Tropeços Da Medicina Bandeirante - André Mota
Tropeços Da Medicina Bandeirante - André Mota
Tropeços Da Medicina Bandeirante - André Mota
COMISSÃO EDITORIAL
Presidente José Mindlin
Vice-presidente Laura de Mello e Souza
Brasílio João Sallum Júnior
Carlos Alberto Barbosa Dantas
Carlos Augusto Monteiro
Franco Maria Lajolo
Guilherme Leite da Silva Dias
Plinio Martins Filho
ANDRÉ MOTA
Copyright © 2005 by André Mota
Inclui bibliografia.
ISBN 85-314-0854-7
CDD 363.72
Direitos reservados à
Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
a ciência parecia deter a chave que nos redimiria, André Mota também evi-
dencia a distância entre o discurso e a realidade, ao mostrar os perigos que
rondavam aqueles que se atreviam a cruzar fronteiras e adentrar regiões dis-
tantes. As ameaças provinham do meio, que poderia tragar o sábio forasteiro
e desviá-lo de sua missão civilizatória; da desconfiança dos pacientes e das
práticas populares, consideradas mais eficientes do que as prescritas pela me-
dicina; circunstâncias que tornavam patente os limites do saber que os espe-
cialistas possuíam, como bem indicam as crônicas de Paulo Rubião Meira e os
artigos da Revista Médica.
Em São Paulo, este discurso regenerador integrava-se à imagem gran-
diosa que se queria atribuir ao Estado, apresentado como modelo para o resto
do país. O autor explicita o processo de constituição de uma rede de institui-
ções que deveria assegurar a excelência paulista na área médico-sanitária.
Atribui o devido destaque à figura de Emílio Ribas, diretor do Serviço Sani-
tário paulista e que liderou uma verdadeira cruzada em prol da centralização
dos órgãos de saúde na esfera estadual, o que deu margem a sérios embates
políticos, decorrentes da diminuição da autonomia municipal. Estas questões
são abordadas em toda sua complexidade, o que permite discernir dificulda-
des e impasses das proposituras oficiais, que obtiveram vitórias localizadas
contra certas doenças, mas foram incapazes de enfrentar outras, como a lepra.
O rápido crescimento urbano e demográfico, as transformações sociais
e econômicas conhecidas pela cidade de São Paulo na passagem do século
XIX para o XX compõem o cenário no qual se deu a atuação do poder públi-
co, que tentava ordenar e disciplinar esse espaço em permanente mutação.
As intervenções urbanas, as prescrições em relação às ruas, sarjetas, bueiros,
jardins, casas e edifícios fornecem valiosas pistas a respeito dos ideais que
moviam autoridades, higienistas e planejadores. Entretanto, o afã de tudo
regrar e controlar, tão bem expresso nos discursos dos especialistas, esboroava-
se diante de uma realidade muito mais complexa e dinâmica do que a construída
nos sonhos totalizadores. Com particular acuidade, André Mota conduz o
leitor tanto aos bairros elegantes, com suas casas ajardinadas, cercadas de pra-
ças e parques, como aos cortiços, às ruas sem calçamentos, nas quais lixo e
insetos se acumulavam, às fábricas sem iluminação, ventilação ou segurança.
Ao imenso desafio que a cidade impunha há que se acrescentar as dis-
putas políticas entre as diferentes instâncias de poder, os embates dos vários
órgãos públicos encarregados de levar a cabo a política de saúde pública e os
limites orçamentários. Se não bastassem as dissensões internas, o habitante
P REFÁCIO 13
1. Esse livro é resultado da Tese de Doutorado: “Tropeços da Medicina Bandeirante, São Paulo
1892–1920”, defendida em 18 de abril de 2001 pelo Departamento de História - FFLCH-USP,
sob orientação da Profa Dra Esmeralda Blanco Bolsonaro de Moura e financiada pelo CNPq.
2. Maria Amélia Dantes, “Os Positivistas Brasileiros e as Ciências no final do Século XIX, em
Amélia Império Hamburguer et al., A Ciência nas Relações Brasil-França 1850-1950; Ana
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6. Um importante estudo sobre a atuação de Geraldo Horácio de Paula Souza no Serviço Sani-
tário é o de Cristina Campos, São Paulo pela Lente da Higiene: As Propostas de Geraldo
Horácio de Paula Souza para a Cidade, 1925-1945.
7. Madel T. Luz, Natural, Racional, Social: Razão Médica e Racionalidade Científica Moderna, p. 98.
I NTRODUÇÃO 19
8. Idem, p. 111.
9. José Ricardo de C. M. Ayres, Epidemiologia e Emancipação, p. 115.
10. Michel Foucault, Microfísica do Poder, p. 80.
11. Sobre a organização médico-científica dentro da estruturação capitalista, acompanhar discus-
são em Massako Iyda, Cem Anos de Saúde Pública: A Cidadania Negada.
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12. Maria Cecília F. Donnangelo, Medicina e Sociedade: O Médico e Seu Mercado de Trabalho.
13. Ana Silvia Whitaker Dalmaso, Estruturação e Transformação da Prática Médica: Estudo de
algumas das Características do Modelo de Trabalho na Segunda Metade do Século XIX e
Início do Século XX, p. 25.
14. Ricardo Bruno Mendes-Gonçalves, Medicina e Historia: Raíces Sociales del Trabajo Médi-
co, p. 21.
I NTRODUÇÃO 21
15. Paul Starr, La transformación Social de la Medicina en los Estados Unidos de América, p. 33.
16. Lilia Blima Schraiber, op. cit., p. 151.
22 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
dade e melhor controle dos quadros sobre os quais se debruçava tal produção.
Como disse Bynum, ciência médica e internacionalismo podem ser vistos
caminhando lado a lado24.
Contudo, nesses encontros, verificava-se a preponderância de alguns
países, pelo incremento científico que impetravam em suas possessões colo-
niais25 e pela legitimidade de seus campos de atuação a partir das ações em
regiões que gravitavam em torno de suas influências. Significativamente, no
Congresso de Higiene de 1889, em Paris, os balanços de diversos países e suas
conexões com a comunidade científica internacional expressavam os cami-
nhos que vinham sendo adotados. O Brasil estava representado, denotando
melhoras na higiene urbana de sua capital, graças à presença científica euro-
péia e à adoção de suas prerrogativas:
Por fim, some-se aos compassos dessa rede médico-científica sua dis-
posição como articuladora da chamada nação27. Ficava patente, com os des-
dobramentos políticos da virada do século XX, que todas as ações
imperialistas, colonialistas e de influência no mundo eram regidas pela afir-
mação nacional. Essa nação que pode ser entendida em diversas esferas,
quer como uma comunidade política imaginada, limitada e soberana28, mas
24. W. F. Bynum, Science and the Practice of Medicine in the Nineteenth Century, p. 144.
25. Com a aproximação da I Guerra Mundial e as rivalidades nascidas nas possessões coloniais,
houve um certo distanciamento entre as resoluções tomadas não só pelas estratégias do do-
mínio espacial e das populações nativas, mas também pela maneira com que se foram enca-
rando as formulações no controle e na erradicação das doenças.
26. Congrès International d’hygiene et de Démographie a Paris en 1889, Paris, Bibliothèque des
Annales Économiques, 1890, p. 906.
27. Estudo profundo em torno do tema foi organizado por István Jancsó em Brasil: Formação do
Estado e da Nação.
28. A nação seria imaginada “porque nem mesmo os membros das menores nações jamais conhe-
cerão a maioria de seus compatriotas, nem os encontrarão, nem sequer ouvirão falar deles,
embora na mente de cada um esteja viva a imagem de sua comunhão”. Seria limitada “por-
que mesmo a maior delas, que abarca talvez um bilhão de seres humanos, possui fronteiras
finitas, ainda que elásticas, para além das quais se encontram outras nações. Nenhuma nação
I NTRODUÇÃO 25
(...) em tudo intervém e começa a não mais ter fronteiras; é a compreensão de que o
perigo urbano não pode ser destruído unicamente pela promulgação de leis ou por
uma ação lacunar, fragmentária, de repressão aos abusos, mas exige a criação de uma
nova tecnologia de poder, capaz de controlar os indivíduos e as populações, tornan-
do-os produtivos ao mesmo tempo que inofensivos30.
(...) se os médicos não conseguiram impor a maioria das medidas que aventaram no
âmbito da moral, a título de uma profilaxia das doenças. Vimos que tampouco eles
estiveram de acordo entre si sobre cada uma dessas medidas; em outras palavras, não
se deixaram orientar por um programa de ação logicamente ordenado. Se não pode-
mos concluir que a sociedade tenha sofrido as modificações exigidas pelos médicos,
ou que tenha experimentado um processo de transformação dirigido pela medicina,
se não podemos concluir, também, que as várias propostas de mudanças apresentadas
pelos médicos estivessem organizadas em um plano integrado, então como falar em
“medicalização da sociedade”?31
31. José Leopoldo Ferreira Antunes, Medicina, Leis e Moral: Pensamento Médico e Comporta-
mento no Brasil (1870-1930), p. 274.
32. A historiografia também impôs alterações a essa concepção, apresentando novas dimensões
de análise e compreensões diferenciadas desse conceito e partindo de outras possibilidades,
por meio de estudos que privilegiavam, por exemplo, a cultura material no universo simbó-
lico das práticas cotidianas ligadas à cura e outros elementos disponíveis para tal intento
como plantas, animais e objetos fluidos. Cf. Márcia Moisés Ribeiro, A Ciência dos Trópicos:
A Arte Médica no Brasil do Século XVIII.
33. Cf. Sidney Chalhoub, Cidade Febril: Cortiços e Epidemias na Corte Imperial.
34. Cf. Maria Cecília F. Donnangelo e Luiz Pereira, Saúde e Sociedade.
I NTRODUÇÃO 27
35. Sobre as mudanças científicas transplantadas de Portugal para o Brasil, na virada do século
XVIII e XIX, acompanhar Márcia Helena M. Ferraz. As ciências em Portugal e no Brasil
(1722-1822): o texto conflituoso da química.
36. Sobre a construção da “história paulista”, no período aqui estudado, acompanhar importante
balanço historiográfico de Ilana Blaj, A Trama das Tensões: O Processo de Mercantilização
de São Paulo Colonial (1681-1721), pp.39-85.
28 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
3. Sobre os estudos e balanços historiográficos dos últimos anos acerca da queda do regime im-
perial e do surgimento do regime republicano brasileiro, ver Emília Viotti da Costa, Da Mo-
narquia à República: Momentos Decisivos; Nilo Odalia, As Formas do Mesmo: Ensaios
sobre o Pensamento Historiográfico de Varnhagen e Oliveira Vianna; José Murilo de Car-
valho, Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República que Não Foi e A Formação das Al-
mas: Um Imaginário da República no Brasil; Maria de Lourdes Mônaco Janotti, Os
Subversivos da República; e Angela Alonso, Idéias em Movimento: A Geração 1870 na
Crise do Brasil-Império.
4. Maria de Lourdes Mônaco Janotti, “O Diálogo Convergente: Políticos e Historiadores no
Início da República”, p. 124.
5. Sobre as características do liberalismo no Brasil pós-independência, os choques provinciais
e os dilemas democráticos no Império, ver capítulo 1 – “Patrimonialismo, Liberalismo e De-
mocracia: Ambivalências da Sociedade e do Estado no Brasil Pós-colonial”, em Sérgio Ador-
no, Os Aprendizes do Poder: O Bacharelismo Liberal na Política Brasileira, pp. 33-75.
6. Estudos que abrangem o período colonial brasileiro até meados do século XX, analisando as
práticas curativas e a organização da corporação médica no Rio de Janeiro e na Bahia podem
ser encontrados em Lycurgo Santos Filho, História Geral da Medicina Brasileira, e Roberto
Machado et alii, Danação da Norma: A Medicina Social e Constituição da Psiquiatria no
Brasil, op. cit.
I - O A DUBO DE QUE N ECESSITA A Á RVORE DA N AÇÃO 33
7. A discussão proposta neste capítulo também pode ser encontrada em André Mota, Quem é
Bom já Nasce Feito: Sanitarismo e Eugenia no Brasil.
8. Lúcia Lippi Oliveira, A Questão Nacional na Primeira República, e Tânia Regina de Luca,
A Revista do Brasil: um Diagnóstico para a Nação.
9. Sobre algumas matrizes do pensamento social brasileiro em sua abordagem do espaço urbano
no país, em particular no que concerne às relações raciais, étnicas e culturais das cidades, ver
José Tavares Correia de Lira, “O Urbanismo e Seu Outro: Raça, Cultura e Cidade no Brasil
(1920-1945)”.
10. A discussão sobre os novos caminhos que o Brasil tomava na época, dos pontos de vista ma-
terial, social e educacional, pode ser acompanhada em Maria Helena Capelato, Os Arautos
do Liberalismo: Imprensa Paulista, 1920-1945.
34 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
11. Antonio Ferreira de Almeida Junior, O Saneamento pela Educação, pp. 5-6.
12. Sobre as leis raciais que vigoravam no Brasil no século XIX, ver Lilia M. Schwarcz, O Espe-
táculo das Raças: Cientistas, Instituições e Questão Racial no Brasil (1870-1930).
13. Análise sobre a imbricação que se dá em Os Sertões entre ciência e poesia, história e delírio
imagético está em Valentin Facioli, “Euclides da Cunha: Consórcio de Ciência e Arte (Ca-
nudos: O Sertão em Delírio)”, pp. 35-59.
14. Nísia Trindade Lima e Gilberto Hochman, “Condenado pela Raça, Absolvido pela Medicina:
O Brasil Descoberto pelo Movimento Sanitarista da Primeira República”.
I - O A DUBO DE QUE N ECESSITA A Á RVORE DA N AÇÃO 35
identificado como aquele que realiza uma inversão na compreensão do sertão de seu
tempo. Em sua obra, o sertanejo é retrógrado e não degenerado. Seu atraso se deve ao
abandono a que foi relegado, e não a condicionamentos e determinações de ordem
genética. A civilização seria capaz de sincronizar os tempos sociais do sertão e do
litoral, trazendo para o nosso tempo aqueles rudes compatriotas retardatários e a dife-
rença entre tempos sociais poderia ser conciliada pela ação governamental, encarre-
gada de trazer os espaços atrasados e incultos para a civilidade15.
15. Lúcia Lippi Oliveira, “A Conquista do Espaço: Sertão e Fronteira no Pensamento Brasileiro”,
p. 201.
16. Edgar S. de Decca, “Euclides e Os Sertões: Entre a Literatura e a História”, p. 158.
17. Antonio Ferreira de Almeida Junior, O Saneamento pela Educação, op. cit., p. 96.
36 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
este relato se aproximou bastante das ressalvas dos doutores Penna e Neiva sobre a
onipresença das endemias rurais, só que agora no norte do Paraná, área onde se alas-
trava a malária. Para além das condições precárias de vida, da ignorância, dos fatores
ambientais – como a derrubada das matas –, dos fatores econômicos – como a cultura
anacrônica do arroz –, o principal fator explicativo da circunstância sanitária dos
sertões, tanto do Paraná como de Goiás, é a indiferença das diversas esferas de gover-
no em relação ao caráter endêmico da malária22.
20. Sobre a construção da linha de ferro Madeira-Mamoré, ver Francisco Foot Hardman, Trem
Fantasma: A Modernidade na Selva.
21. Belisario Penna, Exército e Saneamento, op. cit., p. 12.
22. Acompanhar discussão em seu importante trabalho: Gilberto Hochman, A Era do Sanea-
mento: As Bases da Política de Saúde Pública no Brasil.
38 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
dois dos nossos mais queridos e reputados mestres já o pediram com inexcedível elo-
qüência: “os que de vós forem para o interior do país, disse Austragésilo, poderão
29. Miguel Couto, “Discurso Proferido aos Doutorandos em Medicina de 1916 da Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro”, p. 95.
30. As discussões em torno desse título e desse lugar conferidos ao Dr. Oswaldo Cruz podem ser
acompanhadas em Jayme Larry Benchimol, Dos Micróbios aos Mosquitos: Febre Amarela e
a Revolução Pasteuriana no Brasil.
I - O A DUBO DE QUE N ECESSITA A Á RVORE DA N AÇÃO 41
Era Oswaldo Cruz “coroado pelo consenso geral dos sábios como ‘um
dos grandes benfeitores da humanidade’. É a personalidade que representa o
Brasil moderno e saneado”31.
De acordo com Rui Barbosa, para alcançar esse nobre lugar, ele tinha
enfrentado, sem nenhuma dúvida ou conflito, o drama da chamada Revolta
da Vacina (1904). Numa exaltação patriótica, elogiava o fato de o Dr. Cruz
não ter cedido aos ditos “destemperos do obscurantismo popular e da oposi-
ção”. Destemidamente, enfrentara a todos, mesmo que a lei ligada ao projeto
de saneamento tenha sido “combatida com indignação, desabrimento e fana-
tismo, tendo caído no ódio das camadas menos cultas da opinião, indigitada
aos rancores populares como o Código de Torturas”32.
Ainda nas palavras de Rui Barbosa, as posturas adotadas pelo Dr. Cruz
representavam a civilização nos trópicos, graças à fé na ciência e na elevação
da pátria, encarando toda a oposição33, com atitudes firmes e cheias de certe-
za: “ceder, não cede. Transigir, não transige. Recuar, não recua. Temer, não
teme. Confia, persiste, assegura e quer. Um triênio lhe basta; e se, dentro
desse breve espaço, não estiver desempenhada com honra a palavra da ciên-
cia, a todos os castigos se oferece: ‘arrastem-no pelas ruas, entregando-o aos
insultos da multidão como o mais vil dos impostores, e o enforquem numa
praça’”. Por essa interpretação mítica, todas essas ações ultrapassavam sua
humanidade ou qualquer concretude dos fatos, levando-o a ser não só um
homem da ciência, mas, antes de tudo, um eleito, “um desses leviatãs do
sacerdócio consagrado à diminuição dos padecimentos humanos. Essas cria-
turas amadas e benditas, como ele, devem os milagres da sua obra à ação desse
deus interior, o Entheon do entusiasmo”34.
31. Rui Barbosa, “Oswaldo Cruz”, Conferência realizada a 28 de maio de 1917 no Teatro Mu-
nicipal do Rio de Janeiro na sessão solene em homenagem à memória de Oswaldo Cruz,
pp. 272 e 311.
32. Idem, p. 296.
33. Note-se que as referências ao Dr. Oswaldo Cruz se, por um lado, o representavam como o
grande civilizador do Brasil e principalmente da Capital Federal, por outro suscitavam crí-
ticas ao seu nome, e suas intervenções foram não só gritadas na rua, mas também escritas
e reproduzidas por grupos de oposição, como foi o caso da narrativa em torno da imposi-
ção legal da vacinação obrigatória em 28 de junho de 1904, do Apostolado Positivista do
Brasil: Bagueira Leal, Notice historique sur la question de la vaccination obligatoire ao
Brésil.
34. Ruy Barbosa, “Oswaldo Cruz”, op. cit., p. 296.
42 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
Todas as doenças, que ora nos assediam, desaparecerão mediante uma cam-
panha inteligente e pertinaz, fundada tanto na atividade administrativa como na
cooperação individual; governantes e governados, de mãos dadas para o mesmo fim,
unidos pelo interesse coletivo, que nunca se opõe, em essência, ao interesse indivi-
dual, sanearão a terra, fortalecerão o homem e acabarão de vez com essa atmosfera de
dúvida que paira sobre o valor do Brasil e dos brasileiros. (...) A palavra – educação –
não é tão pouco compreensiva e tão simples, que por si mesma se resolva. A utilidade
do trabalho estará em pesquisar todas as incógnitas. Mostraremos, pois, como, em
nosso meio, e para nossa gente, sem apelar para novos e custosos aparelhos, a educa-
ção higiênica se resolverá e, com ela, o saneamento do Brasil37.
35. Ver capítulo 3 – “Tiradentes: Um Herói para a República”, em José Murilo de Carvalho, A
Formação das Almas: Um Imaginário da República no Brasil, pp. 55-73.
36. A Gazeta Clinica, Anno XIX, no 5, São Paulo, 1921, p. 20.
37. Idem, p. 9.
I - O A DUBO DE QUE N ECESSITA A Á RVORE DA N AÇÃO 43
grande cidade em que se formou para os pontos mais longínquos deste Brasil,
onde a civilização era desconhecida, onde se vivia como no tempo da pedra
lascada. Ali, segundo o Dr. Meira, assassinava-se de dia, em plena praça, com
o sol a dardejar seus raios sobre a população; e à noite, de mistura com os
homens, os bois passeavam pelas ruas. “Água encanada, gás e esgotos eram
coisas de que nunca se falou e que naturalmente deveriam pertencer a terras
de outro planeta39”. Nesse ambiente, dizia, muitos médicos acabavam se per-
dendo, degenerando-se, constituindo família e laços de parentesco com aqueles
que deveriam ser resgatados de sua condição inferior e posturas condenáveis.
De acordo com essa visão, assim como ganhara ciência e civilização,
esse profissional podia também ser influenciado pelo mundo rústico, rodeado
por homens “sem nenhuma cultura”. Por isso, para não se corromper, deveria
manter cautelosa distância de seus pacientes40; em caso contrário, ao fim de
certo tempo, ele se identificaria com os hábitos da terra, esqueceria o pouco
que sabe, se casaria com uma cabocla – e se perderia. Seus costumes mais
cotidianos se transformariam em tudo o que a ciência médica execrava: “quan-
do se despedia de pessoas com que conversava, retirando-se para sua casa,
vestido com roupa de brim e calçando chinelos (de dia e na frente dos outros)
já dizia, como seus companheiros: ‘Vancês inté logo!’ ”41
Sobre isso, a Revista Médica localizava em outra esfera os motivos que
desvirtuavam o médico nos “sertões brasileiros”. Para aquele que ocupava na
sociedade um lugar muito próximo ao do sacerdote, seria impraticável deixar
seu rebanho abandonado na escuridão das doenças e da ignorância. Por isso,
era preciso lembrar que, quem se aventurasse no que chamavam “fim de mun-
do” corria o risco de cair na perdição e privar-se
do direito de tomar para si o conselho que dá aos seus clientes, o de abandonar uma
localidade infectada, ter de ficar preso ao solo como o servo à gleba, sob pena de
raros serão os profissionais que não contem um grande número de desgostos, aborre-
cimentos e contrariedades, que se fazem notar sobretudo no início do tirocínio clíni-
co. Todos desconfiam dele, a confiança não o impõe aos circunstantes, a todo momento,
quando faz uma medicação fora da conhecida, ou pouco vulgar, duvidam de seu pre-
paro, de sua ciência, querem saber se está certo ou não, um inferno, capaz de pôr no
hospício muita gente sã. Há doentes mesmo que não deixam se examinar pelo médi-
co. (...) Não crêem que ele saiba alguma cousa44.
42. Revista Médica de São Paulo, Anno VI, no 18, 30 ago. 1903, p. 394.
43. Essa postura resistente pode ser compreendida, a partir de diversas formas de cura e de sujeitos
envolvidos. Ver Sidney Chalhoub, Vera Regina B. Marques, Gabriela dos Reis Sampaio e
Carlos Roberto Galvão Sobrinho (orgs.), Artes e Ofícios de Curar no Brasil.
44. Revista Médica de São Paulo, Anno VI, no.18, 30 ago. 1903, p. 18.
45. Práticas definidas por Alceu Maynard Araújo como medicina rústica, “resultado de uma sé-
rie de aculturações da medicina popular de Portugal, indígena e negra. Necessário se faz um
conhecimento das influências que ela padeceu: os antecedentes pré-ibéricos, lusos,
ameríndios e africanos. Não se deve olvidar os antecedentes que a medicina popular negra
recebeu, quando em contato com a África branca – os mouros. E, sem dúvida, o novo ambi-
ente e os novos contatos culturais proporcionaram não só ao branco, mas também ao negro
transplantar, bem como ter novas experiências com os elementos que o ameríndio e o novo
habitat lhe ofereceram”. Em Alceu Maynard Araújo, Medicina Rústica, p. 44.
46 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
mais ou menos tarada; [pois] os gênios que se elevam nas concepções grandiosas do
espírito não são normais, e os imbecis, que são legião, são mais ainda que os outros,
reveladores de desequilíbrio mental. Mas, de médico é que nós nada temos, sem nos
embrenhar nos livros, sem cultivarmos a observação, sem praticarmos a experimen-
tação, que são as alavancas que nos fazem, e nos preparam para o nosso sagrado minis-
tério na sociedade. É portanto falso esse provérbio em sua última conclusão, porque
ninguém vá supor que é médico um indivíduo que aplica um sinapismo, que receita
um purgante ou que aconselha um suadouro48.
46. A luta em defesa da corporação médica, contra a presença de atividades consideradas amea-
çadoras à profissão, foi estudada por André de Faria Pereira Neto, Ser Médico no Brasil: O
Presente no Passado.
47. Idem, p. 24.
48. Idem, p. 31.
I - O A DUBO DE QUE N ECESSITA A Á RVORE DA N AÇÃO 47
onde os bandeirantes não viam peias para as suas empresas temerárias, moldou a
rudeza nos espíritos paulistas e os adaptou à produção de somas fantásticas de energi-
as, para poder domar obstáculos que se lhe antepunham. Dessa adaptação à luta cons-
tante contra os elementos naturais resultou, na psicologia paulista, essa grandeza de
iniciativa nas suas empreitadas, que parecem imbuídas de uma inconsciência temerá-
ria, que foi o caso do sucesso. Com essa inconsciência da relatividade do esforço
empregado, e com essa soma de energias desenvolvidas, venceram todos os obstácu-
los, bateram os jesuítas, enxotaram os castelhanos, descobriram metais e pedrarias e
colonizaram o sertão gigante. Esse potencial de eficiência só poderia ser atingido
depois de uma adaptação ao solo com seus acidentes e sua vegetação intransponível.
54. Alfredo Ellis Junior, Raça de Gigantes: Civilização no Planalto Paulista, p. 353.
55. Marisa Lajolo, Monteiro Lobato: Um Brasileiro sob Medida, p. 54.
56. Elias Thomé Saliba, Raízes do Riso: A Representação Humorística na História Brasileira (Da
Belle Époque aos Primeiros Tempos do Rádio), p. 128.
Fig.1. Óleo de Rícino Jeca Tatu: curando vários males, 1920.
Fonte: A Folha Médica, Ano I, No.5, 1920, p. 40.
52 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
57. A imagem de pobreza, miséria e abandono permanente no imaginário nacional, mesmo após
a regeneração do Jeca, foi observada por Márcia Regina C. Naxara, Estrangeiro em Sua Pró-
pria Terra: Representações do Brasileiro, 1870-1920.
58. James Roberto Silva, Fotogenia do Caos. Fotografia e Instituições de Saúde. São Paulo, 1880-
1920.
59. Idem, pp. 81-82.
I - O A DUBO DE QUE N ECESSITA A Á RVORE DA N AÇÃO 53
índio, que, aos poucos, vergou-se à raça branca. Desse cruzamento, teria nasci-
do um espírito desbravador, aventureiro, brasileiro – em uma palavra: paulista60.
Em cada período, o guia marcava um momento crucial da elevação do
povo paulista em consonância com o povo brasileiro. E apontava um divisor
de águas: “o famoso grito do Ipiranga, erguido nos arredores da capital dos
bandeirantes por um príncipe ambicioso que, na obra da independência
nacional, teria por guia e mentor um dos mais gloriosos filhos da capital de
S. Paulo, daí por diante transformada em província do império americano”.
Arrematava assegurando que essa narrativa seria vista como uma obra
inacabada: caberia aos representantes “daquele tempo” completá-la. Com o
que acumularam ao longo de sua história, tinham uma “missão a desempe-
nhar no evoluir da nacionalidade brasileira. Com elementos diversos, ali es-
tariam se preparando, pelo saber e trabalho, novas gerações de bandeirantes
que, com a trolha do labor paciente e tranqüilo, acabariam de fazer a colossal
nação que Raposo, Paes Leme e Anhangüera teriam demarcado com suas
espadas conquistadoras”61.
Naquele momento, como expressão maior daquela história em cons-
trução, as instituições científicas e de saúde pública receberiam os louros por
suas pretensas conquistas. De acordo com os médicos paulistas, os rígidos
princípios da higiene refletiam-se na qualidade dos serviços prestados, nos
estabelecimentos sanitários e em hospitais de todo o Estado e da capital. Mesmo
com os diversos tropeços, os óbices administrativos e práticos, o Serviço Sa-
nitário, órgão estadual de centralização das políticas sanitárias e higiênicas,
tornou-se o centro das atenções médicas e sanitárias do país.
No Congresso Médico Paulista de 1916, o guia foi substituído por ex-
cursões organizadas em que as próprias autoridades médicas mostravam aos
congressistas o grau de desenvolvimento e progresso científico a que chegara
São Paulo nos últimos anos. Paradoxalmente, o início do passeio apresenta-
va, com constrangimento, a deplorável situação da Santa Casa de Misericór-
dia. O único hospital público da cidade transbordava de doentes vindos de
todos os pontos do Estado, os quais sobrecarregavam as enfermarias com o
dobro de sua lotação62.
60. Paulo R. Pestana, Guia Illustrada da Cidade de S. Paulo por Occasião do Sexto Congresso
Brazileiro de Medicina e Cirurgia, p. 18.
61. Idem, p. 22.
62. “Congresso Médico Paulista”, Revista do Brasil, Anno I, vol. III, São Paulo, Propriedade de
uma Sociedade Anonyma, 1916, p. 406.
54 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
Mas, como Virgílio passou pelo inferno e pelo purgatório para alcançar
o paraíso, não foi difícil, para os visitantes, adentrar rapidamente outras por-
tas consideradas mais dignificantes. Com esse intento, chegaram ao Instituto
Butantã, “com seus belos serpentários e ricos laboratórios, dirigido pelo emi-
nente Dr. Vital Brazil; ao leprosário de Guapira; ao Hospício do Juquery, tido
como um dos melhores e mais bem instalados da América Latina” 63.
Outro expoente das qualidades médicas e sanitárias era a imprensa es-
pecializada, caso dos Annaes Paulistas, da Gazeta Clinica e do Boletim da
Sociedade de Medicina e Cirurgia. Sobre eles, afirmou-se que “com uma co-
laboração sempre variada e interessante, publicando trabalhos de real valor, a
imprensa médica de S. Paulo se vai impondo nos demais centros de cultura
do Brasil e que queira Deus lhes comunique o gérmen desse entusiasmo pelo
trabalho e pelo progresso que se nota nos homens e nas cousas do grande
Estado do Sul” 64.
A excursão não poderia deixar de passar pela Faculdade de Medicina e
Cirurgia de São Paulo e apresentar seus eminentes professores, para que se
pudesse “integralizar o ensino superior aos Estados e prover as reais necessida-
des clínicas de sua crescente população”. Ao referendar sua organização – o
rigor de suas disciplinas, suas exemplares dependências como os museus de
anatomia, laboratórios de parasitologia, fisiologia, anatomia patológica, física
e química –, os visitantes A. Austragésilo e Fernando de Magalhães exprimi-
ram seu júbilo diante das cenas presenciadas:
Agradecendo, manifestaram seu entusiasmo pelo critério com que o Dr. Arnaldo
Vieira de Carvalho, diretor dessa Faculdade de Medicina e Cirurgia, escolheu os pro-
fessores e organizou o ensino médico em São Paulo, pondo em destaque a cultura, o
brilho e o ânimo elevado dos professores, cujo prestígio os membros do Congresso
levarão a todo o país e cuja obra finca um marco nas fases do ensino médico brasileiro.65
69. A trajetória histórica desse pensamento foi estudada por Antonio Celso Ferreira, A Epopéia
Bandeirante: Letrados, Instituições, Invenção Histórica (1870-1940).
70. Rodolpho Telarolli, A Organização Municipal e o Poder Local no Estado de São Paulo na Pri-
meira República, p. 24.
71. Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil, p. 173.
72. Renato M. Perissinotto, “Classes Dominantes, Estado e os Conflitos Políticos na Primeira
República em São Paulo: Sugestões para Pensar a Década de 1920”, p. 45.
I - O A DUBO DE QUE N ECESSITA A Á RVORE DA N AÇÃO 57
83. Maria Lígia Coelho Prado, A Democracia Ilustrada: O Partido Democrático de São Paulo,
1926-1934, p. 23.
84. O conceito de saúde pública que adotamos pode ser entendido como “uma política (social)
governamental, articulada às relações entre Estado e o conjunto das classes sociais, em um
dado período histórico. Mas aqui acrescenta-se a perspectiva de que aquelas políticas têm se
apresentado sob forma de um modelo tecno-assistencial das ações de saúde, constituído a
partir do conjunto das opções políticas, colocadas nas arenas decisórias nas quais foram pro-
duzidas – enquanto projetos de intervenção social, em sociedades concretas – as políticas
sociais do governo”. Em Emerson Elias Merhy, A Saúde Pública como Política: Um Estudo
de Formuladores de Políticas, pp. 22-23.
60 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
85. O surgimento da Inspetoria Provincial de Higiene de São Paulo revelava, por um lado, as
novas preocupações com o espaço urbano e sua ameaça aos habitantes, recebendo atenção
e intervenção por parte das autoridades, denotando o quanto a constituição das leis sanitárias
implementadas em 1892 trazia, no bojo de suas atribuições, toda uma discussão e lutas po-
líticas em torno da higiene urbana e de seu poder de ação no período imperial. Por outro
lado, apresentava a ineficiência da constituição legal de um órgão com diretrizes científicas
responsável pelo controle da higiene urbana, e a falta de recursos para sua execução. Cria-
da em 1886, sob a direção de Marcos Arruda, a Inspetoria tinha, entre suas obrigações, gran-
de responsabilidade no que dizia respeito a “fiscalização e controle higiênico dos diversos
estabelecimentos, sobretudo os coletivos, análise química dos alimentos e bebidas, levanta-
mento das enfermidades existentes na província e vacinação anti-variólica”. Mas os relató-
rios do Dr. Arruda deixavam claras as suas impossibilidades diante das “reivindicações de
verbas urgentes para a concretização das medidas sanitárias”, sendo também “interessante
lembrar que, nesse período, a Inspetoria de São Paulo localizava-se no consultório particu-
lar de Marcos Arruda e praticamente se sustentava com recursos particulares”. Em Marta de
Almeida, República dos Invisíveis: Emílio Ribas, Microbiologia e Saúde Pública em São
Paulo (1898-1917), p. 43.
86. Rodolpho Telarolli Junior, Poder e Saúde: As Epidemias e a Formação dos Serviços de Saúde
em São Paulo, p. 198.
87. Idem, p. 201.
I - O A DUBO DE QUE N ECESSITA A Á RVORE DA N AÇÃO 61
88. Termo usado pelo professor Francisco Borges Vieira e reiterado por Flaminio Fávero, em co-
memoração ao centenário do nascimento de Emílio Ribas: “bandeirante ele o foi, abrindo
picadas e avançando, num pioneirismo impressionante, pelas selvas das nossas exigências
sanitárias”. Folha de São Paulo, 8 abr. 1962, s/ p.
62 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
deixar estampado (...) o muito que resta fazer nas outras localidades, graças aos maus
resultados que (...) nos tem revelado a tão apregoada autonomia dos municípios.
Vejamos, pois, os defeitos de que ressentem os serviços a cargo dos poderes locais,
estudando as causas que têm entorpecido, muita vez, a ação do Estado na fiscalização
que lhe cabe dos serviços municipais: abastecimento de água, canalização de esgotos,
de águas pluviais, enxugo do solo, arborização das ruas e praças, calçamento, irrigação
das vias públicas, asseio das ruas e logradouros públicos e sua conservação, remoção e
incineração do lixo, posturas sobre construção etc89 .
uma vez que os efeitos do sufrágio universal não permitem a escolha dos mais compe-
tentes para os cargos de diretores dos negócios municipais, elevando, muitas vezes, a
tais cargos, indivíduos que decidem dos magnos problemas de higiene mal sabendo
assinar o próprio nome, não há outro remédio para sanar os males que deixamos apon-
tados nas páginas anteriores, males talvez inevitáveis por muitos anos, se não forem
minorados pela fiscalização severa e imediata do Estado. (...) Estamos perfeitamente
habilitados a abafar o incêndio para o qual a incúria municipal tiver acumulado com-
bustível. No que diz respeito à prevenção, estamos na contingência de quem vê o
perigo, adverte o descuidado de longe e nada pode fazer para evitar o desastre90.
89. Relatório apresentado ao Dr. Cardoso de Almeida (Secretario dos Negócios do Interior e da
Justiça) pelo Dr. Emílio Ribas (Director do Serviço Sanitário), ref. 1904, São Paulo, Typ. do
Diario Official, 1905, p. 21.
90. Idem, pp. 45-46.
I - O A DUBO DE QUE N ECESSITA A Á RVORE DA N AÇÃO 63
91. Rodolfo dos Santos Mascarenhas, Contribuição para o Estudo da Administração Sanitária
Estadual de São Paulo, p. 57.
92. Rodolpho Telarolli Junior, Poder e Saúde, op. cit., p. 223.
93. Ao Serviço Sanitário a cargo do Estado competia, quanto aos municípios: “1) Executar, em
todo o território do Estado, quaisquer providências de natureza defensiva, como as que têm
por fim a instituição de rigorosa vigilância sanitária, assistência hospitalar, isolamento e de-
sinfecção; 2) Inspecionar os serviços feitos pelas municipalidades; 3) Organizar ou criar nos
municípios os serviços que julgar convenientes ao bem da saúde pública; 4) Chamar a si em
épocas anormais, sempre que o interesse público o aconselhar, os serviços de higiene que, pela
lei, forem confiados à municipalidade”. Em Carlos Reis, Repertório da Legislação sobre o Ser-
viço Sanitário do Estado de São Paulo, p. 17.
94. Rodolpho Telarolli Júnior, op. cit., p. 231.
64 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
Às sete horas da noite apresentou-se Dr. Amorim em casa do Dr. Juiz de Direito,
à frente de populares, gente aliciada, segundo voz corrente entre o pessoal do Conde de
Pinhal. Dr. Amorim, em atitude agressiva e termos insultuosos, fez ao Dr. Juiz de Direito
a intimação de que ou eu seria removido, ou seria assassinado. (...) De então para cá, a
cidade tem estado presa de convulsão popular. Acho-me em casa do Dr. Juiz de Direito,
cercado de grande número de pessoas armadas, prontas a repelir qualquer agressão95.
95. Arquivo do Estado de S. Paulo, no de ordem 6827, cx. 222 (manuscritos), apud Wilson
Roberto Gambeta, Soldados da Saúde: Formação dos Serviços em Saúde Pública do Estado de
São Paulo (1889-1918), p. 101.
96. Maria Alice Rosa Ribeiro, História Sem Fim... Inventário da Saúde Pública, p. 82.
I - O A DUBO DE QUE N ECESSITA A Á RVORE DA N AÇÃO 65
97. Emerson Elias Merhy, O Capitalismo e a Saúde Pública, A Emergência das Práticas Sanitá-
rias no Estado de São Paulo, p. 70.
98. A história e a disseminação da lepra em São Paulo, desde o período colonial até o século XIX,
podem ser acompanhadas em Laima Mesgravis, A Santa Casa de Misericórdia de São Paulo
1599? - 1884 (Contribuição ao Estudo da Assistência Social no Brasil), pp. 149-168.
99. Morse descreve a situação de abandono do lazareto da cidade de São Paulo na metade do sé-
culo XIX: “(...) bem ao norte do centro da cidade, na Luz, a Santa Casa mantinha um lazareto.
Seus dez ou vinte internados eram mal assistidos, mal vestidos e alimentavam-se com feijão
e carne, dieta inadequada para a sua doença”. Em Richard M. Morse, De Comunidade a Me-
trópole: Biografia de São Paulo, pp. 28-29.
100. Idem, p. 97.
101. “(...) decreto dos poderes competentes, facilitando a profilaxia do mal; notificação compul-
sória de todos os casos de lepra; fundação de asilos-colônias, de acordo com os preceitos de
higiene (...); proteção da família dos leprosos indigentes; isolamento presto dos recém-nas-
cidos filhos de morféticos (...) criados livres das fontes de contágio; impedir a importação de
casos de lepra do estrangeiro, tanto pelos nossos portos como pelas fronteiras, medidas de
desinfecção terminal.” Em Emílio Ribas, “A Lepra. Sua Freqüência no Estado de São Paulo.
Meios Profiláticos Aconselháveis”, 1o Congresso Médico Paulista, pp. 145-172. Apud Maria
Ines Baptistella Nemes, A Hanseníase e as Práticas Sanitárias em São Paulo: 10 Anos de Sub-
programa de Controle da Hanseníase na Secretaria de Estado da Saúde (1977-1987), p. 40.
66 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
102. “A Lepra em S. Paulo – Notas sobre a Urgência da Sua Profilaxia”, Revista Médica de São
Paulo, 15 mar. 1913, no 5, p. 92.
103. Relatório apresentado ao Dr. Francisco de Paulo Rodrigues Alves, Presidente do Estado de
São Paulo, pelo Secretario do Interior Altino Arantes, ref. 1912, São Paulo, Typ. Brazil de
Rothschild e Comp., 1913, p. 89.
I - O A DUBO DE QUE N ECESSITA A Á RVORE DA N AÇÃO 67
Diretor 1
Médico e cirurgião 1
Religiosas 7
Empregados do estabelecimento 20
o Serviço Sanitário estadual vinha estendendo suas operações em todas as zonas, fazen-
do-se representar através de inspetores, desinfectadores e hospitais de isolamento, na
maior parte das cidades (...) e, em caso de epidemia, o poder sanitário instaurava um
107. Dados do Relatório de 1911 apresentado à Câmara Municipal de São Paulo pelo prefeito
Raimundo Duprat, ref. 1912, São Paulo, Casa Vanorden, 1912, p. 93.
108. “A Lepra em S.Paulo – Notas sobre a Urgência da sua Profilaxia”, op. cit., p. 93. [grifo meu]
109. “(...) Campinas apresentou coeficiente de 13,77% dos óbitos por moléstias transmissíveis ou
infecto-contagiosas, portanto abaixo da Capital (17,52%), de Santos (26,87%) e de Ribeirão
Preto (16,89%). Nas décadas seguintes, as condições da cidade pioraram, (...) se excluirmos
o ano da gripe espanhola, a participação dos óbitos por moléstias infecto-contagiosas no nú-
mero total passou de 13,77% (1900-1909) para 15,68 % (1910-1919) em Campinas.” Em
Maria Alice Ribeiro, História sem Fim..., op. cit., p. 79.
I - O A DUBO DE QUE N ECESSITA A Á RVORE DA N AÇÃO 69
110. Wilson Roberto Gambeta, Soldados da Saúde: Formação dos Serviços em Saúde Pública no
Estado de São Paulo (1889-1918), op. cit., p. 97.
111. Bruno Latour, Nous N’Avons Jamais été Modernes.
112. Gonçalves Cruz, carta dirigida ao Dr. Emílio Ribas, 20 jul. 1903. [manuscrito]
70 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
Diante dessas mortes, em seu relato, o Dr. Gonçalves Cruz teve a preo-
cupação de sublinhar a necessidade de se manter completo sigilo sobre o ocor-
rido: “peço-lhe a mais absoluta reserva sobre esses casos terminados pela morte,
e que foram feitos sob minha exclusiva responsabilidade. Compreende o meu
caro amigo como a imprensa nossa adversária exploraria o fato, se dele tivesse
conhecimento”. Quanto às roupas que foram usadas pelos doentes, descartou-
se a possibilidade de transmissão: “julgaram os sábios franceses serem elas des-
necessárias não só à vista do que já há feito, mas sobretudo porque, pelos
conhecimentos que se têm sobre a etiologia da febre amarela, não são elas cabí-
veis, sendo a priori desnecessárias, porquanto é impossível a transmissão pelas
roupas, à vista do que se conhece sobre o modus vivendi do gérmen amarílico”113.
Com os diagnósticos formulados e previstos, puderam o Dr. Ribas e o
Dr. Lutz analisar o que vinham registrando as pesquisas realizadas no exterior,
tentando em vão aplacar os posicionamentos coléricos contra o regime de
intervenções empregado:
só pela leitura do relatório soube que tínheis, com o Dr. Lutz, vos submetido a picadas
de mosquitos infeccionados; a admiração que inspirou-me esse vosso devotamento
levou-me a dirigir-vos esta carta com o fim de vo-la exprimir com toda a sinceridade,
assegurando-vos, ao mesmo tempo, que idêntico sentimento terão todos que se inte-
ressem pela salubridade de nossa pátria e principalmente pela higiene de São Paulo115.
113. Idem.
114. Carta do Dr. Pereira Barreto para o Dr. Emílio Ribas, 20 fev. 1903. [manuscrito]
115. Eduardo Lopes, carta dirigida ao Dr. Emílio Ribas, 25 fev. 1903. [manuscrito]
I - O A DUBO DE QUE N ECESSITA A Á RVORE DA N AÇÃO 71
(...) não será conveniente mandar experimentar o soro antiofídico contra a febre
amarela? Não existindo tratamento algum para essa moléstia, parece-me que deve-
mos tudo tentar, tudo experimentar, enquanto não conseguirmos aniquilá-la pela
extinção da stegomya. Está lançada a idéia no domínio público; grandes esperanças
estão despertadas; é, portanto, aproveitar o momento. Saberemos de pronto se é ou
não eficaz o plano delineado, de onde resultará para nós todos um grande alívio de
consciência.118
corria aos jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro para desfazer “boatos”,
esclarecendo a população sobre o que teria acontecido “de fato”, além de se
defender daqueles que o reputavam homicida, pelas experiências realizadas
no Hospital de Isolamento.
Providencialmente, em 1908, corriam, na cidade de São Paulo, rumo-
res sobre a morte por febre amarela de um funcionário do Serviço Sanitário,
o Dr. Bonilha de Toledo. Dizia-se que o contágio se havia dado pelo contato
com roupas de doentes que estavam em Taubaté e foram enviadas para a
capital119.
Segundo as declarações do Dr. Ribas, a vítima, que estaria acamada
desde o dia 18 de abril, jamais tivera contato com tais roupas, que, no dia 22,
permaneciam ainda em Taubaté. Para ele, em vez de prestar atenção em his-
tórias sem fundamento, a população deveria estar “combatendo o único agente
demonstrado da transmissão da febre amarela – o pernilongo rajado (stegomya
fasciata) – que infelizmente se encontra em abundância em diversos bairros
desta capital”120.
As ações campanhistas e bacteriológicas contra a amarela foram vito-
riosas, assim como o Dr. Emílio Ribas e seus adeptos. Em comunicação reali-
zada em Londres, na Society of Tropical Medicine and Hygiene, em 1909, ele
expunha, em tom conciliatório, sua luta contra a amarela dentro dos melho-
res preceitos da civilidade, e apresentava o Brasil como um país de regras
democráticas, como todos os países liberais. Em seu discurso, concorria para
erigir as representações que fariam de São Paulo o novo berço da ciência e da
civilidade:
Depois que os Drs. Reed Caroll Agramonte e Lazear, mais tarde Guiteras,
inspirados pelas longas observações de Finlay, fizeram em Cuba as primeiras expe-
riências sobre a transmissibilidade da febre amarela pelo stegomya fasciata, fiquei
convencido da precisão de suas experiências e da verdade de suas deduções. (...) Jul-
guei conveniente repetir as experiências de Havana na cidade de São Paulo, que
nessa ocasião e desde alguns anos se achava isenta de qualquer epidemia de febre
amarela. Resolvi ao mesmo tempo fazer ativa a campanha contra a stegomya fasciata,
119. Comunicação veiculada pelo Dr. Ribas aos principais jornais de São Paulo e Rio de Janeiro
no dia 10 de maio de 1903, e publicada na Revista Médica de São Paulo, Anno VI, no 7, 15
maio 1907, p. 186.
120. Idem, p. 186.
I - O A DUBO DE QUE N ECESSITA A Á RVORE DA N AÇÃO 73
como única medida profilática eficaz contra a expansão da moléstia. (...) Tomando
todo o cuidado para afastar qualquer dúvida, obtive mosquitos de larvas apanhadas
na cidade de Itu, onde não grassava a moléstia, e os enviei imediatamente a São
Simão, a 365 quilômetros de São Paulo, onde por eles fizeram-se picar indivíduos
atacados pela febre amarela121.
121. Emílio Ribas, “A Extinção da Febre Amarela no Estado de São Paulo (Brasil) e na Cidade do
Rio de Janeiro/The Extinction of Yellow Fever in the State of São Paulo (Brazil), and in the
City of Rio de Janeiro”, Revista Médica de São Paulo, Anno XII, no 10, 15 jun. 1909, pp.
198-205. Apud Marta de Almeida, República dos Invisíveis, op. cit., p. 131.
122. Jurandir Freire Costa, Ordem Médica e Norma Familiar, p. 124.
74 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
Nasceram os italianinhos.
O Gaetaninho.
A Carmela.
Brasileiros e paulistas. Até bandeirantes.
E o colosso continuou rolando.
ANTÓNIO DE ALCÂNTARA MACHADO
4. O Doze de Maio, 8 jun. 1863, apud Richard Morse, De Comunidade a Metrópole: Biografia
de São Paulo, p. 136.
5. Karl Marx e Friedrich Engels, O Manifesto Comunista, p. 96.
6. Ver Eric J. Hobsbawm, A Era dos Impérios, 1875-1914, e A Era dos Extremos: O Breve Sé-
culo XX, 1914-1991.
7. Segundo Cecília Helena de Salles Oliveira, “o termo ‘multidão’ exteriorizava concepções especí-
ficas acerca da atividade do trabalho e acerca da cidadania. Por um lado, aludia à abolição da es-
cravidão e ao delineamento efetivo da figura do trabalhador livre e, por outro, vinculava a
propriedade da força-de-trabalho aos direitos civis e políticos. Mas essa ‘multidão’, na fala de au-
toridades e cronistas, manifestava-se ora como símbolo de ‘progresso’, ora como sinônimo de or-
dem, apresentando perfil ambíguo”. “São Paulo nos Fins do Século Passado: Representações e
Contradições Sociais”, em São Paulo: Novas Fontes, Abordagens e Temáticas, p. 25.
8. Acompanhar discussão em Nicolau Sevcenko, Orfeu Extático na Metrópole: São Paulo, So-
ciedade e Cultura nos Frementes Anos 20.
9. Sobre as transformações do pensamento historiográfico sobre a cidade de São Paulo e as in-
terpretações sobre a urbe entre os séculos XIX e XX, ver Raquel Glezer, “As Transformações
da Cidade de São Paulo na Virada dos Séculos XIX e XX”, pp. 17-28.
II - A PAULICÉIA SOB UM DIAGNÓSTICO S ANITÁRIO 77
13. Ver Carlos José dos Santos, Nem Tudo era Italiano: São Paulo e Pobreza, 1890-1915.
14. Como se verá adiante, exemplo disso foi o Instituto Pasteur de São Paulo, que funcionou
entre 1906 e 1916 – substancial, como instituto privado – no desenvolvimento das ciências
biomédicas do país e na colaboração com as ações de saúde pública em todo o Estado de São
Paulo. Ver Luiz Antonio Teixeira, Ciência e Saúde na Terra dos Bandeirantes: A Trajetória
do Instituto Pasteur de São Paulo no Período de 1903-1916.
II - A PAULICÉIA SOB UM DIAGNÓSTICO S ANITÁRIO 79
mente pelas novas configurações urbanísticas, bem como por ações higiêni-
cas e sanitárias capazes de controle social e das doenças que invadiam os
bairros e ruas. Com tais responsabilidades os médicos seriam os protagonistas
da articulação da “nova São Paulo”, alterando-lhe as feições, medicalizando e
normatizando determinados espaços, para que se constatassem, pelos núme-
ros, as mudanças advindas de suas ações.
Nesses termos, esperava-se somar, à terra dos bandeirantes, as novas
insígnias que dariam à paulicéia a prerrogativa do sanitarismo nacional –
uma nova representação do poder estadual transformando as estratégias em-
pregadas em máquina de submissão e em produção de instrumentos capazes
de inspirar submissão. Da perspectiva da criação desse corpo simbólico e pro-
gressista, mascarava-se a realidade, em vez de pintá-la adequadamente15: no
interior com a luta no sentido de extirpar a imagem do paulista doente e
substituí-la pela do Jeca Tatu higienicamente restaurado, e do paulistano por
meio da disciplina e adestração, com a criação de um agente capaz de implan-
tar, por seus alegados dotes especiais, as inumeráveis potencialidades que se
constituiriam em todo o país – esse era o ideal apregoado pelos apóstolos do
discurso higienizador16.
Para tanto, as modificações do espaço público eram prioritárias: di-
versas ruas deveriam ser alinhadas e adquirir sarjetas e bueiros. As casas que
não estivessem de acordo com as normas da municipalidade – não só na
estrutura interna, mas em seus alinhamentos externos com a rua e o recuo
da calçada – deveriam ser demolidas. Os planos previam também novos
prédios, teatros, grandes avenidas e jardins, concretizando toda uma idéia
de purificação dos espaços, espelhada na harmonia das ruas e na arquitetura
dos edifícios.
Já o espaço privado seria abonado por preceitos higiênicos e medidas
que viabilizassem, primeiramente, a saúde do morador de posses, assegurando
a devida distância de pontos infectos e de doenças para que pudessem viver
com saúde, em ambiente ordeiro e perfumado ao mesmo tempo que contro-
lassem a população pobre considerada hostil e crivada de vícios. Na roupa-
gem científica dos discursos e nas intervenções médicas, havia a obrigação de
uma pujante cisão dos espaços, pois os contornos urbanos da paulicéia não
15. Roger Chartier, “O Mundo como Representação”, Revista de Estudos Avançados da USP, pp.
185-186.
16. Tania Regina de Luca, A Revista do Brasil, op. cit., p. 216.
80 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
demolição das paredes internas que reduzem as dimensões dos aposentos, impedindo
o arejamento e penetração da luz, sendo de observar que, nos dormitórios, cada pes-
soa necessitaria de pelo menos 14 metros cúbicos livres de ar suficientemente reno-
vado. Reboco e caiação das casas desprovidas desses melhoramentos necessários à
higiene domiciliária, arrancamento dos assoalhos velhos e esburacados debaixo dos
quais se formam verdadeiros ninhos de micróbios, esconderijos de camundongos e
ratos e depósito das varreduras e águas de lavagens da casa19.
17. Sobre as transformações arquitetônicas operadas nos casarões e palacetes das elites paulistanas
de 1867 a 1918, ver Maria Cecília Naclério Homem, O Palacete Paulistano e Outras Formas
de Morar da Elite Cafeeira, 1867-1918, p. 125.
18. Instrucções Sanitárias, Serviço Sanitário do Estado de São Paulo, São Paulo, 1900, p. 11.
19. Idem, pp. 11-12.
II - A PAULICÉIA SOB UM DIAGNÓSTICO S ANITÁRIO 81
20. Grande parte das instruções sanitárias de 1900 deve-se ao relatório sobre as condições e me-
didas tomadas nesse distrito.
21. Saliente-se que, simultaneamente a essa intervenção, o mesmo relatório propunha a constru-
ção de vilas operárias nos arrabaldes, visando o afastamento desse grupo do centro da cida-
de, além de apresentar a legislação sobre sua viabilidade e construção. Sobre a concretização
do projeto, ver trabalho que desvenda todas as relações suscitadas pela construção da chama-
da Vila Maria Zélia e por seu responsável, o industrial Jorge Street. Em Palmira P. Teixeira,
A Fábrica do Sonho: Trajetória do Industrial Jorge Street.
22. Relatório da Commissão de Exame e Inspecção das Habitações Operárias e Cortiços no
Districto de Santa Ephigenia, apresentado ao Dr. Cesário Motta Junior (Secretario dos Ne-
gócios do Interior do Estado de São Paulo), 1894, p. 256.
82 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
23. Raquel Rolnic, A Cidade e a Lei: Legislação, Política Urbana e Territórios na Cidade de São
Paulo, p. 47.
24. Leis, Resoluções e Actos da Camara Municipal da Capital do Estado de São Paulo, de 1897-
1898, p. 64.
25. O engenheiro responsável pelas obras viárias, Victor Freire, defendeu a abertura de grandes
avenidas, preservando partes antigas do centro, indo ao encontro das concepções urbanísticas
de Sitte. Segundo Bresciani, “a fantasia de construtor e não o implacável cordel do alinhador,
se de certa maneira explicita a discordância em relação ao modelo parisiense de Haussmann,
é porque mantém vínculo teórico com Camillo Sitte, arquiteto austríaco, crítico das reformas
de Viena executadas por Otto Bauer. Victor Freire aliava-se às opiniões contrárias (...) para
as quais reformar ou embelezar uma cidade implicava impor-lhe a grelha ‘rectangular’ de
Nova York”. Maria Stella Bresciani, “Imagens de São Paulo: Estética e Cidadania”, em An-
tonio Celso Ferreira et al., Encontros com a História: Percursos Históricos e Historiográficos
de São Paulo, p. 35.
26. Leonardo Benevolo, As Origens da Urbanística Moderna, p. 146.
II - A PAULICÉIA SOB UM DIAGNÓSTICO S ANITÁRIO 83
27. Os princípios da higiene pública e privada achavam-se no Código Sanitário do Estado, po-
dendo ser resumidos em: execução do serviço de higiene profilática e agressiva, competindo
ao Estado o serviço geral das desinfecções; o serviço de higiene municipal, com ênfase nos
trabalhos da polícia sanitária, inspecionando espaços insalubres, intervindo nas condutas da
população no que diz respeito a sua alimentação e moradia; em quadras epidêmicas, farão
observar as disposições regulamentares sobre a higiene pública e privada e as medidas extra-
ordinárias que julgarem oportunas, quer por parte das autoridades municipais, quer por par-
te dos habitantes. Em Carlos Reis, Repertório da Legislação sobre o Serviço Sanitário do
Estado de São Paulo, op. cit., p. 62.
28. Afrânio Peixoto, Higiene, p. 10.
84 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
cina experimental como o do Butantan, que dilata dia a dia a sua ação científica,
com nobre e elevado intuito de se equiparar aos melhores, e que para lá caminha,
sob lúcida direção de Vital Brasil, cujo imenso valor científico se mede pela sua
excessiva modéstia, enorme desprendimento e dedicação absoluta (...) eu não viria
ocupar a vossa atenção com a exposição da patogenia, profilaxia, tratamento das
doenças conhecidas e identificadas que infestam a população brasileira. O proble-
ma do Brasil não é apenas médico e higiênico porque é, e mais que tudo, o problema
máximo nacional, econômico, social, político e humanitário, de cuja resolução de-
pende a de todos os outros – é a existência da nacionalidade35.
Nesses termos, estudos sobre São Paulo e sua marcha sanitária na vira-
da do século XX foram unânimes em demonstrar as melhorias conquistadas
por parte da população da cidade e seu reflexo na qualidade de vida pela
sensível redução da mortalidade por moléstias infecciosas. Entretanto, algumas
dessas interpretações pecam por acatar os índices oficiais sem um exame mais
acurado da óptica sob a qual se formularam, descurando de elementos que
pudessem questionar ou rebater esses números.
Referindo-se à capital, em clássico trabalho sobre a organização e admi-
nistração da Saúde Pública no Estado de São Paulo, sintomaticamente Blount
indicou uma evolução substancial na qualidade de vida de “toda” a popula-
ção no decurso das intervenções em doenças epidêmicas e endêmicas. Tal
melhora poderia ser resumida no quadro de mortalidade do período:
(...) entre 1894 e 1917, o coeficiente de mortalidade na cidade de São Paulo caiu de
28,09 para 16,78. Tivesse a taxa permanecido ao nível de 1894, o número total de
mortos em 1917, que foi de 7,08, teria alcançado a cifra de 13,184. Somente na
Capital, com o declínio da mortalidade, foram poupadas mais de 5.000 pessoas num
só ano36.
nham tido tempo para ser absorvidos pelas técnicas e ações dos órgãos de
saúde pública. Em relatório enviado ao Secretário dos Negócios do Interior
sobre o ano de 1897, isso é claro:
(...) durante o ano próximo findo, reproduziram-se nesta Capital vários casos de mo-
léstia transmissível sem que contudo atingissem um caráter epidêmico, conservando-
se a salubridade da Capital em estado bastante lisonjeiro. É assim que, não obstante o
aumento contínuo e extraordinário da população da capital, para o qual concorre
sobremodo o elemento desaclimado da grande massa de imigrantes estrangeiros e
nacionais, observa-se um decréscimo sensível da mortalidade geral no corrente ano
em relação ao anterior, como se vê dos seguintes dados: 1896: obituário geral, 6 396;
1897: mortalidade, 5 719. É de esperar que essa mortalidade ainda decresça com a
continuação do estudo e o emprego de meios atinentes a conseguir uma solução com-
pleta do difícil problema da saúde pública. Do obituário geral de 1897, foram de
moléstias transmissíveis os seguintes37:
Tuberculose 406
Febre tifóide 223
Difteria 33
Febre amarela 28
Varíola 26
37. Relatório apresentado ao senhor doutor Vice-Presidente do Estado de São Paulo, João Batista
de Melo Peixoto, pelo Secretário de Estado interino dos Negócios do Interior, anno de 1897,
São Paulo, 1898, p. 6.
38. Joseph Love, A Locomotiva: São Paulo na Federação Brasileira, 1889-1937, p. 39.
39. Idem, p. 93.
88 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
40. Relatório apresentado ao Dr. Francisco de Paula Rodrigues Alves, Presidente do Estado de
São Paulo, pelo Secretário do Interior, Altino Arantes, ref. 1912, São Paulo, Typ. Brazil de
Rothschild e Cia., 1914, p. 83.
II - A PAULICÉIA SOB UM DIAGNÓSTICO S ANITÁRIO 89
41. Relatório do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo ao Secretário dos Negócios do Inte-
rior, São Paulo, s/ed., 1893.
90 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
42. Maria Alice Ribeiro, História sem Fim, op. cit., p. 107.
43. Idem, p.108.
44. Em Cláudio Bertolli Filho, Epidemia e Sociedade: A Gripe Espanhola no Município de São
Paulo, p. 58.
II
Interme- Liberdade, Bela Colinas e Classes médias Sobrados, Bondes, água, esgoto,
diário Vista, Sta. Efigênia, patamares e principalmente chalés e luz e telefone apenas nas
DIAGNÓSTICO S ANITÁRIO
45. Caio Prado Júnior, “O Fator Geográfico na Formação e Desenvolvimento da Cidade de São
Paulo”, em Evolução Política do Brasil e Outros Estudos, p. 131.
46. Sobre o enfoque dado às representações urbanas, principalmente às cidades do início do século
XX, ver Sandra Jatahy Pesavento, “Entre Práticas e Representações: A Cidade do Possível e a
Cidade do Desejo”, em Luiz César de Queiroz Ribeiro e Robert Pechman (orgs.), Cidade, Povo
e Nação. Gênese do Urbanismo Moderno, pp. 377-396.
II - A PAULICÉIA SOB UM DIAGNÓSTICO S ANITÁRIO 93
de cólera (...) felizmente podemos afirmar que é falsa (...) cumpre-nos acres-
centar, entretanto, que, mesmo no bairro do Brás, houve ontem três casos
suspeitos.” No Hospital de Isolamento, foram diagnosticados como doentes e
definidos como “pessoas absolutamente desleixadas, que se alimentam mal
e que não zelam do asseio do corpo e das habitações”47. Diante do perigo de
um surto colérico na região que avançasse sobre a urbe, no dia 17 do mesmo
mês, ruas do bairro foram interditadas pelas autoridades sanitárias, 40 casas
visitadas e, segundo a Inspetoria Sanitária, encontradas “limpas e o estado
sanitário magnífico”48.
Na verdade o bairro abrigava um “apinhamento populacional” em seus
cortiços, casas de cômodos e outras formas de moradia, o que acabou dando
aos órgãos de saúde uma avaliação, no mínimo, prematura, que alardeavam
em seus relatórios. Ao visitar esses locais e considerar “magnífico” seu estado
de conservação, revelaram-se incapazes de uma investigação mais profunda e
segura acerca da dimensão das doenças existentes, ao mesmo tempo que pro-
curavam incutir a idéia de domínio sanitário sobre toda a cidade. Isso porque,
no dia seguinte, quando era dada oficialmente a ausência da doença e das
formas de contágio, novamente O Estado de S. Paulo publicava que encon-
traram-se “algumas casas do Brás onde se manifestaram casos de cólera e
colerite”49. A realidade dessa conjuntura precária em que vivia a população
pobre, “vítima” e “culpada” da proliferação de doenças e moléstias, foi apon-
tada nos resultados do relatório demográfico-sanitário referente a novembro
de 1894:
Faleceram nesse mês, na capital, 423 pessoas, das quais 26 de um mês de idade
para baixo, 114 de um a doze meses, 95 de um a cinco anos, 10 de cinco a dez, 12 de
dez a vinte, 34 de vinte a trinta, 48 de trinta a quarenta, 24 de quarenta a cinqüenta,
16 de sessenta a setenta, 8 de setenta a oitenta, 3 de oitenta a noventa, 3 de noventa
a cem, 1 de mais de cem, 4 de idade ignorada e 25 nascidas mortas. (...) Por distrito,
Norte e Sul da Sé, 83; Consolação, 122; Santa Efigênia, 93; Brás, 121; Santana, 9;
Penha, 6; São Manoel, 5; Nossa Senhora do Ó, 050.
51. Maria Inez M. Borges Pinto, Cotidiano e Sobrevivência: A Vida do Trabalhador Pobre na
Cidade de São Paulo, 1890-1914, p. 112.
52. Esmeralda Blanco B. de Moura, Mulheres e Menores no Trabalho Industrial: Os Fatores Sexo
e Idade na Dinâmica do Capital, p. 70.
II - A PAULICÉIA SOB UM DIAGNÓSTICO S ANITÁRIO 95
53. A idéia de que esses relatórios e dados demográficos não são apenas índices, mas uma forma
de representação de uma determinada realidade, pode ser acompanhada em Geraldo José
Alves, A Contabilidade da Higiene: Representações da Mortalidade no Discurso Médico-
demográfico, São Paulo – 1903-1915.
54. O aumento da criminalidade na cidade de São Paulo nesse período e a demanda por uma
reforma que dominasse esse novo contingente de criminosos são analisados por Fernando
Salla, As Prisões em São Paulo, 1822-1940 e Marco Antonio Cabral dos Santos, Paladinos
da Ordem: Polícia e Sociedade em São Paulo na Virada do Século XIX ao XX.
96 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
55. Relatório apresentado ao Presidente do Estado pelo Secretário dos Negócios da Justiça de
São Paulo (Manoel Pessoa Siqueira Campos), Rio de Janeiro, Typ. G. Leuzinger & Filhos,
1893, pp. 10-13.
56. O Estado de S. Paulo, 7 ago. 1914.
57. Amâncio de Carvalho, “Medicina Pública”, Revista da Faculdade de Direito de São Paulo,
p. 120.
58. Os acidentes de trabalho e as mortes subseqüentes eram classificados pelos médicos, em suas
estatísticas, como “morte violenta”, podendo ser acompanhados pelos jornais e relatórios do
Departamento do Trabalho. Como exemplo, o acidente de um operário em 1912 que, “passando
com um saco às costas ao pé de uma máquina, foi apanhado por uma peça da mesma, que lhe
fraturou o crânio, determinando a morte”, ou a morte de um “operário encanador que trabalha-
va no prédio no 42 da rua J. João, caindo do andaime em que se achava, batendo violentamente
com a cabeça ao solo e quase esmagando seu crânio”. Boletim do Departamento Estadual do
Trabalho, São Paulo, Typ. Brasil de Rothschild & Cia., anno II, no 6, 1913, p. 139, e O Estado
de S. Paulo, 3 jul. 1918, p. 1. Ver também Edgar Carone, Classes Sociais e Movimento Operário.
59. Dados dos Anuários Estatísticos de São Paulo entre 1900 e 1905.
II - A PAULICÉIA SOB UM DIAGNÓSTICO S ANITÁRIO 97
60. Anuário Estatístico de São Paulo, anno de 1906, vol. I, São Paulo, Typ. Espíndola & Cia.,
1908, p. 365.
61. Dados dos Anuários Estatísticos do Estado de São Paulo entre 1906 e 1910.
62. A função dos hospícios em sua constituição a partir do século XIX, mais precisamente depois
de 1850, era aprisionar os degenerados, retirando-os da sociedade, que era espelhada pelos
próprios métodos e pela arquitetura construída para tais intentos: “O hospício é o espelho do
mundo; o mundo, espelho da fábrica ou representado, pela psiquiatria, como sua imagem e
semelhança. Nesse jogo de espelhos em que o hospício, a fábrica e a cidade se refletem mutu-
amente, a psiquiatria higiênica pretende ajustar o indivíduo à sua função social – como quem
desenvolve a destreza manual dos gestos repetidos diante da máquina implacável, que impõe
ao trabalho do homem um ritmo que lhe é estranho (...) o ritmo da vida social torna-se igual-
II - A PAULICÉIA SOB UM DIAGNÓSTICO S ANITÁRIO 99
64. André Mota e Marco Antonio C. Santos, Entre Algemas e Vacinas: Medicina, Polícia e
Resistência Popular em São Paulo (1890-1920), pp. 152-168.
II - A PAULICÉIA SOB UM DIAGNÓSTICO S ANITÁRIO 101
todas as vezes que se trata de legislar sobre assuntos de higiene, sempre se levanta uma
forte celeuma contra as medidas aconselhadas, que são consideradas pelo povo como
violentas e vexatórias. É a pequena luta dos interesses individuais contra o bem cole-
tivo. E o povo assim o faz, porque ignora por completo que os conselhos de ordem
higiênica são baseados em princípios e leis científicos, e que eles têm por alvo o bem
individual e o bem social65.
as leis sanitárias, como todos nós sabemos, são, pela sua natureza, rigorosas, exigentes
e coercitivas. Essas leis nunca foram, em tempo algum, recebidas com simpatia, por-
que restringem a liberdade, contrariam hábitos e modificam costumes. A severidade
e o rigor na aplicação das leis sanitárias provocam antipatias, longas demandas e, às
vezes, mesmo sérios conflitos. Infelizmente, depois de notáveis descobertas do sábio
Pasteur, não podemos incutir nos dispositivos de um código sanitário as branduras, as
meiguices e as gentilezas de um código de bom-tom66.
65. Annaes da 64a Sessão Ordinária de 1917 da Câmara dos Deputados do Estado de São Paulo,
organizados pelos tachigraphos Horacio Belfort Sabino e Numa de Oliveira, 1918, p. 596.
66. Annaes da 84a Sessão Ordinária de 1917 da Câmara dos Deputados do Estado de São Paulo,
organizados pelos tachigraphos Horacio Belfort Sabino e Numa de Oliveira, 1918, p. 1.206.
67. Relatório apresentado ao presidente do Estado pelo Secretário dos Negócios da Justiça de São
Paulo, João Baptista de Mello Peixoto, São Paulo, Typ. Espindola, Siqueira & Comp., 1896.
102 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
interna, a princípio por soldados de polícia, e mais tarde por uma turma de
desinfetadores, que saiu-se perfeitamente dessa incumbência”71.
Quaisquer formas de contato com o mundo exterior se dariam por dois
desinfetadores que ficariam dentro da Hospedaria, mas que não teriam ne-
nhum contato com os possíveis contaminados. Estes não podiam se aproximar
menos de dez metros das grades do pátio. O doente era “retirado da enferma-
ria comum para uma pequena casa, situada em um dos ângulos da casa da
Hospedaria, e que era dividida em duas partes, uma transformada em enfer-
maria, onde os doentes esperavam o carro de remoção, e outra servia de depó-
sito de cadáveres de todas as moléstias”72.
Os pátios da Hospedaria seriam cuidadosamente desinfetados com solu-
ções de sulfato de cobre e grande quantidade de cal, pois a Comissão aprende-
ra com as pesquisas sobre o cólera-morbos realizadas na Escola de Berlim que
75. Esse caso foi narrado pelo jornal O Estado de S. Paulo, deixando claro o levante dos imigran-
tes, contra o qual chamou-se a força pública como maneira de contenção dos distúrbios. O
Estado de S. Paulo, 28 jul. 1894, p. 1.
76. J. Roxo et al., “Relatório apresentado ao Chefe da Commissão de Desinfecções do Estado
Cidadão Dr. J. J. Torres Cotrin”, op. cit., p. 292.
77. Idem, ibidem.
II - A PAULICÉIA SOB UM DIAGNÓSTICO S ANITÁRIO 105
Parece-me que não é caso de intervenção direta do juízo de órfãos, pois só aos
médicos assistentes é que compete resolver sobre a necessidade inadiável e absoluta
da operação cirúrgica, com única responsabilidade profissional. Se se tratar de uma
operação cirúrgica, único meio para salvamento da vida da menor, é bem de ver que
os pais, invocando pátrio poder, não podem absolutamente contribuir para a morte
da filha, impedindo a realização desse único meio. É esse um incidente que só os
médicos podem resolver, e agir de conformidade com a sua consciência (...)83.
82. Revista dos Tribunaes, São Paulo, Typ. Cardozo Filho & Comp., vol. 14, 1916, p. 121.
83. Idem, p. 122.
II - A PAULICÉIA SOB UM DIAGNÓSTICO S ANITÁRIO 107
84. Revista dos Tribunaes, São Paulo, Typ. Cardozo Filho & Comp., vol. 1, 1912, p. 100.
85. Revista dos Tribunaes, São Paulo, Typ. Cardozo Filho & Comp., vol. 15, 1915, p. 298.
108 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
86. Carmelo Romano, carta dirigida ao Diretor do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo, Dr.
Emílio M. Ribas, 11 nov. 1899. [manuscrito]
87. Vicenzo Randice, carta dirigida ao Diretor do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo, Dr.
Emílio M. Ribas, 22 nov. 1899. [manuscrito]
88. O Estado de S. Paulo, 17 jan. 1914, p. 2.
II - A PAULICÉIA SOB UM DIAGNÓSTICO S ANITÁRIO 109
Numerosas são as reclamações que temos recebido contra o modo por que
alguns médicos e auxiliares de médicos sanitários desempenham suas funções. São
violentos e arbitrários, provocando assim a odiosidade do povo contra o Serviço Sa-
nitário. Ainda ontem verificou-se um desses atos de violência, do qual foi vítima um
empregado desta folha. Estava no interior de sua casa de residência quando viu surgir-
lhe pela frente um indivíduo que se dizia inspetor sanitário, e que exigiu que ali sua
senhora e sua filhinha de oito meses de idade lhes dessem o braço para receberem a
linfa vacínica contra a varíola. A pretensão do funcionário do Serviço Sanitário foi
repelida, mas com bons modos, depois de lhe ter sido explicado que a senhora e a
criança se achavam doentes. Esse fato passava-se pela manhã e já à tarde aquele
empregado desta folha recebia uma intimação para, sob pena de multa de 200$000, e
no prazo de 24 horas, apresentar-se com sua senhora e filha na diretoria do Serviço
Sanitário para serem todos vacinados. Se já não constituísse uma irregularidade pe-
netrar numa casa sem autorização do respectivo dono, como aconteceu nesse caso,
bastaria o teor da intimação para patentear um grave abuso, digno da maior atenção
do Dr. Neiva, diretor da referida repartição90.
Não haveria outro meio; num país “democrático”, todos deveriam cur-
var-se ao código de leis. E essa lei deveria abranger primeiramente as institui-
ções representativas da corporação médica e sanitária, absorvendo seus
profissionais e com isso garantindo medidas que os controlassem e ao mesmo
tempo protegessem.
Mesmo imersas nessa complexidade normativa, profissional e insti-
tucional, as instâncias médicas e de saúde foram, com o tempo, tomando sob
sua responsabilidade todos os desarranjos sociais, reafirmando-se detentoras
dos instrumentos capazes de modificar esses desacertos, e defendiam-se atri-
buindo o caos a outras instâncias normativas de poder. Nesse sentido, não
pouparam esforços, influenciando outras áreas nessa diligência: denunciavam
a desestrutura social e posicionavam-se contra as medidas dos poderes muni-
cipais que poderiam afetar os rumos de suas ações interventoras.
A partir de então, o discurso médico impregnava-se da contradição
entre o poder e os limites da profissão. Mesmo diante das pressões que sofriam
e das evidências de sua freqüente inadequação, a corporação médica e suas
instituições de saúde seguiam sendo uma estrutura inquestionável tida como
absolutamente organizada e comprometida com a mudança da fisionomia do
Brasil, e mais especialmente de São Paulo, contra um mundo desorganizado e
oposto a uma sociedade saudável, disciplinada e progressista. Se havia desa-
certos, diziam, eram de responsabilidade de outras instâncias, que deveriam
ser cobradas e reveladas como as causadoras de transtornos que recaíam sobre
os órgãos de saúde pública.
94. Leis, Resoluções e Actos da Camara Municipal da Capital do Estado de São Paulo, 1894-
1895, São Paulo, Casa Vanorden, 1915, pp. 19 e 151.
95. “A raiva é uma doença infecciosa aguda, que causa a inflamação do sistema nervoso central.
É causada por um vírus que se propaga no sistema nervoso central e atinge as glândulas saliva-
res, nas quais também se multiplica. Em virtude da dificuldade de engolir líquidos, apresentada
pelo doente em fase adiantada, é também conhecida como hidrofobia. Geralmente é transmi-
tida ao homem por cães raivosos, embora outros animais, como os lobos e gatos também pos-
sa fazê-lo.” Luiz Antonio Teixeira, Ciência e Saúde na Terra dos Bandeirantes, op. cit., p. 16.
96. O Instituto Pasteur do Rio de Janeiro foi criado em 1870. Atrelava-se à Santa Casa de Mi-
sericórdia e foi instalado na Rua das Laranjeiras, no 84. Por toda a sua existência, suas ativi-
dades consistiram no preparo e na aplicação do imunizante anti-rábico, não chegando a se
114 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
Atesto que o sr. Joaquim da Silva, residente à Rua Santo Antonio, no 116, e
dois de seus filhos, Alberto, de 10 anos de idade, e Adelia, de 3 anos, foram mordidos,
há um mês mais ou menos, por um cão apresentando sinais de achar-se atacado de
hidrofobia: nessa mesma ocasião, um cão do Sr. Silva foi mordido pelo referido cão.
Conservado aquele em observação, verificaram que ontem apresentou todos os sinto-
mas da raiva, pelo que não resta dúvida de que o Sr. Silva e seus filhos foram mordidos
por um cão hidrófobo97.
O Dr. Dias apurara que a vítima não tinha condições econômicas para
ir com os filhos ao Rio de Janeiro e, na tentativa de ajudá-lo, enviou um
pedido para que o próprio governador do Estado intercedesse – sendo o Sr.
Silva homem pobre, seria de justiça que o “humanitário Governador” o aju-
dasse, a fim de que lhe fosse dado e a seus filhos o adequado tratamento no
Instituto Pasteur. A solicitação não foi aceita e, em 22 de março, o Sr. Silva
apresentava-se ao Serviço Sanitário para fazer o mesmo pedido de dois dias
antes, dessa vez com o atestado aviado pelo Dr. Dias:
Diz Joaquim da Silva, residente nesta capital, à rua Santo Antonio, no 116, e
abaixo assinado que, como prova com o atestado junto, foram o peticionário e seus
filhos menores, Alberto, de 10 anos de idade, e Adelia, de 3 anos, mordidos há um
mês mais ou menos, por cão hidrófobo, estando portanto todos os tais em iminente
perigo de serem atacados pela hidrofobia. E, como o peticionário não dispõe dos
meios pecuniários para preservar a si e seus filhos da tão terrível mal, vem recorrer aos
transformar num pólo de pesquisa bacteriológica. Luiz Antonio Teixeira, Ciência e Saúde na
Terra dos Bandeirantes, op. cit., pp. 25-27.
97. Atestado de infecção hidrofóbica, assinado pelo Dr. Antonio Arcanjo Dias para ser levado ao
Serviço Sanitário, sob os cuidados do Governador do Estado, 20 mar. 1897. [manuscrito]
II - A PAULICÉIA SOB UM DIAGNÓSTICO S ANITÁRIO 115
poderes públicos do Estado, requerendo a V. Ex. se digne, a vista das precárias cir-
cunstâncias do peticionário, ordenar as necessárias providências a fim de que o mes-
mo e seus filhos sejam, à custa do Governo do Estado, remetidos ao Instituto Pasteur,
da Capital Federal98.
optando desde o início por se estruturar como uma instituição de medicina experi-
mental relativamente independente do Estado, com auto-suficiência para atuar no
campo da pesquisa biomédica, do ensino da microbiologia da produção de imunizantes
e do tratamento anti-rábico, os fundadores do Pasteur imaginavam que o instituto
poderia se transformar numa instituição análoga à que montara o próprio Pasteur em
solo francês.99
98. Carta expedida por E. R. M. ao Diretor do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo, 22 mar.
1897. [manuscrito]
99. Luiz Antonio Teixeira, Ciência e Saúde na Terra dos Bandeirantes, op. cit., p. 53.
116 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
Ano 1899 1900 1901 1902 1903 1904 1905 1906 1907 1908 Total
Apreen-
2 551 7 889 7 666 5 895 4 924 4 284 3 891 3 587 3 871 4 493 49 051
didos
Sacrifi-
2 313 6 587 6 064 4 711 4 415 3 941 3 716 3 323 3 398 3 886 42 354
cados
Reti-
72 265 193 198 115 123 59 61 56 42 1 184
rados
100. Leis e Actos do Município de São Paulo de 1906, São Paulo, Casa Vanorden, 1907, p. 54.
101. Relatório de 1908 apresentado à Camara Municipal de São Paulo pelo prefeito, Dr. Antonio
da Silva Prado, São Paulo, Casa Vanorden, 1909, p. 26.
102. Idem, ibidem.
II - A PAULICÉIA SOB UM DIAGNÓSTICO S ANITÁRIO 117
São Paulo, 1 060 pessoas mordidas por animais raivosos ou suspeitos. Deram-
se 162 consultas escritas e foram registradas 176 verbais. O número de pessoas
tratadas é ainda maior do que o registrado no ano passado e atinge o máximo,
nunca tendo-se, desde a fundação do Instituto, notado tão avultada cifra”103.
O quadro104 a seguir expõe a precariedade em que vivia o Instituto a
respeito do caso não apenas pelo altíssimo número de vítimas na capital,
como também pela quantidade de pessoas que vinham do interior em busca
de socorro médico. O discurso da cura convivia com a real falta de controle
da doença:
Mordidos/ 1903/ 1905 1906 1907 1908 1909 1910 1911 1912 1913
tratados 1904
Total 467 451 281 309 616 627 420 583 919 1 060
103. Relatório Estatístico do Serviço Anti-rábico durante o anno de 1913 pelo Dr. Carini, Insti-
tuto Pasteur, Revista Médica de São Paulo, anno XVII, no 11, São Paulo, 15 jun. 1914, p. 187.
104. Idem, ibidem.
105. Idem, ibidem.
118 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
para os cães que eram presos. Rezavam as queixas que eles eram recolhidos
sem trato adequado por parte das autoridades e, segundo diziam, sem
nenhum sentimento de humanidade para com os bichos que a carrocinha ali despeja
diariamente. Com um frio cortante como o que tem feito, os compartimentos são lava-
dos a jatos d’água, conservando neles os pobres prisioneiros. Estes latem, gemem, tre-
mendo de frio, suportando durante o dia e à noite as conseqüências da umidade. O
prazo concedido para retirar os cães apanhados nas ruas é de três dias. Quase todos estão
condenados a uma morte certa, porque a maioria dos donos não vai resgatá-los. Em
cada compartimento, há mais de 25 bichos, grandes e pequenos, uns mansos, outros
bravos. Não raro, estes se atiram àqueles, deixando-os com o corpo a escorrer sangue106.
113. Segundo Almeida, “diante das indisposições com o Serviço Sanitário, o prefeito desconsiderou
completamente suas sugestões e trabalhos, enveredando para um caminho diferenciado, pelo
menos nesse assunto, dos rumos traçados por Ribas”. Marta de Almeida, República dos Invi-
síveis: Emílio Ribas e Saúde Pública em São Paulo (1898-1917), op. cit., p. 126.
114. Eugenio Guilhem, Limpeza Pública: Estado da Questão no Estrangeiro, p. 13.
115. Idem, p. 34.
II - A PAULICÉIA SOB UM DIAGNÓSTICO S ANITÁRIO 121
116. Francisco Iglesias, “A Mosca Doméstica”, Revista Médica de São Paulo, p. 13.
117. Interessante alusão ao inseto que, ao ser visto como monstro, também dava a dimensão sim-
bólica dos problemas causados pela sua presença na cidade.
122 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
do lixo de que tiverem conhecimento. Muito bem. Mas, Sr. Redator, ainda ontem
fomos ao Hospital de Isolamento (...) dali saímos para uma visita ao estabelecimento
que, por sua natureza, deveria apresentar a mais rigorosa assepsia, e encontramos
moscas por todos os cantos. Parece-nos, portanto, Sr. Redator, que o Hospital de Iso-
lamento nada tem de ‘cuidadoso’ e comete um crime, permitindo que milhares de
moscas diariamente transmitam em suas patas os germens das piores enfermidades
contagiosas”118.
121. Mariza Romero, Do Bom Cidadão: As Normas Médicas em São Paulo, 1889-1930, p. 56.
122. Liane Maria Bertucci, Impressões sobre a Saúde: A Questão da Saúde na Imprensa Operária,
São Paulo, 1891-1925, op. cit.
123. Maria Alice Ribeiro, História sem Fim, op. cit.
124. Claudio Bertolli Filho, História Social da Tuberculose e do Tuberculoso: 1900-1950.
125. Annuario Estatistico do Brazil (1908-1912), Rio de Janeiro, Typ. da Estatistica, 1916, p. 425.
124 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
“Dez de julho de 1913 veio assinalar mais uma brilhante vitória para o
glorioso apostolado do ilustre clínico Sr. Dr. Clemente Ferreira, que há anos
tem movido um combate sem tréguas a uma das mais terríveis moléstias que
flagelam a humanidade. (...) Foi em agosto de 1900 que se fundou a Liga
Paulista contra a Tuberculose, que desde 10 de julho de 1904 mantém o
Dispensário ‘Clemente Ferreira’. Ontem efetuou-se a inauguração oficial do
novo prédio do Dispensário, situado na rua da Consolação, no 117”1.
Festejada pelo jornal Correio Paulistano, a inauguração do novo
Dispensário Clemente Ferreira na capital paulista comporia a organização
do aparelho sanitário estadual, simbolizando mais um ícone da prosperidade
paulista, com habitantes em plenas condições de saúde. A luta contra a peste
branca ganhava urgência à medida que avançava, e a população era lenta-
mente consumida pelo mal.
Para assumir a coordenação de um projeto que impedisse sua propaga-
ção, foi escolhido o Dr. Clemente Ferreira, médico carioca, formado em 1880,
que, apesar de sua inclinação pela pediatria, produzira, em 1882, uma tese
sobre a tuberculose, intitulada Ph Thisica Pulmonar. Tinha escrito também
um ensaio a respeito dos “bons climas” de Campos de Jordão para a terapêu-
tica da tísica, que lhe valeu prestígio junto a seus pares paulistas e um convite
do Dr. Emílio Ribas para desenvolver e dirigir um plano de domínio e possí-
vel erradicação da moléstia nas terras de Piratininga.
Oriundo da Capital Federal, assumiria, em 1896, o comando desse pla-
no, tendo primeiramente ocupado “a função de ‘médico de crianças’ e, dois
anos depois, o cargo de diretor do consultório de lactantes do Serviço Sanitá-
rio Estadual. Paralelamente, foi incumbido de sensibilizar seus pares e os prin-
cipais representantes da elite regional para a organização filantrópica de
combate à peste consuntiva”2. Com seus conhecimentos sobre a tuberculose,
buscava-se firmar um elo entre os dois médicos, Dr. Clemente Ferreira e Dr.
Emílio Ribas, aliando a competência técnica e científica às leis e portarias
necessárias à viabilização das ações a serem implementadas.
Algumas das primeiras estratégias adotadas pelo Dr. Ferreira em solo
paulista inspiravam-se na Liga Nacional contra a Tuberculose, sediada no Rio
de Janeiro, que vinha se empenhando em denunciar a ameaça da moléstia no
território brasileiro, expondo, por meio de números preocupantes, o perigo que
avançava sobre toda a população. Segundo seu relatório de 1902, tomando
apenas as estatísticas da Capital Federal – porque desconheciam-se as dos Estados,
2. Claudio Bertolli Filho, História Social da Tuberculose e do Tuberculoso: 1900-1950, pp. 142-
143.
3. Manoel Rodrigues Peixoto, Conferência Realizada na Liga Campista contra a Tuberculose,
Filial da Liga Brasileira contra a Tuberculose, pp. 6-7.
III - U M PROJETO NA METRÓPOLE : A L IGA PAULISTA CONTRA A T UBERCULOSE 127
4. Idem, p. 23.
5. Relatório dos trabalhos do Instituto Bacteriológico durante o anno de 1897, apresentado ao Dr.
Diretor do Serviço Sanitário pelo Dr. Adolpho Lutz, Revista Médica de São Paulo, anno I,
n. 10, 15 nov. 1898, p. 182.
6. Revista Médica de São Paulo, anno V, no 3, 15 fev. 1902, p. 43.
128 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
7. Idem, p. 44.
8. Clemente Ferreira, carta de 14 jul. 1899 à Revista Médica de São Paulo, anno II, n. 9, 15 set.
1899, p. 275.
9. Idem, ibidem.
III - U M PROJETO NA METRÓPOLE : A L IGA PAULISTA CONTRA A T UBERCULOSE 129
(...) nossa árdua e pesada tarefa bem longe está do seu ponto final, pois infelizmente
falecem-nos as diversas armas de que não é possível prescindirmos na campanha com-
plexa contra o terrível flagelo tuberculoso. O núcleo central está organizado, porém
urge aparelhar os demais anéis da cadeia de instituições, que constituem o necessário
e indispensável arsenal, capaz de nos assegurar a vitória, o completo e definitivo
triunfo. (...) [E pede à imprensa paulista] poderoso elemento de orientação e
impulsionador vigoroso das grandes causas sociais – a sua intervenção calorosa, tenaz,
persuasiva, de modo a despertar a iniciativa privada e o concurso dos abastados, cuja
interferência na magna tem sido até hoje das mais apagadas10.
10. Revista Médica de São Paulo, anno XII, n. 15, 15 jan. 1909, pp. 257-258.
11. Idem, p. 45.
12. “Líquido estéril em que estão presentes produtos de crescimento ou substâncias específicas
provenientes de bacilo da tuberculose, e usado com o fim de diagnosticar essa infecção.”
Aurélio B. de Holanda Ferreira, Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, p. 1723.
130 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
13. Sobre a mortalidade infantil na capital nesse período, ver “A Capital e a Morte de Crianças”,
em Maria Alice Ribeiro, História sem Fim... Inventário da Saúde Pública, pp. 115-124.
14. J. P. Fontenelle, Compendio de Hygiene: Elementar, p. 325.
15. Idem, p. 327.
16. A análise pormenorizada da questão do leite, sua composição e fiscalização encontram-se na
Secção IV – “Alimentos Animais: Leite e Seus Derivados”, em idem, pp. 317-350.
III - U M PROJETO NA METRÓPOLE : A L IGA PAULISTA CONTRA A T UBERCULOSE 131
17. Resumo dos trabalhos do Instituto Bacteriológico de São Paulo, 1892-1906, Revista Médica
de São Paulo, anno X, n. 4, 28 fev. 1907.
18. Revista Médica de São Paulo, anno V, no 3, 1902, p. 46.
132 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
19. Epifanio José Pedrosa, Fiscalização das Vacas de Leite. Defesa contra a Tísica (Orgam Official
da Liga Paulista contra a Tuberculose), p. 21.
20. Idem, p. 22.
21. Idem, p. 24.
III - U M PROJETO NA METRÓPOLE : A L IGA PAULISTA CONTRA A T UBERCULOSE 133
não sairia mais à rua vaca que não tenha sido vacinada e verificado não estar afetada
de tuberculose e que não esteja em perfeito estado fisiológico. A população poderia,
portanto, com confiança e sem receio, usar do leite quente pela manhã, como de
ordinário prescrevem os clínicos. A qualidade do leite melhorou evidentemente por
meio de análises do Laboratório de Análises Químicas, e São Paulo nada tem a inve-
jar aos países mais zelosos nesse gênero de alimentação22.
Ano 1899 1900 1901 1902 1903 1904 1905 1906 1907 1908 Total
Matri- 1223 914 770 554 987 1 539 1 079 1 274 752 1 633 11 025
culadas
Vacina-
das e re- 286 208 177 158 269 4 091 1 889 1 507 879 1 742 10 706
vacinadas
Tuber-
7 8 16 18 25 720 278 268 138 247 1725
culose
lada por uns 30 000 litros diários”. Das registradas e vistoriadas, 247 tuberculosas,
146 eram da capital, 84, do interior do Estado e 17, de Minas Gerais24.
Verificava-se o descontrole do gado que vivia nas ruas dos arredores da
área central da cidade, sendo vendidos sua carne e leite. Em denúncia de um
morador de Pinheiros, “havia de ver como o gado ali é vítima dos carrapatos,
(...) provocando inúmeros inconvenientes na produção do leite”25. Nesse sen-
tido, um olhar sobre os pastos da cidade bastaria para compreender toda a teia
que dificultava o controle das estratégias que diziam ser efetivadas, bem como
a impotente estrutura de vistoria diante da prática ilegal e daqueles que eram
multados. Significativamente, na primeira quinzena de janeiro de 1914, há
diversas multas por venda ilegal de leite: “Francisco Valério de Medeiros,
chapa 722; Lourenço Saporito, no 193; Sylvestre Cardoso, no 792; Virgílio
Pacheco, no 848; e José Cardoso de Abreu, morador à rua dos Gusmões. Por
vender leite ácido: Empresa Paulista de Leiteria, chapa no 910. Por venderem
leite sem licença: João Corrêa Filho e Raphaela Farnia, moradores à Av. Cel-
so Garcia, 161.”26
No entanto, esses enquadramentos não significavam a coibição dos
procedimentos ilícitos, como lembrava no jornal O Estado de S. Paulo, em
artigo intitulado “A Saúde Pública em Perigo”. Segundo seu autor, além da
multa altíssima de 50$000, cujo pagamento era impossível, nunca houve cas-
sação de licença nesse tipo de comércio ou por reincidência de práticas ilíci-
tas na venda de leite, pois os próprios estabelecimentos legais – que deveriam
estar sob total controle dos agentes de fiscalização – encontravam-se em total
abandono:
24. Relatório de 1908 apresentado à Câmara Municipal de São Paulo, op. cit., p. 27.
25. O Estado de S. Paulo, 24 jan. 1918, p. 2.
26. O Estado de S. Paulo, 17 jan. 1914, p. 3.
27. O Estado de S. Paulo, 29 out. 1914, p. 2.
III - U M PROJETO NA METRÓPOLE : A L IGA PAULISTA CONTRA A T UBERCULOSE 135
o referido médico, sabendo que grassa nos estábulos a febre aftosa, resolveu mandar o
leite ao Laboratório de Análises do Estado, pedindo que o analisassem. No laborató-
rio, com o qual falou pelo telefone, aconselharam-lhe que se dirigisse ao Serviço
Sanitário. O reclamante dirigiu-se ao Serviço Sanitário. Depois de muitas telefona-
das e muito aborrecimento, que seria inútil reclamar por miúdo, declararam-lhe, da
diretoria do serviço, que este nada poderia fazer sem que o facultativo lá fosse pesso-
almente, apresentar uma queixa em forma!28
35. Idem, p. 7.
36. Ver Pierre Guillaume, “Les maladies sociales: la tuberculose et autres maux”, em Marie-Agnès
Bernardis (org.), L’home et la santé, pp. 57-65.
138 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
Nesse período, o resultado positivo de nossos trabalhos foi nulo. Nada produzi-
mos; nada de importante discutimos e, em nossas atas, nada arquivou-se que, com fruto,
possa ser consultado por quem se interessar pelas ciências médicas em São Paulo. (...)
escorregamos rapidamente sobre a questão da tuberculose; fundamos uma liga anti-
tuberculosa e fixamos nossa atenção sobre a fundação dos sanatórios para tuberculosos.
Quer isso dizer que empenhamos nosso pequeno esforço na realização do que, a meu
ver, devia ser a última cousa a ventilar na questão da tuberculose (...) a tuberculose é
um problema social e não uma questão médica. Encarando a questão como fazemos
atualmente, não combatemos a moléstia; apenas perseguimos cruelmente os doentes38.
A tísica pode ser curada em qualquer altitude, nos climas de montanhas como
à beira do mar. Cura-se mais facilmente nos sanatórios onde o doente ouve, a cada
instante, conselhos dos médicos, conselhos que é obrigado a seguir à risca, e onde ele
aprende por disciplina, ou pela imitação de outros doentes, a só fazer o que convém
ao seu tratamento. Entretanto, o tísico pode curar-se em sua casa, desde que a trans-
forme em um pequeno sanatório, ou desde que faça e use nela tudo o que teria de fazer
e usar no Sanatório41.
39. Claudio Bertolli Filho, História Social da Tuberculose e do Tuberculoso: 1900-1950, op. cit.,
pp. 141-156.
40. Victor Godinho e Guilherme Álvaro, Tuberculose: Contágio, Curabilidade, Tratamento
Hygienico e Prophylaxia, p. 5.
41. Idem, p. 98.
140 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
(...) a tuberculose existe em todos os climas, sendo entretanto mais comum nas gran-
des e velhas cidades do que nas pequenas e novas, e nestas mais do que no campo. As
casas velhas, sem ar, sem luz e onde moraram ou faleceram tísicos são lugares onde
muitas vezes se adquire a moléstia, cujos germens resistentes muito tempo vivem no
pó das paredes, dos móveis, das cortinas, das frinchas dos assoalhos. Toda casa cujo
residente anterior se ignora deve ser, antes de habitada de novo, cuidadosamente
desinfectada e lavada e, quando possível, completamente pintada42.
42. Tuberculose, publicação sob a direção do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo, São
Paulo, Escola Typographica Salesiana, 1900, p. 5.
43. Relatório apresentado ao Sr. Dr. Secretário dos Negócios do Interior e da Justiça pelo Dr.
Emílio Ribas, Director do Serviço Sanitário, São Paulo, Typ. do Diario Official, 1906, p. 12.
44. Idem, p. 10.
III - U M PROJETO NA METRÓPOLE : A L IGA PAULISTA CONTRA A T UBERCULOSE 141
apesar da pouca clareza dos motivos que alimentaram o conflito entre os dois esculápios,
suspeita-se de que a continuidade de atritos deveu-se principalmente à pretensão
personalista do “médico de crianças”. Desde o surgimento da Associação, o clínico
levantou a bandeira da campanha que visava construir um sanatório popular em Cam-
pos do Jordão, o que deveria ser financiado pelo governo estadual, mas ficar subordi-
nado ao movimento filantrópico e não ao Serviço Sanitário45.
E dispendiosos que fossem os sanatórios, não seria isso uma razão plausível
para adiarmos indefinidamente sua construção; é um ato de justiça social, uma obra
de solidariedade coletiva, um dever de assistência pública proporcionar aos indigen-
tes tuberculosos os meios de se tratarem. Do mesmo modo que se despendem somas
avultadas na instalação de hospitais para as demais moléstias infecciosas, assim como
se consagram fortes quantias na construção de nosocômios para os leprosos, os cance-
rosos e os sifilíticos, de hospícios para os alienados e de asilos para os alcoolistas e
degenerados, não é razoável que se abandonem os tuberculosos sem tratamento apro-
priado, sem refúgio confortável, atirados às enfermarias anti-higiênicas dos hospitais
comuns46.
45. Claudio Bertolli Filho, História Social da Tuberculose e do Tuberculoso: 1900-1950, op. cit.,
p. 145.
46. Clemente Ferreira, “Tuberculose e Armamento Antituberculoso”, em Clemente Ferreira, Dis-
cursos e Conferências (1892-1939), p. 2.
142 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
talar também uma linha férrea da comarca de São Bento de Sapucaí à cidade
de Pindamonhangaba, e desta à cidade serrana.
Anos depois, todavia, para grande surpresa de muitos, inclusive do Dr.
Ferreira, erguia-se o nosocômio e instalava-se a linha férrea47 para condução
dos doentes:
47. “Após várias tentativas para conseguir uma estrada de ferro, Ribas, sem nunca desanimar, ob-
tém, através da Lei no 1.265-A de 28-10-1911, promulgada pelo Presidente do Estado, Manoel
Joaquim Albuquerque Lins, seguida do Decreto n o 2.156 de 21-11-1911, o direito de cons-
truírem por si ou empresa que organizassem, uma estrada de ferro, ligando a cidade de
Pindamonhangaba a Campos do Jordão. Os trabalhos de construção já se achavam à altura da
Estação Eugênio Lefevre, atualmente Santo Antonio do Pinhal, quando eclodiu a Primeira
Guerra Mundial, desencadeando uma série de dificuldades financeiras. Em 28 de maio de 1915,
reunia-se a Sociedade em Assembléia Geral, presidida pelo Dr. Emílio Ribas, ocasião em que
Victor Godinho expôs as dificuldades da Companhia em conseguir empréstimo externo, sendo
assim foi solicitada ao Governo do Estado a encampação da ferrovia, que se oficializou em 15-
12-1915.” Em Emílio Marcondes Ribas, Secretaria de Esportes e Turismo de Campos do Jordão,
s/d., pp. 2-3. [mimeo.]
48. Claudio Bertolli Filho, História Social da Tuberculose e do Tuberculoso: 1900-1950, op. cit.,
p. 150.
III - U M PROJETO NA METRÓPOLE : A L IGA PAULISTA CONTRA A T UBERCULOSE 143
Domésticas 44
Costureiras 26
Empregados do comércio 15
Operários 14
Cozinheiros 11
Total 110
49. Relatório apresentado à Assembléia Geral da Liga contra a Tuberculose, exercício de 1912,
São Paulo, Typ. Siqueira, Nagel & Cia., 19 fev. 1913, p. 23.
50. Relatório apresentado à Assembléia Geral da Liga Paulista contra a Tuberculose, exercício de
1913, São Paulo, Typ. Levy, 28 fev. 1914, p. 13.
144 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
Natureza da habitação
casas individuais 48 20%
habitações coletivas 167 71%
ignoradas 48 20%
(...) são acordes pois os depoimentos das mais culminantes autoridades em higiene e
fisiologia no processo instaurado contra as casas insalubres, úmidas, mal ventiladas e
iluminadas, contra os domicílios apinhados – tipo dos alojamentos insalubres, propí-
cios e férteis meios para a cultu-luxuriosa do germem da tuberculose. É nesses antros
que se encastela o cruel flagelo; é aí que ele se avigora e se robustece, para em irradi-
ações violentas e invasoras levar suas devastações a ruas e quarteirões inteiros, esten-
dendo seus tentáculos empolgantes e poderosos a grandes distâncias e a pontos remotos
de um país, a contaminação e o morticínio pela exportação de doentes, que, em busca
de saúde e de vida, vão formar novos focos nas aldeias e nos campos até então indenes
do bacilo ameaçador. E assim se realiza a tuberculose52.
Bairros Doentes
Brás 68
Norte e sul da Sé 62
Consolação 45
Sta. Efigênia 27
Sta. Cecília 15
53. Relatório apresentado à Assembléia Geral da Liga Paulista contra a Tuberculose, exercício de
1913, op. cit., p. 25.
54. Relatório apresentado à Liga Paulista contra a Tuberculose, exercício de 1919, Secção de
Obras d’ O Estado de São Paulo, p. 22.
55. O Estado de S. Paulo, 1 dez. 1914, p. 2.
III - U M PROJETO NA METRÓPOLE : A L IGA PAULISTA CONTRA A T UBERCULOSE 147
Infelizmente, até hoje os poderes públicos entre nós não têm encarado com a
devida e merecida solicitude e com visão clara das coisas esse empolgante problema,
que deveria constituir preocupação dominante da alta administração e das autorida-
des sanitárias, notado-se mesmo uma tal ou qual indiferença contra a endemia cruel
que ceifa inexoravelmente a nossa mocidade e nos corrói a seiva, desfalcando o nosso
capital vivo57.
Não surpreende que, mais uma vez, o Brás fosse o mais atingido pela
tísica, uma vez diagnosticada sua existência anos antes. Não só o bairro, mas
as mesmas ruas figuravam nos relatórios durante os anos de 1920. Em 1923, a
mortalidade permanecia estacionária – 737 óbitos, representando um coefi-
ciente de 11,3 sobre 10 mil habitantes. Não obstante essa aparente estabili-
dade, havia um aumento significativo da doença, camuflada em outras doenças
do pulmão:
58. Relatório apresentado à Liga Paulista contra a Tuberculose, exercício de 1923, São Paulo,
Typ. Atlas, 1924, p. 27.
59. Idem, p. 40.
60. Idem, pp. 40-41.
III - U M PROJETO NA METRÓPOLE : A L IGA PAULISTA CONTRA A T UBERCULOSE 149
61. Relatório apresentado à Liga Paulista contra a Tuberculose, exercício de 1929, São Paulo, Typ
Levy, 1930, p. 17.
62. Dados levantados pelos Relatórios da Liga Paulista contra a Tuberculose entre 1912 e 1920.
63. Afrânio Peixoto e Couto Graça, Noções de Hygiene para o Uso das Escolas, p. 594.
64. Idem, pp. 595-596.
150 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
considerando que São Paulo contava uma população de cerca de 550 mil almas,
vemos quão deficiente é a nossa assistência. A nossa população indigente, de fato,
precisaria de, pelo menos, 2 500 leitos hospitalares, quando, em rigor, não dispõe de
mais de 1 300. Não é só. Em geral, as instalações deixam muito a desejar quanto à
higiene e ao conforto, nos hospitais como nos asilos, salvo raras exceções. Os servi-
ços de toda a ordem obedecem a velhas rotinas, quase sempre morosos, tardos e
incompletos67.
69. Revista Médica de São Paulo, anno XI, n. 23, 15 dez. 1908, p. 513.
70. Idem, p. 115.
152 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
a Liga contra a Tuberculose (...) escolheu um prédio à Rua Gonçalves Dias para o seu
primeiro dispensário, teve de suportar mais de uma acusação injusta e pode desfazer
mais de uma crítica impensada dos que julgavam ser a romaria de tuberculosos para o
71. Parecer da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, Defesa contra a Tísica
(Orgam Official da Liga Paulista contra a Tuberculose), anno VII, n. 1, São Paulo, Typ.
Diario Official, 1908, p. 74.
72. Idem, pp. 82-83.
73. Parecer Unanime da Academia Nacional de Medicina sobre a Collocação do Dispensário à
rua da Consolação, Defesa contra a Tísica (Orgam Official da Liga Paulista contra a Tuber-
culose), op. cit., p. 86.
III - U M PROJETO NA METRÓPOLE : A L IGA PAULISTA CONTRA A T UBERCULOSE 153
de sorte que a romaria que para tais consultórios se estabelece não pode ser nociva ao
meio por onde os consultantes transitam ou onde se demoram: pessoal que a sugestão
facilmente disciplina, como já está verificado, mesmo entre nós. Se ninguém protesta
contra as tão freqüentadas “policlínicas urbanas”, onde nunca pode haver essa educa-
ção exclusiva, por que mereceria oposição o Dispensário, que vela dia a dia por uma
profilaxia especial, tomando conta do doente, fiscalizando desde a consulta, até o
domicílio, guiando-o por completo na vida?75
74. Parecer da Comissão Technica da Liga Brasileira contra a Tuberculose, idem, p. 87.
75. Idem, p. 94.
76. Revista Médica de São Paulo, anno XI, n. 23, 1908, p. 514.
77. Idem, p. 516.
154 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
Esse edifício foi descrito pela imprensa como um grande passo nessa
direção, aproximando-se, por suas inovações tecnológicas e pela concepção
dos espaços, do pensamento científico e moderno dos países europeus e norte-
americano. A complexidade de suas divisões, indicadas com precisão em cada
andar, sancionava, em sua arquitetura, os novos tempos da higiene moderna:
(...) não deve o tísico dormir com outras pessoas na mesma cama e nem no mesmo
quarto, uma vez que ele tussa e espectore bacilos. O quarto do doente deve ser soa-
lheiro e bem ventilado. Convém evitar as correntes de ar, os lugares úmidos e os
locais onde houver poeira. Não deve o tuberculoso deixar que se varra a seco o seu
aposento, porém sim fazer lavar o assoalho com pano úmido. É útil dormir sempre
com a janela aberta ou entreaberta, cobrindo-se o doente bem para não se resfriar.
Durante o dia, deverá repousar muitas vezes, numa cadeira de repouso, diante de uma
janela aberta (...) comer várias vezes no dia, quatro pelo menos, ainda que faça pe-
quenas refeições. Carne, leite e ovos são alimentos essenciais para os doentes de mo-
léstia do peito. Os alimentos gelatinosos em pequena quantidade também convêm:
mocotó, cabeça de vitelo, geléia de galinha, de mocotó etc. (...) deve o doente do
peito evitar ocasiões de se irritar e aborrecer; lançará mão de todos os meios para se
distrair e espairecer: a leitura, jogo de cartas etc.83.
(...) observar-se-á uma boa higiene, de modo a manter uma saúde rigorosa, uma forte
resistência orgânica. Dever-se-á morar em locais isolados, arejados, não apinhados,
limpos. Convirá alimentar-se suficientemente, usando de uma alimentação sã e variada.
Evitar-se-ão excessos de todo gênero, que enfraquecem as defesas do organismo. Abs-
ter-se-á de bebidas alcoólicas. Manter-se-á o asseio do corpo tomando banhos mor-
nos, ao menos uma vez por semana. Quando se tiver de morar em um domicílio novo,
ter-se-á sempre o cuidado de mandar caiar as paredes, limpando o soalho com um
desinfetante (...) bastará nunca administrar às crianças e aos adultos senão leite bem
fervido ou esterilizado, ou leite de vacas tuberculinizadas90.
quatro os países americanos que se distinguem entre os demais, por haver empreendi-
do com ardor e inteligência a luta antituberculosa, a saber: a Argentina, o Uruguai, o
Brasil e Cuba. Chile, Peru, Venezuela e El Salvador têm iniciado um movimento
ativo nesse sentido e é de esperar que, vencidas as primeiras dificuldades em que têm
tropeçado, pronto ocuparão o lugar devido. (...) Bolívia, Equador, Colômbia, Paraguai,
Nicarágua, Guatemala, Honduras e Costa Rica muito pouco ou nada fizeram nesse
sentido da luta contra a tuberculose, malgrado as instâncias repetidas da comissão
internacional permanente94.
94. Emílio R. Coni, La Lucha Antituberculosa en la América Latina (Informe de la Comisión In-
ternacional Permanente para la Profilaxia de la Tuberculosis en la América Latina; 3 º
Congreso Médico Latino-Americano), p. 9.
95. A delegação brasileira era composta pelos seguintes presidentes das ligas contra a tuberculose:
Dr. J. J. de Azevedo Lima – Rio de Janeiro; Dr. Clemente Ferreira – São Paulo; Dr. Alfredo
Britto – Bahia; Dr. Octavio Freitas – Recife; Dr. Eduardo de Menezes – Juiz de Fora; Dr.
Manuel Rodríguez Peixoto – Campos (Rio de Janeiro).
96. Emílio R. Coni, La Lucha Antituberculosa en la América Latina, op. cit., p. 50.
III - U M PROJETO NA METRÓPOLE : A L IGA PAULISTA CONTRA A T UBERCULOSE 163
vras, muito havia a ser feito na luta contra a tísica, mas São Paulo tinha toda
uma rede eficaz e independente, com capacidade institucional e científica para
vencer os percalços que se lhe apresentavam cotidianamente:
(...) sala de consultas para mulheres, sala de consultas para homens, Laboratório de
Microscopia, 3 do prédio da Liga Paulista, 8 de ensinamentos antialcoólicos, 7 de
diplomas recebidos, 3 da rua Caetano Pinto, grupo de meninos da Casa de Preserva-
ção dos filhos de tuberculosos da rua Celso Garcia, Pavilhão do Hospital da Santa
Casa de Misericórdia de Mogi das Cruzes, galeria de repouso de Sanatório São Luiz na
cidade de Piracicaba, Dispensário Modelo em construção99.
2. Ricardo Bruno Mendes-Gonçalves, Medicina e História: Raíces Sociales del Trabajo Médico,
op. cit. e Blima Schraiber, O Médico e Seu Trabalho: Limites da Liberdade, op. cit.
3. “Capítulo II – Organização Docente. Art. 4º O ensino se distribuirá por 26 cadeiras, a saber:
química médica, história natural médica, matéria médica, farmacológica e arte de formular,
anatomia descritiva, anatomia médico-cirúrgica, histologia, psicologia, anatomia e psicologia
patológica, bacteriologia, obstetrícia, patologia cirúrgica, patologia médica, operações e apa-
relhos, terapêutica, higiene, medicina legal e toxicologia, clínica propedêutica, clínica cirúr-
gica (1ª cadeira), clínica cirúrgica (2ª cadeira), clínica médica (1ª cadeira), clínica médica
(2ª cadeira), clínica obstétrica e ginecológica, clínica pediátrica, clínica oftalmológica, clí-
nica dermatológica e sifilográfica, clínica psiquiátrica e de moléstias nervosas.” Em Collecção
das Leis da Republica dos Estados Unidos do Brazil de 1901, vol. I, Rio de Janeiro, Impren-
sa Nacional, 1901, pp. 123-124.
4. Idem, pp. 135-136.
IV - A CASA DE A RNALDO : S OBRE A CRIAÇÃO DE UMA FACULDADE DE MEDICINA EM S ÃO P AULO 169
5. Circe Bittencourt, Pátria, Civilização e Trabalho: O Ensino de História nas Escolas Paulistas,
1917-1939.
6. Maria Ligia Coelho Prado, “Universidade, Estado e Igreja na América Latina”, em América
Latina no Século XIX: Tramas, Telas e Textos, p. 94.
170 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
(...) a nossa é a nação de doutores. Eles saem a mancheias das faculdades; entretanto,
não são muitos os que vencem, apenas com o esforço pessoal, a luta pela vida. E prova
disso temos em que, a despeito de viver numa atmosfera de doutorice, mandamos
buscar no estrangeiro arquitetos para reformarem as nossas cidades, agrônomos para
cultivarem nossos campos, químicos para garantirem a pureza dos nossos alimentos,
bacteriologistas para dirigirem os nossos laboratórios e até banqueiros para assegura-
rem nossas finanças. É verdadeiramente fenomenal!... Mas a culpa não é nem dos
doutores nem do Brasil, a culpa é do péssimo ensino que todos nós recebemos e da
rotina que o perpetua8.
7. Idem, p. 108.
8. “Universidade de São Paulo, Fundação da Universidade de São Paulo”, apud Luiz Antônio
Cunha, A Universidade Temporã: O Ensino Superior da Colônia à Era Vargas, p. 183.
IV - A CASA DE A RNALDO : S OBRE A CRIAÇÃO DE UMA FACULDADE DE MEDICINA EM S ÃO P AULO 171
no ensino superior. Para Luiz Antônio Cunha, esse movimento acabou ge-
rando mudanças quantitativas e qualitativas nas escolas superiores. Tanto os
governos estaduais como pessoas e entidades particulares abriram escolas: “No
período que vai da Reforma Benjamin Constant, em 1891, até 1910, ano
imediatamente anterior ao da Reforma Rivadávia Corrêa, foram criadas no
Brasil 27 escolas superiores: 9 de medicina, obstetrícia, odontologia e farmá-
cia, 8 de direito, 4 de engenharia, 3 de economia e 3 de agronomia”9.
Contudo, esse movimento de desoficialização do ensino tornou impe-
rativa a promulgação de uma lei que sistematizasse os encaminhamentos pos-
síveis nessa direção. Assim, em 5 de abril de 1911, nascia a chamada Lei
Rivadávia Corrêa, que legitimava a organização e a criação do ensino livre e
particular no Brasil10. Entre as conseqüências práticas dessa ação, havia a
proliferação, em todo o Estado, de escolas privadas de todos os níveis11, flo-
rescendo a troco de alguns mil-réis, alguma freqüência e nenhum saber, ofe-
recendo diplomas os mais diversos12. O comércio de certificados, mesmo com
uma ação relativamente rápida do Estado em sua anulação, era tão grande
que a veiculação pela imprensa de anúncios oferecendo com agilidade os seus
serviços era uma constante.
Não devendo ser confundida com a instituição estatal de mesmo nome,
fundada em 193413, no dia 19 de novembro de 1911, criou-se a Universidade
de São Paulo, a única instituição privada a sair do papel e a receber contor-
nos institucionais. O responsável pelo encaminhamento do projeto foi o Dr.
Eduardo Augusto Guimarães, médico, deputado constituinte em 1891 e
positivista militante que fazia campanha aberta pelo ensino privado no país.
Já em 1888, suas posições sobre o assunto eram claras: “direito e dever da
família, a educação pertence à sua alçada; interesse exclusivo da sociedade,
o ensino, sob todas as formas, primário, superior e profissional, cabe à esfera
da iniciativa individual. Deve submeter-se à lei geral da concorrência. Só
9. Idem, p. 157.
10. “A Constituição Republicana de 24 de fevereiro de 1891 garantia o ‘livre exercício da pro-
fissão de qualquer profissão moral, intelectual e industrial’ (...) o que viria a permitir a con-
tinuidade da participação da iniciativa privada no domínio da educação.” Heladio César
Gonçalves Antunha, A Reforma de 1920 da Instrução Pública no Estado de São Paulo, p. 50.
11. Elza Nadai, Ideologia do Progresso e Ensino Superior: São Paulo, 1891-1934, pp. 266-267.
12. Idem, ibidem.
13. Sobre a formação desta, seu contexto histórico, político e cultural, ver Irene Arruda Ribei-
ro Cardoso, A Universidade da Comunhão Paulista: O Projeto de Criação da Universidade
de São Paulo.
172 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
14. “Universidade de São Paulo, Fundação da Universidade de São Paulo, Inauguração oficial.
Início dos cursos superiores etc.”, Casa Duprat, 1917, vol. 1, apud Luiz Antônio Cunha, A
Universidade Temporã: O Ensino Superior da Colônia à Era Vargas, op. cit. p. 179.
15. Idem, p. 178.
IV - A CASA DE A RNALDO : S OBRE A CRIAÇÃO DE UMA FACULDADE DE MEDICINA EM S ÃO P AULO 173
16. Luiz Antônio Teixeira, Ciência e Saúde na Terra dos Bandeirantes: A Trajetória do Instituto
Pasteur de São Paulo no Período de 1903-1916, op. cit., pp. 133-140.
17. Idem, p. 110.
174 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
dade sequiosa com os surtos da sua ilustração decretada, já que ela possui o corpo
docente, única razão de ser de sua fundação. O quartel, o campo de manobras, os
soldados, o vil metal para custeá-los, são todos meros acessórios, sem importância
capital para o assunto. O essencial, o imprescindível, o que era necessário garantir
desde já, era luzida oficialidade, empenachada à gaulesa, rutilante e garbosa: Qui
épate et fait trembler!18
Se aqui deixo estampados os motivos por que entendo não poder acompanhar
V. Exa. nessa gloriosa tarefa, é porque se faz mister que na classe médica de S. Paulo se
faça ouvir protesto solene contra o modo pelo qual se vai erguer a Faculdade de Me-
dicina, e protesto que melhor cabido fica na boca de quem foi para ela convidado que
na de outrem. Este seria taxado de estar dominado pelo despeito, enquanto o meu
procedimento só pode ser ditado pela sã razão e pela obediência aos preceitos de
honorabilidade que governam minha vida pública. Tolere-me V. Exa., a quem tributo
o mais sincero respeito – seja dito em homenagem à verdade – que eu exponha os
motivos de minha formal recusa a colaborar, com a insignificância de meus présti-
18. N. Bacellar, Sobre a Creação de uma Faculdade de Medicina em São Paulo (Ducha Escosseza
em Quatro Jactos de Língua Viva, Dois Quentes e Dois Frios), p. 2.
19. Idem, p. 19.
IV - A CASA DE A RNALDO : S OBRE A CRIAÇÃO DE UMA FACULDADE DE MEDICINA EM S ÃO P AULO 175
mos, na organização dessa Faculdade, que pelo vício de origem, será talhada a vida
inglória. De fato, oriunda em sessão da Congregação da Escola de Farmácia, teve a
Faculdade de Medicina, em seu nascimento, composição que não pode permanecer
íntegra se quiser ter existência longa, que há de ser modificada se não quiser ser
enxovalhada pelo ridículo. [Quanto aos lentes escolhidos] eles terão de passar por
concursos – e, médicos sofrerão, entenda bem V. Exa. e compreendam bem os meus
colegas, o julgamento, em sua provas, de farmacêuticos, em assuntos de clínica, em
matéria de histologia, anatomia, fisiologia e patologia!20
20. Carta enviada pelo Dr. Rubião Meira ao Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo, apud N. Bacellar, op. cit., p. 18.
176 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
de Medicina do Rio de Janeiro e pelos cargos a que logo foi designado: entre
1888 e 1889, foi assistente voluntário da Santa Casa de Misericórdia de São
Paulo e médico responsável pela Hospedaria dos Imigrantes, da qual se demi-
tiu em 1889. Nesse mesmo ano, foi médico adjunto, médico cirurgião e vice-
diretor clínico da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Entre 1893 e
1913, foi diretor do Instituto Vacinogênico; em 1894, foi chefe da clínica
e diretor do hospital da Santa Casa e, entre 1895 e 1920, fundador e sócio da
Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo.
Esse histórico explica sua participação e influência na organização da
capital. Escrevendo no jornal O Estado de S. Paulo sob o pseudônimo de
Epicarnus, entrou em várias polêmicas sobre os rumos da cidade, do Estado e
do país, no que dizia respeito a questões de saúde e de organização médica.
Via a capital paulistana como um local de agregação de sua corporação, mas
profundamente desorganizado e com problemas sociais gravíssimos – consi-
derava que a medicina era capaz de intervir e solucionar esse impasse, inclu-
sive formando seus próprios profissionais: “Esse ideal somente será atingido
quando os médicos forem parte ativa da solução dos nossos problemas sociais,
que, como todos os problemas sociais, são problemas de fisiologia – ciência
básica de nossa profissão. Remodelar esse ponto de nossa organização social é
tema sedutor”21.
Tal trajetória permite compreender a legitimidade atribuída à sua recu-
sa em fazer parte do corpo docente da Faculdade de Medicina da USP, ao
mesmo tempo que a impedia de qualquer vinculação com instituições que
estivessem sob sua influência. Significativamente, a Santa Casa de Miseri-
córdia, considerada fundamental para cadeiras centrais como as de anatomia
e clínicas foi a primeira porta que se fechava para o ensino médico privado.
Para isso, Dr. Arnaldo enviou uma carta para o Dr. Eduardo Guimarães, ne-
gando-lhe o uso do espaço e do acompanhamento dos doentes, apontando as
dificuldades vividas pela Santa Casa como argumento suficiente para impe-
dir a entrada dos alunos em suas dependências:
Mas ainda faltava um arremate, pelo qual o Dr. Arnaldo foi responsá-
vel direto: dar contornos institucionais a uma faculdade oficial de medicina,
como aprovara a legislação de 1891. Num jogo político encabeçado por ele e
seus pares, um ano após o surgimento da USP, em 19 de dezembro de 1912,
surgia, paralelamente, a oficial Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Pau-
lo, cujo primeiro diretor era justamente o Dr. Arnaldo Vieira de Carvalho.
Diante da existência de duas faculdades de medicina, a elite médica,
aglutinada na Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, entrou numa
crise interna, dividindo-se entre os que apoiavam e os que se opunham à
escola privada. Exemplarmente, em sessão da Sociedade23 do dia 16 de janei-
ro de 1914, o Dr. Francisco Eiras colocou em votação a seguinte moção:
22. Rascunho escrito pelo Dr. Arnaldo Vieira de Carvalho e endereçado ao Dr. Eduardo Guima-
rães em 9 de fevereiro de 1912, apud Antonio da Palma Guimarães, Arnaldo Vieira de Car-
valho: Biografia e Crítica, p. 740.
23. Segundo estudo de Luiz Antônio Teixeira sobre o surgimento e cotidiano da Sociedade de
Medicina e Cirurgia de São Paulo entre 1895 e 1913, essa discussão não aparece nos foros da
Sociedade. Gostaríamos de indicar, entretanto, que, ainda que tais contendas não tenham
sido registradas “oficialmente”, os embates envolvendo os membros da Sociedade foram re-
levantes e decisivos. Sobre o surgimento da Sociedade e seus contornos institucionais, ver
Luiz Antônio Teixeira, A Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, 1895-1913.
24. Revista Médica de São Paulo, anno XVI, nº 6, 31 mar. 1914, p. 95.
25. Idem, ibidem.
178 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
(...) não obstante o quase sobre-humano esforço para corresponder à confiança depo-
sitada pela sociedade paulista na Universidade de São Paulo, que traduz a série
ininterrupta de criações e melhoramentos supramencionados, tivemos inevitável
desgosto de ver tolhida em sua marcha progressiva, gravemente afetada na sua vitali-
dade econômica, em conseqüência da inesperada criação da escola de Medicina do
Governo de São Paulo, só no começo deste ano levada a efeito, mas desde julho p. p.
anunciada na mensagem do Exmo. Sr. Dr. Francisco de Paula Rodrigues Alves,
digníssimo Presidente do Estado30.
(...) dois Palácios da Luxúria, duas Maisons Tellier apontavam-se então entre os mais
cotados conventilhos, pois neles se albergavam, de costume, as artistas de Varieda-
des, Cafés-Concertos e outras artes anexas. Eram estes o antigo 1o da rua Formosa e o
Hotel dos Estrangeiros; ambos reformados, e hoje extintos. Do último, foi notável e
31. Elza Nadai, Ideologia do Progresso e Ensino Superior: São Paulo, 1891-1934, op. cit., p. 41.
32. O Estado de S. Paulo, 8 ago. 1917, pp. 10-12, apud Antonio da Palma Guimarães, Arnaldo
Vieira de Carvalho: Biografia e Crítica, op. cit., pp. 549-550.
IV - A CASA DE A RNALDO : S OBRE A CRIAÇÃO DE UMA FACULDADE DE MEDICINA EM S ÃO P AULO 181
35. Elza Nadai, Ideologia do Progresso e Ensino Superior: São Paulo, 1891-1934, op. cit., p. 276.
36. Acompanhar os desdobramentos dessas ações nos anos de 1930 em Márcia Regina Barros da
Silva, Construindo uma Instituição: Escola Paulista de Medicina (1933-1956).
37. Leis e Regulamentos referentes à Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, São Pau-
lo, Typ. do Diario Official, 1913, pp. 26-27.
IV - A CASA DE A RNALDO : S OBRE A CRIAÇÃO DE UMA FACULDADE DE MEDICINA EM S ÃO P AULO 183
Francisco, cedida por sua diretoria. Um ano depois, parte dos cursos foi
transferida para a rua Brigadeiro Tobias, que seria a sede até 1930. Tudo pare-
cia resolvido, com a benevolência dos administradores, que gentilmente
cederam locais para o início das aulas. Mas quando o curso começou a desdo-
brar-se em novas turmas, surgiu o problema: os espaços eram insatisfatórios,
quer pelas péssimas instalações, quer pelo tamanho reduzido das salas.
Diante das condições precárias em que se trabalhava, o diretor solici-
tou novo prédio às autoridades estaduais:
a casa atual, apesar de velha, é insuficiente para abrigar os cursos em exercício. Ela
não poderá receber as novas cadeiras a serem estreadas no ano escolar de 1916 (...)
para poder V. Exa. ajuizar quanta razão assiste às nossas considerações, basta dizer que
mais de cem contos – bem mais – já foram consumidos em menos de quatro anos de
existência de nossa Escola. É um capital completamente perdido para todos os efei-
tos, exceto para o de servir de argumento capcioso, mas de impressionar, contra nós,
em se tratando de analisar o custo do ensino médico em São Paulo41.
41. Ofício n. 181, 22 dez. 1916, apud Antônio da Palma Guimarães, op. cit., p. 830.
42. Ofício n. 94, 25 abr. 1917, apud idem, p. 833.
43. Programmas, horarios, coeficientes e lista de matriculados para o Anno Lectivo de 1917, op.
cit., p. 123.
IV - A CASA DE A RNALDO : S OBRE A CRIAÇÃO DE UMA FACULDADE DE MEDICINA EM S ÃO P AULO 185
Na falta de lugar apropriado para esse curso, mesmo com todas as ob-
servações e empecilhos, os alunos foram alocados na Santa Casa de Miseri-
córdia, única saída possível, respaldada nas faculdades de medicina do Rio de
46. Doações de: Dr. E. Brumpt, Ulysses Silva, Dr. Oswaldo Cruz, Jayme Candelária, Horácio
Figueiredo, Benjamim Reis, Livraria Alves, Livraria Magalhães, Cassio Malta, Faculdade de
Sciencias Juridicas do Rio, Centro Universitário, União Pharmacetica, Casa Vallardi, Grê-
mio Politécnico, Dr. Alfonso Bovero, Joaquim Queiroz, Anthero Galvão, Ernesto de Souza
Campos, Sebastião Antunes e professor Rubião Meira. Alguns exemplos: Revista de
Manguinhos, Revista da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, Os Sertões, Rela-
tórios Oficiais do Governo do Estado, dicionários, almanaques, livros de história do Brasil,
leis e decretos do município e do Estado de São Paulo.
47. Ofício n. 129, 4 out. 1913. apud Antônio da Palma Guimarães, op. cit., pp. 845-846.
IV - A CASA DE A RNALDO : S OBRE A CRIAÇÃO DE UMA FACULDADE DE MEDICINA EM S ÃO P AULO 187
Internações
Existiam em tratamento em 1º de abril de 1913 798
Entraram durante o mês 1 098
Tiveram alta 945
Faleceram 80
Existem em tratamento 871
48. Leis e Regulamentos referentes à Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, op. cit., pp.
28-29.
188 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
Para ver V. Exa. não haver exagero em minhas afirmações, remeto junto foto-
grafias das enfermarias da Santa Casa tiradas justamente no momento do serviço
médico. Por aí verá V. Exa. o ponto a que chegamos, atingindo quase as raias do
crime, consentindo tal aglomeração de doentes49.
(...) a mocidade que, iludida em parte e em parte seduzida pelas facilidades oferecidas
e acoroçoadoras da preguiça, mas toda ela inebriada pelo fetichismo da carta – como
se carta dispensasse saber –, compreende atualmente o logro em que caiu, e se volta
para as casas onde o ensino é uma realidade, e como nesse número está a Faculdade de
Medicina e Cirurgia de São Paulo, bate numerosa à nossa porta51.
49. Mappa do movimento do Hospital da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo no mez de
abril de 1913, Revista Médica de São Paulo, anno XV, n. 11, 15 jun. 1913, p. 222.
50. O programa de clínica oftalmológica do professor catedrático J. P. Cruz Brito, por exemplo,
deixava claro que o funcionamento de seu curso dependia dos ambulantes e indigentes que
eram recolhidos na Santa Casa: “as aulas dependerão dos doentes e ambulantes que serão
apresentados aos alunos, os quais, de acordo com os artigos 120 e 121 do Regulamento da
Faculdade, serão guiados para os exames necessários ao diagnóstico, prognóstico e trata-
mento”. Em Programmas, horarios, coeficientes e lista de matriculados para o anno lectivo de
1917, aprovados em sessão da Congregação de 14 de novembro de 1916, São Paulo, Casa
Duprat, 1917, p. 99.
51. Ofício n. 129, 4 out. 1913, apud Antônio da Palma Guimarães, op. cit., p. 847.
IV - A CASA DE A RNALDO : S OBRE A CRIAÇÃO DE UMA FACULDADE DE MEDICINA EM S ÃO P AULO 189
54. Nadai defende essa idéia ao relacionar o Dr. Arnaldo, por seu histórico, sua produção cien-
tífica, jornalística e política, à facilidade na arrecadação para a formação e o desenvolvimento
da Faculdade: “considerado homem de forte personalidade, de segura ilustração, não vincu-
lado à Universidade de São Paulo particular, o poder público nele encontrou a pessoa
indicada para levar adiante seu projeto de escola médica. Desfrutando de grande prestígio
junto à classe médica, junto ao poder com o congraçamento do PRP e a conseqüente
recondução do grupo dos Mesquita ao situacionismo, não teve dificuldades em amealhar para
a recém-fundada instituição os melhores recursos de que pode dispor”. Em Elza Nadai, Ide-
ologia do Progresso e Ensino Superior: São Paulo, 1891-1934, op. cit., pp. 279-280.
IV - A CASA DE A RNALDO : S OBRE A CRIAÇÃO DE UMA FACULDADE DE MEDICINA EM S ÃO P AULO 191
55. “1914, março a abril: Inicia e está com o curso o substituto da 6ª secção, Dr. Ovidio Pires de
Campos. 1914, abril a agosto, 11: Voltando para França em virtude da grande guerra o Prof.
Lambert Mayer, reassume o curso substituto da secção, Dr. Ovidio Pires de Campos. 1917,
janeiro, 17: Deixa a cadeira o lente catedrático Dr. Ovidio Pires Campos, transferido para a
2ª cadeira da Clínica Médica, sendo nomeado em substituição o Dr. Etheocles de Alcântara
Gomes (decreto de 17 de janeiro de 1917). Fica em lugar deste, como substituto da 6ª secção,
o Dr. Cantidio de Moura Campos, nomeado por decreto da mesma data; como preparador, é
nomeado o Dr. Antonio Paula Santos. 1917, fevereiro, 15 a abril, 1: Assume a regência de
cadeira (1ª parte) o Dr. Cantidio de Moura Campos. 1917, abril, 1 a julho, 16: Está com a
regência da cadeira (1ª e 2ª partes), por impedimento do catedrático em licença, o Dr.
Cantidio de Moura Campos, auxiliado pelo Dr. J. Garcia Braga, nomeado substituto interi-
no, ficando em lugar deste, como preparador interino, o Dr. Raul Margarido da Silva,
preparador efetivo da cadeira de Terapêutica. 1917, julho, 17: Reassume suas funções o cate-
drático Dr. Etheocles de Alcântara Gomes. Obtém licença o preparador Dr. J. Garcia Braga.
Em sua substituição continua até o fim do ano letivo, como preparador da 2a parte, o Dr. Raul
Margarido da Silva.” Em Oficio n. 308, 9 dez. 1918, apud Antônio da Palma Guimarães, op.
cit., pp. 855-856.
192 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
o amigo não tem razão nas considerações que faz a propósito da nomeação de Raul
Carvalho para a assistência da clínica cirúrgica. Moço preparado e com desejo de
trabalhar, o Dr. Raul seria uma magnífica aquisição para a Faculdade. Em todo o caso,
não posso e nem devo forçar meu amigo a quebrar as normas de administração que
traçou na Faculdade e lastimo apenas que a nossa Escola fique privada do concurso de
tão competente auxiliar57.
56. Carta do Dr. Arnaldo Vieira de Carvalho endereçada ao Dr. Oscar Rodrigues Alves, 9 jan.
1916. [manuscrito]
57. Carta de Oscar Rodrigues Alves endereçada ao Dr. Arnaldo Vieira de Carvalho, 10 jan. 1916.
[manuscrito]
IV - A CASA DE A RNALDO : S OBRE A CRIAÇÃO DE UMA FACULDADE DE MEDICINA EM S ÃO P AULO 193
Escolas Normais Secundárias, das escolas superiores oficiais, bem como aos
candidatos que apresentassem certificados provenientes das bancas examina-
doras e dos antigos Ginásios equiparados ao Ginásio Nacional”58. Os exames
de admissão ocorreram entre os dias 14 e 21 de fevereiro de 1913, com 160
candidatos inscritos e apenas 72 aprovados59.
Enalteceu-se a presença de mulheres, pois sua admissão no ensino su-
perior fora pleiteada anteriormente pela própria classe médica. O Dr. Victor
Godinho, para quem “as mulheres devem ter direitos iguais ou pelo menos
quase iguais aos homens”, culpou a história passada pela criação de barreiras
à emancipação feminina, glorificando “Lucrécia, a esposa fiel, e Cornélia, a
mãe venturosa, cuja ventura consistiu em rejeitar o trono oferecido por
Ptolomeu para dedicar toda a sua solicitude à educação de seus filhos, fazendo
deles cidadãos mais prestantes da antiga Roma. Mas hoje, apesar de todas as
senhoras serem Lucrécias e Cornélias, não conseguem mais atravessar os
umbrais da imortalidade”60.
Esperavam-se, então, dessa primeira turma formada por homens e mu-
lheres, os primeiros frutos da medicina paulista. Entretanto, ao deparar com a
verdadeira formação e postura desses alunos, queixou-se o Dr. Arnaldo ao
Secretário do Interior: “se não bastassem esses tropeços citados, para o bom
funcionamento do curso médico, mais alguns poderíamos apresentar a V. Exa.,
dignos de atenção, de muitíssima atenção”61.
Nesses termos, era enfático ao referir-se à péssima qualidade do ensino
secundário, desde a formação dos alunos até a presença duvidosa de diversas
instituições particulares que vendiam diplomas falsificados, principalmente na
capital62. Segundo ele, os alunos mal conheciam as quatro operações básicas da
58. Elza Nadai, Ideologia do Progresso e Ensino Superior: São Paulo, 1891-1934, op. cit., pp.
286-287.
59. “As matrículas se abriram a 26 de fevereiro, e encerraram-se a 11 de março. Matricularam-se
180 alunos, dos quais não falta um número com exame de admissão de todas as séries, pelo
Ginásio do Estado, 16; diplomados em ciências e letras, 9; bacharéis em direito, 20;
diplomados em ciências e letras por ginásios equiparados, 103; diplomados pela Escola Nor-
mal da capital, 22; transferidos da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, 8; e diplomados
pela Escola Politécnica, 2.” Em Memória Histórica da Faculdade de Medicina da Universi-
dade de São Paulo, op. cit., p. 13.
60. Victor Godinho, “A Mulher nas Escolas Superiores”, Revista Médica de São Paulo, 31 maio
1906, n. 10, p. 202.
61. Antônio da Palma Guimarães, op. cit., p. 838.
62. Essa contenda foi particularmente significativa na cidade de São Paulo, em cujas instituições
o ensino secundário traduzia, por meio de suas regulamentações e posturas cotidianas, traços
194 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
(...) não tenho, todavia, razão para acreditar ter sido muito pessimista, afirmando não
ser preparada a generalidade dos alunos matriculados. Um fato, que repercutiu escan-
dalosamente na sociedade – a falsificação de diplomas –, autoriza-me a assim pensar.
Como V. Exa. sabe, em conseqüência desse incidente, de todo o ponto deprimente
para o nosso ensino secundário, recusei, como de nenhum valor, títulos de bacharéis
em ciências e letras por determinados estabelecimentos de educação. Essa medida de
caráter um tanto largo veio apanhar em suas malhas um certo número de candidatos
à matrícula, dizendo-se portadores de diplomas legítimos63.
que recrudesciam o embate sobre a fundação de uma faculdade de medicina. Em seu trabalho
sobre o ensino de História nas primeiras décadas do século XX em São Paulo, Bittencourt sa-
lienta as mazelas criadas pelo ensino privado no nível secundário, o que compreendia as ins-
tituições ginasiais e os primeiros anos preparatórios, pois, se a cidade de São Paulo crescia
vertiginosamente em população, com finalidades cosmopolitas, não seriam a quantidade ou
o investimento de escolas públicas o espelho das mudanças ocorridas – entre os anos de 1920
e 1930; enquanto os colégios particulares chegavam a 40, havia um único ginásio oficial. A
péssima qualidade de ensino devia-se à presença de determinadas escolas que lutavam con-
tra a idéia de ensino seriado, visando aos lucros que adviriam dos exames parcelados. Mesmo
com a reforma de 1901 de Epitácio Pessoa, obrigando as escolas a se equipararem à seriação
indicada pelo Colégio Pedro II, os exames parcelados continuaram sendo adotados. Em Circe
Bittencourt, Pátria, Civilização e Trabalho: O Ensino de História nas Escolas Paulistas, 1917-
1939, op. cit.
63. Relatório apresentado ao Dr. Francisco de Paula Rodrigues Alves (Presidente do Estado de
São Paulo) pelo Secretario do Interior Altino Arantes, ref. 1912, op. cit., p. 19.
64. Idem, ibidem.
IV - A CASA DE A RNALDO : S OBRE A CRIAÇÃO DE UMA FACULDADE DE MEDICINA EM S ÃO P AULO 195
Artigo 209. As penas disciplinares que poderão ser impostas aos alunos, con-
forme a gravidade do caso, são as seguintes: a) advertência reservada; b) advertência
feita em aula; c) suspensão por tempo determinado; d) eliminação. Artigo 210. São
competentes para imposição das penas: 1º) o secretário-bibliotecário à advertência
reservada; 2º) os lentes e professores, quanto às de advertência reservada e em aula;
3º) o diretor, quanto a estas e à de suspensão; 4º) a congregação, quanto a todas elas71.
70. Ernesto Souza Campos, História da Universidade de São Paulo, op. cit., p. 354.
71. Leis e Regulamentos referentes à Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, op. cit., pp.
38-39.
72. Eram eles: Francisco Antonio Dell’ape, Afonso Mariano Fagundes Junior, Jovino Soares,
Octavio Silveira da Motta, Arthur Costa Filho, Mario Florence Teixeira, J. de Toledo Mello,
Antonio Leopoldino dos Passos Junior, Francisco de Paula Palmerio, Gaudencio Quadros
Filho, J. Candido Pinto. Em Ofício n. 118, 17 set. 1913, apud, Antônio da Palma Guimarães,
op. cit., p. 863.
198 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
73. “Eram eles: Benedicto Oscar de Carvalho Franco; Benjamim Reis; J. Ferreira dos Santos;
Odette dos Santos Nora; Jayme Candelaria; S. Comparato; Henrique Dante de Castro; Luiz
Fortunato de Arruda Botelho; Antonio Furlan Junior; Flaminio Favero; S. dos Santos
Bonfim; Austin Ribeiro Vilella; Ernesto de Souza Campos; Floriano Smith Bayma; Arnaldo
Meira Cassinelli; Getulio M. Coelho de Castro; Edmundo Venturelli; J. Passos da Silva Cu-
nha; Orlando Meirelles Pinto; Antonio Cyrino Filho; Herculano da Silva Macuco; Antonio
Cerveira Gomes; Annibal Ortiz Patto; J. Verissimo de Oliveira; Raphael Fighera; Ernesto de
Campos; Philemon Marcondes; J. Baptista Brasiliano; Messias Fonseca; Pedro Basile; S.
Osorio de Azevedo Antunes; J. Carlos Gomes; M. Vicente Euryster Lofiego; João Procopio;
Gennarino Berardinelli e J. de Toledo Mello.” Idem, pp. 869-870.
74. Ernesto de Souza Campos, História da Universidade de São Paulo, op. cit., p. 354.
75. Ofício, n. 118, 17 set. 1913, apud Antônio da Palma Guimarães, op. cit., p. 872.
76. “Presidente: Ernesto de Souza Campos, Vice-Presidente: Synesio Rocha, 1º Secretário: Se-
bastião Antunes, 2º Secretário: D. Odette dos Santos Nora, 1º Tesoureiro: Benjamim Reis,
2º Tesoureiro: J. Ferreira Santos, 1º Orador: J. Passos Cunha, 2º Orador: Renato de Lacerda.”
Idem, p. 5.
IV - A CASA DE A RNALDO : S OBRE A CRIAÇÃO DE UMA FACULDADE DE MEDICINA EM S ÃO P AULO 199
É muito para louvar-se este belo empreendimento dos seus dirigentes, que,
assim, e ainda uma vez, dão evidentes mostras de como nítida e claramente souberam
compreender, interpretar e tornar efetivos os verdadeiros intuitos do grêmio – a cuja
superintendência emprestam boa parte do seu esforço e da sua atividade, e o seu
natural ardor –, obstando a que, das elevadas cogitações de ordem científica, pudesse
o “Centro” resvalar, e despenhar-se, e vir achatar-se nos baixios infrutuosos das lutas
e competições pessoais. Ao “Centro” lhe não bastaram as primícias de, pela sua tribuna,
haver inaugurado e solidamente estabelecido a obra altamente meritória de vulgari-
zar as boas doutrinas e de disseminar por entre os seus associados aqueles dos princí-
pios que os devem guiar e a que se deve jungir no exercício da sua futura profissão:
quis ir além, decidindo, com raro acerto, que, nas páginas desta revista, essa mesma
obra – assim tão auspiciosamente levada a cabo – se continuasse, mais ampla e mais
intensa, e se perpetuasse, irmanando, na mais completa e perfeita comunhão de ideais,
mestres e discípulos79.
79. Revista de Medicina (Orgam do Centro Academico Oswaldo Cruz da Faculdade de Medicina
e Cirurgia de São Paulo), n. 1, anno 1, jul. 1916, pp. 3-4.
80. Maria Gabriela S. M. C. Marinho, Norte-americanos no Brasil: Uma História da Fundação
Rockefeller na Universidade de São Paulo (1934-1952), p. 52.
81. Idem, p. 34.
IV - A CASA DE A RNALDO : S OBRE A CRIAÇÃO DE UMA FACULDADE DE MEDICINA EM S ÃO P AULO 201
dação Rockefeller. Assim, podem ser identificados como responsáveis diretos pelo
acompanhamento das reformas que foram se sobrepondo à estrutura acadêmica ante-
rior, participando e intermediando os ajustes e negociações empreendidos pelas duas
instituições. Foram eles: Samuel Taylor Darling (1918 a 1920) e Wilson G. Smillie
(1921 a 1923) para a cadeira de anatomia e histologia patológica e Robert Archibald
Lambert (1923 a 1925) em substituição a Klotz83.
85. Por esse projeto republicano e nacional para as instituições de ensino, particularmente as
paulistas, postulava-se como missão da escola o “(...) ensino das tradições inventadas, prefe-
rencialmente a coesão nacional em torno do passado único, construtor da nação, justificava
a preocupação na organização das atividades cívicas criadas para reforçar a memória. As tra-
dições nacionais não poderiam, dentro deste contexto, ser tratadas apenas pelos livros didá-
ticos acompanhados de preleções dos professores em sala de aula. As festas e comemorações,
discursos e juramentos tornaram-se partes integrantes e inerentes da educação escolar”. Em
Circe Bittencourt, Pátria, Civilização e Trabalho, op. cit., p. 167.
86. Sobre o período compreendido entre 1922 e 1925, a partir da refundação da memória nacio-
nal, com reflexões sobre a memória da proclamação da independência do Brasil, ver impor-
tante trabalho de Noé Sandes, A Invenção da Nação entre a Monarquia e a República.
204 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
e estudantes de medicina. São Paulo e seu povo eram exaltados como os “au-
tênticos” representantes desse novo Brasil, cabendo aos médicos, por meio de
sua presença legitimada, reafirmar essa posição. Da capital, esperava-se que,
“por todas as grandiosas manifestações de sua operosidade, [demonstrasse]
que não foi por simples obra do acaso que o Ipiranga recolheu o grito de
independência ou morte!”. Com esse impulso, a paulicéia se provava merece-
dora do que o Dr. Puech chamou de desígnios da providência87.
A própria Faculdade consubstanciava essas práticas, participando dos
desfiles nas comemorações oficiais, mostrando sua distinção institucional não
só pelo culto patriótico, mas de suas próprias alegorias. Criava-se interna-
mente a identidade de um grupo que se somaria aos símbolos pátrios, com um
diferencial: as insígnias de paulistanidade.
Entre os emblemas forjados com traços constitutivos dos símbolos nacio-
nais e as insígnias de uma faculdade de medicina, o estandarte seria
paradigmático. Logo em 1916, o CAOC buscou recursos para sua confecção,
por contribuições no chamado Livro de Ouro, visando a adesão dos próprios
membros do centro acadêmico e também da Congregação, pois esse estandarte
representaria toda a Faculdade. Sobre sua criação, disse a Revista de Medicina:
(...) o inspirado pintor paulista, Oscar Pereira da Silva, traçou o painel em que tomou
como elemento dominante da composição a figura de Higéia, caminhando para o
primeiro plano, ainda não alcançado, e onde folhas de louros forram a estrada. O
fundo da composição é ocupado pelo sol que ilumina o templo de Esculápio e a estra-
da que dali parte. O templo, sob a forma de frontão e colunas dóricas, ergue-se em
Epidaurus, na proximidade do oceano, onde se deram as primeiras manifestações de
vida animal registrada pela ciência. Ao longo da estrada palmilhada por Higéia, vêem-
se as reproduções simbólicas de Hipócrates, Galeno e Bichat, os grandes gênios da
medicina, este último pelo seu tratado de anatomia geral, publicado um ano antes de
sua morte, ocorrida em 1801 (...) estavam, pois representadas a história antiga e con-
temporânea”90.
89. Idem, p. 9.
90. Berta Ricardo Mazzieri, Símbolos da Medicina, p. 24.
91. Eric J. Hobsbawm e Terence Ranger, A Invenção das Tradições, op. cit., p. 13.
IV - A CASA DE A RNALDO : S OBRE A CRIAÇÃO DE UMA FACULDADE DE MEDICINA EM S ÃO P AULO 207
(...) ao falarmos de mito, nós o tomamos não apenas em seu sentido etimológico de
narração pública de feitos lendários da comunidade (isto é, no sentido grego da pala-
vra mythos), mas também no sentido antropológico, no qual essa narrativa é solução
imaginária para tensões, conflitos e contradições que não encontram caminhos para
se resolverem no nível da realidade (...) se dizemos mito fundador é porque, à manei-
ra de toda fundatio, esse mito impõe um vínculo interno com o passado como origem,
isto é, com um passado que não cessa nunca, que se conserva perenemente presente e,
por isso mesmo, não permite o trabalho da diferença temporal e da compreensão do
presente enquanto tal92.
a beca dos lentes e substitutos trará sobre o braço direito, bordadas a ouro, duas
palmas em semicírculo e ligadas inferiormente. Sobre a beca, cobrindo o ombro
esquerdo, usarão os lentes e substitutos uma murça verde, a dos lentes, orlada de
arminho. A murça do diretor será vermelha e, no mais, como a dos lentes. Os lentes
e substitutos terão o anel mencionado, sendo, porém, cercado de brilhantes e es-
meralda93.
Nação que, como mostravam muitos médicos, precisava das mãos sa-
neadoras desses profissionais, principalmente no interior. O paraninfo reite-
rava a mensagem. Em suas palavras, o nosso caipira era:
96. “A serpente, representação terapêutica de Esculápio, deus romano da medicina, subsiste até
hoje como símbolo da profissão médica. Trata-se originalmente de uma serpente não vene-
nosa que vivia em árvores; assim como a vemos hoje, enrolada no bastão do deus da medici-
na, parece representar uma espécie de mediação entre a terra e o céu.” Joseph L. Henderson,
“Os Mitos Antigos e o Homem Moderno”, em Carl G. Jung (org.), O Homem e Seus Símbo-
los, p. 154.
97. “Simbolizando o compromisso com a profissão, o anel com esmeralda significa fidelidade ao
juramento, tornando pessoa e profissão inseparáveis. Na Idade Média, atribuía-se à esmeralda
poderes de cura, clarividência, fertilidade e imortalidade. Ela aparece ainda como renovação
da natureza, símbolo de primavera e de vida.” Em Berta R. Mazzieri, Símbolos da Medicina,
op. cit., p. 79.
98. “O vestuário da cerimônia era repleto de símbolos medievais: a beca reproduzia a roupa cle-
rical da época em que a Igreja detinha parte do saber e ligava-se à Universidade. Túnica lon-
ga, preta, capa curta jogada sobre ela; a borla, barrete doutoral colocado sobre a cabeça do
doutorando, enquanto ele faz o juramento, signo de dignidade, distinção e doutoramento.”
Idem, ibidem.
99. Idem, p. 95.
IV - A CASA DE A RNALDO : S OBRE A CRIAÇÃO DE UMA FACULDADE DE MEDICINA EM S ÃO P AULO 211
um eterno faminto, nunca saciado, não sabendo comer como deve, impedido de co-
mer como precisa. Ele vive a iludir o estômago com enorme volume de mandioca
pouco nutritiva e compensadas cargas de feijão inerte que, graças aos maus dentes e à
péssima mastigação, transita-lhe pelos intestinos retendo aparentemente nas coura-
ças intactas da episperma os tesouros da proteína, privando-o assim de alimentos
plásticos para constituição do arcabouço (...) O prêmio é tentador, meus jovens cole-
gas. Disputai-o com ardor. A vitória vos espera. E em que serão por vossas glórias
honrados confiam os vossos mestres. Parti confiantes!100
Ainda segundo o Dr. Arnaldo, esse novo teto ultrapassaria seu objetivo
mais elementar e assumiria a expressão, mais uma vez reiterada, da força esta-
dual. A Faculdade seria como um templo de saber e glória, de ciência e poder:
lhes, a ação de Vieira de Carvalho sofreu entrave das circunstâncias irremovíveis que
zombaram do seu esforço, por isso que o mal apresentava raízes inacessíveis à mais
violenta terapêutica. Sabe Deus quando será possível extirpá-las! Nem por isso cons-
titui menos essa casa um atestado imperecível da operosidade tenaz, da atuação bem
orientada e do espírito progressista de seu pranteado diretor107.
Quando, em 1918, a gripe nos bateu à porta, ele foi dos primeiros a se movimen-
tar em favor dos desprotegidos, organizando e dirigindo hospitais, encorajando alunos
da Escola no cumprimento da divina missão de mitigar a dor alheia – a morte? Mas que
importa morrer, se com isso temos o nosso dever cumprido? E foi assim que aquele
punhado de moços partiu quase alegre para a luta contra o mal, que tomara proporções
espantosas. Uns, não mais retornaram do combate; outros, se debateram por muito
tempo, presos da moléstia, triunfando afinal; todos cumpriram sua obrigação108.
Sim, era um verdadeiro e santo furor cirúrgico, essa ânsia de espancar todas as
trevas, esse empenho intenso em remover para sempre de nosso campo operatório
todas as possibilidades de uma infecção das feridas. A idéia da nossa completa eman-
cipação no mundo das bactérias toldava-nos o espírito. Acreditávamos piamente que
fazíamos obra meritória, cada vez que o sucesso operatório correspondia plenamente
aos nossos planos preconcebidos sem pôr em risco a vida dos pacientes, embora não
respeitando funções fisiológicas normais. Como todos os grandes cirurgiões contem-
porâneos, Arnaldo, em plena mocidade, havia já praticado cerca de 4 mil laparatomias,
extirpando ora o útero, ora as trompas, ora os ovários. Foi uma época de delírio, foi
uma época de sangue!109
107. Nicolau de Moraes Barros, “Arnaldo Vieira de Carvalho: Lição Inaugural da Clínica Gine-
cológica”, Revista de Medicina, anno VI, n. 21, 1922, p. 19.
108. Idem, p. 6.
109. Luis Pereira Barreto, “Arnaldo Vieira de Carvalho: Um Detalhe Biográfico”, Revista de
Medicina, São Paulo, anno VI, n. 21, 1922, p. 8.
216 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
E para quê escrever? Para ser útil à humanidade? Para elevar a pátria? Para
alçar-se a gente em pedestal glorioso? São sonhos róseos de uma noite apenas – aque-
la em que, emocionados por um juramento solene, recém-investidos de um sacerdó-
cio, adormecemos embalados por visões suaves de um porvir risonho, convencidos
sinceramente de aos novos encargos assumidos corresponder à sociedade, deles usu-
fruir com algum reconhecimento. Puro engano. Ao despertar na manhã seguinte, já
110. F. Vergueiro Steidel, “Arnaldo Vieira de Carvalho”, Revista de Medicina, São Paulo, anno
VI, n. 21, 1922, p. 14.
111. Revista de Medicina, anno VI, n. 21, op. cit., p. 6.
Fig. 7. “Foi uma época de Sangue!”, Caricatura, 1920.
Fonte: Berta Ricardo Mazzieri, Símbolos da Medicina, op. cit., p. 30.
218 TROPEÇOS DA M EDICINA B ANDEIRANTE
Muito cedo senti quanto é grande a deslealdade dos colegas. Quando recebi o
grau, meu pai ocupava um dos lugares de vice-presidente da província – foi isso em
1888 – consideração essa dispensada pelos conservadores de então a um correligioná-
rio digno de alto valor moral e científico. Por essa razão, fui pelos conservadores
nomeado médico da Imigração, em substituição de um colega idoso a quem a molés-
tia prostrava e vagarosamente matava. (...) Essa nomeação era um cumprimento ao
membro da União Conservadora e não um prêmio a meu mérito. Quem meu filho
beija, minha boca adoça – eu bem compreendi114.
No mundo político em que viveu, era claro para ele que, na direção de
qualquer instituição médica, enfrentaria problemas tanto de ordem técnica
como política, e que a constituição da Faculdade de Medicina certamente lhe
daria ocasião para reafirmar essa posição.
Em suas Memórias, afirmava que, quando as tentativas de viabilizar
seus projetos pareciam tê-lo, enfim, levado a uma saída honrosa, surgia um
embaraço particular, referido de modo reticente e considerado insolúvel. Se-
gundo suas divagações, esse obstáculo inscrevia-se no próprio homem, que
não alterava suas atitudes ou vícios pelo aprendizado, não observava as canti-
gas da sobrevivência, com os terríveis exemplos narrados pelos moralistas e
pela família: “assim é o homem – sempre presumido, sempre vaidoso, julga
alheios insucessos e desastres, conseqüência da pouca inteligência de seus
semelhantes e, por isso, repete sempre a imensa série de tolices e asneiras”115.
Pensava do homem que era como um peixe que, durante toda a experiência
de sua vida, via a isca fisgar seus iguais, mas nem com isso aprendia a lição.
(...) não só pelo indivíduo se interessa a Higiene, senão também, e ainda por ele, a sua
ascendência, de onde ele virá, e a cuja semelhança será feito. Porque a herança é a
memória da descendência, e, como a espécie é contínua, será cada ser uma reminis-
cência dos que o precederam. É que há alguma coisa de eterno no ente efêmero,
caduco, contingente, que é o indivíduo: é a capacidade de criar, como foi criado, o
“depósito” ou o “legado” de vida que não viverá só, mas que deve transmitir a outras
criaturas1.
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