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RESUMO: Este artigo reflete as condições do ser mulher na sociedade, assim como,
os atravessamentos e experiências causadas por conta do cenário devastador da
pandemia por COVID-19. Em que a sobrecarga do feminino, a divisão sexual do
trabalho e os marcadores estruturantes sociais sobre os papéis masculinos e
femininos, contribuíram nas trajetórias do cuidar dirigindo esta tarefa ao feminino.
Desta maneira, com a conjuntura pandêmica a violência de sobrecarga que se inicia
no lar, agora mede forças com o espaço público em que o contexto do Home Office
reúne os dois espaços e funções opostas em um resultado exaustivo e adoecedor
paras as mulheres, que são afetadas de maneiras distintas levando em conta os
aspectos raciais e de classe. Diante disso, o artigo retrata como a esfera do lar é
considerado um trabalho não remunerado, mas que, sobretudo, ampara as estruturas
do patriarcado e consequentemente o capital simbólico. Com a finalidade de analisar
e identificar as construções sociais e simbólicas sobre o papel do cuidado de modo
descritivo e qualitativo pautado nos estigmas sociais ao gênero e sobre a solidão da
pandemia do cuidado. Para isso, serão utilizados referenciais teóricos a partir de
vozes feministas da contemporaneidade, dispostas em seções, com o objetivo de
compreender as cargas seculares e a solidão das mulheres, especialmente negras,
carregadas de “Dororidades”.
ABSTRACT: This article reflects the conditions of being a woman in society, as well
as the crossings and experiences caused by the devastating scenario of the COVID-
19 pandemic. In which the female overload, the sexual division of work and the social
structural markers on male and female roles, contributed to the trajectories of care,
directing this task to the female. In this way, with the pandemic situation, the overload
1
Bacharela em Cultura, Linguagens e Tecnologias Aplicadas (UFRB), aluna especial de mestrado do
Programa Multidisciplinar de Pós- Graduação em Estudos Étnicos e Africanos (CEAO-UFBA), Pós-
graduanda em Direitos Humanos, Gênero e Sexualidade (DIHS/ENSP/FIOCRUZ) integrante do grupo
de pesquisa Direito e Sexualidade (UFBA- CNPq), integra a equipe Promotoras Legais Populares
(Coletivo Madás - UFBA) integrante do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Culturas, Gêneros e
Sexualidade (NuCuS- UFBA) nas linhas de Gênero e Sexualidade na Educação e Processos de
Subjetivação, Raça, Gênero e Sexualidade. E-mail: anacarolineos53@gmail.com
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violence that starts at home, now measures forces with the public space in which the
Home Office context brings together the two opposite spaces and functions in an
exhausting and sickening result for women, who are affected in different ways taking
into account racial and class aspects. Therefore, the article portrays how the home
sphere is considered an unpaid job, but that, above all, supports the structures of
patriarchy and, consequently, symbolic capital. In order to analyze and identify the
social and symbolic constructions on the role of care in a descriptive and qualitative
way based on the social stigmas of gender and on the loneliness of the care pandemic.
For this, theoretical references will be used from contemporary feminist voices,
arranged in sections, with the aim of understanding the secular burdens and loneliness
of women, especially black women, loaded with “Sorrows”.
1 INTRODUÇÃO
“TRAJETÓRIAS
Trajes de histórias
Trazes mulheres fora da história
Trajes de um patriarcado
Trazes no meu corpo
Trajes de dores
Trazes trajes de um tempo...
Trazes trajetórias de um mundo pandêmico
Trajes os meus direitos e destrave-os deste silêncio
Trazes o trânsito do gênero, a costura da raça
atravessada nas divisões de classe.
Trazes o não retrocesso, do trânsito da minha, da
sua trajetória.
(Ana Caroline Oliveira da Silva, 2021).”
Com essa provocação, começo este artigo com uma oferta poética sobre
mulheres em movimento, trajetórias e sentidos. E, portanto, trajetórias essas
romantizadas pela construção patriarcal que vivemos seja sobre as nossas narrativas,
ou sobre os silêncios que nos assombram. Começo aqui pensando, portanto, a
categoria mulheres e seus atravessamentos que marcam de forma tão dissidente
nossas experiências e intersecções de gênero, raça e classe movidas principalmente
sobre o que se é pensado e construído quanto à divisão sexual do trabalho e a carga
atribuída às mulheres. Em uma ilusão que contraí saldos altíssimos e imensuráveis,
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“Bela, recatada e do lar” tornou-se uma frase com grande repercussão nas mídias sociais, após a ex-
primeira-dama da época Marcela Temer, uma mulher branca e de classe média casada com o ex-
presidente do Brasil, Michel Temer (mandato de 2016-2018), em uma entrevista a Revista Veja refere-
se que o papel de mulher deveria ser no âmbito da beleza, de comportamento recatado e
principalmente na esfera do lar. Inúmeras críticas foram lançadas através das redes sociais com
manifestações como “bela, recatada e do bar” e dentre outras frases foram ressignificadas como forma
de protesto para dizer que lugar de mulher é no lugar que ela quiser, pois ser mulher não pode ser
definido como uma denominação universal, cada mulher possui subjetividades e experiências que as
diferem de outras. Como exemplo, ser mulher branca e ser mulher negra de forma alguma poderá ser
dimensionado de modo universal já que a raça, o gênero e classe são categorias que se entrecruzam
e modificam as experiências de vida e atravessamentos dentro desta perspectiva analítica.
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e educação das crianças. Sua conduta na esfera privada era ser casada e dever
obediência ao seu marido, o único provedor da casa, que juntamente com a mulher
zelavam pela moral e bons costumes da família. O Código Civil de 1916 consistia por
lei reiterar a mulher como um objeto feito somente para o lar, deste modo, dispor a
uma emancipação feminina era quase uma utopia mediante a tais circunstâncias,
principalmente no que tange a mulher no ingresso ao mercado de trabalho ou até
mesmo a divisão sexual do trabalho que se difere. De um lado o ingresso ao mercado
de trabalho para as mulheres brancas foi uma conquista, do outro para as mulheres
negras a esfera do trabalho exploratório era algo comum, logo, suas experiências de
emancipação caminhavam em lados distintos.
Em razão disto, neste artigo será discutido como a dominação do masculino
sobre o feminino marcam as experiências de mulheres até os dias atuais com alguns
referenciais teóricos de vozes feministas que ressignificaram a história de mulheres
como a da Vilma Piedade (2017) para transgredir nossas dororidades” 3; da Safiotti
(2011) em torno das perceptivas do patriarcado e das violações de gênero; da Beatriz
Nascimento (1990); da Lélia Gonzalez (1984) em relação ao feminino e divisão sexual
do trabalho; da Angela Davis (1981) sobre a condição da mulher na sociedade; da bell
hooks (1952) com o seu pensamento atemporal sobre o patriarcado, educação
feminista e mercado de trabalho; vozes essas de uma contemporaneidade que
expressam de maneira significativa o modelo de cultura patriarcal que perpassa as
espacialidades do ser mulher de forma tão agravante, sobretudo, em tempos
pandêmicos.
Consideramos que com a pandemia da COVID-19 a situação do Brasil torna-
se a mais alarmante de todos os tempos com índices assustadores de mortes por dia,
somando-se a uma situação política desastrosa e genocida. Desta forma, o Home
Office, surge como uma das alternativas mais adoecedoras psicologicamente
principalmente pelo espaço privado ter sido invadido pelo espaço público, este modelo
acaba gerando confusões entre espaços, e uma carga emocional ainda mais pesada
3
Dororidades é um conceito criado pela intelectual negra Vilma Piedade, que define que a sororidade
(irmandade entre mulheres) não consegue dar conta de dores pretas. Como a própria denomina em
seu livro de mesmo título, a autora se identifica ao final de sua obra “Sobre a Autora em Primeira
Pessoa” Maria Piedade é uma mulher preta, brasileira e feminista.
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A submissão feminina parte de uma premissa que o corpo feminino precisa ser
sempre dominado, controlado. Mas, porque um corpo que cuida, precisaria ser
controlado? Armadilhas como essa estão a todo o momento estruturadas de forma
invisível ou não, na religiosidade, na educação das crianças, no capital simbólico de
produtos de beleza, escondido entre a sessão 3 das taxas rosas4, nas mídias de
massas, que servem de base para que essas estruturas permanecem camufladas e
intactas na conservação do patriarcado.
A maioria dos homens acha difícil ser patriarca. A maioria dos homens
fica perturbada pelo ódio e pelo medo de mulher e pela violência de
4
O termo refere-se as sessões de mercado que incorpora produtos com diferentes preços para homens
e mulheres. A taxa rosa representa um preço final mais caro a produtos destinados a mulheres que
geralmente estão dispostos na embalagem e produtos na cor rosa. A exemplo desde lâminas de
barbear até produtos de beleza.
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pretas (33,7%) e pardas (33,0%) possuíam taxa de realização maior que pessoas
brancas (29,7%), sendo mais marcantes em mulheres. Enquanto cerca de 40% das
mulheres pardas e pretas realizavam cuidados em 2019, a taxa de realização entre
as brancas era de 33,5%.
Com isso, fica nítido que as discrepâncias entre mulheres brancas e negras
mudam o cenário do significado de cuidar e seus atravessamentos de raça e classe,
já que mulheres negras dividem a relação do cuidado que se estende geralmente a
comunidade, como vizinhos, idosos, amigos, além dos familiares. Assim, as
sobrecargas físicas e emocionais colidem de diferentes maneiras e logo tais
experiências durante a COVID-19 começam a demarcar o cuidado como nunca visto
na história, restaurando papéis sociais para o enfrentamento de uma pandemia de
saúde pública. O papel do cuidar e toda a sobrecarga que este nome carrega
continuam atribuídos ao feminino e porque não pensar na divisão sexual do trabalho
como solução desta problemática? Infelizmente a lógica de dominação e construção
simbólica dos sujeitos é um dos pontos que interferem quando discutimos este tema.
Durante o Código Civil de 1916, era impensável direitos fundamentais para as
mulheres por meio deste código, visto na Lei nº 3.071, em 1 de janeiro de 1916,
conhecida como Código de Beviláquia. Parecia um caminho distante, principalmente
porque a maioria dos códigos estavam sendo criados por homens brancos de alto
poder aquisitivo. Consequentemente, o ser mulher estaria universalizado à mulher
branca de classe alta, substancialmente em vários trechos da lei:
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integrava ao ser mulher, e muito menos como sujeito de direitos sociais advindas da
desumanização resultante de processos civilizatórios e escravocratas.
Ainda segundo Eduardo Junqueira junto ao CPDOC-FGV, o Código Civil de
1916 foi alterado em 1919 quando a mulher ocupa o mercado de trabalho ou espaço
privado e ideais de igualdade, e alguns outros avanços em 1962, não sendo
consideradas mais como incapazes perante a lei, no ano de 1977 a Lei nº 6.515 no
art. 267, permite-se o divórcio modificando também as relações que o matrimônio
representava nas condições do ser mulher. É importante salientar aqui que a
conquista do mercado de trabalho para as mulheres brancas não é uma novidade. As
mulheres negras SEMPRE ocuparam essa esfera em um modelo altamente
exploratório, hostil, animalizado e sexualizado, assim sendo, a libertação para as
mulheres brancas ainda aprisionava as mulheres negras 5.
A pandemia da COVID-19 entre o início de 2020 e 2021 volta a abrir fissuras
sociais sobre as desigualdades que nunca estiveram tão em evidência. Desigualdades
que tencionam gênero, raça e classe, a valorização de profissionais do cuidado e
principalmente do cuidado feminino. O “Fique em casa” surge para quem cuidar?
Segundo, Denise Pimenta, 2020 em Pandemia é coisa de Mulher: Breve ensaio sobre
o enfrentamento de uma doença a partir de vozes e silenciamentos dentro das casas,
hospitais e na produção acadêmica, relata:
5
Além disso, uma vez que as mulheres negras, enquanto trabalhadoras, não podia ser tratadas como
“sexo frágil” ou “dona de casa”, os homens negros não podiam aspirar á função de “chefes de família”,
muito menos á de “provedores da família”. Afinal, homens, mulheres e crianças eram igualmente
“provedores” para a classe proprietária de mão de obra escrava. (DAVIS, 1981, p. 20)
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trabalho, afetando ainda mais o modo como se constrói a divisão sexual do trabalho
e consequentemente na parceria de mulheres e homens como rede de apoio, pois
esse mesmo estigma sobre o trabalho reprodutivo que não gera valor monetário é
desvalorizado, logo, é visto como um lugar sem ocupação.
A economia feminista comenta sobre este fenômeno do cuidar que ultrapassa
as relações afetivas e trabalhosas, porém um trabalho que sustenta as bases do
patriarcado e capitalismo.
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É um termo utilizado para identificar e contradizer o fenômeno das “balas perdidas”. Visto que, a bala
achada geralmente encontra como destino um corpo, o corpo negro como alvo de violência e de vidas
ceifadas.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BEAUVOIR, Simone de. O Segundo sexo. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2009.
CHIZIANE, Paulina. Eu, Mulher ... por uma nova visão do mundo. Revista do
Núcleo de Estudos de Literatura Portuguesa e Africana da UFF. Niterói, v.5,
n.10, p.199-205, jan-jun, 2013.
2013. Disponível em: <
https://periodicos.uff.br/revistaabril/article/download/29695/17236>. Acesso em:
10/05/2021.
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Hooks, bell. O Feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras. 13. ed.
Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2020.
REVISTA VEJA. Marcela Temer: bela, recatada e “do lar”. Editora Abril: 18 de
abril de 2016. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/brasil/marcela-temer-bela-
recatada-e-do-lar/>.Acesso em: 02/05/2021.
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