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Universidade Federal de Minas Gerais

Faculdade de Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação

Edmilson Minoru Torisu

MOTIVOS PARA ENVOLVIMENTO EM TAREFAS INVESTIGATIVAS


EM AULAS DE MATEMÁTICA À LUZ DA TEORIA DA ATIVIDADE:
UM ESTUDO COM ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Belo Horizonte
2014
Edmilson Minoru Torisu

MOTIVOS PARA ENVOLVIMENTO EM TAREFAS INVESTIGATIVAS


EM AULAS DE MATEMÁTICA À LUZ DA TEORIA DA ATIVIDADE:
UM ESTUDO COM ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Tese apresentada ao Curso de Doutorado do


Programa de Pós-Graduação Conhecimento e
Inclusão Social, da Faculdade de Educação, da
Universidade Federal de Minas Gerais, como
requisito parcial à obtenção do título de doutor em
Educação

Orientadora: Professora Jussara de Loiola Araújo

Belo Horizonte
2014
T683 Torisu, Edmilson Minoru, 1967-
T Motivos para envolvimento em tarefas investigativas em aulas de
matemática à luz da teoria da atividade : um estudo com alunos do ensino
fundamental / Edmilson Minoru Torisu. - Belo Horizonte, 2015.
203 f., enc, il.

Tese - (Doutorado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de


Educação.
Orientadora : Jussara de Loiola Araújo.
Bibliografia : f. 182-190.
Apêndices : f. 199-203.
Anexos : f. 191-198.

1. Educação -- Teses. 2. Matemática -- Estudo e ensino -- Teses.


3. Educação matemática -- Teses. 4. Matemática -- Aspectos psicológicos --
Teses. 5. Motivação na educação -- Teses. 6. Psicologia da aprendizagem --
Teses. 7. Psicologia educacional -- Teses.
I. Título. II. Araújo, Jussara de Loiola. III. Universidade Federal de Minas
Gerais, Faculdade de Educação.

CDD- 510.7
Catalogação da Fonte : Biblioteca da FaE/UFMG
Edmilson Minoru Torisu
MOTIVOS PARA ENVOLVIMENTO EM TAREFAS INVESTIGATIVAS
EM AULAS DE MATEMÁTICA À LUZ DA TEORIA DA ATIVIDADE:
UM ESTUDO COM ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação, da Faculdade de Educação da


Universidade Federal de Minas Gerais, em 15 de dezembro de 2014, e aprovada pela banca
examinadora composta pelos seguintes professores:

________________________________________________________
Profa. Dra. Jussara de Loiola Araújo – UFMG – Orientadora

________________________________________________________
Profa. Dra. Ana Cristina Ferreira – UFOP – Examinadora

_________________________________________________________
Prof. Dr. Arthur Belford Powell – Rutgers University – Examinador

_________________________________________________________
Profa Dra. Maria de Fátima Cardoso Gomes – UFMG – Examinadora

_________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Inês Mafra Goulart – UFMG – Examinadora

_________________________________________________________
Profa. Dra. Diva Souza Silva – UFU – Examinadora Suplente

_________________________________________________________
Profa. Dra. Teresinha Fumi Kawasaki - UFMG – Examinadora Suplente

Belo Horizonte, 15 de dezembro de 2014


AGRADECIMENTOS

Neste momento, quero agradecer a muitas pessoas que, de uma forma ou de outra,
estiveram ao meu lado durante a realização do doutorado. Algumas caminharam ao meu lado,
dia a dia, sempre me fazendo acreditar que valeria a pena. Outras, eu pude encontrar menos,
mas quando precisei, estavam de braços abertos para me receber.
Agradeço:
A DEUS, sempre.
Aos meus queridos PAIS, Matias e Helena, meus queridos IRMÃOS e meus queridos
SOBRINHOS. Obrigado por ligarem exatamente naquele dia em que eu precisava ouvir uma
palavra amiga.
À professora Jussara de Loiola Araújo, pela sua orientação cuidadosa e batalha
incansável para que tudo saísse da melhor maneira. Obrigado por tudo que me ensinou e pelo
seu comprometimento semanal conosco. Obrigado, também, por nos socorrer nos momentos
de desânimo.
À professora e aos alunos dos nonos anos, B e C, da escola em que fiz a pesquisa de
campo. Obrigado pela acolhida e por me permitirem participar de muitos momentos das suas
vidas. Obrigado aos alunos Paulo, Lauro, Leandro e Gabriel, por terem dedicado parte de seu
tempo para as entrevistas fora da sala.
Aos colegas do grupo de orientação: Alessandra, Ana Paula, Bruna, Célio, Francisco,
Ilaine, Rutyele e Wanderley, pelas leituras e discussões que só fizeram o trabalho se
aprimorar.
Ao grupo da Educação Matemática da FaE e aos professores da Pós-Graduação.
Um especial agradecimento à Ana Paula e ao Fernando, pela preciosa ajuda nesta
etapa final. Vocês foram demais!
Francisco, obrigado pelo café colombiano.
Aos colegas do grupo sobre Teoria da Atividade: André, Beth, Cristina Ferreira, Diva,
Eduardo, Ilaine, Jorge, Jussara, Manuela, Marinês, Teresinha e Vanessa, por me receberem no
grupo, desde 2011, e me ensinarem muito sobre TA. Como eu gostava das reuniões!
Ao CNPq, pelo auxílio financeiro que possibilitou a realização deste trabalho.
À CAPES, pelo auxílio financeiro para o doutorado sanduíche nos Estados Unidos.
Aos meus amigos Alexandre Wallas e Martinho, pelos momentos de alegrias e
reclamações. De reclamações e alegrias.
À Dona Marlene, amiga de minha família, pela amizade e proteção.
À Rose, Daniele e Gilson, da secretaria da pós-graduação, pela simpatia que parece
‘para sempre’. Preciso aprender com vocês.
À Rutgers University por ter me recebido durante o doutorado sanduíche. Obrigado à
Kandy pelas ajudas, desde o início do processo para a viagem.
Aos amigos, Heitor e Carol, por terem se tornado meus pais nos Estados Unidos.
Aos membros da banca:
Professora Ana Cristina Ferreira, pelo apoio irrestrito e por acreditar em mim desde a
especialização. Meu obrigado não é somente pelas leituras cuidadosas, mas por ter me
ensinado muito do que hoje sei. Obrigado por me ouvir em momentos importantes. Obrigado,
só por me ouvir.
Ao professor e amigo, professor Arthur Belford Powell, por ter me recebido de braços
abertos na Rutgers University, nos Estados Unidos. Obrigado pelos ensinamentos acadêmicos
e obrigado pelos ensinamentos de vida.
Professora Diva Souza Silva por se dispor a ler meu trabalho e dar opiniões que
acrescentarão muito ao seu conteúdo. Saiba de minha admiração por você.
Professora Maria de Fátima Cardoso Gomes (Mafá), por ter me ensinado muito em sua
disciplina, por ter sido parecerista do meu projeto de pesquisa e por ter me dado a honra de
estar em minha banca.
Professora Maria Inês Mafra Goulart, por tudo. Ah, Marinês! Você se tornou uma
pessoa muito querida. Não somente pela paciência de discutir as ideias ‘loucas’ que eu tinha,
mas, sobretudo, porque você apostava nelas. Ainda vou chegar a ter a sua desenvoltura e
sabedoria para falar, falar, falar e tudo fazer sentido.
Professora Teresinha Fumi Kawasaki, pela leitura cuidadosa do meu trabalho, mas,
sobretudo, por ter me ensinado, silenciosamente, muitas coisas boas. Obrigado por ter me
aguentado todo este tempo, como seu tutor na EAD e por compartilhar, comigo, o gosto pelas
plantas.
À minha família
O importante e bonito do mundo é
iss
isso: que as pessoas não estão
sempre iguais, ainda não foram
terminadas,, mas que elas vão
terminadas
sempre mudando,,
mudando afinam e
desafinam.
Guimarães Rosa
RESUMO

Esta pesquisa teve como foco o estudo dos motivos dos alunos para participação em tarefas
investigativas na aula de Matemática. Nesse sentido, o principal objetivo foi relacionar o
envolvimento desses alunos em ambientes denominados cenários para investigação e uma
possível aproximação entre os seus motivos e o objeto dessa atividade. Para uma
compreensão de atividade, motivos e objeto, busquei apoio na Teoria da Atividade, que
embasou este estudo, e cujas raízes encontram-se nos estudos de Vygotsky, com destaque,
também, para Leontiev, Davydov e Engestrӧm. A abordagem metodológica foi qualitativa. A
pesquisa de campo ocorreu ao longo de um semestre, período no qual acompanhei aulas de
Matemática de duas turmas do nono de uma escola pública de Belo Horizonte, Minas Gerais.
Ao longo da minha estada na turma, propus quatro tarefas investigativas aos alunos, que se
dividiam em grupos de quatro ou cinco integrantes para sua realização. Optei por analisar, de
forma mais pormenorizada, a realização de duas das tarefas por parte de um grupo com quatro
alunos, com idades que variavam de 14 a 17 anos. Os procedimentos metodológicos foram
observação participante; duas entrevistas semiestruturadas; registros escritos das tarefas;
questionários aplicados após as tarefas; gravações em áudio e vídeo da sala de aula, durante
os trabalhos. Os resultados mostraram que os alunos, ao verbalizarem seus motivos para
participação nas tarefas propostas, reproduzem o discurso que representa o significado social
que a Matemática tem, como algo de utilidade para o cotidiano e para o sucesso profissional
no futuro. O aceite ao convite para participar dos cenários para investigação é impulsionado
por motivos locais, como ‘cumprir o papel de aluno realizando a tarefa’, ‘manter uma boa
imagem de aluno’, e isso coloca os alunos em ação, caracterizando seu envolvimento. O
envolvimento está vinculado ao aceite ao convite. Outros motivos locais, como ‘gostar de
Matemática’ ou ‘vencer o desafio da tarefa’, além de impulsionarem o aceite e, como
consequência, o envolvimento, parecem ter uma aproximação maior com a Matemática
presente nos objetos das atividades, como o plano de telefonia celular.

Palavras-chave: Motivos, Envolvimento, Cenários para Investigação, Teoria da Atividade,


Educação Matemática.
ABSTRACT

This research focused on the study of students' motives for participation in investigative tasks
in the mathematics classroom. In this sense, the main objective was to relate the involvement
of these students in environments called landscapes of investigation and possible
rapprochement between their motives and the object of this activity. For an understanding of
activities, motives and object, sought support in the Activity Theory, which grounded this
study, and whose roots lie in studies of Vygotsky, to also highlight Leontiev, Davydov and
Engestrӧm. The methodological approach was qualitative. The fieldwork took place over one
semester, during which time the researcher followed Mathematics lessons of two ninth grade
classes in a public school in Belo Horizonte, Minas Gerais. Throughout my stay in the class,
proposed four investigative tasks to the students, who were divided into groups of four or five
members to work on the tasks. I chose to analyze, in more detail, their work on two tasks by a
group of four students, with ages ranging from 14 to 17 years old. The methodological
procedures were participant observation; two semi-structured interviews; written records of
the tasks; questionnaires after the tasks; audio and video recordings in the classroom during
work. Results showed that students, to verbalize their motives for participating in the
proposed tasks, reproduce speech about the social significance of mathematics, as something
useful for everyday life and for professional success in the future. The accepted the invitation
to participate in landscapes of investigations for research is driven by local motives as
'fulfilling the role of student performing the task,' 'maintain a good image of student', and for
these motives they became involved in the tasks. They were involved because they accepted
the invitation. Other local motives such as 'like mathematics' or 'the challenge of the task',
accounted for their involvement as well as their relationship to objects that were in the
mathematical task such as a cellphone plan.

Keywords: Motives, Involvement, Landscapes of Investigation, Activity Theory, Mathematics


Education.
LISTA DE QUADROS

QUADRO 1: A TA em Leontiev e em Engeström 49


QUADRO 2: Ambientes de aprendizagem 67
QUADRO 3: Apresentação dos alunos Paulo, Lauro, Leandro e Gabriel 88
QUADRO 4: Cronograma da pesquisa empírica 91
LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1: Estrutura da atividade segundo Vygotsky 29


FIGURA 2: Níveis hierárquicos de Leontiev 36
FIGURA 3: Modelo do sistema de atividades 40
FIGURA 4: Atividade orientada por um motivo 50
FIGURA 5: Atividade orientada por vários motivos 50
FIGURA 6: Disposição dos alunos 116
FIGURA 7: Disposição dos alunos 120
FIGURA 8: Paulo mostrando suas ideias para o pesquisador I 124
FIGURA 9: Paulo mostrando suas ideias para o pesquisador II 126
FIGURA 10: Paulo mostrando suas ideias para Leandro e Gabriel 127
FIGURA 11: Atividade – plano de telefonia celular 144
FIGURA 12: Atividade – ampliação do tangran 145
FIGURA 13: O movimento das atividades 148
FIGURA 14: Regra da família tornando-se motivo 151
FIGURA 15: Regra da escola tornando-se motivo 154
FIGURA 16: Motivos em camadas 172
SUMÁRIO

A CAMINHADA RUMO AO DOUTORADO .................................................................... 13

CAPÍTULO 1 - A TEORIA DA ATIVIDADE.....................................................................20


1.1 Atividade humana ............................................................................................................ 20
1.2 As gerações da Teoria da Atividade................................................................................ 25
1.2.1 A primeira geração ......................................................................................................... 26
1.2.2 A segunda geração.......................................................................................................... 30
1.2.3 A Terceira geração ......................................................................................................... 37
1.3 A Teoria da Atividade segundo Engeström ................................................................... 39
1.4 O objeto e o motivo da atividade ..................................................................................... 44
1.5 A Atividade de Aprendizagem ........................................................................................ 53
1.6 Uma síntese........................................................................................................................ 58

CAPÍTULO 2 - INVESTIGAÇÃO NA AULA DE MATEMÁTICA ................................ 60


2.1 Como investigar na aula de Matemática ........................................................................ 61
2.1.1 Uma perspectiva para investigação ................................................................................ 61
2.1.2 Cenários para investigação ............................................................................................ 65

CAPÍTULO 3 - INVESTIGAÇÃO, ENVOLVIMENTO, MOTIVOS: PALAVRAS


PARA CONECTAR ............................................................................................................... 70
3.1 Investigações na aula de Matemática ............................................................................. 70
3.2 Envolvimento e Motivos ................................................................................................... 73
3.3 Motivos na perspectiva histórico-cultural ...................................................................... 74

CAPÍTULO 4 - ASPECTOS METODOLÓGICOS ............................................................ 79


4.1 A natureza da pesquisa .................................................................................................... 79
4.2 A opção teórica ................................................................................................................. 82
4.3 A escola e os sujeitos ......................................................................................................... 86
4.4 O contato com a professora, as observações iniciais e o início das intervenções ........ 89
4.5 Procedimentos metodológicos.......................................................................................... 92
4.5.1 A observação participante .............................................................................................. 92
4.5.2 A triangulação dos dados ............................................................................................... 94
4.5.3 O questionário................................................................................................................. 95
4.5.4 O vídeo ............................................................................................................................. 96
4.5.5 Entrevistas – parte I ........................................................................................................ 97
4.5.6 Entrevista – parte II ........................................................................................................ 99
4.6 Retratos das vidas dos alunos ........................................................................................ 100

CAPÍTULO 5 - DUAS TAREFAS INVESTIGATIVAS – INICIANDO A ANÁLISE


DOS DADOS ......................................................................................................................... 114
5.1 O plano de telefonia de Paulo, Lauro, Gabriel e Leandro. ......................................... 114
5.2 O Tangram ampliado de Paulo, Lauro, Leandro e Gabriel ....................................... 119
5.3 Um pouco sobre comunicação em cenários para investigação ................................... 127
5.4 Podemos falar em cenário para investigação? ............................................................. 128

CAPÍTULO 6 - CONTINUANDO A ANÁLISE DOS DADOS ....................................... 135


6.1 Retomando ideias importantes ...................................................................................... 135
6.2 Explicando o processo de análise ................................................................................. 137
6.3 Buscando motivos para o envolvimento na tarefa investigativa de Matemática ...... 138
6.4 A atividade ...................................................................................................................... 144
6.5 Situação social de desenvolvimento e motivo disparador ........................................... 145
6.6 Os retratos viram filme: o movimento na atividade investigativa ............................. 147
6.6.1 Cenas de família ........................................................................................................... 149
6.6.2 Cenas de escola ............................................................................................................. 152
6.7 Mais entrelaçamentos de atividades ............................................................................. 155
6.7.1 Os motivos de Paulo ..................................................................................................... 157
6.7.2 Os motivos de Lauro ..................................................................................................... 162
6.7.3 Os motivos de Leandro ................................................................................................. 165
6.7.4 Os motivos de Gabriel ................................................................................................... 169
6.8 Finalizando..................................................................................................................... 172

O QUE FICA?/DESDOBRAMENTOS .............................................................................. 174

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 182

ANEXO A .............................................................................................................................. 191

ANEXO B .............................................................................................................................. 192

ANEXO C .............................................................................................................................. 196

ANEXO D .............................................................................................................................. 197

ANEXO E .............................................................................................................................. 198

APÊNDICE A ....................................................................................................................... 199

APÊNDICE B........................................................................................................................ 202


13

A CAMINHADA RUMO AO DOUTORADO

Este estudo, que aqui apresento, surgiu após vários anos em sala de aula, como
professor de Matemática para os ensinos fundamental e médio. Percebia que, de forma geral,
a relação dos alunos com a Matemática não era muito amistosa e muitos pareciam rejeitá-la.
Incomodado com essa situação utilizei, em alguns momentos, novas abordagens para o ensino
de alguns conteúdos, visando maior interesse dos alunos.
Elegia, sobretudo, abordagens que pudessem se diferenciar dos métodos tradicionais,
em que os alunos são receptores e os professores transmissores do conteúdo, a exemplo da
educação bancária discutida por Freire (1978). Ou ainda aquelas que, em alguma medida, se
contrapunham ao que Skovsmose (2000) denomina paradigma do exercício.
Na perspectiva desse paradigma, a Educação Matemática tradicional dá-se da seguinte
forma: o professor apresenta algumas ideias e ensina algumas técnicas que os alunos
utilizarão em exercícios posteriores. Nesse modo de ensinar Matemática, não há espaço para
questionamentos ou participação dos alunos. A resposta para cada exercício é única e
universal (SKOVSMOSE, 2000).
Algumas abordagens trouxeram bons resultados. Outras, nem tanto. Bons resultados,
aqui, podem ser entendidos como uma boa aceitação dos alunos, traduzida em uma maior
participação durante as aulas. Ainda que minhas investidas tenham surtido algum efeito, em
muitos momentos me via perdido. Para experimentar novas possibilidades, sentia a
necessidade de algum suporte teórico. Algo que justificasse certa abordagem e não outra.
Até este ponto, tentei mostrar minha visão com lentes de professor. Porém, minhas
inquietações e angústias somente puderam ser abrandadas quando voltei à universidade para
estudar mais, o que poderia me permitir usar lentes de pesquisador. Nesse sentido, decidi
ingressar no curso de especialização em Educação Matemática, oferecido pela Universidade
Federal de Ouro Preto. Meus conhecimentos acerca da Educação Matemática (EM) eram
incipentes.
Embora eu tenha utilizado a expressão ‘paradigma do exercício’ ao me referir àquilo
que algumas de minhas práticas contrapunham-se, à época eu não tinha conhecimento teórico
para fazer tal afirmação. Somente na especialização é que iniciei minhas leituras no campo da
Educação Matemática. Neste curso, entrei em contato com algumas produções da área e
aprendi muito. Fundamentalmente, adquiri algumas competências para avaliar melhor minha
prática em sala de aula e, na medida do possível, pude aprimorá-la.
14

Naquele momento, uma temática que muito me interessava tratava da relação existente
entre os aspectos cognitivos e afetivos, no processo de ensino e aprendizagem. O afeto possui
várias componentes, das quais o autoconceito a as atitudes fazem parte. Estes são construtos
que estão relacionados e influenciam, de forma decisiva, o comportamento. Segundo Brito
(1996, p. 11), atitudes são “uma disposição pessoal idiossincrática, presente em todos os
indivíduos, dirigida a objetos, eventos ou pessoas, que assume diferente direção e intensidade
de acordo com as experiências do indivíduo”. Já, o autoconceito é, de acordo com Bandura
(1986, p. 409), “uma visão composta de um indivíduo, que é formada através da experiência
direta e avaliações adotadas de outras pessoas significativas”.
Movido por esse interesse, realizei um estudo1 (TORISU, 2008) sobre as atitudes e o
autoconceito de 464 alunos do 5o e 7o anos de várias escolas públicas da cidade de Ouro
Branco, Minas Gerais. Os dados foram coletados por meio de um questionário e uma escala
do tipo Likert. Finda a especialização, decidi participar do processo seletivo para o mestrado
em Educação Matemática, na mesma instituição. Durante todo o período do mestrado
continuei em sala de aula e conciliava o estudo com o trabalho tentando, no último, aplicar os
conhecimentos que havia adquirido ou estava adquirindo.
A pesquisa de mestrado (TORISU, 2010) teve como principal objetivo verificar, como
atividades extraclasse, quando propostas a um grupo de alunos com baixo rendimento escolar
em Matemática, poderiam incrementar a credibilidade que cada um tinha em torno de sua
capacidade para aprender os conteúdos desta disciplina. Na Teoria Social Cognitiva, esses
julgamentos que as pessoas fazem sobre sua capacidade para aprender algo são denominados
crenças de autoeficácia. Para Schunk (1991), especificamente no âmbito da escola, as crenças
de autoeficácia se relacionam às convicções pessoais para realizar certa tarefa proposta e com
qualidade pré-determinada. As crenças de autoeficácia estão diretamente relacionadas à
motivação dos alunos, na medida em que, é em função desses julgamentos que o aluno (ou as
pessoas de modo geral) tem um incentivo para realizar suas ações em determinada direção,
uma vez que antecipam mentalmente o que podem fazer para realizá-las2.
Importante ressaltar que os estudos realizados na especialização e no mestrado
mostram meu interesse em questões que envolvem a relação do aluno com a Matemática, em
vários aspectos. As atitudes e o autoconceito dos alunos em relação a essa disciplina, bem
1
Constatou-se, a partir da análise estatística, que alunos do sexo feminino, de ambas as séries, têm atitudes e
autoconceito mais favoráveis em relação à Matemática e que o autoconceito, no grupo estudado, influencia as
atitudes dos alunos em relação à Matemática.
2
Alguns dos resultados mostram que: as experiências de êxito e a persuasão verbal constituem poderosas
ferramentas de autoeficácia; as sessões extraclasse, da forma como foram organizadas, contribuíram para o
incremento das crenças de autoeficácia dos alunos e aumentaram seu nível de motivação.
15

como sua autopercepção em relação às suas capacidades de aprender, traduzidas por crenças
de autoeficácia, mais ou menos robustas, podem representar um retrato do que é a Matemática
para muitos de nossos alunos.
Além da dissertação, outra grande contribuição do mestrado foi me possibilitar trilhar
o caminho metódico que o pesquisador segue, na busca por resultados que possam lançar luz
sobre seus questionamentos e, talvez, respondê-los. Meus anseios de professor passaram,
então, a dialogar mais profundamente com as inquietações de pesquisador. Agora, meu
interesse se alargara. Queria respostas, mas, fundamentalmente, desejava saber mais sobre
EM e precisava estudar.
Uma das primeiras leituras realizadas e que não tinha relação direta com o referencial
teórico utilizado no mestrado, foi o artigo de Ole Skovsmose (2000) intitulado ‘Cenários para
investigação’, no qual o autor discute a distinção entre o ensino tradicional da Matemática,
que se enquadra no paradigma do exercício, e o que ele denomina cenários para investigação.
Para Skovsmose (ibidem), a Educação Matemática baseada em cenários para investigação
pode romper com a forma engessada de se ensinar tal disciplina, por meio de ambientes de
aprendizagem em que há uma maior atuação dos alunos, agindo e refletindo sobre suas
práticas e podendo ter, por isso, acesso a uma Educação Matemática Crítica (EMC).
A principal preocupação da EMC é o desenvolvimento da materacia, que se opõe à
EM baseada somente na aquisição de habilidades para cálculos matemáticos e privilegia uma
EM que promova a participação crítica do aluno, como alguém inserido em uma sociedade, e
que discute questões relativas a ela. A EMC é uma extensão, para a Matemática, da pedagogia
libertadora defendida por Freire (1978) e que encontra adeptos em várias áreas. As ideias
preconizadas pela EMC vão ao encontro da minha vontade de possibilitar aos meus alunos
uma educação um pouco mais humanizada. Além disso, concordo com Skovsmose (2007, p.
6) quando ele considera que “cenários representam uma tentativa educacional para estabelecer
uma educação matemática com mais significado”. Quando me refiro a um ensino de
Matemática baseado na EMC e em cenários para investigação como via de acesso à EMC,
não pretendo afirmar que tal prática resolverá todas as mazelas do ensino de Matemática.
Porém, acredito que seja uma boa proposta para o ensino dessa disciplina. Mais tarde fui
percebendo, também, que a investigação em sala de aula pode ser uma opção para amenizar a
forma alienada como tem sido tratado o ensino de Matemática. Esta discussão será feita no
capítulo 6 desta tese.
No entanto, estes conhecimentos sobre Educação Matemática Crítica não surgiram da
noite para o dia. O primeiro contato que tive com o pesquisador Ole Skovsmose foi por
16

intermédio de um de seus livros, denominado Educação Crítica: Incerteza, Matemática,


Responsabilidade, que nos foi apresentado pela professora de uma disciplina do Mestrado (a
disciplina era sobre Etnomatemática). Não o li, porém, pouco tempo depois, pude assistir a
uma palestra do autor na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais,
incentivado pela mesma professora. Posteriormente, vieram o artigo sobre cenários para
investigação e o livro Educação Matemática Crítica: A questão da democracia, ambos do
mesmo autor, e que utilizei em meu projeto de tese.
O termo investigação matemática pode ser interpretado de muitas maneiras. Vários
autores (PONTE; MATOS, 1992; OLIVEIRA; SEGURADO; PONTE, 1996) consideram que
as investigações matemáticas designam um tipo de atividade em que são privilegiados os
processos matemáticos como procurar regularidades, formular, testar, provar conjecturas e
generalizar. Neste trabalho, optamos pela ideia de cenários para investigação, discutida por
Skovsmose (2000).
Para Skovsmose (2000, p. 68), cenário para investigação é “um ambiente que pode dar
suporte a um trabalho de investigação”. Ainda, segundo esse autor, um cenário para
investigação se constitui quando um convite, feito a um grupo de alunos, é aceito por ele.
Naturalmente, o convite não precisa necessariamente ser aceito e cabe, ao professor, a
administração dessa situação, realizando novo convite. O que pode servir como um perfeito
cenário para investigação a um grupo, pode não servir a outro.
Por que motivos os alunos aceitariam, ou não, um determinado convite para
participarem de algo que pudesse se constituir em cenário para investigação? O motivo seria o
conteúdo a ser aprendido? Ou seria satisfazer o professor? Ou ainda, receber uma nota ao
final do processo? Surgiu, então, a curiosidade de entender sobre os motivos que levariam
alunos a aceitarem tal convite. No entanto, naquele momento, minha compreensão sobre
motivo vinha do senso comum e era necessário que eu procurasse um embasamento teórico
que me auxiliasse.
Embora meu interesse em estudar os motivos dos alunos para participação em tarefas
investigativas não pareça ter conexão com os estudos empreendidos na especialização e no
mestrado, entendo que esta conexão existe. Já mencionei meu interesse em questões que
envolvem a relação dos alunos com a Matemática. Neste estudo, meu foco ainda se manteve
em um tipo de relação que os alunos estabelecem com esta disciplina representada, agora,
pelos seus motivos para o envolvimento em tarefas investigativas.
Para mim, os motivos revelados, implícita ou explicitamente, podem nos dizer sobre
como os alunos têm percebido a Matemática e como a adoção de novas possibilidades em sala
17

de aula pode suscitar uma mudança no seu envolvimento e na percepção daquilo que o
conhecimento matemático representa para eles.
Nessa época, meu contato com teoria da atividade (TA) já ocorrera. Aventei a
possibilidade de ela ser um quadro teórico que viria em meu auxílio porque também considera
o motivo para participação em uma atividade. Porém, será que estamos falando do mesmo
motivo?
Na TA, “o motivo implica uma relação pessoal do sujeito com o objeto da atividade”
(FOOT, 2002). O motivo diz respeito àquilo que move o sujeito, que o faz entrar em ação,
rumo a algo que satisfaça uma necessidade, quando ele participa de uma atividade.
A partir de todo o exposto recortei, então, a seguinte questão de pesquisa: Como se
relacionam o envolvimento dos alunos em cenários para investigação e uma possível
aproximação entre os seus motivos e o objeto desta atividade?
Para levar a cabo uma pesquisa orientada por essa pergunta, precisaria aprofundar
meus conhecimentos teóricos. Ingressei no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de
Educação (FAE) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) no primeiro semestre de
2011. Durante aquele ano, cursei todos os créditos relativos às disciplinas obrigatórias e
eletivas. Várias delas contribuíram de forma substancial para meu aprofundamento teórico.
Em particular, algumas que tratavam diretamente das ideias de Vygotsky e seus discípulos
bem como aquelas que, de alguma forma, dialogavam com as ideias deste autor russo, se me
apresentaram como um pano de fundo teórico bastante rico e promissor para dar suporte à
pesquisa.
Na disciplina ‘Vygotsky: leituras contemporâneas’, estudei mais detalhadamente
vários textos desse autor e de autores atuais (na maior parte estrangeiros), cujas teorias
dialogam com as ideias de Vygotsky. Essencialmente, o objetivo da disciplina era estabelecer
conexões entre autores contemporâneos e Vygotsky. Em ‘O biológico, o social e o cultural na
obra de Vygotsky’, outra disciplina cursada, a ênfase foi também na obra de Vygostky. No
entanto, nesse caso, houve predominância de textos de autores brasileiros, estudiosos de sua
obra. A disciplina ‘Aprendizagem situada’ também foi importante e se apresentou como uma
teoria da aprendizagem em contexto social, a meu ver, claramente influenciada por Vygotsky.
Já a disciplina cujo conteúdo era parte da obra de Paulo Freire pode ser classificada (em
minha opinião) como humanizadora/crítica. Tornar-se humano numa perspectiva crítica talvez
fosse a tônica da obra de Freire. Entender e exercer seu papel social e, ao mesmo tempo ter
consciência de sua incompletude/inacabamento/inconclusão é condição para ‘ser humano’.
18

Outro fato decisivo para minha formação foi participar, desde o início do doutorado,
do Grupo de Pesquisa e Estudos Histórico-Culturais em Educação Matemática e em Ciências
da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais3. Este grupo é formado
por professores do Programa de Pós-graduação, de seus orientandos e de outras pessoas que
têm interesse nesse assunto. Dediquei o primeiro semestre de 2012 somente às reuniões do
grupo, reuniões de orientação e reuniões da nossa linha de Educação Matemática. No tempo
restante, me debrucei sobre leituras que poderiam me ajudar na pesquisa de campo, que se
iniciaria em agosto do mesmo ano. Esse momento de pesquisa e estudo foi fundamental para
que eu pudesse realizar a coleta de dados um pouco mais seguro.
A coleta de dados ocorreu de agosto a novembro de 2012. No primeiro semestre de
2013 recuperei os dados coletados na pesquisa de campo para, a partir deles, esboçar uma
análise que faria parte do material de qualificação. Realizei, também, muitas leituras voltadas
à discussão da TA. Em particular, me dediquei à leitura completa de livro ‘O
desenvolvimento do psiquismo’, de Alexei Leontiev e cursei mais uma disciplina, esta
tratando especificamente de algumas abordagens da Teoria da Atividade.
Era um desejo, desde a minha entrada para o doutorado, realizar um período de
estudos fora do país. Minha qualificação ocorreu em outubro de 2013 e, após este exame, por
intermédio de minha orientadora, da Secretaria da Pós-Graduação, da Pró-Reitoria de Pós-
Graduação da UFMG, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(Capes), fui admitido para permanecer, de fevereiro a junho de 2014, na Rutgers,
Universidade do Estado de Nova Jersey (Rutgers, University of the State of New Jersey), nos
Estados Unidos, sob a supervisão do professor Dr. Arthur B. Powell. O professor Powell,
mantém um intenso intercâmbio de trabalhos com pesquisadores brasileiros e prestou ótimas
contribuições à minha pesquisa. Também tive contato com outros alunos de doutorado e
participei de disciplinas e vários seminários, além de realizar algumas leituras que tinham
relação com minha pesquisa.
Estas leituras realizadas nos Estados Unidos, bem como aquelas realizadas ao longo
das disciplinas e do ano de 2013, serviram para compor os dois primeiros capítulos desta tese,
que está assim organizada:

- No capítulo 1 realizo uma discussão panorâmica da TA, desde sua gênese até os dias atuais.
Mostro sua evolução por meio de suas três gerações. Dentro deste referencial, defino

3
Grupo cadastrado no Diretório de Grupos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq), coordenado pelas professoras doutoras Jussara de Loiola Araújo e Maria Manuela Soares David.
19

construtos como motivo, objeto, apropriação, objetivação, situação social de


desenvolvimento, dentre outros, que serão úteis nos momentos de análise e apresento
exemplos, sempre que possível.
- No capítulo 2 trago uma discussão sobre investigação e investigação na aula de Matemática,
dando destaque aos aspectos que constituem este tipo de proposta.
- O capítulo 3 apresenta alguns estudos que, de alguma maneira, se relacionam à presente
pesquisa por meio da discussão sobre investigação, envolvimento ou motivos. Ao longo do
capítulo, mostro o que aproxima e o que diferencia estes estudos.
- O capítulo 4 apresenta os aspectos metodológicos da pesquisa.
- No capítulo 5 apresento duas tarefas investigativas propostas aos alunos, durante a pesquisa
de campo. Reproduzo diálogos que ocorreram durante o processo, para destacar
características que os aproximam dos diálogos que ocorrem em cenários para investigação.
- O capítulo 6 é aquele em que retomo boa parte do referencial teórico contido nos capítulos 1
e 2, para analisar os dados.
- A parte final, que está sob o título ‘O que fica?/Desdobramentos’, apresenta as principais
contribuições da pesquisa para a discussão acadêmica e alguns apontamentos para estudos
futuros, em particular, sobre o conceito de alienação. São apresentadas, também, as limitações
da pesquisa.
20

CAPÍTULO 1

A TEORIA DA ATIVIDADE

Dependendo do contexto em que é utilizada, a palavra atividade pode ter vários


sinônimos como: ação, movimento, trabalho. Podemos, também, tratar de tipos de atividades:
atividade escolar, atividade física, etc. Para Sanchez Vasquez (2007) a atividade, vista de
forma ampla, é o ato ou conjunto de atos em virtude dos quais um sujeito ativo (agente)
modifica (transforma) uma matéria-prima dada. Ainda, segundo o autor, por ser genérica, esta
caracterização da atividade não especifica o tipo de agente (físico, biológico, humano), o tipo
de matéria prima sobre a qual este agente atua nem tampouco, as espécies de atos (físicos,
psíquicos, sociais) que levam à transformação da matéria-prima por ação do agente.
Admitindo-se, então, que na atividade ocorre uma mudança da matéria prima, estamos
autorizados a pensar que, como resultado de tal transformação surge um produto, que também
pode ser de vários tipos: uma partícula, um conceito, um instrumento, uma obra artística,
dentre outros.
A atividade, estruturada dessa forma – conjunto de atos articulados que transforma
uma matéria-prima dada em um produto – abarca todos os tipos de agentes, incluindo homens
e outros animais. Nesse sentido, se estivermos interessados em atividades exclusivamente
humanas, devemos diferenciá-las da atividade, como definida acima.
Uma atividade exclusivamente humana somente acontece quando seu resultado ocorre
em dois momentos distintos: um ideal, também denominado fim, e outro real, efetivo,
posterior ao ideal. Essa dupla existência somente é possível por intervenção da consciência,
ou seja, a atividade especificamente humana é uma atividade consciente. Deve haver a
consciência de um fim idealizado (existente na mente antes de qualquer ato) e que fica sujeito
ao próprio desenrolar da atividade, na busca pelo resultado real por meio dos atos.

1.1 Atividade humana

Marx (2001, apud SANCHEZ VASQUEZ, 2007, p. 223) ilustra muito bem a diferença
entre uma atividade exclusivamente humana e outra, possível de ser realizada por qualquer
outro animal, com o seguinte exemplo:
21

[...] a construção de colmeias pelas abelhas poderia envergonhar, por sua


perfeição, o melhor mestre-de-obras. Mas há algo em que o pior mestre-de-
obras leva vantagem, de imediato, em relação à melhor abelha, e é o fato de
que, antes de executar a construção, projeta-a em seu cérebro.

O ideal é o reflexo do mundo externo em formas socialmente determinadas da


atividade humana. Ilenkov, citado por Davydov (1988, p. 214) lembra que Marx define o ideal
como o material transplantado para a cabeça do ser humano e aí transformado. No entanto,
nos adverte de que essa cabeça mencionada por Marx não deve ser compreendida:

[...] de uma maneira naturalista, tal como as ciências naturais costumam


perceber. Aqui, ‘cabeça’ significa a cabeça socialmente desenvolvida do ser
humano, todas as formas de atividade. [...] Tudo isso são produtos e formas
de desenvolvimento social. Somente quando expresso nestas formas é que o
externo, o material, se converte em fato social, em patrimônio do homem
social, ou seja, se converte no ideal.

Importante ressaltar que, embora o resultado ideal seja uma antecipação do resultado
real que se obtém, isso não significa que esse último seja uma cópia fiel do primeiro. Ele pode
assemelhar-se muito, pouco, ou quase nada ao modelo idealizado já que o processo de sua
realização não é linear e nem isento de mudanças. De qualquer forma, ao idealizar um
resultado da atividade o homem se desenvolve.
A existência de fins na atividade humana evidencia, se não uma insatisfação com a
realidade (e aí o homem deseja mudá-la), pelo menos o desejo de satisfazer a uma
necessidade que só se efetiva quando o resultado real é atingido.
Para Marx, essa atividade consciente do homem comum que age para transformar o
meio e que traz, como consequência, a transformação do próprio homem, é denominada
práxis humana ou trabalho. Nas palavras de Marx (apud Leontiev 1978b, p. 74):

O trabalho é primeiramente um ato que se passa entre o homem e a natureza.


O homem desempenha aí para com a natureza o papel de uma potência
natural. As forças de que o seu corpo é dotado, braços e pernas, cabeça e

4
A paginação apresentada para esta obra de Davydov é aquela referente a uma tradução para o português, não
publicada, de José Carlos Libâneo e Raquel A. M. da Madeira Freitas, a partir da tradução do russo para o inglês
da obra Problems of developmental teaching. The experience of theoretical and experimental psychological
research - excerpts, para uso didático, na disciplina: Didática na perspectiva histórico-cultural, no PPGE da
Universidade Católica de Goiás. Excetuam-se os capítulos III e IV, traduzidos do espanhol do livro: DAVÍDOV,
V. V. La enseñanza escolar y el desarrollo psíquico. Moscú: Editorial Progreso, 1988. Esclarecemos que os dois
títulos correspondem à mesma obra original russa, de Davydov.
22

mãos, ele as põe em movimento a fim de assimilar as matérias dando-lhes


uma forma útil à sua vida. Ao mesmo tempo que age por este movimento
sobre a natureza exterior e a modifica, ele modifica a sua própria natureza
também e desenvolve as faculdades que nele estão adormecidas.

O trabalho é caracterizado por dois elementos interdependentes: a) o uso e a fabricação


de instrumentos, que são objetos com os quais se realiza uma ação; b) se efetua em condições
de atividade comum coletiva. Sendo assim, no trabalho o homem não está em relação somente
com a natureza, mas também com outros homens de uma dada sociedade. É por intermédio
destas relações com seus pares, dessa cooperação, que o homem se encontra em relação com a
natureza. O trabalho é, portanto, um processo mediado simultaneamente pelos instrumentos e
pela sociedade e é neste processo que os instrumentos adquirem uma existência objetiva,
concreta.
O uso de instrumentos pelos animais difere muito do uso que o homem faz deles na
sua atividade de trabalho. Uma dessas diferenças está no fato de que os animais os utilizam
com muito menos frequência que os homens. Além disso, por complexa que seja a atividade
instrumental dos animais, ela não tem o caráter de um processo social, não é realizada
coletivamente e nem serve como elemento que determina as relações de comunicação entre os
seres que dela participam (LEONTIEV, 1978b).
A existência objetiva do instrumento para os homens ocorre nas relações de trabalho.
Nelas, ao produzir os instrumentos, os homens produzem também conhecimentos sobre eles,
suas propriedades, modos de uso. Estes conhecimentos são, inicialmente, compartilhados
entre os indivíduos na própria atividade por meio da linguagem. Com o tempo, estes
conhecimentos não são mais dependentes da atividade prática, mas se mantêm nos objetos,
residem neles e na linguagem. Tudo funciona como se o instrumento carregasse nele o
processo histórico do trabalho coletivo que lhe deu origem. Este processo é denominado
objetivação (DUARTE, 2004). Leontiev (1978b) nos apresenta a ideia de objetivação com o
exemplo de um machado, que não deve ser percebido somente como um objeto. Para além
desta compreensão, ele deve ser visto como algo que encarna toda a história de sua criação,
modos de uso e evolução.
O exemplo do machado é clássico e serve, perfeitamente, para compreendermos a
ideia subjacente ao conceito de objetivação. No entanto, podemos pensar em algo mais atual
como, por exemplo, um telefone celular. Este objeto que já faz parte de nossas vidas
representa uma grande conquista para a comunicação. Como pessoas, em lados opostos do
mundo, poderiam se comunicar? O que dizer, então, de um aparelho que me conecta ao
23

mundo, em segundos; que me fornece qualquer informação, muitas vezes em tempo real, em
qualquer lugar onde eu estiver?
Desta forma, quando olhamos para um aparelho de telefone celular o que enxergamos
está longe de ser somente as conversas com os amigos. Vemos, também, a possibilidade de
enviar uma foto, quase que instantaneamente, para alguém especial e que está longe, a
facilidade de saber de uma notícia ou informação em qualquer lugar, por meio da internet,
dentre várias outras coisas que o celular oferece e que funcionam como facilitadores da nossa
vida.
Como último exemplo, mais atual e agora mais próximo da sala de aula, seria tomar
algum material escolar de uso diário dos alunos: a lapiseira, por exemplo. Ela não serve
apenas como utensílio de escrita, mas encarna toda a história de sua criação e modos de uso.
Entretanto, a objetivação não se restringe às coisas materiais. Na coleta de dados desta
pesquisa, eu estive em sala de aula de Matemática com a professora, os alunos e suas práticas.
Esse contexto tem nele, objetivada, toda uma história de sua construção, de suas mudanças.
Penso que a ideia de objetivação é muito próxima de um dos princípios da Teoria da
Atividade, denominado historicidade, e que será discutido mais à frente, na seção 1.3.
O que está objetivado em um instrumento conta sua história, e cada etapa dessa
história é resultado do surgimento de novas necessidades demandadas pela sociedade. A cada
nova necessidade associa-se um aperfeiçoamento do instrumento. E não é somente o
aperfeiçoamento dos instrumentos que já existem que satisfaz o ser humano. Surgem
necessidades que exigem a produção de novos instrumentos. Como essa produção ocorre no
âmbito do trabalho coletivo, novas maneiras de produzir e novas relações sociais também são
criadas. Nesse sentido, tanto os instrumentos quanto as relações sociais e a comunicação
(expressa pela fala) se objetivam.
Tratar da objetivação requer que tratemos de algo que está a ela relacionado: o
processo de apropriação pelos indivíduos. “O termo apropriação refere-se a modos de tornar
próprio, de tornar seu” (SMOLKA, 2000, p. 28) 5 . O homem, durante a produção de
instrumentos e nas relações sociais que levam a isso, apropria-se do conteúdo histórico neles
contido (nos instrumentos e nas relações sociais).
Leontiev (1978b) nos informa que o processo de apropriação é sempre ativo do ponto
de vista do homem já que, para se apropriar dos objetos ou fenômenos que são produto do
desenvolvimento histórico, ele deve se envolver em uma atividade que reproduza os traços

5
Itálico no original.
24

essenciais da atividade neles encarnada. Ao contrário do que ocorre com os animais, para os
quais o uso de instrumentos não provoca novas operações motoras, o ser humano, ao utilizar
os instrumentos, reorganiza os seus movimentos naturais instintivos porque se apropria das
operações motoras neles incorporadas.
Assim, surgem novas aptidões, funções superiores e psicomotoras que hominizam a
sua esfera motriz. Da mesma forma que o homem se apropria dos instrumentos, ele se
apropria também da linguagem, um fenômeno intelectual, que provoca nele mudanças. Como
nos conta Leontiev (ibidem, p. 269), “[...] a aquisição da linguagem não é outra coisa senão o
processo de apropriação das operações de palavras que são fixadas historicamente nas suas
significações [...]”.
Do exposto acima podemos dizer que a principal característica do processo de
apropriação é:

[...] criar no homem aptidões novas, funções psíquicas novas. É nisto que se
diferencia do processo de aprendizagem dos animais. Enquanto este último é
o resultado de uma adaptação individual do comportamento genérico a
condições de existência complexas e mutantes, a assimilação do homem é
um processo de reprodução, nas propriedades do indivíduo, das propriedades
e aptidões historicamente formadas da espécie humana (LEONTIEV, 1978b,
p. 270).

Os processos de objetivação e apropriação são mesmo complementares no processo do


desenvolvimento humano. Imagine que um indivíduo tenha se apropriado de um determinado
produto cultural que, no entanto, não está plenamente adequado para uma nova situação que
se lhe apresenta (pode ser que certo tipo de machado não sirva para cortar certo tipo de
árvore). O indivíduo então avalia o funcionamento do produto, relaciona com a situação
presente e realiza modificações que possam permitir ao novo produto satisfazer sua
necessidade. Estas modificações são cristalizadas no novo produto pelo processo de
objetivação e, ao mesmo tempo, são apropriadas pelo homem. Por um processo de
transmissão particular da espécie humana, estes conhecimentos são passados às gerações
seguintes, que também realizam modificações nos produtos culturais, repassam para a
próxima geração e assim por diante, num processo de evolução cultural cumulativa. Este
efeito cumulativo da cultura que impede que o homem volte a um estágio anterior do
desenvolvimento é denominado por Tomasello (1999) de Efeito Catraca, porque impede o
resvalo dos conhecimentos para trás.
25

Então, a participação do homem na atividade de trabalho traz, como consequência,


mudanças na natureza e no homem. Para Marx, o trabalho é a forma básica da atividade
humana. Segundo ele (1980, apud KAWASAKI, 2008, p. 98 – 99):

O trabalho é primeiramente um ato que se passa entre o homem e a natureza,


um processo em que o homem, através de sua atividade, inicia, regula, e
controla a reação do mundo material entre ele e a natureza [...]. Portanto,
agindo sobre o mundo externo e mudando-o, ele (o homem), ao mesmo
tempo muda a sua própria natureza.

Fundada nas ideias de Marx em torno de uma atividade que permite mudanças na
natureza e no próprio homem, surgiu a Psicologia Histórico-Cultural, que mais tarde passou a
se chamar Teoria Histórico-Cultural da Atividade (THCA) ou, simplesmente, Teoria da
Atividade (TA).
Na seção seguinte, apresentarei um histórico da TA, desde sua gênese, na década de
1920, até os dias atuais.

1.2 As gerações da Teoria da Atividade

A TA tem sua base filosófica no materialismo histórico-dialético proposto por Marx,


segundo o qual o desenvolvimento histórico social do homem e da sua própria
individualidade se dá na sua participação em atividades coletivas.
Partindo destas ideias, alguns psicólogos da extinta União Soviética adotaram o
conceito de atividade para explicar o desenvolvimento da consciência. De acordo com
Kozulin (2002), a origem deste conceito pode ser encontrada nos primeiros escritos de
Vygotsky, mais especificamente em seu artigo ‘A consciência como um problema da
psicologia do comportamento’, dando origem à Psicologia Histórico-Cultural. Como um
desdobramento e reinterpretação das ideias preconizadas pela Psicologia Histórico-Cultural,
Leontiev sistematizou o conceito de Atividade, e deu origem à Teoria da Atividade (TA).
De acordo com Engestrӧm (1999), a TA evoluiu por meio de três gerações de
estudiosos. A primeira geração tem seu cerne no conceito de mediação, desenvolvido por
Vygotsky6. A segunda geração se centra nos trabalhos de Leontiev, que desenvolveu melhor a
ideia de atividade coletiva. Vale lembrar que, tanto Vygotsky quanto Leontiev realizaram seus
estudos no âmbito da psicologia. A terceira geração da TA surgiu na década de 1970,

6
Rubinstein, Luria e Leontiev também fazem parte desta primeira geração da TA.
26

recontextualizando as ideias centrais da atividade, que passou a ter uma diversidade de


aplicações em outras áreas, além da Psicologia. A TA é considerada, hoje, uma teoria
multidisciplinar.
Tratarei, a partir de agora e com mais detalhes, a respeito das três gerações da TA.

1.2.1 A primeira geração

Os estudos dessa geração centram-se nos trabalhos de Vygotsky e seus discípulos, com ênfase
no conceito de mediação. Apoiado na noção marxista de trabalho como principal atividade do
homem, que se utiliza de ferramentas para provocar mudanças (desenvolvimento) no mundo
exterior e em si mesmo, Vygotsky surge com a noção de ferramentas psicológicas que podem
provocar o desenvolvimento mental.
Vygotsky considerava que “o comportamento e a mente humanos devem ser
considerados em termos de ações intencionais e culturalmente significativas, em vez de
respostas biológicas adaptativas” (KOZULIN, 2002, p. 116). Goulart (2005) concorda com
estas ideias quando afirma que o homem está sujeito ao jogo dialético entre natureza e
história. Estas ações intencionais que conduzem a atividade necessitam de meios para sua
realização e que são produzidos pelo homem. Como resultado destas ações, realizadas com
ajuda dos meios, obtém-se não só objetos físicos, mas linguagem, conhecimento, relações
sociais.
Vygotsky negava a dicotomia entre consciência e comportamento defendida por outras
correntes psicológicas. Nesta perspectiva não dialógica, o mundo era tratado de forma
objetiva (materialismo) ou subjetiva (idealismo). No materialismo, a consciência emerge do
impacto direto do objeto sobre o sujeito, sem considerar o poder de agir desse último. O
idealismo, por outro lado, atribuía à mente humana a capacidade de conceber a realidade,
como se a consciência existisse antes da realidade. Ao contrário, Vygotsky considerava que
entre consciência e comportamento havia uma relação dialética em um todo unificado. Para
obter-se uma ciência psicológica unificada de fato, um novo sistema de conceitos e teorias
deveria ser desenvolvido para superar o isolamento conceitual entre comportamento e
consciência (MINICK, 2002; KOZULIN, 2002).
As relações do homem com o meio externo são, de acordo com Vygotsky, sempre
mediadas por ferramentas, que podem ser de dois tipos: instrumentos e signos. Os
instrumentos medeiam as ações do homem sobre objetos concretos do mundo real. Portanto,
27

são externamente orientados, servindo para o controle e domínio da natureza. Já, os signos,
são as ferramentas psicológicas que medeiam ações do homem no nível comportamental e
cognitivo, transformando competências naturais em funções mentais superiores. Os signos
constituem um meio da atividade interna dirigido para o controle do próprio indivíduo. Nesse
sentido, os signos são ferramentas de mediação internamente orientadas.
Quando Vygotsky surgiu com a ideia de mediação, ele se opôs às correntes clássicas
da psicologia que defendiam que a relação entre homem e mundo externo é direta, ocorrendo
sempre em termos de estímulo-resposta. Ele considerava que a atividade humana, mediada
pelos instrumentos e signos, se interpõe entre o homem e o objeto (objeto ↔ atividade ↔
sujeito) (KOZULIN, 2002).
A mediação é um construto psicológico teórico que nos permite entender que todas as
funções mentais superiores originam-se nas relações sociais. Nesse sentido, Oliveira (1992)
afirma que a ideia de mediação remete ao processo de representação mental, por meio de um
sistema simbólico de representação da realidade fornecido ao indivíduo pela cultura. Este
sistema simbólico, por seu turno, apresenta ao indivíduo um universo de significações que lhe
permite construir uma ordenação e uma interpretação dos dados do mundo real. Ao longo de
seu desenvolvimento, o indivíduo internaliza formas culturalmente dadas do comportamento,
num processo em que as relações interpessoais transformam-se em atividades internas
superiores.
Em outras palavras, podemos dizer que as funções mentais superiores são, na verdade,
relações sociais internalizadas, que promovem o desenvolvimento do homem e a sua
personalidade.
As duas passagens, que foram reproduzidas abaixo, podem nos dar ideia do
pensamento de Vygotsky a este respeito. Na primeira, o autor afirma que:

É na interação social, no comportamento que é empreendido por mais de um


indivíduo, que os signos primeiro funcionam como ferramentas psicológicas
no comportamento. O indivíduo participa da atividade social mediada pela
linguagem, pelas ferramentas psicológicas que outros usam para influenciar
o comportamento dele e que ele usa pra influenciar o comportamento dos
outros. Subsequentemente, o indivíduo começa a aplicar a si mesmo as
mesmas formas de comportamento que eram inicialmente aplicadas a ele
pelos outros (VYGOTSKY, 1960, apud MINICK, 2002, p. 37).

Já, na segunda, ele afirma que funções mentais:


28

[...] são relações sociais internalizadas de uma ordem social, transferidas à


personalidade individual e base da estrutura social da personalidade. Tudo
nelas é social: sua composição, sua estrutura genética e seu modo de
funcionar. De tal modo que, mesmo sendo transformadas em processos
mentais permaneçam quase sociais (VYGOTSKY, 1989, 1997, apud
SIRGADO, 2000, p. 60).

Assim, o indivíduo se apropria tanto da organização da atividade quanto de seus


meios, internalizando-os e, com isso, desenvolvendo funções mentais superiores mediadas e
historicamente construídas. Uma função mental superior sempre terá sido externa e social
antes de sua internalização. Em última instância ela foi, em momento anterior, uma relação
social que foi posteriormente internalizada. Dito de outra forma, as funções mentais
superiores são sociais em dois sentidos: 1) elas são aspectos da cultura, seu desenvolvimento
é parte do desenvolvimento sociocultural e sua existência depende da transmissão de uma
geração para outra; 2) Elas nada mais são que os comportamentos sociais internalizados pelo
indivíduo em suas relações com o outro (MINICK, 2002).
No entanto, a afirmação de que as funções mentais superiores7 são relações sociais
internalizadas podem levar a uma interpretação um tanto simplificada daquilo que realmente
ocorre. Poder-se-ia pensar, por exemplo, que o que ocorre no plano pessoal é uma simples
imitação do plano social. Entretanto, a ideia subjacente aqui é a de Homo duplex 8 que
considera que as relações sociais são relações de um e outro, de modo que sua internalização9
implica na conversão de dois numa unidade onde o outro permanece sempre presente como
um "não eu". A internalização é, então, a conversão de relações sociais do mundo público
para o privado, acompanhada de uma significação pessoal, que denominamos sentido, do que
foi vivido. Mesmo depois desta exposição poder-se-ia pensar que, desta forma, o indivíduo
está sujeito a um determinismo sociocultural, o que o destituiria do status de ser social que

7
Vygotsky também utilizava os termos formas superiores de conduta, formas mentais, processos mentais
superiores.
8
De acordo com Sirgado (2000), este termo era frequentemente utilizado por Vygotsky.
9
Aqui, acredito que internalização é o mesmo que apropriação. Na verdade não há um consenso entre os autores
a este respeito. Smolka (2000, p. 26-27) nos apresenta estas diferentes maneiras de denominar este construto.
Segundo ela: “A questão da internalização tem sido amplamente discutida, sobretudo nas últimas décadas
(Wertsch e Stone 1985, Zinchenko 1985, Davidov e Radjiskowsky 1985, Leontiev 1981, Rogoff 1990, Mayer
1992, dentre outros). Nas elaborações teóricas envolvendo o conceito, Vygotsky (1984) procurou explicá-lo
como a reconstrução da atividade psicológica baseada na operação com signos. Leontiev (1981) referiu-se à
“formação de um plano interno”. Outro termo utilizado por Vygotsky, de acordo com a tradução da “Gênese das
funções mentais superiores” feita por Wertsch (1981), foi retomado recentemente: a conversão (Pino 1994,
1996) das relações sociais em funções mentais. Ainda, o termo embodiment (incorporação) aparece na tradução
inglesa de “Concrete human psychology” (1989), quando Vygotsky afirma que “para nós, o homem é uma
pessoa social = um agregado de relações sociais incorporado em um indivíduo (funções psicológicas construídas
de acordo com a estrutura social)” (p. 66). Em outras tentativas mais recentes, o termo apropriação tem sido
enfatizado como o mais adequado para referir ou designar (a noção de) esse processo (Leontiev 1984, Wertsch
1998, Rogoff 1990)”.
29

possui. Para evitar tal celeuma, basta lembrar que a conversão não é algo automático. Ela
pressupõe atividade do sujeito (SIRGADO, 2000).
Ainda em relação à internalização, podemos usar a sala de aula como exemplo.
Durante a atividade de aprendizagem, para que os alunos tenham acesso ao conteúdo teórico,
não basta que eles leiam o livro ou estudem por conta própria. O professor tem um papel
importante como elemento mediador entre o aluno e o objeto, por ser mais experiente e ter
mais conhecimentos. Na maioria das vezes, o que está nos livros não diz muita coisa aos
alunos. Somente a partir da intervenção do professor é que aquele conhecimento é
internalizado e passa a ter um sentido para o aluno, passando a ser uma propriedade sua.
Como já discutido, a atividade humana, na visão de Vygostky é mediada por
ferramentas psicológicas (instrumentos e signos). Inicialmente, estas ferramentas psicológicas
surgiram em analogia com a ferramenta material que medeia a mão humana e o objeto de
ação. Cristalizada, essa noção de atividade pode ser vista na figura abaixo:

Ferramentas: materiais reais ou ideais


utilizados para se chegar ao resultado

objeto : matéria bruta


sujeito : agente cujo sobre a qual o sujeito
comportamento se agirá, com o uso de
quer analisar ferramentas

Figura 1: Estrutura da atividade segundo Vygotsky

O conceito de mediação nos ajuda a entender o desenvolvimento humano como sócio-


histórico. Por um lado, a mediação pressupõe uma representação mental dos objetos e
situações do mundo externo, garantindo que o homem possua a capacidade de operar
mentalmente sobre o mundo. Esta capacidade sofisticada de abstração lhe permite imaginar
situações com o objeto, mesmo que ele, fisicamente, esteja ausente, pense em algo futuro e se
liberte das amarras impostas pelas limitações de espaço físico e cronológico (podemos pensar
em termos de presente, passado e futuro, abstratamente). As operações com o sistema
simbólico (instrumentos e signos) nos levam a uma capacidade de abstração e generalização
que, por sua vez, levam a um salto qualitativo rumo a funções mentais mais sofisticadas, as
funções mentais superiores (OLIVEIRA, 1992).
No entanto, embora a teoria de Vygotsky abrangesse todos os tipos de funções mentais
superiores, o interesse maior recaiu sobre estudos relacionados ao desenvolvimento da
30

linguagem em sua relação com o pensamento. Os estudos do psicólogo russo nessa área
cobriam uma série de temas aparentados: signos como ferramentas psicológicas; estágio na
formação de conceitos pela criança; desenvolvimento dos significados e sentido da palavra e o
problema do discurso interior (KOZULIN, 2002).
Os instrumentos e signos, que permitem o nosso desenvolvimento mental, são de
origem social e historicamente construídos. São obtidos na relação entre as pessoas e entre
essas pessoas e o resto. Nesse sentido, podemos perceber que a atividade humana está
diretamente atrelada ao desenvolvimento das relações sociais construídas historicamente pelos
homens e entre os homens. Isto nos permite enxergar a relação dialética entre
desenvolvimento humano e mundo.
De acordo com Kozulin (2002), em meados dos anos 1930, emergiu uma visão
revisionista do conceito de atividade, elaborada por Alexei Leontiev, na qual as ações práticas
eram colocadas em primeiro plano enquanto, simultaneamente, rebaixava o papel dos signos
como mediadores da atividade humana. Este período de estudos sobre a atividade humana,
iniciado por Leontiev e um grupo de colegas constitui a segunda geração da TA.

1.2.2 A segunda geração

Um grupo de psicólogos, denominado Grupo de Kharkov10, desenvolveu um “extenso


programa experimental de comparação da atividade sensório-motora externa das crianças com
suas ações mentais e de descrição das respectivas morfologias” (KOZULIN, 2002, p. 126).
De acordo com as ideias do grupo, o “desenvolvimento da consciência ocorre como
resultado do desenvolvimento do sistema de operações psicológicas, as quais, por seu turno,
são determinadas pelas relações concretas entre a criança e a realidade” (LEONTIEV, 1980
apud KOZULIN, 2002, p. 127). Em outras palavras, os kharkovistas sustentavam que a
atividade prática oferece uma mediação entre indivíduo e realidade.
Todos estes estudos, aliados a novas interpretações das ideias de Vygotsky, fizeram
surgir o que denominamos segunda geração da TA, da qual Leontiev é considerado o

10
Kharkov é o nome de uma cidade ucraniana para onde, em 1930, transferiram-se Leontiev, Zaporozhets,
Bozhovich, para citar alguns, fugindo do avanço das ideias de Stalin. De 1934 a 1940, este grupo se concentrou
em estudar os problemas de interiorização e da relação entre a atividade externa da criança e as operações
mentais correspondentes a ela.
31

principal representante. De acordo com Duarte (2002), suas mais importantes obras são
Problems of development of mind e Activity, consciousness, and personality11.
A Leontiev é atribuída a distinção entre atividade individual e atividade coletiva. Tal
distinção nos é apresentada por ele com o exemplo de uma caça coletiva primitiva, recorrente
em textos sobre TA. Na perspectiva deste autor, toda atividade surge por uma necessidade,
que gera um motivo, que impulsiona a realização de ações direcionadas a um objeto que é o
que diferencia uma atividade de outra (atividades diferentes têm objetos diferentes). Em uma
atividade, o motivo deve sempre coincidir com o objeto.
No exemplo da caça coletiva, vários indivíduos se reúnem para uma caça, movidos
pela necessidade (motivo) de alimento. No entanto, a participação na atividade não é da
mesma forma para todos, ou seja, embora a atividade seja a mesma, as ações de cada
indivíduo podem ser diferentes. Ocorre uma divisão do trabalho em grupos de modo que cada
grupo fica responsável por uma parte do processo. Um batedor, por exemplo, tem como
função ficar escondido em tocaias e afugentar os animais para que outros membros os abatam.
Embora o exemplo da caça primitiva seja clássico e muito adequado para apresentar a
estrutura da atividade humana, tal qual Leontiev a concebia, vou utilizar outro exemplo,
relacionado a uma partida de futebol, adaptado de Goulart (2010). Nele, é possível
compreender a estrutura da atividade proposta por Leontiev numa situação mais
contemporânea.
No nosso país, o futebol é um esporte muito popular e uma partida de futebol é algo
apreciado pela maioria das pessoas. Suponha uma dessas partidas e seus jogadores.
Detenhamo-nos em um dos times. A atividade, nesse caso, é a partida de futebol movida pela
necessidade de fazer gol (motivo) para ganhar a partida. Contudo, há uma divisão de trabalho
e a posição de jogo de cada componente do time é o que vai determinar suas ações. Por
exemplo, o centroavante é aquele que finaliza as jogadas para marcar o gol. Sua ação é
movida por um objetivo (meta) especifico que é marcar o gol. Para que essa ação se efetive, o
centroavante pode usar recursos como: chutar a bola em um ângulo que ele acredite ser
adequado para que a bola fure o bloqueio do goleiro; se o chute for arriscado, ele pode tentar
cabecear a bola para atingir seu objetivo; pode, ainda, passar a bola a um companheiro do
time, por considerar que ele tem melhores condições de chutar a gol. Esses recursos,

11
A primeira obra possui uma versão em português sob o título ‘O desenvolvimento do psiquismo’. Desconheço
uma versão completa da segunda obra, em português. Podemos encontrar alguns capítulos traduzidos, mas não
toda a obra.
32

denominados operações, são as maneiras de realização das ações e dependem das condições
do meio. Como visto, uma mesma ação pode ser realizada por várias operações.
Ainda dentro da partida de futebol, uma ação que pode ser empreendida por qualquer
jogador é o repasse da bola para outro companheiro de time. Nesses repasses, pode ocorrer de
um jogador chutar a bola para outro, sem nenhuma condição de marcar um gol. Ele pode até
mesmo chutar a bola para o goleiro do próprio time. A ação de repasse, nesse caso, parece
estar indo na contramão do que se deseja no jogo: marcar gols. Como irei marcar gol
repassando a bola para um companheiro sem condições para tal? Isso nos parece irracional,
em princípio, porque não se conecta diretamente ao que se deseja como objeto da atividade
coletiva, que é marcar gols e vencer a partida. A ação do jogador que chuta a bola para outro
companheiro que está fora do alcance do gol e o motivo da atividade, que é marcar gol, é
mediada pelas ações dos outros componentes do grupo, mostrando que elas só são
compreendidas quando analisadas na atividade como um todo.
O exemplo do jogador que lança a bola para outro, que não tem condições para marcar
um gol, se assemelha ao exemplo do batedor, na estrutura da atividade de caça primitiva.
Numa visão micro, realmente não vemos uma conexão direta entre o que motiva o batedor a
participar da atividade (saciar a fome) e o ato de afugentar o animal, até mesmo porque sua
atitude espanta o animal que ele, por si só, jamais abateria (e como saciaria sua fome?). O que
é, então, que reconecta o resultado imediato da ação do batedor (afugentar o animal), ao
resultado final da atividade de caça (saciar a fome)? Como nos afirma Leontiev (1978b, p.
78):

Evidentemente que não é outra coisa senão a relação do indivíduo com


outros membros da coletividade, graças à qual ele recebe a sua parte da
presa, parte do produto da atividade do trabalho coletivo. [...] Isto significa
que é precisamente a atividade de outros homens que constitui a base
material objetiva da estrutura específica da atividade do indivíduo humano.

Esta análise, realizada para o caso da partida de futebol, poderia ser assim: embora o
jogador que recebe a bola não tenha condições de marcar o gol, ele pode ser aquele que está
em uma posição ideal para lançar a bola para outro, que irá chutá-la a gol. Outra possibilidade
que justificaria a ação é que, ameaçado por um jogador do time adversário e na iminência de
perder a posse da bola, o jogador prefere lançá-la a um companheiro de time. Desta forma,
eles se manterão no controle da bola, ainda que o gol não seja marcado de imediato. A ação
do primeiro jogador se conecta ao motivo da atividade por meio das ações de outros
jogadores.
33

Uma ação realizada por um indivíduo particular deve ser consciente. O indivíduo deve
ser capaz de refletir psiquicamente sobre a relação entre o que o leva agir, o motivo da
atividade, e o objetivo de sua ação. Se assim não fosse, a ação não teria sentido para ele. Deve
haver uma ligação entre os resultados que ele goza antecipadamente da sua ação e o resultado
final da atividade. Esta ligação é feita sob a forma de ações dos outros membros do grupo, que
comunicam um sentido à ação do batedor e esta, ao mesmo tempo, dá sentido às ações dos
outros membros. Nas palavras de Duarte (2004, p. 55):

[...] na subjetividade do batedor o sentido de sua ação é estabelecido pela


elaboração mental das conexões objetivamente existentes entre ele e o
restante do grupo. É isso que faz com que a visão do animal se distanciando
tenha para o batedor o sentido de que em breve ele irá saciar sua fome.
Somente as relações sociais podem produzir tal sentido na mente do batedor.
Trata-se, portanto de um fenômeno essencialmente social. Igual análise
aplica-se a todas as demais ações que integram essa caçada coletiva.

Assim, as ações individuais só tomam um sentido nas condições do trabalho coletivo.


Elas representam “a unidade fundamental, social por natureza, da consciência humana, o
sentido racional para o homem daquilo para que a sua atividade se orienta” (LEONTIEV,
1978b, p. 79).
Um exemplo do próprio Leontiev (ibidem) explica a ideia de sentido. Suponha que um
aluno está lendo um livro solicitado pelo professor. O fim consciente é assimilar o conteúdo
do livro. O sentido pessoal, porém, dependerá do motivo que o incita a ler. Se o motivo é se
preparar para sua futura profissão, o sentido é um. Por outro lado, se a leitura é feita apenas
com o intuito de passar nos exames, o sentido é outro. O aluno lerá a obra com outros olhos e
a assimilará de maneira diferente. Para encontrar o sentido pessoal, devemos descobrir o
motivo que lhe corresponde.
Esta discussão em torno do sentido pessoal leva-me, nesse momento, a querer
diferenciar sentido e significação (ou significado). Muitas vezes esses dois conceitos são
usados de forma indistinta. O dicionário Aurélio da língua portuguesa define, assim, o termo
significação: o que as coisas querem dizer; o sentido da palavra; significado. Usa-se sentido
na definição de significado.
Vygotsky também discute os conceitos de sentido e significado. Segundo Rey (2007)
o conceito de sentido não aparece nos primeiros trabalhos de Vygotsky. No capítulo
34

‘Pensamento e palavra’ do livro ‘A construção do pensamento e da linguagem’ Vigotski12


(2010) afirma que Paulham13 prestou um grande serviço à análise psicológica da linguagem
ao introduzir a diferença entre sentido e o significado da palavra. Influenciado por este autor,
Vygotsky considera:

[...] que o sentido de uma palavra é a soma de todos os fatos históricos que
ela desperta em nossa consciência. Assim, o sentido é sempre uma formação
dinâmica, fluida, complexa, que tem várias zonas de estabilidade variada. O
significado é apenas uma dessas zonas do sentido que a palavra adquire no
contexto de algum discurso e, ademais, uma zona mais estável, uniforme e
exata. Como se sabe, em contextos diferentes a palavra muda facilmente de
sentido. O significado, ao contrário, é um ponto imóvel e imutável que
permanece estável em todas as mudanças de sentido da palavra, em
diferentes contextos (VIGOTSKI, 2010, p.465).

Nos estudos de Vygotsky, a ênfase parece ser no sentido e no significado da palavra e


na sua relação com a linguagem. Esta interpretação é diferente daquela dada por Leontiev a
estes construtos. Para ele, sentido e significado são conceitos distintos, embora
intrinsecamente relacionados.
A significação é o reflexo da realidade e independe da vontade do indivíduo. Ela é a
forma ideal da cristalização da experiência e das práticas sociais da humanidade, dos
fenômenos objetivamente históricos. É a forma sob a qual um homem assimila a experiência
humana generalizada e refletida independentemente da relação individual ou pessoal com ela.
Podemos ainda dizer que é a entrada na consciência humana do reflexo generalizado e fixado
de um saber, de um saber-fazer, de modos de ação, normas de comportamento, etc. Ao nascer,
o homem encontra um sistema de significações provisoriamente pronto, construído
historicamente e apropria-se dele como se apropria de um instrumento, precursor material da
significação (LEONTIEV, 1978b).
Já o sentido, como fato psicológico, tem relação com aquilo que a significação se torna
para o indivíduo, para a sua personalidade (LEONTIEV, 1978b). A meu ver, a significação é
algo pré-existente num determinado momento histórico de certa cultura. O sentido é como um
indivíduo percebe uma significação e não é fixo porque muda de pessoa para pessoa. Tudo vai
depender de como esta significação se relaciona com a história de vida desta pessoa.
Asmolov, discípulo de Leontiev, escreveu o seguinte sobre o sentido pessoal:

12
Aqui usei a letra i ao escrever Vigotski, para ser fiel à obra consultada, de 2010. No entanto, na
maioria das vezes, usei a letra y, mais utilizada para escrever Vygotsky.
13
Psicólogo alemão.
35

O sentido pessoal representa o reflexo individualizado do mundo, que inclui


a relação da personalidade com aqueles objetos pelos quais se desenvolve
sua atividade e sua comunicação. As mais diversas manifestações da cultura,
e mais amplamente, das relações sociais, assimiladas pelo sujeito no
processo de interiorização das normas sociais, conceitos, papéis, valores e
ideais percebidos por ele nos atos e ações de outras pessoas, podem adquirir
para ele sentido pessoal, se transformando em “significados para mim”
(ASMOLOV, 1984, apud REY, 2007, p. 166).

Na literatura podemos encontrar exemplos que diferenciam significado social de


sentido pessoal. No entanto, vou ilustrar esta diferença com um exemplo criado por mim,
mais próximo do tema desta tese. A escola possui uma longa história na sociedade. Embora
tenham ocorrido muitas mudanças, por exemplo, nas tendências para o ensino de Matemática
(podemos pensar no movimento da Matemática Moderna, na tendência tecnicista e no próprio
movimento da Educação Matemática), a escola sempre representou um local para onde as
pessoas vão para aprender e se desenvolver intelectualmente. Todos estes movimentos
pretendiam discutir melhores formas para que este desenvolvimento ocorresse. Este é o
significado social da escola.
Entretanto, as experiências que as pessoas têm na escola e fora dela, e a maneira como
elas as internalizam, fazem surgir uma forma particular de enxergar este espaço. Isto é o
sentido pessoal que a escola assume para a pessoa. Para uma criança pequena, a escola pode
representar uma possibilidade de mudar o lugar que ela ocupa nas suas relações sociais, já que
vai adquirir novos conhecimentos valorizados pelos adultos; para um adolescente, a escola
pode representar o local para onde ela vai para se reunir com os amigos; há os alunos para os
quais a escola representa um local hostil, em função de experiências ruins que tenha tido; há,
ainda, alunos para os quais a escola representa um lugar para onde elas vão porque irão
comer. Nestes casos, a escola nem sempre é vista como um local para onde o aluno vai para
aprender. E podemos pensar ainda nas crianças para as quais a escola é só um sonho.
Vemos, então, que a atividade humana está engendrada por situações históricas
concretas e o homem, por meio de sua consciência, apropria-se destas situações de modo
reflexivo e particular.
Com esta visão de atividade, Leontiev nos apresenta a passagem da atividade
individual, mediada e orientada ao objeto como proposto por Vygotsky à atividade coletiva,
mediada e orientada ao objeto. A atividade, para ser efetivada, necessita que todas as ações
individuais (ou de grupos) sejam executadas.
A estrutura da atividade, assim como entendida por Leontiev, o leva à noção de níveis
hierárquicos do funcionamento humano que concebe a atividade social como aquela que surge
36

de uma necessidade/motivo e orientada ao objeto, constituída por um conjunto de ações


individuais que são dirigidas a objetivos (metas) e efetivadas por operações.
Esquematicamente:

Atividade – necessidade - motivo

Ação - objetivo

Operações – modos de
realização
Figura 2: Níveis hierárquicos de Leontiev.

Para Leontiev, a atividade não só sugere resultados para satisfação da necessidade


humana, podendo trazer mudanças ao meio, como sugere, também, mudanças no indivíduo
que passa a ter consciência da atividade. Assim, o conceito de atividade compreende, tanto a
interação como a interrelação entre os membros de uma atividade, em busca da satisfação de
suas necessidades.
Ao utilizar o exemplo da caça, Leontiev desejava mostrar a evolução histórica das
atividades humanas que, com o passar dos tempos e devido ao aumento da complexidade das
relações entre as pessoas, sofreu mudanças em sua estrutura e, também, segundo Kaptelinin
(2005, p. 12) mostrar:

[...] que a dissociação entre as atividades individuais e ações, isto é, entre os


motivos e objetivos, inicialmente, surge como resultado da divisão do
trabalho em atividades coletivas. Eventualmente, essa dissociação se torna
um aspecto básico das atividades humanas em geral, individuais ou
coletivos.14

Leontiev foi o principal representante da chamada segunda geração da TA. Ele, assim como
Vygotsky, influenciam muitos estudiosos atualmente. Muitos deles se baseiam fielmente nas
ideias desses autores. Entretanto, há estudiosos que utilizam os pressupostos da TA mas com
novas interpretações. Independente de como cada um se utiliza dessa teoria, esses estudiosos
constituem a terceira geração da TA.

14
Tradução para: that dissociation between individual’s activities and actions, that is, between motives and
goals, initially emerges as a result of division of labor in collective activities. Eventually, this dissociation
becomes a basic aspect of human activities in general, either individual or collective.
37

1.2.3 A Terceira geração

A terceira geração da TA pode ser entendida como aquela que expandiu a teoria para além
dos limites da extinta União Soviética, fundamentalmente por pesquisadores ocidentais. Os
novos estudos provocaram um alargamento das possibilidades de utilização da teoria em áreas
diversas, não se restringindo mais à psicologia. Alguns criaram, inclusive, novas perspectivas
para sua utilização, uma vez que a TA não é uma abordagem monolítica15. Entretanto, mesmo
que difiram na forma de utilização, os princípios teóricos básicos são os mesmos, em todas as
abordagens.
A TA possui, atualmente, um caráter multidisciplinar e, de acordo com Engestrӧm
(1999), tornou-se internacional entre 1980 e 1990. O seu alcance é muito amplo, podendo ser
utilizada em pesquisas nas áreas de psicologia, ciências sociais, educação, antropologia,
filosofia e pedagogia, para citar algumas.
Segundo Duarte (2002), algumas coletâneas que, em alguma medida, apresentam a TA
como base teórica, são bastante representativas dessa terceira geração. Dessas coletâneas,
podemos citar Mind, Culture and Activity (COLE, ENGESTRÖM, VASQUEZ, 1997)16 na
qual são apresentados 33 trabalhos de pesquisadores de diversos países que discutem questões
relativas à psicologia, filosofia, pedagogia, educação e outros campos. Outra coletânea
importante intitula-se Perspectives on activity theory (ENGESTRÖM, MIETTINEN,
PUNAMÄKI, 1999). Uma terceira coletânea, intitulada Activity theory and social practice:
cultural-historical approaches (CHAIKLIN, HEDEGAARD, JENSEN, 1999) que reúne 18
trabalhos apresentados no quarto Congresso da Sociedade Internacional para Teoria da
Atividade e pesquisa Cultural. Há outras publicações, mas me limitarei a estas.
Um dos autores que se destaca na nova geração da TA é o pesquisador finlandês Yrjö
Engeström17, cujos trabalhos se voltam para uma perspectiva revisitada da atividade humana.
Engeström é diretor do Centro de Pesquisas em Teoria da Atividade e Desenvolvimento do
Trabalho, em Helsinki, Finlândia. É, também, professor de comunicação na Universidade da
Califórnia, em San Diego. De seus estudos e pesquisas e, baseado nas ideias originais de
Vygotsky e Leontiev, emerge a noção de sistema de atividades. Em boa medida, os trabalhos
realizados atualmente que utilizam TA, baseiam-se na perspectiva de Engeström.

15
Monolítica está no sentido figurado: rígido, impenetrável.
16
Este periódico ainda é editado e é de grande importância. O volume citado é um número especial do periódico.
17
Trataremos das ideias desse autor com mais detalhes na seção 1.3.
38

As diferentes perspectivas visam atender a diferentes propósitos e a escolha de uma


delas vai depender do que deseja o pesquisador. De acordo com Kaptelinin (2005), essas
diferentes visões não devem ser entendidas como uma fraqueza da teoria e sim, como algo
que mostra a dimensão que ela pode alcançar.
A título de ilustração e informação, citarei, com base em Lopes e Fraga (2013), alguns
estudiosos ou grupos de estudo no Brasil, que se dedicam à TA.

1) Grupo de Pesquisa e Estudos Histórico-Culturais em Educação Matemática e em


Ciências da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, do qual
faço parte. As primeiras reuniões, informais, iniciaram-se em 2006, mas a
formalização junto ao diretório de grupos de pesquisas do CNPq só ocorreu em 2008.
Coordenado pelas pesquisadoras Jussara de Loiola Araújo e Maria Manuela Martins
Soares David, este grupo se dedica ao estudo e desenvolvimento de pesquisa nos
campos da Educação Matemática, da Educação em Ciências e áreas de conhecimento
correlatas. Fundamenta seus trabalhos em uma perspectiva teórica baseada na
abordagem histórico-cultural, originada na escola soviética de psicologia fundada por
Vygotsky, Leontiev e Lúria, no início do século XX, e em perspectivas sociológicas,
como a de Marx. Fundamenta-se, em especial, na Teoria da Atividade, que considera a
atividade como unidade básica do desenvolvimento humano. O grupo é
multidisciplinar, integrando professores, alunos e pesquisadores dos campos da
Educação Matemática e da Educação em Ciências, e fundamentando seu trabalho em
campos teóricos diferentes, mas que se articulam por meio da observação do
fenômeno educativo de forma dialética e processual.18

2) O pesquisador Luiz Carlos Libâneo, da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, que


é grande conhecedor da Teoria Histórico-cultural e cujos trabalhos possuem uma forte
ligação com a pedagogia.

3) O Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Atividade Pedagógica (GEPAPe), da Faculdade


de Educação da Universidade de São Paulo (USP), coordenado pelos professores
Manoel Oriosvaldo de Moura e Elaine Sampaio Araujo. No site do grupo
(http://www2.fe.usp.br/~gepape/index.html) podemos ler que os trabalhos têm como

18
Informações obtidas em http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/7071867555038738#repercussao
39

participantes professores da rede de ensino, conjuntamente com alunos dos cursos de


graduação e pós-graduação. O objetivo é exercitar a reflexão sobre atividade de
ensino, pressupondo a atividade de aprendizagem e focalizando a história do conceito
em Matemática, segundo os princípios teórico-metodológicos da abordagem histórico-
cultural.

4) O pesquisador Newton Duarte, que é coordenador do grupo de pesquisa ‘Estudos


Marxistas em Educação’. Ele defende que qualquer estudo que tenha como base
teórica a TA, não deve ser afastar de suas raízes marxistas.

Há, ainda, vários outros grupos cadastrados no site do CNPq que promovem estudos e
pesquisas baseados na Teoria Histórico-cultural e/ou Teoria da Atividade. Dentre eles, alguns
se dedicam a estudos na área da Educação Matemática, ou possuem pelo menos um membro
com interesse nessa área de pesquisa19.
Independentemente de qual perspectiva da TA se utilize, ela é uma poderosa
ferramenta heurística em pesquisas que desejam responder questões relacionadas à atividade
humana. Um avanço da teoria é desejável e isso vem ocorrendo desde que surgiu, com
estudos de Vygotsky. Para Engeström (2001, p. 135), a terceita geração da TA, para promover
um avanço “precisa desenvolver ferramentas conceituais para entender o diálogo, múltiplas
perspectivas e redes de interação do sistema atividade”20.

1.3 A Teoria da Atividade segundo Engeström

Partindo da estrutura básica da atividade, assim como proposta por Vygotsky,


Engeström expande a teoria com a noção de sistema atividade. Embora Leontiev tenha feito a
distinção entre atividade individual e coletiva, ele nunca estruturou um modelo para isso.
Coube a Engeström (1987) propor um modelo para a atividade humana, no qual, ao sujeito e
ao objeto, junta-se a comunidade para compor a atividade cuja mediação entre os elementos
(sujeito, objeto, comunidade) seria realizada por ferramentas, divisão de trabalho e regras.
Uma representação dessa nova forma de entender a atividade humana, está na figura, a seguir:

19
Para saber mais sobre o panorama nacional desses grupos de pesquisa, ver Lopes e Fraga (2013).
20
Tradução para: needs to develop conceptual tools to understand dialogue, multiple perspectives, and networks
of interacting activity systems.
40

Ferramentas

Sujeito Objeto

Regras Divisão de trabalho

Comunidade

Fonte: (ENGESTRÖM, 2001)


Figura 3: Modelo do sistema atividade

Temos, então:

1) Sujeitos – são os indivíduos cujas ações são tomadas como ponto de vista para análise.
2) Objeto – é o elemento para o qual a atividade se dirige e que se transforma em produto
pelas ações dos sujeitos.
3) Ferramentas – são os recursos culturais, instrumentos, conhecimentos historicamente
construídos que realizam a mediação entre sujeito e objeto.
4) Regras – são normas/convenções criadas historicamente, de forma explícita ou
implícita, que regulam, condicionam e até limitam todas as ações da atividade.
5) Comunidade – é o conjunto de todos os indivíduos que são mais ou menos unidos,
mais ou menos organizados que partilham ou estão interessados em um mesmo objeto.
6) Divisão de trabalho – consiste na divisão de tarefas entre os indivíduos da
comunidade, permitindo que cada um saiba qual o seu papel e, como consequência,
delimite o seu campo de ação.

Neste modelo, o triângulo superior (apontado pela seta, na figura 3) representa as ações
individuais ou de grupos que compõem a atividade coletiva no sistema de atividades. “O
objeto está representado por uma figura oval, indicando que as ações orientadas ao objeto são,
sempre, implícita ou explicitamente, caracterizadas por ambiguidade, surpresa”
(ENGESTRÖM, 2001, p. 134).
41

Esta proposta de Engeström permite que se observe a atividade individual, dentro das
complexas relações do sujeito individual com a comunidade. Em outras palavras, o
pesquisador, quando considera o sistema de atividades como unidade de análise tem uma
visão holística, como se o olhasse de cima e, simultaneamente, observasse uma atividade
local, realizada por um sujeito ou grupo de sujeitos, incorporada ao sistema. Assim, ele pode
construir o sistema por meio de suas interpretações.
Entretanto, Roth (2004) nos conta que, nos últimos anos, tem ouvido repetidas vezes que
essa estrutura triangular proposta por Engestrӧm é estática, não permitindo mudanças
estruturais. Ele, porém, percebe o oposto e isto fica evidente na passagem abaixo:

[...] embora o triângulo de Engestrӧm descreva a estrutura da atividade, ela é


inerentemente uma estrutura dinâmica, passando continuamente por
mudança nos seus elementos, nas suas relações, e como um todo. O triângulo
incorpora as dimensões históricas em termos de que a atividade humana e
todas as suas várias dimensões, incluindo o conhecer e aprender, devem ser
compreendidos (ibidem, p. 4)21.

Nesta mesma linha de pensamento, Araújo e Kawasaki (2013) discutem o dinamismo


da estrutura triangular da atividade, justificando-o por meio da natureza dialética que
assumem as relações estabelecidas entre seus elementos. No artigo são apresentados três
trabalhos, que destacam o movimento que cada um deles imprime à representação triangular
do sistema – atividade. Segundo as autoras:

[...] a representação triangular da atividade é impregnada de características


de um artefato cultural que medeia a nossa atividade de investigar. Assim,
ela será vista, em certos momentos, em sua forma estática – enquanto recorte
da pesquisa em questão – e, em outros, como um objeto dinâmico, uma vez
que os processos de internalização e externalização da atividade nos expõem
a transformações mútuas entre sujeito investigador e a representação
triangular da atividade (ARAÚJO e KAWASAKI, 2013, p. 12).

As mudanças na estrutura da atividade ocorrem por causa de contradições internas nos, e


entre os elementos que a constituem. As contradições serão tratadas com maiores detalhes
ainda neste texto, logo após a discussão sobre os princípios da TA, que vem, a seguir.
Engeström (2001) considera que, na configuração atual, a TA pode ser resumida com a
ajuda de cinco princípios básicos:

21
Tradução para: …although the Engestrӧm triangle depicts the structure of activity, it is inherently a dynamic
structure, continuously undergoing change in its parts, in its relations, and as a whole. The triangle embodies the
historical dimensions in terms of which human activity and all its various dimensions, including to knowing and
learning, have to be understood.
42

1) O primeiro princípio diz que o sistema de atividades coletivas, mediadas por


instrumentos e signos e orientado a objetos é a unidade de análise. O alvo das ações
individuais são unidades relativamente independentes, mas sua compreensão somente
ocorre quando observamos o sistema como um todo.
2) O segundo princípio é o da multivocalidade. Em um sistema de atividades emergem
variados pontos de vista e interesses. A própria divisão do trabalho acarreta diferentes
posições ocupadas e cada sujeito traz consigo seus próprios conhecimentos
anteriormente adquiridos e, do sistema, ‘absorve’ novas regras. Estes diferentes pontos
de vista e de interesse podem acarretar tensões internas, contradições, gerando
inovações (ver princípios 4 e 5).
3) A historicidade é o terceiro princípio. A atividade é um sistema dinâmico, que muda
todo o tempo. Para compreendermos melhor as ações, operações, objetos, enfim, toda
a movimentação e alterações no sistema de atividades é fundamental que as
localizemos historicamente.
4) O quarto princípio é o das contradições internas como força motriz da atividade.
Contradições são tensões historicamente construídas no sistema de atividades que
geram “desvios observáveis no fluxo das interações” 22 (ENGESTRÖM, BROWN,
CHRISTOPHER & GREGORY, 1991 apud MURPHY & MANZANARES, 2008, p.
445 ), “problemas, rupturas, quebras, confrontos”23 (KUUTI, 1996, apud MURPHY &
MANZANARES, 2008, p. 445) neste sistema, podendo provocar mudanças. As
contradições representam o combustível para que a atividade se mova. Uma
contradição ocorre quando um novo elemento é introduzido na atividade, gerando
estranhamento (por exemplo: a introdução de computadores no ensino pode gerar
tensões, principalmente numa comunidade composta de professores acostumados ao
ensino tradicional).
5) O quinto princípio tem relação imediata com o quarto. A existência de contradições
internas no sistema de atividades pode causar perturbações, como já visto. Se as
contradições se agravam, um indivíduo, ou grupo de indivíduos, pode questionar a
estrutura vigente da atividade e solicitar mudanças, culminando, se as contradições
forem solucionadas, em uma nova configuração da atividade, o que denominamos de
transformação expansiva. Engeström (2001, p. 137), afirma que “uma transformação

22
Tradução para: deviations in the observable flow of interaction.
23
Tradução para: problems, ruptures, breakdowns, clashes.
43

expansiva é realizada quando o objeto e o motivo da atividade são reconceitualizados


para abraçar um horizonte radicalmente mais amplo de possibilidades do que no modo
anterior da atividade”24.

Contradições internas, em um sistema de atividades, funcionam como fontes de mudanças


e desenvolvimento neste sistema (ENGESTRӦM, 2001). No meu entendimento, baseado na
literatura, as expansões/transformações do sistema de atividades somente ocorrerão quando
uma contradição interna for superada, ou seja, quando gerar um novo modelo da atividade
aceito por todos. Se esta superação não ocorrer, não ocorrerá uma transformação expansiva.
Isto está em consonância com as conclusões de vários autores (NELSON, 2002; PERUSKY,
2003) sobre o fato de que, nem sempre, contradições transformam a atividade. Podem,
inclusive, provocar um retrocesso, uma involução, se não for superada ou amenizada. Como o
sistema de atividades é dinâmico e está sempre mudando, a ocorrência de contradições é a
regra, e não a exceção. Um equilíbrio no sistema de atividades é algo raro.
Uma contradição pode ser de vários tipos: primária, secundária, terciária e quaternária.

1) Primária – uma contradição primária está presente em cada um dos elementos do


sistema de atividades e decorre do sistema multivozes dos sujeitos da atividade e
consequente problemas que surgem em torno da divisão do trabalho.
2) Secundária – Este tipo de contradição ocorre na relação entre elementos do sistema
de atividades.
3) Terciária – Pode ocorrer de um sujeito culturalmente mais avançado introduzir, no
sistema de atividades, o objeto de outro sistema de atividades. Se isso gerar algum
conflito, estamos falando de contradição terciária.
4) Quaternária – estas contradições podem aparecer na relação dos sistemas de
atividades da vizinhança com o sistema de atividades considerado principal. A
contradição ocorre quando surgem tensões entre estes sistemas no processo de
construção do resultado da atividade central.

Como já discutido, na visão de Engestrӧm, o surgimento de contradições internas no


sistema de atividades pode gerar aprendizagens expansivas que ocorrem em ciclos,
denominados ciclos expansivos. Estes ciclos são uma ferramenta analítica para perceber como

24
Tradução para: An expansive transformation is accomplished when the object and motive of the activity are
reconceptualized to embrace a radically wider horizon of possibilities than in the previous mode of the activity.
44

ocorre o processo de aprendizagem expansiva, desde o início da contradição, quando acontece


algum questionamento, por parte de algum membro, até a aceitação do novo modelo como
modelo atual da atividade. Os ciclos expansivos podem ser considerados como unidades de
desenvolvimento que duram certo período de tempo marcado pelo questionamento, inovação,
transformação e mudança, que fazem avançar o sistema de atividades.
De acordo com Engestrӧm (1987) nos períodos de tempo correspondentes aos ciclos
expansivos ocorrem dois fenômenos importantes: o da internalização e o da externalização.
Na internalização, que marca o início de um ciclo, ocorre uma reprodução da cultura, por
parte do indivíduo. Já, na externalização, ocorrem transformações da realidade.
Segundo Fernandez (2009), o início de um ciclo expansivo baseia-se na internalização
e socialização de aprendizagens para aqueles que ainda não possuem o conhecimento, de
modo a torná-los membros competentes no sistema de atividades. Já, a externalização tem
início em tentativas individuais de mudanças. Uma insatisfação pessoal gera tensões, que
poderão se tornar mais evidentes e, outros membros do grupo podem compartilhar do mesmo
desejo de mudança. Tudo isso pode gerar contradições internas, quebras na atividade. Dessa
forma, a internalização torna-se mais reflexiva e crítica e, como consequência, a procura por
soluções às contradições, que corresponderia ao processo de externalização, torna-se mais
frequente. Um ciclo se completa quando um novo modelo de atividade surge e é posto em
prática. Assim, a internalização dessa nova forma passa a ocorrer, iniciando um novo ciclo.
Uma expansão da atividade implica na reconceitualização de seu motivo e de seu
objeto. De forma geral, ao tratarmos de uma atividade, devemos nos preocupar com o seu
motivo e o seu objeto, para o qual ela está dirigida. No presente estudo, foi dada importância
especial aos motivos dos alunos para o engajamento em tarefas de investigação em sala de
aula. Nesse sentido, e entendendo que estudar sobre motivos na TA implica, também, em
estudar o objeto da atividade, apresento, na seção seguinte, uma discussão sobre esses dois
construtos.

1.4 O objeto e o motivo da atividade

O conceito de objeto é muito importante na TA, uma vez que não há atividade sem
objeto e vice-versa (costumamos dizer que a atividade é orientada ao objeto e que atividade e
objeto são indissociáveis). O que diferencia uma atividade de outra é o seu objeto, que pode
ser material ou ideal, ou seja, existir concretamente ou como produto da consciência
45

(LEONTIEV, 1978ª). É através dele que todas as ações individuais de cada sujeito se
relacionam à atividade como um todo. Se retomarmos as atividades da caça coletiva e da
partida de futebol seus objetos são, respectivamente, a satisfação da fome e a realização de
gols, que conectam todas as ações individuais na atividade como um todo. Kaptelinin (2005,
p. 5), afirma que:

[...] a partir de uma perspectiva de pesquisa, o conceito de objeto da


atividade é uma ferramenta analítica promissora proporcionando a
possibilidade de entender não apenas o que as pessoas estão fazendo, mas
também porque estão fazendo. O objeto da atividade pode ser considerado a
“razão última” por trás de vários comportamentos de indivíduos, grupos ou
organizações. Em outras palavras, o objeto da atividade pode ser definido
como o “sense-maker”, que dá sentido e determina os valores de diversas
entidades e fenômenos.25

Embora seja considerado elemento básico da estrutura da atividade, o objeto parece


ainda bastante incompreendido por estudiosos da TA. Há muitas razões para isso, das quais
duas são mais relevantes: problemas de tradução da palavra em russo para outros idiomas e
diferenças de interpretações por parte de diferentes autores.
A TA tem suas raízes na filosofia alemã e suas origens imediatas na psicologia russa
do século passado. Sendo assim, era natural que se procurassem palavras em russo, que
correspondessem da forma mais fiel, ao significado alemão. Por exemplo, a palavra atividade,
em alemão, é tätigkeit e sua correspondente em russo é dejatelnost. Da mesma forma, objeto
em alemão é gegenstand. Leontiev, à sua época, tinha duas opções para traduzir gegenstand
para o russo: utilizar a palavra objekt ou a palavra predmet (KAPTELININ, 2005).
Objekt refere-se a coisas de existência real, material, que independem da mente. Já,
predmet, refere-se a alvo ou ao conteúdo de um pensamento ou ação. Pode-se dizer que
representa algo para o qual uma atividade é dirigida. Então, quando afirmamos que a
atividade é orientada ao objeto, queremos informar objeto = predmet, embora a palavra objekt
também tenha sido utlizada por Leontiev para se referir a algo como objetivo, a algo de
existência real (KAPTELININ, 2005).
Se o texto está escrito em russo, isso não será problema. Contudo, se o texto estiver
escrito em inglês ou português, por exemplo, teremos alguns problemas técnicos. Em inglês, a

25
Tradução para: From a research perspective, the concept of the object of activity is a promising analytical tool
providing the possibility of understanding not only what people are doing, but also why they are doing it. The
object of activity can be considered the “ultimate reason” behind various behaviors of individuals, groups, or
organizations. In other words, the object of activity can be defined as “the sense-maker,” which gives meaning to
and determines values of various entities and phenomena.
46

palavra que melhor traduz predmet é object, a mesma tradução para objekt. Como muitas
traduções para o português surgem a partir de suas versões em inglês, nesse caso, o problema
permanecerá. Para amenizar esta dificuldade, Kaptelinin (2005) nos alerta sobre como
podemos identificar a palavra objeto com o sentido de predmet (como objeto para o qual a
atividade se orienta), afirmando que devemos estar atentos ao texto/contexto. O significado
será de predmet se alguma ênfase for feita sobre qualidades intencionais, sociais e
significativas. Quando for utlizada a expressão ‘atividade orientada ao objeto’, este objeto
corresponde a predmet. De forma simplificada, predmet é mais subjetivo e objekt é mais
objetivo. Em certa medida, embora o problema da tradução possa levar o pesquisador a
equívocos, é algo que pode ser resolvido com uma leitura mais atenta.
Outro problema que surge, quando tratamos do objeto da atividade, consiste em como
ele é conceitualmente interpretado, dentro da TA, por diferentes autores. Alguns o relacionam
ao motivo, como se entre eles existisse uma relação de equivalência. Outros consideram que
esta relação restringe as possibilidades de uso da teoria em pesquisas. Há aqueles que
entendem que a atividade tem um objeto, mas impulsionada por vários motivos
(KAPTELININ, 2005). Torna-se importante, então, discutir sobre o motivo ou os motivos de
uma atividade.
Em seu livro ‘Atividade, consciência e personalidade’, Leontiev (1978ª) afirma que o
objeto da atividade é seu verdadeiro motivo. A necessidade se torna motivo quando encontra
o objeto que a satisfaça. Leontiev (ibidem, p. 14) escreve:

Acontece que, na própria condição de necessidade do sujeito, o objeto que é


capaz de satisfazer a necessidade não é claramente delineado. Até o
momento de sua primeira satisfação, a necessidade não conhece seu objeto;
ele ainda precisa ser revelado. Só como resultado dessa revelação, é que a
necessidade adquire sua objetividade e o objeto percebido (representado,
imaginado), vem a adquirir sua atividade provocativa e diretiva como
função; isto é, torna-se um motivo.

Esta citação mostra que o estudo da atividade está intimamente relacionado ao estudo
de suas necessidades e motivos. Como apresentado, a necessidade, por si só, não é capaz de
fazer surgir uma atividade. Ela serve como uma condição, um pré-requisito para a mesma.
Assim que o indivíduo começa a agir ela se transforma daquilo que era virtualmente, em
motivo que guia a atividade.
Davydov (1988, p. 17) afirma que “um determinado motivo incita uma pessoa a
propor-se uma tarefa”, e é dessa maneira que o entenderemos neste estudo. Incitar ou mover,
47

aqui, significa fazer agir. Embora ainda haja, daqui para frente, uma discussão sobre os
motivos, acredito que seja importante me posicionar quanto à minha escolha.
Como vimos, o motivo surge de uma necessidade. Uma discussão sobre a natureza
histórico-cultural das necessidades é de que ela é parcial. Assim como os animais, o ser
humano sente fome, por exemplo, o que se configura como uma necessidade biológica e
comum aos dois. No entanto, o ser humano possui outras necessidades que não são
determinadas biologicamente, mas socialmente (LEONTIEV, 1978a).
As necessidades vão se transformando na atividade de trabalho. De inicialmente
biológicas vão se tornando histórico-culturais (LEONTIEV, 1978a).
Para ilustrar essas transformações das necessidades no homem, vou utilizar um
exemplo: como sabemos, os homens possuem necessidades biológicas, como a fome, por
exemplo. Para satisfazê-la, o homem pode munir-se de um pedaço de madeira e utilizá-lo
como ferramenta para a obtenção de um fruto. Este pedaço de madeira passa a carregar toda a
história de sua obtenção e uso (objetivação). Ocorre, então, a apropriação desses
conhecimentos e ele passa a ter um significado dentro das relações sociais.
Se um dia surgir a necessidade de se apanhar um fruto que caiu em um buraco fundo,
o homem poderá tentar fazer com que a extremidade do pedaço de madeira se torne
pontiaguda, facilitando a obtenção do fruto. A necessidade de apanhar o alimento fez com que
o homem agisse sobre a natureza, mudando-a, por vontade sua. Em outras palavras, o homem
age de forma intencional, consciente, mudando a natureza e a si mesmo.
Os novos conhecimentos que surgem desta nova atividade (afinar a ponta do pedaço
de madeira) tornam-se produto social e cultural da prática de trabalho coletivo. No entanto,
para Leontiev (1978a), além da transformação e enriquecimento do conteúdo objetivo das
necessidades humanas, ocorre transformação também na forma de seu reflexo psíquico. Dessa
forma, elas podem adquirir um caráter ideacional tornando-se invariantes. Assim, a fome será
fome para um indivíduo faminto ou que não esteja nesta condição. Além disso, na produção
mental surgem certas necessidades que só podem existir na presença de um plano de
consciência. Nesse caso, formam-se tipos especiais de necessidades que são objetivo
funcionais, como o trabalho, criação artística, etc. Isso ocorre porque, no início, o homem age
para satisfazer suas necessidades vitais. Com o tempo isso muda e ele passa a satisfazer suas
necessidades vitais para agir.
Entretanto, devemos lembrar-nos que a necessidade tem como conteúdo objetivo os
motivos. Em outras palavras, estudar as transformações qualitativas das necessidades significa
estudar os motivos a ela relacionados.
48

De acordo com Leontiev (1978ª), os motivos não estão separados da consciência.


Mesmo quando os motivos não são reconhecidos, ou seja, mesmo quando um indivíduo não
se dá conta daquilo que o impulsiona a agir, o motivo está presente, porém de uma forma
especial, que o autor denomina coloração emocional da ação e que não coincide com o
sentido pessoal para a atividade. O sentido consciente traduz a relação entre motivo e fim da
atividade. Em outras palavras, estas formas especiais de motivos, em forma de coloração da
atividade, não são aquelas que impulsionam a atividade.
Como resultado desta discussão, percebemos que em uma atividade pode haver mais
de um motivo, ou seja, ela pode ser polimotivacional. Um exemplo que ilustra esta
possibilidade está em Leontiev (ibidem). Segundo ele, o senso de trabalho é engendrado por
motivos sociais, mas pode haver outros motivos como, por exemplo, a recompensa financeira.
No entanto, esta recompensa existe apenas como um motivo que estimula a atividade,
tornando-a dinâmica e induzindo-a sem, contudo, ter a função de formar sentido.
Desta forma, na interpretação de Leontiev (ibidem), os motivos podem ser de dois
tipos: 1) que induzem a atividade e lhe dão sentido pessoal, que são denominados motivos
formadores de sentido; 2) que são estimuladores da atividade, às vezes fortemente emocionais
e afetivos, que não têm a função de conferir sentido, serão denominados motivos estímulo.
Estes motivos coexistem na atividade, porém ocupam planos distintos.
As relações que se estabelecem entre estes dois tipos de motivos em uma mesma
atividade nos leva à noção do que Leontiev (ibidem) chama de hierarquia de motivos. Esta
hierarquia não é prescrita, ou seja, não podemos classificar determinado motivo como
formador de sentido ou como motivo estímulo, sendo esta classificação válida em qualquer
situação. Na estrutura da atividade, dado motivo pode preencher a função de formador de
sentido e noutra pode ser um motivo estímulo. As relações entre os tipos de motivos são
determinadas pelas conexões que a atividade do sujeito provoca, por suas mediações e, por
esta razão, são relativas. Contudo, os motivos formadores de sentido ocupam uma posição
superior na atividade.
Um exemplo que ilustra a relação entre os motivos formadores de sentido e os motivos
estímulo é encontrado em Leontiev (ibidem) e refere-se a uma criança que não consegue
dedicar-se totalmente aos estudos, distraindo-se sempre que inicia a lição. Ela tem consciência
de que o fato de não estudar poderá levá-la a um resultado ruim nas provas, deixando seus
pais tristes. Além disso, ela sabe que seu papel de estudante é dedicar-se aos estudos para
aprender. Ainda assim, ela não se sente estimulada. Se seus pais a proibirem de brincar,
enquanto ela não fizer a lição, pode ocorrer de a criança se dedicar aos estudos. Neste caso, o
49

motivo formador de sentido é aquele ligado à possibilidade de brincar. Com o passar do


tempo, se a criança passa a estudar por vontade própria, sem se preocupar com a possibilidade
de ir brincar, pode ser que o motivo estímulo ‘tirar boas notas’ se torne um motivo formador
de sentido.
A abordagem de Leontiev (1978a, 1978b) ao tratar de necessidades e motivos parece
um pouco confusa, quando pensamos, por exemplo, em atividades polimotivacionais. Na
perspectiva do autor, somente um motivo (aquele que dá sentido à atividade) é capaz de
dirigir a atividade. Os outros motivos (motivos estímulo) são coadjuvantes.
Kaptelinin (2005) discute as diferentes maneiras de Leontiev e Engeström
relacionarem objeto e motivo. De acordo com ele, para Leontiev (1978a), o objeto (predmet)
da atividade é considerado um objeto de atividades realizadas por indivíduos, coletiva ou
individualmente, e é igual ao motivo. O domínio chave para a aplicação desta abordagem na
teoria da atividade é a psicologia. Para Engeström (1987), o objeto é o objeto de atividades
coletivas. É predominantemente relacionado com a produção, gerando um resultado, apesar
de sua relação com as necessidades humanas e os motivos também ser mencionada.
Para Engestrӧm, toda atividade é coletiva. Um indivíduo somente realiza uma
atividade quando esta se insere em um contexto maior, ou seja, um sistema de atividades.
Nesta perspectiva, o objeto é coletivo e não necessariamente coincide com o motivo da
atividade. Ele é definido como “matéria prima’ ou ‘espaço-problema’ para o qual a atividade
é dirigida, que é moldado e transformado em resultados” (ENGESTRÖM e SANNINO,
2010). O quadro, a seguir, diferencia as perspectivas da TA em Leontiev e Engestrӧm, de
acordo com Kaptelinin (2005), com destaque para o papel do objeto em cada versão.
Quadro 1: A TA segundo Leontiev e segundo Engeström
Perspectiva da atividade Leontiev Engestrӧm
Atividades são realizadas por Indivíduo (predominantemente) Comunidades
Atividades são desenvolvidas Individualmente e coletivamente Coletivamente
O objeto da atividade está Motivação, necessidade (verdadeiro Produção (que está sendo
relacionado a motivo) transformado em resultado)
Domínio de aplicação Psicologia Mudança organizacional
26
Fonte: (KAPTELININ, 2005 )

26
Facets of activity Leontiev Engestrӧm
Activities are carried out by Individual (predominant) Community
Activities performed Both individually collectively Collectively
The object of activity is related to Motivation, need (the true motive) Production (what is being transformed
into the outcome)
Application domain Psychology Organization change
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Podemos pensar, ainda, sobre situações em que a atividade é polimotivacional.


Embora esta possibilidade fosse reconhecida por Leontiev, ela tinha pouco impacto em suas
análises, de modo que parecia haver, implicitamente, uma relação do tipo 1: 1: 1: 1, entre
atividade, necessidade, motivo e objeto. Estas análises eram focadas no indivíduo, inserido
em um contexto coletivo (KAPTELININ, 2005). Se na perspectiva leontieviana o objeto é o
motivo da atividade, como seria para uma atividade polimotivacional? Ela teria vários
objetos? Ou somente um? Ou teríamos várias atividades?
Esquematicamente, poderíamos imaginar algo do tipo:

M1 – O1
Hierarquia de M1 – Atividade – O1

motivos
M2 – O2
Fonte: (adaptado de KAPTELININ, 2005)
Figura 4: Atividade orientada por um motivo

Na figura, a ideia é de uma atividade impulsionada por dois motivos, M1, cujo objeto
é O1 e M2, cujo objeto é O2. Porém, na hierarquia de motivos, M1 (motivo formador de
sentido) é superior a M2 (motivo estímulo). Portanto, é ele quem deve ser considerado como
o motivo principal que move a atividade em direção ao objeto O1. Dessa forma, continua
valendo a ideia de que uma atividade possui um único motivo e um único objeto
(KAPTELININ, 2005).
Retomando a discussão em torno de atividades polimotivacionais Engestrӧm (1987),
ao considerar as atividades como fenômenos coletivos, considera também que o objeto é
compartilhado coletivamente, porém não necessariamente coincidindo com o motivo da
atividade (HARDMAN, 2007). Esquematicamente, teríamos:

M1
Objeto compartilhado

M2 Atividade coletiva

M3
Fonte: (adaptado de KAPTELININ, 2005)
Figura 5: Atividade orientada por vários motivos
51

Nesse esquema, vários motivos (M1, M2, M3, etc) coexistem em uma atividade, que é
coletiva e que se dirige a um objeto compartilhado. Vale lembrar que essa atividade está
inserida em um contexto maior de atividades que a influenciam e são por ela influenciadas.
Aqui, os vários motivos dos componentes da atividade, todos, impulsionam a atividade rumo
a um mesmo objeto.
No meu modo de entender, a expansão da TA realizada por Engestrӧm não foi uma
simples contribuição teórica. Foi uma necessidade que surgiu quando ele percebeu que as
atividades humanas tornaram-se muito complexas, exigindo uma reestruturação da teoria para
que pudesse explicá-las. O indivíduo está inserido em um complexo sistema de atividades que
ocorre no emaranhado social do qual ele faz parte. Leontiev também considerava a atividade
como algo coletivo, e foi partindo de suas ideias a esse respeito que Engestrӧm idealizou o
triângulo da página 40. Entretanto, as análises de Leontiev pareciam estar focadas no
indivíduo, talvez porque seu contexto de estudo fosse a psicologia.
A grande quantidade de informações à qual as pessoas estão sujeitas traz, como
consequência, uma pluralidade de motivos e necessidades que, a meu ver, tem relação com o
princípio da multivocalidade da TA. Por este princípio, os sujeitos de uma atividade não estão
isentos das influências de suas experiências anteriores. Eles chegam com várias ideias e
pontos de vista que são marcas de outras atividades e isto, certamente, influencia sua
participação na nova atividade podendo, inclusive, gerar tensões internas.
Na educação, por exemplo, ao considerarmos todos os atores e as relações que se
estabelecem entre eles, torna-se difícil analisar uma atividade individual dentro de um
contexto que é, essencialmente, coletivo. Mesmo que o fizéssemos, não poderíamos deixar de
levar em consideração as influências do coletivo na atividade individual.
Ainda em relação à educação, mais especificamente em relação à educação que ocorre
no ambiente escolar, uma atenção especial deve ser dada à atividade de aprendizagem, que
ocupa um longo período da vida de crianças e adolescentes. Esta atividade ocorre em um
contexto social do qual os alunos fazem parte e com o qual estabelece relações que irá
possibilitar seu desenvolvimento. Isto nos remete à noção de situação social de
desenvolvimento. De acordo com Vigotski (1996, p. 264), a situação social de
desenvolvimento “determina, regula, estritamente todo o modo de vida da criança ou sua
existência social” em certa idade. Esta noção é importante porque evita que pensemos em uma
maneira de entender o desenvolvimento, levando em consideração somente bases biológicas.
Ela coloca em relevo a importância do entorno no desenvolvimento das pessoas. Nesse
sentido, Facci (2004, p. 65) considera que as funções mentais superiores (atenção voluntária,
52

memória, abstração) são produtos da atividade cerebral e têm uma base biológica, mas,
fundamentalmente, “são resultados da interação do indivíduo com o mundo, interação
mediada pelos objetos construídos pelos seres humanos”.
Em uma interpretação pessoal, entendo que a situação social de desenvolvimento
representa um panorama geral da vida de um indivíduo, em determinado momento histórico.
Entendo que, neste panorama, podemos enxergar as atividades das quais ele participa e as
relações que dentro delas se estabelecem.
A noção de situação social de desenvolvimento é importante na medida em que
representa muito bem o caráter sócio-histórico-cultural da teoria, que argumenta em favor de
mudanças na sociedade o que, a meu ver, pode ser entendido como mudanças nos tipos de
atividades. A situação social de desenvolvimento não é estanque e nem imutável. Dependerá
das condições sociais, culturais e históricas. Pode mudar de lugar para lugar e de uma época
para outra. Se o desenvolvimento humano ocorre quando o homem está em atividades, no
interior das quais ocorre apropriação da cultura e se esta, por sua vez muda, ocorre mudança
também na forma do desenvolvimento e das relações sociais, num processo dialético.
Para ilustrar, tomemos exemplos de situações que ocorrem em nosso país. É grande o
número de crianças em idade escolar que já trabalham, numa época em que deveriam estar
somente na escola. Essa atividade surge, provavelmente, da necessidade de se ganhar dinheiro
para ajudar nas despesas de casa. Se, como consequência da atividade do trabalho, a criança
for privada de estudar, talvez o trabalho seja a forma principal para seu desenvolvimento. Isso
não significa que o salto qualitativo no seu desenvolvimento será o mesmo que aquele que ela
teria na escola. Mas ela irá se desenvolver.
Outro fenômeno que tem sido recorrente no Brasil é o prolongamento do período em
que os filhos ficam nas casas dos pais. Isso tem ocorrido por várias razões. Uma delas pode
ser o fato de que os filhos querem estudar um pouco mais. Dessa forma, a atividade de
trabalho formal é adiada e a atividade de formação profissional se estica. Esse é um exemplo
claro de que a duração de um período de desenvolvimento pode mudar e que esta duração está
associada à situação social de desenvolvimento, que ‘regula’ a vida das pessoas em certo
período.
Atualmente, sobretudo pelo advento da internet, costuma-se dizer/escrever que o
mundo está globalizado. Em outras palavras, as pessoas têm acesso às informações de todos
os lugares quase que instantaneamente. Isso parece aproximá-las, suas culturas e até mesmo
seus comportamentos. No entanto, esse acesso não está disponível para todos. Por mais que
queiramos, há rincões onde as informaçõpes são escassas. Por outro lado, há lugares em que a
53

informação é farta, mas onde normas da cultura estabelecida são algo tão forte que muitas
vezes não podem (ou não devem) ser questionadas.
Os sujeitos desta pesquisa eram adolescentes e, para eles, uma das atividades da sua
situação de desenvolvimento era a atividade de aprendizagem. Desde que surge, esta atividade
passa a ter influência definitiva no desenvolvimento da criança/adolescente. No entanto, o que
vem a ser a atividade de aprendizagem? O que a caracteriza? Trataremos deste tema no tópico
seguinte.

1.5 A Atividade de Aprendizagem

Toda aprendizagem ocorre como resultado de uma atividade. Em termos mais gerais,
podemos dizer que é por meio dos conhecimentos adquiridos nas interações com o mundo que
as pessoas garantem sua existência e sua sobrevivência. Entretanto, embora a aprendizagem
esteja vinculada à participação em uma atividade, devemos diferenciar uma aprendizagem que
ocorre por meio da atividade de uma atividade de aprendizagem.
De acordo com Lompscher (1999), quando nos referimos à aprendizagem por meio da
atividade, estamos tratando de aprendizagens que ocorrem em atividades diversas, que não
têm objetivo específico de aprendizagem (aprendizagem incidental que ocorre como resultado
de uma atividade que não tinha a finalidade explícita de aprendizagem).
Já, quando nos referimos à aprendizagem como atividade, estamos diante de um tipo
específico de atividade voltada para metas de aprendizagem, ou seja, uma aprendizagem
intencional. É este tipo de aprendizagem que ocorre nas salas de aula e o seu objetivo
principal é a automodificação e o autoaperfeiçoamento do aluno. Este objetivo pode ser
alcançado apenas através da realização de ações específicas com diferentes objetos. Desta
forma, a atividade de aprendizagem pode propiciar a assimilação das formas de consciência
social mais desenvolvidas como a ciência, a arte, a moralidade, a lei, etc (LOMPSCHER,
1999).
Leontiev (1978a) nos lembra que a atividade tem um caráter objetal, ou seja, o que
difere uma atividade da outra é seu objeto, aquilo para o qual a atividade se move. Na
atividade de aprendizagem ocorre o desenvolvimento mental (das funções mentais superiores)
dos alunos por apropriação do conhecimento/pensamento teórico. O objeto da atividade de
aprendizagem é, então, o conteúdo teórico das disciplinas que foi historicamente construído.
54

O desenvolvimento mental do indivíduo vai se concretizando à medida que ele vai


formando seu conhecimento/pensamento teórico, que exige ações mentais para a solução de
problemas. Dessa forma, ele se apropria desse conhecimento teórico, das capacidades e
habilidades a ele relacionadas. Assim, conhecimento/pensamento teórico e ações mentais
formam uma unidade. Segundo Rubinstein (apud DAVYDOV, 1988, p. 95):

[...] os conhecimentos [...] não surgem dissociados da atividade cognitiva do


indivíduo e não existem sem referências a ele. Portanto, é legítimo
considerar o conhecimento, de um lado, como o resultado das ações mentais
que implicitamente abrangem o conhecimento e, de outro, como um
processo pelo qual podemos obter esse resultado no qual se expressa o
funcionamento das ações mentais. Conseqüentemente, é totalmente aceitável
usar o termo “conhecimento” para designar tanto o resultado do pensamento
(o reflexo da realidade), quanto o processo pelo qual se obtém esse resultado
(ou seja, as ações mentais). ‘Todo conceito científico é, simultaneamente,
uma construção do pensamento e um reflexo do ser’. Deste ponto de vista,
um conceito é, ao mesmo tempo, um reflexo do ser e um procedimento da
operação mental.

Como um tipo especial de atividade, a atividade de aprendizagem possui, segundo


Lompscher (1999), cinco características que a diferencia de outras atividades:

1) Ela é dirigida para a aquisição de conhecimento e competência social, ou seja, ela


é realizada com o objetivo de lidar com tarefas de aprendizagem, pressupondo que
os objetos especiais de aprendizagem ou domínios já estão constituídos.
2) A aquisição de conhecimento só é possível ao indivíduo pela reprodução dos
conhecimentos sociais, padrões de ação e formas de comportamento. Isto significa
que as ações de aprendizagem devem ser adequadas ao objetivo e objeto, devendo
ser realizadas a fim de adquirir e modificar o conteúdo da memória.
3) As ferramentas que podem ser usadas quando as ações são realizadas devem
possibilitar ao aluno atingir as metas de aprendizagem. Tais ferramentas de
aprendizagem são, por um lado, as ferramentas materiais (livros, computadores,
etc) e, por outro lado, as ideais (operações cognitivas, estruturas cognitivas, ou
seja, o conhecimento de conceitos e regras, aprendizagem de estratégias e
técnicas).
4) A atividade de aprendizagem surge e se desenvolve sob condições específicas da
sociedade. É pedagogicamente organizada e precisa de ambientes especiais para a
sua formação e funcionamento ideal.
55

5) A atividade de aprendizagem deve ser realizada em níveis concretos de


desenvolvimento da personalidade e das diferenças interindividuais.

No entanto, de onde vem o interesse da criança por este conhecimento teórico?


Davydov, em seu livro ‘Problemas do Ensino Desenvolvimental - A Experiência da Pesquisa
Teórica e Experimental na Psicologia’ (DAVYDOV, 1988), afirma que as premissas para que
surja a necessidade da aprendizagem aparecem ainda na pré-escola, durante o
desenvolvimento de jogos de papéis em que a criança utiliza, de forma intensiva, a
imaginação e a função simbólica. Nas brincadeiras e convivências com os adultos, as crianças
precisam desenvolver suas capacidades cognoscitivas para que melhor explorem e extraiam os
conhecimentos embutidos nessas relações de convivência. Paulatinamente, a criança em idade
escolar vai sentindo a necessidade de novas aquisições cognoscitivas, que não somente
aquelas do convívio social com o adulto e das brincadeiras. Ela passa a desejar um
conhecimento mais específico – o conhecimento escolar. Neste sentido, Davydov (1988, p.
97) afirma que:

[...] o ingresso na escola permite à criança sair dos limites do período infantil
de sua vida, ocupar uma nova posição na vida e passar ao desempenho da
atividade de aprendizagem, socialmente significativa, que lhe oferece um
rico material para satisfazer seus interesses cognoscitivos. Estes interesses
atuam como premissas psicológicas para que na criança surja a necessidade
de assimilar conhecimentos teóricos. (grifo meu)

Esse intenso interesse das crianças em idade escolar inicial nas atividades de
aprendizagem faz com que esta seja a uma atividade muito importante em suas vidas, neste
período. As aprendizagens que aí ocorrem servem como ponte para uma comunicação cada
vez mais organizada com os adultos e o resto do mundo. Quando finda o período pós-
educação básica, é muito comum que as crianças passem a ter novos interesses e a atividade
de aprendizagem torne-se secundária.
No entanto, conforme aponta Chaiklin (2003), mesmo que a atividade de
aprendizagem dispute com outras a atenção das crianças, isto não significa que elas não
tenham mais interesse em aprender. Este tipo de aprendizagem ainda ocupa um grande espaço
no trabalho dos educandos (LIBÂNEO, 2004).
Leontiev (1978a, p. 62 – 64) ressalta que um estado de necessidade indireta não é
capaz de motivar a ação humana. Necessidades devem tornar-se motivos dirigidos para
objetos imaginários ou materiais que se tornam verdadeiros portadores de necessidade, isto é,
56

algo que é capaz de satisfazer a necessidade original. A essência dessa ideia de Leontiev foi
expressa por Davydov (1988, p. 17), da seguinte maneira:

Um determinado motivo incita uma pessoa a propor-se uma tarefa para


assegurar a finalidade que, quando apresentada sob certas condições, requer
a realização de uma ação para que a pessoa consiga criar ou adquirir o objeto
que responde às demandas do motivo e satisfaça a necessidade

Ainda, de acordo com Davydov (1988, p. 97) “Na formação dos escolares de menor
idade, é da necessidade da atividade de aprendizagem que deriva sua concretização na
diversidade de motivos que exigem das crianças a realização de ações de aprendizagem.”
Para os alunos, de forma geral, a necessidade de novos conhecimentos teóricos pode
torna-se motivo para se alcançar o objeto teórico, que os satisfará. Porém, será que são
somente estes os seus motivos? Ou será que estes são seus principais motivos? Ou ainda, para
todos, estes são motivos?
Durante a vida escolar, a motivação do aluno se desenvolve e isto ocorre, segundo
Leontiev (1994, apud LOMPSCHER, 1999), em três níveis: o nível dos motivos que estão na
própria aprendizagem; o nível dos motivos que estão na vida escolar e nos relacionamentos
dentro da classe e da escola coletiva e o nível dos motivos que estão no mundo, na ocupação
futura e nas perspectivas de vida.
No primeiro nível, a criança não parece ter um interesse específico em uma disciplina.
Tudo lhe atrai: escrita, aritmética. Há um mundo a ser descoberto e a criança deseja isso. O
interesse está no conteúdo da aprendizagem, independentemente da disciplina.
No próximo nível, os interesses de aprendizagem começam a se diferenciar. O
conteúdo concreto do material instrucional passa a ter significado e iniciam-se os interesses
por algumas disciplinas específicas. Ao mesmo tempo, outras coisas que são propostas
parecem cansativas e enfadonhas e são realizadas porque o professor solicita ou porque é
obrigatório. Nesse nível, é de extrema importância para os alunos as relações sociais que ele
estabeleceu na comunidade escolar: amizades, relação com o professor, a imagem perante os
outros e sua autoimagem, etc.
No último nível, os alunos passam a ser ainda mais seletivos em relação às disciplinas
e iniciam a compreensão sobre o conhecimento científico. Surgem os interesses por profissões
que têm relação com algumas das disciplinas eleitas por eles e nas quais eles apresentam
melhor desempenho. Parece ser um período de preocupação com o futuro, com aquilo que
poderá lhes trazer independência. As amizades e toda a rede de comunicação dentro da escola
57

ainda são importantes. Porém, agora, o aluno se preocupa com o que fará no futuro e, por
conseguinte, com aquilo do presente (por exemplo: conhecimentos acerca de conteúdos
específicos) que poderá auxiliá-lo nesse sentido.
De forma geral e independentemente da época em que ocorrem e porque ocorrem,
Leontiev (1994, apud. LOMPSCHER, 1999) considera que as principais taxonomias de
motivos na atividade de aprendizagem são: motivos sociais; motivos autorrelacionados e
motivos cognitivos.
Os motivos sociais estão relacionados à biografia individual, às condições sociais e
culturais do indivíduo e da escola. São exemplos de motivos sociais: identificação do aluno
com o professor; inter-relação do aluno com os grupos e os pares; possibilidade de ajudar os
outros; sensação de dever cumprido, ao estudar (o aluno é cobrado pelos pais e pela
sociedade), etc.
Os motivos autorrelacionados são aqueles capazes de motivar o indivíduo quando ele
se compara ao seu par. Se a comparação entre o seu desenvolvimento pessoal e bem estar, sua
realização pessoal, sua posição em relação aos outros for motivo para que ele queira aprender,
estamos falando de motivos autorrelacionados.
Os motivos cognitivos são aqueles que surgem quando o interesse do aluno está no
próprio conteúdo teórico e no desenvolvimento que ele pode proporcionar. Podemos
identificar um motivo cognitivo em uma atividade de aprendizagem quando o seu conteúdo é
o objeto teórico da atividade e sua aquisição. Nesse momento o aluno valoriza mais o método,
o caminho trilhado que o próprio resultado. Na prática, estes motivos podem perder
rapidamente seu poder motivador, uma vez que os alunos geralmente desejam resultados
imediatos.
Ressalto, entretanto que, embora possamos classificar motivos dos alunos durante sua
vida escolar e que alguns tipos possam ser mais influentes que outros em épocas distintas, não
devemos pensar em um único tipo de motivo como responsável por mover a atividade de
aprendizagem. É mais razoável imaginarmos uma interação entre eles. No curso da vida
escolar, os motivos de aprendizagem não possuem trajetórias paralelas. Ao contrário, suas
trajetórias se interpenetram e movem as atividades dos alunos.
Sendo entendido dessa forma, considero muito importante que possamos discutir o que
move alunos em atividades de aprendizagem, ou seja, sobre quais são seus motivos.
Porém, em quais atividades de aprendizagem me baseei para este estudo?
De acordo com Lompscher (1999), para que a atividade de aprendizagem ocorra, deve
haver um ambiente adequado. Segundo este autor, uma atividade de aprendizagem surge e se
58

desenvolve sob condições específicas da sociedade. É, principalmente, pedagogicamente


organizada e precisa de ambientes especiais para o seu funcionamento mais ou menos ideal.
Nesse sentido, por acreditar na potencialidade de sua implementação em sala de aula
para romper o modo tradicional de explorar os conteúdos matemáticos, optei por trabalhar
com a noção de Cenários para investigação, proposta por Skovsmose (2000), como um
ambiente especial para atividades de aprendizagem em sala de aula 27 . A mim interessava
saber os motivos dos alunos para aceitarem um convite para envolvimento em uma
investigação, compreendida como uma atividade, como se caracterizava este envolvimento,
bem como verificar possíveis aproximações entre os motivos e o objeto desta atividade.

1.6 Uma síntese

Chegando ao final deste capítulo e após a discussão de tantos conceitos teóricos, julgo
ser importante apresentar quais deles foram mais importantes para este estudo.
A Teoria da Atividade (TA) defende que o desenvolvimento humano ocorre quando o
indivíduo participa de atividades. Estas atividades surgem de uma necessidade, que se
transforma em um motivo que as guiará rumo a um objeto de satisfação da necessidade.
Estando em atividade, o homem se apropria de suas formas de fazer, de suas regras,
enfim, de tudo aquilo que estava objetivado em seus elementos constituintes e que foi
historicamente construído. Desta forma, ele vai se tornando mais humanizado ao se apropriar
de novos objetos materiais e sociais. Por outro lado, este mesmo homem pode modificar este
meio que o rodeia em uma via de mão dupla, em uma relação dialética.
Já no parágrafo anterior, utilizei palavras como ‘apropria’, ‘objetivado’, que são
construtos representativos da TA, discutidos neste capítulo e que foram muito importantes no
momento de análise. Meu objetivo principal, nesta tese, foi verificar como se relacionam o
envolvimento dos alunos em cenários para investigação, e uma possível aproximação entre os
seus motivos e o objeto desta atividade. Nota-se que meu interesse maior se voltou para os
motivos que guiam o indivíduo rumo ao objeto.
No entanto, para saber dos motivos dos alunos ao se envolverem em cenários para
investigação, fui levado a buscar novas compreensões dentro da TA, como por exemplo,
conexões entre motivos e sentidos; entre motivos e significado; entre motivos, apropriação e
27
Isto não significa que no modo tradicional de se ensinar Matemática não ocorra aprendizagem. A opção pelos
cenários para investigação é justificada pela liberdade que estes ambientes dão aos alunos, para experimentarem
caminhos e respostas diferentes para uma mesma questão, o que é desejável para que não se pense que a
Matemática sempre é exata e com resposta única.
59

objetivação; entre motivos e mediação. Todos estes construtos foram de grande relevância
para o tipo de análise realizada.
Motivo foi compreendido como aquilo que move uma pessoa rumo a um objeto que
possa satisfazer uma necessidade. Esta compreensão de motivo e objeto foi influenciada, por
exemplo, por autores como Davydov (1988), Leontiev (1978a), Engestrӧm (2001) e
Kaptelinin (2005). Para a compreensão de construtos como mediação, objetivação e
apropriação, me apoiei em Vygotsky, considerado da primeira geração. Sentido e significado
foram utilizados da forma como os definiu Leontiev (1978b). Há autores das três gerações da
TA. Ao apresentar estas gerações, um dos objetivos foi apresentar um panorama da teoria,
mas, também, mostrar que elas são complementares.
Esta complementaridade mostra que a teoria evoluiu com o tempo, mas que as novas
lentes utilizam conhecimentos anteriores e deles se utilizam para compreender um novo
fenômeno. Esta compreensão gera novos conhecimentos, que se agregam aos conhecimentos
anteriores, compondo um novo panorama.
Pesquisadores de uma geração tiveram como base as ideias dos pesquisadores da
geração anterior e assim a teoria se expandiu. Como imaginar a caça coletiva de Leontiev,
sem a ideia de mediação de Vygotsky? Ou, como ignorar a declarada influência de Leontiev
na estrutura triangular da atividade, proposta por Engestrӧm? E como pensar em minhas
escolhas durante a análise, sem a ajuda dos textos destes autores?
Nesta síntese, meu objetivo foi mostrar as principais ideias discutidas no capítulo 1 e
que nortearam a análise dos dados. No próximo capítulo, realizo uma discussão teórica sobre
investigações em sala de aula, dando destaque às investigações matemáticas.
60

CAPÍTULO 2

INVESTIGAÇÃO NA AULA DE MATEMÁTICA

A palavra investigar pode assumir vários significados: proceder a diligências;


empenhar-se em descobrir algo; pesquisar, dentre outros. Ela abarca uma gama de
possibilidades de interpretação que, a meu ver, têm em comum o fato de procurarem por uma
resposta a algo. Cabe então, dentro dessa visão mais geral do que é investigar, discutir o que é
investigar em aulas de Matemática.
Vários autores defendem a investigação na aula de Matemática e apresentam
argumentos para isso.
Fiorentini, Fernandez e Cristóvão (2005), consideram que atividades investigativas
criam uma perspectiva pedagógica que o professor pode lançar mão para proporcionar um
ensino significativo da Matemática.
Goldenberg (1999) entende que, para além das investigações matemáticas, o aluno
deve saber investigar porque isto, por si só, já é importante. Para ele, a investigação torna a
Matemática mais compreensível, assim como divertida e introduz alguma variedade à dieta da
aula.
Já, Pontes e Matos (1992) afirmam que;

Nas investigações matemáticas os alunos são colocados no papel dos


matemáticos. Perante uma situação, objeto, fenômeno ou mecanismo
suficientemente rico(a) e complexo(a) eles tentam compreendê-lo(a),
descobrir padrões, relações, semelhanças e diferenças de forma a conseguir
chegar a generalizações.

Alrø e Skovsmose (2010, p. 123) consideram que “realizar uma investigação significa
abandonar as comodidades da certeza e deixar-se levar pela curiosidade”.
Os PCNs também fazem referência às atividades investigativas quando sugerem que
os alunos devem:

[...] identificar os conhecimentos matemáticos como meios para


compreender e transformar o mundo à sua volta e perceber o caráter de
jogo intelectual, característico da Matemática, como aspecto que
estimula o interesse, a curiosidade, o espírito de investigação e o
desenvolvimento da capacidade para resolver problemas. (BRASIL, 1998,
p.47).
61

Quando utilizamos a investigação na aula de Matemática, é natural que nosso alvo seja
o aluno. Não devemos, contudo, deixar de oensar nos benefícios para o próprio professor.
Ponte (2003, p. 26) discute este outro aspecto da investigação em sala de aula. Ele escreve:

Eu próprio tenho retirado muitos benefícios para a minha atividade de


investigação do contato com os meus alunos, pelo desafio que eles colocam
à organização das ideias e pelas perguntas pertinentes que obrigam muitas
vezes a repensar os problemas. De modo semelhante, penso que a minha
atividade como docente tem se beneficiado fortemente do que tenho
aprendido como investigador.

A meu ver, as interações em sala de aula criam oportunidades de crescimento mútuo,


para alunos e professores. Entretanto, o uso de investigações também tem seus limites.
Ponte (2003) nos alerta para o fato de que, embora possamos perceber a investigação
como aliada na sala de aula de Matemática, em busca de um ensino de qualidade, não
devemos banalizá-la. Segundo este autor, a investigação pressupõe atitude, vontade de
perceber, capacidade de questionar aquilo que era dado como certo e estar aberto para ver as
coisas sob outra ótica. Por outro lado, limitar as possibilidades de ensino da Matemática às
atividades investigativas pode ser um equívoco. Elas são uma importante ferramenta para a
condução do trabalho do professor, mas não deve ser encarada como solução de todos os
problemas da educação. Em alguns casos pode ser útil para se atingir um objetivo e em outros
pode não ser.
Na próxima seção, discutirei sobre investigação na aula de Matemática na visão de
alguns autores e com mais detalhes.

2.1 Como investigar na aula de Matemática

Vimos que em Educação Matemática há formas diferentes de interpretar o que vem a ser
investigação. Nesta seção, o objetivo é trazer, com maiores detalhes, as interpretações de
alguns autores sobre investigação e como ela poderia ser realizada na aula de Matemática.

2.1.1 Uma perspectiva para investigação

Oliveira, Segurado e Ponte (1996) afirmam que, quanto à natureza, as investigações


matemáticas são parte do que eles denominam ‘Atividade Matemática’. Isto corresponde a
identificar a aprendizagem da Matemática com o fazer Matemática. Ponte, Brocardo e
62

Oliveira (2003) interpretam o fazer Matemática como uma simulação em sala de aula de
práticas próximas à de um matemático.
Estes autores consideram que uma situação só se constitui como investigação se for
motivadora e desafiadora, sendo que o processo de resolução não é previamente apresentado
aos alunos. Nesta perpectiva, outra característica importante das investigações é o fato de elas
se contrastarem com as tarefas de tipo fechado e estruturado, que são habitualmente usadas no
processo de ensino-aprendizagem. As atividades investigativas são tendencialmente abertas
permitindo que o aluno encontre o caminho a seguir e faça questionamentos.
Os autores acreditam que, frequentemente, a investigação em sala de aula possui uma
estrutura, que consiste:

a) na introdução da tarefa, que é denominada fase de arranque, em que o professor apresenta a


tarefa na forma escrita (na maioria das vezes) além de algum tipo de esclarecimento aos
alunos e palavras de incentivo;
b) na realização da tarefa, que é a fase em que os alunos já iniciaram as atividades e o
professor lhes dá atenção e monitora os trabalhos. É um momento de estabelecer um diálogo
com os alunos. O professor deve ajudar seu aluno a vencer bloqueios e tornar a investigação
mais rica. Algumas questões postas ao aluno podem ajudá-lo no desenvolvimento de seu
trabalho: o que você tentou? O que você acha? O que você está tentando fazer? O que você
descobriu até este momento? Você já viu algo parecido de algum modo com isto que você
encontrou? Você consegue ver algum padrão?, etc. Importante lembrar que sempre haverá
alunos que vão além do que o professor espera e, pensando nisso, o professor deve estar
preparado para ajudar o aluno a dar continuidade ao seu pensamento e apoiá-lo.
c) na fase de discussão, que pode ocorrer ao final da atividade, no mesmo dia em que foi
realizada ou na aula seguinte, considerando que o tempo poderia não ser suficiente para todas
as fases em um mesmo dia. Nesta fase são colocados em confronto as estratégias, hipóteses e
justificativas que os alunos apresentaram. Desta forma, estimulados pelo professor, os alunos
questionam as asserções de seus pares. Isto possibilita um aperfeiçoamento da capacidade dos
alunos se comunicarem matematicamente e também do seu poder de argumentação. Esta é
uma fase em que as ideias dos alunos ganham relevo porque a discussão é coletiva.

Os papéis que o professor desempenha durante um processo investigativo podem ser


decisivos para o sucesso deste processo. Segundo Oliveira, Segurado e Ponte (1996), estes
papéis são:
63

1) Desafiar os alunos – neste papel, o professor deve iniciar o trabalho com uma questão
intrigante e para a qual os alunos não têm resposta imediata. No entanto, é preciso
ressaltar que formular questões desafiantes não é tarefa fácil. Ela exige que o
professor seja capaz de enfrentar vários dilemas. Se a questão for muito difícil, os
alunos poderão se sentir intimidados e não querer trabalhar nela. Se for muito fácil
pode ser desestimuladora. Se forem dadas informações a menos, os alunos poderão
sentir-se perdidos sem saber por onde começar. Se elas forem muitas, algumas
poderão distrair o aluno ou fazê-lo seguir um caminho que não o levará a nada.
Entretanto, se o professor der as informações estritamente necessárias, sem qualquer
ambiguidade, dará pistas da resolução. O enfrentamento desses dilemas que surgem
requer organização prévia do professor e familiaridade com a turma.
2) Avaliar o progresso dos alunos – este papel do professor, a meu ver, é mais evidente
na fase denominada ‘realização da tarefa’ e que foi descrita anteriormente. O professor
deve verificar se os alunos compreenderam a tarefa proposta, se estão formulando
questões, se são capazes de justificar suas opções. Precisa, também, procurar saber se
os alunos estão com dificuldades e se as têm, saber se elas se relacionam à falta de
conhecimentos prévios ou ao fato de não encontrarem uma forma de representação
funcional para a informação que lhes foi dada.
3) Raciocinar matematicamente – Durante o processo investigativo, ainda que o
professor tenha muito se preparado, podem surgir situações matemáticas inesparadas
nas quais ele não pensara. Neste caso, deverá raciocinar matematicamente frente aos
alunos de modo que eles percebam como isto ocorre.
4) Apoiar o trabalho dos alunos – O apoio aos trabalhos dos alunos na atividade
investigativa ocorre quando o professor faz perguntas que podem, de alguma forma,
impulsionar suas ideias, ajudando-os a progredir. Um exemplo deste tipo de pergunta,
que ocorre no diálogo entre uma professora e um grupo de alunos, é28:

Teresa: Isto assim é possível? Aqui, por exemplo, o 1, depois o 4, o 9, 0 16, 0 25,
depois o 36. Só que depois não segue nenhuma ordem... por aqui. Aqui dá mas...
Professora: Será que não segue uma ordem?
Rita: Depois alterna.
Professora: Alterna, não é?

28
Exemplo retirado de Ponte, Oliveira, Brunheira, Varandas e Ferreira, 1998.
64

Amélia: Os primeiros alternam.


Ana: A primeira com a segunda, ó que aqui é seguido e depois aqui. E depois passa 2.
Professora: Pois. E será que não há aí uma... [regularidade]?

Neste diálogo, houve exemplos de perguntas feitas pela professorora do tipo aberta
(será que não há aí uma...) ou mais específica (será que não segue uma ordem?) e,
ainda, retórica (alterna, não é?). Qualquer que seja o tipo, estas perguntas têm o poder
de manter o fluxo do diálogo entre a professora e os alunos dando-lhes apoio. Se o
avanço não mais ocorre o professor pode, então, dar sugestões que orientem a a
tividade. Outro fato que pode ocorrer é o aluno fazer uma pergunta e o professor, ao
invés de respondê-la diretamente, devolvê-la à turma. Esta é uma estratégia para
aumentar a parcela de participação dos alunos e mostrar a confiança que o professor
deposita neles.

5) Fornecer e recordar informação – No curso da atividade, o professor pode promover a


frequente reutilização de conceitos e conhecimentos básicos aritméticos, geométricos
e algébricos. Como consequência, os alunos podem consolidar e melhorar sua
compreensão e perceber, de forma gradativa, a densa rede de ligações entre as ideias
matemáticas.
6) Promover a reflexão dos alunos - Este momento de reflexão geralmente ocorre na fase
de discussão e desempenha um processo importante nas atividades de investigação. É
fundamental que o professor proporcione aos alunos oportunidades adequadas para
que exibam sua capacidade de argumentação e reflexão. Desta forma, eles poderão
relacionar o trabalho que estão fazendo com ideias já conhecidas, desenvolvendo a
compreensão do que é a Matemática.

Skovsmose também discute sobre investigação, mas em uma perspectiva diferente daquela
apresentada nesta subseção. De acordo com Araujo et al (2008, p. 12), para este autor:

O trabalho com investigações, ao contrapor-se ao paradigma do exercício29,


proporciona um questionamento sobre o papel da matemática na sociedade e
sobre a natureza da própria matemática. Tal dimensão distancia-se dos
objetivos de Ponte, Brocardo e Oliveira (2003), que pretendem simular, em
sala de aula, a produção de matemática pelos matemáticos.

29
Paradigma do exercício será discutido na próxima seção.
65

Para Skovsmose (2000), estes questionamentos podem surgir como consequência da


participação dos alunos em ambientes de aprendizagem, que ele denomina cenários para
investigação e sobre os quais, tratarei, a seguir.

2.1.2 Cenários para investigação

Os cenários para investigação (SKOVSMOSE, 2000) são uma proposta que contrapõe
ao que se denomina paradigma do exercício. Neste paradigma, a Educação Matemática dá-se
da seguinte forma: o professor, guiado pelo livro didático, discute algumas ideias e ensina
algumas técnicas que os alunos utilizarão em exercícios posteriores. Nesse modo de ensinar
Matemática, não há espaço para questionamentos ou participação dos alunos. Eles
simplesmente reproduzem técnicas ensinadas, de forma repetitiva, que dificultam reflexões
acerca do que estão fazendo. A resposta para cada exercício é única e universal.
A Educação Matemática baseada em cenários para investigação pode romper com esta
forma engessada de se ensinar tal disciplina, permitindo que os alunos participem do
processo, agindo e refletindo sobre suas práticas podendo ter, por isso, acesso a uma
Educação Matemática Crítica - EMC (SKOVSMOSE, 2000). Ainda nesse sentido,
Skovsmose (2007, p. 6) considera que “cenários representam uma tentativa educacional para
estabelecer uma educação matemática com mais significado”.
A principal preocupação da EMC é o desenvolvimento da Materacia, que se opõe à
EM baseada somente na aquisição de habilidades para cálculos matemáticos e privilegia uma
EM que promova a participação crítica do aluno, como alguém inserido em uma sociedade, e
que discute questões relativas a ela. A EMC é uma extensão, para a Matemática, da pedagogia
libertadora defendida por Freire (1978) e que encontra adeptos em várias áreas.
Em seu livro, Pedagogia do Oprimido, Freire (1978) critica a educação bancária
vigente em grande parte das escolas brasileiras. Nesta visão bancária da educação, o professor
é o depositante dos conhecimentos e o aluno o depositário, sem que seja dado a estes últimos
o direito à voz, a uma consciência crítica. A qualidade do educador está diretamente atrelada à
quantidade de depósitos de conhecimentos feitas na mente do educando. A qualidade deste,
por sua vez, está diretamente atrelada à sua capacidade resiliente para aceitar mais e mais
depósitos, sem direito à recusa. Contrapondo-se a essa educação bancária, Freire defende uma
educação mais humanizada, mais democrática, emancipadora e libertadora. Em Pedagogia da
Indignação, o mesmo autor retoma a questão da educação bancária e considera que:
66

[...] é óbvio que a educação de que precisamos, capaz de formar


pessoas críticas, de raciocínio rápido, com sentido do risco, curiosas,
indagadoras não pode ser a que exercita a memorização mecânica dos
educandos. A que “treina”, em lugar de formar. Não pode ser a que
deposita conteúdos na cabeça “vazia” dos educandos, mas a que,
pelo contrário, os desafia a pensar certo (FREIRE, 2000, p. 100).

Especificamente na Educação Matemática, a Materacia é defendida por muitos


autores, com destaque para Ubiratan D`Ambrósio (2005, p. 119) que e a define como “a
capacidade de interpretar e analisar sinais e códigos, de propor e utilizar modelos e
simulações na vida cotidiana, de elaborar abstrações sobre representações do real
(instrumentos intelectuais)”. Em se tratando de EMC, podemos citar Araújo (2009), que tem
se preocupado em realizar projetos de Modelagem Matemática fundamentados na EMC.
Skovsmose estende, para a Matemática, as ideias da pedagogia libertadora defendida
por Freire. O que ele denomina de Educação Matemática Crítica refere-se a uma maneira de
se ensinar a Matemática de forma crítica, que reage às contradições sociais (SKOVSMOSE,
2010).
Segundo Skovsmose (2010), há três direções para as quais a Educação Matemática
pode estar orientada:

1 – O conhecer matemático, que está associado a uma competência para desenvolver


habilidades matemáticas, incluindo as competências na reprodução de teoremas, o domínio de
algoritmos e outros conteúdos matemáticos.
2 – O conhecer tecnológico que está associado a uma capacidade de construir e/ou
utilizar modelos matemáticos.
3 – O conhecer reflexivo, que se refere à capacidade de refletir sobre o uso da
Matemática e avaliá-lo.

Skovsmose considera que os três conheceres caminham juntos, promovendo uma


EMC. Porém, que tipo de prática pedagógica em Matemática poderia convidar à reflexão?
Uma possível resposta, que não esgotaria todas as possibilidades, seria utilizar
cenários para investigação no ensino dessa disciplina. O caráter reflexivo do aprender
matemática a partir da investigação surge quando os alunos, ao buscarem respostas para uma
questão, refletem sobre os possíveis caminhos a seguir, como participantes ativos do
processo.
67

Embora pareça simples num primeiro momento, a constituição de um cenário para


investigação somente se dá quando um convite feito aos alunos é aceito por eles.
Segundo Skovsmose (2000, p. 2), o convite é simbolizado pelo ‘o que acontece se...?’,
do professor. O aceite dos alunos ao convite pode ser simbolizado pelos seus ‘sim, o que
acontece se?’. Dessa forma, os alunos se envolvem no processo de exploração. O “Por que
isto...?” dos alunos indica que eles estão encarando o desafio e buscando explicações.
Quando os alunos assumem o processo de exploração e explicação, o cenário para
investigação passa a constituir um novo ambiente de aprendizagem, em que os alunos são
responsáveis pelo processo. Nesse sentido, os cenários para investigação garantem aos alunos
uma liberdade maior para experimentar sem que isso pareça errado ou contra as normas
vigentes da sala de aula. Essas e outras características aproximam essa forma de ensinar
daquilo que Freire considera emancipadora. Quando se propõe uma prática baseada em
cenários para investigação, deseja-se que os alunos produzam significados para o que está
aprendendo. Skovsmose (ibidem) considera três referências para que o aluno produza
significado ao ensino:

I - Referência à Matemática e somente a ela;


II – Referência a uma semirrealidade, que não se trata de algo real, mas criado para
satisfazer certa demanda;
III – Referência à realidade.

Skovsmose (2000) combina a distinção entre as três referências com a distinção entre
a aula baseada somente em exercícios, e aquela que utiliza cenários para investigação,
produzindo uma matriz com seis tipos diferentes de ambiente de aprendizagem.

Quadro 2: Ambientes de aprendizagem


Paradigma do exercício Cenários para investigação

Referências à Matemática pura 1 2


Referências à semirrealidade 3 4
Referências à realidade 5 6
Fonte: Skovsmose (2000)
68

A busca de um caminho entre estes diferentes ambientes pode proporcionar novos


recursos para que os alunos ajam e reflitam de forma crítica, ao mesmo tempo em que têm
contato com os principais conceitos matemáticos. Vejamos:
Podemos exemplificar alguns desses ambientes com as seguintes situações:

1 – Um enunciado que proponha: “Calcule o valor de x na equação 3x – 3 = 10”, é um


exemplo do ambiente tipo 1. Nele, há uma aplicação puramente da Matemática.
2 – Um ambiente do tipo 2 ainda se refere à Matemática pura mas com um convite à
investigação. Um aluno trabalhando em sala com figuras geométricas pode ser interpelado
pelo professor, da seguinte maneira – O que acontecerá se você girar essa figura em torno de
um eixo vertical? Se o aluno aceitar o convite, passará a investigar sobre isso.
3 – Dona Maria foi ao supermercado e comprou 2kg de batatas cujo preço, por
quilograma, era de R$2,00. Se ela pagou com uma nota de R$ 10,00, de quanto foi seu troco?
Este exemplo refere-se ao ambiente do tipo 3 porque tem relação com a realidade mas que,
geralmente não acontece da maneira descrita (semirrealidade). Não sabemos quem é Maria;
geralmente os preços não são inteiros e, tampouco, o peso da batata.
4 – Um ambiente do tipo 4 ainda se refere à semirrealidade - algo que nos remete a
uma situação da realidade, porém, com dados inventados. Entretanto, agora este ambiente não
será utilizado como recurso para produção de exercícios e sim como um convite à exploração
e explicações. Um exemplo seria apresentar aos alunos propostas de planos de telefonia
celular, baseados na realidade, e solicitar que eles encontrem o melhor plano para um usuário
hipotético. Neste caso, a semirrealidade não está sendo utilizada para a produção de
exercícios, mas para estimular a investigação.
5 – Gráficos estatísticos que contenham informações da vida real podem ser utilizados
como parte de um exercício e, a partir de sua exploração e análise, o aluno pode realizar
algumas inferências. Por exemplo, um gráfico pode conter informações sobre as taxas de
mortalidade infantil em alguns países. Partindo dos dados numéricos, o aluno pode realizar
cálculos matemáticos e pode, também, procurar explicações sobre as causas de um
maior/menor índice dessa taxa em certo país que se relacionem com sistema de saúde, renda
per capita, acesso à educação, etc. Esse ambiente se encaixa no tipo 5.
6 – Um ambiente do tipo 6 convida os alunos a uma atividade real, da qual não
possuem informações prévias. Todo o conhecimento matemático necessário deve ser
solicitado de acordo com as necessidades que surgem no decorrer do processo. Um exemplo
simples poderia ser a construção de um jardim em uma área livre da escola. Os alunos
69

deverão avaliar muitas variáveis para a sua construção (melhor local e por que, que tipo de
adubo utilizar, quais são as melhores espécies para o clima local, etc), bem como os cálculos
matemáticos para a sua execução (quantidade de metros de arame para cercá-lo, a área
necessária, o volume de terra, etc).
É importante ressaltar que, embora o quadro acima pareça rígido e estático, ele é
apenas uma simplificação dos possíveis ambientes de aprendizagem. As linhas horizontais e
verticais são fluidas, permitindo a movimentação de um ambiente para outro. Não se trata,
também, de abolir exercícios em sala de aula. Talvez utilizá-los em momentos posteriores à
investigação, para consolidação do que se aprendeu, seja uma boa alternativa. Isto é bem
diferente do paradigma do exercício, no qual os exercícios são a única alternativa do professor
para o processo de aprendizagem dos alunos. Além disso, a matriz de ambientes pode servir
como instrumento analítico das práticas em sala de aula. Alunos e professores podem avaliar
quais ambientes proporcionaram melhores resultados (ibidem).
Um cenário para investigação oferece desafios ao professor, uma vez que ele não pode
prever que questões surgirão no decorrer do processo. Uma pergunta inesperada pode colocar
em xeque o conhecimento prévio do professor ou pode estar fora do contrato didático. Neste
caso, o mais cômodo é retornar à zona de conforto (PENTEADO, 2001) em que,
provavelmente, não são permitidos tais comportamentos. Para Skovsmose (ibidem), esta
solução não é a ideal. O professor deve aceitar o desafio e ter habilidade para atuar no novo
ambiente e, juntamente com os alunos, criar um ambiente de cooperação para produzir
atividades significativas.
Neste capítulo, discuti a investigação em aulas de Matemática e sua importância para o
ensino desta disciplina, tanto para os alunos como para os professores. Apresentei, também, a
ideia dos cenários para investigação, que pode proporcionar aos alunos uma postura crítica da
sua realidade, por meio da Matemática. Considero esta discussão pertinente, uma vez que,
durante a pesquisa de campo, propus tarefas investigativas aos alunos.
No próximo capítulo trarei alguns estudos que, de alguma forma, se ligam a esta
pesquisa, incluindo alguns nos quais a investigação na aula de Matemática também teve
relevância.
70

CAPÍTULO 3

INVESTIGAÇÃO, ENVOLVIMENTO, MOTIVOS: PALAVRAS PARA


CONECTAR

A pergunta diretriz deste estudo é: como se relacionam o aceite dos alunos ao convite
para participação em cenários para investigação, o envolvimento destes alunos neste ambiente
e uma possível aproximação entre os seus motivos e o objeto desta atividade?
Nela, destaco a importância de três palavras-chave que guiaram meu olhar para os
dados: investigação, envolvimento e motivos. Sendo assim, neste capítulo, meu objetivo foi
apresentar estudos que se conectam a este trabalho, por meio destas palavras. Elas se tornam,
então, o ponto de aproximação entre o presente estudo e os estudos que serão apresentados.
Entretanto, apresento, também, características que os diferenciam. Em cada um dos estudos, a
seguir, pelo menos uma das palavras-chave ganhou relevo durante as discussões.
Para uma melhor organização, inicialmente, apresento estudos em que a palavra
investigação teve grande importância. Ressalto que esta palavra foi considerada no âmbito da
Educação Matemática, e não de forma genérica. Em seguida, apresento um estudo em que a
discussão sobre envolvimento foi muito importante, assim como a discussão em torno da
palavra motivo, mas utilizando referencial teórico distinto daquele que utilizei na presente
pesquisa. Por fim, trago estudos em que a palavra motivo foi tratada, tomando como
referências, abordagens histórico-culturais, que é onde se insere a TA, utilizada no presente
estudo. Em algumas dessas pesquisas, uma discussão sobre motivos não foi anunciada no
título e/ou no resumo do trabalho. Observou-se, entretanto, que eles tiveram tratamento de
destaque durante a discussão teórica e no momento da análise.

3.1 Investigações na aula de Matemática

Há muitos estudos que exploram a investigação na sala de aula de Matemática, hora


como tema central, hora como um pano de fundo para a compreensão de outras coisas, que se
deseja estudar. Neste último caso, ao referencial sobre investigação se aliam outros, que
atenderão às necessidades do pesquisador. Abaixo, apresento alguns estudos mais recentes
sobre investigação.
71

O estudo de Reginaldo (2012) buscou compreender como se desencadeia e se


desenvolve a argumentação matemática dos estudantes em atividades de investigação.
Participaram do estudo, alunos com idades entre 14 e 15 anos, de três turmas de nono ano de
uma escola pública da cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais. Às turmas, a pesquisadora
propôs, em momentos distintos, quatro tarefas investigativas. Os assuntos abordados tinham
relação com o que a professora da turma estava trabalhando naquele momento ou com algo
que eles já haviam estudado.
Dentre os resultados, a autora concluiu que “os estudantes da escola básica são
capazes de argumentar nas aulas de Matemática de diversas formas: refutar por meio de
contraexemplo, provar com o uso de um recurso não discursivo, demonstrar, dentre outras”
(REGINALDO, 2012).
Como referencial teórico para embasar o estudo, utilizou-se Boavida (2005) para
discutir sobre argumentação e, Ponte, Brocardo, Oliveira (2003) e Skovsmose (2000) para
discutir sobre investigação na aula de Matemática. Um ponto de aproximação entre o estudo
de Reginaldo e o presente estudo, foi a utilização de alguns autores em comum, na discussão
sobre investigação. Ponte, Brocardo e Oliveira (2003) e Skovsmose (2000) também foram
utilizados por mim, no capítulo 2, quando discuti sobre investigação e investigação na aula de
Matemática. Outra semelhança é em relação aos sujeitos, que também eram do nono ano e
com idades muito próximas. Entretanto, acredito que as semelhanças parem nestes aspectos.
O objetivo da autora, como já mencionado, foi compreender como se desencadeia e se
desenvolve a argumentação matemática em atividades investigativas. O meu era estudar sobre
os motivos que levam os alunos à aceitação do convite para participação em uma investigação
na aula de Matemática.
Jordane (2007) também discutiu a investigação na sala de aula de Matemática. No
entanto, o seu objetivo maior foi analisar o processo de transformação experienciado por uma
professora de Matemática da rede pública de ensino, da cidade de Belo Horizonte, após
aceitar o convite do pesquisador para participar de uma experiência de trabalho colaborativo.
É no desenvolvimento desse trabalho e como parte dele, que surgem as investigações
em sala de aula. Antes de propor tarefas e escolher alguma turma para aplicá-las a dupla,
pesquisador e professora, procedeu à leituras acerca do que é investigar em sala de aula.
Elegeram, por sugestão do pesquisador, autores como Ponte, Oliveira e Skovsmose, que
também foram utilizados no presente estudo. Este foi um passo importante para que a
professora se familiarizasse com o tema e compreendesse como poderia ser a dinâmica de
uma investigação.
72

As tarefas investigativas foram propostas a uma turma de EJA, com mais de quarenta
alunos matriculados, uma frequência média de vinte e cinco, e presença constante de dez. As
idades variavam de 15 a 50 anos.
Entre dúvidas e receios, a professora foi se apropriando daquela experiência e passou a
repensar sua prática como educadora. Ainda, em relação à professora, Jordane (2007, p. 132)
considerou que a experiência “marcou-lhe de tal forma que propiciou que incorporasse, à sua
vida profissional, práticas que, até então, não eram comuns”. A professora “se ‘apossa’ das
investigações. ‘Toma’ para si e dá continuidade ao trabalho”.
De acordo com o autor, a análise dos dados indicou cinco fatores que contribuíram
para o processo de transformação experienciado pela professora. Dois deles dizem respeito
aos desejos da professora. O desejo de mudar, vinculado ao desenvolvimento profissional, e o
desejo de partilhar, vinculado ao trabalho colaborativo. Os outros se relacionam à segurança
da professora em realizar tarefas investigativas em suas aulas, por se sentir mais segura, na
medida em que teve o apoio de outro professor auxiliando-a no desenvolvimento do trabalho,
incluindo as discussões teóricas sobre investigação. Ela pôde comprovar, empiricamente, a
viabilidade do uso de investigações em sala de aula.
Gonçalves e Reis (2013) discutiram sobre a utilização de tarefas investigativas para o
ensino de derivadas, na disciplina de cálculo I, a partir do software geogebra30. Os autores
fizeram uma discussão teórica sobre investigação, buscando as mesmas referências utilizadas
no presente estudo e nos dois estudos anteriores.
No estudo de Gonçalves e Reis, entretanto, a utilização de um software nas aulas de
Cálculo I, suscitou discussões mais elaboradas sobre o uso de tecnologias em aulas de
Matemática e sobre o ensino de cálculo. As tarefas investigativas foram aplicadas a uma
turma da disciplina Cálculo diferencial e integral I, de uma universidade pública brasileira. De
acordo com os autores, algumas contribuições das atividades investigativas para o ensino de
cálculo, utilizando tecnologias, puderam ser destacadas: Uma delas é a ressignificação dos
conhecimentos dos alunos em relação às aplicações das derivadas; outra aponta para a criação
de um ambiente de aprendizagem diferenciado e complementar à sala de aula; por fim, existe
a contribuição para a formação de um “novo” professor de Matemática dos Ensinos
Fundamental e Médio e também do Ensino Superior.
O estudo de Grando e Balke (2013), também deu grande importância à investigação
matemática na sala de aula. O objetivo das autoras era verificar em que medida a abordagem

30
O geogebra é um software de geometria dinâmica, gratuito, muito utilizado para o ensino de geometria.
73

de investigação matemática potencializa a apropriação de significado dos conceitos que


compõem os conteúdos do bloco tratamento da informação, em uma turma de 8oano de uma
escola pública municipal, do sul do Brasil.
No entanto, a aproximação desta pesquisa com o presente estudo se estende para além
da adoção do mesmo referencial teórico sobre investigação. Utilizaram-se construtos da
Teoria Histórico-cultural, como apropriação e internalização, cujas definições são atribuídas a
Vygotsky, autor muito utilizado nesta tese.
Desta forma, Grando e Balke, assim como eu, localizaram as tarefas investigativas
dentro de um contexto sócio-histórico-cultural de forma explícita e utilizando referenciais
teóricos muito próximos. Nesse sentido, de todas as pesquisas envolvendo investigação
apresentadas até agora, esta é a que mais se aproxima do presente estudo, levando-se em conta
as escolhas teóricas. Mesmo assim, as pesquisas tinham objetivos distintos. Enquanto as
autoras procuraram verificar como as tarefas investigativas potencializaram as apropriações
de conceitos, no presente estudo, meu foco foi nos motivos para a participação no mesmo tipo
de tarefa. Outra diferença é que, embora as autoras tenham adotado uma perspectiva histórico-
cultural, próxima à minha, busquei outros autores, dentro da mesma perspectiva, que
pudessem sustentar minhas argumentações e análises.

3.2 Envolvimento e Motivos

Campos (2013) teve, como objetivo de pesquisa, compreender como o envolvimento


dos alunos em ambientes de modelagem se relaciona com seus backgrounds e foregrounds.
Ela também discute os motivos, porém, utilizando outro referencial teórico. Na minha
interpretação, a autora assume ‘boas razões’ (ALRØ e SKOVSMOSE, 1996) e ‘razões para
agir’ (CHARLOT, 2000), como construtos próximos a motivos. Para ela, os motivos
representam um dos fatores que constituem o envolvimento. Os sujeitos foram 10 alunos da
disciplina Matemática A, oferecida ao curso de Gestão Pública, em uma universidade pública
brasileira.
De acordo com a autora:

[...] os resultados apontam para o fato de que os backgrounds e foregrounds


dos indivíduos sugerem diferentes tipos de envolvimentos em ambientes de
modelagem e que, para compreender esses envolvimentos, faz-se necessário,
também, analisar como os backgrounds e foregrounds se manifestam nas
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relações coletivas desenvolvidas entre os sujeitos envolvidos no ambiente de


modelagem (CAMPOS, 2013, p. 7).

No presente estudo, a compreensão sobre motivos está pautada na TA e o


envolvimento está sendo compreendido como algo relacionado ao aceite ao convite, para a
realização de uma investigação. Esta ideia será mais elaborada no capítulo 5.

3.3 Motivos na perspectiva histórico-cultural

Os motivos podem ser estudados a partir de várias perspectivas e uma delas é a


perspectiva histórico-cultural, adotada no presente estudo. A seguir, apresento alguns
exemplos de pesquisas que se conectam à minha pela palavra motivo e pela mesma
perspectiva teórica adotada.
Em seu estudo, Palma (2010) procurou verificar como se dá o movimento de produção
de sentidos acerca do ensinar e do aprender Matemática de quatro alunas do curso de
Pedagogia, quando essas participaram de um projeto de estágio supervisionado na trajetória
de formação inicial.
Embora uma discussão sobre motivos não tenha sido anunciada no objetivo principal
da autora, ela surgiu naturalmente, como consequência imediata da íntima relação que existe
entre motivo e sentido pessoal. De acordo com Leontiev (1978a), que foi um dos autores
utilizados como referencial teórico de análise do estudo, o sentido pessoal é aquilo que
conecta o motivo ao objeto da atividade. Dois dos motivos iniciais apresentados pelas alunas
para participação no projeto têm relação com ‘aprender mais Matemática’ e ‘aprender a
ensinar Matemática’. As estes motivos, vincularam-se sentidos pessoais que foram surgindo
ao longo da participação no projeto. De acordo com a autora:

[...] os aspectos que possibilitaram a produção dos sentidos são os mesmos


que possibilitam que eles se sustentem no processo de formação: as
interações e as mediações; a apropriação de conhecimentos sobre os
processos de ensinar e aprender Matemática; o planejamento, o
desenvolvimento e a avaliação de atividades de ensino; o registro e a
reflexão sobre o processo de formação (PALMA, 2010, p. 173).

Há semelhanças e diferenças entre o presente estudo e o estudo descrito acima. Uma


semelhança é que ambos utilizaram a Teoria da Atividade como referencial de análise e
deram destaque a três autores representantes desta teoria: Vygotsky, Leontiev e Engestrӧm.
Alguns construtos, como mediação e apropriação, foram bastante relevantes em ambos.
75

Por outro lado, no presente estudo, o foco estava nos motivos dos alunos para a
participação em tarefas investigativas na aula de Matemática, ao passo que no estudo de
Palma, o foco estava nos sentidos pessoais das alunas do estágio supervisionado, para
aprenderem e ensinarem Matemática. Como se pode observar, a Matemática teve destaque em
ambas as pesquisas, porém, com enfoques distintos. Em função dos diferentes sujeitos, na
pesquisa de Palma, a Matemática surgiu como algo a ser reaprendido para, depois, ser
ensinado. Nesta pesquisa, a Matemática estava inserida em uma proposta de investigação, na
tentativa de romper com a forma tradicional como ela era apresentada.
Outra pesquisa na qual o estudo dos motivos também não estava explícito no título
e/ou no resumo, é aquele em que Asbahr (2011), embora se proponha a investigar o processo
de atribuição de sentido pessoal à atividade de estudo de crianças da 4a série de uma escola
municipal de São Paulo, discute também os motivos dos alunos para esta atividade.
A proposta do estudo de Asbahr é próxima da proposta do estudo citado
anteriormente: analisar o processo de atribuição de sentido pessoal utilizando uma abordagem
histórico-cultural. Porém, como já visto, os sujeitos da pesquisa de Palma (2010) foram alunas
do curso de Pedagogia e os sujeitos da pesquisa de Asbahr (2011) foram alunos da 4a série
(atual quinto ano) de uma escola pública municipal de São Paulo.
Se, por um lado, as características dos sujeitos das pesquisas de Palma e Asbahr
diferem, elas são um ponto de aproximação entre o estudo de Asbahr e o presente estudo. Em
ambos os casos lidamos com alunos do Ensino Fundamental, embora com faixas etárias
distintas. Outro ponto a se considerar na comparação entre o estudo de Asbahr e a presente
pesquisa é que, no primeiro, procurou-se conhecer os motivos dos alunos para a atividade de
aprendizagem, de modo geral, sem focar em uma determinada disciplina. No presente estudo,
o interesse recaiu sobre os motivos para a participação em tarefas matemáticas. Assim, houve
uma especificidade maior.
A autora defendeu a tese de que, “para que a aprendizagem escolar ocorra, as ações de
estudo dos estudantes devem ter um sentido pessoal correspondente aos motivos e aos
significados sociais da atividade de estudo, no sentido da promoção do desenvolvimento
humano” (ASBAHR, 2011, p. 9). No meu modo de entender e baseado em Leontiev (1978b),
o sentido pessoal vai sempre corresponder ao seu motivo porque é aquilo que conecta o objeto
ao motivo31. O que ocorre, em muitos casos, é a ruptura entre significado e sentido, gerando

31
O exemplo de Leontiev, à página 33 desta tese, sobre o aluno que vai ler um livro, serve para melhor
esclarecer esta ideia.
76

uma atividade alienada. Acredito que ocorra aprendizagem, mesmo em situações adversas.
Isto não significa que elas ocorrerão do mesmo modo.
A pesquisa de Cedro (2008) tem a palavra motivo explícita no título: O motivo e a
atividade de aprendizagem do professor de Matemática: uma perspectiva histórico-cultural. O
autor procurou discutir o processo de transformação e/ou criação de motivos da atividade de
aprendizagem, de três alunos de um curso de licenciatura em Matemática, de uma
universidade pública brasileira, quando envolvidos na disciplina correspondente ao estágio
supervisionado. Estes sujeitos são próximos daqueles da pesquisa de Palma (2010), que
também estudou alunos da disciplina estágio supervisionado. A diferença está no curso de
graduação dos sujeitos: Palma trabalhou com alunas do curso de Pedagogia e Cedro com
alunos da licenciatura em Matemática.
A base teórica da pesquisa de Cedro foi a Teoria da Atividade, dando destaque a
autores como Leontiev, Davydov e Vygotsky. Um dos objetivos era possibilitar aos
professores, uma formação acadêmica que lhes permitisse uma visão mais humanizada da
educação.
Durante um ano, o pesquisador acompanhou os professores em um experimento
formativo, no qual o objetivo era colocá-los em atividade de ensino. De acordo com o autor,
as situações propiciadas pelo experimento formativo permitiam aos professores se
apropriarem de uma proposta de organização de ensino, que lhes possibilitava rever seus
valores e concepções sobre o mesmo. Desta forma, os novos sentidos dados às suas ações,
permitiram que eles passassem a ter uma nova visão sobre o papel da escola na sociedade. No
rastro das novas versões dos sentidos pessoais para a atividade de ensino, os motivos para
essa atividade também se modificaram.
Os estudos de Cedro, Asbahr e Palma, discutidos anteriormente, e o presente estudo,
se conectam pela palavra motivos. Asbahr e Palma deram destaque aos sentidos pessoais,
passando pelos motivos. Cedro deu destaque aos motivos, passando pelos sentidos pessoais.
O presente estudo destaca os motivos, a exemplo da pesquisa de Cedro. Este é um ponto de
convergência entre as duas pesquisas. Outra aproximação entre elas é o referencial teórico,
muito semelhante. No entanto, meu objetivo foi estudar os motivos de alunos para a
participação em tarefas investigativas, o que é diferente de estudar a evolução dos motivos de
professores, em um curso de formação. Há diferenças, também, na parte metodológica e nas
escolhas teóricas para análise. Por exemplo, embora o autor tenha trazido algumas ideias de
Engestrӧm em seu capítulo teórico, ele não retoma tais ideias em sua análise. No presente
estudo, as ideias de Engestrӧm foram muito importantes para a análise dos dados.
77

A seguir, apresento alguns estudos internacionais sobre motivos, todos utilizando uma
perspectiva histórico-cultural e que tiveram importância, tanto no aprofundamento teórico,
quanto nos momentos de análise.
Hedegaard (2012) discutiu os motivos de crianças para a participação em práticas
sociais comuns, que ela denominou de ambiente de atividade. São exemplos de ambiente de
atividade: tomar café ou jantar à mesa; fazer o dever de casa. Ela utilizou a noção de situação
social de desenvolvimento, de Vygotsky, também utilizada no presente estudo, e a noção de
motivo, assim como definido por Leontiev.
Neste estudo, os motivos foram relacionados aos valores que as atividades diárias
possuem para as crianças. De acordo com a valorização que uma atividade possui e certa
cultura, pode ocorrer, ou não, o surgimento de motivos para participação.
Medina e Martinez (2012) mostraram como o comportamento das crianças difere de
acordo com os valores culturais do panorama sociocultural na qual elas se inserem. Segundo
os autores, estes valores culturais e normas, podem se transformar em motivos para guiar a
interação das crianças com seus pares.
Corsaro e Rizzo (1998) estudaram o comportamento de crianças italianas e
americanas, quando envolvidas em brincadeiras. Eles observaram que as crianças, de ambos
os países, desenvolveram uma série de comportamentos para proteger seus espaços de
interação contra possíveis interferências. No entanto, as crianças americanas negavam a
inclusão de novos membros nesses espaços, ao passo que as italianas, eventualmente,
admitiam a entrada de novas crianças, desde que se submetessem a algumas condições
previamente estabelecidas. De acordo com os autores (2012, p. 103), estas pesquisas mostram
como as crianças:

[...] através de suas interações, criam uma dinâmica social que sugere a
reprodução do mundo dos adultos. Isto significa que através da participação
nas brincadeiras de suas culturas, crianças aprendem motivos e competências
que lhes permitem agir em ambientes específicos cheios de regras, valores e
normas que limitam seu comportamento32.

Este estudo também sugere que as crianças, ao participarem de atividades com adultos,
se apropriam de suas normas e regras e as reproduzem em suas brincadeiras ou nas suas

32
Tradução para: through their interaction, create a social dynamics that suggest na active reproduction of the
adult world. It seems that through participation in their play cultures, children learn motives and competences
that allow them to act in specific settings full of rules, values and norms that limit their behavior.
78

relações com outras crianças. Estas regras podem tornar-se motivos para participação nas
atividades diárias.
Outro estudo interessante foi aquele realizado por Winther-Lindqvist, (2012) no qual a
autora associa a Teoria Histórico-cultural com a teoria das representações sociais, discutida
por Moscovici, e o desenvolvimento de identidades sociais, discutido por Duveen, para
compreender melhor o desenvolvimento das identidades sociais das crianças e de seus
motivos durante a transição escolar.
Foi observado um grupo de 12 crianças, entre cinco e seis anos, por vinte dias, dentro
dos quatro últimos meses de seu jardim de infância. Posteriormente, a pesquisadora
acompanhou oito, dos 12 alunos, por vinte e um dias, dentro dos seus três primeiros meses da
escola primária. Os principais dados foram obtidos de protocolos escritos produzidos nas
cenas e, quando havia alguma dificuldade para a escrita, as situações foram vídeo-gravadas.
A autora, ao analisar as identidades sociais das crianças e como elas são criadas na
vida social com os colegas, sugere que os colegas e amigos e a posição social entre eles são
um fator crucial para o desenvolvimento de motivos para a aprendizagem quando eles entram
na escola.
O motivo não está localizado somente em uma pessoa, somente em uma situação ou
condição externa a ela. Ele deve ser localizado dentro das relações nas quais a pessoa está
engajada, em suas atividades. Pode ser estudado associado a outros conceitos, como ocorreu
em algumas das pesquisas. Motivo esteve relacionado a sentido pessoal, a identidade social,
normas e regras. Para Chaiklin (2012), esta associação de motivo com outros conceitos que
fazem parte da Teoria Histórico-cultural, dá uma visão holística da Teoria.
Como discutido no segundo parágrafo deste capítulo, o presente estudo se aproxima de
todos os outros citados, pelas palavras investigação (matemática), envolvimento e motivos.
Ocorreram, também, em alguns casos, aproximações nas perspectivas teóricas, que foram
destacadas. Uma das contribuições do presente estudo é que ele é inédito, por associar
aspectos de todos estes estudos em um único.
Após apresentar semelhanças e diferenças entre este estudo e alguns outros, tomados
para comparação, no próximo capítulo tratarei sobre aspectos da metodologia adotada
utilizada.
79

CAPÍTULO 4

ASPECTOS METODOLÓGICOS

4.1 A natureza da pesquisa

De forma geral, a Educação Matemática (EM) caracteriza-se:

[...] como uma práxis que envolve o domínio do conteúdo específico (a


Matemática) e o domínio de ideias e processos pedagógicos relativos à
transmissão/assimilação e/ou à apropriação/construção do saber matemático
escolar (FIORENTINI; LORENZATO 2006, p. 5).

Desta forma, como prática educativa que está inserida na prática social mais ampla, a
EM se relaciona diretamente com outras ciências como a Filosofia, a Matemática, a
Psicologia, a Pedagogia, a História, a Antropologia, a Semiótica, para citar algumas. É
natural, portanto, que as pesquisas em EM sofram influências de conhecimentos destes outros
campos de estudo, que são muitas vezes utilizados para explicar as intrincadas e complexas
relações que ocorrem nos processos de ensino e aprendizagem de Matemática.
A pesquisa em EM tem múltiplos objetivos e seria impossível listá-los, uma vez que
dependem da problemática anunciada. No entanto, de forma mais ampla, podemos dizer que
há dois objetivos básicos: um, de natureza pragmática, que visa a qualidade do ensino e da
aprendizagem matemática; outro, de natureza científica, que tem em vista o desenvolvimento
da EM enquanto campo de investigação e de produção de conhecimentos (FIORENTINI;
LORENZATO, 2006).
Qualquer que seja o objetivo da pesquisa em EM, por ele perpassam as múltiplas
relações entre ensino, aprendizagem e conhecimento da Matemática num contexto sócio
histórico específico, ou seja, numa prática social. Compreender esta prática é, pois,
fundamental. No entanto, esta compreensão não surge gratuitamente, como resultado das
informações sobre a prática, como se estas fossem simples dados coletados. É o pesquisador,
em um processo metódico de interação e diálogo com a realidade, orientado por suas questões
de estudo e enxergando através de sua lente teórica, que fará a interpretação destas
informações. As mesmas informações, nas mãos de pesquisadores diferentes serão, também,
interpretadas de formas diferentes.
80

Discutir o social é discutir algo muito amplo. Seria impossível a um pesquisador,


abarcar todos os aspectos de uma realidade observada. Por mais que estivesse atento, um
detalhe ou outro passaria despercebido. Nesse sentido, ao discutirem sobre pesquisa
qualitativa, Denzin e Lincoln (2006, p. 33) afirmam que “nenhum método é capaz de
compreender todas as variações sutis na experiência humana contínua”.
Por outro lado, há aspectos da realidade que não interessam àquilo que o pesquisador
deseja estudar e são deixados de lado. Não se trata de negligenciar estes aspectos como se eles
não fossem importantes, mas de privilegiar outros que permitirão uma análise mais
aprofundada do recorte da realidade feito pelo pesquisador e que lhe interessa como estudo.
Sobre este assunto, Denzin e Lincoln (2006) acreditam que, por trás das escolhas do
pesquisador, está a sua biografia pessoal. Segundo eles, o pesquisador:

[...] está marcado pelo gênero, situado em múltiplas culturas, aborda o


mundo com um conjunto de ideias, um esquema (teoria, ontologia), que
especifica uma série de questões (epistemologia) que ele então examina em
aspectos específicos (metodologia, análise). Ou seja, o pesquisador coleta
materiais empíricos que tenham ligação com a questão, para então analisá-
los e escrever a seu respeito (DENZIN; LINCOLN, ibidem, p. 32).

Outro aspecto importante que influencia as escolhas do pesquisador e que também tem
relação com sua biografia é a sua formação intelectual. Bogdan e Biklen (1994) discutem tal
aspecto ao se referirem aos pesquisadores em educação (mas acredito que possa ser estendido
a outros casos). Segundo os autores, alguns pesquisadores estudaram Psicologia, outros
Sociologia, Desenvolvimento Infantil, Ciências Sociais, etc. Deste modo, psicólogos,
sociólogos, cientistas sociais, podem passar o mesmo período de tempo em um mesmo local e
falarem com as mesmas pessoas sem, contudo, obterem os mesmos resultados de pesquisa.
Eles “recolherão diferentes tipos de dados e chegarão a conclusões diferentes” (BOGDAN;
BIKLEN, ibidem, p. 69). De igual modo, suas perspectivas teóricas os orientarão em direção a
estruturas distintas de pesquisa.
Na presente pesquisa, o principal objetivo foi verificar ‘como se relacionam o
envolvimento dos alunos em ambientes denominados cenários para investigação e uma
possível aproximação entre os seus motivos e o objeto desta atividade’. Como nos aponta
Lompscher (1999, p. 2), “Motivos não são simplesmente dados. Em vez disso, estão
estabelecidos no processo de atividade. A diversidade e variedade da atividade humana
produz uma diversidade respectiva de motivação”.
81

Em razão do objetivo, meu olhar se voltou mais para aspectos que pudessem me
fornecer informações sobre os motivos dos alunos. Meu diálogo e interação com o ambiente
foi norteado por este objetivo. Após várias leituras, conversas com minha orientadora, com os
pesquisadores do grupo de orientação33 e do grupo de estudos Grupo de Pesquisa e Estudos
Histórico-Culturais em Educação Matemática e em Ciências34, é que pude vislumbrar técnicas
que pudessem me auxiliar na busca pelos motivos dos alunos.
Após definí-las, senti-me preparado para ir a campo. Isto ocorreu no segundo semestre
de 2012. Ao final deste período realizei muitas releituras para tentar encontrar um caminho
para a análise que fosse concernente com o referencial teórico de análise e o objetivo de
pesquisa. Foi um momento de interpretação e diálogo com os dados sob minha ótica,
ancorado pelas referências teóricas. Nesta fase foram privilegiadas as informações que
atenderam aos propósitos do estudo. Os instrumentos e procedimentos de coleta e análise de
dados serão descritos, ainda neste capítulo. A análise será feita nos capítulos 5 e 6.
Este estudo privilegiou a descrição e a análise dos fatos no contexto social em que eles
aconteceram, ou seja, em seu ambiente natural. Além disso, as interações entre sujeitos,
pesquisador e objeto de estudo foram enfatizadas. Podemos dizer, então, que uma abordagem
metodológica de natureza qualitativa é mais adequada para esta pesquisa. Outra característica
desta pesquisa, comum às pesquisas qualitativas, foi a utilização de mais de uma técnica de
coleta de dados (questionário, entrevistas, vídeos) que, aliados à observação, confere à
pesquisa um maior grau de confiabilidade (ALVES-MAZZOTTI, 1998).
Como pesquisador, dei atenção especial aos comportamentos e falas dos sujeitos,
indaguei sobre aspectos de suas vidas para além da sala de aula para obter informações que
pudessem auxiliá-lo. Estas características vão ao encontro daquelas que D’Ambrósio (2005)
aponta como características da pesquisa qualitativa. Para este autor, uma pesquisa qualitativa
dá atenção às pessoas, suas ideias e procura interpretar discursos e narrativas que estariam
adormecidos.
Para finalizar a justificativa da natureza qualitativa desta pesquisa, recorro a Bogdan e
Biklen (1994) que, ao discutirem sobre o assunto, destacam cinco características que tais
pesquisas devem apresentar e trago características do presente estudo que mostram harmonias
com as ideias dos autores.

33
O grupo de orientações é composto pela professora Dra. Jussara de Loiola Araújo e todos os seus orientandos.
As reuniões coletivas ocorrem semanalmente, onde podemos discutir nossas pesquisas e ter acesso a muitas
contribuições, de todos os membros.
34
Este grupo já foi citado no capítulo 1.
82

1) A fonte dos dados é o meio natural onde ocorrem os fatos, já que o comportamento
humano é significativamente influenciado por este meio. O pesquisador é o
principal instrumento de coleta. Nesta pesquisa, o ambiente natural foi a escola,
em particular as salas de aula de Matemática de duas turmas do nono ano e eu
mesmo coletei as informações que julguei necessárias à pesquisa.
2) Os dados recolhidos foram em forma de palavras, imagens. Foram realizadas
transcrições de notas de campo, em particular, de vídeos e entrevistas. Gestos e
reações também foram considerados como pistas para uma melhor compreensão
do ambiente. Assim, podemos dizer que esta pesquisa foi descritiva.
3) Houve maior preocupação com possíveis descobertas sobre os motivos dos alunos
durante o estudo do que com um resultado final.
4) A análise é feita de forma indutiva. Nesta pesquisa não busquei evidências para
comprovar uma hipótese definida a priori.
5) O significado é algo de extrema importância. Em uma pesquisa qualitativa é
fundamental que o pesquisador se preocupe com as “perspectivas dos
participantes” (ERICKSON, 1986, apud BOGDAN & BIKLEN, 1994), ou seja, as
maneiras como os sujeitos percebem e dão sentido às suas vidas. Procurei saber as
opiniões dos alunos acerca das tarefas e, nas entrevistas, pude saber um pouco
mais da história de alguns deles. Após algum tempo realizei novas entrevistas com
os mesmos alunos, para me certificar de algumas informações que não ficaram
claras e para obter outras que me pareceram importantes.

Justificada a abordagem qualitativa desta pesquisa, nos tópicos seguintes, apresentarei


o caminho percorrido, desde a opção teórica, passando pela escolha da escola, sujeitos,
procedimentos e instrumentos de coleta de informações, até o momento da análise, que será
realizada no capítulo 5.

4.2 A opção teórica

Embora o detalhamento das teorias adotadas tenha sido realizado nos capítulos 1 e 2,
acredito que seja importante retomar esta discussão, mesmo que de forma breve, porque elas
foram parte importante do caminho metodológico trilhado.
83

Há algum tempo tenho me interessado por novas propostas para o ensino de


Matemática em sala de aula, e pelas contribuições que elas podem trazer para a formação do
aluno. Investigar sempre me pareceu algo instigante, que aguça a curiosidade. No dicionário
Aurélio, a palavra investigar tem como um de seus sinônimos ‘seguir vestígios’ e a palavra
investigador aparece como ‘aquele que age’. É nesse sentido que acredito ser importante o
papel do aluno em uma investigação: agir em prol do próprio conhecimento. No entanto, o
meu gosto pessoal pela investigação nada me dizia sobre o que pensam os alunos a respeito.
Eles se envolvem? Se, sim, por que o fazem? Quais são os seus motivos para tal
envolvimento? Movido por estas questões iniciais, procurei uma forma de respondê-las.
Os ambientes gerados pelas interseções entre cenários para investigação
(SKOVSMOSE, 2000) e as referências à Matemática, semirrealidade e à realidade (quadro 2,
p. 68) surgiram, então, como propostas interessantes porque permitem ao aluno assumir o
papel de explorador, de agente, e não de simples receptor de informações que utilizará em
exercícios posteriores. Desta forma, o aluno participa de seu processo de aprendizagem. Neste
ambiente, os alunos são convidados a participar de um processo investigativo e podem aceitar,
ou não, este convite. A necessidade de um convite nesta abordagem tinha relação direta com
minhas questões iniciais. Por que motivos eles aceitariam um convite para participação em
um cenário?
Nesta época havia realizado algumas leituras sobre a Teoria da Atividade (TA). Nesta
teoria motivo é entendido como aquilo que move o indivíduo rumo a um objeto, com o intuito
de satisfazer uma necessidade. Esta forma de compreensão dos motivos me atraiu por ter uma
relação estreita com o que desejava saber. Passei a considerar a TA como um possível
referencial de análise que poderia responder às minhas inquietações iniciais.
Entretanto, as escolhas teóricas não poderiam ser feitas de forma tão simples. Era
necessário verificar se havia entre elas uma relação dialógica. Baseada em que teoria de
aprendizagem surgiu a noção de cenários para investigação? Esta teoria dialoga com a TA? Se
sim, como?
A noção de cenários para investigação surgiu pelas mãos de Skovsmose (2000) como
uma alternativa ao que ele denomina paradigma do exercício, mas não só isso. Ao participar
do processo de investigação deseja-se, também, que o aluno tenha uma postura crítica como
alguém inserido em um coletivo discutindo questões a ele relacionadas. A aprendizagem
ocorre como resultado da cooperação investigativa possibilitada pelo diálogo entre as pessoas.
Em outras palavras, a proposta dos cenários para investigação como um ambiente de
84

aprendizagem está ancorada numa epistemologia crítica e dialógica, assim como discutida por
Alrø e Skovsmose (2004).
De acordo com estes autores, uma epistemologia dialógica se contrapõe a uma
epistemologia monológica, na qual as experiências de aprendizagem são individuais, como
ocorre na epistemologia genética proposta por Jean Piaget. Para contrastarem a epistemologia
monológica, os autores trazem como exemplo a perspectiva dialógica vygotskiana que assume
que a cognição humana é constituída pelos processos culturais, ou seja, nessa perspectiva a
comunicação, a interação e o diálogo assumem papel de destaque na formação da consciência
humana.
No entanto, ao assumirem uma perspectiva dialógica de aprendizagem e utilizarem os
pressupostos de Vygotsky como um exemplo desta perspectiva, será que Alrø e Skovsmose
(2004) estavam admitindo, também, sofrer influência de Vygotsky? Uma passagem do texto
desses autores talvez responda à questão:

Somos inspirados por Vygotsky e sua representação de aprendizagem como


um processo coletivo e de localização de recursos de produção de
conhecimento em processos sociais. [...] Também somos inspirados pelo
foco de Vygotsky sobre o papel da linguagem no processo de aprendizagem
e desenvolvimento. Além disso, nós reconhecemos a zona de
desenvolvimento proximal, que enfatiza os recursos e as possibilidades de
aprendizagem [...]. Com a ajuda de Vygotsky somos inspirados a reconhecer
a natureza dialógica da produção do conhecimento (ALRØ; SKOVSMOSE,
2004, p. 251)35.

Esta citação apresenta claramente a influência de Vygotsky sobre as ideias dos dois
autores. Poderíamos então pensar que a epistemologia dialógica de Alrø e Skovsmose está
totalmente baseada na perspectiva vygotskyana. Porém, não é o que ocorre. O que falta à
perspectiva dialógica de Vygotsky, segundo os autores, é um olhar crítico da pessoa que
aprende sobre aquilo que aprende. Isto porque, uma epistemologia crítica é uma teoria de
desenvolvimento e construção do conhecimento, onde a crítica ao que é aprendido é vista
como parte do processo de aprendizagem. Vygotsky considera que a tarefa da educação é
provocar o desenvolvimento dos alunos, mas não enfatiza a importância da organização

35
Tradução para: We are inspired by Vygotsky and his representation of learning as a collective process, and of
locating resources of knowledge production in social processes. […] We are also inspired by Vygotsky’s focus
on the role of language in learning and development processes. Further, we acknowledge the zone of proximal
development that emphasises the resources and possibilities of learning […]. With the help of Vygotsky we are
inspired to acknowledge the dialogical nature of knowledge production.
85

crítica do conteúdo que provoca tal desenvolvimento. O que Alrø e Skovsmose (2004)
sugerem é considerar este elemento crítico na perspectiva dialógica de Vygotsky.
Ao se referir à zona de desenvolvimento proximal na obra de Vygotsky, os autores
ressaltam a possibilidade de atos dialógicos em atividades nesta zona. Novas qualidades do
diálogo36 em uma zona de desenvolvimento proximal podem provocar novas qualidades na
aprendizagem, podendo torná-la crítica. Isto não significa que uma epistemologia dialógica
será, necessariamente, crítica. Isto é uma possibilidade que Alrø e Skovsmose (2004)
consideram, como algo que pode contribuir para uma educação mais humanizadora.
Estes autores não discutem especificamente a TA. Entretanto, ao admitirem sofrer
influências das ideias de Vygotsky para a construção de uma epistemologia dialógica crítica
admitem, também, a influência da principal ideia preconizada pela TA, de que o
desenvolvimento humano somente se dá no processo de interação dialógica entre as pessoas.
E não nos esqueçamos de que a TA se iniciou com os estudos de Vygotsky.
A título de curiosidade, mas ainda mostrando uma aproximação entre os referenciais
escolhidos, o uso da palavra ‘cenários’ relacionada a ambientes de aprendizagem, já fora
realizado na Teoria Histórico-cultural. De acordo com Gallimore e Tharp (1990), muitos
autores relacionados a esta teoria (COLE, 1985; LEONTIEV, 1981) fizeram referência à ideia
de cenários de atividade que, de forma geral, “representa um ambiente onde ocorre interação,
colaboração, intersubjetividade, desempenho assistido, ou seja, quando ocorre uma situação
de ensino” (GALLIMORE & THARP, 1990, p. 185). A meu ver, esta noção de cenário está
em sintonia com a noção de cenários para investigação.
Na minha percepção, Alrø e Skovsmose atualizam a perspectiva dialógica de
aprendizagem defendida na TA, quando atribuem a ela um caráter crítico. Desta forma,
entendo que as escolhas teóricas foram harmoniosas e, portanto, adequadas a esta pesquisa.
Assim, após estas escolhas teóricas que julguei compatíveis e, baseado nelas, passei a
me guiar pela seguinte pergunta diretriz: Como se relacionam o envolvimento dos alunos
em cenários para investigação e uma possível aproximação entre os seus motivos e o
objeto desta atividade?
Dessa forma, meu objetivo principal é verificar como se relacionam o envolvimento
dos alunos em cenários para investigação e uma possível aproximação entre os seus motivos e

36
Estas qualidades de diálogo estão relacionadas à presença, no tipo de comunicação que ocorre em um cenário
para investigação, do que Alrø e Skovsmose (2010) denominam atos dialógicos. Este assunto será explorado nas
seções 5.3 e 5.4, do capítulo 5.
86

o objeto desta atividade. Para atingir este objetivo principal, alguns objetivos específicos
foram selecionados:

1 – Caracterizar o envolvimento dos alunos em tarefas investigativas.


2 – Investigar os motivos dos alunos para participação nas tarefas investigativa, após
caracterizá-las como atividade.
3 – Verificar a existência de aproximações, ou não, entre motivos e objeto da atividade
investigativa.

Antes de iniciar a pesquisa de campo realizei, no primeiro semestre de 2012, uma


revisão da literatura da área. Procurei por artigos, dissertações e teses que tivessem
investigação matemática, envolvimento e motivos, como focos de discussão. Procurei
verificar como estes trabalhos se aproximam do presente estudo. Isto está mais
detalhadamente apresentado no capítulo3.
Diante do meu interesse pelos motivos e de uma teoria, a meu ver, coerente com o que
eu desejava pesquisar, era necessário um espaço no qual eu pudesse coletar informações, uma
escola que aceitasse minhas propostas.

4.3 A escola e os sujeitos

Inicialmente, alguns fatores me levaram a optar pela escola em que a pesquisa de


campo foi realizada: é uma escola pública; houve boa receptividade por parte da direção e dos
professores; havia flexibilidade de horários.
Após conversar com os professores de Matemática, decidi trabalhar com duas turmas
de nono ano, denominadas B e C, em função da compatibilidade de horários. O passo seguinte
foi solicitar autorização da escola para realização da pesquisa. Em 14 de maio de 2012 esta
autorização foi concedida e pude, então, submeter o projeto de pesquisa e todos os outros
documentos necessários ao Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG (COEP), órgão que visa o
cumprimento dos cuidados éticos e a proteção do bem estar dos indivíduos participantes em
estudos realizados por pesquisadores da UFMG.
A questão da ética em pesquisas é algo importante, pois pode assegurar que os
participantes terão tratamento respeitoso e sujeitos à menor possibilidade de riscos possível.
87

Bogdan e Biklen (1994) consideram duas questões dominantes da ética relativa à


investigação com sujeitos humanos: a existência do consentimento informado e a proteção
dos sujeitos contra qualquer espécie de danos. Estas questões servem para assegurar duas
coisas: 1) que os sujeitos possam aderir aos projetos de investigação, cientes de tudo que irá
ocorrer; 2) que os sujeitos não sejam expostos a riscos superiores aos ganhos que possam vir.
O texto do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 37 (TCLE), entregue aos
alunos no nosso primeiro encontro, continha todas as informações sobre as providências que
seriam tomadas, com o intuito de tornar segura a participação deles na pesquisa. Dentre os
vários esclarecimentos feitos aos pais e alunos, destaco os seguintes: a) sobre o teor da
pesquisa; os alunos seriam sujeitos do estudo se assim o desejassem e seus pais autorizassem;
as gravações em áudio e vídeo seriam utilizadas somente para fins acadêmicos; a identidade
dos participantes seria preservada com o uso de pseudônimos; a não autorização por parte do
aluno e/ou pai, para participação no estudo, não acarretaria qualquer tipo de sanção ao
estudante; o aluno que aceitasse participar da pesquisa poderia deixar de fazê-lo a qualquer
momento, sem qualquer tipo de prejuízo à sua vida acadêmica. Ainda que todas estas
informações fossem parte do documento, eu mesmo prestei esclarecimentos, oralmente, destes
e outros pontos importantes.
Os alunos das turmas escolhidas já possuíam alguma experiência com investigação em
sala de aula e Matemática, mas não nos moldes dos cenários para investigação. Esta
informação me foi dada pela professora, mas não cheguei a presenciar um desses momentos.
Outra característica interessante destes alunos era o fato de serem bastante receptivos a
novas pessoas às aulas, em particular, pesquisadores e estagiários de cursos de licenciatura.
Eram oriundos de vários bairros e regiões diferentes e, provavelmente, não se reuniam fora da
escola. Isto tem uma explicação. O ingresso nesta instituição é feito por meio de sorteio e isso
possibilita que alunos de vários bairros diferentes estudem no mesmo espaço.
Cada um trazia em sua bagagem experiências muito diferentes fora do espaço escolar
e, segundo Dayrell (1996, p. 140) “o que cada um deles é, ao chegar à escola, é fruto de um
conjunto de experiências sociais vivenciadas nos mais diferentes espaços sociais”, o que
naturalmente influencia suas escolhas, comportamentos e motivos. Não quero afirmar que em
uma escola na qual os alunos são todos do mesmo bairro, possuem mais ou menos o mesmo
nível sócio econômico, participam das mesmas atividades culturais, essa diversidade não

37
Anexo A
88

possa ocorrer. Porém, estas características peculiares do local que escolhi já anunciavam tal
diversidade.
Para a análise, escolhi um grupo de quatro alunos que trabalharam juntos nas tarefas
investigativas. Para este grupo, havia mais momentos das filmagens durante as tarefas em sala
e esta, talvez, tenha sido a primeira razão para a escolha. De qualquer forma, os quatro alunos
do grupo, Paulo, Lauro, Leandro e Gabriel, passaram a ser, efetivamente, os sujeitos desta
pesquisa. Por esta razão, neste momento, faço uma apresentação destes alunos, baseada em
duas entrevistas (elas serão descritas ainda neste capítulo) e em observações. Para isto, optei
por um quadro simples, com algumas informações básicas sobre os alunos, para uma
apresentação inicial. Posteriormente, mais detalhes sobre eles serão dados baseados,
sobretudo, nas respostas dadas à segunda entrevista.

Quadro 3: Apresentação inicial dos alunos Paulo, Lauro, Leandro e Gabriel


Aluno Relação com Relação com a Sobre a família Tempo livre
Matemática escola
Paulo Gostava muito de Gostava da Morava com os pais e Jogar futebol e
(15 anos) Matemática e era escola, mas um irmão em vídeo game.
considerado um houve um condomínio fechado
ótimo aluno, tanto momento em que na região
pelos professores desejou mudar metropolitana de Belo
quanto pelos para outra. Horizonte. Parecia ter
colegas. Mantinha bom bom poder aquisitivo.
relacionamento A família o apoiava
com todos, muito nos estudos e
professores e não media esforços
colegas. para que ele tivesse
boa educação.
Lauro Gostava da área de Entendia que a Seus pais eram Aulas de tênis
(14 anos) exatas. Preferia escola era um separados e ele tinha e futebol na
Física à Matemática, local para se ótimo relacionamento quadra do
mas gostava de aprender coisas com os dois. Morava prédio em que
Matemática também. úteis para o com a mãe em um o pai morava.
cotidiano e o bairro da mesma
futuro. região em que está a
escola. Passava os
89

finais de semana com


o pai. Ele disse que a
situação financeira da
família era
confortável.
Leandro Enfrentava Gostava da Morava com a mãe, Jogar bola,
(14 anos) problemas em escola, mas se padrasto e mais quatro dormir, soltar
Matemática. Seu via perseguido irmãos em um bairro papagaio.
rendimento piorou pelos da periferia de Belo
muito depois do professores. Horizonte. A situação
sexto ano. financeira era delicada
e, por esta razão, era
um desejo seu ajudar a
mãe, que se esforçava
muito para que ele
tivesse uma boa
educação.
Gabriel Não tinha uma boa Afirmava que A família parecia Assistir a
(17 anos) relação com a não gostava da apoiá-lo na escola, seriados de
Matemática e suas escola porque mas não tão de perto. TV, conversar
notas eram baixas. tinha sido Ele morava em um com amigos de
reprovado duas bairro de periferia com bairro e,
vezes. Não os pais, irmãos e avós. eventualmente,
gostava de ir ao cinema.
participar das
aulas, de forma
geral.
Fonte: Elaborado pelo autor

4.4 O contato com a professora, as observações iniciais e o início das


intervenções

No mês de julho de 2012, antes de iniciar minhas visitas às salas de aula, solicitei uma
reunião com a professora das turmas com o objetivo de conhecê-la melhor, apresentar-lhe
minhas propostas e solicitar sua ajuda, que seria indispensável durante o processo. Esta
professora é graduada em Matemática, com especialização em Educação Matemática, mestre
90

em Educação e, atualmente, doutoranda de um programa de Pós-graduação em Educação de


uma Universidade Pública de Minas Gerais. Leciona há nove anos, sendo os dois últimos na
escola em que a pesquisa empírica foi realizada. Ela nos conta um pouco da sua visão sobre
educação e, em particular, sobre a importância da Matemática:

“Acredito que a educação contribui para a formação geral do indivíduo, para sua atuação
na sociedade, para que se torne uma pessoa mais crítica, criativa, capaz de enfrentar os
desafios, enfim, para ser mais feliz consigo mesmo e em boa convivência com os outros. Para
mim, a matemática é instrumental importante para a vida cotidiana e para diferentes áreas
do conhecimento. Ela possibilita desenvolver, dentre outras habilidades, o nosso raciocínio
lógico e as capacidades de previsão, abstração e generalização. Se compreendermos que o
conhecimento matemático é historicamente produzido, e surge a partir de necessidades
pessoais, sociais e de outras áreas do conhecimento, acredito que o conhecimento
matemático deve ser aprendido de forma dinâmica, tal como ele foi construído, e não visto
como algo pronto e acabado. Para isso, acredito que o aluno deve se colocar como produtor
de conhecimentos. Isto pode ocorrer através do trabalho com diferentes metodologias, tais
como a resolução de problemas e a investigação matemática, por exemplo, que são as que
mais gosto e acredito”.

Neste encontro ficou acordado que em minhas propostas trabalharia conteúdos do


planejamento anual feito por ela para não prejudicá-la em seu cronograma. Combinamos,
também, que eu participaria, apenas observando e fazendo anotações de algumas aulas do mês
de agosto para tentar estabelecer um contato inicial com o grupo de alunos e perceber o
ambiente.
Havia um interesse por trás dessas visitas iniciais. Temia que uma inserção em sala de
aula de forma brusca, já iniciando os trabalhos logo na primeira participação, pudesse
interferir no comportamento dos alunos. Embora para esse grupo, a presença de outras
pessoas em sala não fosse uma novidade, achei prudente conhecê-los antes. Vianna (2003, p.
10), considera estas visitas iniciais como algo que pode atenuar o impacto do pesquisador no
campo. Segundo este autor:

Em observações em sala de aula, uma mudança que se opere no


comportamento do professor e no dos alunos, pela presença do observador,
pode comprometer todo o trabalho de pesquisa. Um artifício para minimizar
a influência do efeito do observador seria a presença do mesmo em sala
91

várias vezes, mas sem coletar dados, a fim de que professor e alunos, a
serem observados, se acostumem com a sua presença e possam agir com
maior naturalidade durante o processo efetivo da realização da observação.

Nestas visitas iniciais prestava atenção à aula, conversava com os alunos sobre
assuntos pertinentes à aula de Matemática propriamente e sobre outros assuntos: onde
moravam, se tinham irmãos, do que gostavam como lazer, etc. Para não me esquecer do que
ocorrera, fazia anotações dos principais acontecimentos durante as aulas. No total foram
quatro visitas ao nono ano C e três visitas ao nono B, que duraram cerca de uma hora e meia
cada (duas aulas).
Em setembro, após este período de observação, iniciei de forma mais efetiva minha
participação nas aulas, intervindo e propondo tarefas investigativas. A descrição de duas
destas tarefas será feita, com detalhes, no capítulo 5. Para a sua realização, os alunos foram
divididos em grupos de quatro componentes (em alguns casos o grupo era constituído de mais
alunos) e, em todas as tarefas, os componentes eram sempre os mesmos. Antes do início, os
grupos recebiam um material fotocopiado com a tarefa e com explicações. Para que não
houvesse dúvidas, uma explicação geral era feita à turma por este pesquisador. Estas
propostas de tarefas aos alunos foram feitas entre setembro e novembro de 2012. O quadro
abaixo mostra o cronograma da pesquisa empírica:
Quadro 4: Cronograma da pesquisa empírica
Aulas Data Procedimento
1e2 14/08/12 Observação
3e4 16/08/12 Observação
5e6 21/08/12 Observação
7e8 23/08/12 Observação
9 e 10 28/08/12 Observação
11 e 12 11/09/12 Tarefa investigativa – Planos de telefonia celular
13 e 14 02/10/12 Tarefa investigativa – Ampliação/redução do tangram
15 e 16 23/10/12 Tarefa investigativa – Teorema de Pitágoras na escada
17 e 18 22/11/12 Tarefa investigativa – Áreas
28/11/12 Entrevista
13/05/13 Entrevista II – Leandro
13/05/13 Entrevista II – Gabriel
20/05/13 Entrevista II – Lauro
Fonte: Elaborado pelo autor
92

4.5 Procedimentos metodológicos

4.5.1 A observação participante

Neste tópico, me apoio em alguns autores para caracterizar uma observação como
participante, ao mesmo tempo que trago elementos da presente pesquisa que aludem a tais
características com o intuito de mostrar que a observação nela realizada foi do tipo
participante.
A observação participante é frequentemente utilizada em pesquisas qualitativas
(FLICK, 2009; ALVES-MAZZOTTI, 1998; LÜDKE e ANDRÉ, 1988). Ela possibilita ao
pesquisador obter as percepções e expressões das pessoas por intermédio de sentimentos,
pensamentos e crenças, sendo seu objetivo final gerar verdades práticas e teóricas sobre a
cultura humana com apoio nas realidades da vida diária (VIANNA, 2003). Alves-Mazzotti
(1998, p. 166) acrescenta que na observação participante os “comportamentos a serem
observados não são predeterminados, eles são observados e relatados da forma como
ocorreram, visando descrever e compreender o que está ocorrendo numa dada situação”.
No presente estudo, as observações foram feitas em sala de aula com o auxílio de
filmagens em vídeo, que captaram os comportamentos dos alunos da maneira como ocorreram
durante as tarefas propostas. Estes comportamentos incluíram não só a fala, os diálogos, mas
também expressões faciais, gestos, expressões corporais e outras formas de interação social.
Na observação participante, o pesquisador deve fazer parte da situação observada e ser
também sujeito de pesquisa, interagindo por um período de tempo considerável com o grupo a
ser estudado (ALVES-MAZZOTTI, 1998, VIANNA, 2003). Porém, este tempo não precisa
ser integral. Segundo Alves-Mazzotti (ibdem), embora se associe a observação participante a
uma imersão total do pesquisador no contexto, podemos considerar níveis diferentes de
participação. Meu contato com os alunos deste estudo não ocorreu durante todo o tempo, em
todas as aulas e nem em todas as aulas de Matemática. No entanto, tivemos vários encontros e
isso foi determinante para que pudéssemos nos sentir mais à vontade, uns com os outros,
dentro do grupo. Mesmo assim, não posso dizer que minha presença não influenciou o
processo. Sobre este aspecto da observação, Bogdan e Biklen (1994, p. 69) afirmam que
“nunca é possível ao investigador eliminar todos os efeitos que produz nos sujeitos ou obter
uma correspondência perfeita entre aquilo que deseja estudar e – o meio ambiente natural – e
o que de fato estuda – um meio ambiente com a presença do investigador”.
93

Ainda com relação à observação participante, Lüdke e André (1988) consideram


níveis diferentes de participação do pesquisador. Segundo as autoras, baseadas em Junker
(1971), estes níveis variam dentro de um continuum que vai desde a total explicitação até a
não revelação, podendo o pesquisador ser:

1) Participante total – o observador não revela ao grupo sua verdadeira identidade e


nem o propósito do estudo. O objetivo é tornar-se um membro do grupo e se
aproximar o máximo possível da perspectiva dos sujeitos. Por exemplo: para saber
como funciona uma sala de aula em um curso de EJA, o pesquisador pode se
matricular em um deles e se passar por aluno. Existem alguns problemas
apontados para este tipo de participação: um deles é que, com uma identidade
falsa, o pesquisador terá acesso restrito a algumas informações, por exemplo, da
escola como um todo, outro problema é a questão ética implícita no papel de
‘fingir’ ser quem ele não é.
2) Participante como observador – neste caso, o observador não oculta totalmente
suas atividades, mas revela somente parte delas. O objetivo de não deixar tudo às
claras é não provocar muitas alterações nos comportamentos das pessoas.
3) Observador como participante – aqui, o observador revela sua identidade e todos
os objetivos do estudo ao grupo de sujeitos. Este tipo de observação permite ao
pesquisador uma grande mobilidade, uma vez que pode obter vários tipos de
informações que ele não conseguiria de outras formas.
4) Observador total – este tipo de observador não interage com o grupo observado.
Ele pode, inclusive, observar o grupo escondido, por detrás de uma parede
espelhada, por exemplo. Aqui, novamente, há questionamentos quanto à questão
ética.
Neste estudo, desde o primeiro contato com os alunos e a professora, me identifiquei e
explicitei meus objetivos de pesquisa. Nada relacionado a ele foi ocultado dos alunos ou da
professora. Nesse sentido, entendo que, dentro das modalidades acima citadas, fui observador
como participante. Vale lembrar que observações com estas características podem, também,
ser classificadas como abertas (VIANNA, 2003).
Outro aspecto importante sobre a observação participante é seu caráter processual. “O
pesquisador deve ser cada vez mais um participante e obter acesso ao campo de atuação e às
pessoas” (VIANNA, ibidem, p. 52). Em minhas visitas iniciais, apenas para observar as aulas,
94

a interação com os alunos ainda era tímida. À medida que as visitas aconteciam já podia
chamá-los pelo nome e estabelecer um diálogo mais natural.
Durante as visitas alguns alunos solicitavam minha ajuda na solução de exercícios
demonstrando, em alguma medida, aceitação da minha presença. Este período que, como já
informado, ocorreu em agosto, tinha mesmo esta intenção: fazer um reconhecimento da sala
de aula, de seus participantes e da sua dinâmica na tentativa de estabelecer um contato mais
próximo com o grupo. A partir de setembro, quando iniciei uma intervenção mais efetiva na
sala, os alunos pareciam estar bem à vontade e agiam mais naturalmente.
De forma geral, a observação participante exige do observador algumas habilidades,
dentre as quais podemos destacar: a) ser capaz de estabelecer uma relação de confiança com
os sujeitos da pesquisa; b) ter sensibilidade para pessoas; c) ser bom ouvinte; d) formular boas
perguntas; e) ter familiaridade com as questões investigadas; f) saber se ajustar a situações
inesperadas (ALVES-MAZZOTTI, 1998).
A observação permeou toda a pesquisa e me permitiu acessar muitas informações
importantes sobre os comportamentos dos alunos. Entretanto, ela não foi suficiente para que
eu tivesse acesso a informações que dificilmente seriam observadas, como motivos, por
exemplo. Na literatura sobre TA não encontramos uma metodologia específica para acessar
motivos. Como resultados de observações, alguns pesquisadores fazem inferências sobre eles
(HARDMAN, 2007) ou mesmo questionam os participantes sobre motivos.
Acredito que motivos sejam muito subjetivos e de difícil acesso somente por
observações. Para resolver este impasse, decidi utilizar outras técnicas de coleta de dados que
pudessem complementar as observações. Em outras palavras, realizei um tipo de triangulação.

4.5.2 A triangulação dos dados

De acordo com Alves-Mazzotti (1998, p. 173), “quando buscamos diferentes maneiras


para investigar um mesmo ponto, estamos usando uma forma de triangulação” e isto confere
maior grau de confiabilidade aos resultados. Podemos considerar quatro tipos de triangulação:
de fontes, de métodos, de teorias e de pesquisadores (DENZIN, 1978, apud ALVEZ-
MAZZOTTI, ibidem).
A triangulação de fontes ocorre, por exemplo, quando um pesquisador compara o
relato de um informante sobre o que ocorreu em uma reunião com a ata desta mesma reunião.
95

Em outras palavras, dados de diferentes fontes são confrontados. Já, a triangulação de


métodos ocorre quando o pesquisador, para aumentar a confiança de suas análises, recorre a
outros instrumentos como questionários e entrevistas, por exemplo. Pode ocorrer de diferentes
teorias serem testadas durante a observação. Neste caso, estamos falando de uma triangulação
de teorias. Por fim, a triangulação de pesquisadores é aquela na qual é feita uma verificação
cruzada das interpretações dos dados feitas por vários observadores (ALVEZ-MAZZOTTI,
ibidem; VIANNA, 2003).
Na presente pesquisa, por utilizar questionário, entrevista e vídeos, além da
observação, para coletar as informações, realizei uma triangulação de fontes.
A observação participante geralmente vem acompanhada de outros procedimentos, em
particular, entrevistas e análise documental (LÜDKE e ANDRÉ, 1988).

4.5.3 O questionário

Este instrumento de coleta de informações não foi pensado a priori como uma
possibilidade. Esta necessidade surgiu quando, diante da dificuldade de saber mais sobre os
‘por quês’ dos alunos para participarem das tarefas propostas, procurei por um instrumento
que pudesse me auxiliar. Para Goldenberg (2001), o questionário é um instrumento capaz de
apreender dos indivíduos informações que não apareceriam em outro instrumento. Nesse
sentido ele foi muito útil já que, em alguma medida, me possibilitava acesso a ideias dos
alunos que eu não teria, somente com a observação.
Denominei este questionário (anexo E) de ‘questionário de hierarquia de motivos’
porque permitia ao aluno classificar os seus motivos para participação nas tarefas propostas,
de acordo com a importância pessoal. Os questionários foram aplicados ao final de duas das
tarefas. Neste instrumento, que foi estruturado, havia 11 (onze) afirmativas que poderiam
justificar, ou não, a participação do aluno na tarefa. A cada uma delas, o aluno deveria atribuir
um valor: 0 (zero), se a afirmativa não possuísse nenhuma relevância para ele como
justificativa para sua participação; 1 (um), se a afirmativa fosse relevante, mas sua relevância
fosse secundária e 2 (dois), se a afirmativa fosse muito relevante para que ele participasse da
tarefa.
Na elaboração das afirmativas, utilizei as categorias consideradas por Leontiev (1994,
apud LOMPSCHER, 1999) para obter informações sobre os possíveis motivos que moviam
96

os alunos para participação nas tarefas. A seguir, cito estas categorias e ilustro com exemplos,
tal como foram apresentados aos alunos no questionário original.

1) Motivos que estão na própria aprendizagem – exemplo: Porque posso desenvolver


meu raciocínio matemático e isto é importante para mim, como realização pessoal;
2) Motivos que estão nas relações sociais – exemplos: o mais importante nem é a
matéria, mas o fato de poder estar com meus amigos; a professora é legal e eu quero
agradá-la mostrando meu interesse;
3) Motivos que estão no mundo e na ocupação futura – exemplos: porque vou aprender
mais conteúdos matemáticos e isto é importante para meu futuro profissional; porque
em algumas dessas atividades consigo perceber um uso prático da Matemática.

As respostas dadas ao questionário foram confrontadas com as informações obtidas por


meio das gravações em vídeo e por meio das entrevistas. Este cruzamento de informações
ajudou a perceber se as respostas dadas ao questionário, o envolvimento em sala de aula
durante as tarefas e as respostas dadas às entrevistas, eram coerentes.

4.5.4 O vídeo

O vídeo é uma excelente ferramenta para percepção do comportamento dos sujeitos de


uma pesquisa. Detalhes que poderiam passar despercebidos na observação são captados
durante a filmagem e podem ser úteis ao observador durante a análise.
Podemos entender o vídeo como um dos meios materiais da observação. Ele
possibilita a ampliação, a transformação das qualidades e das características e/ou
particularidades do objeto de observação. Permite, também, a decomposição eventual e/ou
mapeamento das diferentes formas de expressão ocultas ou de difícil percepção nos processos
a descrever. Uma observação que utiliza o vídeo como auxiliar em análises posteriores é um
tipo de observação denominada observação diferida (REYNA, 1997). A observação diferida
que tem o vídeo como aliado, permite que o pesquisador retorne aos dados quantas vezes
forem necessárias o que torna possível maiores informações descritivas no texto final
(REYNA, 1997).
A utilização de filmagens em vídeos foi muito útil em análises posteriores aos
acontecimentos. As imagens obtidas nesse processo carregaram consigo a vantagem de
97

apresentarem os fatos tal qual como ocorreram. Não corremos o risco de esquecer algum
detalhe importante que pode não ter sido retido pela nossa memória. Os vídeos são, em última
análise, uma visão exata do presente, num futuro qualquer.
Segundo Powel, Francisco e Maher (2004, p. 86), “o vídeo é um importante e flexível
instrumento para coleta de informação oral e visual. Ele pode capturar comportamentos
valiosos e interações complexas e permite aos pesquisadores reexaminar continuamente os
dados”.
Entretanto, somente a utilização de vídeos como instrumentos de coleta de dados para
posterior análise, pode limitar e empobrecer os resultados da pesquisa. Alguns autores (LESH
e LEHRER, 2000; PIRIE, 1996, apud POWEL, FRANCISCO & MAHER 2004) sugerem
alternativas para resolver tal problema. Dentre elas estão: juntar trabalhos escritos de
estudantes, de maneira a se obter um exame mais minucioso de suas atividades; combinar
dados do vídeo com outras fontes de dados como observações etnográficas, entrevistas
clínicas e experimentos de ensino; criar um portfólio de vídeo que representa uma coleção de
diferentes tipos de dados centrados em um único episódio.
Os vídeos podem também controlar um problema comum nas pesquisas em que a
observação foi utilizada: o viés do observador. Segundo Vianna (2003), o viés do observador
é resultado do seu comprometimento intelectual e emocional com o projeto. Desta forma,
muitas vezes este comprometimento pode influenciar suas percepções e fazer com que veja
ocorrências que comprovem suas hipóteses e deixe de ver outras que as contrariam. O vídeo
contribuiria no controle deste problema porque permite ao pesquisador assisti-lo quantas
vezes desejar, além de poder contar com a ajuda de outros observadores que também podem
assistir ao vídeo e travar discussões sobre ele. De qualquer forma, a interpretação é subjetiva e
pode variar, de pesquisador para pesquisador.

4.5.5 Entrevistas – parte I

Assim como o questionário, a necessidade de entrevistas surgiu após o início da


pesquisa de campo. Nelas, dentre outras coisas, os alunos deveriam falar sobre porque eles se
envolveram, ou não, nas tarefas propostas.
A vantagem das entrevistas é que elas “recolhem dados descritivos na linguagem do
próprio sujeito, permitindo ao investigador desenvolver intuitivamente uma ideia sobre a
98

maneira como os sujeitos interpretam aspectos do mundo” (BOGDAN e BIKLEN, 1994, p.


134).
De acordo com Fiorentini e Lorenzato (2006), alguns manuais de metodologia de
pesquisa sugerem uma série de recomendações aos entrevistadores, como: explicar aos
entrevistados o objetivo e a natureza do trabalho; assegurar o anonimato do entrevistado e o
sigilo dos depoimentos, garantindo que os mesmos serão utilizados somente para a finalidade
de pesquisa; solicitar a autorização para gravações em áudio e vídeo; escolher para a
entrevista um local apropriado e tranquilo que favorece o diálogo, esclarecendo que o
entrevistado tem o direito de não responder a todas as perguntas, podendo, inclusive,
interromper a entrevista.
Estas recomendações foram atendidas desde o primeiro contato, ainda nas visitas
iniciais, e se estenderam durante o processo. No primeiro dia em que estive em sala, ainda no
mês de agosto, esclareci aos alunos sobre o estudo e que eles poderiam, ou não, participar
como sujeitos. A solicitação para as gravações em áudio e vídeo das tarefas em sala de aula e
das entrevistas foi feita por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE),
exigido pelo COEP. As filmagens somente se iniciaram depois que todos os documentos
haviam sido entregues. Quanto ao local das entrevistas, era uma sala para reuniões, com
ampla mesa e bastante tranquila, dentro da própria escola.
De modo geral, as entrevistas foram pouco estruturadas, próximas a uma conversa, o
que é uma característica de entrevistas qualitativas (ALVES-MAZZOTTI, 1998). Dada a
quantidade de alunos, era inviável entrevistá-los individualmente e tampouco entrevistar todos
eles. Selecionei alguns grupos que foram entrevistados em uma sala dentro da própria escola,
como já havia sido informado.
A opção por uma entrevista não estruturada teve suas vantagens e desvantagens. Uma
das vantagens é que pude explorar assuntos não pensados antes. De acordo com as respostas,
muitas vezes inusitadas, me aprofundava naquele assunto para saber mais sobre o aluno. Por
outro lado, por me ater durante maior tempo em alguns assuntos, talvez tenha perdido
algumas chances de saber sobre outros.
Os alunos estavam bastante à vontade e, em algumas ocasiões, houve tumulto porque
vários queriam falar ao mesmo tempo. Alguns falavam pouco e eu respeitava esta
característica. As informações obtidas nas entrevistas foram importantes como
complementação daquelas obtidas nas observações em sala e nos questionários.
99

4.5.6 Entrevista – parte II

Esta segunda entrevista surgiu depois que o processo de análise havia se iniciado. Era
uma hipótese inicial, que os motivos dos alunos para participação nas tarefas, sofriam
influência de outros momentos de suas vidas. O mundo social é ininterrupto (LAVE;
WENGER, 2002) e isso significa que momentos distintos das vidas das pessoas se
entrelaçam. Eles não existem estanques. Nesse sentido, os motivos podem sofrer influência de
vários momentos da vida de um indivíduo.
Lompscher (1999) nos relembra que os motivos se estabelecem no processo de
atividade humana, social. As pessoas participam de várias atividades no decorrer de suas
vidas e isto gera uma variedade de motivações que influenciam outras atividades.
Como saber, então, sobre outros momentos das vidas dos alunos? Uma entrevista
poderia ser a solução. Decidi, neste momento, pela segunda entrevista, agora individual, com
os quatro alunos.
Ela ocorreu, aproximadamente seis meses após o fim da coleta de dados na escola.
Mas tal decisão gerou um problema: como reencontrá-los? Em encontro casual com Gabriel,
um dos participantes desta pesquisa, tive oportunidade de solicitar a ele nova entrevista. Por
intermédio deste aluno, pude entrar em contato com os outros, que também aceitaram ser
entrevistados novamente.
Realizei, inicialmente, três novas entrevistas. Embora separadas, a duas primeiras
foram realizadas no mesmo dia, 13/05/2013. A terceira foi realizada com Lauro em
20/05/2013. Nelas, procurei saber um pouco sobre a influência dos pais na vida escolar do
filho; o tipo de lazer nas horas vagas; expectativas para o futuro; a relação com o curso
técnico que estavam, agora, cursando, etc. Não consegui entrevistar novamente o aluno Paulo.
Então, enviei a ele, por email, um questionário com perguntas próximas às que fiz aos outros
três alunos, na segunda entrevista.
Na seção 4.6, que denominei ‘retratos das vidas dos alunos’, eu os reapresento, agora
de forma mais completa que no quadro 3, da seção 4.3. Esta reapresentação é, basicamente, o
conteúdo desta segunda entrevista, que teve grande importância na análise.
100

4.6 Retratos das vidas dos alunos

Paulo

Quando iniciei minhas visitas às turmas Paulo tinha 15 anos, que completara em julho.
Embora elogiado pela professora e reconhecido pelos colegas como um aluno exemplar, isto
não parecia envaidecê-lo. Nas primeiras vezes em que estive em sua sala, sem realizar
nenhuma intervenção, observei que sua dedicação aos estudos era grande. Sempre
participativo, não deixava de fazer nada do que era proposto. Era centrado e não falava muito.
As informações que se seguem foram fornecidas pelo próprio Paulo, em resposta a um
questionário enviado para meu email. São informações que, originalmente, seriam obtidas em
uma segunda entrevista (como já explicado). No entanto, no caso de Paulo, houve um
problema de incompatibilidade de horários e decidi enviar-lhe um arquivo de texto com as
perguntas. Em vários momentos do texto abaixo, utilizei transcrições das próprias respostas
deste aluno.
Paulo mora em uma cidade da região metropolitana de Belo Horizonte com os pais e mais um
irmão. A família tem, para ele, uma grande importância. Em suas palavras:

“A minha família é fundamental para minha vida, dentro e fora da escola. Eles me
proporcionam ótimas condições de estudo, como por exemplo: compram o livro que minha
escola sugere, atendem a todas as minhas reclamações em termos de condições de estudo. A
minha família me apoia muito com meus estudos, principalmente a minha mãe. Várias vezes
ela deixa de sair para se divertir para ficar em casa comigo porque eu tenho que estudar.
Além disso, o fato de eles me darem tudo o que eu peço me motiva estudar cada dia mais
para mostrar para eles que estou fazendo valer a pena. O apoio dos meus pais quando as
coisas não dão certo também é muito importante, pois me motiva a não desistir e me mostra a
minha capacidade”.38

Sobre suas formas de lazer ele nos contou o seguinte:

“Eu só consigo me divertir quando estou com a consciência totalmente leve, ou seja, quando
não tenho que estudar ou fazer um trabalho. Então, minha diversão favorita é jogar futebol,

38
Os textos foram transcritos como foram apresentados. As alterações, que foram mínimas, se restringiram à
pontuação e/ou erros de ortografia, com o objetivo de manter um entendimento do que queria ser informado.
101

depois é jogar vídeo game. Para mim, isso compensa toda a minha semana de estudos e todo
meu estresse com provas. Eu participo de um grupo que se reúne para jogar futebol aos fins
de semana, mas esse grupo é formado em sua maioria por meus familiares e seus amigos”.

Paulo parecia nunca ter tido ‘problemas com a Matemática’. Sua relação com esta disciplina
era da seguinte maneira:

“Minha relação com a matemática, até o 8° ano, foi sempre normal. Era uma matéria que eu
não um pouco legal para mim39. Mas a partir do 8°ano eu me apaixonei por Matemática, só
não gostava mais do que Educação Física. Agora no Colégio Técnico40 continuo gostando
muito de Matemática e isso é fundamental, pois esse meu gosto me facilita a aprender as
coisas em sala, e como eu não tenho muito tempo para estudar essa matéria em casa devido
ao fato de eu dar prioridade ao curso técnico41. Então esse meu gosto por matemática sempre
me ajudou muito”.

A entrada na escola onde Paulo estudava ocorria por meio de sorteios. Uma vez
sorteado e permanecendo até o final do nono ano, o aluno tinha acesso direto a uma escola
técnica, localizada dentro do mesmo campus universitário que a primeira escola. O curso
técnico escolhido pelo aluno foi Informática. Por que este curso? Além disso, procurei saber
sobre as suas perspectivas para o futuro, mais particularmente em relação à realização de um
curso superior. Paulo, assim, me respondeu:

“Eu optei pelo curso de Informática, pois apesar de ser muito difícil ele se encaixa mais no
meu perfil. Até porque eu não me dou muito bem com matérias como Química e Física. E,
além disso, o curso de informática absorve muito a Matemática, que por sinal eu gosto
muito”.
“Ainda não sei se vou fazer curso superior, depende muito do meu futuro, se eu conseguir um
bom emprego como técnico, talvez eu nem pense em faculdade. Eu escolheria, hoje, cursar
Ciência da Computação porque é uma matéria em que eu me identifico muito”.

39
Aqui, o aluno parece querer informar que, até o oitavo ano, a Matemática não lhe parecia muito interessante,
por causa do texto seguinte: “Mas, a partir da 8a série eu me apaixonei por Matemática [...]".
40
Neste ponto, o aluno cita o nome da sua escola atual, que eu preferi omitir. Como é uma escola técnica, alterei
o nome para Colégio Técnico.
41
Esta parte está confusa. O fato de gostar muito de Matemática parece lhe permitir se dedicar mais às matérias
técnicas, que são sua prioridade.
102

E sua relação com professores e colegas?

“Eu sempre procurei ter uma boa relação com meus professores, pois acho desnecessário
criar conflitos com eles. Em relação aos meus colegas, eu mantinha uma ótima relação com
todos, ou pelo menos tentava”.

Questionado sobre a escolha da escola (na qual a pesquisa de campo se realizou), Paulo
informou o seguinte:

“A escolha de ir para o [...]42 não foi minha. Na verdade eu estudei durante a 1ª série em
uma escola de meu bairro chamada [...]. Porém, por grande pressão de minha mãe, meu pai
me inscreveu no sorteio do [...] e eu fui sorteado, então mudei de escola porque minha
família considerava o [...] melhor por vários aspectos, como: fica dentro da [...], me
direciona para o [...] e etc. Quando eu estava na 4ª, surgiu o projeto de tempo integral do
[...] e foi aí que eu comecei a insistir com meu pai para que ele me mudasse de escola, mas
ele não atendeu aos meus pedidos, principalmente pelo fato de não querer pagar uma escola
particular como a do meu irmão para mim. Na 8ª série43 eu irritei meu pai para que ele me
mudasse de escola, pois não estava gostando do ensino, porém ele não quis proceder pelo
fato de eu estar tão perto de entrar no [...]. Na 9ª série44 eu já estava conformado, apesar de
não ter cumprido meu objetivo de ter estudado desde a 4ª série em uma escola particular e
passado no [...] por competência e não por reserva de vagas.”

Leandro

Diferente de Paulo, Leandro era muito falante. Tinha 14 anos à época de minhas
visitas. Nas observações, notei que é um adolescente bastante agitado. Nesta apresentação
mais completa, trago algumas falas da segunda entrevista concedida pelo aluno, intercaladas
por alguns comentários.
Leandro morava em um bairro da região metropolitana de Belo Horizonte com a mãe,
o padrasto e mais quatro irmãos. Chegou à escola na qual o encontrei por intermédio da mãe,
que obteve informações a respeito dos sorteios por meio de uma amiga.

42
Os nomes das escolas e da Universidade foram omitidos.
43
Acredito que seja oitavo ano.
44
Acredito que seja nono ano.
103

“A minha mãe ficou sabendo por uma amiga dela que a escola era uma escola boa, dentro da
[...]. Aí quando você fala que estuda dentro da [...] parece que... Aí minha mãe foi lá e fez a
inscrição”.

A mãe de Leandro se preocupava com sua formação e exigia muito dele.

“Ela mesma fala que a única coisa que ela está deixando para mim é o estudo. Minha mãe
fala isso todo dia praticamente. Lá em casa a minha mãe apostou tudo em mim, porque o meu
irmão ‘do meio’ não está nem aí para nada. Minha mãe falou: olha, eu já abri mão dele,
porque eu sei que ele tem problema. Agora tá em você45”.

Quando questionado sobre sua relação com a Matemática, ele afirmou ter problemas
com a disciplina, desde o sétimo ano. Antes disso, ele gostava da disciplina. No entanto, por
causa de seus maus resultados, sentia-se desanimado. A seguir, a transcrição de algumas falas
de Leandro que demonstram esta relação:

“Eu não me dou muito bem com a Matemática não. Às vezes eu erro muita coisa boba e tiro
nota ruim. [...] a matéria foi ficando mais difícil e eu deixei de gostar”.
“Deixa eu falar uma coisa para você: eu gosto da matéria demais, mas quando... nossa...
você tá doido... bate um desânimo. Você vê assim, todo mundo tirando nota boa e vê você lá...
você tenta às vezes... por isso que às vezes eu falo: eu largo de mão mesmo, não estudo para
a prova não. Se eu sei, eu sei. Se eu não sei não vou aprender de um dia para o outro
estudando”.

Entretanto, é interessante comentar que nem sempre foi assim para Leandro. A sua
história com a Matemática parecia ser o oposto da história de Paulo. Embora a entrada na
escola seja por sorteio e os alunos, inicialmente, não se conheçam, Leandro e Paulo já eram
amigos também fora da escola. Paulo é sobrinho da madrinha de Leandro. E como este disse:
“a gente se vê desembolado aí”, para mostrar que eles se encontravam com frequência.
Estudavam juntos desde a primeira série e, segundo Leandro, seu rendimento em Matemática
era melhor que o de Paulo. No entanto, este quadro mudou a partir do sétimo ano, quando

45
Acredito que seja algo como: agora a responsabilidade é sua.
104

Paulo passou a ser um aluno de destaque, em termos de rendimento, e Leandro passou a tirar
notas baixas.

“Para você ter uma ideia, era o contrário. Eu trago minhas notas depois para você ver, do
quinto ano. A gente, tipo assim, sempre foi do mesmo tamanho, sempre fazíamos as mesmas
coisas, mas na hora da prova eu ia bem melhor que ele. Eu tinha uma facilidade enorme
antigamente. Chegou no sétimo ano, o Lucas subiu de nível e eu só abaixei. Impressionante
isso”.

Com relação ao futuro profissional, ele parecia ainda confuso. No início da entrevista,
disse ter vontade de ser o primeiro da família a concluir um curso superior e justificou
utilizando sua mãe como exemplo:

“Porque eu vejo minha mãe. Às vezes minha mãe poderia ser melhor do que ela é hoje
porque falta para ela um curso superior, um ensino maior para ela”.

Mais à frente, parecia não ter certeza sobre isso, já que o curso técnico poderia lhe dar
retorno financeiro, sem necessidade do curso superior. Sobre este assunto, Leandro disse:

“Depende se, tipo assim, se eu ver que o salário, a remuneração do curso que eu tenho está
muito alta e se eu fizer um curso superior não vai fazer muita diferença, vou continuar
fazendo o técnico. [...] vou ver como é que é primeiro46. Aí, se eu vir que não é necessário ir
para a faculdade eu vou continuar exercendo o técnico”.

Parecia que Leandro se preocupava com sua remuneração futura, independente de


onde ela viria: da sua formação como profissional da área técnica ou como profissional de
nível superior. Ainda sobre o curso superior, Leandro disse que, se fosse escolher algum, seria
administração, e justifica:

“Meus interesses são os seguintes: eu queria ter uma empresa. Eu queria comandar a
empresa, mas para tudo você precisa saber alguma coisa. Administração é exatas, eu não
vou conseguir fugir da Matemática. [...] eu gosto da área de exatas, mesmo tendo esses

46
O aluno queria dizer que experimentaria a profissão de técnico primeiro para decidir se iria, ou não, para a
Universidade.
105

problemas todos, eu ainda vou para o lado de exatas. [...] a minha preocupação é esta: dar
alguma coisa para a minha mãe”.

Sobre sua relação com os colegas, ele disse nunca ter tido turma melhor que a turma
do nono ano. Já, com os professores, a relação parecia um pouco tensa. Segundo Leandro, os
professores o ‘perseguiam’, para utilizar uma palavra do próprio aluno.
Para divertir-se, Leandro não parecia ter muitas opções. Perguntado sobre o que
gostava de fazer nas horas livres, ele disse que jogava bola e dormia muito. Não gostava
muito de filmes e nem de jogar vídeo game, mas adorava ‘soltar papagaio’. Em relação aos
filmes em cinemas, mesmo quando decidia ir assisti-los, nem sempre tinha dinheiro. Ele
contou que a época do inverno é a melhor para soltar papagaio, porque o vento é intenso.

Gabriel

Gabriel era o mais calado do grupo. Muito tímido, exibia um sorriso ‘envergonhado’
sempre que era questionado sobre alguma coisa. Nesta segunda entrevista disse que tinha 16
anos quando estive em sua sala e havia completado 17 anos em dezembro. Percebi que ele
estava fora da faixa etária comumente encontrada em turmas de nono ano, que é entre 13 e 15
anos, e descobri que isso ocorrera porque ele havia sido reprovado duas vezes naquela escola.
Estas reprovações provocaram sentimentos negativos em relação ao espaço escolar e isso será
observado em algumas de suas declarações.
Morava em um bairro da grande Belo Horizonte com mais seis pessoas. Perguntado
sobre quais eram as pessoas com as quais morava, ele respondeu:

“Ehhh... meu pai, minha mãe, minha irmã... vale contar comigo né? Eu, minha vó, meu vô e
minha bisavó”.

Embora grande, a família era unida. Eles moravam em uma casa de dois andares e
sempre que possível faziam algumas refeições juntos. Sobre isso Gabriel expôs:

“Todo mundo almoça junto. Só meu pai que chega tarde. Aí ele almoça separado. Fora isso
almoça e janta todo mundo junto. Aí, domingo almoça todo mundo junto”.

Esta família também cobrava dele bom desempenho escolar e ajudavam quando
106

necessário.

“Incentivam e quando eu tô com dificuldade eu falo com eles... quem nem Português. Agora
eu tô fazendo aula particular e tal, desde o ano passado. Que eu tenho dificuldade em
português. Aí eu comecei”.

O ingresso de Gabriel na escola em que foi realizada a pesquisa de campo se deu como
resultado dos esforços de sua mãe, que vislumbrava a possibilidade do filho ingressar em uma
escola técnica. Quando perguntei a ele sobre como havia entrado para a escola, ele respondeu:

“Minha mãe ficou sabendo, não me lembro por quem... eu sei que ela ficou sabendo e me
inscreveu lá no sorteio. Aí eu fui sorteado. Ela colocou também pensando no [...]e esses
negócios...”.

A entrada automática para a escola técnica foi uma das razões da mãe para inscrever
Gabriel no sorteio. Mesmo assim, o curso superior não parecia algo com que eles (os pais) se
preocupassem tanto. Pareciam deixar à vontade sua decisão sobre cursar, ou não, o ensino
superior. Ele falou sobre isso no trecho abaixo:

“Eles deixam tranquilo e tal. Meu pai falou que eu vou fazer ENEM só pra ver mesmo, e tal”.

O ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) é, atualmente, uma das principais portas
de entrada para o curso superior no Brasil. Boa parte das universidades exige que o aluno
tenha prestado este exame, caso queira ingressar em um de seus cursos. Nesse momento vale
lembrar que ninguém na família de Gabriel tinha curso superior. Seu pai havia concluído o
curso técnico em contabilidade, embora não exercesse esta profissão.

“Meu pai, ele fez, acho que nem foi superior. Acho que foi técnico de contabilidade, mas nem
usa”.

Sobre seu futuro profissional como técnico e a possibilidade de fazer um curso


superior, a resposta de Gabriel foi muito parecida com as de Paulo e Leandro. Pretendia
experimentar a carreira técnica em busca de sucesso financeiro e, se a tentativa fosse
frustrada, talvez fizesse um curso superior. Nas palavras de Gabriel:
107

Mas tipo, eu tô pensando o seguinte: se eu gostar do técnico, eu vou trabalhar com ele. Aí, se
eu ver que não tá muito bom, aí tipo, eu pretendo fazer Educação Física, ou então alguma
coisa na área de exatas”.

Perguntei por que Educação Física? E Gabriel respondeu:

“Porque eu comecei a ‘malhar’. Aí eu gostei e tal. Aí eu to querendo fazer Educação Física


e, sei lá, um dia ter minha própria academia”.

Como ele disse que outra possibilidade para um curso superior seria algo na área de
ciências exatas, aproveitei para saber mais sobre sua relação com a Matemática. Na primeira
entrevista ele havia falado muito pouco, não sei se inibido pelos outros alunos (a primeira
entrevista foi com os quatro alunos juntos). Gabriel assim falou:

“Tipo, eu não sou muito bom em Matemática, mas, tipo, se tiver que escolher entre fazer
exatas, humanas e esses negócios, eu acho que eu vou me dar melhor em exatas”.
“Matemática eu também sou, uns sessenta, setenta por cento, minhas notas. Mas só que, tipo,
pelo menos eu acho que Matemática você faz muito exercício e tal, aí você consegue
aprender e tal. Agora Português você tem que ler muito para entender”.

Ainda sobre sua relação com a Matemática, quando perguntei se ele tinha problemas
desde o início da vida escolar, ele respondeu assim:

“Era porque lá no [ ]47 também tinha um negócio lá de... porque antigamente não era tempo
integral aí, tipo, o terceiro ciclo ficava de manhã e o primeiro ciclo era de tarde. Aí eu
sempre... peguei umas três vezes é... um negócio lá... esqueci o nome. Eu sei que cê ficava lá
de manhã pra estudar, esses negócios... aí eu fiquei lá uns... peguei uns três anos aquilo. Só
que não foi seguido não”.

Esta fala de Gabriel precisa de alguns esclarecimentos. O ‘negócio’ do qual ele fala
eram reforços escolares para os alunos que estavam com rendimento aquém do esperado.

47
Nome da escola omitido
108

Em determinado momento da entrevista, retomei o assunto sobre as tarefas que eu


havia proposto em sala48 e, com ele, alguns questionamentos sobre algumas de suas respostas
ao questionário. Antes, porém, fiz um questionamento sobre seu comportamento durante uma
das tarefas propostas. Disse que, ao assistir às filmagens, tinha observado que ele não parecia
estar participando e nem muito interessado em contribuir com seus colegas, embora não
tivesse certeza sobre minhas impressões. Pedi a ele que me explicasse o ‘porque’ deste
comportamento, caso eu tivesse razão. Assim ele respondeu:

“Ano passado eu acho era (não gostava) porque, sei lá, eu não tava muito interessado. Aí,
aqui agora, e tal, eu tô fazendo mesmo porque eu tô querendo aprender. Ah, eu sei lá, é que
tipo, eu repeti de ano lá. Aí você fica com raiva da escola. Eu repeti duas vezes lá. Aí eu
fiquei com raiva. Eu não gostava muito de participar não. Só ficava lá, prestando atenção.
Eu também sempre fui tímido. [...] gosto de ficar mais na minha”.

Como já havia se passado algum tempo, desde que estivera na escola, relembrei ao
aluno como era o questionário, assim como fizera com Leandro. Uma das afirmações do
questionário era: eu participo porque eu adoro Matemática. Para essa afirmação Gabriel
colocou zero, o que significava que ele não gostava de Matemática e isso não era algo que
pudesse movê-lo a fazer as tarefas.
Entretanto, para mim isso soava estranho porque, se ele não gostava de Matemática,
porque escolheria algo na área de exatas, caso fosse fazer um curso superior? E ainda
devemos nos lembrar de que o curso técnico que Gabriel frequentava, naquele momento, era
na área de exatas. Parecia um tanto paradoxal. Eu lhe fiz a seguinte pergunta: Mas é estranho.
Você colocou: porque eu adoro Matemática, zero. Significa que você não gosta de
Matemática. Mas lá embaixo você colocou 2: porque vou aprender mais conteúdos
matemáticos e isso é importante para o meu futuro profissional. Como você me explica isso:
de não gostar de Matemática, mas ao mesmo tempo querer aprender Matemática? Gabriel
respondeu assim:

“É porque tipo, ninguém quer ser pobre. Aí, pra mim, tipo, ser rico e tal eu vou ter que
estudar, mesmo que eu não goste daquilo e tal, vou ter que me dedicar de qualquer jeito”.

48
Duas destas tarefas serão detalhadas no capítulo 5.
109

E se, durante a realização de um curso superior da área de exatas, a Matemática


passasse a ser complexa e um fator dificultador, o que Gabriel faria: desistiria ou estudaria até
vencer esse obstáculo? Ele disse:

Ah, eu acho que ia estudar até morrer (risos).


Ao ser questionado sobre o que fazia nas horas de lazer, Gabriel me contou o seguinte:

“Eu gosto, tipo, de ficar na rua conversando com meus colegas. Gosto de ir ao cinema, mas
eu vou de vez em quando e tal, quando tem um filme que me interessa muito. Tipo, vai ter ‘O
homem de ferro’ [...] suspense às vezes é bom. Também gosto muito de assistir seriado. [...]
de vez em quando futebol. Não sou muito bom de futebol”.

Perguntei a ele para onde iria se alguém lhe pagasse uma viagem. Ele disse:

“Tipo que nem eu fico assistindo muito esses negócios de Discovery 49 . Que nem fica lá
aqueles programas de sobrevivência... Eu tenho vontade de ir para uma ilha e ficar lá um
tempo. Eu acho legal”.

E o futuro:

“Eu quero formar aqui, primeiro. Fazer estágio, trabalhar um tempo no técnico, ver se eu
gosto. Se eu não gostar vou entrar numa boa faculdade, ter minha casa, esses negócios”.

Lauro

Lauro tinha 14 anos quando estive em sua sala. Não falava muito, mas quando o fazia,
expunha com clareza suas ideias. Não utilizava muitas gírias como é comum entre os
adolescentes. Morava com a mãe em um bairro na mesma região do colégio onde estudava.
Como os pais são separados, os finais de semana eram reservados ao pai, que morava em
outro bairro. A relação entre eles era bastante harmoniosa, sem conflitos. Sua mãe trabalhava
fora e, dentro das possibilidades, juntamente com o pai, proporcionavam a Lauro uma vida
confortável.

49
Canal de televisão por assinatura.
110

Quando questionado sobre o que fazia nas horas de lazer, Lauro me disse que durante
o segundo semestre de 2012, época em que eu visitava sua sala, fazia aulas de tênis duas
vezes por semana e aulas de inglês, também duas vezes por semana. Não sei se estudar inglês
poderia ser considerado lazer, mas ele achava que sim. Talvez porque fosse uma atividade que
não estava diretamente vinculada à sua escola. Além disso, ele disse que jogava futebol nos
fins de semana na quadra que existia no condomínio onde seu pai morava e “assisto à TV o
tempo todo e computador... redes sociais e jogos”.
Como nos casos de Paulo e Leandro, a escolha da escola foi feita pelo pai ou pela mãe.
Isso era de se esperar já que, nesta escola, o ingresso ocorre na primeira série e o aluno nela
permanece até o nono ano. Lauro, por exemplo, estudou dos 6 anos aos 14 anos nesta
instituição. Quando do ingresso, as crianças são ainda muito pequenas para tomarem decisões
como esta. O aluno nos contou sobre a escolha:

“Olha, na verdade quem escolheu o [...] foi meu pai, pela passagem direta para o [...]
mesmo50. Ele que foi lá e fez o sorteio. Aí, quando eu passei foi a felicidade maior dele.”

Perguntei a Lauro porque ele havia escolhido um curso técnico da área de exatas. Ele
respondeu o seguinte:

“Eu gosto da área de exatas, mesmo que eu tenha tido dificuldade no ano passado. Mas
geralmente eu tenho bom desempenho. Esse ano eu tô tendo um bom desempenho. Eu gosto
mesmo da área de exatas. É o que tava pensando mesmo”.

Perguntei, também, se ele pretendia fazer um curso superior. Diferentemente de Paulo


e Leandro, Lauro não pretendia experimentar a carreira como profissional da área técnica,
antes de ir à universidade. Tão logo terminasse o curso técnico, desejava cursar Engenharia de
Software. Sobre este desejo, ele disse:

“Eu quero fazer Engenharia de Software. Já vou fazer direto”51.

Após este momento, procurei falar sobre as tarefas que propus em sala de aula. Na

50
Omissão do nome da escola para onde o aluno iria após finalizar o nono ano.
51
Com esta frase “já vou fazer direto”, Lauro queria dizer que não pretende primeiro trabalhar como técnico
para, depois, fazer o curso de Engenharia.
111

primeira entrevista, Lauro me disse que, para ele, o papel da escola é preparar os alunos para
o futuro. Nesse sentido, perguntei ao aluno qual a relação que ele estabelecia entre o papel da
escola, sua participação nas tarefas e seu futuro. Ele respondeu:

“Eu acho que, assim, quando a gente tá participando das atividades em sala, das atividades
propostas, a gente tá ganhando conhecimento para que a gente possa se desenvolver bem
para o futuro, ou seja, a escola passando estes conteúdos pra gente, seria no sentido de
ajudar a gente no futuro também”.

Perguntei o que, para ele, era futuro:

“Pra mim, o futuro daquela época, era o Ensino Médio. Agora, do Ensino Médio é a
faculdade”.

Sobre as amizades, conversas e comportamento em sala, Lauro acreditava que:

“Pra mim, estar com os amigos seria uma coisa extraclasse. Dentro da sala a gente tem que
pensar mais no foco dos estudos. Mesmo que eu converse um pouco dentro de sala, a gente
tem que pesar para este lado porque a gente tá ali pra aprender e o extraclasse a gente pode
fazer no recreio. Então, durante a sala (aula) a gente tem que focar para aprender mesmo.
[...] na disciplina de Matemática eu era geralmente mais calado. Eu gostava e eu via que era
uma matéria difícil. Matemática e Ciências, pra mim, eram matérias que eu ficava mais
quieto”.

A relação com os amigos em sala e as trocas de informações durante as tarefas eram


importantes para Lauro.

“Porque eu acho que essa troca de informação é importante. Quando eu não sei uma coisa
que alguém sabe, então ele pode me passar esse conhecimento. Pra mim vai ser também
importante na formação do conhecimento futuro”.

Como estávamos falando sobre as tarefas, aproveitei a oportunidade para lembrar a


Lauro que, durante uma das tarefas, Leandro saiu e não mais voltou. Perguntei a que ele
atribuía este fato:
112

“Ele geralmente é assim. Ele não conseguiu fazer aí... Ah, eu acho que é na questão dele não
ter conseguido ajudar a gente. Ele viu que não conseguia ajudar e levantou. Seria
desnecessária a ajuda dele”.
Em outro momento, conversamos sobre sua relação com a Matemática. Dentre outras
coisas, Lauro disse o seguinte:

“Na escola eu sempre fui bem em Matemática. Sempre gostei também. Só que nono ano eu
tive um desempenho muito baixo na primeira etapa, por causa de questões de família. Meu
avô estava internado. Eu tava abalado e também tava tendo dificuldade na matéria. Só que,
na segunda etapa, quando entrou uma matéria nova e eu comecei prestar atenção, aí já voltei
a me dar bem”.

Pelo relato, Lauro parecia gostar de Matemática. No entanto, no questionário havia


uma afirmativa que dizia “porque eu adoro Matemática”, para justificar a participação nas
tarefas propostas. Estranhamente, este aluno classificou-a com ‘zero’, ou seja, ele não gostava
de Matemática. Questionado sobre a resposta, um tanto contraditória, ele me disse:

“Porque na época da pesquisa foi quando eu estava mal em Matemática. Então, na hora, eu
pensava mais nisso. Porque eu to mal, então eu não gosto”. [...] Mesmo que eu não gostasse
de Matemática, eu vejo Matemática como um conteúdo de extrema importância. Matemática
e Português, pra mim, são as disciplinas de maior importância pelo social, porque eu acho
que se você não tem um mínimo de Matemática e um mínimo de Português, não dá pra você
interagir. E também porque eu acho que é importante no futuro.

Porém:

“Eu acho que tem coisas de Matemática que ainda são desnecessárias para o social, Na
questão do conhecimento eu acho super importante qualquer tipo de matéria, qualquer
disciplina. Mas na questão do social, tem algumas coisas de Matemática que eu vejo que são
desnecessárias”.

Entretanto, Lauro disse que, mesmo seu rendimento estando aquém do esperado, ele
não desistiu e fazia os exercícios propostos porque queria, e não por solicitação da professora.
113

No capítulo 5, o tema investigação será retomado para analisar duas das tarefas
propostas aos alunos.
114

CAPÍTULO 5

DUAS TAREFAS INVESTIGATIVAS – INICIANDO A ANÁLISE DOS


DADOS
O objetivo deste capítulo é apresentar duas das tarefas investigativas realizadas pelo
grupo composto por Paulo, Lauro, Leandro e Gabriel. Uma delas era sobre planos de telefonia
celular (anexo B) e a outra era sobre o tangram (anexo C). Elas foram propostas em dias
diferentes e estão apresentadas em ordem cronológica. Como estou tratando de ambientes que
possam se constituir como cenários para investigação (SKOVSMOSE, 2000), após apresentar
as tarefas e alguns de seus momentos, tento identificar elementos da comunicação que ocorreu
entre alunos e pesquisador e entre alunos e alunos, que possam caracterizar esta comunicação
como a que, tipicamente, ocorre em cenários para investigação.

5.1 O plano de telefonia de Paulo, Lauro, Gabriel e Leandro.

No dia 11/09/2012 foram propostos aos alunos três temas diferentes para investigação.
Um deles relacionado à escolha de planos de telefonia celular (anexo B); outro relacionado
aos gastos com energia elétrica de uma residência (apêndice A); e um último, com duas
questões: uma de sequência lógica e outra envolvendo semelhança de triângulos (apêndice B).
Os alunos, divididos em grupos de quatro ou cinco componentes, receberam uma cópia de
cada tarefa para uma apreciação inicial. Após esta análise, escolheram um tema para
investigar. O grupo de Paulo, Lauro, Gabriel e Leandro escolheu discutir sobre telefonia
celular.
Nesta tarefa, cujo texto foi entregue aos alunos em folhas fotocopiadas, era informado
aos alunos que uma empresa de telefonia celular, de nome PLIM CELL PHONES, oferecia a
seus potenciais clientes três opções de planos para pagamento mensal. Os planos eram os
seguintes:

- Plano PLIM 1: Neste plano o cliente paga um valor fixo mensal para ter acesso a vários
serviços. Para consumos extras há valores pré-fixados. A tabela abaixo contém mais
informações sobre o plano.
115

VALOR FIXO DE PLIM DE PLIM PARA DE PLIM DE PLIM BANDA TORPEDOS


MENSAL PARA PLIM OUTROS PARA FIXOS PARA FIXOS LARGA
CELULARES LOCAIS NÃO LOCAIS
170,00 100 minutos do 50 minutos do 50 minutos do 30 minutos do 6 HORAS NENHUM do
plano. R$ 0,20 plano. R$ 0,50 por plano. R$ 0,50 plano. R$ 0,70 POR DIA plano. R$ 0,30
por minuto minuto extra. por minuto por minuto (incluindo 3G por torpedo.
extra. extra. extra. no celular).
R$ 0,60 por
hora extra.

- Plano 2: Nome do plano: PLIM 2: Neste plano o cliente paga uma franquia mensal que
cobre parte dos serviços. Oferecidos pela empresa. Para consumos extras há valores pré-
fixados. A tabela abaixo contém mais informações sobre o plano.
FRANQUIA DE PLIM DE PLIM PARA DE PLIM DE PLIM PARA BANDA TORPEDOS
PARA PLIM OUTROS PARA FIXOS NÃO LARGA
CELULARES FIXOS LOCAIS
LOCAIS

80,00 50 minutos do 10 minutos do 30 minutos 10 minutos do 4 horas por dia 30 torpedos do


plano. R$ 0,20 plano. R$0, 50 do plano. R$ plano. R$ 0,70 pelo plano, plano. R$ 0,30
por minuto Por minuto extra. 0,30 por por minuto incluindo 3G por torpedo
extra minuto extra. no celular. R$ extra.
extra. 0,50 por cada
hora extra.

- Plano 3: Nome do plano: PLIM 3: Neste plano o cliente paga uma franquia mensal e realiza
seus gastos mensais, pagando somente pelo que utilizou (além do valor fixo). Diferentemente
dos planos 1 e 2, no plano 3 o cliente não possui serviços embutidos no valor da franquia. Na
tabela abaixo, os preços aplicados pela empresa PLIM, neste caso.
FRANQUIA DE PLIM DE PLIM PARA DE PLIM DE PLIM PARA BANDA TORPEDOS
PARA PLIM OUTROS PARA FIXOS NÃO LARGA
CELULARES FIXOS LOCAIS
LOCAIS
60,00 0,50 por 0,80 por minuto 0,50 por 0,90 por minuto. 0,50 por hora 0,50 cada.
minuto minuto. (incluindo 3G
no celular).

Em seguida, foi fornecida aos alunos a informação de que um orçamento mensal ideal
prevê gastos de 14% do salário líquido com impostos (água, luz, telefone/internet). Solicitei
que criassem dados sobre o consumo com telefonia para um usuário hipotético que recebe
salário líquido de R$ 2500,00, gasta R$ 90,00 com energia elétrica (luz) e R$ 80,00 com água.
De acordo com os dados criados, este usuário teria um perfil e, de acordo com este perfil, os
116

alunos elegeriam o plano ideal para ele (ideal aqui significa aquele que atenderia às
necessidades do usuário hipotético, com o menor custo).
Sugeri aos alunos que lessem com cuidado todas as informações contidas na folha e
que, após esta leitura, iniciassem os procedimentos na busca pelo plano ideal para seu usuário
hipotético. Para analisar o desenrolar da investigação do grupo dos alunos Paulo, Lauro,
Leandro e Gabriel, recorrerei a partes dos vídeos, que denominarei de episódios. Os episódios
estão em ordem cronológica de acontecimento.

Episódio 1 – Esse episódio durou aproximadamente 2 min e 20 s. O grupo tinha dúvidas


sobre como criar o usuário hipotético. Solicitaram minha presença e eu os atendi. Nesse
momento, a configuração do grupo dentro da sala era a seguinte: quatro mesas juntas de modo
que os alunos ficavam ao lado de um colega e de frente para o outro. Paulo estava ao lado de
Lauro e de frente para Gabriel. Lauro estava de frente para Leandro, que estava ao lado de
Gabriel, de acordo com a figura 6.

Lauro Paulo

Leandro Gabriel

Figura 6: disposição dos alunos


Fonte: Elaborada pelo autor

Os alunos queriam saber o que fazer para criar informações sobre o usuário hipotético.
Utilizando o enunciado da tarefa entregue aos alunos, expliquei que parte das características
do usuário já havia sido determinada no texto (salário, percentual a ser gasto com impostos,
etc). Informei que a parte que lhes cabia criar era aquela relativa ao uso do celular: tempo
gasto com ligações de todos os tipos, quantidade de mensagens de texto (torpedo), etc. Isso
era o que faria as respostas serem diferentes entre os grupos que escolheram a mesma tarefa.
De acordo com as características de uso do celular, do usuário hipotético, o melhor plano
poderia ser diferente para cada grupo. Durante minha fala fui interrompido algumas vezes por
Paulo:
117

Paulo: Pode ser qualquer situação?


Pesquisador: o que você quiser (explicando para o grupo que o perfil de uso do celular seria
definido por eles, do modo como desejassem).
Paulo: Tipo assim, ele conversa muito com o avô. [...] Ele não manda muito torpedo.

O grupo poderia fazer quaisquer considerações e, baseado nelas, encontrar o melhor


plano.
Embora Lauro, Leandro e Gabriel não tivessem falado muito nesse momento, notei
que todos estavam atentos ao que eu estava dizendo. Eles me olhavam fixamente, pelo menos
neste momento inicial. Após estes esclarecimentos, o grupo chegou a um usuário hipotético,
de nome Matheus Leite, e o descreveu assim52:

“Matheus Leite é Plim, sem fronteiras, só fala de Plim pra Plim, ele é mão de vaca, não
conversa com outras pessoas, usa a internet através de telefone e só manda torpedo para sua
namorada e liga de Plim para Plim só de vez em quando”.

Episódio 2 – Este episódio durou cerca de 40 segundos. Paulo, Lauro e Leandro discutiam e
Leandro realizava anotações na folha e no caderno. Embora não fosse possível compreender
exatamente o que os alunos estavam discutindo, o áudio permitia afirmar que a discussão
girava em torno do plano ideal para o usuário criado por eles. Em determinado momento,
Lauro disse:

Lauro: [...] porque se for só mandar mensagem é mais fácil ele pegar o mais barato e gastar
20 reais por mês.

Ele iniciou essa fala olhando para Leandro. Como Leandro estava concentrado,
olhando para baixo e lendo a folha, Lauro virou-se para Paulo para concluir sua ideia, dando a
impressão de que estava procurando por uma aprovação do colega. Gabriel parecia estar
entretido batendo os dedos na mesa e, às vezes, observava as anotações de Leandro.

Episódio 3 – Todo o episódio durou cerca de três minutos. Ele foi capturado de longe, quando
a filmagem se concentrava em outro grupo. Pelo vídeo pude perceber (o que não conseguiria

52
O texto está apresentado exatamente como foi escrito pelos alunos.
118

sem a filmagem) que Gabriel brincava com o caderno de aula, inserindo-o e retirando-o da
parte inferior da mesa. Ao mesmo tempo, Lauro fazia anotações. Passados cerca de 50
segundos, Leandro e Gabriel começaram a conversar e rir. Não pareciam estar discutindo
sobre a tarefa. Paulo emprestou a borracha para Lauro, que seguiu fazendo anotações na folha.
Gabriel continuava com o caderno na mão, deitando-o e levantando-o apoiado nas pernas.
Após algum tempo, Leandro pegou a folha de Lauro, colocou-a sobre a mesa e iniciou uma
discussão com Paulo e Lauro. Em seguida fez algumas anotações e Paulo se debruçou sobre a
mesa, indo na direção de Leandro, como quem pretendia falar algo. Após alguns segundos,
Paulo tomou a folha que estava com Leandro e começou a lê-la. Segundos depois escreveu
algo nela. Gabriel estava agora com a cabeça baixa, apoiada sobre os braços que estavam
apoiados na mesa. Leandro saiu da mesa.

Episódio 4 – Este episódio durou somente 48 segundos. Nele, Paulo e Lauro discutiam ainda
sobre o plano de telefonia celular enquanto Gabriel, com a cabeça apoiada sobre os braços, só
observava seus colegas. Leandro ainda não havia voltado. O episódio foi marcado pelo
diálogo entre Paulo e Lauro. Paulo estava com o caderno aberto e nele havia varias anotações.
Lauro tomou a folha com as instruções da tarefa e falou, olhando para Paulo:

Lauro: Vamos botar o perfil dele falando isso.


Paulo: Eu tô fazendo isso (apontando o lápis para fazer as anotações do caderno).
Lauro: Não pode passar de 180 reais.

Nesta fala Lauro estava se referindo ao valor máximo a ser gasto com a conta de
telefone celular. Ele olhava para Paulo enquanto expunha suas ideias. Agora Paulo, olhando
para suas anotações do caderno, apontou para seus cálculos e disse:

Paulo: Esse aqui já passou.

Depois desta fala ele parou mais uma vez, olhou para a folha de cálculos, pegou a
borracha e apagou. Lauro disse, em seguida:

Lauro: Aí coloca aqui. Então este não pode pois passou do seu orçamento.
119

Paulo escreveu as sugestões de Lauro. Gabriel parecia não reagir. Continuava deitado
com a cabeça sobre a mesa. Leandro ainda estava fora do grupo.

Episódio 5 – Nesse episódio, que durou 37 segundos, fui à mesa para saber como estava
evoluindo o grupo dos quatro alunos. Paulo e Lauro olharam para mim e eu perguntei:

Pesquisador: o que vocês estão fazendo?


Paulo: a gente fez ... (inaudível) gasta 200 mensagens, 50 minutos pra falar com fixo local
(inaudível).
Lauro: Passou até do orçamento.

Os alunos estavam tentando mostrar que, para o usuário hipotético criado por eles, o
plano 1 não era adequado (passou do orçamento). Ao final, observando a folha entregue por
eles, o gasto com telefone nesse plano 1 seria de R$ 230,00. Vale lembrar que o gasto
máximo poderia ser de R$ 180,00. Interessante observar que, durante toda a explicação dos
alunos, tanto Paulo quanto Lauro intercalavam os olhares, ora para mim, ora para o caderno
onde estavam as anotações. Eles pareciam querer se certificar de que eu estava entendendo
suas explicações. Além disso, o caderno era uma prova dos cálculos que justificavam suas
escolhas porque Paulo, a todo momento que olhava para o caderno, também usava o lápis para
apontar o local onde haviam feito os cálculos na folha. Enquanto isso Gabriel ainda
observava. Não se percebeu nenhuma movimentação dele para auxiliar e Leandro ainda não
havia voltado.

Episódio 6 – Paulo me chamou à mesa para explicar o que o grupo havia feito. Segundo ele, o
usuário hipotético só poderia escolher o plano 2, dadas as suas condições de uso do telefone,
criadas pelo grupo. Gabriel estava com a cabeça apoiada sobre os braços e Leandro ainda não
estava presente.

5.2 O Tangram ampliado de Paulo, Lauro, Leandro e Gabriel

No dia 02/10/12, foi apresentada aos alunos uma única tarefa. Eles deveriam se reunir
em grupos de quatro ou cinco alunos para ampliar ou reduzir uma figura. Esta figura foi o
120

Tangram 53 . Para cada grupo foi entregue uma folha com a figura e algumas instruções
básicas, além de uma folha de papel quadriculado. Uma das instruções explicava que fazer
uma ampliação, ou redução, era escolha do grupo. Foi informado, também, que não seria
fornecido aos grupos nenhum caminho a ser seguido para que eles chegassem ao resultado.
Outra instrução era que eles deveriam anotar, nas linhas em branco disponíveis na folha, os
passos seguidos pelo grupo para chegar ao resultado. Sendo assim, cada grupo deveria discutir
alternativas para a tarefa e, além de executá-las, deveria anotá-las. Nesse dia, o grupo de
alunos acompanhado nesta pesquisa, teve a ausência de Lauro.
Para um melhor entendimento de como o grupo se comportou nesta tarefa, foram
selecionados alguns episódios, a exemplo do que foi feito para a tarefa de telefonia celular. A
configuração inicial do grupo era a seguinte:

Paulo

Gabriel
Leandro

Figura 7: disposição dos alunos


Fonte: Elaborada pelo autor

Episódio 1 – Esse episódio durou aproximadamente 3 min. Eu me aproximei do grupo


quando escutei Paulo e Leandro conversando sobre a figura, enquanto Leandro fazia alguns
traços na folha quadriculada. Assim que cheguei Gabriel, que estava apertando sua caneta de
corretivo dentro da sua bolsa para lápis se assustou, levantou a cabeça e passou a prestar
atenção ao que nós discutíamos enquanto girava uma borracha com a mão.

53
Tangram é um quebra-cabeça de origem chinesa formado por 7 peças, sendo 5 triângulos, 1 quadrado e 1
paralelogramo. Estando as peças livres, elas podem dar origem a várias figuras, sem sobreposição.
121

Pesquisador: Quero ouvir o que vocês estão pensando. O que vocês estão pensando em
fazer? Vocês vão ampliar ou reduzir?
Paulo: Ampliar.
Pesquisador: O que vocês resolveram fazer para ampliar? Vocês vão ter que ter essa figura
(apontando para a figura do Tangram) grande no final. Como vocês vão fazer?

Leandro não estava olhando para nós e parecia concentrado em suas ideias sobre folha
quadriculada. Paulo respondeu o seguinte:

Paulo: A gente mediu cada ângulo. Descobriu todos os ângulos. A gente usou o transferidor.
Pesquisador: Ah, tá!
Paulo: Agora que a gente descobriu todos (os ângulos) a gente vai aumentar os lados.
Pesquisador: Como é que é?
Paulo: A gente vai aumentar um centímetro e meio em cada lado.
Pesquisador: Ah, tá! O ângulo vai ser o mesmo?
Paulo: Vai ser o mesmo. No final o ângulo tem que ser o mesmo porque é um quadrado.
Pesquisador: Mesmo que a figura seja grande?
Paulo: É.
Pesquisador: Mas é por que é um quadrado? E se eu tivesse pedido para você ampliar só um
triângulo?
Paulo: Aí continuaria o mesmo porque é ... relação dos lados. Se o triângulo vai ter dois
lados iguais e um diferente aí um ângulo vai ser diferente e dois iguais.

Não consegui entender exatamente o que Paulo queria me dizer. Também não entendi
se ele tentava definir triângulos isósceles como aqueles que têm dois lados com medidas
iguais e o terceiro com medida diferente. Ou ainda, que os triângulos isósceles são aqueles
que possuem dois ângulos internos de mesma medida e o terceiro com medida diferente.
Talvez a intenção fosse mostrar que a figura final, embora maior, teria os mesmos ângulos da
original. Retomei a ideia que ele havia colocado, sobre aumentar um centímetro e meio de
cada lado da figura. Questionei:

Pesquisador: Então, para ampliar, vocês disseram que vão pegar a medida de cada lado (do
quadrado que compõe toda a figura) e aumentar um e meio?
Paulo: É!
122

Pesquisador: E lá dentro?E as medidas lá de dentro?

Paulo olhou para mim meio desconfiado e, sem saber a resposta, disse:

Paulo: As medidas lá de dentro a gente vai ver se vai dar a mesma coisa, né?
Pesquisador: Vocês vão ver se dá pra aumentar um e meio?
Paulo: É!

Durante esse diálogo Gabriel prestou atenção no que estávamos falando enquanto
brincava com uma borracha que estava em suas mãos. Entretanto, não emitiu nenhuma
opinião. Não falou nada. Leandro parecia estar concentrado com a folha quadriculada,
fazendo algumas medições. Em seguida ele disse:

Leandro: Olha aqui (mostrando o papel quadriculado). Não tô entendendo isso aqui não.
Cada quadradinho tem... (Leandro queria saber a medida do lado dos quadrados que
compunham o papel quadriculado).

Pesquisador: Um centímetro. Não, meio centímetro.


Leandro: Tá.
Pesquisador: Então, a ideia é essa: aumentar um e meio em cada lado? (Queria ter certeza de
que entendera o caminho que os alunos queriam seguir).
Paulo: A gente mediu a diagonal.
Pesquisador: um e meio na diagonal também. E se der errado?
Paulo: Vamos tentar fazer de outro jeito.
Pesquisador: Outra estratégia, né?

Leandro, que ainda trabalhava com a folha quadriculada, disse:

Leandro: a gente é brasileiro.


Pesquisador: (risos) Não desiste nunca.

Ao final desse episódio Gabriel ainda não havia se manifestado.


123

Episódio 2 – Com duração de 1 min e 35s, nesse episódio, eu e os alunos Paulo e Leandro
discutimos o que eles estavam fazendo. O vídeo já se iniciou com uma pergunta que eu fiz ao
grupo sobre a medida do lado do quadrado original e o novo lado do quadrado, após o
aumento que os alunos promoveriam.

Pesquisador: Sete e meio era o lado. Aí passou pra nove?


Paulo: Passou pra nove (porque a estratégia inicial dos alunos era aumentar um centímetro e
meio em cada lado das figuras).

Leandro e Paulo tentavam mostrar o que estavam fazendo apontando, com os dedos,
algumas partes da figura que haviam começado a ampliar. A participação de Gabriel se
resumiu a olhar e brincar com a borracha que ele não largou, desde o início do episódio. Ora
ele rodava, ora ele batia com ela sobre a mesa e ora ele só a mantinha em sua mão, parada. Ele
não se manifestou oralmente em nenhum momento.

Episódio 3 – Esse episódio durou cerca de três minutos e mostrou um novo direcionamento
que os alunos deram à solução da tarefa, após a tentativa frustrada de aumentar um centímetro
e meio em cada lado de cada figura. Como Paulo estava fazendo medições com a régua, sobre
a folha quadriculada, me aproximei do grupo e perguntei:

Pesquisador: Paulo, o que vocês estão fazendo?

Ele me explicou que estavam utilizando uma técnica com a ajuda de um compasso.
Paulo parou, olhou para a folha, girou a folha, enquanto Leandro e Gabriel o observavam.
Antes que ele continuasse com as suas medições eu o interrompi e questionei:

Pesquisador: Da última vez que estive aqui você falou comigo que, para ampliar, vocês iriam
aumentar um centímetro e meio em cada lado. Você continua com a mesma estratégia?
Paulo (balançando a cabeça negativamente): Não, a gente mudou de estratégia.
Pesquisador: Que estratégia?
Paulo: Agora a gente tá fazendo cada figura. Aumentando cada figura.
Pesquisador: Mas aumentando cada figura como?
Paulo: Com um meio em cada lado.
Pesquisador: Então você fez um triângulo com um centímetro e meio a mais em cada lado?
124

Paulo: Eu fiz um triângulo aí eu aumentei um e meio aqui (colocando a régua sobre um dos
lados – a figura 8 mostra o momento exato em que Paulo coloca a régua sobre o papel). Aí eu
fui lá, medi o outro lado e aumentei um e meio. Coloquei a medida no compasso e fiz aquela
estratégia lá. Aí eu liguei e formou a diagonal.

Figura 8: Paulo mostrando suas ideias para o pesquisador I


Fonte: Arquivo do autor

A B

D C

Acredito que a estratégia da qual Paulo falava era o uso do compasso para traçar a
bissetriz do ângulo reto indicado pela seta vermelha (FIGURA 8). Nela, o triângulo na folha
quadriculada corresponderia à versão ampliada do triângulo ABD.

Pesquisador: Mas você já fez (leia-se: ampliou) os dois triângulos grandes (referência aos
triângulos ABD e BCD da figura acima)?
Paulo: Já, os dois triângulos grandes.
Pesquisador: Tá! Agora você vai mexer com o quê?
Paulo: Agora eu vou fazer esse pequeno (apontando, com a régua, para o triângulo apontando
na foto pela seta preta).
125

Pesquisador: Você vai fazer o que nele. Você vai, de novo, pegar as medidas dele e aumentar
um e meio?
Paulo: Aumentar um e meio na medida de dois lados. A base e um lado pra por no compasso.
Pesquisador: Deixa eu ver (pedindo a Paulo que mostre o que ele pretendia).

Por algum tempo fiquei observando o grupo e percebi que Paulo se esforçava para
fazer o que havia me falado. Enquanto durou meu diálogo com Paulo, Gabriel e Leandro não
se manifestaram de nenhuma forma.

Episódio 4 - Esse episódio durou cerca de 1 min e 48 s. Voltei à mesa e perguntei ao grupo se
haviam conseguido fazer a ampliação. Paulo disse, assim que cheguei próximo ao grupo:

Paulo: Olha aqui pra você ver (solicitando que eu chegasse mais perto). Não tá dando certo
não. O triângulo não vai sair certo. Olha só (Paulo tenta me mostrar, no desenho, que a
estratégia não estava dando certo – figura 9).
Pesquisador: Entendi, ficou fora né? (dois segmentos que deveriam coincidir para formar
uma das diagonais do tangram, não coincidem). O que significa isso?

Leandro, após um longo período sem se manifestar mostrou estar prestando atenção à
discussão e disse:

Leandro: Significa que a diagonal tá errada.


Pesquisador: Quem sabe vocês podem usar outra estratégia.
Paulo: Então vamos ter que trabalhar com área.
126

mãos de Paulo

Figura 9: Paulo mostrando suas ideias para o pesquisador II


Fonte: Arquivo do autor

Pesquisador: Então vamos ver.


Paulo: Vou multiplicar por 2.
Leandro: Mas somar é o mesmo que multiplicar.
Pesquisador: Somar é o mesmo que multiplicar? Me dê um exemplo.
Leandro: dois mais 2 dá quatro e dois vezes dois dá quatro.
Pesquisador: Ah, mas você pegou um exemplo que funciona. Quanto dá dois mais três?
Leandro: cinco.
Pesquisador: E dois vezes três? Não dá a mesma coisa.

Nesse momento fui solicitado por outro grupo e deixei os três alunos trabalhando.

Episódio 5 – Neste episódio, Paulo está de pé tentando mostrar algo sobre a tarefa para
Gabriel e Leandro observa. Pergunto se eles conseguiram ampliar a figura e Paulo diz:

Paulo: Conseguimos. Acho que sim.


Leandro fala: deu certo.

No final, o grupo entregou o papel quadriculado com a figura ampliada (anexo D) e a


folha de instruções com os passos que eles seguiram, para chegar ao resultado.
127
Gabriel

Paulo

Leandro

Figura 10: Paulo mostrando suas ideias para Leandro e Gabriel


Fonte: Arquivo do autor

5.3 Um pouco sobre comunicação em cenários para investigação

Num primeiro momento, quando os alunos estão sentados, esperando algumas


instruções por parte do professor ou do pesquisador, temos a impressão de que eles aceitaram
o convite (SKOVSMOSE, 2000) para iniciarem um processo investigativo para encontrar o
plano ideal, ampliar o tangram, ou outra possibilidade. No entanto, a aceitação de um convite
não se resume à atenção inicial dos alunos. Para que possamos dizer que eles aceitaram o
convite para adentrarem em um cenário para investigação, precisamos perceber algumas
características do diálogo entre eles, e entre eles e o professor, que caracterizam esse tipo de
ambiente.
Quando os alunos estão participando de um cenário para investigação o diálogo
assume o papel de conversação de investigação, dentro da qual surgem eventos especiais
denominados atos dialógicos (ALRØ e SKOVSMOSE, 2010). Podemos dizer que existe um
padrão de comunicação cooperativa na qual os seguintes atos dialógicos estão/podem estar
presentes: estabelecer contato; perceber; reconhecer; posicionar-se; pensar alto; reformular;
desafiar e avaliar.
Entretanto, embora tenha utilizado a expressão ‘padrão de comunicação’, de acordo
com Alrø e Skovsmose (ibidem) nem todos os atos dialógicos citados acima precisam estar
presentes e tampouco na mesma ordem em que foram citados.
128

Meu objetivo, na próxima seção, é analisar se os excertos das falas dos alunos,
contidos nos episódios das tarefas sobre telefonia celular e sobre tangram, apresentam
elementos que caracterizem uma comunicação típica de cenário para investigação.

5.4 Podemos falar em cenário para investigação?

As duas tarefas apresentadas nas seções 5.1 e 5.2 apresentam características diferentes
daquelas propostas em ambientes onde predomina o paradigma do exercício (SKOVSMOSE,
2000). Por possibilitarem vários caminhos e diferentes respostas, elas são abertas, permitem
que o aluno formule questões de investigação de forma diversificada (ALRØ; SKOVSMOSE,
2010).
Por estas razões, podemos pensar nestas tarefas como exemplos dos ambientes de
aprendizagem que representam cenários para investigação, discutidos no capítulo 2 e
apresentados no quadro 2: cenários com referência à Matemática pura (ambiente 2 do
quadro); cenários com referência à semirrealidade (ambiente 4 do quadro); cenários com
referência à realidade (ambiente 6 do quadro).
No caso específico da tarefa sobre planos de telefonia celular, entendo-a como um
ambiente do tipo 4 porque, embora seja uma situação artificial, não está sendo utilizada como
recurso para a produção de exercícios, mas sim como um convite à exploração. Já, a tarefa
com o tangram se encaixa no ambiente do tipo 2 porque traz elementos que se referem
somente à Matemática, sem qualquer alusão imediata a algo da semirrealidade ou da
realidade, mas com uma intenção de convite à investigação.
Entretanto, mesmo com estas características, as tarefas não se constituirão como
ambientes representativos de cenários para investigação, sem que o aluno aceite o convite.
Este aceite está intimamente relacionado à forma de comunicação presente nos cenários.
Como discutido na seção anterior, a comunicação típica dos cenários para investigação
compreende alguns atos dialógicos: estabelecer contato; perceber; reconhecer; posicionar-se;
pensar alto; reformular; desafiar e avaliar.
De acordo com Alrø e Skovsmose (2010), estabelecer contato significa ‘sintonizar
um no outro’ para iniciar a cooperação; ‘falar a mesma língua’, estreitar relações, aproximar-
se de, apoiar-se mutuamente, ter bom humor.
Na minha interpretação, o contato é estabelecido durante todo o processo de
investigação, tanto entre professor e alunos como entre alunos. Para mim é um ‘mostrar-se
129

disponível’, ‘mostrar-se receptivo às ideias do outro’, ‘mostrar-se disponível para


compartilhar’. Embora Alrø e Skovsmose (2010) não comentem explicitamente sobre
estabelecer contato com o olhar, penso que essa é uma forma importante de fazê-lo. Ao
assistir aos vídeos, em vários momentos os alunos olhavam para mim, ou entre si, tentando,
por exemplo, encontrar um apoio (às vezes como que perguntando: ‘minha ideia está correta?’
Ou, ‘você concorda?’). É como se o olhar substituísse a pergunta.
Há várias passagens nas tarefas sobre telefonia celular e sobre tangram em que
podemos notar o estabelecimento de contato. Senão, vejamos:

Paulo: Pode ser qualquer situação?


Pesquisador: o que você quiser.
Paulo: Tipo assim, ele conversa muito com o avô. [...] Ele não manda muito torpedo54.

Quando o pesquisador responde à pergunta de Paulo e ouve sua observação, ele está se
aproximando do grupo, talvez tentando estabelecer um vínculo de confiança com os alunos.
Ele está estabelecendo contato. O pesquisador utiliza o pronome pessoal você, ao invés de
vocês. Já que se pretende uma investigação cooperativa, isso pressupõe um trabalho conjunto
e talvez fosse melhor utilizar o pronome vocês. Na tarefa sobre ampliação/redução do
tangram, vamos dar destaque ao diálogo:

Pesquisador: Quero ouvir o que vocês estão pensando. O que vocês estão pensando em
fazer? Vocês vão ampliar ou reduzir?
Paulo: Ampliar

Aqui, ao usar o pronome ‘vocês’, o pesquisador já inclui todos os alunos como em um


time. Além disso, quando em sua pergunta ele se interessa em saber sobre os próximos passos
do grupo, para prosseguirem na tarefa, ele está estreitando relações/estabelecendo contato
mas, também, tentando ‘perceber’ a perspectiva dos alunos.
Perceber demonstra uma atitude de curiosidade em relação ao que o outro está
pensando como caminho para solucionar um problema. Perceber pode ser entendido, também,
como uma exposição das “próprias perspectivas para o grupo no bojo do processo de
investigação” (ALRØ e SKOVSMOSE, 2010, p. 106).

54
Torpedo é uma mensagem de texto via telefone celular.
130

No meu modo de entender, ‘perceber’ envolve dois momentos: um primeiro, em que


uma pessoa (professor ou aluno) se interessa em saber o que o outro está pensando, em termos
da solução de um problema, fazendo-lhe uma pergunta que mostra esse interesse; e um
segundo momento em que o outro expõe o que está pensando.
Tanto na tarefa sobre telefonia celular quanto na tarefa com o tangram, temos
exemplos de diálogos em que os dois momentos da percepção ocorrem.
Na tarefa sobre telefonia celular ocorreu o diálogo:

Pesquisador: o que vocês estão fazendo?


Paulo: a gente fez ... (inaudível) gasta 200 mensagens, 50 minutos pra falar com fixo local
(inaudível).
Lauro: Passou até do orçamento.

A pergunta do pesquisador demonstra curiosidade em relação ao trabalho dos alunos.


Ao responderem, Paulo e Lauro apresentam suas ideias que podem ser percebidas.
Já, na tarefa com o tangram, ocorreu o seguinte diálogo após Paulo dizer que o grupo
iria ampliar a figura:

Pesquisador: O que vocês resolveram fazer para ampliar? Vocês vão ter que ter essa figura
(apontando para a figura do Tangram) grande no final. Como vocês vão fazer?
Paulo: A gente mediu cada ângulo. Descobriu todos os ângulos. A gente usou o transferidor.
Pesquisador: Ah, tá!
Paulo: Agora que a gente descobriu todos (os ângulos) a gente vai aumentar os lados.
Pesquisador: Como é que é?
Paulo: A gente vai aumentar um centímetro e meio em cada lado.
Pesquisador: Ah, tá! O ângulo vai ser o mesmo?
Paulo: Vai ser o mesmo. No final o ângulo tem que ser o mesmo porque é um quadrado.
Pesquisador: Mesmo que a figura seja grande?
Paulo: É.

Nesse excerto há vários características que merecem ser discutidas. As expressões


‘como vocês vão fazer?’ e ‘como é que é?’ denotam curiosidade para perceber as ideias dos
alunos. As respostas que Paulo apresenta, talvez em nome do grupo, mostram as ideias que
devem ser percebidas e, ao apresentá-las, mostra uma forma de posicionamento.
131

Posicionar-se significa defender suas ideias, contribuir para a construção de uma perspectiva
comum, mas estando receptivo às críticas.
No excerto, a seguir, podemos observar que Lauro está se posicionando em um
diálogo com Paulo, durante a tarefa sobre telefonia celular:

Lauro: Vamos botar o perfil dele falando isso.


Paulo: Eu tô fazendo isso (apontando o lápis para as anotações do caderno).
Lauro: Não pode passar de 180 reais.
Paulo: Esse aqui já passou.
Lauro: Aí coloca aqui. Então este não pode pois passou do seu orçamento.

Interessante observar que quando Paulo diz ‘esse aqui já passou’, ele concorda com a
afirmação de Lauro de que o gasto não poderia passar de 180 reais como alguém que
reconhece as ideias do colega.
Vamos nos ater, agora, à expressão ‘Ah, tá’, dita duas vezes pelo pesquisador há dois
excertos. Embora coloquial e gramaticalmente errada, tem uma importância nesse contexto.
Ela quer dizer: entendi o que vocês queriam me explicar! Assim, o pesquisador mostrou que
reconheceu as ideias percebidas por Paulo e Lauro.
Expressões como ‘o que vocês estão fazendo?’, ‘como é que é’?, ‘você pode me
mostrar?’ mostram interesse em saber o que a pessoa está pensando, mostra um interesse em
perceber a perspectiva do outro. Por outro lado, expressões como: ‘Ah, tá!’, ‘entendi’,
mostram que as ideias percebidas foram reconhecidas como possível caminho de
investigação.
Outra característica da comunicação investigativa é o desafio. Desafiar significa
“tentar levar as coisas para uma outra direção ou questionar conhecimentos ou perspectivas já
estabelecidas” (ALRØ e SKOVSMOSE, 2010, p. 115). Outra maneira de entender o desafio é
como uma provocação. Para mim essa provocação pode vir do professor ou do colega,
quando questiona o que o aluno ou colega está fazendo, talvez tentando obter maiores
esclarecimentos daquela perspectiva. Vamos retomar três trechos dos diálogos:

Pesquisador: um e meio na diagonal também. E se der errado?


Paulo: Vamos tentar fazer de outro jeito.
Pesquisador: Você vai fazer o que nele? Você vai, de novo, pegar as medidas dele e aumentar
um e meio?
132

Paulo: Aumentar um e meio na medida de dois lados. A base e um lado pra por no compasso.
Pesquisador: Deixa eu ver (pedindo a Paulo que mostre o que ele pretendia).

Pesquisador: Quem sabe vocês podem usar outra estratégia.


Paulo: Então vamos ter que trabalhar com área.
Pesquisador: Então vamos ver.
Paulo: Vou multiplicar por 2.
Leandro: Mas somar é o mesmo que multiplicar.
Pesquisador: Somar é o mesmo que multiplicar? Me dê um exemplo

Nesses três trechos podemos encontrar provocações do pesquisador em relação ao


trabalho dos alunos, na tarefa sobre tangram. No primeiro trecho, a provocação vem quando o
pesquisador, que já havia percebido que a primeira estratégia do grupo para ampliar a figura
não daria certo, pergunta “E se der errado?”. Era uma forma de saber como os alunos iriam
proceder, caso as suas ideias iniciais fossem infrutíferas.
No segundo trecho, o pesquisador não entendeu bem o que Paulo queria lhe dizer.
Sendo assim, ao dizer “Deixa eu ver”, desafiou Paulo a mostrar suas ideias de outra forma: no
papel.
Já, no terceiro trecho, há três momentos em que o pesquisador desafia o grupo. Um
primeiro é quando ele diz “Quem sabe vocês podem usar outra estratégia”, encorajando o
grupo a procurar outra saída, já que haviam percebido erro na primeira estratégia. O segundo
momento é quando o pesquisador diz “Então vamos ver”, desafiando Paulo a explicar-lhe
melhor sobre a ideia de trabalhar com áreas. O terceiro momento ocorre quando o pesquisador
desafia Leandro a dar-lhe um exemplo da sua afirmativa de que somar é o mesmo que
multiplicar. É como se o pesquisador pedisse aos alunos: mostrem-me que suas ideias estão
certas.
A avaliação funciona como um feedback e pressupões apoio e crítica. Pode acontecer
quando o professor reconhece um caminho do grupo como correto para solucionar uma
questão. Pode ocorrer, também, entre alunos, quando eles concluem que estão seguindo uma
estratégia que eles entendem como correta. Na tarefa com tangram, os alunos Paulo e Leandro
avaliam o próprio trabalho, quando pergunto se eles haviam conseguido. Eles respondem:

Paulo: Conseguimos. Acho que sim.


Leandro fala: deu certo.
133

Nesta seção, a intenção era apresentar partes das conversas entre alunos e
pesquisador e entre os alunos, nas quais pudéssemos identificar, se eles existissem, atos
dialógicos que caracterizariam um diálogo típico de cenários para investigação. Vale ressaltar
que um diálogo (constituído pelos atos dialógicos) raramente preenche uma conversação
inteira. Trechos dialógicos às vezes são efêmeros (ARAUJO et al, 2008), mas podem ser parte
de uma aprendizagem dialógica (ALRØ e SKOVSMOSE, 2010).
Nas falas dos alunos e do pesquisador pude encontrar vários atos dialógicos e, por
outro lado, passagens que seriam consideradas como simples conversação. Mesmo assim, os
vários exemplos de trechos dialógicos apresentados mostram que o tipo de comunicação
presente nas tarefas propostas eram características de um cenário para investigação. Isso sem
levar em conta o fato de que, para ampliar ou reduzir a figura, ou encontrar um plano de
telefonia celular ideal, os alunos não possuíam um caminho pré-determinado, como no
paradigma do exercício, que é um ato não dialógico porque não permite questionamentos.
Assim, penso ter apresentado argumentos que mostram que o processo de busca pelo
plano ideal, na tarefa sobre telefonia celular, e o processo de busca por uma maneira de
ampliar a figura do tangram se constituíram em cenários para investigação. No entanto, este
processo se constituiu em cenários para investigação para todos?
No final da seção 5.3 informo que, na seção 5.4, meu objetivo é analisar se os excertos
das falas dos alunos, contidos nos episódios das tarefas sobre telefonia celular e sobre
tangram, apresentam elementos que caracterizem uma comunicação típica de cenário para
investigação. Ao final da análise, acredito que tenha apresentado elementos para dizer que
sim. Os diálogos entre alunos e professor e entre os alunos, são constituídos, em boa parte,
por atos dialógicos característicos da comunicação em cenários para investigação.
No capítulo 4, apresentei, como um dos objetivos específicos de pesquisa ‘propor
tarefas investigativas e caracterizar envolvimento neste contexto’. Neste momento, acredito
ter cumprido este primeiro objetivo. As tarefas investigativas foram propostas e a
apresentação dos diálogos, com destaque para os atos dialógicos, evidenciam que os alunos
aceitaram o convite para participação, que passo a compreender como envolvimento. Então, o
envolvimento do aluno em cenários para investigação será caracterizado pelo seu aceite ao
convite, ao assumir o processo de exploração e investigação.
E voltando à pergunta: no entanto, este processo se constituiu em cenários para
investigação para todos? e após caracterizar envolvimento acredito que, na tarefa sobre
telefonia, Paulo, Lauro e Leandro se envolveram, tendo se constituído um cenário. Leandro
134

deixou este cenário muito cedo. Na tarefa de ampliação do tangram, Paulo e Leandro
assumiram o processo de investigação, aceitando o convite e, portanto, se envolvendo.
Gabriel, em nenhum dos dois casos, aceitou o convite.
No próximo capítulo, buscarei verificar como se relacionam o envolvimento dos
alunos com possíveis aproximações entre motivo e objeto da atividade.
135

CAPÍTULO 6

CONTINUANDO A ANÁLISE DOS DADOS

6.1 Retomando ideias importantes

A participação na atividade humana é aquilo que permite ao indivíduo desenvolver-se


e humanizar-se, no sentido mais amplo da palavra, quando se apropria da cultura
historicamente construída por gerações anteriores. Durante a vida, surgem ao indivíduo,
muitas necessidades que somente serão satisfeitas dentro de alguma atividade coletiva que
possa levá-lo ao objeto desta satisfação.
A cooperação entre os membros da coletividade possibilita não só a satisfação de suas
necessidades, mas também o surgimento de outras, que somente serão satisfeitas com novos
objetos. Quero dizer que as atividades humanas, com o passar do tempo, foram se sofisticando
e as relações dentro delas tornando-se mais complexas. De uma sociedade primitiva, onde as
necessidades eram, unicamente, as básicas como comida, abrigo e sobrevivência, passamos a
uma sociedade na qual as necessidades exigem, para sua satisfação, meios mais elaborados e
um sistema de relações interpessoais complexo.
Por exemplo, primitivamente, a necessidade de comida era satisfeita dividindo-se as
ações entre os membros de uma coletividade. No entanto, esta atividade era, ainda,
razoavelmente simples e todos os membros tinham consciência da ação do outro no conjunto
da atividade.
Hoje, estas relações não são tão simples. Alguém que queira comer um filé terá que
comprá-lo em um supermercado e prepará-lo. Se isso não lhe agradar, por não ser um bom
gourmet, terá que ir ao restaurante para saciar sua fome. Some-se a isso a dependência que a
satisfação desta necessidade cria de outras pessoas, mesmo que elas não sejam conhecidas ou
que com elas não se tenha contato. Para comprar o filé no supermercado, é necessário que
alguém mate o boi e outro transporte a carne ao supermercado. Lá, é necessário que o
funcionário corte uma parte e, pese-a para, então, ser levada para casa. No restaurante, é
necessário um garçom que lhe atenda e um chef que prepare o prato. E ainda, em ambas as
situações, são necessários artefatos como talheres, pratos, etc.
Esta complexidade foi sendo elaborada aos poucos e as pessoas, ao se apropriarem
desses modos de fazer e agir, se apropriaram, também, de todas as regras que esse modo de
136

viver impõe, e assim, tornaram-se qualitativamente mais desenvolvidas. Podemos ainda


pensar nas atividades que não se ligam, diretamente, à necessidade biológica como, por
exemplo, necessidade de comunicação, necessidade de emprego, necessidade de expressão,
necessidade de se vestir, etc. Tudo isso mobiliza uma série de atividades que geram outras.
Tomemos, como exemplo, a necessidade de comunicação. Não basta que saibamos falar.
Precisamos nos comunicar por meios distintos porque isto nos é exigido. Há pouco tempo não
havia e-mails ou mensagens de texto via telefone celular, smartphone. Aliás, não havia
telefone celular. A necessidade de comunicação atual fez surgir a necessidade de outras
aprendizagens: manipular o computador, o telefone celular, o smartphone, etc. São
necessidades fazendo surgir necessidades e, em muitos casos, atividades fazendo surgir
atividades.
Entretanto, a participação das pessoas em várias atividades que o mundo moderno nos
impõe, pode trazer algumas consequências que, por vezes, não percebemos. Retomo, aqui, um
exemplo de Leontiev (1978b), que discute a ideia de significado social e sentido pessoal para
um operário de uma fábrica de tecidos. O significado social da atividade do operário é o
produto do seu trabalho, ou seja, o tecido que será produzido para satisfazer as necessidades
das pessoas. Já, o sentido pessoal do operário tem relação com o seu motivo, aquilo que o
incita a agir. No caso, ele não fia para corresponder às necessidades da sociedade, mas fia
movido pelo salário que irá receber, ou seja, o seu motivo é o salário. O seu sentido pessoal
tem relação com as condições objetivas de sua existência, que o obrigam a vender seu
trabalho em troca de um salário. Esta cisão entre significado social e sentido pessoal impede
que o operário tenha, no trabalho propriamente, algo que o impulsione a querer apropriar-se
dos conhecimentos que poderiam torná-lo mais humanizado. Isto, então, o aliena.
E quais seriam as implicações destas ideias para a educação?
A propósito do exemplo acima, poderíamos pensar no aluno como o operário e sua
atividade de trabalho como sendo a atividade de aprendizagem. Nesta atividade, o objeto é o
objeto teórico, como já discutido no capítulo 1. Qual seria o significado social desta
atividade? Leontiev (1978b, p. 102) nos explica que “o homem encontra um sistema de
significações pronto, elaborado historicamente, e apropria-se dele tal como se apropria de um
instrumento”. Nesse sentido, quando a criança ingressa na escola, a atividade de
aprendizagem já tem um significado social criado pelas gerações que a precederam, que é
apropriar-se dos conhecimentos que ultrapassam aqueles da esfera cotidiana, ou seja, o
conhecimento científico. Entretanto, será que o sentido pessoal do estudante, dado a esta
atividade, coincide com o seu significado social?
137

Para responder a esta pergunta devemos nos lembrar, mais uma vez, de Leontiev
(1978b), quando ele nos adverte de que o sentido pessoal tem relação com o motivo da
atividade. Uma criança que tenha iniciado seus estudos, geralmente, o faz com gosto. A
necessidade de conhecimentos mais amplos pode tornar-se seu motivo para a participação
nesse tipo de atividade e isso é o que determinará o seu sentido pessoal. Assim, neste caso, o
sentido pessoal se aproxima do significado social da atividade, da mesma forma que o motivo
se aproxima do objeto desta atividade.
No caso dos adolescentes, as necessidades são outras. Nesta idade, os jovens já
participaram de muitas atividades que foram responsáveis por grande parte do seu
desenvolvimento. A própria participação nestas atividades pode ter feito surgirem novas
necessidades, novos motivos e novas atividades. A necessidade de aprender não desapareceu,
mas passa a conviver com outras que surgem neste período, como a comunicação entre pares
e o desejo de ser reconhecido como mais amadurecido, dentro do seu grupo (DAVYDOV,
1988; LOMPSCHER, 1999).
Nesse sentido, interessa-me saber que motivos levam os alunos a aceitarem um
convite para participação em atividades investigativas de Matemática e que relação este
motivo guarda com o objeto deste tipo de atividade. Para isto, fiz propostas de investigações a
duas turmas de nono ano, que foram realizadas ao longo do segundo semestre letivo de 2012,
período em que a maior parte dos dados foi coletada.

6.2 Explicando o processo de análise dos dados

O processo de análise iniciou-se, ainda, durante a coleta de dados. Ainda que em


caráter mais exploratório, as visitas às turmas no mês de agosto já me possibilitaram as
primeiras impressões dos alunos, da professora e de como se estruturavam as aulas. Estas
impressões iniciais mostravam alunos com ótima relação com a professora e muito receptivos.

A criação do questionário da seção 4.5.3, em alguma medida, já era reflexo de uma


análise da turma e de como eu poderia obter informações sobre os motivos dos alunos. No
final do ano, após realizar a primeira entrevista, em grupos, estava com os dados em mãos
para analisá-los.

Em um primeiro momento, assisti aos vídeos várias vezes, tentando encontrar


elementos que pudessem caracterizar aquelas situações como atividades (seção 6.4). Era uma
tentativa de interpretar o processo vivido, com base na teoria.
138

Talvez, neste momento, eu tenha feito a escolha pelo grupo de Paulo, Lauro, Leandro
e Gabriel. Havia mais informações dos seus movimentos durante as tarefas.

Embora tentasse perceber a tarefa como atividade, influenciado pelas leituras sobre
diálogos em cenários para investigação, fui percebendo que os vídeos apresentavam vários
momentos que eram característicos deste tipo de conversação. Foi o momento de analisar se
os alunos haviam aceitado o convite para participarem das minhas propostas e, sobretudo,
relacionar este convite com o envolvimento. Estas ideias foram apresentadas ao longo do
capítulo 5.

A primeira entrevista me deu informações sobre possíveis motivos dos alunos para
participação nas tarefas e esta discussão foi realizada na seção 6.3. No entanto, como
hipótese, outras atividades influenciavam os motivos dos alunos. Surgiu, então, a necessidade
da segunda entrevista. Esta necessidade já foi fruto de uma análise inicial.

Estas novas informações tiveram papel fundamental no processo de análise geral


porque me permitiram vislumbrar, dentro da teoria, algo que pudesse conectar as tarefas em
sala com as vidas dos alunos. Aproximei-me um pouco mais do que subjazia à ideia de
situação social de desenvolvimento, de Vygotsky (seção 6.5). Em seguida, tentei mostrar um
diálogo entre situação social de desenvolvimento e a Teoria da Atividade. Mais
especificamente, nas seções 6.6 e 6.7, procurei mostrar como atividades da situação social de
desenvolvimento podem influenciar o surgimento de motivos nos alunos, para participação
nas tarefas e se havia alguma aproximação destes motivos com os objetos das atividades.

6.3 Buscando motivos para o envolvimento na tarefa investigativa de


Matemática

Um de meus objetivos nesta pesquisa foi investigar os motivos que levam os alunos a
se envolverem em tarefas investigativas de Matemática, como a de telefonia celular e de
ampliação do tangram. Entretanto, as várias observações que fiz das filmagens em sala de
aula me trouxeram elementos, como os diálogos apresentados no capítulo 5, que indicavam
quem aceitou o convite e, portanto, quem se envolveu. Mas os indícios sobre os motivos eram
poucos. Possivelmente, até mesmo os alunos não se deram conta dos motivos que os fizeram
139

agir naquele momento, já que, de acordo com Leontiev (1978a), quando executamos uma
ação ou outra, não nos damos conta dos motivos que evocam essa ação.
Buscava elementos que, de alguma forma, pudessem me dar pistas dos motivos dos
alunos para o envolvimento no tipo de tarefa proposta. Em uma primeira tentativa, encontrei
esses elementos nas respostas dadas às perguntas das duas entrevistas e questionários. Nesta
seção, utilizo mais momentos da primeira entrevista. Quando recorrer às respostas dadas na
segunda entrevista, isto será explicitado.
Na primeira entrevista, uma pergunta diretriz procurava saber o principal ‘por que’ dos
alunos, para participarem das tarefas investigativas propostas. Cada um dos alunos teve
oportunidade de responder, individualmente. Abaixo, alguns excertos das entrevistas:

Pesquisador: Quando vocês se envolvem neste tipo de tarefa em sala de aula, há um por que
principal? Se sim, qual?
Paulo – Eu acho que tem um porque principal.
Pesquisador – O que é? O que você acha que é?
Paulo – Eu acho que a gente faz pensando no futuro, né? (pausa) se a gente precisar fazer...,
igual lá, tem os cálculos lá que a gente ... aí, vai que no futuro a gente precisa, né?
Pesquisador – Lauro, fala pra mim, você acha que tem um por que principal? O que você
acha, ou não?
Lauro – Não, eu acho que tem um porque sim. Porque, de certa forma ele passa algumas
atividades relacionadas à Matemática, mas também cotidianas, tipo... algumas questões,
igual tinha ali do... algumas eram relacionadas a piso...55
Paulo (intervindo) – celular
Lauro continua – é, celular (concordando com Paulo), algumas coisas que você pode
relacionar com o cotidiano que te ajudam, tipo com a ajuda da Matemática e mais aquilo ali
eu acho que você consegue desenvolver, pegar aquela prática e levar pra parte cotidiana sua.
A própria questão do celular e tudo.
Pesquisador – Então você acha que a matemática, não toda né, em algum momento ela pode
te ajudar depois, no seu cotidiano?
Lauro – Exatamente, num futuro trabalhista.
Pesquisador – E você Gabriel?

55
Esta entrevista foi realizada após todas as tarefas investigativas em sala de aula. Em uma das tarefas, os alunos
deveriam encontrar a quantidade de cerâmica (piso), em m2, necessária a uma reforma em sua sala de aula.
140

Gabriel - Mais por causa do dia a dia mesmo... a gente pode precisar do negócio lá... aí a
gente sabe fazer qual que vale a pena.
Pesquisador: Leandro ...
Leandro – Eu também era daqueles alunos que pensava assim ... pra que eu tô usando isso
ai? Ai, depois veio aquela do celular e eu entendi mais ou menos porque que a gente tava
fazendo aquilo... porque tipo assim, às vezes você tinha um plano do jeito que você queria
mas você podia achar um mais barato, dependendo da quantidade... aí vi que você pode usar
no dia a dia, igual todo mundo falou assim.

Essas respostas me sugeriam que, em todos os casos, havia uma razão mais
importante, que estava relacionada a uma visão utilitária da Matemática, em particular, seu
uso no cotidiano:

([...] aí, vai que no futuro a gente precisa, né?; (Paulo)


[...] Porque, de certa forma ele passa algumas atividades relacionadas à Matemática mas
também cotidianas [...];(Lauro)
Mais por causa do dia a dia mesmo... a gente pode precisar do negócio lá [...];(Gabriel)
[...] vi que você pode usar no dia a dia, igual todo mundo falou assim. (Leandro)

Mas seria a possibilidade de uso cotidiano do conhecimento matemático envolvido na


tarefa, o único motivo para estes alunos se envolverem? Para responder a esta pergunta,
recorri ao questionário. Uma das afirmativas presentes nesse instrumento, que poderia
justificar o envolvimento dos alunos e que tinha relação com o cotidiano, era a seguinte:
Porque em algumas destas tarefas, consigo perceber um uso prático da Matemática.
Exceto Lauro, que marcou esta opção com o número 156, os outros três alunos, Paulo,
Leandro e Gabriel, marcaram com o número 2. Isto significa que esta era uma razão muito
forte para que os três participassem das tarefas. Causou-me estranheza o fato de Lauro ter
marcado 1, já que, na resposta à primeira entrevista, ele referiu-se ao cotidiano de forma clara
([...]Porque, de certa forma ele passa algumas atividades relacionadas à Matemática mas
também cotidianas [...]). Para tentar acabar com o meu incômodo, na segunda entrevista,

56
O número 0 significava que a afirmativa não era um motivo para participar das tarefas. O número 1 significava
que a afirmativa era um motivo, mas sem muita importância para participação nas tarefas. O número 2
significava que a afirmativa era muito relevante como motivo para participação nas tarefas.
141

levei o questionário respondido por ele e solicitei que me explicasse sua resposta. Ele me
respondeu assim:

“Porque eu acho que tem coisas de Matemática que são desnecessárias para o social. Foi o
que eu pensei nesta resposta”.

E esclareceu ainda que, na tarefa sobre telefonia celular, percebeu um uso prático da
Matemática. No entanto, como a afirmativa tratava de ‘tarefas’, no plural, afirmou que, para
ele, nem todas envolvem um conteúdo útil para o dia a dia. Dessa forma, Lauro teria marcado
2 se a afirmativa se referisse, especificamente, à tarefa de telefonia.
Embora Paulo, Gabriel e Leandro tivessem marcado esta afirmativa do questionário
com o número 2, eu não sabia quais haviam sido suas interpretações sobre ela e que os
levaram a tomar tal decisão. Na segunda entrevista, procurei saber, de Gabriel e Leandro,
porque haviam marcado 2 para aquela afirmativa, ou seja, como eles percebiam o uso prático
da Matemática naquele tipo de tarefa? Eles disseram:

Leandro: Ah, a do telefone lá. Pra eu aprender. Isso pode acontecer no meu cotidiano
mesmo, de eu tá olhando lá, as minhas contas lá e deu pra reparar que uma conta no plano
que eu poderia ... que eu falo menos, mas na verdade gasto mais com internet eu poderia
gastar bem menos do que to gastando com outro plano.
Gabriel: É... Que nem aquele negócio lá, do PLIM, da operadora. Coloquei mais por causa
disso. [...] aí, tipo, se um dia na minha vida eu precisar olhar um plano, alguma coisa assim,
qual compensa mais pra mim, aí eu posso usar aquilo.

No caso de Paulo, que não foi entrevistado novamente, não pude saber a razão pela
qual marcou 2, na afirmativa anteriormente citada.
Ainda assim, parecia pertinente que eu considerasse ‘aprender Matemática para usá-la
em situações cotidianas’ como um motivo importante para a participação dos alunos nas
tarefas propostas.
Entretanto, não posso deixar de considerar dois fatos importantes relacionados às
respostas dos alunos: 1) a primeira entrevista ocorreu algum tempo depois que todas as tarefas
haviam sido realizadas. 2) os alunos, ao se referirem às tarefas em suas respostas, só se
lembravam daquelas relacionadas a um uso prático (telefonia celular, cálculo de áreas).
Nenhum dos alunos entrevistados, não somente desse grupo, mas de todos os outros, fez
142

menção, por exemplo, à tarefa de ampliação/redução do tangram. O que isso quer dizer em
relação aos motivos dos alunos?
O primeiro fato mencionado no parágrafo acima é importante porque as respostas, por
terem sido dadas algum tempo depois das tarefas, podem ter sido diferentes daquelas que os
alunos dariam no dia em que as tarefas foram aplicadas. Para ilustrar, vamos voltar a duas
perguntas feitas na folha de instruções para a tarefa sobre telefonia celular e que foi escolhida
pelo grupo. Ambas estavam relacionadas à escolha do tema. Uma delas era: se a escolha do
tema para investigação fosse individual, dentre as três opções57, qual seria a sua? Justifique.
As respostas escritas foram as seguintes:

Paulo: eu escolheria a folha de Matemática, pois gosto de questões de lógica.


Leandro: escolheria a de conta de luz, pois gosto de falar desse assunto.
Gabriel: escolheria a folha do PLIM porque me chamou mais à atenção.
Lauro: escolheria essa mesma porque parecia ser um assunto de mais fácil trabalho e
também porque achei mais interessante.

A outra pergunta era: por que o grupo decidiu por esse tema? A resposta escrita foi: o
grupo escolheu esse tema por voto popular, pois todos concordaram. Além disso, o tema é
interessante, pois trata de assuntos economicamente importantes.
As respostas de Leandro e Gabriel à primeira pergunta me pareceram vagas. Leandro
não explicou porque gosta de discutir sobre ‘conta de luz’ e Gabriel não explicou porque a
tarefa sobre telefonia celular lhe chamou mais a atenção. As respostas de Paulo e Lauro foram
mais esclarecedoras. Paulo faria a escolha a partir de um gosto pessoal relacionado a questões
de lógica e Lauro admitiu que escolheria algo mais fácil e ainda interessante. Assim poderia
aliar ambas as coisas.
Para a segunda pergunta, o grupo parece ter deliberado em torno das opções e decidido
pela tarefa de telefonia celular que, para eles, era um assunto ‘economicamente importante’.
Ao ler essa resposta pela primeira vez não ficou claro para mim o que seria algo
‘economicamente importante’. No entanto, não acreditava que eles tivessem pensado, por
exemplo, na economia do país.

57
Nesse dia foram apresentadas três opções de temas para investigação, dos quais o grupo deveria escolher um:
1) planos de telefonia celular; 2) gastos com energia elétrica de uma residência; 3) duas questões : uma de
sequência lógica e outra envolvendo semelhança de triângulos.
143

Retomando o fato de que as entrevistas foram realizadas alguns dias após as tarefas e
comparando as respostas dessas entrevistas com as respostas dadas na folha da tarefa, as
primeiras parecem aproximar-se mais da resposta dada à segunda pergunta da folha. Na
entrevista, os alunos parecem ter dado suas respostas a partir do que havia sido decidido em
conjunto durante a tarefa: eles escolheram a tarefa sobre telefonia porque era economicamente
importante, o que eles traduziram, durante a entrevista, como algo de uso prático para a vida.
Nas respostas de Paulo, Lauro, Leandro e Gabriel, foram recorrentes palavras como: futuro,
dia-a-dia e cotidiano.
O segundo fato citado anteriormente e que deve ser discutido agora, é que os alunos,
em suas respostas, só mencionaram as tarefas que envolviam alguma aplicação mais prática
da Matemática. Vale lembrar que as perguntas da primeira entrevista, como, por exemplo:
Quando vocês se envolvem neste tipo de tarefa em sala de aula, há um por que principal? Se
sim, qual?, referiam-se a todas as tarefas e não especificamente a uma delas. Os alunos
poderiam fazer referência a qualquer uma para ilustrar.
Tudo isso sugere que os alunos consideravam relevantes situações simuladas do dia a
dia, dadas em sala de aula, em que a Matemática surgisse como auxílio importante para a
solução. Pelo que pareceu, a tarefa sobre ampliação/redução não foi encarada dessa forma.
Tomemos como exemplo duas falas, uma de Leandro e outra de Lauro, durante a segunda
entrevista. Leandro afirma que todas as pessoas deveriam saber um mínimo de Matemática,
porque senão seriam, nas palavras dele, ‘tapadas’. Lauro acredita que “pra sociedade você
tem que saber, pelo menos, um mínimo de Matemática” e que “pra você interagir com as
pessoas e tudo, você tem que saber um mínimo de Matemática. Na hora de pegar um ônibus,
digamos assim...”. A Matemática é vista por eles como algo muito importante, que precisa ser
aprendido para viver em sociedade e é esse seu papel.
Aprender Matemática para usá-la em situações cotidianas parecia mobilizar os alunos
para as tarefas. Era um motivo, mas a meu ver não era o principal no momento das tarefas,
dadas as respostas à primeira pergunta contida na folha de instruções sobre telefonia celular.
Alguns alunos nem teriam feito opção por aquele tema, que depois julgaram como importante
para o cotidiano. Mesmo assim, era um motivo compartilhado e, nesse sentido, fiquei tentado
em tomá-lo como um motivo para que os alunos participassem das tarefas investigativas,
entendendo-as como uma atividade.
144

6.4 A atividade

De acordo com Leontiev (1978a), toda atividade surge de uma necessidade, que se
torna motivo para guiá-la rumo a um objeto de satisfação da necessidade. A atividade é
constituída por ações, dirigidas a objetivos imediatos e, para que as ações sejam executadas,
são necessários procedimentos, denominados operações, que o indivíduo deve implementar
para atingir o objetivo da ação. Engeström (2001) entende que objeto da atividade é um
‘espaço-problema’ para o qual a atividade está direcionada.
No caso dos quatro alunos, eu entendo que encontrar o plano ideal na tarefa sobre
telefonia celular, bem como obter a figura ampliada na tarefa com o tangram, se constituíram
como espaços problema que direcionaram os seus movimentos. A criação do usuário
hipotético, os vários cálculos em torno dos gastos desse usuário e, as estratégias (corretas ou
não) para ampliar a figura, são exemplos dos movimentos dos alunos rumo a esses espaços.
Sendo assim, creio que podemos interpretar esses movimentos como ações dos alunos
rumo aos referidos objetos. Temos, então, elementos para compor duas atividades.

Ferramentas: folha com informações sobre a


tarefa, materiais escolares, conhecimentos
anteriores, de dentro e fora da escola

Sujeitos: Gabriel, Paulo, Objeto: O plano ideal


Lauro, Leandro

Regras: regras estabelecidas na Divisão do trabalho: cada aluno


folha da tarefa, pela professora e Comunidade: colegas de sala, do grupo ajudaria com alguma
pesquisador professora e pesquisador parte durante a tarefa

Figura 11: Atividade – plano de telefonia celular


Fonte: Elaborada pelo autor
145

Ferramentas: folha com informações sobre a


tarefa, materiais escolares, conhecimentos
anteriores, de dentro e fora da escola

Sujeitos: Paulo, Lauro, Leandro Objeto: figura


e Gabriel ampliada

Regras: regras contidas na folha Divisão do trabalho: cada aluno


da tarefa, pela professora e Comunidade: colegas de sala, do grupo ajudaria com alguma
pesquisador professora e pesquisador parte durante a tarefa

Figura 12: A atividade de ampliação do tangram


Fonte: Elaborada pelo autor

Interpretadas como atividades, as tarefas investigativas foram impulsionadas por


motivos. Na sessão 6.2 apresentei alguns excertos das falas dos alunos, que nos deram pistas
sobre os motivos para participarem de tais tarefas propostas. No entanto, como discutido
naquela sessão, essas falas não foram capturadas no momento das tarefas e sim,
posteriormente. Para falar sobre o assunto, os alunos tiveram que se lembrar de algo passado,
o que pode ter influenciado suas respostas. Essa foi uma das razões pelas quais eu entendi
‘aprender Matemática para usá-la em situações cotidianas’ como um motivo, mas não aquele
que os mobilizou a iniciarem a tarefa.
Então, o que mobilizou os alunos, naquele momento, para que iniciassem a tarefa e
como isso se liga ao motivo ‘aprender Matemática para usá-la em situações cotidianas’ e
outros possíveis motivos? É sobre o que tratarei, a seguir.

6.5 Situação social de desenvolvimento e motivo disparador

Nesta seção, meu objetivo é apresentar a noção de situação social de desenvolvimento


e como esta situação social tem influência sobre os motivos dos alunos. Em particular, discuto
como aquilo que denominarei ‘motivo disparador’ pode surgir por influência da situação
social de desenvolvimento de um indivíduo.
As atividades das quais as pessoas participam são entrelaçadas. A ideia de
entrelaçamento de atividades tem uma relação estreita com a noção de situação social de
146

desenvolvimento, apresentada por Vygotsky e que será útil em meu percurso de análise. De
acordo com Vygotsky (1998, apud HEDEGAARD, 2012), a situação social de
desenvolvimento determina um quadro geral da vida da criança, em determinado período de
sua existência. Em uma interpretação pessoal, a situação social de desenvolvimento em
determinado período é composta por todas as atividades das quais a criança participa, nas
quais ela ocupa um lugar. Sendo assim, ela pode variar, dependendo do local, da cultura, do
momento histórico e de outros fatores. Na seção 6.5, estas atividades serão compreendidas
como cenas que se entrelaçam para compor um filme e que influenciam os motivos.
Os motivos refletem a situação social de desenvolvimento da criança e,
consequentemente, o lugar que ela ocupa. Em outras palavras, os motivos das pessoas para a
participação em atividades terão relação com o ‘lugar’ de onde ela fala, com o ‘lugar’ em que
ela se situa, assim como, com aquilo que para ela é importante.
Os alunos Paulo, Lauro, Leandro e Gabriel frequentavam a mesma escola e, embora
eles venham de famílias com situações socioeconômicas diferentes, todas valorizam a escola
como uma instituição importante para o desenvolvimento dos filhos. Vale lembrar, que a
escola na qual estudavam é considerada ‘muito boa’ e onde muitos desejam estar. Pensando
nisso, os pais se empenharam em inscrever seus filhos para o sorteio, mesmo morando longe
(nenhum dos quatro alunos morava próximo à escola). Só esse fato, já serviria como
argumento para mostrar a preocupação dos pais com os estudos dos filhos. Havia a
possibilidade de matriculá-los em escolas do bairro, mais próximas às suas casas.
Assim, a situação social de desenvolvimento desses alunos inclui a atividade escola e
o universo escolar, como um ambiente importante, valorizado e de prestígio, que possui
muitas demandas. Os pais esperam que os filhos estudem e cumpram sua parte como bons
estudantes e os professores, bem como a comunidade escolar, esperam o mesmo. Os alunos,
por sua vez, agem de acordo com aquilo que é importante para eles naquele momento, e isto
inclui agradar pais e professores, satisfazendo suas expectativas. De acordo com Davydov
(1988), na adolescência, os jovens têm a necessidade de serem reconhecidos pelos adultos
como alguém que está amadurecendo. Nesse sentido, Elkonin e Dragunova (apud
DAVYDOV, ibidem, p. 45)

[...] consideram que a nova formação psicológica central nesta idade é o


sentimento de maturidade que surge nos adolescentes, sendo esta a forma na
qual a autoconsciência se manifesta, permitindo que estes indivíduos se
comparem e se identifiquem com os adultos e companheiros [...].
147

Esta necessidade de se identificar com os adultos pode tornar-se motivo para sua
participação em tarefas escolares. Observar as regras da atividade, por exemplo, seria uma
manifestação de amadurecimento perante os adultos. Nas palavras de Winther-Lindqvist
(2012, p. 127) “este compromisso representa um forte sentido de pertença ao que é
apropriado”58. Pertencer a um grupo exige que o indivíduo se adeque, inclusive às suas regras.
Nesta linha de raciocínio e considerando o lugar ocupado pelos alunos na sua situação
social de desenvolvimento, naquele momento histórico, acredito que ‘cumprir o seu papel de
estudante realizando a tarefa’, foi o motivo que moveu os estudantes nas atividades
investigativas logo no início. Foi o motivo disparador. Várias ações, com objetivos diferentes,
foram realizadas. No entanto, mesmo tendo objetivos diferentes, as ações estavam todas
ligadas entre si pelo motivo ‘cumprir a tarefa’.
Na próxima seção, meu objetivo é mostrar, de forma mais elaborada, como este
motivo disparador para a atividade investigativa está entrelaçado com o elemento ‘regras’, das
atividades família e escola.

6.6 Os retratos viram filme: o movimento na atividade investigativa

Na sessão 4.6 apresentei retratos dos quatro alunos do grupo escolhido para análise.
Neles, vários aspectos de suas vidas, e que compõem parte de suas situações sociais de
desenvolvimento, foram destacados, mas de forma estática: família, escola, relação com a
Matemática, planos para o futuro e utilidade da Matemática no cotidiano. Este é um indício de
que tais aspectos são importantes e devem ser considerados na análise dos motivos para a
participação nas tarefas investigativas. Nesta seção, darei destaque à família e à escola.
A situação social de desenvolvimento dos alunos lhes permite participar de várias
atividades, muitas delas em grupos sociais distintos. Para este grupo de alunos, em particular,
duas dessas atividades tiveram destaque: famíla e escola. Seria ingênuo e iria de encontro à
própria TA, tomar a atividade da tarefa de investigação como algo que se encerra em si
mesma. Ela não é estanque e está associada, de uma maneira ou de outra, às outras atividades
dos alunos. Associar, nesse caso, significa influenciar/ser influenciada/ter uma
ligação/entrelaçar. Elementos de uma atividade podem influenciar outras atividades, e vice-
versa, em uma relação dialética e em constante movimento, como em um filme (figura 13).
Dessa forma, as atividades podem ser interpretadas como cenas desse filme.

58
Tradução para: this commitment representes a Strong sense of belonging to what is appropriate.
148

Figura 13: O movimento das atividades


Fonte: (adaptado de KAWASAKI, 2008)

Isto está de acordo com a posição de Engeström (2001), quando esse nos apresenta a
ideia de sistema de atividades composto, minimamente, por duas atividades, representando
um avanço em relação à estrutura proposta por Leontiev, porque discute a possibilidade de
conexões entre as várias atividades das quais uma pessoa participa em sua vida. Para
Engeström (2001), esse coletivo de atividades é que deve ser tomado como unidade para
análise. Ainda, em relação às conexões entre elementos de diferentes atividades, a página do
CRADLE (Center for Research on Activity, Development and Learning) afirma que:

[...] um sistema de atividades não existe no vácuo. Ele interage com


uma rede de outros sistemas de atividade. Por exemplo, ele recebe
regras e instrumentos de sistemas de determinada atividade (por
exemplo, gestão), e produz resultados de determinados sistemas de
outra atividade (por exemplo, clientes). Assim, as influências de fora
"intrometem" nos sistemas de atividade59.

Um dos elementos de uma atividade e, em particular, da atividade investigativa, que


sofre influência de outras atividades, é o motivo. A meu ver, o motivo, no momento da
atividade, e outros motivos anunciados pelos alunos, podem ser ecos das muitas atividades
das quais eles fazem parte na sua situação social de desenvolvimento. Durante as entrevistas,
foram os alunos que se expressaram, mas suas falas refletiam as falas de outros com os quais
eles compartilham outros momentos das suas vidas. Isto está de acordo com as ideias de
Freitas (2002, p. 29) sobre entrevistas em pesquisa qualitativa de cunho sócio-histórico,

59
Tradução para: An activity system does not exist in a vacuum. It interacts with a network of other activity
systems. For example, it receives rules and instruments from certain activity systems (e.g., management), and
produces outcomes for certain other activity systems (e.g., clients). Thus, influences from outside 'intrude' into
the activity systems.
149

quando ela afirma que “na entrevista é o sujeito que se expressa, mas sua voz carrega o tom
de outras vozes, refletindo a realidade de seu grupo, gênero, etnia, classe, momento histórico e
social”.
Em ambas as atividades de investigação (sobre telefonia celular e ampliação do
tangram) o motivo disparador era ‘cumprir o papel de estudante realizando a tarefa’ e os
objetos eram, respectivamente, o plano ideal e a figura do tangram ampliada. Entretanto, este
motivo disparador não surgiu, simplesmente, no momento da atividade. Primeiro surgiu uma
necessidade que se transformou em motivo para guiá-la. Então, quais atividades influenciaram
neste motivo e como isto se deu? Na minha interpretação, a resposta seria: as atividades
família e escola. Menções a elas foram feitas em todo o tempo nas entrevistas. Naturalmente,
podemos pensar em outras atividades dos alunos, mas vou me ater a essas, por terem sido as
mais mencionadas.

6.6.1 Cenas de família

A família era muito importante para todos os alunos. Como eles a percebiam?
Paulo possui uma família bem estruturada, muito preocupada com sua formação
acadêmica. Isso fica evidente quando Paulo informa coisas como:

“eles me proporcionam ótimas condições de estudo”, “a minha família me apoia muito com
os estudos”, “várias vezes ela (a mãe) deixa de sair para se divertir para ficar em casa
comigo porque eu tenho que estudar”.

Tal discurso parece gerar em Paulo um sentimento de compromisso para com os pais e
para com ele mesmo. Temos evidências disso em respostas como:

“o fato de eles me darem tudo o que eu peço me motiva a estudar cada dia mais para mostrar
para eles que estou fazendo valer a pena” e “eu só consigo me divertir quando estou com a
consciência totalmente leve, ou seja quando não tenho que estudar ou fazer um trabalho”
(essa resposta foi dada quando perguntou-se ao aluno o que ele faz para se divertir).

No caso de Lauro, a família também é importante e parece ter um discurso parecido


com o da família de Paulo. Embora separados, os pais mantêm uma relação bastante amigável
150

que permitem a Lauro viver em um ambiente saudável e no qual divide suas experiências com
ambos, pai e mãe. A escolha da escola foi feita pelo pai, porque ele era ainda muito pequeno:

“a felicidade maior foi dele, até porque eu não sabia muito...”.

Quando elogiei o seu bom português, ele me disse:

“eu acho que é meio influência de pai e mãe” e “meu pai também não gosta dessas coisas de
gíria... Eles sempre cobram que eu fale correto...”.

Dentro da família de Leandro, a escola também é importante. No entanto, essa


importância parece assumir uma nuance diferente comparada aos casos de Paulo e Lauro. Na
família desses dois últimos, o interesse nos estudos parece estar ligado, assim como na família
de Leandro, à possibilidade de uma formação técnica (vale lembrar que todos os alunos
justificaram a escolha pela escola onde estavam porque ela permite acesso direto à escola
técnica). Entretanto, o discurso da mãe de Leandro parece depositar nele toda esperança de
um futuro de sucesso, o que gera um sentimento de responsabilidade consideravelmente
grande e, talvez, não muito claro para um adolescente. É como se ele fosse a solução futura
para problemas que eles já vivem, como o financeiro, por exemplo. Uma fala de Leandro,
talvez traduza o que foi anteriormente escrito:

“Ela (a mãe) mesma fala que a única coisa que ela está deixando para mim é o estudo.
Minha mãe fala isso todo dia praticamente. Lá em casa a minha mãe apostou tudo em mim...
Agora tá em você”.

Gabriel vem de uma família unida, que valoriza a escola, mas de uma maneira que me
pareceu não muito contundente. A mãe o inscreveu no sorteio já vislumbrando a entrada para
o curso técnico, assim como as outras. A respeito disso ele disse:

“Ela colocou também pensando no [...] (aqui estou omitindo o nome da escola técnica para a
qual os alunos iriam, após o término do Ensino Fundamental) e esses negócios”.

Contudo, em casa, espera-se que o aluno tire boas notas:


151

“Tipo, para casa, esses trem ela nem cobra porque agora [...] eu tô fazendo. Agora, prova
ela cobra, tipo, ela fala: ah, estuda, não sei o que. Aí se eu for mal ela puxa minha orelha né,
pra melhorar e tal”

Sobre o ENEM, que é utilizado para entrada em muitas instituições de ensino superior,
nas palavras de Gabriel, o pai pensa o seguinte:

“Meu pai me falou que vou fazer o ENEM só pra ver mesmo e tal [...]”.

Talvez, para o pai desse aluno, fazer o ENEM não é tão importante porque a
universidade não é algo que ele almeje para seu filho. Quem sabe um curso técnico poderia
prover-lhe um bom emprego com um bom salário? Quem sabe isso já seria suficiente?
Como pudemos notar, todas as quatro famílias valorizam a escola como um espaço
que pode proporcionar aos filhos um ganho intelectual e um futuro promissor. Para isso, o
respeito às normas da instituição é condição fundamental para que os benefícios possam ser
desfrutados. Em outras palavras, o motivo ‘cumprir o papel de aluno realizando a tarefa’
parece ser, na atividade familiar, parte do discurso dos pais que interpreto aqui como regras.

Família
Tarefa
investigativa

Regra

Motivo
Figura 14: Regra da família tornando-se motivo
Fonte: Elaborada pelo autor

Dentro da estrutura familiar, o discurso dos pais (ou daquele/daqueles que faz/fazem o
papel dos pais) já estava socialmente construído. Os alunos, por sua vez, se apropriaram deste
discurso. Os filhos devem seguir as normas sociais, dentre as quais está o respeito às pessoas,
incluindo os professores. E aqui, respeitar, pode assumir vários sinônimos, inclusive o de
obedecer. Cada aluno, ao se apropriar do discurso familiar, o faz de uma maneira própria que
dá um sentido diferente para cada um. Esta impressão ficou evidente para mim, quando em
152

uma entrevista, com outro grupo que participou das tarefas, uma aluna me disse: “eu faço.
Você mandou, eu faço”, respondendo à minha pergunta sobre ‘por que’ eles participavam de
tarefas como aquelas que eu havia proposto.
Desta forma, pensando na dinâmica das atividades que fazem parte da situação social
do desenvolvimento dos alunos, uma parte de um elemento da estrutura da atividade familiar,
as regras, torna-se motivo para que o aluno participe de tarefas escolares. Na literatura,
estudos como os de Medina e Martinez (2012) e Corsaro e Rizzo (1998)60, também mostram
que valores e normas podem tornar-se motivo para guiar a atividade das pessoas.
A possibilidade de um elemento estrutural da atividade tornar-se motivo para
estudantes já fora discutida por Lompscher (1999, p. 7). Segundo este autor:

Cada componente da estrutura de atividade geral - objeto ou conteúdo, ações


e curso da atividade, condições e meios, parceiros e relações sociais, a
atividade sujeita a si mesma - pode tornar-se motivos de aprendizagem61.

No entanto, Lomspcher discutiu estas ideias pensando na mudança estrutural dentro de


uma mesma atividade. A minha conclusão de que as regras de certa atividade tornaram-se
motivo para outra, levam a discussão daquele autor um pouco além, porque admite que
elementos estruturais de certa atividade, podem tornar-se motivo (ou outro elemento) para
outra.
Este fato representa claramente um entrelaçamento entre as atividades investigativas e
outra atividade da situação social dos alunos: a família.

6.6.2 Cenas de escola

A escola também era muito importante para aqueles alunos. O que eles tinham a dizer
sobre ela?
Paulo sempre foi um aluno de bom rendimento escolar. Também sempre manteve bom
relacionamento com os professores e colegas:

60
Estes estudos estão mais detalhados no capítulo 3.
61
Tradução para: Each component of the general activity structure - object or content, actions and course of
activity, conditions and means, partners and social relations, the activity subject him or herself – may become
learning motives.
153

“eu sempre procurei ter uma boa relação com meus professores, pois acho desnecessário
criar conflitos com eles. Em relação aos meus colegas, eu mantinha uma ótima relação com
todos, ou pelo menos tentava”.

Ele considera que aquilo que se aprende na escola pode ajudá-lo no futuro. A escola não
parece ser uma experiência desagradável para ele.
Lauro considera a escola muito importante para seu cotidiano e para o seu futuro. Em
particular, o futuro profissional. Ele foi o aluno que mais se referiu ao papel dos
conhecimentos adquiridos na escola, como algo que promove um futuro melhor. Nesse
sentido, ele explica que:

“a escola, passando esse conhecimento pra gente, logo vai [...] ajudar a gente no futuro
também. Eu acho que assim, quando a gente tá participando das atividades em sala e das
atividades propostas, a gente tá ganhando conhecimento para que a gente possa se
desenvolver bem no futuro”.

Embora Lauro tenha uma visão pragmática da escola (“a gente tá ali pra aprender”)
ele parece gostar de estar lá e mantém um bom relacionamento com colegas e professores.
Leandro acredita que o tratamento recebido dos professores é discriminatório por ele
não ser um aluno de alto rendimento. Em suas palavras:

“Parece que os professores me perseguiam, sei lá”.

Esse sentimento, aliado à sua real situação de baixo rendimento em algumas


disciplinas, parece desestimulá-lo ainda mais em relação aos estudos. Apesar disso, mantinha
bom relacionamento com professores, colegas e era bastante comunicativo.
No caso de Gabriel, a escola na qual estava era um ambiente relativamente hostil. O
fato de ter sido reprovado duas vezes durante sua vida acadêmica o fez ter raiva da escola:

“repeti de ano duas vezes lá... aí eu fiquei com raiva”.

Não gostava muito de participar e parecia querer não ser percebido:

“Não gostava muito de participar não. Só ficava lá prestando atenção”.


154

Mesmo assim, tímido e pouco participativo, mantinha boa relação com os demais. Perguntado
sobre a relação com os professores, ele se limitou a dizer: “era boa”.
A percepção da escola era diferente para cada um dos alunos. Acredito que dados os
melhores rendimentos acadêmicos de Paulo e Lauro, comparados aos de Leandro e Gabriel,
os primeiros mantinham uma relação mais amigável com a parte acadêmica da escola e,
talvez, de maior comprometimento. Já os outros dois alunos, embora com rendimento aquém
do esperado e com sentimentos de rejeição à escola, no caso de Gabriel, ainda se mantinham
lá influenciados por outros fatores.
Um deles poderia ser a comunicação entre pares e com os adultos, o que seria bastante
compreensível já que, nessa idade, de acordo com Elkonin e Dragunova (apud DAVYDOV,
1988), a comunicação é a forma de interação mais importante para os jovens. De acordo com
Davydov (1988, p. 46), “na comunicação que estabelecem com as pessoas de vários coletivos
(coletivos de trabalho, da escola, etc), os adolescentes dominam as regras de interrelações
destes coletivos” e os ganhos neste contexto “levam os adolescentes a refletirem sobre suas
próprias condutas, de modo que se tornem mais capacitados para avaliar suas próprias
condutas e seus próprios selves, segundo determinados critérios fixados”. Outro fator, é o
próprio significado social da escola internalizado por eles, como um lugar valorizado, onde os
estudantes vão para aprender.
Nesta perspectiva, entendo que se adequar às regras como forma de manter uma boa
comunicação entre pares e com os adultos que são relevantes para eles, é algo que os
impulsiona durante as tarefas escolares. Na atividade escola, então, acredito que cumprir as
regras acaba por impulsionar o movimento dos alunos rumo à realização das tarefas, como
forma de manter uma boa comunicação com os adultos. Sendo assim, ‘cumprir o papel de
aluno realizando a tarefa’ parece ser, na atividade escola, assim como na atividade família,
uma regra que se torna motivo para a participação nas atividades investigativas.

Escola Tarefa
investigativa

Regra

Motivo
Figura 15: regra da escola tornando-se motivo
Fonte: Elaborada pelo autor
155

Nestes últimos parágrafos tive a intenção de entrelaçar, agora pela segunda vez, a
atividade investigativa, com outra atividade da situação social de desenvolvimento dos
alunos: a escola.
As regras da família e da escola tornaram-se motivos para os alunos porque, ao
aceitarem o convite para a participação nas tarefas e cumprindo, assim, seu papel de
estudante, em alguma medida, eles estavam tentando se mostrar conscientes de sua
maturidade, na comunicação com os adultos (DAVYDOV, 1988). Realizar a tarefa, poderia
estabelecer entre eles e os últimos outro patamar de relação. Eles seriam julgados pelos
adultos como mais responsáveis e isso era importante porque permitiria que eles ocupassem
‘outro lugar’ no filme social. Por outro lado, o significado social do aluno, historicamente, é o
de cumprir seu papel de estudante. Nesse sentido, o motivo também estava ligado a esse
significado social, como uma regra.
O objetivo desta seção foi mostrar que as atividades que fazem parte de uma
determinada situação social de desenvolvimento influenciam-se mutuamente. De outro modo,
poderia dizer que as cenas do filme se relacionam, de forma que a sua compreensão integral
só se dá pela compreensão de tais relações. Nesse sentido, apresentei argumentos para mostrar
que o elemento ‘regras’, das atividades família e escola, tornou-se motivo disparador para a
participação dos alunos nas tarefas investigativas. Contudo, percebo mais entrelaçamentos
entre as atividades que geram mais motivos.

6.7 Mais entrelaçamentos de atividades

Até agora, destaquei o papel das atividades família e escola no surgimento do motivo
disparador para as atividades investigativas. O motivo ‘cumprir o papel de aluno realizando a
tarefa’ surgiu de uma regra da família e da escola.
Como o próprio nome anuncia, este motivo era um disparador, aquele que colocou os
alunos em ação em um momento inicial. Por outro lado, a atividade é dinâmica, está sempre
em movimento e, como consequência, está em constante transformação. Por esta razão, na
atividade de investigação, outros motivos poderiam surgir, oriundos, inclusive, das atividades
família e escola que, para os alunos, são fontes de referência para as suas compreensões de
mundo. Nesse sentido, Bakhtin (1988, apud FREITAS, 2002, p. 29) considera que:

[...] cada pessoa tem um certo horizonte social definido e estabelecido que
orienta a sua compreensão e que o coloca diante de seu interculocutor com
156

uma forma própria de relacionamento. A partir dessa situação social, do


lugar em que se situa, é que constrói suas deduções, suas motivações e
apreciações.

Nesta seção, de cunho teórico-analítico, farei uma análise mais pormenorizada dos
motivos dos alunos, mas ainda fortemente influenciados pelas atividades família e escola.
Para facilitar a compreensão, iniciarei com uma pequena discussão teórica que me
encaminhará para a análise dos motivos de um dos componentes do grupo de alunos. Na
análise deste primeiro aluno, apoiados na TA e nos dados coletados, surgirão novos conceitos
que serão utilizados, posteriormente, na análise dos motivos dos outros alunos.
Como já discutido, escola e família influenciaram os alunos no momento inicial da
atividade de investigação. No entanto, há razões para pensar que esta influência não ocorreu
somente neste momento inicial. Partindo de um olhar mais amplo, família e escola foram
elementos de mediação na relação dos alunos com os objetos das atividades de investigação.
De acordo com Pino (1991), mediação é toda a intervenção de um terceiro "elemento"
que possibilita a interação entre os "termos" de uma relação. Mas como ocorreu esta
mediação?
A meu ver, esta mediação está relacionada às apropriações ocorridas dentro das
atividades família e escola. Estas apropriações, no sentido vygotskiano, que ocorriam nas
relações dentro destas atividades, faziam surgir múltiplos pontos de vista e interesses,
constituindo, em minha opinião, o que Engestrӧm (2001) denomina princípio da
multivocalidade da atividade. Em outras palavras, de acordo com as apropriações dos alunos
nas atividades família e escola, eles levavam para as atividades investigativas, marcas de vida
e pontos de vista distintos que poderiam influenciar seus motivos e sentidos pessoais. No
entanto, as apropriações que me interessam neste momento estavam relacionadas a que
aspectos das atividades família e escola?
Nas duas entrevistas, alguns aspectos das vidas dos alunos foram recorrentemente
discutidos por eles: relação com a Matemática, planos para o futuro e utilidade da Matemática
no cotidiano. Nesse sentido, as apropriações relacionadas a estes aspectos e os motivos
relacionados a elas é que me interessarão, além de um olhar mais detalhado sobre o motivo
disparador e sobre motivos que tenham relação com a própria atividade.
Primeiro, farei uma análise dos motivos de Paulo, começando pelo motivo disparador.
Em seguida, a análise estará pautada nos aspectos anteriormente citados: relação com a
Matemática, planos para o futuro, e utilidade da Matemática no cotidiano e a tarefa.
157

6.7.1 Os motivos de Paulo

Paulo era de uma família que se preocupava com seus estudos e que apresentava claras
manifestações de apoio efetivo para que tudo corresse bem em sua vida acadêmica, como
mostrado na seção 4. 3 do capítulo 4 e retomado na seção 6.5.1. Este apoio era recompensado
por ele com empenho exemplar na escola, obtendo ótimos resultados. Além da dedicação,
estes bons resultados eram consequência da facilidade do aluno nas disciplinas, em particular,
na Matemática.
A imagem de bom aluno, reconhecida pelos professores e colegas, era reforçada cada
vez que ele se sobressaia, e isso o deixava em situação confortável e sentindo-se mais seguro
em relação às suas capacidades. Por que isso? Porque, nas relações, o que Paulo internalizava
era uma significação do outro para ele, o que, de acordo com Pino (2000), ocorre no
movimento dialético da relação que dá a Paulo as coordenadas para saber quem ele é, que
posição social ocupa e o que se espera dele, ou seja, “é pelo outro que o eu se constitui em um
ser social com sua subjetividade” (PINO, 2000, p. 66).
Paulo correspondia às expectativas e estabelecia, para si mesmo, um intenso
compromisso com a carreira acadêmica. Duas respostas dadas por ele, na segunda entrevista,
podem ilustrar este compromisso. Uma delas foi dada quando perguntei a Paulo o que ele
fazia para se divertir nas horas de lazer. Ele respondeu:

“Eu só consigo me divertir quando estou com a consciência totalmente leve, ou seja, quando
não tenho que estudar ou fazer um trabalho”.

A outra resposta foi depois que perguntei a Paulo de quem tinha sido a escolha da
escola na qual ele estava. Ele me respondeu que a escolha tinha sido de sua mãe, mas que, no
8o ano, desejou sair dessa escola para ir para outra. Ele não gostava da ideia de ter uma vaga
reservada em uma escola técnica 62 . Seu desejo era estudar em outra escola e enfrentar o
processo seletivo para a escola técnica e ser aprovado ‘por competência’, como ele escreveu,
em sua resposta. Ele gostaria de:

“ter estudado desde de a 4ª série em uma escola particular e passado no [...] por
competência e não por reserva de vagas”.

62
A escola em que Paulo estudava tinha vagas reservadas para seus alunos em uma escola técnica. Isso
eliminava, para eles, a passagem pelo processo seletivo convencional.
158

Sendo assim, o motivo disparador ‘cumprir o papel de aluno realizando a tarefa’


era algo que se esperava de Paulo, afinal era um bom aluno, comprometido e isso ele já o
sabia, das significações dos outros para ele. Desta forma, ao se apropriar das regras que
regulamentam a participação na família e na escola, elas passam a ser uma necessidade, que
se torna motivo, no momento da tarefa. Mas os motivos de Paulo também tinham relação com
a Matemática.
Esta era uma disciplina da qual Paulo gostava, desde a infância. Esse gosto se
intensificou a partir do oitavo ano (“a partir do 8° ano eu me apaixonei por matemática”),
quando passou a ser aluno de destaque na disciplina. Esta paixão, aliada à dedicação aos
estudos, o ajudavam a ‘tirar boas notas’ (“esse meu gosto por matemática sempre me ajudou
muito”; “esse meu gosto me facilita a aprender as coisas em sala”) e essas boas notas o
ajudavam a ter notoriedade entre colegas e professores, embora essa não fosse sua pretensão.
Os próprios amigos diziam que Paulo se incomodava com muitos elogios. Todas essas
características da relação de Paulo com a Matemática o deixavam em uma situação
confortável diante dos desafios que a disciplina pudesse lhe oferecer. Em outras palavras, a
Matemática não era, para ele, algo que lhe causasse rejeição.
As experiências de êxito em Matemática, durante seu percurso acadêmico, fizeram
Paulo se apropriar dos conhecimentos matemáticos de forma bem sucedida. Sendo assim, o
gostar de Matemática, o impulsionava para a realização de tarefas que envolviam os
conteúdos desta discplina. Além disso, a própria tarefa parece ter sido algo que o impulsionou
a realizá-la.
Se retomarmos as seções 5.1 e 5.2 do capítulo 5, nas quais são apresentadas as
atividades sobre planos de telefonia e sobre o tangran, é inegável que a participação de Paulo
tenha sido intensa. Ele expôs suas ideias, as explicou e as defendeu. Acredito que, para ele,
tenha sido um desafio o processo de investigar sobre o plano de telefonia celular e a
ampliação do tangram. Na atividade do plano de telefonia, ele e Lauro discutiram,
efetivamente, qual plano seria melhor para o usuário hipotético. Na atividade de ampliação do
tangram, embora tenha decidido por caminhos que não o levariam à ampliação, em alguns
momentos, ele tentava argumentar e, ao perceber o erro, não desistia e tentava outra
possibilidade. Esta necessidade de vencer o desafio, de encontrar uma resposta para o que era
proposto, parece ter se tornado motivo para ele. O motivo tinha relação com a própria tarefa.
Paulo ainda apontou motivos relacionados aos planos para o futuro profissional e à
utilidade da Matemática no cotidiano.
159

Na primeira entrevista, quando perguntado sobre o principal ‘por que’ para que
participasse das tarefas propostas, ele respondeu:
“Eu acho que a gente faz pensando no futuro, né? (pausa) se a gente precisar fazer..., igual
lá, tem os cálculos lá que a gente ... aí, vai que no futuro a gente precisa, né?”).

Nessa mesma entrevista, logo após uma fala de Lauro, Paulo cita a tarefa de telefonia
celular como um exemplo da utilidade da Matemática no cotidiano. Em relação ao seu futuro
profissional, ele parece não ter dúvidas: fará Informática no curso técnico e tentará se
estabelecer nesta profissão, sem planos imediatos para o curso superior:

“ainda não sei se vou fazer curso superior. Depende muito do meu futuro, se eu conseguir um
bom emprego como técnico, talvez eu nem pense em faculdade”.

A escolha pelo curso técnico em Informática tem uma relação estreita com o fato de
Paulo gostar de Matemática, como podemos perceber na resposta que ele deu, na segunda
entrevista, à pergunta: por que você escolheu o curso técnico em Informática?

“Eu optei pelo curso de Informática, pois, apesar de ser muito difícil ele se encaixa mais no
meu perfil. Até porque eu não me dou muito bem com matérias como química e física. E, além
disso, o curso de informática absorve muito a matemática, que por sinal eu gosto muito”.

Mesmo sem ter certeza de que iria para a universidade, contou que se decidisse fazê-
lo, estudaria Ciência da Computação, também da área de exatas.
Para Paulo, os motivos relacionados aos planos profissionais para o futuro e à utilidade
da Matemática no cotidiano, para a participação nas tarefas investigativas, existiam. Acredito,
porém, que estes motivos estavam longe das preocupações de Paulo no momento da tarefa. A
importância dada à Matemática como algo útil para o cotidiano e para o futuro profissional,
parece ocorrer mais, como apropriação do significado social dos conhecimentos adquiridos na
escola, do que como algo que impulsionasse o aluno naquele momento.
Sobre esta discussão, Alvez-Mazzotti (2008) comenta que, diariamente, somos
colocados em contato com uma grande quantidade de informações e assuntos que, por nos
afetarem de alguma forma, exigem que os compreendamos, e eu completaria: que deles nos
apropriemos. Ainda, nesse sentido, a autora escreve:
160

Nas conversações diárias, em casa, no trabalho, com os amigos, somos


instados a nos manifestar sobre eles 63 procurando explicações, fazendo
julgamentos e tomando posições. Estas interações sociais vão criando
“universos consensuais” no âmbito dos quais as novas representações vão
sendo produzidas e comunicadas, passando a fazer parte desse universo não
mais como simples opiniões, mas como verdadeiras “teorias” do senso
comum [...] (ALVEZ-MAZZOTTI, 2008, p. 21).

A utilidade da Matemática no cotidiano e a sua importância nos planos para o seu


futuro profissional eram, provavelmente, parte dos universos consensuais de Paulo. No
entanto, isso não significa que fossem necessidades imediatas. Há tempos que um dos
significados sociais da escola (1978b) é o de preparar o aluno para o mercado de trabalho
(PARO, 2001; ASBAHR, 2011) e isso também faz parte do dito universo consensual. E
quando falamos de significado social da escola, estamos incluindo tudo o que dela faz parte,
inclusive as disciplinas de seu currículo, dentre elas, a Matemática.
Esta associação de escola com trabalho parece ocorrer, mesmo para alunos que estão
ainda mais longe da época do trabalho formal, como confirma Asbahr (2011). Em seu estudo
com turmas de 4a série64 (atual 5o ano), uma das justificativas dos alunos para irem à escola
estava relacionada à preparação para o trabalho futuro. Era uma referência à escola, mas a
Matemática está na escola também, como disciplina formal. Paulo era um pouco mais velho,
mas, para ele, o trabalho ainda não era uma realidade com a qual precisasse se preocupar
imediatamente.
Especificamente em relação ao que representa a Matemática para os alunos do nono
ano, de escolas de Lisboa, Ramos (2004, p. 89)65 concluiu que, para eles, uma das grandes
contribuições da Matemática, é servir como “[...] ferramenta que permitirá a obtenção de
sucesso a nível escolar e profissional [...]”.
Este resultado está em consonância com as respostas de Paulo, que também era de
uma turma de nono ano. As apropriações destes significados sociais da escola e, em
particular, da Matemática, faziam com que Paulo as utilizasse para explicar motivos para a
participação nas tarefas. O significado social da Matemática é de que ela pode ser útil no
cotidiano e na vida profissional. Se Paulo se apropriou disso, ele repetiria o discurso de que a
Matemática presente na tarefa seria, então, útil para ele, nesses momentos da vida. Mas, ainda
acredito que esta apropriação tenha tido pouco impacto para movê-lo no momento da tarefa.

63
Informações e assuntos.
64
Isto não significa que não existam lugares pelo mundo, incluindo o Brasil, nos quais o trabalho infantil seja
explorado e, portanto, uma realidade para as crianças.
65
Na pesquisa foram recolhidos questionários de 359 alunos dos nonos anos de escolas escolhidas
aleatoriamente, da cidade de Lisboa.
161

Nesta direção, consigo perceber dois tipos de motivos para participação de Paulo nas
tarefas investigativas: motivos locais e motivos periféricos.
Estou compreendendo motivos locais como aqueles que impulsionam o indivíduo no
momento da atividade de forma mais intensa. Pode ser resultado de alguma apropriação
ocorrida em outras atividades, ou de algo interno à própria atividade. No caso de Paulo, estes
motivos locais seriam: o motivo disparador, cumprir o papel de aluno realizando a tarefa,
gostar de Matemática e a própria tarefa.
Motivos periféricos seriam aqueles resultantes de apropriações, também ocorridas em
outras atividades, mas que não têm muito impacto para impulsioná-los no momento da
atividade. No caso de Paulo, estes motivos seriam aqueles relacionados à utilidade da
Matemática no cotidiano e aos planos para o futuro profissional.
Como parte de meus objetivos, pretendo verificar possíveis aproximações entre
motivos e o objeto da atividade investigativa. Entretanto, para verificar estas aproximações,
entendo como necessária uma discussão sobre sentido pessoal, porque, de acordo com
Leontiev (1978b), o sentido pessoal é o que conecta o motivo ao objeto da atividade.
Em clássico exemplo, Leontiev (ibidem) nos apresenta a ideia de sentido pessoal.
Nele, um aluno lê um livro. Se o motivo é ler para ser aprovado na lição, o sentido é um. Já,
se o motivo é o conteúdo do livro, propriamente, o sentido é outro. Ainda, de acordo com este
autor, o aluno lerá o livro com outros olhos e assimilará o conteúdo de maneira diferente.
A meu ver, o objeto pode se manter, ainda que o motivo se altere. Com a mudança de
motivos ou mesmo com o surgimento de outros, o que vai se alterar é o sentido pessoal. O
objeto será visto de outra forma.
O construto sentido pessoal pode ser interpretado como uma resposta à pergunta: o
que o objeto da atividade representa para mim? Como o sentido pessoal depende do motivo,
qual seria, para Paulo, o sentido pessoal das atividades investigativas, ou seja, de acordo com
os seus motivos, o que os objetos das atividades representavam para ele?
De acordo com os motivos locais, estes objetos representavam o compromisso
implícito de aprender, assumido com a família (“o fato de eles me darem tudo o que eu peço
me motiva a estudar cada dia mais para mostrar para eles que estou fazendo valer a pena”) e
a escola, já que a primeira se sacrificava por ele e, a segunda, o tinha como um aluno
dedicado aos estudos. Representavam, também, trabalhar com algo de que ele gostava: a
Matemática. Além disso, vencer o desafio que a tarefa oferecia. Os motivos periféricos
também tinham representação no sentido pessoal. Entretanto, por estes motivos estarem mais
162

afastados da realidade do aluno naquele momento, exceto por uma reprodução do discurso
social sobre a importância da Matemática, eles tinham menos força.
Os motivos de Paulo não eram somente esses. Porém, como já esclarecido, me
interessaram os motivos vinculados à relação com a Matemática, com planos para o futuro,
com a utilidade da Matemática no cotidiano e motivos relativos à própria atividade. Os
motivos relacionados aos aspectos citados acima formam camadas de motivos que compõem
os sentidos pessoais, ou seja, camadas que mostram como o objeto aparece para Paulo. No
caso deste aluno, dois motivos locais parecem aproximar-se dos objetos das atividades:
desafio da tarefa e gostar de Matemática.

6.7.2 Os motivos de Lauro

A família de Lauro também se preocupava muito com sua educação, oferecendo-lhe


boas condições para estudar. Dos quatro alunos do grupo, Lauro era o único que frequentava
um curso de inglês, fora da escola. Isto é um fato que pode ilustrar a preocupação dos pais
com a educação do filho, inclusive, para além da escola regular. Pode-se dizer que Lauro
também correspondia às expectativas dos pais, sendo um aluno dedicado.
Lauro parecia ter uma opinião, sobre o seu papel na escola, de forma bem clara. Em
um momento da segunda entrevista Lauro disse o seguinte:

“Dentro da sala a gente tem que pensar mais no foco dos estudos. Mesmo que eu converse um
pouco dentro de sala, eu acho que tem que pesar pra esse lado porque a gente tá ali pra
aprender. O extraclasse a gente pode fazer no recreio. Então, durante a sala a gente tem que
focar pra aprender mesmo”.

Interpreto essa fala de Lauro como uma demonstração de seu comprometimento com a
sala de aula. Dessa forma ‘cumprir o papel de aluno realizando a tarefa’ era um motivo
que o impulsionava para iniciar as tarefas, afinal, ele estava ‘ali para aprender’. Havia,
também, motivos que refletem a relação de Lauro com a Matemática.
Na segunda entrevista, que foi feita depois que os alunos já haviam ingressado no
curso técnico, perguntei a Lauro por que sua opção foi por um curso na área de Ciências
Exatas. Ele respondeu:
163

“Eu gosto da área de exatas, mesmo que eu tenha tido dificuldade no ano passado. É
o que tava pensando mesmo”.

Nesta mesma entrevista, procurei saber de Lauro sobre sua relação com a Matemática,
mais especificamente, porque ‘área de exatas’ era muito genérico’. Ele me respondeu:

“Na escola eu sempre fui bem em Matemática. Aí, sempre gostei também. Só que no nono
ano eu tive um desempenho muito baixo na primeira etapa por causa de questões de família.
Meu avô tava internado, eu tava abalado e também tava tendo dificuldade na matéria. Só que
na segunda etapa, quando entrou uma matéria nova eu comecei a prestar atenção, aí eu
voltei com isso, aí eu já voltei a me dar bem, estudando e tudo. Mas é porque eu gosto
mesmo”.

Nas duas respostas anteriores, Lauro relembra as dificuldades que enfrentou na


disciplina Matemática, quando estava no nono ano. Mesmo tendo que vencer tais
dificuldades, ele disse que não deixava de gostar de Matemática.

“[...] mesmo assim eu continuava gostando de fazer os exercícios e tudo, porque, mesmo mal
eu sempre fazia os exercícios. Sempre fazia por mim mesmo, mesmo que o professor não
cobrasse. Então eu acho que eu pensei mesmo e vi que é por causa de gosto mesmo”.

Some-se a isso o reconhecimento do lugar que ocupava na sala de aula. Embora não
fosse reconhecido como o melhor aluno da turma, Lauro era considerado um aluno dedicado.
Este reconhecimento do outro para ele, deixava-o em situação confortável e segura para
vencer desafios na Matemática.
Sendo assim, gostar de Matemática parece ter sido motivo para Lauro, durante as
tarefas de investigação. Aliado ao fato de gostar de Matemática, o desafio da tarefa (no caso
de Lauro, me refiro à tarefa sobre planos de telefonia celular) também parece ter sido motivo
para participar da tarefa sobre planos de telefonia celular. A situação retratada na seção 5.1.,
mostra uma clara participação de Lauro durante a tarefa. Motivos relacionados à utilidade da
Matemática no cotidiano e aos planos para o futuro profissional também foram citados
por Lauro. Comparado aos outros alunos, Lauro foi o que mais se referiu à importância da
Matemática no ‘social’, que era a expressão usada por ele. Entendo que ser útil no ‘social’
engloba, tanto o cotidiano quanto a vida profissional.
164

Lauro entende que a Matemática tem um papel fundamental para a vida em sociedade,
que ele chama de ‘social’. Esta participação da Matemática na sociedade se dá quando ela se
torna uma ferramenta útil para facilitar nossas vidas. Digamos que Lauro tem uma visão
utilitária da Matemática. Na segunda entrevista ele disse:

“pra sociedade você tem que saber, pelo menos, um mínimo de Matemática”.

E completou:

“pra você interagir com as pessoas e tudo, cê tem que saber um mínimo de Matemática. Na
hora de pegar um ônibus, digamos assim...”.

Essa visão utilitária de Lauro, em relação à Matemática, se estende para o campo


profissional futuro. Em uma de suas falas, ao refletir sobre a importância da Matemática
contida nas tarefas, eles disse:

“Eu acho importante a Matemática tanto no social quanto no seu futuro de trabalho entre
outros. Então, eu posso pensar que, tipo... eu desenvolvendo esse bom raciocínio matemático
eu vou tá me ajudando no social e no meu futuro. Então eu acho bem importante”.

Lauro atribui à Matemática um grande poder de ajudá-lo em seu cotidiano e em seu


futuro. Em outro momento da segunda entrevista, ele disse:

“mesmo se eu não gostasse de Matemática eu vejo Matemática como um conteúdo de


extrema importância. Matemática e Português, pra mim, são as disciplinas de maior
importância pelo social, porque eu acho que se você não tem um mínimo de Matemática e um
mínimo de Português, não dá pra você interagir. E também porque eu acho que é importante
no futuro”.

Mesmo com todas estas falas, quando se referia à utilidade da Matemática para uso no
cotidiano e na vida profissional, Lauro parecia reproduzir um discurso social sobre o
significado da Matemática, que ele internalizara de forma muito particular. Ele não parecia
estar preocupado com o fato da Matemática contida na tarefa, ser algo que pudesse ajudá-lo
165

no momento de ‘pegar um ônibus’ ou outra situação cotidiana qualquer. Ou que pudesse


ajudá-lo na hora de exercer sua profissão futura.
Desta forma, para Lauro, havia três motivos locais: cumprir o papel de aluno
realizando a tarefa, gostar de Matemática e a própria tarefa, e dois motivos periféricos:
utilidade da Matemática no cotidiano, e planos para o futuro profissional.
Estas camadas de motivos conferiram ao objeto da atividade, o sentido pessoal de
Lauro. Ou seja, de acordo com os motivos, o que o objeto plano ideal representava para ele?
Considerando-se as camadas de motivos locais, representava cumprir seu papel de estudante
quando envolvido nas tarefas escolares, realizar algo relacionado à Matemática, da qual
gostava, e vencer um desafio que encontrou durante a tarefa. Os motivos periféricos
representavam o significado social da Matemática, do qual Lauro se apropriara.
No caso de Lauro, dois motivos locais se aproximaram do objeto da atividade: gostar
de Matemática e desafio da tarefa.

6.7.3 Os motivos de Leandro

Assim como para Paulo e Lauro, cumprir o papel de aluno realizando a tarefa foi o
motivo que impulsionou Leandro para iniciar sua participação nas tarefas investigativas. Sua
família valorizava os estudos, mas essa importância parecia assumir uma nuance diferente
comparada aos casos de Paulo e Lauro. Na família desses dois últimos, o interesse nos
estudos parecia estar ligado, assim como na família de Leandro, à possibilidade de uma
formação técnica (vale lembrar que todos os alunos justificaram a escolha pela escola onde
estavam, porque ela permite acesso direto à escola técnica).
Entretanto, a mãe de Leandro parecia depositar nele toda esperança de um futuro de
sucesso, o que gerava um sentimento de responsabilidade e, talvez, não muito claro para um
adolescente. É como se ele fosse a solução futura para problemas que eles já viviam, como o
financeiro, por exemplo. Uma fala de Leandro talvez traduza o que foi anteriormente escrito:

“Ela (a mãe) mesma fala que a única coisa que ela está deixando para mim é o estudo.
Minha mãe fala isso todo dia praticamente. Lá em casa a minha mãe apostou tudo em mim...
Agora tá em você”.
166

Esta responsabilidade atribuída a Leandro, mesmo que não muito compreendida por
ele, influenciava suas ações na sala de aula, inclusive para realizar as tarefas em sala.
Cumprir o papel de aluno realizando a tarefa era o motivo que refletia como Leandro
cumpria suas responsabilidades em sala de aula.
Contudo, diferentemente de Paulo e Lauro, Leandro estava enfrentando problemas
com a Matemática desde a sexta série (atual sétimo ano). O rendimento de Leandro em
Matemática não era bom. A respeito disso, ele disse:

“Eu não me dou muito bem com a Matemática. Às vezes eu erro muita coisa boba e tiro nota
ruim”.

No entanto, nem sempre foi assim. De acordo com o aluno, antes da sexta série
(sétimo ano) suas notas eram boas. No entanto

“a partir da sexta série a matéria foi ficando mais difícil e eu deixei de gostar”.

Leandro se sentia perseguido e discriminado pelos professores em sala de aula. Em


razão de sua relação conflituosa com esta disciplina, aliada à maneira como Leandro se via, na
relação com os professores, o gostar de Matemática não era algo que o movia. Não era motivo
para sua participação. Sobre suas notas, ele disse:

[...] bate um desânimo. Você vê assim, todo mundo tirando nota boa e vê você lá....

Pelo que ocorreu na tarefa sobre planos de telefonia celular, descrita na seção 5.1, do
capítulo 5, que mostrou a saída de Leandro do grupo, antes da conclusão dos trabalhos, poder-
se-ia pensar que ele teria o mesmo comportamento na tarefa de ampliação do tangram. No
entanto, não foi o que ocorreu. Nesta última tarefa, Leandro participou ativamente, como
descrito na seção 5.2.
Por que isso pode ter ocorrido, fazendo uma análise a partir dos motivos?
O motivo disparador cumprir o papel de aluno realizando a tarefa incitou o início
da participação de Leandro, em ambas as tarefas. Contudo, na tarefa sobre planos de telefonia
celular, este motivo não foi capaz de mantê-lo colaborando com os colegas e ele saiu. O
motivo perdeu poder.
167

Esta possibilidade já é reconhecida na literatura. Lompscher (1999), por exemplo, nos


informa que, dependendo do conteúdo concreto, as condições e a evolução da atividade, os
motivos emergem, ganham ou perdem o seu poder de mover o indivíduo. O motivo de
Leandro, cumprir o papel de aluno realizando a tarefa, perdeu poder e não foi capaz de mantê-
lo na atividade.
E o que ocorreu na tarefa com o tangram, já que a participação de Leandro foi bastante
expressiva, ajudando Paulo durante todo o processo? Ampliar o tangran pode ter sido um
desafio que ele desejava vencer, ao passo que saber sobre planos de telefonia fosse algo não
tão atraente para ele. O tema da tarefa, torna-se algo importante para o envolvimento do
aluno, para que ele aceite o convite para investigar.
Na tarefa com o tangram, então, podemos falar de dois motivos locais para Leandro:
motivo disparador cumprir o papel de aluno realizando a tarefa, reforçado pelo desafio da
tarefa.
Os motivos periféricos poderiam ser assumidos como sendo os mesmos que para
Paulo e Lauro: utilidade da Matemática no cotidiano, e planos para o futuro profissional.
Para Leandro, contudo, algumas de suas respostas, por vezes contraditórias, deixaram dúvidas
quanto ao primeiro desses motivos.
Na primeira entrevista, quando perguntado sobre por que ele participava das tarefas
que eu havia proposto, ele respondeu:

“Eu também era daqueles alunos que pensava assim ... pra que eu tô usando isso ai? Ai,
depois veio aquela do celular e eu entendi mais ou menos porque que a gente tava fazendo
aquilo... porque tipo assim, às vezes você tinha um plano do jeito que você queria mas você
podia achar um mais barato, dependendo da quantidade... aí vi que você pode usar no dia a
dia, igual todo mundo falou assim”.

Esta resposta reflete claramente o pensamento que Leandro desejava expor: o fato de
que o seu motivo para participação nas tarefas tinha relação com a utilidade da Matemática no
cotidiano. Entretanto, seu comportamento foi no caminho inverso. Da tarefa que ele julgou
como aquela na qual ele adquiriria conhecimento útil para o seu cotidiano, ele se retirou. A
tarefa com o tangram nem foi citada por ele na entrevista, embora ela já tivesse ocorrido.
Talvez porque ele não a percebesse como útil para o cotidiano. Mas ele se envolveu em seu
processo, do início ao fim.
168

Dessa forma, Leandro não pareceu considerar, de fato, que temas em que a
Matemática seja útil, se tornem motivo para seu envolvimento. Ou que, saber escolher planos
de telefonia celular não seja de utilidade para o cotidiano.
Sendo assim, penso que a utilidade da Matemática no cotidiano não tenha sido
motivo periférico para Leandro. A sua resposta sobre a importância da Matemática no
cotidiano é reflexo, também, das apropriações do significado social desta disciplina. Mesmo
admitindo suas dificuldades com a Matemática, Leandro assume sua necessidade na vida:

“Se a pessoa não souber um pouco de Matemática ela vai ser um pouco tapada”.

O discurso de que a Matemática é útil, mesmo entre alunos que apresentam,


historicamente, dificuldades nesta disciplina, é recorrente. Ramos (2004) observou algo
semelhante em turmas do nono ano da cidade de Lisboa, em relação ao que pensam da
Matemática. Ela concluiu que, “mesmo para aqueles cujo convívio com a disciplina tem sido
difícil, a importância da Matemática e sua utilidade são indiscutíveis” (RAMOS, 2004,
ibidem, p. 89).
Em relação à vida profissional futura, para Leandro, o curso superior também era uma
possibilidade. No entanto, experimentar as possibilidades que o curso técnico lhe daria, em
termos de satisfação profissional, em particular a financeira, era prioridade. Assim ele se
expressa:

“se eu ver que o salário, a remuneração do curso que eu tenho está muito alta e se eu fizer
um curso superior não vai fazer muita diferença, vou continuar fazendo o técnico. Vou ver
como é que é primeiro”.

Se em algum momento futuro decidisse pelo curso superior, faria Administração de


Empresas, curso no qual a Matemática é bastante relevante. Não temos certeza de que
Leandro, de fato, considerasse a Matemática contida nas tarefas como algo que o ajudaria a
ter um futuro profissional de sucesso. Mas este parece ter sido o discurso do qual ele se
apropriou. Tem relação, mais uma vez, com o significado social da Matemática. Entenderei os
planos para futuro profissional como um motivo periférico e com pouca atuação no
momento da atividade.
Quais foram, então, os sentidos pessoais de Leandro, na tarefa com o tangram. Ou
seja, o que representou o objeto da atividade para Leandro. De acordo com os motivos, os
169

sentidos tinham relação com o compromisso implícito, assumido com sua mãe, que trabalhava
para mantê-lo, vencer um desafio e aprender algo que pudesse ajudá-lo no futuro profissional.

6.7.4 Os motivos de Gabriel

Da maneira como definimos envolvimento, ao final do capítulo 5, Gabriel não se


envolveu em nenhuma das duas tarefas propostas. O envolvimento pressupunha participar do
processo de exploração e investigação dentro do cenário para investigação. Gabriel
permaneceu no grupo durante todo o tempo, mas sem agir para ajudar aos colegas.
Em vários momentos das filmagens nota-se que ele faz muito pouco para participar
das discussões com os colegas. Há momentos em que ele brinca com o caderno e em vários
outros, apoia os braços sobre a mesa e a cabeça sobre os braços, sinalizando que aquilo não o
está agradando ou é enfadonho.
Na segunda entrevista, que foi individual, perguntei a Gabriel porque ele permaneceu
no grupo, embora não tivesse participado tanto e, além disso, com a opção de se retirar, caso
assim o desejasse.

Pesquisador: Você estava ali, sentado com os meninos. Se você tivesse a opção de sair...
Aliás, você tinha esta opção ...(Gabriel não espera que eu termine a minha fala).
Gabriel: Eu acho que tipo... eu queria ficar lá, mas não tava muito afim de fazer... eu fiquei
mais porque depois acontecia alguma coisa legal aí fazia eu me interessar. Aí eu fiquei mais
por isso.

Pesquisador: Mas você participava porque você pensava: uau, esta atividade é muito legal
ou você optaria, se você tivesse que marcar (supondo que esta afirmativa estivesse no
questionário): não, eu participava porque eu ficava sem graça de não participar porque eu
estou na sala de aula?
Gabriel: Acho que a segunda opção. (risos)

Estas falas de Gabriel são muito importantes porque mostram dois dos motivos que o
fariam participar ou, no mínimo, permanecer ali durante a tarefa investigativa. Um deles era a
expectativa de que algo interessante ocorresse. Por outro lado isso mostra, também, que
nenhuma das propostas apresentadas para investigação foi interessante, ou, se tornou
170

interessante para ele durante o processo. Isso evidencia que a escolha do tema e a estruturação
da atividade influenciam os motivos. Outro motivo era manter uma boa imagem de
estudante e, talvez, evitar julgamentos do pesquisador, dos colegas e da professora, como
alguém que não participa. No entanto, este foi um motivo que o manteve no grupo, mas não
foi um motivo que o fez se envolver.
No caso de Gabriel, o motivo gostar de Matemática não existia. Mas porque Gabriel
não gostava dessa disciplina?
A Matemática na vida acadêmica de Gabriel sempre foi um desafio porque ele não
gostava da disciplina. Na segunda entrevista, ele disse: “eu não sou muito bom em
Matemática”. Ele tinha muitos problemas nesta área e havia sido reprovado duas vezes. Seu
sentimento de rejeição à escola, mais do que à Matemática, era explícito. Ele tinha raiva da
escola, afirmava isso e não parecia querer fazer parte dela:

“É que tipo, eu repeti de ano lá. Aí você fica com raiva da escola”.

As suas apropriações sobre quem era ele, no papel de aluno, parecem não ter sido boas
neste ambiente. Gabriel era muito tímido e talvez isso, associado à suas experiências de
insucesso, o desestimulasse a participar:

“não gosto muito de participar. Prefiro ficar na minha”.

Na minha interpretação, baseada em Winther-Lindqvist (2012) e Hedegaard (2012), a


experiência emocional de Gabriel, no ambiente escolar, despertava um sentimento de
vulnerabilidade e insegurança, dificultando o surgimento de motivos e restringindo sua
participação nas atividades. Nesse sentido, um motivo relacionado ao gosto pela Matemática
não existia para Gabriel.
Na segunda entrevista, Gabriel me contou que estava tendo dificuldades com a
Matemática, no curso técnico que ele estava frequentando, naquele momento. Mas ele estava
assistindo aulas extras para ser aprovado. Entretanto, sua empreitada para a aprovação em
Matemática parece ter uma justificativa. Dentre as afirmativas de um dos questionários,
aplicados após uma das tarefas, uma que serviria para justificar a participação do aluno dizia o
seguinte: porque vou aprender mais conteúdos matemáticos e isso é importante para o meu
futuro profissional.
171

Gabriel atribuiu a essa afirmativa o número 2, que significava o seguinte: para ele, o
que se aprende nas tarefas é muito importante para o futuro profissional. Mas em que aspecto,
exatamente, deste futuro profissional? Solicitado a justificar esta nota ele disse:

“É porque tipo, ninguém quer ser pobre. Aí, pra mim, tipo, ser rico e tal eu vou ter que
estudar, mesmo que eu não goste daquilo e tal, vou ter que me dedicar de qualquer jeito”.

Gabriel pareceu atribuir à Matemática o poder de fazer as pessoas terem sucesso


financeiro, caso a dominem. Mas essa ideia não estava muita clara para ele, como
discutiremos mais adiante.
Tentar uma satisfação profissional, na área técnica, era a prioridade de Gabriel, assim
como para seus colegas, Paulo e Leandro. A esse respeito ele disse:

“eu quero formar aqui primeiro (na escola técnica). Depois fazer estágio, trabalhar um
tempo como técnico, ver se eu gosto. Se eu não gostar vou procurar entrar numa boa
faculdade, formar e começar a trabalhar depois”.

Contudo, pareceu confuso quanto à escolha do curso superior. Em um momento da


entrevista disse que escolheria algo na área de exatas:

“eu não sou muito bom em Matemática, mas [...] se eu tiver que escolher entre fazer exatas,
humanas, esses negócios, eu acho que eu vou me dar melhor em exatas”.

Em outro, disse que talvez estudasse Educação Física porque estava ‘malhando’ em
uma academia, e estava gostando.
As falas de Gabriel não eram coerentes. O poder que ele atribuía à Matemática, como
algo que poderia fazê-lo ter sucesso profissional e financeiro, parecia direcioná-lo para um
curso na área de Ciências Exatas, caso fosse para a universidade. Mas isso entra em conflito
com o ‘não gostar’ de Matemática e a escolha por algo que possa lhe dar mais prazer, que é
cursar Educação Física.
Embora Gabriel atribuísse à Matemática o poder de ser útil nos seus planos
profissionais futuros, isso não foi capaz de fazê-lo se envolver na investigação. Portanto, não
foi um motivo para ele. Nem tampouco a utilidade da Matemática no cotidiano.
172

No caso de Gabriel, os motivos que o mantiveram no grupo, mesmo sem participar (e


aqui não trato de motivo para participar da investigação) foram expectativa de que algo
interessante ocorresse e manter uma boa imagem de estudante.

6.8 Finalizando

O aceite do aluno ao convite para participar de tarefas investigativas, dependerá da sua


situação social de desenvolvimento. Associados a ela, surgirão motivos relacionados às
atividades que a compõem, de acordo com o lugar que o aluno ocupa dentro delas. Mesmo
que ele inicie um processo de investigação, impulsionado por um motivo disparador, manter-
se nele, provavelmente dependerá de outras camadas de motivos locais (figura 16).

Apropriações
Apropriações mediando
mediando motivos Camadas de motivos
motivos

Atividade investigativa

Figura 16: Motivos em camadas


Fonte: Elaborada pelo autor

Motivos locais poderão surgir, mas não necessariamente, no decorrer da atividade,


dependendo dos rumos que ela tomar. Pode ser que algo aconteça e seja capaz de gerar novo
motivo naquela situação, como por exemplo, a atividade parecer desafiante, que acredito,
tenha sido o que ocorreu no caso de Leandro, quando participou da atividade de ampliação do
tangran.
Motivos periféricos podem ajudar, mas têm menos poder para manter os alunos em
investigação, por serem motivos que estão longe daquele momento.
173

A existência dos motivos locais ou periféricos, como algo que impulsiona o


envolvimento do aluno em uma investigação, não é garantia de que esses motivos, ou algum
deles, se aproxime do objeto desta atividade. Esta possibilidade existe, mas não podemos
dizer que ocorre sempre.
De qualquer forma, as várias camadas de motivos que sustentam a participação do
aluno em uma investigação matemática, compõem os seus sentidos pessoais para o objeto
desta tarefa.
174

O QUE FICA?/DESDOBRAMENTOS

Esta pesquisa procurou estudar os motivos dos alunos para participação em atividades
investigativas matemáticas, em ambientes denominados cenários para investigação.
Atividades de aprendizagem, dentre as quais poderíamos incluir atividades de investigação
Matemática, estão inseridas em um amplo contexto social que não pode ser ignorado quando
vamos estudá-las. Isto significa que os motivos nelas envolvidos, também sofrem influência
deste contexto.
Nesse sentido, optei por teorias que defendem a importância do entorno social na vida
das pessoas. Como referencial teórico metodológico, a Teoria da Atividade foi escolhida, uma
vez que vincula o desenvolvimento do homem às apropriações que ocorrem nas relações
sociais das quais ele participa.
Nesta teoria, motivo é compreendido como aquilo que move o sujeito rumo ao objeto
da atividade. Pensando nisso, o principal objetivo desta tese foi verificar Os resultados
mostraram que há situações em que o envolvimento do aluno em cenários para investigação
matemática, pode ter como motivo, ou como um dos motivos, algo que se aproxime do objeto
da atividade. Acredito que isto tenha ocorrido com Paulo, Lauro e Leandro, com este, mais
especificamente, na tarefa com o tangram. No entanto, não posso afirmar que isto sempre vá
ocorrer. Um aluno pode envolver-se em um cenário para investigação e guiar-se por um
motivo sem aproximação com o objeto.
Os resultados mostraram que há situações em que o envolvimento do aluno em
cenários para investigação matemática, pode ter como motivo, ou como um dos motivos, algo
que se aproxime do objeto da atividade. Acredito que isto tenha ocorrido com Paulo, Lauro e
Leandro 66 quando, em alguma medida, a própria tarefa tornou-se um dos motivos para o
envolvimento. No entanto, não posso afirmar que isto sempre ocorrerá. Um aluno pode
envolver-se em um cenário para investigação e guiar-se por um motivo sem aproximação com
o objeto.
Um objetivo específico, que deve ser destacado, foi a caracterização de envolvimento,
em cenários para investigação. O envolvimento vai ocorrer quando o aluno aceitar o convite
para participação nos cenários, ou seja, quando ele assumir a postura de investigador.

66
No caso de Leandro, esta isto parece ter ocorrido na tarefa com o tangram.
175

Na maioria das leituras realizadas, o envolvimento era compreendido no senso


comum. Desta forma, entendo que vincular envolvimento com aceite ao convite, pelo menos
quando estamos tratando de cenários para investigação, é um pequeno avanço teórico.
Ainda em relação aos cenários para investigação, Alrø e Skovsmose (2004)
consideram que os alunos possuem boas razões para aceitarem o convite à investigação. Nesta
tese, penso ter ampliado a ideia de boas razões com a ideia de motivos, sobretudo pela
maneira como estes últimos foram compreendidos: como algo que pode surgir das
apropriações que ocorrem nas atividades que fazem parte da situação social de
desenvolvimento do indivíduo. Os motivos para o aceite ao convite, ou para seu
envolvimento, poderão ser localizados dentro de uma ampla gama de atividades.
Em relação à Teoria da Atividade, acredito que a pesquisa tenha contribuído para
mostrar que uma atividade pode ter caráter polimotivacional. No entanto, de forma um pouco
diferente do que discute Leontiev (1978a), e aproximando-me mais do que discute Kaptelinin
(2005), entendo que mais de um motivo pode guiar e dar sentido à atividade. Quando
admitimos esta possibilidade, admitimos também a possibilidade de existirem motivos que se
aproximam do objeto e outros que não, mas ambos os tipos podem ser capazes de provocar o
envolvimento do aluno. Houve, também, a necessidade de criação de conceitos novos, que
pudessem sustentar a análise.
Os motivos locais surgiram quando percebi a necessidade de mostrar que há motivos
que atuam mais fortemente no momento da atividade. Isso não significa que motivos locais
devam surgir, necessariamente, naquele momento. Ele pode ser, também, resultado de uma
apropriação ocorrida em outra atividade, da qual o aluno tenha sido sujeito. Um exemplo
disso foi a regra ‘cumprir o papel de aluno realizando a tarefa’ que foi uma apropriação dos
alunos ao participarem das atividades escola e família, que se tornou um dos motivos para que
os alunos iniciassem o processo de investigação. Embora tendo constituídos suas bases em
outras atividades, a atuação do motivo foi local.
Os motivos periféricos também atuaram na condução da atividade, mas assumiram
papel secundário. No entanto, têm papel importante nos sentidos pessoais que os alunos
atribuem à Matemática.
Algumas respostas dos alunos, durante as entrevistas, parecem apontar uma forte
relação entre as falas dos alunos e o discurso social sobre a Matemática. Eles justificaram suas
participações nas tarefas considerando que a Matemática nelas contida, poderia lhes ajudar no
cotidiano e na vida profissional, sobretudo, nesta última, como conhecimento que possibilita
ganho financeiro.
176

O aluno parece agir, guiado pelas apropriações de discursos sociais que ocorrem
dentro das atividades das quais faz parte. A voz dele mesmo aparece muito pouco. Há, aí, uma
ruptura, entre o que deveria ser o significado social da Matemática e o sentido pessoal que o
aluno atribui a ela.
Farei uma breve discussão sobre esta ruptura, que considero pertinente neste
momento. No entanto, acredito que seja um tema interessante para estudos futuros.
Leontiev (1978b) considera que a ruptura entre significado social e sentido pessoal,
aliena a consciência humana, impedindo que o indivíduo se desenvolva de forma plena.
Entretanto, os alunos não têm consciência dessa ruptura e consequente prejuízo à sua
formação. Eles estão inseridos em um mundo e, dentro dele, “são expostos a constante
bombardeio de informações vindas de múltiplas fontes, particularmente da cultura popular e
dos meios de comunicação” (ENGESTRӦM, 2002, p. 192). Este bombardeio de informações,
certamente influenciará os alunos em seus motivos e sentidos pessoais, contribuindo para esta
situação de alienação.
Duarte (2004) faz uma análise interessante sobre o processo de alienação da atividade
de trabalho na atual sociedade capitalista, utilizando o exemplo dado por Leontiev (1978b), no
qual um operário trabalha pelo salário e não para satisfazer uma necessidade da sociedade. No
exemplo, o autor considera que o significado social da atividade do operário é produzir
tecidos para a sociedade e este deveria ser seu sentido pessoal. No entanto, isso não ocorre,
porque seu sentido pessoal é o salário que ele irá receber ao final, pela sua produção. A sua
atividade é, então, uma atividade alienada. Após este exemplo, Duarte considera que, para ele,
a ruptura entre o significado social e o sentido pessoal não ocorre só para o operário. Ela
ocorre para a sociedade, de forma geral. O exemplo utilizado pelo autor é bastante ilustrativo.

Quando, por exemplo, o governo de um país festeja o reaquecimento da


indústria automobilística, o que está sendo considerando é apenas o efeito
desse reaquecimento sobre a economia nacional, a “geração de empregos”
etc. Mas isso pode estar em absoluto conflito com outras esferas que também
ocupam a atenção (ou ao menos deveriam ocupar) dos governantes, como a
questão do trânsito que se torna mais difícil e mais perigoso com o aumento
do número de veículos em circulação, o provável aumento dos acidentes de
trânsito, o aumento da poluição etc. Tudo isso está relacionado ao
significado do aumento da produção de veículos automotores. Então o que o
governo de um país festeja, nesse caso, é o sentido desse aumento, sentido
esse que é dado pela lógica econômica capitalista (DUARTE, 2004, p. 58).

O sentido pessoal que o trabalho tem para o operário é consequência direta do sentido
que ele tem para a sociedade. Do ponto de vista social, esta ruptura entre sentido e significado
177

pode gerar consequências desastrosas para a população e para o ambiente. Do ponto de vista
do indivíduo, gera o cerceamento do processo que o faz se desenvolver como ser humano
(DUARTE, 2004).
Como a escola está inserida no contexto social, é natural que ela sofra as
consequências desta condição. Quando um aluno é aprovado para ingressar em uma escola ou
universidade, muito da comemoração em torno desta conquista está relacionado à
possibilidade de um bom emprego futuro e consequente ganho de dinheiro. A construção de
escolas, realizada por alguns políticos tem por trás, muitas vezes, interesses muito diferentes
daquele que se deveria ter: oferecer educação de qualidade às pessoas. O sentido da escola
passou a ser de um local onde o aluno será preparado para o mercado de trabalho e não mais
como um local para onde ele vai com intuito de aprender e se desenvolver.
Há, na escola, também, uma ruptura entre o que ela deveria representar e o que ela
realmente representa para a sociedade. Só para lembrar, todos os alunos disseram que uma das
razões dos pais para colocá-los naquela escola, tinha relação com a passagem direta para o
curso técnico.
Podemos levar esta discussão um pouco mais adiante e especificamente em relação à
Matemática. A ruptura entre sentido e significado da Matemática está clara em algumas
respostas dos alunos. Para ilustrar, trago alguns excertos:

Lauro: “Mesmo se eu não gostasse de Matemática eu vejo Matemática como um conteúdo de


extrema importância. Matemática e Português, pra mim, são as disciplinas de maior
importância pelo social. Eu acho importante a Matemática tanto no social quanto no seu
futuro de trabalho entre outros”. (Lauro falava da importância da Matemática para ele)

Gabriel: “É porque tipo, ninguém quer ser pobre. Aí, pra mim, tipo, ser rico e tal eu vou ter
que estudar, mesmo que eu não goste daquilo e tal, vou ter que me dedicar de qualquer
jeito”67.

67
Esta resposta foi dada por Gabriel na segunda entrevista. A minha pergunta tinha relação com duas de suas
respostas ao questionário. Nele, Gabriel colocou a nota 0 para a afirmativa ‘eu adoro Matemática’ e a nota 2 para
a afirmativa ‘porque vou aprender mais conteúdos matemáticos e isso é importante para meu futuro
profissional’, para justificar porque ele se envolvia em atividades como aquela que propus. A pergunta era a
seguinte:
Pesquisador: Mas é estranho. Você colocou: porque eu adoro Matemática, zero. Significa que você não gosta de
Matemática. Mas lá embaixo você colocou 2: porque vou aprender mais conteúdos matemáticos e isso é
importante para o meu futuro profissional. Como você me explica isso: de não gostar de Matemática, mas ao
mesmo tempo querer aprender Matemática?
178

Leandro: “Administração de empresas. Meus interesses são os seguintes: eu queria ter uma
empresa. Eu queria comandar a empresa, mas para tudo você precisa saber alguma coisa.
Administração é exatas, eu não vou conseguir fugir da Matemática. A minha preocupação é
esta: dar alguma coisa para a minha mãe”. (Leandro falava sobre planos futuros)

Por que ocorre esta ruptura? Como vimos, Duarte (2004) considera que o sentido
pessoal que o trabalho tem para o operário é consequência direta do sentido que ele tem para a
sociedade. Adaptando esta ideia para a Matemática, podemos pensar que o sentido que o
aluno tem da Matemática é consequência do sentido que ela tem para a sociedade. Este
sentido está tão fortemente internalizado, que parece ser o próprio significado social da
Matemática: uma ciência que pode proporcionar ao indivíduo um desenvolvimento
intelectual.
Os alunos não estavam no momento de irem para o mercado de trabalho. Contudo,
suas respostas já mostravam uma preocupação com esta questão, mesmo que isso não fosse
muito forte no momento da atividade de investigação. Como analisei, era mais uma
reprodução do discurso sobre o significado social da Matemática, mas isso terá um efeito no
futuro, quando estes alunos estiverem no momento de ingressar no mercado. Nesta época, eles
poderão realmente evocar a Matemática como algo fundamental para seu sucesso. De onde
vem este poder atribuído à Matemática?
Esta ciência é considerada pela maioria das pessoas como perfeita e exata, livre de
quaisquer julgamentos. Se algo foi provado matematicamente, não pode ser passível de
dúvidas. De acordo com Borba e Skovsmose (2010, p. 129) “frases como ‘foi provado
matematicamente’, ‘os números expressam a verdade’, ‘os números falam por si mesmos’, ‘as
equações mostram que’ são frequentemente usadas na mídia e nas escolas” e colocam em
relevo a importância dada à Matemática. Esse conjunto de crenças que dão à Matemática o
poder de conter o argumento definitivo e inquestionável, é denominado por Borba e
Skovsmose (2010) de ideologia da certeza.
Essas crenças, que compõem tal ideologia, ajudam a reforçar essa visão da
Matemática, transformando-a numa linguagem de poder. E, quando disseminadas, ajudam na
ruptura da qual tratei acima, entre sentido e significado da Matemática. A meu ver, as crenças
embutidas na ideologia da certeza passam a fazer parte do sentido que a Matemática tem para
a sociedade, que passa a ser o sentido que tem para os alunos.
Como a Matemática é considerada “relevante e confiável, porque pode ser aplicada a
todos os tipos de problemas reais” (BORBA; SKOVSMOSE, 2010, p. 131), muitas pessoas
179

acreditam que, sabendo Matemática, suas vidas serão melhores. Na sala de aula, a Matemática
faz parte de um mundo platônico, no qual ela é soberana, exata e resolve tudo. Como
desdobramento destas crenças, penso que outras surgem, como aquela que atribui à
Matemática a capacidade de garantir bons empregos e ganhos financeiros (basta lembrar das
respostas dadas pelos alunos).
Naturalmente, não estou negando a importância da Matemática na sociedade moderna.
Sabemos que ela é importante e, em alguns casos, motor de desenvolvimento. O que devemos
ter é uma postura crítica diante desta situação. O educador matemático com uma perspectiva
crítica poderia lutar, junto a seus alunos, contra ideias como: um argumento matemático é o
fim da história; um argumento matemático é superior por sua própria natureza (BORBA;
SKOVSMOSE, 2010). Desta forma, ele estaria combatendo as crenças que, juntas, compõem
a ideologia da certeza.
Quando propus aos alunos as tarefas investigativas, havia esta intenção também. A
turma já tinha tido experiências com investigação em sala de aula e minha ideia era colocar
em relevo esta prática, de modo que os exercícios, por exemplo, não tivessem uma única
resposta ou um único caminho para sua solução. Entretanto, tinha interesse também, em
promover algo que pudesse levar os alunos a perceberem a Matemática de uma forma mais
crítica, ajudando-os a questionar/decidir sobre situações simuladas da realidade.
Em síntese, a ideia era provocar uma perturbação em uma atividade para perceber
como os alunos reagiriam. No entanto, com os dados em mãos, fui percebendo a ruptura da
qual tratei acima, como uma contradição dentro da atividade dos alunos.
Contradições internas em um sistema de atividades podem funcionar como fontes de
mudanças e desenvolvimento neste sistema (ENGESTRӦM, 2001). As contradições são
interpretadas de várias formas: “contradições são tensões estruturais historicamente
acumuladas dentro e entre sistemas de atividades 68 ” (ENGESTRӦM, ibidem, p. 137);
“Tensão, o contraste, a negação ou oposição entre duas proposições 69 ” (MURPHY &
RODRIGUEZ-MANZANARES, 2008, p. 445). “Problemas, rupturas, quebras, confrontos em
atividades70” (KUUTTI, 1996, apud MURPHY& RODRIGUEZ-MANZANARES, 2008, p.
445), para citar alguns exemplos.
De forma geral, a existência de contradições é até desejável, já que seu enfrentamento
pode mover a atividade. Ela acaba sendo um motor para mudanças. Se a contradição já está
68
Tradução para: contradictions are historically accumulating structural tensions within and between activity
systems.
69
Tradução para: tension, contrast, denial, or opposition between two propositions.
70
Tradução para: problems, ruptures, breakdowns, clashes in activities.
180

instalada e algum sujeito, ou grupo de sujeitos, decide que algumas de suas ações serão em
favor de superar esta contradição, isso pode desestabilizar a estrutura da atividade. Se a
contradição é resolvida, uma nova configuração da atividade se instaura.
No meu modo de entender e adotando a compreensão de Kuutti (1996) para
contradição (citada acima), entendo que a ruptura percebida entre sentido e significado da
Matemática, nas falas dos alunos, configura-se como uma contradição que possui uma longa
história e afeta o seu desenvolvimento na escola. Como vimos, esta contradição, embora
interna à atividade dos alunos na escola, tem suas raízes na significação que a sociedade dá à
Matemática e que, em boa medida, tem na ideologia da certeza uma de suas causas. A
atividade dos alunos da escola, inclui a atividade de investigação. É uma cadeia de atividades
entrelaçadas.
Inicialmente, contudo, a percepção desta ruptura não havia ocorrido. Isto só se deu
após analisar as respostas dos alunos às entrevistas. No início, a ideia subjacente às propostas
que fiz para as investigações em sala de aula era perturbar a forma como os alunos estavam
trabalhando nesse espaço, com propostas investigativas.
A necessidade de saber sobre os motivos dos alunos para a participação em tarefas
investigativas, se tornou motivo para minha pesquisa. No meio do caminho, percebi a ruptura
existente entre o significado social e o sentido pessoal dos alunos para aquilo que propus.
Minhas ações, embora não intencionalmente, fizeram emergir elementos que mostraram,
claramente, esta situação.
Acredito que o aceite dos alunos não se configurava, necessariamente, como um aceite
ao envolvimento na atividade, em busca de desenvolvimento intelectual. Entretanto, em
alguns casos, isto pode ter ocorrido. No caso de Leandro, na atividade com o tangran e, nos
casos de Paulo e Lauro, na atividade sobre planos de telefonia celular. Então, nesse sentido, as
atividades investigativas podem ter papel importante na tentativa de amenizar esta
contradição, esta ruptura entre sentido e significado da Matemática. Isso não informa que as
atividades investigativas sejam a única alternativa para tratar desta contradição. Ela é uma
possibilidade a ser tentada.
Ainda assim, devemos lembrar que os alunos podem não aceitar o convite, ou seja,
podem não se envolver. Isto pode indicar muitas coisas. Uma delas é que a proposta, que pode
ter sido aceita no início por um motivo disparador, não consiga sustentar a participação do
aluno, e os motivos perdem sua força. O aluno não enxerga a necessidade de vencer um
desafio ou este desafio nem surge para ele (Gabriel ficou esperando algo interessante ocorrer),
por exemplo. Outra, é que, como as atividades investigativas não estão isentas da influência
181

de outras atividades, pode acontecer de uma apropriação ocorrida em uma delas, ser tão
importante, que impede, ou inibe. a participação do aluno.
Um exemplo pode ser Gabriel. A significação do outro para ele, que foi o que ele
internalizou em relação às suas capacidades, parece ter sido muito forte. Acredito que, para
Gabriel, a escola o excluíra, ao reprová-lo. Parece ter sido uma marca muito forte que, nada
que se relacionasse a ela, mesmo sendo proposta por outra pessoa que não estava ali
normalmente, o movia.
De qualquer forma, ações com o objetivo de enfrentar esta contradição da atividade de
aprendizagem Matemática, são bem vindas. E isso pode ser discutido mais profundamente em
estudos futuros.
Na presente pesquisa, meus esforços foram no sentido de estudar os motivos dos
alunos para envolvimento em atividades investigativas e verificar possíveis aproximações
destes motivos, com os objetos destas atividades. A análise foi fortemente guiada pela minha
compreensão de que os motivos são influenciados pela situação social de desenvolvimento
das pessoas. Mas esta é apenas uma das muitas formas de se estudar os motivos. Na
perspectiva histórico-cultural, poderíamos associar motivos a outros conceitos importantes,
como identidade social, interesse, desejo, cultura, além de podermos explorar seu estudo entre
alunos de outras faixas etárias.
182

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191

ANEXO A
Termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE)
192

ANEXO B

Tarefa sobre planos de telefonia celular


193
194
195
196

ANEXO C
Tarefa de ampliação/redução do tangram
197

ANEXO D
Tangram ampliado
198

ANEXO E
Questionário
199

APÊNDICE A

Conta de luz

Por que a conta de luz é tão cara?

Leiam dois trechos de uma reportagem da Revista Época on line71, publicada em 14 de


agosto de 2012, sobre a celeuma em torno da energia elétrica.
O Brasil é o país do sol brilhante e do vento forte, dos rios caudalosos, da Usina de Itaipu, das
grandes reservas de petróleo e urânio – e, mesmo assim, é também um país de energia muito
cara. Você paga a maior parte desse preço alto ao fazer compras por aí, já que a energia
encarece os serviços de sua lavanderia e de seu cabeleireiro e também a produção de roupas,
sapatos, celulares, bicicletas, utensílios de cozinha e tudo o mais a seu redor.
Em outro trecho da reportagem...
A indústria brasileira paga mais que os concorrentes em outros países. E a conta de luz
tradicional de sua casa resulta na tarifa mais cara entre todas as nações emergentes. Ela se
compara à dos países nórdicos, ricos e dependentes de aquecimento. A família brasileira paga
pela luz mais que a americana e a britânica e muito mais que a mexicana e a sul-coreana,
segundo um estudo do pesquisador Alcides Leite, da Trevisan Escola de Negócios. Haverá
jeito de baratear a energia no Brasil?
Em outra reportagem da revista EXAME.com72, do dia 10 de setembro de 2012, lê-se,
em um trecho:

71
Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/ideias/noticia/2012/08/por-que-luz-e-tao-cara.html. Último
acesso: 25 de setembro de 2012, às 16:52.
72
Disponível em: http://exame.abril.com.br/meio-ambiente-e-energia/energia/noticias/por-que-a-energia-custa-
tao-caro-no-brasil. Último acesso: 25 de setembro de 2012, às 17:06.
200

Às vésperas do feriado da Independência, na última quinta-feira, a presidente Dilma Rousseff


anunciou reduções significativas nas tarifas de energia para os consumidores residenciais e
industriais. O abatimento na conta de luz, de 16% e até 28%, respectivamente, vai ser
comunicado oficialmente amanhã e vem ao encontro a uma demanda antiga dos
consumidores, especialmente os do setor industrial, que alegam que o custo elevado da
eletricidade no país – que figura entre as mais caras do mundo – prejudica a competitividade
da indústria nacional.
1) Esta decisão da Presidente afetará os gastos das famílias brasileiras mas, em particular,
os gastos da indústria. Em sua opinião, o que esta redução trará de benefício para a
indústria, que poderá trazer impactos positivos sobre a população?
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_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
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2) Segundo especialistas o Brasil vive, hoje, um paradoxo quando analisamos as suas


potencialidades naturais e o custo da energia para o consumidor. Tente explicar esta
visão dos especialistas.
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Um dos problemas do alto custo da conta de luz está na grande quantidade de


impostos embutidos nela, pagos pelo consumidor ao Estado e à Federação. Nas contas da
201

CEMIG, os impostos especificados são: ICMS (Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias e


Serviços), COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) e PASEP
(Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público)73.
Considerem a conta de luz entregue a vocês.
a) Qual o percentual pago a cada um dos tributos citados acima?

b) Belo Horizonte possui, atualmente, aproximadamente 2375444 habitantes.


Suponha que o gasto de energia elétrica diário, por habitante seja, em média,
2Kwh. Qual seria o valor da conta única de energia de toda a cidade em um mês,
considerando as informações da conta dada? Quanto o governo estadual recolheria
de ICMS, neste caso? E quanto recolheria o governo Federal? Onde você acredita
que seja gasto esse dinheiro, por parte dos governos Estadual e Federal?

c) Se a decisão do governo, sobre a diminuição de preços da energia elétrica, fosse


aplicada à conta que lhe foi fornecida, quantos reais seriam economizados?

d) Esta economia permitiria que uma lâmpada incandescente, de potência 100W


ficasse ligada por quanto tempo?

e) Se toda essa economia fosse poupada todos os meses, durante 1 ano, seria
suficiente para pagar quantas contas de luz, supondo o mesmo consumo da conta
fornecida?

73
O ICMS é recolhido pela CEMIG e vai para o Estado. O PASEP e o COFINS vão para o Governo
Federal.
202

f) Se a escolha fosse individual, você teria escolhido qual tema? Por que? (Cada
aluno do grupo deve escrever sua resposta pessoal).
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__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
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g) Por que o grupo escolheu este tema?
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203

APÊNDICE B
SEMELHANÇA DE TRIÂNGULOS

1) Considere a sequência: 1, 2, 3, 4, 5, 4, 3, 2, 1, 2, 3, 4, 5, 4, 3, 2, 1, 2, 3, 4, 5, 4, 3, 2…. Qual é


o elemento da 2003a posição? Explicite seu raciocínio da forma que achar melhor, mas não
deixe de fazê-lo?

2) Numa plantação de melancia, foi instalada uma rede de irrigação conforme representado na
figura. A medida total do comprimento dos dutos utilizados para construir essa rede foi de
quantos metros?

Se a escolha do tema fosse individual, qual tema você teria escolhido? Cada membro do grupo
deve escrever sua resposta. (Se necessário utilize o verso da folha)
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Por que esta foi a escolha final do grupo? (Se necessário utilize o verso da folha).
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