Violence">
Relatório Direitos Humanos - Casamento Forçado - Mariana Mota
Relatório Direitos Humanos - Casamento Forçado - Mariana Mota
Relatório Direitos Humanos - Casamento Forçado - Mariana Mota
SIGLAS OU ABREVIATURAS
Al. – Alínea
CPE – Código Penal Espanhol
Art.º – Artigo
CP – Código Penal
CRP – Constituição da República Portuguesa
StGB – Strafgesetzbuch (Código Penal Alemão)
DL – Decreto-Lei
N.º - Número
P. – Página
ONU – Organização das Nações Unidas
Supra - «acima»
(MGF) – Mutilação Genital Feminina
AMIC – Associação dos Amigos das Crianças
UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância
UNFPA – Fundo de População das Nações Unidas
3
Índice
Capítulo II: O Casamento Forçado como Violação dos Direitos Humanos .......... 9
1. A autonomização do crime do casamento forçado ........................................... 9
2. Diferenciação entre casamentos forçados, casamentos combinados ou
arranjados, casamentos por conveniência e casamentos infantis ou precoces 12
2.1 Casamento arranjado ou combinado ............................................................ 12
2.2 Casamentos por Conveniência ....................................................................... 13
2.3 Casamento Infantil ou Precoce ...................................................................... 14
2.4 A punibilidade do casamento infantil na comunidade internacional ......... 17
3. Países com maior incidência de Casamentos Forçados Infantis ou Precoces
................................................................................................................................. 19
Abstract With the present paper, the main goal is to address one of the crimes
against personal liberty, namely the crime of forced marriage.
The present paper is divided in four chapters, Chapter I refers to the
creation of the legal type of crime of forced marriage in the Portuguese
legal system. Chapter II discusses the notion of forced marriage along
with the differentiation between forced marriage, marriage of
convenience, arranged or arranged marriage and early or child marriage.
The final part of Chapter II is reserved for child marriage, how child
marriage is a practice that violates the human rights of minors, and which
countries have the highest rate of child marriage.
Finally, in Chapter III, a legal comparison is made between different legal
systems, namely Spanish, Dutch and German law, in order to understand
how these legal systems, punish the practice of forced marriage.
Considerações Iniciais
1
BARBOSA RODRIGUES, Luís, “Manual de Direitos Fundamentais e de Direitos Humanos” Editor:
Quid Iuris, 2021, p.16.
2
BARBOSA RODRIGUES, Luís, “Manual de Direitos Fundamentais e de Direitos Humanos” Editor:
Quid Iuris, 2021, p.29.
3
MIRANDA, Jorge, “Manual de Direito Constitucional”, Tomo IV, p.91;
7
De acordo com o Código Penal, o casamento forçado é considerado uma forma de coação
e pode ser punido com pena de prisão dependendo da gravidade, que pode chegar a até 5
anos de prisão. A tentativa é punível (arts. 22º e 23º CP), assim como os atos preparatórios
(art. 154º -C do CP).
4
Lei nº 83/2015 de 5 de Agosto, In:
https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?tabela=leis&nid=2381&pagina=1&ficha=1
(Consultado a 18/12/2022)
8
Por sua vez, a Convenção de Istambul, foi adotada em 2011 e entrou em vigor em
Portugal em 2014, é um tratado internacional da ONU, a Convenção considerou o
casamento forçado como uma forma de violência contra as mulheres. A violência contra
as mulheres constitui uma violação grave dos direitos humanos, e a Convenção de
Istambul visa proteger as mulheres, contra todos os atos de violência de género que
resultem, ou possam resultar, em “danos ou sofrimentos físicos, sexuais, psicológicos ou
económicos para as mulheres, incluindo a ameaça de tais atos, a coação ou a privação
arbitrária da liberdade, tanto na vida pública como na vida privada.”5
Foi precisamente através da Lei nº 83/2015, de 5 de agosto e juntamente com o
art.º 37º da Convenção de Istambul6 que foi criado o tipo legal de crime do casamento
forçado em Portugal. Surgiu neste propósito a necessidade de criar alíneas específicas no
artigo 154º do Código Penal que punissem o casamento forçado como um crime
autónomo, neste contexto surgiram as alíneas -B e -C do artigo 154º do CP.
A alínea -B, visa a punibilidade de até 5 anos de prisão de quem constranger outra pessoa
a contrair casamento ou união equiparáveis, por outro lado, a alínea -C visa a punibilidade
dos atos preparatórios do crime do casamento forçado. Verificamos assim uma
autonomização em relação ao crime (geral) da coação, do ato de forçar outra pessoa a
casar ou a viver em união de facto.
O artigo 37º da Convenção de Istambul requer que os Estados-Parte tomem
medidas eficazes para prevenir e proteger as mulheres contra o casamento forçado e que
os mesmos devem garantir que nenhuma forma de discriminação seja perpetuada contra
as mulheres em relação ao casamento. Este artigo indica-nos no nº1 que “As partes
deverão adotar as medidas legislativas ou outras que se revelem necessárias para
assegurar a criminalização da conduta de quem intencionalmente forçar um adulto ou
uma criança a contrair matrimónio”7 e o nº2 indica-nos de que “As partes deverão adotar
5
Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres - “Convenção de Istambul” In:
https://plataformamulheres.org.pt/artigos/direitos-humanos/convencao-istambul/
6
Convenção de Istambul, Artigo 37º - “Casamento Forçado”:
«nº1: “As Partes tomarão as medidas legislativas ou outras necessárias para assegurar a criminalização da
conduta intencional de forçar um adulto ou criança a contrair matrimónio.”»
«nº2: “As Partes tomarão as medidas legislativas ou outras necessárias para assegurar a criminalização do
acto intencional de enganar uma criança ou adulto a fim de o levar do território de uma Parte ou Estado
onde reside para outro com o objetivo de forçar essa criança ou adulto a contrair matrimónio.” In:
https://earhvd.sg.mai.gov.pt/LegislacaoDocumentacao/Documents/Convention%20210%20Portuguese.pd
f (Consultado a 18/12/2022)
7
Convenção de Istambul, Artigo 37º nº1 – “Casamento Forçado”. In:
https://earhvd.sg.mai.gov.pt/LegislacaoDocumentacao/Documents/Convention%20210%20Portuguese.pd
f (Consultado a 18/12/2022)
9
Em 2015, surgiram em Portugal três novos crimes sendo eles: “Mutilação genital
feminina”, “Perseguição (ou stalking)” e o “Casamento forçado” – respetivamente dos
artigos 144º A) a 154º B) do Código Penal, que foram introduzidos pela Lei n.º 83/2015,
de 5 de agosto. De certo modo, pode dizer-se que na sua base está a Convenção de
Istambul – Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência
Contra as Mulheres e a Violência Doméstica, ratificada por Portugal a 21 de janeiro de
2013, e que passou a vigorar a 1 de agosto de 2014.
Aqui chegados, é necessário fazer a diferenciação de cada um destes crimes, visto que
todos eles foram autonomizados.
O crime de “Mutilação genital feminina” (MGF)9 é o corte ou remoção deliberada da
genitália feminina. O que está aqui em causa, é o bem jurídico da integridade física de
8
Convenção de Istambul, Artigo 37º nº2 – “Casamento Forçado”. In:
https://earhvd.sg.mai.gov.pt/LegislacaoDocumentacao/Documents/Convention%20210%20Portuguese.pd
f (Consultado a 18/12/2022)
9
Artigo 144º do Código Penal - A: Mutilação genital feminina: «1 - Quem mutilar genitalmente, total
ou parcialmente, pessoa do sexo feminino através de clitoridectomia, de infibulação, de excisão ou de
qualquer outra prática lesiva do aparelho genital feminino por razões não médicas é punido com pena de
prisão de 2 a 10 anos. 2 - Os atos preparatórios do crime previsto no número anterior são punidos com
pena de prisão até 3 anos.»
10
uma mulher que tem como objeto específico o aparelho genital feminino, este tipo de
crime, está inserido nos crimes contra a ofensa à integridade física.
Infelizmente, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), atualmente, o
sofrimento da mutilação genital feminina é uma realidade para cerca de 200 milhões de
mulheres e meninas. A ONU impugnou que o dia 6 de fevereiro10 fosse marcado como o
Dia Internacional da Tolerância Zero para a Mutilação Genital Feminina, o objetivo desta
data é de combater a mutilação genital feminina, uma prática que afeta cerca de 8 mil
mulheres por dia, e que é uma clara violação dos direitos humanos.
O crime de perseguição11 (ou stalking), preenche um tipo legal de crime de crimes
contra a liberdade pessoal. O bem jurídico protegido é a paz pessoal como a liberdade de
decisão e ação. Consiste na prática de perseguição ou assédio reiterados,
independentemente do meio usado, mas que seja adequado a provocar medo ou
inquietação ou a prejudicial a liberdade de ação da pessoa.
Marlene Matos e Helena Grangeia12 definem stalking como sendo uma “modalidade
de vitimização que corresponde à experiência de alguém que é alvo, por parte de outra
pessoa de comportamentos de perseguição, intimidação, ameaça e/ou contactos e
comunicações indesejadas, de forma continuada e persistente”.
E finalmente, o casamento forçado, este crime está tipificado no artigo 154º-B do
Código Penal (CP) e é considerado um crime contra o contra o direito à liberdade pessoal
(27º da CRP), contra o direito à integridade pessoal (artigo 25º CRP) e contra o direito ao
desenvolvimento pessoal (artigo 26º CRP).
O direito à liberdade pessoal, está previsto no artigo 27º do CRP e pressupõe que todos
os cidadãos têm o direito à liberdade física, sexual e à liberdade de movimentos, ou seja,
ao direito de não ser fisicamente impedido ou constrangido por parte de outrem13, também
refere que os cidadãos possuem a proteção do Estado contra os atentados contra a
liberdade.
O direito à integridade pessoal, abrange duas componentes, a integridade moral e a
10
Nações Unidas, Centro Regional de Informação para a Europa Ocidental – Dias Internacionais. In:
https://unric.org/pt/dias-internacionais/
11
Artigo 154º do Código Penal - Coação: «1 - Quem, por meio de violência ou de ameaça com mal
importante, constranger outra pessoa a uma ação ou omissão, ou a suportar uma atividade, é punido com
pena de prisão até três anos ou com pena de multa.»
12
MARLENE MATOS e HELENA GRANGEIA: “Vitimização por stalking: Preditores do medo -
Análise Psicológica (2012)”, XXX (1-2): 161-176
13
GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “Constituição da República Portuguesa Anotada,
Artigos 1º a 107º”, Vol. I, Coimbra Editora, p.478.
11
integridade física, de cada pessoa. Consiste primeiro que tudo, num direito a não ser
agredido ou ofendido, no corpo ou no espírito, por meios físicos ou morais. Sendo um
direito organicamente ligado à defesa da pessoa enquanto tal.14 A Constituição protege
este direito no artigo 25º nº1, considerando este direito inviolável, mas o Código Penal
também proporciona proteção absoluta sobre este direito nos artigos 143º e seguintes.
O direito ao desenvolvimento da personalidade, por sua vez, segundo os Doutores
Gomes Canotilho e Vital Moreira, este direito pressupõe, como elementos nucleares: a
possibilidade de «interiorização autónomo» da pessoa ou o direito a «autoafirmação» em
relação a si mesmo, contra quaisquer imposições heterónomas (de terceiros ou de poderes
públicos), o direito a autoexposição na interação com os outros e o direito à criação ou
aperfeiçoamento de pressupostos indispensáveis ao desenvolvimento da personalidade
(direito à educação e cultura, direito a condições indispensáveis à ressocialização, direito
ao conhecimento da paternidade e maternidade biológica).15
A prática do casamento forçado é punível a partir do momento em que existe uma
pessoa a forçar outra pessoa a contrair casamento ou união equiparável ao casamento sem
o seu livre consentimento. Quando nos referimos a “forçar outra pessoa a contrair
casamento” referimo-nos aos meios utilizados para forçar a pessoa a casar-se contra a sua
própria vontade, esses meios são normalmente a coação, a ameaça ou a violência.
A violência ou ameaça com mal importante pode ser física ou psíquica e podem dirigir-
se diretamente ao coagido afetando assim a sua liberdade de decisão e de ação. A ameaça
deverá ser sempre considerada como “como mal importante” (conceito mais abrangente
e que caberá definir face a cada caso concreto)16.
Mário Ferreira Monte17 , define que “quando alguém é forçado a casar, contra a sua
vontade, ou com alguém contra o seu gosto, ou simplesmente a viver com outra pessoa
num estado equiparável ao casamento, naturalmente que, para além de ser ilegal, tal
casamento ou união de facto putativos são eticamente censuráveis”
Mário Ferreira Monte, considera que “existem três situações que serão, do ponto de
14
GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “Constituição da República Portuguesa Anotada,
Artigos 1º a 107º”, Vol. I, Coimbra Editora, p.454.
15
GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “Constituição da República Portuguesa Anotada,
Artigos 1º a 107º”, Vol. I, Coimbra Editora, p.464.
16
CUNHA, Maria da Conceição: Os crimes contra as pessoas, 2ª edição, p.125
17
MONTE, Mário Ferreira – «Mutilação genital, perseguição (stalking) e casamento forçado: novos
temas, novos crimes», julgar, nº 28 de abril de 2016, pp.75-88.
12
Como Mário Ferreira Monte, refere existem precisamente três situações relacionadas
com o casamento forçado, estas práticas diferem-se umas das outras, no entanto, estão
todas conectadas entre si, sendo elas, o casamento combinado ou arranjado, casamento
por conveniência e casamentos infantis ou precoces.
18
MONTE, Mário Ferreira – «Mutilação genital, perseguição (stalking) e casamento forçado: novos
temas, novos crimes», Julgar, nº 28 de abril de 2016, p-81. In: http://julgar.pt/wp-
content/uploads/2016/01/04-Novos-crimes-2015-M%C3%A1rio-F-Monte.pdf
19
MONTE, Mário Ferreira – «Mutilação genital, perseguição (stalking) e casamento forçado: novos
temas, novos crimes», Julgar, nº 28 de abril de 2016, pp.75-88. In: http://julgar.pt/wp-
content/uploads/2016/01/04-Novos-crimes-2015-M%C3%A1rio-F-Monte.pdf
20
SIGMA HUDA, Report of the special rapporteur; In:
https://www.ohchr.org/en/statements/2009/10/united-nations-human-rights-special-rapporteur-expresses-
concern-sigma-hudas
13
21
Fábio Martins: “"Indian Matchmaking" da Netflix mostra como são os casamentos "arranjados" na
Índia. Como é em Portugal?”, sapo, 14 de Agosto de 2021. In: https://magg.sapo.pt/atualidade/atualidade-
nacional/artigos/indian-matchmaking-netflix-casamentos-arranjados-em-portugal
14
se que este tipo de casamentos, à luz do nosso código civil português denominam-se por
casamentos simulados. Já são praticados há vários anos, e estes também são denominados
por “casamentos brancos” porque servem para adquirir documentos que habilitam um
individuo a residir num País diferente da sua origem e a vir adquiri nacionalidade do
respetivo País.
Em Portugal, a criminalização dos casamentos por conveniência entrou em vigor em julho
de 2007 com a Lei nº 23/2007, no artigo 186º, que dispõe: “1 — Quem contrair casamento
ou viver em união de facto com o único objetivo de proporcionar a obtenção ou de obter
um visto, uma autorização de residência ou um «cartão azul UE» ou defraudar a legislação
vigente em matéria de aquisição da nacionalidade é punido com pena de prisão de um a
cinco anos.”22
Na União Europeia, o casamento por conveniência é considerado um fenómeno
relativamente recente na sua matriz jurídico-criminal, devido ao facto de haver pessoas
com o intuito de celebrar este tipo de casamento para puderem adquirir vistos para entrar
ou residir em um Estado-Membro. Como tentativa de impedir esta conduta criminosa, foi
criada a Diretiva 2003/86/CE de 22 de setembro de 2003, que refere no artigo 16º nº2 b)
que “Os Estados-Membros podem também indeferir um pedido de entrada e residência
para efeitos de reagrupamento familiar, retirar ou não renovar a autorização de residência
dos familiares, se se demonstrar que: b) O casamento, a parceria ou a adoção tiveram por
único fim permitir à pessoa interessada entrar ou residir num Estado-Membro.”23
Uma das práticas que gera mais controvérsia e que necessita da nossa atenção especial, é
precisamente, o casamento infantil ou precoce. Infelizmente, os casamentos infantis,
precoces e forçados, consistem numa prática nociva24 que afeta severamente os direitos
22
Lei n.º 23/2007, de 04 de julho, Artigo 186º nº1, In:
https://pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?ficha=201&artigo_id=&nid=920&pagina=3&tabela=l
eis&nversao=&so_miolo=; (Consultado a: 22/12/2022)
23
Diretiva 2003/86/CE de 22 de setembro de 2003, Artigo 16º nº2 alínea b), In: https://eur-
lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32003L0086&from=HU (Consultado a:
22/12/2022)
24
Práticas tradicionais nocivas foram definidas como aquelas práticas feitas deliberadamente sobre o
corpo ou psíquico de um ser humano para fins não terapêuticos, mas pelo contrário, por razões culturais e
sócio convencionais que têm consequências prejudiciais sobre a saúde e os direitos das vítimas. Como tal,
estas práticas têm um impacto negativo que geralmente é irreversível sobre a vida da rapariga, esposa,
mãe, marido ou dos membros da sua família; portanto, é um fenómeno da sociedade. Estas práticas, cujas
15
origens são remotas e misteriosas, e baseiam-se e razões absurdas e vagas, desaguam em violação contra
a mulher e já provaram ser difíceis de eliminá-las. - Kouyaté M (2009) Práticas Tradicionais Nocivas
contra as Mulheres e a Legislação. Nações Unidas. (Consultado a 22/12/2022)
25
UNITED NATIONS POPULATIONS FUND (UNFPA), “Marrying too Young, end child marriage”
Nova Iorque, 2012, in: http://www.unfpa.org/end-child-marriage (Consultado a 22/12/2022)
26
Convenção sobre os Direitos da Crianças; in: https://www.unicef.pt/media/2766/unicef_convenc-a-
o_dos_direitos_da_crianca.pdf
27
GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “Constituição da República Portuguesa Anotada –
Artigos 1º a 107º”, Volume I, 4ª Edição Revista, Coimbra Editora, 2007, p.463 (Consultado a
22/12/2022)
28
FERRO, Mónica: Opinião: “Casamentos forçados, direitos negados” – Observador, 10 de setembro de
2014. in: https://observador.pt/opiniao/casamentos-forcados-direitos-negados/; (Consultado a 22/12/2022)
16
29
Dr. Babatunde Osotimehin, foi o Diretor Executivo do Fundo das Nações Unidas para a População;
30
Inquérito Nacional sobre a Violência Contra a Criança na Tanzânia - Agosto de 2011, In:
https://www.unicef.org/tanzania/topics/child-abuse (Consultado a 22/12/2022)
17
incontinência e são muitas vezes desprezadas pelos seus maridos, pela família e pela
comunidade.
2.4 A punibilidade do casamento infantil na comunidade internacional
A prática de casamento infantil ou precoce é uma questão séria que requer a atenção da
comunidade internacional, das autoridades governamentais e da sociedade como um todo.
Existem várias organizações internacionais fornecem uma base jurídica forte para
combater o casamento infantil e proteger as crianças sujeitas a estas práticas nocivas e
deploráveis.
O UNFPA31 (United Nations Population Fund) criou um plano global com o
intuito de empoderar as meninas, a conhecerem e exigirem os seus direitos, informando-
as sobre a saúde sexual e reprodutiva, e fornecendo-lhes oportunidades para educação
desenvolvimento das suas capacidades. Este plano está presente em 12 países com alta
prevalência de casamentos infantis. Entre 2016-2019, cerca de 7,2 milhões de meninas
participaram nesta iniciativa e mais de 30 milhões de pessoas foram alcançadas nas redes
sociais.
A organização Girls Not Brides32, foi criada com o intuito de abolir com os
casamentos infantis, e simultaneamente de empoderar as meninas a terem os mesmos
direitos que os meninos, no sentido de haver igualdade de género.
Esta organização prevê vários objetivos, nos quais se destacam: a colaboração com outras
entidades para a prevenção do casamento infantil e de ajudar pessoas que estão ou foram
sujeitas a casamento forçado; de fornecer ajuda financeira para acabar com o casamento
forçado; defender os direitos das meninas, fornecendo-lhes educação e oportunidades
para que o potencial delas mesmas seja reconhecido.
A nível internacional, existem vários instrumentos jurídicos que visam punir e erradicar
a prática do casamento infantil.
A Convenção sobre os Direitos da Criança, criada a 20 de novembro de 1989:
estabelece no artigo nº1 a definição de criança “Criança é todo o ser humano menor de
18 anos, salvo se, nos termos da lei que lhe for aplicável, atingir a maioridade mais
cedo”33, portanto, conseguimos entender que a maioridade são os 18 anos, a não ser que
31
United Nations Population Fund. In: https://www.unfpa.org/ (Consultado a 22/12/2022)
32
Girls Not Brides. In: https://www.girlsnotbrides.org/ (Consultado a 22/12/2022)
33
Convenção dos Direitos da Criança, “Artigo nº1 – Definição de Criança”, In:
https://www.unicef.pt/media/2766/unicef_convenc-a-o_dos_direitos_da_crianca.pdf (Consultado a
22/12/2022)
18
34
Convenção dos Direitos da Criança, “Artigo nº2 – Não discriminação”, In:
https://www.unicef.pt/media/2766/unicef_convenc-a-o_dos_direitos_da_crianca.pdf (Consultado a
22/12/2022)
35
Convenção dos Direitos da Criança, “Artigo nº3 – Interesse Superior da Toda Criança”, In:
https://www.unicef.pt/media/2766/unicef_convenc-a-o_dos_direitos_da_crianca.pdf (Consultado a
22/12/2022)
36
CEDAW – Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres:
In:
https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/instrumentos/convencao_eliminacao_toda
s_formas_discriminacao_contra_mulheres.pdf (Consultado a 22/12/2022)
37
Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança relativo à venda de
crianças, prostituição infantil e pornografia infantil. In:
https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/instrumentos/protocolo_facultativo_conve
ncao_direitos_crianca_venda_criancas-pornog_infantil.pdf (Consultado a 22/12/2022)
38
Recomendação Geral N.º 32: Dimensões de género do estatuto de refugiada, asilo, nacionalidade e
apatridia de mulheres, In:
https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/pdf/rec_geral_32_dimensoes_de_genero_
do_estatuto_de_refugiada.pdf
19
Estes instrumentos internacionais fornecem uma base jurídica forte para combater o
casamento infantil e proteger as crianças sujeitas a estas práticas nocivas e deploráveis.
39
Ajuda em Ação: Países onde se pratica o casamento infantil. In:
https://ajudaemacao.org/blog/infancia/paises-em-que-se-pratica-o-casamento-infantil/;
40
Notícia do “Jornal de Notícias” sobre os países com mais casamentos forçados. In:
https://www.jn.pt/mundo/os-paises-com-mais-casamentos-forcados-5145113.html (Consultado a
22/12/2022)
41
Gaëtan Mootoo (29 de setembro de 1952 - 25 de maio de 2018) foi um ativista e de direitos humanos e
investigador.
20
família, que pode ser posta em causa pelo início precoce da atividade sexual
Em outubro de 2020, a Associação dos Amigos das Crianças (AMIC) reportou
que na Guiné-Bissau, as situações do casamento forçado e de incesto aumentaram com o
confinamento social devido à Covid-19. O número de meninas e crianças aumentou nas
instituições de proteção devido ao facto de querem fugir para não serem sujeitas a
casamentos forçados. “Algumas fugiram das suas comunidades ou famílias por tentativa
de casamento forçado, outras por maus-tratos físicos, outras ainda por tentativa de
incesto”, declarou Laudolino Medina, secretário executivo da AMIC.42
Dada esta grave situação, o presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, em
novembro de 2020, exigiu o fim do casamento precoce no país: “Ponham as crianças na
escola. Não quero ouvir mais falar em casamentos precoces. Estão proibidos de dar em
casamento meninas com 14 e 15 anos. Elas têm de casar com o homem que quiserem,
que gostarem”43salientando que as meninas não podem casar antes dos 20 anos, a
legislação guineense determina que a idade para casar é a partir dos 16 anos, mas a Guiné-
Bissau ratificou todas as convenções internacionais sobre os direitos das crianças e todas
elas estipulam que a idade para casar é a partir dos 18 anos.
Na América Latina, o Brasil, é considerado o 4º país no mundo em casos de
casamento infantil e está entre os cinco países da América Latina com maior incidência
de casos.
Em 2016, o número de casamentos precoces ou uniões foi de cerca de 1 milhão, desse
total, verificou-se um problema que concerne a igualdade de género, sendo que 28.379
meninos e 109.594 meninas44 foram vítimas de casamento forçado.
A representante da Plan Internacional Brasil45, Nicole Campos, afirma que o casamento
infantil “Está presente em áreas rurais e urbanas. Geralmente, a gente tem uma visão
muito estereotipada do casamento infantil. Porque ele não é ritualizado, porque é
informal, parece que está mais presente nas áreas rurais, mas também está presente nas
áreas urbanas. E, apesar da pobreza ser um fator de risco para o casamento infantil, ele
42
Observador 16 de outubro de 2020 – “Casamentos Forçados e Incestos aumentam na Guiné-Bissau” in:
https://observador.pt/2020/10/16/casamentos-forcados-e-incestos-aumentaram-na-guine-bissau/
(Consultado a 22/12/2022)
43
Observador 22 de novembro de 2020 – “Presidente da Guiné-Bissau exige o fim de casamento
precoce” in: https://observador.pt/2020/11/28/presidente-da-guine-bissau-exige-fim-de-casamento-
precoce-o-lugar-das-criancas-e-na-escola/ (Consultado a 22/12/2022)
44
Dados da UNICEF apontam que o Brasil ocupa o 4º lugar em casamentos infantis no mundo. In:
https://www.camara.leg.br/noticias/853645-dados-do-unicef-apontam-que-o-brasil-ocupa-o-4o-lugar-em-
casamentos-infantis-no-mundo/ (Consultado a 22/12/2022)
45
A Plan Internacional Brasil desenvolve programas e projetos com o objetivo de capacitar e empoderar
crianças, adolescentes. In: https://plan.org.br/ (Consultado a 22/12/2022)
21
46
Nicole Campos, gerente estragégica de programas da ONG Plan Internacional Brasil – “Casamento
Infantil está presente em áreas rurais e urbanas.” –Câmara dos Deputados do Brasil: Agência Câmara de
Notícias. In: https://www.camara.leg.br/noticias/853645-dados-do-unicef-apontam-que-o-brasil-ocupa-o-
4o-lugar-em-casamentos-infantis-no-mundo/ (03/01/2023)
47
National Geographic: “Na vida das noivas-criança da Georgia” In: https://www.natgeo.pt/fotografia/na-
vida-das-noivas-crianca-da-georgia. (03/01/2023)
48
National Geographic: “Na vida das noivas-criança da Georgia,.Testemunho de Daro Sulakauri que
cresceu na Georgia.” In: https://www.natgeo.pt/fotografia/na-vida-das-noivas-crianca-da-georgia;
(03/01/2023)
22
Aqui chegados, é necessário averiguar a prática deste crime do casamento forçado nos
outros ordenamentos jurídicos, é necessário consultar a legislação, jurisprudência e
doutrina para conseguir entender como é que esta prática é criminalizada em cada um
destes países.
Espanha
49
: VALVERDE, Patricia Esquinas – El delito de matrimonio forzado (art.172 bis CP) y sus relaciones
concursales con otros tipos delictivos. In: Revista Eletrónica de Ciencia Penal y Criminologia, n.º 20-32,
2018, p.12. in: http://criminet.ugr.es/recpc/20/recpc20-32.pdf. (03/01/2023)
50
Artículo 172 bis del Código Penal Español: “1. El que con intimidación grave o violencia compeliere a
otra persona a contraer matrimonio será castigado con una pena de prisión de seis meses a tres años y seis
meses o con multa de doce a veinticuatro meses, según la gravedad de la coacción o de los medios
empleados.” In: https://www.conceptosjuridicos.com/codigo-penal-articulo-172-bis/ (Consultado a
03/01/2023)
5151
Artículo 172 bis del Código Penal Español:”4. En las sentencias condenatorias por delito de
matrimonio forzado, además del pronunciamiento correspondiente a la responsabilidad civil, se harán, en
su caso, los que procedan en orden a la declaración de nulidad o disolución del matrimonio así contraído
y a la filiación y fijación de alimentos. In: https://www.conceptosjuridicos.com/codigo-penal-articulo-
172-bis/ (03/01/2023)
23
Em 2016, a Espanha implementou uma nova lei, para reforçar o impedimento dos
casamentos forçados. A idade mínima de casamento na Espanha aumentou de 14 para 18
anos.
A nova lei também aumentou simultaneamente a idade legal de consentimento sexual de
13 anos de idade para 14, contudo, mesmo com a implementação da nova lei, os
casamentos envolvendo adolescentes de 16 anos, necessitam obrigatoriamente da
autorização de um juíz, caso contrário, sem idade mínima, só aos 18 anos é que é possível
celebrar o casamento.
De acordo com o Instituto Nacional de Estatística da Espanha (INE)52, constatou-se que
os casamentos precoces têm diminuído significativamente nos últimos anos.
Holanda
52
Instituto Nacional de Estadística de Espana. In: https://www.ine.es/; (03/01/2023)
53
Lei contra o casamento forçado na Holanda. In: https://wetten.overheid.nl/BWBR0037085/2015-12-05;
(03/01/2023)
24
ilegal se o uso da força ou a ameaça do mal para o fim pretendido for considerado
repreensível.”54 E é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos.
Nos casos de rapto, para contrair casamento forçado também são passíveis de processo,
mesmo que o casamento não ocorra. Os casamentos forçados fora do País são
considerados puníveis, uma vez que foram adicionados ao catálogo de infrações sujeitas
a jurisdição extraterritorial, isto significa que independentemente da legislação do país
estrangeiro, o sistema de justiça alemão pode processar todos esses casos quando os
infratores retornarem ao país e se o domicílio legal ou residência da vítima for na
Alemanha.
O sistema de justiça criminal alemão, pune com severidade a prática de
casamentos forçados e infantis. Para impedir este crime e para proteger os menores, o
Bundestag, (parlamento da Alemanha) aprovou a Lei de Combate ao Casamento Infantil,
que entrou precisamente em vigor a 22 de julho de 2017. Esta lei define que os casamentos
só podem ser celebrados se os cidadãos atingirem a idade legal (18 anos), sem exceções,
e que se aplicaria tanto aos cidadãos da Alemanha, como os estrangeiros, para além disso,
esta lei proibiu qualquer casamento ou noivado entre menores, mesmo se as motivações
forem culturais ou religiosas.
54
Artigo 237º do Código Penal Alemão (§237 StGB). In: https://www.gesetze-im-
internet.de/stgb/__237.html (03/01/2023)
25
Considerações Finais
O casamento forçado, sem sombra de dúvidas que é uma violação de direitos humanos,
viola diversos direitos fundamentais intrínsecos da pessoa, “por direitos fundamentais
entendemos, os direitos ou posições jurídicas ativas das pessoas enquanto tais, individual
ou institucionalmente consideradas.”55
Com tudo o que foi abordado no presente relatório foi possível consolidar algumas ideias
relativas ao casamento forçado, e através dessas ideias foi possível adquirir conhecimento
suficiente sobre o tema abordado, para formalizar uma opinião própria a cerca deste
assunto.
O objetivo do presente ‘paper’, foi de compreender como é que o casamento
forçado se tornou um problema grave a nível internacional e de como é que esta prática
ainda hoje é tão frequente. Ficamos a conhecer que existem três tipos de casamento, cada
um com as suas próprias motivações.
Esta investigação permitiu com se aprofundasse o processo que decorre do
casamento infantil com mais atenção, compreendendo as várias motivações que levam a
cabo a prática deste casamento e quais os países em que esta prática é frequente. No
entanto, na minha sincera opinião, acho genuinamente que não existe qualquer
justificação plausível para a continuação sucessiva desta prática, porque o Ser Humano
como um Ser dotado de consciência e racionalidade, tem de depreender, que o problema
em questão, é o de oferecimento de uma criança a casar-se forçosamente.
Concluindo, consegui adquirir conhecimentos mais aprofundados sobre o tema do
casamento forçado, inclusive refleti bastante sobre o mesmo. Também cheguei à
conclusão que a pena na Alemanha pela prática do casamento forçado é severamente
elevada comparativamente aos outros ordenamentos jurídicos.
55
MIRANDA, Jorge – “Manual de Direito Constitucional Tomo IV”: Direitos Fundamentais p.9
26
Bibliografia
VALVERDE, Patricia Esquinas – El delito de matrimonio forzado (art.172 bis CP) y sus
relaciones concursales con otros tipos delictivos. In: Revista Eletrónica de Ciencia Penal
y Criminologia, n.º 20-32, 2018. in: http://criminet.ugr.es/recpc/20/recpc20-32.pdf