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O Surgimento Da Rede Federal de Educação Profissional...
O Surgimento Da Rede Federal de Educação Profissional...
O Surgimento Da Rede Federal de Educação Profissional...
O surgimento
da rede federal
de educação
profissional nos
primórdios do
regime republicano
brasileiro
NÁDIA CUIABANO KUNZE
PALAVRAS-CHAVE
História da Educação Profissional. Rede Federal
de Educação Profissional. Rede Federal de
Escolas Profissionais. Escolas de Aprendizes
Artífices.
KEYWORDS
History of Professional Education. Federal
Network for Professional Education. Federal
Network of Professional Schools. School of
Apprentices Craftsmen.
O SURGIMENTO DA REDE FEDERAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NOS PRIMÓRDIOS DO REGIME REPUBLICANO BRASILEIRO
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Resumo
O objetivo proposto na presente reflexão é o de compreender o processo de criação da rede federal de educação profissional no Brasil.
Esse empreendimento ocorreu no final da década de 1910, quando o governo federal criou e instalou em cada capital brasileira uma
Escola de Aprendizes Artífices, com a finalidade de ministrar o ensino de ofícios referentes às especialidades industriais de cada Estado,
proporcionar aos considerados ociosos e desprovidos da fortuna uma profissão, um ofício, e formar os futuros operários úteis às indús-
trias nascentes. O conjunto das dezenove escolas profissionais congêneres foi concebido no âmbito das ações voltadas à afirmação e
consolidação da República Federativa Brasileira, bem como, ao seu progresso que foi atribuído à educação do povo, ao controle social
e à industrialização, entre outras condições.
Abstract
The objective proposed in this discussion is to understand the process of creating a federal system of vocational education in Brazil. This
development occurred in late 1910 when the federal government created and installed in each capital a Brazilian School of Craft Ap-
prentices School of Apprentices Craftsmen, with the aim of giving the teaching of letters relating to industrial specialties of each State,
providing considered idle and devoid fortune a profession, a craft, and train future workers use to infant industries. The set of nineteen
vocational school counterparts was conceived in the context of measures to the affirmation and consolidation of the Brazilian Federal
as well as to their progress was attributed to people’s education, social control and industrialization, among other conditions.
Keywords: History of Professional Education. Federal Network for Professional Education. Federal Network of Professional Schools. School
of Apprentices Craftsmen.
Este artigo é parte integrante da dissertação de mestrado que investigou a trajetória histórica da Escola de Aprendizes Artífices de Mato
Grosso (EAAMT) – embrião do atual Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Mato Grosso, Campus de Cuiabá “Octayde
Jorge da Silva”, no período de 1909 a 1941.
10 REVISTA BRASILEIRA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA
1 Construção do mito de origem da República, construção da simbologia republicana (hino, bandeira, brasão, pinturas, esculturas),
festas comemorativas, entre outros (Carvalho, 1990).
O SURGIMENTO DA REDE FEDERAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NOS PRIMÓRDIOS DO REGIME REPUBLICANO BRASILEIRO
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porcionando aos estudos a orientação país [...] (apud INEP, 1987, p. 36).
fixar os padrões da escola secundária e su- tos para justificar a sua preocupação
perior, enquanto os da primária e técnico- com esse ramo do ensino.
profissional competiam aos Estados, privati-
vamente2 (Nagle, 1985). Mensagem Presidencial enviada ao Con-
gresso Nacional em 1907 [...]. Devemos
Mesmo assim, o poder federal veicu- cuidar com especial atenção do ensino
lou na sua plataforma de governo, desde profissional e técnico, tão necessário ao
os primeiros tempos de sua organização, progresso da lavoura, do comércio, in-
os propósitos que tinha em relação a tal dústrias e artes (apud INEP, 1987, p. 40).
ensino e justificou na Mensagem Presi-
dencial enviada ao Congresso Nacional Para Fonseca (1961), o Projeto do
em 1892: “O desenvolvimento da indús- Congresso de Instrução e a Proposição
tria acentua a necessidade de prover com 195 da Câmara dos Deputados enviados
a máxima brevidade, e eficazmente, o en- ao Senado nortearam o governo federal a
sino profissional, tão descurado entre nós” sair do terreno das propostas e organizar
(apud INEP, 1987, p. 19). um sistema nacional de educação profis-
sional, sem agir inconstitucionalmente,
Em épocas posteriores, com mais embora não estivesse definida a melhor
ênfase expôs no Manifesto Inaugural da denominação a dar àquele ensino, se téc-
Presidência da República em 1906: “A cria- nico ou profissional.
ção e multiplicação de institutos de en-
sino técnico e profissional muito podem O autor esclarece que o primeiro
contribuir também para o progresso das documento, formulado a partir das idéias
indústrias, proporcionando-lhes mestres e veiculadas nas conferências do evento em
operários instruídos e hábeis” (apud INEP, 1906, propunha o oferecimento do ensi-
1987, p. 39). no industrial, agrícola e comercial nos es-
tados e na capital federal por parte do go-
Acreditando que o desenvolvi- verno da União, mediante acordo com os
mento da indústria brasileira indicava governos estaduais para pagarem a terça
a necessidade de instauração do en- parte das despesas. Já o segundo, relativo
sino profissional, a referida instância à proposta de orçamento do Ministério da
cada vez mais apresentava argumen- Justiça e Negócios Interiores (MJNI) para o
2 Em algumas unidades federativas, cuja industrialização já se evidenciava, os governos locais criaram escolas de formação para o
trabalho como a Escola Profissional Feminina e Escola Profissional Masculina de São Paulo/SP (1911), o Instituto João Pinheiro de Belo
Horizonte/MG (1909), o Instituto Técnico-Profissional de Porto Alegre/RS (1907) e as Escolas Profissionais de Campos, Petrópolis, Niterói
e Paraíba do Sul/RJ (1906).
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3 Discurso oral e escrito que o Rei apresentava na abertura - informando os seus feitos - e no encerramento - apresentando suas novas
propostas - dos trabalhos da Assembléia Geral que reunia duas vezes ao ano o Senado e a Câmara dos Deputados do Reino. Esta era a
única ocasião em que o Monarca era visto portando a Coroa Imperial, o Cetro e os trajes majestáticos (Museu Imperial, 2003).
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4Aqui entendido como um sistema ou prática que se baseia no aliciamento político das classes menos privilegiadas através de uma
encenação de assistência social a elas (Houaiss, 2001).
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5 A origem do medo do contágio pode ser entendida como resultado do “racismo brasileiro” que, segundo Matta (1984), foi uma
doutrina surgida no final do século XIX que considerava a realidade social brasileira como uma arena de mestiçagem. Uma arena de
conjunções raciais entre negros, brancos e índios que fazia o progresso soar como duvidoso no país, por isso as raças deveriam ser
hierarquizadas e o seu cruzamento condenado.
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6 Essa decisão do governo federal talvez explique o porquê daquela Proposição 195 não ter sido aprovada.
O SURGIMENTO DA REDE FEDERAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NOS PRIMÓRDIOS DO REGIME REPUBLICANO BRASILEIRO
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com a maior brevidade possível. uma profissão que lhes possibilitariam me-
lhores oportunidades e condições de vida,
Se para a República tornar-se uma previa que a procura por elas seria grande.
realidade nacional era preciso operar uma Neste caso, surgia a crença de que num
intensa e rápida educação, conforme pro- estabelecimento com elevado número de
mulgado no discurso, no que tangia es- alunos não seria viável para o bom anda-
pecificamente à educação profissional, a mento das atividades administrativas e pe-
urgência era ainda maior, pois por ela se dagógicas que o diretor acumulasse mais
formariam os trabalhadores. a função de docente. Para reformular essa
determinação estabelecida no decreto de
As despesas que os diretores deve-
criação, o Ministro da Agricultura, Indústria
riam efetuar para os procedimentos de ins-
e Comércio, Antonio Cândido Rodrigues,
talação das instituições correram por conta
apresentou ao Presidente da República a
de um crédito especial de Rs 316:000$000
seguinte justificativa:
(trezentos e dezesseis contos de réis) aber-
to à pasta do MAIC pelo Decreto nº 7.648,
A simpatia que despertou por toda parte
de 11 de novembro de 1909, destinado,
a medida constante do Decreto nº. 7.566,
exclusivamente, aos custos com pessoal e
de 23 de setembro último, criando nas
instalação de todas as escolas da rede. Esse
capitais dos estados da República Escolas
decreto, porém, não especificou os crité-
de Aprendizes Artífices, autoriza prever
rios de distribuição desse recurso financei-
que esses estabelecimentos de ensino
ro por localidade e nem o valor correspon-
profissional poderão contar desde a sua
dente a cada instituição.
instalação com elevada freqüência de
Quanto à formação do quadro de alunos. [...]. Esta circunstância [...] leva-me
funcionários, couberam aos diretores das a propor a V. Exª. algumas modificações
escolas as funções de indicar um escriturá- no referido decreto. A primeira consis-
rio e um porteiro-contínuo que seriam no- te na criação dos lugares de professores
meados por portaria ministerial; contratar para os cursos noturnos primários e aulas
os mestres das oficinas por até quatro anos de desenho anexos às Escolas de Apren-
para ministrarem o ensino de ofícios; e, ain- dizes Artífices, aliviando-se assim os res-
da, ministrar as aulas dos cursos noturnos pectivos diretores da obrigação de le-
primário e de desenho. cionarem, o que viria a sobrecarregá-los
excessivamente, com prejuízo da melhor
O poder central, ao acreditar que es- direção dos estabelecimentos [Decreto
sas escolas seriam para muitos cidadãos o nº. 7.649, de 11 de novembro de 1909]
meio pelo qual iriam adquirir instrução e (Brasil, p. 708, 1913).
18 REVISTA BRASILEIRA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA
Sendo considerados apropriados os uma EAA, visto que na sua capital já fun-
motivos expostos, foi expedido em 11 de cionava o Instituto Técnico Profissional
novembro de 1909 o Decreto nº. 7.649 da Escola de Engenharia de Porto Ale-
que, entre outras decisões, criou os car- gre - Instituto Parobé – cuja organização
gos de professor do curso primário e de e propósitos se assemelhavam aos das
desenho nas EAA’s. instituições federais7.
7Em 1911, via Decreto n°9.070, de 25 de outubro, o Instituto Parobé passou a ser mantido como Escola de Aprendizes Artífices do Rio
Grande do Sul.
8 Todas as escolas se situaram nas capitais dos estados, exceto a instituição fluminense que se instalou no interior do Estado do Rio de
Janeiro, no município de Campos, cidade natal do Presidente da República. Segundo Cunha (2000), essa não foi uma deliberação nepo-
tista do gestor federal, ela procedeu das adversidades político-partidárias locais. Alfredo Backer, sucessor de Nilo Peçanha na presidência
do Estado do Rio de Janeiro, além de ter extinguido dois dos cinco estabelecimentos estaduais de ensino profissional criados por ele
em 1906, não se dispôs a oferecer um prédio na capital para sediar a recém-criada escola profissional federal. Perante essa indiferença
do administrador estadual, a Câmara Municipal de Campos, por deliberação de 13 de outubro de 1909, adiantou-se e disponibilizou ao
governo federal o edifício necessário que foi aceito prontamente (Gomes, 2004).
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Data de
Inaug uração
01/01/1910
01/01/1910
01/01/1910
03/01/1910
06/01/1910
16/01/1910
16/01/1910
21/01/1910
23/01/1910
16/02/1910
24/02/1910
24/02/1910
01/05/1910
24/05/1910
02/06/1910
01/08/1910
01/09/1910
08/09/1910
01/10/1910
ANEXO I
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22 REVISTA BRASILEIRA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA
A necessidade de incentivar a nova Cabe frisar, ainda, que com tais fun-
classe social que vinha se formando a se ções socioeconômicas, socioculturais e po-
profissionalizar e futuramente vender sua líticas, a instalação dessa rede escolar foi o
força de trabalho, foi um motivo presente marco inicial do processo de escolarização
na constituição da rede federal de edu- do ensino profissional no regime republi-
cação profissional, mas, acima de tudo, a cano e significou a efetivação da primeira
necessidade de proteger a cidade contra política nacional dessa modalidade de en-
esses ditos estéreis foi marcante. sino do mesmo regime de governo.
Referências
BRANDÃO, Marisa. Da Arte do Ofício à Ciência da Indústria: a conformação do capitalismo industrial no Brasil vista através da
educação profissional. Boletim Técnico do SENAC, Rio de Janeiro, v. 25, n. 3, p. 17-30, set./dez. 1999.
BRASIL. Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Diretoria do Interior. Instrução Pública. In: ______. Relatório de 1906. Rio de
Janeiro: Imprensa Nacional, 1906a. p. 98-140. Disponível em: <http://brazil.crl.edu/>. Acesso em: 11 jun. 2003.
BRASIL. Decreto nº 1.606, de 29 de dezembro de 1906. Cria uma Secretaria de Estado com a denominação de Ministério dos Ne-
gócios da Agricultura, Indústria e Comércio. Collecção das Leis da República dos Estados Unidos do Brazil - 1906. Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, 1906b. v. 1, p. 114.
BRASIL. Decreto nº 7.566, de 23 de setembro de 1909. Cria nas capitais dos Estados da República Escola de Aprendizes Artífices,
para o ensino profissional primário e gratuito. Collecção das Leis da República dos Estados Unidos do Brazil - 1909. Rio de Janei-
ro: Imprensa Nacional, 1913. v. 2, p. 445-447.
BRASIL. Decreto nº 7.648, de 11 de novembro de 1909. Abre ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio o crédito especial
de 434:600$ para ocorrer a despesas com a instalação das Inspetorias Agrícolas nos Estados, das Escolas de Aprendizes Artífices,
da Diretoria de Indústria Animal e da delegacia do mesmo ministério no território do Acre. Collecção das Leis da República dos
Estados Unidos do Brazil - 1909. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1913. v. 2, p. 707.
BRASIL. Decreto nº 7.649, de 11 de novembro de 1909. Cria nas Escolas de Aprendizes Artífices, a que se refere o decreto nº 7.566,
de 23 de setembro último, os lugares de professores dos cursos primários noturnos e de desenho, e dá outras providências.
Collecção das Leis da República dos Estados Unidos do Brazil - 1909. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1913. v. 2, p. 707-708.
BRASIL. Decreto nº 7.763, de 23 de dezembro de 1909. Altera os decretos nsº 7.566 e 7.649, de 23 de setembro e 11 de novem-
bro últimos, referentes à criação das escolas de aprendizes artífices nas capitais dos estados e à nomeação de professores para
os respectivos cursos noturnos – primário e de desenho. Collecção das Leis da República dos Estados Unidos do Brazil - 1909.
Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1913. v. 2, p. 1222-1224.
BRASIL. Decreto nº 9.070, de 25 de outubro de 1911. Dá novo regulamento às escolas de aprendizes artífices. Coleção das Leis
Brasileiras. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 1911. v. 2, p. 341-347.
CARVALHO, José Murilo. A formação das almas: o imaginário da República do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
CUNHA, Luis Antônio. O ensino de ofícios nos primórdios da industrialização. São Paulo: Ed. UNESP; Brasília: FLACSO, 2000.
FARIA FILHO, Luciano Mendes de. República, Trabalho e Educação: A experiência do Instituto João Pinheiro 1909/1934. Bragan-
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