (2008), para uma abordagem ideológica de letra-
mento.
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Considerações finais
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deve ser situado e considerar os contextos sociais e culturais mais amplos. Isso
significa considerar as práticas e eventos de letramento para além do domínio
da escola, já que “os significados e usos do letramento estão profundamente
imersos nos valores e nas práticas da comunidade, ainda que muitos estudos
tendem associá-los simplesmente à escolarização e à pedagogia” (STREET; S-
TREET, 2004, p.181, tradução nossa).
Referências
ALVES, Maria do Rosário. R. O ensino de gramática nas séries iniciais. In: BOR-
TONI-RICARDO, Stella Maris [et al.] (orgs.). Por que a escola não ensina
gramática assim? São Paulo: Parábola, 2013.
ANTUNES, Irandé. Língua, texto e ensino: outra escola possível. São Paulo:
Parábola Editorial, 2008.
BAGNO, Marcos. Língua materna, letramento, variação e ensino. São Paulo:
Parábola Editorial, 2002.
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