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A Rainha de Gelo Romance Histórico O Duque de Strathmore Livro 6

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A RAINHA DE GELO

Romance Histórico
O DUQUE DE STRATHMORE
BOOK VI

SASHA COTTMAN

Translated by
EVELYN TORRE
Copyright © 2023 por Sasha Cottman
Cottman Data Services Pty Ltd
Todos os direitos reservados.
Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida de qualquer forma ou por qualquer meio eletrônico ou mecânico, incluindo
sistemas de armazenamento e recuperação de informações, sem permissão escrita do autor, exceto para o uso de citações breves
em uma resenha de livro.
Contents

1. Capítulo Um
2. Capítulo Dois
3. Capítulo Três
4. Capítulo Quatro
5. Capítulo Cinco
6. Capítulo Seis
7. Capítulo Sete
8. Capítulo Oito
9. Capítulo Nove
10. Capítulo Dez
11. Capítulo Onze
12. Capítulo Doze
13. Capítulo Treze
14. Capítulo Quatorze
15. Capítulo Quinze
16. Capítulo Dezesseis
17. Capítulo Dezessete
18. Capítulo Dezoito
19. Capítulo Dezenove
20. Capítulo Vinte
21. Capítulo Vinte e Um
22. Capítulo Vinte e Dois
23. Capítulo Vinte e Três
24. Capítulo Vinte e Quatro
25. Capítulo Vinte e Cinco
26. Capítulo Vinte e Seis
27. Capítulo Vinte e Sete
28. Capítulo Vinte e Oito
29. Capítulo Vinte e Nove
30. Capítulo Trinta
31. Capítulo Trinta e Um
32. Capítulo Trinta e Dois
33. Capítulo Trinta e Três
34. Capítulo Trinta e Quatro
35. Capítulo Trinta e Cinco
36. Capítulo Trinta e Seis
37. Capítulo Trinta e Sete
38. Capítulo Trinta e Oito
39. Capítulo Trinta e Nove
40. Capítulo Quarenta
41. Capítulo Quarenta e Um
42. Capítulo Quarenta e Dois
43. Capítulo Quarenta e três
44. Capítulo Quarenta e Quatro
45. Capítulo Quarenta e Cinco
46. Capítulo Quarenta e Seis
47. Capítulo Quarenta e Sete
48. Capítulo Quarenta e Oito
49. Capítulo Quarenta e Nove
50. Capítulo Cinquenta
51. Capítulo Cinquenta e Um
52. Capítulo Cinquenta e Dois
53. Capítulo Cinquenta e Três
54. Capítulo Cinquenta e Quatro
55. Capítulo Cinquenta e Cinco
56. Capítulo Cinquenta e Seis
57. Capítulo Cinquenta e Sete
58. Capítulo Cinquenta e Oito
Epilogue
Romances em português
Sobre o autor
Notas da Autora
Para Dean e Laura
Capítulo Um

L ondres, 1817
— Por favor, Caroline. Apenas tire o nome de alguém do seu cartão de dança e coloque o meu.
— Não. Quantas vezes preciso dizer? — a resposta saiu ríspida.
Julian Palmer, Conde de Newhall, interrompeu seus passos ao ouvir as palavras duras. Ele
esperava encontrar um lugar tranquilo, longe dos outros convidados do baile, para terminar o
conhaque, mas pelo som da discussão, ele não teria essa sorte.
— Não vou tirar o nome de ninguém do meu cartão de dança. Não desejo dançar com o
senhor esta noite, Timothy Walters, simples assim.
Julian esperou, em dúvida quanto ao que fazer. Alguns homens girariam nos calcanhares e
voltariam à segurança do salão de festas lotado, mas os instintos protetores de Julian não o
deixariam ignorar a ponta de pânico na voz de Caroline. Ele deu um passo à frente e virou a
esquina.
À frente dele estava um jovem casal. O homem, que ele presumiu ser Timothy, estava de
costas para Julian com a cabeça baixa. Quando Julian se aproximou, ele se virou. O rosto do
jovem estava corado de frustração óbvia, gotas de suor pontilhando a têmpora. A mão dele
segurava um cartão de dança, que ainda estava preso ao pulso de Caroline por meio de uma fita
creme pálida.
Caroline encontrou o olhar de Julian. Ela o olhou de cima a baixo, mostrando pouca
consideração pela presença dele, mas desviou o olhar em seguida.
Julian conhecia muito bem esse olhar. A mãe dele era a Senhora Suprema do olhar
desdenhoso. Pena do homem que perdesse seu favor.
— Algo errado? Talvez eu possa ajudar. — ele disse.
— Tudo está errado. Ela está determinada a me irritar esta noite. O que um camarada deve
fazer quando sua senhora não guarda um espaço para ele no cartão de dança?
Caroline bufou.
— Timothy, eu já falei, não sou sua senhora e vou dançar com quem eu quiser.
Julian lidara com negociações o bastante durante sua passagem como diplomata na Paris pós-
napoleônica para saber quando duas partes encontravam um impasse.
— Posso fazer algo para ajudar a resolver a situação? Ajudá-los a encontrar um meio-termo
feliz. — ele se ofereceu, corajoso.
Caroline puxou o cartão de dança para longe do alcance de Timothy e marchou em direção a
Julian. Ela parou na frente dele. Os olhos verde-esmeralda dela brilhavam de raiva.
— O que pode fazer, senhor, é cuidar da sua própria vida.
Com um turbilhão de saias, ela passou por Julian e desapareceu na esquina. Timothy logo a
seguiu.
Julian fechou os olhos por um instante enquanto lembranças há muito enterradas de sua
infância ressurgiam. Quantas vezes os pais dele protagonizaram essa cena? E toda vez o pai dele
corria atrás da esposa e fazia o que ela mandava. Tudo para permanecer em bons termos com ela.
— Não faça isso, meu caro. Esse caminho só leva à miséria e à dor. — ele murmurou.
Ele virou o copo de conhaque até terminá-lo e foi em busca de outra bebida.
Capítulo Dois

C aroline Saunders chegou ao salão de baile principal pronta para cometer assassinato. Timothy
Walters estava, mais uma vez, levando-a ao limite.
— Ah, aí está, eu estava me perguntando para onde foi. Ora, e encontrou um amigo. Walters,
tudo bem?
Ela forçou um sorriso no rosto. O irmão dela, Francis, não precisava saber que o último de
uma longa fila de pretendentes persistentes corria o sério risco de ser apunhalado no coração com
o lápis de seu cartão de dança.
— Sim, eu estava voltando da sala de descanso, quando ele me encontrou. — ela respondeu.
Ao lado de Francis estava o melhor amigo dele, Harry Menzies. Harry interveio diversas
vezes para salvar Caroline de seus admiradores mais entusiasmados. Ela flagrou o olhar furioso
que ele lançou Timothy.
— Não está se tornando um incômodo, ou está, Walters? — Harry disse.
Timothy deu um passo para trás. Por cima do ombro dele, Caroline viu vários de seus outros
admiradores vindo nessa direção. Um grito empolgado veio deles enquanto corriam para se
juntar ao grupo.
— Senhorita Saunders.
Francis revirou os olhos. Seu círculo regular de cortejadores a encontrara.
— Bem, vejo que você está bem acompanhada com seu grupo de amigos cavalheiros. Harry
e eu não gostaríamos de atrapalhar sua escolha de futuro marido, por isso, me despeço aqui.
Estarei no salão de cartas pela próxima hora. Nos vemos na ceia, Caroline. — Francis disse. O
irmão fez uma reverência curta e acrescentou um floreio de mão.
Em qualquer outra noite, Caroline teria rido dessa provocação, mas nesta noite, ela sentiu
lágrimas quentes pinicando seus olhos. Agora que a irmã mais velha dela, Eve, era recém-casada,
os pretendentes de Caroline passaram a ser mais agressivos.
Ela se virou para encarar o grupo de admiradores, preparando-se para mais uma longa noite.

Do outro lado do salão, Julian parou para observar o decorrer dos fatos. Cavalheiro após
cavalheiro entrou na fila para cumprimentar a jovem que foi tão rude com ele. Foi só quando ele
sentiu um toque suave no braço que enfim desviou o olhar.
— Assistindo à última leva de janotas se jogando aos pés da Rainha de Gelo? Tolos, cada um
deles.
Ele ergueu a sobrancelha e olhou para sua companhia.
— Rainha de Gelo?
A amante de seu falecido pai, Lady Margaret, abriu o leque de noite e o segurou na frente do
rosto, antes de se inclinar.
— Caroline Saunders. O pai é francês, daí vem a aparência exótica. A mãe, Lady Adelaide, é
irmã do Duque de Strathmore. Uma das melhores famílias da Sociedade. A Senhorita Saunders é
considerada a jovem mais bonita de toda a sociedade londrina. É o partido número um em todas
as listas no mercado casamenteiro.
Julian assentiu.
Caroline não era a típica rosa inglesa. Pelo contrário, ela era empolgante. No corredor, ele
notou os cabelos louros pálidos e os olhos verdes. Ela era uma beldade estonteante para os
padrões de qualquer homem. Não era de se espantar que ela tivesse uma corte de admiradores ao
redor dela, sem dúvidas, agarrando-se a cada palavra.
Ela era mesmo uma criatura rara, mas experiências amargas fecharam o coração dele para
esse tipo de mulher. Ele apostaria um saco de centavos que, sob a aparência encantadora, havia
um coração frio e duro.
— Ela pode ser linda, mas tem um gênio forte. Tive a infelicidade de encontrá-la há pouco.
Aquela língua poderia cortar couro. — ele respondeu.
Lady Margaret bufou.
— Não imagino que muitos dos admiradores tenham notado o tratamento desdenhoso. Eles
estão felizes por estarem no círculo dela. Muitos homens dariam o braço direito para ser membro
dessa seleta corte. E, claro, o homem que enfim conseguir a mão dela será fonte de inveja para
todos os outros. Há rumores de que ela já recusou mais de uma dezena de pedidos de casamento.
Um dos cortesãos da Rainha de Gelo ofereceu uma taça de champanhe a ela. Ela balançou a
cabeça e o dispensou com um aceno. Outro senhor se adiantou e ofereceu uma taça de vinho.
Ela aceitou, tomou um gole e com um suspiro alto de indignação logo a devolveu para ele.
Ela apontou para trás do grupo, e os dois senhores infelizes se retiraram da presença dela.
Julian e Lady Margaret trocaram um olhar de esguelha.
— Sabe quem ela me lembra… — Lady Margaret começou.
— Não mencione o nome dela. — Julian respondeu, os dentes rangendo. No pouco tempo em
que a estudara, ela exibia vários dos traços mais desagradáveis da mãe dele.
Mesmo após se casar com o pai dele, a Condessa de Newhall continuou a reinar em sua
seleta corte de admiradores e amantes. Se havia alguém em Londres que não invejava o homem
que acabaria se casando com Caroline, esse alguém era Julian Palmer.
— Quando chegar a hora de procurar minha condessa, serei bem específico com o tipo de
mulher que procuro. Não repetirei o mesmo erro miserável que meu pai cometeu. — ele disse.
Lady Margaret assentiu.
— Todos esperamos que não.
Julian virou-se e encontrou o olhar dela.
— Fique tranquila, querida Maggie, nunca me casaria com Caroline Saunders.
Capítulo Três

N aLady
manhã seguinte, Julian estava terminando um prato de ovos e arenque em conserva quando
Margaret chegou à sala de café da manhã. Ele deu uma olhada no grande diário azul-
marinho nas mãos dela, e o apetite desapareceu.
Quando Lady Margaret trazia o diário, nunca era um bom sinal, muito menos se o rosto dela
mostrava o olhar de agora. Significava que ela queria anunciar algo grande. Julian não gostava
de anúncios inesperados.
— Trago boas notícias e outras nem tanto. Em primeiro lugar, fiquei pensando em nossa
conversa no baile de ontem à noite e criei um plano. — ela disse.
— E a que parte particular da nossa conversa você se refere? — ele respondeu.
— Ora, casamento, claro. Embora a garota Saunders possa estar hesitante em escolher um
marido, decidi ser a hora de fazermos algo para garantir a linhagem Newhall. Criei um plano
para encontrar uma esposa para você.
Julian prendeu ar nas bochechas, o que resultou em um pinçar na orelha.
— Não seja atrevido. Pode ser Conde de Newhall, mas isso não significa que eu não possa
colocá-lo na linha. Seu pai me deu permissão veemente para bater em você se eu considerasse
necessário. — ela acrescentou.
— Lembro-me de que eu estava com doze anos na época e, mesmo assim, creio que ele não
falava sério. — Julian respondeu, esfregando a orelha atacada.
Lady Margaret sentou-se na cadeira ao lado dele e abriu um de seus sorrisos calorosos. Ele se
inclinou e deu um beijo de perdão no rosto dela. Ela era mais importante para Julian do que a
mãe jamais poderia ser.
— Conte-me de seus planos, querida Maggie. Estou ansioso para ouvi-los. — ele disse.
Ela abriu o diário e Julian viu várias páginas com listas detalhadas e anotações. Seu coração
afundou ainda mais. Lady Margaret andou ocupada.
— Uma reunião social de uma semana inteira no interior. Diversas senhoritas, com
acompanhantes a tiracolo. Ao final do evento, você estará perdidamente apaixonado por uma
delas e teremos uma nova condessa. Que tal? — ela disse com um sorriso.
O cérebro de Julian congelou assim que registrou a combinação de palavras: reunião social.
A ideia de ter a casa cheia de convidados o apavorava. Reunir-se com diplomatas em palácios e
embaixadas era uma coisa, mas ter convidados dormindo sob seu teto, na verdade, não era o
ideal.
— Acabei de passar um mês inteiro conversando com os prussianos acerca da questão
comercial com a França. Não creio que eu aguentaria uma casa cheia de gente. — ele respondeu.
Lady Margaret dispensou o protesto com um aceno de mão e virou a página do diário. Julian
viu que ela já havia elaborado uma longa lista de convidados para o evento.
Ele estremeceu.
— Vamos mesmo convidar todas essas pessoas? Parece demasiado.
— Confie em mim, sei o que estou fazendo. Precisa de uma boa seleção de moças para
escolher. Seu pai se foi há mais de dois anos e, sem dúvidas, ele me repreenderia se eu não o
incentivasse a pensar com seriedade em casamento. Está com vinte e oito anos e precisa de um
herdeiro. — ela respondeu.
Ele colocou a mão acima da dela, o movimento gentil. Às vezes, ainda parecia ontem que ele
recebeu a notícia da morte prematura do pai. Uma doença célere o levara, um homem em forma e
saudável, em questão de dias.
— Sim, como de costume, você tem razão. Contudo, não concorda que está um pouco tarde
no ano para uma festa campestre? Esses eventos são melhores no verão. Talvez pudéssemos
esperar até o ano que vem. — ele disse.
Lady Margaret deu tapinhas na mão de Julian.
— Você precisa se casar. Além disso, qualquer moça que não queira vir a Derbyshire nesta
época do ano não seria uma condessa sensata. Sua esposa precisa ser capaz de suportar o frio de
um inverno no campo. Se alguma jovem da minha lista não possuir um casaco pesado de lã e um
par de botas de couro fortes, então retirarei o nome dela da lista. Encontraremos alguém prática
para você. Bonita, mas com a mente sagaz. Com o tempo, podem até se apaixonar.
Julian fez uma careta. Não adiantava tentar dissuadir Lady Margaret de seus planos. Sempre
que ela começava a pôr alguma ideia em prática, havia apenas um resultado. Ele precisaria dar
essa festa. Como os trinta condes de Newhall antes dele, ele precisava considerar e dar
continuidade à linhagem.
— Tudo bem, darei essa festa. No entanto, podemos concordar em manter um número
pequeno e gerenciável de convidados? Não quero me ver digladiando com uma horda de
senhoritas e suas mães casamenteiras caçadoras de cônjuge. — ele respondeu.
Lady Margaret gargalhou.
— Diga isso três vezes em sucessão. Mães casamenteiras caçadoras de cônjuge. Matronas
matrimoniais, não importa. Encontraremos uma bela moça para você, e ambos seremos felizes.
Julian ignorou a última observação. Os Senhores de Newhall e casamentos felizes não
andavam juntos. Seus pais eram um excelente exemplo de uma união terrível e, por fim,
fracassada.
— Pois bem, agora que resolvemos isso, poderia me contar a boa notícia? — Julian disse.
O sorriso desapareceu do rosto de Lady Margaret. Ela fechou o diário e o colocou na mesa do
café da manhã.
— Essa foi a boa notícia. A má notícia é que Sua Alteza, o Conde de Lienz, chegou a
Londres na semana passada. E trouxe a mulher consigo.
Julian rangeu os dentes. A mãe estava em solo inglês.
Capítulo Quatro

A delaide Saunders colocou o lenço de lã laranja que examinava na seção de lãs da Mack &
Bennet, e passou os dedos na bochecha da filha.
— Parece cansada. Não acredito que você e Francis voltaram tarde ontem. Se precisava de
mais sono, deveria ter desistido das nossas compras.
Caroline deu de ombros. Ela pegou um par de luvas brancas, antes de decidir serem
impraticáveis e colocá-las de volta. O sono não chegou na noite anterior.
Ela esperava que uma manhã de compras no centro de Londres ajudasse a clarear a mente,
mas a falta de sono só piorou as coisas. Uma dor de cabeça maçante começava a se apresentar
logo atrás dos olhos.
A tentativa tímida de convocar um sorriso para acalmar a mãe falhou, e ela suspirou.
— Estou cansada, mas não por falta de sono. Neste momento, estou cansada de tudo.
Londres pode ser tensa nesta época do ano.
A Temporada havia acabado, e muitas famílias haviam retornado para suas propriedades no
interior. Apenas aqueles com negócios na cidade, ou os com residência permanente em Londres
continuavam a circular. O menor número de convidados em bailes e festas nada fazia para
amenizar a sensação quase constante de ser sufocada pela presença de pessoas ao seu redor.
— Talvez esteja sentindo falta da sua irmã. Sinto saudades dela também, mas como ela e
Freddie decidiram ficar na França até o próximo mês, não há nada a ser feito a não ser aguardar
que voltem. — Adelaide respondeu.
Sim, Caroline sentia saudades da irmã que acabara de se casar, Eve. As duas estiveram em
desacordo por vários anos e só se reconciliaram há pouco tempo. Embora desejasse toda a
felicidade do mundo para a irmã ao lado do novo marido, em segredo, ela desejava que tivessem
tido mais tempo convivendo sob o mesmo teto com amabilidade.
— Será bom revê-la, mas, para ser honesta, não é isso o que me incomoda. — Caroline
respondeu.
— Vejo que está infeliz e não gosto de ver nenhum dos meus filhos assim. Por favor,
querida, conte-me o que a incomoda, talvez eu possa ajudar. — Adelaide disse.
Caroline considerou a oferta da mãe. Compartilhar o problema traria alívio, mas ela se
perguntava se fazê-lo abriria uma caixa de Pandora. Ao confidenciar à mãe, Caroline precisaria
escolher as palavras com cuidado.
— É Timothy Walters. Ele não me deixa em paz. Não consigo participar de nenhum evento
sem que ele esteja atrás de mim como um cachorrinho perdido. Ele parece não entender que eu
não tenho um pingo de interesse romântico nele.
— Mas, pelo bem de nossas famílias, você manteve a situação para si. E como não conseguiu
descobrir um jeito de dispensá-lo sem causar um alvoroço, enfim decidiu confiar em mim. Estou
certa? — Adelaide respondeu.
Caroline assentiu.
— Sim. Desde que Eve se casou, ele intensificou os esforços para me cortejar. Ontem à noite,
no baile, tivemos um encontro muito desagradável que poderia ter ficado feio. Se outro
convidado não tivesse interpelado, temo que eu poderia tê-lo acertado.
O rosto da mãe registrou primeiro choque e, em seguida, a compreensão da situação de
Caroline. Timothy e o pai conduziam negócios com o pai de Caroline, Charles. Uma briga
pública teria consequências para várias pessoas e deveria ser evitada a todo custo.
— Terá que contar a Francis. Como ele é seu acompanhante usual nessas funções sociais, ele
não pode ficar no escuro acerca dessa questão. Você é irmã dele. — Adelaide explicou.
E aí estava o cerne da questão. Se ela dissesse algo ao irmão, ele a repreenderia por mostrar
tão pouca consideração pelo coração de outro jovem.
Ela estava prestes a dizer a Adelaide que não importava, quando a mãe lançou um olhar que a
fez segurar a língua.
— Eu falarei com Francis. Vou avisá-lo de que ele precisa persuadir Timothy a procurar uma
esposa em outro lugar. Não mencionarei o incidente da noite passada. Vou apenas informá-lo de
que as atenções do Jovem Senhor Walters seriam melhor recebidas por outra pessoa. — Ela
pegou o lenço de novo e o segurou. A luz brilhou por entre os fios de merino, e Caroline
assentiu. O laranja queimado ficaria perfeito em contraste com os cabelos castanhos profundos
da mãe.
— Obrigada. Espero que tanto Timothy quanto Francis entendam. — Caroline respondeu.

Francis sentava-se no banco de couro da carruagem da família Saunders e encarava Caroline.


Estava claro que ele não estava feliz.
— Mamãe e eu tivemos uma conversa estranha e, talvez, até constrangedora esta tarde.
Pensei que estava mais do que contente em ter rapazes correndo ao seu redor. Não me diga que
está começando a se cansar de sua corte de admiradores? — ele disse.
Caroline suspirou. As preocupações dela quanto à reação de Francis ao comportamento dela
mostravam-se bem fundamentadas.
— Nunca encorajei o Senhor Walters. Sou educada e amigável com ele, assim como sou com
Harry. Harry parece entender, talvez porque seja seu amigo, mas Timothy não.
— Harry age assim porque é Harry. — Francis disse.
Nem Francis e nem Caroline estavam preparados para expressar com palavras que Harry
também nutria algo por Caroline. Era um segredo aberto entre irmãos que Harry a amava desde
sempre, mas valorizava a amizade com Francis o suficiente para jamais cortejá-la de maneira
franca. E por isso, Caroline seria para sempre grata. Ela via Harry como um homem gentil e
doce, mas não um capaz de mexer com sua alma.
O olhar de Francis encontrou o dela.
— E você nunca deu qualquer sinal a Walters de que ele teria uma chance de conquistar seu
coração?
— Não. Eu o trato da mesma forma que trato todos os nossos cavalheiros amigos. — disse
Caroline.
— Para ser honesto, Caroline, não entendo por que um homem iria querer tanto cercá-la se
você trata tão mal todos os seus admiradores. Às vezes, até eu acredito que você se tornou a
rainha de gelo: sem coração.
Caroline bufou irritada. Francis não ajudaria em nada. Se ele fosse passar a noite brigando
com ela por expressar suas preocupações à mãe, Caroline preferiria ficar em casa. Ela se inclinou
no banco da carruagem e alcançou a maçaneta da porta.
A carruagem avançou, fazendo com que a mão errasse a alça. Ela logo se recostou no assento
e olhou para o irmão.
— Se é isso que você realmente pensa de mim, então por que se dá ao trabalho de me levar
com você esta noite? Se preferir não me acompanhar, é só dizer que peço ao condutor que vire a
carruagem e me leve para casa.
Francis dispensou a ideia com um aceno de mão.
— Não. Eu apenas queria que você tivesse me contado que Walters estava se tornando um
incômodo. É um pouco constrangedor que o acompanhante precise que a mãe o chame de lado
para dar a notícia. Embora Mama não tenha entrado em detalhes, não tive dúvidas de que as
atenções dele se tornaram um tanto problemáticas.
— Peço perdão, Francis, mas você estava com tanta pressa para chegar às mesas de carteado
que não tive a chance de falar com você em particular. Acabou me abandonando. — ela falou.
Ela logo se arrependeu das palavras duras. O amplo círculo social dela encolheu tanto que era
composto, quase que com exclusividade, de seus admiradores do sexo masculino. Agora que Eve
não estava mais ali, só restava Francis em casa para acompanhá-la em entretenimentos noturnos.
Se ela caísse em desgraça com ele, precisaria recorrer à companhia da mãe em reuniões sociais.
Ela prefere enfiar alfinetes nos dedos a passar cada noite com as matronas da sociedade.
Precisava existir uma solução para o problema dos pretendentes indesejados. Se ela pudesse
fugir…
De repente, uma ideia cruzou a cabeça dela.
— Talvez sair de Londres seja o que eu preciso. Se eu pedir ao tio Ewan, talvez ele me deixe
viajar até o Castelo Strathmore. Alguém da família deve fazer a viagem para o norte em breve, e
eu posso ir com eles.
O tempo e a distância de Londres lhe fariam bem. O Castelo Strathmore, a sede da família,
ficava nas terras baixas da Escócia, não muito longe de Falkirk. Todos na extensa família Radley
costumavam viajar para o norte, para passar o Natal no enorme castelo normando. Se ela fosse
logo para a Escócia, teria tempo e privacidade para reencontrar seu bom humor.
Ela amava a Escócia. Estar tão longe de Londres gerava a oportunidade de passear pelas
colinas e desfrutar do ar fresco da montanha sem a preocupação de cumprir todas as gentilezas
sociais da sociedade londrina. Na Escócia, ela conseguia relaxar. Poderia ser ela mesma.
— É uma solução possível. Terei, é claro, uma conversa tranquila com Walters quando o vir.
Em troca, peço que mantenha a calma ao lidar com ele. Pode não estar apaixonada por ele, mas
isso não quer dizer que ele não ficará desapontado quando descobrir que você não devolve o
afeto. — Francis respondeu.
— Obrigada. Neste ínterim, tentarei ser o mais cuidadosa possível se voltar a vê-lo.
A Escócia não seria a panaceia para todos os seus males, mas lhe daria tempo e distância para
encontrar uma abordagem melhor às demandas incessantes de pretendentes como Timothy
Walters.
Capítulo Cinco

A carruagem
porta.
parou do lado de fora de um elegante sobrado na Rua Bird, e um lacaio abriu a

— Pensei que íamos para a festa na Casa das Índias Orientais? — Caroline indagou.
Francis saltou da carruagem e ofereceu-lhe a mão.
— Mudança de planos. Antes de ser avisado da situação delicada com Timothy Walters, falei
com ele de nossos planos para esta noite. Em vista disso, imaginei que talvez fosse prudente que
você e eu participássemos da festa do Visconde Munroe. Considero impossível que Walters tente
caçá-la caso descubra que não está na Casa das Índias Orientais.
Já lá dentro, Caroline caiu em sua rotina habitual. Um pequeno grupo de admiradores logo se
formou em torno dela, mas ela se sentiu segura com eles. Um ou dois entre os mais ousados do
grupo pediram para colocar os nomes no cartão de dança dela, mas o restante parecia mais do
que contente apenas por estar perto dela.
— Estarei na sala de carteado caso precise de mim. — Francis disse.
Caroline estava prestes a lembrar ao irmão que, como Harry não estava presente esta noite,
ele a estava deixando desacompanhada, mas ela pensou duas vezes. A ideia de ter uma noite sem
Timothy, Harry ou Francis à espreita, assim de repente, pareceu bastante libertadora.

Se pressionado, Julian teria confessado a covardia. Desde a revelação de Lady Margaret de que a
ex-condessa viúva de Newhall estava na cidade, ele se recusava com todas as forças a participar
de quaisquer funções sociais. Ao final da semana, Lady Margaret enfim o repreendeu por tal
comportamento e ordenou que ele saísse de casa.
Ao entrar no salão de baile da casa do Visconde Munroe, Julian prendeu a respiração.
Quando criança, ele transformara a missão de evitar a mãe em uma forma de arte. Ele conjurou
todas aquelas habilidades tão bem aperfeiçoadas mais uma vez enquanto o olhar vagaroso varria
o ambiente. Ele faria de tudo para não ter contato com ela.
Já é um homem crescido, Newhall. Quando vai parar de ter medo da mãe?
No entanto, as cicatrizes da infância eram profundas, fincadas nos ossos.
Depressa, ele buscou um lacaio e virou duas doses de álcool em rápida sucessão. Devagar, e
com o nervosismo quase no limite, ele começou a circular, sempre consciente de verificar e
reverificar as pessoas ao redor. Uma gota de suor percorria as costas dele deixando-o
desconfortável.
Um espaço havia sido liberado em um dos lados da sala de recepção principal para dança, e
ele parou para observar quatro casais em uma quadrilha. O movimento suave dos pés e as saias
rodopiantes no ritmo da canção, além do conhaque, logo acalmaram a mente dele.
Ele ainda balançava de leve com a música quando a quadrilha chegou ao fim. Para sua
surpresa, a orquestra mudou de ritmo bem depressa, e ele ouviu os acordes iniciais de uma valsa.
Outros dançarinos agora se aglomeravam na área de dança. Em alguns lugares, a valsa era
considerada escandalosa, mas a popularidade na alta sociedade londrina continuava a aumentar.
Com uma festa iminente na própria casa, ele percebeu que precisaria desenferrujar os pés.
Não seria nada bom pisar nos dedos de alguma moça que ele almejasse ter como futura condessa.
Dedos esmagados não conquistavam corações.
Os planos de Lady Margaret para a reunião na residência dele no interior estavam avançando
e, agora, ele já se conformara em desempenhar sua função para garantir a linhagem Newhall. Ele
faria tudo o que pudesse para tornar o evento, e a busca por uma futura condessa, um sucesso.
Ele ainda estava debatendo se procurava uma parceira de dança para praticar a valsa ou se
teria uma terceira dose de conhaque, quando a decisão foi tirada dele.
Do nada, seu braço foi tocado, e ele se viu sendo arrastado em direção à área de dança.
Quando olhou para baixo, ele ficou chocado ao descobrir que a dona da mão sorrateira era a
mesma loura que o insultara no corredor de uma festa recente. A mesma mulher que o mandara
cuidar da própria vida.
— Dance comigo. — Caroline Saunders ordenou.
Julian tornara-se prisioneiro da Rainha de Gelo.
Palavras de protesto morreram nos lábios dele, quando se aproximavam da extremidade da
área reservada. Do outro lado do salão de baile, à direita da orquestra, ele avistou a mãe. Ela
estava de lado, então ainda não o vira, mas bastaria um pequeno movimento de cabeça para que
seus olhares se encontrassem.
Os longos anos separados foram varridos quando ele contemplou o semblante ríspido da
Condessa de Lienz. A careta de reprovação tornara-se permanente com as linhas ao redor da
boca.
Caroline puxou o braço dele, e ele afastou o olhar da mãe. Preso entre o inimigo de toda uma
vida e a beldade presunçosa que o mantinha cativo, ele logo escolheu dançar. Preferiria fazer
diversas coisas, antes de optar por falar com a condessa.
Ele segurou Caroline e a girou na valsa.
— Eis que nos reencontramos. — ele disse.
Ela virou o rosto para ele e quando seus olhares se encontraram, ele teve certeza de ter
ouvido um xingamento murmurado. Entretanto, para crédito dela, ela se recuperou depressa.
Impressionante.
— Caroline Saunders, e você é o Conde de Newhall. Sendo esta a primeira vez em que
trocamos apresentações adequadas, creio que ambos devemos esquecer o encontro anterior. Sei
que faço o meu melhor para ignorá-lo. — ela respondeu.
Ele ergueu uma sobrancelha. Ela era uma criatura geniosa, além de um pouco rude. Ele
apertou a mão dela e foi recompensado com um olhar ríspido.
— No entanto, me escolheu para resgatá-la de algo ou alguém. Não consigo pensar em outra
razão para forçar um cavalheiro a dançar com a senhorita. Não me diga que se perdeu, sem
querer, de seu grupo de bajuladores esta noite? Que descuido.
O clarão de raiva que atravessou o rosto de Caroline trouxe profunda satisfação.
— Que ousadia! Por que eu…
O olhar dela desviou-se para algo atrás dele, e ela se interrompeu de imediato. No giro
seguinte da dança, ele verificou a direção para onde ela olhara. Do outro lado do salão, a cerca de
três metros de distância, estava o mesmo jovem com quem ela discutiu no evento de alguns dias
antes. O homem que exigia que Caroline dançasse com ele. Qual era o nome dele? Thomas ou
algo assim? Seja quem for, o olhar dele não saía de Caroline.
— Seu noivo? — ele perguntou.
Caroline segurou a mão dele com mais força.
— Não. O nome dele é Timothy Walters. É um admirador. Um do tipo indesejável. Eu
esperava evitá-lo esta noite, mas ele conseguiu me encontrar. — ela respondeu.
A altivez anterior desapareceu da voz dela.
— Eu diria que não compartilha dos sentimentos ou afetos dele. — ele disse.
— Não. — foi a resposta.
Julian conhecia o enredo. Era parte do lamento constante da mãe dele, por ter sido forçada a
um casamento arranjado com o pai dele. De que sua beleza etérea foi desperdiçada com um
homem baixinho e gordo. Ela era uma luz brilhante da sociedade londrina, enquanto o falecido
Conde de Newhall não era mais do que um fidalgo chato do campo.
Ele adorar a esposa e fazer de tudo para fazê-la feliz não importava nada para ela.
O desprezo pelo marido foi transferido para o filho desde o nascimento. A mãe de Julian
nunca tentou esconder o desgosto pela mera existência dele.
— Está aqui com alguém que pode assumir a responsabilidade por sua segurança? Não pode
dançar a noite toda para se esconder. — ele a questionou. Ele não pretendia se tornar o homem
responsável por protegê-la.
Quanto mais cedo ele se livrasse da cansativa Caroline Saunders, melhor. Mulheres como ela
nunca ficariam satisfeitas com a escolha que tivessem para marido. Pena do pobre tolo que se
casasse com ela. Ele, por exemplo, estava determinado a não ser um corno igual ao pai.
Os ombros dela caíram.
— Sim, meu irmão, Francis. Ele está na sala de carteado. Se pudesse me acompanhar para
localizá-lo, eu estaria em eterna dívida com o senhor. Ele é um jovem cavalheiro muito alto com
cabelos quase brancos, deve ser fácil encontrá-lo na multidão. Embora eu não queira causar uma
cena pública, temo que, se eu for forçada a falar com o Senhor Walters, talvez, eu não consiga
segurar a língua.
Já tendo recebido uma amostra do temperamento ardente de Caroline, Julian não quis
presenciá-lo uma segunda vez.
— Claro.
Após isso, ficaram em silêncio, e Julian se contentou em deixar os pensamentos vagarem,
mesmo enquanto continuava a puxar Caroline pelos giros da valsa de maneira hábil. Quando ela
se aproximava dele, e ele era forçado a ajustar a pegada, ele fez o possível para manter a
distância entre eles.
Ao final da dança, ele tirou Caroline da área de dança com rapidez e foram em busca de
Francis. O irmão poderia lidar com a irmã egocêntrica. Francis, no entanto, não estava na sala de
carteado.
Ela virou-se para ele e, em seguida, meneou a cabeça em direção às portas do terraço do
jardim.
— Ele pode ter saído para o jardim para fumar um charuto. Às vezes, ele faz isso. Vou ver se
consigo localizá-lo do lado de fora. — Caroline disse, afastando-se dele.
Julian manteve o aperto no braço dela. Ela ainda era responsabilidade dele e, com toda a
certeza, não a deixaria sair dali sozinha. Era uma festa abarrotada, mas se o pretendente
indesejado estivesse convencido de encontrá-la, ele o faria. Julian não deixaria Caroline até
entregá-la para a segurança das mãos do irmão.
— Deixe-me ajudá-la. Um dos benefícios de ser tão alto quanto sou é poder encontrar uma
pessoa específica em uma multidão.
Com a mente agora ocupada em encontrar Francis Saunders, Julian falhou em ver a mãe
quando ela saiu de um cômodo próximo. Quando enfim a viu, já era tarde demais. A condessa
cruzou o caminho deles e parou. Ela virou-se e deu a ele e a Caroline um olhar que murcharia
uvas em uma videira.
— Newhall.
— Vossa Alteza. — ele respondeu.
Os olhos de sua mãe brilharam ao reconhecimento de seu status exaltado. O novo marido
dela era de sangue real austríaco.
Caroline mergulhou em uma reverência, dando à mãe o respeito que o novo título merecia.
Julian sabia que a mulher em si não merecia deferência alguma.
A condessa ignorou os modos elegantes de Caroline.
— Vejo que engordou, Newhall. Espero que saiba o nome do alfaiate que o Príncipe de Gales
usa, porque pela aparência de sua cintura, também precisará dos serviços dele em breve. — ela
debochou.
Julian ignorou o comentário rancoroso e infundado e mergulhou em uma reverência
respeitosa. Anos de constante repreensão da mãe em decorrência da aparência física dele lhe
proporcionaram uma boa couraça diante dos insultos farpados da mãe.
— Mãe. — ele respondeu, alto o bastante para que aqueles ao redor ouvissem.
A queda no canto dos lábios dela foi suficiente para ele. A ex-condessa de Newhall sempre
mentiu a idade. Ter um filho adulto não era algo que ela gostaria que fosse dito em público.
Quando ele levantou a cabeça, o olhar recaiu na gargantilha de esmeraldas e diamantes que a
condessa usava na garganta. Um par de brincos de esmeraldas cortados em gota completava o
conjunto.
Ele rangeu os dentes. O conjunto era parte da coleção do espólio Newhall. Ela o levara, junto
a uma série de outras joias inestimáveis, quando abandonou o pai de Julian e fugiu para a Áustria
para ficar com o amante de sangue real. Ela não tinha direito a eles. Nenhum.
— Senhora, essas joias não lhe pertencem. Exijo que as devolva, além de outros itens de
propriedade do título que ainda estão em sua posse, e imediatamente. Posso fornecer uma lista
caso precise de uma, começando com o Rubi Cruzador. — ele afirmou.
O colar de rubi e diamante foi a peça central das joias da Propriedade Newhall por mais de
setecentos anos. Até hoje, Julian não conseguia entender por que o pai havia deixado o símbolo
da honra da família ser retirado da Inglaterra. Ser roubado por uma mulher que odiava até mesmo
a simples visão do homem.
— Como ainda não se casou, eu continuo sendo a Condessa de Newhall. Então, estou dentro
dos meus direitos de usá-los. — respondeu ela com rispidez.
Julian segurou o sorriso satisfeito que adoraria ter aberto naquele instante.
— Na verdade, senhora, como voltou a se casar, e agora é a Condessa de Lienz, seu ponto é
infundado. Não é mais a Condessa de Newhall. Terei muito gosto em falar com o conde e tratar
da recuperação dos meus bens, se assim preferir.
A notícia do casamento da mãe chegara a ele enquanto ele ainda trabalhava em Paris. Ela
agora era a esposa de um conde austríaco, o exato homem com quem ela fugiu há tantos anos.
Ela abanou o leque noturno, pintado à mão com esmero.
— Ora, muito bem. Amanhã vou visitá-lo e terá suas bugigangas de volta. Para ser sincera,
são bastante berrantes. O ouro da tiara que seu pai me deu manchou um pouco, o que suponho
ser o que acontece com produtos baratos.
Julian cansou-se depressa do encontro com a mãe. Fazia mais de dez anos que ele a vira pela
última vez, e a inimizade não diminuiu com o tempo.
— Falando em produtos baratos, vejo que não desenvolveu nenhum bom gosto quando se
trata de mulheres. — ela disse. O olhar agora estava fixo em Caroline, que cravou os dedos no
braço dele. — Deus nos livre de você manchar a pureza inglesa do sangue da família Palmer com
uma esposa que é metade francesa. Seu pai reviraria no túmulo. Por favor, me diga que ela é sua
amante e nada mais.
Julian estava prestes a convocar palavras galantes para defender o caráter e a criação de
Caroline, mas ele não precisou.
— Tendo conhecido a senhora, espero nunca ser apenas a amante de um homem. Pela
maneira como está envelhecendo, posso ver que os anos vivendo em pecado não fizeram nada
por sua aparência. — comentou Caroline.
Alguém poderia cortar o ar com uma faca. Julian se perguntou se a mãe já havia sido
abordada com tamanho insulto e desrespeito na vida. Ele duvidava.
A condessa abriu a boca, e Julian se preparou para uma resposta vil.
— Considerando sua fama de provocadora, imagino que não precisará se preocupar em ter
algum homem deitando-se com você, minha querida. — a condessa disse.
Ela não o decepcionou.
Caroline ofegou.
Pelo canto do olho, Julian viu Francis Saunders, os cabelos brancos, sair do jardim. Ele
acenou para ele, na vã esperança de evitar o derramamento de sangue iminente.
— Ah, Newhall. Obrigado. Procurei Caroline pelos últimos quinze minutos. Ótimo trabalho
por encontrá-la. — disse Francis.
Caroline soltou o braço de Julian e correu para o lado do irmão. Ela deu um breve aceno em
agradecimento a ele, e Francis logo levou a irmã para longe.
A condessa os observou partir e, em seguida, voltou-se para Julian.
— Sério, Newhall, por que está perdendo seu tempo com uma meretriz dessas? Todos sabem
que ela tem um grupo particular de jovens que a seguem a todos os lugares. Claro, se desejar
uma esposa que lhe dê uma ninhada de filhos, sendo cada um de um pai diferente, então fique à
vontade. Isso lhe pouparia o trabalho. Soube que não é tão afeiçoado às mulheres. Se isso for
verdade, então a garota Saunders pode ser exatamente o que está procurando.
Julian respirou fundo e segurou a resposta automática aos insultos farpados da mãe. Esses
eram apenas os mais novos de uma longa série de provocações, todas projetadas para causar o
máximo de dor e constrangimento a ele.
Ao menos nisso eles concordavam. Caroline Saunders seria uma péssima escolha para a
próxima Condessa de Newhall.
— Não, Vossa Alteza. Fique tranquila. Caroline Saunders é a última mulher que eu gostaria
de ter como esposa. Pelo breve convívio que tive com ela, eu diria que ela é tão implacável e fria
quanto você. E após ter suportado uma infância miserável, eu nunca infligiria essa mesma
infelicidade aos meus próprios filhos.
E com isso, ele curvou-se à condessa e se despediu. O que deveria ter sido uma noite
tranquila e relaxante em boa companhia transformou-se em uma noite de frustração e raiva lenta.
Ao subir na carruagem, ele puxou um cantil de um dos bolsos do casaco. Ele logo derramou
o conteúdo na garganta, antes de enfiá-lo de volta no bolso.
Mulheres bonitas e vaidosas poderiam ir para o inferno.
Capítulo Seis

— N ãoNewhall.
acredito que aquela mulher tem a coragem de desfilar pela cidade com as joias
Ela não tem esse direito. Mesmo que não tivesse voltado a se casar, sua mãe
renunciou a qualquer direito a elas no dia em que abandonou seu pai. — Lady
Margaret disse.
— Sim, pois é. A partir de hoje, isso não será mais um problema. Ela enviou um comunicado
nesta manhã, que chegará pouco antes do meio-dia, e as joias serão entregues. Ao terminarmos
com isso, não espero revê-la. — Julian respondeu.
Lady Margaret se mexeu na cadeira, desconfortável. Ele viu que as mãos dela estavam
cerradas em punhos.
— Prefere que eu me retire para o meu quarto durante a visita dela? Ela ainda não reconhece
minha existência em público.
Julian balançou a cabeça.
— Não. No que me diz respeito, até que eu tome uma esposa, você é a senhora da
Propriedade Newhall. A condessa não tem direitos nesta casa. Não precisa se esconder dela.
Lady Margaret pegou o diário e sorriu. Pode não ser a mãe dele, mas após tudo o que fez
para curar o coração partido do pai dele, Julian tornou-se um feroz protetor dela.
De entre as folhas do diário, ela tirou uma folha de papel dobrada e mostrou a ele.
— Finalizei a lista de moças aptas para o evento em sua propriedade. Pensei que poderia
gostar de lê-la. Quanto mais cedo eu puder enviar os convites, maior a chance de termos casa
cheia.
Julian estendeu a mão e pegou o papel. Ele passou o olhar pela lista de nomes. Mal conhecia
as moças que Lady Margaret havia selecionado, então precisaria confiar no julgamento dela.
— Se elas são da sua aprovação, tenho certeza de que a lista é boa. — ele disse.
Um lacaio entrou na sala de visitas e se curvou.
— Sua Alteza, a Condessa de Lienz.
Lady Margaret e Julian se entreolharam quando Julian devolveu a lista.
A mãe entrou na sala com toda a postura que a chegada a um grande baile exigiria. Ela deu
uma olhada em Lady Margaret e desviou o olhar. Estendeu uma caixa de ouro para Julian, e
soltou-a. Ele conseguiu uma captura célere, antes de a caixa cair no chão.
— Trouxe suas bugigangas baratas. Meu querido conde diz que não podemos permitir que
faça estardalhaço por toda a cidade, afirmando que roubei de você. Esqueci-me do quão feias
algumas das peças são. — ela disse.
Julian ignorou os comentários e colocou a caixa na mesa perto dele. Um suspiro de
consternação veio da mãe quando ele a abriu e examinou as peças, uma a uma.
— Não confia na sua própria mãe? É o cúmulo dos maus modos, Newhall. — ela disse.
Ele ergueu os olhos da caixa e a fixou com um olhar de aço.
— Senhora, o Rubi Cruzador não está aqui. Pensou que eu não iria verificar?
Lady Margaret levantou-se de onde estava.
— Deixarei os dois para resolverem este assunto.
A condessa olhou-a de cima a baixo com lentidão. O olhar dela fixou-se na lista que Lady
Margaret segurava. Ela logo a arrebatou, e pôs-se a ler.
— Então, o que é isso? — ela riu.
— Não é do seu interesse. — Julian respondeu.
A condessa acenou a folha de papel na frente do rosto dele e riu mais uma vez.
— Sei do que se trata, é uma lista com os nomes de senhoritas elegíveis. Não me diga que
enfim escolherá uma esposa, Newhall?
— O colar. —Julian respondeu.
A condessa olhou de Julian para a lista, e de volta. Um sorriso perverso surgiu.
— Devo ter voz na escolha da minha sucessora. Não é uma bela barganha? O Rubi Cruzador
em troca de uma lista.
— O quê? — ele respondeu.
— Dou-lhe o colar se me permitir fazer a lista final e enviar os convites. Vou me certificar de
que a próxima condessa seja da família certa. Já vi que várias das moças nessa lista vêm de
dinheiro novo, o que deixa claro que Lady Margaret não faz ideia do que está fazendo. Não pode
permitir que a amante de seu pai lide com assuntos relacionados ao seu futuro casamento. Como
sua mãe, essa decisão cabe a mim.
Julian olhou para Lady Margaret. Ele rangeu os dentes quando viu lágrimas brilhando nos
olhos dela. A mãe o tinha em desvantagem, e todos sabiam disso. Se ele não concordasse com os
termos dela, talvez nunca mais visse a peça mais inestimável da coleção Newhall.
— Concordo. Pode fazer a lista final e enviar os convites. No entanto, Lady Margaret deve
receber uma cópia dos nomes escolhidos. Como ela está me ajudando a organizar a reunião, ela
deve saber quem virá. — ele respondeu.
A condessa dobrou a lista com pressa e a colocou na retícula.
Por vários minutos após a saída da condessa, Julian e Lady Margaret permaneceram em
silêncio na sala de visitas. A mente dele era um turbilhão de ideias e preocupações. O que a mãe
planejava? Negociar com as várias potências europeias após a queda de Napoleão foi mais fácil
do que seria lidar com ela.
Trancado com esmero em suas memórias estava o conhecimento de que a condessa sempre
deixava algo em segredo. Nada nunca foi simples com ela. A única certeza que ele poderia ter
acerca da mãe, é que ela não era uma mulher confiável.
A mente de Julian já havia feito uma longa lista com os possíveis resultados de permitir que a
mãe ajudasse a selecionar as convidadas para os festejos na casa dele. Da miríade de resultados,
muito poucos seriam favoráveis a ele.
Ele precisaria ter cuidado ao lidar com tudo relacionado a este evento. Conhecendo a mãe,
ela faria de tudo para arranjar um casamento para ele que fosse mais do que inadequado.
Uma esposa que o tratasse com os mesmos requintes que ela tratava o pai dele, essa seria a
vingança derradeira por ele ter a temeridade de nascer. Nada a deixaria mais feliz do que ver o
único filho miserável.
Mesmo agora, ele conseguia imaginá-la sentada na bela carruagem, a caminho do novo
marido, planejando a melhor forma de machucar o filho.
— Lembre-se, não importa quem ela escolha convidar, você não precisa se casar com
nenhuma delas. — Lady Margaret disse por fim.
— Sim. Todavia, que danos ela conseguirá causar nesse meio tempo? Será que as mães da
Sociedade vão ser informadas de que eu sou uma espécie de monstro, totalmente inapto para o
casamento?
Só após ele regressar a Londres, ao fim desse evento de uma semana, é que ele saberia se o
preço para a recuperação do Rubi Cruzador era maior do que ele poderia arcar.
Capítulo Sete

J ulian e Lady Margaret pararam à entrada do salão de baile de mais um evento da Sociedade.
No fim, ele só concordou em acompanhar Lady Margaret com o intuito de acalmá-la com
relação à iminente festa que dariam. Caso contrário, ele estaria sentado na tranquilidade de casa,
apreciando um ou dois copos de um belo conhaque francês.
— Não ficaremos até o fim da festa. Só quero ver alguns amigos. — Lady Margaret disse, e
se inclinou para perto. — E para ficar atenta a quaisquer boatos que sua mãe possa estar
espalhando. — ela apontou na direção de um grupo de recém-chegados e deu um alegre aceno de
despedida a Julian. — Eu o verei em algumas horas. Agora vá e divirta-se.
Ele mergulhou em uma reverência.
— Tenha cuidado. A condessa tem a experiência de uma vida inteira de atos perversos. Não
seria bom se envolver em nenhuma de suas maquinações.
Após caçar um copo de conhaque, Julian deu início ao seu percurso habitual em um salão de
baile. Era interessante observar a sociedade londrina em seu habitat favorito: o salão de festas.
Para cada dândi jovem com vestes finas, havia uma dúzia de homens de meia-idade acima do
peso que mal cabiam nas próprias roupas.
Além deles, havia as matronas, rígidas em sua hierarquia. As esposas dos homens mais
velhos sempre eram o centro das atenções nos vários círculos de mulheres. Em seguida, vinham
as esposas dos donos de títulos menores, as amigas dessas e, por fim, à margem do círculo
ficavam as Novas Ricas.
Ele bufou, frustrado.
O fato de a fortuna dessas mulheres poder comprar as propriedades dos títulos mais antigos, e
várias vezes seguidas, não parecia contar para nada. Era muito mais importante que um parente
no passado, mesmo que no mais distante, tivesse parentesco com algum rei morto há muito
tempo. Ou que tenha lutado em alguma batalha sangrenta. A Sociedade e suas regras.
Virando uma esquina, ele se deparou com a área reservada à dança. Era um amontoado de
casais. À moda típica da alta sociedade, muitos convidados aglomeraram-se em um espaço muito
pequeno. O cômodo era sufocante de tão quente. Ele tomou o último gole de seu conhaque e
entregou o copo a um lacaio que passava.
Ele estava prestes a procurar o ar mais fresco da sala de jantar e provar as delícias ali
expostas, quando a avistou.
— Maldita Caroline Saunders. — ele murmurou para si.
Fiel à forma, ela estava parada e rodeada por vários admiradores, todos disputando sua
atenção. Ele a observou por um tempo. Ela ser uma beldade era um fato inegável.
O corpo dele se agitou ao assimilar as curvas suaves dela. Os quadris eram de um
arredondado perfeito. O tecido do vestido prateado mal os beijava, antes de cair com graça logo
acima de suas sapatilhas prateadas. O olhar dele se demorou no monte de seus seios, que
alcançava o topo do corpete. Eram uma delícia sedutora, e os dedos dele coçavam para tocá-los.
No cabelo, ela usava várias fitas longas. Fitas que desciam pelas costas para descansar em um
bumbum muito feminino. Julian lambeu os lábios. Como seria delicioso passar a língua naquelas
costas nuas e colocar beijos suaves naqueles quadris.
Ele se interrompeu com um susto. Ele estava se entregando a uma fantasia particular,
esquecendo-se por um instante, de onde ele estava e quem ela era. Ele não precisava olhar para
baixo para saber que estava duro como pedra.
O objeto de sua atenção virou-se e sustentou o olhar desavisado dele. Sem pensar, ele sorriu
para ela.
Inferno.
O sorriso sumiu do rosto dele quando ela começou a marchar, com grande propósito, em
direção a ele, o grupo de admiradores correndo atrás dela.
Inferno, maldito inferno.
— Lorde Newhall. — ela disse, parando a alguns passos dele.
Ele obrigou-se a fazer a reverência apropriada que a sociedade educada lhe exigia. Após o
último encontro, ele teria preferido virar-se, dando-lhe as costas enquanto se afastava. Contudo,
as normas profundamente enraizadas em homens do status dele, por mais que ele desejasse
ignorá-las, o obrigaram a dizer:
— Senhorita Saunders, como está esta noite?
Ela olhou para os homens que a seguiam e suspirou. Na parte de trás do grupo estava o tolo
infeliz de quem Julian, ao que parece, a resgatou no baile no início da semana. O cavalheiro em
questão ou não aceitou a dica ou, como Julian suspeitava, não foi autorizado a deixar a esfera de
influência de Caroline Saunders.
Ele se perguntou se apresentar-se como uma donzela em perigo foi apenas isso: um teatro
para chamar a atenção de mais um homem e provocar ciúmes em seus discípulos. Quanto mais
olhava para Caroline, mais não gostava dela.
— Gostaria de dançar. Deve-me isso. — ela disse.
A oferta dela de dançar com ele não caiu bem com o grupo de admiradores. Um burburinho
de desaprovação atravessou os membros da comitiva da Rainha de Gelo. Julian, o intruso, estava
sendo puxado para o topo da fila, e os seguidores fiéis não ficaram felizes.
Ela ostentava uma postura de aço, ele cederia nisso. Após o modo encantador como ela lidou
com ele e a mãe dele, ele estava certo de que era ela quem devia algo a ele, mas o olhar naquele
rosto mostrava que ele não chegaria a lugar nenhum protestando.
Caroline estendeu a mão e mexeu os dedos com impaciência para ele.
Julian adoraria dar um tapa naqueles dedos longos e elegantes.
— Tem certeza de que um desses outros senhores não poderia acompanhá-la em um
conjunto? Posso garantir que qualquer um deles estaria muito mais ansioso do que eu para girar a
senhorita pelo salão.
Ele curvou os dedos dos pés nas botas para segurar o prazer que sentiu com a raiva que
surgiu no rosto dela. Quando seus olhares se encontraram, ele piscou devagar. Tentadoras
ardentes como ela eram presas fáceis para um homem de cabeça fria.
No entanto, ele a ansiava. O desejo e a antipatia por Caroline agora lutavam por atenção.
— Não. Eu gostaria de dançar com o senhor. — ela respondeu.
Julian considerou as opções diante dele. Ele poderia dizer não, e então ter um membro
arrancado por um dos admiradores no rebanho, devido à insolência. Talvez não fosse um bom
começo de noite.
Ele poderia rejeitar a oferta alegando uma lesão pré-existente, o que seria covardia, e ele
precisaria mancar pelo resto da noite. Significaria também admitir que ela o provocava. Ele
preferia enfiar agulhas nos olhos antes de admitir tal noção tola.
O que o deixava com uma única opção. A menos atraente de todas.
Ele precisaria dançar com ela.
— Claro. — ele respondeu com um sorriso diminuto. Ele segurou a mão dela, ignorando os
esguichos de protesto dos outros.
Julian levou Caroline para a área de dança enquanto uma valsa começava, e em um
movimento cronometrado com habilidade, ele puxou-a para bem perto dos braços. Ele ignorou o
gritinho de protesto. Até onde ele sabia, ela não esclareceu nenhuma diretiva para a dança.
— Lorde Newhall, não me segure com tanta pressão. — ela disse.
— Cale-se e dance. — ele respondeu.
Felizmente, os demais murmúrios de protestos foram abafados pela orquestra. Quando uma
Caroline frustrada tentou pisar em seu pé, Julian pisou na lateral da sapatilha de noite dela com a
ponta da bota. Ele sentiu uma pitada de satisfação perversa, quando a bota tocou o pé delicado
dela.
— Cuidado com seus pés, Senhorita Saunders. Pode se machucar.
Ele a girou, o giro célere, e os braços dos dois se esfregaram enquanto ela tentava segurá-lo.
Claro, ele sabia exatamente o que fazia, a aderência era certa. Ele estava mais do que contente
em insultá-la na área de dança, mas ele não pretendia deixá-la cair de verdade.
No giro seguinte, ela conseguiu acompanhá-lo, sem deixar de evitar que os próprios pés
ficassem sob as botas grandes de Julian. Ele ergueu uma sobrancelha em agradecimento. Ela era
uma dançarina habilidosa. E uma lutadora.
Caroline recusou-se a encontrar o olhar dele. Em vez disso, ela sorria para todos os outros
casais que passaram. Embora o sorriso tenha continuado firme naquele rosto, ele estava certo de
que a ouviu murmurar "patife" quando a puxou para mais um giro.
Quando a música enfim terminou, pouco depois, Julian diminuiu a velocidade para o último
giro e devolveu Caroline à firmeza dos próprios pés em segurança. Todos aplaudiram a
orquestra. Em seguida, ele a olhou e absorveu a expressão de raiva que permeava o rosto dela. A
mandíbula estava rígida e os lábios juntos e tensos. Ela estava furiosa.
Julian, desfrutando dos instantes de triunfo em silêncio, apenas sorriu de volta.
Enquanto os outros convidados saíam da área de dança, Caroline continuou onde estava.
Julian esperou pelos cumprimentos habituais de uma parceira de dança, mas as mãos dela
estavam cerradas e firmes em punhos raivosos.
— Seu… Seu ignorante. — ela gaguejou.
Ele limpou a garganta.
— Na verdade, tenho vários diplomas da Universidade de Edimburgo, então não sou nada
ignorante, muito menos seu, Senhorita Saunders. Exigiu que eu dançasse com você, e foi
exatamente o que fiz. Nada mais e nada menos.
As bochechas dela passaram de um rosa pálido suave para um vermelho brilhante. Ele podia
ouvir a respiração dela, forte, o ar sendo sugado pelo nariz e saindo pela boca.
— Como ousa? Você é um bruto. Nunca mais falarei com o senhor.
É tudo ou nada.
— Só posso viver na esperança de tal prazer. — ele respondeu.
O suspiro que saiu daqueles lábios completou a noite de Julian. Ele desejava que alguém lhe
entregasse champanhe e uma medalha por seus esforços.
— É o homem mais rude que já conheci, me balançou como um trapo molhado durante toda
a dança. Nunca mais falarei com o senhor. — ela rebateu.
— No entanto, seus lábios ainda se movem. Sério, Senhorita Saunders, deve se decidir. —
ele respondeu.
Nisso, com sua última e mais satisfatória réplica, Julian deu um passo para trás e começou a
se afastar. O inferno congelaria antes que ele se curvasse à Rainha de Gelo outra vez.
Enquanto ele se dirigia para a sala de jantar em busca de um doce, ele se virou uma última
vez e observou com nojo enquanto o grupo de admiradores de Caroline corria pelo salão e se
reunia em torno dela.
— Tolos. — ele murmurou.
E assim que o último membro da corte se aproximou, e Caroline saía de vista, Julian poderia
jurar que ela ainda o olhava. Foi um leve sorriso que ele viu nos lábios dela?
Não. Ele deve ter imaginado.
Capítulo Oito

C aroline arrastou-se da cama, com bastante relutância na manhã seguinte. Se ela tivesse voz no
assunto, as cobertas teriam continuado a cobrir seu rosto, e ela teria dormido até o meio-dia.
No entanto, alguns membros da família pareciam ter outras ideias.
— Seu pai quer falar com você com urgência. — a criada disse.
Com um grande bufo, ela jogou os cobertores para o lado. Balançando as pernas ao lado da
cama, ela ficou de pé.
— Ai!
Ela baixou o olhar e viu o hematoma na parte externa do pé direito.
— Pé grande. — ela murmurou.
Restavam poucas dúvidas a ela de que Lorde Newhall pisara de propósito em seu pé. Ela viu
o sorriso astuto ameaçando surgir no canto da boca dele quando a bota dele se conectou ao canto
da sapatilha de dança dela.
Uma boca que foi abençoada com lábios cheios. Fizeram o coração dela tremer ao olhar para
eles. E aqueles olhos cinzentos. Esferas que prometiam todo tipo de delícias pecaminosas. Julian
Palmer foi um protagonista ferrenho dos sonhos dela esta noite.
Com toda a certeza, ele era um homem incomum. Ele contestara, sem rodeios, a condição
dela de Rainha do Salão de Baile. Poucos outros homens na Sociedade teriam tido a ousadia de
se dirigir a ela como ele fez. Estava claro que qualquer encanto que ela exercia nos outros, não
afetava o Conde de Newhall.
Ele incutiu uma mistura inebriante de frustração, aborrecimento e luxúria fervente nela. Ela
era inocente nos caminhos do amor, mas a emoção calorosa que percorria o corpo dela toda vez
que ele se aproximava dizia tudo o que ela precisava saber. Ele poderia ensiná-la muitas coisas
sobre desejo.
Após se vestir e, às pressas, prender os cabelos em um coque simples, ela bateu na porta do
escritório do pai.
— Ah, aí está. — Charles Saunders disse, saindo de trás da mesa.
Caroline fechou a porta detrás dela e sentou-se no lugar de sempre do sofá mais próximo da
lareira. O escritório do pai, apesar de pequeno, sempre foi frio.
Ele veio e sentou-se na poltrona em frente a ela.
— Recebi uma visita esta manhã.
O olhar dele, junto àquelas palavras, fez o coração dela afundar. Quantas vezes mais eles
teriam essa conversa?
— Quem? — ela perguntou.
O pai suspirou.
— Você ter que perguntar quem pode ter vindo me visitar para pedir sua mão em casamento
fala muito, Caroline. Timothy Walters. Espero que ao menos reconheça o nome.
— Desculpe-me, papai. Ele não falou comigo, nem me avisou que viria vê-lo. — ela
respondeu.
Charles recostou-se na cadeira e juntou as mãos. Ele olhou para ela por cima dos dedos.
— Essa situação não pode continuar. Sua mãe está demasiado preocupada que acabe com a
reputação de… bem… E nós, franceses, não usamos a palavra de maneira mundana, uma
alumeuse. — ele disse.
O calor correu para as bochechas de Caroline enquanto ela assimilava as palavras do pai. Os
pais acreditavam que ela era uma provocadora.
— Contudo, nunca o encorajei. Na verdade, há poucos dias pedi que ele ficasse longe de
mim. — ela suplicou.
— Sim. Sei que não acredita que encoraja esses jovens, mas está claro que eles sentem que
sim. Entretanto entenda, embora nem sua mãe e nem eu estejamos dizendo que você está dando
sinais contraditórios, julgamos ser melhor que fique longe de reuniões sociais por um tempo.
Passar um tempo em casa pode fazer bem à sua reputação. — ele disse.
Caroline levantou-se do sofá. Sentia-se enojada. Nenhuma jovem solteira queria que a
reputação fosse submetida a escrutínio. As matronas da Sociedade eram inclinadas a
desencorajar os filhos de propor casamento a moças com reputação manchada. Mesmo daquelas
como Caroline, filhas de uma das melhores famílias do país.
— Na verdade, papai, eu estava pensando em pedir permissão ao tio Ewan para ir para a
Escócia e ficar no Castelo Strathmore. Essa viagem me manteria fora dos círculos sociais por um
tempo. — ela respondeu.
Charles assentiu.
— Excelente ideia. Enquanto você e Francis passeiam no Hyde Park esta tarde, enviarei uma
mensagem para a Residência Strathmore. Se Sua Graça concordar, você pode partir para a
Escócia em breve.
Caroline abraçou o pai.
— Obrigada, Papai.
O plano dela de escapar de Londres estava em movimento.
Capítulo Nove

Q uanto esforço seria necessário para lançar a mãe na Serpentina? Julian não tinha certeza, mas
caminhar ao lado dela, enquanto ela listava os inúmeros fracassos da vida dele, o deixava
cada vez mais disposto a se arriscar.
Não foi fácil aceitar a oferta de passar a manhã com ela, antes de ela voltar para a Europa.
Ele vinha se arrependendo dessa decisão desde a chegada deles. Seria a primeira e a última vez
que ele faria o papel de filho obediente em público.
Ela estava brincando com ele. A lista final de convidadas para a festa, e o Rubi Cruzador,
ainda estava nas mãos da condessa. O passeio público só servia para manter as aparências. O
homem já adulto ainda a serviço da mãe.
— Você poderia ter assumido um cargo de embaixador. Soube que os americanos estão
ansiosos para reparar algumas relações com a Inglaterra agora que o bestial do Napoleão se foi.
Washington seria um bom começo em sua escalada política. Qualquer lugar seria melhor do que
aquele castelo monótono em Derbyshire. — ela disse.
— Tenho uma propriedade para administrar na Inglaterra e, além disso, Washington deve ser
muito fria no inverno. — Julian respondeu.
Eles estavam caminhando ao longo da margem do elegante lago em Hyde Park, em direção a
uma popular confeitaria para comerem cheesecake e café. A condessa estava em boa forma, para
sua decepção.
— Veja só! Algumas pessoas apenas não sabem como se comportar em público. — ela disse.
Julian despertou das reflexões e olhou para onde a mãe apontava. Em frente a eles, no meio
do lago, havia um par de barcos, lado a lado. No meio de cada barco, um jovem empunhando um
remo, fazendo todos os esforços para respingar água nos outros ocupantes da outra embarcação.
O jovem de pé no barco mais próximo deles tropeçou e quase tombou. A mulher, que estava
sentada no meio do barco, gritou:
— James, pelo amor de Deus, você jogará a todos nós no fundo do lago. Leve-me de volta à
margem!
Julian parou ao som da voz familiar de reprovação. Quando o barco começou a virar devagar
para voltar à margem, ele avistou a jovem ofendida. Era Caroline Saunders. Ele reconheceria
aquele rosto raivoso e reprovador em qualquer lugar.
A condessa se agitou:
— Eu falei que a garota Saunders era comum. Nenhuma senhorita respeitável viria para a
Serpentina e faria tal espetáculo de si. É uma pena que o barco não virou. Eu me divertiria ao vê-
la cair na água.
Quando o barco se aproximou da margem, Caroline ergueu o olhar, e os olhares dela e de
Julian se cruzaram. Ela encarou Julian. Os lábios se moveram, e ele logo registrou a palavra Tolo
dirigida a ele.
O segundo barco se apressou para a margem, atingindo a terra com certa força, e os
ocupantes caíram dos assentos. Francis Saunders tropeçou e se atrapalhou para se manter de pé
no final do barco. A moça que estava com ele conseguiu passar um pé pela lateral e tentou
bravamente encontrar terra firme. Ignorando os protestos da mãe, Julian correu para a água e
ajudou a jovem a chegar em segurança à areia.
— Obrigada. — ela disse.
O barco em que Caroline estava parou ao lado dele. O jovem responsável pelo barco saltou e
tentou agarrar a ponta. Ele errou, e o barco começou a se afastar da costa.
— Perdoe-me! — ele gritou.
O rapaz estava rindo, mas o olhar de Caroline estava longe de ser um de diversão.
— James! — ela gritou.
Quando a terra seca se afastou, ela deu um salto intempestivo do barco.
Julian poderia tê-la pegado se quisesse. Em vez disso, deu um passo para trás e apenas a
assistiu cair de mãos e joelhos na lama molhada à beira do lago.
— Ai! — ela choramingou.
Os outros correram até a beira da água e a ajudaram a se levantar. As saias dela estavam
cobertas da lama negra e espessa. Cobria as mãos e os braços até o cotovelo. Ela era uma visão
terrível.
— James, por favor, vá encontrar nosso condutor e a carruagem. É melhor levarmos Caroline
para casa e para roupas secas, antes que ela pegue uma friagem mortal. — Francis disse.
A mulher que Julian ajudara a sair do outro barco pouco antes, tirou o casaco e o colocou nos
ombros de Caroline, e ofereceu palavras de conforto. Caroline fechou os olhos e começou a
soluçar.
Julian, envergonhado por ter deixado Caroline cair na lama, desviou o olhar depressa. Ele se
afastou da beira do lago e se juntou à mãe.
— Muito bem, Newhall. Deu à megera o que ela merece. Não o julgava capaz disso, mas o
fez. — ela disse.
Julian seguiu a condessa até a antiga confeitaria, um prédio de tijolos, situada à beira do lago.
O tempo todo, ele se amaldiçoou em pensamento por seu ato vergonhoso. Essa foi a única vez
em que a mãe aprovou algo que ele fez e, em vez de se sentir bem, ele não sentia nada além de
total vergonha.
Capítulo Dez

— C aroline, junte-se a nós.


A mãe mandara avisar que deixasse a costura de lado e viesse para a sala de estar
formal. Havia uma convidada especial à espera.
Com os cabelos recém-penteados e presos em um coque suave, Caroline verificou os vincos
do vestido, antes de ir para a elegante sala de estar da mãe. Apenas os convidados mais
importantes eram recebidos lá por Adelaide.
O sorriso plácido que havia conjurado ao entrar na sala congelou ao ver a Condessa de Lienz
sentada em um dos sofás de seda verde-profundo da mãe.
— Vossa Alteza, deixe-me apresentá-la à minha filha mais nova, Caroline. — Adelaide
anunciou.
O coração de Caroline começou a acelerar no peito. Será que a condessa veio reclamar do
comportamento de Caroline no baile?
— Ah sim, vejo a semelhança. — a condessa respondeu.
— Caroline, esta é a Condessa de Lienz, ex-Condessa de Newhall. Ela veio compartilhar
algumas notícias maravilhosas conosco. — Adelaide disse.
Caroline mergulhou em uma reverência profunda.
— Vossa Alteza.
A condessa estendeu a mão, e Caroline não teve escolha a não ser aceitá-la. A condessa a
olhou e sorriu com doçura:
— Então, os rumores são verdadeiros. A senhorita é uma beldade rara. Como ainda não está
casada? Não me diga que está esperando para se casar por amor, minha querida.
Adelaide riu baixinho.
— Meu marido e eu demos o exemplo de um casamento feliz. Minhas duas filhas acreditam
no amor.
A condessa tossiu, e Caroline sentiu que ela precisou de todo o autocontrole do mundo para
não debochar de Adelaide por ter criado tais expectativas de casamento para suas filhas.
— Bem, amor pode até chegar, mas não se esqueça do dever. Fazer um bom casamento é seu
dever para com seus pais. Muitos casamentos baseiam-se em amizade ou, pelo menos, em
respeito. — a condessa respondeu.
— Sim, Vossa Alteza.
— Agora vá se sentar com sua mãe, enquanto discutimos as boas novas.
Caroline sentou-se no sofá ao lado da mãe e colocou as mãos no colo.
A condessa sorriu mais uma vez.
— Vim convidá-la para uma festa campestre, no Castelo Newhall. Meu filho decidiu
convidar um seleto grupo de moças e seus acompanhantes para passar uma semana no castelo.
Não é empolgante?
Adelaide virou-se para Caroline e pegou-a pela mão.
— Lorde Newhall está muito mal devido ao acidente na Serpentina, e quer pedir desculpas.
O olhar de Caroline voou da mãe para a condessa.
A condessa balançou a cabeça.
— Julian afundou-se de remorso na volta para casa. Embora tenha sido um simples acidente,
ele se culpa pela queda da senhorita na lama da margem do lago. Ele sente que deveria ter se
empenhado mais para salvá-la. E embora a senhorita, é claro, não o responsabilize, ele está
ansioso para recebê-la em Derbyshire, e assim, poder pedir desculpas ele mesmo.
As palavras da condessa pingavam de insinceridade, mas Caroline viu o sorriso radiante no
rosto de Adelaide. Havia poucas razões para um nobre solteiro convidar um grupo de moças
elegíveis para se hospedarem por uma semana em sua propriedade rural, e todas continham a
palavra casamento.
Ela não conseguia entender os motivos da condessa para convidá-la, mas pela reação da mãe
ao convite, Caroline sabia não ter escolha.
— Obrigada, Vossa Alteza. Eu adoraria participar da festa. — Caroline respondeu.
A condessa levantou-se e pegou as luvas.
— Meu único pesar é não poder ser a anfitriã do encontro. Meu marido e eu navegamos para
o continente nos próximos dias, e ele não pode mudar sua programação. Newhall encontrará
alguém para ajudar com quaisquer preparativos que eu não tenha finalizado antes de partir.
— É uma pena, alteza. — respondeu Adelaide.
— Sim, pois é.
Caroline notou as subjacências no comentário da condessa e se obrigou a não franzir a testa.
A mãe de Lorde Newhall parecia tudo, menos descontente, por não poder comparecer à reunião.
Assim que a condessa partiu, Adelaide e Caroline voltaram para a sala de visitas.
— Preciso ir mesmo? Poderíamos desistir de última hora? — disse Caroline.
A mãe dela pareceu mortificada.
— Não, óbvio que não. Lorde Newhall é um dos homens mais elegíveis de toda a Inglaterra.
É claro que deve ir.
— Mas…
Caroline estava prestes a explicar os vários encontros desagradáveis que tivera com Lorde
Newhall, mas desistiu. Já era ruim o bastante que os pais a considerassem uma provocadora,
recusar até mesmo a menor oportunidade de se tornar Condessa de Newhall seria impensável.
— Sem, mas. Queria sair de Londres. E sei que queria ir para a Escócia, mas encare esse
evento como uma oportunidade muito melhor do que apenas sentar-se entre as muralhas varridas
pelo vento do Castelo Strathmore. Quem sabe, pode até conseguir um marido na viagem.
Resignada, Caroline voltou para a sala de estar no andar de cima e voltou para a costura. Ao
empurrar a agulha de volta na bainha da camisa de dormir que costurava para Francis, ela
xingou.
— Uma maldita semana inteira com Newhall, é tudo que eu precisava.
Capítulo Onze

— U ma festa campestre nessa época do ano é um pouco estranho, não concorda? O tempo
naquela região estará bem frio. Para começar, não haverá muitas oportunidades para
jogos ao ar livre. Já imaginou tentar jogar bowls e bolão na neve? Eu, por exemplo,
ficarei feliz por não comparecer.
Caroline olhou para a mãe e para tia Mary, sentadas em um sofá próximo na sala de estar da
família Saunders, antes de responder à prima.
— Não vem?
— Não. O casamento da minha amiga Leah é em algumas semanas, e ela pediu que eu a
ajudasse com os últimos preparativos do casamento. Uma viagem até Derbyshire está
simplesmente fora de questão. — Claire respondeu.
Caroline passara a maior parte do dia anterior refletindo acerca da visita e do convite da
Condessa de Lienz. Lorde Newhall poderia convidar todas as jovens solteiras de Londres para a
festa, mas ela, por exemplo, passaria o máximo de tempo que pudesse longe dele.
O comportamento patético dele, de enviar a mãe para se desculpar pelo incidente na
Serpentina, a tomou de raiva. Ele recuou de propósito e se certificou de que ela caísse na lama. O
único arrependimento dela para aquela tarde à beira do lago foi não ter se levantado rápido o
suficiente para jogar um grande punhado de lama molhada na direção dele. Da próxima vez que
ela encontrasse Lorde Newhall, ele ouviria poucas e boas. Ele poderia pegar o pedido de
desculpas e dá-lo a alguém crédulo o suficiente para acreditar.
Homem rude, pomposo, horrível.
— Mamãe diz que preciso ir. Ao que parece, preciso agir para alterar meu estado civil, e ela
acredita que Newhall é a oportunidade perfeita. Ela e papai estão preocupados que eu esteja
ganhando certa reputação. Ela diz que preciso fazer novos amigos. Quer que eu tente ser
simpática com Newhall, acredita? Após o que ele fez comigo no lago, ele teria mais chances de
fazer amizade com o diabo. — ela respondeu.
Claire inclinou-se para perto, para as mães não poderem ouvir.
— Poderia levar James com você? Aquele meu irmão caiu em um mau humor inexplicável.
Ele se arrasta pela casa o dia todo, e só resmunga caso falem com ele. O mais animado que ele se
mostrou foi ao vê-la cair do barco.
Caroline se aprumou. Ela e James eram próximos. O primo compartilhava muitos de seus
gostos em música, dança e teatro. Uma semana com ele no interior parecia promissor. A miséria
amava companhia, e se ela precisasse ir para o Castelo Newhall mesmo sob protestos, ter James
ao lado dela tornaria a viagem mais suportável.
— Sim, claro. Falarei com Francis, para que ele concorde. Nós três faremos nossa própria
trupe viajante. — ela respondeu.
Adicionar seu primo favorito ao grupo seria um bônus muito bem-vindo. Assim, Caroline
poderia dividir os entretenimentos com Francis e James, enquanto assistia com diversão as outras
jovens disputarem a mão do bonito como o diabo, mas mais do que inadequado, conde. Eles
buscariam a própria diversão na festa.
A notícia da festa se espalhou rapidamente pelas salas de estar da sociedade londrina. Duques
e marqueses ainda à procura eram uma raridade ao fim da Temporada oficial, então a perspectiva
de um conde em busca declarada por uma esposa era uma distração repentina e bem-vinda para
as matronas da Sociedade.
— A Condessa de Lienz convidou-a? Ouvi dizer que ela é temível. — Claire disse.
Caroline bufou. A condessa era uma atriz primorosa quando convinha, mas Caroline a
considerava tão charmosa quanto uma cobra.
— Sim, embora seja certo alívio saber que a Condessa de Lienz não participará da festa. Ela
tem as rédeas de quem vai ou não para a festa. Um pouco estranho, não concorda?
As sobrancelhas de Claire se ergueram.
— Bem, será poupada da companhia da condessa, pelo menos. E você fará um grande favor a
toda a minha família, tirando James de casa por ao menos uma semana.
Caroline sorriu.
— Derbyshire nos espere.
Capítulo Doze

C aroline ouviu a porta da sala de café da manhã abrir e ergueu o olhar para ver o irmão mais
velho, William, entrar.
Ela pulou da cadeira e o cumprimentou com um abraço. Ele voltara à Inglaterra há alguns
meses, mas toda a família Saunders ainda o cumprimentavam como na primeira vez em que ele
pisou na casa após cinco anos longe na França.
—Que bom poder o ver. Trouxe Hattie? — ela disse.
— Não. Ela saiu tarde ontem à noite do Sopão e ainda está dormindo. Pensei em vir vê-la,
antes que partisse para Derbyshire. — ele respondeu. Ele ergueu um par de sapatinhos azuis e
sorriu ao olhar para eles. — E mamãe me presenteou com mais um par de sapatinhos de tricô
para o bebê.
O recente casamento de Will com a assistente social voluntária, Harriet Wright, foi logo
seguido pela notícia de que esperavam o primeiro filho. Adelaide Saunders já havia tricotado
diversas roupas de bebê para o tão esperado primeiro neto.
Seu irmão alto, de cabelos escuros, sentou-se à mesa do café da manhã, e Caroline retomou
seu lugar.
— Foi bom vir me ver. — ela disse.
Conhecendo Will, havia mais na visita dele do que um simples até logo.
Caroline esperou que Will tomasse o primeiro gole de café, antes de fazer a pergunta óbvia:
— Papa me disse que você conhece Lorde Newhall de seu tempo na França, no pós-paz.
Suponho que veio me dizer que ele não é um mau sujeito, e que eu devo ser agradável com ele.
Resumi bem?
Will baixou a xícara.
— Sim, é por isso que estou aqui. Soube por Francis que você e Newhall estão em desacordo
há algum tempo, e vim pedir a você que ao menos tente recomeçar.
— Por quê?
— Porque Julian Palmer é um bom homem. Ele prestou um grande serviço ao país, e mesmo
que não goste muito dele, ele merece seu respeito. — Will respondeu.
Will não era de titubear. Era mais direto que a maioria dos homens. A vida de agente secreto
durante o reinado de Napoleão o mudou. A morte da primeira esposa também. Caroline sabia
que não poderia ser tão petulante com Will como costumava ser com Francis.
Ela queria dizer que poucos homens mereciam respeito. Que os homens eram, na melhor das
hipóteses, criaturas cansativas. No entanto, ela não era boba. Will daria pouca atenção a tais
sentimentos.
— Está bem. Serei educada e respeitosa com ele enquanto estiver hospedada na casa dele.
Não é como se eu estivesse planejando me casar com ele. Na verdade, espero continuar solteira
por algum tempo. — ela respondeu.
Will bufou em evidente frustração.
— Não me venha com tolices, Caroline. Casamento é maravilhoso. Amei e perdi e, pela
graça de Deus, reencontrei o amor. Prometa-me que irá para o Castelo Newhall com pelo menos
a mente aberta, se não pode ir com o coração aberto.
— Não posso ir de coração aberto. Lorde Newhall não me parece um homem capaz de muita
emoção. — ela respondeu, magoada com as palavras dele.
— E aí que muito se engana. Eu estava com Newhall, em Paris, quando ele recebeu a notícia
da morte do pai. Acredite, Caroline, ele ficou devastado. Não julgue os outros com base em sua
própria frieza e indiferença. Corre o risco de se apaixonar por alguém que só a valorize por sua
beleza. Partiria meu coração ver isso acontecer. Você merece mais. — ele disse.
Will tomou um último gole de café e levantou-se da mesa.
Caroline permaneceu no lugar, olhando para a bebida esfriando depressa. Os pais temiam que
a filha fosse uma provocadora sem coração. E o irmão de quem ela sentiu saudades por todos
aqueles anos a considerava fria e indiferente ao amor.
Eles a julgavam, mas ninguém conseguia compreender por que ela se tornara a Rainha de
Gelo.
Nenhum deles sabia a quão desesperadora era a solidão dela.
Capítulo Treze

A semana estava terminando depressa. E embora a condessa tivesse, por fim, enviado a lista de
convidadas para Lady Margaret, ainda não havia nenhum sinal do Rubi Cruzador. Com a
honra da família em jogo, Julian decidiu ser a hora de confrontar a condessa e exigir a entrega.
Ele bateu várias vezes à porta da casa do conde de Lienz, antes que um criado enfim
atendesse.
— Lorde Newhall para ver a Condessa de Lienz. — ele disse.
O criado assentiu.
— Por favor, entre. Recebi instruções para entregar um item ao senhor.
Julian entrou e esperou enquanto o criado ia a um cômodo próximo. Ele voltou com um
envelope e nada mais.
— Suas Altezas Reais saíram de Londres na manhã de ontem. Deixaram isso para o senhor,
meu senhor.
Com uma sensação esmagadora no abdômen, Julian pegou a carta e a abriu com pressa. Ele
leu a mensagem curta e a esmagou em uma bola, a enfiou no bolso do casaco.
Ele esperou até voltar para a carruagem, antes de puxar a carta e lê-la pela segunda vez.
Newhall,
Meu querido marido deseja viajar amanhã, então saímos de Londres um pouco antes do
esperado.
Tenho certeza de que concordaria que o colar combina melhor comigo do que qualquer
mulher que venha a ser a futura condessa, então decidi mantê-lo. Considere-o pagamento por
ter dado à luz a você.
Sua querida mãe.
— É um tolo, Newhall. — ele murmurou.
Ele confiara nela e, mais uma vez, ela o traiu. Ela jamais teve a intenção de entregar o colar,
e o usou como um meio de passar a perna nele mais uma vez. Ela sabia o quanto o Rubi
Cruzador significava para a família Palmer, e ao mantê-lo, ela usava cada gota de vingança que
podia.
Ele jogou a carta na carruagem e bufou de frustração. Se ele nunca mais visse o colar, a culpa
seria dele.
O iate do Conde de Lienz já teria navegado com a maré da noite, e deveria estar quase no
Porto de Ostend, na Bélgica. A mãe estava fora de seu alcance.
O único lado bom que ele pôde encontrar ao descobrir a partida precoce da condessa era que
ela não faria uma aparição inesperada no Castelo Newhall, para estragar a festa. Fora ter feito a
lista de convidados, ou parte dela, ela não teria voz na decisão mais importante da vida dele: a de
escolher uma esposa.
Capítulo Quatorze

L ady Margaret dobrou a lista de convidados e a colocou na maleta de viagem, em seguida,


fechou a maleta e a colocou no assento ao seu lado.
Julian olhou por cima dos documentos da propriedade que estava lendo.
— Tudo em ordem?
Lady Margaret franziu os lábios, mas assentiu.
— Sim. Por mais estranho que seja, sim. Sua mãe convidou as jovens mais elegíveis de
Londres, e a maioria delas aceitou.
Conhecendo a faceta autoritária da mãe, Julian não ficava nem um pouco surpreso que
poucas ousassem recusar.
— Mesmo isso não compensa ter roubado o colar.
Assim que o evento em sua casa terminasse, ele seguiria a condessa até a Áustria. Se ele
pedisse a uma das convidadas para ser a esposa dele, seria com o entendimento expresso de que a
lua de mel seria passada tentando recuperar o Rubi Cruzador. A condessa pode até acreditar que
levou a melhor, mas Julian estava longe de dar o assunto com a mãe por terminado.
— Mandou avisar à criadagem de todos os preparativos que precisam ser feitos antes de
nossas convidadas chegarem no sábado? — ele perguntou, mudando de assunto.
Lady Margaret assentiu. Se alguém conseguia organizar uma festa em casa bem-sucedida
seria ela. Ele podia confiá-la a todos os arranjos, sabendo que o Castelo Newhall ficaria reluzente
como um alfinete novo, antes que a primeira convidada chegasse. Era importante para ela que o
Castelo tivesse uma nova Senhora, ela o administrava para que fosse entregue à nova geração em
toda a sua glória.
Ele se recostou no assento do veículo e olhou pela janela. Era bom estar indo para casa. Ele
passou muito pouco tempo na propriedade ancestral desde a morte do pai.
— Obrigado.
— Pelo quê? — ela respondeu.
— Por estar aqui. Por tudo o que fez por mim ao longo dos anos. Sei que enquanto esteve
com meu pai, você cuidou dele por amor, mas quanto a mim, não tem obrigação. Sempre foi a
única pessoa em quem posso contar. Eu só quis reconhecer isso. É a mãe que eu nunca tive. —
ele disse.
Ele deu uma risadinha quando Lady Margaret enxugou uma lágrima com pressa. Ela se
aproximou e deu um leve tapa no joelho dele.
— Só fez isso para me fazer chorar, seu menino levado.
Quando a carruagem de viagem fez a última curva para o terreno do Castelo Newhall, Julian
recostou-se. Ele se virou para a janela, observando o cervo, que vagava livre pelos jardins do
castelo, correr para longe quando o veículo se aproximou.
A alegria de estar em casa era temperada pela ausência do pai nas escadas do castelo. Jamais
se acostumaria com o vazio que sentia por não ver o rosto sorridente do conde.
Ele suspirou e olhou para Lady Margaret. Ela o encarava com um olhar melancólico.
— Ele ficaria feliz em saber que está prosseguindo com sua vida. De que, com sorte, os
salões do castelo logo ecoarão com o riso das crianças. Correr livre pelos terrenos do castelo com
os irmãos sempre foi a lembrança favorita da infância dele aqui. Ele sentiu pesar até a morte por
você não ter podido vivenciar essa mesma felicidade. — ela disse.
Julian deu de ombros para o comentário adorável e sentimental. O riso sempre esteve em
falta quando a mãe era soberana na propriedade. Até hoje, ele ainda sentia um quê de culpa pela
única vez que ela o fez feliz. O dia em que ele parou na frente do castelo e a observou subir na
carruagem que a levara. A partida definitiva dela do Castelo Newhall.
— Bem, vamos ter esperanças de que uma das moças que convidamos seja agradável e tenha
o potencial para ser uma condessa idônea. — ela respondeu.
Tendo testemunhado o desastre diário que marcou a união dos pais, Julian se contentava em
obter um matrimônio em que a esposa aguentasse ficar no mesmo cômodo que ele. Um
casamento baseado em respeito e gentileza era o máximo de suas expectativas.
Ele voltou o olhar para a janela da carruagem. Havia bancos de neve na beirada de ambos os
lados da calçada. Neve tão profunda que o sol da manhã não a derretia.
— Espero que tenha planejado atividades internas o bastante para a semana. Parece que o
tempo pode ficar ruim mais cedo do que costuma acontecer. A última coisa que queremos é
tentar organizar eventos ao ar livre, quando os convidados estarão em perigo de congelar até a
morte. — ele disse.
— Pensei nisso, antes de partirmos. Portanto, mandei a criadagem esvaziar o salão principal.
Podemos organizar competições de tiro com arco lá se o tempo fechar. — Lady Margaret
respondeu.
Julian colocou o rosto próximo ao vidro e olhou para o céu. As nuvens eram cinzentas e
espessas, estavam baixas no céu. Não havia um único pedacinho de azul à vista.
Suas esperanças para o tempo afundaram ainda mais quando seu olhar seguiu a mão de Lady
Margaret, que apontava para o oeste, de onde costumava vir as nuvens. Nuvens mais baixas e
escuras seguiam as que já pairavam acima das cabeças dos dois.
— Minha nossa. Não parece bom. Vou mandar mensagem para a aldeia, para enviarem mais
suprimentos de madeira e comida. Se nevar por um tempo, o mínimo que podemos fazer é
garantir que seus convidados estejam quentes e bem alimentados. — ela disse.
Com a chegada dos convidados prevista para daqui a dois dias, não haveria tempo o bastante
para enviar mensagens a Londres, para cancelar a festa. Qualquer que fosse o clima, teriam que
se virar.
O veículo desacelerou até parar diante da porta da frente do castelo. Julian ajudou Lady
Margaret a descer, e eles aceitaram as saudações de boas-vindas do mordomo da Propriedade
Newhall.
— Lá vem ele. — Lady Margaret disse.
Pela porta do castelo, disparava um cocker spaniel preto que correu direto para Julian. Ele
pulou no mestre, o rabo abanando.
— Olá, Midas. Sentiu minha falta? — ele disse.
O mordomo riu.
— Ele começou a choramingar há alguns minutos, muito antes da carruagem aparecer.
Julian abaixou-se e coçou as orelhas de Midas. O falecido pai o presenteara com o cachorro
pouco antes de Julian partir para servir na guerra contra Napoleão. Midas era uma das poucas
lembranças vivas do pai que restavam.
— Você está feliz em nos ver em casa. Bem, teremos muitas pessoas andando pela casa esta
semana, então tenho certeza de que será mimado até o final do evento. — Julian disse.
Um dos requisitos estabelecidos por ele para a escolha da futura esposa era o quão bem ela
lidaria com o cachorro. A futura condessa precisaria se sentir confortável com Midas vagando
pela maior parte da casa. Qualquer jovem que pedisse para que o cachorro fosse mantido nos
estábulos teria o nome removido, com grande discrição, da lista de Julian.
Capítulo Quinze

C aroline deu uma cotovelada nas costelas de James. O primo acordou e se virou para ela.
— Está roncando e, por isso, me mantém acordada. Talvez queira usar o cobertor extra
para se recostar em uma posição mais confortável. Uma que permita que respire melhor. — ela
disse.
James olhou para Francis, que se sentava no banco em frente a ele. Ele balançou a cabeça,
mas não houve apoio do primo.
— Você ronca como aquele seu cachorro enorme, quando o bicho adormece no corredor. Ou
comprou o cachorro para esconder o próprio segredo terrível? — Francis disse.
Caroline riu.
O nome oficial do cão da família Radley era Rei, mas para todos ele era conhecido como
Meio quilo. Em referência à quantidade de comida que ele devorava a cada refeição. Assim que
terminava de comer, o cão seguia para seu local favorito para dormir: o meio do corredor da casa
da família do Bispo de Londres, no Palácio Fulham.
— Muito divertido. Deveria estar no palco. — James respondeu.
Caroline aplaudiu a resposta inteligente, e até Francis sorriu. Ela se mexeu ao longo do
banco, tentando conseguir um centímetro a mais de espaço para ficar confortável. O tio deles, tio
Ewan, o Duque de Strathmore, foi gentil de ceder a carruagem particular de viagem dele para a
longa jornada que fariam ao Castelo Newhall, mas mesmo um veículo tão bem-equipado possuía
pouco espaço para conforto.
Embora a viagem para Derbyshire fosse muito mais curta do que a que faziam todos os anos
para a propriedade da família na Escócia, não era nada que Caroline considerasse divertido.
Em vez de contar para as amigas, toda feliz, dos planos de uma semana ou mais longe da
cidade, ela deixava Londres sob uma nuvem de pesar. Se a própria família pensava mal dela, o
que os outros, que não eram seus parentes, pensariam?
Ela puxou o grosso cobertor de lã em seu colo para cruzar nos ombros. O outono estava
cedendo espaço depressa para o inverno. Pelos bolsões de neve que notara no chão durante a
passagem por Northamptonshire, ela se perguntou o quão frio seria quando enfim chegassem ao
Castelo Newhall.
Como se estivesse lendo sua mente, James bateu os pés no chão da carruagem. Ele encolheu
os ombros, antes de bufar alto.
— Eu não deveria ter deixado meu casaco pesado no baú de viagem. Na nossa próxima
parada, pedirei ao cocheiro que o baixe.
— Para onde foi o verão? Ah, sim, nunca chegou. — Francis respondeu.
Caroline suspirou.
Longas viagens de carruagem sempre foram uma provação. Contudo, ela costumava
encontrar entretenimento em um bom livro, ou em conversas. Sem o irmão e nem James em um
estado de espírito minimamente feliz, a viagem cobrava seu preço da mente já fatigada dela. Ela
precisava deter o clima obscuro, antes que aumentasse.
— Ao que parece, o Castelo Newhall conta com uma das melhores áreas de caça de toda a
Inglaterra. O pai do atual conde trouxe uma boa quantidade de aves de caça e veados ao longo
dos anos em que gerenciou a propriedade. Vocês devem encontrar muito o que fazer para fugir
dos jogos tradicionais. — ela disse.
— Pode ser divertido. Estou sempre pronto para uma torta de carne de veado. Devemos
tentar conseguir um lugar para treinar tiro antes de irmos para a Escócia. — Francis respondeu.
James assentiu. Ele era um exímio rastreador de veados, considerado ainda melhor do que o
pai dele, Hugh, o campeão da família por muitos anos.
— Se Newhall nos deixar caçar fora de época, seria esplêndido. Eu ficaria feliz com algumas
passadas em solo lamacento.
— E eu. Consegui um par de perdizes na última caçada que fizemos na Montanha
Strathmore. Creio ter enfim entendido o tempo certo para o tiro. — ela disse.
Caroline adorava se aninhar em um casaco pesado, calçar as botas e vagar pelas matas da
Escócia. O ar frio ajudava a limpar a mente.
— Deveria ser uma noiva em potencial para o anfitrião. Não estou certo de que será
considerada para os entretenimentos mais masculinos da semana. — Francis respondeu.
Caroline bufou de desgosto. Ela não seria deixada de lado por seus parentes homens com
tanta facilidade. Por que eles podiam se divertir pela propriedade enquanto ela era deixada para
fazer companhia a outras jovens? Embora elas fossem competir pelos afetos de Lorde Newhall,
ela só queria manter o máximo de distância dele possível.
Ela e Lorde Newhall não eram próximos. Nem estavam perto de serem amigos. Não lhe
restavam dúvidas de que o nome dela nem figuraria a lista dele.
— Fui convidada para fazer número. A mãe dele organizou a lista de convidados, então eu
diria que ela se sentiu obrigada a me convidar para não correr o risco de ofender nossa família.
Francis grunhiu para ela. Estava claro que ele compartilhava da mesma opinião de Will
acerca da viagem. Ela estava desperdiçando uma oportunidade se pretendesse manter distância
do anfitrião e de outros convidados.
— Que tal um meio-termo? Falarei com Newhall para permitir que você se junte ao grupo de
caça, se você concordar em tentar ser terna e agradável com ele e com os outros convidados. —
Francis propôs.
O baixo assovio de choque vindo de James ecoou nos ouvidos de Caroline. Ela estava sendo
repreendida pelo comportamento altivo.
A Caroline Saunders de apenas algumas semanas antes teria retrucado e falado poucas e boas
ao irmão. Entretanto, dessa vez, ela se recostou em silêncio e considerou as palavras dele. Além
dos familiares, ela contava com poucos amigos de verdade. Com a irmã, Eve, vivendo a própria
vida, o círculo social de Caroline havia se reduzido à pequena corte de admiradores. Nenhum
deles podia ser considerado um amigo.
— Sou mesmo tão horrível assim? — ela perguntou.
James estendeu a mão para pegar a dela com gentileza.
— Não estamos dizendo que é uma pessoa horrível, mas poderia ser melhor sendo mais
tolerante com os outros. Às vezes, suas palavras são ríspidas.
Ela fungou para segurar as lágrimas que ameaçavam cair. Era difícil pensar tão mal de si,
porém, após ouvir várias pessoas da própria família, que ela não era tão simpática, era uma
punhalada no coração. Ela se perdeu em algum momento, e reencontrar o caminho de volta não
seria fácil.
Embora ela tivesse se tornado mais reflexiva nos últimos tempos, superar hábitos tão
arraigados exigiria um caráter que ela temia não possuir. Por tantas vezes, ela se prometeu a ser
gentil com a corte de pretendentes, mas falhou em todas elas.
— Tudo bem, então. Se falar algo em minha defesa para Lorde Newhall, farei todos os
esforços para ser agradável e receptível. — ela respondeu. Ela deixou James segurar sua mão,
sorrindo quando ele deu um aperto amigável. Ela entendia que esses comentários vinham de um
lugar de afeto, não eram reprimendas vis.
— Bom. Embora pelo que parece, não tenho tanta certeza de que o clima nos deixará caçar.
Está começando a nevar. — Francis disse.
Caroline olhou pela janela e seu humor melhorou. Ela sorriu. O inverno era sua época
favorita do ano.
James riu.
— Mal posso esperar para ver o olhar dos outros convidados, quando virem você fazer sua
dança na neve. A Rainha de Gelo está chegando!
Capítulo Dezesseis

E les pernoitaram em Leicester. A manhã seguinte revelou uma leve camada de neve nas ruas,
mas a quase dois quilômetros saindo das principais estradas da cidade, eles se depararam com
prados cobertos por vários centímetros de neve.
— A que distância Newhall fica daqui? — Caroline perguntou.
Francis olhou por cima do livro que lia e franziu a testa.
— Mais trinta ou trinta e dois quilômetros. Dependendo da condição das estradas,
chegaremos tarde. O condutor contou-me esta manhã que existem várias aldeias até o Castelo
Newhall, por isso, se precisarmos fazer uma parada não planejada, conseguiremos aposentos
adequados.
— Que bom. Eu odiaria ficar no escuro no meio de uma tempestade de neve. — Caroline
respondeu.
O amor pela neve só ia até certo ponto. Ninguém queria se encontrar na estrada, no escuro, e
no meio de uma tempestade de neve. Eles concordaram em aumentar o ritmo e tentar chegar ao
castelo, antes do anoitecer.
— Então, quem mais estará nessa festa, sabemos? — James perguntou.
Caroline forçou a memória, mas não conseguiu nomear ninguém que ela tivesse certeza de
que estaria no Castelo Newhall.
— Para ser honesta, não sei dizer. Pelo que a condessa falou, espero que quase todas as
moças da nata da Alta Sociedade que não conseguiram um marido nesta temporada, e são
consideradas elegíveis. Esse grupo teria uma dúzia de nomes, mais ou menos, e claro, eu. — ela
respondeu.
Elegível significava possuir todos os dentes e um dote generoso. Homens dotados de títulos
não costumam se casar por noções tolas como o amor. Casavam-se com mulheres que
agregariam aos cofres do espólio. Mulheres em quem se pode confiar a produção de um herdeiro
ao marido e detém a capacidade de fechar os olhos a qualquer amante que viesse a aparecer de
vez em quando.
O pensamento a fez retesar. Seu conjunto de dentes era muito bom e, devido ao excelente
tino do pai para os negócios, tanto ela quanto Eve receberam dotes consideráveis. Contudo, a
ideia de se casar com alguém por qualquer motivo que não amor, não era nada que ela estava
preparada para considerar.
Sem dúvidas, Lorde Newhall encontraria uma garota simpática neste grupo que chegaria para
este evento, e Caroline nunca mais precisaria se preocupar em dançar com ele.
— Você é uma das jovens selecionadas por Newhall como noivas em potencial, minha
querida prima. Hum. Caroline Palmer, Condessa de Newhall. Soa bem, não concorda, Francis?
— James sugeriu.
— Acredito que Caro seria uma ótima condessa. Pena que ela tenha sido rude com o pobre
Newhall em todas as ocasiões em que o encontrou. Um camarada pode ter dificuldades em nutrir
afeto por uma garota que sempre o trata mal. Ele estar preparado para deixá-la cair na Serpentina
não é bom sinal para as chances dela de garantir o coração dele. — Francis disse.
Caroline notou o sorriso do irmão, mas decidiu não morder a isca. Ela prometeu ser
agradável durante a festa, e decidiu que começaria antes de chegarem. Um acordo era um acordo.
— E você, James? Quer saber quem estará lá para ver se vale a pena apreciar a paisagem?
Ver qual das candidatas pode servir para você? — Francis o provocou.
James bufou.
— Não sou o único nesse veículo que ainda está solteiro. Talvez devesse falar por si, Francis.
Caso contrário, segurar a língua pode ser a opção mais sábia. Não quero ouvir a opinião de
ninguém acerca do meu estado civil, muito obrigado.
Havia uma nítida ponta de raiva nas palavras dele que pegou Caroline desprevenida. Francis
se virou para ela, uma expressão confusa em seu rosto.
Caroline resistiu à tentação de responder. Ela suspeitava saber o motivo para as palavras
contundentes de James. Algo a ver com o melhor amigo dele, Guy, que se casaria em algumas
semanas. Não passara despercebido a ela que toda vez que alguém mencionava as núpcias
iminentes James ficava quieto ou saía do cômodo sem dar motivo. A semana no Castelo Newhall
talvez apresentasse uma oportunidade de ela falar com ele e chegar ao fundo desse humor
sombrio e incaracterístico dos últimos tempos.
Francis voltou ao livro, deixando Caroline e James para jogar outra mão de Piquet. Quando
Caroline venceu pela quarta vez consecutiva, James entregou as cartas a ela e recusou-se a
continuar a jogar.
Já era final da tarde quando passaram pela placa em Midway e saíram da estrada principal,
entrando na via para Burton-on-Trent. Começou a nevar e, com a queda da temperatura, a neve
virou chuva. Esta chuva acabou virando granizo gelado.
Caroline olhou pela janela para a luz que desvanecia e, em silêncio, rezou para chegarem ao
Castelo Newhall antes que o tempo virasse de vez. Ela puxou um lenço grosso de lã da maleta de
viagem e o enrolou no pescoço. O ar logo ficou frio.
A chuva quase congelada batia forte na carruagem. Ela reservou um pensamento para o
condutor e seu assistente, sentados na parte de cima do veículo. Eles lidariam com o pior do
clima. Felizmente, a distância ainda por percorrer era curta, antes que pudessem encontrar o
conforto de uma lareira quente e um gole de uísque para afastar o frio de seus ossos.
A estrada que percorriam agora era pouco mais do que uma via estreita, cheia de sulcos e
grandes buracos. O veículo sacudia ao passar por vários deles, um até fez James saltar do assento
e se atrapalhar para agarrar a alça de couro e se salvar do perigo.
Havia pouco a ser visto pela janela. A caixa de vidro na lateral da carruagem, que continha
uma vela acesa, lançava um mínimo de luz. Viajavam na escuridão quase total.
O condutor desacelerou. Os cavalos seguiam em uma caminhada rápida pela estrada molhada
e lamacenta.
— Luzes à frente! — veio o grito de cima da carruagem.
Um suspiro de alívio saiu de todos os passageiros. Logo terminariam essa jornada. Caroline
guardou as cartas e o pequeno trabalho de costura e fechou a bolsa de viagem. Ela havia acabado
de voltar ao assento quando o veículo afundou, e ela ouviu o devastador som de madeira
quebrando.
A carruagem parou de supetão e começou a inclinar-se para um lado. Ela caiu do assento,
acertando James. Colocando os braços ao redor dela, ele conseguiu puxá-la com segurança para
o banco. O veículo continuou inclinado em um ângulo perigoso.
— Fique aqui. Vou checar o condutor e o assistente dele. — Francis disse.
Ele abriu a porta e pulou para fora. O vento selvagem pegou a porta e bateu-a com força atrás
dele, e o irmão dela desapareceu na escuridão.
Poucos minutos se passaram, e ele colocou a cabeça para dentro. Estava encharcado.
— Temos uma roda quebrada. Os cavalos estão exaltados e precisaremos desengatá-los.
James, precisa nos ajudar. — ele gritou.
James pegou o chapéu e o vestiu, cobrindo as orelhas. Ele desceu e seguiu Francis. Acima do
vento uivante, Caroline conseguia ouvir os cavalos rugindo de medo.
A porta se abriu mais uma vez. Francis apareceu, segurando uma lanterna. Sob a luz pálida,
ela viu as linhas profundas de preocupação marcando o rosto dele.
— Um dos cavalos foi ferido. Os outros estão se esforçando para se libertarem do arnês.
Precisamos levantar a carruagem, então você terá que sair. Sinto muito, mas não tem outro jeito.
Caroline não hesitou. Na melhor das hipóteses, lidar com cavalos feridos e assustados era
uma tarefa difícil. No meio de uma tempestade congelante, bastaria um pequeno deslize para
terem um animal morto. Ou pior.
Ela puxou o pesado manto de viagem da mala e o enrolou em torno de si, amarrando os
cadarços com firmeza na garganta. Francis a pegou da carruagem e colocou-a de pé. Ele segurou
a lanterna, e Caroline teve a primeira visão da situação em que estavam.
— Meu santo Deus. — ela murmurou.
À beira da estrada, James e o condutor tentavam segurar as rédeas de um cavalo em pânico,
enquanto o assistente tentava cortar as rédeas que haviam se torcido na cabeça do cavalo. Para
piorar uma situação já terrível, ela pôde ver que o assistente estava gravemente ferido. Sangue
escorria do nariz e boca.
Francis correu para ajudá-los e sacou a própria faca, cortando as rédeas emaranhadas.
Um segundo cavalo empinou nas patas traseiras. James se esquivou dos cascos rampantes por
um triz.
Caroline se virou para analisar o morro abaixo, de onde ela podia ver luzes. O Castelo
Newhall estava a menos de meio quilômetro de distância. No turbilhão, parecia um vasto oceano.
— Vou atrás de ajuda. — ela disse.
Francis franziu a testa, mas não havia outra opção. Eles precisavam de ajuda para controlar
os animais e, se continuassem na tempestade por muito mais tempo, a chance de alguém morrer
era real.
— Leve a lanterna. Terá um pouco de luz. Tenha cuidado. A estrada já está ficando
escorregadia sob a lama e o gelo.
Com os homens deixados para tentar acalmar e soltar os cavalos, Caroline começou a
caminhada em direção ao Castelo Newhall para buscar ajuda.
Granizo batia em seu rosto e pinicava os olhos. O capuz da capa, que se projetava atrás dela,
pouco fez para protegê-la, e o vento continuava a testar as amarras próximo à garganta.
A estrada estava molhada e perigosa. Bolsões de gelo escorregadio tornavam a marcha lenta
e traiçoeira. Cada passo era perigoso, enquanto ela procurava encontrar terra firme no escuro. Em
determinado momento, ela baixou o pé e descobriu um grande buraco na estrada.
Ela caiu de joelhos. A lanterna voou da mão dela, para a noite negra. Ela ouviu o vidro se
estilhaçando na estrada, mas não conseguia enxergar nada no escuro. Colocando as mãos à frente
dela, ela tentou se levantar.
As botas escorregaram na estrada gelada, e ela caiu com força de novo. Dor atravessou a mão
esquerda, deixando-a ofegante.
— Ai! — ela chorou quando estrelas apareceram diante dos olhos. Encontrara o vidro
quebrado da lanterna.
Tirando a luva com os dentes, ela tentou tocar a mão esquerda. Outro raio de dor excruciante
disparou pelo braço. O corte era profundo.
— Vamos, Caro, levante-se. Não pode ficar aqui. Pessoas precisam de ajuda. — ela
murmurou.
Levantando-se com dificuldade, ela ficou parada por um instante, puxando o ar. Seu coração
retumbava. Ela perscrutou a noite, agradecida ao ver as luzes do castelo continuarem firmes.
Com passos lentos e inseguros, ela continuou naquela direção.
Demorou mais do que deveria para ela enfim chegar ao chão duro do pátio do castelo. Não
era um castelo típico, com fosso e ponte levadiça, como o da família dela na Escócia. O Castelo
Newhall era mais elegante e acolhedor, datava de um tempo bem mais recente do que os que
castelos precisavam de defesas pesadas contra invasores armados.
Chegando à porta da frente, ela segurou o batente gigante de latão, em forma de rosa, e bateu
forte. Ela deu um passo para trás, sem se preocupar em procurar abrigo. Ela estava encharcada
até os ossos. Era impossível ficar mais molhada. A mão ferida doía como o diabo. O latejar de
dor era constante.
A porta se abriu, e o rosto gentil de um criado apareceu. Ele deu uma olhada na desgrenhada
desconhecida à porta e estendeu a mão.
— Minha nossa, doce menina, o que estava fazendo lá fora em uma noite como esta?
Ela foi puxada para dentro, e a porta se fechou, protegendo-os do clima. Alívio inundou sua
mente. Ela conseguiu.
— Por favor, uma das rodas de nossa carruagem quebrou pouco antes da entrada do pátio.
Um cavalo e um cavalariço ficaram feridos. Nosso condutor, meu irmão e meu primo estão
tentando libertar os cavalos das rédeas emaranhadas. A chuva está congelante, eles precisam de
ajuda urgente. — ela disse.
O criado do castelo correu para um lado da porta e pegou um sino. Segurando-o com ambas
as mãos, ele o tocou com força e por um longo tempo. Em poucos minutos, o saguão frontal do
castelo estava repleto de criados.
Com pressa, Caroline explicou o restante da história para o mordomo, que providenciou uma
carroça e uma equipe para ir até onde os outros estavam. Uma criada trouxe uma toalha.
Caroline tentou desamarrar os cadarços do manto, mas o ferimento na mão esquerda a
impossibilitava de agir. Por fim, ela se levantou e esperou a criada soltar os nós apertados. Com
as amarras soltas, a criada escorregou o manto dos ombros de Caroline.
Julian apareceu no topo das escadas. A porta da frente estava em polvorosa com atividade, os
criados correndo para lá e para cá. Uma estranha de vestido verde-escuro estava no meio da ação.
Ele desceu.
— Vá buscar roupas secas para essa moça. — ele ordenou para a criada.
As palavras seguintes que ele estava prestes a falar morreram nos lábios dele, quando ele viu o
rosto da mulher que pingava água por todo o chão.
Era Caroline Saunders.
— Lorde Newhall. Lamento muito que cheguemos dessa forma. Pensamos que o tempo se
sustentaria na última parte da viagem. A tempestade veio do nada.
— Senhorita Saunders? — ele gaguejou.
Ele raramente ficava sem palavras na vida, mas ver Caroline na entrada de casa não era
apenas inesperado, mas um baita choque. O que estava acontecendo?
Ela baixou o olhar para seu vestido encharcado, a bainha coberta de lama marrom, espessa e
molhada. As saias mostravam que ela caíra de joelhos na lama. As botas sujavam o belo piso de
ladrilhos da entrada. Manchas de sangue escorriam das pontas dos dedos.
Quando ela olhou de volta para Julian, ele viu lágrimas dançando naqueles olhos.
— O senhor tem um médico, ou alguém hábil em costurar pele? — ela perguntou.
— Sim. Sim, é claro. Quaisquer que sejam os ferimentos do seu criado, o mordomo do
castelo conseguirá atendê-lo. Eu mesmo sou bem hábil costurando feridas. Servi na Bélgica,
então posso ajudar se necessário. — ele respondeu.
— Que bom. — ela disse e ergueu a mão. A fonte do sangue gotejante ficou evidente, havia
um corte profundo e feio atravessando a palma da mão esquerda de Caroline.
Ela estudou a ferida por um instante, antes que um olhar de incredulidade aparecesse em seu
rosto, então os olhos dela reviraram, e ela caiu como uma pedra.
Julian correu pelo saguão. Ele se ajoelhou ao lado dela e levantou a cabeça dela, embalando-a
no colo.
— Senhorita Saunders?
Capítulo Dezessete

— A i! —ElaCaroline gritou, quando a dor a atravessou,


abriu os olhos e tentou se sentar, mas descobriu que os braços não se moviam.
Através da visão turva, ela pôde ver que o braço direito estava preso ao corpo por
uma tira de couro. Em pânico, ela olhou para o braço esquerdo. Também estava amarrada, mas
alguém segurava a mão esquerda e ocupava-se de costurá-la.
— Está tudo bem, Caro, você está segura. — Francis disse. O irmão apareceu ao lado da
cama. Ele se abaixou e deu um beijo carinhoso na testa dela.
— O que aconteceu? — ela indagou.
— Cortou feio a mão na estrada. Algo bem afiado, pela profundidade do corte.
Ela se virou na direção da voz desconhecida e se viu olhando para um par de olhos cinzas
pálidos. Mostravam uma bondade que foi direto ao coração dela.
Lorde Newhall sorria para ela.
— Precisamos amarrar seus braços enquanto estava inconsciente, para o caso de acordar e se
debater enquanto eu estivesse com a agulha enterrada em sua mão.
— Lembro-me de chegar ao castelo, e de seu criado abrindo a porta. Não sei o que aconteceu
em seguida. — ela respondeu.
— A senhorita desmaiou. Felizmente, não precisou andar muito mais para encontrar ajuda.
Poderia ter sangrado até a morte lá fora no escuro. — ele disse.
Ela olhou para a mão, observando-o costurar a pele. O estômago revirou com a visão. As
lembranças do acidente com a carruagem, e da queda na estrada escura, voltaram à mente.
— E o Mestre Cook, o cavalariço, ele está bem? Ele parecia ter um corte muito feio no rosto.
— ela disse.
— O mordomo está cuidando do Mestre Cook. É verdade, o golpe no rosto dele foi severo,
ele precisou de alguns pontos. O nariz quebrou, e vários dos dentes dele ainda estão na estrada,
mas ele sobreviverá. A ajuda chegou a tempo, graças a você. — Francis disse.
Caroline recostou-se na cama enquanto a mente clareava. Ela oscilou de dor quando a agulha
voltou a entrar na carne macia da mão. Uma garrafa de láudano seria muito bem-vinda.
— Lembro-me agora. A estrada estava mortal com gelo, e eu caí. A lanterna quebrou e eu
cortei a mão no vidro, quando tentei me levantar.
Que noite. Não era assim que ela pretendia chegar a essa festa campestre. Com o anfitrião
sentado ao lado da cama, segurando a mão dela enquanto ele cuidava de uma ferida. Ela perdeu a
oportunidade de fazer a chegada discreta que desejava. Sem dúvida, os outros convidados
deviam estar sentados no andar de baixo, falando dela. Caroline Saunders, mais uma vez, roubou
a atenção do partido.
— Os outros convidados chegaram bem? — ela perguntou.
Lorde Newhall estendeu a mão e pegou uma tesoura de bordado. Ele deu um nó no fio de
seda e cortou a ponta solta. Ela notou que ele ignorou a pergunta dela, preferindo se concentrar
na tarefa em questão.
— Peço perdão por usar seda em vez de categute, meu mordomo usou o último pedaço no
rapaz. Se mantiver a ferida enfaixada e limpa, os pontos devem se sustentar. Enviarei alguém a
Burton-on-Trent, com sorte, pela manhã, para conseguir mais categute. Posso recosturar a sua, se
necessário. — ele disse.
Demorou um pouco mais para enfaixar a mão dela. Foi só quando Lorde Newhall começou a
arrumar o kit médico militar que Caroline pôde pensar em tentar dormir um pouco.
Um lacaio trouxe um grande copo de ponche quente, que ela drenou com gosto. Qualquer
coisa para tirar a ponta da dor.
— Eu ofereceria láudano, mas bateu a cabeça com bastante força no chão ao cair. Um
pequeno gole de uísque basta para relaxar, em vez de opiáceos fortes. — Lorde Newhall disse.
Assim que Lorde Newhall e Francis saíram, uma criada ajudou Caroline a vestir uma
camisola limpa e voltar ao conforto da cama. Deixando o forte uísque fazer sua magia nela, ela
deslizou para um sono profundo.

— Gostariam de se acomodar em seus quartos e, mais tarde, juntar-se a mim no andar de baixo
para a ceia? — Julian perguntou.
Francis e James assentiram.
— Excelente ideia. Imagino que perdemos a ceia com o resto dos convidados. — James
disse.
— Sim. — Julian concordou.
Ao deixar o cômodo, ele foi imediatamente até Lady Margaret. Ela o esperava na sala de
visitas principal. Assim que ele abriu a porta, ela se levantou. Ela olhou por cima do ombro dele
e, vendo que ele estava sozinho, deu voz à pergunta que estava na cabeça de Julian pela última
hora.
— Não os convidamos, não é mesmo? — ela sussurrou.
— Não. Mas minha querida mãe sabe da opinião pobre que Caroline Saunders e eu temos um
do outro, então imagino que este foi mais um de seus doces presentes de despedida. Ela deve ter
considerado mais divertido convidar Caroline para a festa e não nos contar. — ele respondeu.
Lady Margaret pegou o diário e puxou o papel que a condessa lhe dera. Ela passou o dedo na
lista de nomes, mas nenhum dos recém-chegados estava nela.
— Pelo menos os Saunders chegaram metade de um dia mais cedo. Ainda há tempo para
adicioná-los a todas as listas de jantares, bailes e jogos. Sugiro que não digamos nada em relação
aos convites. Está claro que foram convidados por sua mãe, e seria um tanto constrangedor para
todos os envolvidos se eles descobrissem a verdade. — ela disse.
Julian ficou ali parado, ouvindo-a, mas não prestou a devida atenção. A chegada repentina de
Caroline Saunders e seus parentes à porta dele deveria, por direito, tê-lo deixado com o humor
inflamado. Mais uma vez, a mãe tentou levar a melhor. No entanto, ele se via pleno com uma
estranha calma diante de toda a situação.
A surpresa dele com o esforço heroico de Caroline, para encontrar ajuda para o grupo com
quem viajava, era genuína. A Caroline que ele pensava conhecer teria permanecido no calor de
uma carruagem seca, recusando-se a sair para a tempestade. No entanto, a garota cuja mão ele
costurou, foi corajosa e se aventurou sozinha na noite escura e perigosa. Ele admirava a atitude
dela.
— Precisaremos encontrar algo para James e Francis cearem. Dei um ponche quente, de
tamanho considerável, para Caroline, então não espero revê-la até o amanhecer. Nesse ínterim,
nos limitaremos a dizer que chegaram um dia mais cedo, o que é verdade. Espero que a casa
esteja cheia de convidados a esta hora de amanhã, e não precisaremos mencionar que alguns de
nossos convidados não foram, de fato, esperados. — ele respondeu.
Lady Margaret assentiu, e voltou a guardar a lista no diário.
— Caroline Saunders logo estará perdida na multidão, e duvido que precisará voltar a lidar
com ela após esta noite.
— Exatamente.
Capítulo Dezoito

N opouco
meio da manhã do dia seguinte, Julian começou a se preocupar. O tempo melhorara um
durante a noite, e a Carruagem Strathmore quebrada foi retirada da estrada. No
entanto, nenhuma outra carruagem ou veículo chegara ao Castelo Newhall.
Ele estava voltando para o castelo quando Francis Saunders saiu dos estábulos.
Ele mostrava um olhar pensativo no rosto.
— Uma palavra, se puder, Newhall? Tem algo um pouco estranho. É um assunto delicado,
então eu apreciaria um leve esclarecimento, se puder?
— Sim? — Julian respondeu.
Francis coçou a cabeça, olhou para trás em direção aos estábulos. Estava claro que ele não
estava confortável.
— Falei com seus cavalariços esta manhã, mas eles não conseguiram encontrar que baia teria
sido reservada para nossos cavalos. Pensei em verificá-los esta manhã e pressionei seu chefe de
estrebaria para me mostrar a lista de onde todos os cavalos e carruagens deveriam ser alojados.
Em silêncio, Julian formulou uma resposta educada que não faria Francis Saunders se
ofender em nome da irmã.
— Ah, sim, parece que tivemos uma pequena confusão com os convites. Lady Margaret me
confessou ontem à noite que ela e minha mãe se confundiram um pouco com a lista. Um pouco
constrangedor, mas nada de irremediável.
— Entendo. Então, o que está me dizendo é que não éramos esperados. Estou correto? —
Francis o questionou.
Julian soltou o ar com um bufo. Se ele desse a resposta errada, a reunião que deveria durar
uma semana inteira poderia terminar antes mesmo de começar. Os outros convidados decerto
saberiam.
— Como falei, minha mãe e Lady Margaret se complicaram com a lista. Você e os demais
fazem parte da festa da casa. Estou ansioso pela companhia de vocês por toda a estada.
Francis olhou para o chão, conseguindo encontrar uma pequena pedra para chutar. Quando
enfim encontrou o olhar de Julian, não demonstrava emoção.
— Obrigado, Newhall, agradeço sua discrição. Concordemos em não dizer nada disso à
Caroline. Considerando como os dois agiram um com o outro, ela ficou deveras surpresa ao
receber o convite da sua mãe. Minha irmã vem sofrendo com certa tensão, e nós nos
comprometemos com esta viagem a fim de dar-lhe uma trégua. Não a ajudaria nesse sentido se
descobrisse que não estava na sua lista.
Julian assentiu, aliviado por Francis Saunders ser um homem compreensivo. Apesar de todos
os defeitos de Caroline, ela não merecia ser envergonhada em público. Não seria bom ela deixar
a propriedade enquanto outros convidados chegassem.

— Bom dia. Espero que tenha conseguido dormir um pouco ontem à noite.
Caroline acabava de chegar à base da escadaria principal do castelo e ficou satisfeita ao ver
Lorde Newhall entrando pela porta da frente. Ela teve tempo para considerar como deveria
abordá-lo. Um agradecimento era o primeiro item da lista, seguido de um pedido de desculpas.
Ela assentiu.
— Sim, uma criada trouxe um segundo copo de uísque de madrugada e, após tomá-lo, não
me lembro de mais nada até acordar há pouco tempo.
O olhar dele recaiu na mão, muito bem enfaixada.
Ela ergueu a mão.
— Fez um trabalho maravilhoso ao cuidar do ferimento. Claro, ainda dói bastante, mas o
sangramento parou.
— Já comeu? — ele perguntou.
— Vou buscar algo para o café da manhã logo, mas queria encontrá-lo primeiro. Devo
agradecer-lhe por cuidar de mim ontem à noite. Sujei o piso da entrada da frente do castelo e, em
seguida, tive a ousadia de desmaiar. Portanto, por favor, aceite minha sincera gratidão por ser um
anfitrião tão generoso. — ela disse.
Um pequeno sorriso surgiu naqueles lábios quando ela notou Lorde Newhall desviando o
olhar. Era reconfortante ver que ele também se sentia um pouco fora de lugar. Estas foram as
primeiras palavras gentis que trocaram.
— Foi um prazer. Espero que quando a mão estiver curada que recupere suas funções plenas.
Infelizmente, não posso garantir que não deixará cicatrizes. Meus pontos são, na melhor das
hipóteses, o de um cirurgião de batalha. — ele respondeu.
Ela respirou fundo e se preparou para um pedido formal de desculpas por como o tratou no
passado.
James apareceu, e Caroline deu um passo para trás. O pedido de desculpas precisaria esperar
até poder ter outra conversa privada com Lorde Newhall.
— Preciso dizer, Newhall, sua cozinheira é uma dádiva de Deus. Sinto muita falta dessa
culinária campestre. Meu pai sempre precisa entreter dignitários no Palácio de Fulham, por isso,
os pratos à mesa são muito pomposos. Com a quantidade de comida carregada de creme que
como, devo ter gota, como meu pai, antes dos quarenta anos. Podem chamar de doença de reis,
mas bispos não são imunes. — ele estendeu a mão e, tocando Caroline no braço com gentileza,
olhou para a mão enfaixada. — E você, querida prima? Dormiu um pouco? Virou aquele ponche
com pressa, então espero que tenha conseguido descansar. Ao contrário da última vez em que
entornou uísque, hein?
Caroline riu baixinho e virou-se para Lorde Newhall.
— Nosso James aqui está sendo um pouco atrevido. Quando eu estava com dez anos,
encontrei o barril de uísque do nosso tio Ewan nas cozinhas do Castelo Strathmore. Servi-me de
vários goles. Basta dizer que fiquei bem ruim.
Apesar de todos os anos passados, ela ainda se sentia enjoada ante a lembrança da mãe
segurando seus cabelos enquanto ela se ajoelhava e lançava o conteúdo do estômago na neve. A
ressaca resultante foi uma lição que ela desejava nunca mais repetir. A noite anterior foi a
primeira vez em que ela tocava uísque desde aquele dia terrível.
— Minha nossa, deve ter sido terrível para uma menina tão jovem. Espero que todos já
tenham se esquecido disso. — Lorde Newhall respondeu.
Ela riu baixinho.
— Está claro que não conhece minha família. Dou uma garrafa de uísque à Sua Graça todo
Natal, em penitência pelo meu crime. Ele e todos os demais dão uma risada calorosa à minha
custa sempre que ele me oferece um copo, e eu estremeço ao recusar.

Julian ficou encarando Caroline, sem saber o que dizer a seguir. Será que a famosa Rainha de
Gelo, na verdade, teria senso de humor? Uma pena bastaria para derrubá-lo ante tal ideia.
— Perdoe-nos, Newhall. Tendemos a ser um pouco menos formais entre membros da
família. Por um instante, esqueci-me de que éramos convidados. Prometemos nos comportar
quando todos chegarem. Falando nisso, ainda não vi nenhuma outra carruagem. Quando espera
que todos estejam aqui? — James disse.
— Ao longo do dia de hoje. — Julian respondeu.
Era estranho que nenhum outro convidado tivesse chegado ainda. Ele se consolava com a
provável explicação de que os outros convidados pernoitaram em Leicester, ou em uma das
outras aldeias no caminho. Viajar à noite era uma empreitada perigosa, quanto mais em uma
tempestade de neve. Julian instruiu o mordomo a enviar criados a cavalo para verificar se mais
alguém havia sido pego na tempestade da noite anterior.
— Bem, vou dar uma palavrinha com Francis e o avisarei de que já está de pé, Caroline. Ele
saiu cedo para verificar o condutor e o mestre Cook. É melhor eu ir lá vê-los e desejar melhoras
também. — James os informou.
Caroline e Julian foram deixados a sós. Um ar de inquietação surgiu entre eles mais uma vez.
Caroline limpou a garganta.
— Sinto que lhe devo um pedido de desculpas.
Pela segunda vez em minutos, Julian ficou envergonhado perante Caroline. Primeiro, ela o
agradeceu, agora pedia desculpas.
— Lorde Newhall, fui rude com o senhor na noite em que nos conhecemos. Eu estava com
raiva, e você tentou ser um cavalheiro e resolver uma discussão. Em seguida, fui rude mais uma
vez no baile. Estava certo em me tratar como me tratou. Peço desculpas pelo comportamento que
dispensei ao senhor. — ela disse.
Ele sabia que deveria ter sentido satisfação por ter conseguido um pedido de desculpas de
Caroline, mas em vez disso, sentia-se arrependido. Havia uma faísca nela que desapareceu no
instante em que ela se tornou formal com ele. Aquela faísca o intrigara.
— E eu devo-lhe duas desculpas. Uma por ter pisado em seu pé de propósito. E a segunda
pelo meu comportamento vergonhoso na Serpentina. Eu poderia e deveria tê-la salvado da
queda. Para meu total desgosto, não o fiz. Sinto profunda vergonha de mim mesmo e apresento-
lhe as minhas mais sinceras desculpas. — ele respondeu.
Os dois ficaram em silêncio por um tempo, cada um olhando para uma direção diferente. Por
fim, Julian reuniu coragem de oferecer um caminho a seguir.
— Se estiver de acordo, deixemos nosso passado para trás. Espero que a senhorita e seus
acompanhantes gostem da estada no Castelo Newhall. Planejamos muitas atividades e
entretenimentos. Estou certo de que encontrará algo que os agrade.
Ele foi genuíno em seu desejo de que Caroline se divertisse. Ela não seria alguém que ele
chegaria a cogitar como futura noiva, mas ainda assim, havia algo nela que ele considerava
atraente.
Ela era mesmo uma beldade. Os cabelos louros refletiam a luz da manhã. O olhar dele fixou-
se brevemente no corpete do vestido azul-profundo. Ela usava as roupas um pouco mais
apertadas do que outras mulheres, algo que ele guardava para si que gostava. O olhar dele foi
presenteado com o contorno de seios amplos e cintura fina.
Ele engoliu em seco enquanto lutava contra a atração inesperada pela mulher que deveria não
gostar nem um pouco.
— Então, Lorde Newhall, tentaremos ser amigos? — ela respondeu.
Ele sorriu.
— Sim, mas só se me chamar de Julian.
O sorriso que ela abriu, iluminou todo o rosto dela. Os olhos verde-esmeralda brilhavam de
ternura e humor. Julian teve certeza de que naquele instante, o coração pulou uma batida.
— Muito bem. Em nome da amizade, peço que me chame de Caroline. Aos amigos são
permitidas essas pequenas indulgências. — ela respondeu.
Julian continuou na entrada do castelo mesmo após Caroline sair atrás de James, para
perguntar da saúde do criado ferido. Esse simples ato, aliado ao pedido de desculpas dela, fez
com que ele se perguntasse que outras surpresas ela traria na semana seguinte.
A Caroline que chegara à sua porta no meio de uma tempestade não era a mesma mulher que
o repreendera em um baile há poucos dias. E a família decerto não a tratava com nada além de
calor e preocupação familiar. Tanto Francis quanto James subiram as escadas correndo ao saber
que Caroline havia se machucado.
Ele balançou a cabeça, recusando-se a entreter o pensamento tentador de que ele a entendeu
errado.
— Não seja bobo, Newhall. É assim que essas mulheres fazem com que você faça o que elas
querem. Uma batida suave das pálpebras, um sorriso simples, e o dominam. — ele murmurou.
Ele escolheria sua futura condessa entre as outras senhoritas presentes na festa. Caroline
Saunders não figuraria nenhuma lista na hora de ele tomar a decisão de quem seria sua parceira
na vida. Ele não cometeria o mesmo erro que o pai cometeu.
Capítulo Dezenove

N osaíram
meio da tarde, Julian já estava preocupado de verdade. Os batedores da propriedade que
logo pela manhã, voltaram com a notícia de que a estrada para Midway estava vazia
de tráfego. Embora as estradas estivessem molhadas e lamacentas, ainda eram transitáveis. No
entanto, nenhum outro convidado havia chegado.
Uma ceia de boas-vindas havia sido organizada para a primeira noite. Havia sido pensada
como uma oportunidade para os convidados se misturarem com informalidade, após a longa
viagem desde Londres. A cozinha do castelo parecia uma colmeia desde as primeiras horas,
assando pequenas tortas e bolos para as chegadas esperadas.
Ele bufou. A relutância em dar essa festa foi substituída por um desejo ardente de que a
reunião fosse um sucesso excepcional. Encontrar uma noiva na lista de convidados era parte da
motivação dele ao aceitar dar essa festa, a outra era estabelecer novas amizades.
Faltavam-lhe amigos de verdade entre os membros da Sociedade, algo que o incomodava
bastante desde que regressou a Inglaterra. Sendo filho único, sem uma mãe que o apoiasse no
desenvolvimento de conexões sociais, ele cresceu com poucos amigos. A maioria das pessoas em
seu convívio não passava de conhecidos.
Ele estava prestes a ser o anfitrião de uma festa com duração de uma semana em uma casa
cheia de estranhos que, em geral, o encheriam de pavor. No entanto, com o passar das horas sem
a chegada de outros convidados, ele começou a ficar preocupado.
— Os convites deixavam claro que a festa começava hoje? Desculpe-me por meu
questionamento, mas só quero checar meu entendimento. — ele disse.
Julian estava de pé na sala de estar do andar de cima, um espaço que ele e Lady Margaret
haviam reservado como fora dos limites para os convidados. Era um lugar para eles se reunirem
ao final de cada dia e ponderarem acerca do andamento da festa e, caso houvesse a necessidade,
que mudanças eram necessárias nos entretenimentos do dia seguinte.
Lady Margaret estava com o diário aberto. A data marcada para o início da festa bem
destacada. Ele sabia que ela não cometeria um erro tão simples, mas não conseguia evitar a
ansiedade crescente.
— E você e a condessa foram claras uma com a outra acerca de quando a festa aconteceria?
— ele acrescentou.
Ela assentiu.
— Com toda a certeza. Na verdade, eu estava com ela quando ela escreveu o último dos
convites. Como não confio muito na sua mãe, fiz questão de conferir todas as anotações.
Julian caminhou até a janela e olhou para o exterior. Caroline, o irmão e o primo estavam
andando pelo terreno coberto de neve. Ele sorriu ao ver James formar uma grande bola de neve e
jogá-la na direção de Francis.
Atingiu Francis bem nas costas. Ele se virou, e Julian notou o olhar de indignação no rosto
dele.
Francis tirou o chapéu e entregou-o a Caroline. Ela apontou o dedo para James. Julian não
conseguia ouvir o que diziam, mas estava claro que o desafio havia sido aceito. Uma guerra de
bolas de neve se aproximava.
Lady Margaret parou ao lado dele e olhou pela janela.
— Por que não sai e passa um tempo com os convidados que já estão aqui? Tenho certeza de
que os demais começarão a chegar em breve.
Julian desceu correndo as escadas e vestiu o longo casaco de inverno, um chapéu e as luvas
de couro. Midas seguiu-o casa afora.
Lá fora, ele parou por um instante. Embora estivesse ansioso para se juntar às frivolidades,
ele não sabia ao certo como entrar no jogo. Ele era um forasteiro na própria casa.
Midas não mostrou a mesma reserva e se aproximou de Caroline, latindo alto em boas-
vindas.
Pisando na grama coberta de neve, Julian dirigiu-se para onde Caroline estava, ainda
segurando o chapéu de Francis. Ela estava em território neutro pelo que ele pôde apurar. Ao lado
dela, Midas assistia à briga com os olhos arregalados.
— Ah, Julian. Bem-vindo ao camarote de uma nova batalha da guerra de bolas de neve
interminável entre Francis e James. — ela disse.
— Interminável? — ele indagou.
Uma grande bola de neve atingiu James bem no peito, e ele cambaleou como se tivesse sido
baleado. Francis riu. Midas latiu.
— Sim. Esse embate começou há muitos anos, na Escócia. Nenhum dos dois jamais pediu
trégua. Não é bem a Guerra dos Cem Anos, mas acredito que pretendam chegar perto disso. —
ela disse.
— Ai!
O som estarrecedor de Francis levando uma bola de neve bem no rosto fez com que ambos
estremecessem. Até James fez uma breve pausa, porém, em segundos já estava agachado catando
neve, fazendo o próximo de seus mísseis mortais.
— Deve ser bom ter uma família tão próxima. — Julian disse.
Ele estava prestes a acrescentar outra observação, de quanto eles devem se divertir quando
sua visão foi interrompida de repente. Uma bola de neve o atingiu no rosto. Midas rosnou, mas
ficou parado ao lado de Caroline.
— Não! Não podem atacar nosso anfitrião! — Caroline gritou.
O riso maligno que emanou de Francis e James disse a Julian que eles pensavam o contrário.
— Certo. Se é assim que desejam, colherão o que semearem — ela disse.
Julian havia acabado de limpar a neve do rosto quando, para sua surpresa e deleite secreto,
viu Caroline largar o chapéu de Francis no chão, sem cerimônia alguma, e se abaixar e pegar um
punhado considerável de neve. Com a mão boa, ela jogou a neve no ar várias vezes, esmagando-
a em uma bola a cada pegada.
Francis foi o alvo do primeiro arremesso da irmã, que quase o derrubou no chão. Julian
assentiu, aprovando o arremesso mortal de Caroline.
James e Francis se colocaram lado a lado. Com Julian e Caroline os encarando, a batalha
começou de verdade.
Para alguém com a mão bem machucada, Caroline mostrou-se mais do que capaz de manter-
se firme. Ela e Julian logo se tornaram uma máquina eficiente de fazer e jogar bolas de neve. Tão
rápido quanto Julian conseguia reunir a neve macia nas mãos dela, e formar uma bola de
tamanho decente, Caroline a jogava com uma mira de grande precisão. Ela nunca errava.
— Traidora! — Francis gritou ao levar outra bolada na cabeça.
Julian e Caroline trocaram sons de indignação fingida e riram em seguida.
— Qual o tamanho do seu amor pelo seu irmão? — Julian perguntou.
Caroline riu.
— De todo o coração. No entanto, tem o William, e ele é o mais velho dos dois. Tenho
certeza de que meus pais não ficarão com o coração partido se ferirmos este.
— Bom. Porque com a quantidade de boladas na cabeça, pode acabar matando-o. Só julguei
ser sensato mencionar. — Julian respondeu com um sorriso torto.
Um rugido de protesto veio de Francis, quando James largou a última das bolas de neve e
ergueu as mãos.
— Eu me rendo! — James gritou.
Ele atravessou o espaço correndo e caiu de joelhos diante de Caroline. Julian riu quando
James juntou as mãos e implorou por misericórdia. Midas aproveitou para enterrar o focinho
molhado na lateral do rosto de James.
Caroline virou-se para seu aliado.
— Não sei qual é a política oficial dessa guerra. Sou mais do que a favor de atirar em
prisioneiros, mas como você é o diplomata, deixarei que decida o destino desse homem.
James se apressou, ainda de joelhos, e parou diante de Julian. Francis jogou uma última bola
de neve na nuca do primo e deu alguns passos.
— Se fosse eu, eu atiraria no vira-casaca. — Francis disse.
Ele estendeu a mão e ajudou James a se levantar.
— Suíno. — James murmurou.
— Julian e eu estamos preparados para sermos misericordiosos. — Caroline disse.
Ela sorria ao falar, mas Julian não deixou de notar o olhar estranho que James e Francis
trocaram. Ele o tomou como bom sinal. Eles a protegiam.
Apenas um minuto antes, ela estava tentando matá-los, mas os parentes de Caroline não
perderam tempo em garantir que Julian soubesse seu lugar. Francis tomou o braço de Caroline, e
James se colocou entre ela e Julian.
— Ninguém mais chegou? — James perguntou.
Julian franziu a testa.
— Não, e a estrada até Midway está aberta. Embora eu não tenha tanta certeza do que as
próximas horas trarão.
Um olhar coletivo para os céus fez com que todos balançassem a cabeça. O céu claro da
manhã estava sendo substituído por nuvens cheias de neve, baixas e escuras. Se os outros
convidados não chegassem ao Castelo Newhall nas próximas horas, não chegariam para a ceia.
— Bem, vamos torcer para que mais pessoas cheguem, antes do anoitecer. Se não, James e
eu sairemos com você, à primeira luz, para verificar as estradas. — Francis disse.
Quando Caroline sorriu para o irmão alto, Julian sentiu que ela o agradecia por se oferecer
para ajudar.
— Entremos para buscarmos comida quente. Nossa cozinheira passou a manhã toda assando,
e estou ansioso para me deliciar com uma de suas famosas tortas de frango. — Julian disse.
Caroline deu uma tapinha amigável em Midas.
— E quem é você, além de um bravo cão de batalha?
— O nome dele é Midas. Meu pai o trouxe para mim, pouco antes de eu ir para a guerra. —
Julian explicou.
Quando continuaram a caminhar em direção à porta da frente, Midas foi para o lado de
Caroline. Ela conversou feliz com o cachorro, que por sua vez abanava o rabo.
James e Francis não perderam tempo em assumir a liderança. Enquanto Julian os seguia, ele
se entregou ao estudo silencioso e cavalheiresco das curvas de Caroline. O balanço suave dos
quadris era doce o bastante para fazê-lo ranger os dentes.
O sensato Julian Palmer, que conhecia muito bem a mágoa que vinha de amar uma bela
mulher, agora se via lutando contra um novo oponente: o Julian que desejava ter Caroline nos
braços.
Capítulo Vinte

C aroline desenrolou a bandagem que protegia os pontos. Ela desviou o olhar, enquanto Julian
segurava a mão dela e examinava o próprio trabalho.
— Não vai desmaiar de novo, vai? — ele perguntou.
— Não. Desde que eu não olhe para a mão, ficarei bem. — ela respondeu.
— Como está? — Francis perguntou.
O irmão estava perto do sofá baixo onde Caroline sentava-se ao lado de Julian. Por mais que
ela tenha assegurado Francis de que ela poderia receber atendimento médico do anfitrião sem
que houvesse qualquer indício de impropriedade, ele insistiu em estar presente enquanto o
ferimento fosse inspecionado.
Julian passou a ponta do dedo pela palma da mão dela, tendo todo o cuidado de evitar os
pontos. Caroline estremeceu ao toque dele.
— É um bom sinal. Significa que não houve dano aos nervos. — ele disse, ao erguer a
cabeça e sorrir para ela.
— Quando esta ferida cicatrizar, poderei tocar corretamente o pianoforte? — ela perguntou.
Julian assentiu.
— Sim, eu diria que sim.
— Excelente. Então, algo bom virá dessa lesão, Caroline. Enfim terá a habilidade de tocar
pianoforte. Quem diria que todos esses anos sofrendo com seu terrível desempenho poderiam ter
sido evitados com uma simples punhalada na sua mão. — Francis disse.
Uma resposta ácida quase saiu dos lábios dela, mas o olhar de surpresa no rosto de Julian,
ante o comentário de Francis, a impediu a tempo.
— Peço desculpas, Julian. Por favor, perdoe o jeito como provocamos uns aos outros. É o
que fazemos. Quando minha mão estiver totalmente recuperada, prometo tocar para você. Assim,
você poderá julgar se sou talentosa ou não. — Caroline lançou um olhar maligno para Francis,
que devolveu o olhar com um erguer de sobrancelha.
Ela rezou para ele se entediar logo de observar Julian cuidando da ferida e pedir licença. Ele
nunca ouviu falar que três eram uma multidão? Ela decerto não precisava que ele fizesse
companhia aos dois em uma sala de estar no meio do dia. As piadas fraternas estavam logo se
tornando constrangedoras.
— Trocarei o curativo e enfaixaremos de novo. Se puder mantê-lo seco e tentar não usar
muito a mão nos próximos dias, os pontos ajudarão a ferida a cicatrizar. — Julian disse.
Decepção a dominou com essas palavras. A mão machucada a restringia de grande parte das
danças. Além disso, a oportunidade de se juntar ao grupo de caça ficara menor. Quanto mais
pensava, mais percebia que, pela primeira vez na vida, ela seria relegada ao papel de adorno de
parede durante boa parte de uma festa.
Caroline não estava acostumada com a ideia de ficar sentada às margens. Ela era a estrela. À
frente e no centro do palco, onde todos podiam vê-la. A estada no Castelo Newhall trazia um
novo conjunto de desafios inesperados.
Julian desenrolou uma faixa curativa nova e começou a enfaixar a mão dela. Ele cantarolava
para si, em um murmúrio, enquanto trabalhava. Caroline o observou. O tom profundo da voz
dele parecia uma canção de ninar terna. Ela se aproximou. Os rostos dos dois ficaram a
centímetros de distância.
Quando ele ergueu o olhar para ela, ela sentiu o coração flutuar. Uma onda de calor correu
para as bochechas. Ela baixou a cabeça, esperando que Francis não tivesse visto.
Ela enviou uma oração silenciosa aos céus, enquanto Francis dava vários passos em direção à
porta.
— Não vou demorar. Vou pegar um livro em meu quarto e volto para me juntar aos dois em
breve. — ele disse.
Para surpresa dela, Julian riu baixinho, quando Francis deixou a sala.
— Ele é sempre tão protetor com você como tem sido desde que chegaram aqui? Porque, em
caso contrário, um homem pode ter a impressão de que Francis não confia nele. — ele disse. Ele
finalizou o curativo e amarrou a faixa com um pequeno e elegante nó que ele escondeu sob o
curativo. Foi um trabalho caprichoso. Caroline ficou impressionada.
— Passei por momentos difíceis nas últimas semanas. Ele está apenas fazendo tudo o que
pode para garantir que eu me divirta enquanto estiver aqui. Falando nisso, parece mais do que
provável que haja apenas nosso pequeno grupo para a ceia. — ela respondeu.
Ela estava sentindo um estranho conflito com a falta de outros convidados. Estava triste por
Julian porque a festa não estava começando como planejado. Era óbvio que uma grande
quantidade de preparação foi empregada para que o Castelo Newhall estivesse pronto para cerca
de trinta convidados. Ela se apiedou dele dado o crescente desconforto dele.
Por outro lado, uma pequena centelha de algo que parecia ser alegria se acendeu no coração
dela. Enquanto ele colocava a tesoura e as faixas extras de volta na pequena bolsa de couro, ela o
observou com um olhar interessado.
Julian pegou a bolsa e levantou-se do sofá.
— Sim, acredito que pode estar certa. Qualquer pessoa que ainda esteja na estrada de
Leicester a esta hora deve parar em Ashby-de-la-Zouch e ficará no Queen's Head. É claro,
deixarei cavalariços e os ajudantes dos estábulos prontos para qualquer chegada tardia.
Entretanto, é melhor eu encontrar Lady Margaret e ver o que pode ser feito com a montanha de
tortas que foram assadas esta manhã.
Após a saída de Julian, Caroline foi até a janela. A luz estava desaparecendo depressa.
Francis voltou pouco depois, carregando o livro que havia prometido pegar.
— Situação constrangedora, sem que mais ninguém chegue. — ele observou.
Caroline assentiu.
— Sim, felizmente, Julian tem um castelo cheio de criados que, sem dúvidas, farão bom uso
de toda aquela comida extra. Sinto-me envergonhada por ele. É a primeira vez que ele se propõe
a tal evento, e nada parece ter dado certo.
O irmão franziu as sobrancelhas e veio para o lado de Caroline.
— Desde quando Newhall se tornou Julian?
Ela sabia que ele não estava tentando doutriná-la quanto ao que fazer, os homens Saunders
não eram tolos, ainda assim, ela se ressentiu do tom dele. O tom caloroso, mas um pouco
paternalista que ele usava ao tentar convencê-la a pensar como ele.
— Desde que concordamos, ainda na carruagem saindo de Londres, que eu tentaria ser mais
gentil e agradável. — ela respondeu.
— Não acredita estar sendo um pouco intimista demais com ele? — Francis perguntou.
— Oras, não quer que eu o chame pelo nome, como ele pediu em nossa tentativa de fazer
amizade. Por que não? — ela acrescentou.
— Não estou dizendo que não pode ser amiga de Newhall. Apenas aponto que você pode
querer ter cuidado com o excesso de familiaridade com ele. Ao usar o primeiro nome, fará com
que os outros pensem que já fez uma reivindicação ao nosso anfitrião. Considerando que não
declarou interesse em se tornar a condessa dele, eu diria que não é uma boa ideia.
Ela veio para Derbyshire com a intenção de fugir de Londres. De se livrar da constante
atenção indesejada dos pretendentes dedicados, mas delirantes. Não era um direito dela, turvar as
águas do lago imaginário de pretendentes de Julian Palmer.
— Tudo bem, assim que todos chegarem amanhã, voltarei a chamá-lo de Newhall. Se ele me
perguntar o porquê, explicarei que viso manter as condições de concorrência equitativas para
todas as candidatas em potencial. Estou certa de que ele considerará um pouco divertido. — ela
respondeu.
Francis estava com a razão. Nem de longe, ela pensava em se casar com Julian. Eles eram
amigos, nada mais. Ela precisava dar um grande e bem considerado passo para longe dele.
Capítulo Vinte e Um

V oltou a nevar no início da noite. Quando o pequeno grupo presente na casa desceu para
jantar, havia uns bons dez centímetros de neve no chão do lado de fora.
Caroline parou nas escadas e olhou pela janela. Ela apertou a mão direita em um punho e
socou o ar com alegria. Caroline amava neve. Apesar de todos os inconvenientes e a bagunça, ela
não gostava de nada mais do que parar no ar gelado e deixar os flocos de neve rodopiarem ao
redor.
Ela correu de volta para o quarto e pegou o casaco e as luvas. Conseguiu colocar a luva na
mão direita, deixando a mão esquerda protegida apenas pela bandagem e curativo.
Voltando para o andar de baixo, ela abriu a porta da frente e entrou em um país das
maravilhas de inverno branco. Ela verificou a entrada para garantir que ninguém chegava e, com
os braços estendidos, começou a girar devagar.

— Vai começar. — James murmurou.


Francis olhou para onde o primo apontava e sorriu. Segundo qualquer pessoa da família, em
todo Natal no Castelo de Strathmore, Caroline parava do lado de fora na neve e girava devagar.
Durante horas, ela adorava o céu em silêncio, enquanto esse mar branco caía acima dela.
— O que vai começar? — Julian perguntou, subindo as escadas.
— A dança na neve de Caroline. Poucas pessoas fora da família já a viram. Deve se sentir
privilegiado. — James respondeu.
— Ela adora o inverno. Algumas pessoas indelicadas a nomearam Rainha de Gelo, mas não
percebem o quão perto da verdade o apelido está. — Francis.
Nesse instante, Caroline parou de girar. Ela inclinou a cabeça para trás e abriu a boca. No
brilho dourado das tochas que iluminavam o pátio, Julian flagrou a incrível visão de uma jovem
em êxtase. A neve caiu em seu rosto e, às vezes, em sua boca aberta, e Caroline continuava de
olhos fechados e braços estendidos.
— Nunca vi nada parecido em toda a vida. — Julian murmurou, em completo encanto.
Ao se afastar, ele avistou um movimento nas sombras perto de Caroline. Midas estava
guardando de perto a convidada.
Caroline tirou o casaco e a luva cobertos de neve e os entregou a um lacaio.
Ele apontou na direção da sala de estar do andar de baixo.
— Lorde Newhall pediu para avisá-la que ele e os outros senhores a esperam.
— Não me diga que parou de nevar. — James brincou quando ela entrou.
Ela riu, cheia da alegria do inverno.
— Não, mas meu casaco começava a gotejar, e Midas fez seus protestos reconhecidos. Além
disso, soube que haveria comida quente, e você sabe como fico ao sair da neve. Preciso de tortas.
Julian avançou e se curvou. O corar que chegou de repente às bochechas dela trouxe um
pouco da sensação de volta.
— Então terá tortas, quantas puder comer. Entendo que faz parte da tradição que, quando
alguém termina de adorar o deus da neve, deve se entregar a tortas. — ele disse.
Ela olhou para Francis, que deu de ombros.
— Precisamos explicar a Newhall o que a levou ao lado de fora, para girar na neve. — ele
disse.
Calor queimou as bochechas dela pela segunda vez. O que estar na presença de Julian fez
com ela? Ela estava acostumada com homens se aglomerando em torno dela, lutando para obter
favor, mas havia algo de diferente em se tratando dele. Ele a deixava desconfortável. Não. Ele a
fazia sentir-se diferente.
Talvez eu esteja perdendo meu jeito.
Caroline afastou a ideia. Claro, ela passou demasiado tempo do lado de fora, no ar gelado, e
o cérebro dela estava um pouco confuso.
— Então, seremos nós esta noite? Sinto muito, Julian. Espero que amanhã traga uma frota de
carruagens à porta da sua casa. — ela disse.
— Não se preocupe. Preciso dizer que vocês três são o tipo de hóspedes que são sempre bem-
vindos quando se trata de uma propriedade coberta de neve. — ele respondeu.
A porta da sala se abriu, e uma mulher mais velha entrou. Julian foi até o lado dela e,
pegando-a pelo braço, a levou até onde Caroline e os outros estavam.
— Lady Margaret, permita-me apresentá-la aos convidados. Trata-se de Caroline e Francis
Saunders, e do primo deles, James Radley.
Caroline fez uma reverência gentil e os outros curvaram-se. Ao olhar para cima, ela viu Lady
Margaret estendendo as mãos para ela.
— Minha querida menina, seja bem-vinda ao Castelo Newhall. Peço desculpas por não ter
vindo vê-la quando chegaram tarde na noite passada. Soube que feriu a mão. — ela disse.
— Sim, mas Julian fez um excelente trabalho com pontos de batalha de primeira classe.
Ainda tenho sensibilidade na mão, que neste momento é uma bênção tanto quanto um infortúnio,
mas espero voltar a ter plenas funções. — ela respondeu.
Lady Margaret piscou quando Caroline ergueu a mão bem enfaixada. Ela virou-se para os
outros.
— E este é Francis? Ah, e claro, James, conheço seu pai.
James abriu o sorriso retorcido que sempre abria no caso de o pai ser mencionado. Todos na
Sociedade conheciam o Bispo de Londres. Sempre que encontrava alguém, James era convidado
a repassar cumprimentos ao pai. O coração de Caroline se apiedava dele. Ela não era a única a
ser vista pela nata da sociedade sob altas expectativas.
— Minha tia se esforçou bastante para organizar essa festa. Ela trabalhou com minha mãe
para preparar todos os convites. A condessa, infelizmente, não pôde se juntar a nós esta semana.
— Julian disse.
Caroline olhou para o irmão. Um acordo tácito nesse olhar. Ninguém mencionaria a condessa
e sua ausência no Castelo Newhall.
— Sim, imagino todo o trabalho envolvido no planejamento de tudo. Precisou trazer muito
de Londres? — ela perguntou.
— Na verdade, não, a cidade aqui perto, Burton-on-Trent, tem muito do que precisamos.
Planejamos um passeio até lá no dia da feira. Se o tempo melhorar, viajaremos até a cidade na
próxima quinta-feira. — Julian respondeu.
Os cavalheiros reuniram-se no aparador próximo e iniciaram uma discussão séria acerca dos
méritos dos vários uísques escoceses finos ali propostos. Lady Margaret segurou Caroline pelo
braço, e elas caminharam até a parede mais distante, onde havia uma série de pinturas.
Caroline ficou de pé e estudou de perto a primeira obra de arte. Era uma paisagem
arrebatadora de montanhas escarpadas e vales profundos. Ela apreciou os vermelhos e cinzas
rústicos usados pelo artista. Os retratos eram bons o bastante para atrair o olhar, mas as pinturas
da natureza e vistas eram, aos seus olhos, muito mais atraentes.
— É uma paisagem da região? — ela perguntou.
Lady Margaret balançou a cabeça.
— Não, é de onde vem minha família. É mais ao norte, no Peak District. O pai de Lorde
Newhall o encomendou para mim não muito tempo após eu chegar ao Castelo Newhall.
Caroline mordeu o lábio inferior, sem saber o que dizer a seguir. Se Lady Margaret não era
tia de Julian por parte de pai, e não era parente da mãe, então… como exatamente ela se tornou
tia dele?
O olhar de Lady Margaret encontrou o de Caroline.
— Não sou tia dele de verdade. Fiz o meu melhor para criá-lo nos anos após a partida da
mãe. Fiquei viúva muito jovem, e o pai de Julian e eu percebemos que ser amante dele era uma
solução muito melhor para mim do que ter que passar pelo incômodo de encontrar outro marido.
Nós nos amávamos, o que já era mais do que ambos tivemos em nossos respectivos casamentos.
— Não quis me intrometer, mas obrigada por me contar. Prometo não mencionar tal fato a
mais ninguém. — Caroline disse.
— No ritmo dos acontecimentos, talvez não tenhamos mais ninguém. Fico feliz, porém, em
ver que você e Julian estão se esforçando para serem amigos. — Lady Margaret comentou.
Caroline olhou para trás, para onde Julian e os outros estavam. Eles eram inimigos até um dia
atrás. E ela ainda estava um pouco mais do que surpresa com o quão terno e amigável ele foi
desde que chegaram.
— Lady Margaret, peço um favor, que seja honesta comigo. Não entendo por que a condessa
se esforçou tanto para me convidar. Nossos encontros anteriores foram muito desagradáveis.
Então, não sei por que ela estendeu o convite a minha pessoa. — ela disse.
O silêncio que se seguiu aumentou o desconforto de Caroline. Em vez de oferecer garantias
imediatas de que tudo estava dentro do esperado, Lady Margaret hesitou.
— A condessa fez mudanças de última hora na lista de convidados, pouco antes de deixar
Londres. — ela explicou.
Caroline forçou um sorriso aos lábios e fez o possível para afastar as lágrimas indesejadas.
Ela agora entendia o olhar de surpresa genuína no rosto de Julian, quando ele a viu à frente das
portas do castelo. Como ele não a havia convidado, Caroline Saunders devia ser a última pessoa
que ele esperava encontrar batendo à porta dele no meio da noite.
Lady Margaret estendeu o braço e segurou a mão sadia de Caroline.
— Você e Julian são amigos agora. Por favor, deixem que quaisquer mal-entendidos
passados entre vocês dois permaneçam no passado. — ela lançou um breve olhar para Julian e
voltou a se virar para Caroline. — Você é bem-vinda aqui no Castelo Newhall, e é uma
convidada igual a todos os outros. Peço-lhe que não mencione isso para ele. Seria demasiado
constrangedor para ele descobrir que você sabe.
Caroline considerou as palavras de Lady Margaret. Ela não costumava agir assim, mas ela
fez uma promessa para si e para a família de modificar certos comportamentos. Ela chegou à
incômoda decisão de que engoliria o orgulho e não diria nada ao anfitrião.
— Claro. Além disso, estamos vivenciando momentos maravilhosos. Julian e eu derrotamos
meu irmão e meu primo em uma batalha de bolas de neve esta tarde. E ele me garantiu que
poderei comer o máximo de tortas que eu puder esta noite. — ela respondeu com ternura.
Quando um pequeno suspiro de alívio escapou dos lábios de Lady Margaret, Caroline
enxugou outra lágrima e fez um voto silencioso. A partir de agora, ela faria de tudo para merecer
seu lugar nesta reunião.
Após o jantar, Lady Margaret pediu licença e os deixou. O resto do grupo sentou-se em sofás
e fez um voto coletivo de nunca mais comer outra torta.
— Então, Newhall, sairemos amanhã de manhã para ver se alcançamos alguns dos outros
convidados? — Francis perguntou.
Caroline olhou por cima do livro que lia, sentada perto da lareira. A expressão no rosto de
Julian dizia tudo. Ele estava ficando preocupado que ninguém mais viesse.
— Parece uma excelente ideia. Será divertido observar quem vem pela estrada. Você poderia
se fantasiar de assaltante e gritar: “Rendam-se e entreguem tudo!” — ela brincou.
James disparou um olhar de horror fingido.
— Sim, e você pode explicar ao meu pai por que razão serei enforcado, quando alguém não
enxergar o lado engraçado da brincadeira.
Francis segurou a garganta do primo e fingiu estrangulá-lo. James, por sua vez, interpretou
muito bem o papel de um homem com o pescoço quebrado e se lançou ao chão.
Os aplausos por sua atuação terrível foram curtos.
— Talvez seja melhor se agasalharem bem contra o frio e deixar de lado a ideia de brincar de
Dick Turpin. Prometo os esperar aqui com café quente e mais tortas prontas para o retorno
seguro de todos. — Caroline disse.
Julian virou-se para ela e mergulhou em uma elegante reverência.
— Obrigado. Isso fará com que a viagem de amanhã valha ainda mais a pena.
Caroline sorriu de volta para ele, consciente de que o fazia. O coração batia em um ritmo
novo. Estaria o coração da Rainha de Gelo começando a descongelar?
Capítulo Vinte e Dois

O sol estava nascendo, mas ainda estava frio quando Julian, James e Francis se reuniram na
frente do castelo. Cavalariços traziam três cavalos fortes dos estábulos.
Para a surpresa de Julian, Caroline foi fiel à palavra e estava pronta para uma despedida
carinhosa, antes de eles começarem a jornada.
— Olá, bom dia. — ela disse, enquanto Midas se aproximava para cumprimentá-la.
— Ele parece ter gostado bastante de você. — Julian respondeu.
Caroline curvou-se e fez um cafuné amigável atrás das orelhas de Midas. O cachorro abanou
o rabo, e Julian sentiu a forte conexão que se formava entre os dois. Também sentiu uma
estranha dor no coração, enquanto ela falava baixinho com o cachorro.
— Vai esperar aqui comigo, rapaz? Espero que esteja feliz por ser abençoado com um belo
casaco de pele, grosso e confortável, para suportar uma manhã como esta. — ela disse.
Julian tomou as rédeas que o cavalariço segurava, sem prestar atenção. O olhar fixava-se em
Caroline. Foi só quando ela se levantou, e James falou com ela, que o feitiço lançado nele se
desfez. Ele piscou ante o sol brilhante do amanhecer e tentou recuperar o foco. Quando Midas
começou a se aconchegar na perna de Caroline, Julian sentiu uma segunda pontada no peito.
Não posso estar com ciúmes do meu cachorro. Se eu estivesse, significaria…
A ideia de ele estar desenvolvendo qualquer tipo de apego a Caroline era ridícula. Eram
antigos inimigos, amigos temporários, presos pelas circunstâncias. Quando voltassem para
Londres, ele esperava que voltassem a ser nada mais do que conhecidos amigáveis.
— Quanto tempo acredita que ficarão fora? — ela perguntou.
— Bem, seguiremos em direção a Midway primeiro, pois fica a curta distância daqui. Se não
encontrarmos ninguém na estrada, talvez continuemos em direção a Ashby-de-la-Zouch. —
Julian respondeu.
O coração dele se aqueceu ao pensar que ela se importava com quanto tempo ele ficaria fora,
mas quando Francis pulou no cavalo, Julian se convenceu de que ela estava mais preocupada
com os parentes do que com ele.
— Bem, boa sorte. Espero que encontre uma fila de carruagens, todas vindo nessa direção.
Creio que nenhum de nós quer pensar em comer outras cem tortas, caso os demais não cheguem.
— ela disse.
Julian colocou um pé no estribo da sela e, em um movimento suave, montou o cavalo. Em
um mundo onde todos os homens cavalgavam, ele estava um pouco acima da média tratando de
lidar com cavalos. Ao se acomodar no lugar, ele deu uma olhada em Francis e James, sufocando
um sorriso diante da óbvia apreciação de suas habilidades.
Com um toque suave das botas na anca do cavalo, ele conduziu o pequeno grupo para longe
do pátio do castelo e para a longa viagem.
A manhã estava clara, mas como havia apenas uma leve brisa, Julian sentia-se aquecido e
confortável em seu casaco de lã. Eles cavalgaram em silêncio por um tempo. Em vez de tentar
iniciar uma conversa, Julian se contentou em desfrutar da agradável paz rural de Derbyshire. Era
bom estar de volta à Inglaterra.
Quando chegaram à curva na estrada que levava a Midway, Julian puxou o cavalo.
— Talvez seja um pouco cedo para quem chegou a Ashby, e pernoitou lá, estar na estrada.
Francis assentiu.
— Precisamos encontrar alguém se seguirmos para a próxima aldeia. O clima quando saímos
de Londres não era tão ruim assim. Foi só após sairmos de Leicester que encontramos neve digna
de nota.
Enquanto seguiam em direção a Ashby-de-la-Zouch, a preocupação que surgiu na mente de
Julian na noite anterior começou a crescer. Era estranho que apenas o grupo Saunders tivesse
chegado ao Castelo Newhall. Ainda mais preocupante era que eles foram as únicas pessoas que
ele e Lady Margaret não haviam colocado na lista inicial de convidados.
— Ela não teria a coragem. — ele murmurou para si.
Ele e a condessa não concordavam em muitos assuntos, mas até esta manhã, ele nem
cogitaria que ela fosse capaz de tentar fazer de fato mal a ele ou ao título Newhall. Ela roubou
um colar valioso vinculado ao título. Será que o despeito dela chegaria a um nível ainda mais
profundo? Quanto mais se aproximavam de Ashby, mais o medo dele crescia.
Eles passaram pela vila de Packington, contudo, não viram nenhuma carruagem ou
diligência. Julian lambeu os lábios. A boca estava seca por sugar o ar frio da manhã por entre os
dentes. Uma imagem da mãe ocupava sua mente, enquanto ele cavalgava. Ele a imaginou dando
uma risada longa e extravagante, divertindo-se à custa do filho e da amante do falecido marido.
Quando um cavalheiro local passou por eles na estrada, foi preciso um grande esforço da
parte de Julian para conjurar um aceno de reconhecimento. Se a mãe tivesse mesmo conseguido
sabotar os festejos, ele seria motivo de chacota da Sociedade. Ele não queria pensar em quanto
dano a própria reputação teria sofrido quando voltasse a dar as caras em Londres.
Francis esporeou o cavalo e veio parear com Julian. Nesse instante, eles se entreolharam, e
Julian consolou-se em ver que Francis parecia tão preocupado quanto ele.
— Posso ir às tabernas ou pousadas dos arredores para perguntar se quiser. Não precisa fazer
isso sozinho. — Francis ofereceu.
Uma risada amarga foi a resposta de Julian.
— Ashby não é um lugar tão grande assim. A quantidade de pessoas esperadas para a reunião
deixaria a cidade abarrotada de veículos. Se ninguém chegou de Londres, logo saberemos.
Julian percebeu que gostava de Francis Saunders. Ele não era o típico filho da Sociedade.
Ele, como o pai, Charles, de fato trabalhava para ganhar a vida. O irmão mais velho de Francis,
William, que esteve em Paris com Julian, era desse mesmo feitio. Will era um camarada vivaz e
simpático, que se sentia em casa tanto nas tavernas sombrias de Paris quanto nos reluzentes
salões de baile de Londres.
Ao chegarem à cidade, eles viraram para a Rua do Mercado. A Pousada Bull's Head
localizava-se à esquerda. Não havia carruagens ou diligências paradas ali. Francis assumiu a
liderança e os levou ao pátio da estrebaria nos fundos.
Enquanto James e Francis desmontavam de seus cavalos, Julian permaneceu na sela. Ele
queria descer, mas sabia que, assim que o fizesse, teria todos os seus piores medos confirmados.
Um rapaz veio e tomou as rédeas dos cavalos de James e Francis.
Francis olhou para Julian e acariciou o cavalo na garupa, antes de caminhar em direção à
porta da pousada.
— Voltarei em breve. — ele disse.
— Talvez queira descer do cavalo, Newhall. O rapaz, sem dúvida, tem outros trabalhos a
fazer — James disse.
Com um suspiro resignado, Julian desceu do cavalo.
Enquanto o rapaz levava os três cavalos para longe, para que tomassem uma merecida água,
James parou com as mãos nos quadris, e examinou o pátio:
— Nunca parei nesta cidade. Costumo ter muita pressa para chegar a Burton-on-Trent. — ele
disse.
— Conhece a área? — Julian indagou.
James assentiu.
— Sim, tenho alguns velhos amigos de escola que vêm com regularidade a Burton. Eu
esperava tentar espremer uma visita para vê-los, enquanto estivéssemos no Castelo Newhall.
Pensei que, com tantos convidados precisando de atenção, você não se importaria se eu
desaparecesse por um dia ou mais.
As esperanças de uma casa cheia foram diminuindo a cada minuto. Pelo canto do olho, Julian
viu Francis voltando. O semblante dele dizia tudo.
— Nenhuma diligência ou outras carruagens. Na verdade, sou o primeiro cavalheiro que eles
viram durante toda a semana. — Francis disse.
Julian rosnou.
— Ela não consegue deixar de se intrometer.
Francis e James trocaram um olhar curioso.
— Quem? — James perguntou.
— Minha mãe. Ela foi inflexível em ter voz na lista de convidados para meu evento. Eu não
ficaria nem um pouco surpreso se ela fez algo para acabar com meus planos. — ele disse.
— Mas ela é sua mãe. Por que ela faria algo assim? — Francis questionou.
Julian sentiu uma dor familiar chegando ao coração. Como explicar às outras pessoas que
nem todas as famílias eram amorosas e carinhosas?
— Senhores, preciso de uma dose. Não, várias doses. Na verdade, eu gostaria de começar a
beber e quando me considerarem incapaz de retornar à Newhall, eu pediria que pedissem mais
uma rodada.
Ele não queria falar da condessa, nem mesmo pensar nela. Ele precisava muito entorpecer o
cérebro. Ingerir o máximo de álcool que o corpo pudesse suportar, desde que anestesiasse a dor.
Francis assentiu.
— James e eu cuidaremos das bebidas.
Capítulo Vinte e Três

— P obreEnquanto
Julian. — Caroline disse.
os homens iam atrás dos convidados, ela sentou-se do lado de fora em
uma cadeira, Midas dormindo no chão ao seu lado. O olhar estava fixo na estrada. À
medida que as horas se arrastavam com lentidão, ela se viu querendo avistar uma frota de
carruagens e diligências.
Ao deixar Londres, ela pensou na festa do Castelo Newhall apenas como uma fuga dos
próprios problemas, mas a perspectiva mudara. Ela desejava de todo o coração que Julian tivesse
um evento de sucesso. Que ele encontrasse uma linda garota para se casar, que fosse feliz.
— Onde estará todo mundo? — ela sussurrou.
Midas se mexeu ao lado dela e ficou de pé. Ele balançou a cabeça e depois o corpo, antes de
dar um latido baixo.
Caroline estendeu a mão e deu uma tapinha amigável.
— Acordou. O que chamou sua atenção?
Midas saltou e correu em direção ao pátio de entrada. No topo da subida, apareceram três
cavalos. O lento progresso até o castelo, e falta de mais movimento na estrada, não era um bom
presságio.
Ela levantou-se da cadeira e ajeitou as saias. Queria parecer calma. Se os cavaleiros que
chegavam trouxessem más notícias, ela queria mostrar a Julian todo o apoio dela.
Midas alcançou os cavalos e correu em torno deles, latindo de alegria incontida. Caroline
acenou.
Francis conseguiu dar um meio aceno. Quando ela viu Julian, seu coração afundou. Ele
estava caído, a cabeça baixa na sela. Um homem esmagado pela decepção.
— Ó, não. — ela murmurou.
Quando os cavalos enfim pararam à frente do castelo, Francis pulou da montaria. James
desmontou devagar. Ambos vieram para o lado do cavalo de Julian.
— Vamos, Newhall, vamos descer você. — Francis disse, estendendo as mãos.
Julian murmurou algo incoerente em resposta e afastou Francis.
— Descerei do meu maldito cavalo, Saunders, ou eu quebro o pescoço no processo. Tanto
faz, não dou a mínima.
Um pequeno O se formou nos lábios de Caroline ao perceber a verdade da situação. Julian
não estava desanimado, ele estava para lá de bêbado.
— O que aconteceu? — ela perguntou.
Francis caminhou até ela, enquanto James permaneceu perto do cavalo de Julian, o olhar fixo
no anfitrião bêbado.
— Cavalgamos até Ashby-de-la-Zouch e não havia nenhum convidado por perto. Newhall,
então, declarou que precisava do apoio de uma grande quantidade de álcool. — ele explicou.
Caroline piscou ao ver Julian tentar desmontar. Ele enfim retorceu o pé direito para fora dos
estribos, após várias tentativas fracassadas. Apoiando-se no cavalo, ele tirou o pé esquerdo do
outro estribo. Ele oscilou na sela por um instante capaz de parar o coração de alguém, mas
quando James se aproximou, Julian o encarou.
— Fique onde está, Radley, seu filho de um Bispo. — ele disse com a voz arrastada.
No que só poderia ser descrito como um movimento deselegante, Julian girou a perna direita
por cima da sela e deslizou pela lateral do cavalo, pousando de joelhos.
— Ai! — ele gritou.
Para alívio de Caroline, James estava disposto a ignorar os protestos de Julian e, colocando
as mãos sob os braços do anfitrião bêbado, levantou-o. Julian tentou afastar James, mas o primo
dela o segurou firme.
— Venha, Newhall, vamos entrar antes que todos morramos de frio. O uísque em seu sistema
pode estar mantendo-o aquecido, mas estou congelando aqui fora. — James disse.
Caroline e Francis seguiram James e Julian até o salão principal. Midas trotava atrás de
todos.
James conseguiu levar Julian para uma sala de estar próxima, onde, com um pouco da ajuda
dos outros, e apesar dos protestos arrastados de Julian, eles o acomodaram em uma
espreguiçadeira baixa. Caroline encontrou um lacaio que logo correu para buscar um cobertor
quente.
Com Julian agora bem acomodado, tendo caído em um sono profundo e roncando alto, o
resto do grupo o deixou. Eles se reuniram na biblioteca do andar de cima e fecharam a porta.
— Bem, essa foi uma jornada longa e um belo desperdício. — James disse.
Caroline franziu a testa.
— Então, o que acreditam que aconteceu? Por que ninguém além de nós chegou?
— Ele não tem certeza absoluta, mas Newhall suspeita que a mãe tenha algo a ver com a
situação. Ele mencionou, enquanto estávamos na estrada, que ele exigiu a devolução de várias
joias do espólio Newhall que a condessa levou quando deixou o pai dele. Ao que parece, ela
entregou parte das peças, mas manteve uma antiga herança de família. Ele acredita que ela fez
algo para atrapalhar os planos dele, a fim de se vingar dele por ter exigido a devolução das joias.
— Francis explicou.
E sabendo que ela e Julian tiveram várias desavenças públicas, não era preciso grande
raciocínio para Caroline se perguntar se a condessa decidira convidá-la para esse evento
particular como um último cuspe no rosto do filho. Para Caroline, a condessa foi um pouco mais
veemente do que o necessário para a convencer de comparecer. E o pedido de desculpas pelo
incidente na Serpentina não foi nada sincero.
Com o evento de Julian agora encaminhando-se para um fracasso completo, a pergunta óbvia
veio à cabeça. O que ela e os outros deveriam fazer?
— Eu diria que devemos regressar a Londres. — Francis disse.
Caroline não ficou surpresa com as palavras do irmão. Ele assumiu as rédeas da gestão de
uma quantidade significativa das importações da família no ano passado e estava se destacando
depressa como um empresário astuto. O tempo passado longe da cidade não era nada a ser
encarado com leveza.
— Quanto a mim, eu gostaria de ficar. Por ora, não estou com o estado de espírito para
encarar Londres. Newhall e eu já discutimos uma pequena viagem minha até Burton-on-Trent
para ver alguns velhos amigos de escola. — James disse.
Caroline poderia ter abraçado o primo bem aqui e agora, em especial quando viu o olhar de
aborrecimento no rosto de Francis.
Francis virou-se para ela.
— Há algo que precisa saber.
Ela assentiu.
— Fala de eu não estar na lista inicial feita por Julian e Lady Margaret? Que foi a mãe dele
que decidiu me convidar? Creio que conheço um pouco a condessa, e entendo que minha
presença aqui foi o jeito dela de irritar Julian.
James bufou em evidente desgosto com a revelação.
— Posso ir para Burton sozinho. Se me deixar na pousada em Ashby, posso seguir para o
norte de lá.
Francis ficou em silêncio, o olhar fixo em Caroline. Ele era uma criatura estranha. Às vezes
havia certa distância, mas em outras situações, como agora, ela sentia que ele conseguia ler a
mente dela. Ele aguardava que ela fizesse uma declaração de intenções.
— Quero ficar. — ela disse.
Se pressionada, ela poderia inventar uma série de razões sensatas para querer permanecer no
Castelo Newhall. Para começar, seria indelicado abandonar Julian neste momento. Ele precisava
que os amigos, por mais recém-adquiridos que os presentes fossem, ficassem ao lado dele.
Em segundo lugar, ela não queria voltar a Londres. Se deixasse o Castelo Newhall, ela
também seguiria para o norte, para a sede da família Strathmore, na Escócia.
No entanto, a razão mais verdadeira para ela desejar ficar era algo menos claro em sua mente.
Pela primeira vez na vida, o coração falava alto. Ela estava no Castelo Newhall há apenas alguns
dias, mas o lugar já entrara em seu sistema.
— Acredito que seria uma indelicadeza terrível da nossa parte fazer as malas e deixar Julian
sozinho agora. Também tenho esperança de que outros convidados cheguem e, se chegarem, se
sentirão mais confortáveis em saber que já estamos aqui. — ela acrescentou.
Francis ergueu uma sobrancelha, mas assentiu.
— Tudo bem, ficaremos. Ninguém poderá dizer que os Saunders ou os Radley abandonam
um amigo em uma hora de necessidade.
Capítulo Vinte e Quatro

U moutros.
Julian de aparência envergonhada saiu da sala de estar ao final daquela tarde e procurou os
Eles estavam escondidos no silêncio da biblioteca. Caroline encontrara um livro que
enumerava as antigas estradas romanas que atravessavam o distrito local.
— Boa tarde. — ele disse ao entrar na biblioteca.
Todos ergueram os olhares dos livros, e Francis se levantou.
— Espero que esteja se sentindo um pouco mais descansado, Newhall. Concluímos ser
melhor jogar um cobertor em cima de você e deixar a natureza seguir seu curso.
James riu.
— Para ser honesto, ele foi a favor de deixá-lo do lado de fora com o cachorro, mas Caroline
apontou que seria hipócrita da nossa parte e pleiteou por você.
Julian se virou para ela, e um sorriso minguado apareceu. Ela devolveu o sorriso,
encorajadora. Será que o conde aprenderia um dia a se sentir confortável com as brincadeiras dos
primos Radley e Saunders?
— Obrigado, Caroline, por interceder por mim. E obrigado, Francis e James, por me
deixarem tão bêbado que não me lembro da viagem para casa. Era exatamente o que eu
precisava.
Francis limpou a garganta e foi para o lado de Julian.
— Conversamos um pouco enquanto você dormia e gostaríamos de perguntar se poderíamos
ficar o resto da semana. A viagem de volta a Londres é longa, e nenhum de nós tem pressa
especial de partir. Isso, claro, se tal decisão se adequar aos seus propósitos. Caso contrário,
tomaremos as providências para partir o mais depressa possível.
O coração de Caroline se apiedou de Julian, as palavras de Francis registrando-se no rosto
dele.
Ele baixou a cabeça.
— Sinto-me humilde diante da gentileza de vocês. Claro, seria uma honra que continuassem
aqui no castelo. Confesso que não estava ansioso por passar o resto da semana aqui sozinho. Às
vezes, não sou boa companhia para mim mesmo.
Fiel à própria natureza, Francis leu bem o humor, soube o que fazer e deu um tapa forte nas
costas de Julian.
— Muito bem, Newhall, se insiste, ficaremos. No entanto, lembre-se de quem é a culpa
quando James e eu caçarmos todas as melhores aves à disposição, e deixarmos sua casa vazia de
bom uísque. Sem mencionar o dano que Caroline fará à sua cara coleção de vinhos franceses.
Caroline riu. Uma leve implicância era o jeito do irmão de avisá-la de que, embora ele tivesse
concordado com as exigências dela, ele ainda estava no comando. Desde que ficassem no
Castelo Newhall, ela se contentava em deixá-lo manter tal ficção em mente.
Os olhares de Julian e Caroline se encontraram. Ele parecia mesmo um pouco acabado. Os
olhos injetados eram uma janela para a dor da ressaca. Ela amaria ter cinco minutos a sós com a
Condessa de Lienz, para lhe dizer algumas verdades.
— Tenho uma excelente adega se quiser dar uma olhada. Trouxe um carregamento de
garrafas comigo ao voltar de Paris. Na verdade, seu irmão, William, me ajudou a selecioná-los.
— ele respondeu.
Ela olhou para um Francis radiante de orgulho. William passou anos como agente secreto do
governo britânico na França, trabalhando com os aliados para derrubar Napoleão. O recente
retorno seguro do irmão à Inglaterra foi um alívio para toda a família.
— Will mencionou que vocês dois trabalharam juntos após a guerra, mas eu não havia
percebido que eram realmente amigos. Ele disse algumas palavras gentis acerca da sua pessoa,
pouco antes de deixarmos a cidade. — Caroline disse.
— Will é um colega gentil. Perdi o casamento dele e de Hattie, portanto, sinto-me na
obrigação de convidá-los a visitar o castelo em algum momento. — Julian respondeu.
A porta da biblioteca se abriu, e Lady Margaret entrou na sala. Ela sorria.
— Uma carruagem foi avistada no alto da entrada. Alguém chega. — ela anunciou.
Em um instante, todos os livros foram deixados de lado, e o grupo de amigos desceu
correndo pela escadaria principal. Caroline soltou um enorme suspiro de alívio. As preocupações
de todos foram em vão.
— Rápido. Vamos formar uma guarda de honra para os recém-chegados. Isso ajudará a dar
um tom divertido para o resto da semana. — James disse.
Caroline foi até Julian, pois tendo acabado de sair de um estupor bêbado parecia estar se
debatendo com a notícia da chegada de alguém.
— Aqui, deixe-me ajudá-lo. — ela disse.
Ele abriu um sorriso cansado. Ela alisou e ajeitou o lenço de pescoço dele e passou as mãos
para limpar as mangas do casaco.
— Incline a cabeça para mim. — ela disse e passou os dedos pelos cabelos dele, desfazendo
os emaranhados que uma longa tarde de sono deixara naquelas madeixas castanhas-escuras.
— Obrigado. Sinto pavor só de pensar em como está minha aparência. — ele respondeu.
— Está lindo, especialmente quando sorri.
Ele estendeu a mão e segurou a dela. Os olhares dos dois se encontraram e, por um breve
momento, eles ficaram em silêncio, olhando um para o outro. Mexeram-se apenas quando
Francis pediu que se apressassem. Caroline fez uma rápida verificação no resto do traje de Julian,
antes de dar-lhe um aceno de aprovação.
Parados à frente das portas do castelo, eles avistaram a carruagem quando o veículo chegou
ao topo da elevação e começou a descer ao castelo. Os quatro alinharam-se lado a lado, e Lady
Margaret foi verificar com a governanta se as lareiras nos quartos de hóspedes haviam sido
acesas. Esperaram a carruagem chegar.
Julian olhou para Caroline, que estava à sua esquerda, e disse "obrigado". Ela sorriu para ele,
feliz por ele enfim receber mais hóspedes em casa.
Quando ela desviou o olhar, para concentrar-se na carruagem, o sorriso desapareceu. E se a
moça na carruagem fosse a mulher perfeita para Julian? Ele poderia até se apaixonar por ela à
primeira vista. E daí?
Ela se amaldiçoou em silêncio. Ela esteve ansiosa demais para permanecer no Castelo
Newhall, e não refletiu todas as possibilidades. Uma semana para vê-lo se apaixonar por outra
pessoa seria uma semana infernal.
Se houvesse um preço a pagar por ter sido fria e distante com todos os admiradores, talvez
fosse esse, ficar de braços cruzados vendo o único homem que a afetava ter o coração
conquistado por outra mulher.
Agora, em silêncio, ela ouvia o próprio coração falar pela primeira vez.
Julian Palmer estava prestes a parti-lo.
Capítulo Vinte e Cinco

J ulian endireitou as costas e limpou a garganta. A cabeça latejava por uma ressaca merecida, e
o estômago fazia seus próprios protestos por ter sido tão maltratado. Todavia, novos hóspedes
estavam chegando, e ele se dispôs a superar seus desconfortos físicos.
Quando a carruagem se aproximou, ele notou não ser grande. Também não era uma
diligência formal. Comportaria de duas a três pessoas, na melhor das hipóteses. Contudo, essa
chegada lhe dava esperança. Se uma das convidadas vinha de Londres, talvez outras também
viessem logo.
A carruagem parou e um lacaio avançou para abrir a porta. Julian deu uma última olhada em
Caroline, parada ao seu lado, e ao receber um aceno encorajador dela, saiu da fila e foi
cumprimentar os convidados.
Um chapéu preto alto apareceu na porta, seguido por um par de calças longas e escuras. Uma
mão se ergueu e logo removeu o chapéu, revelando uma cabeça de cabelos castanho-escuros.
Julian estendeu a mão em boas-vindas, mas não foi aceita.
— Bem, isso tudo é muito formal, mas acolhedor. Se eu soubesse que estava tão ansioso pela
minha chegada, eu teria saído de Leicester ontem à noite e chegaria mais cedo.
Julian piscou. O homem diante dele fazia parte da corte de admiradores de Caroline, um
sujeito estranho que tendia a ficar à margem do círculo e vir em seu socorro quando necessário.
Harry Menzies.
— Harry, que raios está fazendo aqui? — Francis perguntou.
Um Harry sorridente se adiantou e cumprimentou Francis com uma tapinha amigável no
ombro.
— Vim salvar você e, minha querida Caroline. — ele olhou para Julian e deu um aceno breve
e quase desrespeitoso. — Newhall.
Julian cerrou a mão esquerda e retirou a direita. Ele se virou e olhou para onde Caroline
estava. Ela estava com um semblante feio.
Harry passou por ele e foi até ela.
— Minha preciosa Caroline, faz quase uma semana que não olho para você. Espero que o seu
tempo aqui não tenha sido muito difícil, considerando tudo. Não tema, estou aqui para ajudar a
consertar tudo. — ele se inclinou e deu um beijo no rosto de Caroline. Foi visível o modo como
ela enrijeceu ao toque dele.
Francis correu para o lado da irmã, forçando Harry a dar um passo para trás.
— Como assim, veio para nos salvar?
Com um suspiro alto e deselegante, Harry voltou o olhar para Julian.
— Newhall cancelou a reunião, ou ele não se deu ao trabalho de contar a vocês? Foi um tanto
rude, tendo em vista que já haviam partido para Derbyshire. Após muita discussão, eu enfim
havia convencido minha irmã a comparecer e iria acompanhá-la. Felizmente, recebemos a notícia
da casa da Condessa de Lienz a tempo.
— Isso não é verdade. — Caroline disse, agitando-se.
Harry abriu um sorriso condescendente.
— Coitadinha. Sei que essa viagem deveria ser algo bom para vocês, mas esse canalha
mentiu para todos vocês.
Julian rangeu os dentes. Se era assim que Harry Menzies se comportava, então ele poderia
voltar para a carruagem e ir embora.
Foi James quem fez as vezes de pacificador.
— Alto lá, Harry, acredito que não esteja a par da verdade. Embora alguns mal-entendidos
tenham acontecido com convites, fomos convidados por Newhall e pretendemos ficar no castelo.
Julian assentiu para James com gratidão. As palavras dele ressabiaram Harry, e ele
murmurou algo, o que Julian considerou um meio pedido de desculpas.
Os criados do castelo estavam parados na parte traseira da carruagem, ainda à espera de
instruções. Julian assentiu na direção deles. Era tarde, e não importava como ele se sentia em
relação a Harry Menzies, ele não poderia mandar o homem de volta para a estrada.
Harry também era a única pessoa no Castelo de Newhall a fazer ideia do que a condessa fez
em Londres. Julian fazia questão de saber a exata extensão dos danos à própria reputação.
— É melhor entrarmos. Um quarto será preparado para você. — ele disse.

Caroline seguiu os homens, tomando o braço oferecido por Harry com relutância. Ele estava se
comportando de um jeito muito estranho. Se não o conhecesse melhor, ela teria arriscado dizer
que ele tomara mais goles de conhaque na estrada do que o normal, deixando a mente
sobrecarregada.
— Se puder levar Harry até a sala de visitas, terei uma palavra com Caroline. —Francis disse
baixinho para James. O primo assentiu e correu para conversar com o novo hóspede.
Francis levou Caroline para a sala de estar do andar de baixo e fechou a porta.
— Você e Harry firmaram algum entendimento em particular? Eu sei que ele sempre arrastou
uma asa por você, mas nunca imaginei que sentisse algo dessa natureza em relação a ele. Estou
retorcendo a cabeça para encontrar alguma razão, fora essa, para ele ter vindo de Londres. Ele
acabou de chamá-la de preciosa e a beijou na bochecha.
Ela encontrou o olhar preocupado do irmão.
— Não. Não faço ideia do que o trouxe até aqui. Todavia, ele está agindo de um jeito bem
peculiar. Sugiro que fale com ele para ficar alguns dias, apenas para ser educado, mas que deixe
claro que ele deve voltar a Londres o mais rápido possível. — ela respondeu.
— Concordo. Apenas me prometa que me deixará lidar com Harry. Não sei o que ele está
pretendendo, mas até que eu consiga descobrir, tente ficar longe dele. — ele disse.
A última coisa que ela precisava era Harry se autoproclamando mais um cavaleiro de
armadura brilhante pronto para defender a honra dela. Ela já contava com uma superabundância
de homens protetores em sua vida.
Se ela quisesse encontrar o amor um dia, ela precisava se libertar dessas correntes.
Capítulo Vinte e Seis

Q uando Caroline e Francis enfim se juntaram aos demais na sala de visitas, Julian já planejava
em silêncio como poderia se livrar de Harry Menzies sem causar ofensa. A dor de cabeça
que ele acreditava estar se resumindo à parte de trás do cérebro fez seu retorno vingativo. Ele
daria tudo para descer as escadas e se jogar em um sono na espreguiçadeira não tão confortável.
No entanto, ao ver Caroline, os pensamentos de autopiedade desapareceram. Ela se deslocou
para o fundo do cômodo, mantendo o máximo de distância possível do convidado recém-
chegado.
Harry se adiantou e se juntou a Francis.
— Acabei de contar para Newhall e Radley que toda Londres recebeu notícias de que a
reunião campestre foi cancelada de última hora. A Condessa de Lienz espalhou alguns rumores
de que Newhall estava voltando para a França. Algo envolvendo o conde e algum jovem
diplomata que ele decidiu que aqueceria sua cama melhor do que uma esposa.
— Boatos maldosos, no mínimo. — James respondeu.
A mão em punho de Julian permanecia apertada. A mãe estava se mantendo fiel em seus
esforços para derrubá-lo, mas havia preocupações mais urgentes.
Julian queria arrancar aquele sorriso indelével do rosto de Menzies. Ele estava gostando
demais de recontar a história dos rumores, na opinião de Julian. A antipatia por Menzies se
transformou em ódio, quando Harry olhou para Caroline, e ele abaixou a cabeça.
— Minhas desculpas, minha querida e doce Caroline. Não deveria precisar ouvir esse tipo de
rumores. Só se pode esperar que não sejam verdadeiros. Embora seja preciso dizer que a
diplomacia não é a mais viril das atividades. — Harry disse.

Caroline temeu pela segurança de Harry enquanto ele falava. De onde ela estava do outro lado da
sala, ela pôde ver as veias saltadas no pescoço de Julian. Se Harry não parasse o discurso louco,
ela estava certa de que violência logo se seguiria.
— Falando em atividades viris, discutíamos um passeio de caça esta semana, não? — ela
disse.
Ela havia prometido deixar Francis abordar a questão de ela ser autorizada a caçar com os
homens, mas neste segundo ela estava preparada para dizer o que precisasse, a fim de desfazer a
tensão na sala. Harry franziu a testa na direção dela e abriu a boca para falar, mas Julian o cortou.
— É uma excelente ideia, Caroline. Faz algum tempo que pratico tiro. Um homem não pode
deixar que as habilidades de guerra enferrujem. O que diz, Menzies? Ah, minhas desculpas.
Esqueci que o senhor nunca pegou em um rifle, ou em uma espada, para servir ao rei e ao país.
— Julian respondeu.
Harry, que jamais serviu no exército, murmurou algo para si e se calou. Julian e Caroline
trocaram um olhar de alívio compartilhado.
Julian se adiantou e ofereceu o braço a Caroline.
— Posso acompanhá-la até o depósito de caça para que possa escolher seu rifle? Tenho
certeza de que tenho algo que se adequaria a você com perfeição.
— É uma grande ideia, Newhall. Se todos descermos e escolhermos nossas armas hoje,
poderemos começar cedo amanhã. Caroline é uma atiradora soberba, fará uma grande
contribuição para a caçada. — disse Francis.
— Faz tempo que não saímos para caçar. Estou animada por esse passeio. — Caroline
respondeu.
Ao pegar no braço de Julian, ela ouviu um bufo de desagrado baixo vindo de Harry. Estava
claro que ele não ficou feliz em vê-la ser incluída no grupo de caça.
Ela ignorou o protesto dele. Quaisquer que fossem as razões para ele vir a Derbyshire, não
era direito dele dizer como ela deveria se comportar. Quanto mais cedo Francis conseguir fazer
Harry voltar para casa, melhor.
Capítulo Vinte e Sete

A grama coberta de gelo era amassada sob as botas de Julian enquanto ele caminhava pela
parte baixa do campo. Não passava muito do amanhecer, então o sol, escondido por nuvens
baixas, pouco avançara no derretimento do gelo trazido pela chuva noturna.
Ao lado dele, Caroline caminhava, cantarolando uma melodia murmurada e feliz. Midas, que
vinha para ajudar na caçada, mantinha-se próximo aos calcanhares dela. Francis, James e Harry
caminhavam à frente deles. De vez em quando, Julian flagrava Harry lançando um olhar furtivo
por cima do ombro, para Caroline.
Se ela sabia que Harry estava tentando chamar a atenção dela, Caroline escondia. Ela
carregava o rifle de caça sob o braço esquerdo, tendo recusado com educação todas as ofertas
dos outros em carregá-lo para ela.
— Adoro o amanhecer. O ar é tão fresco. — ela disse.
Julian tirou um cantil do bolso do casaco, tirou a tampa e entregou a ela.
Ela sorriu.
— Não é uísque, é?
— Não. Desde que soube de seu histórico infeliz com ele, fiz um voto solene de carregar
apenas o melhor conhaque francês no meu cantil. — ele respondeu.
Ela tomou um gole e, em seguida, assentiu.
— Muito obrigada, foi muito gentil.
Um estrondo de calor atravessou o corpo de Julian ao observar Caroline tomar um segundo
gole, mais longo. Ela lambeu os lábios e devolveu o cantil.
Julian tomou um grande gole do conhaque, desesperado para não pensar no quanto ele
adoraria provar aqueles lábios rosados dela.
Ao final do campo, eles cruzaram até uma pista estreita. Midas trotava à frente, sem dúvidas,
bem mais feliz por andar pelos trechos secos do que na grama molhada do campo. Entretanto,
quando Harry tentou recuar no grupo em uma tentativa de falar com Caroline, Midas desnudou
os dentes e rosnou. Harry logo desistiu.
— Creio que Midas não gosta de Harry. — Caroline comentou.
Então somos dois.
Julian segurou um sorriso satisfeito. Com o rifle seguro sob o braço e um par de botas
pesadas nos pés, ela parecia sentir-se em casa no frio campo de Derbyshire.
— Caça com frequência? — ele perguntou.
— Apenas na Escócia. Toda a família estendida dos Radley se engaja em caça e pesca
quando estamos no Castelo de Strathmore. O único animal que não tenho permissão para caçar
são os javalis. “Arriscado demais para as moças correrem com saias longas” ou algo nesse
sentido. Papai nem me deixa ser batedor. — ela respondeu.
Havia um quê distinto de decepção na voz dela, e Julian suspeitava que, caso surgisse uma
fração de chance, Caroline enfrentaria um javali escocês selvagem. Ele ficou aliviado porque os
animais mais perigosos que podiam ser caçados nos terrenos do Castelo Newhall eram cervos.
Pela maneira confortável que ela carregava o rifle, ele pressentia que Caroline estaria mais do
que à altura daquele desafio.
Eles fizeram uma curva, e Julian franziu os lábios e assobiou. Os três à frente pararam e
esperaram. Ele apontou para um matagal próximo. Era um lugar privilegiado na propriedade
Newhall para perdizes se esconderem.
Ele se agachou e falou com Midas.
— Devagar agora, rapaz. Vá na frente e encontre-nos algo para a ceia.
O cachorro trotou para as árvores. Julian assumiu a liderança, com Caroline seguindo de
perto. Francis, James e Harry compunham a retaguarda.
Na base de uma árvore no centro do matagal, eles encontraram Midas parado como pedra.
Ao som de um rifle sendo engatilhado, Julian virou-se e viu Harry se preparando para mirar. Ele
apontou para o rifle de Harry e depois para o chão.
Com um revirar de olhos, Harry baixou a arma. Julian meneou a cabeça para Caroline, que
preparou o rifle em silêncio. Com a mão esquerda enfaixada apoiada sem firmeza na lateral do
rifle, ela mirou o topo da árvore, parou e o baixou.
— Não consigo segurá-lo bem, não é seguro. — ela disse.
Julian engatilhou o próprio rifle. O insuportável Harry Menzies poderia esperar pela vez dele.
— Consegue ver os pássaros?
Ele se inclinou para perto dela, e permitiu que Caroline apontasse as perdizes. Ele conseguia
vê-los com bastante clareza, empoleirando-se nos galhos baixos da árvore, mas a tentação de
contar uma pequena mentirinha para se aproximar dela era demasiado grande para resistir.
Ele sentiu uma pitada do perfume dela ao respirar fundo. Por um instante, ele desejou que o
mundo inteiro desaparecesse.
— Ah, sim, eu os vejo. — ele disse.
— Bom. Gire à frente e atire um metro à esquerda deles, assim que Midas os provocar para
saírem dos galhos. — ela disse.
— Vamos, Newhall. Não temos o dia todo. — disse Harry.
Julian se deu ao luxo de um último suspiro profundo no perfume de Caroline, antes de se
afastar com relutância. Ele virou-se para Midas e deu um assovio breve.
Ao sinal de Julian, Midas saltou para o mato. Um farfalhar de folhas seguiu-se quando as
perdizes se agitavam para longe do esconderijo na árvore. Julian ergueu o rifle e atirou no local
exato em que Caroline havia apontado. Ele acertou o primeiro pássaro que caiu com peso.
Francis, James e Harry se revezaram, um a um, para derrubar um pássaro. Com a quantidade
decente de quatro pássaros, a caça matinal foi considerada um sucesso, e eles decidiram voltar
para o castelo.
Enquanto Julian reunia as aves e as jogava em um saco, Harry não perdeu tempo em disputar
a atenção de Caroline.
— Viu meu tiro? Juro que poderia ter abatido todas as aves sozinhas. Pena que sua mão
machucada não a deixa atirar. Se voltarmos a caçar durante nossa estada, eu ficaria mais do que
feliz em ajudá-la a atirar.
— Obrigada, Harry, é muito gentil da sua parte. Talvez em outra hora. — ela respondeu.
Francis deu uma tapinha nas costas do amigo e um leve empurrão para a frente. James se
colocou ao lado dele, e os três partiram em direção à trilha. Caroline e Midas seguiram atrás,
com Julian atrás de todos.
Quando chegaram ao amplo gramado, ele a alcançou.
— Você foi bem na caçada desta manhã. Tem um olhar aguçado. Prometa-me que, quando
sua mão estiver recuperada, retornará ao Castelo Newhall e me mostrará seu manuseio do rifle.
— Muito obrigada, creio que virei sim. — ela respondeu.
Enquanto os outros colocavam mais distância entre eles, Julian saboreou seu tempo a sós
com Caroline.
— Posso pedir desculpas mais uma vez? — ele perguntou.
Ela o olhou com curiosidade.
— Pelo quê?
— Pelo lago. Sei que já contei estar arrependido, mas toda vez que penso nisso, fico cheio de
vergonha. Não sei se algum dia vou superar. Então, se me permitir fazer isso, vou continuar
pedindo desculpas por mais algum tempo. — ele respondeu.
Caroline parou. Quando ela ergueu o olhar para Julian e sorriu, foi como se o sol estivesse
brilhando só para ele. Um brilho divertido iluminou aqueles olhos.
— Eu já o perdoei, contudo, nunca disse não estar planejando minha vingança. Não se
surpreenda se acordar uma manhã e descobrir sua cama flutuando no lago do castelo.
A risada profunda e calorosa de Julian ecoou pelas árvores. Os outros viraram-se e olharam
para trás. Caroline ergueu uma sobrancelha e continuou a caminhada.
Julian já não sentia o toque das botas no chão. Os ouvidos foram tomados pelo baque pesado
do próprio coração.
A flecha do cupido havia encontrado o alvo.
Capítulo Vinte e Oito

J ulian caminhou o mais devagar que pôde de volta ao castelo, querendo passar cada segundo
precioso com Caroline.
Assim que entraram pela porta da frente, ele sentiu o cheiro de comida quente e pão fresco
vindo da sala de café da manhã.
— O café da manhã está pronto, pessoal. — ele disse.
— Comida! Estou faminto. — Harry gritou. Ele e James não perderam tempo e correram
para a sala. Francis seguiu atrás deles.
Com a saída dos demais convidados, Julian aproveitou a oportunidade para roubar um
instante a sós com Caroline.
— Gostaria de me acompanhar até a cozinha, enquanto eu levo os pássaros? A cozinheira os
fará assados para a ceia, com bacon e um molho de vinho tinto.
— Claro, amo a cozinha. A cozinheira de casa está sempre fazendo refeições secretas para
Francis e eu. Mamãe acredita que estou sendo a dama perfeita na ceia, mas a verdade é que
grande parte das vezes eu já estou satisfeita. — ela respondeu.

A viagem até a cozinha demorou apenas alguns minutos. Julian apresentou-a à cozinheira-chefe,
que parecia estar empenhada em agradecer a Caroline por ter vindo visitá-la. Ela pressionou, de
maneira discreta, Caroline a prometer que voltaria antes que a estada terminasse.
Ao voltarem da cozinha, Caroline partiu para a sala de café da manhã. Julian, para surpresa
dela, tinha outros planos.
— Gostaria de um passeio antes do café da manhã? Tenho certeza de que os outros estarão
ocupados demais com bacon e café para se preocuparem com nossa ausência. — ele disse.
Ela considerou a oferta dele por um instante e assentiu. A caminhada desde a floresta foi
demasiado curta para o gosto dela.
Eles foram até a parte mais baixa do terreno do castelo. Aos poucos, os elegantes jardins
deram lugar ao que, ela supunha seriam exuberantes encostas gramadas no verão. Na base da
pequena elevação em que o castelo se erguia havia um lago. O sol pálido do meio da manhã
brilhava na superfície plana.
Julian apontou para o lago.
— Verifiquei hoje de manhã e há uma fina camada de gelo na maior parte da água. Mais
algumas semanas, e o gelo será espesso o bastante para patinar. Seu plano maligno de me jogar
na água terá que esperar até a primavera.
Caroline virou-se para ele e sorriu.
— Você patina? Eu adoro patinar.
Se havia algo no inverno que ela amava mais do que todo o resto, era poder patinar no gelo.
Todos os anos, ela e a família patinavam no rio Tâmisa quando ele ficava congelado. Rodopiar
no gelo dava-lhe a liberdade raramente concedida a uma jovem da sociedade londrina.
— Sim. Patinei muito enquanto estava na universidade na Escócia. Os invernos lá em cima
são magníficos para correr no gelo. — ele respondeu.
— Eu adoraria vê-lo patinar. Talvez, quando estiver em Londres, possamos reunir um
pequeno grupo e ir até o Tâmisa. É uma pena que o festival do gelo não seja mais realizado, mas
ainda assim, pode ser divertido. — ela disse.
Julian captou o olhar dela, e Caroline poderia jurar que aqueles olhos faiscaram quando ele
sorriu de volta.
— Venha. Tenho algo para lhe mostrar. — ele disse.
Ele a conduziu até uma pequena elevação que se erguia a oeste dos terrenos do castelo. No
topo, ele apontou para o que parecia ser um palco redondo de pedra. Quando chegaram lá, ela
ficou surpresa por descobrir ser uma pequena lagoa artificial. Ela supunha ter entre sete e oito
metros de ponta a ponta.
Pedras percorriam toda a lagoa. No final, uma pequena lacuna havia sido deixada, o que
permitiu que os dois caminhassem até a beira da água. Caroline olhou para baixo. A água estava
congelada, sólida.
— O que é isso? — ela perguntou.
Julian mergulhou a coluna em uma reverência baixa
— Sua lagoa para patinação, Vossa Alteza Real. — ele anunciou, mas murmurou um
xingamento. — Desculpe-me. Eu não deveria a ter chamado assim. Sei que não gosta.
Caroline negou a preocupação dele com a mão.
— Não. Eu era uma tirana, e o nome da Rainha de Gelo era merecido. Eu era fria e, às vezes,
cruel. Entretanto, prometo que estou tentando me reencontrar. — ela apontou para a lagoa de
patinação, e Julian aproveitou a deixa.
— Meu pai mandou construí-la para minha mãe quando eu era pequeno. Naquela época, ele
ainda tentava uma reconciliação com ela. Creio que ela chegou a patinar uma vez, mas o
abandonou, como fez com todos os presentes dele. — ele disse.
Caroline havia tentado não julgar a mãe de Julian pelo tratamento dado ao falecido marido.
Ela não conhecia bem a história de vida da condessa para ter uma ideia correta de como foi esse
casamento. Em vez disso, ela reservou a raiva para o tratamento dado ao filho. Havia uma
tristeza nítida na voz de Julian sempre que ele falava da mãe.
Ele colocou a ponta da bota no gelo, levantou o pé e o bateu com força. O gelo emitiu um
gemido profundo, mas permaneceu intacto.
Caroline olhou para o meio da lagoa. A água era de um azul-profundo, satisfatório.
— Está congelada. Perfeito.
Julian pisou no gelo e caminhou confiante até o centro da lagoa. Ele estendeu a mão para ela.
— Gostaria de se juntar a mim?
Ela respirou fundo, sem saber se era pela trepidação de pisar no gelo, ou porque estava bem
longe do castelo e totalmente sozinha com ele. Ela hesitou por um instante. O coração lhe dizia
que era muito mais do que um simples passo à frente.
— É bastante seguro. Foi projetada para que a água se depositasse em diferentes
profundidades, e assim, o meio de fato congela primeiro. Meu pai era um bom amigo de
Humphry Repton, o paisagista responsável pela maioria dos jardins do castelo e pelas terras que
descem até o lago. Ele construiu a lagoa como um favor especial para meu pai.
Caroline pisou no gelo e, com passos tímidos, caminhou até Julian. Ela pegou a mão
oferecida com um movimento tímido. Eles permaneceram em silêncio no meio da lagoa por um
tempo, ouvindo os sons estranhos do gelo se acomodando bem fundo sob eles.
— Que maravilhoso. Eu passaria todos os dias no inverno aqui fora se eu morasse no Castelo
Newhall. — ela disse.
Caroline desviou o olhar, em direção ao lago. O ar ainda estava frio, mas calor tomou suas
bochechas.
Julian se aproximou.
— Há patins no castelo que você poderia usar. Eu adoraria vê-la girar pela lagoa. Eu a vi
dançar na neve outro dia, e foi mágico.
Ele estava tão perto agora que ela conseguia sentir o calor da respiração dele na parte de trás
do pescoço. Caroline tremeu.
— Seria bom
O coração dela disparava. Um homem jamais a afetou assim. O senso de controle estava
desaparecendo. Quando ele roçou os dedos de leve na bochecha dela, ela deixou o ar sair dos
lábios devagar, antes de puxar uma respiração estremecida.
Ele recuou. Ela não ousou olhar para ele. O que deveria dizer? Que embora os homens
dessem atenção constante a ela, ela temia abrir o coração para quem quer que fosse?
De todos os homens em sua vida, ela sabia que Julian era diferente. A honestidade dele lhe
dizia que ele não brincava quando se tratava de amor. Ele foi o primeiro homem que a fez sentir
ser possível baixar a guarda, e ele a manteria segura. O campeão de seu coração.
Ela caminhou em direção à beira da lagoa, só se virando para ele quando colocou certa
distância entre os dois. Ele ainda estava de pé no meio da lagoa congelada, os olhos voltados
para baixo. Havia uma vulnerabilidade nele que ela ainda não notara. Quando ele enfim ergueu o
olhar e começou a caminhar em direção a ela, a postura era rígida.
— Como disse, pode vir patinar aqui se quiser. Pedirei à governanta do castelo que encontre
um par de patins para você.
Ela assentiu, permitindo que ele voltasse para a interação entre anfitrião e convidado.
— Obrigada. Eu adoraria. Suponho ser melhor voltarmos para os outros.
Pela primeira vez na vida, Caroline se viu com receio do que mais poderia dizer. A mente
costumava ditar suas palavras, porém, era seu coração quem clamava por ser ouvido agora. Ela
era inteligente o bastante para saber que, caso declarasse seu amor por ele, não haveria mais
volta.
Dúvidas tomaram sua mente. E se ela não estivesse lendo os sinais de Julian da maneira
correta? Será que ela poderia correr o risco, sabendo que, se estivesse errada, o gosto amargo da
rejeição logo se seguiria?
Capítulo Vinte e Nove

E les foram recebidos a meio caminho do castelo por um Harry furioso. Francis e James não
estavam à vista em lugar algum.
— Onde é que vocês dois se meteram? Não apareceram para o café da manhã. Deveras
indecente da sua parte, Newhall, afastar Caroline de seus acompanhantes sem que eles
percebessem. — ele disse.
Julian ignorou a acusação subjacente nas palavras de Harry.
— Levamos as aves para a cozinha e decidimos dar um pequeno passeio, antes de ir nos
juntar a vocês para o café da manhã. Eu estava apenas mostrando o terreno para Caroline. Não há
nada de indecente em passear.
Harry bufou de desgosto e, em seguida, voltou-se para Caroline.
— Sabe que não deve ir a lugar nenhum sem que um de nós a acompanhe. O que sua mãe
diria?
— Minha mãe diria: “Deve-se evitar indivíduos pomposos por todos os meios necessários.”
Harry, você não é meu acompanhante, e eu não respondo a você. — ela disparou.
Foi preciso muito autocontrole de Julian para não aplaudir a resposta mais do que adequada
de Caroline ao ser repreendida como uma criança. Ela passou por Harry e seguiu para a porta da
frente. Julian meneou a cabeça para Harry ao seguir Caroline.
— Fique longe dela. — disse Harry em tom baixo e irritado.
Julian não respondeu de imediato à ameaça, e ainda considerava as opções quando Francis e
James apareceram.
— Ah, aí estão. Estávamos procurando vocês em todos os lugares. — Francis disse.
Julian riu e deu uma tapinha amigável no ombro de Harry.
— Sim, acabei de contar ao nosso Menzies aqui que Midas precisava de mais alguns minutos
do lado de fora, antes de entrarmos para o café da manhã. Toda a empolgação da caçada o deixou
agitado. Nenhum malfeito. Espero que reste algum bacon.
O olhar no rosto de Harry era um esboço perfeito de frustração. Julian deu-lhe um segundo
tapinha apenas para confirmar o entendimento tácito. Ele fez um desafio silencioso a Harry de
fazer menção a ausência de Midas. Nenhum dos dois gostaria de uma escalada nas hostilidades
bem na frente de Caroline.
— É sempre difícil manter Caroline dentro de casa durante o inverno. Ela é a primeira a
propor uma caminhada pela floresta nas Montanhas Strathmore. Dê-lhe um par de botas sólidas,
e minha irmã vagará pelas colinas por dias. — Francis disse. Se ele notou alguma tensão entre
Julian e Harry, guardou a percepção para si.
Harry, por sua vez, murmurou algo acerca de não ser feminino, mas apenas Julian pareceu
ouvir o comentário de reprovação.
Após seguir os convidados até a casa, Julian pediu licença. Se Menzies pensava que aquelas
palavras impediriam o conde de passar mais tempo com Caroline, ele estava para lá de enganado.
Julian encontrou o mordomo e o instruiu a buscar alguns patins nos armários. Seriam
necessários apenas dois pares. Um para ele e outro para Caroline.

Mais tarde naquele dia, Francis, Harry e James foram à aldeia local tomar algo na taverna. Com
Caroline e Lady Margaret felizes com uma tarde de bordado só com as damas, Julian se viu com
um tempo a sós bem-vindo.
Os avanços de Harry Menzies tiraram muito do humor dele no último dia. Somando-se a isso
estava o indiscutível fato de que não só ele e Caroline Saunders não eram mais inimigos, mas ele
estava se apaixonando por ela.
Ele esteve tão perto dela quando estiveram na lagoa congelada que o aroma inebriante de seu
perfume ainda permanecia em sua cabeça. O interesse por ela se transformou em desejo fervente.
Deixando o castelo, ele buscou refúgio na pequena cabana de pedra que ficava à beira do
lago congelado. Um pequeno bosque foi plantado na parte de trás da casa e, ao longo dos anos,
as árvores cresceram criando uma moldura verde em torno de três dos lados. A cabana ficava
escondida da vista da porção principal dos terrenos do castelo, e Julian gostava que fosse assim.
Era um lugar de solidão e conforto. O pai veio aqui muitas vezes nos últimos anos de seu
malfadado casamento. O lugar de escolha do pai para se esconder das discussões fervorosas que
o pai e a mãe travavam com regularidade.
Com o pai falecido, Julian deu ordens de manter a lareira da antiga casa acesa sempre que ele
estivesse na residência. Era um lugar para se retirar e pensar na vida e nas escolhas agora diante
dele.
O crepitar acolhedor da lenha queimando no fogo o cumprimentou quando ele entrou na
pequena casa de pedra. Ele fechou a porta e logo sentiu o calor reconfortante.
Tirou as luvas e jogou o chapéu na cama próxima. Sem pensar, pegou uma garrafa de
conhaque da mesa e serviu-se de um copo generoso.
— Que semana estamos tendo. — ele murmurou.
Ele ziguezagueou até sua cadeira favorita junto ao fogo e se deixou cair nela, um xingamento
ao espirrar conhaque no colete. Com um movimento suave, ele drenou a bebida. Olhou para a
mesa onde estava a garrafa de conhaque, mas decidiu não ser sábio se deliciar com um segundo
copo.
Julian recostou-se na cadeira e fechou os olhos.
Grandes círculos brilhantes dançavam diante dos olhos fechados. Desde pequeno, ele foi
atormentado por dores de cabeça causadas por estresse, em geral, devido às lendárias discussões
entre os pais.
A dor de cabeça de hoje tinha outro nome. Harry Menzies. Ele cerrou e abriu os punhos
devagar, desejando poder apertar a garganta do amigo intrometido de Francis. Ele conseguiu
provocar Julian como uma erupção cutânea feia.
Ele o odiava. Não apenas porque Harry se autonomeara protetor de Caroline. A reação
resumia-se a puro ciúme deselegante. Ele conhecia o olhar que Harry ostentava sempre que
estava perto de Caroline. Era o mesmo que ele sabia ostentar na presença dela.
Ele considerou ridícula a situação com que estava lidando. Em vez de um castelo cheio de
moças, todas disputando sua atenção, ele estava preso em uma batalha pelos afetos da única
mulher que ele não convidou para esse evento campestre.
Ele pegou o chapéu e as luvas e, após drenar mais meio copo de conhaque, dirigiu-se para a
porta. Fechando-a atrás dele, ele voltou para o ar gelado.
Empurrando o chapéu com força na cabeça, ele começou a marchar com propósito de volta
para o castelo. Ele estava em sintonia com os Senhores de Newhall anteriores, os com
experiência de batalha. Contudo, em vez de entrar em um campo de batalha sangrento para
vencer um oponente habilidoso, este Senhor de Newhall estava pronto para ir para a batalha
contra um inimigo que ele sabia que poderia vencer. Quando a guerra acabasse, seria ele quem
ganharia o coração de Caroline.
Capítulo Trinta

A pós o jantar, o grupo se reuniu em uma das salas de estar principais no andar de cima.
Caroline e Lady Margaret se retiraram para perto da lareira e jogaram cartas em silêncio.
Julian contentou-se em apreciar um copo de Shiraz, enquanto James, Harry e Francis
fizeram-se conhecidos das reservas de conhaque do castelo.
Quando James e Francis começaram a regalar o grupo com histórias de seus anos de
juventude no Castelo de Strathmore, Julian sentou-se e ouviu. Harry, por sua vez, caiu em uma
cadeira e fez cara feia.
— Subimos até o topo da torre principal do castelo e nos escondemos lá por horas. A boa e
velha Caro, aqui, segurou as saias e escalou uma das paredes externas para nos contrabandear
comida. Tio Ewan e meu pai ficaram furiosos quando enfim nos encontraram. — Francis disse.
Caroline riu. Ela escalara apenas um pequeno muro com as saias mal levantadas, mas a
história, com o passar dos anos, ganhou pernas e se tornou uma lenda na família.
— Demorou muito até que enfim descobrissem que eu era o agente interno. Papai ainda
estava com raiva, mas como eu era quase adulta, ele decidiu ser tarde demais para me punir por
minhas transgressões juvenis. — ela respondeu.
Harry drenou o conhaque e bateu o copo na mesa. Todos se viraram e olharam para ele.
— Se fosse minha filha, eu teria aplicado um castigo adequado mesmo assim. Tola
descompensada por arriscar o pescoço desse jeito. — ele retrucou.
Ele levantou-se da cadeira e parou, balançando a cabeça. Quando um Francis atordoado
tentou acalmá-lo, ele o afastou.
— Vejo que estou em péssima companhia. Vou para a cama. Boa noite.
Com uma reverência perfunctória para as mulheres, Harry virou-se e saiu pela porta,
batendo-a ao sair.
— Lamento muito, Newhall. Não sei o que aconteceu com ele. Esse não é o Harry que
conheço desde a escola. Falarei com ele de manhã. Creio que, talvez, esteja na hora de ser um
pouco mais firme em relação à volta dele para Londres. — Francis disse.
O alívio surgiu de leve na mente de Caroline. Ela também desejava ver Harry partir.
Francis e James se acomodaram em suas cadeiras e concordaram em continuar a beber.
Julian tocou a campainha e, quando um lacaio apareceu, ele ordenou que trouxessem outra
garrafa de conhaque para os convidados.
Do outro lado da sala, Julian encontrou o olhar de Caroline. Quando ela sorriu para ele, ele
levantou o copo em um brinde silencioso.
Na manhã seguinte, apenas Caroline, Julian e Lady Margaret estavam na sala de café da manhã.
O mordomo do castelo informou-os de que o Senhor Radley e o Senhor Saunders de fato
cumpriram a promessa e permaneceram de pé até o amanhecer. Eles só se retiraram para seus
aposentos cerca de uma hora antes de o restante da casa se levantar.
— Bem, será um dia tranquilo por aqui. — Lady Margaret disse.
Caroline pegou a xícara de café e tomou um gole. Ora, se ao menos Harry dormisse por toda
a manhã, ela poderia aproveitar algum tempo livre.
— Conseguimos encontrar os patins ontem à noite. Então, quando se sentir pronta para
enfrentar o gelo, eu os trago para você. — Julian disse.
Caroline tocou o curativo na mão ferida. Embora fosse uma excelente patinadora, ainda se
sentia hesitante de se colocar em risco. Se caísse no gelo, os pontos poderiam estourar.
— Obrigada. Contudo, creio ser melhor esperar mais alguns dias, ver como minha mão
evolui. Espero poder pisar na lagoa antes de partir. — ela respondeu.
Lady Margaret ergueu o olhar de seu prato de salmão assado e purê de batatas.
— Vão patinar na lagoa congelada? O pai de Julian sempre quis que eu experimentasse, mas
confesso que sou péssima no gelo. Na última vez em que tentei patinar foi na lagoa da vila
Newhall. Bati no vigário local, e ele ficou bem ressabiado. — ela disse com um sorriso irônico.
No final da mesa, o corpo de Julian tremia de alegria reprimida. Ele olhou para Lady
Margaret com lágrimas nos olhos.
— Claro, você também ter derrubado a esposa, a irmã e um primo distante dele não teve nada
a ver com a reação dele.
Lady Margaret ergueu uma sobrancelha, e o som da risada de Julian ecoou pela sala. Presa no
momento, Caroline se viu rindo junto.
— Pois é, agora que mencionou, tem isso. — Lady Margaret respondeu.
Caroline gostava muito de Lady Margaret, e estava claro que ela e Julian eram próximos.
Havia uma ternura entre os dois que era inexistente entre ele e a condessa.
— Prometo, caso decida se aventurar na lagoa, manterei Lady Margaret a uma distância
segura. Neste ínterim, como o resto do nosso pequeno grupo não parece ter pretensões de descer
para o café da manhã tão cedo, posso tentá-la com um passeio pós-café da manhã ao redor do
jardim? — ele disse.
Caiu uma chuva leve durante a noite, e Caroline estava ansiosa para sair e caminhar. O som
da grama congelada triturando sob as botas era outra de suas delícias de inverno favoritas.
— Buscarei minhas coisas. — ela disse.
O que ela de fato queria dizer era que, se pegasse capa e cachecol, ela e Julian poderiam estar
longe do castelo muito antes que qualquer outra pessoa encontrasse o caminho da sala de café da
manhã. Ela levantou-se da cadeira e subiu as escadas depressa.
Caroline encontrou Julian do lado de fora pouco depois. Levando-a pelo braço, ele logo a
conduziu para longe do castelo, através de uma pequena copa de árvores.
Já fora de vista da porta da frente, ele parou.
— Desculpe a pressa grosseira, mas eu queria que fugíssemos. Enquanto estava no andar de
cima, um lacaio desceu e mencionou que Menzies estava acordado e se preparando para descer.
Eu não estava lá muito interessado em convidá-lo para se juntar a nós. Lady Margaret foi gentil e
se ofereceu para fazer companhia a ele no café da manhã.
Caroline fez uma nota mental de se manter longe do castelo pelo resto da manhã. Harry era a
última pessoa com quem ela desejava socializar, em especial após o comportamento aborrecido
apresentado na noite anterior.
— Lady Margaret é um tesouro. Ela decerto o favorece. — ela disse.
— Ela é uma das pessoas mais importantes da minha vida. Depois que minha mãe nos
abandonou, Lady Margaret foi quem assumiu as rédeas da administração do castelo. Fiquei mais
do que feliz quando ela e meu pai se apaixonaram. Ela o presenteou com uma mente calma e
uma sensação de alegria. — ele disse.
Enquanto ele falava da amante do falecido pai, Caroline pôde ver o olhar de felicidade no
rosto de Julian. O sentimento dele por ela era genuíno.
O vento aumentara desde o dia anterior e agora pegava em seu manto. Ela tremeu. O inverno
estava se aproximando depressa, e ela temia ser tão severo quanto no ano anterior.
— Parece estar com frio. Talvez devêssemos procurar algum lugar quente. Conheço o lugar
certo. — ele disse.
— Seria bom, obrigada.
Ele a levou em direção ao lago e, quando se aproximaram, Caroline avistou uma pequena
casa de pedra aninhada nas árvores perto do lago. Do alto do terreno, a casa ficava bem
escondida da vista de todos.
Julian abriu a porta e se afastou para permitir que Caroline entrasse primeiro. Ao cruzar o
limiar, ela foi recebida pelo calor bem-vindo de uma lareira bem-cuidada. O cômodo abrigava
alguns móveis. Um par de cadeiras foi colocado, uma de cada lado, em frente à pequena, mas
eficaz, lareira. Havia uma mesa, com quatro cadeiras desencontradas, e uma cama no canto. À
direita da lareira pendia uma única moldura, a pintura voltada para a parede.
— Esse foi o retiro do meu pai por muitos anos, em especial, quando eu era jovem e ele e
minha mãe estavam em guerra. Ele dormia aqui embaixo, daí a cama. Gosto da privacidade que o
lugar me proporciona, então peço aos funcionários que mantenham a lareira acesa e um bom
estoque de bebidas. — ele disse.
— É um lugar lindo. Percebo porque gosta de vir para cá. — ela respondeu.
Ele serviu conhaque para os dois e entregou um copo para Caroline.
— Ainda é cedo, mas a bebida tira o frio. Por favor, sente-se. — ele disse.
Após sentar-se junto ao fogo, o olhar dela se voltou para a pintura na parede. Por que alguém
penduraria um quadro, mas o deixaria virado, sem poder ser visto?
Julian cruzou o cômodo até o quadro e o tirou. Ele entregou a Caroline, antes de sentar-se em
frente a ela.
— Não aguento vê-lo, mas não tive coragem de jogá-lo no fogo.
A pintura parecia ser da mãe de Julian. Ela estava reclinada em uma longa espreguiçadeira e
usava um vestido preto sem ombros. Ao redor de seu pescoço havia um magnífico colar. Era
todo cravejado de rubis e diamantes. O maior dos rubis ficava no centro de um crucifixo
incrustado de diamantes, pendurando-se como um pingente.
— É um colar impressionante. — Caroline disse.
— É o Rubi Cruzador. A herança mais importante do Condado Newhall, uma joia
inestimável passada através das gerações. — Julian respondeu.
Havia muitas peças magníficas de joias na coleção Strathmore, mas Caroline não conseguia
se lembrar de nenhuma que se destacasse como o Rubi Cruzador.
— Por que o nome Rubi Cruzador?
— Um dos meus antepassados trouxe o rubi principal quando voltou das Cruzadas na Terra
Santa. Ele mandou adicionarem-no ao colar com a intenção de entregá-lo ao Rei da França, mas
a esposa se apaixonou pela peça, e ele o guardou. — ela respondeu.
— Não fazia ideia de que a linhagem Newhall era tão antiga. — ela disse.
— Sim, é um dos títulos mais antigos da Inglaterra.
Ele se levantou e pegou a pintura dela, colocando-a de volta virada para a parede.
— Eu adoraria ver o verdadeiro Rubi Cruzador algum dia. — Caroline disse.
Julian bufou.
— Eu também. A condessa o levou consigo quando deixou meu pai. Ele costumava vir aqui e
olhar para a pintura por horas. Não sei ao certo o que ele mais desejava ver: ela ou o colar. Após
a morte dele, eu o virei para a parede. Não quero nem ver o sorriso arrogante dela, mesmo que
seja apenas uma pintura.
Agora Caroline entendia a amargura na voz de Julian. A mãe não só o abandonara, mas
levara consigo uma antiga relíquia que pertencia a ele por direito.
Ela bebeu o conhaque e, em seguida, colocou o copo no chão. Julian fizera comentários
acerca da mãe. E, tendo tido a infelicidade de conhecer a condessa, Caroline pôde preencher
muitas das lacunas da infância dele. O pai dele, no entanto, ainda era um mistério.
— Conte-me do seu pai. Eram próximos? — ela perguntou.
Ele fez uma pausa. Ela sentiu que ele escolhia com cuidado as palavras antes de falar.
— Foi um relacionamento estranho. Quando eu era jovem, eu o culpava por minha mãe me
odiar. Ela sempre dizia que nossa casa era um lugar tão infeliz por culpa dele. E eu acreditei nela.
Se eu não tivesse nascido, minha mãe não teria me odiado. Atrevo-me a encontrar sentido nesse
pedaço de lógica infantil. Foi só após ela enfim deixar meu pai que ele e eu descobrimos que
gostávamos um do outro.
Havia uma dor subjacente nessas palavras. Ela havia sido criada por dois pais amorosos, que
tiveram um casamento forte, nunca precisou questionar os laços de afeto paterno.
— Então, você tinha o amor do seu pai?
Ele fez uma careta.
— Eu estava com nove anos, quando minha mãe partiu, e eu mal conhecia meu pai. Demorou
muito para construirmos a confiança que deveria existir desde sempre. Foi só após a chegada de
Lady Margaret ao Castelo Newhall que ele começou a me mostrar amor. Preciso agradecê-la por
ajudar a consertar o coração partido dele.
Caroline piscou para segurar as lágrimas que surgiram ao imaginar um jovem Julian. Um
menino solitário esperando que um de seus pais mostrasse que se importava com ele.
— Não foi culpa dele. Ele vinha de uma longa linhagem de homens estoicos. Emoções como
o amor não são profundas na minha família.
— Contudo, seu pai amava sua mãe. Era ela quem não retribuía os afetos dele. E você
decerto não é um homem indiferente. — Caroline respondeu.
Os olhares dos dois se encontraram. Caroline fez uma oração silenciosa para que Julian
abrisse o coração, apenas um pouco, para ela. Ela ficou decepcionada quando ele apenas
respondeu:
— Obrigado. É amável da sua parte dizer isso.
Caroline pegou seu copo de conhaque e tomou outro gole. Sua impressão atual do Conde de
Newhall estava muito longe daquela de quando se conheceram. Embora os últimos instantes
tenham sido um pouco constrangedores, ela se animou. Se ele não gostasse nada dela, não
estariam tendo essa conversa.
Ela teria para sempre um sentimento de vergonha e arrependimento por como o tratou. O
destino deve ter enfim decidido sorrir para ela, lhe concedendo a oportunidade de uma segunda
chance com o homem que se sentava ao seu lado.
Eles davam passos pequenos, mas certeiros, para serem amigos de verdade. Após os
momentos na lagoa congelada, quando estavam tão próximos que Julian pôde tocar brevemente
sua bochecha, ela sabia que o próprio coração batia em um ritmo diferente. Ela queria mais do
que amizade. Ela ansiava por passar os dedos pelos cabelos dele mais uma vez, por dar um beijo
suave naqueles lábios.
— Chega de falar de mim. E você? O que fará quando voltar para Londres? Voltará para a
sua corte de admiradores? — ele perguntou.
Ela recostou-se na cadeira e considerou a pergunta.
— A Rainha de Gelo precisará abdicar. Não posso continuar a viver como vivi nos últimos
tempos. Eu me tornei alguém que muitas pessoas não gostam. Pretendo ir para a Escócia, passar
um longo período longe de Londres. Preciso me retirar para algum lugar e me encontrar.
— Por favor, não faça isso. Eu ficaria triste se fosse para longe. — ele disse.
A resposta dele a pegou de surpresa.
Ele esticou o braço e pegou a mão dela:
— Fico feliz que eu e você tenhamos conseguido refazer nosso relacionamento, por termos
nos tornado amigos. Peço apenas que reconsidere seus planos. Claro, se eu não puder fazê-la
mudar de ideia, então, como amigo, respeitarei sua decisão.
Ela olhou para a própria mão, e sentiu a respiração falhar ante o calor que o aperto gentil de
Julian provocava. A reação habitual dela a um cavalheiro que tentava pegar em sua mão era se
afastar e verbalizar uma dura repreensão. No entanto, não era assim com esse homem. O toque
dele era tão reconfortante que ela o sentia até os ossos.
A súplica sincera capturou-a. Ele pedia, não exigia, nem implorava. Ela levantou a cabeça e
olhou para aqueles olhos cinza-esfumaçados. Ela já não o via apenas como um amigo. O olhar
dela desceu para os lábios cheios dele. Ela daria qualquer coisa para ele pegá-la nos braços e
beijá-la.
Quando Julian retirou a mão, Caroline piscou de novo para afastar as lágrimas.
— É melhor voltarmos para o castelo. Não quero receber a ira nem de seu irmão e nem de
seu primo. — Julian disse.
— Sim, claro.
Ela se permitiu pensar que Julian sentia algo mais do que mera amizade em relação a ela. Ela
se repreendeu em silêncio por ser tão tola. Afinal, a flecha do cupido errara o alvo.

Julian colocou mais lenha na lareira, antes que ele e Caroline deixassem a casa. Dependendo de
como o dia transcorresse, ele planejava voltar e relaxar na cama. Talvez aproveitar o sol da tarde
que invadiria a janela.
Ele fez cara feia para o céu, enquanto subiam devagar até o castelo. Os flocos de neve caíam
com suavidade e indicavam que ele teria poucas chances de ver o sol pelo resto do dia.
Caroline caminhou em silêncio ao lado dele. Ela parecia perdida em pensamentos, imersa em
seu próprio mundo. Quando ela parou e se virou para olhar para o lago, Julian parou.
— Obrigada. — ela disse.
— Pelo quê? — ele respondeu, procurando na mente o que ele poderia ter feito para merecer
a gratidão dela.
— Por me pedir para ficar. Sei que parece um pouco estranho, mas poucos homens fora da
minha família imediata pedem minha permissão. Fala da minha corte de admiradores como se eu
os tivesse reunido por vontade própria, mas nenhum deles jamais me perguntou se a companhia
deles era desejada. — ela respondeu.
Essas palavras o pegaram de surpresa. Ele sempre acreditou que Caroline havia escolhido a
dedo seu grupo de amigos cavalheiros. Nunca lhe ocorrera que a Rainha de Gelo fora colocada
no trono sem seu consentimento.
— E esse não é um dos benefícios de ser bonita? — ele disse.
Ela veio para o lado dele.
— Não necessariamente. Não estou dizendo que preferia ser simples, mas ter um rosto bonito
vem com seu próprio preço.
O Mordomo do Castelo Newhall apareceu no arco de pedra do jardim murado nas
proximidades, e se dirigiu até eles.
— Meu Senhor.
— Bom dia. Embora pela aparência do céu, não posso dizer que será um dia bom. — Julian
respondeu.
O mordomo assentiu.
— Sim, e estamos com um problema com a palha colocada para proteger os jardins logo após
sua chegada. Parece que não é profunda o suficiente e algumas das plantas foram queimadas pela
chuva e gelo. Precisarei enviar a carroça para Ashby, para comprar mais. — ele disse.
Julian teria preferido ficar com Caroline, mas ele foi um Senhor ausente por muito tempo. O
mordomo fizera um bom trabalho na administração do castelo e dos terrenos enquanto Julian
estava na França, mas a tarefa era, em última análise, sua.
— Poderia me dar licença, Caroline? Preciso examinar o jardim. Foi decisão minha não
colocar muita palha, ao que parece, eu estava errado. Não demoro.
— Claro. — ela respondeu.
Caroline considerou encorajador saber que Julian sentia-se confortável em assumir seus
erros, porque ela sentia dificuldade em assumir estar errada. A teimosia dela era arraigada, e
seria preciso um homem determinado para ajudá-la a superá-la.
Ela só podia rezar para que ele fosse forte o bastante pelos dois.
Capítulo Trinta e Um

A pós Julian e o mordomo desaparecerem atrás dos muros altos do jardim, Caroline se
contentou em caminhar até o castelo a passos vagarosos. Ela parava de vez em quando para
olhar para o lago e apreciar o país das maravilhas invernal que surgia enquanto a neve
continuava a cair.
Em segredo, ela esperava que, arrastando os pés, Julian pudesse alcançá-la antes que ela
chegasse ao castelo, e eles pudessem passar um pouco mais de tempo conversando em particular.
Pensar no conde estava se tornando uma constante em sua mente. Ele a tratava de forma
diferente dos outros homens. Ela ousaria esperar que Julian visse além da aparência?
Ela lançou um último olhar para o terreno coberto de neve, quando Harry apareceu de forma
inesperada na porta da frente do castelo. Ao ar livre, ela era fácil de identificar. Ele veio direto
até ela. Não havia como escapar.
— Não seja rude. Seja firme e educada. — ela murmurou para si enquanto ele se
aproximava.
Quando ele chegou perto, ela viu que ele estava com o rosto vermelho e afobado.
Determinação sombria marcava os lábios. Ela suspirou. Seu humor, ao que parece, não havia
melhorado em relação à noite passada.
— Realmente não deveria estar aqui sozinha. — ele disse.
Caroline franziu os lábios, forçando-se a controlar o gênio.
— Eu não estava. Julian e eu fizemos uma caminhada matinal. Ele acaba de sair com o
mordomo para tratar de algo relativo à propriedade. — ela respondeu.
Um lampejo de raiva atravessou o rosto de Harry. Enquanto ele bufava, uma grande nuvem
de vapor saiu da boca para o ar frio.
— Pior ainda. Não tem qualquer consideração por sua reputação, ou pelos sentimentos dos
outros?
Caroline tentou passar por ele, mas Harry a agarrou pelo braço esquerdo. Ele segurou firme.
— Solte-me, Harry. Está me machucando. — ela exigiu.
Ele balançou a cabeça com violência. O aperto dele no braço dela aumentou. Caroline temia
que ele estivesse prestes a ter uma síncope.
— Não! Não posso. Já fiz minha parte. Agora cabe a você ceder. — ele disse.
Um pânico crescente tomou conta dela. Ela deu socos fortes no braço de Harry, repetidas
vezes, e ele enfim a soltou.
— O que diabos deu em você? Como assim, ceder? Ceder a quê? — ela respondeu.
A respiração dele era forte e rápida, e ele abanava um dedo raivoso para ela.
— Fiz minha parte esperando que você terminasse com todos aqueles outros tolos.
Entretanto, não estou mais a fim de esperar por seus caprichos femininos. Aceitará o meu pedido
de casamento e acabaremos com essa palhaçada.
Ela olhou firme para ele enquanto esfregava o braço contundido. A ideia, seja lá de onde
viera, era insana. Não havia razão na Terra que a fizesse considerar um casamento com Harry
Menzies. Ela tolerava a necessidade incessante dele de estar perto dela apenas pelo bem de
Francis. Desta vez, porém, ele foi longe demais.
— Não, Harry. Não pode fazer uma exigência dessas a mim. É o cúmulo do ridículo. Agora,
vá embora! — ela disparou.
O Harry que ela acreditava conhecer teria acatado o pedido dela. O homem diante dela era
um completo estranho.
— Você se casará comigo e ponto final!
Ela rangeu os dentes. Ele perdeu a cabeça.
— Harry, você é o melhor amigo do meu irmão, por isso, fui tolerante com suas
idiossincrasias ao longo dos anos. Contudo, ouça-me agora. Eu não o amo. Não vou me casar
com você. Agora me deixe em paz!
— No entanto, você precisa se casar comigo. — ele respondeu.
— Por quê? — ela perguntou, levantando as mãos em exasperação.
Ele se adiantou e pairou acima dela. Quando ela olhou para cima e viu o sorriso malicioso
surgindo naqueles lábios, Caroline sentiu um calafrio de premonição.
— Porque um dia antes de eu sair de Londres, mandei o anúncio do nosso noivado ser
postado no The Times — ele respondeu.
O baque atingiu Caroline com tanta força que ela cambaleou. Demorou um ou dois instantes
para ela voltar a respirar.
Só poderia ser uma brincadeira cruel. Ninguém em sã consciência tentaria forçá-la a se casar.
Ela faria da vida dele uma miséria.
Ele colocou um braço em volta da cintura dela e a puxou para ele. Caroline se contorceu, mas
Harry a segurava com força.
— Sei que foi um pouco ousado da minha parte, mas está feito. Como o Duque de
Wellington disse, virtutis fortuna vem. E agora, fiz minha reivindicação sobre você para o
mundo.
Noivados não eram um contrato a ser assumido sem responsabilidade, em especial por
mulheres da posição social dela. Aos olhos de muitas das matronas da Sociedade, ela já poderia
ser considerada a esposa de Harry. Se tentasse recuar do arranjo, sua reputação estaria em
frangalhos.
— Como… como pôde fazer uma coisa dessas?
— Você me forçou a agir. Depois que sua irmã se casou, presumi que viria até mim e
resolveríamos nosso futuro. No entanto, em vez de recompensar minha paciência sofrida, foi
cruel ao decidir vir aqui e lançar os dados para se tornar Condessa de Newhall. — ele disse.
Ele baixou a cabeça e forçou os lábios nos dela. Ela lutou, mas ele era muito forte.
Determinado demais para conseguir o que queria. Ele plantou beijos quentes e molhados nas
bochechas dela e, em seguida, passou a língua na lateral do pescoço dela.
— Tão linda. Ó, Caroline, como é linda. Mal posso esperar para tê-la nua debaixo de mim.
— ele grunhiu.
Raiva quente e ardente brotou dentro dela. Ela levantou a bota direita e a lançou com o
máximo de força que pôde no pé dele.
— Ai, sua megera! — ele gritou, soltando-a do abraço firme.
Caroline devolveu o xingamento:
— Sim, e uma megera que não será a sua esposa!
Harry bufou.
— É o que veremos. Se me desafiar agora, Caroline, eu lhe mostrarei quem é o mestre
quando nos casarmos. É uma promessa, você vai ceder.
Ele levantou a mão em punho e a lançou na direção do rosto dela. Caroline se jogou para o
lado e evitou o golpe. Pelo rugido furioso, ela sabia que não teria tanta sorte uma segunda vez.
Atrás de Harry, Julian reapareceu do jardim murado. Ao vê-lo, Caroline respirou ofegante e
gritou:
— Julian!
Ele começou a correr, veloz.
— O que raios está acontecendo?
Caroline logo se moveu para ficar perto da segurança da presença dele. Ela olhou para Harry.
Ele não se moveu. O punho ainda estava cerrado.
— Harry postou um anúncio de noivado no The Times. Ai, Julian, toda Londres acredita que
concordei em me casar com ele. Quando eu disse que não, ele me atacou. — ela disse. As
palavras queimavam na boca enquanto ela falava. A dor foi agravada pelo olhar de choque e
raiva que apareceu no rosto de Julian.
— Isso é verdade? — ele indagou.
Harry olhou de Julian para Caroline e bufou.
— Eu não a ataquei. Apenas a beijei. Com o tempo, ela aprenderá a aceitar meus avanços,
querendo ou não.
A postura de Julian endureceu. Caroline sentiu que ele estava prestes a se lançar contra Harry
e feri-lo com gravidade. Quando Harry deu um passo ousado em direção a eles, Julian ergueu a
mão.
— Menzies, eu não daria outro passo, porque se o fizer, eu o abaterei como se faz com um
animal. — um olhar mortal iluminava os olhos de Julian. — E não serei misericordioso.
Capítulo Trinta e Dois

J ulian surpreendeu-se, de verdade. Ele conseguiu fazer com que Caroline e Harry voltassem ao
castelo, sem assassinar Harry no processo. Ele se viu um tanto tentado a trazer grande mal ao
homem, mas logo se tornou evidente que Caroline precisava do apoio dele. Ele precisaria esperar
para se vingar do homem que pôs as mãos nela.
Francis não agiu com tanta graça.
Quando Caroline foi se sentar com Lady Margaret, os homens se reuniram na sala de visitas,
Harry ficou do lado oposto aos outros, superado.
— Harry, pelo amor de nossa amizade, diga-me que é uma brincadeira tola e mal
cronometrada. Diga-me que o que Caroline o acusou de fazer é um terrível mal-entendido. —
Francis disse.
— Garanto minha mais completa sinceridade na determinação de me casar com sua irmã.
Deveria estar me parabenizando, não desafiando-me. A reputação dela será salva ao se tornar
minha esposa. — Harry respondeu.
— Contudo, não a saúde dela tendo em vista como você a agrediu. — Julian retrucou.
A lembrança do medo que ele viu nos olhos de Caroline faiscavam em sua mente. Harry
balançou a cabeça, mas o olhar permaneceu fixo em Francis. O irmão de Caroline era o único
homem nesta sala com algum poder real de decisão em relação ao futuro dela.
— Pois bem, Francis, se eu pudesse apenas conversar com Caroline sozinho, tenho certeza de
que podemos resolver a questão do noivado. Ela só precisa aprender a fazer o que lhe mandam.
— Harry implorou.
Julian bufou, expelindo todo o ar preso nas bochechas. Ele sabia que era a imaginação dele,
mas estava certo de que em algum canto da própria cabeça havia uma vozinha dizendo que Harry
precisava de um soco bem dado na cabeça, e para ontem.
Que sejam dois.
Francis passou os dedos pelos cabelos. Julian sentiu pena dele. Não importa o que fosse
resolvido da crise atual, o dano nessa amizade de longa data estava além do remediável. Com a
reputação da irmã em risco, Francis via-se na nada invejável posição de precisar escolher um
lado.
— O que a Caroline precisa é que a família a apoie e proteja, que é exatamente o que eu vou
fazer. Você atacou minha irmã, e agora tem a ousadia de tentar forçá-la a se casar com você.
Ficou louco? — ele disse.
Um Harry determinado se manteve firme.
— Não estou louco. Na verdade, agora eu vejo tudo com mais clareza do que nunca. Fiz
questão de dar movimento às coisas. Então, querendo ou não, Caroline precisará se casar
comigo.
Francis avançou e pairou acima de Harry. Julian e James trocaram um olhar preocupado.
Como avançava, a situação poderia terminar em derramamento de sangue.
— Não falará com Caroline. Irá ao seu quarto agora e arrumará suas coisas. Você e eu
partiremos para Londres antes mesmo deste dia terminar. — Francis disse.
— O quê? — foi a resposta de Harry.
Esse era o basta para Julian. Ele não ficaria de braços cruzados, enquanto Harry questionava
os porquês do que iria acontecer. Ainda mais após o que ele fez com Caroline.
— Menzies, esta é a minha casa. Serei o juiz do que acontece sob o meu teto. A partir deste
instante, você não é mais bem-vindo como convidado no Castelo Newhall. Até que chegue a
hora de sua partida, você permanecerá no quarto. Mandarei um criado levar as refeições. — ele
disse.
— Mas…
— Sem, mas. — Julian respondeu.
— Não pense, nem por um minuto, que isso acabou, Newhall. Esse anúncio de noivado terá
um grande peso em forçar Caroline a me aceitar como marido. — Harry zombou.
Julian segurou a língua e abriu a porta. Ele a fechou com muita força assim que Francis e
James levaram Harry embora. Eles acompanharam Harry até o quarto, retornando pouco tempo
depois.
Francis entregou uma chave a Julian.
— Ele continua a exigir ver Caroline, então julguei ser melhor trancá-lo. Ainda mais pela
própria segurança dele.
Julian assentiu, concordando. Foi um curso sábio. Ele pegou a pistola que guardava em seu
quarto ao retornar ao castelo. Agora estava carregada e segura no bolso da jaqueta. Poderia ser
exagero da parte dele, mas após ter visto como Caroline ficou abalada com o encontro com
Harry Menzies, ele não estava disposto a arriscar.

A Caroline de antigamente teria cobrado o irmão por não ter lidado com a situação de Harry
antes. A de agora segurava a língua enquanto Francis fechava a porta da sala atrás dele. Ninguém
poderia prever os acontecimentos daquela manhã, muito menos Francis.
— Obrigada por acompanhar minha irmã. — Francis disse, enquanto Lady Margaret pegava
o xale para deixar a sala.
O rosto dele estava abatido e mostrava uma expressão de determinação sombria. Caroline
sabia que ele estava fazendo o máximo possível para manter o gênio sob controle. Francis era
uma daquelas pessoas que conseguia tolerar mil insultos, mas quando o copo transbordava, só
Deus salvaria o homem receptor da ira desse viking selvagem.
Caroline levantou-se, e eles se encontraram no meio da sala. Ele estendeu os braços.
— Peço mil perdões, Caro. Eu não fazia ideia. Graças a Deus que Newhall chegou na hora
certa. — ele disse.
Foi com um grande sentimento de alívio que ela entrou no abraço de Francis. Braços longos
a envolveram e a puxaram para perto dele. Ela o abraçou o melhor que pôde, tomando cuidado
para não afetar a mão esquerda machucada. O guerreiro alto e de cabelos brancos do norte faria
tudo o que pudesse para mantê-la segura.
— O que acontecerá agora? — ela perguntou.
Ele baixou o olhar para ela.
— Harry está trancado no quarto e não poderá sair até que partamos para Londres. O que
deve acontecer em algumas horas. O Mestre dos Estábulos Newhall está preparando a carruagem
e os cavalos para a estrada.
Caroline puxou-se do abraço do irmão.
— Então é melhor eu me apressar e arrumar as malas.
Francis entrou na frente dela, antes que ela fosse para a porta.
— Apenas Harry e eu viajaremos hoje. Por favor, sente-se?
Ao sentar-se ao lado dela em um sofá próximo, Francis limpou a garganta.
— Pois bem, sei que quer voltar para Londres comigo para resolver tudo, e se fosse outra
pessoa, eu estaria inclinado a concordar. No entanto, estamos falando de Harry. Nos conhecemos
há eras. O que lhe peço é que vá para a Escócia com James. Assim que a situação em Londres
estiver resolvida, enviarei notícias. — ele disse.
Caroline sentou-se e considerou as palavras. Conhecendo o irmão, ele estava pensando tanto
na situação imediata quanto além. Quando ela enfim concordou, foi com o entendimento tácito
de que tal situação precisava ser tratada com delicadeza.
Harry tinha uma irmã mais nova que já havia sido apresentada à sociedade, mas ainda era
solteira. Se a cidade acreditasse que o irmão dela era um destemperado, as perspectivas maritais
dela seriam deveras prejudicadas. Ao não correr de volta a Londres para denunciar Harry, ela
daria à própria família a oportunidade de encontrar um jeito de resolver as questões com
tranquilidade e com o mínimo de danos. Havia outras pessoas a considerar além dela.
Francis não precisava mostrar aos pais os hematomas em lenta formação no braço de
Caroline para que entendessem a gravidade do que aconteceu em Derbyshire. Ao enviar Caroline
para a Escócia, ela estaria longe da tarefa lamentável de lidar com Harry Menzies, e estaria
segura.
— Desde que James esteja disposto a viajar para a Escócia, irei com ele. Em mais alguns
dias, minha mão deve estar bem o bastante para eu poder viajar. Podemos pegar a estrada para o
norte até o início da próxima semana. — ela respondeu.
Houve um suspiro de alívio baixo vindo de Francis ante essas palavras. Ela sentia pena dele.
Ninguém poderia invejar essa longa viagem para casa com Harry.
Francis inclinou-se e deu um beijo suave na bochecha de Caroline.
— Obrigado. Sabe que se eu pudesse ficar aqui e confortá-la eu o faria, mas a situação em
Londres precisa ser resolvida o mais rápido possível. Se partirmos ao início da tarde, devemos
conseguir chegar a Markfield antes do anoitecer e prosseguir amanhã.
Ela o seguiu até a porta da sala.
— O que fará quando chegar em casa?
Tudo bem que ela concordou em ir para a Escócia, mas ela não estava preparada para ficar no
escuro acerca do que aconteceria ao próprio futuro.
— Devo falar com o Papai, mas minha primeira inclinação seria ter uma conversinha, por
meios particulares, com o The Times e pedir que imprimam uma retratação e um pedido de
desculpas. Embora a culpa seja, claramente, de Harry, eles deveriam saber que não deveriam
publicar um anúncio desses sem a assinatura de ambas as partes. — ele respondeu.
Caroline deixou o irmão ir. Ela temia o que ele e o pai precisariam passar para resolver a
bagunça profana em que Harry havia colocado a todos. A Sociedade prosperava em boatos, e um
falso noivado seria a lenha perfeita para as sessões de fofoca no meio da tarde e que aconteciam
regadas à chá e bolo, nas melhores casas de Londres.
Capítulo Trinta e Três

P ouco mais de uma hora depois, o pequeno grupo em residência estava parado do lado de fora,
enquanto Francis e Harry subiam na carruagem de Harry. Francis foi fiel à palavra, e estava
ansioso para partir o mais cedo possível.
Harry permaneceu em silêncio e, pelos olhares determinados nos rostos de Francis, James e,
em especial, de Julian, não havia nada que ele pudesse dizer que fizesse alguém mudar de ideia.
Quando o olhar de Caroline caiu para as mãos de Julian, ela notou que, enquanto uma estava
firme em punho, a outra estava no bolso da jaqueta. Ela viu o inconfundível cabo de uma pistola.
Ela deu um beijo de despedida em Francis e aceitou a promessa dele de que ele encontraria
uma solução para a situação. Harry manteve a cabeça baixa e não encontrou o olhar dela, antes
de subir na carruagem e bater a porta com um baque atrás dele.
A carruagem desceu a via antes de enfim desaparecer após a pequena subida. James veio para
o lado de Caroline e colocou o braço em volta dela.
— Ele dará um jeito. Com Francis e seu pai envolvidos, eles garantirão que sua reputação
permaneça intacta. Não tenho tanta certeza quanto a Menzies, mas, convenhamos, ele causou
isso a ele mesmo.
Julian virou-se para os demais. Ele ainda estava com um semblante tão sombrio quanto no
instante em que ela gritou em desespero e pânico, e ele correu para o lado dela.
— E agora somos quatro.
— James e eu também partiremos em breve. — Caroline respondeu.
Ele franziu a testa.
— Como assim?
— Francis pediu que James e eu viajássemos para a Escócia e permanecêssemos no Castelo
Strathmore até que a situação em Londres seja resolvida. Com sua permissão, ficaremos por mais
alguns dias para que minha mão esteja melhor curada. Após esse período, nós nos despediremos.
Eu diria que já aguentou o bastante de nossa presença.
O olhar no rosto dele, após as palavras dela, mudou de um de determinação inabalável para
um de decepção. O coração dela foi tocado com o pensamento de que Julian ficaria triste com a
partida dela.
— Prefiro que fiquem aqui. James, pensei que queria visitar Burton-on-Trent para ver seus
amigos. Se permanecerem em Newhall, ainda pode visitá-los. — Julian disse.
Lady Margaret adicionou:
— Por favor, reconsiderem seus planos de viagem. Burton é uma cidade adorável, e tenho
certeza de que Julian ficaria feliz em levar os dois para vê-la. Eles têm um mercado todas as
quintas-feiras, e a cidade fica bem movimentada com muitas pessoas de todo o distrito.
James olhou para Caroline.
— Bem, não fará diferença se ficarmos aqui por mais tempo. Ainda podemos viajar para a
Escócia mais para frente, se for o caso.
O coração dela se apiedou do primo. Pobre James. Com toda essa bagunça, ela havia se
esquecido de que ele também havia buscado refúgio no campo por seus próprios problemas não
ditos. Ao se aventurar a Burton, ele poderia, ao menos, ver seus amigos. Ela devia muito a ele.
Ela assentiu, satisfeita por ficarem. Com Francis de volta a Londres, ela sentia a necessidade
de estar perto de Julian.
— Entretanto, apenas enquanto estiver feliz em nos ter como hóspedes em casa. Assim que
nos tornarmos um fardo, deve nos dizer o quão adorável a Escócia é nesta época do ano e
entenderemos a deixa e partiremos depressa. — ela respondeu.
O sorriso terno e largo que apareceu no rosto de Julian quase a fez chorar. Ele não estava
apenas sendo educado; ele queria mesmo que ficassem. Ela se viu desviando o olhar, de repente,
sentindo-se estranha na presença dele.
James apertou a mão de Julian.
— Excelente, Newhall. Enviarei uma mensagem aos meus amigos em Burton para informá-
los de que faremos uma visita na quinta-feira.

Julian procurou Lady Margaret mais tarde. Um enorme peso havia sido retirado dos ombros dele,
com a saída de Harry Menzies, mas agora ele estava sem saber o que fazer com os convidados
restantes da casa. Em especial, Caroline.
— Teria um minuto? — ele perguntou.
Lady Margaret estendeu a mão.
— Claro. Sempre terei um minuto para você, querido menino. Em que posso ajudar?
Ele pegou a mão dela e a beijou, em seguida, com passos comedidos, vagou até a lareira. Ele
precisava do conselho dela.
— É bom que Caroline e James tenham concordado em ficar por um tempo. Faço questão de
lhes mostrar Burton. Acredito que Caroline irá gostar do mercado da cidade.
Lady Margaret levantou as sobrancelhas.
— Sim, imagino que Caroline jamais viu maçãs, legumes ou gado na vida.
Julian notou o sorriso travesso que Lady Margaret não conseguiu mais esconder, e decidiu
que não adiantava tentar ficar de pé ao lado do fogo. Ele sentou-se na poltrona bem acolchoada
em frente a ela e cruzou as mãos no colo.
Lady Margaret inclinou-se e deu um tapinha suave e tranquilizador no joelho dele.
— A vida é engraçada. Fazemos todo tipo de planos e declarações grandiosas em relação ao
que faremos no futuro, mas o destino por vezes nos empurra em uma direção totalmente
diferente. Uma que talvez não considerássemos até então. Eu sei que nunca pensei que acabaria
aqui no Castelo Newhall, ainda mais como amante do seu pai.
As palavras de Lady Margaret serviram para reforçar a própria surpresa com a recente
reviravolta em sua vida. Além das paixões da juventude, Julian jamais se apaixonou de verdade.
Tendo visto o casamento dos pais se fragmentar em mil pedaços, ele o evitava com propósito.
As viagens pela Europa como diplomata tinham, até agora, lhe dado a desculpa perfeita para
manter o coração a sete chaves. Casos discretos e relacionamentos descomplicados mantiveram
seu coração seguro. Ele não nutria esperança séria alguma de encontrar o amor ao longo dessa
reunião campestre, mas agora sabia que o próprio coração havia se virado para Caroline.
— Não sei o que fazer — ele disse.
Há poucos dias, ele teria rido da ideia de se apaixonar por Caroline Saunders. Eram inimigos
jurados. Ela era a última pessoa com quem ele teria considerado se casar.
No entanto, assim que ele a viu desmaiar no chão no saguão do andar de baixo, ela aos
poucos, mas de maneira inexorável, encontrou o caminho para a alma dele. A inimiga no portão
passou a ser uma amiga ferida que vivia sob sua proteção.
— Bobagem, seu coração sabe exatamente o que precisa fazer. Por que mais teria proposto
que Caroline e James ficassem? Eliminou essa brecha específica em pouco tempo. Devo dizer
que fiquei impressionada. — ela respondeu.
— Claro, eu poderia estar me fazendo de bobo. Quem dirá que não serei apenas mais um na
longa fila de pretendentes que não conseguiram conquistar o coração dela? — ele disse.
Harry Menzies, maldito seja, decerto turvou essas águas. Antes da chegada dele com essa
revelação chocante, Julian já pensava em passar um tempo do dia com Caroline. Os sonhos dele
à noite já vinham repletos de luxúria.
— Não acredito que você seja igual aos outros e, principalmente, nada parecido com o
Senhor Menzies. Desde que ele chegou, ela fez de tudo para evitá-lo. Se ele foi enfadonho o
suficiente para não ver que ela não estava interessada, então temo que ele criou a própria
desgraça.
Com Harry e Francis fora do Castelo Newhall, Julian estava em uma situação delicada. Ele
ofereceu a Caroline a proteção de pretendentes indesejados. Não cabia, então, a um cavalheiro de
seu status tentar reivindicar o campo de jogo para si. Ele precisaria se conduzir com muito
cuidado se quisesse ter uma chance de obter o favor dela. Julian franziu a testa. E se Caroline só
o visse como um amigo?
— Posso dar um conselho? — Lady Margaret perguntou.
— Por favor. Este é um território desconhecido para mim. — ele afirmou.
— Vá devagar. Observe e atente-se aos sinais. Homens podem ser um pouco cegos para o
que as mulheres estão de fato sentindo. Pode estar ocupado ponderando a batalha, e ao mesmo
tempo, não perceber que seu exército não está logo atrás de você. Embora a maioria dos homens,
na minha experiência, não seja tão sombria quanto aquele Menzies. Não me admira que você
tenha sentido a necessidade de fazer um gesto tão grandioso. — ela disse.
Julian levou as palavras sábias de Lady Margaret ao coração, prometendo não cometer os
mesmos erros que outros homens antes dele cometeram. Se ele sabia algo sobre ela, era que
Caroline ansiava por ter sua voz ouvida.
Tentar forçar o amor a ela era a última coisa que lhe faria algum favor. Um cortejo lento e
constante seria o único caminho para o coração de Caroline Saunders. Ele precisaria fazer tudo o
que pudesse para convencê-la a permanecer no Castelo Newhall.
Capítulo Trinta e Quatro

U ma revoada de pássaros invernais alçou voo do outro lado do lago e subiu ao céu cinzento. O
capuz da capa dela caiu para trás, quando ela olhou para cima, e o vento gelado beijou-a no
rosto. Por um instante, ela esteve em sincronia com os pássaros e o vento.
— Jamais entendi seu amor pelo inverno. Como aguenta ficar aqui fora?
Caroline virou-se e viu James se aproximando. As mãos dele estavam enfiadas nos bolsos do
casaco, e um cachecol enrolava-se em torno do pescoço. Pelo olhar infeliz naquele rosto, estava
claro que ele não compartilhava da paixão dela pelo inverno.
— Porque me sinto livre quando o vento gelado bate na minha pele, e quem não amaria
aquela vista? — ela respondeu.
James veio parar ao seu lado, de frente para o lago.
— Tudo bem, cedo que a vista do lago congelado é bastante pitoresca daqui de cima.
Ele limpou a garganta.
— Como está se sentindo agora? Não tivemos a oportunidade de conversar desde o
desagrado desta manhã. Antes de partir, Francis me disse que estava muito preocupado com
você. Para ser honesto, eu também estou.
— Ainda estou um pouco entorpecida pelo choque, e meus braços terão hematomas
aparentes antes do dia acabar. É um alívio não precisar voltar para casa hoje. Não sei se eu
conseguiria manter a calma estando em um espaço confinado com Harry. Ainda não consigo
acreditar no que ele fez. — ela explicou.
James colocou um braço em torno dela e gentilmente a puxou para perto.
— Devo dizer que foi gentil da parte de Newhall nos convidar para ficar. Nem todos são tão
tranquilos quando há vislumbres de um possível escândalo. Lembre-se, ele parece ter uma veia
protetora quando se trata de você.
Caroline começou a cutucar a borda do curativo na mão esquerda. Ela puxou um fio aos
poucos.
— Ao menos minha mão está melhor hoje. Dói menos. — ela disse, mudando de assunto.
Julian havia assumido o papel de protetor, vestindo tal armadura com uma facilidade
incomum. Toda vez que os pensamentos dela se voltavam para o homem com aqueles olhos
cinzas profundos, ela se via incapaz de construir um pensamento claro.
Ela baixou o olhar para a mão. Ele penetrou a pele dela com mais do que apenas uma agulha.
— É uma boa notícia. Era uma bagunça dos diabos quando vi pela primeira vez. Tivemos a
sorte de Newhall ter algumas habilidades cirúrgicas, adquiridas no campo de batalha. Os pontos
que ele deu deixariam uma costureira orgulhosa. — ele respondeu.
Ela se moveu em direção à trilha que seguia até o lago. James estava com a razão, estava
muito frio, mas ela precisava caminhar. Sua mente era um turbilhão incerto de perguntas
envolvendo Harry e Francis, mas acima de tudo, Julian.
— Poderíamos, por favor, caminhar?
O simples movimento de colocar um pé na frente do outro logo trouxe uma sensação de
calma para a mente torturada. No entanto, a careta no rosto ainda permanecia.
— Está tudo bem? — James perguntou.
Ela olhou para ele e assentiu.
— Sim, embora eu tenha pensado que poderia enlouquecer em dado momento desta manhã.
O estranho é que agora que Harry enfim mostrou a verdadeira face, estou um pouco aliviada.
— Aliviada?
— Sim. Harry seguiu meus passos durante todo o verão. Eu nunca comentei com ninguém
porque acreditava que ele estava apenas me protegendo. Ele se retirou quando eu passei um
tempo com Eve, quando ela se desentendeu com Freddie, e eu pensei que tudo havia voltado ao
normal. — ela explicou.
— Nossa, eu não notei que a situação estava tão complicada.
— Não, ninguém notou. Pensei que guardar tudo para mim era o jeito mais adequado de lidar
com isso. Agora está claro que errei. — ela disse.
James suspirou.
— Suponho que Harry frequentou tanto a casa dos Saunders ao longo dos anos que eu nunca
dei muita atenção a ele. A maioria dos mais jovens da família adivinhou que ele nutria
sentimentos por você, mas eu diria que presumimos que passaria com o tempo. Contudo, sempre
o considerei um pouco estranho. — James disse.
— Perdi a conta das vezes que fui educada ao me recusar a dançar com ele, apenas para que
Francis, sem perceber, fizesse o casamenteiro. Pelo menos quando as coisas enfim vieram à tona,
estávamos bem longe da sociedade londrina. Por isso, tenho esperança em um resultado sensato.
A ideia de ser obrigada a me casar com Harry é impensável. — ela disse.
Ela se inclinou e pegou um galho quebrado do chão, cutucando James com gestos
brincalhões.
— Falando em ser estranho, o que há com você e o casamento de Guy Dannon no mês que
vem? Pensei que ficaria feliz em vê-lo resolvido com a melhor amiga da sua irmã. Leah é uma
moça adorável. Não pensei que teria um pé atrás com ela.
Quando James deu de ombros, Caroline entendeu o gesto como um sinal claro para não falar
mais do assunto. Algo não estava certo com o primo e as núpcias iminentes do melhor amigo
dele. Entretanto, com um mundo de problemas próprios para lidar, ela decidiu que seria mais
sensato esperar até que estivessem longe do Castelo Newhall, antes de tentar pressioná-lo outra
vez.
— Ora, o que é aquilo? — James apontou na direção da cabana de pedra.
— Imagino que seja uma casa para um dos funcionários do castelo, ou de um inquilino. Deve
ser preciso muito para manter uma propriedade daquele tamanho em pleno funcionamento. —
ela respondeu.
Ela não queria compartilhar a informação com James, de que não só sabia a verdade em
relação à casa, mas que esteve lá sozinha com Julian. Enquanto James permanecesse no escuro,
Caroline acreditava ter uma pequena chance de repetir o encontro privado com Julian.
O ato de loucura de Harry obtivera um resultado inesperado: Caroline não estava mais com
medo do que sentia por Julian. O amor era forte o suficiente para ela arriscar e se declarar a ele.
Ela precisava encontrar um jeito de ficar a sós com ele.
E confessar seu amor.
Capítulo Trinta e Cinco

P ela primeira vez desde que chegaram a Newhall, James acordou animado e cedo. Julian ficou
surpreso ao descobrir que o hóspede chegara antes dele na sala de café da manhã e exalava
humor alegre. Parecia até ensaiar o início de um sorriso no rosto.
A mudança no humor dele ajudou a levantar os ânimos dos que estavam na carruagem em
direção ao mercado de quinta-feira em Burton-on-Trent.
— Então, esses seus amigos, eles moram em Burton? — Julian perguntou. Ele estava sentado
na carruagem em frente a Caroline e Lady Margaret e ao lado de James.
— Não. Eles estão trabalhando em um projeto que visa criar uma série de pinturas da
paisagem local. Eles têm um patrono que mudará para o exterior e deseja levar algumas
lembranças da terra natal. Conhecendo seus hábitos de nossos dias de universidade, e por nossa
correspondência durante o verão, estou confiante de que encontrarei meus dois amigos no Union
Inn no dia do mercado. — ele respondeu.
Uma Caroline estranha de séria meneou a cabeça para o primo.
— James é um pintor talentoso. Tenho certeza de que, se não estivesse destinado a seguir
meu tio até os altos escalões da Igreja da Inglaterra, ele também teria trilhado os caminhos de um
artista.
As palavras dela surpreenderam Julian. James Radley não parecia ser o tipo de homem que se
adequaria a uma vida na igreja. No entanto, ele conseguia imaginá-lo como artista. Possuía um
espírito livre. Contudo, como acontece com muitos outros desta camada social, a vida de James
foi definida no nascimento.
— Meus amigos são muito mais habilidosos com um pincel do que eu. Contam com um
número pequeno, mas dedicado de clientes. Eu esperava convencer Francis a comprar algumas
das obras deles e mostrá-las ao príncipe de Gales, mas ele me pareceu desinteressado na ideia. —
James disse.
— Suponho que Francis tenha suas razões. Ele pode não apreciar todos os seus amigos com
tanto entusiasmo quanto você. Só porque eles são seus colegas não significa que serão dele, ou
meus, neste assunto. — Caroline respondeu.
Após a resposta enigmática, Caroline abriu a retícula e começou a revirá-la. Ela e Lady
Margaret compartilharam algumas palavras murmuradas, mas ela se calou em seguida. Julian já a
conhecia o bastante para saber quando deixá-la sozinha com seus pensamentos.
— Prometo que encontrarei meus amigos e lhes darei meus cumprimentos, voltarei e me
juntarei a vocês assim que puder. O plano é do seu agrado, Caroline? — James disse.
Com Francis agora a caminho de Londres, caberia a James atuar como acompanhante oficial
de Caroline. Julian ficou satisfeito ao ver que ele não parecia levar o papel muito a sério.
Com um pouco mais de espaço para navegar do que teria sob o olhar atento de Francis, Julian
pretendia usar essa vantagem e passar mais tempo em particular com Caroline. Ele queria obter
uma compreensão mais profunda da verdadeira Caroline Saunders, para convencer seu coração
de que ele não estava errado em se virar para ela.
— Sim, vá passar um tempo com seus amigos. Tenho certeza de que estarei em perfeita
segurança com Lorde Newhall e Lady Margaret como meus acompanhantes. Pode encontrar-nos
quando terminar. — Caroline respondeu. Ela deu uma olhada na direção de Julian. Seus olhares
se encontraram por uma fração de segundo, antes que ela desviasse o olhar.
— Esplêndido. — James respondeu.
Assim que viraram na rua principal de Burton, a carruagem parou. Julian inclinou-se e abriu
a porta. À frente deles havia um amontoado de charretes, carroças e pessoas.
— Parece que precisaremos caminhar a partir daqui. Não consigo ver espaço com toda essa
multidão. — ele disse.
Ele orientou o condutor a puxar a carruagem para perto da calçada. Em poucos minutos, os
quatro entravam na praça principal da cidade.
A praça estava recheada de filas com várias barracas de mercado, todas vendiam produtos
locais. O dia do mercado era um evento de tamanho considerável, e algumas barracas vendiam
produtos manufaturados de cidades maiores, como Derby.
— Não imaginava que seria tão grande. — James disse olhando na direção de Caroline, mas
ela mal notou as palavras.
Quanto mais longe caminhavam, mais distraída ela parecia se tornar. Julian e Lady Margaret
compartilharam um olhar preocupado. Nenhum dos dois havia notado esse comportamento na
hóspede até agora.
— Lá está o Union Inn, ainda está de acordo que eu vá ver meus amigos? — James disse,
apontando para o pequeno estabelecimento comercial de dois andares na esquina da praça.
Pela primeira vez desde a chegada à cidade, Caroline ergueu o olhar e prestou atenção aos
acontecimentos ao seu redor. Ela focou o olhar no prédio caiado de branco e endireitou os
ombros. Ela murmurou algo que Julian não conseguiu entender.
— Obrigado. Não demorarei. — James disse. Ele fez uma reverência apressada para as
mulheres e saiu em busca dos amigos.
— E há uma casa de chá bem ao lado. — acrescentou Lady Margaret. Ela tocou Caroline no
braço. — Quer vir comigo?
— Não, obrigada. Eu ficaria feliz em passear pelas barracas. Talvez eu consiga encontrar um
par de luvas de inverno que caibam nas minhas mãos. Claro, se Julian puder acompanhar?
Lady Margaret assentiu em concordância.
— Como estamos em Derbyshire, creio que podemos relaxar as regras relativas em torno de
que cavalheiro pode acompanhar uma senhorita sem escolta.
Caroline olhou para ela com tristeza.
— Duvido que passear pelas barracas do mercado faça algo para mudar o que as pessoas já
pensam de mim.
O coração de Julian afundou com essas palavras. Ele foi tolo ao se permitir pensar que ela
estava lidando bem com a situação de Harry, mas as palavras de agora diziam o contrário.
Caroline estava sofrendo.
— Ficarei feliz em acompanhá-la.
Ele estava desesperado para envolver Caroline nos braços e oferecer conforto. Dizer a ela que
tudo ficaria bem e, se não ficasse, ele cuidaria pessoalmente de Harry Menzies. Era de partir o
coração ver uma jovem tão espirituosa presa na escuridão da dúvida acerca dela mesma.
Com James e Lady Margaret longe deles, Julian se viu na inesperada, mas bem-vinda posição
de estar sozinho com Caroline. Ele a seguiu em silêncio, enquanto ela caminhava até uma
barraca de produtos locais, rezando para que a presença dele ajudasse a confortá-la.
— Ora, maçãs Pippin vermelhas. Não vejo uma dessas há eras! — ela exclamou.
Era a primeira vez desde que chegaram que Caroline mostrava alguma faísca de seu eu
habitual. Ela puxou um punhado de moedas da retícula e, com um sorriso, entregou-as ao
feirante.
— Seis das suas melhores Pippins, por gentileza.
O homem entregou um pequeno saco de pano com maçãs que, apesar dos protestos de
Caroline, Julian insistiu em carregar.
— É minha convidada. — ele disse.
Quando ela o recompensou com um sorriso, Julian viu uma abertura. Ele armou-se de
coragem.
— Sei que pode soar um pouco ousado, mas se importaria de nos sentarmos e tomar algo
quente em algum lugar? Há uma série de lojas ao redor do mercado com mesas ao ar livre, onde
poderíamos nos sentar. Tenho a impressão de que gostaria de uma xícara de chá.
— Obrigada, seria bom. Também gostaria de algo para comer. Não tomei café da manhã
antes de partirmos. — ela respondeu.
Eles encontraram uma barraca próxima que vendia tortas quentes. Julian riu ao som do
estômago de Caroline roncando quando se aproximaram. O próprio estômago se adicionou ao
coro ao sentir o cheiro apetitoso das tortas de rosbife.
Ele chamou a atenção do vendedor de tortas.
— Duas tortas de carne, por favor.
Eles ficaram de pé em um lado da barraca, perto de uma parede alta de tijolos, e se dedicaram
às tortas. A massa estava crocante por cima, mas ao morder, a língua dele provou o rico molho e
a carne escondida como um tesouro.
— Nossa, é muito bom. Obrigada. — Caroline disse.
O sorriso dela era todo o agradecimento de que Julian precisava. Se ela estava feliz, ele
também estava. Ela meneou a cabeça na direção da casa de chá, e ele acenou quando Lady
Margaret se dirigia a eles.
— Tortas de Derbyshire. Há algo melhor? — Lady Margaret disse.
Julian pegou os pacotes de chá que ela havia comprado e os colocou no saco com as maçãs.
Ele estava adorando esse dia no mercado local muito mais do que um homem de seu status social
deveria. E não era tolo de não reconhecer ser devido à presença da jovem ao seu lado.
Uma jovem com um apetite saudável tratando-se de tortas regionais. Ele engoliu em seco
com força ao observá-la lamber o molho da ponta dos dedos.
— Bem, tenho algumas pequenas tarefas a realizar enquanto estamos aqui. Se os dois se
contentarem em continuar passeando pelo mercado, posso encontrá-los daqui a pouco. Então,
podemos comer o almoço em algum lugar. — Lady Margaret disse.
Julian prendeu a respiração. Ele estava grato por Lady Margaret ter lido o clima entre ele e
Caroline. Outros passos haviam sido dados para progredir com a amizade deles, e ele estava
ansioso para solidificar o terreno.
— Passei por uma barraca vendendo artigos de lã no caminho para cá. Com sorte, talvez
encontre as luvas que estava procurando. — Lady Margaret acrescentou.
Quando terminaram o lanche de meio de manhã, Julian e Caroline foram até a extremidade
da praça em busca da barraca com artigos de lã. Era próxima do Union Inn. O curioso, Caroline
não fez qualquer menção ao primo já atrasado. Em vez disso, ela baixou a cabeça e começou a
examinar a seleção de luvas em exibição.
— Acredito que estas podem dar conta do recado. — ela disse, pegando um par de luvas
verdes e mostrando-as a Julian.
— Não percebi que suas mãos estavam tão geladas. — ele respondeu.
Ela deslizou a mão machucada com cuidado em uma das luvas e a ajeitou.
— Perfeito. Agora devo conseguir patinar no gelo. Quer dizer, se a oferta para usar sua lagoa
congelada ainda estiver de pé.
Julian se apressou para assentir
— Com certeza. Mandarei os funcionários externos verificarem a lagoa assim que voltarmos
ao castelo. Se sua dança de neve é algum indício, sei que você será uma visão incrível no gelo.
Ela colocou a mão na retícula, puxou a bolsa de moedas e retirando um punhado delas,
entregou-o ao vendedor.
Enquanto Caroline estava ocupada acertando a compra com o feirante, James apareceu no
lado de fora da taberna, liderando outros dois cavalheiros.
Julian acenou para James, que correu em direção a eles.
— Seu primo parece ter encontrado os amigos.
Caroline enrijeceu ante as palavras, só voltando a se mover quando o feirante apertou o troco
na mão dela.
— Newhall, é ótimo vê-lo. Permita-me que o apresente aos meus amigos. Trata-se de
Timothy Walters e Timothy Smith, também conhecidos como “os dois Tim”. — James disse.
Julian deu uma olhada nos amigos de James, e o sangue em suas veias virou gelo. Embora
um dos Timothy era um completo estranho, o outro era alguém que Julian já conhecia. Timothy
Walters. O Timothy da discussão do cartão de dança, à espreita e à margem da corte de
admiradores de Caroline. Mais um rival por seus afetos.
As boas maneiras demandavam-no apertar a mão de ambos. Caroline, por sua vez, ficou de
costas para o grupo.
— E, é claro, os dois conhecem minha prima, Lady Caroline Saunders. — James
acrescentou.
Quando James a apresentou, Caroline enfim se virou para encará-los. Ela deu um pequeno
aceno.
— Senhores.
Julian deu um passo apressado para trás quando Timothy Walters correu e tentou agarrar
Caroline pela mão. Ela se esquivou. Walters ofegou ao ver o curativo.
— A Senhorita Saunders sofreu um pequeno acidente e machucou a mão. Prestei socorro e
consegui dar pontos no ferimento. — Julian explicou.
— Ó, minha querida Caroline, pobrezinha. — Timothy desabafou.
Pelo canto do olho, Julian flagrou Timothy Smith fixando Caroline com um olhar velado de
nojo. Estava claro que havia um histórico ruim ali.
Timothy Smith curvou-se baixo para Caroline, mas não ofereceu a mão ou quaisquer
palavras de saudação. Julian rangeu os dentes enquanto forçava o desejo ardente de ensinar a este
Senhor Smith uma lição de boas maneiras.
— O que estão achando da estada aqui em Derbyshire? Radley me contou que os dois foram
comissionados para criarem uma série de pinturas. — Julian disse.
— Pois é. — Walters respondeu, com o olhar não se afastando de Caroline.
— Eles partirão para as Florestas Marchington amanhã, para fazer alguns desenhos iniciais.
Eu pensei em talvez ir com eles. Eu só ficaria longe por alguns dias e poderia encontrar meu
próprio caminho de volta para o Castelo Newhall. Será que Lady Margaret se importaria de atuar
como acompanhante de Caroline enquanto eu estiver fora? — James disse.
Walters deu mais um passo para perto de Caroline.
— Seria bem-vinda a nos acompanhar, se quisesse, Bela Caroline, eu adoraria mostrar a
paisagem selvagem de Derbyshire.
Os pelos na nuca de Julian se eriçaram ao ouvir o desejo na voz de Walters. A picada do
ciúme que sentiu ao avistar Walters agora pulsava em seu coração.
— Tenho mostrado grande parte do campo ao redor do Castelo Newhall à Senhorita
Saunders. Ela aprecia as partes mais verdes da Inglaterra.
Ele virou-se para James, mantendo a voz firme.
— Tenho certeza de que minha tia ficaria mais do que feliz em cuidar da Senhorita Saunders
enquanto estiver fora, Radley. Elas já são ótimas amigas. Isso, claro, se a Senhorita Saunders
desejar continuar no Castelo Newhall.
Ele deu ênfase ao último Senhorita Saunders. Ele odiava o jeito familiar com que Walters
falava com Caroline. Em seu mundo, somente ele detinha o direito de se dirigir a ela pelo
primeiro nome.
Walters o encarou e uma silenciosa batalha de vontades começou. Julian sustentou o olhar do
outro homem com bastante tranquilidade. Walters pode muito bem se considerar talentoso o
bastante para atrair uma jovem com sua arte, mas ele não contava com Julian Palmer.
Tente, rapaz. Tenho um título e um maldito e enorme castelo. Sem falar em um cão muito
possessivo. O que poderia oferecer a ela? Caroline não é o tipo de garota que gostaria de viver
em um sótão congelante, enquanto você corre atrás da sua próxima comissão mal paga. Afaste-
se.
— Sim, o entorno de Newhall é lindo, e eu me sinto bem à vontade em nossa estada.
Obrigada pela oferta gentil, Senhor Walters, mas permanecerei como convidada do Lorde
Newhall por mais algum tempo. — Caroline disse.
Quando ela abriu um sorriso agradecido para Julian, ele soube ter vencido a batalha.
Enquanto Walters tentava forçar Caroline a fazer como ele queria, Julian foi mais inteligente e
perguntou a ela o que ela queria.
Isso é o que vem de se fazer um esforço para conhecer uma mulher. Considere-se vencido
Walters. Ela. É. Minha.
— Pois bem, precisamos ir. James, já que virá conosco, pode querer comprar alguns
suprimentos pessoais nas lojas daqui. Senhorita Saunders, Lorde Newhall, foi um prazer
conhecê-los. — Timothy Smith disse.
James e Caroline fizeram despedidas apressadas, e James prometeu voltar assim que pudesse.
Quando Caroline insistiu para que seu primo ficasse pelo tempo que quisesse com os amigos,
que não tivesse muita pressa de voltar para Newhall, Julian assentiu com serenidade na direção
de Timothy Walters.
Quando James e os amigos se afastaram, Caroline soltou um suspiro de alívio.
— Obrigada. Eu esperava evitar esse encontro. Não sei o que eu teria feito se você não
estivesse aqui para me salvar do Senhor Walters e do Senhor Smith. — ela disse.
Ele estava prestes a perguntar por que ela precisava se salvar, do Sr. Smith em particular, mas
ela apenas se virou e disse:
— Conversaremos ao chegar em casa.
Casa.
A palavra saiu com tanta facilidade pela língua dela
Enquanto continuavam a caminhar pela praça da cidade, e enfim se encontraram com Lady
Margaret, Julian estava refletindo seriamente em como fazer a palavra de Caroline se tornar uma
realidade. Como poderia fazê-la ver que o Castelo Newhall era seu lar.
Que o futuro dela era com ele.
Capítulo Trinta e Seis

— D evo-lhe uma explicação.


Julian ergueu o olhar do jornal que comprara durante a visita à Burton e viu
Caroline parada na porta de seu escritório. Ele levantou-se e indicou uma cadeira para
que ela se sentasse. Ela se sentou na beirada da cadeira, as mãos juntas. A postura dela era rígida
e insegura, mantinha-se assim desde que James e os amigos os encontraram no mercado.
— Deve ter adivinhado que eu não fiquei feliz em ver o Senhor Walters hoje. Como disse, eu
esperava evitá-lo, mas o pobre James estava animado para que você conhecesse os amigos. —
ela disse.
Julian fez o possível para absorver as notícias do jornal londrino de três dias, mas percebeu
ser impossível se concentrar. O olhar faminto no rosto de Walters, além da grosseria de Smith
quando encontraram Caroline, dominavam grande parte de sua mente.
— Entendi, por sua reação, que tem a mesma opinião dele que teve na primeira noite em que
nos encontramos. Você não é a dama dele. No entanto, ele não parece ter entendido essa
mensagem. — ele respondeu. As palavras dele, embora ditas com calma, revelavam a ponta
verde de ciúmes que ele ainda sentia em relação ao cavalheiro em questão.
Caroline assentiu.
— Gostaria que você e eu fôssemos honestos um com o outro. Empenhamo-nos muito para
ressignificar nossa relação, e desejo muito continuar nesse caminho. Acredito ser justo que eu
conte que o Senhor Walters pediu minha mão em casamento há algumas semanas. Papai o
negou.
Uma das inúmeras perguntas que rondaram a cabeça de Julian durante toda a tarde era a
natureza exata da relação entre Caroline e Walters. As palavras dela pouco fizeram para acalmar
a mente dele.
— Embora isso explique seus comentários na carruagem, quanto a nem todos serem amigos
de Radley, não isenta o comportamento de seu primo. Foi impensado e cruel da parte dele trazer
Walters e Smith para encontrá-la. — Julian respondeu.
Ele teria palavras severas a dizer para James Radley quando o homem retornasse a Newhall.
Expô-la com extravagância a um pretendente no meio de uma praça pública. O homem era um
tolo.
— James desconhece a situação com o Senhor Walters. Recusar um pedido de casamento
não é exatamente algo público. — ela disse.
— Entretanto, dada a maneira como o amigo dele olhou para você, eu sugeriria que o Sr.
Smith estava bem ciente da natureza dessa conexão? — Julian respondeu.
O sorriso tímido que ela abriu confirmou as suspeitas dele.
— Não fiz nada para incentivar os afetos do Senhor Walters. Ofereci certa gentileza acerca
de um assunto privado e, em seguida, ele se convenceu de que estava apaixonado por mim. E
sim, imagino que o Senhor Smith não me veja sob nenhuma luz favorável, tendo causado
tamanha dor ao amigo dele. — ela acrescentou.
— Para ser honesto, vi várias expressões no rosto do Senhor Walters que também
testemunhei no semblante de Harry Menzies enquanto ele estava aqui. Se há algo que pode
reivindicar como seu, Caroline, é o efeito que causa nos homens. Quer você, ou eles, gostem ou
não. — ele respondeu.
Assim que proferiu as palavras, Julian se arrependeu do que falou. Ele vinha tentando
oferecer apoio e dizer que a culpa não era dela. Em vez disso, tudo o que conseguiu fazer foi
embaralhar as palavras e insultá-la.
Caroline levantou-se devagar da cadeira e caminhou em direção à porta. Ao alcançar a
maçaneta, ela parou e virou-se para ele. O coração de Julian afundou ao ver lágrimas brilhando
naqueles olhos.
— Então, como todos os outros, o senhor acredita que eu sou uma provocadora? Obrigada
por pelo menos esclarecer esse equívoco para mim. Eu pensei que, por ser meu amigo, o senhor
poderia tentar entender. Talvez tivesse sido melhor se eu tivesse ido com James. Pelo menos eu
sei onde estou com tipos como o Senhor Walters. Com sua licença, Lorde Newhall.
Caroline fechou a porta devagar atrás dela, mas o clique do trinco ecoou alto no cérebro de
Julian.
Ele se levantou, com a intenção de segui-la, mas quando os dedos tocaram a maçaneta, ele
parou. Deveria correr atrás dela e pedir desculpas, mas ela estava correta. Ele não gostava do
efeito que ela provocava em outros homens.
Havia demasiados homens na vida de Caroline para o gosto de Julian. Ele enfrentava uma
decisão dolorosa. Ele conseguiria entrar em uma vida de ciúmes contínuos?

Caroline evitou a companhia de todos pelo resto da tarde e jantou no quarto. Ela escreveu uma
longa carta para William e outra para sua mãe. Com Francis agora a caminho de Londres, eles
conheceriam a situação em relação a Harry quando recebessem essas cartas.
Para Adelaide, ela reafirmou a promessa de mudar o comportamento. Os membros de seu
grupo de admiradores seriam encorajados a encontrar outras jovens para concentrarem suas
atenções. Flores, presentes e visitas sem aviso prévio à casa da família não seriam mais bem-
vindos. Se ela quisesse que a sociedade a tratasse de forma diferente, precisaria começar com o
próprio comportamento.
Para Will, ela confirmou as palavras dele acerca de Julian Palmer. Ele não era o bruto que ela
acreditou que ele fosse. Na verdade, ele era um homem bastante agradável. O irmão ficaria
satisfeito em saber que ela e Lorde Newhall tornaram-se amigos.
Ela colocou a caneta de volta no tinteiro. Era estranho ler as palavras, quanto mais escrevê-
las. Julian não era mais seu inimigo, mas após a conversa tida mais cedo, ela também não sabia
dizer se ele era, de fato, seu amigo. Um amigo não pensaria, muito menos diria, tal coisa.
No entanto, ele estava certo. Ela se aproveitara da provocação aos homens, em especial com
aqueles que ela sentia conseguir lidar com segurança. Devagar no início, porém, com o tempo,
ela se tornou fria e calculista ao relacionar-se com o grupo de pretendentes. Ela acabou se
tornando alguém que ela não reconhecia mais.
Doía olhar para o próprio coração e saber ser uma pessoa antipática. Sua beleza, às vezes, era
apenas superficial.
— Nem eu mesma gosto de mim. — ela murmurou.
Então, como ela poderia esperar que Julian gostasse dela? Ela não deveria se importar. Havia
muito mais homens a querer estar neste lugar se ele não a quisesse. Todavia, ela se importava
com o que ele pensava dela, e era mais profundo do que um simples desejo de que ele gostasse
dela. Porque se Julian Palmer não conseguia ver que havia mais nela do que apenas a aparência,
como ele poderia amá-la?
— Recomponha-se, Caroline. Precisa dar um jeito.
Ambos os irmãos casados lidaram com a perda, antes de reencontrar amor e felicidade, então
ela sabia ser possível. Will havia reencontrado o amor após a morte da primeira esposa, enquanto
a irmã, Eve, conseguiu reconquistar o amor após um cruel desgosto.
O irmão dela, é claro, estava com a razão: nunca se sabe quando o amor te encontrará. Ou o
que podemos fazer quando isso acontecer.
Ela pegou a caneta e voltou à carta para Will. Amanhã seria um novo dia, e com ele vinha a
esperança de poder encontrar o caminho para o coração de Julian.
Fazê-lo ver que ela era alguém digno de receber o amor dele.
Capítulo Trinta e Sete

O café da manhã seguinte foi quase silencioso, com apenas o tilintar de talheres na porcelana a
ser ouvido.
Lady Margaret passou o tempo lendo um livro que comprou no mercado da cidade, e Julian
se manteve sentado com a xícara de café na mão, absorto em pensamentos. Ele não dormiu bem.
Toda vez que a porta da sala se abria, ele se ajeitava na cadeira, pronto para cumprimentar
Caroline com o discurso bem ensaiado de desculpas que ele passou metade da noite preparando.
Contudo, a cada vez, aparecia um lacaio ou criada, em vez da hóspede.
Por fim, Lady Margaret ergueu os olhos do livro e suspirou.
— Por que não vai encontrá-la, pois se eu tiver que ouvi-lo murmurando e suspirando por
mais tempo, jogarei este livro em sua cabeça.
Ele ergueu uma sobrancelha e disparou um olhar travesso na direção dela.
— Lembre-me de fazer sua mudança para a casa da viúva quando eu enfim me casar. O
telhado está com diversos buracos e ouvi alguém dizer que há uma grande seleção de aranhas. Irá
sentir-se em casa.
— Eu o desafio. Este lugar vai desmoronar no segundo em que eu me mudar. Vocês homens
não têm ideia quando se trata de administrar uma propriedade. Tampouco, ao que parece, de
como assegurar a mão de uma condessa idônea. — ela encontrou o olhar dele. Travessura
brilhava naqueles olhos.
Julian baixou a xícara e levantou-se da mesa. Lady Margaret, apesar de toda a provocação
leve, estava certa. Se Caroline não viesse procurá-lo, ele teria que procurá-la.
— Com licença. — ele disse.
—Já não era sem tempo. — foi a resposta.
Ele encontrou uma criada no corredor do andar de cima, saindo do quarto de Caroline. Ele
pediu que ela voltasse e perguntasse se a hóspede estava descendo para o café da manhã.
A criada pareceu um pouco surpresa.
— Peço desculpas, meu senhor, mas a Senhorita Saunders não está no quarto. Ela saiu há
cerca de uma hora. Estava com o manto, então pode ter ido dar um passeio.
Julian desceu correndo e pegou o casaco de inverno pesado. Ele vasculhou o terreno,
primeiro foi até a lagoa congelada, mas Caroline não estava lá. Em seguida, desceu à cabana à
beira do lago. Mais uma vez, sem sorte.
Ao longo da hora seguinte, ele vasculhou os terrenos do castelo. No fim, após subir de volta
desde os terrenos mais baixos e molhar as botas e calças da neve profunda da madrugada, ele
parou no topo da ladeira e tentou recuperar o fôlego.
— Onde raios está, mulher? — ele disse.
Ela não estava na casa, e nem em nenhum dos lugares habituais em que ele esperaria
encontrá-la. Era como se ela tivesse desaparecido da Terra.
Julian olhou para o cume da colina localizada aos fundos do castelo. Bem no topo havia um
grande templo de pedra. O templo abrigava a cripta da Família Palmer, todas as gerações
anteriores de Condes de Newhall estavam enterrados lá, inclusive o pai dele.
Ele subiu o morro, agarrando-se à esperança. Se ela não estivesse lá, ele precisaria reunir um
grupo de buscas.
Assim que ele chegou ao topo, foi recebido por Midas, que desceu até ele, rabo abanando de
prazer.
— Eu deveria saber que você estaria com nossa convidada esquiva. — Julian disse.
Ele se repreendeu baixinho por não ter tido a ideia de chamar pelo cachorro logo no início.
Midas gostara de Caroline desde o princípio e jamais estava longe dela. Ele seguiu Midas até a
abertura da cripta da família.
No interior da construção, ele encontrou Caroline sentada na calçada de pedra fria em frente
ao túmulo do pai dele, um buquê de flores silvestres frescas agarrado à mão. Ela o olhou quando
ele se aproximou e sorriu de leve. Midas apressou-se a sentar-se ao lado da moça.
— Bom dia.
— A manhã está quase acabando, e passei boa parte dela a buscando. Eu estava começando a
ficar preocupado. — ele respondeu.
— Ah, peço desculpas. Fui passear e acabei aqui. Quando vi o túmulo de seu pai, decidi
entrar na floresta e colher algumas flores silvestres para ele. Não havia muito a se escolher,
devido ao frio intenso, mas encontrei algumas cerejeiras de inverno. As flores cor-de-rosa são
adoráveis. Acredita que ele gostaria delas?
Julian assentiu. Ele deu alguns passos e sentou-se ao lado dela no chão de pedra. O túmulo
do pai trazia uma inscrição simples.

Arthur Julian Sloane Palmer


30 º Conde de Newhall.
Alguém que não amou com sabedoria, mas amou com intensidade.

Ele enxugou uma lágrima amarga. Quantas discussões ele e o pai tiveram acerca dessa
simples oração? No entanto, o falecido conde foi inflexível quanto ao que seria escrito em sua
lápide. A mensagem final dele para o mundo.
— Não disse que estava com nove anos quando ela foi embora? — Caroline perguntou.
Era uma jovem inteligente, sem dúvida familiarizada com a trágica história de amor de Otelo,
de onde veio esta citação.
Julian fechou os olhos e engoliu o nó que subia pela garganta. Quando os abriu de novo, viu
a mão direita de Caroline apoiada de leve na luva da mão esquerda dele.
— Sim, eu havia acabado de comemorar meu nono aniversário quando ela enfim fez as malas
e saiu de vez daqui. Imagino que ela considerou a própria partida um presente adequado para
mim.
Ela meneou a cabeça em direção ao túmulo do pai dele.
— Uma inscrição estranha para um epitáfio. Qual a opinião de Lady Margaret?
Julian fez uma breve pausa, sem saber o que dizer. O pai há muito tempo pensava em se
casar com Lady Margaret, mas foi imprudente e deixou-se cegar pela beleza da mãe de Julian.
Um casamento arranjado, e toda a mágoa que veio com ele, logo se seguiu.
A parte de “não com sabedoria” da citação era direcionada à ex-condessa, mas a “com muita
intensidade” era reservada para a mulher que acabara por curar o seu coração. A mulher que ele
deveria ter feito a condessa dele.
— Ela está em paz com a frase. Foi ela quem me convenceu a prosseguir e mandar fazer a
lápide. “Se um filho não consegue honrar os últimos desejos do pai, que tipo de filho ele é, ou
algo assim.” — ele respondeu.
— Sim, é difícil saber o que dizer em relação à vida. Entretanto, na morte, devemos confiar
em nossa família para honrar nossos desejos. — Caroline disse.
Ela colocou a mão no bolso e pegou uma das maçãs que comprou na visita ao mercado. Ela
entregou para Julian.
— Deve estar com fome após passar tanto tempo me procurando.
Ele pegou a maçã e, com uma rápida torção, quebrou-a ao meio. Ele entregou uma das
metades à Caroline.
— Então, por que estava me procurando? — ela perguntou.
— Para pedir desculpas.
Ele sentia-se péssimo com o que dissera no dia anterior, e sabia que ela se escondera no
quarto e não desceu para jantar devido às palavras dele.
Ela franziu o cenho.
— Não há razão para me pedir desculpas. Não deve ser punido por falar a verdade. Estava
certo, eu tenho um efeito nos homens, e estou bem ciente disso. Entretanto, dói ouvir essas
palavras das pessoas que gosto. Estou tentando corrigir as falhas em meu caráter, mas não é fácil
mudar hábitos arraigados.
Quando Midas choramingou e a cutucou, Caroline mordeu outro pedaço da maçã e o colocou
no chão. O cachorro o pegou e comeu a fruta suculenta com gosto.
— Eu teria comprado uma dúzia se soubesse que ele gostava tanto delas. — ela disse.
Julian sorriu para Midas, que logo terminou seu pedaço de maçã. Em seguida, espiando a
metade de Julian, Midas aconchegou-se com teatralidade contra o mestre e gemeu baixinho.
— Está jogando dos dois lados agora, não está? Não foi de grande ajuda quando eu não
conseguia encontrar essa moça, mas agora quer minha comida. — ele disse.
Midas latiu baixinho, e Julian soube que não conseguiria terminar sua metade da maçã em
paz. Ele mordeu um pedaço e o colocou na palma da mão. Uma língua quente e babada escovou
as pontas dos dedos dele, enquanto Midas pegava a maçã.
— Espero não ter invadido a privacidade de sua família ao vir para cá. É uma tradição da
família da minha mãe, sentar-se com nossos ancestrais na Montanha Strathmore. Eu passava
horas em frente ao túmulo do meu avô quando era mais jovem. — Caroline disse.
— É bem-vinda a vir e se sentar com minha família. Tenho certeza de que meu pai apreciaria
a companhia. Não passei tempo suficiente aqui com ele. Eu estava na França quando ele morreu.
— ele respondeu.
— Will mencionou ter estado com você quando recebeu a notícia em Paris. Deve ter sido
difícil, estar tão longe. — ela disse.
— Seu irmão é um bom homem. — ele respondeu.
Caroline sorriu para ele.
— Ele diz o mesmo de você.
Ela se mexeu no chão duro e de pedra e empurrou os ombros para trás. Julian levantou-se e
estendeu a mão. Ela aceitou a mão estendida, e ele a ajudou a se levantar. Foi então que ele notou
o par de patins de gelo no chão, escondido sob o manto dela.
Ela olhou para os patins.
— Pensei em patinar na lagoa hoje de manhã. É claro que, quando cheguei lá, percebi que
não conseguiria amarrá-las direito com apenas uma das mãos saudáveis. Então, comecei a
passear e acabei aqui.
Ele se abaixou e pegou os patins.
— Posso ajudar a amarrá-los nas botas e pegá-la se você cair.
Ela bufou.
— Eu nunca caio.
Julian suspirou.
— Como vou resgatá-la se você se recusa a interpretar a moça indefesa?
Uma lufada de calor correu para as bochechas dela diante dessas palavras. Ela não queria
nada mais do que ser resgatada por ele. Julian era o único homem que poderia salvá-la dela
mesma.
Capítulo Trinta e Oito

N arecebendo
lagoa congelada, Julian encontrou uma corda e amarrou Midas a uma árvore próxima,
os rosnados de protesto do cachorro. Quando Midas percebeu que Caroline não
viria desamarrá-lo, ele se sentou em uma pedra aquecida pelo sol e pôs-se a observá-los.
Julian foi rápido com os patins de Caroline. Quando as botas estavam seguras, ele ofereceu a
mão e ajudou-a a ficar de pé no gelo.
— Agora, sei que diz que nunca cai, mas só quero estar perto o suficiente para pegá-la se
você cair. Confie em mim, Caroline, eu sempre estarei lá para segurá-la. — ele disse.
Caroline não protestou.
Em geral, ela teria se gabado de sua experiência no gelo, e de que ela era uma patinadora
talentosa, mas algo a impediu. Ela não estava com pressa alguma para soltar a mão de Julian. Ela
estava gostando do suave esvoaçar em seu âmago por tocá-lo.
Ela ignorou a sensação, ainda segurando-se nele, e começou a patinar ao redor dele. Julian
virou-se no lugar, enquanto ela deslizava em um grande círculo. Uma risada suave surgiu nos
seus lábios. A liberdade do gelo, de poder mover-se nele, despertou alegria em seu coração.
— Eu poderia ir um pouco mais rápido, se preferir? — ela disse.
Ele franziu o rosto.
— Não sei se conseguirei ficar de pé se fizer isso.
Caroline desacelerou. Quando parou, ela estava mais perto do que sabia que deveria. Era uma
jogada ousada, testar a reação dela. Ele se elevava sobre ela.
Ela se ergueu na ponta dos patins e o olhou nos olhos.
— Solte-me. Prometo voltar.
Enquanto ela patinava para longe dele, Julian segurou as mãos de Caroline até que apenas as
pontas dos dedos dos dois se tocassem. Ela ouviu o suspiro suave dele, quando a conexão enfim
se partiu.
Livre do controle dele, ela patinou para o outro lado da lagoa, fez um meio giro e parou. Ela
olhou por cima do ombro para ele. Ele estava sorrindo, mas ela conseguia ver que ele não estava
confortável em tê-la tão longe dele.
Com um empurrão forte, ela correu pelo gelo. Pouco antes de alcançá-lo, Caroline avançou
para a direita e fez uma meia volta atrás de Julian.
Ele aplaudiu o movimento habilidoso.
— Muito inteligente, Senhorita Saunders. Mas não se empolgue.
Com um floreio, ela correu para o outro lado da lagoa. Desta vez, quando ela virou e voltou
para Julian, foi em velocidade ainda maior. O sorriso desapareceu do rosto dele enquanto ela
forçava o movimento. Mais uma vez, ela circulou atrás dele e saiu pelo outro lado.
Midas latiu alto da margem da lagoa, protestando contra essa estranha visão. No entanto,
Caroline ainda guardava um ou dois truques que pretendia mostrar ao mestre do cão.
No meio da lagoa, ela parou por um breve segundo para verificar a distância do centro até a
margem. Era o suficiente; ela arriscaria.
Patinando até a borda do gelo, ela contornou o lado de fora por alguns metros, antes de pular
em direção ao meio e se jogar em um giro apertado. Girou e girou, cada vez mais rápido.
Mantendo as costas retas e a cabeça erguida, ela cruzou os braços ao girar em um dos pés.
No final do giro rápido, ela jogou os braços para o lado e parou devagar.
Do outro lado da lagoa, Julian estendeu a mão.
— Magnífico! Em toda a minha vida, nunca vi ninguém tão habilidoso no gelo como você,
Caroline. — ele disse com um sorriso.
Ela olhou para ele, e todas as bravatas que a preencheram até momentos antes, de repente,
sumiram. Com a cabeça baixa, ela deslizou pelo gelo até ele.
Ela pegou a mão oferecida por ele com timidez. Ao olhar nos olhos dele, Caroline foi
surpreendida por uma sensação avassaladora de necessidade. Segurar a mão dele e nunca soltar.
— Está bem? Girou rápido demais nessa última? — ele perguntou.
— Não. Eu… Deixa para lá.
Ele deu um passo à frente, diminuindo a distância entre eles.
— Conte-me. — ele murmurou.
Ela ergueu a mão até a bochecha dele, deslizando os dedos na pele gelada dele. Julian fechou
os olhos e respirou fundo.
— Você não é como os outros homens. Bem, não do jeito que os outros são comigo. Eu sinto
que você vê quem sou de verdade, se é que faz sentido.
A mão dele deslizou em torno da cintura dela e a puxou para perto dele, em seguida, ele
parou. Ela o entendia. Ele estava esperando. Buscando a permissão dela para levar o momento
adiante.
Enquanto ele inclinava a cabeça, ela sussurrou:
— Sim.
Lábios quentes e macios tocaram os dela e recuaram. Ela sorriu. Ele provocaria cada fração
do primeiro beijo deles.
Ela se ergueu e fechou os dedos na base do lenço de pescoço dele. Um riso murmurado veio
do fundo da garganta dele, quando ela o puxou de volta para ela.
Quando os lábios dos dois se tocaram pela segunda vez, a timidez entre eles evaporou.
Tomando o rosto de Caroline entre as mãos, Julian colocou beijos cada vez mais profundos em
seus lábios. Ela gemeu de prazer. Esse era o beijo terno e amoroso que ela tanto desejava de um
homem. Um beijo que buscava descobrir todos os segredos de seu coração.
Ela se exaltou quando ele enfim jogou toda a cautela ao vento e tomou sua boca por
completo. A língua dele passou por seus lábios e entrou, e ela sentiu o gosto da maçã que haviam
compartilhado.
As línguas dançavam juntas com tanta graça quanto ela havia dançado no gelo. Um fluxo
contínuo e natural se instaurou entre eles. O dar e receber de amantes destinados.
Quando enfim, e com relutância, romperam o beijo, ela olhou para cima e viu o brilho de
paixão naqueles olhos. Ele estava tão investido no momento quanto ela. O beijo selou a
promessa de que seus corações fossem entregues um ao outro.
— Tão bonita, ó, Caroline. — ele sussurrou.
Enquanto Julian falava as palavras, Caroline congelou. A imagem de Harry Menzies,
enquanto ele falava essas mesmas palavras para ela, apareceu diante dos olhos dele. De como ele
a segurou com crueldade e tentou reivindicá-la como prêmio. Daqueles lábios duros e frios em
sua pele.
Julian estendeu a mão para segurá-la mais uma vez, mas ela deslizou de volta para o gelo,
para fora de alcance. Ele estava na beira da lagoa, preocupação gravada nas linhas da testa dele.
— Passei dos limites? Perdoe-me se eu li o momento errado. — ele disse.
Ela viu o olhar dolorido de confusão no rosto dele. Como ela poderia explicar a própria
reação às palavras dele? Que, pela primeira vez na vida, ela odiou ouvir que era bonita.

Eles voltaram para o castelo, sem dizer uma palavra. Julian observava Caroline pelo canto do
olho. Ela parecia perdida em pensamentos. Ele rezou para que ela não se arrependesse do beijo.
Ele tentou se consolar lembrando que ela dissera sim, mas isso pouco fez para acalmar a mente
preocupada.
Ele não a procurou com a intenção de beijá-la. Ele queria apenas oferecer um pedido de
desculpas pelo comportamento mostrado na noite anterior. Entretanto, quando ela se aproximou
dele e olhou em seus olhos, o coração dele assumiu o controle do momento.
Caminhando ao lado dela, ele ainda não conseguia acreditar que acabara de beijar Caroline
Saunders. Esta era a mulher que, há poucos dias, seria a última mulher na terra que ele gostaria
de beijar. A mulher que ele havia feito questão de não convidar para o Castelo Newhall.
Midas corria à frente deles, o rabo abanando. Era óbvio que ele acreditava ter cumprido sua
missão e juntou os dois. Entretanto, um beijo não selava acordos. Ela baixou a guarda apenas o
bastante para dar esperanças a ele, mas Julian sentiu que ainda estava muito longe da linha de
chegada.
A reação ao ouvir ser bonita o pegou de surpresa. Era como se as palavras tivessem causado
dor. Assim que ele falou, um vento frio soprou pela lagoa. E pela segunda vez em questão de
dias, Caroline virou gelo diante dos olhos dele.
Ele se amaldiçoou pela jogada ousada. Ele se ofereceu para protegê-la, permitindo que ela
ficasse no Castelo Newhall. Todavia, ele agora se perguntava se, em vez de protetor, ele se
tornara um caçador. Se assim fosse, então ele não era melhor do que Harry Menzies ou Timothy
Walters.
Seu tolo. Foi longe demais. Agora terá que se esforçar para reconquistar a confiança dela.
Perdido em pensamentos, ele tropeçou em um galho caído, só conseguindo se salvar de cair
de cara dando vários passos grandes e desagradáveis, avançando em meia corrida. Caroline, de
cabeça baixa, não olhou para cima. Até Midas continuou correndo em direção à porta da frente
do castelo.
Quando Julian recuperou a passada normal, ele amaldiçoou o céu. Os deuses, ao que parece,
haviam mostrado o desfavor a ele.
Cada passo que desse a partir de agora precisaria ser bem pensado e calculado.
O beijo que ele e Caroline compartilharam foi suficiente para enfim gravar a decisão do
coração dele. Ele estava apaixonado por ela, e agora desejava o maior prêmio de todos.
Contudo, ele tiraria todas as lições daqueles que tentaram e fracassaram antes dele, e as
usaria a seu favor. Porque não importava o que acontecesse, ele não se tornaria mais um soldado
caído na batalha pelo coração de Caroline.
Ele conseguiria conquistar o amor da Rainha de Gelo.
Capítulo Trinta e Nove

J ulian pediu licença assim que chegaram à entrada do castelo, e quando ele se afastou, Caroline
deu um leve suspiro.
O primeiro beijo de verdade foi tudo o que ela esperava. Ela colocou a ponta do dedo nos
lábios. Lembranças do cheiro da colônia dele inundaram a mente dela. A mistura dominadora de
sândalo, jasmim e cedro foi inebriante.
Midas bateu forte contra a perna dela, exigindo atenção. Ela se abaixou e fez um cafuné atrás
das orelhas. O cachorro enterrou a cabeça no colo dela. Ela sentia a preocupação dele.
— Está tudo bem, rapaz, seu mestre e eu ainda estamos tentando encontrar um equilíbrio.
Essas coisas levam tempo para nós humanos. — ela disse.
Ela estava irritada consigo mesma, irritada por ter reagido daquele jeito quando Julian disse
que ela era bonita.
A noção de amor já criara raízes no coração dela. Emoções que eram, ao mesmo tempo,
estranhas e surpreendentes há apenas um ou dois dias tornaram-se bem resolvidas e familiares
em sua alma. Agora, ela entendia e acolhia a sensação estranha que experimentava toda vez que
via Julian.
Will, como de costume, estava com a razão. O amor não era nada que se buscasse. O amor
era um hóspede incomum que deslizava em silêncio e esperava com paciência até que o notemos.
E quando essa presença é percebida, então a vida muda para sempre.
Ela colocou a mão no coração, sentindo-o bater forte no peito. O destino a chamava agora.
Era hora de decidir se ela era forte o suficiente para estender a mão e reivindicá-lo.
— Preciso tentar.

Julian passou a ceia em silêncio, ponderando as inúmeras permutas de ações que poderia
empreender para conquistar o coração de Caroline.
— Estava dizendo que sua irmã está viajando para Paris com o marido. É sábio fazê-lo? —
Lady Margaret perguntou.
Julian sabia que ela jogava uma isca para ele pegar, mas ele não estava com vontade de
explicar a Lady Margaret que Paris era mais do que segura para os turistas ingleses. Aos poucos,
a França estava voltando a ser uma nação amiga para os vizinhos europeus.
— Sim. Vários membros de nossa família visitaram a França desde o fim das hostilidades.
Na verdade, soube ser o destino favorito de membros da Sociedade para viagens. — Caroline
respondeu.
— Seu pai é francês, não é? — Lady Margaret perguntou.
Caroline assentiu.
— Sim, mas não sei se ele planeja voltar à França um dia. Minha avó fugiu para a Inglaterra
após a morte do meu avô, durante a Revolta na Vendeia. Papai ainda se sente em conflito com
tudo. — Caroline respondeu.
Julian repreendeu-se em silêncio. Ele estava sendo taciturno e rude ao se concentrar nas
próprias preocupações.
— Seu irmão Will visitou a cidade natal da família comigo quando estávamos na França. Ele
ficou muito emocionado ao pararmos do lado de fora da casa onde seu pai nasceu. — ele disse.
Caroline encontrou o olhar dele e abriu um leve sorriso.
— Gostaria de visitar Fontenay-le-Comte um dia. Sei que grande parte da cidade foi
queimada durante a revolta contra Robespierre e seu reinado de insanidade, mas seria bom andar
pelas ruas onde meus antepassados franceses pisaram.
Lady Margaret tomou o restante de seu vinho e baixou a taça. Quando ela se levantou da
mesa, Julian se levantou também.
— Talvez, quando se casar, possa pedir ao seu marido para levá-la à França. Qualquer
homem que consiga conquistar seu coração saberia que alegria isso lhe traria. — ela olhou bem
para Julian enquanto falava as palavras, não deixando dúvidas de qual era a própria opinião
acerca de Caroline. — Desejo uma boa-noite a ambos. Tenho várias cartas para escrever.
— Boa noite. — disse Caroline.
Com Lady Margaret agora ausente, um silêncio constrangedor reinou na sala. Enquanto
Caroline terminava uma porção saudável de maçã assada, Julian estudou o copo de conhaque.
Após o passo em falso dessa manhã na lagoa congelada, ele ficou sem saber o que dizer, mas
se esforçou, em vez de arriscar que ela seguisse Lady Margaret sala afora.
— Eu estava planejando dar uma caminhada até a casa à beira do lago em breve. Não tenho
certeza se deseja minha companhia, mas é bem-vinda para se juntar a mim.
Para a surpresa dele, Caroline se ergueu da cadeira no mesmo instante.
— Pegarei meu manto e luvas. Não me demoro.
Alguns minutos mais tarde, eles deixaram o castelo e seguiram em direção ao lago. A lua
cheia iluminava o jardim e, na superfície congelada do lago, um facho de luz prateada.
Tirando a chave do bolso do casaco, Julian a colocou na fechadura da porta da cabana. De pé,
ele acenou para Caroline entrar.
A cabana era quente, e o brilho da lareira banhava o ambiente com uma luz dourada. Ele logo
adicionou mais lenha ao fogo, esperando passar uma noite solitária na casa se Caroline lhe
dissesse que não o queria. Ele estava trilhando novos caminhos, inseguro de si. Se ela dissesse
não, ele precisaria repensar tudo.
— Vinho? — ele perguntou.
— Sim, por favor. Devo dizer, você tem uma coleção de vinhos maravilhosa aqui. Francis
ficou impressionado quando conheceu as caves do castelo. James declarou a intenção de dormir
lá, se tivesse a chance. — ela respondeu.
— Seu irmão não ameaçou invadir minha adega?
Ela corou um pouco.
— Eu também sou parcial a uma taça de um bom vinho, então eu estaria bem atrás dele.
Enquanto Julian servia uma primeira taça aos dois, Caroline se sentou no sofá de couro
confortável. Ela apontou para a mesa baixa próxima e, aproveitando a deixa, Julian colocou as
duas taças ali. Com o coração acelerado, ele sentou-se no sofá ao lado dela.
Caroline sentava-se com os ombros para trás e a coluna reta.
— Eu estava com quinze anos na primeira vez que um homem veio à nossa casa e pediu ao
meu pai permissão para se casar comigo. Papai, claro, o expulsou e disse que nunca mais
voltasse. Ao longo dos anos, houve uma série de outros senhores, sem licitação, à porta do
escritório dele com a intenção de pedir a minha mão. Sou grata por meu pai ter afastado cada um
deles.
Um lampejo de ciúme acalorado o atravessou. Ele odiava cada um desses homens e a audácia
de pensar que poderiam ter Caroline.
— Então, está dizendo que nenhum jamais pediu sua permissão, antes de falarem com seu
pai?
Caroline franziu a testa.
— Sim, por mais ridículo que pareça. Embora tendo visto como Harry Menzies e Timothy
Walters se comportaram, não deve ser difícil entender que outros podem ter feito o mesmo.
— Os homens, pelo que entendo, a veem como algo precioso e belo que querem possuir.
Timothy Walters teria caído aos seus pés se tivesse pedido a ele para fazer isso naquele dia no
mercado. Jamais vi tanto arrebatamento no rosto de uma pessoa fora de um santuário religioso.
Harry Menzies, é claro, tentou uma abordagem diferente, tentando contornar seu pai ao anunciar
no jornal. — ele respondeu.
Ele esperou que ela continuasse, sentindo que ela havia pensado muito no que estava prestes
a dizer.
— Lamento ter entrado em pânico quando me disse que eu era linda. Eu estava gostando
muito do encontro até aquele momento.
Os dedos dele e os dela se tocaram no assento do sofá, porém, nenhum dos dois fez qualquer
movimento para dar as mãos.
— Sinto imenso alívio em saber que não se arrepende do nosso beijo. Embora eu ainda esteja
um pouco perplexo em relação à sua reação quando eu disse que eu a considerava bonita. — ele
respondeu.
Ela virou o olhar para ele, e ele encontrou seu olhar.
— É estranho pensar que a beleza pode ser uma maldição. Minha aparência é apenas uma
parte de mim. Contudo, quero que as pessoas vejam o restante de mim, quero ser valorizada por
isso também.
Com os dedos agora entrelaçados, Julian levantou as mãos dos dois e plantou um beijo
carinhoso na ponta dos dedos de Caroline.
— Foi por isso que congelou quando eu lhe disse que era linda? Cheguei a essa conclusão
por conta própria. Eu a chamei de linda porque, para mim, não é apenas uma palavra, faz parte
de como me sinto por você. — Julian puxou o ar, trêmulo. Ele sentia-se como se estivesse à beira
de um penhasco alto, e a única descida era dar um salto de fé.
— Eu te amo.
Ele soltou a mão dela e a deixou apoiada no joelho dele. Quando ela não o afastou, ele
entendeu como um acordo tácito para fazer o próximo movimento.
Envolvendo o rosto dela entre as mãos, ele tocou os lábios nos dela. Alívio inundou a mente
dele quando, em vez de se afastar, Caroline o beijou de volta. Aprofundou o abraço. Ela entregou
os lábios e a boca a ele, convidando-o a ficar e brincar.
Colocando a mão por dentro da jaqueta dele, ela o puxou para mais perto. O medo de que ela
nunca mais desejasse abraçá-lo desapareceu, foi substituído pelo conhecimento de que Caroline
o queria.
Quando ele enfim se afastou do beijo, viu a nuvem de paixão nos olhos dela. Algum dia, ele
a observaria chegar ao ápice. Esse dia não poderia chegar tão cedo.
— Toque-me. — ela sussurrou.
Ele hesitou.
Caroline era, até onde ele sabia, sexualmente inexperiente. A realidade de um homem
tocando uma mulher, e o que ela estava de fato pedindo, poderiam estar a quilômetros de
distância. Ele faria tudo bem devagar desse momento em diante. Muito devagar.
Ele afastou os cabelos dela para um lado e deixou um rastro de beijos suaves como
borboletas na lateral do pescoço dela. Caroline tirou a mão da cintura dele e começou a soltar os
laços na frente do vestido.
Julian segurou a mão dela com leveza.
— Creio que ainda não estamos preparados para isso.
Ela olhou fundo nos olhos dele.
— Não me quer?
Usando cada grama de autocontrole, Julian recuou e a soltou. Era preciso traçar uma linha
aqui e agora para que ele alcançasse o objetivo final.
— Se eu soltar a parte de cima do seu vestido e colocar minhas mãos e lábios em seus seios,
não teremos escolha a não ser ficar na frente do bispo de Londres e trocar nossos votos. É mais
uma questão de você querer dizer sim quando chegar a hora, do que de eu querer parar.
— Mas você me quer, não quer? — ela perguntou. Havia uma incerteza nas palavras que
revelava um lado dela que ele ainda não conhecia.
— Sim, eu a quero. Entretanto, quero que tenhamos certeza do nosso futuro antes de eu ter a
inevitável conversa com seu pai. Quero ser o homem a quem seu pai dirá “sim” quando eu o
visitar. Ainda haverá resquícios dos rumores do que Harry Menzies fez. Precisamos acabar de
vez com eles, antes de nos casarmos. Temos uma vida pela frente, então devemos a nós darmos
tempo ao tempo. E, claro, há a questão do meu orgulho.
— Seu orgulho?
Ele assentiu.
— Pretendo desfrutar da profunda satisfação de mostrar a todos os outros exatamente onde
erraram ao perseguirem a Senhorita Caroline Saunders. Logo, vou cortejá-la em público para que
todos possam ver.
O olhar de surpresa no rosto de Caroline teria sido divertido se Julian não tivesse derramado
toda a sinceridade de seu ser ao explicar seus motivos. O romance dos dois foi, até agora,
conduzido em privado. Ainda era secreto para todos, exceto para Lady Margaret, a quem ele
suspeitava ter juntado dois e dois para se ter um casamento.
Ela sentou-se em silêncio por alguns instantes. Julian a observou. Ele lançou os dados e
agora prendia a respiração, esperando que os dados parassem.
— Devo confessar, gosto muito da ideia de me cortejar na frente das matronas da Sociedade.
— ela respondeu. Caroline se levantou do sofá, ignorando a mão estendida dele, e caminhou até
a janela. Ela se inclinou e tocou o rosto no vidro. Em seguida, se virou e olhou para ele. — Quer
saber se eu te amo. Porque a última coisa que gostaria seria repetir a história do casamento de
seus pais.
Ele foi até ela, puxando-a para os braços. Ele se abaixou e deu um beijo carinhoso nos lábios.
— Tudo o que peço é que seja honesta comigo. Se não me ama, ou se acredita que não pode
me amar, então me diga agora, e eu me retirarei de sua vida.
Ela olhou fundo nos olhos dele e falou as palavras que ele jamais imaginou que poderia
ouvir.
— Eu te amo, Julian. Quero que passemos o resto de nossas vidas juntos.
Capítulo Quarenta

O olhar de pura alegria no rosto de Julian trouxe lágrimas aos olhos de Caroline. O beijo que
ele deu em resposta à declaração de amor fez o coração dela disparar.
— Bom. Porque eu te amo também, e após um cortejo formal, farei de você a minha
condessa. — ele respondeu.
Ela colocou a mão no coração dele. Eles se declararam. Um futuro combinado estava diante
deles. Ela ousaria dar o primeiro passo para reivindicá-lo?
— Quero que esta cabana se torne nosso lugar especial, um lugar privado onde possamos
buscar refúgio do mundo. Faça-me sua mulher aqui esta noite. — ela disse.
Ele ergueu uma sobrancelha.
— Contanto que esteja certa de que seu pai dirá sim quando eu for vê-lo.
Os dedos de Caroline traçaram as bordas do lenço de pescoço de Julian. Ela puxou de leve o
primeiro dos nós. Então, com movimentos lentos e precisos, ela desenrolou o comprimento do
linho. Julian suspirou enquanto ela puxava o lenço do pescoço e o deixava em uma cadeira
próxima.
— Sua vez. — ela sussurrou.
Ele retirou a jaqueta e trabalhou nas fitas da frente do vestido dela. Quando estavam soltas o
bastante, ele separou as abas da frente e as empurrou para baixo.
Caroline deslizou o vestido pelos quadris e o deixou cair no chão. Apenas a fina camisola
separava a pele da visão dele e do ar frio da noite.
— A camisa? — ela perguntou.
Ela puxou a camisa dele pelos lados e a soltou das calças. Julian fez o breve esforço de tirá-la
pela cabeça e jogá-la para o lado.
Ele estremeceu pelo ar frio e riu.
— Podemos nos apressar? Não quero congelar, antes de chegarmos à parte importante.
A brincadeira ajudou Caroline a acalmar o nervosismo. Ela foi à cabana com a intenção total
de seduzir Julian, mas só agora percebia ter pouca ideia de como fazê-lo.
— Agora, as botas, eu sugeriria, senão não vamos conseguir lidar com suas calças. — ela
respondeu.
Com roupas externas e botas fora do caminho, as únicas roupas restantes eram a camisola de
Caroline e as calças de Julian. Ele a puxou para si e a beijou mais uma vez.
Ela aproveitou para levar a mão direita aos botões da carcela das calças dele, e com dedos
ágeis logo os abriu. Com a respiração trêmula, ela teve a coragem de colocar a mão. Julian
fechou os olhos, e ela ouviu o gemido apreciativo dele enquanto ela se apoderava da
masculinidade dele. A irmã dela, Eve, deu explicações breves em relação ao que uma mulher
deveria fazer nessa situação, e Caroline se esforçou em tentar lembrar cada passo daquelas
instruções.
Julian envolveu um seio de Caroline com a mão e rolou o polegar para frente e para trás pelo
mamilo dela. O bico endureceu sob o toque habilidoso. Ele baixou a cabeça e traçou beijos lentos
e suaves ao longo do pescoço e no topo do ombro dela.
— Cheira tão bem. — ele murmurou.
Ela continuou a acariciá-lo, sentindo-o ficar maior e mais duro na mão.
Mãos fortes agarraram as laterais da camisola e a puxaram para cima. Caroline libertou Julian
de suas atenções por um instante, enquanto ele puxava a camisola pela cabeça dela.
Ela estava totalmente nua diante dele. Ele a beijou.
— A partir de agora, você e eu pertencemos um ao outro. — ele disse.
Com essas palavras, ele baixou a cabeça e tomou o mamilo dela com a boca. Ele mamou
forte, e Caroline sentiu calor no ventre. Um desejo que ela jamais conheceu, explodiu.
Ele a guiou até a cama e a deitou. Puxando-a para a beirada, ele se ajoelhou diante dela no
chão e arrumou as pernas dela nos próprios ombros.
Ela ofegou quando a língua dele tocou os pelos macios em sua entrada. Usando o polegar e o
indicador, ele a abriu e começou a lamber e chupar o clitóris. Caroline soluçava de necessidade.
Quando a língua dele penetrou em seu calor molhado, ela gritou:
— Ai, meu Deus, Julian!
Com repetidos toques da língua em seu botão sensível, e com o polegar pressionado fundo
nela, Caroline cavalgou até as alturas do prazer. De um lado para o outro, ele a provocava,
exigindo submissão à investida sexual.
Ela havia se tocado vezes o bastante para saber que o ápice estava chegando. Ela começou a
afastá-lo freneticamente, determinada a gozar, mas com ele dentro dela.
Ele leu os sinais. Ficando de pé, ele tirou as calças e liberou a ereção. Ela lambeu os lábios,
forçando todos os medos para longe.
Ela recuou mais na cama enquanto Julian subia. Ele pairou acima dela, e seus olhares se
encontraram. A hora da verdade enfim havia chegado.
— Pode doer um pouco na primeira vez. — ele disse.
Ela assentiu. O relato da primeira noite de Eve com Freddie deixou a mente de Caroline
tranquila quanto a perder a virgindade. Na opinião da irmã, as histórias de jovens mulheres sendo
defloradas, ouvidas nas salas de descanso em festas eram demasiado dramáticas.
— Venha. Faça-me sua. — ela suplicou.
Ele guiou a ereção até as dobras molhadas da entrada dela e pressionou-se para dentro com
lentidão. Caroline arqueou as costas e fechou os olhos. Quando ela os abriu, olhou para ele e viu
a alegria do amor naqueles olhos.
— Agora você é minha. — ele sussurrou.
Com longos golpes, ele começou a bombear. Caroline gemia enquanto seu corpo sucumbia
ao êxtase do amor deles. Ela puxou as pernas para cima e o tomou mais fundo.
— Sim, mais forte, por favor, Julian. — ela implorou.
Ele a levou cada vez mais alto. A masculinidade dele batia forte no botão sensível,
provocando ondas de prazer sexual por todo o corpo dela.
Quando ela se aproximou do ápice, ele tomou o mamilo dela com a boca e mordeu.
Fragmentos de prazer quente dispararam por Caroline, e ela sucumbiu a um orgasmo ofuscante.
Julian não esperou que ela voltasse à terra. Ele elevou a intensidade dos golpes a um frenesi
de impulsos profundos e fortes.
— Eu a quis desde a primeira vez que a vi. — ele disse.
Assim que ele disse as palavras, ele ficou imóvel, antes de se empurrar uma última vez. Ele
estremeceu de satisfação, antes de cair nos braços dela.
Julian se afastou dela e puxou o cobertor, envolvendo-o depressa em torno deles. Ele beijou-a
com ternura nos lábios, dizendo:
— Vamos usar o calor do nosso amor para nos manter aquecidos.
Pouco tempo depois, ele saiu da cama e empilhou mais lenha na lareira. Ele entregou uma
taça de vinho à Caroline, e eles se sentaram sob os cobertores e observaram as chamas.
Ele a beijou na testa e a envolveu com os braços.
— Você se saiu bem em sua primeira vez, meu amor. Aprende rápido. O que significa que é
melhor eu me apressar e marcar essa reunião com seu pai. Quanto mais cedo eu puder cortejá-la
em público, mais cedo poderemos continuar sua educação sexual em privado.
Às primeiras horas do dia, pouco antes do amanhecer, Julian tomou Caroline pela segunda
vez. Com ela diante dele na cama, ele se ajoelhou atrás dela e guiou a ereção em seu núcleo
aquecido com um movimento gentil. Com as mãos em sua cintura e o polegar acariciando o
botão delicado, ela gozou em um choramingo suave e soluçado. Ele logo a seguiu até a
conclusão.
Capítulo Quarenta e Um

J ulian acordou mais tarde naquela manhã e passou a mão no lençol em busca de Caroline. Os
dedos dele tocaram o vazio. Com um pulo assustado, ele sentou-se na cama. Caroline não
estava em lugar nenhum que pudesse ser vista. Limpando a condensação matinal da janela, ele
olhou para fora.
Ele logo se vestiu e enfiou os pés sem meias nas botas. Abrindo a porta da cabana, ele saiu
para o ar frio da manhã. Julian ainda estava fechando o último dos botões do casaco quando
parou ao lado dela.
Ela estava parada não muito longe da cabana, olhando para o gramado coberto de gelo, e
além, para o lago. Ela virou-se para ele e sorriu.
Julian a puxou para um abraço e a beijou com carinho nos lábios.
— Vejo que precisaremos estabelecer algumas regras quanto a você sair da cama se seu
mestre ainda estiver nela.
Ela devolveu o beijo dele.
— Bom dia, meu senhor, e mestre. Estava roncando como o cachorro de James, então achei
melhor deixá-lo como estava.
Ele bufou. Ele não roncava. Será?
Quando Caroline se virou para olhar para o lago, ele a abraçou. Eles ficaram em silêncio
observando as aves aquáticas deslizando acima da água congelada.
— Espere até a primavera. O lago estará cheio de toda uma avifauna que retorna do calor dos
climas do sul. Teremos que trazer seus pais aqui, para eu poder levar seu pai para pescar carpa
espelhada. — ele disse.
— Por falar nos meus pais, ainda estamos de acordo quanto aos arranjos para Londres? Quer
dizer, vai pedir permissão para me cortejar, antes que um anúncio oficial de noivado seja feito?
— ela respondeu.
Após os acontecimentos da noite anterior, seguir com um namoro formal parecia um pouco
de tolice, mas Julian queria mostrar ao resto da sociedade londrina que ele e Caroline tiveram um
comportamento acima de qualquer reprovação. O casamento deles não seria manchado como a
união dos pais dele foi.
— Sim.
Eles voltaram à cabana para buscar seus pertences. Julian enfiou as meias no bolso. Ele se
trocaria assim que eles voltassem para o castelo. Fechando a porta atrás deles, ele e Caroline
caminharam de mãos dadas pela subida.
Ao chegarem ao topo, uma carruagem apareceu no topo da entrada de veículos.
— Eu te amo. — ela disse, tirando a mão da dele.
A carruagem desacelerou e parou perto da entrada frontal do castelo. A porta da carruagem
abriu-se e James saltou. Ao avistá-los, deu um aceno amigável.
— Manhã fantástica, não é? Espero não ser muito tarde para o café da manhã. — ele disse.
— Bem-vindo de volta, Radley. Estávamos indo agora mesmo tomar o café da manhã. —
Julian respondeu. Ele fingiu não ver o sorriso traquinas que apareceu no rosto de James quando
Caroline passou por ele. Julian resistiu ao impulso de passar os dedos pelos cabelos bagunçados
dela. Ela parecia ter acabado de cair da cama. Da cama dele.

Já na sala de café da manhã, James pegou um prato e o cobriu com comida. Julian seguiu o
exemplo.
A noite de amor com Julian deixou Caroline faminta. Ela abandonou toda a pretensão de
parecer uma lady ao comer e encheu o próprio prato com porções fartas de batatas assadas,
bacon e salmão assado.
— Diga-me, então, o que poderia ser tão urgente a ponto de você sair de Burton ao
amanhecer? — ela disse.
James terminou uma garfada de comida e baixou a faca e o garfo.
— Enquanto eu estava nas selvas de Devonshire, tive uma epifania. Assim que voltamos para
a cidade, pedi aos rapazes para arranjarem uma carruagem e me trazer de volta para cá esta
manhã. Arrume suas coisas, Caro. Partimos hoje para Londres.
Caroline manteve as emoções sob controle, não ousando olhar para Julian. A viagem de volta
para Londres, embora inevitável, não era esperada por ela antes de pelo menos mais alguns dias.
Ela xingou James em pensamento, por sua súbita decisão impetuosa. Ansiava por estar de volta à
cabana com Julian, deitada nua e nos braços dele.
— Tem certeza de que precisam sair com tanta pressa? — Julian o indagou.
— Sim, fez um excelente trabalho em ajudar Caroline com essa situação tão infeliz, mas não
devemos mais nos impor a vocês. Além disso, preciso ir para casa e falar com meu pai. — James
disse.
Caroline conhecia muito bem esse tom de James. Quando tomava uma decisão, não havia
muito sentido em discutir com ele. James decerto teria um caso bem apresentado para a urgência
da partida. Nada que ela, nem Julian, pudessem dizer faria alguma diferença.
— Eu me reunirei com o Mestre dos Estábulos e seu cocheiro após o café da manhã. Eles vão
querer ter tempo de se preparar para a partida. — Julian disse.
Assim que terminou de comer, Julian se desculpou.
Assim que ele se foi, Caroline partiu para cima de James.
— Isso foi mais do que um pouco grosseiro da sua parte. Julian não foi nada além do mais
gracioso dos anfitriões, e você simplesmente chega à porta dele esta manhã, diz que está farto e
que estamos indo embora. Poderia pelo menos ter me consultado, antes de fazer seu grande
anúncio. — ela disse.
James olhou para ela e bufou.
— Tendo visto o que vi pela janela da carruagem, diria que abusamos das boas-vindas. Ou
seja, a menos que você e Newhall planejassem fazer um anúncio esta manhã. — ele respondeu.
Ele a pegou no ato. Ela olhou para ele.
— Foi o que pensei. Não tente me dizer que você e Newhall tiveram uma vontade repentina
de dar um passeio à beira do lago nas primeiras horas da manhã. Pelo estado das suas roupas, eu
diria que acabou de cair da cama e não teve a ajuda da sua criada. Não serei tão grosseiro a ponto
de perguntar de quem era a cama. — ele acrescentou.
Caroline sabia quando era superada. Se ela pressionasse James, ele, como homem da família,
teria o direito de pressionar Julian a dar uma explicação dos eventos da noite anterior. Julian,
sendo um homem honrado, faria uma proposta imediata de casamento a Caroline.
Eles deviam, ao futuro que combinaram, empreender um cortejo adequado. Para toda a
sociedade londrina ver que a união do Conde de Newhall e da Senhorita Caroline Saunders era
de fato uma união de amor.
Ela se consolou com o fato de que, ao voltar para casa hoje, ela poderia saber o que havia
acontecido com a situação de Harry, antes de Julian fazer a primeira visita ao pai dela.
— Tudo bem, partimos hoje, mas se disser uma única palavra sobre ter visto Julian e eu
juntos esta manhã, direi a seu pai que você abandonou seu dever para comigo para ir ao deserto
pintar com seus amigos. — ela respondeu.
James levantou-se da cadeira e foi até Caroline. Ele se abaixou e passou a mão de leve na
bochecha dela. O semblante dele era tranquilo e solene.
— Eu não fazia ideia de que Timothy Walters havia feito um pedido de casamento. Smith
mencionou porque Walters não parava de falar de vir até aqui para vê-la. Agora entendo por que
se comportou com tanta rispidez com ele quando se encontraram no mercado. — ele disse.
Caroline deu de ombros.
— Eu não quis contar porque, assim como Francis com Harry, Timothy Walters é seu amigo.
Eu disse ao Senhor Walters que eu não o favorecia, mas ele ignorou minhas palavras e desejos e
falou com meu pai.
— Sim, bem, deixei bem claro que ele deveria ficar longe do Castelo Newhall enquanto você
fosse uma hóspede aqui. Embora, ao que parece, essa possa se tornar uma proibição permanente.
Você e Newhall chegaram a um entendimento?
— Não e sim. Não, não estamos noivos, mas sim, veremos onde um período de namoro nos
leva. Julian falará com Papai assim que puder tomar providências para vir a Londres. Depois
disso, veremos.
James retomou seu lugar.
— Bom. Embora eu odeie ficar no caminho de um amor verdadeiro, Caro, preciso correr para
Londres. O tempo longe me deu alguma perspectiva acerca do meu futuro, e preciso falar com
meu pai com urgência. Se puder arrumar suas coisas agora, farei questão de me despedir
corretamente de Newhall com uma taça ou duas de seu melhor vinho francês.
Caroline admitiu a derrota e seguiu para o quarto. Ao subir a longa escadaria, ela se
perguntou quanto tempo passaria, antes de ela voltar a caminhar do lado de dentro das muralhas
do Castelo Newhall, quando enfim seria sua Senhora.
Capítulo Quarenta e Dois

A carruagem do Duque de Strathmore estava pronta e esperando em pouco mais de três horas.
Julian e Lady Margaret colocaram-se à entrada do castelo e observaram o último dos
baús de viagem ser erguido e carregado no teto do veículo. O assistente ferido do condutor
estava se recuperando bem, apto o suficiente para voltar para casa.
James apareceu, vindo do saguão do castelo. Ele estava bem-preparado para a viagem com
um pesado sobretudo de lã, luvas grossas de couro e um longo cachecol enrolado várias vezes
em seu pescoço.
— Sabe para onde Caroline pode ter ido? Ela desapareceu pouco após o café da manhã, e eu
não a vi desde então.
Julian apontou para o final da via de entrada principal. Caroline corria com Midas em seus
calcanhares e latia alto.
James parou ao lado de Julian e os observou por uns segundos ou mais.
— Esse seu cachorro gostou bastante de Caroline. Esperemos que a amizade possa continuar.
Julian se animou com essas palavras. James Radley era um sujeito decente, e se ele apoiava a
relação entre ele e Caroline, era encorajador.
— É melhor eu ir buscá-la, já estaremos no meio da tarde quando começarmos. Não sei se
alguém já falou disso, mas minha querida prima não é a mais pontual das pessoas. O pobre
coitado que se casar com ela terá muita espera.
Julian colocou dois dedos nos lábios e assobiou. Midas parou no ato, e Caroline ergueu o
olhar e acenou.
Ela chamou o cachorro para perto, e eles caminharam para se juntar aos outros.
— Já é hora de partir? — ela perguntou. Curvando-se, ela deu um último abraço em Midas e
um cafuné atrás da orelha. — Voltarei a vê-lo em breve. Agora, seja um bom menino para seu
mestre.
Ela foi até Lady Margaret, elas se abraçaram. Quando se separaram, Julian viu lágrimas nos
olhos de Caroline.
Lady Margaret tirou um lenço de um bolso entre as saias e enxugou as próprias lágrimas.
— Muito obrigada por vir ao Castelo Newhall. Não importa que tenha virado uma pequena
reunião, estou declarando essa festa campestre um sucesso retumbante. Você e sua família são
bem-vindos a retornar quando quiserem.
— Ora, ora. Os primos Radley e Saunders pegaram uma situação infeliz e a transformaram
em uma semana divertida para todos nós. Obrigado, Caroline. Eu não poderia ter sobrevivido à
esta semana sem você. — Julian disse.
Tímida, ela desviou o olhar dele. Julian, no entanto, lutou contra todos os impulsos para
estender a mão e puxá-la para os braços. Ele ansiava por beijá-la uma última vez, antes de ela
partir. Londres seria o caminho para o futuro que procuravam, mas pensar em Caroline subindo
na carruagem e deixando o Castelo Newhall era de doer o coração.
Ela levantou a cabeça e encontrou o olhar dele. Ele viu amor brilhando de volta para ele e,
por um instante, Julian pensou que seu coração havia parado.
— Foi uma festa campestre de que nunca me esquecerei. Espero que não seja a última vez
que andarei pelos gramados cobertos de neve do Castelo Newhall, nem a última vez que
patinarei na lagoa congelada. — ela disse.
Eles fizeram um acordo privado, e as razões para mantê-lo eram sólidas. No entanto, quando
Caroline estendeu a mão para se despedir dele, ele não queria nada mais do que ajoelhar e pedi-la
em casamento. Qualquer coisa para impedi-la de sair.
Em vez disso, ele reuniu cada grama de autocontrole nele e apertou a mão dela com
educação.
— Prometa-me que vai procurar o médico da sua família para verificar essa ferida todos os
dias quando estiver em casa. Os pontos parecem estar cicatrizando bem.
Não que a mão ferida fizesse um pingo de diferença para o quão magnífica era a beleza dela,
nem para o tamanho colossal da beleza interior dela. A verdadeira Caroline era um delicado
botão em flor.
Ele trocara o curativo dela pela última vez naquela manhã, após o café, vigiado por um James
interessado. Se o primo decidiu, de repente, que era melhor levar seu papel de acompanhante
mais a sério, era tarde demais.
— Agora, vamos, Caro, vamos nos despedir. Obrigado, Lady Margaret. E obrigado, Newhall.
Foi uma viagem interessante. Esperemos uma viagem tranquila e tediosa para casa. Eu, por
exemplo, adoraria um cochilo. — James disse.
Com as despedidas terminadas, Julian recuou e deixou James ajudar Caroline a subir na
carruagem. Midas tentou segui-la, e um Julian envergonhado foi, enfim, forçado a puxar o
cachorro em prantos.
A porta da carruagem fechou-se. Uma centelha de alegria boba se acendeu no coração dele,
quando o rosto de Caroline apareceu na janela. Ela estendeu a mão boa para o vidro, os dedos
espalhados.
Ele entendeu a deixa e colocou a mão na janela também, pelo lado de fora. Eles se
entreolharam. Quando ela proferiu as palavras “Eu te amo”, ele enfim entendeu o que todos os
poemas e baladas tolas tentavam lhe dizer o tempo todo.
O condutor estalou o chicote nos cavalos, e o veículo se afastou. Midas agitou-se bastante
quando a carruagem seguiu pela longa via em seu longo caminho para fora dos terrenos do
castelo.
Julian abaixou-se e tentou consolá-lo.
— Prometo que farei tudo o que puder para trazê-la de volta. Não é o único que deseja ver
Caroline passeando por esse terreno todos os dias.
Lady Margaret aproximou-se dele.
— E agora? Suponho que, como a deixou ir, tem algum plano em vigor para conquistá-la. Se
não, então é um tolo.
Julian bufou. Ele a olhou de cima a baixo, então um sorriso maroto se insinuou nos lábios
dele.
— Esse vestido deve ter visto várias temporadas. Estou surpreso que ainda o use.
Os olhos de Lady Margaret se iluminaram.
— Peste. Quero que saiba que é a última moda em Londres.
Ele deu de ombros.
— Que pena. Porque se fosse velho, então seria obrigada a ir para Londres comigo quando eu
partir amanhã, e eu poderia comprar alguns novos. Do jeito que estamos, não terei ninguém para
me acompanhar quando eu fizer minhas visitas sociais à casa da Caroline.
Lady Margaret gargalhou.
— Bem, neste caso, esta cor é terrível para mim e não fará nada bem às suas perspectivas de
casamento se fizer visitas sociais sem a necessária parente mulher ao seu lado. Estarei pronta
para partir à primeira luz. Quando estivermos em Londres, farei questão de visitar minha modista
e comprarei vários vestidos novos e caros. Preciso dar o meu melhor enquanto você se dedica à
tarefa de garantir a futura condessa.
Julian lançou um último olhar para o veículo desbravando a subida.
O veículo parou de repente. A porta se abriu, e Caroline pulou. Ela começou a caminhar de
volta pela estrada em direção ao castelo. Julian e Lady Margaret se entreolharam.
— Ora, pelo amor de Deus, corra atrás dela. — Lady Margaret disse.
Ela segurou a guia de Midas, e Julian começou a correr para encontrar Caroline. Quando os
dois enfim se encontraram, ela estendeu as mãos para ele. Lágrimas brilhavam em seus olhos.
— Eu não conseguiria partir sem dizer mais uma vez que te amo. Minha vida sem você será
uma tortura sem tamanho. Prometa-me que virá a Londres o mais rápido possível. — ela disse.
Ele a puxou para os braços e, ignorando qualquer um que pudesse vê-los, deu um longo beijo
naqueles lábios.
— Você é exigente e voluntariosa. — ele disse com um sorriso.
— Sim, e como me lembro, você é o enfurecedor. — ela respondeu.
Eles compartilharam um sorriso bobo e privado. Como tudo mudou desde aquele encontro
horrível no baile.
James colocou a cabeça para fora da janela da carruagem.
— Depressa, Caroline. Quero chegar a Leicester antes que escureça. Newhall, a menos que
venha conosco para ver meu tio, sugiro que desgrude da minha prima e deixe-a ir embora!
Julian a ajudou a voltar ao veículo. Ele roubou um beijo bem na frente de James, que revirou
os olhos e desviou o olhar.
— Vou vê-la em Londres. Até lá, não se esqueça de que te amo.
Quando a carruagem Strathmore desapareceu após a subida, Julian voltou para o castelo, um
assobio feliz nos lábios.
Capítulo Quarenta e três

— B em,Caroline
foi uma visita, em todos os aspectos, interessante. — James disse.
assentiu.
Ela lutou para segurar as lágrimas por todo o caminho até a Vila Newhall. Por
diversas vezes, ela foi tentada a bater no teto da carruagem e pedir para o condutor dar meia-
volta. No entanto, todas as vezes, ela se recostou no assento e se recordou de que ela e Julian
concordaram com um plano e que ela deveria mantê-lo.
— Acredita que vocês dois consigam dar um jeito? — James perguntou.
— Creio que sim. Julian teve uma infância terrível devido ao desastre que foi o casamento
dos pais, o que significa que levará tempo para ele se sentir confortável com a ideia de uma
família feliz. Ao realizar um cortejo formal, teremos a oportunidade de ele conhecer o resto do
nosso clã estendido. — ela respondeu.
— Sim, eu soube que a condessa é uma mulher desagradável. Quando ela visitou o Palácio
Fulham e tentou pressionar minha mãe a forçar Claire a comparecer para esta semana, ela foi
bastante ousada ao expressar as próprias opiniões. Minha mãe não está acostumada a ouvir
ordens. A mãe de Newhall não aceitou receber um “não” firme.
Caroline ficou mais do que um pouco aliviada ao saber que a condessa havia voltado ao
continente. A Áustria ficava muito longe da Inglaterra, por isso, ela era grata.
— E você? Pude perceber pelo olhar de amor no rosto de Newhall que você roubou o
coração dele. Entretanto, vi esse olhar no rosto de muitos homens ao longo dos anos. Espero que
suas razões para ser a próxima Condessa de Newhall sejam sólidas. Devo dizer que o som é
agradável. — ele acrescentou.
Condessa de Newhall soava bem para ela. Não que o título, em particular, a influenciasse na
hora de escolher um marido. A mãe era filha de um duque, e havia outros títulos de nobreza pela
família.
Ela queria se casar pelo mesmo motivo que levou a irmã a fugir com o segundo filho do
Visconde Rosemount. Ela queria amar um homem de todo o coração, e queria que ele a amasse
também.
— Eu o amo. Eu só quero que o resto da sociedade londrina saiba disso e entenda que nossa
conversa é séria quando falamos do nosso casamento e do nosso futuro.
A viagem de volta a Londres foi tão tediosa quanto James disse esperar que fosse. Sem Francis
ocupando espaço, Caroline e ele conseguiram ficar confortáveis nos bancos e dormir a maior
parte do dia.
Uma noite agradável em uma pousada em Leicester, seguida de um pernoite com amigos em
Northampton, os agraciou com uma volta a Londres em menos de três dias. James acompanhou
Caroline pela porta da frente da casa dos Saunders na Rua Dover, antes de fazer uma saída
apressada.
— Preciso falar com meu pai, antes de ele se encontrar com o Arcebispo da Cantuária na
segunda-feira. Tentarei alcançá-lo, antes do fim da semana. Ah, e me mande mensagem acerca
da situação com Harry.
Com isso, ele foi embora, deixando Caroline sozinha com a bagagem, até que um par de
lacaios corpulentos veio e buscou as coisas.
Ela acabou encontrando um rosto amigável no escritório do pai. A porta estava aberta, e ela
bateu no batente da porta de madeira ao entrar no cômodo.
Charles Saunders estava sentado à mesa. Ao ver a filha mais nova, ele pulou da cadeira e foi
até ela, puxando-a para um abraço paterno.
— Caroline. Ma douce enfant, é tão bom revê-la. Bem-vinda a casa. Senti falta de seu rosto
doce.
O peso que carregava nos ombros desapareceu quando ela deitou a cabeça no peito do pai.
Charles era um pai moderno, não um que mantinha distância de seus filhos. Tendo perdido
muitos membros da família durante a Revolução Francesa, ele era bem próximo da prole.
Ele recuou o tronco e olhou para Caroline com uma expressão preocupada no rosto.
— Teve um tempo interessante longe de Londres, segundo todos os relatos. Já viu Francis
desde que chegou em casa?
— Não, James foi bem literal ao me descarregar junto da bagagem no saguão da frente e sair
correndo. Estou em casa há meros minutos. — ela respondeu.
O pai franziu a testa, mas Caroline decidiu deixar a questão de James no silêncio por ora.
— Pois bem, pedirei chá e a informarei dos acontecimentos desde que Francis voltou para
casa. — o pai disse.
Caroline sentou-se em um sofá baixo próximo, e o pai voltou à escrivaninha. Pouco depois,
ele se juntou a ela, trazendo várias folhas de papel e uma cópia do The Times. Ele colocou tudo
na mesa baixa, perto do sofá, e sentou-se ao lado de Caroline.
Ele entregou o jornal e apontou para um anúncio em uma caixa quadrada em negrito.
Pedido de desculpas: o The Times deseja reconhecer um erro editorial em relação ao falso
anúncio de um noivado, e por meio deste, emite um pedido de desculpas completo e sem reservas
às seguintes pessoas: Senhor Harold Menzies, residente à Rua Mount em Londres. À Senhorita
Caroline Saunders, residente à Rua Dover em Londres. O erro foi cometido por um editor júnior
cujos serviços foram logo encerrados.
Caroline baixou o jornal e olhou para o pai. Ela temia pensar em quanto dinheiro mudou de
mãos para convencer o jornal a imprimir o pedido de desculpas. E que um jovem havia perdido o
emprego devido ao cabeça oca do Harry.
Charles assentiu.
— O The Times contornou muito bem o assunto, embora tenha sido necessário algum esforço
para que Harry fosse com ele à Praça da Impressão. Ele ainda acreditava que você seria
convencida a concordar em se casar com ele. No fim, foi preciso que o pai de Harry e eu
convencêssemos o cabeça dura de que você não mudaria de ideia.
— Não considero justo que alguém tenha perdido o sustento por causa disso. — ela
respondeu.
Charles entregou um segundo papel a ela. Tratava-se de um contrato de trabalho para um
funcionário de transporte marítimo com a empresa da família Saunders. Caroline leu a frente e,
em seguida, estendeu a mão e deu um beijo carinhoso na bochecha do pai.
— Imagino que este contrato seja para o jovem que arranjou para o anúncio de Harry ser
publicado no The Times? Obrigada, papai. Ficarei tranquila sabendo que acertamos as coisas de
forma justa.
Um lacaio bateu à porta e trouxe uma bandeja com um bule de chá e várias xícaras. Adelaide
Saunders o seguiu.
Caroline levantou-se do sofá e foi cumprimentar a mãe. Adelaide olhou para a mão enfaixada
de Caroline e suspirou.
— Ó, minha pobre menina, passou por uma guerra.
— Estou bem. A ferida está cicatrizando bem. Julian tem boa mão com a agulha e linha. —
Caroline respondeu.
Adelaide ergueu as sobrancelhas. Caroline sabia que a mãe não teria deixado de notar o uso
do nome de batismo do Conde de Newhall em vez do título. Caroline apenas sorriu.
— Bem, agora está em casa. E, tão importante quanto, não está noiva. — Adelaide disse.
Caroline baixou o olhar, incapaz de encontrar o olhar da mãe. Se a sorte a abençoasse, isso
mudaria muito em breve. Ela bocejou, cansada pelos longos dias de viagem nos confins
apertados da carruagem.
— Sim, e eu gostaria de ir para a minha cama por algumas horas, se estiver tudo bem? Não
dormi bem na noite anterior à nossa partida e tento recuperar o atraso desde então.
Os pais não a pressionaram por mais detalhes da estada no Castelo Newhall, mas ela sabia
que, com o tempo, as perguntas viriam.
Adelaide a acompanhou até o andar de cima, ao quarto de Caroline.
— Descanse um pouco hoje. Podemos conversar mais tarde na ceia. Ordenarei que seus baús
sejam desembalados, e as roupas penduradas no guarda-roupa. Precisará de seus vestidos formais
para depois de amanhã.
Caroline parou de desabotoar o casaco.
— Por que vou precisar dos meus vestidos tão cedo?
Adelaide segurou a mão direita de Caroline e encontrou seu olhar.
— Toda a questão do noivado equivocado está longe de acabar. Embora o The Times tenha
publicado um pedido de desculpas, posso garantir que há muitas pessoas na Sociedade que
pensam haver mais do que um simples erro de um funcionário de jornal. Há um baile beneficente
na Residência dos Collins, e você precisa fazer uma aparição. Quanto mais cedo estiver de volta
à sociedade, mais cedo poderemos abafar os rumores.
Caroline sentou-se na cama assim que Adelaide foi embora. A mãe era pragmática com as
questões do casamento. Como filha de um duque, Adelaide Saunders detinha um conhecimento
intrincado do funcionamento da Alta Sociedade londrina. Se Adelaide disse que Caroline
precisava voltar a circular, ela o dizia com razão.
Caroline deitou-se na cama e olhou para o teto. Ela queria estar em Derbyshire. O Castelo
Newhall era um lugar mais simples. Havia terrenos cobertos de neve para divagar com Midas
seguindo atrás dela. A pequena cabana à beira do lago congelado era um refúgio de
tranquilidade.
Rolando de lado, ela arrastou parte da roupa de cama para cima do corpo. Enquanto
adormecia, um sorriso suave surgiu nos lábios. A imagem de Julian a olhando do lado de fora da
casa se formou em sua mente. Ele estendeu a mão e acenou para que ela se juntasse a ele.
— Logo. Venha logo. — ela sussurrou.
Capítulo Quarenta e Quatro

— S aia daMidas
chuva, sua criatura tola.
lançou a Julian o que ele considerou ser a versão canina de um olhar de
desprezo. Ele estava brincando no jardim dos fundos da Residência Newhall e
encontrou uma poça. Uma poça que, com a chuva agora constante de Londres, se transformou
em uma banheira de lama. Midas divertia-se como se não houvesse amanhã.
Midas saiu devagar do molhado, e Julian fechou a porta atrás deles.
— Obrigado. O que Caroline diria para a sujeirada em seu pelo?
Ao som do nome de Caroline, Midas ergueu as orelhas. A cabeça dele se moveu depressa, de
um lado para o outro, como se a procurasse.
— Não. Ela não está aqui, mas se quer que ela esteja, então precisa ficar limpo. Preciso me
aventurar na sociedade educada esta noite e não posso fazer isso se você me obrigar a parar tudo
para ficar chamando-o, como fiz nos últimos cinco minutos. — Julian disse. Ele franziu a testa
de brincadeira, enquanto Midas baixava a cabeça. — Ora, convenhamos, não fui tão duro assim
com você.
Um lacaio veio do andar de cima e levou Midas para um banho, deixando Julian livre para
procurar Lady Margaret. Ela estava na sala principal do térreo.
— Como foi o reconhecimento do terreno? — ele perguntou.
Lady Margaret sorriu.
— Muito bem. O The Times publicou um pedido de desculpas pelos atos tolos do Senhor
Menzies. Consegui falar com uma amiga em comum da mãe de Caroline, e os pais dela
decidiram devolvê-la à cena social. Há um baile beneficente na Residência Collins esta noite, e
ela estará presente.
Julian assentiu.
— Excelente. Agora precisamos garantir os convites para podermos estar presentes também.
Lady Margaret abriu a retícula e puxou um único convite. Ela o entregou para Julian.
— Tenho um compromisso amanhã cedo com minha modista para gastar rios do seu
dinheiro, então vá sem mim. Espero que você e Caroline tenham planos para um encontro
secreto. Três são uma multidão.
Ele a abraçou.
— Certifique-se de selecionar os melhores tecidos.
Ao chegar à Residência Collins, Julian se fez invisível. Ele pegou o copo de conhaque
oferecido por um lacaio e se retirou para um canto silencioso e escuro do salão de baile principal.
Se Caroline fosse fiel à forma, mais cedo ou mais tarde, ela estaria dançando.
Ele não precisou esperar muito. Caroline e Francis apareceram na porta do salão. Um grupo
de jovens cavalheiros correu para o lado dela, seguido quase de imediato por uma reverência de
Francis para a irmã e sua fuga do salão.
Desejando evitar precisar falar com qualquer um de seus conhecidos, ele recuou ainda mais
para as sombras. O olhar dele agora estava fixo em Caroline. Muito mudou entre eles durante o
tempo em que ela passou no Castelo Newhall, mas aqui em Londres, ele de repente sentia a
necessidade de confirmação de que a mulher para quem ele perdeu o coração era a mulher com
quem ele queria compartilhar o futuro. Que Caroline seria fiel à palavra dada.
A corte habitual de Caroline decidiu, por sua vez, declarar o quanto todos sentiram falta dela.
Julian ficou muito satisfeito ao ver que os problemáticos Senhor Menzies e Senhor Walters não
estavam presentes.
Ele tomou um gole do conhaque e manteve-se atento. De onde estava, ele não a via, mas
ainda a ouvia. Se Caroline voltasse aos velhos modos, ele logo saberia. Um burburinho logo se
ergueu no grupo, e Julian ergueu as orelhas.
— Onde está seu cartão de dança, Senhorita Saunders? — um de seus admiradores exclamou.
— Não preciso de um cartão de dança esta noite. Estou aqui para rever amigos e ajudar a
arrecadar fundos mais do que necessários para nossos soldados que voltaram feridos.
Em seguida, um dos outros jovens cavalheiros se adiantou e mergulhou baixo em uma
reverência. Ele segurava um cartão de dança na mão, virou-se para os companheiros e sorriu com
doçura. Com Harry Menzies agora fora de cena, havia uma abertura para o papel de protetor de
Caroline. Ele estendeu o cartão para ela.
Julian prendeu a respiração. À espera.
Caroline olhou para o cartão, mas não o pegou.
— Obrigada, mas, não. Como eu disse, não preciso de um esta noite. Senhores, imagino que
está na hora de todos encontrarem outras moças com quem passar a noite. Tenho certeza de que
há muitas moças bonitas que adorariam dançar.
Julian cerrou o punho. Ele teria dado um soco no ar se isso não fizesse com que todos
olhassem para ele. Ela não dançaria, e ele era o motivo.
— Pois bem, e uma taça de champanhe, isso a agradaria? — outro admirador ofereceu.
Julian fez uma pausa na comemoração tranquila. Caroline não tolerava tolos que não ouviam.
Para crédito dela, ela apenas balançou a cabeça.
— Não, obrigada. Senhores, está na hora de acabarmos com este grupo. Acontecimentos
recentes me obrigaram a refletir acerca do meu caráter, e percebo que fui mais do que um pouco
cruel com todos vocês. Peço desculpas pelo meu comportamento. Foi errado da minha parte dar
continuidade a tais atenções. Também desejo a cada um de vocês o melhor de saúde e felicidade
para o futuro. Boa noite a todos.
Silêncio caiu no pequeno grupo. Em seguida, um rapaz avançou e curvou-se diante de
Caroline, e partiu. Outro se seguiu. Um a um, os membros da corte se despediram.
Caroline foi deixada sozinha no meio do salão. A tentação de sair de seu ponto de reclusão
era forte, mas Julian permaneceu escondido. Ele ainda não falara com o pai dela.
Bom trabalho, meu amor. Estou orgulhoso de você.
Ele assumiria seu lugar na corte de admiradores, mas em boa hora. A fofoca da Sociedade só
seria silenciada se a próxima vez que o nome dela fosse mencionado nos círculos sociais fosse
quando ela aparecesse nos braços dele em público.
Julian drenou o conhaque e seguiu para a saída mais próxima.
Capítulo Quarenta e Cinco

U ma batida na porta do quarto de Caroline a despertou de um sono profundo. Ela estava


sonhando com um homem alto puxando-a com velocidade pelo Tâmisa congelado. Toda vez
que ela tentava patinar mais rápido e alcançá-lo, ele se afastava, e ela lutava para permanecer em
pé.
Ela rolou de lado e encarava a porta quando Adelaide entrou no quarto com uma grande
caixa. Ela a deixou na penteadeira de Caroline e se levantou, esperando.
— O que é isso? — Caroline perguntou.
A mãe correu para a cadeira onde o roupão de Caroline estava, pegou-o e entregou-o a ela.
— Não faço ideia, mas esperava que seus esforços para dissuadir os jovens cavalheiros de
fazerem demonstrações precipitadas de devoção tivessem tido um efeito imediato. Está claro que
me equivoquei. Seja o que for, é melhor abrir e, em seguida, enviá-lo de volta. — Adelaide disse.
Uma Caroline relutante vestiu o roupão e seguiu descalça até onde a caixa estava. Ela a olhou
por alguns segundos, examinando o lado de fora.
Era uma caixa azul-pálido elegante, envolta em fita prateada, e um laço grande. Alguém
gastou uma quantia séria em um presente, se a caixa era alguma indicação do que estava dentro.
Caroline puxou a fita e soltou o laço. Adelaide se aproximou. Em seguida, com um grande
floreio, Caroline tirou a tampa.
— Ó.
Na caixa havia um par de patins de gelo.
Adelaide fez uma careta.
— Que presente estranho. Quem mandaria algo assim?
Lágrimas pinicaram os olhos de Caroline, quando ela pegou o pequeno bilhete em cima dos
patins. Seu lábio inferior tremeu ao lê-lo.
Midas sente saudades enormes de você, assim como eu. Estaremos no Hyde Park às 17h,
esta tarde. Tenho uma reunião com seu pai às 15h.
Ela fechou os olhos e levou a mão à boca. Julian sabia exatamente como tocar seu coração.
Adelaide passou a mão na cintura de Caroline.
— Posso perguntar quem enviou isso?
Sorrindo entre as lágrimas, Caroline entregou o bilhete à mãe.
— Lorde Newhall, Julian. Midas é o cachorro dele.
Julian esperou apenas um dia antes de vir atrás dela. Saber que ele estava impaciente para
revê-la trouxe uma sensação bem-vinda de alívio.
— Você o ama? — Adelaide perguntou.
Caroline assentiu.
Os dias passados longe de Julian foram de tortura. Quase todos os momentos de vigília eram
passados pensando nele, e se perguntando onde ele estava e o que estava fazendo.
Ela olhou para o bilhete mais uma vez. Ele estaria no Hyde Park às 17h de hoje. Seria apenas
uma questão de horas até que voltasse a vê-lo.
— Ele falará com o papai hoje à tarde para pedir permissão para me cortejar. É melhor eu
correr e dizer ao papai que ele enfim poderá dizer “sim” a um jovem cavalheiro. Depois, me
acompanharia ao Hyde Park? Gostaria muito que o conhecesse. — Caroline respondeu.
— Claro. Apraz-me saber que as intenções dele são sérias. Agora corra e vista-se. Preciso
ouvir mais acerca do que aconteceu no Castelo Newhall, e por que um conde enviaria um par de
patins para você. — Adelaide disse.
Caroline puxou um dos patins da caixa e o segurou no alto. A lâmina brilhava à luz da
manhã.
— Pode ter certeza, mamãe, nós dois estamos levando muito a sério nossas intenções.
Adelaide sorriu.
— Condessa de Newhall. Acredito que você servirá ao título muito bem.
Capítulo Quarenta e Seis

J ulian e Lady Margaret cobriram a pé a curta distância da Rua James até o Hyde Park naquela
tarde. Demorou mais tempo do que deveria porque Midas sentia a necessidade de parar e
farejar cada árvore, arbusto e poste que encontrava. Felizmente, ele ignorou todas as outras
pessoas que se dirigiam para o parque.
— Quem não o conhece pensaria que ele jamais viu uma árvore na vida. — Lady Margaret
observou.
Eles pararam quando Midas encontrou mais uma pilha de folhas interessantes para investigar.
— Bem, fico feliz por termos saído com bastante tempo de sobra. Espero que Midas esteja
cansado ao chegarmos ao Hyde Park e me permita passar um tempo com Caroline. —Julian
respondeu.
Ele trazia uma satisfação tranquila consigo mesmo dado o presente que enviara a ela naquela
manhã. Qualquer um poderia enviar flores, mas ele sabia que um presente bem-considerado
chamaria a atenção dela. Ele sorriu, sabendo que já conquistara o coração dela.
A reunião com Charles Saunders correu muito melhor do que ele poderia esperar. Quando
enfim conseguiu se despedir e sair de casa na Rua Dover, Charles o pressionou a beber três
grandes copos de conhaque, seguido de um charuto cubano de presente, que chegara em um
navio naquela manhã vindo das Índias Ocidentais.
Ele mal havia proferido as palavras para pedir permissão para cortejar Caroline, quando
Charles pulou da cadeira e estendeu a mão em parabenização.
O Hyde Park estava repleto de pessoas quando eles enfim chegaram aos portões. A
Temporada havia acabado, e era um dia frio, ainda assim, a nata da sociedade londrina apareceu
em peso.
De repente, o plano de encontrar Caroline e a mãe no parque não pareceu uma boa ideia. Ele
estava repensando tal decisão com bastante seriedade quando, sem avisar, Midas puxou a guia
com força, e Julian perdeu o controle.
O cachorro correu à frente deles, latindo alto.
— Midas! — Julian bradou.
Ele correu atrás do cachorro. Midas acabou desaparecendo entre duas carruagens
estacionadas, deixando Julian sem outra opção a não ser dar a volta. Com Midas fora de vista, ele
temia ter perdido o cachorro de vez.
— Cachorro infernal. — ele murmurou.
A multidão quase impossibilitou a perseguição de Midas, porém, no fim ele conseguiu
chegar a uma grande parte do gramado. Lá, ele espiou sua presa. E Caroline.
Ela acenou para ele. Midas latia e perseguia o rabo, em clara felicidade sem fim e com prazer
por tê-la encontrado. Caroline agachou-se e permitiu que Midas pulasse em seu colo. A mulher
ao lado dela olhou para baixo, e um sorriso suave apareceu nos lábios dela.
Ao assimilar a mulher mais velha e bem-vestida ao lado de Caroline, seus olhos se
iluminaram. Ele havia abandonado Lady Margaret!
Ele correu de volta para encontrá-la.
— Desculpe-me, mas consegui encontrar Midas, junto a Caroline e à mãe dela.
Ela verificou o lenço de pescoço dele, antes de segurar no braço dele.
— Tudo perdoável. Qualquer um diria que você está nervoso por estar prestes a conhecer a
futura sogra. — ela respondeu.
Julian endireitou as costas e fez um grande esforço para parecer o mais despreocupado
possível enquanto acompanhava Lady Margaret até a área do gramado.
Quando chegaram a Caroline e à mãe dela, Julian curvou-se.
— Lorde Newhall, ao seu dispor. — ele disse com toda a formalidade.
Adelaide estendeu a mão.
— Adelaide Saunders. Um prazer conhecê-lo, Lorde Newhall. Meu filho, William, fala
muito bem de você, e Caroline aqui tem me contado tudo acerca da estada em Derbyshire. Parece
que o senhor é um cirurgião bastante habilidoso em costurar feridas. O médico da nossa família
ficou muito impressionado com seu trabalho. — ela respondeu.
— Obrigado, Lady Adelaide. Ganhei alguma experiência na Europa durante a última
campanha em Waterloo. — ele disse.
Ele estudou o rosto de Adelaide. Além do formato da boca, Caroline não parecia muito com a
mãe. Entretanto, ele podia ver de onde Francis e Will puxaram os olhos.
— Por favor, me chame de Adelaide. Só uso o título de família quando há bons assentos de
ópera em risco.
Julian trouxe Lady Margaret mais adiante.
— Permita-me apresentar minha tia, Lady Margaret. Ela foi a anfitriã da reunião campestre.
Adelaide estendeu a mão para Lady Margaret, e Julian sorriu. Era bem conhecido em toda a
Sociedade que Lady Margaret foi amante do pai dele, e muitas matronas da sociedade não
falariam com ela em um ambiente social. Adelaide Saunders era, felizmente, uma mulher sensata
e justa.
— Obrigada por cuidar tão bem de Caroline. Foi um grande conforto saber que ela estava nas
mãos de pessoas que cuidavam dela. Francis disse que não hesitou em recomendar que ela
ficasse no Castelo Newhall enquanto ele voltava para Londres para lidar com negócios. —
Adelaide disse.
Caroline terminou de brincar com Midas e ficou de pé. Ela sorriu para Julian. Midas
encostou a cabeça no quadril dela, Caroline continuou a acariciá-lo com gentileza. Uma centelha
de puro ciúme se acendeu no cérebro de Julian. Ele ansiava pelo dia em que seria ele a estar tão
perto dela.
Ele piscou para afastar o pensamento repleto de tensão sexual e respirou fundo. O meio de
um parque lotado não era o lugar para ter devaneios particulares envolvendo Caroline e o que ele
gostaria de fazer com ela.
— Lorde Newhall. — Caroline disse.
Julian curvou-se, incapaz de esconder o sorriso juvenil que apareceu em seus lábios por revê-
la.
— Senhorita Saunders.
Quando ela riu baixinho, o coração dele disparou.
— Ah, e obrigada pelo presente maravilhoso. É perfeito. Espero que, quando o inverno se
intensificar, eu tenha a chance de usá-los. — Caroline disse.
Julian sorriu. Isso ele precisava agradecer à Midas.
Adelaide virou-se para Lady Margaret.
— Gostaria de caminhar? Tenho certeza de que Midas se beneficiará com o exercício. Lorde
Newhall falou com meu marido e recebeu permissão para cortejar Caroline.
Lady Margaret pegou a guia de Midas e ofereceu o braço a Adelaide. As duas senhoras
partiram em caminhada pelo gramado, deixando Julian sozinho com Caroline.
Julian se aproximou dela, resistindo a todos os impulsos de plantar um beijo apressado
naqueles lábios. O Hyde Park era um mar de pessoas à procura da próxima fofoca. Ele não
arriscaria colocar o nome de Caroline de volta à roda de escândalos.
— Quando chegou a Londres? — ela perguntou, pegando no braço dele.
Julian hesitou com a resposta.
— No último dia, mais ou menos.
Ela lançou um olhar de lado e sorriu.
— E como tem sido desde que chegou em casa? — ele perguntou.
— Melhor do que o esperado. Papai e Francis conseguiram resolver o problema de Harry.
Bem, fizeram o melhor que puderam. Francis ainda não voltou a falar com ele, e temo que a
amizade foi prejudicada para sempre.
Julian teria dificuldades em reunir qualquer simpatia por Harry Menzies. Em sua opinião,
Harry foi egoísta, e agora colhia os frutos desse comportamento. Lady Margaret manteve-se
atenta e relatou que, embora o assunto tivesse sido, para todos os efeitos, encerrado, havia muitas
pessoas que consideravam Caroline uma provocadora.
— Tenho uma pequena confissão a fazer. — ele disse.
Caroline parou.
À frente deles, Adelaide e Lady Margaret continuavam a caminhada, e logo estavam longe.
Ela virou-se para Julian.
— Sim?
— Eu a observei das sombras no baile ontem à noite. Não é mais a governante de uma
pequena nação de admiradores. Estou orgulhoso de você, mas um pouco envergonhado com meu
engodo. — ele disse.
Ela olhou para ele, e ele prendeu a respiração. Foi tolo da parte dele não se mostrar a ela, e na
luz fria do sol da tarde, ele percebeu que ela talvez não levasse a pequena proeza dele com
tranquilidade.
— Eu sei. Eu o vi sendo todo misterioso e escondendo-se nos fundos do salão. Vê-lo me
deixou toda afobada e, quando cheguei em casa e me deitei, eu me toquei ao ter pensamentos
pecaminosos com você. — ela respondeu.
Julian engoliu em seco com força. Quando ela lambeu os lábios, de forma deliberada e
provocativa, ele ficou duro.
— Menina malvada, pecadora. — ele murmurou.
— Não se esqueça de voluntariosa e exigente. Imagino que terá que ter uma mão firme
comigo quando nos casarmos. — ela brincou.
Tendo em vista que outras pessoas passeavam pelo parque e passavam por eles, Julian se
obrigou a desviar o olhar do corpete apertado do vestido de Caroline. Os dedos dele coçaram
para envolver um de seus seios macios e flexíveis e rolar o polegar no mamilo rosado. Quando
Caroline começou a mexer no curativo da mão machucada, Julian estendeu a mão e segurou as
pontas dos dedos dela. O polegar dele traçava padrões suaves na pele dela.
— Posso dar uma olhada na sua mão, se quiser. Deverá poder abandonar o curativo de vez
em breve.
Ele queria ver o curativo sumir para poder colocar um anel de noivado na mão dela.
Capítulo Quarenta e Sete

C harles Saunders cumprimentou a esposa e a filha quando elas entraram na residência da Rua
Dover pouco depois.
— Caroline, há um visitante para você. Eu o avisei de que perguntaria se você está disposta a
vê-lo, mas não me comprometi a fazê-lo. Após o que aconteceu em Derbyshire, ele diz que
entenderá se disser não. — o pai disse.
Ela esperava a visita dessa pessoa em particular desde o dia em que voltou para casa.
— Onde ele está?
— Na sala de estar do piso inferior. Pensei ser melhor que ele não se aventurasse muito na
casa, caso Francis volte de repente. Seu irmão não está disposto a perdoá-lo.
Harry Menzies se afastou da janela quando Caroline entrou na sala. Ele segurava o chapéu e
as luvas com força nas mãos. Ao vê-la, ele baixou a cabeça.
— Agradeço por me receber. Prometo não ocupar muito do seu tempo.
A última vez em que ela viu Harry, Caroline estava pronta para estrangulá-lo. Contudo, ao
vê-lo agora, ela se viu hesitante. Ela nunca o viu tão pouco à vontade.
— Vim dizer que sinto muito. Peço desculpas por tudo o que fiz com você e pela confusão
que criei. Como resultado, sua reputação foi submetida a um escrutínio mais do que imerecido.
— ele disse.
Caroline estudou em silêncio o rosto de Harry. Não havia nada que mostrasse qualquer coisa
além do Harry de bom coração que ela sempre conheceu. Entretanto, ela agora conhecia o outro
lado dele. O lado sombrio e perigoso de Harry, o lado que usaria a violência contra uma mulher
indefesa. Quanto antes essa reunião terminasse, melhor.
Caroline estendeu a mão. O amor de Julian era dela, e Harry não fazia mais parte de sua vida.
Que trocassem um aperto de mãos e se separassem.
Ele se recusou a aceitá-la.
— Não mereço suas boas graças. Eu me comportei como o pior dos canalhas. Meus pais mal
falam comigo, desde que descobriram o anúncio de noivado no The Times. Não importa que eles
não saibam o que mais eu fiz a você. Newhall estava certo em me ameaçar. Tenho muita
vergonha de mim mesmo.
Era um alívio saber que Harry enfim aceitava a gravidade das atitudes terríveis que teve para
com ela. Todavia, o estrago estava feito. Eles nunca mais seriam amigos. A confiança que tinha
nele se foi.
— E agora? — ela perguntou.
Harry tirou as luvas de dentro do chapéu.
— Meu pai vai me mandar para trabalhar em nosso escritório em Manchester. Ele diz que eu
preciso ficar longe de Londres até que eu me reencontre. Dói-me muito saber que perdi a
confiança e a amizade de vocês. Entretanto, a culpa é toda e somente minha, e a punição se
encaixa no crime.
Caroline assentiu. O pai de Harry era um homem sensato, e tirar o filho de Londres, por um
tempo, era mesmo uma medida prudente. Daria à Sociedade o espaço necessário para passar para
o próximo boato ou escândalo. Quando ele voltasse, as pessoas teriam se esquecido da questão
do não noivado com Caroline Saunders. Contudo, ela nunca se esqueceria daquela manhã no
Castelo Newhall, e a certeza de que, se Julian não tivesse vindo em seu socorro, Harry teria
partido para cima dela com o punho.
A porta da sala se abriu, e a cabeça de Adelaide apareceu pela porta.
— Está tudo bem? — ela perguntou.
— Sim. Estamos bem. — Caroline respondeu.
— Por favor, mande meus cumprimentos à sua mãe. — Adelaide disse.
— Obrigado, Lady Adelaide. Vou fazê-lo. — ele respondeu.
Quando ele se dirigiu para a porta, Caroline estendeu a mão e tocou Harry no braço. Apesar
de toda a mágoa que ele causou, ele não merecia descobrir que ela e Julian estavam juntos por
outras pessoas.
— Lorde Newhall pediu permissão ao meu pai para me cortejar. Havíamos começado a criar
uma conexão, antes de você chegar ao Castelo Newhall. Sendo assim, por favor, não pense que
Julian aproveitou a oportunidade para capitalizar com seu erro grave de julgamento. — ela disse.
A postura dele endureceu ao ouvir essas palavras, e surpresa e decepção se misturaram no
rosto dele.
— Obrigado. Agradeço por ter me contado em privado; é mais do que mereço.
Após escoltar Harry até a porta da frente, Caroline foi atrás do pai. Charles estava ocupado
empilhando papéis em uma mesa do escritório, quando ela bateu na porta.
— Como foi com o Jovem Menzies? — ele perguntou.
— Como esperado. — ela respondeu.
Ele baixou os papéis.
— Contou a ele de Newhall?
Caroline assentiu, e o pai tirou um pequeno cartão do bolso da jaqueta, e mostrou-o a ela.
Caroline reconheceu o brasão Newhall na parte de cima.
— Lorde Newhall é um bom rapaz. Will gosta bastante dele, então será um bom começo para
vocês dois. Sua mãe também gosta dele. Foi bom enfim poder dizer “sim” a um jovem que
apareceu à minha porta. Embora eu deva admitir, eu não esperava um namoro formal.
Caroline viu seu humor melhorar. Era bom, tanto para ela quanto para o pai, essa conversa.
Em sua última contagem, o pai havia afastado mais de uma dúzia de jovens que vieram até ele
pedindo a mão de Caroline. Todos falharam. Nenhum deles pensou em pedir permissão a
Caroline. Julian foi quem fugiu à regra.
Tudo nesse relacionamento com Julian era uma novidade. Ele foi o primeiro homem a
desafiá-la abertamente. Ele não caiu aos pés dela como todos os outros. Ele a tratou como igual e
exigiu o mesmo tratamento em troca.
O mais importante de tudo, ele foi o primeiro homem a parar e olhar além da beleza. O
primeiro a convidar a verdadeira Caroline para sair à luz. A Caroline cujo sangue esquentava ao
menor toque. A mulher cuja alma ele possuía.
— Eu amo Julian e quero passar o resto da minha vida com ele. Concordamos ser necessário
um namoro formal. Nós dois temos coisas em nosso passado que queremos amenizar. Obrigada,
papai, por dizer que sim. — ela respondeu.
O pai puxou-a para um abraço caloroso.
— No que diz respeito à nossa família, não tem nada a explicar. No entanto, quando chegar a
hora, eu apenas lhe peço algo.
— Sim?
— Não pode fugir para a Escócia como sua irmã fez. Sua mãe merece ver uma das filhas se
casar como se deve. Se decidir se casar com Lorde Newhall, precisará passar por uma cerimônia
completa na Igreja do seu tio Hugh, ele oficiando.
A demanda do pai seria fácil de cumprir. Julian estava longe de ser imprudente e impetuoso
como Freddie Rosemount, com quem a irmã se casara há pouco. Havia poucas chances de, de
repente, levá-la para Gretna Green.
— Sim, claro. Sei o quanto um casamento e um baile em sociedade significam para a mamãe.
Prometo não a decepcionar. — ela respondeu.
— Excelente. Então, quando Lorde Newhall vier visitá-la em casa com Lady Margaret,
espero que fiquem ocupados por um bom tempo discutindo as últimas novidades, antes que eu
chegue para resgatá-lo. Um carregamento de vinho chegou da França esta manhã, uma boa carga
de Cabernet Sauvignon do Château Mouton-d'Armailhac. Talvez Will e Francis possam dar uma
passada aqui mais tarde e ter a felicidade de compartilhar uma garrafa ou duas conosco.
Ela o beijou no rosto, grata por ter um pai tão maravilhoso. Uma tarde de convívio entre
Julian e os homens da Família Saunders era o selo de aprovação que ela esperava.
O homem que ela amava estava sendo atraído para o abraço da sua maravilhosa e grande
família, e o coração dela parecia pronto para explodir.
Capítulo Quarenta e Oito

C aroline olhou para os vestidos alinhados na cama e bufou. Nenhum deles se adequava ao
humor dela, ou de fato, à ocasião.
Ela e Julian passaram várias tardes agradáveis levando Midas para um passeio no Hyde Park.
Havia benefícios em ter permissão formal para cortejar, um deles era poder se aventurar com
apenas um lacaio ou criada pessoal a tiracolo. Uma moeda foi deslizada para a mão de cada um
dos funcionários da Família Saunders, para incentivá-los a ficar para trás, fora do alcance do
ouvido.
Em uma semana haveria um baile formal da Sociedade. Seria o primeiro evento em que ela e
Julian compareceriam como um casal em cortejo formal. Eles dançariam juntos com mais do que
apenas amizade entre eles. Tudo o que ela faria naquela noite seria escrutinado pública e
privadamente pela sociedade londrina.
Sem dúvida, as línguas trabalhariam, mas as matronas da Sociedade entenderiam a
mensagem em alto e bom som: ela pretendia se casar com Julian Palmer e se tornar a próxima
Condessa de Newhall.
Os vestidos, no entanto, não eram adequados. Um azul-pálido, um lindo vestido rosa com
flores brancas bordadas, e um elegante prateado não passaram na inspeção.
Adelaide bateu na porta do quarto e veio ficar ao lado de Caroline. Ela olhou para os
vestidos.
— São muito bonitos. Nenhum deles a atrai?
Caroline franziu os lábios. Ela precisava do conselho da mãe neste momento crítico. Para
obtê-lo, ela precisaria fazer uma revelação pessoal.
— São as vestes de uma jovem inocente. Após minha estada no Newhall Castle, já não sou
essa jovem.
Ela ficou quieta, esperando a resposta da mãe. Adelaide se aproximou e colocou um beijo no
rosto da filha. Caroline deu um suspiro de alívio, grata por ter uma mãe solidária.
— Bem, se este é o caso, precisamos encontrar algo com mais cor. Algo que uma jovem
prestes a se casar usaria. Um que faça uma declaração clara. — Adelaide disse.
— Tentei o quarto de Eve, mas todos os melhores vestidos dela sumiram. — Caroline
respondeu.
Ela havia vasculhado o guarda-roupa da irmã mais cedo, na esperança de encontrar algo que
pudesse usar. Eve sempre preferiu usar cores mais fortes e vestidos que flertavam com os limites
do decoro. Entretanto, ela levou todos os vestidos mais elegantes quando fugiu.
— Ainda falta uma semana para o baile. Faremos uma visita de manhã à modista e veremos o
que ela pode ter que seja de pronta execução para você. Também devemos encomendar um
vestido para o seu baile de noivado, já que é apenas uma questão de tempo até que um anúncio
seja feito. — Adelaide disse.

Na manhã seguinte, Adelaide e Caroline estavam na porta da modista uma hora antes de ela
abrir. Adelaide havia mandado uma mensagem, assim que ela e Caroline conversaram no dia
anterior e, sendo uma das melhores clientes desta modista, conseguiu uma consulta especial.
— Como a Temporada já terminou, minhas costureiras conseguiram colocar todo o estoque
em dia. Tenho uma seleção de vestidos que podem considerar adequados. — a modista disse.
Caroline e Adelaide entraram na sala-vitrine do salão. Diante delas havia cinco vestidos,
esticados para inspeção em sofás baixos. O olhar de Caroline logo foi atraído para um vestido
carmesim. Ela olhou para a mãe, e Adelaide assentiu. O vermelho-profundo e rico era da cor de
um pôr do sol ardente de verão. Trazia a promessa de paixão e amor.
Pegando o vestido e colocando-o no braço, ela soube ser o vestido perfeito para usar no baile.
Uma noite em que ela enfim mostraria ao mundo que Julian conquistara seu coração, e ela estava
pronta para assumir o lugar ao lado dele.
Ela estava contando os dias até que apareceriam juntos como um casal em um evento formal.
— É perfeito. — ela sussurrou.
— Experimente. — Adelaide respondeu.
No provador, a modista e a equipe de costureiras ajeitaram o vestido para abraçar a figura de
Caroline. Enquanto trabalhavam, ela permaneceu parada e se olhou no espelho. No rosto, viu
alguém que não reconhecia. As sombras de uma existência solitária haviam desaparecido. Em
seu lugar, os primórdios do calor que vinha da felicidade recém-descoberta.
— Tem o olhar de uma mulher apaixonada. Estou muito orgulhosa de você por ter aberto seu
coração. — Adelaide disse.
— Ora, sua menina tola!
Adelaide e Caroline se entreolharam ao ouvir o desabafo vindo de outro provador. A modista
pediu desculpas às pressas e saiu dali.
— Não é bom o bastante. Se não pode se dar ao luxo de empregar costureiras qualificadas,
não deveria aceitar pedidos sob medida.
— Tenho certeza de que foi um acidente, Vossa Alteza. Todas as minhas meninas têm
treinamento de excelente qualidade. Entretanto, garanto que um desconto será adicionado à sua
conta. — a modista respondeu.
— Algumas mulheres não sabem como se comportar. Tenho certeza de que a costureira não
quis espetá-la. — Adelaide disse em tom abafado.
Caroline e a irmã foram ensinadas desde cedo a permanecer quietas enquanto os vestidos
eram ajustados. A picada acidental ocasional do alfinete de uma costureira era um pequeno
inconveniente na criação de um novo vestido.
— Seja quem for, eu não gostaria de atravessá-la. — Caroline respondeu.
Quando voltou, a modista estava com o rosto vermelho e enxugava as lágrimas.
— Quem era essa? — Adelaide perguntou.
A mulher recompôs-se.
— A Condessa de Lienz. Ela chegou sem avisar logo após as senhoras e exigiu um encaixe.
Ao que parece, a maior parte da bagagem dela ainda está a bordo do iate do marido e ela precisa
de roupas. Não pude recusá-la.
Caroline franziu a testa ao olhar-se no espelho. Ela deveria ter reconhecido a voz, mas a mãe
de Julian havia partido para o continente semanas atrás. Sendo assim, o que ela estava fazendo
em Londres?
Tão cedo quanto os bons modos permitiam, ela e Adelaide finalizaram a consulta. Já sentadas
na privacidade da carruagem da Família Saunders, Caroline confidenciou a verdade da festa
campestre à mãe.
— Poderia ter sido muito constrangedor se Lady Margaret não tivesse sido tão rápida em
amenizar as coisas. E Lorde Newhall não sabe que a condessa está na cidade? — Adelaide
perguntou.
— Não. Estou certa de que ele teria comentado comigo, caso soubesse da chegada dela. A
condessa tem uma joia inestimável com ela, e Julian está bem ansioso para recuperá-la. Se ele
soubesse que ela está na cidade, já estaria batendo na porta dela e exigindo a devolução de um
objeto pessoal dele. — Caroline respondeu.
— Bem, então, precisará falar com Lorde Newhall quando o vir. — Adelaide comentou.
Assim que voltaram para casa, Caroline buscou o manto preto favorito de Eve do guarda-
roupa da irmã. Ela não pretendia perder tempo e ver Julian.
O manto foi usado muitas vezes, quando Eve e Francis saíam de casa e iam à festas secretas
sem o conhecimento dos pais. Contudo, Caroline sabia que a missão para o final desta noite era
mais importante do que participar de uma reunião ilícita com os membros mais jovens da
Sociedade.
Ela precisava avisar Julian de que a mãe dele estava de volta à cidade.
Capítulo Quarenta e Nove

C aroline esperou até o fim do jantar naquela noite, pediu licença para se retirar do tempo com
os pais e foi para o quarto.
Quando a criada veio ajudá-la a se preparar para a cama, uma Caroline totalmente vestida
colocou uma moeda na mão dela e a mandou embora.
O jardim dos fundos da casa na Rua Dover estava com uma falha na cerca, escondida por um
arbusto. Os Saunders mais novos tinham um entendimento com o jardineiro da família, e a falha
jamais era consertada.
Saindo para o jardim escuro, Caroline foi até a cerca e a escalou. Assim que estava na
calçada do outro lado, puxou o capuz do manto para cobrir a cabeça. Se alguém passasse pela
rua, não a reconheceria.
Quando ela virou na Rua James, ela espiou a Residência Newhall a certa distância. Ela
atravessou a rua com passos apressados e foi até os degraus da frente da casa de Julian.
Quando o mordomo abriu a porta, deu uma olhada em Caroline e começou a fechar a porta.
— Sinto muito, senhora. Veio à casa errada.
— Não, preciso falar com Lorde Newhall. É urgente. — ela suplicou.
Ela estava prestes a tirar o capuz e revelar a própria identidade quando, para seu alívio, Julian
apareceu no saguão.
— O que está acontecendo?
O mordomo apontou para uma Caroline ainda encapuzada.
— Desculpe-me, meu senhor. Eu estava tentando explicar para essa pessoa que ela veio à
casa errada, que não aceitamos visitas femininas tarde da noite.
Caroline levantou a mão esquerda, agora sem faixa, e a estendeu de modo que Julian a visse.
Julian deu um tapinha no ombro do mordomo.
— Ah, sim. Estava à espera de uma visitante, me esqueci completamente.
O mordomo franziu a testa, mas não disse nada. Julian o dispensou, então levou Caroline
para um cômodo próximo e fechou a porta ao entrar.
— Esta é uma grata surpresa, mas não me lembro de termos concordado com escapadas
noturnas como parte do namoro. — ele disse.
Ela tirou o capuz. O coração saltando ao vê-lo tão perto.
— Eu precisava vê-lo. A condessa voltou a Londres.
O olhar de surpresa no rosto dele dizia que ele ignorava os movimentos da mãe.
— Tem certeza? Quer dizer, ela viajou, antes de eu sair de Londres.
Caroline assentiu.
— Sim. Ouvi a voz dela hoje de manhã, em outro provador da modista. Pedi a Francis que
fizesse perguntas e, ao que parece, o iate do conde teve problemas pouco após terem zarpado.
Ela está em Brighton há algumas semanas, à custa do príncipe de Gales.
— Sem dúvidas, escondendo-se de mim após tudo o que ela fez para arruinar a reunião
campestre. Procurarei Sua Alteza e teremos uma conversa não tão tranquila a respeito do colar.
— Julian respondeu.
— Francis diz que ela está hospedada na embaixada austríaca. Não creio que ela queria
tornar sua presença muito conhecida até descobrir onde você estava. Se ela tiver algum bom
senso, fará tudo o que puder para evitar se explicar para você. — Caroline disse.
Ele sorriu para ela.
— Obrigado. Sou grato pela sua lealdade.
Caroline ergueu-se na ponta dos pés e ofereceu os lábios. Meros agradecimentos não
cruzaram sua mente ao visitar Julian no meio da noite. Os lábios deles se encontraram em um
beijo suave e hesitante.
— Quem a está esperando lá fora? — ele perguntou.
Ela riu, consciente.
— Ninguém. Caminhei até aqui.
O rosnado primitivo baixo que ele deu em resposta às palavras dela incendiou seu sangue.
Que ele ficasse bravo com ela. Ela estava pronta para aceitar qualquer punição que ele decidisse
aplicar, desde que terminasse com ela na cama dele.
— Foi uma decisão perigosa e temerária. Prometa-me que nunca mais fará isso. — ele disse.
Caroline conjurou seu melhor olhar tímido, mas quando Julian a pegou pelo braço, ela sentiu
que o entendera mal. Ele estava com raiva, não apenas um pouco irritado.
— Tudo bem. Não voltarei a fazer isso, prometo. Contudo, eu precisava vê-lo. E se eu tivesse
vindo com Francis, não poderia ficar. — ela respondeu.
Ele sustentou o olhar dela. O olhar dele era implacável, mas ela sabia que ele travava uma
batalha entre ditames sociais e desejo. Ao que tudo indicava, ele chamaria a carruagem e a
levaria para casa. Entretanto, quando ele passou a mão pela cintura dela, ela soube que o desejo
havia vencido.
— Apenas por um tempo, depois eu a levarei para casa. — ele disse.
Caroline puxou o laço que amarrava a capa, que caiu no chão. Uma puxada satisfatória de ar
de Julian a convenceu de que escolhera o vestido perfeito.
Na frente do vestido, onde os cadarços deveriam estar amarrados, ela os deixou abertos. Sem
a capa, Julian obteve uma visão completa dos montes dos seios de Caroline. E não precisou de
convite.
Ele puxou o corpete do vestido até abrir por completo, e ela se sentiu sublime, quando o ar
frio da noite a beijou nos mamilos.
— Ó, Caroline, sua menina malvada. — ele murmurou.
A boca desceu em um dos seios. Ele pegou o mamilo entre os dentes e beliscou de leve.
Calor se acumulou entre as pernas dela.
Julian levantou as saias de Caroline, e os dedos dele logo encontraram o calor. Ela gemeu
quando ele começou a acariciar fundo. Ela segurou as abas da jaqueta dele, desesperada para
encontrar apoio quando os joelhos enfraqueceram.
Ele a segurou e a deitou em um sofá próximo. Um trabalho relâmpago com a frente das
calças logo libertou a ereção dele.
Ela se apoderou da masculinidade dele, que endurecia depressa e a acariciou. Ele cobriu os
dedos dela com os dele e a guiou no quanto deveria apertá-lo.
Encorajada pela reação dele aos movimentos, Caroline decidiu ser hora de dar o próximo
passo.
Ela afastou a mão de Julian e sentou-se. Então, agarrando-o mais uma vez, ela guiou a ereção
dele aos lábios. Ouviu o som do leve estremecer da respiração dele, enquanto o tomava com a
boca. Ele agarrou um punhado dos cabelos dela enquanto ela o ministrava.
A tensão se elevou enquanto ela o lambia e o chupava. Ela ouviu a respiração dele ficar cada
vez mais em frangalhos.
— Chega. — ele enfim ofegou e deu um passo para trás.
Puxando-a de pé, ele sentou-se no sofá. Julian levantou as saias dela e a puxou para ele.
Demorou apenas um instante para Caroline entender o que precisava fazer.
Se ela pensava que o encontro inicial deles na cabana foi íntimo, ela logo descobriu que essa
nova posição era de tirar o fôlego.
— Cavalga-me. — ele ordenou.
Com as mãos nos quadris dela, Julian instruiu Caroline acerca de como ela deveria se mover.
Segurando-se no topo do sofá atrás dos ombros dele, ela conseguiu estabelecer um ritmo forte.
Gritou o nome dele quando alcançou o clímax.
Os lábios dele procuraram os dela quando ele a puxou com força em cima dele. Segurando-a
com firmeza pelos quadris, ele se empurrou cada vez mais para dentro dela. Caroline queria que
o corpo amolecesse e aceitasse esse amor feroz. Ela queria ser tudo para esse homem, existir
apenas para o prazer dele.
Ele gozou com um último empurrão forte e ficou imóvel. Ela apertou a cabeça dele contra os
seios, e esperou que ele voltasse para a terra.
Ela ansiava por mais dessas noites. Momentos em que podiam compartilhar esse amor, e
passar a noite nos braços um do outro, antes de dormirem em suas próprias camas. Ansiava por
quando enfim pertenceria por completo a Julian.
Capítulo Cinquenta

J ulian não conseguiu ficar bravo com ela por mais de um minuto e, em seu coração, ele sabia
que seria sempre assim. Ela pode ter entregado seu amor a ele, mas Caroline matinha a alma
dele.
Era demasiado perigoso ela ter caminhado pelas ruas de Londres àquela hora da noite. Ele
estava determinado a garantir que ela jamais fizesse aquilo. O mero pensar em algo acontecendo
à ela ou, Deus o livre, pensar em perdê-la o dominou com pavor profundo.
Segurando a mão de Caroline, ele a levou para o andar de cima. Ele a levaria para casa, mas
primeiro o mais importante.
No quarto, ele abriu a gaveta superior da cômoda e tirou uma caixinha azul. Ele havia feito
amor com Caroline em três ocasiões distintas. O tempo de brincar de namorá-la já acabara.
Ele colocou o anel no bolso. Segurando a mão dela, ele desceu em um dos joelhos com um
sorriso expectante no rosto.
— Caroline Saunders, você é o amor da minha vida. Coloco minha felicidade futura em suas
mãos. Dar-me-ia a grande honra e concordaria em ser minha esposa?
— Sim. — ela disse, debulhando em lágrimas quando ele se levantou.
Tomando a mão machucada dela na dele, ele colocou o anel de diamante e rubi no dedo dela
com um gesto gentil.
— Decidi que, como o nosso casamento será um por amor verdadeiro, está na hora de a
Propriedade Newhall encomendar uma joia especial. Uma que nenhuma outra Condessa de
Newhall jamais possuiu.
O anel de diamantes, com um círculo de rubis, sussurrou o nome dela, assim que ele colocou
os olhos nele em sua visita à Stedman & Vardon, loja na Rua New Bond. Seu pai sempre deu
preferência à Rundell & Bridge, porém, em nome da mudança, Julian decidiu que o anel para a
futura esposa deveria vir de outro lugar.
Caroline segurou o anel contra a luz da lareira do quarto. As chamas, refletidas nos
diamantes, deixaram os rubis com um vermelho ainda mais escuro.
— Falará com meu pai, antes do baile na semana que vem? — ela perguntou.
— Sim, claro. Embora talvez não amanhã. Tenho algumas questões urgentes para tratar pela
manhã.
Um encontro com a mãe seria a primeira ordem do dia.
Eles selaram o noivado com um beijo quase casto. A decepção de Caroline fez Julian rir,
antes de puxá-la para um abraço. Então, ele a beijou com todo o seu ser.
Na manhã seguinte, Julian estava com um humor mais sério e determinado. A mãe dele não o
superaria. Ela passou anos tentando arruinar a vida dele e fez o que pôde para destruir tudo o que
Newhall representava, sem mencionar a reputação dele.
A questão do Rubi Cruzador ocupava sua mente agora. Ele havia pensado em viajar para a
Áustria, em algum momento, e confrontá-la. Entretanto, como ela estava em Londres, ele se viu
com uma determinação inabalável de recuperar a peça inestimável. Ela não o enganaria de novo.
A primeira tarefa dele pela manhã não foi um encontro com Charles Saunders, mas sim com
Francis. O irmão de Caroline era um confidente próximo do príncipe de Gales. Julian não
deixaria nada ao acaso. Se precisasse usar cada grama de vantagem para forçar a condessa, ele o
faria.
— Newhall, não esperava vê-lo aqui. Creio que não desce para as docas com muita
frequência. Se quiser mais do vinho, beberemos em outra tarde, apenas me avise e enviarei uma
caixa. Aliás, Caroline conseguiu avisá-lo da condessa? — Francis questionou.
— Sim, e por isso estou aqui. — Julian respondeu.
Ele fez algumas perguntas discretas e confirmou que a mãe estava, de fato, hospedada na
embaixada austríaca. Ela era ardilosa. Sabia que ele não poderia apenas marchar até a porta da
frente da embaixada e exigir a entrada. O local era considerado solo soberano austríaco e, sendo
casada com o Conde de Lienz, ela seria protegida lá.
— Preciso recuperar um determinado artigo que está com a minha mãe. Embora eu não
exclua a possibilidade de mandá-la para a prisão, pensei que, com suas conexões com o Príncipe
de Gales, você poderia ajudar a encontrar uma solução mais diplomática para a situação. — ele
disse.
Francis parou em meio à ação de servir um copo de uísque. Julian conseguia entender a
posição em que o colocava. Não se invocava a amizade do futuro rei sem fazer uma reflexão
ponderada do que tal pedido poderia custar.
— Sabe que o que me pede pode não ser fácil de realizar? — Francis voltou ao uísque e
entregou um copo a Julian. — No entanto, como seremos parentes em breve, sinto um
sentimento fraterno de obrigação de ajudá-lo. O que posso fazer?
— Pretendo marcar uma reunião com o Príncipe Esterhazy amanhã, para pedir que ele
interceda em meu nome. Ele conhece o trabalho que fiz em Paris após a queda de Napoleão. Os
austríacos me devem. — Julian respondeu.
— Farei algumas abordagens particulares, por canais diversos, para ver o que pode ser feito.
Confio que uma carta do secretário particular do Príncipe de Gales ajudaria muito a sua causa. —
Francis disse.
Julian tomou um gole longo e lento da bebida. Uma carta do futuro rei poderia ser
inestimável.
— Seria muito bem-vindo. Não sei quanto tempo mais o Conde e a Condessa de Lienz
ficarão em Londres, então o tempo pode ser crítico.
Francis riu.
— Irá descobrir que minha família tem muitas conexões. Basta dizer uma palavra e tenho
certeza de que Will se certificaria de que o iate do conde não conseguiria deixar o porto. Barcos
são uma coisa engraçada, sabe, em um minuto eles estão navegando com tranquilidade e, no
outro, descobre-se um novo problema.
Julian já enviara agentes para vigiar a embaixada austríaca o tempo todo. Sendo assim, isso,
combinado às palavras de conforto de Francis, deu-lhe a primeira esperança real de que ele
poderia de fato conseguir recuperar a herança da família.
Agora, ele poderia se concentrar na próxima tarefa em mãos: obter a aprovação oficial de
Charles Saunders para se casar com Caroline.
Capítulo Cinquenta e Um

— N ãoqueposso nem começar a dizer o quão me é agradável poder dizer "sim" a um jovem
pede a mão da minha filha em casamento. Parabéns, Newhall. Acredito que você
e a Caroline serão um bom par. — Charles estendeu a mão e Julian aceitou o aperto
de mão caloroso.
— Obrigado, senhor. Sinto-me orgulhoso e honrado por ser aquele que enfim conseguiu. —
Julian disse.
Apesar de Caroline já ter aceitado o pedido dele, Julian ainda se viu nervoso pedindo
permissão ao pai dela. Ele não pôde vir ver Charles no dia anterior, pois recebeu uma
convocação inesperada do palácio para recolher a carta que Francis mencionara. Um futuro
cunhado com essa quantidade de influência junto ao príncipe regente, era uma bênção que
qualquer homem ficaria feliz em ter.
— Então, já discutiram os arranjos do casamento? — Charles perguntou
— Caroline me informou que Lady Adelaide será a responsável por toda a organização.
Suponho que correrá tudo bem. — ele respondeu.
Casamentos, e a comoção que os acompanhava, era algo reservado às mulheres. Sua única
contribuição, se ele tivesse escolha, seria chegar à igreja a tempo e dizer "sim" quando solicitado.
Charles bufou.
— Que esteja avisado. Minhas núpcias tiveram mais planejamento do que a passagem de
Aníbal pelos Alpes. Embora tenhamos vetado os elefantes.
Ele amava Caroline; e sua futura condessa teria o casamento que merecia. Ele deu de ombros
e se preparou para o ataque de tecidos e cores vistosos. Se isso fosse o necessário para se lançar à
felicidade conjugal, ele estava pronto.
— Infelizmente, minha esposa e minha filha não estão em casa. Então, a champanhe terá que
esperar. Enquanto isso, ainda tenho algumas garrafas daquele Cabernet Sauvignon do Château
Mouton-d'Armailhac. Estou certo de que uma delas basta. — Charles disse.

— Esta é uma questão séria, Lorde Newhall. Embora eu compreenda que há dificuldades entre a
condessa e o senhor, gostaria de adverti-lo quanto a levar a questão do colar à esfera criminal.
Acusar a própria mãe de roubo não é nada a ser feito de ânimo leve.
Julian estudou suas unhas por uns instantes, dando tempo para o embaixador pensar que ele
levava essas palavras a sério.
— Compreendo com perfeição a situação, Vossa Alteza, razão para eu ter o cuidado de usar
minhas conexões e obter essa carta.
O Príncipe Esterhazy estava com a carta do secretário particular do príncipe de Gales na mão.
Ele ergueu as sobrancelhas antes de colocá-la na mesa.
— Então, como o senhor gostaria de proceder?
Para Julian, deveria ser uma solução simples. O príncipe falaria com a hóspede e explicaria a
situação à condessa, e ela entregaria o colar de rubi. Contudo, ele conhecia muito bem a mãe. Ela
não aceitaria nada calada.
— Não quero fazer disso uma questão diplomática, por isso não levei o assunto às
autoridades legais da Inglaterra. Também não o mencionei àqueles que, na sociedade londrina,
poderiam usar este desacordo para obter favores. Só quero o que é meu por direito.
O olhar severo que ele recebeu do príncipe dizia que essa ameaça menos do que velada foi
compreendida. O príncipe pegou a campainha na mesa e a tocou. Em segundos, um lacaio
apareceu.
— Peça à Condessa de Lienz para vir ao meu escritório, por favor. Eu a vi nos jardins há
pouco, então sei que ela está em algum lugar da embaixada.
O príncipe levantou-se da escrivaninha e seguiu até um armário. Ele retirou uma garrafa de
conhaque e mostrou-a à Julian.
— Uma dose de uma bebida fortificadora?
Julian balançou a cabeça. A garrafa e meia de Cabernet Sauvignon que Charles Saunders o
incitou a beber ainda anuviava seus sentidos.
O príncipe serviu-se com uma dose grande.
— Se posso ser franco, sua mãe jamais é uma pessoa fácil de lidar. É sabido que o marido
dela busca consolo nas bebidas com frequência. Quando nos avisaram que ficariam aqui, eu logo
aumentei o estoque de conhaque.
A mãe dele levaria qualquer homem a beber, mas Julian não conseguia sentir pena do conde.
Ele sabia o que fazia ao roubar a esposa de outro homem. Colhe-se o que se planta.
A condessa chegou logo em seguida. Ao ver Julian, ela marchou até o embaixador e apontou
para o filho:
— O que ele faz aqui?
O Príncipe Esterhazy olhou para a garrafa de conhaque e, em seguida, para seu copo vazio.
— Lorde Newhall veio atrás de um item de propriedade dele, e que ele afirma estar com a
senhora. Ele pede que seja devolvido.
A condessa bufou.
— Mentiras. Apenas mentiras. Não estou com nada que não me pertença.
Ela era, em muitos aspectos, previsível. O comportamento padrão dela ao lidar com alguém
que ousasse a desafiá-la era bancar a vítima ultrajada e rotular todas as palavras dessa pessoa
como mentiras. Por fim, ela colocaria o caráter dessa pessoa em dúvida.
— Não conhece o meu filho. Ele é incapaz de dizer uma única palavra de verdade desde o
dia em que disse a primeira. Bem similar ao pai. Os homens Newhall não possuem bom caráter.
Julian ticou o terceiro item da lista e levantou-se da cadeira.
— Senhora, está com um colar de rubi que pertence ao título Newhall. Gostaria de reavê-lo.
Um sorriso lento apareceu no rosto dela.
— Exato. O Rubi Cruzador pertence ao título Newhall. Foi-me presenteado por ser a
Condessa de Newhall. Um título que ainda me é permitido usar, embora fosse preciso
acrescentar a palavra viúva para sermos corretos.
Julian cerrou as mãos, os punhos apertados. Nunca seria fácil com ela.
— Entretanto, a senhora casou-se de novo, então não é mais a Condessa de Newhall. — ele
desabafou.
O príncipe ergueu a mão.
— Não terei brigas familiares na minha embaixada. Vossa Alteza, por favor, vá buscar o
colar no seu quarto.
A condessa assentiu.
— Muito bem, se insiste.
Enquanto ele e o Príncipe Esterhazy esperavam que a condessa retornasse, Julian ponderou
as possíveis razões para a rápida aquiescência da mãe às instruções do príncipe. Deveria haver
uma explicação que ele não considerara.
Quando voltou, pouco tempo mais tarde, ela entrou usando o colar. O Príncipe Esterhazy
ofegou ao ver o Rubi Cruzador.
A extensão da longa corrente de prata era incrustada de diamantes. O pingente no final era no
formato de um grande diamante com um enorme rubi deslumbrante no meio. Em outros quatro
pontos do pingente, havia rubis menores.
Por um instante, a mente de Julian voltou à lembrança da última vez em que viu a mãe o
usando. Foi em um baile realizado na Residência Newhall. Ela havia combinado a joia com um
vestido prateado escuro que destacava os rubis e diamantes com um efeito impressionante. Ela
estava lindíssima, uma rainha apta a governar todos os convidados.
A pintura encomendada pelo pai fazia pouca justiça ao objeto real.
Mesmo agora, os anos foram bons com ela. O resquício de pés de galinha em seus olhos mal
marcava sua beleza. Eram apenas as linhas cruéis daquele sorriso que revelavam qualquer sinal
da idade.
O coração de Julian estava acelerado. Ele conseguiria mesmo sair da embaixada com o Rubi
Cruzador na mão? As palmas da mão dele coçavam enquanto ele lutava contra a tentação de
estender a mão e tirar o colar dela.
Ela permaneceu onde estava, e ele deu um passo em direção a ela, que endireitou as costas.
— Senhora, peço-lhe que retire o colar e o entregue. Se o fizer, eu me esquecerei de qualquer
uma das outras joias que guardou. Você e eu nunca mais teremos que lidar um com o outro. —
Julian disse.
A condessa balançou a cabeça devagar. O sorriso no rosto dela agora era de orelha a orelha.
De um bolso da saia, ela tirou uma folha de papel dobrado. Ela a acenou para ele.
— Leia, rapaz. — ela ordenou.
Com uma sensação de afundamento no abdômen, Julian pegou o papel e o abriu. Ele
reconheceu a caligrafia como sendo do pai. Enquanto o olhar deslizava pelas palavras, a
condessa permaneceu em silêncio.
Silêncio esse que continuou quando Julian entregou a carta ao príncipe. Foi só quando o
embaixador balançou a cabeça que a condessa soltou um suave suspiro de satisfação.
— Creio que esta carta deixa clara a minha posição. Até meu filho se casar, estou em meu
direito de ficar com o colar. — ela disse.
O príncipe olhou com tristeza para Julian. Não havia nada que ele pudesse fazer. Mesmo com
a carta da Corte Real, as mãos dele estavam amarradas. O bilhete do pai de Julian era claro. Até
Julian se casar, a posse legítima do colar era da mãe.
— Soube que sua festinha foi um desastre, então não há necessidade de eu renunciar à posse
da joia em um futuro próximo. Agora, se não se importa, tenho assuntos a tratar esta tarde. — ela
disse.
Quando ela fechou a porta ao sair, Julian virou-se para o príncipe.
— Aceito aquele conhaque agora, Vossa Alteza.
Capítulo Cinquenta e Dois

— P arabéns aos dois. É uma notícia maravilhosa.


Julian aceitou os votos dos membros da Família Saunders, mas Caroline podia
dizer que ele estava aéreo. A felicidade que sentia correndo nas veias não era
compartilhada por um todo pelo noivo.
Demorou um pouco, mas ela acabou conseguindo falar com ele sozinha.
— O que está havendo? Não parece um homem muito feliz com nosso noivado. — ela
perguntou.
Ele baixou o olhar para a taça de champanhe pela metade.
— Após falar com o seu pai esta manhã, fui me encontrar com o Príncipe Esterhazy na
embaixada austríaca, para tratar da questão do colar. Também me encontrei com minha mãe. As
coisas não correram bem. Ela não vai devolver o colar.
A razão para o humor sombrio dele agora estava clara. A condessa deixaria qualquer um de
mau humor.
— Contudo, eu pensei que o Francis conseguiria resolver tudo com ajuda das conexões reais
dele. Ela não pode dizer não ao futuro rei, pode?
— Ela tem uma carta do meu pai, uma que parece que ele escreveu em uma tentativa
desesperada de fazê-la ficar com ele. A carta afirma que, por ora, ela tem o direito de manter o
Rubi Cruzador. — ele respondeu.
Pelo jeito como ele pareceu escolher bem as palavras, Caroline suspeitava que Julian não
contara toda a história para ela. Entretanto, aqui e agora, ele precisava do apoio dela. Ela o
pressionaria por detalhes outro dia.
— Desculpe-me. Estou sendo um noivo ruim esta noite. Deveríamos estar celebrando nosso
noivado, não nos preocupando com minha mãe e suas maquinações malignas.
— O que posso fazer?
Ele inclinou-se e roubou um beijo.
— Nada. Aproveitemos esta noite e nos preocuparemos com outras coisas amanhã.

— A Catedral de São Paulo já está reservada. Seu tio Hugh diz que poderão ter o primeiro
casamento no sábado, em quatro semanas. Isso nos dará bastante tempo para terminar seu vestido
e finalizar a lista de convidados.
Caroline espiou o caderno aberto nas mãos da mãe. Ela o carregava desde o segundo em que
o noivado de Julian e Caroline foi anunciado.
Quatro semanas pareciam uma eternidade, porém, pela longa lista de preparativos que a mãe
fez e, em constante aumento, ela sabia que precisariam de cada minuto daquele tempo.
— Agora, falando do baile de casamento. Sei que está entrando para a Família Palmer, mas
Lady Margaret e eu concordamos que a Residência Newhall é muito pequena para hospedá-lo.
Falarei com meu irmão para usarmos o salão de baile de verão da Residência Strathmore. —
Adelaide acrescentou.
O salão de baile de verão do Duque de Strathmore era o maior desse tipo em toda Londres.
Poderia acomodar mais de mil convidados com tranquilidade. As celebrações de casamento dos
primos dela, Alex e David Radley, no início do ano, foram eventos extravagantes frequentados
pela nata da Sociedade Londrina.
A questão de quem convidar evidenciou a falta de familiares de Julian. Embora Caroline
estivesse certa de que poderiam reunir alguns amigos e alguns dignitários estrangeiros no lado
dele da igreja, parecia injusto ter uma lista de convidados tão desequilibrada. Ele conheceria
poucas pessoas em seu próprio baile de casamento.
— Que tal usarmos o salão de festas de inverno? É menor e mais íntimo. O baile de
casamento não precisa ser tão luxuoso assim. — ela respondeu.
O humor sombrio de Julian na noite do noivado ainda pairava em sua mente. Ele o atribuiu à
discussão com a mãe, mas Caroline se perguntava se havia mais. Ela deveria incitá-lo a falar,
mesmo se não estivesse pronto?
Adelaide bufou e fechou o caderno.
— Francamente, Caroline, você é filha da Casa de Strathmore. Seu casamento deve refletir
sua herança e direito de nascença. Após Eve e Frederick tomarem a decisão de fugir, eu mereço a
autorização de me despedir da minha única filha restante com a pompa que a posição social dela
merece.
Caroline conhecia bem a mãe para permanecer em silêncio. Este casamento era tão
importante para Adelaide quanto para os noivos. A sociedade londrina esperaria que despesa
alguma fosse poupada. Mais cedo naquela manhã, ela ouvira a mãe dando uma severa palestra ao
pai, após ele cometer a tolice de pedir certa contenção no custo do vestido de casamento.
— Tenho uma reunião com o sapateiro em uma hora. Seu pai precisará de sapatos novos.
Agora, suba as escadas e tire uma soneca. O baile de noivado, sem dúvidas, irá até tarde da noite,
e não a quero ver bocejando antes do final.
A mãe movia-se com a velocidade da luz e fez arranjos para que Caroline e Julian
celebrassem o noivado com um baile naquela noite na Residência Strathmore. Ela não ousou
pensar quantos servos e comerciantes foram pressionados a correr para cumprir um prazo tão
curto.
Adelaide deixou Caroline sentada no chão da sala de visitas, cercada por amostras de tecido.
Ela olhou para as pilhas de cetins e sedas azuis-pálidas e suspirou. Seus sonhos de infância de
um grande casamento com cores coordenadas nunca incluíram todo o planejamento que veio
com ele.
— Ah. Aí está. Está se divertindo?
Ela olhou para cima e viu Francis parado na porta.
— Não tanto. Mamãe está em sua melhor performance de dragão esta manhã. Não sei como
sobreviverei a esta noite, muito menos a mais um mês disso, se ela continuar assim.
Ele se deixou cair no chão ao lado dela, empurrando parte do tecido para longe.
— Ah, vamos, deve estar ansiosa para esta noite. Você e Newhall dançarão juntos como
noivos. Estar noiva deve ser um sonho realizado.
Ele franziu a testa, quando ela deu de ombros.
— Oras. Qual é o problema?
— Não sei. Estou preocupada com Julian. Ele não estava muito animado quando
comemoramos o anúncio de noivado. A mãe dele deve ser a mulher mais maliciosa que já tive a
infelicidade de encontrar. — ela respondeu.
Francis massageou as costas dela um pouco desajeitado. Will teria colocado o braço em volta
dela e lhe dado um abraço consolador, mas não Francis. O irmão sempre teve dificuldades para
demonstrar emoção e conforto.
— Façamos o seguinte, eu me encontrarei com Will para almoçar em breve. Que tal
caçarmos Newhall e passarmos algum tempo com ele no clube? Como seus futuros irmãos,
devemos recebê-lo com algumas bebidas, antes do baile desta noite. — ele disse.
As esperanças de Caroline aumentaram. O que faltava de profundidade emocional a Francis,
ele mais do que compensava com pragmatismo. Oferecer-se para passar um tempo com Julian
antes do baile foi a resposta perfeita.
— Muito obrigada, eu agradeceria muito. Se conseguir deixá-lo em um estado de espírito
mais feliz, ficarei muito grata.
Francis pôs-se de pé.
— Considere feito. Nos vemos mais tarde.
Capítulo Cinquenta e Três

— V ossaJulian
Alteza, a Condessa de Lienz.
tirou os olhos dos papéis para ver a mãe de pé na porta. Com lentidão, ele
colocou a caneta de volta no tinteiro, aproveitando para compor-se. A raiva ainda
pairava em suas veias pelo encontro na embaixada austríaca.
Ele levantou-se da cadeira.
— Senhora.
Não havia sentido em tentar qualquer recepção calorosa quando se tratava da mãe, e iria para
o inferno antes de dirigir-se a ela como “Vossa Alteza".
Ela continuou parada na porta do escritório dele. O olhar dela desviou-se para a cadeira
próxima, mas voltou para Julian. Ele ignorou a sugestão dela para ele mostrar hospitalidade.
Estava além dele lhe oferecer qualquer coisa.
— Vi o comunicado no jornal hoje de manhã e vim parabenizá-lo. — ela disse, entrando na
sala.
— Obrigado. — ele respondeu.
A condessa balançou a cabeça.
— Parabenizo-o não só por ter caído na minha brincadeira com a moça Saunders, mas por
seguir seu pai e se casar com alguém mais do que inadequado para você. Não sei o que há com
vocês homens Palmer, mas parecem determinados a ser miseráveis quando se trata de casamento.
Talvez seja por isso que não mencionou seu recente noivado quando nos encontramos na
embaixada.
Ele sabia que deveria esperar que ela viesse regozijar-se e ostentar com o colar, mas o rancor
com que ela falava de Caroline o pegou de surpresa. Mesmo agora, a própria mãe não conseguia
oferecer o menor dos desejos de felicidade.
— Não conhece Caroline e nem pretendo que o faça. Então, se esse é o seu único propósito
ao fazer essa última visita à Residência Newhall, desejo-lhe um bom dia.
A condessa fingiu um olhar de mágoa.
— Bem, apenas lembre-se de que avisei. Espero que, quando vierem me visitar na Áustria,
você já tenha chegado a essa conclusão. Suponho que pretende recolher sua amada posse em
alguma data futura. Precisará trazer provas de seu casamento e, claro, de sua noiva.
Pegando a condessa com firmeza pelo braço, Julian a guiou até a porta da frente e para a rua.
Ele fechou a porta atrás dele ao entrar, ignorando as últimas palavras abafadas dela.
Ele conseguia apenas imaginar o olhar de vitória no rosto da mãe quando ele e Caroline
chegassem à propriedade do Conde de Lienz, de chapéus na mão, para pedir a devolução do Rubi
Cruzador. Ela tiraria o máximo de proveito desse momento.
Era fim de manhã, não tarde o suficiente para considerar um almoço, mas a necessidade de
sorver pareceu demasiado forte. Pegando o casaco e o chapéu, Julian pediu a carruagem. Se fosse
para o clube agora, ainda teria tempo de entorpecer-se, antes de precisar enfrentar Caroline e o
resto dos convidados no baile de noivado desta noite.

— O camarada que estávamos procurando.


Julian baixou o copo, quando Francis e Will Saunders reivindicaram as cadeiras em frente a
ele.
— Senhores.
Ele já estava quase ao fim do terceiro copo de conhaque, com a intenção de se empenhar na
tentativa de chegar a cinco antes de dar o dia por terminado. Um recanto tranquilo no Brooks,
com cadeiras de encosto alto voltadas para a lareira, havia fornecido o que ele julgara ser a
quantidade certa de privacidade.
No entanto, o irmão de Caroline, Will, era um homem capaz de encontrar a proverbial agulha
em um palheiro. Seus anos como agente secreto da coroa britânica em Paris haviam aprimorado
suas habilidades de espionagem a um bom ponto.
— A que devo essa honra? — Julian disse.
Francis chamou um garçom próximo e pediu duas garrafas de vinho e uma bandeja de
comida. Ficou claro que tanto ele, quanto Will, pretendiam ficar.
— Queríamos ter uma conversa acerca de nossa irmã. — Francis disse.
— E a falta de entusiasmo que ela notou de sua parte desde o anúncio do noivado. Queremos
apenas nos certificar de que tudo está certo entre vocês dois, em especial, antes desta noite. —
Will acrescentou.
Julian pegou o copo de conhaque e drenou o restante do conteúdo com um longo gole. Ele
sentou-se por um instante, lamentando que a bebida ainda não entorpecera seus sentidos ao nível
desejado. As palavras de Will surtiram efeito.
Caroline estava preocupada que ele estivesse repensando sua decisão.
Tolo.
Mais uma vez, ele deixara a mãe o afetar e o cegara para o que importava de verdade. O colar
valia uma pequena fortuna, mas o coração de Caroline não tinha preço.
— Há algo que possamos fazer? — Francis ofereceu.
Julian suspirou.
— Não. A menos que estejam se oferecendo para estrangular minha adorável mãe.
Francis e Will gemeram juntos.
— Parto do princípio de que Sua Alteza tem mostrado seu agradável eu habitual. —Will
respondeu.
— Digamos apenas que a conversa na embaixada austríaca não correu bem. Meu pai, que
Deus o tenha, deixou o colar sob tutela dela, afirmando que ela só precisa devolvê-lo quando
uma nova condessa obtiver o título. Então, até eu me casar, não posso reivindicá-lo. E sim, ela
mostrou todo o charme de sempre ao me informar, obrigado por perguntar. — ele respondeu.
Ele não quis mencionar as palavras desagradáveis que a condessa dissera de Caroline. Ele as
encararia como eram: um meio de deixá-lo irado.
— Então, por que não se casar agora, e reivindicar o colar, antes que ela deixe a Inglaterra?
— Francis respondeu.
Julian prometera à Caroline o casamento dos sonhos dela. Uma cerimônia completa na
Catedral de São Paulo, realizada pelo tio dela, o bispo de Londres. Seguir-se-ia um baile
reluzente na Residência Strathmore, com a presença de toda a nata da sociedade londrina. A mãe
dele não roubaria esse sonho da noiva dele.
Ele estava determinado a ter a celebração do casamento como o triunfo de Caroline. Uma que
acabasse com todos os rumores em torno de Harry Menzies. Ela era a noiva escolhida por Julian,
sua condessa.
— Entendo o que diz, e se fosse outra pessoa, eu poderia considerar, mas falamos de
Caroline. Eu não farei isso com ela. Não após tudo o que passou. Ela merece um casamento
pleno, reflexo da posição social que detém, e estou determinado a garantir que ela o tenha.
Will e Francis trocaram um olhar de sabedoria.
Dois criados entraram nesse instante, um carregava duas garrafas de bordô e o outro, uma
travessa de frios e picles.
Will se aproximou e pegou um pedaço de carne de porco em conserva fria e o analisou.
Pouco antes de colocá-lo na boca, ele encontrou o olhar de Julian.
— Que tal nós três tomarmos uma ou duas taças desse bom vinho e discutirmos as opções
que vemos diante de nós?
Capítulo Cinquenta e Quatro

C aroline dispensou a criada assim que o último botão do vestido foi fechado. Ela precisava de
tempo sozinha para se acalmar.
O vestido vermelho era perfeito; serviu como uma luva ao corpo dela. A tiara de prata,
emprestada pela mãe, combinava com os brincos em prata e pérola. Ela parecia uma princesa.
Esta noite, seria o seu momento de triunfo.
O amor havia, enfim, conquistado a Rainha de Gelo.
Ela ficaria ao lado de Julian e mostraria ao mundo que estavam juntos na decisão de forjar
um futuro como casal. Um prelúdio glamouroso para as formalidades do casamento.
Contudo, uma dúvida persistente ainda pairava na mente. E se Julian tivesse mudado de ideia
quanto ao amor deles? Ele estava distraído desde o instante em que a pediu para ser a esposa
dele. Embora ele tivesse explicado estar assim em decorrência do conflito contínuo com a
condessa, ela ainda estava preocupada. E se, após tudo o que houve entre eles, ele sentisse
apenas uma obrigação moral de propor casamento a ela?
Seria a mais amarga das ironias. Ela, que tratara o amor dos outros com tão pouca
consideração, talvez entrasse em uma união sem amor.
Ela olhou para o anel de diamante e rubi na mão e forçou um sorriso. Era apenas nervosismo
e tolice. O homem com quem ela compartilhou uma noite na cabana ainda era o homem com
quem ela estava prestes a se casar.
— Não seja boba, Caroline. Ele a ama, é só uma questão de território desconhecido. Tenha
fé.
Após uma rápida batida na porta do quarto de Caroline, Adelaide entrou. Ela trazia o longo
manto de lã com a bainha de pele de raposa. Ela suspirou quando Caroline se virou de frente para
ela.
— Um primor magnífico. Essa cor decerto lhe cai bem. Eu só queria que sua irmã estivesse
aqui para vê-la.
Caroline sorriu. Eve teria uma surpresa ao descobrir que a irmã estava noiva. Ela só podia
esperar que a carta que o pai enviara mais cedo naquela manhã chegasse a Eve e Freddie a tempo
de eles voltarem para a Inglaterra para o casamento.
— A tiara é exatamente o que o vestido precisava. — Caroline respondeu.
A joia era da coleção da Família Strathmore, deixada para Adelaide pelo pai.
Ela fez cara feia ao ver o manto da mãe.
— Não está pronta para sair um pouco demasiado cedo?
Ainda faltavam duas horas para o início do baile, e por mais que ela quisesse chegar a tempo,
sair agora era muito cedo para seu nervosismo ainda no controle.
— Eu e seu pai sairemos daqui a pouco. Quero falar com sua tia Caroline e seu tio Ewan para
ter certeza de que tudo está pronto, antes que o primeiro dos convidados chegue. Francis
ofereceu-se para acompanhá-la ao baile. Ele deve chegar logo. — Adelaide respondeu.
A mãe deu-lhe um beijo no rosto, com cuidado para não encostar na tiara ou no penteado alto
de Caroline.
— Está deslumbrante, minha querida. — ela sussurrou.
Assim que Adelaide saiu, Caroline voltou a se preocupar. Quando Francis enfim bateu em
sua porta, quase uma hora depois, ela se convenceu de que viveria sozinha no Castelo de
Newhall, enquanto Julian viveria em reclusão na cabana à beira do lago.
— Eis um vestido que faz uma grande declaração. Gostaria de saber se está preparada para
fazer desta noite, a sua noite. — ele disse.
— Claro. Estou pronta para o baile e para tudo o que o evento implica. — ela disse. Entrar no
salão nos braços de Julian e receber os convidados daria uma mensagem clara a todos os
convidados. Ela ajeitou as costas.
— Não foi bem isso que eu quis dizer. Há alguém com quem você precisa falar, antes de
decidir aonde irá esta noite. — ele respondeu.
— Como assim? Devemos ir para a Residência Strathmore em uma hora. — ela disse.
Ele saiu do quarto e, para surpresa dela, Julian apareceu. Ele assentiu para Francis, que
fechou a porta. Ela mordeu o lábio e tentou se preparar para más notícias.
— Julian? Por que está aqui e não no baile?
Lágrimas desceram pelos olhos de Caroline ao ver o homem que ela amava. Ele atravessou o
cômodo e, tomando o rosto dela entre as mãos, colocou um beijo longo e reconfortante nos
lábios dela. Ele limpou as lágrimas das bochechas dela e a beijou de novo.
— Desculpe-me. Venho agindo como um completo asno. Só me resta implorar por seu
perdão. Eu te amo. Não chore. — ele disse.
Ela se esforçou para impedir as lágrimas de continuar a cair, mas a sensação de alívio que
percorreu seu corpo com as palavras dele a fez falhar. Ele colocou os braços ao redor dela e a
abraçou com força.
— Fui um tolo. Não contei tudo o que aconteceu entre mim e minha mãe. Encontrei-me com
ela na embaixada austríaca há alguns dias, na esperança de conseguir que ela devolvesse o Rubi
Cruzador. Ela me mostrou uma carta assinada por meu pai, que lhe garante a posse do colar até a
morte dela, ou que eu me case.
Caroline suspirou. O casamento seria em quatro semanas. A mãe de Julian já estaria longe há
muito tempo. A condessa extrairia todo o pingo de vingança que pudesse da Família Palmer.
— E eu e você precisaremos viajar por metade da Europa para pegar o colar dela?
— Sim. Lamento dizer que minha mãe não tem nenhum senso de honra familiar. — ele
respondeu.
— Não, não tem. Ela ainda está aqui em Londres?
O olhar no rosto dele era sombrio.
— Infelizmente, não. Eu a tenho sob vigilância desde que você descobriu que ela estava na
cidade. Minhas fontes me informaram que ela partiu para Brighton no início desta tarde. Com o
iate já consertado, imagino que ela e o conde naveguem para casa o mais rápido possível.
Caroline cruzou até a penteadeira e começou a puxar os grampos que seguravam a tiara no
lugar.
— Precisaremos de uma licença especial. O Arcebispo da Cantuária é um dos nossos
convidados desta noite. Se nos apressarmos, podemos implorar para que ele nos case antes do
baile. Podemos estar a caminho de Brighton assim que terminar.
Julian estendeu a mão para o casaco e, com um sorriso irônico nos lábios, puxou um papel
dobrado. Aliviada, Caroline assentiu. Ele estava um passo à frente dela.
— Seus irmãos me convenceram de que poderíamos precisar de uma. Poderíamos nos casar
no baile de noivado esta noite e ir embora. — Julian respondeu.
Ela considerou a sugestão dele por uns instantes. Não seria a cerimônia religiosa completa
que a mãe tanto desejava, mas seria na frente de grande parte da elite de Londres. Ao se casarem
esta noite, poderiam acabar com os rumores e fofocas de uma vez por todas.
— Não. Por mais que fazê-lo resolvesse um dos nossos problemas, demoraria muito. Haverá
centenas de pessoas no baile desta noite. Demoraríamos horas até poder arranjar desculpas e ir
embora. Precisamos estar a caminho de Brighton o mais depressa possível. — Caroline disse.
Ela correu até o guarda-roupa e pegou uma pequena bolsa de viagem. Em questão de
minutos, ela guardou um vestido extra, alguns objetos pessoais e a tiara. Casamento apressado ou
não, ela ainda a usaria.
— Em quanto tempo consegue aprontar a carruagem de viagem?
— Está pronta e nos esperando nos estábulos, seu primo James e seu tio já estão lá. — Julian
respondeu.
Caroline parou de dobrar o xale e olhou para ele, perplexa.
— Que tio?
— Aquele capaz de despertar o Arcebispo da Cantuária da soneca da tarde. Eu acreditava que
Will era um sujeito persuasivo, mas seu tio Hugh é um mestre dessa arte. — ele disse.
Caroline riu.
— Tio Hugh sempre teve o dom da palavra. Todos devemos ser gratos por ele o usar a
serviço da igreja.
Julian caminhou até ela e tirou o xale de suas mãos. Erguendo a mão esquerda dela até os
lábios, ele beijou a cicatriz.
— Tem certeza?
Caroline levantou-se nos dedos dos pés e plantou um beijo terno de confirmação nos lábios
dele.
— Se fugir para se casar bastou para minha irmã, basta para mim. Além disso, se eu precisar
ver mesmo que mais uma única amostra de tecido na vida, ainda será demais.
Ela fechou a bolsa de viagem, e Julian a pegou. Com o manto pesado de lã enrolado em torno
de si, Caroline o seguiu na saída do quarto. Ela olhou para trás uma última vez, para o quarto em
que dormiu por quase toda a vida e se despediu em silêncio.
Will os esperava lá embaixo. Ao ver a bagagem na mão de Julian, ele correu até a irmã e a
abraçou.
— Acabo de chegar da Residência Strathmore. Expliquei a situação aos nossos pais e a
escolha diante de vocês. Mamãe, claro, debulhou-se em lágrimas, mas disse que confiaria no seu
julgamento. Ela disse para deixar que seu coração decida.
— Obrigada, Will. Sei que deve ter sido uma conversa difícil. — ela respondeu.
Em seguida. Will entregou uma pequena caixa de joias a Julian.
— Nossa avó só conseguiu trazer alguns objetos pessoais quando fugiu da França durante a
revolução. Este é o segundo de dois anéis que ela deixou para a família quando morreu. Eve já
tem a dela. Meu pai pediu que, como um favor pessoal a ele, coloque este na mão de Caroline ao
trocar os votos.
Julian pegou a caixa.
— Ficarei muito honrado. Agradeça aos seus pais, por nós dois, pelo apoio. Significa muito
para Caroline, e para mim, saber que temos a bênção deles.
Francis apareceu no topo das escadas da adega da família, carregando uma caixa.
— Casamentos exigem champanhe e vinho. Eu seria negligente em meu dever se não me
certificasse de terem o suficiente.
Will riu.
— É melhor ter deixado um pouco da safra de 94 para papai, ou terá problemas.
Francis iniciou a saída apressada, indo até a porta, guiando-os até os estábulos. Will o seguiu,
mas parou, antes de chegar à porta. Ele virou-se para Caroline.
— Boa sorte. Espero que cheguem a Brighton a tempo.
— Não vem conosco? — Caroline perguntou.
— Não. Temos seiscentos e trinta e quatro convidados esperando na Residência Strathmore.
Todos vão querer saber por que o casal que acaba de ficar noivo está a caminho de Brighton, em
vez de estar presente para a primeira dança da noite. Devo estar com nossos pais e Hattie esta
noite. Estaremos ao lado de Lady Margaret e lidaremos com todos os convidados. — Will
respondeu.
Ele desapareceu do lado de fora, deixando Caroline para enxugar as lágrimas dos olhos.
Julian veio até o lado dela.
— Pronta para a nossa grande aventura?
Ela assentiu.
— Esta noite é apenas o começo da nossa aventura juntos. Mal posso esperar para passar o
resto da minha vida com você.
— Vamos.
Do lado de fora, nos estábulos dos fundos, eles encontraram a carruagem do Conde de
Newhall esperando. Ao entrar, Caroline foi recebida com os rostos sorridentes de Francis, James
e do bispo de Londres. Julian entrou atrás dela e fechou a porta.
— Muito bem, Caroline. Sabia que faria a escolha certa. — James disse.
Seu tio Hugh estendeu a mão e pegou a dela.
— Espero que não se importe de eu os acompanhar nessa viagem. Prometi à sua mãe que,
após a decepção de não realizar os ritos de casamento para sua irmã, eu faria questão de fazê-los
no seu. — ele disse.
Mesmo assim, Caroline sentiu-se surpresa por a mãe ter cedido com tanta facilidade,
deixando-a ir.
— Tenho pena da mamãe. Ela esperou tanto por esse dia. E agora precisará dizer a todos os
convidados que os noivos não participarão da própria festa de noivado porque estão indo até
Brighton em perseguição. — ela disse.
Francis bufou.
— Não se preocupe com a mamãe. Imagino que, neste exato instante, ela já esteja
começando a adicionar etapas ao baile pós-casamento. Papai ficará encantado porque será
Newhall quem pagará a conta agora.
Julian sorriu para ela.
— E será o melhor baile pós-casamento que toda Londres já viu.
Caroline recostou-se e olhou para a noite enquanto a carruagem se afastava da casa da
família. Da próxima vez que ela entrasse nesta casa da Rua Dover, ela seria a Condessa de
Newhall. Tudo o que ela podia fazer agora era rezar para conseguirem chegar a Brighton antes
que o Conde e a Condessa de Lienz zarpassem.
O sacrifício da mãe, feito por amor à filha, não seria desperdiçado.
Capítulo Cinquenta e Cinco

J ulian acordou no susto. Ele teve um sonho vívido em que Caroline caía pelo gelo, no lago
congelado. Toda vez que ele chegava perto de alcançar a mão estendida dela, ela afundava sob
a água e se perdia de vista.
Para alívio dele, a verdadeira Caroline estava deitada com a cabeça encostada no ombro dele,
olhando pela janela. Um sentimento de imenso orgulho dela brotou nele. Ela havia escolhido
lealdade a ele em vez do sonho antigo de um casamento perante a Sociedade. Ele prometeu
compensá-la com um baile de casamento digno de uma rainha.
O sol começava a espreitar acima do horizonte quando a carruagem chegou a Brighton. Em
seu pequeno grupo, James ainda dormia. Francis olhava pela janela, a mesma que a irmã, e o
bispo escrevia com empenho, o que Julian acabou reconhecendo como um sermão de casamento.
— Suponho que a primeira coisa que precisamos fazer é garantir que o Conde e a Condessa
de Lienz ainda estejam no porto. — Julian disse.
O maior medo dele era que tivessem zarpado com a maré da madrugada.
— Sendo assim, uma visita à autoridade portuária deve ser a nossa primeira tarefa. Se eu
pedir que não deem permissão para o iate do Conde de Lienz sair, teremos algum tempo para
organizar o casamento. — Francis respondeu.
— Sugiro que deixem a mim e Caroline na igreja de São Nicolau. Contatarei o vigário local
para fazer os arranjos do serviço de casamento. Precisa se apressar e encontrar sua querida mãe.
— Hugh Radley disse.
Julian franziu a testa. Ele precisava da mãe após o casamento, não antes. O bispo sugeria
algo que Julian considerava mais do que um pouco desagradável.
— Não terei aquela mulher no nosso casamento. Ela fará de tudo um deboche.
Dada a menor oportunidade de fazer graça com as núpcias, ela o faria. Não. A condessa o
superara pela última vez.
— Pense, Newhall. Se ela não tiver escolha a não ser ir ao seu casamento e se comportar,
quem seria o vencedor? — Francis disse.
— Se a condessa vier ao seu casamento, farei com que ela se comporte. Acredito que nem
mesmo sua mãe teria a ousadia de insultar um membro sênior da Igreja da Inglaterra. — Hugh
acrescentou.
Caroline mexeu-se no lugar e sentou-se reta. Ela olhou para Julian, então, para a surpresa
dele, inclinou-se e deu um beijo casto na bochecha dele.
— Que excelente ideia. Devemos convidar o Conde e a Condessa de Lienz para o nosso
casamento. Por estar presente, sua mãe nunca poderá fazer qualquer alegação de que não estamos
casados de verdade.

Assim que Caroline e o tio foram deixados na antiga igreja matriz de São Nicolau, a carruagem
de viagem seguiu para a marina. Felizmente, havia poucos barcos no porto, e Julian logo avistou
o iate do Conde de Lienz.
O Capitão do porto demandou um pouco de convencimento, e uma pequena tarifa, antes de
concordar em amarrar algumas cordas extras ao iate, garantindo que o barco não pudesse sair. Só
após Francis inserir a menção contundente de sua amizade com o príncipe de Gales que o acordo
foi enfim selado.
— Lembre-se, só posso garantir que meus homens ficarão de guarda até a maré desta noite.
Sem qualquer razão legal para manter o iate no porto, já forcei os limites da minha autoridade. —
o capitão do porto comentou.
Com essa tarefa em particular resolvida, a atenção de Julian agora se voltou para a de
convencer a mãe de que era de seu interesse terminar com essa briga pelo Rubi Cruzador.
Eles seguiram o capitão do porto e seus homens até as docas. Assim que os trabalhadores
portuários começaram a amarrar cordas extras no iate e assegurá-las no lugar, uma contenda de
poderes começou.
O Capitão do iate não gostou muito de ser informado de que não navegaria com a maré do
final da manhã, e saiu em busca do mestre. O conde logo voltou, seguido pela esposa.
— Que diabos está acontecendo? — o conde gritou.
Os olhos da condessa se arregalaram quando ela e Julian cruzaram e sustentaram olhares. Ela
cerrou os punhos e apontou a mão na direção dele.
— Não tem o direito de nos impedir! — ela desabafou.
O marido tentou pegar a esposa pelo braço, mas ela afastou a mão dele. A condessa ficou de
pé com as mãos nos quadris e olhou para o filho. Julian sorriu de volta.
— Querida mãe! Entendeu errado. Não estou aqui para impedi-la de ir embora. Estou aqui
para convidá-los para o meu casamento, que acontecerá aqui esta manhã.
Ela bufou com raiva.
— Não seja ridículo, Newhall. Nobres não se casam em Brighton! E mesmo que você o faça,
eu não vou.
Julian apontou para o Capitão do porto e para a tripulação. Apesar dos protestos do Capitão
do iate, as cordas extras estavam sendo presas ao barco.
— Virá se quiser velejar hoje. O bispo de Londres e a sobrinha dele estão nos esperando na
igreja de São Nicolau. — ele respondeu.
Francis contornou a furiosa Condessa de Lienz e caminhou até o conde. Ele se curvou e se
apresentou.
— Sou Francis Saunders. Viajei a noite inteira com minha família e amigos em prol do amor.
Amor que fez com que minha irmã Caroline desistisse do antigo sonho de um casamento na
Catedral de São Paulo para apoiar o homem que ama. Vossa Alteza, peço-lhe que interceda por
esse amor também, tanto quanto pelo senso de justiça que sei que um homem como o senhor
entenderia.
O conde olhou para a esposa, que balançou a cabeça com veemência.
— Espere aqui. — o conde disse. Quando ele se virou e voltou para o barco, a condessa
correu atrás dele, bufando alto.
Até aquele instante, Julian jamais apreciara a totalidade das habilidades de negociação de
Francis Saunders, mas sua opinião ficou para sempre selada quando o conde retornou em alguns
minutos com uma caixa em mãos.
Julian prendeu a respiração e esperou.
— É hora de acabar com essa briga vergonhosa. Minha esposa e eu ficaremos honrados em
participar do casamento. — o conde disse e entregou a caixa a Julian, que a pegou com as mãos
trêmulas. Julian abriu a caixa e espiou dentro. Fechou de novo e a segurou firme:
— Obrigado.
Capítulo Cinquenta e Seis

— N ãocasamento.
era exatamente um lugar que eu imaginaria que você cogitaria para o seu

Hugh Radley falou com o responsável de São Nicolau, e os preparativos para o


casamento avançavam com rapidez.
Não era todos os dias que o bispo de Londres chegava à porta de uma igreja, com uma
licença especial do Arcebispo da Cantuária em mãos, e pedia para realizar uma cerimônia
improvisada de casamento.
A esposa do pastor ofereceu-se para ajudar Caroline a recolocar a tiara da mãe. Ela também
foi gentil e cortou algumas rosas vermelhas do próprio jardim e as transformou em um pequeno
buquê. Caroline amarrou as flores com uma fita cor de creme que estava em sua mala de viagem.
Com tudo na igreja já em prontidão, ela sentou-se em um banco, tranquila, e contemplou que
muito em breve seria a esposa de Julian.
— Eu me pergunto como Julian e os outros se saíram. Eu, por exemplo, não consigo ver a
condessa vindo calada.
— Mas ela veio, e eu tenho o colar. — Julian respondeu.
Ela se virou para vê-lo, junto a Francis e James, marchando pela igreja. Nas mãos de Julian,
uma caixa. Atrás deles estavam o Conde e a Condessa de Lienz. A condessa vinha com um
semblante trovejante.
Caroline afastou-se e entregou-se a um sorriso privativo. Julian havia triunfado perante a
mãe.
Com todos agora presentes, o bispo chamou-os para se reunirem na frente do altar.
— Esta não será uma cerimônia de casamento convencional. O noivo pediu que eu
mantivesse certa simplicidade para que Suas Altezas reais navegassem com a próxima maré.
Francis segurou a mão de Caroline, assumindo o lugar do pai na entrega da noiva.
— Muito bem, Caro. Julian é um homem de sorte. Sei que será uma excelente condessa e
esposa.
Ela poderia jurar que viu uma lágrima no olho dele, quando ele colocou a mão dela na de
Julian e se afastou para ficar ao lado de James. Caroline olhou para Julian. Ele sorriu para ela,
cujo coração disparou. Saber que ele estava feliz fez o sacrifício de não ter os pais presentes e um
casamento completo valer a pena.
No meio da curta cerimônia, o tio parou e olhou por cima do livro de orações.
— Será que alguém pensou em trazer uma aliança de casamento? — ele perguntou.
A Condessa de Lienz bufou.
— É o que acontece quando não se faz as coisas como se deve.
Caroline mordeu o lábio, enquanto Julian tirava a caixa contendo o anel da avó dela do bolso
do casaco.
Ele entregou-o ao bispo.
— Nossas famílias apoiam essa união na íntegra, então, é claro que temos um anel. Uma
herança da Família Saunders, que ficará perfeita ao lado do anel de noivado que escolhi para
minha esposa.
A condessa nada disse diante do óbvio insulto que lhe era dirigido. Julian não considerava a
mãe como parte da família.
O bispo abençoou o anel e o devolveu a Julian. Quando Caroline estendeu a mão, ele a virou
e a ergueu aos lábios, beijando a cicatriz. A marca sempre serviria como um lembrete de como o
amor dos dois havia começado.
Caroline assistiu, entre lágrimas, Julian colocar o anel em seu dedo e dizer seus votos.
— Com este anel, eu me caso com você. Com o meu corpo, eu a adoro, e com todos os meus
bens mundanos, eu a protejo. Em Nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém.
— Eu os proclamo marido e mulher.
Antes que alguém pudesse dar os parabéns, Julian ergueu a mão. Pegou a caixa de joias de
um banco próximo e, voltando-se para a mãe, ofereceu-a a ela.
Com um bufo alto e indignado, ela se adiantou. Julian abriu a caixa e, após um instante de
hesitação, a condessa tirou o colar incrustado de diamantes e rubis.
Ao avistar o Rubi Cruzador, Caroline enfim entendeu por que seu novo marido havia sido tão
insistente em garantir que fosse devolvido. A versão vista na pintura empalidecia de
insignificância diante da magnificência da joia real.
A luz do sol que entrava pelas janelas superiores da igreja acertou os rubis, que pareciam se
incendiar. Um fogo vermelho brilhava fundo neles. Um zumbido ecoou na igreja enquanto a
pequena reunião assimilava o esplendor da peça ancestral.
A condessa ergueu o Rubi Cruzador e, quando Julian deu um passo para trás, colocou-o ao
redor do pescoço de Caroline, assegurando o fecho duplo.
Quando o peso se instalou em seu peito, Caroline tocou o rubi principal com o dedo.
— Nunca vi nada igual. — ele murmurou.
— É seu para guardar e proteger para nossa família. — Julian disse.
O colar voltara ao seu devido lugar, para as mãos do Conde e da Condessa de Newhall. Um
presente inestimável para a nova esposa.
— Espero que considere isso uma vitória, mas você nunca fará justiça aos rubis como eu fiz
sempre que usei o colar. Será sempre uma imitação barata minha. — a condessa disse. Como
sempre, seus pensamentos eram autocêntricos.
Contudo, o coração de Caroline estava em outro lugar.
— Está tão errada. Nada disso girou em torno de você. Tudo o que fiz foi por Julian. Pelo
meu marido, e pelos nossos futuros filhos.
A condessa fez cara feia e voltou a atenção para o filho.
Capítulo Cinquenta e Sete

J ulian esperou. A mãe, sem dúvida, estaria determinada a dar a última palavra. Ela ergueu uma
mão enluvada ao rosto dele e esfregou o polegar em sua bochecha. Preparava-se para um beijo
maternal, puro exibicionismo.
— Você se parece tanto com seu pai que chega a ser insuportável. — ela disse. A mão caiu, e
ela virou-se para o marido. — Podemos ir embora agora? E se aquelas cordas não estiverem
sendo retiradas do iate quando voltarmos, eu mesma usarei uma faca nelas.
O conde de Lienz fez um aceno superficial para o casal recém-casado, e tomou o braço da
esposa. Eles saíram da igreja em silêncio. Entretanto, assim que saíram, todos ouviram a
condessa que começou a jogar farpas no marido por ter entregado seu prêmio mais valioso.
— Vá com Deus. — Julian murmurou, enquanto um enorme peso se levantava de seus
ombros. Se a mãe pensara em decepcioná-lo uma última vez, ela fracassou.
A condessa se foi, e com ela as lembranças daquele menino que nunca conhecera o amor da
mãe. O homem crescido que ele se tornara tinha uma esposa adorável e dedicada ao seu lado.
Alguém que lhe daria amor incondicional.
Juntos, eles encheriam o Castelo Newhall de crianças, e as paredes ecoariam com suas
risadas. Lady Margaret seria a avó paterna dos filhos deles. E a casa dele enfim se encheria de
felicidade.
— Certo. Então, agora que terminamos e a poeira baixou, podemos, por favor, tomar um café
da manhã? — James perguntou.
Francis gargalhou.
— E um pouco de champanhe. Na verdade, o melhor champanhe francês do papai nos
espera. Ele sempre diz que os guarda para os nossos casamentos. Não é culpa minha que ele não
consiga participar desse. Vamos, Caroline.
Julian estendeu a mão, oferecendo-a a Francis com um sorriso travesso.
— Deve se dirigir à minha esposa como Lady Newhall a partir de agora.
Caroline manteve o rosto impassível por longos dois segundos, enquanto Francis se curvava
diante da irmã.
— A única e incomparável, Lady Newhall. — ele disse.
Hugh Radley guiou todos para fora da igreja, deixando Caroline e Julian terem um momento
de privacidade.
Julian passou os dedos nas preciosas joias do Rubi Cruzador.
— Combina com você. Em especial com a cor dos seus cabelos.
— É pesado. Poderia, por favor, tirá-lo para mim? — ela pediu.
Com relutância, ele tirou o colar do pescoço da esposa e o colocou na caixa.
— Só se usá-lo na cama esta noite. — ele rosnou.
Desde o instante em que colocou os olhos nele, Julian começou a fazer planos para despir
Caroline na noite de núpcias, deixando-a apenas com o colar. Pensar em ver a luz da lareira
refletindo nos diamantes e rubis enquanto levava a esposa ao clímax o fez lamber os lábios em
antecipação.
Ela abriu um sorriso malicioso para ele:
— Estamos em uma igreja, meu querido marido. Comporte-se.
Capítulo Cinquenta e Oito

J ulian se inclinou e colocou a garrafa de champanhe pela metade na areia, torcendo-a para que
ficasse em pé e nenhuma das preciosas bolhas fosse perdida.
Caroline estava na beirada da água, olhando para o mar. Ele colocou os braços ao redor dela
e a beijou na nuca. Ela se recostou nele, e eles ficaram ali por um tempo, observando em silêncio
os barcos no porto.
O iate do Conde de Lienz já estava longe no mar quando os recém-casados desceram para a
praia. Quando enfim desapareceu de vista, Caroline deu um suspiro de alívio suave. Lienz ficava
muito longe de Londres, e ela agradeceria por essa bênção todos os dias.
— E agora, o que faremos? — ela perguntou.
Julian mordeu a ponta da orelha dela e murmurou:
— Bem, minha bela noiva, temos um quarto de hotel à nossa disposição. E tenho certeza de
que os outros encontrarão algo para se divertir enquanto discutimos seu papel como Condessa de
Newhall.
Ela se virou e plantou um beijo suave e convidativo nos lábios do marido.
— Então, meu marido, levemos nosso champanhe para o hotel. Embora eu prometa que,
assim que eu o tiver todinho para mim, haverá apenas um tópico em discussão.
Julian puxou Caroline para os braços e a beijou com sofreguidão. O corpo dela estava
aquecido pelo sol da manhã, e ela luxuriou em seu abraço. Esse amor lhe deu forças para deixar
uma existência fria e solitária para trás.
Ela não era mais a Rainha de Gelo.
Epilogue

J ames segurou a garrafa nos lábios e tomou um longo gole apreciativo. O tio, Charles, decerto
conhecia bem de champanhe. Ao terminar, ele ofereceu a garrafa a Julian, que recusou com
educação.
— Caroline e eu vamos para o hotel nos acomodarmos.
Ele olhou para a nova esposa e sorriu. James desviou o olhar por um instante. Era
maravilhoso que os recém-casados tivessem tido sucesso em seus planos, mas ele sentia seu
humor ficar sombrio mais uma vez.
— Boa sorte aos dois. Vamos vê-los mais tarde para a ceia? — ele perguntou.
Caroline avançou e, após dar um beijo suave na bochecha do primo, sussurrou no ouvido
dele.
— Sim, mas não antes, e será uma ceia muito tardia.
Quando Julian e Caroline saíram da praia rumo ao hotel, James levantou a garrafa de
champanhe e os saudou.
— Parabéns Lorde e Lady Newhall, que tenham muitos anos, longos e felizes, juntos.
Ele virou-se e voltou a observar o mar. A praia vazia era o lugar perfeito para ele. Longe das
pessoas, ele podia encontrar consolo nas ondas, enquanto iam e voltavam à costa. Um barco
estranho e pequeno balançava para cima e para baixo ao longo da costa.
Seu pai e Francis haviam decidido que uma segunda visita ao escritório das autoridades
portuárias era necessária, após a assistência que receberam naquela manhã na questão do conde e
da condessa de Lienz. James não os acompanhou, contentando-se em ficar na praia e beber
champanhe.
Ele tirou um charuto do bolso do casaco e acendeu-o. Com o charuto em uma das mãos e
uma garrafa do melhor champanhe francês na outra, qualquer homem se sentiria no topo do
mundo. Todavia, não James Radley.
Embora ele estivesse feliz por Caroline ter garantido o futuro que escolheu, ele admitiu para
si que estava com mais do que um pouco de inveja da prima.
— Ao menos alguém encontrou a felicidade. — ele murmurou.
Ao ver o pai e Francis voltando para a praia, ele logo apagou o charuto e o enfiou no bolso. O
pai não suportava tais vícios.
— Ei! Os pombinhos o abandonaram na praia? — Francis disse.
James abriu um sorriso e ofereceu a garrafa de champanhe a Francis.
— Saíram há poucos minutos. Prometeram que nos veriam em uma ceia tardia. Como foram
as coisas com o Capitão do porto? — ele perguntou.
Francis tomou um gole do champanhe.
— Muito bem. Ele foi muito compreensivo. Em especial, quando descobriu quem era o
senhor que me acompanhava.
Hugh Radley deu uma risada.
— As pessoas lembram-se de seus melhores modos quando são apresentadas a mim. Todas
as babás da terra devem contar historietas envolvendo o terrível bispo de Londres, e as terríveis
consequências de se comportar mal na minha frente. Ou é isso, ou ninguém jamais pensou em
me dizer que pareço um javali feroz das terras altas.
James sorriu para o pai. Por trás da fachada profissional havia um homem caloroso e
amoroso.
— Então, quais são os nossos planos? Caroline e Julian parecem propensos a ficar em
Brighton por alguns dias, mas duvido que queiram nossa companhia. — James disse.
— Voltaremos a Londres amanhã. — Hugh e Francis responderam em uníssono.
James assentiu, era de se esperar. E, por mais que desejasse, ele não poderia se esconder em
Brighton para sempre. Em quatro dias, ele estaria à frente de um jantar de despedida de solteiro
para Guy Dannon, na véspera do casamento do amigo. Em cinco dias, ele estaria na igreja para
apoiar esse mesmo melhor amigo no dia do casamento dele com Leah Shepherd.
Leah Shepherd, a garota estranha que James lutou para aceitar, era a mulher certa para Guy.
Desde que ele a conheceu, ela fez de tudo para ganhar a amizade dele. No entanto, não importa o
que ela fizesse, era difícil vê-la junto de Guy.
Algo inexplicável sempre fez James desejar que ela fosse outra pessoa. Que Leah Shepherd
não fosse a mulher escolhida por Guy para ser sua futura esposa. Quando a verdade desse
desconforto enfim veio à tona, ele se deparou com uma situação impossível.
Uma luz brilhante havia sido acesa nele, e agora vivia no fundo de sua alma, aquecendo-o até
o âmago. Em seu íntimo, ele sabia disso. Até sabia que nome dar ao sentimento. A tal palavrinha
de partir o coração.
Amor.
Enquanto Francis drenava o último gole de champanhe, James fez uma promessa silenciosa
de beber muitas garrafas até o fim nos próximos dias. O que fosse para amenizar a dor de ter que
ficar de pé na igreja e ver o melhor amigo se casar com a mulher que amava.
Romances em português

Série
O Duque de Strathmore
Senhores de Londres

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A Carta Escandalosa do Marquês


Um Amor Proibido para uma Dama
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Apaixonada pelo duque espanhol


Sasha Cottman, autora best-seller do USA Today, nasceu na Inglaterra mas cresceu na Austrália. Ter o coração dividido entre
dois lugares resultou num amor por viagens, que na última contagem estava em 30 países. Sasha tem sempre um guia de viagem
na sua pilha de livros novos para ler.
Ela escreve romances ambientados no período da Regência na Inglaterra, Escócia e Europa.

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Notas da Autora

A cidade de Burton-on-Trent (Burton-upon-Trent) ainda mantém um mercado na cidade, todas


as quintas-feiras, o alvará tendo sido concedido pelo rei João em 1200.
A Casa de Bolos da Serpentina ficava na pousada. Entrou em funcionamento no início do
século XVII, mas fechou em 1826. Era famosa por seus cheesecakes.

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