DuarteRodrigo - Dizer o Que Não Se Deixa Dizer PDF
DuarteRodrigo - Dizer o Que Não Se Deixa Dizer PDF
DuarteRodrigo - Dizer o Que Não Se Deixa Dizer PDF
se deixa dizer
Associação Brasileira de
Editoras Universitárias
Chapecó, 2008
Duarte, Rodrigo
D812d Dizer o que não se deixa dizer: para uma filosofia da
expressão / Rodrigo Duarte. — Chapecó: Argos, 2008.
139 p.
CDD: 302.2
|7| Prefácio
| 135 | Referências
1
Corresponde, nas “Referências”, ao título Dialektik der Aufklãrung (Horkheimer; Adorno,
1981) e aplica-se a todas as menções a essa obra ao longo deste livro.
2
Corresponde, nas “Referências”, a Vorlesungen über die Ästhetik I (Hegel 1983) e aplica-se a
todas as menções a essa obra ao longo deste livro.
Rodrigo Duarte
Belo Horizonte, janeiro de 2008.
14
Wahr sind nur die Gedanken, die sich selber nicht verstehen 2
Alle Kultur nach Auschwitz, samt der dringlichen Kritik daran, ist Müll 3
1
Tradução do inglês de Charles Bacon; revisão técnica do autor.
2
“Verdadeiros são apenas os pensamentos que não se entendem a si mesmos” (Adorno, 1996a,
p. 254).
3
“Toda a cultura após Auschwitz, inclusive sua urgente crítica, é lixo” (Adorno, 1996b, p. 359).
4
“A paranóia é a sombra do conhecimento” (Horkheimer; Adorno, 1981, p. 221).
5
Corresponde, nas “Referências”, ao título Theorie des kommunikativen handelns (Habermas,
1993) e aplica-se a todas as menções a essa obra ao longo deste livro.
6
Corresponde, nas “Referências”, ao título Der philosophische diskurs der moderne (Habermas,
1989) e aplica-se a todas as menções a essa obra ao longo deste livro.
7
A identidade da razão subjetiva com a instrumental é proposta por Horkheimer em seu
Eclipse da razão (corresponde, nas “Referências”, ao título Eclipse of reason e aplica-se a todas
as menções a essa obra ao longo deste livro) da seguinte maneira: “na visão subjetivista, quando
18
Habermas sugere, portanto, que não existe nenhuma base de apoio
teórico, no caso de a crítica à razão instrumental se universalizar, atingin-
do-se, assim, igualmente aquela parte da racionalidade relacionada não
apenas com meios, mas também com fins. Esse é o motivo pelo qual, de
acordo com Habermas, a Dialética do esclarecimento não pode desenvol-
ver uma teoria propriamente dita para apoiar sua crítica contra as novas
formas de reificação, já que cada formulação dessa teoria poderia se tor-
nar um alvo da própria crítica que ela faria. Conforme Habermas,
‘razão’ é usada para conotar uma coisa ou uma idéia, mais do que um ato, ela se refere
exclusivamente à relação desse objeto ou conceito para com um propósito, ao próprio objeto
ou conceito. Isso significa que a coisa ou a idéia é boa para algo mais. Não há qualquer objetivo
razoável enquanto tal e discutir a superioridade de um sobre outro em termos de razão torna-
se sem sentido” (Horkheimer, 1974, p. 6).
8
Corresponde, nas “Referências”, ao título Negative dialektik (Adorno, 1996b) e aplica-se a
todas as menções a essa obra ao longo deste livro.
9
Habermas se refere aqui a uma conhecida passagem da Dialética do esclarecimento: “em
virtude dessa rememoração da natureza no sujeito, em cuja realização subjaz a verdade oculta
de toda cultura, o esclarecimento se opõe à dominação” (Horkheimer; Adorno, 1981, p. 58).
10
Para uma crítica mais desenvolvida do conceito habermasiano de “contradição performativa”,
ver meu artigo “Expressão como fundamentação” (Duarte, 1997, p. 161-183). Ver também
Martin Jay: “The debate over the performative contradiction: Habermas and the Post-
Structuralists” (Jay, 1993, p. 25-37).
11
Habermas tem em vista exatamente o estabelecimento de um “campo ilocucionário”, no
qual, pressuposta a existência de uma sentença com conteúdo proposicional correto – um ato
de fala locucionário – e de uma pretensão à validade (não pretensão ao poder), pelo menos
dois interlocutores podem ter uma conversação em que se aceita ou rejeita conscientemente
o que é afirmado por cada um deles. Habermas sugere, então, que o aspecto locucionário
associado à racionalidade comunicativa não pode ser satisfeito, se a proposição inicial padece
de uma contradição performativa.
12
Um exemplo da atenção dada por Horkheimer e Adorno ao aspecto da arte autêntica associado
ao tema da dominação se encontra na seguinte passagem: “o patrimônio cultural se encontra
numa exata correlação com o trabalho comandado e ambos estão fundamentados numa
inescapável compulsão para o domínio social da natureza” (Horkheimer; Adorno, 1981, p. 52).
2
A essência do esclarecimento é a alternativa, cuja inevitabilidade
é a da própria dominação. Os homens tiveram sempre que
escolher entre sua sujeição à natureza e a sujeição da natureza
sob si próprios (Horkheimer; Adorno, 1981, p. 49).
13
Essa posição encontra-se obviamente muito relacionada com a severa crítica dirigida pelos
autores à indústria cultural, a qual abusa do poder das imagens estéticas com propósitos de
reproduzir – direta e indiretamente – o sistema capitalista de produção. A inserção da indús-
tria cultural no âmbito do esclarecimento unilateral pode ser sintetizada na seguinte afirma-
ção: “O esclarecimento realiza-se e se anula, se os fins práticos mais próximos revelam-se
como o longínquo atingido [...]. Mas, diante dessa possibilidade, o esclarecimento muda-se,
a serviço do presente, em enganação total das massas” (Horkheimer; Adorno, 1981, p. 60).
14
Uma explanação completa sobre a influência da teoria da linguagem do jovem Benjamin
sobre o pensamento estético de Adorno encontra-se no texto “O conceito de linguagem de
Benjamin e a Teoria estética de Adorno”, presente nesta coletânea.
15
Uma discussão mais completa sobre a expressão como conceito estético encontra-se no
texto “Expressão estética: conceito e desdobramentos”, presente neste volume.
3
Contra Wittgenstein, dizer aquilo que não se deixa dizer. A
simples contradição dessa tentativa é aquela da própria fi-
losofia: ela a qualifica de dialética, antes de se envolver em
suas contradições individuais (Adorno, 1996b, p. 20).17
17
No original alemão: “gegen Wittgenstein zu sagen, was nicht sich sagen lässt. Der einfache
Widerspruch dieses Verlangens ist der von Philosophie selbst: er qualifiziert sie als Dialektik,
ehe sie nur in ihre einzelnen Widersprüche sich verwickelt” (Adorno, 1996b, p. 21; v. tb.
Adorno, 1989b, p. 183; Adorno, 1988b, p. 63-64).
18
Horkheimer, em seu Eclipse da razão (Horkheimer, 1974, p. 161), afirma algo similar a essa
posição de Adorno, porém num modo mais explícito e tendo em vista um aspecto específico
da questão, i.e., o sofrimento das vítimas da barbárie nazista: “Os mártires anônimos dos
campos de concentração são os símbolos da humanidade que se esforça por nascer. A tarefa da
filosofia é traduzir o que eles fizeram em termos de uma linguagem que será ouvida, mesmo
que suas vozes finitas tenham sido silenciadas pela tirania.”
36
No mesmo parágrafo intitulado “Retórica”, Adorno mostra que a
dialética poderia ser considerada como uma tentativa de resgatar critica-
mente o momento retórico, acrescentando que isto significaria uma “apro-
ximação mútua entre coisas e expressão, ao ponto de sua diferença desapa-
recer” (Adorno, 1996b, p. 66). Este resgate crítico da retórica não significa
nada além da incorporação da afirmação da verdade no mosaico expressi-
vo da escrita filosófica, de forma que “linguagem se torne mais do que um
mero sistema de signos” (cf. Horkheimer; Adorno, 1981, p. 41). Isto nos
remete de volta à questão das alternativas para transformar o modelo de
racionalidade com o qual estamos familiarizados em um outro, cuja preo-
cupação com os fins não seja eclipsada pelo aspecto instrumental. Adorno
mostra a relação entre uma expressão não pré-formada e a possibilidade
de total subversão da ordem presente da seguinte forma:
38
19
O caso mais clássico é o de Platão, que criticava severamente a retórica, valendo-se de muitos
truques retóricos. Na Idade Moderna, vemos praticamente todos os representantes do
Empirismo Inglês fazerem o mesmo, quando criticam o que chamam “fúria metafísica” dos
filósofos continentais.
1 Preliminares
1
Corresponde, nas “Referências”, a “Das Unbehagen in der Kultur” (Freud, 1986a) e aplica-se
a todas as menções a essa obra ao longo deste livro.
2
Corresponde, nas “Referências”, a “Die ‘kulturelle’ sexualmoral und die moderne Nervosität”
(Freud, 1986b) e aplica-se a todas referências a esse texto ao longo deste livro.
3
Corresponde, nas “Referências”, a “Eine Kindheitserinnerung des Leonardo da Vinci” (Freud,
1987c) e aplica-se a todas as menções a esse texto ao longo deste livro.
4
Segundo menção de Freud, o abutre é associado à figura da mãe nos hieróglifos sagrados dos
egípcios, e a deusa representada por esse animal denomina-se Mut; portanto, próximo de
“Mutter”, mãe em alemão, língua-pátria de Freud (cf. Freud, 1987c, p. 114).
5
Corresponde, nas “Referências”, a “Der Moses von Michelangelo” (Freud, 1987b) e aplica-se
a todas as menções a esse texto neste livro.
51
E essa menção ao fato de o produto da indústria cultural ser propí-
cio aos “fins exteriores à obra” remete a uma outra característica essencial
da obra de arte autêntica, que a diferencia claramente daquele: a obra de
arte, por mais que possa ser utilizada a posteriori dessa ou daquela manei-
ra, não tem inscrita nem na sua aparência exterior, nem na estrutura inter-
na que lhe dá origem, a obrigatoriedade de uma utilização, de um empre-
go para qualquer finalidade externa, enquanto a mercadoria cultural, por
definição, tem o objetivo de proporcionar lucro aos seus produtores.
Essa concepção, segundo a qual a obra de arte subtrai-se, ainda que
parcialmente, de qualquer utilidade prática imediata, reporta-se à estética
idealista, especialmente à sua primeira formulação enfática na Crítica da
faculdade de julgar 6, de Immanuel Kant. De acordo com ele, o juízo que
fazemos sobre o objeto belo é desprovido de qualquer interesse, embora seja
6
Corresponde, nas “Referências”, a Kritik der urteilskraft (Kant, 1986) e aplica-se a todas as
menções a essa obra ao longo deste livro.
7
Pela paginação padronizada da edição da Academia: B 29.
8
Pela paginação padronizada da edição da Academia: B 35.
9
A prova de que pelo menos Adorno estava potencialmente atento a essa proximidade da
“finalidade sem fim” kantiana à concepção da obra de arte como produto da sublimação
encontra-se na Teoria estética: “De modo análogo, o motivo kantiano não totalmente estra-
nho à teoria psicanalítica da arte: também para Freud, as obras de arte não são imediatamente
satisfação de desejos, mas transformam libido primariamente insatisfeita em desempenho
socialmente produtivo” (Adorno, 1986, p. 23).
10
Sobre a “ameaça de castração”, ver Horkheimer e Adorno (1981, p. 163).
11
Em relação à aplicabilidade da sublimação, Freud faz em “Moral sexual ‘cultural’ e o nervo-
sismo moderno” a seguinte delimitação: “A dominação [da pulsão sexual/rd] através da subli-
mação, através do desvio das forças propulsoras sexuais em direção a alvos sexuais para alvos
mais culturais elevados, tem sucesso numa minoria e mesmo assim temporariamente – mais
dificilmente na época de vida da fogosa energia juvenil” (Freud, 1986, p. 23).
12
Corresponde, nas “Referências”, a “Der Dichter und das Phantasieren” (Freud, 1987a).
56
O momento da ficção nas obras de arte é, através da suposta
analogia com o sonho, como por todos positivistas, desme-
suradamente sobrevalorizado. O elemento projetivo no pro-
cesso de produção dos artistas é em relação ao construto
apenas um momento e dificilmente o mais decisivo. Idio-
ma, material têm um peso próprio, principalmente o pró-
prio produto, com o qual os analistas mal podem sonhar.
[...] No processo de produção artística, os estímulos incons-
cientes são impulso e material dentre muitas outras coisas.
Eles se introduzem na obra de arte mediatizados pela lei
formal. [...] Obras de arte não são thematic apperception
tests de seus criadores (Adorno, 1986, p. 20-21).
13
“La beauté n’est que la promesse du bonheur” (Stendhal, 1980, p. 59).
14
Também na Teoria estética Adorno questiona o caráter de atividade “socialmente desejável”
da arte hoje: “certamente o valor social da arte permanece, num respeito acrítico por sua
validade, inquestionadamente pressuposto” (Adorno, 1986, p. 23).
5 Conclusão
1
Doravante designado pelo número da proposição, de acordo com a edição original de 1918.
2
Corresponde, nas “Referências ”, a Transformation der philosophie (Apel, 1994) e aplica-se a
todas as a menções a essa obra ao longo deste livro.
3
Por exemplo: Stegmüller (1978, p. 526-554). Segundo esse autor, seria até mesmo possível,
em que pesem as discrepâncias apontadas, considerar as posições do primeiro Wittgenstein
como constituindo uma radicalização do kantismo, no sentido de transpor o idealismo
transcendental de Kant do plano da razão para o plano da linguagem. Uma coincidência
evidente é que, para ambos os autores, o fim da filosofia transcendental é mostrar os limites
da teorização plena de sentido, ou os limites da razão teórica. Para Kant, é científico tudo
aquilo que é, em princípio, experienciável e tudo que concorda com as formas a priori da
experiência (formas de intuição pura e conceitos puros do entendimento). Para Wittgenstein,
entretanto, os limites de uma teorização plena de sentido são delimitados por aquilo que
podemos descrever numa linguagem perfeitamente lógica: as investigações transcendentais de
Kant são, portanto, substituídas por uma análise lógica da linguagem, sendo o sujeito
transcendental, para Wittgenstein, aquele que compreende uma linguagem logicamente exata.
4
Corresponde, nas “Referências”, a Philosophische untersuchungen (Wittgenstein, 1997a). Segundo
Stegmüller (1978, p. 565-566): “Em razão dos argumentos contra o ideal de exatidão, abandona-
se a exigência de uma linguagem ideal, com o que o motivo fundamental para a concepção
metafísica anterior cai por terra. Além disso, encontram-se observações que se podem tomar como
uma crítica direta àquelas teses ontológicas. [§] Faz parte dessa crítica direta a recusa de Wittgenstein
ao absolutismo e ao atomismo do Tractatus. O absolutismo se expressa na tese de que o mundo,
enquanto fato, é solúvel de apenas um modo em fatos mais simples; o atomismo reside na
afirmação de que essa dissolução leva aos fatos mais elementares. [...] O mundo não seria, portanto,
“em si” estruturado dessa ou daquela forma e não é descrito pela linguagem (correta ou falsamente),
mas as possibilidades dessa estruturação surgem somente através da articulação lingüística”.
70
Aqui mostra-se numa forma extrema o caráter de caso
limítrofe da filosofia transcendental wittgensteiniana da
linguagem: sendo o sujeito pura e simplesmente idêntico
com o projeto formal de mundo da linguagem puramente
transcendental, elimina-se toda reflexividade, toda auto-
referencialidade do sujeito ao seu projeto lingüístico de
mundo. Tudo ocorre como se, em geral, não houvesse qual-
quer sujeito (Apel, 1994, p. 242).
5
De fato, os textos que chamam Heidegger à baila ocorrem principalmente no início da
década de 60 e os que já se situam principalmente de um ponto de vista da pragmática
transcendental, rumo à elaboração da ética discursiva, surgem principalmente em fins da
década de 60 e inícios da de 70, num corte que coincide, aproximadamente, com o primeiro
e o segundo volume de Transformation der philosophie, respectivamente.
6
Um elemento de grande importância para a sua teoria dos atos de fala é a distinção, feita pelo
segundo Wittgenstein, entre radical e modo da proposição. Comparando-se as três proposições: (a)
“você come o bolo”; (b) “você come o bolo?”; (c) “você come o bolo!”, constata-se que elas possuem
um conteúdo descritivo comum (possuem o mesmo radical de proposição), mas (b) e (c) devem ser
interpretadas como designando o estado espiritual do falante, enquanto (a) possui apenas o
conteúdo descritivo básico das proposições. Esse, referido ao radical, não é idêntico ao seu sentido,
o qual leva em consideração também o modo da proposição. Isso explica o fato de que o conceito
de uso (Gebrauch), no segundo Wittgenstein, domina sobre o de significado (Bedeutung): não se
pode dizer que ele simplesmente os identifica, mas para uma grande classe de casos o significado de
uma palavra pode ser identificado com o seu uso e o sentido de uma proposição com o seu emprego.
7
Especialmente em O discurso filosófico da modernidade (Habermas, 1989), Habermas tenta
anular inteiramente o esforço crítico de Horkheimer e Adorno em relação à sociedade capitalista
tardia, cunhando, para isso, a expressão “contradição performativa”, i.e., a radicalização da crítica
à racionalidade instrumental como auto-anuladora da possibilidade de qualquer crítica por
perder o solo a partir do qual possa realizá-la: “Horkheimer e Adorno encontram uma outra
opção, atiçando e mantendo aberta a contradição performativa de uma crítica ideológica que se
aplica sobre si mesma, se eles não querem mais ultrapassá-la teoricamente. Depois do fato de
que – no nível alcançado pela reflexão – toda tentativa de estruturar uma teoria deveria flutuar
no vazio, eles abrem mão da teoria e praticam ad hoc a negação determinada, estabelecendo-se,
com isso, contra uma fusão de razão e poder, que preenche todas as fendas” (Habermas, 1985, p.
154). Essa posição em relação à Dialética do esclarecimento ocorre também no tocante à
Dialética negativa, na obra anterior de Habermas, Teoria da ação comunicativa: “A ‘Dialética
negativa’ é ambas as coisas: a tentativa de transcrever aquilo que não se deixa dizer discursivamente
e a advertência de, nessa situação, ainda buscar refúgio em Hegel” (Habermas, 1993, p. 514).
8
Corresponde, nas “Referências”, a Philosophische terminologie (Adorno, 1989a, 1989b) e
aplica-se a todas as menções a essa obra ao longo deste livro.
74
O dito de Wittgenstein: daquilo que não se pode falar, deve-se
calar, no qual o extremo do positivismo transforma-se no há-
bito da autenticidade respeitosamente autoritária, e que, com
isso, exercita um tipo de sugestão de massa intelectual, é pura
e simples antifilosófica. A filosofia poderia ser definida, se pu-
desse sê-lo, como esforço de dizer daquilo que não se pode
falar; ajudar a trazer o não-idêntico à expressão, enquanto a
expressão sempre o identifica (Adorno, 1987, p. 94).
9
Tal concepção de linguagem é uma espécie de secularização da idéia benjaminiana, segundo
a qual a linguagem originariamente não comunicava conteúdos externos a si própria, desti-
nando-se prioritariamente ao ato humano de nomear, de atribuir nomes às coisas, dotadas,
por sua vez, de uma espécie de “fala” desprovida de som. Essa atribuição de nomes é a continu-
ação do ato divino de criar a realidade. Para maiores detalhes sobre esse tópico, ver, nesta
coletânea, “O conceito de linguagem de Benjamin e a Teoria estética de Adorno”.
10
Corresponde, nas “Referências”, a Drei studien zu Hegel (Adorno, 1987) e aplica-se a todas
as menções a essa obra ao longo deste livro.
11
O termo Ausdruck (expressão), cujo equivalente latino é expressione, denota igualmente bem
no alemão o sentido de algo que está como que comprimido (gedrückt), latente, e encontra uma
saída (Ausgang) por onde rapidamente passa, ocasionando como que uma pequena explosão.
12
No tocante a essa convergência entre o aspecto conteudístico e o formal na Filosofia,
Adorno faz referência a Nietzsche como um precursor da sua própria posição (Adorno, 1989a,
p. 56). Há que se mencionar mais uma vez, entretanto, sua filiação à proposta de Walter
Benjamin, o qual afirma, no livro sobre o drama barroco alemão, que a forma do tratado, ao
contrário da demonstração matemática e de sua transposição filosófica no sistema, tem seu
método caracterizado exatamente pela apresentação. Em Adorno, a escolha do gênero de
escrita filosófica que melhor caracteriza a não exterioridade entre conteúdo e forma de apre-
sentação, embora derivada da concepção benjaminiana, recai sobre o ensaio e não sobre o
tratado. Cf. “O ensaio como forma” (Adorno, 1988a, p. 9-33). Ver também meu texto “A
ensaística de Theodor W. Adorno” (Duarte, 1997, p. 65-83).
1
Outro exemplo textual da relação entre forma (aqui: “figura”), conteúdo e expressão pode ser
encontrado no trecho que se segue: “Se a figura é purificada desse modo, para expressar em si
o conteúdo a ela adequado, então, do outro lado, se a concordância de significado e figura deve
ser perfeita, também a espiritualidade que perfaz o conteúdo deve ser de modo que possa se
expressar perfeitamente na figura humana natural, sem exceder essa expressão no sensível e
corporal” (Hegel, 1983, p. 110).
2
Sobre essa idéia de que a regularidade, muito presente na natureza, pode ser entendida como
oposta à expressão, veja o trecho que se segue, no qual Hegel afirma que as características
85
Em sua quinta e última acepção nas Preleções sobre a estética, de
Hegel, a “expressão” se encontra associada a excessos, só que agora não mais
no sentido mais “positivo” de ultrapassamento dos traços regulares e materi-
ais do que é expressado, mas se refere à eloqüência enquanto trasbordamento,
pleno de “pathos”, da afetividade. Na passagem abaixo, embora não o decla-
re explicitamente, transparece a preferência de Hegel pelas manifestações
artísticas menos patéticas em detrimento daquelas em que a expressão apa-
rece como certo exagero de subjetividade por parte do seu criador:
naturais só podem ter validade artística enquanto expressão do espírito: “O Natural não pode
nessa esfera ser usado no sentido próprio do termo, pois, como forma externa do espírito, ele
não vale apenas porque existe imediatamente como a vivacidade animal, a natureza da
paisagem, etc., mas ele aparece aqui, segundo sua determinação, na medida em que é espírito,
que se corporificou, somente como expressão do espiritual e, com isso, já como idealizado”
(Hegel, 1983, p. 220-221).
87
De modo igualmente análogo a Hegel, Véron retoma a polêmica
contra a “mímesis” entendida de modo excessivamente literal. Segundo
ele, autores como Aristóteles, Boileau e Pascal teriam dificuldade de sus-
tentar até às últimas conseqüências sua tomada de partido a favor da imi-
tação. Ele imagina uma situação em que pintores hábeis reproduzam fiel-
mente personagens essencialmente feios, como Quasímodo, e naturalmente
belos, como, por exemplo, Adónis. Nesse caso, a reprodução fiel de um e
de outro apenas transferiria a fealdade ou a beleza dos personagens para a
tela, havendo, no entanto, a possibilidade de uma inversão mediante um
acréscimo – diríamos – de expressão na afiguração:
3
Citações feitas a partir da tradução de Aristides Ávila: A estética. São Paulo, Edições Cultura,
1944, p. 108.
3 A peculiaridade da “expressão”
na estética de T. W. Adorno
4
Para mais detalhes sobre esse tópico, ver, neste livro, o texto “O conceito de linguagem de
Benjamin e a Teoria estética de Adorno”.
5
Corresponde, nas “Referências”, a Der ursprung des deutschen trauerspiels (Benjamin, 1996)
e aplica-se a todas as menções a essa obra ao longo deste livro.
6
Uma referência interessante para essa diferença fundamental entre comunicação e expres-
são é a passagem de “O que é arte?” de Leon Tolstoi, na qual ele contrapõe sua visão de “arte
enquanto comunicação de emoções” àquela de Eugène Véron, segundo a qual a arte é expres-
são de emoções (Rader, 1952, p. 180-192).
7
Sobre esse assunto, ver meu artigo “Sublimação ou expressão? Um debate sobre arte e
psicanálise a partir de T. W. Adorno” (Duarte, 1998, p. 319-335), reproduzido neste volume.
8
Para citar apenas alguns eloqüentes exemplos: um pouco antes de Hegel, Lessing porá em
questão, na primeira parte do seu Laocoonte, a obrigatoriedade da reprodução, pela arte, apenas
do que é belo, empregando, por várias vezes, o termo “expressão” (Ausdruck), ainda que não
definido como terminus da estética (Lessing, 1970, p. 16 ss). Algumas décadas depois Kant
definirá, no § 51 da Crítica da faculdade de julgar, a beleza como “expressão das idéias estéticas”
(Kant, 1986, p. 257) e Schelling, já em 1802, nas suas “Conferências sobre o método do estudo
acadêmico” (Schelling, 1907, p. 640), designará a arte como “expressão das mais altas idéias”.
1
Tradução do inglês de Charles Bacon; revisão técnica do autor.
2
Corresponde, nas “Referências”, a “Die Aufgabe des Übestzers” e aplica-se a todas as menções
a esse texto ao longo deste livro.
3
Há um “eco” da teoria sobre a linguagem das coisas na segunda parte do capítulo “Alegoria e
drama barroco”, mas Benjamin não chega a usar esse termo aqui (Benjamin, 1996, p. 366 ss.).
arte e a linguagem das coisas é a correlação com sua teoria sobre o “belo
natural” (Naturschöne). Isso constitui uma parte central de sua Teoria
estética, na qual Adorno discute a posição favorável de Kant sobre a beleza
da natureza na Crítica da faculdade do juízo e sua crítica por Hegel nas
Preleções sobre a estética . Enquanto para Kant, o juízo de gosto
(Geschmacksurteil), com sua “satisfação desinteressada”, se realiza melhor
quando se refere aos objetos naturais, que também apresentam uma “supe-
rioridade moral” em comparação com a beleza artística4, para Hegel, a beleza
natural é totalmente insubstancial, já que depende não da qualidade do
objeto a ser avaliado, mas da disposição da pessoa que percebe o fenôme-
no natural (cf. Hegel, 1983, p. 13). Se, por um lado, Adorno reconhece a
4
As características principais do juízo de gosto podem ser encontradas nos parágrafos 1 a 10,
na “Analítica do belo”. A precedência dos objetos naturais no juízo de gosto se encontra nos
parágrafos 14 a 16 e a “superioridade moral” do belo natural pode ser encontrada no parágrafo 42
(Kant, 1986, p. 233).
116
5
No capítulo “Indústria cultural. Esclarecimento como enganação das massas” (Horkheimer;
Adorno, 1981, p. 141-190).
6
Sobre as mudanças na concepção de indústria cultural atinentes ao surgimento da
“globalização”, ver meu artigo “A indústria cultural global e sua crítica” (Duarte, 2002) e
especialmente o quinto capítulo do meu livro Teoria crítica da indústria cultural (Duarte,
2003, p. 147 ss.).
1
Tradução do inglês de Charles Bacon; revisão técnica do autor.
2
Ver, neste volume, o texto “Expressão estética: conceito e desdobramentos”. Nesse texto,
falta, entretanto, a menção a um tratamento importante dado ao tema da expressão na
estética contemporânea, a saber, a obra de Arthur Danto. Desde o início de sua trajetória na
filosofia da arte, com o artigo “O mundo da arte” (Danto, 2006, p. 15 ss.), o filósofo norte-
americano apresenta a expressão na arte como uma alternativa ao milenar paradigma da imita-
ção. Também em sua principal obra de estética, A transfiguração do lugar comum (Danto, 1981,
passim e, especialmente, p. 190-197), assim como em sua importante coletânea O
descredenciamento filosófico da arte [refere-se a The philosophical disenfranchisement of art]
(Danto, 2005, p. 99-111), abordagens sobre o tema da expressão ocupam lugar de destaque.
3
Corresponde, nas “Referências”, a “Funktionalismus Heute”.
4
Há várias passagens na obra de Adorno em que a dialética da expressão e construção é
considerada, como também em suas abordagens sobre composição musical (cf. Adorno,
1996d, p. 32-33; 1990, p. 188-189).
5
“Beide Künste werden Schemata einer nichtsubjektiven Sprache” (Adorno, 1990, p. 635).
6
Corresponde, nas “Referências”, a Musikalische Monographien.
7
Corresponde, nas “Referências”, a Philosophie der neuen Musik e aplica-se a todas as menções
a essa obra neste livro.
Penso que não seria incorreto abordar a relação entre calor e frieza
e a “linguagem específica” que decorre dela em termos do movimento
dialético entre expressão e construção, que vimos acima como um aspecto
de todas as artes de vanguarda, desde o início até o século vinte. Adorno
126
identifica esse aspecto não apenas em Schönberg, mas também em seus
discípulos Berg (Adorno, 1996d, p. 331) e Webern (Adorno, 1985, p. 108).
Na verdade, de acordo com Adorno, não apenas a escola de Schönberg,
mas também seu oposto Stravinsky – juntamente com seus seguidores – tive-
ram problemas com a expressão. A diferença entre as duas tendências da mú-
sica contemporânea é que, enquanto a última recusou desde o início todo e
qualquer tipo de expressão, a primeira – como tentei demonstrar – procurou
estabelecer um tipo de ligação entre expressão e a falta dela: “A relação crítica
com a expressão é hoje comum a toda a música responsável. Por caminhos
divergentes conquistaram-na a escola de Schönberg e Stravinsky, embora a
primeira, mesmo depois da introdução da técnica dodecafônica, não a tenha
dogmatizado” (Adorno, 1985, p. 162-163).
Entretanto, quando Adorno afirma que a Escola de Schönberg
não quis rejeitar a expressão “de forma dogmática”, significa que a de
Stravinsky quis de fato extirpar a expressão da composição musical. Para
Adorno, é evidente que, embora a primeira refletisse indiretamente a
8
Corresponde, nas “Referências”, a Einleitung in die Musiksoziologie.
9
Para uma abordagem mais completa desse tema, ver meu artigo “Sobre a possibilidade de uma
ética da escuta musical” (Duarte, 2007, p. 127-146).
10
Correspondem, respectivamente, nas “Referências”, a Prismen, Ohne, Leibild e Noten zur
literatur.
11
Corresponde, nas “Referências”, a Jargon der Eigentlichkeit.
ADORNO, Theodor. Alban Berg: Oper und Moderne. In: Gesammelte Schriften 18.
Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1984.
ADORNO, Theodor. Die Kunst und die Künste. In: Gesammelte Schriften 10.1: Prismen-
Ohne Leitbild. Frankfurt am Main: Suhrkamp.
ADORNO, Theodor. Fragment über Musik und Sprache. In: Gesammelte Schriften
16. Frankfurt am Main, Suhrkamp: 1990a.
ADORNO, Theodor. Kriterien der neuen Musik. In: Gesammelte Schriften 16.
Frankfurt am Main: 1990.
ADORNO, Theodor. Noten zur Literatur. In: Gesammelte Schriften 11. Frankfurt am
Main: Suhrkamp, 1988a.
ADORNO, Theodor. Philosophie der neuen Musik. In: Gesammelte Schriften 12.
Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1985.
ADORNO, Theodor. Über einige Relationen zwischen Musik und Malerei. In:
Gesammelte Schriften 16. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1990c.
BENJAMIN, Walter. Die Aufgabe des Übestzers. In: Gesammelte Schriften. v. IV-1,
Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1996a.
BENJAMIN, Walter. “Die Sprache überhaupt und die Sprache des Menschen”. In:
Gesammelte Schriften II-1. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1991.
DEUTSCH, Eliot. Essays on the Nature of Art. Albany, State University of New York
Press, 1996.
DUARTE, Rodrigo. “A indústria cultural global e sua crítica”. In: DUARTE, Rodrigo et
al., Kátharsis. Reflexos de um conceito estético. Belo Horizonte, C/Arte, 2002.
DUARTE, Rodrigo. “Sobre a possibilidade de uma ética da escuta musical”. In: DUARTE,
Rodrigo; SAFATLE, Vladimir. Ensaios sobre música e filosofia. São Paulo, Associação
Editorial Humanitas, 2007.
FREUD, Sigmund. “Die ‘kulturelle’ sexualmoral und die moderne Nervosität”. In:
Kulturtheoretische Schriften. Frankfurt am Main, Fischer Verlag, 1986b.
FREUD, Sigmund. “Der Moses von Michelangelo”. In: Schriften zur Kunst und Literatur.
Frankfurt am Main, Fischer Verlag, 1987b.
JAY, Martin. Force Fields : between intellectual history and cultural critique. New York,
Routledge, 1993.
LANGER, Susanne. Feeling and form. London, Routledge & Kegan Paul, 1953.
LESSING, Gotthold Ephraim. Laokoon oder über die Grenzen der Malerei und Poesie.
In: Werke 6, München, Carl Hanser, 1970.
McLUHAN, Marshall; FIORE, Quentin. War and peace in the Global Village. New 139
York; Londres; Toronto, Bantam Books, 1968.
RADER, Melvin. “Introduction: The Meaning of Art”. In: A modern book of aesthetics.
An Anthology. New York, Henry Holt and Company, 1952.
SANTAYANA, George. The sense of beauty. New York, Dover Publications, 1955.
Formato 16 X 23 cm
Tiragem 800