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Origens Culturais Da Revolução Francesa

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CHARTIER, Roger.

“Iluminismo e revolução; Revolução e iluminismo”; “As revoluções


têm origens culturais?”. In: Origens culturais da Revolução Francesa. Edunesp, 2009, pp. 25-47;
245-275.

As Origens culturais da Revolução Francesa é uma das obras notáveis do historiador


francês Roger Chartier, ligado a terceira geração da escola dos Annales; Chartier se destaca em
importantes obras sobre a história das instituições de ensino e das sociabilidades intelectuais, a
história do livro e da leitura, temas relacionados à linha de pesquisa que ele se insere a História
Cultural, que perpassa todo o conjunto de sua obra. Sua reflexão teórica inovadora abriu novas
possibilidades para os estudos em história cultural e estimula a permanente renovação nas
maneiras de ler e fazer a história.
A obra analisa a Revolução Francesa a partir de um viés cultural, através de um diálogo
historiográfico com outros autores que se debruçam no tema. Ao refletir sobre a Revolução
Francesa Chartier não propõe uma análise acabada, mas pretende instigar indagações ao fazer
uma análise cultural dos processos que desencadearam a Revolução. Nessa análise Chartier
privilegia a pesquisa sociológica cultural em lugar da tradicional história das ideias. Para ele é
mais interessante analisar as condições culturais que geraram as mudanças de crenças e
percepções capazes de gerar uma modificação rápida e profunda da ordem social e política
estabelecida no antigo regime, com o intuito de não mais estabelecer as causas da Revolução, mas
destacar as condições que a tornaram possível.
Aqui sera analisado o capítulo: “Iluminismo e revolução; Revolução e iluminismo” para
observamos mais nitidamente algumas ideias formuladas pelo autor. A começar pelo primeiro
capítulo onde Chartier analisa e relativiza a possibilidade de se estabelecer relações de causa e
efeito entre Iluminismo e Revolução Francesa. Ao iniciar sua análise Chartier resgata a obra
clássica de Daniel Mornet, “ Les origines intellectuelles de la Révolution Française- 1715-1787”
[As origens intelectuais da Revolução Francesa – 1715-1787], essa obra que vai nortear a análise
de Chartier, marcou profundamente a historiografia ao formular uma conexão “entre progresso de
novas ideias através do século XVIII e a emergência da Revolução como acontecimento[…] Os
trabalhos subsequentes vão transitar no espaço delimitado por Mornet”.
Segundo Mornet as novas ideias penetram na sociedade de cima para baixo, ou seja, das
classes altas até chegar ao povo, e do centro para a periferia, em outras palavras, da capital para as
províncias, esse “processo de penetração teria se acelerado no decorrer do século XVIII”, e, isso o
leva a afirmar que as ideias teriam, em parte, determinado a Revolução Francesa. Nesse sentido,
Mornet encaixa o iluminismo como força motriz para a crise da monarquia e consequentemente
para à emergencia da Revolução, ao longo da análise vamos notar que Chartier desconstrói essas
ideias, dando lugar a uma interpretação mais plural que privilegia a análise cultural capaz de
abarcar a dinamicidade e a complexidade presentes nos processos históricos. Isso o leva a
enxergar a origens culturais para além do Iluminismo, ou antes, dele, no classicismo que vai ter
grande importância ao estruturar o pensamento filosófico.
O objetivo de Chartier ao se debruçar sobre a obra de Mornet não é só sugerir dúvidas e
interrogações, mas levantar algumas questões que não tinham ocorrido a Mornet. Já que o tempo
em que escreve Chartier é diferente do de Mornet, e o que o incita a olhar para o passado não são
as mesmas inquietações que surgiram a Mornet setenta anos antes, o conhecimento se acrescentou
e a historiografia ao passar por novos debates se transformou, assim sendo, o olhar do historiador
incorporou novas dimensões.
No primeiro tópico Chartier faz uma revisão das ideias de Mornet, tecendo algumas
críticas aos conceitos que lhe serviram para a formação das origens intelectuais da revolução
francesa, demonstrando que o problema em buscar as origens repousa no processo de seleção e
homogeneização para o estabelecimento de causas, já que este “pressupõe um processo de seleção
que retém, dentre as inúmeras realidades que constituem a história de uma época, apenas a matriz
do evento futuro”, dessa forma da unidade as possíveis origens que na realidade são
“heterogêneas em sua natureza e descontinuas em sua realização” .
Em outras palavras isso pressupõe que as origens de um evento estavam presentes de
forma homogênea, no pensamento e nas ações, antes deste acontecer. Chartier afirma que esse
tipo de interpretação, não vislumbra e não abarca as complexidades, diversidades e
descontinuidades que perpassam o desenvolvimento de um evento histórico como a Revolução
Francesa, correndo os riscos de uma leitura teleológica que compreendam o evento a partir de seu
resultado, reproduzindo o discurso de interpretação clássica, de que o Iluminismo produziu a
Revolução Francesa.
Chartier evidencia que a Revolução Francesa, foi um evento histórico construito por
revolucionários após seus acontecimentos, a partir de uma seleção de textos que serviam para
legitimar suas ações, uma idéia de iluminismo como sendo gerador da Revolução Francesa, sendo
assim seu intuido ideologico de legitimar o movimento se tornou historia.
Para contornar essa dificuldade que Chartier substitui as origens intelectuais por origens
culturais, que resultam na pluralidade e na compreensão das origens da Revolução, inserindo-as
numa dinâmica social, podendo assim perceber as transformações que estão ocorrendo nas formas
de pensar, nos valores, e como esses inseridos numa dinâmica cultural são diversificados e
resignificados de uma realidade para outra ou de um grupo para o outro, pensamentos que não são
homogêneos e podem até ser conflitantes entre si, demonstrando que a Revolução não foi
planejada.
Como observa Chartier é necessário um equilíbrio, já que não se pode escapar totalmente
de uma análise teleológica, pois uma história descontínua estaria fadada a enumeração de fatos
desconexos, é necessário trabalhar no terreno delimitado por Mornet e ao mesmo tempo
“considerar que nenhuma abordagem de um problema histórico seja possível fora do discurso
historiográfico que a elaborou”. Assim sendo, é possível levantar questões a partir da obra
Mornet. Em seu livro há duas referências fundamentais Hippolyte Taine e Aléxis Tocqueville, suas
obras são, respectivamente L’Ancien Régime [O Antigo Regime] e L’Ancien Régime et la
Révolution [O Antigo Regime e a Revolução]. Chartier mostra como Mornet utilizou as ideias
desses autores discutindo-as e refutando-as.
A interpretação de Hippolyte Taine é estritamente intelectual, Mornet o critica nesse
aspecto, pois ele restringe a sua análise a apenas uma literatura filosófica, não mostrando que as
ideias para a Revolução são extraídas de outros locais. Nesse sentido Mornet tem a preocupação
de inserir além da literatura filosófica a experiência das pessoas comuns.
Mornet também critica a idéia de uma Revolução planejada de Hippolyte Taine ,mostrando
que a História da Revolução tem sua dinâmica própria e não pode se limitar as origens, mas para
Chartier, a despeito de que ao elaborar o conceito de “espírito revolucionário” pode estar
reforçando a idéia de uma Revolução planejada. Há também outras contribuições da obra de Taine
que devem ser analisadas, pois ele já sinaliza para as raízes da Revolução Francesa no
classicismo, ao apontar para a contribuição do espírito clássico na formação do espírito
revolucionário, Taine mostra que esse espírito deu bases para o pensamento que norteou a
Revolução, os revolucionsarios são amparados na razão que se estrutura no classicismo,
propondo uma transformação dos valores vigentes e das estruturas sociais.
Tocqueville observa a Revolução como o desfecho inevitável de um processo que ocorria
na França: a crise do antigo regime, mas também traz contribuições ao dar ênfase a política
literária, mostrando como os homens de letras ao serem excluídos da prática do poder começam a
escrever sobre política, criticam a administração e se colocam contra a centralização que os baniu.
Como expõe Chartier a política literária era poderosa, mas no exercício da política, assim como a
entendemos hoje, não tinha poder algum. Tocqueville quebra a idéia de que o pensamento
filosófico, contrário as estruturas hierárquicas, era burguês, mostrando que ele era de todos que se
sentiam excluídos desse poder.
O processo de centralização pela Monarquia teria gerado a “aristocracia literária” e a
opinião pública. Para Chartier esse processo não é tão simples assim, ele discorda com um
pressuposto dessas ideias; o de uma centralização absoluta. Para Chartier a centralização não é
unicamente a causa da formação da opinião pública e do discurso filosófico, pois não há uma
homogeneidade nessas instâncias e dentro do discurso filosófico há correntes rivais.
Chartier mostra também, a partir da inovação de Mornet, que no interior da cultura
política do Antigo Regime a opinião pública, que é perpassada de uma heterogeneidade, se faz
principalmente nas formas de sociabilidade dentro das instituições que são importantes para
divulgação do conhecimento, as sociétés de pensée. Nessas instituições eram desenvolvidas
formas de pensar e exercer política. Ao discutirem essa política, os homens dessa época, não
aceitam mais as ordens estabelecidas, aqui começa a ser cultivado um pensamento crítico que vai
solapar o Antigo Regime. Esse pensamento, longe de ser puramente homogêneo ganha diversas
significâncias no interior dos diversos grupos sociais. Isso serve para salientar que a opinião
pública é experimentada de formas diferentes e que a opinião popular, e a sua cultura, não são um
reflexo pálido do pensamento filosófico elitista, mas obedece a uma dinâmica própria que
encontra diversidade em seu interior.

Concluimos com essa analise do capitulo que não há uma única origem para a
Revolução, mas um conjunto de diferentes fatores que atrelados e unidos a processos complexos,
que se complementam, vão desencadear a Revolução Francesa. Chartier, lança um novo olhar
sobre os processos históricos, onde os homens não estão alheios aos processos de mudança social,
mas são eles os atores sociais. As modificações das ideias por trás das mudançassociais , podem
ser sentidas e realizadas em todas as instâncias sociais, desde as classes mais refinadas às
camadas populares.
Que a snalise histórica não dever ser realiza a partir da procura de uma origem ou causa do
fato histórico, não que essa causa não seja importante, mas a busca de homogenidade e do
descadeamento de fatos para justificar um fato histórico, faz com que a história seja apenas uma
repetição de fatos, que não possibita a visão de modos diferenciados e ideias que não foram bem
sucedidas, mas que são de extrema importância para o entendimento do fato histórico como um
todo.

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