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Imprensa Feminista, Jornal Mulherio (1981-1988) e A Defesa Do

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

IMPRENSA FEMINISTA, JORNAL MULHERIO (1981-1988) E A DEFESA DO


DIREITO AO ABORTO NO BRASIL

YASMIN SAYEGH AL KAS

Monografia de Graduação

Brasília (DF), dezembro de 2016


2

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


ao Departamento de História do Instituto de
Ciências Humanas da Universidade de Brasília
como requisito parcial para a obtenção do grau
de licenciado/bacharel em História.

Orientador: Profª Drº Mateus Gamba Torres

Banca Examinadora:

Professor Doutor Mateus Gamba Torres – HIS/UnB

Professora Doutora Teresa Cristina Novaes Marques – HIS/UnB

Professora Doutora Edlene Oliveira Silva – HIS/UnB

Defesa oral: 13 de dezembro de 2016

YASMIN SAYEGH AL KAS


3

Resumo

Este trabalho apresenta uma abordagem sobre a produção de periódicos feministas


no Brasil nas décadas de 1970 e 1980, período de ditadura militar, e o tratamento
dado a questão do aborto no Brasil, usando para isso o jornal Mulherio (1981 –
1988). A partir das lutas do movimento de esquerda brasileiro contra o regime
militar, o trabalho mostra a formação dos primeiros jornais de esquerda feministas e
a formação de um novo feminismo no Brasil a partir da produção do jornal Mulherio,
sua abordagem das temáticas feministas e, principalmente, a defesa do direito ao
aborto no Brasil e suas problemáticas. Assim, conceitos de gênero e de
patriarcalismo são trabalhados em conjunto com conceitos políticos de cidadania e
autonomia sobre o corpo num jornal feminista de grande vanguarda.

Palavras-chave: Feminismo, ditadura militar, imprensa alternativa, aborto, Mulherio.


4

Dedico estre trabalho ao meu querido companheiro


Bruno Duarte, que me ouviu, aconselhou e juntou-se
a mim em todos os momentos, me proporcionando
calma, amor e infinitas felicidades.
5

Sumário

Introdução...................................................................................................................6

1º Capítulo - Ditadura Militar, a mulher nos movimentos oposicionistas e a formação


dos periódicos feministas..........................................................................................12

2º Capítulo - Breve história do Mulherio e a abordagem da temática do aborto......21

Conclusão..................................................................................................................31

Arquivos consultados e Fontes


Bibliografia.................................................................................................................34
6

Introdução

A pesquisa que resultou no presente trabalho trata do espaço de fala


conquistado pelas mulheres a partir do ano de 1975, em plena ditadura militar.
Período esse marcado pela censura e por uma pluralidade de ideologias políticas,
que assumiam uma posição governista ou oposicionista, além de uma acentuada
prática repressiva do governo, caracterizada na violência, institucionalizada pelo
regime.1 Explorando especificamente a produção de periódicos elaborados por
mulheres nesse período, a exemplo dos jornais Brasil Mulher (1975 – 1980) e Nós
Mulheres (1976 – 1978), a pesquisa buscará aprofundar-se na problemática social
do aborto e de como, quando e porquê esse assunto era abordado nas edições dos
periódicos de teor feminista. Para esse trabalho foi escolhido o periódico Mulherio2
(1981 – 1988), publicado pela Fundação Carlos Chagas, em razão de representar,
em seu tempo, um importante espaço para divulgação do pensamento feminista, e
por discutir tão intensamente informações a respeito da defesa dos direitos
reprodutivos femininos.

A historiografia das mulheres permite um novo olhar sobre já conhecidos e


amplamente pensados acontecimentos e interpretações de tempos e vivências.
Permite uma nova categoria de análise, num viés de crítica cultural, que busca no
subjetivo da experiência humana novas considerações históricas, buscando fontes
no âmbito privado. Nessa realidade, trabalhar com a história das mulheres reforça o
mote feminista da década de 70: "o pessoal é político", sendo assim necessário
quebrar modelos de análise do político, do cultural e da produção de conhecimento.

[...] as mulheres forçam a inclusão dos temas que falam de si, que contam
sua própria história e de suas antepassadas e que permitem entender as
origens de muitas crenças e valores, de muitas práticas sociais
frequentemente opressivas e de inúmeras formas de desclassificação e
estigmatização. De certo modo, o passado já não nos dizia e precisava ser
re-interrogado a partir de novos olhares e problematizações, através de

1 ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Tradução de Clóvis
Marques. ed. Petrópolis, Vozes, 1964.
2 MULHERIO, São Paulo: Fundação Carlos Chagas.
7

outras categorias interpretativas, criadas fora da estrutura falocêntrica


especular. 3

A importância de contar uma história das mulheres se reclina também no


âmbito relacional de gênero, no momento de conquista de espaços e na promoção
de sua legitimidade de forma pública, ao transmitir sua individualidade e
subjetividades, interpretando-as num movimento de investir-se autonomia e
complexificação das relações.

A ampliação do conceito de cidadania, o direito à história e à memória não


se processavam apenas no campo dos movimentos sociais, passando a
ser incorporados no discurso, ou melhor, no próprio âmbito do processo da
produção do conhecimento. 4

Reconhecendo-se a presença feminina, não mais como aporte masculino, em


aspectos determinantes do que é hoje considerado história, abre-se um novo leque
de possibilidades de conhecimento que ilumina uma história não enxergada
anteriormente. A mulher é finalmente vista como sujeito social, cultural e político.
Reconhece-se a produção de conhecimento e a crítica social e cultural sob um viés
feminino, que observa subjetividades e problemáticas antes não identificadas, onde
a diferença constrói e é política, potencialmente histórica e produtora de significado.
Assim, trabalhar com a linguagem feminista nos periódicos, identificar, valorizar e
analisar historicamente os problemas propriamente femininos que eram levantados
nas edições dos periódicos é produzir história feminina.

Para alguns parece ser novidade a acentuada presença de mulheres na


militância de esquerda, mas essa impressão equivocada não surpreende. As
mulheres estiveram, desde o golpe militar de 1964, ativamente presentes na
militância, inclusive na luta armada, sendo expostas aos mesmos riscos que os
homens. Porém, sua presença era desvalorizada nesse meio, relegada a um
segundo plano de trabalho e importância, e sua voz diminuída.5 Com a derrota da
luta armada, um considerável grupo de mulheres da militância sentiram
sensivelmente as consequências físicas e psicológicas advindas da repressão, das

3 RAGO, Margareth. Epistemologia feminista, gênero e história. Pedro, Joana; Grossi, Miriam (orgs.)-
Masculino, Feminino, Plural. Florianópolis: Ed.Mulheres,1998. p. 13.
4 RAGO, Margareth. Epistemologia feminista, gênero e história. Pedro, Joana; Grossi, Miriam (orgs.)-

Masculino, Feminino, Plural. Florianópolis: Ed.Mulheres,1998. p. 14.


5 RAGO, Margareth. Os feminismos no Brasil: dos “anos de chumbo” à era global. Revista Labrys,

Estudos Feministas. Número 3, 2003.


8

torturas, prisões e mortes de pessoas queridas. Muitas dessas mulheres sofreram o


exílio.6

Nessa época, a modernização e a complexificação da vida em grandes


cidades permite e chama as mulheres a novas atividades. Os cuidados da casa e da
família, que antes era o único espaço reservado e permitido às mulheres de classe
média, agora não o são mais. Porém, mesmo saindo do ambiente familiar para o
trabalho, universidade e a vida social fora da casa, as mulheres sofriam
severamente, em qualquer atividade exercida, a desqualificação por serem
mulheres, por serem julgadas menos capazes que os homens, e essas
considerações acompanhavam um antigo discurso misógino de autoridade dos
homens sobre as mulheres, seu corpo, vontades e autonomia.7 Nesse ínterim,
lentamente introduz-se no contexto da esquerda brasileira, entre as mulheres,
conceitos sobre a situação e espaços da mulher em sociedade. Continuamente
sendo mantidas nos bastidores, essas mulheres, ao entrarem em contato com
novas leituras, realidades, conhecimentos e, principalmente, o feminismo que
advinha do exterior, em especial dos Estados Unidos e França, começaram a dar-se
conta de sua situação de opressão.8

Formam-se, a partir nos anos 1970, em diversos Estados brasileiros e em


poucos anos, grupos de mulheres - em sua maioria formados por mulheres
provenientes da classe média brasileira - que procuravam exercer uma atividade de
conscientização social e feminina, não somente na particularidade de suas reuniões,
mas exercendo um trabalho social com mulheres da periferia.9

A conquista de um espaço de fala garantido ao feminino propiciava a


exposição de seus pensamentos, inquietações e críticas, próprios à situação das
mulheres e os seus enfrentamentos cotidianos. Sem a presença masculina que,
além da política ditatorial, também se mostrava repressiva, o espaço de fala estava
assegurado às mulheres e valorizado como tal, permitindo a entrada de uma

6 LEITE, Rosalina de Santa Cruz. Brasil Mulher e Nós Mulheres: origens da imprensa feminista.
Revista de Estudos Feministas vol.11 no.1 Florianópolis, 2003.
7 LEITE, Rosalina de Santa Cruz. Brasil Mulher e Nós Mulheres: origens da imprensa feminista.

Revista de Estudos Feministas vol.11 no.1 Florianópolis, 2003, p. 239.


8 COLLING, Ana Maria. As mulheres e a ditadura militar no Brasil. VIII Congresso Luso-Afro-

Brasileiro de Ciências Sociais, Coimbra, 2014.


9 PEDRO, Joana Maria. O feminismo de "Segunda Onda" - Corpo, Prazer e Trabalho. In: PINSKY,

Carla Bassanezi; PEDRO, Joana Maria (Org.). Nova História das Mulheres no Brasil. São Paulo:
Contexto, 2012.
9

subjetividade da linguagem feminina, ainda em formação, questionadora, de


resistência e problematizadora das relações de gênero, do lugar da mulher em
sociedade e, ainda melhor, sobre o que é ser mulher.10

Os periódicos feministas que surgiram a partir da segunda metade da década


de 70 possuíam um caráter de pensamento e ação política, com uma linguagem
marxista, ainda fortemente atravessada pelo universo político masculino e da
militância de esquerda. Por isso também se autodenominavam de imprensa
democrática e independente, como a maioria dos inúmeros periódicos de oposição
ao regime militar que se formaram ao longo de todo o período da ditadura,
associando-se a eles.11

Atingir essas mulheres trabalhadoras periféricas era um dos propósitos dos


jornais feministas. Traziam consciência para sua realidade de trabalhadora e,
principalmente, consciência feminina, da diferença entre mulheres e homens sobre
a vivência de trabalho e lugar na sociedade. É necessário atentar para uma
importante conformidade entre o movimento feminista e a igreja. Os dois grupos
estavam interessados no trabalho com as mulheres periféricas como também na
atividade de oposição ao regime militar. Se uniam nessa questão num movimento
de apoio mútuo. Porém, essa associação trazia conflitos e limites para a divulgação
de um discurso feminista mais libertário, que tratasse de forma mais objetiva os
problemas das relações de gênero, sexualidade e contracepção, nisso incluída a
questão do aborto.12

A partir dos anos 80, acompanhando o processo de distensão política da


ditadura, o pensamento feminista mais intenso encontrava pleno fluxo de escrita nos
jornais independentes de absoluta organização feminina, que aos poucos iam se
investindo de uma linguagem muito própria, além da marxista. Traziam com mais
volume as questões da sexualidade feminina, métodos contraceptivos, relações de
gênero e, como uma novidade, a discussão irrestrita da problemática social do
aborto.

10 RAGO, Margareth. Os feminismos no Brasil: dos “anos de chumbo” à era global. Revista Labrys,
Estudos Feministas. Número 3, 2003.
11 Pela imprensa independente. Nós Mulheres. Associação de Mulheres. Nº 2. São Paulo.

Setembro/Outubro de 1976, p. 2.
12 SARTI, Cynthia A. O início do feminismo sob a ditadura no Brasil: o que ficou escondido. XXI

International Congress of LASA, Chicago, v.26, 1998, p.5.


10

Para trabalhar com tais questões a pesquisa será desenvolvida a partir da


análise do periódico Mulherio (1981-1987), com acesso através do acervo digital do
website da Fundação Carlos Chagas, responsável pela publicação do periódico em
seus primeiros anos.13 O interesse no periódico será no sentido de compreender e
usá-lo como fonte fundamental do pensamento feminista de uma época e lugar,
pensado e trabalhado através de anos dentro dos grupos de mulheres. O periódico
torna-se ponto de partida de uma análise e não algo que corrobore e some à história
de outro objeto ou fato histórico estudado.14

Tratando de reconhecer a característica da fonte, em todas as suas


especificidades, como um instrumento de comunicação, de intervenção na vida
social, e mesmo de manipulação, o estudo do periódico também se atenta às
problemáticas de sua produção, e como o mesmo estava inserido em seu meio.
Assim, a fonte aparece como um objeto de pesquisa histórica sujeita a uma
observação pragmática.

Um aspecto de extrema relevância é situar o periódico em seu lugar de


produção. Quem o produziu, qual sua história, quem o fomentava, qual sua fonte de
renda são perguntas que merecem resposta para uma melhor análise crítica.
Definidas essas partes, parte-se para a análise do conteúdo do periódico. Nesse
sentido, torna-se importante observar o vocabulário utilizado, identificando matizes
da ideologia dominante presente, podendo assim identificar motivações políticas.
Questões de ordem semiótica também merecem relevância: uso de imagens, como
fotografias, quadrinhos e desenhos aproxima o que se quer dizer, as
intencionalidades, da compreensão mais subjetiva de quem lê. 15

Seguindo esse processo de análise dos periódicos, a pesquisa se concluirá


com a análise crítica e comparativa dos discursos presentes, acerca do tema do
aborto e suas problemáticas sociais no Brasil, sendo o aborto um assunto de grande
relevância dentro das reuniões e trabalhos dos grupos de mulheres. Sem esquecer
que o assunto, à época e ainda hoje, é rodeado de tabus e polêmicas, a análise dos
textos percorrerá também o momento político que se vivia, e as relações de poder,

13 MULHERIO. Fundação Carlos Chagas: São Paulo. Disponível em:


<http://www.fcc.org.br/conteudosespeciais/mulherio/>. Acesso em: 15 de out. 2016.
14 DE LUCA, Tania Regina. História Dos, Nos e Por Meio dos Periódicos. In:______. PINSKY, Carla

Bassanezi. Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005, p.118.


15 Idem.
11

subjetivas ou não, em detrimento da liberdade de fala. Das 40 edições de Mulherio,


são usadas na pesquisa aquelas que tem em seu conteúdo menções artigos que
tratam especificamente da questão do aborto (números 4, 9, 14, 15, 16 e 30).

O trabalho será dividido em dois capítulos. O primeiro tratará do contexto da


ditadura, a interpretação da presença feminina dentro dos movimentos
oposicionistas de esquerda e como, num momento vindouro, essas mesmas
mulheres passaram a formar e liderar grupos exclusivamente femininos, que
tratavam de questões femininas, vindo então a conceber a produção de periódicos
que também eram exclusivamente produzidos por mulheres. Assim, o capítulo vai
tratar do caminho percorrido para que se chegasse a formação de um ideal
feminista militante.

No segundo capítulo, será tratada a história da formação do jornal Mulherio,


suas características fundamentais como um periódico, sua linguagem e,
principalmente, o que foi produzido sobre a questão do aborto. Assim, introduzido o
problema do aborto, discutido como um problema social, cultural e de saúde pública,
o capítulo seguirá para uma análise mais profunda sobre o discurso feminista
manifestado no periódico quando abordada a problemática do aborto.
12

Capítulo 1 - Ditadura Militar: a mulher nos movimentos oposicionistas e a


formação dos periódicos feministas.

No período da ditadura militar (1964 – 1985) estava em curso no Brasil um


momento de modernização e consequente complexificação da sociedade nos
centros urbanos. Essa modernização se dá pela transformação econômica iniciada
no Brasil a partir dos anos 50, e que se amplia consideravelmente durante os anos
da ditadura, pautada no estímulo a investimentos estrangeiros. Essa política
ocasionou uma desnacionalização da economia brasileira que passava a ser
dominada pelo capital americano. Tal fato proporciona, já nos anos 60, uma
modernização no estilo de vida da classe média brasileira, marcada por um maior
poder de consumo.16 Concomitantemente há uma entrada maior da mulher branca,
de classe média e alta, no mercado de trabalho e nas universidades, ainda que de
forma excludente. Esse processo acaba por gerar modificações nas relações
cotidianas das mulheres em seus processos de autoconhecimento e atuação, numa
busca real do direito de ocupar os espaços públicos. 17

Este processo de modernização, acompanhado da efervescência cultural


de 1968, de novos comportamentos afetivos e sexuais relacionados ao
acesso à métodos anticoncepcionais e ao recurso às terapias psicológicas
e à psicanálise, impactou o mundo privado. Novas experiências cotidianas
entraram em conflito com o padrão tradicional de valores nas relações
familiares, sobretudo por seu caráter autoritário e patriarcal. 18

É importante pontuar que as mulheres pobres e negras a muitas décadas


trabalhavam fora de casa e gerenciavam economicamente suas famílias, sem ter
pleno acesso aos meios de consumo, educação e trabalho de que dispunham
mulheres de classes mais altas, configurando-se aí uma desigualdade econômica
caracterizada por uma histórica de exclusão social dessas mulheres.19

16 ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Tradução de Clóvis
Marques. ed. Petrópolis, Vozes, 1964, p. 75.
17 BASTOS, Natalia de Souza. Perdão, meu capitão, eu sou gente para mais além do meu sexo: a

militância feminina em organizações da esquerda armada (Brasil, anos 1960-1970). Niterói, v.8 n. 2,
2008. Revista Gênero, p. 48.
18 SARTI, Cynthia A. O início do feminismo sob a ditadura no Brasil: o que ficou escondido. XXI

International Congress of LASA, Chicago, v.26, 1998, p.4.


19 NUNES, Gilcerlândia Pinheiro de Almeida. “A Integração do Negro na Sociedade de Classes”: uma

difícil via crucis ainda a caminho da redenção. Revisa Cronos, Natal-RN, v. 9, n. 1, p. 247-254,
jan./jun. 2008, p. 251.
13

Nota-se, todavia, que nesse momento as mulheres de classe média e alta,


que compartilhavam de relações familiares de caráter tradicional, passam a ocupar
espaços que antes eram ocupados de forma absoluta por homens. Saindo de seu
espaço privado, do cuidado da casa, do marido e da família, essas mulheres vão ter
acesso a novas experiências e conhecimentos, principalmente no espaço da
universidade e com a entrada de novos valores sexuais e comportamentais que
floresciam em outros países e começaram a influenciar a vida das jovens
brasileiras. Por exemplo, o uso das pílulas anticoncepcionais permite pensar o sexo
como prazer, separado da reprodução, permitindo a essas mulheres maior liberdade
sexual. Transgredindo espaços que eram inicialmente destinados apenas aos
homens, essas mulheres tiveram acesso a novas oportunidades, conquistando o
efetivo direito de ir e vir, de estar na rua, na universidade, de construir uma carreira,
ter prazer no ato sexual e, principalmente, de atuar politicamente. 20

É nesse contexto que inclui-se a participação feminina nos movimentos de


oposição política ao regime ditatorial. Inicialmente participantes de movimentos
estudantis e sindicais, as mulheres surpreenderam à época por uma quebra de
padrão onde, mesmo sofrendo intolerância, e por meio de muito esforço,
conquistaram espaços e puderam se firmar como sujeitos políticos, tomar decisões
e liderar grupos e ações. "O elemento novo trazido pela militância feminina era o
fato de as mulheres romperem também com o padrão da moça bem comportada,
21
virgem, futura mãe de família."

É importante perceber o motivo da existência de tantos grupos que estavam


trabalhando num movimento de oposição política ao regime militar. O mesmo se
caracterizava especialmente pelas diferentes formas de repressão contra qualquer
pessoa, movimento, meios de expressão, que se opusessem ao regime ou que
trouxessem alguma afronta política, e daí pode-se incluir qualquer tipo de
expressão, que era considerada contrária à "moral e bons costumes" da população
brasileira. O recrudescimento da autoridade política e da força policial funcionaram
como engates para que os movimentos oposicionistas crescessem em número e
atividades.

20 BASTOS, Natalia de Souza. Perdão, meu capitão, eu sou gente para mais além do meu sexo: a
militância feminina em organizações da esquerda armada (Brasil, anos 1960-1970). Niterói, v.8 n. 2,
2008. Revista Gênero, p. 46.
21 Ibidem, p. 48.
14

É importante lembrar que 1967 começou com uma débil tentativa dos
estudantes em manifestações de chamar a atenção para seus problemas
específicos. Em 1968, este movimento já tinha a adesão de muita gente de
diferentes classes e correntes ideológicas. O conflito deslocara-se dos
estudantes para as classes médias, em seguida para os trabalhadores e
finalmente, graças à repressão, envolvera a Igreja Católica. Os focos
originais de oposição não foram eliminados pelo poder coercitivo do Estado.
Na realidade, fortaleceram-se com a adesão de outros setores e ganharam
legitimidade com a repercussão de suas atividades no Congresso Nacional.
22

Com a imposição do Ato Institucional Nº 5, no dia 13 de dezembro de 1968, o


estado se tornou mais autoritário. Políticos que se opusessem ao governo estavam
cada vez mais sujeitos à cassação de seus cargos e direitos políticos. Cidadãos
considerados "inimigos internos" do governo perdiam seus direitos de defesa e
estavam à mercê da prisão arbitrária e da tortura, agora de forma institucionalizada.
Nesse mesmo momento, os veículos de comunicação que contestavam medidas
políticas e denunciavam a repressão da polícia sofriam com a censura, prisões e
fechamento de suas sedes. Os artistas e suas produções (teatro, música, cinema,
literatura) eram obrigados a passar pelo crivo do órgão institucional de censura do
regime.23

Nesse momento de extrema repressão a qualquer forma de oposição e crítica


ao regime, inicia-se no Brasil a luta armada. Ela se apresenta ideologicamente para
muitos como a única opção para a derrubada do regime. Sobrevivendo na
clandestinidade, formados em sua maioria por membros da classe média e de
movimentos estudantis, estavam as mulheres ali também presentes nos diferentes
grupos de luta armada, como apoio, organização e liderança. É importante distinguir
a presença feminina nesses grupos, pois se tratavam de espaços ideológica e
doutrinariamente masculinos. A forma como mulheres eram recebidas e percebidas
nesses espaços, clandestinos e extremamente organizados, estava carregada de
pré-conceitos trazidos originariamente das relações de gênero em sociedade.
"Ademais, as relações de gênero são um elemento constitutivo das relações

22 ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Tradução de Clóvis
Marques. ed. Petrópolis, Vozes, 1964, p. 136.
23 Ibidem, p. 131.
15

baseadas nas diferenças hierárquicas que distinguem os sexos, e são, portanto, [...]
uma forma primária de relações significantes. 24

Participantes desses grupos, tanto de movimentos estudantis e da luta


armada, as mulheres eram permeadas por uma dominação sexista. No momento
que transgrediam a "norma" feminina de ser, admitida em sociedade,
instantaneamente adquiriam, aos olhos dos outros, uma natureza masculina. Esse
processo de masculinização das mulheres foi também, muitas vezes, artificializado
pelas mesmas para que pudessem ser respeitadas e não serem mais tratadas como
submissas e frágeis dentro dos movimentos de oposição. 25

A ação dos militares contra os movimentos armados de oposição foi


extremamente eficiente. Desaparecimentos, assassinatos, diferentes tipos de tortura
(emocional e física), amedrontamento e exílio. Foi um período de grande sofrimento
e medo para qualquer grupo sabidamente oposicionista, e de uma sensação de
desesperança frente a força violenta do Estado.

As forças de repressão dizimaram as fileiras das organizações clandestinas


pelo generalizado uso da tortura para obter informações que pudessem
levar à prisão de outros e ao desmantelamento das redes de apoio dos
grupos de guerrilha. 26

Um número considerável de mulheres que participaram das movimentações


de oposição e luta armada foram presas, torturadas e muitas delas sofreram
também o exílio. Esses acontecimentos e a experiência de militância na esquerda
reforçaram perspectivas sobre problemáticas da justiça social e sobre seu
posicionamento como mulher numa sociedade política e culturalmente controlada
por homens. Essas mulheres passam a afirmar-se também como seres políticos,
com voz e poder, que deveriam estar em pé de igualdade com os homens.

Algumas mulheres que participaram dos grupos de esquerda


revolucionária, após a derrota das organizações, redefiniram seus projetos
políticos, abordando outras temáticas. Nesta nova fase da vida, algumas
optaram pela militância em organizações feministas. Para muitas, o

24 BASTOS, Natalia de Souza. Perdão, meu capitão, eu sou gente para mais além do meu sexo: a
militância feminina em organizações da esquerda armada (Brasil, anos 1960-1970). Niterói, v.8 n. 2,
2008. Revista Gênero, p. 53.
25 Ibidem, p. 62 – 63.
26 ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Tradução de Clóvis

Marques. ed. Petrópolis, Vozes, 1964, p. 160.


16

movimento feminista ofereceu elementos para a redefinição de suas


trajetórias políticas. 27

Ao se tratar do feminismo no Brasil no período da ditadura militar, deve-se


pensar no surgimento dos primeiros grupos de mulheres, a partir da década de 70.
Eram chamados de grupos de consciência ou grupos de reflexão, e não
necessariamente se identificavam com o termo "feminista". Formados
exclusivamente por mulheres, tratavam-se de grupos que se reuniam para dialogar,
ouvir e debater questões e problemas que estavam especificamente conectados ao
universo feminino, seguindo um pensamento de "libertação" feminina do machismo
e outras formas de violência sofridas dentro e fora do ambiente doméstico. Assim
que o grupo alcançasse o número de 24 mulheres participantes, ele seria dividido,
formando outros grupos. Dessa forma, acabaram por espalhar-se por diversos
estados brasileiros.28

Em seus debates, as participantes dos grupos de reflexão/consciência


adotavam uma metodologia chamada "linha da vida" que as levava a falar
sobre suas vivências pessoais. Conversaram sobre como viam o próprio
corpo e o dos homens, contavam sobre a experiência da menstruação ou
do aborto, narravam situações em que percebiam terem sido discriminadas
por ser mulher na família ou no trabalho, comentavam a relação com o pai,
com marido, com outros homens, diziam o que pensavam a respeito do
desejo sexual e do prazer. Essas mulheres consideravam que a vida
privada era fruto da sociedade. Abraçaram, então, o slogan feminista
difundido internacionalmente: "O pessoal é político". 29

Dessa forma, as mulheres conferem-se autonomia para dizer o que querem e


da forma como querem sobre o assunto que lhes for importante. Passar a pensar o
pessoal como político, e o individual como coletivo dentro do espaço de reunião
feminina, retira do espectro social e cultural apenas universo doméstico e subjetivo
de experiências femininas cercadas pela naturalização do machismo em sociedade.
Margareth Rago comenta que "a diferença sexual inscrita nas práticas e nos fatos é
sempre construída pelos discursos que a fundam e a legitimam [...]." 30 Essas
mulheres passam a pensar os espaços, ações e vontades que lhes são negadas por
serem mulheres, começam a questionar essas concepções, que eram tão

27 BASTOS, Natalia de Souza. Perdão, meu capitão, eu sou gente para mais além do meu sexo: a
militância feminina em organizações da esquerda armada (Brasil, anos 1960-1970). Niterói, v.8 n. 2,
2008. Revista Gênero, p. 68.
28 PEDRO, Joana Maria. O feminismo de "Segunda Onda" - Corpo, Prazer e Trabalho. In: PINSKY,

Carla Bassanezi; PEDRO, Joana Maria (Org.). Nova História das Mulheres no Brasil. São Paulo:
Contexto, 2012, p. 241.
29 Ibidem, p. 244-245.
30 RAGO, Margareth. Epistemologia feminista, gênero e história. Pedro, Joana; Grossi, Miriam

(orgs.)- Masculino, Feminino, Plural. Florianópolis: Ed.Mulheres,1998, p. 7.


17

naturalmente aceitas, compreendendo-as como algo histórico e político,


designadoras de um destino e molde de sociedade.

Os grupos femininos de consciência passaram a crescer consideravelmente,


e desse crescimento surgiram grupos mais estruturados. O CMB, Centro da Mulher
Brasileira, é fundado em 1975 na cidade do Rio de Janeiro. Em outubro do mesmo
ano é fundado em São Paulo o CDMB, Centro de Desenvolvimento da Mulher
Brasileira "com o objetivo de ser um centro, com sede física e estatutos, de estudos
e reflexão voltados para o desenvolvimento de uma "consciência nacional da
condição da mulher". 31

Esses grupos, majoritariamente formados por mulheres de classe média


advindas de grupos de esquerda, buscavam em seu interior uma nova forma de
trabalhar a política, onde criticava-se "as relações verticalizadas, hierarquizadas e
32
burocratizadas, tão presentes na prática dos grupos de esquerda brasileiros."
Tiveram uma atuação muito importante no sentido de promover reuniões, eventos,
seminários, pressões políticas e atuações sociais com mulheres pobres e
periféricas. É nesse momento, a partir de 1975, que surgem os primeiros periódicos
oriundos dos grupos de mulheres.

Inicialmente vale ressaltar que, durante os anos do governo militar, surgiu


no Brasil um tipo de imprensa denominada democrática ou alternativa por
uns e, por outros, de imprensa nanica. Esses jornais, com formato tabloide
e muitas vezes de tiragem irregular e circulação restrita, eram vendidos em
bancas, porém a venda mais significativa ocorria no âmbito da militância.
Tratava-se de uma imprensa com características de esquerda e de
oposição ao regime, artesanal e comercializada, prioritariamente, mão a
mão, ou seja, através da venda por militantes dos movimentos populares
em eventos ou nas sedes das próprias organizações. 33

Os periódicos ligados aos grupos de mulheres possuíam muitas das


características citadas sobre a imprensa democrática e/ou alternativa, como uma
tiragem e periodicidade irregular causada sempre por uma situação financeira
precária, conseguindo sua maior quantidade de vendas dentro das reuniões e
seminários das associações de mulheres.

31 PEDRO, Joana Maria. O feminismo de "Segunda Onda" - Corpo, Prazer e Trabalho. In: PINSKY,
Carla Bassanezi; PEDRO, Joana Maria (Org.). Nova História das Mulheres no Brasil. São Paulo:
Contexto, 2012, p. 241, p. 247.
32 BASTOS, Natalia de Souza. Perdão, meu capitão, eu sou gente para mais além do meu sexo: a

militância feminina em organizações da esquerda armada (Brasil, anos 1960-1970). Niterói, v.8 n. 2,
2008. Revista Gênero, p. 47.
33 LEITE, Rosalina de Santa Cruz. Brasil Mulher e Nós Mulheres: origens da imprensa feminista.

Revista de Estudos Feministas vol.11 no.1 Florianópolis, 2003, p. 234.


18

Ligado ao Centro de Desenvolvimento da Mulher Brasileira, o periódico Brasil


Mulher foi fundado pela Sociedade Brasil Mulher, com a publicação de seu número
zero em 9 de outubro de 1975. A jornalista Joana Lopes estava a frente da editoria.
Com 16 edições normais e mais quatro extras, o jornal durou até o ano de 1980. O
periódico Nós Mulheres, fundado pela Associação de Mulheres em 1976, possuiu
oito edições e esteve ativo até o ano de 1978. Formados majoritariamente por
mulheres que participaram de movimentos de militância da esquerda, muitas delas,
anteriormente a participação nos jornais, atuaram clandestinamente, foram presas,
torturadas e exiladas. 34

O periódico Brasil Mulher, em seu número zero, não se assumiu abertamente


como um jornal feminista, porém se posicionou num lugar de defesa das mulheres
numa sociedade onde são vividas inúmeras limitações e dificuldades ao ter-se
nascido mulher. Apenas em seu número dois o periódico vai se assumir como uma
imprensa feminista. Possuía um corpo editorial formado em sua maioria por
jornalistas de antiga experiência com a imprensa. Rosalina de Santa Cruz Leite,
membro do conselho editorial, enumera algumas de suas características e
enfoques:

Quanto aos temas divulgados, vale destacar que o jornal Brasil Mulher,
desde o número 0, afirmava a especificidade da luta das mulheres pela sua
emancipação, debatia um conjunto de questões teórico-práticas ligadas à
explicação da dominação/exploração das mulheres e divulgava as teses
sobre a superação da sociedade patriarcal. Por outro lado, posicionava-se
sobre todos os fatos conjunturais em pauta na realidade brasileira pós-luta
armada, em plena vigência da ditadura militar e da reorganização do
movimento popular.35

O periódico Nós Mulheres possuía características de produção mais


alternativas, com um corpo editorial bastante diversificado, (estudantes de
psicologia, história, sociologia) e apenas uma jornalista profissional. 36 Em seu
primeiro editorial tem-se conhecimento de seu projeto como um jornal
declaradamente feminista e inteiramente voltado para as mulheres:

Desde que nascemos, nós Mulheres, ouvimos em casa, na escola, no


trabalho, na rua, em todos os lugares, que nossa função na vida é casar e

34 LEITE, Rosalina de Santa Cruz. Brasil Mulher e Nós Mulheres: origens da imprensa feminista.
Revista de Estudos Feministas vol.11 no.1 Florianópolis, 2003, p. 235.
35 Ibidem, p. 237.
36 MORAES, Maria L. Q. de. A experiência feminista nos anos setenta. In: TAMIÃO, Juliana Segato.

Escritas Feministas: os jornais Brasil Mulher, Nós Mulheres e Mulherio (1975-1988). Dissertação de
Mestrado em História Social. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP. São Paulo,
2009, p.33.
19

ter filhos. Que Nós Mulheres não precisamos estudar nem trabalhar, pois
isto é coisa para homem. [...] Aprendemos também que devemos estar
sempre preocupadas com nossa aparência física, que devemos ser dóceis,
submissas e puras para conseguir marido. [...] Quando vamos procurar
emprego, [...] sempre encontramos mais dificuldades que os homens
porque somos mulheres. Dizem-nos que não seremos boas trabalhadoras
porque traremos para o serviço o cansaço de casa e a preocupação com
nossos filhos. E quando, com muita dificuldade, conseguimos um emprego
[...] sempre ganhamos menos que os homens, mesmo fazendo o mesmo
que eles. E, neste emprego, nossos cargos são sempre subalternos. Nós
Mulheres somos oprimidas porque somos mulheres. [...] NÓS MULHERES
decidimos fazer este jornal feminista para que possamos ter um espaço
nosso, para discutir nossa situação e nossos problemas. E, também, para
pensarmos juntas nas soluções. 37

Os dois periódicos possuem muitas diferenças estruturais entre si, porém não
perdem o teor feminista e a linguagem de esquerda tão profundamente conectada
ao pensamento teórico dos grupos de esquerda. Nos dois periódicos há o debate
acerca do direito à creches, o Movimento de Luta por Creches, que valorizava o
trabalho feminino, priorizando a mulher da classe operária. Percebe-se claramente
em seus artigos a presença de uma forte linguagem marxista, que vai trabalhar com
os problemas e as dificuldades que provém de desigualdades sociais profundas,
focando-se especificamente nas desigualdades sofridas por mulheres pobres e
periféricas, entendendo assim que a dominação sexual masculina "está ancorada no
capitalismo e no patriarcado, como dois sistemas que interagiam mutuamente."38

Brasil Mulher e Nós Mulheres também traziam como temática críticas


sistemáticas a qualquer conteúdo produzido e divulgado através de um meio de
comunicação que trouxesse uma imagem deturpada sobre o feminino. Vão criticar a
forma como esses meios criam e naturalizam a imagem de uma mulher ideal, que
fabricam características do que é feminino, estereotipadas e padronizadas, que
servem a um padrão de vida de consumo e submissão feminina. É dessa forma que
os periódicos vão trazer fotografias e relatos de mulheres em seu cotidiano e
realidade. Focando especialmente em mulheres pertencentes a bairros pobres e
periféricos, vão relatar sobre seu trabalho e dificuldades diárias, identificando uma
mulher que foge absolutamente de qualquer estereótipo publicitário, a mulher

37Editorial. Nós Mulheres. Associação de Mulheres. N.1. São Paulo, junho de 1976.
38TAMIÃO, Juliana Segato. Escritas Feministas: os jornais Brasil Mulher, Nós Mulheres e Mulherio
(1975-1988). Dissertação de Mestrado em História Social. Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo - PUC-SP. São Paulo, 2009, p. 61.
20

verdadeira, que possuiu opinião, trabalha intensamente, dentro e fora de casa, toma
39
decisões importantes e passa diariamente por muitas dificuldades.

Os periódicos aparecem nesse momento político brasileiro como um


instrumento de voz feminina. Silenciada cotidianamente nos mais diversos espaços,
encontra abertura, no espaço criado pelo feminino, à produção de cultura,
expressão de pensamentos e militâncias femininas e, principalmente, à produção de
uma história feminina, que coloca a mulher como sujeito principal da ação. Tão
importante quanto isso é a tentativa de fazer essa voz ser ouvida através de um
meio de comunicação de forte impacto numa época como a do regime militar,
marcado pela censura e conservadorismos. A crítica, o questionamento e o debate
marcam fortemente esses periódicos. Essas mulheres trazem novas perspectivas e
retiram do espaço da normalidade aquilo que era tão aceito e compreendido de
forma espontânea. Desconstroem configurações ideológicas, políticas e sociais,
estudam a história, que vulgarmente invisibilizou as mulheres através do tempo, e a
criticam.

Ao fazer isso, passam a valorizar o que é feminino onde ele estiver, no


espaço público ou privado, encontrando nele subjetividades, substâncias, sentidos
concretos do fazer político (nesse contexto, assimilando o social) e cultural
propriamente feminino. Assim, essas mulheres se afirmam num espaço e
comunicação de linguagem própria, fazendo-se entender, produzindo novas
interpretações e significados. Enfim, produzindo e expressando culturas e políticas
femininas. 40

39 TAMIÃO, Juliana Segato. Escritas Feministas: os jornais Brasil Mulher, Nós Mulheres e Mulherio
(1975-1988). Dissertação de Mestrado em História Social. Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo - PUC-SP. São Paulo, 2009, p. 87.
40 RAGO, Margareth. Os feminismos no Brasil: dos “anos de chumbo” à era global. Revista Labrys,

Estudos Feministas. Número 3, 2003.


21

2º Capítulo - Breve história do Mulherio e a abordagem da temática do aborto

Se durante o período mais repressivo da ditadura militar no Brasil eram


poucos os jornais que falavam direta ou exclusivamente sobre a condição feminina
e feminismos no Brasil, foi com o declínio do regime militar que se viu o
amadurecimento da imprensa feminista no país. Através da leitura dos periódicos
Nós Mulheres e Brasil Mulher, que estiveram ativos respectivamente até os anos de
1978 e 1980, percebe-se uma imprensa ainda iniciante na defesa de direitos
políticos considerados essenciais e basilares do feminismo, quando comparados os
conteúdos com as reivindicações do feminismo na época.

Ademais da defesa do direito à creches gratuitas e de qualidade, de equidade


no trabalho e nas funções do cuidado da casa e da família, além da denúncia da
violência contra a mulher, esses jornais pouco ou nada falavam sobre as questões
sexuais, da propriedade e autonomia do corpo feminino, planejamento familiar e,
principalmente, sobre o aborto, temática tão significativa e grave para as condições
de existência feminina no Brasil.41

Apesar dessas temáticas estarem tão presentes nos movimentos de


mulheres, existiam motivos relevantes para que não fossem mencionados nos
periódicos com frequência. Era tácita a presença da Igreja Católica em movimentos
de oposição ao regime ditatorial com uma articulação de ajuda social a camadas
populares e organizações de bairro, configurando-se aí uma aliança, " [...] de um
lado, o feminismo que buscava explicitar as questões de gênero, do outro, os
grupos de esquerda e a Igreja Católica [...]". 42

Com essa aliança, tratar de assuntos que para a Igreja eram desviantes,
como o aborto e o uso de anticoncepcionais, poderia gerar conflitos, perdendo a
união necessária para que os objetivos da oposição ao regime militar estivessem
em conformidade e tivessem forte atuação. Porém, essas temáticas continuaram a
ser trabalhadas na "esfera das discussões privadas, feitas em pequenos grupos de

41 RAGO, Margareth. Os feminismos no Brasil: dos “anos de chumbo” à era global. Revista Labrys,
Estudos Feministas. Número 3, 2003.
42 FREITAS, Viviane Gonçalves. O jornal Mulherio e sua agenda feminista: primeiras reflexões à luz

da teoria política feminista. Revista do Programa de Pós-Graduação em História - UnB. Brasília,


vol.2, n. 4, 2014. p. 153.
22

reflexão, sem ressonância pública."43 Acompanhando o processo de abertura


política do Brasil, o público leitor viu surgir uma nova forma de jornalismo feminista
com o jornal Mulherio.

Na década de 80, pesquisadoras da Fundação Carlos Chagas envolvidas


com o estudo da condição feminina no Brasil preocuparam-se em
sistematizar informações sobre o assunto. No início, a proposta era compor
um boletim de notícias que fizesse o intercâmbio entre as diversas
instituições e estudiosos do tema. Forneceriam dados de forma sistemática
e abrangente sobre os problemas que envolviam a mulher brasileira. 44

Resultado de pesquisas engajadas do Coletivo de Mulheres do Departamento


de Pesquisas da Fundação Carlos Chagas, o Mulherio aparece como um jornal
especialista no assunto do feminismo. Assunto já incorporado aos estudos e meios
acadêmicos brasileiros. A trajetória do jornal pode ser dividida em três fases.
Contando com o apoio financeiro da Fundação Ford até o ano de 1988, o jornal
manteve uma periodicidade bimestral, publicando 16 números até outubro de 1983.
Estavam a frente dessa primeira fase Fúlvia Rosemberg, pesquisadora responsável
pelo projeto, e a editora e jornalista Adélia Borges. Em sua segunda fase o jornal
desvincula-se da Fundação Carlos Chagas por questões burocráticas, fato que
provoca uma transformação na produção do jornal, que diminui consideravelmente.
A jornalista Inês Castilho tornou-se editora responsável dessa segunda fase. Até o
ano de 1988, o jornal contou com as análises e contribuição de grandes
pesquisadoras, como a jornalista Maria Rita Kehl, a antropóloga Ruth Cardoso, a
filósofa Marilena Chauí e a cientista social Carmem Barroso. Em sua terceira fase, a
partir de 1988, passa a intitular-se jornal Nexo, Feminismo, Informação e Cultura,
perdendo assim o enfoque majoritariamente feminista e abrindo espaço para novas
abordagens, fazendo parte da edição o artista plástico Guto Lacaz. Por não contar
mais com o financiamento da Fundação Ford e, tendo apenas lançado dois números
nesta terceira fase, o jornal encerra suas atividades no mesmo ano.45

O jornal Mulherio manteve-se distante do discurso marxista tão usado nos já


citados Brasil Mulher e Nós Mulheres, por não apresentar-se como um jornal de
oposição ao regime, mas sim como um jornal feminista. Apresenta-se aí um "novo
43 FREITAS, Viviane Gonçalves. O jornal Mulherio e sua agenda feminista: primeiras reflexões à luz
da teoria política feminista. Revista do Programa de Pós-Graduação em História - UnB. Brasília,
vol.2, n. 4, 2014, p.153.
44 Mulherio. Uma História. Fundação Carlos Chagas.
45 FREITAS, Viviane Gonçalves. O jornal Mulherio e sua agenda feminista: primeiras reflexões à luz

da teoria política feminista. Revista do Programa de Pós-Graduação em História - UnB. Brasília,


vol.2, n. 4, 2014, p. 160 – 161.
23

feminismo", onde o corpo feminino toma contorno e torna-se um elemento medular


da formação temática e editorial do periódico. Através do estudo das "políticas do
corpo", abre-se um novo leque de possibilidades de análise e crítica social, tão
caras ao feminismo contemporâneo. O corpo feminino passa a ser protagonista nas
análises políticas e culturais dos espaços, representações e nos estudos dos
silenciamentos femininos numa sociedade construída a partir de estruturas de
dominação patriarcais.46 Essas estruturas são denunciadas no artigo de Marilena
Chauí para o Mulherio, Em torno da política do corpo:

O corpo, pelo menos em nossa sociedade, é um dos objetos privilegiados


para o exercício da dominação. [...] O arsenal da filosofia, da ciência e do
direito foi mobilizado para converter em teoria a prática da opressão
corporal. [...] De modo sumário e grosseiro, digamos que a religião e a
moral religiosa invocam um corpo penitente, enquanto a ciência e as
técnicas produzem um corpo disciplinado [...] A mulher, ambiguamente, é
vista essencialmente como corpo (virgem, mãe, esposa, prostituta} ou
como “fêmea” -- isto é, como um ser que permanece determinado pela
Natureza - e, ao mesmo tempo, como um ”bem” - isto é, como coisa
cultural. Assim, humanamente, a mulher é corpo e, portanto, animalidade
(por isso se diz que ela é mais “instintiva”, mais “sensível”, mais “intuitiva”
do que o homem), e culturalmente é espelho de anseios e de angústias
masculinas (o símbolo da castração). Sexualizada ao máximo e
deserotizada ao máximo (não se diz por ai que a mulher “não tem
desejo”?), corpo produtivo (procriada) e instrumental (trabalhadora que
reproduz relações sociais), a mulher é definida corno um ser a meio
caminho entre a Natureza e a Cultura e por isso o espaço próprio de sua
vida é a família, elo entre a existência natural e a cultura. 47

O jornal desenvolve um pensamento sobre uma opressão simbólica do corpo


feminino muito antiga e muito bem firmada no imaginário social. Numa sociedade
estruturada pelo patriarcalismo, o único espaço de vida próprio a vida feminina é o
espaço familiar, e nele a mulher é percebida como um bem simbólico de
manutenção de uma política privada dominada pelo homem. O corpo da mulher é
assim permeado de simbologias que envolvem sua capacidade reprodutora. Ela é o
“vaso sagrado” que permite a perpetuação do sangue masculino e da família pelo
homem liderada.

O Mulherio vai continuamente denunciar essas estruturas e simbologias de


dominação masculina. Essa temática é também desenvolvida no jornal numa
análise sobre a questão da maternidade e a ideia do amor materno. No primeiro
número, num artigo intitulado Mãe, paraíso perdido ou reencontrado?, de Carmem
46 RAGO, Margareth. Os feminismos no Brasil: dos “anos de chumbo” à era global. Revista Labrys,
Estudos Feministas. Número 3, 2003.
47 CHAUÍ. Marilena. Em torno da política do corpo. Mulherio. Ano 2. n. 6. São Paulo: Fundação

Carlos Chagas. 1982. P. 8-9.


24

Barroso, é introduzido o conceito de "maternidade compulsória", até então uma


novidade nos jornais feministas.

O reconhecimento da ambivalência em relação à maternidade - tal como


ela é institucionalizada dentro do capitalismo e do patriarcado - é um
primeiro passo no questionamento da maternidade compulsória, destino
inexorável de toda mulher, supostamente determinado pelo simples fato da
existência de um útero dentro do seu ventre. 48

Fundada no capitalismo, a divisão sexual dos trabalhos já não serve mais às


transformações econômicas, que chama as mulheres ao mercado de trabalho. As
mesmas continuam as únicas responsáveis pelo cuidado da casa e dos filhos,
evidenciando-se assim uma realidade insustentável. A maternidade é exposta no
sentido de que a mulher, vivendo e compartilhando de uma sociedade pautada em
princípios de uma dominação de seus corpos a partir de estruturas sociais
masculinas, possui a maternidade como único destino possível. Destino esse que
não considera a realidade das mulheres, seus desejos e suas escolhas, onde seus
corpos são meio para um fim, a da hereditariedade masculina, onde o mesmo
configura-se como propriedade do homem, sem autonomia e objetificado. Assim, o
corpo feminino é concebido como um bem simbólico, e a maternidade como uma
importante parte do funcionamento dessa sociedade, que exclui as mulheres das
decisões de âmbito público e político, e onde a manutenção da vida privada é
função exclusiva das mulheres.49

Constrói-se também uma mistificação do amor feminino, obrigatoriamente


materno, que coloca a mulher numa posição indiscriminada de aceitação de uma
gravidez que não é desejada, restando para ela a única opção da maternidade ou a
culpa gigantesca de tê-la interrompida. A capacidade reprodutiva aí compreendida
simbolicamente como o maior atributo feminino e a maternidade como seu momento
de glória. A gravidez aparece como uma obrigação feminina perante a sociedade,
que ignora especificidades, configurando-se aí a problemática da gravidez
compulsória. 50

48 BARROSO, Carmem. Mãe, paraíso perdido ou reencontrado. Mulherio. Ano 1. n. 1. São Paulo:
Fundação Carlos Chagas. 1981. p. 8.
49 BOURDIEU, Pierre. A Dominação Masculina. Tradução de Maria Helena Kühner. 2º Edição. Rio de

Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p. 54.


50 MIGUEL, Luís Felipe. Aborto e Democracia. Revista de Estudos Feministas. Florianópolis. 20(3).

Setembro-dezembro/2012, p. 666.
25

Buscando no subjetivo da mulher e em suas vidas reais, nos sentimentos


honestos, o jornal desencobre e comunica as muitas violências, físicas e
psicológicas as quais as mulheres são submetidas num arcabouço de significados
culturais. Defende direitos negados ou silenciados. Silenciamento esse subscrito na
lógica de dominação masculina.51

A defesa do direito ao aborto é expressamente uma das bandeiras do


periódico. Em todos os números lançados com o nome Mulherio há pelo menos uma
menção à questão do aborto. Para essa análise, foram escolhidos os números 4, 9,
14, 15, 16 e 30 por trazerem uma análise complexa e crítica das jornalistas, que
trazem novas perspectivas e dados ao público leitor, sobre a situação real da
criminalização do aborto no Brasil, informações sobre processos de
descriminalização do aborto em outros países, e questões mais teóricas que falam
sobre a dominação dos corpos femininos, categoria fundamental dos estudos
feministas.

Pode-se iniciar uma análise sobre a situação do aborto no Brasil a partir do


Código Penal de 1940. Nele, o aborto é considerado crime nas seguintes situações:
se a mulher provoca o aborto em si mesma ou consentir que outra pessoa o
provoque, provocar o aborto sem ou com o consentimento da gestante, sendo
aumentadas as penas caso a gestante sofra algum tipo de lesão corporal ou o
procedimento decorra na morta da mesma. O Código Penal também define os
casos de aborto permitidos: sendo a gravidez de risco para a mulher e quando não
existir outra forma de salvar sua vida, e gravidez resultante de estupro, sendo o
aborto somente permitido com o consentimento da gestante ou de um representante
legal.52

Essas determinações legais sobre o aborto não sofreram grandes alterações,


a não ser nas penas, e vigoram até os dias de hoje. No período da ditatura militar
pouco ou nada foi dito sobre questões legais referentes ao aborto. Até o ano de
1980 o desinteresse no assunto era disfarçado em políticas públicas e projetos de
lei no Legislativo onde figuravam o favorecimento e publicação dos métodos
anticoncepcionais como a única forma possível de planejamento familiar para as
51 PERROT, Michelle. Os silêncios do corpo da mulher. In: MATOS, Maria Izilda Santos de SOIHET,
Rachel (orgs.). Corpo feminino em debate. São Paulo: Editora UNESP, 2003, p. 20.
52 Código Civil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia de Assuntos Jurídicos. Decreto Lei

Nº 2.848. de 7 de dezembro de 1940.


26

mulheres, onde a argumentação defendia a anticoncepção para "evitar o aborto


criminoso". 53

No âmbito da sociedade civil, a discussão sobre a questão do aborto ainda


era restrita, não havendo segmentos da sociedade civil dedicados direta
e/ou publicamente a este tema. As manifestações da Igreja Católica em
relação ao aborto eram mais defensivas do que propositivas, se tivermos
como referência a sua referência a sua influência no Congresso Nacional.
54

A partir do ano de 1980, período de abertura política, também não houve


alteração no sentido legal da questão. Cinco propostas foram apresentadas mas
não houve qualquer continuidade ou aceitação. A ferrenha oposição, o medo de um
posicionamento a favor e a indiferença dos políticos no Congresso Nacional
pautavam as frágeis discussões. Na sociedade civil, as organizações feministas
estavam ativamente movimentando as discussões acerca do aborto. Esse assunto é
tratado de forma quase pedagógica num artigo do Mulherio de Maria Carneiro da
Cunha, intitulado A lei ignora a realidade55, de 1981. Nele, são apresentados dados
importantes sobre a situação da mulher que aborta no Brasil, onde, naquela época,
quantificava-se mais de três milhões de abortos clandestinos, levando em conta o
fato de que não é possível quantificar a verdadeira realidade de algo que acontece
de forma clandestina.

E o quadro existente é suficientemente alarmante para justificar essa


preocupação, pois. apesar da lei punitiva ou por causa dela, calcula-se que
se praticam anualmente no Brasil mais de três milhões de abortos
clandestinos. Em consequência deles morrem muitas mulheres por ano,
sem contar aquelas afetadas permanentemente por danos diversos a sua
saúde física e mental, com destaque para as doenças crônicas e a
infertilidade.56

O artigo apresenta o fato de que, apesar da existência de uma lei que pune a
prática do aborto, ele continua sendo feito em todas as classes sociais e por
mulheres que vivem diferentes condições. Casadas, solteiras, divorciadas, pobres e
ricas. O problema essencial, no que tange o campo da saúde pública brasileira, é a
desigualdade econômica entre essas mulheres. Enquanto a mulher rica tem a
possibilidade de pagar o procedimento clandestino em clínicas privadas e

53 DA ROCHA, Maria Isabel Baltar. A discussão política sobre o aborto no Brasil: uma síntese.
Revista Brasileira de Estudos de População. São Paulo, v. 23, n. 2. jul./dez.. 2006, p. 370.
54 DA ROCHA, Maria Isabel Baltar. A discussão política sobre o aborto no Brasil: uma síntese.

Revista Brasileira de Estudos de População. São Paulo, v. 23, n. 2. jul./dez.. 2006, p. 370.
55 DA CUNHA, Maria Carneiro. A lei ignora a realidade. Mulherio. Ano 1. n. 4. São Paulo: Fundação

Carlos Chagas. 1981, p.4.


56 Idem
27

especializadas, que cobram preços excessivos, é flagrante a situação de mulheres


pobres que, sem poder pagar pelo procedimento numa clínica, praticam o aborto
das mais variadas formas em circunstâncias de enorme insalubridade e perigo para
sua saúde. Tal realidade configura um flagelo para a população de mulheres mais
pobres que, sem condições de arcar com a gravidez e um futuro filho, não
encontram soluções diferentes que não o aborto clandestino. O resultado, na maior
parte das vezes, são danos físicos e psicológicos irreparáveis. Muitas inclusive
morrem por complicações decorrentes da falta de amparo das estruturas públicas
na decisão pelo aborto.57 No jornal, a proibição do procedimento de interrupção de
gravidez é tratada como uma supressão de direitos, e não como solução para se
evitar o aborto, visto que eram feitos mesmo sem "autorização legal".

A legalização não aumenta o número de abortos mas apenas cria


condições para que aqueles que se realizarem de toda forma se façam em
condições menos perigosas e mais humanas para as mulheres que assim
escolheram.58

Por meio de reflexões como a da autora citada acima, o Mulherio vai


questionar a dominação masculina sobre o corpo feminino e sua falta de poder de
escolha, onde a criminalização do aborto é mostrada como um dos exemplos mais
impiedosos dessa dominação, caracterizada por uma enorme violência, que alcança
a política e os conceitos de cidadania. Dentro de um estado autoritário e
conservador, assuntos como o aborto são ignorados ou tratados como um ultraje a
ordem pública.

Como divulgado em diferentes números do Mulherio, em 1983 a deputada


Cristina Tavares (PMDB/PE) apresentou à Câmara Federal um projeto que
ampliaria as possibilidades de realização legal do aborto. O jornal criticou o projeto
por achá-lo deficitário e limitador em muitos sentidos. Uma das críticas questiona a
exigência do consentimento do marido para a realização do aborto. Mesmo
apresentando críticas, o jornal acompanhou o projeto, até o momento de sua
desaprovação, por mais de um ano enquanto ele transitava pelo Congresso
Nacional. Num ambiente de fortes tensões para que o projeto não fosse levado
adiante, o deputado José Genoíno Neto (PT/SP), que havia declarado um parecer
favorável ao projeto, recebia numerosas cartas ameaçadoras de pessoas que se

57 DA CUNHA, Maria Carneiro. A lei ignora a realidade. Mulherio. Ano 1. n. 4. São Paulo: Fundação
Carlos Chagas. 1981, p.4.
58 Idem.
28

mostravam revoltadas com o projeto e que consideram o aborto, em qualquer


circunstância, um assassinato além de "criminosas as pessoas que defendem a
aprovação do projeto".59 A fala do deputado é apresentada no artigo Aborto, de
Fúlvia Rosemberg: “Talvez não haja no momento outra questão em que o terrorismo
moral e ideológico ande tão solto como na referente ao aborto”. 60

Esse terrorismo moral e ideológico do qual fala o deputado pode ser


evidenciado na falta de um estado democrático e laico que esteja realmente
pensando a cidadania de todos os homens e mulheres como uma exigência. Um
dos direitos elementares do acesso a cidadania funda-se na soberania sobre si
mesmo, e num país controlado por um estado ditatorial, repressivo e conservador,
os conceitos de cidadania são arbitrários. Assim também, num estado pautado por
ideais religiosos, que consideram o aborto um assassinato, sem considerar
compreensões científicas sobre o assunto, a prática do aborto é tratada como um
pecado. O corpo feminino é limitado legalmente por concepções de uma antiga
dominação, voltando assim a ideia de que o mesmo é um “vaso sagrado”. Assim, a
mulher limitada no poder de decisão sobre seu próprio corpo, também está limitada,
ou mesmo excluída, em sua cidadania e poder de decisões políticas. Decisões
essas historicamente controladas por homens.61

O Mulherio apresentou propostas de grupos feministas que abrangiam o


universo da saúde pública onde o aborto deveria ser "livre e gratuito para as
mulheres que o desejarem quando não conseguirem evitar uma gravidez
indesejada." 62 Apresentaram, através de entrevistas, a opinião de muitas mulheres,
conhecidas no meio público, sobre o problema do aborto no Brasil e se eram ou não
favoráveis. No processo da constituinte, defenderam avidamente a participação
feminina nas discussões sobre os direitos reprodutivos incentivadas pelo jornal.
Havia sim uma grande preocupação para manter os direitos garantidos para os
casos legais de aborto. A cobertura do jornal à manifestações de grupos feministas
e a mulheres defensoras da descriminalização do aborto que se candidatavam a

59 ROSEMBERG, Fúlvia. Aborto. Mulherio. Ano 4. n. 16. São Paulo: Fundação Carlos Chagas. 1984,
p.7.
60ROSEMBERG, Fúlvia. Aborto. Mulherio. Ano 4. n. 16. São Paulo: Fundação Carlos Chagas. 1984,

p.7.
61 MIGUEL, Luís Felipe. Aborto e Democracia. Revista de Estudos Feministas. Florianópolis. 20(3).

Setembro-dezembro/2012, p. 662.
62CASTILHO, Inês. Propostas feministas. Mulherio. Ano 3, n.14. São Paulo: Fundação Carlos

Chagas. 1983, p.5.


29

cargos políticos 63, comunicava essa preocupação. O medo de perder os direitos já


garantidos, por conta de ser o aborto um tema extremamente polêmico e divisor de
opiniões públicas e políticas, transformava esse assunto em algo muito delicado
para as feministas. Esse problema é destacado no número 30 de Mulherio, ano de
1987, já num estado redemocratizado, num artigo de Santamaria Silveira:

A reação das mulheres só veio quando os anteprojetos da Subcomissão da


Família, do Menor e do Idoso transformaram o aborto em crime,
independente da circunstância em que for realizado. Até mesmo nos casos
previstos pelo atual Código Penal: gravidez resultando de estupro ou
quando a gestante sofre risco de vida. Estabelecendo ainda as
subcomissões que a vida deve ser protegida desde a concepção. "A
aprovação de qualquer uma destas propostas marcaria um retrocesso
muito grande na luta da mulher, pois e uma radicalização da questão"
afirma a deputada federal Cristina Tavares (PMDB.PE) [...] A legalização do
aborto chegou a ser cogitada como uma possível conquista das mulheres
na nova Constituição, mas, diante da predisposição de 60% dos
parlamentares se posicionarem contrários a ideia, o entusiasmo arrefeceu.
"O aborto continua a ser colocado como uma guerra santa': pondera
Cristina Tavares, "está colocado indevidamente na Constituinte, e por ser
um assunto complexo e delicado, deveria ser aprovado ou rejeitado
mediante um plebiscito popular". 64

Através da leitura do jornal é possível compreender a estagnação da


legislação acerca do aborto no Brasil. Com um Congresso Nacional
majoritariamente masculino e de posições políticas conservadoras, oferecendo
pouco ou quase nenhum espaço político e contribuição para o debate dos direitos
reprodutivos das mulheres, o assunto converte-se num enorme tabu que, na falta do
debate sério e comprometido, impregna-se de preconceitos e obscurantismo. O
interesse político raramente abrangia a condição da mulher e, quando o fazia,
funcionava para a manutenção de uma dominação patriarcal.

O Mulherio trabalhou ativamente no sentido de descontruir os ideais morais


que envolvem a dominação histórica do corpo feminino, incluindo a criminalização
da prática do aborto, para que a mesma pudesse ser compreendida em sua
realidade cruel e opressiva, na tentativa de comunicar e mobilizar politicamente, de
forma sensível, a defesa do direito ao aborto como essencial à defesa da cidadania
e vida das mulheres.

No 15º número, o jornal mostra a importância de desenvolver a questão do


aborto de formas mais subjetivas, na tentativa de sensibilizar o público leitor para o

63
Política feminina. Mulherio. Ano 2, nª 9. São Paulo: Fundação Carlos Chagas. 1982, p. 4-9.
64
SILVEIRA, Santamaria. Aborto: momento de decisão. Mulherio. Ano 7, n.30. São Paulo: Fundação
Carlos Chagas. 1987, p. 5.
30

problema, através da divulgação de um "depoimento corajoso de uma mulher que,


como tantas, se submeteu ao aborto não sabe quantas vezes e foi buscar no
coração duras memórias [...]".65 No texto intitulado Entre a vida e a morte, de uma
autora não nomeada, há uma narrativa parecida com um conto em primeira pessoa,
onde uma mulher descreve todos os sentimentos e sensações de descobrir-se
grávida, e tendo de decidir pelo aborto clandestino como sua única opção.

Se fosse lícito, se fosse decente, se não fosse clandestino... Se fosse um


médico, se não fosse uma droga estranha, se eu tivesse sabido evitar... Se
não tivesse o clima pesado cercando a decisão difícil, meu corpo
certamente teria vivido o conflito mudo. [...]
A angústia da decisão - ou a falta de saída - já dói o bastante. A violência
afligida ao corpo, a interrupção de um processo que mobiliza mil células,
mil tecidos, mil hormônios, mil calores, mil aconchegos também, já é o
bastante. Que, além disso, não nos alienem do nosso próprio corpo. O
corpo é meu. A vida, palpitante, presente, vida real e concreta, nesse
momento, sou eu. Quem sabe de mim, sou eu.
Aquele abraço. 66

Nesse depoimento, o aborto é pensado na forma como ele afeta


emocionalmente a vida das mulheres. O medo e a culpa são sentimentos que
percorrem toda a narrativa. A narradora pensa na menstruação atrasada, pensa na
relação com o homem e nas noites que passaram juntos. "Mas eu saio de cabeça
erguida. Não peço nada. Não digo nada."67 Retira-se daí a reflexão de que, em
nossa sociedade, a capacidade reprodutiva é única e exclusivamente
responsabilidade da mulher, e a maternidade o seu destino. É condição a qual a
mulher está sujeita. É imposição não enxergada ou compreendida. Assim, ela
questiona o porque de ter que recorrer a clandestinidade, geradora de conflitos e
violências, para decidir sobre seu próprio corpo. Ao final, a afirmação: o corpo
feminino, com todas as contrariedades, pertence a mulher.

Assim, trabalhando com diferentes linguagens, o jornal mostra seu caminho,


entre a política, a saúde, o direito, a autonomia, os sentimentos e as vontades
femininas para a defesa do aborto. O direito de decidir sobre o corpo, para as
redatoras feministas do jornal, era condição indispensável para a emancipação
feminina.

65 Entre a vida e a morte. Mulherio. Ano 3, nº 15. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 1983, p. 5.
66 Idem.
67 Idem.
31

Conclusão

O desenvolvimento de um movimento feminista no período da ditadura militar


brasileira se mostra como uma área de estudo ampla e rica. A formação dos grupos
de mulheres que se reuniam para discutir questões do universo feminino permitiu
uma novidade na imprensa brasileira. Resultado das associações de mulheres, os
periódicos feministas surpreenderam por trazer um enfoque temático pouco ou
nunca tratado em periódicos brasileiros. As questões femininas que percorrem as
desigualdades entre os sexos são pungentes e determinam diversas violências e
sofrimentos femininos que são perpetuados através de antigos discursos de
dominação. Nesses jornais, essas desigualdades são trazidas à tona e
questionadas de forma categórica, com uma linguagem marxista, proveniente dos
movimentos de esquerda, nos quais estiveram presentes muitas das mulheres
envolvidas com a produção dos jornais.

Foi no início da década de 80, acompanhando o processo de distensão


política, que surge no Brasil o jornal Mulherio. Diferente dos jornais que vieram
anteriormente, o Mulherio vai apresentar um feminismo com uma linguagem
diferente e mais identificada com opressões e dominações sexuais sofridas pelas
mulheres. O corpo feminino torna-se um assunto recorrente nos artigos da revista.
Beleza, liberdade sexual, maternidade e saúde da mulher são questões tratadas e
questionadas pela forma como eram determinadas pela sociedade. Por meio da
leitura do jornal, pode-se constatar que o jornal defendia avidamente o direito ao
aborto e a sua descriminalização. Apresentando dados e importantes informações
sobre o tema, ela descortina os preconceitos e tabus que envolvem o tema,
expondo toda a violência e dominação política que ocorre através de uma lei que
criminaliza a prática do aborto e limita a cidadania plena de mulheres. A
descriminalização do aborto é defendida como um direito necessário para a
emancipação feminina, se opondo a realidade política e cultural patriarcal e
misógina.

Assim, apoderando-se de um meio de comunicação impresso, produzido


apenas por mulheres e tratando apenas de assuntos do universo feminino e das
reinvindicações de mulheres, o jornal pode ser identificado como uma importante
32

fonte para o estudo da história das mulheres, usado como um instrumento formador
de uma nova cultura e linguagens femininas, permeadas pela crítica social e pela
perspectiva de transformação de vida das mulheres brasileiras ao se compreender e
acabar com as desigualdades conservadas e asseguradas pela dominação
patriarcal.

O jornal Mulherio denuncia e critica abertamente essa política de dominação


masculina que violenta mulheres cotidianamente, das mais variadas formas,
inclusive limitando sua participação política. Ao afirmar-se como um jornal feminista
e defensor da descriminalização do aborto e constantemente criticar uma estrutura
política deficiente no tocante às reinvindicações femininas, o jornal apresenta-se
numa atitude corajosa frente a uma política e imprensa brasileiras marcadas pela
misoginia.

Levando em consideração que a maior parte de sua produção ocorreu no


período da ditadura militar, a crítica a um estado de políticas e leis autoritárias é
significativa e determinante de um movimento feminista que se desenvolve a partir
do movimento de esquerda. Num estado autoritário a mulher é desprovida de
autonomia e cidadania. Reivindicar um direito ao aborto é também contestar uma lei
que provém de um estado autoritário. É tenacidade no tratamento e defesa de um
direito que causa polêmica e divide opiniões de forma acirrada.

O jornal Mulherio pode ainda ser visto como um jornal atual porque, apesar de já
terem se passado mais de três décadas de seu primeiro número, a discussão sobre
a criminalização do aborto continua enrijecida. Apesar de vivermos num estado
teoricamente democrático e laico, ainda vivemos, no que se refere ao aborto, sob
uma legislação autoritária. Os problemas tratados no jornal permanecem sem
resoluções relevantes, sendo ainda questões importantes do movimento feminista.
A lei que regulariza a prática do aborto no Brasil permanece intocada,
apresentando-se como uma grande contradição a um estado que possui um
discurso democrático e laico. O congresso mostra-se paralisado nesse sentido. As
lideranças religiosas formam uma poderosa frente de oposição a qualquer tentativa
de mudança do código penal a respeito da descriminalização do aborto. A lei,
carregada de autoritarismo e controle dos corpos femininos, não é alterada e a atual
política não prevê mudanças, permanecendo o aborto um sério tabu na sociedade.
33

A incoerência dessa lei com um estado democrático e laico é aflitiva e cruel


para a vida de milhões de mulheres brasileiras. Por isso, o jornal Mulherio, é
vanguardista e significativo para a história de luta feminista e a história das
mulheres, sendo parte importante do momento de consolidação do feminismo no
Brasil.
34

Arquivos consultados e Fontes

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