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UFRGSLivro Descolonizar
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UFRGSLivro Descolonizar
descolonizar
Editora CirKula
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Porto Alegre - RS - CEP: 90035-190
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a prática e o sexo
descolonizar
Porto Alegre
2019
CONSELHO EDITORIAL
Mauro Meirelles
Jussara Reis Prá
José Rogério Lopes
César Alessandro Sagrillo Figueiredo
CONSELHO CIENTÍFICO
Alejandro Frigerio (Argentina)
André Luiz da Silva (Brasil)
Antonio David Cattani (Brasil)
Arnaud Sales (Canadá)
Cíntia Inês Boll (Brasil)
Daniel Gustavo Mocelin (Brasil)
Dominique Maingueneau (França)
Estela Maris Giordani (Brasil)
Hermógenes Saviani Filho (Brasil)
Hilario Wynarczyk (Argentina)
Jaqueline Moll (Brasil)
José Rogério Lopes (Brasil)
Ileizi Luciana Fiorelli Silva (Brasil)
Leandro Raizer (Brasil)
Luís Fernando Santos Corrêa da Silva (Brasil)
Lygia Costa (Brasil)
Maria Regina Momesso (Brasil)
Marie Jane Soares Carvalho (Brasil)
Mauro Meirelles (Brasil)
Simone L. Sperhacke (Brasil)
Silvio Roberto Taffarel (Brasil)
Stefania Capone (França)
Thiago Ingrassia Pereira (Brasil)
Wrana Panizzi (Brasil)
Zilá Bernd (Brasil)
11 Apresentação
Capítulo 1
21 Aportes decoloniales a las políticas feministas en
américa latina y el caribe: algunos debates necesarios
Ana María Castro Sánchez
Capítulo 2
39 Descolonizando el sexo, desgenerizando la colonialidad
Begoña Dorronsoro
Capítulo 3
61 Fazendo Gêneros decoloniais: academia e ativismo
Sumário
Capítulo 4
83 Homicídios juvenis: reflexões sobre colonialidade e o
aumento de mortes de mulheres jovens em fortaleza
Deinair Ferreira de Oliveira
Capítulo 5
99 Inflexões decoloniais: As relações de gênero na vida
das mulheres-professoras em assentamentos da Reforma
Agrária – MA
Elisângela Santos de Amorim
Capítulo 6
117 Descolonizar a prática: o artesanato como forma de
afirmação ética
Jenniffer Simpson dos Santos
Capítulo 7
145 A colonialidade do gênero e suas implicações
para os estudos feministas
Natércia Ventura Bambirra, Raíssa Jeanine Nothaft e
Teresa Kleba Lisboa
Capítulo 8
169 O cuidado enquanto estratégia: uma perspectiva sobre a
escolha das estudantes mulheres do Curso Normal
Renata D´avila Borges
Capítulo 9
191 Intersecções de gênero, raça e classe: um “cinema
decolonial” é possível?
Renata Santos Maia
Capítulo 10
229 Feminicídio e interseccionalidades: uma análise
dos inquéritos policiais
Roberta Silveira Pamplona
Capítulo 11
259 Novas questões na Sociologia no Ensino Médio:
heteronormatividade na escola, um estudo de caso
Tamirys Claudino Bica
Capítulo 12
281 Aborto, gênero e sistema de justiça criminal
Vanessa Ramos da Silva
11
que entendemos como desnecessária e inoperante enquanto
17
Aportes decoloniales a las políticas feministas en América
Latina y el Caribe: algunos debates necesarios
1 Existe una amplia discusión sobre las acciones colectivas que se pueden
identificar como movimientos sociales, así como una crítica a las teorías
producidas en contextos diferentes a los de América Latina con las cuales
se ha pretendido leer y comprender los movimientos sociales de la región
(ver FLORES, 2015; PARRA, 2005; PURICELLI, 2005; MARTÍNEZ, CASA-
DO e IBARRA 2012; BIGLIA 2007; entre otras). No obstante, uso la idea
de movimiento social como categoría analítica, en la medida en que como
afirma Doris Lamus (2008: 25): “[con los movimientos de mujeres y feminis-
tas] sí hemos construido históricamente, en Colombia y en el concierto de
países latinoamericanos, movimiento social en un doble sentido: en tanto
hecho empírico de acción colectiva y en tanto construcción discursiva”.
21
las conocidas olas. Es posible identificar aspectos comunes
ICANH, 2010.
35
Descolonizando el sexo, desgenerizando
la colonialidad
Begoña Dorronsoro
Descolonizando el sexo, desgenerizando
la colonialidad1
44
quieran acabar con las opresiones de los sistemas hetero-
patriarcales y capitalistas, y de aquellos hombres, que como
señala Mohanty, sean parte de la lucha apoyando desde la
asunción de los presupuestos feministas.
48
Una teoría del cuerpo, en tanto que nudo de estructura so-
cial y acción individual y colectiva; una teoría actualizada
e interrelacionada del género que prima el “estar” por en-
cima del “ser” y la complejidad sobre las visiones estáticas
y dicotómicas; un análisis de la sexualidad, como pensa-
miento crítico pero prácticas encarnadas y dinámicas, no
fijadas de antemano (ESTEBAN, 2009: 39).
52
tiene una dimensión de “potencia transgresora, transformadora
y creadora” (CABNAL, 2010: 22). El lugar de las opresiones,
pero también de las resistencias. La propuesta del feminismo
comunitario establece una integración de luchas por el cuerpo
y “para la recuperación y defensa del territorio tierra, como una
garantía de espacio concreto territorial, donde se manifiesta la
vida de los cuerpos” (CABNAL, 2010: 23). No se pueden se-
parar ambas luchas “es incoherente que la tierra este en paz,
mientras el cuerpo está con dolor” (CABNAL, 2012: 13).
La propuesta de trabajo del feminismo comunitario, no
solo se queda en conformar una nueva epistemología, su
concepción nace y se refuerza en la práctica, en actuar des-
de las comunidades, entendidas éstas como modelos de or-
ganización colectivos que se dan a todos los niveles, desde
lo más local y rural, a lo más global y urbano, en respues-
descolonizar: a prática e o sexo
53
Referências
54
DORRONSORO, B. Resimbolizar para transgredir. In: Formas-O-
tras Saber, nombrar, narrar, hacer. IV TRAINING SEMINAR DE
JÓVENES INVESTIGADORES EN DINÁMICAS INTERCULTU-
RALES. Barcelona: CIDOB Ediciones, pp. 123-134, 2011.
55
MALDONADOTORRES, N. Sobre la colonialidad del ser: contri-
56
______. Coloniality of Power, Eurocentrism, and Latin America. Ne-
pantla: Views from South, n. 1, n. 3, 2000b. Pp. 533-580.
57
Fazendo gêneros decoloniais:
academia e ativismo
Vera Gasparetto
Cristina Scheibe
Fazendo gêneros decoloniais:
academia e ativismo1
intersubjetividade.
A colonialidade do saber denuncia a “violência epistêmi-
ca” de um poder que opera de forma circular, imbricado com
o eurocentrismo e com o colonialismo que sustentam a “dife-
rença colonial e a geopolítica do conhecimento” e a “invenção
do outro” (MIGNOLO, 2002 apud BALLESTRIN, 2013: 103),
mantendo uma hierarquia de saberes na produção e conheci-
mento, onde o Sul é o “outro”.
Ochy Curiel (2007) critica na teoria decolonial, mais es-
pecificamente nos trabalhos de Quijano, Mignolo e Dussel, a
ausência da abordagem das questões de sexo/sexualidade.
A autora recupera as denúncias realizadas pelas feministas
racializadas (afros e indígenas) ao poder patriarcal e capita-
lista nos anos 1970; as críticas às mulheres brancas do Norte;
evidencia as interseccionalidades da opressão de classe, gê-
nero e raça/etnia sobre mulheres afrodescendentes e indíge-
nas, subalternizadas nas sociedades, nas ciências sociais e
na perspectiva da teoria feminista hegemônica branca. Consi-
dera que os saberes das mulheres nas suas vidas singulares
e heterogêneas são testemunhos aptos para a produção aca-
dêmica na perspectiva de “descolonizar” e entender a com-
63
plexidade de relações e subordinações sobre “otros” e contra
65
Essa noção de práxis, coloca para a produção do conhe-
67
Figura 01 – Reunião da comissão de movimento sociais
72
Com música, dança, rezas, arte, teatro, criatividade, per-
formances, alegria e energia foi organizada ainda a Marcha
Internacional Mundo de Mulheres por Direitos, reunindo nas
ruas do centro de Florianópolis – SC cerca de dez mil pes-
soas, marcada pela diversidade de mulheres e suas pautas de
luta. Ao longo de todo o percurso, as participantes cantaram
e gritaram juntas pelo fim do patriarcado, pela demarcação
das terras indígenas e quilombolas, pela descriminalização
do aborto, contra o retrocesso nas políticas públicas e nos
direitos trabalhistas e previdenciários, contra o machismo, o
racismo, a homofobia e o fundamentalismo religioso, denun-
ciando opressões, assédios e violência. Os eixos da marcha
foram: “Por nenhuma a menos”; “Até que todas sejam livres”,
“Demarcação Já”; “Fora Temer”8.
Durante várias semanas, diversos movimentos sociais
descolonizar: a prática e o sexo
Considerações finais
76
grafia a partir da narrativa dos/das subalternos/as. Isso im-
plica em desaprender os privilégios e praticar uma vigilância
epistêmica que traduza, desvele as práticas e os conceitos
coloniais, favorecendo a emergência de uma visão decolonial
a partir das histórias dos protagonismos das mulheres que
foram apagadas e invisibilizadas das histórias contadas pelos
“vencedores” e pela geopolítica do conhecimento.
A consolidação do campo feminista com uma episte-
mologia decolonial traz questões teóricas e empíricas de
pesquisadoras feministas comprometidas em olhar e dialo-
gar com e sobre as práticas dos movimentos de mulheres
e feministas a partir de uma visão sobre o Sul-Sul. Essas
ativistas acadêmicas estão inseridas nas universidades bus-
cando construir uma relação desta com as agendas de luta
dos movimentos sociais.
descolonizar: a prática e o sexo
77
Referências
78
LUGONES, M. Rumo a um feminismo descolonial. Revista Estu-
dos Feministas, v. 22, n. 3, pp. 935-952, 2014.
79
Homicídios juvenis: reflexões sobre colonialidade e o aumento
de mortes de mulheres jovens em Fortaleza
Introdução
83
masculino e cometidos por armas de fogo, dado que se man-
86
de casos notadamente racistas, desde declarações contra
pessoas até o questionamento das políticas sociais conquis-
tadas, sobretudo a partir da negação da necessidade de polí-
ticas compensatória para uma população que historicamente
teve todos os acessos negados, uma total exclusão social no
que se refere às políticas de um país que simplesmente se
absteve de qualquer responsabilidade com a população liber-
ta da escravidão e seus descentes.
Por outro lado, se para os negros a escravidão resul-
ta em desigualdades, Bento (2002) destaca que a escravi-
dão rendeu aos brancos “uma herança simbólica e concreta
extremamente positiva, fruto da apropriação do trabalho de
quatro séculos de outro grupo” (p.3). Esse legado que o país
não quer discutir, resultou em benefícios simbólicos e con-
cretos e foi determinante para o lugar que o branco ocupa
descolonizar: a prática e o sexo
na história do Brasil
Desse modo, “em vários países latino-americanos, al-
guém ser categorizado como não branco ainda se correla-
ciona diretamente com uma posição socioeconômica desvan-
tajosa e com menores chances de mobilidade ascendente”
(COSTA, 2012: 133). Enquanto a população branca usufruiu
de uma série de benefícios, fruto dos lugares diferenciados
que brancos e negros ocuparam durante a escravidão.
Embora não institucionalizado, o racismo no Brasil se
reproduz pela contradição entre a garantia formal dos direi-
tos e por outro lado, no não cumprimento desses direitos
“em geral ignorados, não cumpridos e estruturalmente limita-
dos pela pobreza e pela violência cotidiana” (GUIMARÃES,
1999: 56), e, portanto,
87
Assim, as desigualdades entre negros e brancos na Amé-
88
corroborou para a difusão da ideia de democracia racial, e a
discussão sobre racismo no país é considerada um tabu: “De
fato os brasileiros se imaginam numa democracia racial. Essa
é uma fonte de orgulho nacional e serve, no nosso confronto
e comparação com outras nações, como prova inconteste de
nosso status de povo civilizado” (GUIMARÃES, 1999: 37).
Assim, discutir raça e racismo no Brasil não é tarefa das
mais fáceis. Diferente dos Estados Unidos, por exemplo, onde
as raças são muito evidentes assim como em outros países,
Guimarães (1999: 19) explica que:
regularmente o conceito.
89
Nessa perspectiva, compreender a realidade brasileira e
92
filhos jovens, agora também choram as mortes de suas filhas,
muitas ainda meninas entre 10 e 19 anos, vítimas da violência
letal, de um Estado omisso e do racismo que sujeita e legitima
a morte de determinados corpos.
Considerações finais
94
SANTOS, C. M.; IZUMINO, W. P. Violência contra as mulheres e
violência de gênero: notas sobre Estudos Feministas no Brasil. Es-
tudios Interdisciplinarios de América Latina y el Caribe, v. 16,
n. 1, pp. 147-164, 2005.
95
Inflexões decoloniais: as relações de gênero na vida das
mulheres-professoras em assentamentos da
Reforma Agrária – MA
Introdução
que era dito sobre elas, de caráter masculino e sem a sua par-
ticipação, bem como de como elas se viam nessas produções.
Neste ensaio, realizamos à luz das contribuições das teo-
rias feministas pós-coloniais e decoloniais, uma releitura de al-
gumas narrativas de vida, da pesquisa realizada no período
de 2008 a 2010, com o título: A mulher-professora de as-
sentamento da Reforma Agrária: Uma escrita que se faz
história. Buscamos desta forma, alargar a compreensão dos
processos de subalternidade vivenciados por estas mulheres,
tentando perceber os eixos de dominação que assolam suas
vidas, além do gênero. O percurso de construção deste ensaio
foi o de inicialmente apresentar contribuições das teorias femi-
nistas pós-coloniais e decoloniais para o estudo com as mulhe-
res professoras de assentamentos da Reforma Agrária. Num
segundo momento, o de revisitar as narrativas de vidas de uma
mulher-professora que fez parte da pesquisa realizada durante
os anos de 2008 a 2010, buscando indícios que demonstram
eixos de dominação, além do gênero, para então apresentar-
mos nossas considerações sobre a importância dos estudos
decoloniais, em particular, os feministas por levantar novos fa-
99
tores sociais como responsáveis pela dominação masculina e
109
Tocantina do Estado do Maranhão. Esta professora e cam-
Considerações finais
112
MASSEY. D. O sentido global do lugar. In: ARANTES, A. A. O espa-
ço da diferença. Campinas: Papirus, 2000. Pp. 176-185.
113
Descolonizar a prática: o artesanato
como forma de afirmação ética
Introdução
caso aqui em questão, os valores são vistos não como uma essência, mas
como uma prática afirmativa. Cabe lembrar que o termo “afirmar” vem do
latim affirmāre e significa “pôr firme” e “afirmar-se” designa “passar a ser
reconhecido pelo seu valor” (DLPC, 2001: 108).
122
se constitui como o autor principal das heterotopias, uma vez
que utopia, para Foucault (FOUCAULT, 2013), é um lugar sem
corpo, e heterotopia sugere um lugar outro com corpo. Se o
corpo é o autor principal da heterotopia, é porque ele também
é o lugar do paradoxo, movimentando-se em complexas rela-
ções de poder – o corpo é tomado pela pessoa que acabou de
seduzir (FOUCAULT, 2013). Esse mesmo corpo que é tão vi-
sível, analisado, disciplinado, seduzível, castigado, torna-se,
a um só tempo, invisível, concretizando as atrocidades e as
sutilezas do poder.
Não é à toa que expressões de corpos desobedientes
são vistas como modelos de inadequação ou invisibilisadas.
Uma inivisibilidade constituída não como esquecimento, mas
como uma antiga técnica de isolamento – isolar da esfera da
possibilidade e da imaginação o corpo transfigurado enquanto
descolonizar: a prática e o sexo
131
Que tipo de vida faz a prática do artesanato viver?
135
Considerações finais
137
Referências
141
A colonialidade do gênero e suas implicações
para os estudos feministas
Introdução
145
mos a perspectiva descolonial como uma ferramenta teó-
146
Segundo Ella Shohat e Robert Stam (2006), o termo
pós-colonial foi expandido para incluir produções literárias de
todas as sociedades “afetadas” pelo colonialismo, incluindo
a Grã-Bretanha e os Estados Unidos. Dessa forma, o termo
nivela a situação do colono europeu com a da população local
colonizada pelos europeus.
Ao apagar as relações de poder entre colonizado/coloni-
zador, no contexto acadêmico pós-estruturalista, o termo pós-
-colonial se torna um instrumento pouco efetivo para a crítica
da distribuição desigual de poder e recursos no mundo. Além
disso, o termo em questão apresenta uma espacialidade dúbia
e apaga as cronologias vastamente diversas dos processos de
independência na América, Ásia e África. Como “pós” significa
“depois”, o termo implica que o colonialismo acabou e inibe re-
flexões acerca do neocolonialismo. Como as estruturas hege-
descolonizar: a prática e o sexo
147
social. Essas áreas não nascem umas das outras, mas não
148
a colonialidade do ser – que se exerce por meio da inferiori-
zação, subalternização, discriminação e desumanização – a
construção da ideia de “não existência”1; 4. a colonialidade
cosmogônica da mãe natureza e da vida em si – a que encon-
tra a sua base na divisão binária entre natureza/sociedade,
descartando o “mágico-espiritual-social”, a relação milenar
entre mundos biofísicos humanos e espirituais – incluindo os
ancestrais, deuses, orixás, entre outros.
Ao se referir a colonialidade, Walter Mignolo (2003) a
nomeia como “o outro lado - a cara oculta da modernidade”.
A partir dessa afirmação podemos inferir que a própria mo-
dernidade e a pós-modernidade se projetam como “o lugar
epistêmico de enunciação no qual se inscreve e se legitima o
poder colonial” (MIGNOLO, 2003: 27). Ou seja, a modernida-
de foi colonial desde o seu ponto de partida, por seu caráter
descolonizar: a prática e o sexo
150
Realizada a distinção entre colonialismo e colonialidade,
cabe alertar que a expressão “descolonial” (ou decolonial) não
deve ser confundida como mera descolonização. Em termos
históricos e temporais, descolonização indica uma superação
do colonialismo, geralmente associada às lutas anticoloniais,
o que é comumente denominado independências políticas
das colônias, que na América começa em fins do século XVIII;
por sua vez, a ideia de descolonialidade (ou decolonialida-
de) procura transcender a colonialidade, a face ininteligível
da modernidade, que permanece operando ainda nos dias de
hoje em um padrão mundial de poder (BALLESTRIN, 2013).
Para Grosfoguel (2008), a descolonização está posta
em termos de mitologia. A mitologia da “descolonização do
mundo” presta um grande desserviço, porque esconde “as
continuidades entre o passado colonial e as atuais hierar-
descolonizar: a prática e o sexo
152
Colonialidade do gênero e o feminismo descolonial
154
É a partir da articulação de gênero, raça, sexualidade e
colonização que Lugones desenvolve suas concepções acer-
ca do feminismo descolonial. Ela o define como a possibilida-
de de superar a colonialidade do gênero, ou seja, de tomar
consciência do sistema de gênero baseado na dicotomia hu-
mano/não humano, e a redução de pessoas e da natureza à
coisas para uso do homem e da mulher eurocentrados, ca-
pitalistas e imperialistas (LUGONES, 2012). Lugones (2014:
937) afirma que análises mais contemporâneas:
155
as margens por feministas, mulheres, ativistas, lésbicas e
156
Lançando outros olhares para as universalizações de
gênero, “mulher” e família a partir da perspectiva de
uma “América Africana” ou “Améfrica3”
160
processo de colonização inventou os/as colonizados/as e
investiu em sua plena redução a seres primitivos, menos
que humanos, possuídos satanicamente, infantis, agres-
sivamente sexuais, e que precisavam ser transformados
(LUGONES, 2014: 941).
Considerações transitórias
163
Referências
Introdução
O presente texto é resultante de uma pesquisa1 que bus-
ca compreender quais fatores sociais e econômicos influen-
ciaram as estudantes mulheres na escolha do Curso Normal,
atrelando à realidade específica com conceitos, a partir de
uma perspectiva de abordagem teórica do feminismo negro e
latino-americano. O trabalho foi desenvolvido a partir do con-
tato enquanto residente do Programa de Residência Pedagó-
gica (RP) em Ciências Sociais, o qual desenvolve suas ati-
vidades na Escola Municipal de Ensino Médio Emílio Meyer,
descolonizar: a prática e o sexo
As estudantes
173
que possui 23 anos, o qual senta sempre ao seu lado e
Narrativas de cuidado
174
Quando lhe pergunto sobre essa responsabilidade com
seus irmãos, como se desenvolvia essa relação, ela diz:
O meu mais velho. Era o que ele não fazia. Ele não tava
estudando, ele repetiu de ano, só na quinta série três ve-
zes, ele ia pra escola só pra jogar bola. Ele é um menino
muito bonito e aí ele começou a botar na cabeça dele essa
história de aparência, que só por ser bonito ele já ia pra
frente. Ele dizia assim, ‘olha aí mãe, tu não tem estudo,
mas tu tá aí trabalhando’.
Aí eu comecei a ficar preocupada com isso. Que ele aca-
basse indo pela maneira mais fácil e que leva a morte
mais rápida né. Como a gente mora perto de uma boca de
175
fumo, logo abaixo do morro, eu falei, um dia esse guri me
176
O cuidado enquanto estratégia
177
HILL COLLINS, 2016: 112)2 sugere que mães negras efetivas
Considerações finais
185
Referências
186
HOOKS, B. Mulheres negras: Moldando a teoria feminista. Revista
Brasileira de Ciência Política, n. 16, 2015.
187
Intersecções de gênero, raça e classe:
um “cinema decolonial” é possível?
Introdução
As teorias decoloniais2 passaram a receber uma grande
atenção dentro das pesquisas acadêmicas recentes. Na es-
teira desses debates, este capítulo foi escrito com o intuito de
demonstrar a analogia que pode ser feita entre os estudos de-
coloniais e o cinema produzido na América Latina. Mas antes
de partirmos para a análise dos filmes é necessário compreen-
der algumas premissas do pensamento decolonial. A colonia-
lidade do poder foi um conceito elaborado por Aníbal Quijano
(2005) para referir-se às formas de dominação e opressão
exercidas contra a América Latina e sua população, especial-
descolonizar: a prática e o sexo
193
Imagem 1 – Cartaz de divulgação do filme.
194
Imagem 2 – Capa do DVD do filme.
descolonizar: a prática e o sexo
195
As duas imagens referem-se a cenas de Quanto vale ou
4 O título do livro remete para o absurdo que foi o conflito interno no Peru,
onde os assassinatos começaram a ocorrer “entre próximos”, entre vizi-
nhos, entre amigos. A temática discutida nesse livro se desdobrou na pes-
quisa desenvolvida por Kimberly Theidon, pela Universidade de Harvard,
intitulada La teta asustada: una teoria sobre la violencia de la memoria.
198
por Theidon -, que foi estuprada durante os conflitos protago-
nizados pelo governo peruano e o grupo de guerrilha Sendero
Luminoso5 nos anos 1980, onde grande parte da população
sofreu com os embates entre a resistência armada e as forças
militares do Estado.
As “memórias tóxicas” e a incapacidade de alimentar
a vida que geraram fez com que essas mulheres se consti-
tuíssem em uma corporificação histórica do sofrimento, como
afirma Theidon:
200
Para Fausta, o tubérculo representa proteção, como ela
mesma expressa, diante da incompreensão familiar do seu
gesto, na frase: “O tio não me entende, mamãe; eu levo isto
como proteção. Eu vi tudo de seu ventre; o que lhe fizeram,
senti sua aflição. Por isso levo isto, como um escudo de guer-
ra, como um tampão. Porque só o asco detém os asquerosos”.
Na imagem que ilustra o cartaz do longa-metragem, Fausta
está imersa até os ombros entre as batatas que transmitem
a sensação de defesa, mas também de sufocamento, como
se fossem tragá-la para o seu interior. Esse vegetal assume,
assim, na narrativa, a conotação de extraordinário, como se
fosse ele próprio também uma personagem, embora seja, ao
mesmo tempo, algo incorporado ao cotidiano de Fausta como
parte de seus cuidados genitais, tanto que ela se põe a podar
os brotos que despontam para fora da vagina como uma tare-
descolonizar: a prática e o sexo
202
Imagem 4 – Cartaz de divulgação do filme El vuelco del can-
grejo (2009)
descolonizar: a prática e o sexo
216
Imagem 6 - Cenas do filme Quanto Vale ou é Por Quilo?
(2005). Captura de tela.
descolonizar: a prática e o sexo
Considerações finais
224
SEGATO, R. L. Território, soberania e crimes de segundo Estado:
a escritura nos corpos das mulheres de Ciudad Juarez. Revista
Estudos Feministas, v. 13, n. 2, 2005.
Referências on-line:
http://elpais.com/diario/2009/02/13/cine/1234479603_850215.html.
http://pajareradelmedio.blogspot.com/2010/02/el-vuelco-del-can-
grejo-la-inocencia.html.
http://tierraentrance.miradas.net/2010/10/entrevistas/entrevista-a-
-oscar-ruiz-navia-director-de-el-vuelco-del-cangrejo.html.
https://www.slowfoodbrasil.com/textos/alimentacao-e-cultura/282-re-
giao-paisa-alimentacao-e-cultura-nas-montanhas-da-colombia.
225
Feminicídio e interseccionalidades: uma análise
dos inquéritos policiais
Introdução
229
liares -. Os argumentos jurídicos utilizados buscavam, muitas
233
Por uma compreensão pós-colonial das questões
O desenho da pesquisa
Os inquéritos policiais
1 A lista dos processos analisados foi produzida por meio do site do Tri-
bunal de Justiça do Rio Grande do Sul no dia 22 de março de 2019. Para
tanto, utilizou-se o mecanismo de “Jurisprudência” do próprio site em que
é possível localizar os prEm 2009, a Corte Interamericana de Direitos Hu-
manos (CIDH) utilizou, pela primeira vez em um contexto de tribunal, o ter-
mo feminicídio para condenar alguém. No caso, o México foi responsabi-
lizado pelo desaparecimento e pela morte de mulheres em Ciudad Juárez
(GARCÍA-DEL MORAL, 2015). Após o estado mexicano introduzir o termo
feminicídio como categoria legal#, outros Estados latino-americanos tais
como Guatemala, Chile, El Salvador, Peru, Nicarágua e Argentina fizeram
o mesmo (CPMI, 2013). No Brasil, foi promulgada a Lei 13.104/2015 no
dia 08 de março de 2015, que introduziu o termo como uma qualificado-
ra para o homicídio no Código Penal. Assim, o processo de visibilidade
240
ção, já que a coleta de novos inquéritos não acrescentava
nada de novo ao que se buscava compreender (BAUER e
GASKELL, 2002). Cumpre apontar que os inquéritos de femi-
nicídios aqui analisados foram investigados, primeiramente,
entre a promulgação da lei - março de 2015 - e dezembro de
2016, pelas delegacias especializadas de homicídios vincula-
das à DH. Entretanto, a partir de 2017, os casos classificados
como feminicídio, em tese, passaram a ser investigados pela
DEAM por meio do decreto estadual 53.331. Porém, notou-se
que um inquérito com fato posterior ao ano de 2016 foi inves-
tigado por uma delegacia da DH. Diante disso, a coleta de
dados para o corpus pode ser visualizada no quadro abaixo:
O modelo de análise
244
Feminilidades, masculinidades e relações da casa e da rua
Considerações finais
252
Referências
253
DEBERT, G. G.; LIMA, R. S.; FERREIRA, M. P. C. O Tribunal do
255
Novas questões na Sociologia no Ensino Médio:
heteronormatividade na escola, um estudo de caso
Introdução
Considerações finais
277
Aborto, gênero e sistema de justiça criminal
Introdução
-se uma justiça que perpetua uma lógica patriarcal e com viés
de raça e classe. Em relação ao aborto, por sua vez, verifica-
-se que a tipificação da prática como crime não impede que
as mulheres abortem de forma clandestina, como alternativa
para interromper uma gravidez indesejada. Como consequên-
cia, a maioria das mulheres, em especial as que possuem
baixa renda, acabam por não ter acesso a condições médicas
adequadas para o procedimento e se submetem a riscos para
que possam interromper a gestação. Há, portanto, um recorte
quando se fala sobre o processamento e criminalização do
aborto: é um crime que tem gênero, raça e classe. Conclui-se,
através da revisão desses estudos em debate com estudos
sobre o aborto, que a sua criminalização acaba por agir mais
como uma forma de atribuir um caráter criminoso simbolica-
mente do que efetivamente um instrumento que visa a per-
secução e punição pelo crime. O sistema de justiça funciona,
assim, como um mecanismo de controle feminino, reforçando
o controle patriarcal, com viés de raça e classe e produzindo
e reproduzindo sentidos de gênero, reforçando papéis sociais
esperados para homens e mulheres.
281
Os estudos de gênero e seus atravessamentos no sis-
da América Latina.
292
Em seu trabalho a pesquisadora analisou informações
relativas a 765 casos, trazendo os seguintes dados: apenas
32 casos tiveram condenações pelo Júri (4%) e 64 casos tive-
ram absolvição pelo Júri e 6 absolvições sumárias, o que indi-
ca que apenas 13% dos casos analisados foram a julgamen-
to, e nos 87% dos casos restantes não foi possível reunir os
elementos para comprovar a materialidade do fato ou autoria
delitiva para embasar uma ação penal. Do total de casos, 503
(53%) não foram a julgamento, sendo arquivados, demons-
trando que mais da metade das denúncias de aborto não con-
seguem comprovação. Ainda, 180 casos (24%) pertenciam à
categoria “outras” em que houve na sua maioria extinção de
punibilidade. Dessa forma a autora demonstra como parece
existir um grande investimento social na proibição do abor-
to e pouco interesse na sua penalização, sustentando que a
descolonizar: a prática e o sexo
Interseccionalidade
Considerações finais
303
Referências
304
CARLOS, P. P. Bioética e Biodireito: discursos jurídicos acerca
do aborto por grave anomalia fetal. [Dissertação de Mestrado].
São Leopoldo: Unisinos, 2007.
305
FRENTE NACIONAL CONTRA A CRIMINALIZAÇÃO DAS MULHE-
311