T Ese Final Banca
T Ese Final Banca
T Ese Final Banca
Faculdade de Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação
Belo Horizonte
2014
Edmilson Minoru Torisu
Belo Horizonte
2014
T683 Torisu, Edmilson Minoru, 1967-
T Motivos para envolvimento em tarefas investigativas em aulas de
matemática à luz da teoria da atividade : um estudo com alunos do ensino
fundamental / Edmilson Minoru Torisu. - Belo Horizonte, 2015.
203 f., enc, il.
CDD- 510.7
Catalogação da Fonte : Biblioteca da FaE/UFMG
Edmilson Minoru Torisu
MOTIVOS PARA ENVOLVIMENTO EM TAREFAS INVESTIGATIVAS
EM AULAS DE MATEMÁTICA À LUZ DA TEORIA DA ATIVIDADE:
UM ESTUDO COM ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL
________________________________________________________
Profa. Dra. Jussara de Loiola Araújo – UFMG – Orientadora
________________________________________________________
Profa. Dra. Ana Cristina Ferreira – UFOP – Examinadora
_________________________________________________________
Prof. Dr. Arthur Belford Powell – Rutgers University – Examinador
_________________________________________________________
Profa Dra. Maria de Fátima Cardoso Gomes – UFMG – Examinadora
_________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Inês Mafra Goulart – UFMG – Examinadora
_________________________________________________________
Profa. Dra. Diva Souza Silva – UFU – Examinadora Suplente
_________________________________________________________
Profa. Dra. Teresinha Fumi Kawasaki - UFMG – Examinadora Suplente
Neste momento, quero agradecer a muitas pessoas que, de uma forma ou de outra,
estiveram ao meu lado durante a realização do doutorado. Algumas caminharam ao meu lado,
dia a dia, sempre me fazendo acreditar que valeria a pena. Outras, eu pude encontrar menos,
mas quando precisei, estavam de braços abertos para me receber.
Agradeço:
A DEUS, sempre.
Aos meus queridos PAIS, Matias e Helena, meus queridos IRMÃOS e meus queridos
SOBRINHOS. Obrigado por ligarem exatamente naquele dia em que eu precisava ouvir uma
palavra amiga.
À professora Jussara de Loiola Araújo, pela sua orientação cuidadosa e batalha
incansável para que tudo saísse da melhor maneira. Obrigado por tudo que me ensinou e pelo
seu comprometimento semanal conosco. Obrigado, também, por nos socorrer nos momentos
de desânimo.
À professora e aos alunos dos nonos anos, B e C, da escola em que fiz a pesquisa de
campo. Obrigado pela acolhida e por me permitirem participar de muitos momentos das suas
vidas. Obrigado aos alunos Paulo, Lauro, Leandro e Gabriel, por terem dedicado parte de seu
tempo para as entrevistas fora da sala.
Aos colegas do grupo de orientação: Alessandra, Ana Paula, Bruna, Célio, Francisco,
Ilaine, Rutyele e Wanderley, pelas leituras e discussões que só fizeram o trabalho se
aprimorar.
Ao grupo da Educação Matemática da FaE e aos professores da Pós-Graduação.
Um especial agradecimento à Ana Paula e ao Fernando, pela preciosa ajuda nesta
etapa final. Vocês foram demais!
Francisco, obrigado pelo café colombiano.
Aos colegas do grupo sobre Teoria da Atividade: André, Beth, Cristina Ferreira, Diva,
Eduardo, Ilaine, Jorge, Jussara, Manuela, Marinês, Teresinha e Vanessa, por me receberem no
grupo, desde 2011, e me ensinarem muito sobre TA. Como eu gostava das reuniões!
Ao CNPq, pelo auxílio financeiro que possibilitou a realização deste trabalho.
À CAPES, pelo auxílio financeiro para o doutorado sanduíche nos Estados Unidos.
Aos meus amigos Alexandre Wallas e Martinho, pelos momentos de alegrias e
reclamações. De reclamações e alegrias.
À Dona Marlene, amiga de minha família, pela amizade e proteção.
À Rose, Daniele e Gilson, da secretaria da pós-graduação, pela simpatia que parece
‘para sempre’. Preciso aprender com vocês.
À Rutgers University por ter me recebido durante o doutorado sanduíche. Obrigado à
Kandy pelas ajudas, desde o início do processo para a viagem.
Aos amigos, Heitor e Carol, por terem se tornado meus pais nos Estados Unidos.
Aos membros da banca:
Professora Ana Cristina Ferreira, pelo apoio irrestrito e por acreditar em mim desde a
especialização. Meu obrigado não é somente pelas leituras cuidadosas, mas por ter me
ensinado muito do que hoje sei. Obrigado por me ouvir em momentos importantes. Obrigado,
só por me ouvir.
Ao professor e amigo, professor Arthur Belford Powell, por ter me recebido de braços
abertos na Rutgers University, nos Estados Unidos. Obrigado pelos ensinamentos acadêmicos
e obrigado pelos ensinamentos de vida.
Professora Diva Souza Silva por se dispor a ler meu trabalho e dar opiniões que
acrescentarão muito ao seu conteúdo. Saiba de minha admiração por você.
Professora Maria de Fátima Cardoso Gomes (Mafá), por ter me ensinado muito em sua
disciplina, por ter sido parecerista do meu projeto de pesquisa e por ter me dado a honra de
estar em minha banca.
Professora Maria Inês Mafra Goulart, por tudo. Ah, Marinês! Você se tornou uma
pessoa muito querida. Não somente pela paciência de discutir as ideias ‘loucas’ que eu tinha,
mas, sobretudo, porque você apostava nelas. Ainda vou chegar a ter a sua desenvoltura e
sabedoria para falar, falar, falar e tudo fazer sentido.
Professora Teresinha Fumi Kawasaki, pela leitura cuidadosa do meu trabalho, mas,
sobretudo, por ter me ensinado, silenciosamente, muitas coisas boas. Obrigado por ter me
aguentado todo este tempo, como seu tutor na EAD e por compartilhar, comigo, o gosto pelas
plantas.
À minha família
O importante e bonito do mundo é
iss
isso: que as pessoas não estão
sempre iguais, ainda não foram
terminadas,, mas que elas vão
terminadas
sempre mudando,,
mudando afinam e
desafinam.
Guimarães Rosa
RESUMO
Esta pesquisa teve como foco o estudo dos motivos dos alunos para participação em tarefas
investigativas na aula de Matemática. Nesse sentido, o principal objetivo foi relacionar o
envolvimento desses alunos em ambientes denominados cenários para investigação e uma
possível aproximação entre os seus motivos e o objeto dessa atividade. Para uma
compreensão de atividade, motivos e objeto, busquei apoio na Teoria da Atividade, que
embasou este estudo, e cujas raízes encontram-se nos estudos de Vygotsky, com destaque,
também, para Leontiev, Davydov e Engestrӧm. A abordagem metodológica foi qualitativa. A
pesquisa de campo ocorreu ao longo de um semestre, período no qual acompanhei aulas de
Matemática de duas turmas do nono de uma escola pública de Belo Horizonte, Minas Gerais.
Ao longo da minha estada na turma, propus quatro tarefas investigativas aos alunos, que se
dividiam em grupos de quatro ou cinco integrantes para sua realização. Optei por analisar, de
forma mais pormenorizada, a realização de duas das tarefas por parte de um grupo com quatro
alunos, com idades que variavam de 14 a 17 anos. Os procedimentos metodológicos foram
observação participante; duas entrevistas semiestruturadas; registros escritos das tarefas;
questionários aplicados após as tarefas; gravações em áudio e vídeo da sala de aula, durante
os trabalhos. Os resultados mostraram que os alunos, ao verbalizarem seus motivos para
participação nas tarefas propostas, reproduzem o discurso que representa o significado social
que a Matemática tem, como algo de utilidade para o cotidiano e para o sucesso profissional
no futuro. O aceite ao convite para participar dos cenários para investigação é impulsionado
por motivos locais, como ‘cumprir o papel de aluno realizando a tarefa’, ‘manter uma boa
imagem de aluno’, e isso coloca os alunos em ação, caracterizando seu envolvimento. O
envolvimento está vinculado ao aceite ao convite. Outros motivos locais, como ‘gostar de
Matemática’ ou ‘vencer o desafio da tarefa’, além de impulsionarem o aceite e, como
consequência, o envolvimento, parecem ter uma aproximação maior com a Matemática
presente nos objetos das atividades, como o plano de telefonia celular.
This research focused on the study of students' motives for participation in investigative tasks
in the mathematics classroom. In this sense, the main objective was to relate the involvement
of these students in environments called landscapes of investigation and possible
rapprochement between their motives and the object of this activity. For an understanding of
activities, motives and object, sought support in the Activity Theory, which grounded this
study, and whose roots lie in studies of Vygotsky, to also highlight Leontiev, Davydov and
Engestrӧm. The methodological approach was qualitative. The fieldwork took place over one
semester, during which time the researcher followed Mathematics lessons of two ninth grade
classes in a public school in Belo Horizonte, Minas Gerais. Throughout my stay in the class,
proposed four investigative tasks to the students, who were divided into groups of four or five
members to work on the tasks. I chose to analyze, in more detail, their work on two tasks by a
group of four students, with ages ranging from 14 to 17 years old. The methodological
procedures were participant observation; two semi-structured interviews; written records of
the tasks; questionnaires after the tasks; audio and video recordings in the classroom during
work. Results showed that students, to verbalize their motives for participating in the
proposed tasks, reproduce speech about the social significance of mathematics, as something
useful for everyday life and for professional success in the future. The accepted the invitation
to participate in landscapes of investigations for research is driven by local motives as
'fulfilling the role of student performing the task,' 'maintain a good image of student', and for
these motives they became involved in the tasks. They were involved because they accepted
the invitation. Other local motives such as 'like mathematics' or 'the challenge of the task',
accounted for their involvement as well as their relationship to objects that were in the
mathematical task such as a cellphone plan.
Este estudo, que aqui apresento, surgiu após vários anos em sala de aula, como
professor de Matemática para os ensinos fundamental e médio. Percebia que, de forma geral,
a relação dos alunos com a Matemática não era muito amistosa e muitos pareciam rejeitá-la.
Incomodado com essa situação utilizei, em alguns momentos, novas abordagens para o ensino
de alguns conteúdos, visando maior interesse dos alunos.
Elegia, sobretudo, abordagens que pudessem se diferenciar dos métodos tradicionais,
em que os alunos são receptores e os professores transmissores do conteúdo, a exemplo da
educação bancária discutida por Freire (1978). Ou ainda aquelas que, em alguma medida, se
contrapunham ao que Skovsmose (2000) denomina paradigma do exercício.
Na perspectiva desse paradigma, a Educação Matemática tradicional dá-se da seguinte
forma: o professor apresenta algumas ideias e ensina algumas técnicas que os alunos
utilizarão em exercícios posteriores. Nesse modo de ensinar Matemática, não há espaço para
questionamentos ou participação dos alunos. A resposta para cada exercício é única e
universal (SKOVSMOSE, 2000).
Algumas abordagens trouxeram bons resultados. Outras, nem tanto. Bons resultados,
aqui, podem ser entendidos como uma boa aceitação dos alunos, traduzida em uma maior
participação durante as aulas. Ainda que minhas investidas tenham surtido algum efeito, em
muitos momentos me via perdido. Para experimentar novas possibilidades, sentia a
necessidade de algum suporte teórico. Algo que justificasse certa abordagem e não outra.
Até este ponto, tentei mostrar minha visão com lentes de professor. Porém, minhas
inquietações e angústias somente puderam ser abrandadas quando voltei à universidade para
estudar mais, o que poderia me permitir usar lentes de pesquisador. Nesse sentido, decidi
ingressar no curso de especialização em Educação Matemática, oferecido pela Universidade
Federal de Ouro Preto. Meus conhecimentos acerca da Educação Matemática (EM) eram
incipentes.
Embora eu tenha utilizado a expressão ‘paradigma do exercício’ ao me referir àquilo
que algumas de minhas práticas contrapunham-se, à época eu não tinha conhecimento teórico
para fazer tal afirmação. Somente na especialização é que iniciei minhas leituras no campo da
Educação Matemática. Neste curso, entrei em contato com algumas produções da área e
aprendi muito. Fundamentalmente, adquiri algumas competências para avaliar melhor minha
prática em sala de aula e, na medida do possível, pude aprimorá-la.
14
Naquele momento, uma temática que muito me interessava tratava da relação existente
entre os aspectos cognitivos e afetivos, no processo de ensino e aprendizagem. O afeto possui
várias componentes, das quais o autoconceito a as atitudes fazem parte. Estes são construtos
que estão relacionados e influenciam, de forma decisiva, o comportamento. Segundo Brito
(1996, p. 11), atitudes são “uma disposição pessoal idiossincrática, presente em todos os
indivíduos, dirigida a objetos, eventos ou pessoas, que assume diferente direção e intensidade
de acordo com as experiências do indivíduo”. Já, o autoconceito é, de acordo com Bandura
(1986, p. 409), “uma visão composta de um indivíduo, que é formada através da experiência
direta e avaliações adotadas de outras pessoas significativas”.
Movido por esse interesse, realizei um estudo1 (TORISU, 2008) sobre as atitudes e o
autoconceito de 464 alunos do 5o e 7o anos de várias escolas públicas da cidade de Ouro
Branco, Minas Gerais. Os dados foram coletados por meio de um questionário e uma escala
do tipo Likert. Finda a especialização, decidi participar do processo seletivo para o mestrado
em Educação Matemática, na mesma instituição. Durante todo o período do mestrado
continuei em sala de aula e conciliava o estudo com o trabalho tentando, no último, aplicar os
conhecimentos que havia adquirido ou estava adquirindo.
A pesquisa de mestrado (TORISU, 2010) teve como principal objetivo verificar, como
atividades extraclasse, quando propostas a um grupo de alunos com baixo rendimento escolar
em Matemática, poderiam incrementar a credibilidade que cada um tinha em torno de sua
capacidade para aprender os conteúdos desta disciplina. Na Teoria Social Cognitiva, esses
julgamentos que as pessoas fazem sobre sua capacidade para aprender algo são denominados
crenças de autoeficácia. Para Schunk (1991), especificamente no âmbito da escola, as crenças
de autoeficácia se relacionam às convicções pessoais para realizar certa tarefa proposta e com
qualidade pré-determinada. As crenças de autoeficácia estão diretamente relacionadas à
motivação dos alunos, na medida em que, é em função desses julgamentos que o aluno (ou as
pessoas de modo geral) tem um incentivo para realizar suas ações em determinada direção,
uma vez que antecipam mentalmente o que podem fazer para realizá-las2.
Importante ressaltar que os estudos realizados na especialização e no mestrado
mostram meu interesse em questões que envolvem a relação do aluno com a Matemática, em
vários aspectos. As atitudes e o autoconceito dos alunos em relação a essa disciplina, bem
1
Constatou-se, a partir da análise estatística, que alunos do sexo feminino, de ambas as séries, têm atitudes e
autoconceito mais favoráveis em relação à Matemática e que o autoconceito, no grupo estudado, influencia as
atitudes dos alunos em relação à Matemática.
2
Alguns dos resultados mostram que: as experiências de êxito e a persuasão verbal constituem poderosas
ferramentas de autoeficácia; as sessões extraclasse, da forma como foram organizadas, contribuíram para o
incremento das crenças de autoeficácia dos alunos e aumentaram seu nível de motivação.
15
como sua autopercepção em relação às suas capacidades de aprender, traduzidas por crenças
de autoeficácia, mais ou menos robustas, podem representar um retrato do que é a Matemática
para muitos de nossos alunos.
Além da dissertação, outra grande contribuição do mestrado foi me possibilitar trilhar
o caminho metódico que o pesquisador segue, na busca por resultados que possam lançar luz
sobre seus questionamentos e, talvez, respondê-los. Meus anseios de professor passaram,
então, a dialogar mais profundamente com as inquietações de pesquisador. Agora, meu
interesse se alargara. Queria respostas, mas, fundamentalmente, desejava saber mais sobre
EM e precisava estudar.
Uma das primeiras leituras realizadas e que não tinha relação direta com o referencial
teórico utilizado no mestrado, foi o artigo de Ole Skovsmose (2000) intitulado ‘Cenários para
investigação’, no qual o autor discute a distinção entre o ensino tradicional da Matemática,
que se enquadra no paradigma do exercício, e o que ele denomina cenários para investigação.
Para Skovsmose (ibidem), a Educação Matemática baseada em cenários para investigação
pode romper com a forma engessada de se ensinar tal disciplina, por meio de ambientes de
aprendizagem em que há uma maior atuação dos alunos, agindo e refletindo sobre suas
práticas e podendo ter, por isso, acesso a uma Educação Matemática Crítica (EMC).
A principal preocupação da EMC é o desenvolvimento da materacia, que se opõe à
EM baseada somente na aquisição de habilidades para cálculos matemáticos e privilegia uma
EM que promova a participação crítica do aluno, como alguém inserido em uma sociedade, e
que discute questões relativas a ela. A EMC é uma extensão, para a Matemática, da pedagogia
libertadora defendida por Freire (1978) e que encontra adeptos em várias áreas. As ideias
preconizadas pela EMC vão ao encontro da minha vontade de possibilitar aos meus alunos
uma educação um pouco mais humanizada. Além disso, concordo com Skovsmose (2007, p.
6) quando ele considera que “cenários representam uma tentativa educacional para estabelecer
uma educação matemática com mais significado”. Quando me refiro a um ensino de
Matemática baseado na EMC e em cenários para investigação como via de acesso à EMC,
não pretendo afirmar que tal prática resolverá todas as mazelas do ensino de Matemática.
Porém, acredito que seja uma boa proposta para o ensino dessa disciplina. Mais tarde fui
percebendo, também, que a investigação em sala de aula pode ser uma opção para amenizar a
forma alienada como tem sido tratado o ensino de Matemática. Esta discussão será feita no
capítulo 6 desta tese.
No entanto, estes conhecimentos sobre Educação Matemática Crítica não surgiram da
noite para o dia. O primeiro contato que tive com o pesquisador Ole Skovsmose foi por
16
de aula pode suscitar uma mudança no seu envolvimento e na percepção daquilo que o
conhecimento matemático representa para eles.
Nessa época, meu contato com teoria da atividade (TA) já ocorrera. Aventei a
possibilidade de ela ser um quadro teórico que viria em meu auxílio porque também considera
o motivo para participação em uma atividade. Porém, será que estamos falando do mesmo
motivo?
Na TA, “o motivo implica uma relação pessoal do sujeito com o objeto da atividade”
(FOOT, 2002). O motivo diz respeito àquilo que move o sujeito, que o faz entrar em ação,
rumo a algo que satisfaça uma necessidade, quando ele participa de uma atividade.
A partir de todo o exposto recortei, então, a seguinte questão de pesquisa: Como se
relacionam o envolvimento dos alunos em cenários para investigação e uma possível
aproximação entre os seus motivos e o objeto desta atividade?
Para levar a cabo uma pesquisa orientada por essa pergunta, precisaria aprofundar
meus conhecimentos teóricos. Ingressei no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de
Educação (FAE) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) no primeiro semestre de
2011. Durante aquele ano, cursei todos os créditos relativos às disciplinas obrigatórias e
eletivas. Várias delas contribuíram de forma substancial para meu aprofundamento teórico.
Em particular, algumas que tratavam diretamente das ideias de Vygotsky e seus discípulos
bem como aquelas que, de alguma forma, dialogavam com as ideias deste autor russo, se me
apresentaram como um pano de fundo teórico bastante rico e promissor para dar suporte à
pesquisa.
Na disciplina ‘Vygotsky: leituras contemporâneas’, estudei mais detalhadamente
vários textos desse autor e de autores atuais (na maior parte estrangeiros), cujas teorias
dialogam com as ideias de Vygotsky. Essencialmente, o objetivo da disciplina era estabelecer
conexões entre autores contemporâneos e Vygotsky. Em ‘O biológico, o social e o cultural na
obra de Vygotsky’, outra disciplina cursada, a ênfase foi também na obra de Vygostky. No
entanto, nesse caso, houve predominância de textos de autores brasileiros, estudiosos de sua
obra. A disciplina ‘Aprendizagem situada’ também foi importante e se apresentou como uma
teoria da aprendizagem em contexto social, a meu ver, claramente influenciada por Vygotsky.
Já a disciplina cujo conteúdo era parte da obra de Paulo Freire pode ser classificada (em
minha opinião) como humanizadora/crítica. Tornar-se humano numa perspectiva crítica talvez
fosse a tônica da obra de Freire. Entender e exercer seu papel social e, ao mesmo tempo ter
consciência de sua incompletude/inacabamento/inconclusão é condição para ‘ser humano’.
18
Outro fato decisivo para minha formação foi participar, desde o início do doutorado,
do Grupo de Pesquisa e Estudos Histórico-Culturais em Educação Matemática e em Ciências
da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais3. Este grupo é formado
por professores do Programa de Pós-graduação, de seus orientandos e de outras pessoas que
têm interesse nesse assunto. Dediquei o primeiro semestre de 2012 somente às reuniões do
grupo, reuniões de orientação e reuniões da nossa linha de Educação Matemática. No tempo
restante, me debrucei sobre leituras que poderiam me ajudar na pesquisa de campo, que se
iniciaria em agosto do mesmo ano. Esse momento de pesquisa e estudo foi fundamental para
que eu pudesse realizar a coleta de dados um pouco mais seguro.
A coleta de dados ocorreu de agosto a novembro de 2012. No primeiro semestre de
2013 recuperei os dados coletados na pesquisa de campo para, a partir deles, esboçar uma
análise que faria parte do material de qualificação. Realizei, também, muitas leituras voltadas
à discussão da TA. Em particular, me dediquei à leitura completa de livro ‘O
desenvolvimento do psiquismo’, de Alexei Leontiev e cursei mais uma disciplina, esta
tratando especificamente de algumas abordagens da Teoria da Atividade.
Era um desejo, desde a minha entrada para o doutorado, realizar um período de
estudos fora do país. Minha qualificação ocorreu em outubro de 2013 e, após este exame, por
intermédio de minha orientadora, da Secretaria da Pós-Graduação, da Pró-Reitoria de Pós-
Graduação da UFMG, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(Capes), fui admitido para permanecer, de fevereiro a junho de 2014, na Rutgers,
Universidade do Estado de Nova Jersey (Rutgers, University of the State of New Jersey), nos
Estados Unidos, sob a supervisão do professor Dr. Arthur B. Powell. O professor Powell,
mantém um intenso intercâmbio de trabalhos com pesquisadores brasileiros e prestou ótimas
contribuições à minha pesquisa. Também tive contato com outros alunos de doutorado e
participei de disciplinas e vários seminários, além de realizar algumas leituras que tinham
relação com minha pesquisa.
Estas leituras realizadas nos Estados Unidos, bem como aquelas realizadas ao longo
das disciplinas e do ano de 2013, serviram para compor os dois primeiros capítulos desta tese,
que está assim organizada:
- No capítulo 1 realizo uma discussão panorâmica da TA, desde sua gênese até os dias atuais.
Mostro sua evolução por meio de suas três gerações. Dentro deste referencial, defino
3
Grupo cadastrado no Diretório de Grupos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq), coordenado pelas professoras doutoras Jussara de Loiola Araújo e Maria Manuela Soares David.
19
CAPÍTULO 1
A TEORIA DA ATIVIDADE
Marx (2001, apud SANCHEZ VASQUEZ, 2007, p. 223) ilustra muito bem a diferença
entre uma atividade exclusivamente humana e outra, possível de ser realizada por qualquer
outro animal, com o seguinte exemplo:
21
Importante ressaltar que, embora o resultado ideal seja uma antecipação do resultado
real que se obtém, isso não significa que esse último seja uma cópia fiel do primeiro. Ele pode
assemelhar-se muito, pouco, ou quase nada ao modelo idealizado já que o processo de sua
realização não é linear e nem isento de mudanças. De qualquer forma, ao idealizar um
resultado da atividade o homem se desenvolve.
A existência de fins na atividade humana evidencia, se não uma insatisfação com a
realidade (e aí o homem deseja mudá-la), pelo menos o desejo de satisfazer a uma
necessidade que só se efetiva quando o resultado real é atingido.
Para Marx, essa atividade consciente do homem comum que age para transformar o
meio e que traz, como consequência, a transformação do próprio homem, é denominada
práxis humana ou trabalho. Nas palavras de Marx (apud Leontiev 1978b, p. 74):
4
A paginação apresentada para esta obra de Davydov é aquela referente a uma tradução para o português, não
publicada, de José Carlos Libâneo e Raquel A. M. da Madeira Freitas, a partir da tradução do russo para o inglês
da obra Problems of developmental teaching. The experience of theoretical and experimental psychological
research - excerpts, para uso didático, na disciplina: Didática na perspectiva histórico-cultural, no PPGE da
Universidade Católica de Goiás. Excetuam-se os capítulos III e IV, traduzidos do espanhol do livro: DAVÍDOV,
V. V. La enseñanza escolar y el desarrollo psíquico. Moscú: Editorial Progreso, 1988. Esclarecemos que os dois
títulos correspondem à mesma obra original russa, de Davydov.
22
mundo, em segundos; que me fornece qualquer informação, muitas vezes em tempo real, em
qualquer lugar onde eu estiver?
Desta forma, quando olhamos para um aparelho de telefone celular o que enxergamos
está longe de ser somente as conversas com os amigos. Vemos, também, a possibilidade de
enviar uma foto, quase que instantaneamente, para alguém especial e que está longe, a
facilidade de saber de uma notícia ou informação em qualquer lugar, por meio da internet,
dentre várias outras coisas que o celular oferece e que funcionam como facilitadores da nossa
vida.
Como último exemplo, mais atual e agora mais próximo da sala de aula, seria tomar
algum material escolar de uso diário dos alunos: a lapiseira, por exemplo. Ela não serve
apenas como utensílio de escrita, mas encarna toda a história de sua criação e modos de uso.
Entretanto, a objetivação não se restringe às coisas materiais. Na coleta de dados desta
pesquisa, eu estive em sala de aula de Matemática com a professora, os alunos e suas práticas.
Esse contexto tem nele, objetivada, toda uma história de sua construção, de suas mudanças.
Penso que a ideia de objetivação é muito próxima de um dos princípios da Teoria da
Atividade, denominado historicidade, e que será discutido mais à frente, na seção 1.3.
O que está objetivado em um instrumento conta sua história, e cada etapa dessa
história é resultado do surgimento de novas necessidades demandadas pela sociedade. A cada
nova necessidade associa-se um aperfeiçoamento do instrumento. E não é somente o
aperfeiçoamento dos instrumentos que já existem que satisfaz o ser humano. Surgem
necessidades que exigem a produção de novos instrumentos. Como essa produção ocorre no
âmbito do trabalho coletivo, novas maneiras de produzir e novas relações sociais também são
criadas. Nesse sentido, tanto os instrumentos quanto as relações sociais e a comunicação
(expressa pela fala) se objetivam.
Tratar da objetivação requer que tratemos de algo que está a ela relacionado: o
processo de apropriação pelos indivíduos. “O termo apropriação refere-se a modos de tornar
próprio, de tornar seu” (SMOLKA, 2000, p. 28) 5 . O homem, durante a produção de
instrumentos e nas relações sociais que levam a isso, apropria-se do conteúdo histórico neles
contido (nos instrumentos e nas relações sociais).
Leontiev (1978b) nos informa que o processo de apropriação é sempre ativo do ponto
de vista do homem já que, para se apropriar dos objetos ou fenômenos que são produto do
desenvolvimento histórico, ele deve se envolver em uma atividade que reproduza os traços
5
Itálico no original.
24
essenciais da atividade neles encarnada. Ao contrário do que ocorre com os animais, para os
quais o uso de instrumentos não provoca novas operações motoras, o ser humano, ao utilizar
os instrumentos, reorganiza os seus movimentos naturais instintivos porque se apropria das
operações motoras neles incorporadas.
Assim, surgem novas aptidões, funções superiores e psicomotoras que hominizam a
sua esfera motriz. Da mesma forma que o homem se apropria dos instrumentos, ele se
apropria também da linguagem, um fenômeno intelectual, que provoca nele mudanças. Como
nos conta Leontiev (ibidem, p. 269), “[...] a aquisição da linguagem não é outra coisa senão o
processo de apropriação das operações de palavras que são fixadas historicamente nas suas
significações [...]”.
Do exposto acima podemos dizer que a principal característica do processo de
apropriação é:
[...] criar no homem aptidões novas, funções psíquicas novas. É nisto que se
diferencia do processo de aprendizagem dos animais. Enquanto este último é
o resultado de uma adaptação individual do comportamento genérico a
condições de existência complexas e mutantes, a assimilação do homem é
um processo de reprodução, nas propriedades do indivíduo, das propriedades
e aptidões historicamente formadas da espécie humana (LEONTIEV, 1978b,
p. 270).
Fundada nas ideias de Marx em torno de uma atividade que permite mudanças na
natureza e no próprio homem, surgiu a Psicologia Histórico-Cultural, que mais tarde passou a
se chamar Teoria Histórico-Cultural da Atividade (THCA) ou, simplesmente, Teoria da
Atividade (TA).
Na seção seguinte, apresentarei um histórico da TA, desde sua gênese, na década de
1920, até os dias atuais.
6
Rubinstein, Luria e Leontiev também fazem parte desta primeira geração da TA.
26
Os estudos dessa geração centram-se nos trabalhos de Vygotsky e seus discípulos, com ênfase
no conceito de mediação. Apoiado na noção marxista de trabalho como principal atividade do
homem, que se utiliza de ferramentas para provocar mudanças (desenvolvimento) no mundo
exterior e em si mesmo, Vygotsky surge com a noção de ferramentas psicológicas que podem
provocar o desenvolvimento mental.
Vygotsky considerava que “o comportamento e a mente humanos devem ser
considerados em termos de ações intencionais e culturalmente significativas, em vez de
respostas biológicas adaptativas” (KOZULIN, 2002, p. 116). Goulart (2005) concorda com
estas ideias quando afirma que o homem está sujeito ao jogo dialético entre natureza e
história. Estas ações intencionais que conduzem a atividade necessitam de meios para sua
realização e que são produzidos pelo homem. Como resultado destas ações, realizadas com
ajuda dos meios, obtém-se não só objetos físicos, mas linguagem, conhecimento, relações
sociais.
Vygotsky negava a dicotomia entre consciência e comportamento defendida por outras
correntes psicológicas. Nesta perspectiva não dialógica, o mundo era tratado de forma
objetiva (materialismo) ou subjetiva (idealismo). No materialismo, a consciência emerge do
impacto direto do objeto sobre o sujeito, sem considerar o poder de agir desse último. O
idealismo, por outro lado, atribuía à mente humana a capacidade de conceber a realidade,
como se a consciência existisse antes da realidade. Ao contrário, Vygotsky considerava que
entre consciência e comportamento havia uma relação dialética em um todo unificado. Para
obter-se uma ciência psicológica unificada de fato, um novo sistema de conceitos e teorias
deveria ser desenvolvido para superar o isolamento conceitual entre comportamento e
consciência (MINICK, 2002; KOZULIN, 2002).
As relações do homem com o meio externo são, de acordo com Vygotsky, sempre
mediadas por ferramentas, que podem ser de dois tipos: instrumentos e signos. Os
instrumentos medeiam as ações do homem sobre objetos concretos do mundo real. Portanto,
27
são externamente orientados, servindo para o controle e domínio da natureza. Já, os signos,
são as ferramentas psicológicas que medeiam ações do homem no nível comportamental e
cognitivo, transformando competências naturais em funções mentais superiores. Os signos
constituem um meio da atividade interna dirigido para o controle do próprio indivíduo. Nesse
sentido, os signos são ferramentas de mediação internamente orientadas.
Quando Vygotsky surgiu com a ideia de mediação, ele se opôs às correntes clássicas
da psicologia que defendiam que a relação entre homem e mundo externo é direta, ocorrendo
sempre em termos de estímulo-resposta. Ele considerava que a atividade humana, mediada
pelos instrumentos e signos, se interpõe entre o homem e o objeto (objeto ↔ atividade ↔
sujeito) (KOZULIN, 2002).
A mediação é um construto psicológico teórico que nos permite entender que todas as
funções mentais superiores originam-se nas relações sociais. Nesse sentido, Oliveira (1992)
afirma que a ideia de mediação remete ao processo de representação mental, por meio de um
sistema simbólico de representação da realidade fornecido ao indivíduo pela cultura. Este
sistema simbólico, por seu turno, apresenta ao indivíduo um universo de significações que lhe
permite construir uma ordenação e uma interpretação dos dados do mundo real. Ao longo de
seu desenvolvimento, o indivíduo internaliza formas culturalmente dadas do comportamento,
num processo em que as relações interpessoais transformam-se em atividades internas
superiores.
Em outras palavras, podemos dizer que as funções mentais superiores são, na verdade,
relações sociais internalizadas, que promovem o desenvolvimento do homem e a sua
personalidade.
As duas passagens, que foram reproduzidas abaixo, podem nos dar ideia do
pensamento de Vygotsky a este respeito. Na primeira, o autor afirma que:
7
Vygotsky também utilizava os termos formas superiores de conduta, formas mentais, processos mentais
superiores.
8
De acordo com Sirgado (2000), este termo era frequentemente utilizado por Vygotsky.
9
Aqui, acredito que internalização é o mesmo que apropriação. Na verdade não há um consenso entre os autores
a este respeito. Smolka (2000, p. 26-27) nos apresenta estas diferentes maneiras de denominar este construto.
Segundo ela: “A questão da internalização tem sido amplamente discutida, sobretudo nas últimas décadas
(Wertsch e Stone 1985, Zinchenko 1985, Davidov e Radjiskowsky 1985, Leontiev 1981, Rogoff 1990, Mayer
1992, dentre outros). Nas elaborações teóricas envolvendo o conceito, Vygotsky (1984) procurou explicá-lo
como a reconstrução da atividade psicológica baseada na operação com signos. Leontiev (1981) referiu-se à
“formação de um plano interno”. Outro termo utilizado por Vygotsky, de acordo com a tradução da “Gênese das
funções mentais superiores” feita por Wertsch (1981), foi retomado recentemente: a conversão (Pino 1994,
1996) das relações sociais em funções mentais. Ainda, o termo embodiment (incorporação) aparece na tradução
inglesa de “Concrete human psychology” (1989), quando Vygotsky afirma que “para nós, o homem é uma
pessoa social = um agregado de relações sociais incorporado em um indivíduo (funções psicológicas construídas
de acordo com a estrutura social)” (p. 66). Em outras tentativas mais recentes, o termo apropriação tem sido
enfatizado como o mais adequado para referir ou designar (a noção de) esse processo (Leontiev 1984, Wertsch
1998, Rogoff 1990)”.
29
possui. Para evitar tal celeuma, basta lembrar que a conversão não é algo automático. Ela
pressupõe atividade do sujeito (SIRGADO, 2000).
Ainda em relação à internalização, podemos usar a sala de aula como exemplo.
Durante a atividade de aprendizagem, para que os alunos tenham acesso ao conteúdo teórico,
não basta que eles leiam o livro ou estudem por conta própria. O professor tem um papel
importante como elemento mediador entre o aluno e o objeto, por ser mais experiente e ter
mais conhecimentos. Na maioria das vezes, o que está nos livros não diz muita coisa aos
alunos. Somente a partir da intervenção do professor é que aquele conhecimento é
internalizado e passa a ter um sentido para o aluno, passando a ser uma propriedade sua.
Como já discutido, a atividade humana, na visão de Vygostky é mediada por
ferramentas psicológicas (instrumentos e signos). Inicialmente, estas ferramentas psicológicas
surgiram em analogia com a ferramenta material que medeia a mão humana e o objeto de
ação. Cristalizada, essa noção de atividade pode ser vista na figura abaixo:
linguagem em sua relação com o pensamento. Os estudos do psicólogo russo nessa área
cobriam uma série de temas aparentados: signos como ferramentas psicológicas; estágio na
formação de conceitos pela criança; desenvolvimento dos significados e sentido da palavra e o
problema do discurso interior (KOZULIN, 2002).
Os instrumentos e signos, que permitem o nosso desenvolvimento mental, são de
origem social e historicamente construídos. São obtidos na relação entre as pessoas e entre
essas pessoas e o resto. Nesse sentido, podemos perceber que a atividade humana está
diretamente atrelada ao desenvolvimento das relações sociais construídas historicamente pelos
homens e entre os homens. Isto nos permite enxergar a relação dialética entre
desenvolvimento humano e mundo.
De acordo com Kozulin (2002), em meados dos anos 1930, emergiu uma visão
revisionista do conceito de atividade, elaborada por Alexei Leontiev, na qual as ações práticas
eram colocadas em primeiro plano enquanto, simultaneamente, rebaixava o papel dos signos
como mediadores da atividade humana. Este período de estudos sobre a atividade humana,
iniciado por Leontiev e um grupo de colegas constitui a segunda geração da TA.
10
Kharkov é o nome de uma cidade ucraniana para onde, em 1930, transferiram-se Leontiev, Zaporozhets,
Bozhovich, para citar alguns, fugindo do avanço das ideias de Stalin. De 1934 a 1940, este grupo se concentrou
em estudar os problemas de interiorização e da relação entre a atividade externa da criança e as operações
mentais correspondentes a ela.
31
principal representante. De acordo com Duarte (2002), suas mais importantes obras são
Problems of development of mind e Activity, consciousness, and personality11.
A Leontiev é atribuída a distinção entre atividade individual e atividade coletiva. Tal
distinção nos é apresentada por ele com o exemplo de uma caça coletiva primitiva, recorrente
em textos sobre TA. Na perspectiva deste autor, toda atividade surge por uma necessidade,
que gera um motivo, que impulsiona a realização de ações direcionadas a um objeto que é o
que diferencia uma atividade de outra (atividades diferentes têm objetos diferentes). Em uma
atividade, o motivo deve sempre coincidir com o objeto.
No exemplo da caça coletiva, vários indivíduos se reúnem para uma caça, movidos
pela necessidade (motivo) de alimento. No entanto, a participação na atividade não é da
mesma forma para todos, ou seja, embora a atividade seja a mesma, as ações de cada
indivíduo podem ser diferentes. Ocorre uma divisão do trabalho em grupos de modo que cada
grupo fica responsável por uma parte do processo. Um batedor, por exemplo, tem como
função ficar escondido em tocaias e afugentar os animais para que outros membros os abatam.
Embora o exemplo da caça primitiva seja clássico e muito adequado para apresentar a
estrutura da atividade humana, tal qual Leontiev a concebia, vou utilizar outro exemplo,
relacionado a uma partida de futebol, adaptado de Goulart (2010). Nele, é possível
compreender a estrutura da atividade proposta por Leontiev numa situação mais
contemporânea.
No nosso país, o futebol é um esporte muito popular e uma partida de futebol é algo
apreciado pela maioria das pessoas. Suponha uma dessas partidas e seus jogadores.
Detenhamo-nos em um dos times. A atividade, nesse caso, é a partida de futebol movida pela
necessidade de fazer gol (motivo) para ganhar a partida. Contudo, há uma divisão de trabalho
e a posição de jogo de cada componente do time é o que vai determinar suas ações. Por
exemplo, o centroavante é aquele que finaliza as jogadas para marcar o gol. Sua ação é
movida por um objetivo (meta) especifico que é marcar o gol. Para que essa ação se efetive, o
centroavante pode usar recursos como: chutar a bola em um ângulo que ele acredite ser
adequado para que a bola fure o bloqueio do goleiro; se o chute for arriscado, ele pode tentar
cabecear a bola para atingir seu objetivo; pode, ainda, passar a bola a um companheiro do
time, por considerar que ele tem melhores condições de chutar a gol. Esses recursos,
11
A primeira obra possui uma versão em português sob o título ‘O desenvolvimento do psiquismo’. Desconheço
uma versão completa da segunda obra, em português. Podemos encontrar alguns capítulos traduzidos, mas não
toda a obra.
32
denominados operações, são as maneiras de realização das ações e dependem das condições
do meio. Como visto, uma mesma ação pode ser realizada por várias operações.
Ainda dentro da partida de futebol, uma ação que pode ser empreendida por qualquer
jogador é o repasse da bola para outro companheiro de time. Nesses repasses, pode ocorrer de
um jogador chutar a bola para outro, sem nenhuma condição de marcar um gol. Ele pode até
mesmo chutar a bola para o goleiro do próprio time. A ação de repasse, nesse caso, parece
estar indo na contramão do que se deseja no jogo: marcar gols. Como irei marcar gol
repassando a bola para um companheiro sem condições para tal? Isso nos parece irracional,
em princípio, porque não se conecta diretamente ao que se deseja como objeto da atividade
coletiva, que é marcar gols e vencer a partida. A ação do jogador que chuta a bola para outro
companheiro que está fora do alcance do gol e o motivo da atividade, que é marcar gol, é
mediada pelas ações dos outros componentes do grupo, mostrando que elas só são
compreendidas quando analisadas na atividade como um todo.
O exemplo do jogador que lança a bola para outro, que não tem condições para marcar
um gol, se assemelha ao exemplo do batedor, na estrutura da atividade de caça primitiva.
Numa visão micro, realmente não vemos uma conexão direta entre o que motiva o batedor a
participar da atividade (saciar a fome) e o ato de afugentar o animal, até mesmo porque sua
atitude espanta o animal que ele, por si só, jamais abateria (e como saciaria sua fome?). O que
é, então, que reconecta o resultado imediato da ação do batedor (afugentar o animal), ao
resultado final da atividade de caça (saciar a fome)? Como nos afirma Leontiev (1978b, p.
78):
Esta análise, realizada para o caso da partida de futebol, poderia ser assim: embora o
jogador que recebe a bola não tenha condições de marcar o gol, ele pode ser aquele que está
em uma posição ideal para lançar a bola para outro, que irá chutá-la a gol. Outra possibilidade
que justificaria a ação é que, ameaçado por um jogador do time adversário e na iminência de
perder a posse da bola, o jogador prefere lançá-la a um companheiro de time. Desta forma,
eles se manterão no controle da bola, ainda que o gol não seja marcado de imediato. A ação
do primeiro jogador se conecta ao motivo da atividade por meio das ações de outros
jogadores.
33
Uma ação realizada por um indivíduo particular deve ser consciente. O indivíduo deve
ser capaz de refletir psiquicamente sobre a relação entre o que o leva agir, o motivo da
atividade, e o objetivo de sua ação. Se assim não fosse, a ação não teria sentido para ele. Deve
haver uma ligação entre os resultados que ele goza antecipadamente da sua ação e o resultado
final da atividade. Esta ligação é feita sob a forma de ações dos outros membros do grupo, que
comunicam um sentido à ação do batedor e esta, ao mesmo tempo, dá sentido às ações dos
outros membros. Nas palavras de Duarte (2004, p. 55):
[...] que o sentido de uma palavra é a soma de todos os fatos históricos que
ela desperta em nossa consciência. Assim, o sentido é sempre uma formação
dinâmica, fluida, complexa, que tem várias zonas de estabilidade variada. O
significado é apenas uma dessas zonas do sentido que a palavra adquire no
contexto de algum discurso e, ademais, uma zona mais estável, uniforme e
exata. Como se sabe, em contextos diferentes a palavra muda facilmente de
sentido. O significado, ao contrário, é um ponto imóvel e imutável que
permanece estável em todas as mudanças de sentido da palavra, em
diferentes contextos (VIGOTSKI, 2010, p.465).
12
Aqui usei a letra i ao escrever Vigotski, para ser fiel à obra consultada, de 2010. No entanto, na
maioria das vezes, usei a letra y, mais utilizada para escrever Vygotsky.
13
Psicólogo alemão.
35
Ação - objetivo
Operações – modos de
realização
Figura 2: Níveis hierárquicos de Leontiev.
Leontiev foi o principal representante da chamada segunda geração da TA. Ele, assim como
Vygotsky, influenciam muitos estudiosos atualmente. Muitos deles se baseiam fielmente nas
ideias desses autores. Entretanto, há estudiosos que utilizam os pressupostos da TA mas com
novas interpretações. Independente de como cada um se utiliza dessa teoria, esses estudiosos
constituem a terceira geração da TA.
14
Tradução para: that dissociation between individual’s activities and actions, that is, between motives and
goals, initially emerges as a result of division of labor in collective activities. Eventually, this dissociation
becomes a basic aspect of human activities in general, either individual or collective.
37
A terceira geração da TA pode ser entendida como aquela que expandiu a teoria para além
dos limites da extinta União Soviética, fundamentalmente por pesquisadores ocidentais. Os
novos estudos provocaram um alargamento das possibilidades de utilização da teoria em áreas
diversas, não se restringindo mais à psicologia. Alguns criaram, inclusive, novas perspectivas
para sua utilização, uma vez que a TA não é uma abordagem monolítica15. Entretanto, mesmo
que difiram na forma de utilização, os princípios teóricos básicos são os mesmos, em todas as
abordagens.
A TA possui, atualmente, um caráter multidisciplinar e, de acordo com Engestrӧm
(1999), tornou-se internacional entre 1980 e 1990. O seu alcance é muito amplo, podendo ser
utilizada em pesquisas nas áreas de psicologia, ciências sociais, educação, antropologia,
filosofia e pedagogia, para citar algumas.
Segundo Duarte (2002), algumas coletâneas que, em alguma medida, apresentam a TA
como base teórica, são bastante representativas dessa terceira geração. Dessas coletâneas,
podemos citar Mind, Culture and Activity (COLE, ENGESTRÖM, VASQUEZ, 1997)16 na
qual são apresentados 33 trabalhos de pesquisadores de diversos países que discutem questões
relativas à psicologia, filosofia, pedagogia, educação e outros campos. Outra coletânea
importante intitula-se Perspectives on activity theory (ENGESTRÖM, MIETTINEN,
PUNAMÄKI, 1999). Uma terceira coletânea, intitulada Activity theory and social practice:
cultural-historical approaches (CHAIKLIN, HEDEGAARD, JENSEN, 1999) que reúne 18
trabalhos apresentados no quarto Congresso da Sociedade Internacional para Teoria da
Atividade e pesquisa Cultural. Há outras publicações, mas me limitarei a estas.
Um dos autores que se destaca na nova geração da TA é o pesquisador finlandês Yrjö
Engeström17, cujos trabalhos se voltam para uma perspectiva revisitada da atividade humana.
Engeström é diretor do Centro de Pesquisas em Teoria da Atividade e Desenvolvimento do
Trabalho, em Helsinki, Finlândia. É, também, professor de comunicação na Universidade da
Califórnia, em San Diego. De seus estudos e pesquisas e, baseado nas ideias originais de
Vygotsky e Leontiev, emerge a noção de sistema de atividades. Em boa medida, os trabalhos
realizados atualmente que utilizam TA, baseiam-se na perspectiva de Engeström.
15
Monolítica está no sentido figurado: rígido, impenetrável.
16
Este periódico ainda é editado e é de grande importância. O volume citado é um número especial do periódico.
17
Trataremos das ideias desse autor com mais detalhes na seção 1.3.
38
18
Informações obtidas em http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/7071867555038738#repercussao
39
Há, ainda, vários outros grupos cadastrados no site do CNPq que promovem estudos e
pesquisas baseados na Teoria Histórico-cultural e/ou Teoria da Atividade. Dentre eles, alguns
se dedicam a estudos na área da Educação Matemática, ou possuem pelo menos um membro
com interesse nessa área de pesquisa19.
Independentemente de qual perspectiva da TA se utilize, ela é uma poderosa
ferramenta heurística em pesquisas que desejam responder questões relacionadas à atividade
humana. Um avanço da teoria é desejável e isso vem ocorrendo desde que surgiu, com
estudos de Vygotsky. Para Engeström (2001, p. 135), a terceita geração da TA, para promover
um avanço “precisa desenvolver ferramentas conceituais para entender o diálogo, múltiplas
perspectivas e redes de interação do sistema atividade”20.
19
Para saber mais sobre o panorama nacional desses grupos de pesquisa, ver Lopes e Fraga (2013).
20
Tradução para: needs to develop conceptual tools to understand dialogue, multiple perspectives, and networks
of interacting activity systems.
40
Ferramentas
Sujeito Objeto
Comunidade
Temos, então:
1) Sujeitos – são os indivíduos cujas ações são tomadas como ponto de vista para análise.
2) Objeto – é o elemento para o qual a atividade se dirige e que se transforma em produto
pelas ações dos sujeitos.
3) Ferramentas – são os recursos culturais, instrumentos, conhecimentos historicamente
construídos que realizam a mediação entre sujeito e objeto.
4) Regras – são normas/convenções criadas historicamente, de forma explícita ou
implícita, que regulam, condicionam e até limitam todas as ações da atividade.
5) Comunidade – é o conjunto de todos os indivíduos que são mais ou menos unidos,
mais ou menos organizados que partilham ou estão interessados em um mesmo objeto.
6) Divisão de trabalho – consiste na divisão de tarefas entre os indivíduos da
comunidade, permitindo que cada um saiba qual o seu papel e, como consequência,
delimite o seu campo de ação.
Neste modelo, o triângulo superior (apontado pela seta, na figura 3) representa as ações
individuais ou de grupos que compõem a atividade coletiva no sistema de atividades. “O
objeto está representado por uma figura oval, indicando que as ações orientadas ao objeto são,
sempre, implícita ou explicitamente, caracterizadas por ambiguidade, surpresa”
(ENGESTRÖM, 2001, p. 134).
41
Esta proposta de Engeström permite que se observe a atividade individual, dentro das
complexas relações do sujeito individual com a comunidade. Em outras palavras, o
pesquisador, quando considera o sistema de atividades como unidade de análise tem uma
visão holística, como se o olhasse de cima e, simultaneamente, observasse uma atividade
local, realizada por um sujeito ou grupo de sujeitos, incorporada ao sistema. Assim, ele pode
construir o sistema por meio de suas interpretações.
Entretanto, Roth (2004) nos conta que, nos últimos anos, tem ouvido repetidas vezes que
essa estrutura triangular proposta por Engestrӧm é estática, não permitindo mudanças
estruturais. Ele, porém, percebe o oposto e isto fica evidente na passagem abaixo:
21
Tradução para: …although the Engestrӧm triangle depicts the structure of activity, it is inherently a dynamic
structure, continuously undergoing change in its parts, in its relations, and as a whole. The triangle embodies the
historical dimensions in terms of which human activity and all its various dimensions, including to knowing and
learning, have to be understood.
42
22
Tradução para: deviations in the observable flow of interaction.
23
Tradução para: problems, ruptures, breakdowns, clashes.
43
24
Tradução para: An expansive transformation is accomplished when the object and motive of the activity are
reconceptualized to embrace a radically wider horizon of possibilities than in the previous mode of the activity.
44
O conceito de objeto é muito importante na TA, uma vez que não há atividade sem
objeto e vice-versa (costumamos dizer que a atividade é orientada ao objeto e que atividade e
objeto são indissociáveis). O que diferencia uma atividade de outra é o seu objeto, que pode
ser material ou ideal, ou seja, existir concretamente ou como produto da consciência
45
(LEONTIEV, 1978ª). É através dele que todas as ações individuais de cada sujeito se
relacionam à atividade como um todo. Se retomarmos as atividades da caça coletiva e da
partida de futebol seus objetos são, respectivamente, a satisfação da fome e a realização de
gols, que conectam todas as ações individuais na atividade como um todo. Kaptelinin (2005,
p. 5), afirma que:
25
Tradução para: From a research perspective, the concept of the object of activity is a promising analytical tool
providing the possibility of understanding not only what people are doing, but also why they are doing it. The
object of activity can be considered the “ultimate reason” behind various behaviors of individuals, groups, or
organizations. In other words, the object of activity can be defined as “the sense-maker,” which gives meaning to
and determines values of various entities and phenomena.
46
palavra que melhor traduz predmet é object, a mesma tradução para objekt. Como muitas
traduções para o português surgem a partir de suas versões em inglês, nesse caso, o problema
permanecerá. Para amenizar esta dificuldade, Kaptelinin (2005) nos alerta sobre como
podemos identificar a palavra objeto com o sentido de predmet (como objeto para o qual a
atividade se orienta), afirmando que devemos estar atentos ao texto/contexto. O significado
será de predmet se alguma ênfase for feita sobre qualidades intencionais, sociais e
significativas. Quando for utlizada a expressão ‘atividade orientada ao objeto’, este objeto
corresponde a predmet. De forma simplificada, predmet é mais subjetivo e objekt é mais
objetivo. Em certa medida, embora o problema da tradução possa levar o pesquisador a
equívocos, é algo que pode ser resolvido com uma leitura mais atenta.
Outro problema que surge, quando tratamos do objeto da atividade, consiste em como
ele é conceitualmente interpretado, dentro da TA, por diferentes autores. Alguns o relacionam
ao motivo, como se entre eles existisse uma relação de equivalência. Outros consideram que
esta relação restringe as possibilidades de uso da teoria em pesquisas. Há aqueles que
entendem que a atividade tem um objeto, mas impulsionada por vários motivos
(KAPTELININ, 2005). Torna-se importante, então, discutir sobre o motivo ou os motivos de
uma atividade.
Em seu livro ‘Atividade, consciência e personalidade’, Leontiev (1978ª) afirma que o
objeto da atividade é seu verdadeiro motivo. A necessidade se torna motivo quando encontra
o objeto que a satisfaça. Leontiev (ibidem, p. 14) escreve:
Esta citação mostra que o estudo da atividade está intimamente relacionado ao estudo
de suas necessidades e motivos. Como apresentado, a necessidade, por si só, não é capaz de
fazer surgir uma atividade. Ela serve como uma condição, um pré-requisito para a mesma.
Assim que o indivíduo começa a agir ela se transforma daquilo que era virtualmente, em
motivo que guia a atividade.
Davydov (1988, p. 17) afirma que “um determinado motivo incita uma pessoa a
propor-se uma tarefa”, e é dessa maneira que o entenderemos neste estudo. Incitar ou mover,
47
aqui, significa fazer agir. Embora ainda haja, daqui para frente, uma discussão sobre os
motivos, acredito que seja importante me posicionar quanto à minha escolha.
Como vimos, o motivo surge de uma necessidade. Uma discussão sobre a natureza
histórico-cultural das necessidades é de que ela é parcial. Assim como os animais, o ser
humano sente fome, por exemplo, o que se configura como uma necessidade biológica e
comum aos dois. No entanto, o ser humano possui outras necessidades que não são
determinadas biologicamente, mas socialmente (LEONTIEV, 1978a).
As necessidades vão se transformando na atividade de trabalho. De inicialmente
biológicas vão se tornando histórico-culturais (LEONTIEV, 1978a).
Para ilustrar essas transformações das necessidades no homem, vou utilizar um
exemplo: como sabemos, os homens possuem necessidades biológicas, como a fome, por
exemplo. Para satisfazê-la, o homem pode munir-se de um pedaço de madeira e utilizá-lo
como ferramenta para a obtenção de um fruto. Este pedaço de madeira passa a carregar toda a
história de sua obtenção e uso (objetivação). Ocorre, então, a apropriação desses
conhecimentos e ele passa a ter um significado dentro das relações sociais.
Se um dia surgir a necessidade de se apanhar um fruto que caiu em um buraco fundo,
o homem poderá tentar fazer com que a extremidade do pedaço de madeira se torne
pontiaguda, facilitando a obtenção do fruto. A necessidade de apanhar o alimento fez com que
o homem agisse sobre a natureza, mudando-a, por vontade sua. Em outras palavras, o homem
age de forma intencional, consciente, mudando a natureza e a si mesmo.
Os novos conhecimentos que surgem desta nova atividade (afinar a ponta do pedaço
de madeira) tornam-se produto social e cultural da prática de trabalho coletivo. No entanto,
para Leontiev (1978a), além da transformação e enriquecimento do conteúdo objetivo das
necessidades humanas, ocorre transformação também na forma de seu reflexo psíquico. Dessa
forma, elas podem adquirir um caráter ideacional tornando-se invariantes. Assim, a fome será
fome para um indivíduo faminto ou que não esteja nesta condição. Além disso, na produção
mental surgem certas necessidades que só podem existir na presença de um plano de
consciência. Nesse caso, formam-se tipos especiais de necessidades que são objetivo
funcionais, como o trabalho, criação artística, etc. Isso ocorre porque, no início, o homem age
para satisfazer suas necessidades vitais. Com o tempo isso muda e ele passa a satisfazer suas
necessidades vitais para agir.
Entretanto, devemos lembrar-nos que a necessidade tem como conteúdo objetivo os
motivos. Em outras palavras, estudar as transformações qualitativas das necessidades significa
estudar os motivos a ela relacionados.
48
26
Facets of activity Leontiev Engestrӧm
Activities are carried out by Individual (predominant) Community
Activities performed Both individually collectively Collectively
The object of activity is related to Motivation, need (the true motive) Production (what is being transformed
into the outcome)
Application domain Psychology Organization change
50
M1 – O1
Hierarquia de M1 – Atividade – O1
motivos
M2 – O2
Fonte: (adaptado de KAPTELININ, 2005)
Figura 4: Atividade orientada por um motivo
Na figura, a ideia é de uma atividade impulsionada por dois motivos, M1, cujo objeto
é O1 e M2, cujo objeto é O2. Porém, na hierarquia de motivos, M1 (motivo formador de
sentido) é superior a M2 (motivo estímulo). Portanto, é ele quem deve ser considerado como
o motivo principal que move a atividade em direção ao objeto O1. Dessa forma, continua
valendo a ideia de que uma atividade possui um único motivo e um único objeto
(KAPTELININ, 2005).
Retomando a discussão em torno de atividades polimotivacionais Engestrӧm (1987),
ao considerar as atividades como fenômenos coletivos, considera também que o objeto é
compartilhado coletivamente, porém não necessariamente coincidindo com o motivo da
atividade (HARDMAN, 2007). Esquematicamente, teríamos:
M1
Objeto compartilhado
M2 Atividade coletiva
M3
Fonte: (adaptado de KAPTELININ, 2005)
Figura 5: Atividade orientada por vários motivos
51
Nesse esquema, vários motivos (M1, M2, M3, etc) coexistem em uma atividade, que é
coletiva e que se dirige a um objeto compartilhado. Vale lembrar que essa atividade está
inserida em um contexto maior de atividades que a influenciam e são por ela influenciadas.
Aqui, os vários motivos dos componentes da atividade, todos, impulsionam a atividade rumo
a um mesmo objeto.
No meu modo de entender, a expansão da TA realizada por Engestrӧm não foi uma
simples contribuição teórica. Foi uma necessidade que surgiu quando ele percebeu que as
atividades humanas tornaram-se muito complexas, exigindo uma reestruturação da teoria para
que pudesse explicá-las. O indivíduo está inserido em um complexo sistema de atividades que
ocorre no emaranhado social do qual ele faz parte. Leontiev também considerava a atividade
como algo coletivo, e foi partindo de suas ideias a esse respeito que Engestrӧm idealizou o
triângulo da página 40. Entretanto, as análises de Leontiev pareciam estar focadas no
indivíduo, talvez porque seu contexto de estudo fosse a psicologia.
A grande quantidade de informações à qual as pessoas estão sujeitas traz, como
consequência, uma pluralidade de motivos e necessidades que, a meu ver, tem relação com o
princípio da multivocalidade da TA. Por este princípio, os sujeitos de uma atividade não estão
isentos das influências de suas experiências anteriores. Eles chegam com várias ideias e
pontos de vista que são marcas de outras atividades e isto, certamente, influencia sua
participação na nova atividade podendo, inclusive, gerar tensões internas.
Na educação, por exemplo, ao considerarmos todos os atores e as relações que se
estabelecem entre eles, torna-se difícil analisar uma atividade individual dentro de um
contexto que é, essencialmente, coletivo. Mesmo que o fizéssemos, não poderíamos deixar de
levar em consideração as influências do coletivo na atividade individual.
Ainda em relação à educação, mais especificamente em relação à educação que ocorre
no ambiente escolar, uma atenção especial deve ser dada à atividade de aprendizagem, que
ocupa um longo período da vida de crianças e adolescentes. Esta atividade ocorre em um
contexto social do qual os alunos fazem parte e com o qual estabelece relações que irá
possibilitar seu desenvolvimento. Isto nos remete à noção de situação social de
desenvolvimento. De acordo com Vigotski (1996, p. 264), a situação social de
desenvolvimento “determina, regula, estritamente todo o modo de vida da criança ou sua
existência social” em certa idade. Esta noção é importante porque evita que pensemos em uma
maneira de entender o desenvolvimento, levando em consideração somente bases biológicas.
Ela coloca em relevo a importância do entorno no desenvolvimento das pessoas. Nesse
sentido, Facci (2004, p. 65) considera que as funções mentais superiores (atenção voluntária,
52
memória, abstração) são produtos da atividade cerebral e têm uma base biológica, mas,
fundamentalmente, “são resultados da interação do indivíduo com o mundo, interação
mediada pelos objetos construídos pelos seres humanos”.
Em uma interpretação pessoal, entendo que a situação social de desenvolvimento
representa um panorama geral da vida de um indivíduo, em determinado momento histórico.
Entendo que, neste panorama, podemos enxergar as atividades das quais ele participa e as
relações que dentro delas se estabelecem.
A noção de situação social de desenvolvimento é importante na medida em que
representa muito bem o caráter sócio-histórico-cultural da teoria, que argumenta em favor de
mudanças na sociedade o que, a meu ver, pode ser entendido como mudanças nos tipos de
atividades. A situação social de desenvolvimento não é estanque e nem imutável. Dependerá
das condições sociais, culturais e históricas. Pode mudar de lugar para lugar e de uma época
para outra. Se o desenvolvimento humano ocorre quando o homem está em atividades, no
interior das quais ocorre apropriação da cultura e se esta, por sua vez muda, ocorre mudança
também na forma do desenvolvimento e das relações sociais, num processo dialético.
Para ilustrar, tomemos exemplos de situações que ocorrem em nosso país. É grande o
número de crianças em idade escolar que já trabalham, numa época em que deveriam estar
somente na escola. Essa atividade surge, provavelmente, da necessidade de se ganhar dinheiro
para ajudar nas despesas de casa. Se, como consequência da atividade do trabalho, a criança
for privada de estudar, talvez o trabalho seja a forma principal para seu desenvolvimento. Isso
não significa que o salto qualitativo no seu desenvolvimento será o mesmo que aquele que ela
teria na escola. Mas ela irá se desenvolver.
Outro fenômeno que tem sido recorrente no Brasil é o prolongamento do período em
que os filhos ficam nas casas dos pais. Isso tem ocorrido por várias razões. Uma delas pode
ser o fato de que os filhos querem estudar um pouco mais. Dessa forma, a atividade de
trabalho formal é adiada e a atividade de formação profissional se estica. Esse é um exemplo
claro de que a duração de um período de desenvolvimento pode mudar e que esta duração está
associada à situação social de desenvolvimento, que ‘regula’ a vida das pessoas em certo
período.
Atualmente, sobretudo pelo advento da internet, costuma-se dizer/escrever que o
mundo está globalizado. Em outras palavras, as pessoas têm acesso às informações de todos
os lugares quase que instantaneamente. Isso parece aproximá-las, suas culturas e até mesmo
seus comportamentos. No entanto, esse acesso não está disponível para todos. Por mais que
queiramos, há rincões onde as informaçõpes são escassas. Por outro lado, há lugares em que a
53
informação é farta, mas onde normas da cultura estabelecida são algo tão forte que muitas
vezes não podem (ou não devem) ser questionadas.
Os sujeitos desta pesquisa eram adolescentes e, para eles, uma das atividades da sua
situação de desenvolvimento era a atividade de aprendizagem. Desde que surge, esta atividade
passa a ter influência definitiva no desenvolvimento da criança/adolescente. No entanto, o que
vem a ser a atividade de aprendizagem? O que a caracteriza? Trataremos deste tema no tópico
seguinte.
Toda aprendizagem ocorre como resultado de uma atividade. Em termos mais gerais,
podemos dizer que é por meio dos conhecimentos adquiridos nas interações com o mundo que
as pessoas garantem sua existência e sua sobrevivência. Entretanto, embora a aprendizagem
esteja vinculada à participação em uma atividade, devemos diferenciar uma aprendizagem que
ocorre por meio da atividade de uma atividade de aprendizagem.
De acordo com Lompscher (1999), quando nos referimos à aprendizagem por meio da
atividade, estamos tratando de aprendizagens que ocorrem em atividades diversas, que não
têm objetivo específico de aprendizagem (aprendizagem incidental que ocorre como resultado
de uma atividade que não tinha a finalidade explícita de aprendizagem).
Já, quando nos referimos à aprendizagem como atividade, estamos diante de um tipo
específico de atividade voltada para metas de aprendizagem, ou seja, uma aprendizagem
intencional. É este tipo de aprendizagem que ocorre nas salas de aula e o seu objetivo
principal é a automodificação e o autoaperfeiçoamento do aluno. Este objetivo pode ser
alcançado apenas através da realização de ações específicas com diferentes objetos. Desta
forma, a atividade de aprendizagem pode propiciar a assimilação das formas de consciência
social mais desenvolvidas como a ciência, a arte, a moralidade, a lei, etc (LOMPSCHER,
1999).
Leontiev (1978a) nos lembra que a atividade tem um caráter objetal, ou seja, o que
difere uma atividade da outra é seu objeto, aquilo para o qual a atividade se move. Na
atividade de aprendizagem ocorre o desenvolvimento mental (das funções mentais superiores)
dos alunos por apropriação do conhecimento/pensamento teórico. O objeto da atividade de
aprendizagem é, então, o conteúdo teórico das disciplinas que foi historicamente construído.
54
[...] o ingresso na escola permite à criança sair dos limites do período infantil
de sua vida, ocupar uma nova posição na vida e passar ao desempenho da
atividade de aprendizagem, socialmente significativa, que lhe oferece um
rico material para satisfazer seus interesses cognoscitivos. Estes interesses
atuam como premissas psicológicas para que na criança surja a necessidade
de assimilar conhecimentos teóricos. (grifo meu)
Esse intenso interesse das crianças em idade escolar inicial nas atividades de
aprendizagem faz com que esta seja a uma atividade muito importante em suas vidas, neste
período. As aprendizagens que aí ocorrem servem como ponte para uma comunicação cada
vez mais organizada com os adultos e o resto do mundo. Quando finda o período pós-
educação básica, é muito comum que as crianças passem a ter novos interesses e a atividade
de aprendizagem torne-se secundária.
No entanto, conforme aponta Chaiklin (2003), mesmo que a atividade de
aprendizagem dispute com outras a atenção das crianças, isto não significa que elas não
tenham mais interesse em aprender. Este tipo de aprendizagem ainda ocupa um grande espaço
no trabalho dos educandos (LIBÂNEO, 2004).
Leontiev (1978a, p. 62 – 64) ressalta que um estado de necessidade indireta não é
capaz de motivar a ação humana. Necessidades devem tornar-se motivos dirigidos para
objetos imaginários ou materiais que se tornam verdadeiros portadores de necessidade, isto é,
56
algo que é capaz de satisfazer a necessidade original. A essência dessa ideia de Leontiev foi
expressa por Davydov (1988, p. 17), da seguinte maneira:
Ainda, de acordo com Davydov (1988, p. 97) “Na formação dos escolares de menor
idade, é da necessidade da atividade de aprendizagem que deriva sua concretização na
diversidade de motivos que exigem das crianças a realização de ações de aprendizagem.”
Para os alunos, de forma geral, a necessidade de novos conhecimentos teóricos pode
torna-se motivo para se alcançar o objeto teórico, que os satisfará. Porém, será que são
somente estes os seus motivos? Ou será que estes são seus principais motivos? Ou ainda, para
todos, estes são motivos?
Durante a vida escolar, a motivação do aluno se desenvolve e isto ocorre, segundo
Leontiev (1994, apud LOMPSCHER, 1999), em três níveis: o nível dos motivos que estão na
própria aprendizagem; o nível dos motivos que estão na vida escolar e nos relacionamentos
dentro da classe e da escola coletiva e o nível dos motivos que estão no mundo, na ocupação
futura e nas perspectivas de vida.
No primeiro nível, a criança não parece ter um interesse específico em uma disciplina.
Tudo lhe atrai: escrita, aritmética. Há um mundo a ser descoberto e a criança deseja isso. O
interesse está no conteúdo da aprendizagem, independentemente da disciplina.
No próximo nível, os interesses de aprendizagem começam a se diferenciar. O
conteúdo concreto do material instrucional passa a ter significado e iniciam-se os interesses
por algumas disciplinas específicas. Ao mesmo tempo, outras coisas que são propostas
parecem cansativas e enfadonhas e são realizadas porque o professor solicita ou porque é
obrigatório. Nesse nível, é de extrema importância para os alunos as relações sociais que ele
estabeleceu na comunidade escolar: amizades, relação com o professor, a imagem perante os
outros e sua autoimagem, etc.
No último nível, os alunos passam a ser ainda mais seletivos em relação às disciplinas
e iniciam a compreensão sobre o conhecimento científico. Surgem os interesses por profissões
que têm relação com algumas das disciplinas eleitas por eles e nas quais eles apresentam
melhor desempenho. Parece ser um período de preocupação com o futuro, com aquilo que
poderá lhes trazer independência. As amizades e toda a rede de comunicação dentro da escola
57
ainda são importantes. Porém, agora, o aluno se preocupa com o que fará no futuro e, por
conseguinte, com aquilo do presente (por exemplo: conhecimentos acerca de conteúdos
específicos) que poderá auxiliá-lo nesse sentido.
De forma geral e independentemente da época em que ocorrem e porque ocorrem,
Leontiev (1994, apud. LOMPSCHER, 1999) considera que as principais taxonomias de
motivos na atividade de aprendizagem são: motivos sociais; motivos autorrelacionados e
motivos cognitivos.
Os motivos sociais estão relacionados à biografia individual, às condições sociais e
culturais do indivíduo e da escola. São exemplos de motivos sociais: identificação do aluno
com o professor; inter-relação do aluno com os grupos e os pares; possibilidade de ajudar os
outros; sensação de dever cumprido, ao estudar (o aluno é cobrado pelos pais e pela
sociedade), etc.
Os motivos autorrelacionados são aqueles capazes de motivar o indivíduo quando ele
se compara ao seu par. Se a comparação entre o seu desenvolvimento pessoal e bem estar, sua
realização pessoal, sua posição em relação aos outros for motivo para que ele queira aprender,
estamos falando de motivos autorrelacionados.
Os motivos cognitivos são aqueles que surgem quando o interesse do aluno está no
próprio conteúdo teórico e no desenvolvimento que ele pode proporcionar. Podemos
identificar um motivo cognitivo em uma atividade de aprendizagem quando o seu conteúdo é
o objeto teórico da atividade e sua aquisição. Nesse momento o aluno valoriza mais o método,
o caminho trilhado que o próprio resultado. Na prática, estes motivos podem perder
rapidamente seu poder motivador, uma vez que os alunos geralmente desejam resultados
imediatos.
Ressalto, entretanto que, embora possamos classificar motivos dos alunos durante sua
vida escolar e que alguns tipos possam ser mais influentes que outros em épocas distintas, não
devemos pensar em um único tipo de motivo como responsável por mover a atividade de
aprendizagem. É mais razoável imaginarmos uma interação entre eles. No curso da vida
escolar, os motivos de aprendizagem não possuem trajetórias paralelas. Ao contrário, suas
trajetórias se interpenetram e movem as atividades dos alunos.
Sendo entendido dessa forma, considero muito importante que possamos discutir o que
move alunos em atividades de aprendizagem, ou seja, sobre quais são seus motivos.
Porém, em quais atividades de aprendizagem me baseei para este estudo?
De acordo com Lompscher (1999), para que a atividade de aprendizagem ocorra, deve
haver um ambiente adequado. Segundo este autor, uma atividade de aprendizagem surge e se
58
Chegando ao final deste capítulo e após a discussão de tantos conceitos teóricos, julgo
ser importante apresentar quais deles foram mais importantes para este estudo.
A Teoria da Atividade (TA) defende que o desenvolvimento humano ocorre quando o
indivíduo participa de atividades. Estas atividades surgem de uma necessidade, que se
transforma em um motivo que as guiará rumo a um objeto de satisfação da necessidade.
Estando em atividade, o homem se apropria de suas formas de fazer, de suas regras,
enfim, de tudo aquilo que estava objetivado em seus elementos constituintes e que foi
historicamente construído. Desta forma, ele vai se tornando mais humanizado ao se apropriar
de novos objetos materiais e sociais. Por outro lado, este mesmo homem pode modificar este
meio que o rodeia em uma via de mão dupla, em uma relação dialética.
Já no parágrafo anterior, utilizei palavras como ‘apropria’, ‘objetivado’, que são
construtos representativos da TA, discutidos neste capítulo e que foram muito importantes no
momento de análise. Meu objetivo principal, nesta tese, foi verificar como se relacionam o
envolvimento dos alunos em cenários para investigação, e uma possível aproximação entre os
seus motivos e o objeto desta atividade. Nota-se que meu interesse maior se voltou para os
motivos que guiam o indivíduo rumo ao objeto.
No entanto, para saber dos motivos dos alunos ao se envolverem em cenários para
investigação, fui levado a buscar novas compreensões dentro da TA, como por exemplo,
conexões entre motivos e sentidos; entre motivos e significado; entre motivos, apropriação e
27
Isto não significa que no modo tradicional de se ensinar Matemática não ocorra aprendizagem. A opção pelos
cenários para investigação é justificada pela liberdade que estes ambientes dão aos alunos, para experimentarem
caminhos e respostas diferentes para uma mesma questão, o que é desejável para que não se pense que a
Matemática sempre é exata e com resposta única.
59
objetivação; entre motivos e mediação. Todos estes construtos foram de grande relevância
para o tipo de análise realizada.
Motivo foi compreendido como aquilo que move uma pessoa rumo a um objeto que
possa satisfazer uma necessidade. Esta compreensão de motivo e objeto foi influenciada, por
exemplo, por autores como Davydov (1988), Leontiev (1978a), Engestrӧm (2001) e
Kaptelinin (2005). Para a compreensão de construtos como mediação, objetivação e
apropriação, me apoiei em Vygotsky, considerado da primeira geração. Sentido e significado
foram utilizados da forma como os definiu Leontiev (1978b). Há autores das três gerações da
TA. Ao apresentar estas gerações, um dos objetivos foi apresentar um panorama da teoria,
mas, também, mostrar que elas são complementares.
Esta complementaridade mostra que a teoria evoluiu com o tempo, mas que as novas
lentes utilizam conhecimentos anteriores e deles se utilizam para compreender um novo
fenômeno. Esta compreensão gera novos conhecimentos, que se agregam aos conhecimentos
anteriores, compondo um novo panorama.
Pesquisadores de uma geração tiveram como base as ideias dos pesquisadores da
geração anterior e assim a teoria se expandiu. Como imaginar a caça coletiva de Leontiev,
sem a ideia de mediação de Vygotsky? Ou, como ignorar a declarada influência de Leontiev
na estrutura triangular da atividade, proposta por Engestrӧm? E como pensar em minhas
escolhas durante a análise, sem a ajuda dos textos destes autores?
Nesta síntese, meu objetivo foi mostrar as principais ideias discutidas no capítulo 1 e
que nortearam a análise dos dados. No próximo capítulo, realizo uma discussão teórica sobre
investigações em sala de aula, dando destaque às investigações matemáticas.
60
CAPÍTULO 2
Alrø e Skovsmose (2010, p. 123) consideram que “realizar uma investigação significa
abandonar as comodidades da certeza e deixar-se levar pela curiosidade”.
Os PCNs também fazem referência às atividades investigativas quando sugerem que
os alunos devem:
Quando utilizamos a investigação na aula de Matemática, é natural que nosso alvo seja
o aluno. Não devemos, contudo, deixar de oensar nos benefícios para o próprio professor.
Ponte (2003, p. 26) discute este outro aspecto da investigação em sala de aula. Ele escreve:
Vimos que em Educação Matemática há formas diferentes de interpretar o que vem a ser
investigação. Nesta seção, o objetivo é trazer, com maiores detalhes, as interpretações de
alguns autores sobre investigação e como ela poderia ser realizada na aula de Matemática.
Oliveira (2003) interpretam o fazer Matemática como uma simulação em sala de aula de
práticas próximas à de um matemático.
Estes autores consideram que uma situação só se constitui como investigação se for
motivadora e desafiadora, sendo que o processo de resolução não é previamente apresentado
aos alunos. Nesta perpectiva, outra característica importante das investigações é o fato de elas
se contrastarem com as tarefas de tipo fechado e estruturado, que são habitualmente usadas no
processo de ensino-aprendizagem. As atividades investigativas são tendencialmente abertas
permitindo que o aluno encontre o caminho a seguir e faça questionamentos.
Os autores acreditam que, frequentemente, a investigação em sala de aula possui uma
estrutura, que consiste:
1) Desafiar os alunos – neste papel, o professor deve iniciar o trabalho com uma questão
intrigante e para a qual os alunos não têm resposta imediata. No entanto, é preciso
ressaltar que formular questões desafiantes não é tarefa fácil. Ela exige que o
professor seja capaz de enfrentar vários dilemas. Se a questão for muito difícil, os
alunos poderão se sentir intimidados e não querer trabalhar nela. Se for muito fácil
pode ser desestimuladora. Se forem dadas informações a menos, os alunos poderão
sentir-se perdidos sem saber por onde começar. Se elas forem muitas, algumas
poderão distrair o aluno ou fazê-lo seguir um caminho que não o levará a nada.
Entretanto, se o professor der as informações estritamente necessárias, sem qualquer
ambiguidade, dará pistas da resolução. O enfrentamento desses dilemas que surgem
requer organização prévia do professor e familiaridade com a turma.
2) Avaliar o progresso dos alunos – este papel do professor, a meu ver, é mais evidente
na fase denominada ‘realização da tarefa’ e que foi descrita anteriormente. O professor
deve verificar se os alunos compreenderam a tarefa proposta, se estão formulando
questões, se são capazes de justificar suas opções. Precisa, também, procurar saber se
os alunos estão com dificuldades e se as têm, saber se elas se relacionam à falta de
conhecimentos prévios ou ao fato de não encontrarem uma forma de representação
funcional para a informação que lhes foi dada.
3) Raciocinar matematicamente – Durante o processo investigativo, ainda que o
professor tenha muito se preparado, podem surgir situações matemáticas inesparadas
nas quais ele não pensara. Neste caso, deverá raciocinar matematicamente frente aos
alunos de modo que eles percebam como isto ocorre.
4) Apoiar o trabalho dos alunos – O apoio aos trabalhos dos alunos na atividade
investigativa ocorre quando o professor faz perguntas que podem, de alguma forma,
impulsionar suas ideias, ajudando-os a progredir. Um exemplo deste tipo de pergunta,
que ocorre no diálogo entre uma professora e um grupo de alunos, é28:
Teresa: Isto assim é possível? Aqui, por exemplo, o 1, depois o 4, o 9, 0 16, 0 25,
depois o 36. Só que depois não segue nenhuma ordem... por aqui. Aqui dá mas...
Professora: Será que não segue uma ordem?
Rita: Depois alterna.
Professora: Alterna, não é?
28
Exemplo retirado de Ponte, Oliveira, Brunheira, Varandas e Ferreira, 1998.
64
Neste diálogo, houve exemplos de perguntas feitas pela professorora do tipo aberta
(será que não há aí uma...) ou mais específica (será que não segue uma ordem?) e,
ainda, retórica (alterna, não é?). Qualquer que seja o tipo, estas perguntas têm o poder
de manter o fluxo do diálogo entre a professora e os alunos dando-lhes apoio. Se o
avanço não mais ocorre o professor pode, então, dar sugestões que orientem a a
tividade. Outro fato que pode ocorrer é o aluno fazer uma pergunta e o professor, ao
invés de respondê-la diretamente, devolvê-la à turma. Esta é uma estratégia para
aumentar a parcela de participação dos alunos e mostrar a confiança que o professor
deposita neles.
Skovsmose também discute sobre investigação, mas em uma perspectiva diferente daquela
apresentada nesta subseção. De acordo com Araujo et al (2008, p. 12), para este autor:
29
Paradigma do exercício será discutido na próxima seção.
65
Os cenários para investigação (SKOVSMOSE, 2000) são uma proposta que contrapõe
ao que se denomina paradigma do exercício. Neste paradigma, a Educação Matemática dá-se
da seguinte forma: o professor, guiado pelo livro didático, discute algumas ideias e ensina
algumas técnicas que os alunos utilizarão em exercícios posteriores. Nesse modo de ensinar
Matemática, não há espaço para questionamentos ou participação dos alunos. Eles
simplesmente reproduzem técnicas ensinadas, de forma repetitiva, que dificultam reflexões
acerca do que estão fazendo. A resposta para cada exercício é única e universal.
A Educação Matemática baseada em cenários para investigação pode romper com esta
forma engessada de se ensinar tal disciplina, permitindo que os alunos participem do
processo, agindo e refletindo sobre suas práticas podendo ter, por isso, acesso a uma
Educação Matemática Crítica - EMC (SKOVSMOSE, 2000). Ainda nesse sentido,
Skovsmose (2007, p. 6) considera que “cenários representam uma tentativa educacional para
estabelecer uma educação matemática com mais significado”.
A principal preocupação da EMC é o desenvolvimento da Materacia, que se opõe à
EM baseada somente na aquisição de habilidades para cálculos matemáticos e privilegia uma
EM que promova a participação crítica do aluno, como alguém inserido em uma sociedade, e
que discute questões relativas a ela. A EMC é uma extensão, para a Matemática, da pedagogia
libertadora defendida por Freire (1978) e que encontra adeptos em várias áreas.
Em seu livro, Pedagogia do Oprimido, Freire (1978) critica a educação bancária
vigente em grande parte das escolas brasileiras. Nesta visão bancária da educação, o professor
é o depositante dos conhecimentos e o aluno o depositário, sem que seja dado a estes últimos
o direito à voz, a uma consciência crítica. A qualidade do educador está diretamente atrelada à
quantidade de depósitos de conhecimentos feitas na mente do educando. A qualidade deste,
por sua vez, está diretamente atrelada à sua capacidade resiliente para aceitar mais e mais
depósitos, sem direito à recusa. Contrapondo-se a essa educação bancária, Freire defende uma
educação mais humanizada, mais democrática, emancipadora e libertadora. Em Pedagogia da
Indignação, o mesmo autor retoma a questão da educação bancária e considera que:
66
Skovsmose (2000) combina a distinção entre as três referências com a distinção entre
a aula baseada somente em exercícios, e aquela que utiliza cenários para investigação,
produzindo uma matriz com seis tipos diferentes de ambiente de aprendizagem.
deverão avaliar muitas variáveis para a sua construção (melhor local e por que, que tipo de
adubo utilizar, quais são as melhores espécies para o clima local, etc), bem como os cálculos
matemáticos para a sua execução (quantidade de metros de arame para cercá-lo, a área
necessária, o volume de terra, etc).
É importante ressaltar que, embora o quadro acima pareça rígido e estático, ele é
apenas uma simplificação dos possíveis ambientes de aprendizagem. As linhas horizontais e
verticais são fluidas, permitindo a movimentação de um ambiente para outro. Não se trata,
também, de abolir exercícios em sala de aula. Talvez utilizá-los em momentos posteriores à
investigação, para consolidação do que se aprendeu, seja uma boa alternativa. Isto é bem
diferente do paradigma do exercício, no qual os exercícios são a única alternativa do professor
para o processo de aprendizagem dos alunos. Além disso, a matriz de ambientes pode servir
como instrumento analítico das práticas em sala de aula. Alunos e professores podem avaliar
quais ambientes proporcionaram melhores resultados (ibidem).
Um cenário para investigação oferece desafios ao professor, uma vez que ele não pode
prever que questões surgirão no decorrer do processo. Uma pergunta inesperada pode colocar
em xeque o conhecimento prévio do professor ou pode estar fora do contrato didático. Neste
caso, o mais cômodo é retornar à zona de conforto (PENTEADO, 2001) em que,
provavelmente, não são permitidos tais comportamentos. Para Skovsmose (ibidem), esta
solução não é a ideal. O professor deve aceitar o desafio e ter habilidade para atuar no novo
ambiente e, juntamente com os alunos, criar um ambiente de cooperação para produzir
atividades significativas.
Neste capítulo, discuti a investigação em aulas de Matemática e sua importância para o
ensino desta disciplina, tanto para os alunos como para os professores. Apresentei, também, a
ideia dos cenários para investigação, que pode proporcionar aos alunos uma postura crítica da
sua realidade, por meio da Matemática. Considero esta discussão pertinente, uma vez que,
durante a pesquisa de campo, propus tarefas investigativas aos alunos.
No próximo capítulo trarei alguns estudos que, de alguma forma, se ligam a esta
pesquisa, incluindo alguns nos quais a investigação na aula de Matemática também teve
relevância.
70
CAPÍTULO 3
A pergunta diretriz deste estudo é: como se relacionam o aceite dos alunos ao convite
para participação em cenários para investigação, o envolvimento destes alunos neste ambiente
e uma possível aproximação entre os seus motivos e o objeto desta atividade?
Nela, destaco a importância de três palavras-chave que guiaram meu olhar para os
dados: investigação, envolvimento e motivos. Sendo assim, neste capítulo, meu objetivo foi
apresentar estudos que se conectam a este trabalho, por meio destas palavras. Elas se tornam,
então, o ponto de aproximação entre o presente estudo e os estudos que serão apresentados.
Entretanto, apresento, também, características que os diferenciam. Em cada um dos estudos, a
seguir, pelo menos uma das palavras-chave ganhou relevo durante as discussões.
Para uma melhor organização, inicialmente, apresento estudos em que a palavra
investigação teve grande importância. Ressalto que esta palavra foi considerada no âmbito da
Educação Matemática, e não de forma genérica. Em seguida, apresento um estudo em que a
discussão sobre envolvimento foi muito importante, assim como a discussão em torno da
palavra motivo, mas utilizando referencial teórico distinto daquele que utilizei na presente
pesquisa. Por fim, trago estudos em que a palavra motivo foi tratada, tomando como
referências, abordagens histórico-culturais, que é onde se insere a TA, utilizada no presente
estudo. Em algumas dessas pesquisas, uma discussão sobre motivos não foi anunciada no
título e/ou no resumo do trabalho. Observou-se, entretanto, que eles tiveram tratamento de
destaque durante a discussão teórica e no momento da análise.
As tarefas investigativas foram propostas a uma turma de EJA, com mais de quarenta
alunos matriculados, uma frequência média de vinte e cinco, e presença constante de dez. As
idades variavam de 15 a 50 anos.
Entre dúvidas e receios, a professora foi se apropriando daquela experiência e passou a
repensar sua prática como educadora. Ainda, em relação à professora, Jordane (2007, p. 132)
considerou que a experiência “marcou-lhe de tal forma que propiciou que incorporasse, à sua
vida profissional, práticas que, até então, não eram comuns”. A professora “se ‘apossa’ das
investigações. ‘Toma’ para si e dá continuidade ao trabalho”.
De acordo com o autor, a análise dos dados indicou cinco fatores que contribuíram
para o processo de transformação experienciado pela professora. Dois deles dizem respeito
aos desejos da professora. O desejo de mudar, vinculado ao desenvolvimento profissional, e o
desejo de partilhar, vinculado ao trabalho colaborativo. Os outros se relacionam à segurança
da professora em realizar tarefas investigativas em suas aulas, por se sentir mais segura, na
medida em que teve o apoio de outro professor auxiliando-a no desenvolvimento do trabalho,
incluindo as discussões teóricas sobre investigação. Ela pôde comprovar, empiricamente, a
viabilidade do uso de investigações em sala de aula.
Gonçalves e Reis (2013) discutiram sobre a utilização de tarefas investigativas para o
ensino de derivadas, na disciplina de cálculo I, a partir do software geogebra30. Os autores
fizeram uma discussão teórica sobre investigação, buscando as mesmas referências utilizadas
no presente estudo e nos dois estudos anteriores.
No estudo de Gonçalves e Reis, entretanto, a utilização de um software nas aulas de
Cálculo I, suscitou discussões mais elaboradas sobre o uso de tecnologias em aulas de
Matemática e sobre o ensino de cálculo. As tarefas investigativas foram aplicadas a uma
turma da disciplina Cálculo diferencial e integral I, de uma universidade pública brasileira. De
acordo com os autores, algumas contribuições das atividades investigativas para o ensino de
cálculo, utilizando tecnologias, puderam ser destacadas: Uma delas é a ressignificação dos
conhecimentos dos alunos em relação às aplicações das derivadas; outra aponta para a criação
de um ambiente de aprendizagem diferenciado e complementar à sala de aula; por fim, existe
a contribuição para a formação de um “novo” professor de Matemática dos Ensinos
Fundamental e Médio e também do Ensino Superior.
O estudo de Grando e Balke (2013), também deu grande importância à investigação
matemática na sala de aula. O objetivo das autoras era verificar em que medida a abordagem
30
O geogebra é um software de geometria dinâmica, gratuito, muito utilizado para o ensino de geometria.
73
Por outro lado, no presente estudo, o foco estava nos motivos dos alunos para a
participação em tarefas investigativas na aula de Matemática, ao passo que no estudo de
Palma, o foco estava nos sentidos pessoais das alunas do estágio supervisionado, para
aprenderem e ensinarem Matemática. Como se pode observar, a Matemática teve destaque em
ambas as pesquisas, porém, com enfoques distintos. Em função dos diferentes sujeitos, na
pesquisa de Palma, a Matemática surgiu como algo a ser reaprendido para, depois, ser
ensinado. Nesta pesquisa, a Matemática estava inserida em uma proposta de investigação, na
tentativa de romper com a forma tradicional como ela era apresentada.
Outra pesquisa na qual o estudo dos motivos também não estava explícito no título
e/ou no resumo, é aquele em que Asbahr (2011), embora se proponha a investigar o processo
de atribuição de sentido pessoal à atividade de estudo de crianças da 4a série de uma escola
municipal de São Paulo, discute também os motivos dos alunos para esta atividade.
A proposta do estudo de Asbahr é próxima da proposta do estudo citado
anteriormente: analisar o processo de atribuição de sentido pessoal utilizando uma abordagem
histórico-cultural. Porém, como já visto, os sujeitos da pesquisa de Palma (2010) foram alunas
do curso de Pedagogia e os sujeitos da pesquisa de Asbahr (2011) foram alunos da 4a série
(atual quinto ano) de uma escola pública municipal de São Paulo.
Se, por um lado, as características dos sujeitos das pesquisas de Palma e Asbahr
diferem, elas são um ponto de aproximação entre o estudo de Asbahr e o presente estudo. Em
ambos os casos lidamos com alunos do Ensino Fundamental, embora com faixas etárias
distintas. Outro ponto a se considerar na comparação entre o estudo de Asbahr e a presente
pesquisa é que, no primeiro, procurou-se conhecer os motivos dos alunos para a atividade de
aprendizagem, de modo geral, sem focar em uma determinada disciplina. No presente estudo,
o interesse recaiu sobre os motivos para a participação em tarefas matemáticas. Assim, houve
uma especificidade maior.
A autora defendeu a tese de que, “para que a aprendizagem escolar ocorra, as ações de
estudo dos estudantes devem ter um sentido pessoal correspondente aos motivos e aos
significados sociais da atividade de estudo, no sentido da promoção do desenvolvimento
humano” (ASBAHR, 2011, p. 9). No meu modo de entender e baseado em Leontiev (1978b),
o sentido pessoal vai sempre corresponder ao seu motivo porque é aquilo que conecta o objeto
ao motivo31. O que ocorre, em muitos casos, é a ruptura entre significado e sentido, gerando
31
O exemplo de Leontiev, à página 33 desta tese, sobre o aluno que vai ler um livro, serve para melhor
esclarecer esta ideia.
76
uma atividade alienada. Acredito que ocorra aprendizagem, mesmo em situações adversas.
Isto não significa que elas ocorrerão do mesmo modo.
A pesquisa de Cedro (2008) tem a palavra motivo explícita no título: O motivo e a
atividade de aprendizagem do professor de Matemática: uma perspectiva histórico-cultural. O
autor procurou discutir o processo de transformação e/ou criação de motivos da atividade de
aprendizagem, de três alunos de um curso de licenciatura em Matemática, de uma
universidade pública brasileira, quando envolvidos na disciplina correspondente ao estágio
supervisionado. Estes sujeitos são próximos daqueles da pesquisa de Palma (2010), que
também estudou alunos da disciplina estágio supervisionado. A diferença está no curso de
graduação dos sujeitos: Palma trabalhou com alunas do curso de Pedagogia e Cedro com
alunos da licenciatura em Matemática.
A base teórica da pesquisa de Cedro foi a Teoria da Atividade, dando destaque a
autores como Leontiev, Davydov e Vygotsky. Um dos objetivos era possibilitar aos
professores, uma formação acadêmica que lhes permitisse uma visão mais humanizada da
educação.
Durante um ano, o pesquisador acompanhou os professores em um experimento
formativo, no qual o objetivo era colocá-los em atividade de ensino. De acordo com o autor,
as situações propiciadas pelo experimento formativo permitiam aos professores se
apropriarem de uma proposta de organização de ensino, que lhes possibilitava rever seus
valores e concepções sobre o mesmo. Desta forma, os novos sentidos dados às suas ações,
permitiram que eles passassem a ter uma nova visão sobre o papel da escola na sociedade. No
rastro das novas versões dos sentidos pessoais para a atividade de ensino, os motivos para
essa atividade também se modificaram.
Os estudos de Cedro, Asbahr e Palma, discutidos anteriormente, e o presente estudo,
se conectam pela palavra motivos. Asbahr e Palma deram destaque aos sentidos pessoais,
passando pelos motivos. Cedro deu destaque aos motivos, passando pelos sentidos pessoais.
O presente estudo destaca os motivos, a exemplo da pesquisa de Cedro. Este é um ponto de
convergência entre as duas pesquisas. Outra aproximação entre elas é o referencial teórico,
muito semelhante. No entanto, meu objetivo foi estudar os motivos de alunos para a
participação em tarefas investigativas, o que é diferente de estudar a evolução dos motivos de
professores, em um curso de formação. Há diferenças, também, na parte metodológica e nas
escolhas teóricas para análise. Por exemplo, embora o autor tenha trazido algumas ideias de
Engestrӧm em seu capítulo teórico, ele não retoma tais ideias em sua análise. No presente
estudo, as ideias de Engestrӧm foram muito importantes para a análise dos dados.
77
A seguir, apresento alguns estudos internacionais sobre motivos, todos utilizando uma
perspectiva histórico-cultural e que tiveram importância, tanto no aprofundamento teórico,
quanto nos momentos de análise.
Hedegaard (2012) discutiu os motivos de crianças para a participação em práticas
sociais comuns, que ela denominou de ambiente de atividade. São exemplos de ambiente de
atividade: tomar café ou jantar à mesa; fazer o dever de casa. Ela utilizou a noção de situação
social de desenvolvimento, de Vygotsky, também utilizada no presente estudo, e a noção de
motivo, assim como definido por Leontiev.
Neste estudo, os motivos foram relacionados aos valores que as atividades diárias
possuem para as crianças. De acordo com a valorização que uma atividade possui e certa
cultura, pode ocorrer, ou não, o surgimento de motivos para participação.
Medina e Martinez (2012) mostraram como o comportamento das crianças difere de
acordo com os valores culturais do panorama sociocultural na qual elas se inserem. Segundo
os autores, estes valores culturais e normas, podem se transformar em motivos para guiar a
interação das crianças com seus pares.
Corsaro e Rizzo (1998) estudaram o comportamento de crianças italianas e
americanas, quando envolvidas em brincadeiras. Eles observaram que as crianças, de ambos
os países, desenvolveram uma série de comportamentos para proteger seus espaços de
interação contra possíveis interferências. No entanto, as crianças americanas negavam a
inclusão de novos membros nesses espaços, ao passo que as italianas, eventualmente,
admitiam a entrada de novas crianças, desde que se submetessem a algumas condições
previamente estabelecidas. De acordo com os autores (2012, p. 103), estas pesquisas mostram
como as crianças:
[...] através de suas interações, criam uma dinâmica social que sugere a
reprodução do mundo dos adultos. Isto significa que através da participação
nas brincadeiras de suas culturas, crianças aprendem motivos e competências
que lhes permitem agir em ambientes específicos cheios de regras, valores e
normas que limitam seu comportamento32.
Este estudo também sugere que as crianças, ao participarem de atividades com adultos,
se apropriam de suas normas e regras e as reproduzem em suas brincadeiras ou nas suas
32
Tradução para: through their interaction, create a social dynamics that suggest na active reproduction of the
adult world. It seems that through participation in their play cultures, children learn motives and competences
that allow them to act in specific settings full of rules, values and norms that limit their behavior.
78
relações com outras crianças. Estas regras podem tornar-se motivos para participação nas
atividades diárias.
Outro estudo interessante foi aquele realizado por Winther-Lindqvist, (2012) no qual a
autora associa a Teoria Histórico-cultural com a teoria das representações sociais, discutida
por Moscovici, e o desenvolvimento de identidades sociais, discutido por Duveen, para
compreender melhor o desenvolvimento das identidades sociais das crianças e de seus
motivos durante a transição escolar.
Foi observado um grupo de 12 crianças, entre cinco e seis anos, por vinte dias, dentro
dos quatro últimos meses de seu jardim de infância. Posteriormente, a pesquisadora
acompanhou oito, dos 12 alunos, por vinte e um dias, dentro dos seus três primeiros meses da
escola primária. Os principais dados foram obtidos de protocolos escritos produzidos nas
cenas e, quando havia alguma dificuldade para a escrita, as situações foram vídeo-gravadas.
A autora, ao analisar as identidades sociais das crianças e como elas são criadas na
vida social com os colegas, sugere que os colegas e amigos e a posição social entre eles são
um fator crucial para o desenvolvimento de motivos para a aprendizagem quando eles entram
na escola.
O motivo não está localizado somente em uma pessoa, somente em uma situação ou
condição externa a ela. Ele deve ser localizado dentro das relações nas quais a pessoa está
engajada, em suas atividades. Pode ser estudado associado a outros conceitos, como ocorreu
em algumas das pesquisas. Motivo esteve relacionado a sentido pessoal, a identidade social,
normas e regras. Para Chaiklin (2012), esta associação de motivo com outros conceitos que
fazem parte da Teoria Histórico-cultural, dá uma visão holística da Teoria.
Como discutido no segundo parágrafo deste capítulo, o presente estudo se aproxima de
todos os outros citados, pelas palavras investigação (matemática), envolvimento e motivos.
Ocorreram, também, em alguns casos, aproximações nas perspectivas teóricas, que foram
destacadas. Uma das contribuições do presente estudo é que ele é inédito, por associar
aspectos de todos estes estudos em um único.
Após apresentar semelhanças e diferenças entre este estudo e alguns outros, tomados
para comparação, no próximo capítulo tratarei sobre aspectos da metodologia adotada
utilizada.
79
CAPÍTULO 4
ASPECTOS METODOLÓGICOS
Desta forma, como prática educativa que está inserida na prática social mais ampla, a
EM se relaciona diretamente com outras ciências como a Filosofia, a Matemática, a
Psicologia, a Pedagogia, a História, a Antropologia, a Semiótica, para citar algumas. É
natural, portanto, que as pesquisas em EM sofram influências de conhecimentos destes outros
campos de estudo, que são muitas vezes utilizados para explicar as intrincadas e complexas
relações que ocorrem nos processos de ensino e aprendizagem de Matemática.
A pesquisa em EM tem múltiplos objetivos e seria impossível listá-los, uma vez que
dependem da problemática anunciada. No entanto, de forma mais ampla, podemos dizer que
há dois objetivos básicos: um, de natureza pragmática, que visa a qualidade do ensino e da
aprendizagem matemática; outro, de natureza científica, que tem em vista o desenvolvimento
da EM enquanto campo de investigação e de produção de conhecimentos (FIORENTINI;
LORENZATO, 2006).
Qualquer que seja o objetivo da pesquisa em EM, por ele perpassam as múltiplas
relações entre ensino, aprendizagem e conhecimento da Matemática num contexto sócio
histórico específico, ou seja, numa prática social. Compreender esta prática é, pois,
fundamental. No entanto, esta compreensão não surge gratuitamente, como resultado das
informações sobre a prática, como se estas fossem simples dados coletados. É o pesquisador,
em um processo metódico de interação e diálogo com a realidade, orientado por suas questões
de estudo e enxergando através de sua lente teórica, que fará a interpretação destas
informações. As mesmas informações, nas mãos de pesquisadores diferentes serão, também,
interpretadas de formas diferentes.
80
Outro aspecto importante que influencia as escolhas do pesquisador e que também tem
relação com sua biografia é a sua formação intelectual. Bogdan e Biklen (1994) discutem tal
aspecto ao se referirem aos pesquisadores em educação (mas acredito que possa ser estendido
a outros casos). Segundo os autores, alguns pesquisadores estudaram Psicologia, outros
Sociologia, Desenvolvimento Infantil, Ciências Sociais, etc. Deste modo, psicólogos,
sociólogos, cientistas sociais, podem passar o mesmo período de tempo em um mesmo local e
falarem com as mesmas pessoas sem, contudo, obterem os mesmos resultados de pesquisa.
Eles “recolherão diferentes tipos de dados e chegarão a conclusões diferentes” (BOGDAN;
BIKLEN, ibidem, p. 69). De igual modo, suas perspectivas teóricas os orientarão em direção a
estruturas distintas de pesquisa.
Na presente pesquisa, o principal objetivo foi verificar ‘como se relacionam o
envolvimento dos alunos em ambientes denominados cenários para investigação e uma
possível aproximação entre os seus motivos e o objeto desta atividade’. Como nos aponta
Lompscher (1999, p. 2), “Motivos não são simplesmente dados. Em vez disso, estão
estabelecidos no processo de atividade. A diversidade e variedade da atividade humana
produz uma diversidade respectiva de motivação”.
81
Em razão do objetivo, meu olhar se voltou mais para aspectos que pudessem me
fornecer informações sobre os motivos dos alunos. Meu diálogo e interação com o ambiente
foi norteado por este objetivo. Após várias leituras, conversas com minha orientadora, com os
pesquisadores do grupo de orientação33 e do grupo de estudos Grupo de Pesquisa e Estudos
Histórico-Culturais em Educação Matemática e em Ciências34, é que pude vislumbrar técnicas
que pudessem me auxiliar na busca pelos motivos dos alunos.
Após definí-las, senti-me preparado para ir a campo. Isto ocorreu no segundo semestre
de 2012. Ao final deste período realizei muitas releituras para tentar encontrar um caminho
para a análise que fosse concernente com o referencial teórico de análise e o objetivo de
pesquisa. Foi um momento de interpretação e diálogo com os dados sob minha ótica,
ancorado pelas referências teóricas. Nesta fase foram privilegiadas as informações que
atenderam aos propósitos do estudo. Os instrumentos e procedimentos de coleta e análise de
dados serão descritos, ainda neste capítulo. A análise será feita nos capítulos 5 e 6.
Este estudo privilegiou a descrição e a análise dos fatos no contexto social em que eles
aconteceram, ou seja, em seu ambiente natural. Além disso, as interações entre sujeitos,
pesquisador e objeto de estudo foram enfatizadas. Podemos dizer, então, que uma abordagem
metodológica de natureza qualitativa é mais adequada para esta pesquisa. Outra característica
desta pesquisa, comum às pesquisas qualitativas, foi a utilização de mais de uma técnica de
coleta de dados (questionário, entrevistas, vídeos) que, aliados à observação, confere à
pesquisa um maior grau de confiabilidade (ALVES-MAZZOTTI, 1998).
Como pesquisador, dei atenção especial aos comportamentos e falas dos sujeitos,
indaguei sobre aspectos de suas vidas para além da sala de aula para obter informações que
pudessem auxiliá-lo. Estas características vão ao encontro daquelas que D’Ambrósio (2005)
aponta como características da pesquisa qualitativa. Para este autor, uma pesquisa qualitativa
dá atenção às pessoas, suas ideias e procura interpretar discursos e narrativas que estariam
adormecidos.
Para finalizar a justificativa da natureza qualitativa desta pesquisa, recorro a Bogdan e
Biklen (1994) que, ao discutirem sobre o assunto, destacam cinco características que tais
pesquisas devem apresentar e trago características do presente estudo que mostram harmonias
com as ideias dos autores.
33
O grupo de orientações é composto pela professora Dra. Jussara de Loiola Araújo e todos os seus orientandos.
As reuniões coletivas ocorrem semanalmente, onde podemos discutir nossas pesquisas e ter acesso a muitas
contribuições, de todos os membros.
34
Este grupo já foi citado no capítulo 1.
82
1) A fonte dos dados é o meio natural onde ocorrem os fatos, já que o comportamento
humano é significativamente influenciado por este meio. O pesquisador é o
principal instrumento de coleta. Nesta pesquisa, o ambiente natural foi a escola,
em particular as salas de aula de Matemática de duas turmas do nono ano e eu
mesmo coletei as informações que julguei necessárias à pesquisa.
2) Os dados recolhidos foram em forma de palavras, imagens. Foram realizadas
transcrições de notas de campo, em particular, de vídeos e entrevistas. Gestos e
reações também foram considerados como pistas para uma melhor compreensão
do ambiente. Assim, podemos dizer que esta pesquisa foi descritiva.
3) Houve maior preocupação com possíveis descobertas sobre os motivos dos alunos
durante o estudo do que com um resultado final.
4) A análise é feita de forma indutiva. Nesta pesquisa não busquei evidências para
comprovar uma hipótese definida a priori.
5) O significado é algo de extrema importância. Em uma pesquisa qualitativa é
fundamental que o pesquisador se preocupe com as “perspectivas dos
participantes” (ERICKSON, 1986, apud BOGDAN & BIKLEN, 1994), ou seja, as
maneiras como os sujeitos percebem e dão sentido às suas vidas. Procurei saber as
opiniões dos alunos acerca das tarefas e, nas entrevistas, pude saber um pouco
mais da história de alguns deles. Após algum tempo realizei novas entrevistas com
os mesmos alunos, para me certificar de algumas informações que não ficaram
claras e para obter outras que me pareceram importantes.
Embora o detalhamento das teorias adotadas tenha sido realizado nos capítulos 1 e 2,
acredito que seja importante retomar esta discussão, mesmo que de forma breve, porque elas
foram parte importante do caminho metodológico trilhado.
83
aprendizagem está ancorada numa epistemologia crítica e dialógica, assim como discutida por
Alrø e Skovsmose (2004).
De acordo com estes autores, uma epistemologia dialógica se contrapõe a uma
epistemologia monológica, na qual as experiências de aprendizagem são individuais, como
ocorre na epistemologia genética proposta por Jean Piaget. Para contrastarem a epistemologia
monológica, os autores trazem como exemplo a perspectiva dialógica vygotskiana que assume
que a cognição humana é constituída pelos processos culturais, ou seja, nessa perspectiva a
comunicação, a interação e o diálogo assumem papel de destaque na formação da consciência
humana.
No entanto, ao assumirem uma perspectiva dialógica de aprendizagem e utilizarem os
pressupostos de Vygotsky como um exemplo desta perspectiva, será que Alrø e Skovsmose
(2004) estavam admitindo, também, sofrer influência de Vygotsky? Uma passagem do texto
desses autores talvez responda à questão:
Esta citação apresenta claramente a influência de Vygotsky sobre as ideias dos dois
autores. Poderíamos então pensar que a epistemologia dialógica de Alrø e Skovsmose está
totalmente baseada na perspectiva vygotskyana. Porém, não é o que ocorre. O que falta à
perspectiva dialógica de Vygotsky, segundo os autores, é um olhar crítico da pessoa que
aprende sobre aquilo que aprende. Isto porque, uma epistemologia crítica é uma teoria de
desenvolvimento e construção do conhecimento, onde a crítica ao que é aprendido é vista
como parte do processo de aprendizagem. Vygotsky considera que a tarefa da educação é
provocar o desenvolvimento dos alunos, mas não enfatiza a importância da organização
35
Tradução para: We are inspired by Vygotsky and his representation of learning as a collective process, and of
locating resources of knowledge production in social processes. […] We are also inspired by Vygotsky’s focus
on the role of language in learning and development processes. Further, we acknowledge the zone of proximal
development that emphasises the resources and possibilities of learning […]. With the help of Vygotsky we are
inspired to acknowledge the dialogical nature of knowledge production.
85
crítica do conteúdo que provoca tal desenvolvimento. O que Alrø e Skovsmose (2004)
sugerem é considerar este elemento crítico na perspectiva dialógica de Vygotsky.
Ao se referir à zona de desenvolvimento proximal na obra de Vygotsky, os autores
ressaltam a possibilidade de atos dialógicos em atividades nesta zona. Novas qualidades do
diálogo36 em uma zona de desenvolvimento proximal podem provocar novas qualidades na
aprendizagem, podendo torná-la crítica. Isto não significa que uma epistemologia dialógica
será, necessariamente, crítica. Isto é uma possibilidade que Alrø e Skovsmose (2004)
consideram, como algo que pode contribuir para uma educação mais humanizadora.
Estes autores não discutem especificamente a TA. Entretanto, ao admitirem sofrer
influências das ideias de Vygotsky para a construção de uma epistemologia dialógica crítica
admitem, também, a influência da principal ideia preconizada pela TA, de que o
desenvolvimento humano somente se dá no processo de interação dialógica entre as pessoas.
E não nos esqueçamos de que a TA se iniciou com os estudos de Vygotsky.
A título de curiosidade, mas ainda mostrando uma aproximação entre os referenciais
escolhidos, o uso da palavra ‘cenários’ relacionada a ambientes de aprendizagem, já fora
realizado na Teoria Histórico-cultural. De acordo com Gallimore e Tharp (1990), muitos
autores relacionados a esta teoria (COLE, 1985; LEONTIEV, 1981) fizeram referência à ideia
de cenários de atividade que, de forma geral, “representa um ambiente onde ocorre interação,
colaboração, intersubjetividade, desempenho assistido, ou seja, quando ocorre uma situação
de ensino” (GALLIMORE & THARP, 1990, p. 185). A meu ver, esta noção de cenário está
em sintonia com a noção de cenários para investigação.
Na minha percepção, Alrø e Skovsmose atualizam a perspectiva dialógica de
aprendizagem defendida na TA, quando atribuem a ela um caráter crítico. Desta forma,
entendo que as escolhas teóricas foram harmoniosas e, portanto, adequadas a esta pesquisa.
Assim, após estas escolhas teóricas que julguei compatíveis e, baseado nelas, passei a
me guiar pela seguinte pergunta diretriz: Como se relacionam o envolvimento dos alunos
em cenários para investigação e uma possível aproximação entre os seus motivos e o
objeto desta atividade?
Dessa forma, meu objetivo principal é verificar como se relacionam o envolvimento
dos alunos em cenários para investigação e uma possível aproximação entre os seus motivos e
36
Estas qualidades de diálogo estão relacionadas à presença, no tipo de comunicação que ocorre em um cenário
para investigação, do que Alrø e Skovsmose (2010) denominam atos dialógicos. Este assunto será explorado nas
seções 5.3 e 5.4, do capítulo 5.
86
o objeto desta atividade. Para atingir este objetivo principal, alguns objetivos específicos
foram selecionados:
37
Anexo A
88
possa ocorrer. Porém, estas características peculiares do local que escolhi já anunciavam tal
diversidade.
Para a análise, escolhi um grupo de quatro alunos que trabalharam juntos nas tarefas
investigativas. Para este grupo, havia mais momentos das filmagens durante as tarefas em sala
e esta, talvez, tenha sido a primeira razão para a escolha. De qualquer forma, os quatro alunos
do grupo, Paulo, Lauro, Leandro e Gabriel, passaram a ser, efetivamente, os sujeitos desta
pesquisa. Por esta razão, neste momento, faço uma apresentação destes alunos, baseada em
duas entrevistas (elas serão descritas ainda neste capítulo) e em observações. Para isto, optei
por um quadro simples, com algumas informações básicas sobre os alunos, para uma
apresentação inicial. Posteriormente, mais detalhes sobre eles serão dados baseados,
sobretudo, nas respostas dadas à segunda entrevista.
No mês de julho de 2012, antes de iniciar minhas visitas às salas de aula, solicitei uma
reunião com a professora das turmas com o objetivo de conhecê-la melhor, apresentar-lhe
minhas propostas e solicitar sua ajuda, que seria indispensável durante o processo. Esta
professora é graduada em Matemática, com especialização em Educação Matemática, mestre
90
“Acredito que a educação contribui para a formação geral do indivíduo, para sua atuação
na sociedade, para que se torne uma pessoa mais crítica, criativa, capaz de enfrentar os
desafios, enfim, para ser mais feliz consigo mesmo e em boa convivência com os outros. Para
mim, a matemática é instrumental importante para a vida cotidiana e para diferentes áreas
do conhecimento. Ela possibilita desenvolver, dentre outras habilidades, o nosso raciocínio
lógico e as capacidades de previsão, abstração e generalização. Se compreendermos que o
conhecimento matemático é historicamente produzido, e surge a partir de necessidades
pessoais, sociais e de outras áreas do conhecimento, acredito que o conhecimento
matemático deve ser aprendido de forma dinâmica, tal como ele foi construído, e não visto
como algo pronto e acabado. Para isso, acredito que o aluno deve se colocar como produtor
de conhecimentos. Isto pode ocorrer através do trabalho com diferentes metodologias, tais
como a resolução de problemas e a investigação matemática, por exemplo, que são as que
mais gosto e acredito”.
várias vezes, mas sem coletar dados, a fim de que professor e alunos, a
serem observados, se acostumem com a sua presença e possam agir com
maior naturalidade durante o processo efetivo da realização da observação.
Nestas visitas iniciais prestava atenção à aula, conversava com os alunos sobre
assuntos pertinentes à aula de Matemática propriamente e sobre outros assuntos: onde
moravam, se tinham irmãos, do que gostavam como lazer, etc. Para não me esquecer do que
ocorrera, fazia anotações dos principais acontecimentos durante as aulas. No total foram
quatro visitas ao nono ano C e três visitas ao nono B, que duraram cerca de uma hora e meia
cada (duas aulas).
Em setembro, após este período de observação, iniciei de forma mais efetiva minha
participação nas aulas, intervindo e propondo tarefas investigativas. A descrição de duas
destas tarefas será feita, com detalhes, no capítulo 5. Para a sua realização, os alunos foram
divididos em grupos de quatro componentes (em alguns casos o grupo era constituído de mais
alunos) e, em todas as tarefas, os componentes eram sempre os mesmos. Antes do início, os
grupos recebiam um material fotocopiado com a tarefa e com explicações. Para que não
houvesse dúvidas, uma explicação geral era feita à turma por este pesquisador. Estas
propostas de tarefas aos alunos foram feitas entre setembro e novembro de 2012. O quadro
abaixo mostra o cronograma da pesquisa empírica:
Quadro 4: Cronograma da pesquisa empírica
Aulas Data Procedimento
1e2 14/08/12 Observação
3e4 16/08/12 Observação
5e6 21/08/12 Observação
7e8 23/08/12 Observação
9 e 10 28/08/12 Observação
11 e 12 11/09/12 Tarefa investigativa – Planos de telefonia celular
13 e 14 02/10/12 Tarefa investigativa – Ampliação/redução do tangram
15 e 16 23/10/12 Tarefa investigativa – Teorema de Pitágoras na escada
17 e 18 22/11/12 Tarefa investigativa – Áreas
28/11/12 Entrevista
13/05/13 Entrevista II – Leandro
13/05/13 Entrevista II – Gabriel
20/05/13 Entrevista II – Lauro
Fonte: Elaborado pelo autor
92
Neste tópico, me apoio em alguns autores para caracterizar uma observação como
participante, ao mesmo tempo que trago elementos da presente pesquisa que aludem a tais
características com o intuito de mostrar que a observação nela realizada foi do tipo
participante.
A observação participante é frequentemente utilizada em pesquisas qualitativas
(FLICK, 2009; ALVES-MAZZOTTI, 1998; LÜDKE e ANDRÉ, 1988). Ela possibilita ao
pesquisador obter as percepções e expressões das pessoas por intermédio de sentimentos,
pensamentos e crenças, sendo seu objetivo final gerar verdades práticas e teóricas sobre a
cultura humana com apoio nas realidades da vida diária (VIANNA, 2003). Alves-Mazzotti
(1998, p. 166) acrescenta que na observação participante os “comportamentos a serem
observados não são predeterminados, eles são observados e relatados da forma como
ocorreram, visando descrever e compreender o que está ocorrendo numa dada situação”.
No presente estudo, as observações foram feitas em sala de aula com o auxílio de
filmagens em vídeo, que captaram os comportamentos dos alunos da maneira como ocorreram
durante as tarefas propostas. Estes comportamentos incluíram não só a fala, os diálogos, mas
também expressões faciais, gestos, expressões corporais e outras formas de interação social.
Na observação participante, o pesquisador deve fazer parte da situação observada e ser
também sujeito de pesquisa, interagindo por um período de tempo considerável com o grupo a
ser estudado (ALVES-MAZZOTTI, 1998, VIANNA, 2003). Porém, este tempo não precisa
ser integral. Segundo Alves-Mazzotti (ibdem), embora se associe a observação participante a
uma imersão total do pesquisador no contexto, podemos considerar níveis diferentes de
participação. Meu contato com os alunos deste estudo não ocorreu durante todo o tempo, em
todas as aulas e nem em todas as aulas de Matemática. No entanto, tivemos vários encontros e
isso foi determinante para que pudéssemos nos sentir mais à vontade, uns com os outros,
dentro do grupo. Mesmo assim, não posso dizer que minha presença não influenciou o
processo. Sobre este aspecto da observação, Bogdan e Biklen (1994, p. 69) afirmam que
“nunca é possível ao investigador eliminar todos os efeitos que produz nos sujeitos ou obter
uma correspondência perfeita entre aquilo que deseja estudar e – o meio ambiente natural – e
o que de fato estuda – um meio ambiente com a presença do investigador”.
93
a interação com os alunos ainda era tímida. À medida que as visitas aconteciam já podia
chamá-los pelo nome e estabelecer um diálogo mais natural.
Durante as visitas alguns alunos solicitavam minha ajuda na solução de exercícios
demonstrando, em alguma medida, aceitação da minha presença. Este período que, como já
informado, ocorreu em agosto, tinha mesmo esta intenção: fazer um reconhecimento da sala
de aula, de seus participantes e da sua dinâmica na tentativa de estabelecer um contato mais
próximo com o grupo. A partir de setembro, quando iniciei uma intervenção mais efetiva na
sala, os alunos pareciam estar bem à vontade e agiam mais naturalmente.
De forma geral, a observação participante exige do observador algumas habilidades,
dentre as quais podemos destacar: a) ser capaz de estabelecer uma relação de confiança com
os sujeitos da pesquisa; b) ter sensibilidade para pessoas; c) ser bom ouvinte; d) formular boas
perguntas; e) ter familiaridade com as questões investigadas; f) saber se ajustar a situações
inesperadas (ALVES-MAZZOTTI, 1998).
A observação permeou toda a pesquisa e me permitiu acessar muitas informações
importantes sobre os comportamentos dos alunos. Entretanto, ela não foi suficiente para que
eu tivesse acesso a informações que dificilmente seriam observadas, como motivos, por
exemplo. Na literatura sobre TA não encontramos uma metodologia específica para acessar
motivos. Como resultados de observações, alguns pesquisadores fazem inferências sobre eles
(HARDMAN, 2007) ou mesmo questionam os participantes sobre motivos.
Acredito que motivos sejam muito subjetivos e de difícil acesso somente por
observações. Para resolver este impasse, decidi utilizar outras técnicas de coleta de dados que
pudessem complementar as observações. Em outras palavras, realizei um tipo de triangulação.
4.5.3 O questionário
Este instrumento de coleta de informações não foi pensado a priori como uma
possibilidade. Esta necessidade surgiu quando, diante da dificuldade de saber mais sobre os
‘por quês’ dos alunos para participarem das tarefas propostas, procurei por um instrumento
que pudesse me auxiliar. Para Goldenberg (2001), o questionário é um instrumento capaz de
apreender dos indivíduos informações que não apareceriam em outro instrumento. Nesse
sentido ele foi muito útil já que, em alguma medida, me possibilitava acesso a ideias dos
alunos que eu não teria, somente com a observação.
Denominei este questionário (anexo E) de ‘questionário de hierarquia de motivos’
porque permitia ao aluno classificar os seus motivos para participação nas tarefas propostas,
de acordo com a importância pessoal. Os questionários foram aplicados ao final de duas das
tarefas. Neste instrumento, que foi estruturado, havia 11 (onze) afirmativas que poderiam
justificar, ou não, a participação do aluno na tarefa. A cada uma delas, o aluno deveria atribuir
um valor: 0 (zero), se a afirmativa não possuísse nenhuma relevância para ele como
justificativa para sua participação; 1 (um), se a afirmativa fosse relevante, mas sua relevância
fosse secundária e 2 (dois), se a afirmativa fosse muito relevante para que ele participasse da
tarefa.
Na elaboração das afirmativas, utilizei as categorias consideradas por Leontiev (1994,
apud LOMPSCHER, 1999) para obter informações sobre os possíveis motivos que moviam
96
os alunos para participação nas tarefas. A seguir, cito estas categorias e ilustro com exemplos,
tal como foram apresentados aos alunos no questionário original.
4.5.4 O vídeo
apresentarem os fatos tal qual como ocorreram. Não corremos o risco de esquecer algum
detalhe importante que pode não ter sido retido pela nossa memória. Os vídeos são, em última
análise, uma visão exata do presente, num futuro qualquer.
Segundo Powel, Francisco e Maher (2004, p. 86), “o vídeo é um importante e flexível
instrumento para coleta de informação oral e visual. Ele pode capturar comportamentos
valiosos e interações complexas e permite aos pesquisadores reexaminar continuamente os
dados”.
Entretanto, somente a utilização de vídeos como instrumentos de coleta de dados para
posterior análise, pode limitar e empobrecer os resultados da pesquisa. Alguns autores (LESH
e LEHRER, 2000; PIRIE, 1996, apud POWEL, FRANCISCO & MAHER 2004) sugerem
alternativas para resolver tal problema. Dentre elas estão: juntar trabalhos escritos de
estudantes, de maneira a se obter um exame mais minucioso de suas atividades; combinar
dados do vídeo com outras fontes de dados como observações etnográficas, entrevistas
clínicas e experimentos de ensino; criar um portfólio de vídeo que representa uma coleção de
diferentes tipos de dados centrados em um único episódio.
Os vídeos podem também controlar um problema comum nas pesquisas em que a
observação foi utilizada: o viés do observador. Segundo Vianna (2003), o viés do observador
é resultado do seu comprometimento intelectual e emocional com o projeto. Desta forma,
muitas vezes este comprometimento pode influenciar suas percepções e fazer com que veja
ocorrências que comprovem suas hipóteses e deixe de ver outras que as contrariam. O vídeo
contribuiria no controle deste problema porque permite ao pesquisador assisti-lo quantas
vezes desejar, além de poder contar com a ajuda de outros observadores que também podem
assistir ao vídeo e travar discussões sobre ele. De qualquer forma, a interpretação é subjetiva e
pode variar, de pesquisador para pesquisador.
Esta segunda entrevista surgiu depois que o processo de análise havia se iniciado. Era
uma hipótese inicial, que os motivos dos alunos para participação nas tarefas, sofriam
influência de outros momentos de suas vidas. O mundo social é ininterrupto (LAVE;
WENGER, 2002) e isso significa que momentos distintos das vidas das pessoas se
entrelaçam. Eles não existem estanques. Nesse sentido, os motivos podem sofrer influência de
vários momentos da vida de um indivíduo.
Lompscher (1999) nos relembra que os motivos se estabelecem no processo de
atividade humana, social. As pessoas participam de várias atividades no decorrer de suas
vidas e isto gera uma variedade de motivações que influenciam outras atividades.
Como saber, então, sobre outros momentos das vidas dos alunos? Uma entrevista
poderia ser a solução. Decidi, neste momento, pela segunda entrevista, agora individual, com
os quatro alunos.
Ela ocorreu, aproximadamente seis meses após o fim da coleta de dados na escola.
Mas tal decisão gerou um problema: como reencontrá-los? Em encontro casual com Gabriel,
um dos participantes desta pesquisa, tive oportunidade de solicitar a ele nova entrevista. Por
intermédio deste aluno, pude entrar em contato com os outros, que também aceitaram ser
entrevistados novamente.
Realizei, inicialmente, três novas entrevistas. Embora separadas, a duas primeiras
foram realizadas no mesmo dia, 13/05/2013. A terceira foi realizada com Lauro em
20/05/2013. Nelas, procurei saber um pouco sobre a influência dos pais na vida escolar do
filho; o tipo de lazer nas horas vagas; expectativas para o futuro; a relação com o curso
técnico que estavam, agora, cursando, etc. Não consegui entrevistar novamente o aluno Paulo.
Então, enviei a ele, por email, um questionário com perguntas próximas às que fiz aos outros
três alunos, na segunda entrevista.
Na seção 4.6, que denominei ‘retratos das vidas dos alunos’, eu os reapresento, agora
de forma mais completa que no quadro 3, da seção 4.3. Esta reapresentação é, basicamente, o
conteúdo desta segunda entrevista, que teve grande importância na análise.
100
Paulo
Quando iniciei minhas visitas às turmas Paulo tinha 15 anos, que completara em julho.
Embora elogiado pela professora e reconhecido pelos colegas como um aluno exemplar, isto
não parecia envaidecê-lo. Nas primeiras vezes em que estive em sua sala, sem realizar
nenhuma intervenção, observei que sua dedicação aos estudos era grande. Sempre
participativo, não deixava de fazer nada do que era proposto. Era centrado e não falava muito.
As informações que se seguem foram fornecidas pelo próprio Paulo, em resposta a um
questionário enviado para meu email. São informações que, originalmente, seriam obtidas em
uma segunda entrevista (como já explicado). No entanto, no caso de Paulo, houve um
problema de incompatibilidade de horários e decidi enviar-lhe um arquivo de texto com as
perguntas. Em vários momentos do texto abaixo, utilizei transcrições das próprias respostas
deste aluno.
Paulo mora em uma cidade da região metropolitana de Belo Horizonte com os pais e mais um
irmão. A família tem, para ele, uma grande importância. Em suas palavras:
“A minha família é fundamental para minha vida, dentro e fora da escola. Eles me
proporcionam ótimas condições de estudo, como por exemplo: compram o livro que minha
escola sugere, atendem a todas as minhas reclamações em termos de condições de estudo. A
minha família me apoia muito com meus estudos, principalmente a minha mãe. Várias vezes
ela deixa de sair para se divertir para ficar em casa comigo porque eu tenho que estudar.
Além disso, o fato de eles me darem tudo o que eu peço me motiva estudar cada dia mais
para mostrar para eles que estou fazendo valer a pena. O apoio dos meus pais quando as
coisas não dão certo também é muito importante, pois me motiva a não desistir e me mostra a
minha capacidade”.38
“Eu só consigo me divertir quando estou com a consciência totalmente leve, ou seja, quando
não tenho que estudar ou fazer um trabalho. Então, minha diversão favorita é jogar futebol,
38
Os textos foram transcritos como foram apresentados. As alterações, que foram mínimas, se restringiram à
pontuação e/ou erros de ortografia, com o objetivo de manter um entendimento do que queria ser informado.
101
depois é jogar vídeo game. Para mim, isso compensa toda a minha semana de estudos e todo
meu estresse com provas. Eu participo de um grupo que se reúne para jogar futebol aos fins
de semana, mas esse grupo é formado em sua maioria por meus familiares e seus amigos”.
Paulo parecia nunca ter tido ‘problemas com a Matemática’. Sua relação com esta disciplina
era da seguinte maneira:
“Minha relação com a matemática, até o 8° ano, foi sempre normal. Era uma matéria que eu
não um pouco legal para mim39. Mas a partir do 8°ano eu me apaixonei por Matemática, só
não gostava mais do que Educação Física. Agora no Colégio Técnico40 continuo gostando
muito de Matemática e isso é fundamental, pois esse meu gosto me facilita a aprender as
coisas em sala, e como eu não tenho muito tempo para estudar essa matéria em casa devido
ao fato de eu dar prioridade ao curso técnico41. Então esse meu gosto por matemática sempre
me ajudou muito”.
A entrada na escola onde Paulo estudava ocorria por meio de sorteios. Uma vez
sorteado e permanecendo até o final do nono ano, o aluno tinha acesso direto a uma escola
técnica, localizada dentro do mesmo campus universitário que a primeira escola. O curso
técnico escolhido pelo aluno foi Informática. Por que este curso? Além disso, procurei saber
sobre as suas perspectivas para o futuro, mais particularmente em relação à realização de um
curso superior. Paulo, assim, me respondeu:
“Eu optei pelo curso de Informática, pois apesar de ser muito difícil ele se encaixa mais no
meu perfil. Até porque eu não me dou muito bem com matérias como Química e Física. E,
além disso, o curso de informática absorve muito a Matemática, que por sinal eu gosto
muito”.
“Ainda não sei se vou fazer curso superior, depende muito do meu futuro, se eu conseguir um
bom emprego como técnico, talvez eu nem pense em faculdade. Eu escolheria, hoje, cursar
Ciência da Computação porque é uma matéria em que eu me identifico muito”.
39
Aqui, o aluno parece querer informar que, até o oitavo ano, a Matemática não lhe parecia muito interessante,
por causa do texto seguinte: “Mas, a partir da 8a série eu me apaixonei por Matemática [...]".
40
Neste ponto, o aluno cita o nome da sua escola atual, que eu preferi omitir. Como é uma escola técnica, alterei
o nome para Colégio Técnico.
41
Esta parte está confusa. O fato de gostar muito de Matemática parece lhe permitir se dedicar mais às matérias
técnicas, que são sua prioridade.
102
“Eu sempre procurei ter uma boa relação com meus professores, pois acho desnecessário
criar conflitos com eles. Em relação aos meus colegas, eu mantinha uma ótima relação com
todos, ou pelo menos tentava”.
Questionado sobre a escolha da escola (na qual a pesquisa de campo se realizou), Paulo
informou o seguinte:
“A escolha de ir para o [...]42 não foi minha. Na verdade eu estudei durante a 1ª série em
uma escola de meu bairro chamada [...]. Porém, por grande pressão de minha mãe, meu pai
me inscreveu no sorteio do [...] e eu fui sorteado, então mudei de escola porque minha
família considerava o [...] melhor por vários aspectos, como: fica dentro da [...], me
direciona para o [...] e etc. Quando eu estava na 4ª, surgiu o projeto de tempo integral do
[...] e foi aí que eu comecei a insistir com meu pai para que ele me mudasse de escola, mas
ele não atendeu aos meus pedidos, principalmente pelo fato de não querer pagar uma escola
particular como a do meu irmão para mim. Na 8ª série43 eu irritei meu pai para que ele me
mudasse de escola, pois não estava gostando do ensino, porém ele não quis proceder pelo
fato de eu estar tão perto de entrar no [...]. Na 9ª série44 eu já estava conformado, apesar de
não ter cumprido meu objetivo de ter estudado desde a 4ª série em uma escola particular e
passado no [...] por competência e não por reserva de vagas.”
Leandro
Diferente de Paulo, Leandro era muito falante. Tinha 14 anos à época de minhas
visitas. Nas observações, notei que é um adolescente bastante agitado. Nesta apresentação
mais completa, trago algumas falas da segunda entrevista concedida pelo aluno, intercaladas
por alguns comentários.
Leandro morava em um bairro da região metropolitana de Belo Horizonte com a mãe,
o padrasto e mais quatro irmãos. Chegou à escola na qual o encontrei por intermédio da mãe,
que obteve informações a respeito dos sorteios por meio de uma amiga.
42
Os nomes das escolas e da Universidade foram omitidos.
43
Acredito que seja oitavo ano.
44
Acredito que seja nono ano.
103
“A minha mãe ficou sabendo por uma amiga dela que a escola era uma escola boa, dentro da
[...]. Aí quando você fala que estuda dentro da [...] parece que... Aí minha mãe foi lá e fez a
inscrição”.
“Ela mesma fala que a única coisa que ela está deixando para mim é o estudo. Minha mãe
fala isso todo dia praticamente. Lá em casa a minha mãe apostou tudo em mim, porque o meu
irmão ‘do meio’ não está nem aí para nada. Minha mãe falou: olha, eu já abri mão dele,
porque eu sei que ele tem problema. Agora tá em você45”.
Quando questionado sobre sua relação com a Matemática, ele afirmou ter problemas
com a disciplina, desde o sétimo ano. Antes disso, ele gostava da disciplina. No entanto, por
causa de seus maus resultados, sentia-se desanimado. A seguir, a transcrição de algumas falas
de Leandro que demonstram esta relação:
“Eu não me dou muito bem com a Matemática não. Às vezes eu erro muita coisa boba e tiro
nota ruim. [...] a matéria foi ficando mais difícil e eu deixei de gostar”.
“Deixa eu falar uma coisa para você: eu gosto da matéria demais, mas quando... nossa...
você tá doido... bate um desânimo. Você vê assim, todo mundo tirando nota boa e vê você lá...
você tenta às vezes... por isso que às vezes eu falo: eu largo de mão mesmo, não estudo para
a prova não. Se eu sei, eu sei. Se eu não sei não vou aprender de um dia para o outro
estudando”.
Entretanto, é interessante comentar que nem sempre foi assim para Leandro. A sua
história com a Matemática parecia ser o oposto da história de Paulo. Embora a entrada na
escola seja por sorteio e os alunos, inicialmente, não se conheçam, Leandro e Paulo já eram
amigos também fora da escola. Paulo é sobrinho da madrinha de Leandro. E como este disse:
“a gente se vê desembolado aí”, para mostrar que eles se encontravam com frequência.
Estudavam juntos desde a primeira série e, segundo Leandro, seu rendimento em Matemática
era melhor que o de Paulo. No entanto, este quadro mudou a partir do sétimo ano, quando
45
Acredito que seja algo como: agora a responsabilidade é sua.
104
Paulo passou a ser um aluno de destaque, em termos de rendimento, e Leandro passou a tirar
notas baixas.
“Para você ter uma ideia, era o contrário. Eu trago minhas notas depois para você ver, do
quinto ano. A gente, tipo assim, sempre foi do mesmo tamanho, sempre fazíamos as mesmas
coisas, mas na hora da prova eu ia bem melhor que ele. Eu tinha uma facilidade enorme
antigamente. Chegou no sétimo ano, o Lucas subiu de nível e eu só abaixei. Impressionante
isso”.
Com relação ao futuro profissional, ele parecia ainda confuso. No início da entrevista,
disse ter vontade de ser o primeiro da família a concluir um curso superior e justificou
utilizando sua mãe como exemplo:
“Porque eu vejo minha mãe. Às vezes minha mãe poderia ser melhor do que ela é hoje
porque falta para ela um curso superior, um ensino maior para ela”.
Mais à frente, parecia não ter certeza sobre isso, já que o curso técnico poderia lhe dar
retorno financeiro, sem necessidade do curso superior. Sobre este assunto, Leandro disse:
“Depende se, tipo assim, se eu ver que o salário, a remuneração do curso que eu tenho está
muito alta e se eu fizer um curso superior não vai fazer muita diferença, vou continuar
fazendo o técnico. [...] vou ver como é que é primeiro46. Aí, se eu vir que não é necessário ir
para a faculdade eu vou continuar exercendo o técnico”.
“Meus interesses são os seguintes: eu queria ter uma empresa. Eu queria comandar a
empresa, mas para tudo você precisa saber alguma coisa. Administração é exatas, eu não
vou conseguir fugir da Matemática. [...] eu gosto da área de exatas, mesmo tendo esses
46
O aluno queria dizer que experimentaria a profissão de técnico primeiro para decidir se iria, ou não, para a
Universidade.
105
problemas todos, eu ainda vou para o lado de exatas. [...] a minha preocupação é esta: dar
alguma coisa para a minha mãe”.
Sobre sua relação com os colegas, ele disse nunca ter tido turma melhor que a turma
do nono ano. Já, com os professores, a relação parecia um pouco tensa. Segundo Leandro, os
professores o ‘perseguiam’, para utilizar uma palavra do próprio aluno.
Para divertir-se, Leandro não parecia ter muitas opções. Perguntado sobre o que
gostava de fazer nas horas livres, ele disse que jogava bola e dormia muito. Não gostava
muito de filmes e nem de jogar vídeo game, mas adorava ‘soltar papagaio’. Em relação aos
filmes em cinemas, mesmo quando decidia ir assisti-los, nem sempre tinha dinheiro. Ele
contou que a época do inverno é a melhor para soltar papagaio, porque o vento é intenso.
Gabriel
Gabriel era o mais calado do grupo. Muito tímido, exibia um sorriso ‘envergonhado’
sempre que era questionado sobre alguma coisa. Nesta segunda entrevista disse que tinha 16
anos quando estive em sua sala e havia completado 17 anos em dezembro. Percebi que ele
estava fora da faixa etária comumente encontrada em turmas de nono ano, que é entre 13 e 15
anos, e descobri que isso ocorrera porque ele havia sido reprovado duas vezes naquela escola.
Estas reprovações provocaram sentimentos negativos em relação ao espaço escolar e isso será
observado em algumas de suas declarações.
Morava em um bairro da grande Belo Horizonte com mais seis pessoas. Perguntado
sobre quais eram as pessoas com as quais morava, ele respondeu:
“Ehhh... meu pai, minha mãe, minha irmã... vale contar comigo né? Eu, minha vó, meu vô e
minha bisavó”.
Embora grande, a família era unida. Eles moravam em uma casa de dois andares e
sempre que possível faziam algumas refeições juntos. Sobre isso Gabriel expôs:
“Todo mundo almoça junto. Só meu pai que chega tarde. Aí ele almoça separado. Fora isso
almoça e janta todo mundo junto. Aí, domingo almoça todo mundo junto”.
Esta família também cobrava dele bom desempenho escolar e ajudavam quando
106
necessário.
“Incentivam e quando eu tô com dificuldade eu falo com eles... quem nem Português. Agora
eu tô fazendo aula particular e tal, desde o ano passado. Que eu tenho dificuldade em
português. Aí eu comecei”.
O ingresso de Gabriel na escola em que foi realizada a pesquisa de campo se deu como
resultado dos esforços de sua mãe, que vislumbrava a possibilidade do filho ingressar em uma
escola técnica. Quando perguntei a ele sobre como havia entrado para a escola, ele respondeu:
“Minha mãe ficou sabendo, não me lembro por quem... eu sei que ela ficou sabendo e me
inscreveu lá no sorteio. Aí eu fui sorteado. Ela colocou também pensando no [...]e esses
negócios...”.
A entrada automática para a escola técnica foi uma das razões da mãe para inscrever
Gabriel no sorteio. Mesmo assim, o curso superior não parecia algo com que eles (os pais) se
preocupassem tanto. Pareciam deixar à vontade sua decisão sobre cursar, ou não, o ensino
superior. Ele falou sobre isso no trecho abaixo:
“Eles deixam tranquilo e tal. Meu pai falou que eu vou fazer ENEM só pra ver mesmo, e tal”.
O ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) é, atualmente, uma das principais portas
de entrada para o curso superior no Brasil. Boa parte das universidades exige que o aluno
tenha prestado este exame, caso queira ingressar em um de seus cursos. Nesse momento vale
lembrar que ninguém na família de Gabriel tinha curso superior. Seu pai havia concluído o
curso técnico em contabilidade, embora não exercesse esta profissão.
“Meu pai, ele fez, acho que nem foi superior. Acho que foi técnico de contabilidade, mas nem
usa”.
Mas tipo, eu tô pensando o seguinte: se eu gostar do técnico, eu vou trabalhar com ele. Aí, se
eu ver que não tá muito bom, aí tipo, eu pretendo fazer Educação Física, ou então alguma
coisa na área de exatas”.
Como ele disse que outra possibilidade para um curso superior seria algo na área de
ciências exatas, aproveitei para saber mais sobre sua relação com a Matemática. Na primeira
entrevista ele havia falado muito pouco, não sei se inibido pelos outros alunos (a primeira
entrevista foi com os quatro alunos juntos). Gabriel assim falou:
“Tipo, eu não sou muito bom em Matemática, mas, tipo, se tiver que escolher entre fazer
exatas, humanas e esses negócios, eu acho que eu vou me dar melhor em exatas”.
“Matemática eu também sou, uns sessenta, setenta por cento, minhas notas. Mas só que, tipo,
pelo menos eu acho que Matemática você faz muito exercício e tal, aí você consegue
aprender e tal. Agora Português você tem que ler muito para entender”.
Ainda sobre sua relação com a Matemática, quando perguntei se ele tinha problemas
desde o início da vida escolar, ele respondeu assim:
“Era porque lá no [ ]47 também tinha um negócio lá de... porque antigamente não era tempo
integral aí, tipo, o terceiro ciclo ficava de manhã e o primeiro ciclo era de tarde. Aí eu
sempre... peguei umas três vezes é... um negócio lá... esqueci o nome. Eu sei que cê ficava lá
de manhã pra estudar, esses negócios... aí eu fiquei lá uns... peguei uns três anos aquilo. Só
que não foi seguido não”.
Esta fala de Gabriel precisa de alguns esclarecimentos. O ‘negócio’ do qual ele fala
eram reforços escolares para os alunos que estavam com rendimento aquém do esperado.
47
Nome da escola omitido
108
“Ano passado eu acho era (não gostava) porque, sei lá, eu não tava muito interessado. Aí,
aqui agora, e tal, eu tô fazendo mesmo porque eu tô querendo aprender. Ah, eu sei lá, é que
tipo, eu repeti de ano lá. Aí você fica com raiva da escola. Eu repeti duas vezes lá. Aí eu
fiquei com raiva. Eu não gostava muito de participar não. Só ficava lá, prestando atenção.
Eu também sempre fui tímido. [...] gosto de ficar mais na minha”.
Como já havia se passado algum tempo, desde que estivera na escola, relembrei ao
aluno como era o questionário, assim como fizera com Leandro. Uma das afirmações do
questionário era: eu participo porque eu adoro Matemática. Para essa afirmação Gabriel
colocou zero, o que significava que ele não gostava de Matemática e isso não era algo que
pudesse movê-lo a fazer as tarefas.
Entretanto, para mim isso soava estranho porque, se ele não gostava de Matemática,
porque escolheria algo na área de exatas, caso fosse fazer um curso superior? E ainda
devemos nos lembrar de que o curso técnico que Gabriel frequentava, naquele momento, era
na área de exatas. Parecia um tanto paradoxal. Eu lhe fiz a seguinte pergunta: Mas é estranho.
Você colocou: porque eu adoro Matemática, zero. Significa que você não gosta de
Matemática. Mas lá embaixo você colocou 2: porque vou aprender mais conteúdos
matemáticos e isso é importante para o meu futuro profissional. Como você me explica isso:
de não gostar de Matemática, mas ao mesmo tempo querer aprender Matemática? Gabriel
respondeu assim:
“É porque tipo, ninguém quer ser pobre. Aí, pra mim, tipo, ser rico e tal eu vou ter que
estudar, mesmo que eu não goste daquilo e tal, vou ter que me dedicar de qualquer jeito”.
48
Duas destas tarefas serão detalhadas no capítulo 5.
109
“Eu gosto, tipo, de ficar na rua conversando com meus colegas. Gosto de ir ao cinema, mas
eu vou de vez em quando e tal, quando tem um filme que me interessa muito. Tipo, vai ter ‘O
homem de ferro’ [...] suspense às vezes é bom. Também gosto muito de assistir seriado. [...]
de vez em quando futebol. Não sou muito bom de futebol”.
Perguntei a ele para onde iria se alguém lhe pagasse uma viagem. Ele disse:
“Tipo que nem eu fico assistindo muito esses negócios de Discovery 49 . Que nem fica lá
aqueles programas de sobrevivência... Eu tenho vontade de ir para uma ilha e ficar lá um
tempo. Eu acho legal”.
E o futuro:
“Eu quero formar aqui, primeiro. Fazer estágio, trabalhar um tempo no técnico, ver se eu
gosto. Se eu não gostar vou entrar numa boa faculdade, ter minha casa, esses negócios”.
Lauro
Lauro tinha 14 anos quando estive em sua sala. Não falava muito, mas quando o fazia,
expunha com clareza suas ideias. Não utilizava muitas gírias como é comum entre os
adolescentes. Morava com a mãe em um bairro na mesma região do colégio onde estudava.
Como os pais são separados, os finais de semana eram reservados ao pai, que morava em
outro bairro. A relação entre eles era bastante harmoniosa, sem conflitos. Sua mãe trabalhava
fora e, dentro das possibilidades, juntamente com o pai, proporcionavam a Lauro uma vida
confortável.
49
Canal de televisão por assinatura.
110
Quando questionado sobre o que fazia nas horas de lazer, Lauro me disse que durante
o segundo semestre de 2012, época em que eu visitava sua sala, fazia aulas de tênis duas
vezes por semana e aulas de inglês, também duas vezes por semana. Não sei se estudar inglês
poderia ser considerado lazer, mas ele achava que sim. Talvez porque fosse uma atividade que
não estava diretamente vinculada à sua escola. Além disso, ele disse que jogava futebol nos
fins de semana na quadra que existia no condomínio onde seu pai morava e “assisto à TV o
tempo todo e computador... redes sociais e jogos”.
Como nos casos de Paulo e Leandro, a escolha da escola foi feita pelo pai ou pela mãe.
Isso era de se esperar já que, nesta escola, o ingresso ocorre na primeira série e o aluno nela
permanece até o nono ano. Lauro, por exemplo, estudou dos 6 anos aos 14 anos nesta
instituição. Quando do ingresso, as crianças são ainda muito pequenas para tomarem decisões
como esta. O aluno nos contou sobre a escolha:
“Olha, na verdade quem escolheu o [...] foi meu pai, pela passagem direta para o [...]
mesmo50. Ele que foi lá e fez o sorteio. Aí, quando eu passei foi a felicidade maior dele.”
Perguntei a Lauro porque ele havia escolhido um curso técnico da área de exatas. Ele
respondeu o seguinte:
“Eu gosto da área de exatas, mesmo que eu tenha tido dificuldade no ano passado. Mas
geralmente eu tenho bom desempenho. Esse ano eu tô tendo um bom desempenho. Eu gosto
mesmo da área de exatas. É o que tava pensando mesmo”.
Após este momento, procurei falar sobre as tarefas que propus em sala de aula. Na
50
Omissão do nome da escola para onde o aluno iria após finalizar o nono ano.
51
Com esta frase “já vou fazer direto”, Lauro queria dizer que não pretende primeiro trabalhar como técnico
para, depois, fazer o curso de Engenharia.
111
primeira entrevista, Lauro me disse que, para ele, o papel da escola é preparar os alunos para
o futuro. Nesse sentido, perguntei ao aluno qual a relação que ele estabelecia entre o papel da
escola, sua participação nas tarefas e seu futuro. Ele respondeu:
“Eu acho que, assim, quando a gente tá participando das atividades em sala, das atividades
propostas, a gente tá ganhando conhecimento para que a gente possa se desenvolver bem
para o futuro, ou seja, a escola passando estes conteúdos pra gente, seria no sentido de
ajudar a gente no futuro também”.
“Pra mim, o futuro daquela época, era o Ensino Médio. Agora, do Ensino Médio é a
faculdade”.
“Pra mim, estar com os amigos seria uma coisa extraclasse. Dentro da sala a gente tem que
pensar mais no foco dos estudos. Mesmo que eu converse um pouco dentro de sala, a gente
tem que pesar para este lado porque a gente tá ali pra aprender e o extraclasse a gente pode
fazer no recreio. Então, durante a sala (aula) a gente tem que focar para aprender mesmo.
[...] na disciplina de Matemática eu era geralmente mais calado. Eu gostava e eu via que era
uma matéria difícil. Matemática e Ciências, pra mim, eram matérias que eu ficava mais
quieto”.
“Porque eu acho que essa troca de informação é importante. Quando eu não sei uma coisa
que alguém sabe, então ele pode me passar esse conhecimento. Pra mim vai ser também
importante na formação do conhecimento futuro”.
“Ele geralmente é assim. Ele não conseguiu fazer aí... Ah, eu acho que é na questão dele não
ter conseguido ajudar a gente. Ele viu que não conseguia ajudar e levantou. Seria
desnecessária a ajuda dele”.
Em outro momento, conversamos sobre sua relação com a Matemática. Dentre outras
coisas, Lauro disse o seguinte:
“Na escola eu sempre fui bem em Matemática. Sempre gostei também. Só que nono ano eu
tive um desempenho muito baixo na primeira etapa, por causa de questões de família. Meu
avô estava internado. Eu tava abalado e também tava tendo dificuldade na matéria. Só que,
na segunda etapa, quando entrou uma matéria nova e eu comecei prestar atenção, aí já voltei
a me dar bem”.
“Porque na época da pesquisa foi quando eu estava mal em Matemática. Então, na hora, eu
pensava mais nisso. Porque eu to mal, então eu não gosto”. [...] Mesmo que eu não gostasse
de Matemática, eu vejo Matemática como um conteúdo de extrema importância. Matemática
e Português, pra mim, são as disciplinas de maior importância pelo social, porque eu acho
que se você não tem um mínimo de Matemática e um mínimo de Português, não dá pra você
interagir. E também porque eu acho que é importante no futuro.
Porém:
“Eu acho que tem coisas de Matemática que ainda são desnecessárias para o social, Na
questão do conhecimento eu acho super importante qualquer tipo de matéria, qualquer
disciplina. Mas na questão do social, tem algumas coisas de Matemática que eu vejo que são
desnecessárias”.
Entretanto, Lauro disse que, mesmo seu rendimento estando aquém do esperado, ele
não desistiu e fazia os exercícios propostos porque queria, e não por solicitação da professora.
113
No capítulo 5, o tema investigação será retomado para analisar duas das tarefas
propostas aos alunos.
114
CAPÍTULO 5
No dia 11/09/2012 foram propostos aos alunos três temas diferentes para investigação.
Um deles relacionado à escolha de planos de telefonia celular (anexo B); outro relacionado
aos gastos com energia elétrica de uma residência (apêndice A); e um último, com duas
questões: uma de sequência lógica e outra envolvendo semelhança de triângulos (apêndice B).
Os alunos, divididos em grupos de quatro ou cinco componentes, receberam uma cópia de
cada tarefa para uma apreciação inicial. Após esta análise, escolheram um tema para
investigar. O grupo de Paulo, Lauro, Gabriel e Leandro escolheu discutir sobre telefonia
celular.
Nesta tarefa, cujo texto foi entregue aos alunos em folhas fotocopiadas, era informado
aos alunos que uma empresa de telefonia celular, de nome PLIM CELL PHONES, oferecia a
seus potenciais clientes três opções de planos para pagamento mensal. Os planos eram os
seguintes:
- Plano PLIM 1: Neste plano o cliente paga um valor fixo mensal para ter acesso a vários
serviços. Para consumos extras há valores pré-fixados. A tabela abaixo contém mais
informações sobre o plano.
115
- Plano 2: Nome do plano: PLIM 2: Neste plano o cliente paga uma franquia mensal que
cobre parte dos serviços. Oferecidos pela empresa. Para consumos extras há valores pré-
fixados. A tabela abaixo contém mais informações sobre o plano.
FRANQUIA DE PLIM DE PLIM PARA DE PLIM DE PLIM PARA BANDA TORPEDOS
PARA PLIM OUTROS PARA FIXOS NÃO LARGA
CELULARES FIXOS LOCAIS
LOCAIS
- Plano 3: Nome do plano: PLIM 3: Neste plano o cliente paga uma franquia mensal e realiza
seus gastos mensais, pagando somente pelo que utilizou (além do valor fixo). Diferentemente
dos planos 1 e 2, no plano 3 o cliente não possui serviços embutidos no valor da franquia. Na
tabela abaixo, os preços aplicados pela empresa PLIM, neste caso.
FRANQUIA DE PLIM DE PLIM PARA DE PLIM DE PLIM PARA BANDA TORPEDOS
PARA PLIM OUTROS PARA FIXOS NÃO LARGA
CELULARES FIXOS LOCAIS
LOCAIS
60,00 0,50 por 0,80 por minuto 0,50 por 0,90 por minuto. 0,50 por hora 0,50 cada.
minuto minuto. (incluindo 3G
no celular).
Em seguida, foi fornecida aos alunos a informação de que um orçamento mensal ideal
prevê gastos de 14% do salário líquido com impostos (água, luz, telefone/internet). Solicitei
que criassem dados sobre o consumo com telefonia para um usuário hipotético que recebe
salário líquido de R$ 2500,00, gasta R$ 90,00 com energia elétrica (luz) e R$ 80,00 com água.
De acordo com os dados criados, este usuário teria um perfil e, de acordo com este perfil, os
116
alunos elegeriam o plano ideal para ele (ideal aqui significa aquele que atenderia às
necessidades do usuário hipotético, com o menor custo).
Sugeri aos alunos que lessem com cuidado todas as informações contidas na folha e
que, após esta leitura, iniciassem os procedimentos na busca pelo plano ideal para seu usuário
hipotético. Para analisar o desenrolar da investigação do grupo dos alunos Paulo, Lauro,
Leandro e Gabriel, recorrerei a partes dos vídeos, que denominarei de episódios. Os episódios
estão em ordem cronológica de acontecimento.
Lauro Paulo
Leandro Gabriel
Os alunos queriam saber o que fazer para criar informações sobre o usuário hipotético.
Utilizando o enunciado da tarefa entregue aos alunos, expliquei que parte das características
do usuário já havia sido determinada no texto (salário, percentual a ser gasto com impostos,
etc). Informei que a parte que lhes cabia criar era aquela relativa ao uso do celular: tempo
gasto com ligações de todos os tipos, quantidade de mensagens de texto (torpedo), etc. Isso
era o que faria as respostas serem diferentes entre os grupos que escolheram a mesma tarefa.
De acordo com as características de uso do celular, do usuário hipotético, o melhor plano
poderia ser diferente para cada grupo. Durante minha fala fui interrompido algumas vezes por
Paulo:
117
“Matheus Leite é Plim, sem fronteiras, só fala de Plim pra Plim, ele é mão de vaca, não
conversa com outras pessoas, usa a internet através de telefone e só manda torpedo para sua
namorada e liga de Plim para Plim só de vez em quando”.
Episódio 2 – Este episódio durou cerca de 40 segundos. Paulo, Lauro e Leandro discutiam e
Leandro realizava anotações na folha e no caderno. Embora não fosse possível compreender
exatamente o que os alunos estavam discutindo, o áudio permitia afirmar que a discussão
girava em torno do plano ideal para o usuário criado por eles. Em determinado momento,
Lauro disse:
Lauro: [...] porque se for só mandar mensagem é mais fácil ele pegar o mais barato e gastar
20 reais por mês.
Ele iniciou essa fala olhando para Leandro. Como Leandro estava concentrado,
olhando para baixo e lendo a folha, Lauro virou-se para Paulo para concluir sua ideia, dando a
impressão de que estava procurando por uma aprovação do colega. Gabriel parecia estar
entretido batendo os dedos na mesa e, às vezes, observava as anotações de Leandro.
Episódio 3 – Todo o episódio durou cerca de três minutos. Ele foi capturado de longe, quando
a filmagem se concentrava em outro grupo. Pelo vídeo pude perceber (o que não conseguiria
52
O texto está apresentado exatamente como foi escrito pelos alunos.
118
sem a filmagem) que Gabriel brincava com o caderno de aula, inserindo-o e retirando-o da
parte inferior da mesa. Ao mesmo tempo, Lauro fazia anotações. Passados cerca de 50
segundos, Leandro e Gabriel começaram a conversar e rir. Não pareciam estar discutindo
sobre a tarefa. Paulo emprestou a borracha para Lauro, que seguiu fazendo anotações na folha.
Gabriel continuava com o caderno na mão, deitando-o e levantando-o apoiado nas pernas.
Após algum tempo, Leandro pegou a folha de Lauro, colocou-a sobre a mesa e iniciou uma
discussão com Paulo e Lauro. Em seguida fez algumas anotações e Paulo se debruçou sobre a
mesa, indo na direção de Leandro, como quem pretendia falar algo. Após alguns segundos,
Paulo tomou a folha que estava com Leandro e começou a lê-la. Segundos depois escreveu
algo nela. Gabriel estava agora com a cabeça baixa, apoiada sobre os braços que estavam
apoiados na mesa. Leandro saiu da mesa.
Episódio 4 – Este episódio durou somente 48 segundos. Nele, Paulo e Lauro discutiam ainda
sobre o plano de telefonia celular enquanto Gabriel, com a cabeça apoiada sobre os braços, só
observava seus colegas. Leandro ainda não havia voltado. O episódio foi marcado pelo
diálogo entre Paulo e Lauro. Paulo estava com o caderno aberto e nele havia varias anotações.
Lauro tomou a folha com as instruções da tarefa e falou, olhando para Paulo:
Nesta fala Lauro estava se referindo ao valor máximo a ser gasto com a conta de
telefone celular. Ele olhava para Paulo enquanto expunha suas ideias. Agora Paulo, olhando
para suas anotações do caderno, apontou para seus cálculos e disse:
Depois desta fala ele parou mais uma vez, olhou para a folha de cálculos, pegou a
borracha e apagou. Lauro disse, em seguida:
Lauro: Aí coloca aqui. Então este não pode pois passou do seu orçamento.
119
Paulo escreveu as sugestões de Lauro. Gabriel parecia não reagir. Continuava deitado
com a cabeça sobre a mesa. Leandro ainda estava fora do grupo.
Episódio 5 – Nesse episódio, que durou 37 segundos, fui à mesa para saber como estava
evoluindo o grupo dos quatro alunos. Paulo e Lauro olharam para mim e eu perguntei:
Os alunos estavam tentando mostrar que, para o usuário hipotético criado por eles, o
plano 1 não era adequado (passou do orçamento). Ao final, observando a folha entregue por
eles, o gasto com telefone nesse plano 1 seria de R$ 230,00. Vale lembrar que o gasto
máximo poderia ser de R$ 180,00. Interessante observar que, durante toda a explicação dos
alunos, tanto Paulo quanto Lauro intercalavam os olhares, ora para mim, ora para o caderno
onde estavam as anotações. Eles pareciam querer se certificar de que eu estava entendendo
suas explicações. Além disso, o caderno era uma prova dos cálculos que justificavam suas
escolhas porque Paulo, a todo momento que olhava para o caderno, também usava o lápis para
apontar o local onde haviam feito os cálculos na folha. Enquanto isso Gabriel ainda
observava. Não se percebeu nenhuma movimentação dele para auxiliar e Leandro ainda não
havia voltado.
Episódio 6 – Paulo me chamou à mesa para explicar o que o grupo havia feito. Segundo ele, o
usuário hipotético só poderia escolher o plano 2, dadas as suas condições de uso do telefone,
criadas pelo grupo. Gabriel estava com a cabeça apoiada sobre os braços e Leandro ainda não
estava presente.
No dia 02/10/12, foi apresentada aos alunos uma única tarefa. Eles deveriam se reunir
em grupos de quatro ou cinco alunos para ampliar ou reduzir uma figura. Esta figura foi o
120
Tangram 53 . Para cada grupo foi entregue uma folha com a figura e algumas instruções
básicas, além de uma folha de papel quadriculado. Uma das instruções explicava que fazer
uma ampliação, ou redução, era escolha do grupo. Foi informado, também, que não seria
fornecido aos grupos nenhum caminho a ser seguido para que eles chegassem ao resultado.
Outra instrução era que eles deveriam anotar, nas linhas em branco disponíveis na folha, os
passos seguidos pelo grupo para chegar ao resultado. Sendo assim, cada grupo deveria discutir
alternativas para a tarefa e, além de executá-las, deveria anotá-las. Nesse dia, o grupo de
alunos acompanhado nesta pesquisa, teve a ausência de Lauro.
Para um melhor entendimento de como o grupo se comportou nesta tarefa, foram
selecionados alguns episódios, a exemplo do que foi feito para a tarefa de telefonia celular. A
configuração inicial do grupo era a seguinte:
Paulo
Gabriel
Leandro
53
Tangram é um quebra-cabeça de origem chinesa formado por 7 peças, sendo 5 triângulos, 1 quadrado e 1
paralelogramo. Estando as peças livres, elas podem dar origem a várias figuras, sem sobreposição.
121
Pesquisador: Quero ouvir o que vocês estão pensando. O que vocês estão pensando em
fazer? Vocês vão ampliar ou reduzir?
Paulo: Ampliar.
Pesquisador: O que vocês resolveram fazer para ampliar? Vocês vão ter que ter essa figura
(apontando para a figura do Tangram) grande no final. Como vocês vão fazer?
Leandro não estava olhando para nós e parecia concentrado em suas ideias sobre folha
quadriculada. Paulo respondeu o seguinte:
Paulo: A gente mediu cada ângulo. Descobriu todos os ângulos. A gente usou o transferidor.
Pesquisador: Ah, tá!
Paulo: Agora que a gente descobriu todos (os ângulos) a gente vai aumentar os lados.
Pesquisador: Como é que é?
Paulo: A gente vai aumentar um centímetro e meio em cada lado.
Pesquisador: Ah, tá! O ângulo vai ser o mesmo?
Paulo: Vai ser o mesmo. No final o ângulo tem que ser o mesmo porque é um quadrado.
Pesquisador: Mesmo que a figura seja grande?
Paulo: É.
Pesquisador: Mas é por que é um quadrado? E se eu tivesse pedido para você ampliar só um
triângulo?
Paulo: Aí continuaria o mesmo porque é ... relação dos lados. Se o triângulo vai ter dois
lados iguais e um diferente aí um ângulo vai ser diferente e dois iguais.
Não consegui entender exatamente o que Paulo queria me dizer. Também não entendi
se ele tentava definir triângulos isósceles como aqueles que têm dois lados com medidas
iguais e o terceiro com medida diferente. Ou ainda, que os triângulos isósceles são aqueles
que possuem dois ângulos internos de mesma medida e o terceiro com medida diferente.
Talvez a intenção fosse mostrar que a figura final, embora maior, teria os mesmos ângulos da
original. Retomei a ideia que ele havia colocado, sobre aumentar um centímetro e meio de
cada lado da figura. Questionei:
Pesquisador: Então, para ampliar, vocês disseram que vão pegar a medida de cada lado (do
quadrado que compõe toda a figura) e aumentar um e meio?
Paulo: É!
122
Paulo olhou para mim meio desconfiado e, sem saber a resposta, disse:
Paulo: As medidas lá de dentro a gente vai ver se vai dar a mesma coisa, né?
Pesquisador: Vocês vão ver se dá pra aumentar um e meio?
Paulo: É!
Durante esse diálogo Gabriel prestou atenção no que estávamos falando enquanto
brincava com uma borracha que estava em suas mãos. Entretanto, não emitiu nenhuma
opinião. Não falou nada. Leandro parecia estar concentrado com a folha quadriculada,
fazendo algumas medições. Em seguida ele disse:
Leandro: Olha aqui (mostrando o papel quadriculado). Não tô entendendo isso aqui não.
Cada quadradinho tem... (Leandro queria saber a medida do lado dos quadrados que
compunham o papel quadriculado).
Episódio 2 – Com duração de 1 min e 35s, nesse episódio, eu e os alunos Paulo e Leandro
discutimos o que eles estavam fazendo. O vídeo já se iniciou com uma pergunta que eu fiz ao
grupo sobre a medida do lado do quadrado original e o novo lado do quadrado, após o
aumento que os alunos promoveriam.
Leandro e Paulo tentavam mostrar o que estavam fazendo apontando, com os dedos,
algumas partes da figura que haviam começado a ampliar. A participação de Gabriel se
resumiu a olhar e brincar com a borracha que ele não largou, desde o início do episódio. Ora
ele rodava, ora ele batia com ela sobre a mesa e ora ele só a mantinha em sua mão, parada. Ele
não se manifestou oralmente em nenhum momento.
Episódio 3 – Esse episódio durou cerca de três minutos e mostrou um novo direcionamento
que os alunos deram à solução da tarefa, após a tentativa frustrada de aumentar um centímetro
e meio em cada lado de cada figura. Como Paulo estava fazendo medições com a régua, sobre
a folha quadriculada, me aproximei do grupo e perguntei:
Ele me explicou que estavam utilizando uma técnica com a ajuda de um compasso.
Paulo parou, olhou para a folha, girou a folha, enquanto Leandro e Gabriel o observavam.
Antes que ele continuasse com as suas medições eu o interrompi e questionei:
Pesquisador: Da última vez que estive aqui você falou comigo que, para ampliar, vocês iriam
aumentar um centímetro e meio em cada lado. Você continua com a mesma estratégia?
Paulo (balançando a cabeça negativamente): Não, a gente mudou de estratégia.
Pesquisador: Que estratégia?
Paulo: Agora a gente tá fazendo cada figura. Aumentando cada figura.
Pesquisador: Mas aumentando cada figura como?
Paulo: Com um meio em cada lado.
Pesquisador: Então você fez um triângulo com um centímetro e meio a mais em cada lado?
124
Paulo: Eu fiz um triângulo aí eu aumentei um e meio aqui (colocando a régua sobre um dos
lados – a figura 8 mostra o momento exato em que Paulo coloca a régua sobre o papel). Aí eu
fui lá, medi o outro lado e aumentei um e meio. Coloquei a medida no compasso e fiz aquela
estratégia lá. Aí eu liguei e formou a diagonal.
A B
D C
Acredito que a estratégia da qual Paulo falava era o uso do compasso para traçar a
bissetriz do ângulo reto indicado pela seta vermelha (FIGURA 8). Nela, o triângulo na folha
quadriculada corresponderia à versão ampliada do triângulo ABD.
Pesquisador: Mas você já fez (leia-se: ampliou) os dois triângulos grandes (referência aos
triângulos ABD e BCD da figura acima)?
Paulo: Já, os dois triângulos grandes.
Pesquisador: Tá! Agora você vai mexer com o quê?
Paulo: Agora eu vou fazer esse pequeno (apontando, com a régua, para o triângulo apontando
na foto pela seta preta).
125
Pesquisador: Você vai fazer o que nele. Você vai, de novo, pegar as medidas dele e aumentar
um e meio?
Paulo: Aumentar um e meio na medida de dois lados. A base e um lado pra por no compasso.
Pesquisador: Deixa eu ver (pedindo a Paulo que mostre o que ele pretendia).
Por algum tempo fiquei observando o grupo e percebi que Paulo se esforçava para
fazer o que havia me falado. Enquanto durou meu diálogo com Paulo, Gabriel e Leandro não
se manifestaram de nenhuma forma.
Episódio 4 - Esse episódio durou cerca de 1 min e 48 s. Voltei à mesa e perguntei ao grupo se
haviam conseguido fazer a ampliação. Paulo disse, assim que cheguei próximo ao grupo:
Paulo: Olha aqui pra você ver (solicitando que eu chegasse mais perto). Não tá dando certo
não. O triângulo não vai sair certo. Olha só (Paulo tenta me mostrar, no desenho, que a
estratégia não estava dando certo – figura 9).
Pesquisador: Entendi, ficou fora né? (dois segmentos que deveriam coincidir para formar
uma das diagonais do tangram, não coincidem). O que significa isso?
Leandro, após um longo período sem se manifestar mostrou estar prestando atenção à
discussão e disse:
mãos de Paulo
Nesse momento fui solicitado por outro grupo e deixei os três alunos trabalhando.
Episódio 5 – Neste episódio, Paulo está de pé tentando mostrar algo sobre a tarefa para
Gabriel e Leandro observa. Pergunto se eles conseguiram ampliar a figura e Paulo diz:
Paulo
Leandro
Meu objetivo, na próxima seção, é analisar se os excertos das falas dos alunos,
contidos nos episódios das tarefas sobre telefonia celular e sobre tangram, apresentam
elementos que caracterizem uma comunicação típica de cenário para investigação.
As duas tarefas apresentadas nas seções 5.1 e 5.2 apresentam características diferentes
daquelas propostas em ambientes onde predomina o paradigma do exercício (SKOVSMOSE,
2000). Por possibilitarem vários caminhos e diferentes respostas, elas são abertas, permitem
que o aluno formule questões de investigação de forma diversificada (ALRØ; SKOVSMOSE,
2010).
Por estas razões, podemos pensar nestas tarefas como exemplos dos ambientes de
aprendizagem que representam cenários para investigação, discutidos no capítulo 2 e
apresentados no quadro 2: cenários com referência à Matemática pura (ambiente 2 do
quadro); cenários com referência à semirrealidade (ambiente 4 do quadro); cenários com
referência à realidade (ambiente 6 do quadro).
No caso específico da tarefa sobre planos de telefonia celular, entendo-a como um
ambiente do tipo 4 porque, embora seja uma situação artificial, não está sendo utilizada como
recurso para a produção de exercícios, mas sim como um convite à exploração. Já, a tarefa
com o tangram se encaixa no ambiente do tipo 2 porque traz elementos que se referem
somente à Matemática, sem qualquer alusão imediata a algo da semirrealidade ou da
realidade, mas com uma intenção de convite à investigação.
Entretanto, mesmo com estas características, as tarefas não se constituirão como
ambientes representativos de cenários para investigação, sem que o aluno aceite o convite.
Este aceite está intimamente relacionado à forma de comunicação presente nos cenários.
Como discutido na seção anterior, a comunicação típica dos cenários para investigação
compreende alguns atos dialógicos: estabelecer contato; perceber; reconhecer; posicionar-se;
pensar alto; reformular; desafiar e avaliar.
De acordo com Alrø e Skovsmose (2010), estabelecer contato significa ‘sintonizar
um no outro’ para iniciar a cooperação; ‘falar a mesma língua’, estreitar relações, aproximar-
se de, apoiar-se mutuamente, ter bom humor.
Na minha interpretação, o contato é estabelecido durante todo o processo de
investigação, tanto entre professor e alunos como entre alunos. Para mim é um ‘mostrar-se
129
Quando o pesquisador responde à pergunta de Paulo e ouve sua observação, ele está se
aproximando do grupo, talvez tentando estabelecer um vínculo de confiança com os alunos.
Ele está estabelecendo contato. O pesquisador utiliza o pronome pessoal você, ao invés de
vocês. Já que se pretende uma investigação cooperativa, isso pressupõe um trabalho conjunto
e talvez fosse melhor utilizar o pronome vocês. Na tarefa sobre ampliação/redução do
tangram, vamos dar destaque ao diálogo:
Pesquisador: Quero ouvir o que vocês estão pensando. O que vocês estão pensando em
fazer? Vocês vão ampliar ou reduzir?
Paulo: Ampliar
54
Torpedo é uma mensagem de texto via telefone celular.
130
Pesquisador: O que vocês resolveram fazer para ampliar? Vocês vão ter que ter essa figura
(apontando para a figura do Tangram) grande no final. Como vocês vão fazer?
Paulo: A gente mediu cada ângulo. Descobriu todos os ângulos. A gente usou o transferidor.
Pesquisador: Ah, tá!
Paulo: Agora que a gente descobriu todos (os ângulos) a gente vai aumentar os lados.
Pesquisador: Como é que é?
Paulo: A gente vai aumentar um centímetro e meio em cada lado.
Pesquisador: Ah, tá! O ângulo vai ser o mesmo?
Paulo: Vai ser o mesmo. No final o ângulo tem que ser o mesmo porque é um quadrado.
Pesquisador: Mesmo que a figura seja grande?
Paulo: É.
Posicionar-se significa defender suas ideias, contribuir para a construção de uma perspectiva
comum, mas estando receptivo às críticas.
No excerto, a seguir, podemos observar que Lauro está se posicionando em um
diálogo com Paulo, durante a tarefa sobre telefonia celular:
Interessante observar que quando Paulo diz ‘esse aqui já passou’, ele concorda com a
afirmação de Lauro de que o gasto não poderia passar de 180 reais como alguém que
reconhece as ideias do colega.
Vamos nos ater, agora, à expressão ‘Ah, tá’, dita duas vezes pelo pesquisador há dois
excertos. Embora coloquial e gramaticalmente errada, tem uma importância nesse contexto.
Ela quer dizer: entendi o que vocês queriam me explicar! Assim, o pesquisador mostrou que
reconheceu as ideias percebidas por Paulo e Lauro.
Expressões como ‘o que vocês estão fazendo?’, ‘como é que é’?, ‘você pode me
mostrar?’ mostram interesse em saber o que a pessoa está pensando, mostra um interesse em
perceber a perspectiva do outro. Por outro lado, expressões como: ‘Ah, tá!’, ‘entendi’,
mostram que as ideias percebidas foram reconhecidas como possível caminho de
investigação.
Outra característica da comunicação investigativa é o desafio. Desafiar significa
“tentar levar as coisas para uma outra direção ou questionar conhecimentos ou perspectivas já
estabelecidas” (ALRØ e SKOVSMOSE, 2010, p. 115). Outra maneira de entender o desafio é
como uma provocação. Para mim essa provocação pode vir do professor ou do colega,
quando questiona o que o aluno ou colega está fazendo, talvez tentando obter maiores
esclarecimentos daquela perspectiva. Vamos retomar três trechos dos diálogos:
Paulo: Aumentar um e meio na medida de dois lados. A base e um lado pra por no compasso.
Pesquisador: Deixa eu ver (pedindo a Paulo que mostre o que ele pretendia).
Nesta seção, a intenção era apresentar partes das conversas entre alunos e
pesquisador e entre os alunos, nas quais pudéssemos identificar, se eles existissem, atos
dialógicos que caracterizariam um diálogo típico de cenários para investigação. Vale ressaltar
que um diálogo (constituído pelos atos dialógicos) raramente preenche uma conversação
inteira. Trechos dialógicos às vezes são efêmeros (ARAUJO et al, 2008), mas podem ser parte
de uma aprendizagem dialógica (ALRØ e SKOVSMOSE, 2010).
Nas falas dos alunos e do pesquisador pude encontrar vários atos dialógicos e, por
outro lado, passagens que seriam consideradas como simples conversação. Mesmo assim, os
vários exemplos de trechos dialógicos apresentados mostram que o tipo de comunicação
presente nas tarefas propostas eram características de um cenário para investigação. Isso sem
levar em conta o fato de que, para ampliar ou reduzir a figura, ou encontrar um plano de
telefonia celular ideal, os alunos não possuíam um caminho pré-determinado, como no
paradigma do exercício, que é um ato não dialógico porque não permite questionamentos.
Assim, penso ter apresentado argumentos que mostram que o processo de busca pelo
plano ideal, na tarefa sobre telefonia celular, e o processo de busca por uma maneira de
ampliar a figura do tangram se constituíram em cenários para investigação. No entanto, este
processo se constituiu em cenários para investigação para todos?
No final da seção 5.3 informo que, na seção 5.4, meu objetivo é analisar se os excertos
das falas dos alunos, contidos nos episódios das tarefas sobre telefonia celular e sobre
tangram, apresentam elementos que caracterizem uma comunicação típica de cenário para
investigação. Ao final da análise, acredito que tenha apresentado elementos para dizer que
sim. Os diálogos entre alunos e professor e entre os alunos, são constituídos, em boa parte,
por atos dialógicos característicos da comunicação em cenários para investigação.
No capítulo 4, apresentei, como um dos objetivos específicos de pesquisa ‘propor
tarefas investigativas e caracterizar envolvimento neste contexto’. Neste momento, acredito
ter cumprido este primeiro objetivo. As tarefas investigativas foram propostas e a
apresentação dos diálogos, com destaque para os atos dialógicos, evidenciam que os alunos
aceitaram o convite para participação, que passo a compreender como envolvimento. Então, o
envolvimento do aluno em cenários para investigação será caracterizado pelo seu aceite ao
convite, ao assumir o processo de exploração e investigação.
E voltando à pergunta: no entanto, este processo se constituiu em cenários para
investigação para todos? e após caracterizar envolvimento acredito que, na tarefa sobre
telefonia, Paulo, Lauro e Leandro se envolveram, tendo se constituído um cenário. Leandro
134
deixou este cenário muito cedo. Na tarefa de ampliação do tangram, Paulo e Leandro
assumiram o processo de investigação, aceitando o convite e, portanto, se envolvendo.
Gabriel, em nenhum dos dois casos, aceitou o convite.
No próximo capítulo, buscarei verificar como se relacionam o envolvimento dos
alunos com possíveis aproximações entre motivo e objeto da atividade.
135
CAPÍTULO 6
Para responder a esta pergunta devemos nos lembrar, mais uma vez, de Leontiev
(1978b), quando ele nos adverte de que o sentido pessoal tem relação com o motivo da
atividade. Uma criança que tenha iniciado seus estudos, geralmente, o faz com gosto. A
necessidade de conhecimentos mais amplos pode tornar-se seu motivo para a participação
nesse tipo de atividade e isso é o que determinará o seu sentido pessoal. Assim, neste caso, o
sentido pessoal se aproxima do significado social da atividade, da mesma forma que o motivo
se aproxima do objeto desta atividade.
No caso dos adolescentes, as necessidades são outras. Nesta idade, os jovens já
participaram de muitas atividades que foram responsáveis por grande parte do seu
desenvolvimento. A própria participação nestas atividades pode ter feito surgirem novas
necessidades, novos motivos e novas atividades. A necessidade de aprender não desapareceu,
mas passa a conviver com outras que surgem neste período, como a comunicação entre pares
e o desejo de ser reconhecido como mais amadurecido, dentro do seu grupo (DAVYDOV,
1988; LOMPSCHER, 1999).
Nesse sentido, interessa-me saber que motivos levam os alunos a aceitarem um
convite para participação em atividades investigativas de Matemática e que relação este
motivo guarda com o objeto deste tipo de atividade. Para isto, fiz propostas de investigações a
duas turmas de nono ano, que foram realizadas ao longo do segundo semestre letivo de 2012,
período em que a maior parte dos dados foi coletada.
Talvez, neste momento, eu tenha feito a escolha pelo grupo de Paulo, Lauro, Leandro
e Gabriel. Havia mais informações dos seus movimentos durante as tarefas.
Embora tentasse perceber a tarefa como atividade, influenciado pelas leituras sobre
diálogos em cenários para investigação, fui percebendo que os vídeos apresentavam vários
momentos que eram característicos deste tipo de conversação. Foi o momento de analisar se
os alunos haviam aceitado o convite para participarem das minhas propostas e, sobretudo,
relacionar este convite com o envolvimento. Estas ideias foram apresentadas ao longo do
capítulo 5.
A primeira entrevista me deu informações sobre possíveis motivos dos alunos para
participação nas tarefas e esta discussão foi realizada na seção 6.3. No entanto, como
hipótese, outras atividades influenciavam os motivos dos alunos. Surgiu, então, a necessidade
da segunda entrevista. Esta necessidade já foi fruto de uma análise inicial.
Um de meus objetivos nesta pesquisa foi investigar os motivos que levam os alunos a
se envolverem em tarefas investigativas de Matemática, como a de telefonia celular e de
ampliação do tangram. Entretanto, as várias observações que fiz das filmagens em sala de
aula me trouxeram elementos, como os diálogos apresentados no capítulo 5, que indicavam
quem aceitou o convite e, portanto, quem se envolveu. Mas os indícios sobre os motivos eram
poucos. Possivelmente, até mesmo os alunos não se deram conta dos motivos que os fizeram
139
agir naquele momento, já que, de acordo com Leontiev (1978a), quando executamos uma
ação ou outra, não nos damos conta dos motivos que evocam essa ação.
Buscava elementos que, de alguma forma, pudessem me dar pistas dos motivos dos
alunos para o envolvimento no tipo de tarefa proposta. Em uma primeira tentativa, encontrei
esses elementos nas respostas dadas às perguntas das duas entrevistas e questionários. Nesta
seção, utilizo mais momentos da primeira entrevista. Quando recorrer às respostas dadas na
segunda entrevista, isto será explicitado.
Na primeira entrevista, uma pergunta diretriz procurava saber o principal ‘por que’ dos
alunos, para participarem das tarefas investigativas propostas. Cada um dos alunos teve
oportunidade de responder, individualmente. Abaixo, alguns excertos das entrevistas:
Pesquisador: Quando vocês se envolvem neste tipo de tarefa em sala de aula, há um por que
principal? Se sim, qual?
Paulo – Eu acho que tem um porque principal.
Pesquisador – O que é? O que você acha que é?
Paulo – Eu acho que a gente faz pensando no futuro, né? (pausa) se a gente precisar fazer...,
igual lá, tem os cálculos lá que a gente ... aí, vai que no futuro a gente precisa, né?
Pesquisador – Lauro, fala pra mim, você acha que tem um por que principal? O que você
acha, ou não?
Lauro – Não, eu acho que tem um porque sim. Porque, de certa forma ele passa algumas
atividades relacionadas à Matemática, mas também cotidianas, tipo... algumas questões,
igual tinha ali do... algumas eram relacionadas a piso...55
Paulo (intervindo) – celular
Lauro continua – é, celular (concordando com Paulo), algumas coisas que você pode
relacionar com o cotidiano que te ajudam, tipo com a ajuda da Matemática e mais aquilo ali
eu acho que você consegue desenvolver, pegar aquela prática e levar pra parte cotidiana sua.
A própria questão do celular e tudo.
Pesquisador – Então você acha que a matemática, não toda né, em algum momento ela pode
te ajudar depois, no seu cotidiano?
Lauro – Exatamente, num futuro trabalhista.
Pesquisador – E você Gabriel?
55
Esta entrevista foi realizada após todas as tarefas investigativas em sala de aula. Em uma das tarefas, os alunos
deveriam encontrar a quantidade de cerâmica (piso), em m2, necessária a uma reforma em sua sala de aula.
140
Gabriel - Mais por causa do dia a dia mesmo... a gente pode precisar do negócio lá... aí a
gente sabe fazer qual que vale a pena.
Pesquisador: Leandro ...
Leandro – Eu também era daqueles alunos que pensava assim ... pra que eu tô usando isso
ai? Ai, depois veio aquela do celular e eu entendi mais ou menos porque que a gente tava
fazendo aquilo... porque tipo assim, às vezes você tinha um plano do jeito que você queria
mas você podia achar um mais barato, dependendo da quantidade... aí vi que você pode usar
no dia a dia, igual todo mundo falou assim.
Essas respostas me sugeriam que, em todos os casos, havia uma razão mais
importante, que estava relacionada a uma visão utilitária da Matemática, em particular, seu
uso no cotidiano:
56
O número 0 significava que a afirmativa não era um motivo para participar das tarefas. O número 1 significava
que a afirmativa era um motivo, mas sem muita importância para participação nas tarefas. O número 2
significava que a afirmativa era muito relevante como motivo para participação nas tarefas.
141
levei o questionário respondido por ele e solicitei que me explicasse sua resposta. Ele me
respondeu assim:
“Porque eu acho que tem coisas de Matemática que são desnecessárias para o social. Foi o
que eu pensei nesta resposta”.
E esclareceu ainda que, na tarefa sobre telefonia celular, percebeu um uso prático da
Matemática. No entanto, como a afirmativa tratava de ‘tarefas’, no plural, afirmou que, para
ele, nem todas envolvem um conteúdo útil para o dia a dia. Dessa forma, Lauro teria marcado
2 se a afirmativa se referisse, especificamente, à tarefa de telefonia.
Embora Paulo, Gabriel e Leandro tivessem marcado esta afirmativa do questionário
com o número 2, eu não sabia quais haviam sido suas interpretações sobre ela e que os
levaram a tomar tal decisão. Na segunda entrevista, procurei saber, de Gabriel e Leandro,
porque haviam marcado 2 para aquela afirmativa, ou seja, como eles percebiam o uso prático
da Matemática naquele tipo de tarefa? Eles disseram:
Leandro: Ah, a do telefone lá. Pra eu aprender. Isso pode acontecer no meu cotidiano
mesmo, de eu tá olhando lá, as minhas contas lá e deu pra reparar que uma conta no plano
que eu poderia ... que eu falo menos, mas na verdade gasto mais com internet eu poderia
gastar bem menos do que to gastando com outro plano.
Gabriel: É... Que nem aquele negócio lá, do PLIM, da operadora. Coloquei mais por causa
disso. [...] aí, tipo, se um dia na minha vida eu precisar olhar um plano, alguma coisa assim,
qual compensa mais pra mim, aí eu posso usar aquilo.
No caso de Paulo, que não foi entrevistado novamente, não pude saber a razão pela
qual marcou 2, na afirmativa anteriormente citada.
Ainda assim, parecia pertinente que eu considerasse ‘aprender Matemática para usá-la
em situações cotidianas’ como um motivo importante para a participação dos alunos nas
tarefas propostas.
Entretanto, não posso deixar de considerar dois fatos importantes relacionados às
respostas dos alunos: 1) a primeira entrevista ocorreu algum tempo depois que todas as tarefas
haviam sido realizadas. 2) os alunos, ao se referirem às tarefas em suas respostas, só se
lembravam daquelas relacionadas a um uso prático (telefonia celular, cálculo de áreas).
Nenhum dos alunos entrevistados, não somente desse grupo, mas de todos os outros, fez
142
menção, por exemplo, à tarefa de ampliação/redução do tangram. O que isso quer dizer em
relação aos motivos dos alunos?
O primeiro fato mencionado no parágrafo acima é importante porque as respostas, por
terem sido dadas algum tempo depois das tarefas, podem ter sido diferentes daquelas que os
alunos dariam no dia em que as tarefas foram aplicadas. Para ilustrar, vamos voltar a duas
perguntas feitas na folha de instruções para a tarefa sobre telefonia celular e que foi escolhida
pelo grupo. Ambas estavam relacionadas à escolha do tema. Uma delas era: se a escolha do
tema para investigação fosse individual, dentre as três opções57, qual seria a sua? Justifique.
As respostas escritas foram as seguintes:
A outra pergunta era: por que o grupo decidiu por esse tema? A resposta escrita foi: o
grupo escolheu esse tema por voto popular, pois todos concordaram. Além disso, o tema é
interessante, pois trata de assuntos economicamente importantes.
As respostas de Leandro e Gabriel à primeira pergunta me pareceram vagas. Leandro
não explicou porque gosta de discutir sobre ‘conta de luz’ e Gabriel não explicou porque a
tarefa sobre telefonia celular lhe chamou mais a atenção. As respostas de Paulo e Lauro foram
mais esclarecedoras. Paulo faria a escolha a partir de um gosto pessoal relacionado a questões
de lógica e Lauro admitiu que escolheria algo mais fácil e ainda interessante. Assim poderia
aliar ambas as coisas.
Para a segunda pergunta, o grupo parece ter deliberado em torno das opções e decidido
pela tarefa de telefonia celular que, para eles, era um assunto ‘economicamente importante’.
Ao ler essa resposta pela primeira vez não ficou claro para mim o que seria algo
‘economicamente importante’. No entanto, não acreditava que eles tivessem pensado, por
exemplo, na economia do país.
57
Nesse dia foram apresentadas três opções de temas para investigação, dos quais o grupo deveria escolher um:
1) planos de telefonia celular; 2) gastos com energia elétrica de uma residência; 3) duas questões : uma de
sequência lógica e outra envolvendo semelhança de triângulos.
143
Retomando o fato de que as entrevistas foram realizadas alguns dias após as tarefas e
comparando as respostas dessas entrevistas com as respostas dadas na folha da tarefa, as
primeiras parecem aproximar-se mais da resposta dada à segunda pergunta da folha. Na
entrevista, os alunos parecem ter dado suas respostas a partir do que havia sido decidido em
conjunto durante a tarefa: eles escolheram a tarefa sobre telefonia porque era economicamente
importante, o que eles traduziram, durante a entrevista, como algo de uso prático para a vida.
Nas respostas de Paulo, Lauro, Leandro e Gabriel, foram recorrentes palavras como: futuro,
dia-a-dia e cotidiano.
O segundo fato citado anteriormente e que deve ser discutido agora, é que os alunos,
em suas respostas, só mencionaram as tarefas que envolviam alguma aplicação mais prática
da Matemática. Vale lembrar que as perguntas da primeira entrevista, como, por exemplo:
Quando vocês se envolvem neste tipo de tarefa em sala de aula, há um por que principal? Se
sim, qual?, referiam-se a todas as tarefas e não especificamente a uma delas. Os alunos
poderiam fazer referência a qualquer uma para ilustrar.
Tudo isso sugere que os alunos consideravam relevantes situações simuladas do dia a
dia, dadas em sala de aula, em que a Matemática surgisse como auxílio importante para a
solução. Pelo que pareceu, a tarefa sobre ampliação/redução não foi encarada dessa forma.
Tomemos como exemplo duas falas, uma de Leandro e outra de Lauro, durante a segunda
entrevista. Leandro afirma que todas as pessoas deveriam saber um mínimo de Matemática,
porque senão seriam, nas palavras dele, ‘tapadas’. Lauro acredita que “pra sociedade você
tem que saber, pelo menos, um mínimo de Matemática” e que “pra você interagir com as
pessoas e tudo, você tem que saber um mínimo de Matemática. Na hora de pegar um ônibus,
digamos assim...”. A Matemática é vista por eles como algo muito importante, que precisa ser
aprendido para viver em sociedade e é esse seu papel.
Aprender Matemática para usá-la em situações cotidianas parecia mobilizar os alunos
para as tarefas. Era um motivo, mas a meu ver não era o principal no momento das tarefas,
dadas as respostas à primeira pergunta contida na folha de instruções sobre telefonia celular.
Alguns alunos nem teriam feito opção por aquele tema, que depois julgaram como importante
para o cotidiano. Mesmo assim, era um motivo compartilhado e, nesse sentido, fiquei tentado
em tomá-lo como um motivo para que os alunos participassem das tarefas investigativas,
entendendo-as como uma atividade.
144
6.4 A atividade
De acordo com Leontiev (1978a), toda atividade surge de uma necessidade, que se
torna motivo para guiá-la rumo a um objeto de satisfação da necessidade. A atividade é
constituída por ações, dirigidas a objetivos imediatos e, para que as ações sejam executadas,
são necessários procedimentos, denominados operações, que o indivíduo deve implementar
para atingir o objetivo da ação. Engeström (2001) entende que objeto da atividade é um
‘espaço-problema’ para o qual a atividade está direcionada.
No caso dos quatro alunos, eu entendo que encontrar o plano ideal na tarefa sobre
telefonia celular, bem como obter a figura ampliada na tarefa com o tangram, se constituíram
como espaços problema que direcionaram os seus movimentos. A criação do usuário
hipotético, os vários cálculos em torno dos gastos desse usuário e, as estratégias (corretas ou
não) para ampliar a figura, são exemplos dos movimentos dos alunos rumo a esses espaços.
Sendo assim, creio que podemos interpretar esses movimentos como ações dos alunos
rumo aos referidos objetos. Temos, então, elementos para compor duas atividades.
desenvolvimento, apresentada por Vygotsky e que será útil em meu percurso de análise. De
acordo com Vygotsky (1998, apud HEDEGAARD, 2012), a situação social de
desenvolvimento determina um quadro geral da vida da criança, em determinado período de
sua existência. Em uma interpretação pessoal, a situação social de desenvolvimento em
determinado período é composta por todas as atividades das quais a criança participa, nas
quais ela ocupa um lugar. Sendo assim, ela pode variar, dependendo do local, da cultura, do
momento histórico e de outros fatores. Na seção 6.5, estas atividades serão compreendidas
como cenas que se entrelaçam para compor um filme e que influenciam os motivos.
Os motivos refletem a situação social de desenvolvimento da criança e,
consequentemente, o lugar que ela ocupa. Em outras palavras, os motivos das pessoas para a
participação em atividades terão relação com o ‘lugar’ de onde ela fala, com o ‘lugar’ em que
ela se situa, assim como, com aquilo que para ela é importante.
Os alunos Paulo, Lauro, Leandro e Gabriel frequentavam a mesma escola e, embora
eles venham de famílias com situações socioeconômicas diferentes, todas valorizam a escola
como uma instituição importante para o desenvolvimento dos filhos. Vale lembrar, que a
escola na qual estudavam é considerada ‘muito boa’ e onde muitos desejam estar. Pensando
nisso, os pais se empenharam em inscrever seus filhos para o sorteio, mesmo morando longe
(nenhum dos quatro alunos morava próximo à escola). Só esse fato, já serviria como
argumento para mostrar a preocupação dos pais com os estudos dos filhos. Havia a
possibilidade de matriculá-los em escolas do bairro, mais próximas às suas casas.
Assim, a situação social de desenvolvimento desses alunos inclui a atividade escola e
o universo escolar, como um ambiente importante, valorizado e de prestígio, que possui
muitas demandas. Os pais esperam que os filhos estudem e cumpram sua parte como bons
estudantes e os professores, bem como a comunidade escolar, esperam o mesmo. Os alunos,
por sua vez, agem de acordo com aquilo que é importante para eles naquele momento, e isto
inclui agradar pais e professores, satisfazendo suas expectativas. De acordo com Davydov
(1988), na adolescência, os jovens têm a necessidade de serem reconhecidos pelos adultos
como alguém que está amadurecendo. Nesse sentido, Elkonin e Dragunova (apud
DAVYDOV, ibidem, p. 45)
Esta necessidade de se identificar com os adultos pode tornar-se motivo para sua
participação em tarefas escolares. Observar as regras da atividade, por exemplo, seria uma
manifestação de amadurecimento perante os adultos. Nas palavras de Winther-Lindqvist
(2012, p. 127) “este compromisso representa um forte sentido de pertença ao que é
apropriado”58. Pertencer a um grupo exige que o indivíduo se adeque, inclusive às suas regras.
Nesta linha de raciocínio e considerando o lugar ocupado pelos alunos na sua situação
social de desenvolvimento, naquele momento histórico, acredito que ‘cumprir o seu papel de
estudante realizando a tarefa’, foi o motivo que moveu os estudantes nas atividades
investigativas logo no início. Foi o motivo disparador. Várias ações, com objetivos diferentes,
foram realizadas. No entanto, mesmo tendo objetivos diferentes, as ações estavam todas
ligadas entre si pelo motivo ‘cumprir a tarefa’.
Na próxima seção, meu objetivo é mostrar, de forma mais elaborada, como este
motivo disparador para a atividade investigativa está entrelaçado com o elemento ‘regras’, das
atividades família e escola.
Na sessão 4.6 apresentei retratos dos quatro alunos do grupo escolhido para análise.
Neles, vários aspectos de suas vidas, e que compõem parte de suas situações sociais de
desenvolvimento, foram destacados, mas de forma estática: família, escola, relação com a
Matemática, planos para o futuro e utilidade da Matemática no cotidiano. Este é um indício de
que tais aspectos são importantes e devem ser considerados na análise dos motivos para a
participação nas tarefas investigativas. Nesta seção, darei destaque à família e à escola.
A situação social de desenvolvimento dos alunos lhes permite participar de várias
atividades, muitas delas em grupos sociais distintos. Para este grupo de alunos, em particular,
duas dessas atividades tiveram destaque: famíla e escola. Seria ingênuo e iria de encontro à
própria TA, tomar a atividade da tarefa de investigação como algo que se encerra em si
mesma. Ela não é estanque e está associada, de uma maneira ou de outra, às outras atividades
dos alunos. Associar, nesse caso, significa influenciar/ser influenciada/ter uma
ligação/entrelaçar. Elementos de uma atividade podem influenciar outras atividades, e vice-
versa, em uma relação dialética e em constante movimento, como em um filme (figura 13).
Dessa forma, as atividades podem ser interpretadas como cenas desse filme.
58
Tradução para: this commitment representes a Strong sense of belonging to what is appropriate.
148
Isto está de acordo com a posição de Engeström (2001), quando esse nos apresenta a
ideia de sistema de atividades composto, minimamente, por duas atividades, representando
um avanço em relação à estrutura proposta por Leontiev, porque discute a possibilidade de
conexões entre as várias atividades das quais uma pessoa participa em sua vida. Para
Engeström (2001), esse coletivo de atividades é que deve ser tomado como unidade para
análise. Ainda, em relação às conexões entre elementos de diferentes atividades, a página do
CRADLE (Center for Research on Activity, Development and Learning) afirma que:
59
Tradução para: An activity system does not exist in a vacuum. It interacts with a network of other activity
systems. For example, it receives rules and instruments from certain activity systems (e.g., management), and
produces outcomes for certain other activity systems (e.g., clients). Thus, influences from outside 'intrude' into
the activity systems.
149
quando ela afirma que “na entrevista é o sujeito que se expressa, mas sua voz carrega o tom
de outras vozes, refletindo a realidade de seu grupo, gênero, etnia, classe, momento histórico e
social”.
Em ambas as atividades de investigação (sobre telefonia celular e ampliação do
tangram) o motivo disparador era ‘cumprir o papel de estudante realizando a tarefa’ e os
objetos eram, respectivamente, o plano ideal e a figura do tangram ampliada. Entretanto, este
motivo disparador não surgiu, simplesmente, no momento da atividade. Primeiro surgiu uma
necessidade que se transformou em motivo para guiá-la. Então, quais atividades influenciaram
neste motivo e como isto se deu? Na minha interpretação, a resposta seria: as atividades
família e escola. Menções a elas foram feitas em todo o tempo nas entrevistas. Naturalmente,
podemos pensar em outras atividades dos alunos, mas vou me ater a essas, por terem sido as
mais mencionadas.
A família era muito importante para todos os alunos. Como eles a percebiam?
Paulo possui uma família bem estruturada, muito preocupada com sua formação
acadêmica. Isso fica evidente quando Paulo informa coisas como:
“eles me proporcionam ótimas condições de estudo”, “a minha família me apoia muito com
os estudos”, “várias vezes ela (a mãe) deixa de sair para se divertir para ficar em casa
comigo porque eu tenho que estudar”.
Tal discurso parece gerar em Paulo um sentimento de compromisso para com os pais e
para com ele mesmo. Temos evidências disso em respostas como:
“o fato de eles me darem tudo o que eu peço me motiva a estudar cada dia mais para mostrar
para eles que estou fazendo valer a pena” e “eu só consigo me divertir quando estou com a
consciência totalmente leve, ou seja quando não tenho que estudar ou fazer um trabalho”
(essa resposta foi dada quando perguntou-se ao aluno o que ele faz para se divertir).
que permitem a Lauro viver em um ambiente saudável e no qual divide suas experiências com
ambos, pai e mãe. A escolha da escola foi feita pelo pai, porque ele era ainda muito pequeno:
“eu acho que é meio influência de pai e mãe” e “meu pai também não gosta dessas coisas de
gíria... Eles sempre cobram que eu fale correto...”.
“Ela (a mãe) mesma fala que a única coisa que ela está deixando para mim é o estudo.
Minha mãe fala isso todo dia praticamente. Lá em casa a minha mãe apostou tudo em mim...
Agora tá em você”.
Gabriel vem de uma família unida, que valoriza a escola, mas de uma maneira que me
pareceu não muito contundente. A mãe o inscreveu no sorteio já vislumbrando a entrada para
o curso técnico, assim como as outras. A respeito disso ele disse:
“Ela colocou também pensando no [...] (aqui estou omitindo o nome da escola técnica para a
qual os alunos iriam, após o término do Ensino Fundamental) e esses negócios”.
“Tipo, para casa, esses trem ela nem cobra porque agora [...] eu tô fazendo. Agora, prova
ela cobra, tipo, ela fala: ah, estuda, não sei o que. Aí se eu for mal ela puxa minha orelha né,
pra melhorar e tal”
Sobre o ENEM, que é utilizado para entrada em muitas instituições de ensino superior,
nas palavras de Gabriel, o pai pensa o seguinte:
“Meu pai me falou que vou fazer o ENEM só pra ver mesmo e tal [...]”.
Talvez, para o pai desse aluno, fazer o ENEM não é tão importante porque a
universidade não é algo que ele almeje para seu filho. Quem sabe um curso técnico poderia
prover-lhe um bom emprego com um bom salário? Quem sabe isso já seria suficiente?
Como pudemos notar, todas as quatro famílias valorizam a escola como um espaço
que pode proporcionar aos filhos um ganho intelectual e um futuro promissor. Para isso, o
respeito às normas da instituição é condição fundamental para que os benefícios possam ser
desfrutados. Em outras palavras, o motivo ‘cumprir o papel de aluno realizando a tarefa’
parece ser, na atividade familiar, parte do discurso dos pais que interpreto aqui como regras.
Família
Tarefa
investigativa
Regra
Motivo
Figura 14: Regra da família tornando-se motivo
Fonte: Elaborada pelo autor
Dentro da estrutura familiar, o discurso dos pais (ou daquele/daqueles que faz/fazem o
papel dos pais) já estava socialmente construído. Os alunos, por sua vez, se apropriaram deste
discurso. Os filhos devem seguir as normas sociais, dentre as quais está o respeito às pessoas,
incluindo os professores. E aqui, respeitar, pode assumir vários sinônimos, inclusive o de
obedecer. Cada aluno, ao se apropriar do discurso familiar, o faz de uma maneira própria que
dá um sentido diferente para cada um. Esta impressão ficou evidente para mim, quando em
152
uma entrevista, com outro grupo que participou das tarefas, uma aluna me disse: “eu faço.
Você mandou, eu faço”, respondendo à minha pergunta sobre ‘por que’ eles participavam de
tarefas como aquelas que eu havia proposto.
Desta forma, pensando na dinâmica das atividades que fazem parte da situação social
do desenvolvimento dos alunos, uma parte de um elemento da estrutura da atividade familiar,
as regras, torna-se motivo para que o aluno participe de tarefas escolares. Na literatura,
estudos como os de Medina e Martinez (2012) e Corsaro e Rizzo (1998)60, também mostram
que valores e normas podem tornar-se motivo para guiar a atividade das pessoas.
A possibilidade de um elemento estrutural da atividade tornar-se motivo para
estudantes já fora discutida por Lompscher (1999, p. 7). Segundo este autor:
A escola também era muito importante para aqueles alunos. O que eles tinham a dizer
sobre ela?
Paulo sempre foi um aluno de bom rendimento escolar. Também sempre manteve bom
relacionamento com os professores e colegas:
60
Estes estudos estão mais detalhados no capítulo 3.
61
Tradução para: Each component of the general activity structure - object or content, actions and course of
activity, conditions and means, partners and social relations, the activity subject him or herself – may become
learning motives.
153
“eu sempre procurei ter uma boa relação com meus professores, pois acho desnecessário
criar conflitos com eles. Em relação aos meus colegas, eu mantinha uma ótima relação com
todos, ou pelo menos tentava”.
Ele considera que aquilo que se aprende na escola pode ajudá-lo no futuro. A escola não
parece ser uma experiência desagradável para ele.
Lauro considera a escola muito importante para seu cotidiano e para o seu futuro. Em
particular, o futuro profissional. Ele foi o aluno que mais se referiu ao papel dos
conhecimentos adquiridos na escola, como algo que promove um futuro melhor. Nesse
sentido, ele explica que:
“a escola, passando esse conhecimento pra gente, logo vai [...] ajudar a gente no futuro
também. Eu acho que assim, quando a gente tá participando das atividades em sala e das
atividades propostas, a gente tá ganhando conhecimento para que a gente possa se
desenvolver bem no futuro”.
Embora Lauro tenha uma visão pragmática da escola (“a gente tá ali pra aprender”)
ele parece gostar de estar lá e mantém um bom relacionamento com colegas e professores.
Leandro acredita que o tratamento recebido dos professores é discriminatório por ele
não ser um aluno de alto rendimento. Em suas palavras:
Mesmo assim, tímido e pouco participativo, mantinha boa relação com os demais. Perguntado
sobre a relação com os professores, ele se limitou a dizer: “era boa”.
A percepção da escola era diferente para cada um dos alunos. Acredito que dados os
melhores rendimentos acadêmicos de Paulo e Lauro, comparados aos de Leandro e Gabriel,
os primeiros mantinham uma relação mais amigável com a parte acadêmica da escola e,
talvez, de maior comprometimento. Já os outros dois alunos, embora com rendimento aquém
do esperado e com sentimentos de rejeição à escola, no caso de Gabriel, ainda se mantinham
lá influenciados por outros fatores.
Um deles poderia ser a comunicação entre pares e com os adultos, o que seria bastante
compreensível já que, nessa idade, de acordo com Elkonin e Dragunova (apud DAVYDOV,
1988), a comunicação é a forma de interação mais importante para os jovens. De acordo com
Davydov (1988, p. 46), “na comunicação que estabelecem com as pessoas de vários coletivos
(coletivos de trabalho, da escola, etc), os adolescentes dominam as regras de interrelações
destes coletivos” e os ganhos neste contexto “levam os adolescentes a refletirem sobre suas
próprias condutas, de modo que se tornem mais capacitados para avaliar suas próprias
condutas e seus próprios selves, segundo determinados critérios fixados”. Outro fator, é o
próprio significado social da escola internalizado por eles, como um lugar valorizado, onde os
estudantes vão para aprender.
Nesta perspectiva, entendo que se adequar às regras como forma de manter uma boa
comunicação entre pares e com os adultos que são relevantes para eles, é algo que os
impulsiona durante as tarefas escolares. Na atividade escola, então, acredito que cumprir as
regras acaba por impulsionar o movimento dos alunos rumo à realização das tarefas, como
forma de manter uma boa comunicação com os adultos. Sendo assim, ‘cumprir o papel de
aluno realizando a tarefa’ parece ser, na atividade escola, assim como na atividade família,
uma regra que se torna motivo para a participação nas atividades investigativas.
Escola Tarefa
investigativa
Regra
Motivo
Figura 15: regra da escola tornando-se motivo
Fonte: Elaborada pelo autor
155
Nestes últimos parágrafos tive a intenção de entrelaçar, agora pela segunda vez, a
atividade investigativa, com outra atividade da situação social de desenvolvimento dos
alunos: a escola.
As regras da família e da escola tornaram-se motivos para os alunos porque, ao
aceitarem o convite para a participação nas tarefas e cumprindo, assim, seu papel de
estudante, em alguma medida, eles estavam tentando se mostrar conscientes de sua
maturidade, na comunicação com os adultos (DAVYDOV, 1988). Realizar a tarefa, poderia
estabelecer entre eles e os últimos outro patamar de relação. Eles seriam julgados pelos
adultos como mais responsáveis e isso era importante porque permitiria que eles ocupassem
‘outro lugar’ no filme social. Por outro lado, o significado social do aluno, historicamente, é o
de cumprir seu papel de estudante. Nesse sentido, o motivo também estava ligado a esse
significado social, como uma regra.
O objetivo desta seção foi mostrar que as atividades que fazem parte de uma
determinada situação social de desenvolvimento influenciam-se mutuamente. De outro modo,
poderia dizer que as cenas do filme se relacionam, de forma que a sua compreensão integral
só se dá pela compreensão de tais relações. Nesse sentido, apresentei argumentos para mostrar
que o elemento ‘regras’, das atividades família e escola, tornou-se motivo disparador para a
participação dos alunos nas tarefas investigativas. Contudo, percebo mais entrelaçamentos
entre as atividades que geram mais motivos.
Até agora, destaquei o papel das atividades família e escola no surgimento do motivo
disparador para as atividades investigativas. O motivo ‘cumprir o papel de aluno realizando a
tarefa’ surgiu de uma regra da família e da escola.
Como o próprio nome anuncia, este motivo era um disparador, aquele que colocou os
alunos em ação em um momento inicial. Por outro lado, a atividade é dinâmica, está sempre
em movimento e, como consequência, está em constante transformação. Por esta razão, na
atividade de investigação, outros motivos poderiam surgir, oriundos, inclusive, das atividades
família e escola que, para os alunos, são fontes de referência para as suas compreensões de
mundo. Nesse sentido, Bakhtin (1988, apud FREITAS, 2002, p. 29) considera que:
[...] cada pessoa tem um certo horizonte social definido e estabelecido que
orienta a sua compreensão e que o coloca diante de seu interculocutor com
156
Nesta seção, de cunho teórico-analítico, farei uma análise mais pormenorizada dos
motivos dos alunos, mas ainda fortemente influenciados pelas atividades família e escola.
Para facilitar a compreensão, iniciarei com uma pequena discussão teórica que me
encaminhará para a análise dos motivos de um dos componentes do grupo de alunos. Na
análise deste primeiro aluno, apoiados na TA e nos dados coletados, surgirão novos conceitos
que serão utilizados, posteriormente, na análise dos motivos dos outros alunos.
Como já discutido, escola e família influenciaram os alunos no momento inicial da
atividade de investigação. No entanto, há razões para pensar que esta influência não ocorreu
somente neste momento inicial. Partindo de um olhar mais amplo, família e escola foram
elementos de mediação na relação dos alunos com os objetos das atividades de investigação.
De acordo com Pino (1991), mediação é toda a intervenção de um terceiro "elemento"
que possibilita a interação entre os "termos" de uma relação. Mas como ocorreu esta
mediação?
A meu ver, esta mediação está relacionada às apropriações ocorridas dentro das
atividades família e escola. Estas apropriações, no sentido vygotskiano, que ocorriam nas
relações dentro destas atividades, faziam surgir múltiplos pontos de vista e interesses,
constituindo, em minha opinião, o que Engestrӧm (2001) denomina princípio da
multivocalidade da atividade. Em outras palavras, de acordo com as apropriações dos alunos
nas atividades família e escola, eles levavam para as atividades investigativas, marcas de vida
e pontos de vista distintos que poderiam influenciar seus motivos e sentidos pessoais. No
entanto, as apropriações que me interessam neste momento estavam relacionadas a que
aspectos das atividades família e escola?
Nas duas entrevistas, alguns aspectos das vidas dos alunos foram recorrentemente
discutidos por eles: relação com a Matemática, planos para o futuro e utilidade da Matemática
no cotidiano. Nesse sentido, as apropriações relacionadas a estes aspectos e os motivos
relacionados a elas é que me interessarão, além de um olhar mais detalhado sobre o motivo
disparador e sobre motivos que tenham relação com a própria atividade.
Primeiro, farei uma análise dos motivos de Paulo, começando pelo motivo disparador.
Em seguida, a análise estará pautada nos aspectos anteriormente citados: relação com a
Matemática, planos para o futuro, e utilidade da Matemática no cotidiano e a tarefa.
157
Paulo era de uma família que se preocupava com seus estudos e que apresentava claras
manifestações de apoio efetivo para que tudo corresse bem em sua vida acadêmica, como
mostrado na seção 4. 3 do capítulo 4 e retomado na seção 6.5.1. Este apoio era recompensado
por ele com empenho exemplar na escola, obtendo ótimos resultados. Além da dedicação,
estes bons resultados eram consequência da facilidade do aluno nas disciplinas, em particular,
na Matemática.
A imagem de bom aluno, reconhecida pelos professores e colegas, era reforçada cada
vez que ele se sobressaia, e isso o deixava em situação confortável e sentindo-se mais seguro
em relação às suas capacidades. Por que isso? Porque, nas relações, o que Paulo internalizava
era uma significação do outro para ele, o que, de acordo com Pino (2000), ocorre no
movimento dialético da relação que dá a Paulo as coordenadas para saber quem ele é, que
posição social ocupa e o que se espera dele, ou seja, “é pelo outro que o eu se constitui em um
ser social com sua subjetividade” (PINO, 2000, p. 66).
Paulo correspondia às expectativas e estabelecia, para si mesmo, um intenso
compromisso com a carreira acadêmica. Duas respostas dadas por ele, na segunda entrevista,
podem ilustrar este compromisso. Uma delas foi dada quando perguntei a Paulo o que ele
fazia para se divertir nas horas de lazer. Ele respondeu:
“Eu só consigo me divertir quando estou com a consciência totalmente leve, ou seja, quando
não tenho que estudar ou fazer um trabalho”.
A outra resposta foi depois que perguntei a Paulo de quem tinha sido a escolha da
escola na qual ele estava. Ele me respondeu que a escolha tinha sido de sua mãe, mas que, no
8o ano, desejou sair dessa escola para ir para outra. Ele não gostava da ideia de ter uma vaga
reservada em uma escola técnica 62 . Seu desejo era estudar em outra escola e enfrentar o
processo seletivo para a escola técnica e ser aprovado ‘por competência’, como ele escreveu,
em sua resposta. Ele gostaria de:
“ter estudado desde de a 4ª série em uma escola particular e passado no [...] por
competência e não por reserva de vagas”.
62
A escola em que Paulo estudava tinha vagas reservadas para seus alunos em uma escola técnica. Isso
eliminava, para eles, a passagem pelo processo seletivo convencional.
158
Na primeira entrevista, quando perguntado sobre o principal ‘por que’ para que
participasse das tarefas propostas, ele respondeu:
“Eu acho que a gente faz pensando no futuro, né? (pausa) se a gente precisar fazer..., igual
lá, tem os cálculos lá que a gente ... aí, vai que no futuro a gente precisa, né?”).
Nessa mesma entrevista, logo após uma fala de Lauro, Paulo cita a tarefa de telefonia
celular como um exemplo da utilidade da Matemática no cotidiano. Em relação ao seu futuro
profissional, ele parece não ter dúvidas: fará Informática no curso técnico e tentará se
estabelecer nesta profissão, sem planos imediatos para o curso superior:
“ainda não sei se vou fazer curso superior. Depende muito do meu futuro, se eu conseguir um
bom emprego como técnico, talvez eu nem pense em faculdade”.
A escolha pelo curso técnico em Informática tem uma relação estreita com o fato de
Paulo gostar de Matemática, como podemos perceber na resposta que ele deu, na segunda
entrevista, à pergunta: por que você escolheu o curso técnico em Informática?
“Eu optei pelo curso de Informática, pois, apesar de ser muito difícil ele se encaixa mais no
meu perfil. Até porque eu não me dou muito bem com matérias como química e física. E, além
disso, o curso de informática absorve muito a matemática, que por sinal eu gosto muito”.
Mesmo sem ter certeza de que iria para a universidade, contou que se decidisse fazê-
lo, estudaria Ciência da Computação, também da área de exatas.
Para Paulo, os motivos relacionados aos planos profissionais para o futuro e à utilidade
da Matemática no cotidiano, para a participação nas tarefas investigativas, existiam. Acredito,
porém, que estes motivos estavam longe das preocupações de Paulo no momento da tarefa. A
importância dada à Matemática como algo útil para o cotidiano e para o futuro profissional,
parece ocorrer mais, como apropriação do significado social dos conhecimentos adquiridos na
escola, do que como algo que impulsionasse o aluno naquele momento.
Sobre esta discussão, Alvez-Mazzotti (2008) comenta que, diariamente, somos
colocados em contato com uma grande quantidade de informações e assuntos que, por nos
afetarem de alguma forma, exigem que os compreendamos, e eu completaria: que deles nos
apropriemos. Ainda, nesse sentido, a autora escreve:
160
63
Informações e assuntos.
64
Isto não significa que não existam lugares pelo mundo, incluindo o Brasil, nos quais o trabalho infantil seja
explorado e, portanto, uma realidade para as crianças.
65
Na pesquisa foram recolhidos questionários de 359 alunos dos nonos anos de escolas escolhidas
aleatoriamente, da cidade de Lisboa.
161
Nesta direção, consigo perceber dois tipos de motivos para participação de Paulo nas
tarefas investigativas: motivos locais e motivos periféricos.
Estou compreendendo motivos locais como aqueles que impulsionam o indivíduo no
momento da atividade de forma mais intensa. Pode ser resultado de alguma apropriação
ocorrida em outras atividades, ou de algo interno à própria atividade. No caso de Paulo, estes
motivos locais seriam: o motivo disparador, cumprir o papel de aluno realizando a tarefa,
gostar de Matemática e a própria tarefa.
Motivos periféricos seriam aqueles resultantes de apropriações, também ocorridas em
outras atividades, mas que não têm muito impacto para impulsioná-los no momento da
atividade. No caso de Paulo, estes motivos seriam aqueles relacionados à utilidade da
Matemática no cotidiano e aos planos para o futuro profissional.
Como parte de meus objetivos, pretendo verificar possíveis aproximações entre
motivos e o objeto da atividade investigativa. Entretanto, para verificar estas aproximações,
entendo como necessária uma discussão sobre sentido pessoal, porque, de acordo com
Leontiev (1978b), o sentido pessoal é o que conecta o motivo ao objeto da atividade.
Em clássico exemplo, Leontiev (ibidem) nos apresenta a ideia de sentido pessoal.
Nele, um aluno lê um livro. Se o motivo é ler para ser aprovado na lição, o sentido é um. Já,
se o motivo é o conteúdo do livro, propriamente, o sentido é outro. Ainda, de acordo com este
autor, o aluno lerá o livro com outros olhos e assimilará o conteúdo de maneira diferente.
A meu ver, o objeto pode se manter, ainda que o motivo se altere. Com a mudança de
motivos ou mesmo com o surgimento de outros, o que vai se alterar é o sentido pessoal. O
objeto será visto de outra forma.
O construto sentido pessoal pode ser interpretado como uma resposta à pergunta: o
que o objeto da atividade representa para mim? Como o sentido pessoal depende do motivo,
qual seria, para Paulo, o sentido pessoal das atividades investigativas, ou seja, de acordo com
os seus motivos, o que os objetos das atividades representavam para ele?
De acordo com os motivos locais, estes objetos representavam o compromisso
implícito de aprender, assumido com a família (“o fato de eles me darem tudo o que eu peço
me motiva a estudar cada dia mais para mostrar para eles que estou fazendo valer a pena”) e
a escola, já que a primeira se sacrificava por ele e, a segunda, o tinha como um aluno
dedicado aos estudos. Representavam, também, trabalhar com algo de que ele gostava: a
Matemática. Além disso, vencer o desafio que a tarefa oferecia. Os motivos periféricos
também tinham representação no sentido pessoal. Entretanto, por estes motivos estarem mais
162
afastados da realidade do aluno naquele momento, exceto por uma reprodução do discurso
social sobre a importância da Matemática, eles tinham menos força.
Os motivos de Paulo não eram somente esses. Porém, como já esclarecido, me
interessaram os motivos vinculados à relação com a Matemática, com planos para o futuro,
com a utilidade da Matemática no cotidiano e motivos relativos à própria atividade. Os
motivos relacionados aos aspectos citados acima formam camadas de motivos que compõem
os sentidos pessoais, ou seja, camadas que mostram como o objeto aparece para Paulo. No
caso deste aluno, dois motivos locais parecem aproximar-se dos objetos das atividades:
desafio da tarefa e gostar de Matemática.
“Dentro da sala a gente tem que pensar mais no foco dos estudos. Mesmo que eu converse um
pouco dentro de sala, eu acho que tem que pesar pra esse lado porque a gente tá ali pra
aprender. O extraclasse a gente pode fazer no recreio. Então, durante a sala a gente tem que
focar pra aprender mesmo”.
Interpreto essa fala de Lauro como uma demonstração de seu comprometimento com a
sala de aula. Dessa forma ‘cumprir o papel de aluno realizando a tarefa’ era um motivo
que o impulsionava para iniciar as tarefas, afinal, ele estava ‘ali para aprender’. Havia,
também, motivos que refletem a relação de Lauro com a Matemática.
Na segunda entrevista, que foi feita depois que os alunos já haviam ingressado no
curso técnico, perguntei a Lauro por que sua opção foi por um curso na área de Ciências
Exatas. Ele respondeu:
163
“Eu gosto da área de exatas, mesmo que eu tenha tido dificuldade no ano passado. É
o que tava pensando mesmo”.
Nesta mesma entrevista, procurei saber de Lauro sobre sua relação com a Matemática,
mais especificamente, porque ‘área de exatas’ era muito genérico’. Ele me respondeu:
“Na escola eu sempre fui bem em Matemática. Aí, sempre gostei também. Só que no nono
ano eu tive um desempenho muito baixo na primeira etapa por causa de questões de família.
Meu avô tava internado, eu tava abalado e também tava tendo dificuldade na matéria. Só que
na segunda etapa, quando entrou uma matéria nova eu comecei a prestar atenção, aí eu
voltei com isso, aí eu já voltei a me dar bem, estudando e tudo. Mas é porque eu gosto
mesmo”.
“[...] mesmo assim eu continuava gostando de fazer os exercícios e tudo, porque, mesmo mal
eu sempre fazia os exercícios. Sempre fazia por mim mesmo, mesmo que o professor não
cobrasse. Então eu acho que eu pensei mesmo e vi que é por causa de gosto mesmo”.
Some-se a isso o reconhecimento do lugar que ocupava na sala de aula. Embora não
fosse reconhecido como o melhor aluno da turma, Lauro era considerado um aluno dedicado.
Este reconhecimento do outro para ele, deixava-o em situação confortável e segura para
vencer desafios na Matemática.
Sendo assim, gostar de Matemática parece ter sido motivo para Lauro, durante as
tarefas de investigação. Aliado ao fato de gostar de Matemática, o desafio da tarefa (no caso
de Lauro, me refiro à tarefa sobre planos de telefonia celular) também parece ter sido motivo
para participar da tarefa sobre planos de telefonia celular. A situação retratada na seção 5.1.,
mostra uma clara participação de Lauro durante a tarefa. Motivos relacionados à utilidade da
Matemática no cotidiano e aos planos para o futuro profissional também foram citados
por Lauro. Comparado aos outros alunos, Lauro foi o que mais se referiu à importância da
Matemática no ‘social’, que era a expressão usada por ele. Entendo que ser útil no ‘social’
engloba, tanto o cotidiano quanto a vida profissional.
164
Lauro entende que a Matemática tem um papel fundamental para a vida em sociedade,
que ele chama de ‘social’. Esta participação da Matemática na sociedade se dá quando ela se
torna uma ferramenta útil para facilitar nossas vidas. Digamos que Lauro tem uma visão
utilitária da Matemática. Na segunda entrevista ele disse:
“pra sociedade você tem que saber, pelo menos, um mínimo de Matemática”.
E completou:
“pra você interagir com as pessoas e tudo, cê tem que saber um mínimo de Matemática. Na
hora de pegar um ônibus, digamos assim...”.
“Eu acho importante a Matemática tanto no social quanto no seu futuro de trabalho entre
outros. Então, eu posso pensar que, tipo... eu desenvolvendo esse bom raciocínio matemático
eu vou tá me ajudando no social e no meu futuro. Então eu acho bem importante”.
Mesmo com todas estas falas, quando se referia à utilidade da Matemática para uso no
cotidiano e na vida profissional, Lauro parecia reproduzir um discurso social sobre o
significado da Matemática, que ele internalizara de forma muito particular. Ele não parecia
estar preocupado com o fato da Matemática contida na tarefa, ser algo que pudesse ajudá-lo
165
Assim como para Paulo e Lauro, cumprir o papel de aluno realizando a tarefa foi o
motivo que impulsionou Leandro para iniciar sua participação nas tarefas investigativas. Sua
família valorizava os estudos, mas essa importância parecia assumir uma nuance diferente
comparada aos casos de Paulo e Lauro. Na família desses dois últimos, o interesse nos
estudos parecia estar ligado, assim como na família de Leandro, à possibilidade de uma
formação técnica (vale lembrar que todos os alunos justificaram a escolha pela escola onde
estavam, porque ela permite acesso direto à escola técnica).
Entretanto, a mãe de Leandro parecia depositar nele toda esperança de um futuro de
sucesso, o que gerava um sentimento de responsabilidade e, talvez, não muito claro para um
adolescente. É como se ele fosse a solução futura para problemas que eles já viviam, como o
financeiro, por exemplo. Uma fala de Leandro talvez traduza o que foi anteriormente escrito:
“Ela (a mãe) mesma fala que a única coisa que ela está deixando para mim é o estudo.
Minha mãe fala isso todo dia praticamente. Lá em casa a minha mãe apostou tudo em mim...
Agora tá em você”.
166
Esta responsabilidade atribuída a Leandro, mesmo que não muito compreendida por
ele, influenciava suas ações na sala de aula, inclusive para realizar as tarefas em sala.
Cumprir o papel de aluno realizando a tarefa era o motivo que refletia como Leandro
cumpria suas responsabilidades em sala de aula.
Contudo, diferentemente de Paulo e Lauro, Leandro estava enfrentando problemas
com a Matemática desde a sexta série (atual sétimo ano). O rendimento de Leandro em
Matemática não era bom. A respeito disso, ele disse:
“Eu não me dou muito bem com a Matemática. Às vezes eu erro muita coisa boba e tiro nota
ruim”.
No entanto, nem sempre foi assim. De acordo com o aluno, antes da sexta série
(sétimo ano) suas notas eram boas. No entanto
“a partir da sexta série a matéria foi ficando mais difícil e eu deixei de gostar”.
[...] bate um desânimo. Você vê assim, todo mundo tirando nota boa e vê você lá....
Pelo que ocorreu na tarefa sobre planos de telefonia celular, descrita na seção 5.1, do
capítulo 5, que mostrou a saída de Leandro do grupo, antes da conclusão dos trabalhos, poder-
se-ia pensar que ele teria o mesmo comportamento na tarefa de ampliação do tangram. No
entanto, não foi o que ocorreu. Nesta última tarefa, Leandro participou ativamente, como
descrito na seção 5.2.
Por que isso pode ter ocorrido, fazendo uma análise a partir dos motivos?
O motivo disparador cumprir o papel de aluno realizando a tarefa incitou o início
da participação de Leandro, em ambas as tarefas. Contudo, na tarefa sobre planos de telefonia
celular, este motivo não foi capaz de mantê-lo colaborando com os colegas e ele saiu. O
motivo perdeu poder.
167
“Eu também era daqueles alunos que pensava assim ... pra que eu tô usando isso ai? Ai,
depois veio aquela do celular e eu entendi mais ou menos porque que a gente tava fazendo
aquilo... porque tipo assim, às vezes você tinha um plano do jeito que você queria mas você
podia achar um mais barato, dependendo da quantidade... aí vi que você pode usar no dia a
dia, igual todo mundo falou assim”.
Esta resposta reflete claramente o pensamento que Leandro desejava expor: o fato de
que o seu motivo para participação nas tarefas tinha relação com a utilidade da Matemática no
cotidiano. Entretanto, seu comportamento foi no caminho inverso. Da tarefa que ele julgou
como aquela na qual ele adquiriria conhecimento útil para o seu cotidiano, ele se retirou. A
tarefa com o tangram nem foi citada por ele na entrevista, embora ela já tivesse ocorrido.
Talvez porque ele não a percebesse como útil para o cotidiano. Mas ele se envolveu em seu
processo, do início ao fim.
168
Dessa forma, Leandro não pareceu considerar, de fato, que temas em que a
Matemática seja útil, se tornem motivo para seu envolvimento. Ou que, saber escolher planos
de telefonia celular não seja de utilidade para o cotidiano.
Sendo assim, penso que a utilidade da Matemática no cotidiano não tenha sido
motivo periférico para Leandro. A sua resposta sobre a importância da Matemática no
cotidiano é reflexo, também, das apropriações do significado social desta disciplina. Mesmo
admitindo suas dificuldades com a Matemática, Leandro assume sua necessidade na vida:
“Se a pessoa não souber um pouco de Matemática ela vai ser um pouco tapada”.
“se eu ver que o salário, a remuneração do curso que eu tenho está muito alta e se eu fizer
um curso superior não vai fazer muita diferença, vou continuar fazendo o técnico. Vou ver
como é que é primeiro”.
sentidos tinham relação com o compromisso implícito, assumido com sua mãe, que trabalhava
para mantê-lo, vencer um desafio e aprender algo que pudesse ajudá-lo no futuro profissional.
Pesquisador: Você estava ali, sentado com os meninos. Se você tivesse a opção de sair...
Aliás, você tinha esta opção ...(Gabriel não espera que eu termine a minha fala).
Gabriel: Eu acho que tipo... eu queria ficar lá, mas não tava muito afim de fazer... eu fiquei
mais porque depois acontecia alguma coisa legal aí fazia eu me interessar. Aí eu fiquei mais
por isso.
Pesquisador: Mas você participava porque você pensava: uau, esta atividade é muito legal
ou você optaria, se você tivesse que marcar (supondo que esta afirmativa estivesse no
questionário): não, eu participava porque eu ficava sem graça de não participar porque eu
estou na sala de aula?
Gabriel: Acho que a segunda opção. (risos)
Estas falas de Gabriel são muito importantes porque mostram dois dos motivos que o
fariam participar ou, no mínimo, permanecer ali durante a tarefa investigativa. Um deles era a
expectativa de que algo interessante ocorresse. Por outro lado isso mostra, também, que
nenhuma das propostas apresentadas para investigação foi interessante, ou, se tornou
170
interessante para ele durante o processo. Isso evidencia que a escolha do tema e a estruturação
da atividade influenciam os motivos. Outro motivo era manter uma boa imagem de
estudante e, talvez, evitar julgamentos do pesquisador, dos colegas e da professora, como
alguém que não participa. No entanto, este foi um motivo que o manteve no grupo, mas não
foi um motivo que o fez se envolver.
No caso de Gabriel, o motivo gostar de Matemática não existia. Mas porque Gabriel
não gostava dessa disciplina?
A Matemática na vida acadêmica de Gabriel sempre foi um desafio porque ele não
gostava da disciplina. Na segunda entrevista, ele disse: “eu não sou muito bom em
Matemática”. Ele tinha muitos problemas nesta área e havia sido reprovado duas vezes. Seu
sentimento de rejeição à escola, mais do que à Matemática, era explícito. Ele tinha raiva da
escola, afirmava isso e não parecia querer fazer parte dela:
“É que tipo, eu repeti de ano lá. Aí você fica com raiva da escola”.
As suas apropriações sobre quem era ele, no papel de aluno, parecem não ter sido boas
neste ambiente. Gabriel era muito tímido e talvez isso, associado à suas experiências de
insucesso, o desestimulasse a participar:
Gabriel atribuiu a essa afirmativa o número 2, que significava o seguinte: para ele, o
que se aprende nas tarefas é muito importante para o futuro profissional. Mas em que aspecto,
exatamente, deste futuro profissional? Solicitado a justificar esta nota ele disse:
“É porque tipo, ninguém quer ser pobre. Aí, pra mim, tipo, ser rico e tal eu vou ter que
estudar, mesmo que eu não goste daquilo e tal, vou ter que me dedicar de qualquer jeito”.
“eu quero formar aqui primeiro (na escola técnica). Depois fazer estágio, trabalhar um
tempo como técnico, ver se eu gosto. Se eu não gostar vou procurar entrar numa boa
faculdade, formar e começar a trabalhar depois”.
“eu não sou muito bom em Matemática, mas [...] se eu tiver que escolher entre fazer exatas,
humanas, esses negócios, eu acho que eu vou me dar melhor em exatas”.
Em outro, disse que talvez estudasse Educação Física porque estava ‘malhando’ em
uma academia, e estava gostando.
As falas de Gabriel não eram coerentes. O poder que ele atribuía à Matemática, como
algo que poderia fazê-lo ter sucesso profissional e financeiro, parecia direcioná-lo para um
curso na área de Ciências Exatas, caso fosse para a universidade. Mas isso entra em conflito
com o ‘não gostar’ de Matemática e a escolha por algo que possa lhe dar mais prazer, que é
cursar Educação Física.
Embora Gabriel atribuísse à Matemática o poder de ser útil nos seus planos
profissionais futuros, isso não foi capaz de fazê-lo se envolver na investigação. Portanto, não
foi um motivo para ele. Nem tampouco a utilidade da Matemática no cotidiano.
172
6.8 Finalizando
Apropriações
Apropriações mediando
mediando motivos Camadas de motivos
motivos
Atividade investigativa
O QUE FICA?/DESDOBRAMENTOS
Esta pesquisa procurou estudar os motivos dos alunos para participação em atividades
investigativas matemáticas, em ambientes denominados cenários para investigação.
Atividades de aprendizagem, dentre as quais poderíamos incluir atividades de investigação
Matemática, estão inseridas em um amplo contexto social que não pode ser ignorado quando
vamos estudá-las. Isto significa que os motivos nelas envolvidos, também sofrem influência
deste contexto.
Nesse sentido, optei por teorias que defendem a importância do entorno social na vida
das pessoas. Como referencial teórico metodológico, a Teoria da Atividade foi escolhida, uma
vez que vincula o desenvolvimento do homem às apropriações que ocorrem nas relações
sociais das quais ele participa.
Nesta teoria, motivo é compreendido como aquilo que move o sujeito rumo ao objeto
da atividade. Pensando nisso, o principal objetivo desta tese foi verificar Os resultados
mostraram que há situações em que o envolvimento do aluno em cenários para investigação
matemática, pode ter como motivo, ou como um dos motivos, algo que se aproxime do objeto
da atividade. Acredito que isto tenha ocorrido com Paulo, Lauro e Leandro, com este, mais
especificamente, na tarefa com o tangram. No entanto, não posso afirmar que isto sempre vá
ocorrer. Um aluno pode envolver-se em um cenário para investigação e guiar-se por um
motivo sem aproximação com o objeto.
Os resultados mostraram que há situações em que o envolvimento do aluno em
cenários para investigação matemática, pode ter como motivo, ou como um dos motivos, algo
que se aproxime do objeto da atividade. Acredito que isto tenha ocorrido com Paulo, Lauro e
Leandro 66 quando, em alguma medida, a própria tarefa tornou-se um dos motivos para o
envolvimento. No entanto, não posso afirmar que isto sempre ocorrerá. Um aluno pode
envolver-se em um cenário para investigação e guiar-se por um motivo sem aproximação com
o objeto.
Um objetivo específico, que deve ser destacado, foi a caracterização de envolvimento,
em cenários para investigação. O envolvimento vai ocorrer quando o aluno aceitar o convite
para participação nos cenários, ou seja, quando ele assumir a postura de investigador.
66
No caso de Leandro, esta isto parece ter ocorrido na tarefa com o tangram.
175
O aluno parece agir, guiado pelas apropriações de discursos sociais que ocorrem
dentro das atividades das quais faz parte. A voz dele mesmo aparece muito pouco. Há, aí, uma
ruptura, entre o que deveria ser o significado social da Matemática e o sentido pessoal que o
aluno atribui a ela.
Farei uma breve discussão sobre esta ruptura, que considero pertinente neste
momento. No entanto, acredito que seja um tema interessante para estudos futuros.
Leontiev (1978b) considera que a ruptura entre significado social e sentido pessoal,
aliena a consciência humana, impedindo que o indivíduo se desenvolva de forma plena.
Entretanto, os alunos não têm consciência dessa ruptura e consequente prejuízo à sua
formação. Eles estão inseridos em um mundo e, dentro dele, “são expostos a constante
bombardeio de informações vindas de múltiplas fontes, particularmente da cultura popular e
dos meios de comunicação” (ENGESTRӦM, 2002, p. 192). Este bombardeio de informações,
certamente influenciará os alunos em seus motivos e sentidos pessoais, contribuindo para esta
situação de alienação.
Duarte (2004) faz uma análise interessante sobre o processo de alienação da atividade
de trabalho na atual sociedade capitalista, utilizando o exemplo dado por Leontiev (1978b), no
qual um operário trabalha pelo salário e não para satisfazer uma necessidade da sociedade. No
exemplo, o autor considera que o significado social da atividade do operário é produzir
tecidos para a sociedade e este deveria ser seu sentido pessoal. No entanto, isso não ocorre,
porque seu sentido pessoal é o salário que ele irá receber ao final, pela sua produção. A sua
atividade é, então, uma atividade alienada. Após este exemplo, Duarte considera que, para ele,
a ruptura entre o significado social e o sentido pessoal não ocorre só para o operário. Ela
ocorre para a sociedade, de forma geral. O exemplo utilizado pelo autor é bastante ilustrativo.
O sentido pessoal que o trabalho tem para o operário é consequência direta do sentido
que ele tem para a sociedade. Do ponto de vista social, esta ruptura entre sentido e significado
177
pode gerar consequências desastrosas para a população e para o ambiente. Do ponto de vista
do indivíduo, gera o cerceamento do processo que o faz se desenvolver como ser humano
(DUARTE, 2004).
Como a escola está inserida no contexto social, é natural que ela sofra as
consequências desta condição. Quando um aluno é aprovado para ingressar em uma escola ou
universidade, muito da comemoração em torno desta conquista está relacionado à
possibilidade de um bom emprego futuro e consequente ganho de dinheiro. A construção de
escolas, realizada por alguns políticos tem por trás, muitas vezes, interesses muito diferentes
daquele que se deveria ter: oferecer educação de qualidade às pessoas. O sentido da escola
passou a ser de um local onde o aluno será preparado para o mercado de trabalho e não mais
como um local para onde ele vai com intuito de aprender e se desenvolver.
Há, na escola, também, uma ruptura entre o que ela deveria representar e o que ela
realmente representa para a sociedade. Só para lembrar, todos os alunos disseram que uma das
razões dos pais para colocá-los naquela escola, tinha relação com a passagem direta para o
curso técnico.
Podemos levar esta discussão um pouco mais adiante e especificamente em relação à
Matemática. A ruptura entre sentido e significado da Matemática está clara em algumas
respostas dos alunos. Para ilustrar, trago alguns excertos:
Gabriel: “É porque tipo, ninguém quer ser pobre. Aí, pra mim, tipo, ser rico e tal eu vou ter
que estudar, mesmo que eu não goste daquilo e tal, vou ter que me dedicar de qualquer
jeito”67.
67
Esta resposta foi dada por Gabriel na segunda entrevista. A minha pergunta tinha relação com duas de suas
respostas ao questionário. Nele, Gabriel colocou a nota 0 para a afirmativa ‘eu adoro Matemática’ e a nota 2 para
a afirmativa ‘porque vou aprender mais conteúdos matemáticos e isso é importante para meu futuro
profissional’, para justificar porque ele se envolvia em atividades como aquela que propus. A pergunta era a
seguinte:
Pesquisador: Mas é estranho. Você colocou: porque eu adoro Matemática, zero. Significa que você não gosta de
Matemática. Mas lá embaixo você colocou 2: porque vou aprender mais conteúdos matemáticos e isso é
importante para o meu futuro profissional. Como você me explica isso: de não gostar de Matemática, mas ao
mesmo tempo querer aprender Matemática?
178
Leandro: “Administração de empresas. Meus interesses são os seguintes: eu queria ter uma
empresa. Eu queria comandar a empresa, mas para tudo você precisa saber alguma coisa.
Administração é exatas, eu não vou conseguir fugir da Matemática. A minha preocupação é
esta: dar alguma coisa para a minha mãe”. (Leandro falava sobre planos futuros)
Por que ocorre esta ruptura? Como vimos, Duarte (2004) considera que o sentido
pessoal que o trabalho tem para o operário é consequência direta do sentido que ele tem para a
sociedade. Adaptando esta ideia para a Matemática, podemos pensar que o sentido que o
aluno tem da Matemática é consequência do sentido que ela tem para a sociedade. Este
sentido está tão fortemente internalizado, que parece ser o próprio significado social da
Matemática: uma ciência que pode proporcionar ao indivíduo um desenvolvimento
intelectual.
Os alunos não estavam no momento de irem para o mercado de trabalho. Contudo,
suas respostas já mostravam uma preocupação com esta questão, mesmo que isso não fosse
muito forte no momento da atividade de investigação. Como analisei, era mais uma
reprodução do discurso sobre o significado social da Matemática, mas isso terá um efeito no
futuro, quando estes alunos estiverem no momento de ingressar no mercado. Nesta época, eles
poderão realmente evocar a Matemática como algo fundamental para seu sucesso. De onde
vem este poder atribuído à Matemática?
Esta ciência é considerada pela maioria das pessoas como perfeita e exata, livre de
quaisquer julgamentos. Se algo foi provado matematicamente, não pode ser passível de
dúvidas. De acordo com Borba e Skovsmose (2010, p. 129) “frases como ‘foi provado
matematicamente’, ‘os números expressam a verdade’, ‘os números falam por si mesmos’, ‘as
equações mostram que’ são frequentemente usadas na mídia e nas escolas” e colocam em
relevo a importância dada à Matemática. Esse conjunto de crenças que dão à Matemática o
poder de conter o argumento definitivo e inquestionável, é denominado por Borba e
Skovsmose (2010) de ideologia da certeza.
Essas crenças, que compõem tal ideologia, ajudam a reforçar essa visão da
Matemática, transformando-a numa linguagem de poder. E, quando disseminadas, ajudam na
ruptura da qual tratei acima, entre sentido e significado da Matemática. A meu ver, as crenças
embutidas na ideologia da certeza passam a fazer parte do sentido que a Matemática tem para
a sociedade, que passa a ser o sentido que tem para os alunos.
Como a Matemática é considerada “relevante e confiável, porque pode ser aplicada a
todos os tipos de problemas reais” (BORBA; SKOVSMOSE, 2010, p. 131), muitas pessoas
179
acreditam que, sabendo Matemática, suas vidas serão melhores. Na sala de aula, a Matemática
faz parte de um mundo platônico, no qual ela é soberana, exata e resolve tudo. Como
desdobramento destas crenças, penso que outras surgem, como aquela que atribui à
Matemática a capacidade de garantir bons empregos e ganhos financeiros (basta lembrar das
respostas dadas pelos alunos).
Naturalmente, não estou negando a importância da Matemática na sociedade moderna.
Sabemos que ela é importante e, em alguns casos, motor de desenvolvimento. O que devemos
ter é uma postura crítica diante desta situação. O educador matemático com uma perspectiva
crítica poderia lutar, junto a seus alunos, contra ideias como: um argumento matemático é o
fim da história; um argumento matemático é superior por sua própria natureza (BORBA;
SKOVSMOSE, 2010). Desta forma, ele estaria combatendo as crenças que, juntas, compõem
a ideologia da certeza.
Quando propus aos alunos as tarefas investigativas, havia esta intenção também. A
turma já tinha tido experiências com investigação em sala de aula e minha ideia era colocar
em relevo esta prática, de modo que os exercícios, por exemplo, não tivessem uma única
resposta ou um único caminho para sua solução. Entretanto, tinha interesse também, em
promover algo que pudesse levar os alunos a perceberem a Matemática de uma forma mais
crítica, ajudando-os a questionar/decidir sobre situações simuladas da realidade.
Em síntese, a ideia era provocar uma perturbação em uma atividade para perceber
como os alunos reagiriam. No entanto, com os dados em mãos, fui percebendo a ruptura da
qual tratei acima, como uma contradição dentro da atividade dos alunos.
Contradições internas em um sistema de atividades podem funcionar como fontes de
mudanças e desenvolvimento neste sistema (ENGESTRӦM, 2001). As contradições são
interpretadas de várias formas: “contradições são tensões estruturais historicamente
acumuladas dentro e entre sistemas de atividades 68 ” (ENGESTRӦM, ibidem, p. 137);
“Tensão, o contraste, a negação ou oposição entre duas proposições 69 ” (MURPHY &
RODRIGUEZ-MANZANARES, 2008, p. 445). “Problemas, rupturas, quebras, confrontos em
atividades70” (KUUTTI, 1996, apud MURPHY& RODRIGUEZ-MANZANARES, 2008, p.
445), para citar alguns exemplos.
De forma geral, a existência de contradições é até desejável, já que seu enfrentamento
pode mover a atividade. Ela acaba sendo um motor para mudanças. Se a contradição já está
68
Tradução para: contradictions are historically accumulating structural tensions within and between activity
systems.
69
Tradução para: tension, contrast, denial, or opposition between two propositions.
70
Tradução para: problems, ruptures, breakdowns, clashes in activities.
180
instalada e algum sujeito, ou grupo de sujeitos, decide que algumas de suas ações serão em
favor de superar esta contradição, isso pode desestabilizar a estrutura da atividade. Se a
contradição é resolvida, uma nova configuração da atividade se instaura.
No meu modo de entender e adotando a compreensão de Kuutti (1996) para
contradição (citada acima), entendo que a ruptura percebida entre sentido e significado da
Matemática, nas falas dos alunos, configura-se como uma contradição que possui uma longa
história e afeta o seu desenvolvimento na escola. Como vimos, esta contradição, embora
interna à atividade dos alunos na escola, tem suas raízes na significação que a sociedade dá à
Matemática e que, em boa medida, tem na ideologia da certeza uma de suas causas. A
atividade dos alunos da escola, inclui a atividade de investigação. É uma cadeia de atividades
entrelaçadas.
Inicialmente, contudo, a percepção desta ruptura não havia ocorrido. Isto só se deu
após analisar as respostas dos alunos às entrevistas. No início, a ideia subjacente às propostas
que fiz para as investigações em sala de aula era perturbar a forma como os alunos estavam
trabalhando nesse espaço, com propostas investigativas.
A necessidade de saber sobre os motivos dos alunos para a participação em tarefas
investigativas, se tornou motivo para minha pesquisa. No meio do caminho, percebi a ruptura
existente entre o significado social e o sentido pessoal dos alunos para aquilo que propus.
Minhas ações, embora não intencionalmente, fizeram emergir elementos que mostraram,
claramente, esta situação.
Acredito que o aceite dos alunos não se configurava, necessariamente, como um aceite
ao envolvimento na atividade, em busca de desenvolvimento intelectual. Entretanto, em
alguns casos, isto pode ter ocorrido. No caso de Leandro, na atividade com o tangran e, nos
casos de Paulo e Lauro, na atividade sobre planos de telefonia celular. Então, nesse sentido, as
atividades investigativas podem ter papel importante na tentativa de amenizar esta
contradição, esta ruptura entre sentido e significado da Matemática. Isso não informa que as
atividades investigativas sejam a única alternativa para tratar desta contradição. Ela é uma
possibilidade a ser tentada.
Ainda assim, devemos lembrar que os alunos podem não aceitar o convite, ou seja,
podem não se envolver. Isto pode indicar muitas coisas. Uma delas é que a proposta, que pode
ter sido aceita no início por um motivo disparador, não consiga sustentar a participação do
aluno, e os motivos perdem sua força. O aluno não enxerga a necessidade de vencer um
desafio ou este desafio nem surge para ele (Gabriel ficou esperando algo interessante ocorrer),
por exemplo. Outra, é que, como as atividades investigativas não estão isentas da influência
181
de outras atividades, pode acontecer de uma apropriação ocorrida em uma delas, ser tão
importante, que impede, ou inibe. a participação do aluno.
Um exemplo pode ser Gabriel. A significação do outro para ele, que foi o que ele
internalizou em relação às suas capacidades, parece ter sido muito forte. Acredito que, para
Gabriel, a escola o excluíra, ao reprová-lo. Parece ter sido uma marca muito forte que, nada
que se relacionasse a ela, mesmo sendo proposta por outra pessoa que não estava ali
normalmente, o movia.
De qualquer forma, ações com o objetivo de enfrentar esta contradição da atividade de
aprendizagem Matemática, são bem vindas. E isso pode ser discutido mais profundamente em
estudos futuros.
Na presente pesquisa, meus esforços foram no sentido de estudar os motivos dos
alunos para envolvimento em atividades investigativas e verificar possíveis aproximações
destes motivos, com os objetos destas atividades. A análise foi fortemente guiada pela minha
compreensão de que os motivos são influenciados pela situação social de desenvolvimento
das pessoas. Mas esta é apenas uma das muitas formas de se estudar os motivos. Na
perspectiva histórico-cultural, poderíamos associar motivos a outros conceitos importantes,
como identidade social, interesse, desejo, cultura, além de podermos explorar seu estudo entre
alunos de outras faixas etárias.
182
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191
ANEXO A
Termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE)
192
ANEXO B
ANEXO C
Tarefa de ampliação/redução do tangram
197
ANEXO D
Tangram ampliado
198
ANEXO E
Questionário
199
APÊNDICE A
Conta de luz
71
Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/ideias/noticia/2012/08/por-que-luz-e-tao-cara.html. Último
acesso: 25 de setembro de 2012, às 16:52.
72
Disponível em: http://exame.abril.com.br/meio-ambiente-e-energia/energia/noticias/por-que-a-energia-custa-
tao-caro-no-brasil. Último acesso: 25 de setembro de 2012, às 17:06.
200
e) Se toda essa economia fosse poupada todos os meses, durante 1 ano, seria
suficiente para pagar quantas contas de luz, supondo o mesmo consumo da conta
fornecida?
73
O ICMS é recolhido pela CEMIG e vai para o Estado. O PASEP e o COFINS vão para o Governo
Federal.
202
f) Se a escolha fosse individual, você teria escolhido qual tema? Por que? (Cada
aluno do grupo deve escrever sua resposta pessoal).
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________
g) Por que o grupo escolheu este tema?
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
________________
203
APÊNDICE B
SEMELHANÇA DE TRIÂNGULOS
2) Numa plantação de melancia, foi instalada uma rede de irrigação conforme representado na
figura. A medida total do comprimento dos dutos utilizados para construir essa rede foi de
quantos metros?
Se a escolha do tema fosse individual, qual tema você teria escolhido? Cada membro do grupo
deve escrever sua resposta. (Se necessário utilize o verso da folha)
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Por que esta foi a escolha final do grupo? (Se necessário utilize o verso da folha).
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________