Historiografia Contemporanea em Perspect PDF
Historiografia Contemporanea em Perspect PDF
Historiografia Contemporanea em Perspect PDF
Contemporânea em
perspectiva crítica
Natália Verdeli
11/04/07
PROVA 1
Jurandir Malerba /
Carlos Aguirre R. (Orgs.)
Tradução
Revisão Técnica
SUMÁRIO
PREFÁCIO
Jurandir Malerba e Carlos António Aguirre Rojas
CAPÍTULO 1
Tese sobre o itinerário da historiografia do século 20: uma visão
numa perspectiva de longa duração
Carlos António Aguirre Rojas
CAPÍTULO 2
Novas tendências na historiografia russa e o problema da correla-
ção entre micro e macro-história
Lorina Repina
CAPÍTULO 3
Historiografia alemã no século 20: encontros e desencontros
Estevão Rezende Martins
CAPÍTULO 4
Um certo número de idéias para uma história social ampla,
geral e irrestrita
Antônio Luigi Negro
CAPÍTULO 5
Convite a outra micro-história: a micro-história italiana
Carlos António Aguirre Rojas
Sumário
CAPÍTULO 6
Os historiadores espanhóis e a reflexão historiográfica (c. 1880-2000)
Gonzalo Pasamar Alzuria
CAPÍTULO 7
A renovação historiográfica francesa após a “guinada crítica”
Helenice Rodrigues da Silva
CAPÍTULO 8
Historiografia portuguesa contemporânea
Francisco J. C. Falcon e Marcus Alexandre Motta
CAPÍTULO 9
A historiografia latino-americana da questão nacional: nações
inacabadas; inimigos da nação e a ontologia da nacionalidade
Claúdia Wasserman
CAPÍTULO 10
História e Nação: trajetória da historiografia cubana no século 20
Oscar Zanetti Lecuona
CAPÍTULO 11
Os fundadores da historiografia marxista na América Latina
Sergio Guerra Villaboy
CAPÍTULO 12
História, memória, historiografia: algumas considerações sobre
história normativa e cognitiva no Brasil
Jurandir Malerba
PREFÁCIO
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Prefácio
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riográfico de sua época. Tais autores, que são poucos, é certo, afastando-se dos
paradigmas dominantes do momento em que escrevem, acabam tornando-se
eles mesmos fundadores de novos sistemas de pensamento, que ocasionalmen-
te espraiam-se por outros grupos sociais.
O presente conjunto de ensaios aqui reunidos tem limites muito claros.
Seria simplesmente impossível pretender mapear o cenário historiográfico
contemporâneo numa pequena coletânea como esta. O ensaio introdutório de
Carlos Aguirre Rojas procura fornecer alguns parâmetros para se tomar, numa
perspectiva global, o percurso histórico das matrizes historiográficas mais
influentes no século 20.
Basicamente, foram dois os critérios maiores de inclusão para a compo-
sição do presente conjunto. Por um lado, considerando-se o público a que se
destina esta obra, relevamos a ascendência e influência de algumas matrizes
historiográficas vis-à-vis à historiografia brasileira. Assim, sem se preocupa-
rem com apresentar o inventário completo de autores e obras, mas uma refle-
xão de fundo sobre as historiografias que analisam, Estevão Martins, Gonzalo
Pasamar, Francisco Falcon e Marcus Motta oferecem profundas análises críti-
cas das historiografias alemã, espanhola e portuguesa, respectivamente. Apesar
de muito influentes no Brasil, por aqui não circulam balanços, sinopses ou
roteiros historiográficos para os neófitos nesse campo – o que tornam esses
artigos absolutamente fundamentais para os acadêmicos brasileiros.
Duas importantes matrizes, a francesa (particularmente ligada ao movi-
mento dos Annales) e a inglesa (nomeadamente o chamado marxismo britâni-
co) são muito mais divulgadas e debatidas no Brasil. Motivo por que seria inó-
cuo repetir em artigo o tema de importantes livros, como o de José Carlos Reis,
sobre os Annales, por exemplo. Por isso, o ensaio de Helenice Rodrigues da Silva
focaliza a trajetória da Escola (sobre o que há inúmeras e excelentes obras, inclu-
sive traduzidas) no momento posterior ao chamado tournant critique, de 1989,
atualizando para o público brasileiro o debate em torno da prestigiosa corrente
francesa. Antonio Luigi Negro oferece um belo ensaio sobre como se deu a “acli-
matação” dos ensinamentos dos historiadores sociais britânicos, nomeadamen-
te E. P. Thompson, na América Latina como um todo, e particularmente no
Brasil. Longe de mero decalque teórico, pastiche intelectual, a apropriação do
referencial marxista britânico fora sistematicamente pensada e aplicada no estu-
do de realidade absolutamente distinta da que se aplica à matriz original.
Os micro-historiadores italianos estão presentes em dois ensaios aqui
incluídos. Carlos Aguirre Rojas oferece um diagnóstico conceitual e uma breve
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partir dessa data que os elementos que hoje vigoram na paisagem historiográ-
fica começaram a se definir.3 Então, observando com mais minudência a his-
toriografia destes últimos 150 anos, de 1848 até agora, poderíamos reconhecer
quatro grandes momentos, quatro grandes etapas que parecem definir esses
elementos que são essenciais nos estudos históricos contemporâneos.
Quatro etapas distintas que a historiografia contemporânea teria per-
corrido ao longo do seu complexo périplo recente e que nos dariam, vistas no
seu conjunto, a totalidade das “heranças” ou das tradições e formas de exercer
o ofício de historiador, que hoje é possível encontrar nos diferentes âmbitos
das historiografias nacionais de todo o planeta.
Desse modo, e percorrendo com “botas de sete léguas” esse itinerário da
historiografia contemporânea, fica claro que tal percurso principiou com uma
conjuntura ou um momento de ruptura fundacional, a conjuntura que vai de
1848 a 1870 e que, sendo uma etapa também muito importante da própria his-
tória geral da Europa, deu nascimento ao primeiro esboço ou tentativa siste-
mática e orgânica de fundar, por meio do projeto crítico do marxismo origi-
nal, uma verdadeira ciência da história. Uma primeira etapa é o ciclo da histo-
riografia contemporânea, que será seguido por um segundo momento, o qual,
abarcando desde 1870 até 1929, aproximadamente, foi o momento da consti-
tuição de uma primeira hegemonia historiográfica que, situando seu centro de
irradiação fundamental no espaço de fala alemã da Europa ocidental, vai ser-
vir de “modelo” geral para o conjunto das demais historiografias da Europa e
do mundo daquele tempo.
Todavia, esse segundo momento da historiografia recente vai terminar
com a crise terrível desencadeada na cultura alemã pela trágica ascensão do
nazismo, dando lugar a uma terceira etapa, que se caracterizará pela emergên-
cia de uma segunda hegemonia historiográfica, situada agora, em termos gerais,
no espaço do hexágono francês. Uma terceira hegemonia ou modelo geral que
serviu de inspiração e de referência obrigatória para todos os âmbitos histo-
riográficos daquela época e que culminou, por sua vez, nessa profunda revolu-
ção cultural, de alcance planetário e de conseqüências civilizatórias maiores,
que foi a revolução de 1968.
Finalmente, e coroando todo esse complexo percurso dos estudos his-
tóricos contemporâneos, seguiu-se uma quarta e última etapa, filha direta das
grandes e profundas transformações que 1968 trouxe em todos os mecanismos
da reprodução cultural da vida social moderna e na qual já não existe nenhuma
hegemonia historiográfica, mas, sim, pelo contrário, uma nova e inédita situa-
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Latina nos anos 1970 e 1980 e que vem somar-se a todos os diferentes núcleos
que, através do mundo capitalista e durante todos os períodos que menciona-
mos anteriormente, manteve os diferentes projetos e esforços historiográficos
igualmente iluminados pela perspectiva de Marx e de seus diversos epígonos.
Porque, embora depois de 1989 esse impacto parecesse estar um pouco mais
distante, estamos falando na verdade de uma aparência superficial e derivada
da mera experiência imediata, que além do mais se vê desmentida se remon-
tarmos tão-somente a um período de dez ou quinze anos.
O marxismo impregnou então, de maneira igualmente profunda e radi-
cal, toda a historiografia latino-americana posterior a 1968, e é por isso que,
sem uma consideração desse comportamento marxista e das múltiplas tradi-
ções e escolas que ele ajudou a criar, e que derivam todas desse momento fun-
dacional do moderno projeto de construção de uma ciência na História, não é
possível entender adequadamente a fisionomia complexa do panorama histo-
riográfico mais contemporâneo.10
Quanto ao mais, é claro que a data dessa arrancada do moderno projeto
de constituição de uma ciência histórica – e, por conseguinte, dos perfis da his-
toriografia hoje vigentes, data associada às revoluções européias de 1848 e ao
nascimento do marxismo – não tem nada de casual. Porque 1848 é o ponto his-
tórico que mudou o sentido da curva global e secular da modernidade, o momen-
to em que se esgota a longa fase ascendente dessa modernidade, iniciada no sécu-
lo 16, para dar lugar ao ramo descendente dessa mesma modernidade, que se
estende desde essa conjuntura de 1848-1870 até hoje. O que significa então que
toda a historiografia contemporânea se desenvolveu, nos seus diversos momen-
tos, dentro do horizonte desse ramo descendente da modernidade e, em conse-
qüência, dentro de um espaço marcado pela possibilidade de avançar num sen-
tido crítico, numa direção oposta à concepção tradicional que prevaleceu duran-
te a fase ascendente dessa modernidade burguesa e capitalista.11
E é precisamente essa reviravolta fundamental do longo ciclo vital da
modernidade – que alcança o seu clímax nessa conjuntura de 1848-1870 – que
vai explicar duplamente tanto esse processo complexo do nascimento do mar-
xismo – a expressão negativo-crítica dessa mesma modernidade – como tam-
bém o projeto de superação crítica das antigas formas de conceber a História
e a edificação inicial e simultânea desse projeto, vigente ainda hoje e ainda em
via de construção, de uma verdadeira perspectiva científica para os estudos his-
tóricos. É nesse exato sentido que se deve entender a crítica sistemática das
principais variantes do antigo modo de abordagem da história; vale dizer,
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tanto de toda possível filosofia da história, crítica que encontrou seu primeiro
expoente sistemático, e não casualmente, no próprio marxismo, como de
todos os discursos históricos antes amplamente difundidos, já como discursos
narrativos e empíricos, já como discursos míticos ou lendários sobre a
História, igualmente desconstruídos e transcendidos por esse mesmo marxis-
mo. Desse ponto de vista, o marxismo lança as bases de todos os ulteriores pro-
jetos modernos de construção de uma ciência da História.
E, da mesma sorte que o marxismo em geral – como cosmovisão do
mundo e como doutrina que iluminou diversos movimentos políticos e
sociais, mas também diferentes correntes e tendências intelectuais em todo o
vasto campo das ciências sociais – sofreu um complexo processo de pluraliza-
ção e readaptação às mais heterogêneas e diferentes experiências e circunstân-
cias – que vão desde a sua conversão em ideologia dominante e sua redução a
um conjunto de apotegmas simplificados até a sua verdadeira recuperação crí-
tica e o seu aprofundamento criativo e inovador –, também as historiografias
que se reivindicaram como “marxistas” ao longo desse périplo da historiogra-
fia do século 20 cobriram igualmente um variado e diversificado leque de pos-
sibilidades que vão desde exercícios muito sofisticados e intelectualmente
muito elaborados (como, por exemplo, no caso da Escola de Frankfurt) ou
esforços de excelente nível que alimentam sempre as linhas e as perspectivas
críticas e marginais da historiografia (como nos trabalhos já mencionados de
Carlo Ginzburg ou de Immanuel Wallerstein) até as aplicações muito elemen-
tares de um marxismo mais simplificado e até “vulgar” que, reduzindo a com-
plexa visão do marxismo a um conjunto de fórmulas de “manual”, reproduzi-
ram trabalhos muito esquemáticos e pouco originais.
Passemos agora ao segundo momento, a esse momento que se constitui
depois de 1870 em torno da progressiva afirmação de uma primeira hegemo-
nia historiográfica, a hegemonia do universo de fala alemã. Hegemonia que,
coagulando numa proposta historiográfica coerente todos os progressos que
os estudos históricos haviam realizado entre a Revolução Francesa de 1789 e
essa conjuntura de 1848-1870, vai representar, em certa medida, uma espécie
de regressão com respeito ao momento fundador explicado anteriormente.
Com a derrota da Comuna de Paris, fecha-se essa conjuntura revolucio-
nária que dera nascimento ao marxismo, iniciando-se na história européia
uma nova etapa que ficará marcada pela exacerbação dos nacionalismos e pela
emergência de uma certa “contra-ofensiva” intelectual contra os movimentos
críticos e as posturas intelectuais de impugnação. E, em consonância com isso,
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NOTAS
* Pesquisador do Instituto de Pesquisas Sociais da Universidade Nacional Autônoma
do México.
1 Sobre essa perspectiva da longa duração histórica, cf. Fernand Braudel, “Historia y
Ciencias Sociales. La Larga Duración” no livro Escritos sobre Historia. México:
Fondo de Cultura Económica, 1991. Pode-se consultar também, de Carlos Antonio
Aguirre Rojas, “La Larga Duración: In Illo Tempore et Nunc” no livro Braudel a
Debate. México: JGH, 1997, e o livro Fernand Braudel y las Ciencias Humanas.
Barcelona: Montesinos, 1996. cap. 2.
2 Para citar apenas dois exemplos dessa postura dos historiadores franceses: Fernand
Braudel vai falar de um “longo século 16”, que iria de 1450 a 1650, em vários de seus
textos – por exemplo, no ensaio “European Expansion and Capitalism. 1450-1650”,
no livro Chapters on Western Civilization. New York: Columbia University Press,
1961 –, enquanto Emmanuel Le Roy Ladurie fala de um “longo século 13” no seu
livro Montaillou, aldea occitana de 1294 a 1324. Madrid: Taurus, 1988.
3 Existem poucos estudos de conjunto da historiografia do século 20, malgrado a
enorme relevância do tema. Por isso, este ensaio tem apenas o caráter de uma pri-
meira abordagem do problema. Sobre essa historiografia, cf. IGGERS, Georg G.
New Directions in European Historiography. Revised version. Hannover: Wesleyan
University Press, 1984, e Historiography in the Twentieth Century. Hannover:
Wesleyan University Press, 1997.
4 Trata-se evidentemente de uma esquematização muito geral, que atende apenas às
principais linhas de evolução dessa historiografia dos últimos 150 anos, considera-
da no seu conjunto e de maneira global.
5 Sobre essa idéia, cf. ALTHUSSER, Louis. La revolución teórica de Marx. México:
Siglo XXI, 1975.
6 Conforme a define Marc Bloch em seu belo livro Apologia para la historia o el oficio
de historiador. México: Fondo de Cultura Económica: Instituto Nacional de
Antropología e Historia, 1996.
7 Sobre a vigência do marxismo atualmente, e sobre a sua história durante o século
20, cf. WALLERSTEIN, Immanuel. El marxismo después de la caída del comunis-
mo. La Jornada Semanal, México, n. 294, enero 1995, e ECHEVERRÍA, Bolívar. Las
ilusiones de la modernidad. México: UNAM: El Equilibrista, 1995.
8 Sobre essa importância do marxismo para a história, cf. AGUIRRE ROJAS, Carlos
Antonio. El problema de la historia en la concepción de Marx y Engels. Revista
Mexicana de Sociología, México, v. XLV, n. 4, 1983, e também, Economía, escasez y
sesgo productivista. Boletim de Antropología Americana, México, n. 21, 1991.
9 A esse respeito, é interessante a tese de Jean-Paul Sartre, que define o marxismo
como “o horizonte insuperável de nossa própria época” no seu ensaio Cuestiones de
método”, incluído em sua Crítica de la razón dialéctica. Buenos Aires: Losada, 1970.
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10 Vale a pena insistir no fato de que várias das correntes historiográficas atuais mais
importantes são ou declaradamente marxistas, como é o caso dos historiadores mar-
xistas – por exemplo, a micro-história italiana, ou a história radical norte-americana.
11 Desenvolvemos mais amplamente essa idéia em Carlos Antonio Aguirre Rojas,
“Convergencias y divergencias entre los Annales de 1929 a 1968 y el marxismo.
Ensayo de balance global” no livro Los Annales y la historiografía francesa. México:
Ed. Quinto Sol, 1996.
12 Sobre esses múltiplos marxismos do século 20, cf. WALLERSTEIN, Immanuel.
Braudel, los Annales y la historiografía contemporánea. Historias, México, n. 3,
1983, e AGUIRRE ROJAS, Carlos Antonio. Marxismo, liberalismo y expansión de la
economía-mundo europea. Diário El Financiero, 15 y 29 de julio y 5 de agosto de
1991. (Série de três artigos.)
13 Uma síntese dos traços desse modelo alemão de historiografia pode ser visto em
VÁZQUEZ GARCÍA, Francisco. Estudios de teoria y metodologia del saber histórico.
Cádiz: Ed. Universidad de Cádiz, 1989.
14 Sobre esse ponto, cf. o artigo de OESTREICH, Gerhard. Le origini della storia socia-
le in Germania. Anali del Istituto Storico-tedesco di Trento, n. 1, 1977.
15 Como bem assinalou Lucien Febvre nos seus Combats pour l’histoire. Paris:
Armand Colin, 1992.
16 O manual que vai condensar essas contribuições no horizonte francês será o livro
de LANGLOIS, C. V.; SEIGNOBOS, C. Introducción a los Estudios Históricos. Buenos
Aires: Ed. La Pleyade, 1972. Valeria a pena empreender uma investigação mais séria
e sistemática sobre as razões da sobrevivência desse tipo de história, peculiar ao
século 19, que é a história positivista, razões essas que se ligam em parte ao seu cará-
ter inócuo e acrítico em face dos poderes dominantes.
17 Essa é a história oficial, “gloriosa” e autocelebratória que também será criticada, no
momento próprio, por Michel Foucault, que a oporá à “contra-história” e à “con-
tramemória” críticas derivadas do seu enfoque arqueológico-genealógico. Cf., por
exemplo, o seu livro Genealogía del racismo. Madrid: Ediciones de La Piqueta, 1992.
18 Cf. PIRENNE, Henri. ¿Que és lo que los historiadores estamos tratando de hacer?
Revista Eslabones, México, n. 7, 1994, e também BERR, Henri. La Síntesis en
Historia. México: Uteha, 1961.
19 Pensemos, para mencionar só um exemplo possível, nos interessantes trabalhos de
Norbert Elias, El proceso de la civilización e la sociedad cortesana. A esse respeito, cf.
Carlos Antonio Aguirre Rojas,“Norbert Elias, Historiador y Crítico de la Modernidad”,
no livro Aproximaciones a la Modernidad. México: Ed. UAM Xochimilco, 1997.
20 Sobre essa corrente dos Annales, cf. DOSSE, François. La historia en migajas.
Valencia: Edicions Alfons el Magnanim, 1988, e BURKE, Peter. La revolución histo-
riográfica francesa. Barcelona: Gedisa, 1993.
21 Desenvolvemos mais amplamente esse argumento em Carlos Antonio Aguire Rojas,
“Entre Marx y Braudel: hacer la historia, saber la historia”, no livro Los annales y la
historiografía francesa. México: Ed. Quinto Sol, 1996.
22 Para constatar, por exemplo, a vigência atual do pensamento de Braudel, pode-se
consultar os livros Primeras Jornadas Braudelianas. México: Ed. Instituto Mora,
1993, e Segundas Jornadas Braudelianas. México: Ed. Instituto Mora, 1995.
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abrange e foi por elas criada. Em outras palavras, essa pesquisa sugere o estu-
do de um contexto social.
A “história pessoal” usa quase sempre diferentes tipos de fontes que con-
tenham reflexões sobre assuntos pessoais (cartas, diários, memórias, autobiogra-
fias) e evidências indiretas, inclusive outras visões dos mesmos acontecimentos e
a “informação objetiva” oriunda do campo social e cultural. Decerto, ela coloca
limitações às biografias de pessoas da Antigüidade e Idade Média (afora as bio-
grafias dos nobres). A falta de textos de origem pessoal cria obstáculos não menos
sólidos que as complexidades da hermenêutica. Assim, o interesse do biógrafo
por arquivos pessoais e certos textos literários do período moderno é bastante
compreensível, pois essas fontes habilitam os historiadores a definir meios de vida
escolhidos no quadro de papéis sociais prescritos, a sondar preferências em ter-
mos de valores, e a atinar com visões coletivas de êxito social em formas pessoais
de “biografia-modelo”, de “destino feliz” invariavelmente ligado a personagens
históricas famosas. Um dos principais objetivos da “história pessoal” é revelar um
processo de individuação da consciência humana e do comportamento que pode
ser demonstrado pelo fortalecimento de metas pessoais a expensas dos valores de
grupo. Essa abordagem sugere uma análise textual apta a mostrar relações huma-
nas, identidades individuais e estratégias de comportamento. É óbvio que uma
biografia se concentra primordialmente na vida emocional e espiritual da pessoa,
bem como nas relações dessa pessoa com a família e os amigos. A pesquisa, quase
sempre, enfoca o comportamento divergente, que rompe as normas tradicionais
e os modelos alternativos aceitos pela sociedade, e as ações que pressupõem o
impulso da vontade numa situação de escolha consciente.
A categoria de “passado individual” (isto é, de experiência individual vivi-
da e acumulada na mente da pessoa) desempenha um papel de integração por
compensar resultados de procedimentos analíticos que dividem a atividade e a
personalidade humana em seus elementos constituintes, criando uma falsa opo-
sição entre pessoa e sociedade – uma antinomia do “individual” e do “social”. O
tema de pesquisa (o indivíduo) era elemento importante da realidade passada,
aquele que continuamente transformava essa realidade e a si próprio. Ele existia
num núcleo de diferentes vínculos sociais e, em torno dele, situavam-se todos os
campos do conhecimento histórico. Além disso, essa abordagem enfatiza o papel
ativo, criativo de uma pessoa histórica confiante na memória haurida das gera-
ções anteriores, que armazenara a experiência do passado coletivo, e na expe-
riência de sua própria vida. Assim, a história de uma vida transforma-se em his-
tória biográfica, mostrada por intermédio de uma pessoa.
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NOTAS
* Ensaio para o Nanjing Symposium on Historiography of the 20th Century.
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Kurt Tucholsky
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A HISTORIOGRAFIA NA ALEMANHA
ORIENTAL: MATERIALISMO HISTÓRICO
E ORTODOXIA POLÍTICA
O ano de 1949 viu nascer uma segunda Alemanha. A República
Democrática Alemã (DDR) emergiu da zona de ocupação soviética subse-
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A ALEMANHA REENCONTRADA:
A RECONSTRUÇÃO DE UMA
IDENTIDADE COMUM
Ao discursar na cerimônia pública solene de comemoração da reunifica-
ção alemã, em 3 de outubro de 1990, o ex-chanceler federal Willy Brandt, afir-
mou: “Agora cresce novamente junto o que pertence um ao outro”. As ciências
sociais alemãs, na página que se abriu em 1990, têm-se dedicado a escrever uma
história em que as rupturas sejam pensadas, interpretadas, entendidas, explica-
das e, sobretudo, culturalmente processadas. E não apenas no plano formal da
ciência, mas também no das consciências. Assim, a história como ciência da cul-
tura consolida-se como fator social de coesão e de articulação crítica do passa-
do. A interação com o ensino da história nas redes escolares, com o espaço públi-
co (museus, exposições, cinema, televisão), com o mundo editorial e periodísti-
co está igualmente sendo mais e mais valorizada. A história da Alemanha, dos
alemães, da sociedade e da cultura de expressão alemãs são variantes da historio-
grafia mais recente.51 Nela está presente também o aspecto multicultural compa-
rativo, tanto com respeito às sociedades implantadas na Alemanha (após o
período de imigração econômica provocado pelos “Trinta Gloriosos”, por exem-
plo: a comunidade turca) como relativamente à sociedade internacional, espe-
cialmente no caso da construção política da União Européia. A opção preferen-
cial da Alemanha Federal pela ocidentalização, em 1949-1995, transformou-se
em uma europeização decidida, que abriu também a historiografia.52
NOTAS
1 RÜSEN, Jörn. Historik. v. 1: Razão histórica (1983). Brasília: Ed. da UnB, 2001; v. 2:
Rekonstruktion der Vergangenheit (1986). v. 3: Lebendige Geschichte (1989).
Göttingen: Vandenhoeck und Ruprecht.
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Capítulo 4
DEPOIS DA QUEDA
“Que o número de nossos membros seja ilimitado”, reza a primeira das
diretrizes da Sociedade Londrina de Correspondência.2 Ao citar esta conheci-
da passagem de Formação da Classe Operária Inglesa, não deveria constituir
grande surpresa reparar que dois dos mais lidos e inovadores estudiosos sobre
trabalho, no Brasil, também recorreram a ela quando se pronunciaram a res-
peito da influência de E. P. Thompson. O fato de José Sérgio Leite Lopes, em
uma mesa denominada Tributo a Edward Thompson, e Sidney Chalhoub,
noutra mesa (chamada E. P. Thompson no Brasil), terem invocado esse episó-
dio inglês é um traço do prestígio – mais abrangente – de toda a historiogra-
fia marxista britânica entre nós.3 Mesmo com a irritação que isso pode provo-
car em especialistas estrangeiros,4 E. P. Thompson, Christopher Hill e Eric
Hobsbawm têm sido – ao lado de outros mais (como C. Castoriadis, E.
Genovese, M. Perrot, R. Williams) – 5 uma vívida fonte de inspiração e referên-
cia, aqui e em outros países da América Latina.6
Vale reparar, a despeito disso, que o mais famoso livro de Thompson foi
citado apesar da inexistência de um diálogo longamente estabelecido entre os
estudos da classe trabalhadora brasileira, em geral divididos entre seu passado
autóctone e o influxo da imigração européia. Embora se verifique um consen-
so de que um tal diálogo seja necessário – e que já segue seu curso –,7 é notá-
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Capítulo 4
PRIMEIROS PASSOS
Apesar de toda a recepção oferecida, os estudos que os historiadores
marxistas influenciaram e motivaram por aqui ainda não foram objeto de uma
avaliação historiográfica sistemática. Isso exigiria tratá-los, por um lado, não
só em conjunto mas também em suas peculiaridades e, por outro lado, em suas
diversas repercussões, igualmente, sobre o conjunto e sobre áreas específicas
dos assuntos históricos brasileiros. Para falar um pouco do que já existe no
Estrangeiro, nossas editoras dão sinal de apostar mais na tradução do rentável
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Capítulo 4
“se nós, brasileiros, devemos continuamente lidar com o mito do povo bom, cor-
dial, submisso, os ingleses têm um mito parecido, talvez ainda mais forte em sua
cultura: o da sociedade na qual as mudanças se fazem de maneira consensual, na
qual a gentileza (termo que remete à pequena nobreza, à gentry) prevalece sobre os
.32
conflitos, e estes não desandam em confronto.”
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Capítulo 4
os vejo com alguma freqüência, estamos todos na esquerda, ainda somos militantes
e pesquisadores. Continuamos na luta e pensamos sempre na ligação profunda
entre o trabalho acadêmico e o militante, sem diferenciá-lo. Isto, eu acho, nos aju-
dou a ser bons historiadores.36
No ano seguinte, Leite Lopes, Maria Célia Paoli e Michael Hall integra-
ram outra mesa (já citada), Tributo a Edward Thompson. Ambas as ativida-
des foram promovidas pelo Instituto Cajamar (uma escola de educação
popular) e se desdobraram em duas publicações. A Era de Hobsbawm foi
transcrita por História Social, uma revista dos alunos da pós-graduação em
História da Unicamp (iniciativa editorial que possui congêneres Brasil
afora).37 Por sua vez, o pretexto para a sessão sobre Thompson, que foi o lan-
çamento da primeira edição doméstica de “As Peculiaridades dos Ingleses”,
resultou em outras duas edições domésticas e, afinal, na coletânea As
Peculiaridades dos Ingleses e Outros Artigos.38 Curiosamente, o ensaio “As
Peculiaridades dos Ingleses” – densamente empírico e historicista – fora reti-
rado da tradução de A Miséria da Teoria.39
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Capítulo 4
OUTRAS QUESTÕES
Quais as outras questões que a historiografia marxista britânica nos
ajuda pensar, formular e entender? Em poucas palavras, lá como cá, sua inter-
locução é indispensável para definir a forma e o conteúdo de concebermos a
História. Nesse processo, talvez hoje estejamos revivendo a experiência de
principiar com uma ofensiva bifronte e passar para uma bifurcação, opondo
cultura de classe à política da classe, o que, quanto às linhas de pesquisa, pode
dar origem a compartimentos institucionalizados. Em acréscimo, quanto à
própria maneira de formular o problema da existência das classes, isso pode
deixar de lado o fato de classe ser um fenômeno histórico e cultural, assim
como econômico. Numa banda, a história da cultura; noutra, a do trabalho.
Será que o ícone história social não é capaz de agrupá-las?
Ao analisar os costumes de lazer, os modos de vestir e as habitações da
classe trabalhadora inglesa dos anos 1870-1914, Hobsbawm notou que teria sido
possível “compilar uma grande antologia com os escritos socialistas (...), expres-
sando horror, desprezo e ridicularizando a estupidez e a indolência das massas
proletárias”.43 Em artigo notório, um velho princípio é afirmado: a história da
classe trabalhadora é maior que a história das ideologias revolucionárias, dos
sindicatos, dos partidos e dos seus movimentos reivindicatórios.44 A menor con-
seqüência que isso acarreta é retirar o foco das cúpulas e lançá-lo sobre suas
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se tornara paulista. São Paulo era “progresso” e ele mantinha o mesmo passo
ao refazer a identidade; sua fé em São Paulo era crença na empresa privada. Ao
explicar o fato de não ser sócio do sindicato de sua categoria, ele argumentou
que faltava autenticidade ao grêmio, que este era “político”, pois sustentava
posições pró-Cuba.62 Neste caso, a máquina de trabalho criada pelo povo bra-
sileiro não viria a ser uma máquina de greve.
Ocorre que outras fusões já seguiam seu curso, inclusive em fábricas do
setor “tradicional”, e longe do “urbano”. No final dos anos 1940, quando a divi-
são de ordem social da polícia política carioca devassou o Comitê Distrital do
Partido Comunista Brasileiro (PCB) em Vila Inhamorim, três células operárias
caíram em suas mãos. Se alguns de seus membros foram classificados como
“ativos”, “orientadores”, “agitadores”, “propagandistas”, outros foram descridos
como “manhosos” donos de “truques e disfarces”, “maneirosos”, “destemidos”.
Provavelmente, um bom quadro melhor seria se fossem espertos e valentes.63
Mais ainda, o encrenqueiro podia ser diverso do que lhe era atribuído pelo
outro, ou a partir de cima, alguém cuja ousadia e destemor colhia a atenção ou
a contrariedade da vigilância disciplinar. E alguém temido a partir de cima
podia ser admirado entre seus pares subalternos.
Em contraste com outras experiências históricas (principalmente a
européia), no Brasil, os operários de ofício não foram os artífices da agremia-
ção sindical dos operários não-qualificados. Sabedores disso, os estudos histó-
ricos estão construindo outras teses. Em 2001, no XX Congresso da Associação
Nacional de História (Anpuh), as exposições e os debates tanto registraram,
como já foi dito, a importância da historiografia marxista britânica quanto, em
paralelo, refletiram sobre a classe trabalhadora transatlântica, o encontro de
migrantes, imigrantes e locais na formação do operariado, os trabalhadores
escravos e livres, o regional, o nacional e o internacional, entre outros assuntos.
EM MOVIMENTO
Atravessando linhas fronteiriças de tempo, lugar e nações, a programa-
ção acima é, em grande medida, resultado da constituição do Grupo de
Trabalho (GT) Mundos do Trabalho, hoje estruturado em todo o Sul, São
Paulo, Rio de Janeiro e Ceará. Seguramente, esse GT é crucial para reunir
esforços para a superação dos impasses e para o alargamento da renovação a
que alude Batalha.64
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Capítulo 4
Para sua efetivação, vale refletir não só sobre a remoção das barreiras que
apartam nosso conhecimento da experiência das classes subalternas, mas tam-
bém sobre o debate interdisciplinar, os marcos e os conceitos históricos. Parte do
programa do GT Mundos do Trabalho no congresso supracitado, a conferência
de Marcel van der Linden reúne interessantes elementos nesse sentido.65 Antes de
tudo, pluralismo, por este ser inevitável bem como intelectualmente estimulan-
te. Em seguida, atenção e consideração para com dimensões transnacionais e
transcontinentais da história social, seja para o estudo das relações de produção
seja no que toca aos movimentos sociais. Sem ignorar o “outro lado” – as classes
dominantes e suas instituições -, há mais um “outro lado”, a família e a comuni-
dade, ambas juntas da experiência do trabalho, que, aliás, pode ser livre ou não,
assalariado ou não, arcaico ou moderno. Por fim, quanto mais preciso for recuar
no passado para o conhecimento histórico, assim acontecerá.
A análise precisa ser complexa e abrangente porque os conceitos e os
fenômenos que os embasam, além de específicos, podem ser construções exclu-
dentes. Essa sensibilidade foi entreaberta na própria Formação da Classe
Operária Inglesa, em que Thompson frisa não ser possível descurar a tenacidade
da autopreservação das classes subalternas, dispensando, por conseguinte, curio-
sidade aos “seus traços mais robustos e desordeiros” e descentralizando a impor-
tância dada aos sóbrios “antecedentes constitucionais do movimento operário”.
Pois os “sem-linguagem articulada”, isto é, aqueles grupos cuja história mal con-
segue transparecer em atas de reuniões partidárias ou sindicais “conservaram
certos valores - espontaneidade, capacidade para a diversão e lealdade mútua -,
apesar das pressões inibidoras”, vindas de cima.66 Trabalhadores de rua ou oca-
sionais, a própria população de rua, os sem-tetos ou a prostituição encontram
seu lugar no movimento operário somente após muita luta.67
Tudo isso é fundamental para assegurar que as classes subalternas não
sejam destituídas de sofisticação no seu ato de fazer cultura, história e produ-
zir o novo (quando isso é reconhecido). Desde há muito já se sabe que a migra-
ção não é a ponte com que o arcaísmo da tradição brasileira inunda e perver-
te a modernidade, infectando-a com passividade, ignorância e vivas ao popu-
lismo. A história social tem condições de formular uma nova equação geral
para repor uma outra, ainda estabelecida: o escravo como uma coisa dócil ou
brutalizada, substituído pelo imigrante anarquista, mas reposto pelo migrante
de origem rural, este último finalmente empurrado à verdadeira consciência
pelo arrocho salarial da ditadura militar, num movimento de retorno evocati-
vo do conteúdo libertário da República Velha.68
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LEVANTAR AS BARREIRAS
Do final dos anos 1970 em diante, a história social no Brasil foi impeli-
da adiante pela força irresistível das lutas sociais. Movimentos de massas se
imiscuíram na política nacional e rearrumaram todo o sistema político,
reconstituindo instituições, fundando outras novas. Aquilo que Marco Aurélio
Garcia denominou de “ilusão social democrata” do novo sindicalismo não
pôde passar despercebido. Os primeiros anos do partido que esse movimento
ocasionou foram planejados com a expectativa de arrebatar os votos das clas-
ses subalternas a partir da crescente militância de um maciço proletariado
industrial que florescera, quantitativamente, durante a ditadura.
No entanto, o ímpeto militante revelou limites ante a própria rejeição
encontrada nas classes subalternas, por conta de seu conservadorismo ou de
sua baixa auto-estima. Em segundo lugar, recessões econômicas e o desgaste
do modelo de desenvolvimento trouxeram novos desafios. Em síntese, nem
todos os trabalhadores votavam em seus pares, ferindo as expectativas neles
depositadas. A frustração desse chamado foi interpretada como evidência de
preconceito, dominação e apatia. O que os historiadores sociais têm também a
dizer é que um metalúrgico militante – ou apenas um metalúrgico – não é um
brasileiro igualzinho a qualquer outro. A propósito, os historiadores marxistas
britânicos são uma referência para não ignorarmos a irrelevância de uma his-
toriografia ingênua em que a classe trabalhadora evolui indiferente à sua pró-
pria constituição interna, atropelando tudo que a negue.
Em uma de suas visitas ao Brasil, sob o impacto da dessindicalização
européia, Hobsbawm se avista com Luís Inácio Lula da Silva e toca no tema dos
trabalhadores pobres e o movimento sindical. Ele principia perguntando
como fazer para organizar os excluídos da economia formal.78 Lula reconhece
a procedência da pergunta e a inexistência de uma resposta de comprovada efi-
cácia, relacionando bons desempenhos nos pleitos à presença de sindicatos
fortes. Com certo saudosismo, recorda: “Fazíamos assembléia na porta de
fábrica, no estádio, mas também nos bairros; íamos conversar com o dono do
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NOTAS
1 Departamento de História, Universidade Federal da Bahia. Este capítulo foi apre-
sentado no Congresso “Making Social Movements. The British Marxist Historians
and the Study of Social Movements”. Ormskirk, 26-28 de junho de 2002. Desejo
expressar meu débito para com Michael Hall e Cristiana Schettini, pela ajuda e
interlocução permanentes. Aldrin Castellucci, Gabriela Sampaio e Maria Cecília
Velasco e Cruz contribuíram com comentários. Em acréscimo, registro o debate
feito no colóquio “Paternalismo, Consensos, Dissensos: Os Trabalhadores no
Brasil”. Fortaleza, 16 a 18 de outubro de 2002. Programa Nacional de Cooperação
Acadêmica (Procad) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (Capes).
2 THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1987. v. I, p. 15.
3 Tributo a Edward Thompson foi uma atividade levada a cabo pela equipe Mundos
do Trabalho, do Instituto Cajamar, em conjunto com a Secretaria Nacional de
Formação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), em 28 de setembro de 1993.
Abonada mais adiante, a palestra de Sidney Chalhoub foi proferida no simpósio da
Associação Nacional de História (Anpuh), em Niterói, 2001.
4 BERGQUIST, Charles. Latin American Labor History in Comparative Perspective.
Notes on the Insidiousness of Cultural Imperialism. Labour/Le Travail, n. 25, 1990.
Diversamente das afirmações do autor, os nativos sabem o que fazer com as miçangas.
5 GENOVESE, Eugene. A economia política da escravidão. Rio de Janeiro: Pallas, 1976.
WILLIAMS, Raymond. Marxismo e literatura. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
CASTORIADIS, Cornelius. A experiência do movimento operário. São Paulo:
Brasiliense, 1985. PERROT, Michelle. Os excluídos da história. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1988. (De Williams, pela Nacional, já havia saído, em 1969, Cultura e sociedade.)
6 A obra de Williams ecoa na pesquisa de Daniel James. Ver: Ideologia populista e
resistência de classe: o peronismo e a classe operária, 1955-1960. Revista Brasileira
de História, 10, 1985. Para o Brasil, ver: CEVASCO, Maria. Para ler Raymond
Williams. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001.
7 EISENBERG, Peter. Escravo e proletário na história do Brasil. In: ______. Homens
esquecidos. Escravos e trabalhadores livres no Brasil, séculos XVIII e XIX. Campinas: Ed.
da Unicamp, 1989. ALENCASTRO, Luiz F. Escravos e proletários. Imigrantes portu-
gueses e cativos africanos no Rio de Janeiro, 1850-1872. Novos Estudos Cebrap, n. 21,
1988. RODRIGUES, Jaime. Índios e africanos: do “pouco ou nenhum fruto” do tra-
balho à criação de “uma classe trabalhadora”. História Social, Campinas, n. 2, 1995.
RODRIGUES, Jaime. Ferro, trabalho e conflito: os africanos livres na fábrica de
Ipanema. História Social, Campinas, n. 4/5, 1998. BATALHA, Cláudio. Sociedades de
trabalhadores no Rio de Janeiro do século XIX: algumas reflexões em torno da forma-
ção da classe operária. Cadernos AEL, n. 10/11, 1999. LONER, Beatriz. Negros: orga-
nização e luta em Pelotas. História em Revista, Pelotas, n. 5, 1999. VITORINO, Artur.
Escravismo, proletários e a greve dos compositores tipográficos de 1858 no Rio de
Janeiro. Cadernos AEL, n. 10/11, 1999. CRUZ, Maria Cecília Velasco e. Tradições
negras na formação de um sindicato: sociedade de resistência dos trabalhadores em
trapiche e café, Rio de Janeiro, 1905-1930. Afro-Ásia, n. 24, 2000. REIS, João. De olho
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de; SWENSSON JR., Walter C. (Org.). No coração das trevas: o Deops/SP visto por
dentro. São Paulo: Arquivo do Estado, Imprensa Oficial, 2001.
18 CHALHOUB, Sidney. A enxada e o guarda-chuva: a luta pela libertação dos escra-
vos e a formação da classe trabalhadora no Brasil. Palestra apresentada no XXI
Simpósio da Anpuh, Niterói, julho de 2001.
19 PALMER, Bryan. Edward Palmer Thompson. Objeções e oposições. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1996. HOBSBAWM, Eric. Tempos interessantes. Uma vida no século XX.
São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
20 KAYE, Harvey. The British Marxist Historians. Cambridge: Polity Press, 1984. KAYE,
H.; McCLELLAND, K. E. P. Thompson. Critical Perspectives. Cambridge: Polity
Press, 1990.
21 Ver, por exemplo, o número 14 de Varia História (1995), dedicado a Bridgett Hill e
Christopher Hill. Ver também: A história feita de greves, excluídos e mulheres.
Entrevista com Michelle Perrot. Tempo Social, v. 8, n. 2, 1996. Certamente,
Hobsbawm está entre os mais entrevistados. Ver: O novo século. Entrevista a Antonio
Polito. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
22 A respeito da relação entre a historiografia marxista britânica e a sociologia de
Pierre Bourdieu (bastante influente no Museu Nacional), ver debate de José
Sérgio Leite Lopes com Roger Chartier: Pierre Bourdieu e a história. Topoi, n. 4,
p. 161, 163, 164, 2002.
23 Sumariamente, a respeito disso, ver, de LOPES, José Sérgio Leite. A formação de
uma cultura operária. Tempo & Presença, n. 220, 1987. História e antropologia.
Revista do Departamento de História, Belo Horizonte, n. 11, 1992.
24 FAUSTO, Boris. Trabalho urbano e conflito social (1890-1920). São Paulo: Difel,
1976. p. 9.
25 Ver relato de Hall em: Obra fascinante, mas perigosa! História Social, Campinas,
n. 4/5, 1998. Para quem o Atlântico fica mais ao sul, ver: LARA, Sílvia.
Peculiaridades no Brasil.Topoi, v. 3, 2001.
26 HALL, Michael. Immigration and the Early São Paulo Working Class. Jahrbuch für
Geschichte von Staat, Wirtschaft und Gesellschaft Lateinamerikas, band 12, p. 407,
1975. EISENBERG, Peter. Modernização sem mudança. A indústria açucareira em
Pernambuco, 1840-1910. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. SLENES, Robert;
MELLO, Pedro Carvalho de. Paternalism and Social Control in a Slave Society: The
Coffee Regions of Brazil, 1850-1888. Comunicação apresentada no IX Congresso
Mundial de Sociologia. Upsala, 1978. (Esta última referência é apontada por Lara
como pioneira análise da relação senhor-escravo a partir da abordagem de
Thompson do conceito de paternalismo. Ver: LARA, Sílvia. “Blowin” in the Wind.
E. P. Thompson e a experiência negra no Brasil. Projeto História, n. 12, p. 47, 1995.)
27 Thompson faz a pergunta se há luta de classes sem classes porque o século 18 inglês
é anterior ao fenômeno da classe trabalhadora inglesa, no sentido marxista clássico.
Em épocas ou sociedades em que as classes têm correspondência empírica rarefeita
com tal sentido, o conceito de luta de classes se revela de maior amplitude, mas
Thompson não deixa de falar numa relação entre classes realmente existentes, como
a gentry e a plebe. O fato de não ser possível encontrar formações de classe “madu-
ras” no século 18, “não quer dizer que aquilo que se expressa de modo menos deci-
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sivo não seja classe”. THOMPSON, E. P. ¿Lucha de Clases sin Clases? In: ______.
Tradición, Revuelta y Consciencia de Clase. Barcelona: Crítica, 1989. p. 39.
Ele mesmo cita Hobsbawm: “no capitalismo, a classe é uma realidade histórica
imediata e em certo sentido vivenciada diretamente, enquanto nas épocas pré-
capitalistas ela pode ser meramente um conceito analítico que dá sentido a um
complexo de fatos que de outro modo seriam inexplicáveis”. HOBSBAWM, Eric.
Notas sobre consciência de classe. In: ______. Mundos do trabalho. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1987. p. 39. Nesse sentido, no Brasil, os escravos não formam uma
classe operária no sentido marxista clássico (um sentido específico, restrito a um
tempo e lugar), mas formam uma classe social, com sua cultura e linguagem de
classe e dona de sua própria história.
28 LARA, Sílvia. “Blowin” in the Wind. E. P. Thompson e a experiência negra no Brasil.
Projeto História, n. 12, p. 54, 1995.
29 Para mais detalhes, ver: FORTES, A.; NEGRO, A. L. Historiografia, trabalho e cida-
dania no Brasil. Trajetos. Revista de História UFC, Fortaleza, n. 2, 2002.
30 Novamente, cite-se aqui a atuação de Robert Slenes, já responsável pela orientação
de duas gerações bem definidas, em que figuram Sidney Chalhoub e Flávio dos
Santos Gomes.
31 THOMPSON, E. P. Patrícios e plebeus. In: ______. Costumes em comum. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998. p. 29 et seq.
32 RIBEIRO, Renato J. Apresentação. In: HILL, Christopher. O mundo de ponta-cabe-
ça: idéias radicais durante a Revolução Inglesa de 1640. São Paulo: Companhia das
Letras, 1987. p. 11. Apud SILVA, Fernando T. da. O paternalismo nos estudos de E. P.
Thompson sobre a Inglaterra do século XVIII. Campinas. Manuscrito, sem data.
33 Prós e contras são apresentados na coletânea organizada por FERREIRA, Jorge. O
populismo e sua história. Debate e crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
34 Refiro-me aqui a grupo composto por Alexandre Fortes, Fernando Teixeira da Silva,
Hélio da Costa e Paulo Fontes e eu mesmo que, conjuntamente, editou o livro Na
luta por direitos. Estudos recentes em história social do trabalho. Campinas: Ed. da
Unicamp, 1999. As repercussões dessa coletânea podem ser verificadas, primeira-
mente, na resenha de Jorge Ferreira publicada em História Social (nº. 7). Ver tam-
bém: FRENCH, John. The Latin American Labor Studies Boom. International
Review of Social History, v. 45, pt. 2, p. 281, 2000. GOMES, Angela de C. O populis-
mo e as ciências sociais. In: FERREIRA, Jorge (Org.). O populismo e sua história:
debate e crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 57. WOLFE, Joel. The
Social Subject Versus the Political: Latin American Labor Studies at a Crossroads.
Latin American Research Review, v. 37, n. 2, p. 251-252, 2002. FERRERAS, Norberto
O. História e trabalho: entre a renovação e a nostalgia. Trajetos. Revista de História
UFC, Fortaleza, n. 2, p. 57, 58, 2002.
35 Ver: “‘Sair da sala de aula e ouvir os trabalhadores’. Movimentos Sociais, História e
Universidade na África do Sul”. Entrevista de Eddie Webster a Alexandre Fortes,
Antonio Luigi Negro e Paulo Fontes. História Social, Campinas, n. 3, 1996. A exor-
tação à reconstituição detalhada e de ida aos arquivos é feita por Slenes em: O que
Rui Barbosa não queimou: novas fontes para o estudo da escravidão no século XIX.
Estudos Econômicos, v. 13, n. 1, p. 149, 1983. Semelhante chamada é feita pelo pró-
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Contexto, 1998. p. 155-158. Outras recensões devem ser citadas. Ver: FRENCH,
John; FORTES, Alexandre. Urban Labor History in Twentieth Century Brazil.
Albuquerque: The Latin American Institute, The University of New Mexico, 1998.
LOBATO, Mirta (Dir.). Historia de los trabajadores (Argentina). Bibliografía.
Movimiento obrero y sectores populares. CD-Rom do Grupo de Trabajo (UBA,
UNCo, UNR). Buenos Aires, 2000. WOLFE, Joel. The Social Subject Versus the
Political: Latin American Labor Studies at a Crossroads. Latin American Research
Review, v. 37, n. 2, 2002. FERRERAS, Norberto O. História e trabalho: entre a reno-
vação e a nostalgia. Trajetos. Revista de História UFC, Fortaleza, n. 2, p. 57, 58, 2002.
65 LINDEN, Marcel Van der. Globalizando a historiografia das classes trabalhadoras e
dos movimentos operários: alguns pensamentos preliminares. Trajetos. Revista de
História UFC, Fortaleza, n. 2, 2002.
66 THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1987. v. I, p. 61-62.
67 PEREIRA, Cristiana Schettini. “Que tenhas teu Corpo”: uma história social da pros-
tituição no Rio de Janeiro das primeiras décadas republicanas. 2002. Tese
(Doutorado) – IFCH/Unicamp, Campinas, 2002.
68 Ver: HALL, Michael. Trabalhadores imigrantes. Trabalhadores, n. 3, p. 11, 1989. Ver
também: GARCIA, Marco A. Os desafios da autonomia operária: São Bernardo a
(auto)construção de um movimento operário. Desvios, n. 1, 1982. GARCIA, Marco
A. Tradição, memória e história dos trabalhadores. In: CUNHA, Maria C. P. (Org.).
O direito à memória. São Paulo: DPH, 1992.
69 WEFFORT, Francisco. Origens do sindicalismo populista. Estudos Cebrap, n. 4,
p. 69, 70, 1973. Para uma crítica, conferir: FORTES, A.; NEGRO, A. L.
Historiografia, trabalho e cidadania no Brasil. Trajetos. Revista de História UFC,
Fortaleza, n. 2, p. 36, 2002.
70 COSTA, Hélio da. Em busca da memória. Organização no local de trabalho, partido e
sindicato em São Paulo. São Paulo: Scritta, 1995. SILVA, Fernando T. da. A carga e a
culpa. Os operários das Docas de Santos: direitos e cultura de solidariedade, 1937-
1968. São Paulo: Hucitec, 1995.
71 LEVINE, Robert. Pai dos pobres? O Brasil e a Era Vargas. São Paulo: Companhia das
Letras, 2001. p. 145. Ver resenha: D’ARAÚJO, Maria Celina Soares. Getúlio Vargas
decifrado pelo olhar estrangeiro. O Globo, 27 jul. 2002.
72 HALL, Michael; PINHEIRO, Paulo S. Alargando a história da classe operária: orga-
nização, lutas e controle. In: PRADO, A. Libertários & militantes. Campinas:
Unicamp, 1985. (Coleção Remate de males, n. 5). BERTONHA, João F. Sob a som-
bra de Mussolini: os italianos de São Paulo e a luta contra o Fascismo, 1919-1943.
São Paulo: Anna Blume, 1999. TOLEDO, Edilene. O sindicalismo revolucionário em
São Paulo e na Itália: circulação de idéias, experiências na militância sindical trans-
nacional entre 1890 e o Fascismo. 2002. Tese (Doutorado) – IFCH/Unicamp,
Campinas, 2002.
73 BATALHA, Cláudio. Le Syndicalisme «Amarelo» à Rio de Janeiro (1906-1930). 1986.
Tese (Doutorado) – Universidade de Paris I, Paris, 1986. STOTZ, Eduardo. A união
dos trabalhadores metalúrgicos do Rio de Janeiro na construção do sindicato corpora-
tivista. 1986. Dissertação (Mestrado) – ICHF/UFF, Niterói, 1986. FRENCH, John.
The Origin of Corporatist Intervention in Brazilian Industrial Relations, 1930-34:
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suas filiações intelectuais específicas atrás aludidas como a sua vasta difusão
fora da Itália, nos espaços da historiografia européia e ocidental – e até mesmo,
mais recentemente, japonesa.
Em terceiro lugar, e juntamente com esse cosmopolitismo cultural
acendrado e com a clara vocação de esquerda dessa historiografia italiana do
segundo pós-guerra, encontram-se também duas estruturas subjacentes de
longa duração que, manifestando-se com igual força nesses anos 1940, 1950 e
1960 recém-vividos, vão contribuir para definir os perfis específicos do proje-
to macro-histórico. Duas estruturas que, posto tenham estado presentes ao
longo de séculos e séculos, vão reatualizar precisamente a sua presença e o seu
impacto na cultura italiana depois do fim da 2.ª Guerra Mundial e justamen-
te como conseqüência da sua irrupção.
A primeira dessas arquiteturas de longa duração é a profunda e muito
amplamente difundida densidade histórica geral do espaço que hoje conhece-
mos como Itália. Densidade histórica extraordinária, que percebemos já de
imediato quando percorremos a cidade de Roma e nos deparamos, a poucos
metros de distância, com presenças e monumentos que nos resumem em
alguns quilômetros, como camadas estratigráficas que diríamos consciente-
mente ordenadas, a história européia pelo menos dos últimos vinte séculos.
Densidade que levou os historiadores a considerar a Itália “um livro aberto de
história”, um “arquivo vivo” que salta à vista quando percorremos as diferen-
tes áreas, zonas, povoados e cidades de toda a península itálica.16 Densidade da
história nacional italiana que é “anormal” em relação à média européia e oci-
dental e que se foi associando progressivamente à “identidade” da recém-cria-
da “nação” italiana; identidade que a ascensão do fascismo pôs em questão e
em crise e que se reatualizou nos seus efeitos e presenças justamente depois da
derrota de Mussolini e durante os anos de 1945 a 1968.
Concentração e caráter evidentes do “histórico” na cultura, na vida
cotidiana e na historiografia italianas que explicam em parte a construção da
micro-história italiana. Pois nesse espaço “cheio de histórias”, que é a Itália, é
mais fácil apreender essas múltiplas “escalas” da realidade histórica cujo jogo
e inter-relação estão no centro da proposta macro-histórica. Assim, a passa-
gem dos diferentes planos “macro-históricos” é mais fácil e fluida numa his-
toriografia que se enquadra numa realidade que é um verdadeiro repertório,
múltiplo, variado e quase inexaurível, de “exemplos”, de “casos”, de “indiví-
duos” e de “espaços” históricos da mais diversa ordem, tamanho, duração,
localização ou especificidade.
103
Capítulo 5
MICROBIOGRAFIAS, MICROLOGIAS
E MICRO-HISTÓRIA ITALIANA
Sem pretender reconstruir toda a história concreta dos principais
ramos ou vertentes da corrente macro-histórica italiana, nem tampouco seus
impactos e formas de difusão diferenciados na Europa, na América e no
Japão,10 tentaremos antes concentrar-nos no que consideramos o seu núcleo
duro epistemológico, constituído pelo procedimento macro-histórico da
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Capítulo 5
A ORIGINALIDADE DO PROCEDIMENTO
MACRO-HISTÓRICO ITALIANO
Se revisarmos com cuidado tanto as principais obras como os principais
ensaios metodológicos dos representantes centrais da micro-história italiana,
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Capítulo 5
ser-nos-á fácil entender onde reside uma das contribuições revolucionárias mais
essenciais contidas no seu modo de propor e, depois, desdobrar operativamen-
te o tantas vezes referido procedimento macro-histórico italiano. Pois, assimi-
lando criticamente e superando ao mesmo tempo – sob o modo da clássica auf-
hebung hegeliana – as formas precedentes de abordar a dialética macro/micro,
o que os micro-historiadores italianos vão realizar consistirá em deslocar e
transcender claramente o tradicional pensamento dicotômico dos opostos.
É muito evidente que, seguindo nesse ponto as profundas lições de
Norbert Elias,27 os promotores dessa visão macro-histórica italiana vão aban-
donar totalmente as clássicas explicações que opõem o geral ao particular, pro-
pondo as falsas disjuntivas, explícitas ou implícitas, do indivíduo ou do con-
texto, a visão do social contra a do individual, o macro contra, à margem ou
em concorrência com o micro, a lei contra o caso ou, acima do caso, o caso
como forma de invalidar a lei, etc. Diante disso, e numa visão radicalmente
nova e ainda pouco explorada pelos cientistas sociais, os autores italianos vão
propor a construção do geral a partir do particular, ressituando então o indi-
víduo no contexto e dentro da sociedade. Com o que também é possível ver o
macro no micro, a partir do e no próprio micro, recolocando o caso na norma
e a norma atuando dentro do caso, etc.
Assim se desloca inteiramente o modo de abordar todas essas dialéticas
complexas, tão centrais e tão debatidas na história e em todas as ciências
sociais, superando o pensamento simples binário, de opostos rigidamente con-
trapostos e só excludentes, para dar lugar à construção de modelos mais com-
plexos e elaborados que reivindicam a nova biografia contextual, que decom-
põem o tempo nas múltiplas temporalidades, recriando os movimentos de
vaivém do indivíduo e da obra para o mundo e a época e vice-versa e recons-
truindo as múltiplas cadeias de interdependência em que se insere o indivíduo
ou o grupo específico estudados.28
Torna-se claro, portanto, que o fundamental aqui não é nem o “micro”,
considerado em si mesmo, nem o “macro”, concebido de maneira autônoma e
auto-suficiente. Então, a micro-história não é nem história local da aldeia de
Santena nem história biográfica tradicional de Menocchio ou de Piero della
Francesca, nem tampouco história clássica da obra de Galileu Galilei, mas, sim,
estudo complexo das formas concretas de funcionamento do mercado da terra
na Itália dos séculos 17 e 18 através do caso de Santena, ou também estudo da
cultura campesina e popular do século 16 ou, em outro caso, da cultura de elite
dessa mesma época através e por intermédio do moleiro Domenico Scandella ou
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NOTAS
* Pesquisador do Instituto de Pesquisas Sociais da Universidade Nacional Autônoma
do México.
1 Cf. Pueblo en Vilo. México: Fondo de Cultura Económica, 1968. A edição origi-
nal é dessa data, embora o livro tenha tido várias edições, algumas vezes com
grandes tiragens.
2 Cf., em particular, o artigo “Teoría de la microhistoria” no livro Nueva invitación a
la microhistoria. México: Fondo de Cultura Económica, 1982. p. 33. Pode-se ver
uma idéia semelhante no pequeno livro Outra invitación a la microhistoria. México:
Fondo de Cultura Económica, 1997, onde Luis González y Gonzálvez equipara
explicitamente a micro-história com, por exemplo, a local history inglesa ou ainda
com a petite histoire francesa, assinalando contudo os inconvenientes dessas denomi-
nações, mas insistindo na idéia de que para além de sua denominação essa história
local ou micro-história “foi exercida sem o ‘nome certo’ [...] durante mil anos” (cf.
p. 15), afirmação que nos ilustra claramente a idéia do próprio González y González
acerca da micro-história mexicana como simples nova versão dessa antiqüíssima
história local.
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Capítulo 5
3 Cf., a esse respeito, o nosso artigo “Los Efectos de 1968 en la historiografía occiden-
tal”, na revista La Vasija, México, n. 3, 1998, onde tentamos estabelecer as coordena-
das gerais desse contexto pós-68 no mundo ocidental e seus efeitos gerais nas his-
toriografias de todo o Ocidente.
4 Vendo-o numa perspectiva temporal mais ampla, é evidente que tanto a obra como
o projeto de “micro-história” de Luis González y González, por um lado, e o enorme
apogeu da história local e regional mexicana, por outro, são meras expressões de um
processo mais global, que ultrapassa o México, abarca toda a América Latina e con-
densa os efeitos da Revolução Cultural de 1968, no nosso continente, sob a forma de
um intenso desenvolvimento de uma história regional original e muito pujante.
Infelizmente, ainda falta à pessoa ou às pessoas que extraiam as lições gerais teóri-
cas, metodológicas e historiográficas – dessa imponente produção de história regio-
nal latino-americana das últimas três décadas, que por certo singulariza as nossas
historiografias em relação às demais historiografias do mundo ocidental. Sobre a
força e o desenvolvimento dessa história regional latino-americana, cf. o artigo de
KNIGHT, Alan. Latinoamérica: Un balance historiográfico. Revista Historia y Grafia,
México, n. 10, 1998, ou também o de BANDIERI, Susana. Entre lo micro y lo macro:
la historia regional. Síntesis de una experiencia. Revista Entrepasados, Buenos Aires,
n. 11, 1996, para mencionar apenas dois exemplos entre os muitos possíveis.
5 Sobre essas citações, cf. o artigo de Giovanni Levi, “Sobre la Microhistoria”, no livro
Formas de Hacer Historia. Madrid: Aliança, 1993. p. 122, 124. Em algumas entrevis-
tas, Giovanni Levi foi ainda mais explícito quanto à contraposição entre história
local e a micro-história italiana. Diz ele, por exemplo: “A micro-história nada tem a
ver com a história local. Ou seja, pode-se fazer micro-história de Galileu Galilei ou
de Piero della Francesca [...] a história local é outra coisa distinta, a história local
estuda uma localidade [...] nesse sentido, jamais direi micro-história ou história
local, são duas coisas totalmente distintas, inimigas; eu me ofenderia muito se fosse
considerado um historiador local. Os dois povoados aos quais em particular dedi-
quei muitos anos são dois povoados que considero sem nenhum interesse, dos quais
não escrevi a história. Escrevi uma história neles” (cf. entrevista “Antropologia y
microhistoria: conversación con Giovanni Levi” em Manuscrits, n. 11, p. 17, 18, enero
1993, Levi insiste nessa distinção também em outras duas entrevistas “Il piccolo, il
grande e il piccolo”, Meridiano, n. 10, p. 223-224, 1990 e “La microhistoria italiana”,
La Jornada Semanal, n. 283, p. 36, nov. 1994.
6 Carlo Ginzburg revisou agudamente a história do termo micro-história em seu
artigo “Microstoria: due o tre cose che so di lei”, na revista Quaderni Storici, n. 86,
ano XXIX, ago. 1994. Nesse artigo, Ginzburg caracteriza também a “micro-história
mexicana” como uma simples variante da história local, estabelecendo sua diferen-
ça radical em relação ao projeto intelectual dos micro-historiadores italianos.
7 Sobre a caracterização de 1968 e seus impactos na cultura e na historiografia poste-
riores, cf. Fernand Braudel, “Renacimiento, Reforma, 1968: Revoluciones Culturales
de Larga Duración” (entrevista a L’Express, nov. 1971), em La Jornada Semanal,
México, n. 226, oct. 1993; WALLERSTEIN, Immanuel. 1968: Revolución en el
Sistema-Mundo. Tesis e interrogantes. Revista Estudios Sociológicos, México, n. 20,
1989; DOSSE, François. Mai 68, les effets de l’Histoire sur l’histoire. Cahiers de
l’IHTP, Paris, n. 11, avril 1989; Mai 68, mai 88: les ruses de la raison. Revista Espaces
Temps, Paris, n. 38-39, 1988, assim como nossos artigos: AGUIRRE ROJAS, Carlos
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Antonio. 1968: La Gran Ruptura. La Jornada Semanal, México, n. 225, oct. 1993; Los
Efectos de 1968 en la historiografía occidental. La Vasija, México, n. 3, 1998;
Repensando los Movimientos de 1968. In: 1968. Raíces y Razones. Ciudad Juárez:
Ed. Universidad Autónoma de Ciudad Juárez, 1999.
8 Nesse sentido do esgotamento dos “modelos gerais” esvaziados de conteúdo e redu-
zidos a esquemas simplificados da realidade, vale a pena voltar a revisar o livro pio-
neiro de Jean-Paul Sartre, Crítica da razão dialética. Ali Sartre vai enfrentar aqueles
marxistas “vulgares” e seus modelos empobrecidos, que pensavam que, para explicar
Flaubert, bastava dizer que era um “pequeno-burguês” da época do Segundo
Império. Mas, como houve dezenas de milhares desses pequenos-burgueses e só um
foi Gustave Flaubert, e só um escreveu A educação sentimental, esse modelo de expli-
cação não basta. Assim, Sartre antecipa uma das críticas recorrentes de todos os
micro-historiadores italianos a esses modelos gerais, constituindo-se em um dos seus
antecedentes intelectuais importantes, embora um antecedente não-explícito e não
assumido conscientemente por esses mesmos micro-historiadores. Sobre a relação
entre essa crise dos modelos gerais e o nascimento da micro-história, cf. o texto de
Carlo Ginzburg, já citado: Microstoria: due o tre cose che so di lei, p. 517-521.
9 Cf., a esse respeito, as duras críticas de Carlo Ginzburg às posições de Hyden White
em seus artigos “Provas e possibilidades à margem de ‘Il ritorno de Martin Guerre’
de Natalie Zemon Davis” e “Exphrasis e citação”, no livro A micro-história e outros
ensaios. Lisboa: Difel, 1989, e também em seus artigos “Solo un testigo”, na revista
Historias, México, n. 32, 1994, e “Revisando la evidencia: Giovanni Levi a las postu-
ras posmodernas en su microhistoria”, já citado, e em seu artigo “I pericoli del
Geertzismo”, na revista Quaderni Storici, n. 58, ano XX, 1985.
10 Cf. o brilhantíssimo artigo de Carlo Ginzburg “Indícios. Raíces de un paradigma
de inferencias indiciales”, no livro Mitos, emblemas, indicios. Barcelona: Gedisa,
1994. Valeria a pena ver também, nessa mesma e complexa linha de investigação, o
interessante debate suscitado posteriormente por esse artigo e do qual é apenas
uma pequena amostra a transcrição recolhida na revista Quaderni di Storia, n. 12,
ano VI, 1980. Lamentavelmente, não nos podemos deter, neste artigo, na análise
que mereceria esse ensaio excepcional.
11 Cf. os artigos de Daniela Coli “Idealismo e marxismo nella storiografia italiana degli
ani ’50 e ’60”, de Alberto Caracciolo, “La storiografia italiana e il marxismo”, e de
Pasquale Villani, “La vicenda della storiografia italiana: continuità e frature”, todos
incluídos no livro La storiografia contemporanea. Indirizzi e problemi. Milano: Il
Saggiatore, 1989, e também o artigo de BANTI, Alberto M. Storie e microstorie: l’his-
toire sociale contemporaine en Italie (1972-1989). Genèses, Paris, n. 3, 1991, e ainda o
livro de MASELLA, Luigi. Passato e presente nel dibattito storiografico. Bari: Ed. De
Donatto, 1979.
12 Falta um trabalho satisfatório que reconstrua globalmente essa presença e essa rede
complexa de influências dos Annales franceses na Itália. À espera dele, pode-se,
entretanto, ver os desenvolvimentos interessantes incluídos no livro de
MASTROGREGORI, Massimo. El manuscrito interrumpido de Marc Bloch. México:
Fondo de Cultura Económica, 1998. Cf. também o artigo de GINZBURG, Carlo;
PONI, Carlo. El nombre y el cómo: intercambio desigual y mercado historiográfi-
co. Revista Historia Social, Valencia, n. 10, 1991; AYMARD, Maurice. Impact of the
Annales School in Mediterranean Countries. Review, v. 1, n. 3/4, 1978; L’Italia-
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22 É bem sabido que a revista Quaderni Storici, que acabará por se associar à corren-
te micro-histórica como o seu mais importante órgão de expressão e difusão,
começou sua história em 1966, chamando-se então Quaderni Storici delle Marche
– e publicando em seu primeiro número, coisa digna de assinalar, a primeira tra-
dução italiana do célebre artigo de Fernand Braudel “Historia y Ciencias Sociales.
La Larga Duración”. Mas só nos anos 70, após uma reorganização de seu comitê,
de algumas mudanças e de perder o apelativo “delle Marche”, é que começou a fun-
cionar como o principal espaço de concentração e irradiação da corrente da
micro-história. O que não impede, ademais, que já nos anos 80 tenha começado a
ser um pouco abandonada ou deixada de lado por alguns dos principais represen-
tantes dessa mesma micro-história, como no caso do próprio Giovanni Levi ou de
Carlo Ginzburg, perdendo uma parte de sua força de inovação e de seu caráter de
“núcleo estruturador” e de “foro de concentração” das principais descobertas dessa
micro-história. Eis um tema que valeria a pena aprofundar com mais minudência.
23 Redução que é justamente o objeto da crítica de Jean-Paul Sartre em seu livro
Crítica da razão dialética, a que aludimos na nota 8.
24 Uma crítica adequada desse procedimento que reduz o geral a uma simples soma dos
casos e das dificuldades e implicações dessa passagem pode ser vista no artigo de
LEPETIT, Bernard. Les Annales aujourd’hui. Review, Binghamton, v. XVIII, n. 2, 1995.
25 No argumento dessa idéia, faço um resumo das idéias que me suscitou a leitura do
brilhante ensaio de LEPETIT, Bernard. Architecture, géographie, histoire: usages de
l’échelle. Genèses, Paris, n. 13, 1993. Considero que essa é uma versão algo mais tra-
balhada do que aquela que, com algumas diferenças, se inclui no livro já referido
Jeux d’échelles com o título “De l’échelle en histoire”.
26 Para nós é evidente que a influência das diversas vertentes da antropologia do sécu-
lo 20, desde os trabalhos de Frederick Barth até os de Claude Lévi-Strauss, e passan-
do pelas lições de Clifford Geertz, entre outros, foi decisiva na construção das dife-
rentes perspectivas dos diversos autores da micro-história italiana. No entanto, o
desenvolvimento adequado desse ponto mereceria por si só todo um novo ensaio,
que não podemos incluir aqui. Sobre esse ponto, pode-se consultar o artigo de Paul-
André Rosental “Construire le ‘macro’ par le ‘micro’. Frederick Barth et la microsto-
ria”, no livro Jeux d’échelle antes citado. Também se pode consultar vários dos ensaios
incluídos no livro Tethnologies en miroir. Paris: Maison des Sciences, 1992, e muito
particularmente o artigo de Christian Bromberger “Du grand au petit. Variations des
échelles et des objets d’analyse dans l’histoire récente de l’ethnologie de la France”.
Ver também a “Introducción” do livro de Carlo Ginzburg Historia nocturna, já cita-
da, e o artigo também referido de Giovanni Levi “I pericoli del geertzismo”.
27 Cf. a esse respeito e sobretudo o livro de ELIAS, Norbert. Sociologia Fundamental.
Barcelona: Gedisa, 1982, e, de maneira mais geral, todo o conjunto da sua obra,
incluindo seus livros sobre The Germans, deporte y ocio en el proceso de la civiliza-
ción, El proceso de la civlización ou La civilización de los padres y otros ensayos, entre
vários outros. Ademais, é claro que sem a consideração da obra de Norbert Elias
fica muito difícil entender as contribuições e o conjunto da proposta dos micro-
historiadores italianos.
28 Referimo-nos, evidentemente, às obras bem conhecidas de Lucien Febvre, Fernand
Braudel, Jean-Paul Sartre ou Norbert Elias, para mencionar apenas alguns exem-
plos de autores que, nesse ponto da superação do pensamento binário ou dicotô-
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OS HISTORIADORES ESPANHÓIS E A
REFLEXÃO HISTORIOGRÁFICA*
(C. 1880-2000)
Gonzalo Pasamar Alzuria**
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Dos exemplos antes resenhados, Vidarte havia tido palavras favoráveis para
aquela, porque “veio (...) recolhendo e concretizando estas iniciativas par-
ciais [a história como obra coletiva] construindo de forma consistente a teo-
ria da organização e funções dos povos como pessoas sociais”.8 O marquês de
la Fuente Santa del Valle havia considerado “proveitoso” ainda que “exagera-
do” o método de Taine.9 Segundo ele, o catedrático da Universidade de
Zaragoza, Eduardo Ibarra, em um discurso de tom positivista e marcada-
mente regeneracionista (1897), atreveu-se a prognosticar que “surge (...)
relação tão estreita entre a Sociologia e a História que não é difícil perceber
que em um futuro ambas ciências difundir-se-ão em uma só”, pois “quando
as leis do desenvolvimento social estiverem fixadas de um modo definitivo,
os feitos históricos servirão de comprovantes à exatidão das mesmas e, uni-
das em um estreito abraço, nos oferecerão o quadro, não suspeitado sequer
pelos historiadores antigos, de uma ciência completa que investigue e expo-
nha cientificamente o desenvolvimento e a vida das sociedades humanas”. 10
Devemos considerar esse diagnóstico, menos estranho daquilo que possa
parecer, com independência de seu otimismo, como resultado da autoper-
cepção e da confiança de alguns dos primeiros profissionais, que viam no
historiador um personagem destinado a um labor transcendental na instru-
ção pública e até mesmo na orientação das jovens disciplinas sociais.
A introdução da Sociologia na Espanha, que se estabeleceu nos meios
acadêmicos de quase todas as tendências ideológicas, especialmente entre
intelectuais liberais e republicanos, teve um efeito apreciável (ainda que efê-
mero) sobre os historiadores regeneracionistas nos finais do século. Talvez
quem de forma mais correta o diagnosticou foi Manuel Sales y Ferré (que
passou a ser o primeiro “sociólogo” universitário espanhol) ao opinar que
essa sociologia não era mais que a antiga filosofia da história “depurada de
sua tendência metafísica e tomada em sentido prático e experimental”.11 Ou
seja, a leitura de autores positivistas mencionados pelos historiadores espa-
nhóis em seus discursos e artigos, os de Spencer, Buckle, Flint, Taine, Renan,
Lacombe, Tarde, Gumplowicz ou Nordau, – a maioria traduzidos, mas cujas
vicissitudes literárias na Espanha não são bem conhecidas –, para além de
suas teses específicas, que praticamente todos se sentiram impelidos a criti-
car por seu excessivo biologismo, teve o efeito de revelar um pensamento
reprimido em um escolasticismo tradicional; sinal evidente de que estava
diminuindo o desconhecimento e o receio acerca das Ciências Sociais, embo-
ra ambos tenham seguido presentes.
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mas dúvidas, também lhe assegurou um posto relevante. Põe à prova as idéias
de Xénopol a tradução da obra El sentido de la História (1911), de Max
Nordau, renomado apologista do decadentismo de fim de século, publicada
nesse mesmo ano na mesma editora e a última das manifestações do positivis-
mo filosófico traduzida para o castelhano até então. Este texto, radicalmente
biologista e de expressão do darwinismo social, depreciava e criticava comple-
tamente o caráter científico da historiografia e o sentido teleológico da filoso-
fia da história.32 Segundo ele, a comentada obra de Xénopol, também perten-
cente ao mundo intelectual do positivismo, não resistiria ao passo do tempo.
Terminou caindo no esquecimento ao longo das décadas posteriores com o
desaparecimento do pensamento positivista, e somente um autor tão delibera-
damente eclético como José Antônio Maravall o tiraria, de certo modo, desse
esquecimento em sua Teoria del saber histórico.33
Essa consolidação, na Espanha, da noção de “ciência da história” deveu,
provavelmente, suas formulações mais coerentes aos intelectuais krausistas.
Como se sabe, durante a Restauração, o krausismo espanhol havia deixado de
ser uma “escola filosófica” para se converter em uma tradição relativamente
dispersa, inclinada para o direito e para os “estudos de literatura e arte”, no
que se refere aos interesses filosóficos.34 Mas seria aberta às ciências sociais e
à sociologia em particular, fenômeno que Adolfo Posada acertaria em quali-
ficar de “krausopositivista”.35
Em conformidade com essa atitude, uma preocupação manifestada pela
epistemologia começou a caracterizar esses intelectuais nos últimos anos do
século. Os estudos de Sociología y filosofia, de Francisco Giner (Obras
Completas, v. XI, 1925), repertório de ensaios publicados naquele momento
(reunidos em 1904 em uma obra de idêntico título), revelavam uma típica
inquietude pelas Ciências Sociais: uma curiosidade filosófica em direção à
Sociologia, entendida como uma “filosofia social” parceira da filosofia da his-
tória. A contribuição mais destacada nestes anos, o discurso de entrada na
Academia de Ciências Morais e Políticas, de Gumersindo de Azcárate
(Concepto de la Sociologia, 1891), era tributária de uma concepção parecida.36
Os mais ortodoxos krausistas abordaram a leitura de doutrinas sociais de cará-
ter naturalista – especialmente a de Spencer – e de tratados sobre a “ciência da
história” com a convicção de que a “história social” e a sociologia, portadoras
de uma imprescindível função moral, estavam ligadas, em última instância, a
uma “ciência dos princípios” ou metafísica que lhes dava sentido. Para eles, a
paternidade das Ciências Sociais seria atribuída a Krause e à tradição idealista.37
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tória” (1908). Uma vez que o autor havia recusado o conceito krausista da
ciência, pois “só há ciência dos fenômenos, aquilo que não é observável não
pode ser objeto da ciência”, 42 tentaria justificar uma dupla acepção de “ciência
da história”: história como substrato de todas as ciências e história como dis-
ciplina específica, equiparável em método e objeto às outras, caracterizada
“pela observação” e com “iguais aspirações mentais de catalogação e classifica-
ção, generalização e indução, de que resultam os conceitos, as idéias, os juízos,
os raciocínios de índole geral e abstrata que tende a formular o homem de
ciência”, 43 dado que “os feitos humanos são (...) igual que os fenômenos res-
tantes produzidos pelos demais seres naturais, objeto de observação e conhe-
cimento conseqüente por parte dos homens”.44
O reconhecimento do caráter específico da sociologia e da historiogra-
fia acabaria tendo seus próprios protetores entre os krausistas mais ortodoxos.
Nesta direção, discorreram os Estudos de Sociologia (1908) de Adolfo Posada
que, sem renunciar completamente à metafísica, reconhecia a procedência
positivista da sociologia, definia a historiografia através de Seignobos e
Xénopol, ressaltava as diferenças de ambas com a Filosofia da História, e
defendia a compatibilidade entre todas elas.45 No entanto, foi Rafael Altamira
o encarregado de firmar o estatuto epistemológico da nascente historiografia
profissional espanhola. Sua contribuição consistiu em conciliar, até onde era
possível, as tradições krausistas com a erudição e a metodologia histórica,
valendo-se de seus vínculos com os eruditos e de um tardio, mas proveitoso,
contato com as escolas históricas francesa e alemã (1890). As idéias expressa-
das em La eseñanza de la Historia (1891, 1895), De historia y arte. Estúdios crí-
ticos (1898) ou Cuestiones modernas de historia (1904), logo divulgadas entre o
público culto,46 acompanharam a difusão da “ciência da história” no mundo
universitário e reformularam os conceitos de “história geral” e “história nacio-
nal”. A obra de Altamira, nesse sentido, singularizou-se pela tentativa de unir a
história de feitos políticos dos eruditos profissionais e acadêmicos com o con-
ceito krausista de “história da civilização” (aquele citado em sua própria lin-
guagem sociológica, com “a unidade orgânica da vida social”), perseguindo
uma história geral em que o “interno” e o “externo” permanecem equilibrados:
Em uma história geral (...) não se pode suprimir a história política (....) como
se o desenvolvimento da personalidade jurídica, territorial e militar dos povos não
tivessem nada a ver com sua civilização. Há (....) que se dar a esta parte da história
um lugar próprio e adequado à sua importância (....) mas, sob a condição de estu-
dá-la conforme o processo natural de sua formação, é dizer, começando pelo seu
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aspecto interno (elementos que ocorrem para criá-la: idéias, classes sociais, etc.)
para que se veja claramente a geração e o porquê do resultado externo (os feitos
políticos, revoluções, guerras, mudanças de dinastia, etc.). 47
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evocava José Antonio Maravall, a leitura de História como sistema, obra em que
“se punha em destaque a singularidade, a individualidade dos feitos históricos
considerados como próprio objeto de conhecimento da história (...), acompa-
nhadas estas circunstâncias de uma temporada de atenção especial à linha
Dilthey-Meinecke, fizeram-me cair em um nominalismo histórico que podia ser
grave”.67 Por outro lado, realçar traços como a “descontinuidade”, “singularida-
de”, “liberdade” ou “personalidade” da história tinha, além do mais, uma clara
leitura política naquele tempo. Introduzia a busca de uma “genuína doutrina da
história”, seja de pretensões tradicionalistas seja de inspiração falangista.
Em 1940, o co-fundador das JONS e historiador profissional, Santiago
Montero Díaz, adiantou-se em expor essa necessidade de uma “doutrina da his-
tória”. Isso também podemos encontrar, por aquelas datas, na revista Escorial,
em que em alguns artigos se encontra aquela frase de Nietzsche: “O passado não
deve ser interpretado sem a suprema força do presente”.68 Integración del arte em
uma doctrina de la histtoria (1940) era uma reflexão sobre a idéia da “história
universal” e suas manifestações historiográficas baseada em uma precisa apela-
ção ao “voluntarismo histórico”, à “personagem” como sujeito da história, e ins-
pirada na teoria dos “tipos básicos da individualidade” de Eduard Spranger –
psicólogo vitalista dado a conhecer nos anos 1930 por Ortega. Ali, como uma
invocação tipicamente fascista, cobrava prioridade a “história estética” e o homo
aesteticus, por ser neste “mais espontâneo e vivo o livre jogo do fator pessoal”.69
Anos mais tarde, repassando o fundo filosófico do “método histórico”, da “his-
toriografia espanhola medieval e moderna” ou “a divisão da história”, em sua
conferência de “Primeiro Curso de metodologia e crítica histórica”, este nietzs-
cheano seguiria insistindo que a “essência da história é a singularidade históri-
ca”, sem aliviar em nada seus prejuízos contra as tradições positivistas:
137
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Occidente, chegou a falar dele em sua História como sistema, que era “o pensador
mais importante da segunda metade do século XIX”,72 e, anos mais tarde, que “os
‘pseudo-intelectuais’, praga de gafanhotos cultural, caíram sobre ele”.73
Em efeito, Dilthey também proporcionou argumentos recorrentes para
realçar essas características de “singularidade” e “liberdade” da história e da
“intuição” no trabalho historiográfico. Seus ecos, junto com os de Spengler,
são informados nos artigos publicados em 1942 pelo franquista convertido
Manuel García Morente. Também neste caso, um antipositivismo militante
servia para fundamentar a tese de que “sobre sua vida biológica vive cada
homem outra vida – a chamemos histórica – que é a série de transformações
pelas quais passa seu ser humano (...) vida [que] não pode ser reduzida a leis
gerais (...) vida peculiar, própria, íntima...”.74 Nesse momento, a biografia pas-
sava a se constituir no gênero historiográfico por excelência, em que o histo-
riador devia “interpretar os feitos na trajetória total da vida através da própria
intuição da continuidade na vida narrada”.75 Os trabalhos de García Morente,
oculta crítica à orteguiana “História como sistema”, foram também um elo na
influência da filosofia da história providencial e tradicionalista. Tal filosofia foi
iniciada com a tradução do filósofo russo Nicolas Berdiaeff, El sentido de la his-
toria (1936, 1943) (morfologia cultural com forte dose de tradicionalismo e
exaltação do “intuitivo”76), a obra de P. García Villada, El destino de España em
la Historia Universal (1936, 1940, 1948),77 e foi cultivada por autores como
Rafael Gambra – assíduo em diversas revistas do Consejo Superior – e de
modo esporádico por historiadores ideologicamente ligados ao tradicionalis-
mo como Luciano de la Calzada, o Martín Almagro.
Talvez tenha sido Pedro Laín Entralgo quem mais insistentemente ser-
viu-se da influência de Dilthey, Heidegger e Ortega em seus estudos, de claro
significado político, sobre o pensamento e a obra de Menéndez Pelayo, que lhe
mantiveram no foco dos furores mais integristas em meados dos anos 1940.
Laín havia se visto atraído durante a Guerra pelo pensamento germânico e
pela história da medicina, reivindicando-a como “ciência cultural” ou “idio-
gráfica” ao modo de Windelband e Rickert em Medicina e História (1941).78
Mas no momento de escolher um procedimento para essas “ciências culturais”
esse intelectual falangista preferia mais a Dilthey que aos neokantianos, auto-
res aos quais o próprio Ortega Havia considerado “antiquados”.79 Em conso-
nância com isso, nas oposições à cátedra de História da Medicina da
Universidade Central (1942), Laín afirmaria que “a aplicação do método de
Rickert serviria se as sucessões históricas tivessem a veracidade imperturbável
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Capítulo 6
dos processos físicos, nos quais são possíveis juízos sintéticos anteriores à
experiência. Para o livre acontecer do homem, o processo é imprestável, nos
deixa em maus lençóis”.80 Sua biografia de Menéndez Pelayo, não obstante, foi
a obra que mais terminantemente o levou ao terreno da história intelectual e
da epistemologia histórica. Menéndez Pelayo. Historia de sus problemas intelec-
tuales (1944) iniciava-se com três capítulos teóricos de influência diltheyana e
heideggeriana sobre o significado e os elementos da “compreensão”, o papel
capital da biografia na historiografia e a proposta de junto aos hábitos psico-
lógicos e éticos do biografado, “nosso problema é saber o que quis fazer uma
pessoa com sua vida inteira”, pois “se adquiriu em sua existência temporal estes
ou aqueles hábitos, foi precisamente graças a esse empenho espontâneo seu ou
influenciado com fazer algo de e com sua vida”.81
Ainda mais clara foi a influência diltheyana em Las generaciones em la
historia (1945), do mesmo autor. Este ensaio, salpicado dos lugares comuns da
história como domínio da “liberdade”, “singularidade” e “descontinuidade”,82
era uma tentativa de “desbiologizar” a categoria de “geração”, de corrigir a “his-
toriologia” orteguiana em uma direção mais obcecada pelo problema da
“vivência”,83 de levar aquela categoria a um terreno psicológico definindo-a
como uma “forma que adota a consciência histórica do homem ante uma
determinada época”.84 A matéria das gerações estava tendo, naquele momento,
um inusitado destino intelectual, iniciada primeiro entre filólogos e historia-
dores da arte e logo entre outros historiadores. Sua divulgação levou ao orte-
guiano Julián Marías, sob o apadrinhamento de seu mestre, a reivindicar tal
achado em El método histórico de las generaciones (1949, 1960, etc.), importan-
te peça para a divulgação do conceito, cuja gênese encontrava-se em autores
franceses do século passado e ao que acrescentava uma certa dimensão socio-
lógica inexistente nos escritos orteguianos mais além das referências nietzs-
cheanas, ainda que o discípulo se esforçasse em manter o contrário.85 A nova
referência ficou expressa neste texto:
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menos casos, pela escola dos Annales. Deixando de lado o seu mais decidido
partidário, Vicens Vives, a sensação que a escola deve ter causado entre os
menos passivos deve ter sido de auto-afirmação: uma “escola” cariz “unilate-
ral”, que, entretanto, ratificava uma necessidade largamente propugnada a
ampliar os horizontes do historiador. Em 1953, a revista Arbor traduziu um
artigo do medievalista belga Charles Verlinden, em que, pela primeira vez, apa-
recia uma tentativa ambígua de delimitar o conceito de “história social”: dis-
tinto da sociologia histórica, da etnologia e da geografia humana, mas, próxi-
mo à história econômica, ainda considerava o conceito definição de uma his-
tória especial.99 Já em 1960 (pouco antes de se publicar na Annales E. S. C., o
conhecido artigo de Braudel, “Histoire et sciences sociales. La longue durée”
(1958), editado em castelhano uma década depois), Carmelo Viñas Mey, dire-
tor naquele momento da Revista Internacional de Sociología e notório adversá-
rio de Vicens Vives, mandou transcrevê-lo “por sua grande significação cientí-
fica e o desejo de nossa revista de suscitar na Espanha o interesse por todas as
vertentes da sociologia”.100 Nesses momentos, já estava na sua segunda edição
aquele que se pode considerar o ensaio teórico mais importante desde o come-
ço do século, a Teoria del saber histórico, de José Antônio Maravall (1958,
1960); uma obra em que se alinhavam o pensamento orteguiano e as “ciências
do espírito” com as influências dos Annales. Por suas páginas desfilava um
elenco de nomes desde Ortega, Dilthey, Max Weber ou Freyer, até Braudel,
passando por alguns quase esquecidos como Xénopol. Sua crítica ao “método
individualizador” lhe permitia considerar a “história social” em sentido globa-
lizador como a futura tendência da historiografia:” sua concepção como um
estudo das relações estruturadas entre os indivíduos e os grupos, há de tomá-
la como um eixo de toda a área historiográfica...”.101
Em médio e largo prazo, a influência da escola dos Annales – em reali-
dade, a de Febvre, Bloch, Braudel, Labrousse e Vilar – seria essencial para esti-
mular a reflexão sobre a história econômica e social. Sem dúvida, talvez por
desconfiança e como recusa a uma “filosofia da história” fortemente centrada
na história intelectual, ou, talvez, devido à vigência de uma estrutura acadêmi-
ca onde cátedras universitárias, Conselhos Superiores e sociedades eruditas
locais eram os pilares de reconhecidos usos metodológicos e eruditos; a partir
dos anos 1950, a reflexão deliberada sobre a História foi uma atividade despre-
zada inclusive por parte dos mais receptivos historiadores. Um Vicens Vives
influenciado pela escola dos Annales considerou mais importante a organiza-
ção de projetos e a reinterpretação da história da Espanha e da Catalunha
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que não era precisamente a reflexão “metodológica” a que urgia enfrentar, desco-
briu, de repente, outras tradições da história social. Reconhecendo-se como
“seguidor” da tradição francesa, e de Pierre Vilar em específico, recusaria uma
“história econômica que não se interessava pelos homens que intervinham nos
fatos econômicos e, sim, pelos fatos em si mesmos. No entanto, Fontana con-
templaria com distanciamento e forte sentido crítico o estruturalismo e as pro-
postas braudelianas. Como escreveu no mencionado ensaio, recusava “uma
história que se limitara a descrever as estruturas existentes e que, ao pretender
imobilizá-las para mostrar-nos sua anatomia, asfixia-as e nos oferece somente
sua carapaça e seu esqueleto”.128 Mas ainda, para o professor catalão, “a hora da
escola dos ‘Annales’ havia passado”, submergida numa confusão de métodos e
incapaz de forjar ou utilizar-se de uma teoria da história.129 Em La Historia,
preferia o termo “história integradora” ao de “história total” e, trazendo ao
debate a obra de E. P. Thompson, ainda desconhecida para o público espanhol,
com suas páginas sobre a natureza histórica das classes sociais, indicaria que “O
historiador (...) não chegará a compreender jamais a dinâmica da evolução de
uma sociedade se não entende os enfrentamentos entre as distintas classes que o
integram” e, também, “deve buscar os critérios definidores dessas classes, e as
razões objetivas de seus ataques , no plano de suas respectivas posições em
relação ao processo produtivo”.130
Após uma inclinação no começo dos anos 1980, como se o final da
Transição houvesse obrigado aos historiadores a estabelecer balanços e conclu-
sões – incluindo Foºntana com sua Historia. Análisis do pasado y proyecto social
(1982) –, encontramos-nos com as reflexões atuais, devedoras dos menciona-
dos mestres, mas também produto de fatores novos e inevitáveis. Sua caracte-
rística: a de formar parte de um processo de influências mais rico e pondera-
do assim como de um notável aumento da atividade profissional e de espírito
associativo. Seu desafio: o de dar resposta a algo tão imprevisível para a histo-
riografia espanhola anterior como a chamada “crise da historiografia”.
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a fundo o panorama atual sem constatar o enorme interesse que suscita a refle-
xão sobre as formas de escrever a história e sobre suas repercussões. No caso
espanhol, esta premissa é, hoje, inegável. Na última década, assistiu-se a uma
eclosão destes temas, concretizada na infinidade de artigos, na organização de
alguns Congressos e incluídos na publicação de certos ensaios. Não se trata de
um fato casual, já que nestes anos pode-se afirmar, sem dúvida alguma, que a
historiografia espanhola acompanhou as correntes internacionais. Assim, por
exemplo, para a reedição de seu ensaio La historia social y los historiadores
(Barcelona, Crítica, 1991), Julián Casanova revisou a metáfora com que esti-
mava os anos 1960 e 1970 (“o deserto espanhol”) e chegou à conclusão de que
“os anos noventa constituem-se em um ponto de inflexão importantíssimo na
historiografia espanhola sobre a idade contemporânea”.131
Este apogeu é o resultado de um processo muito mais demorado,
desenvolvido desde os anos setenta (supra) e que se acelera notavelmente no
decorrer da década de 1980. De fato, nos recentes balanços da historiografia
espanhola (ao menos os relativos aos estudos de história contemporânea),
associa-se o último quarto de século de democracia com um desenvolvimento
inusitado dos estudos históricos. Afirma-se que nós nos encontramos diante
de uma “idade de prata para a nossa profissão”, na qual “superou-se o atraso
produzido pelo isolamento e pela repressão intelectual durante a ditadura
franca”.132 Já nos anos 1970, na fase final da ditadura, uma parte da vitalidade
da historiografia espanhola procedia do fato de ter-se acelerado notavelmente
a recepção da escola dos Annales e da historiografia marxista. Isto é, procedia
da difusão do que se denomina “o paradigma da história econômica e social”.
Todavia, a construção das bases definitivas para a mudança institucional, asso-
ciativa e inclusive de geração de historiados e historiadores espanhóis, come-
çou verdadeiramente nos anos 1980.
No entanto, não é surpreendente que ainda nesta década, em termos
gerais, a historiografia espanhola fosse desconhecida da maioria das correntes
que estavam modificando o panorama internacional; sobretudo, das várias
formas da história política e sociocultural. Não é estranho, insistimos, posto
que, os 15 anos, aproximadamente, em que a história sociocultural se consoli-
dou (1975 a 1990), constituem um dos períodos de maiores mudanças da
época contemporânea. Além do mais, nunca houve uma historiografia tão
compartilhada como a proporcionada pelos estudos culturais nos anos 1980.
Assim, em 1992, Josep Fontana podia publicar um livro em que pretendia “aju-
dar aos que estudam a história, e em especial aos que se dedicam a ensiná-la,
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NOTAS
* Tradução do original espanhol por Gabriela Cristina B. Engler Pinto.
** Universidade de Zaragoza.
1 A última das manifestações do velho gênero seria exposta por Marcelino Menéndez
Pelayo em seu discurso de entrada na Academia de la Historia, intitulado “A História
considerada como arte bela” (1883). Nesse texto, o escritor santanderino não preten-
dia propriamente recuperar a velha noção da História como instrumento da elo-
qüência, e, sim, estudar o tradicional papel daquela situando-o na disciplina nascen-
te da estética ou na história das idéias artísticas. No entanto, o discurso deixou uma
impressão de anacronismo em um momento em que os eruditos profissionais, pro-
fessores e alunos da Escola Superior Diplomática aceitavam a importância do “méto-
do” como traço básico da historiografia (a recepção deste discurso, em PEIRÓ, L.;
PASAMAR, G. La Escuela Superior de Diplomática. Los archievos en la historiografía
española contemporánea. Madrid: ANABAD, 1996. p. 170-171).
2 Vide MENENDÉZ PELAYO, Marcelino. Contestación a “Ambrosio de Spínola. Primer
marqués de los Balbases”, leído ante a Real Academia de la Historia en la recepción
pública de D. Antonio Rodríguez Villa, el dia 29 de octubre de 1893. Madrid: Imp.
Fortanet, 1893. p. 106-107; VIDART, Luis. “Ulitidad de las monografias para el cabal
conocimiento de la Historia de España”, Discursos leídos ante la Real Academia de la
Historia en la recepción pública del Excmo Sr. … el día 10 de junio de 1894. Madrid:
Tip. de San Francisco de Sales, 1984. p. 27-28; FUENSANTA DEL VALLE, Marqués
de la. “El progreso de las ciencias historicas à consecuencia de los nuevos descubrimien-
tos llevados à cabo en el siglo actual”, Discursos leídos ante la Real Academia de la
Historia en la recepción pública del Excmo Sr. ... el domingo 13 de enero de 1895.
Madrid: Imp. de José Perales y Martínez, 1895. p. 52-53, 58. Sobre o significado
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13 Ibid., p. 201.
14 Ibid., p. 291 et seq.
15 Ibid. Conferências V e VI. p. 195-300; a referência expressa a G. Tarde, Ibid., p. 282.
Seu discípulo Miguel Asin asseguraria, anos mais tarde, que Ribera havia chegado à
teoria da imitação em torno de 1893 e de maneira independente do sociólogo fran-
cês (ASÍN Y PALACIOS, Miguel. Introducción. In: RIBERA, Julián. Disertaciones y
opúsculos. Edición colectiva que en su jubilación del profesorado le ofrecen sus discípu-
los y amigos. Madrid: Estanislao Mestre, 1928. v. I, p. XLVI-LII).
16 RIBERA TARRAGÓ, Julián. Lo científico en la Historia. Madrid: Imp. P. Apalategui,
1906. p. 23 (o livro é uma compilação dos nove artigos, cada um com título dife-
rente, que publicou Ribera na Revista de Aragón entre finais de 1902 e 1905).
17 Em seus discursos, Vidart recusava a expressão (p. 8). Gimenez Soler a manipula
(p. 4, 24, 31) e o marquês de la Fuensanta del Vale a utiliza em plural e deixa o sin-
gular para se referir ao “método científico” (p. 8, 52-53).
18 RIBERA TARRAGÓ, Julián. Lo científico en la Historia. Madrid: Imp. P. Apalategui,
1906. p. 102-103, 107.
19 Ibid., p. 85-96.
20 Ibid., p. 105.
21 ALTAMIRA, R. La enseñanza de la historia. Madrid. Librería de Victoriano Suárez,
1895. p. 214-247.
22 Este último significado é o que, por exemplo, utilizava Croce contemporaneamen-
te – recusando o primeiro (Teoría e historia de la historiografía [1914]. Buenos Aires:
Imán, 1966. p. 64); ou o mesmo que havia adotado Berheim na edição de 1903 de
seu Tratado del método histórico (SCHLEIER, Hans. Ranke in the manuals on histo-
rical methodos of Droysen, Lorenz, and Bernheim. In: Leopold Ranke and the
Shaping of the Historical Discipline. Edited by G. G. Iggers, J. J. M. Powell. New York:
Syracusa U. P., 1990. p. 119).
23 GARCÍA VILLADA, Zacarías. Cómo se aprende a trabajar científicamente. Lecciones
de metodología y críticas históricas por el… Barcelona: Tip. Católica, 1912. p. 31.
24 GARCÍA VILLADA, Zacarías. Metodología y crítica históricas. Barcelona: Sucesores
de Juan Gili, 1921. p. 11.
25 BALLESTEROS, Antonio; BALLESTEROS, Pío. Cuestiones históricas. Edades antí-
gua y media (metodología). Madrid: Est. Tip. Juan Pérez Torres, 1913. p. 41-49.
26 GARCÍA VILLADA, Zacarías. Metodología y crítica históricas. Barcelona: Sucesores
de Juan Gili, 1921. p. 15.
27 ALTAMIRA, Rafael. La ciencia de la historia (1904). In:______. Cuestiones moder-
nas de Historia. Madrid: Aguilar, 1935. p. 124-125. Sobre a influência de Xénopol
em Altamira, o comentário, talvez necessitado de certos traços, de CARRERAS, Juan
José. Altamira y historiografía europea. In: ALBEROLA, A. (Ed.). Estudios sobre
Rafael Altamira. Alicante: Instituto de Estudios “Juan Gil Albert”, 1988. p. 408.
28 GARCÍA VILLADA, Zacarías. Metodología y crítica históricas. Barcelona: Sucesores
de Juan Gili, 1921. p. 43; Cómo se aprende a trabajar cientificamente. Lecciones de
metodología y críticas históricas por el… Barcelona: Tip. Católica, 1912. p. 38-41. No
caso do jesuíta, tratava-se de uma preocupação metodológica de “procedência vie-
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tido amplo como elemento fundamental da “história interna”, era considerada uma
manifestação relevante da própria renovação historiográfica. No pós-guerra, a distri-
buição pessoal e profissional do Consejo Superior, assim como a crítica às filosofias
da história de inspiração idealista e positivista, abriram o caminho a uma concepção
da história do Direito muito mais restritiva, formulada precisamente por Afonso
Garça Gallo. Este, em sua argumentação viria a negar que a História fosse ainda a
mestra das ciências ao estilo do século 19, como pretendeu o “positivismo” e, por-
tanto, assegurava que as histórias especiais deviam gozar de independência e se dedi-
ca exclusivamene ao objeto que lhes era próprio (GARCÍA GALLO, Alfonso.
Historia, derecho e historia del derecho. Consideraciones en torno a la Escuela de
Hinojosa. Anuario de Historia del Derecho Español, 23, p. 22-23, 25, 33, 1953). O
argumento teve um duradouro sucesso e somente foi posto em dúvida entre alguns
especialistas, com a renovação historiográfica dos anos de 1970 (CLAVERO, B.
Tomás y Valiente, una biografía intelectual. Milano: A. Giffré, 1996. p. 66, 164-170).
107 VICENS VIVES, Jaime. La transformación económica de Barcelona en el siglo
XVIII) (Destino 1950). In: ______. Obra dispersa. Barcelona: Ed. Vicens Vives, 1967.
v. II, p. 423-424.
108 Destacou sua análise crítica da influência do keynesianismo na historiografia em
“Problèmes de la formation du capitalisme” (Past and Present, 1953) (Une histoi-
re en construction. Approche marxiste et problématiques conjoncturelles. Paris:
Gallimard: Seuil, 1982. p. 125-153). Referências a essa influência nas obras de
Labrousse e Hamilon, em: Prefacio. In: VILAR, Pierre. Cataluña en la España
moderna. Investigaciones sobre los fundamentos económicos de las estructuras nacio-
nales. Barcelona: T. I. Crítica, 1979. p. 18-23.
109 Este é o pensamento que havia inspirado “Croissance économique et analyse histo-
rique” (Cf. Une histoire en construction. Approche marxiste et problématiques con-
joncturelles. Paris: Gallimard: Seuil, 1982. p. 14).
110 VILAR, Pierre. Historia general e historia económica. Moneda y Crédito, 108, p. 15,
marzo 1969.
111 As críticas ao estruturalismo, Ibid., p. 6-9; el “peligro de las técnicas”, Ibid., p. 11-13.
112 SEBASTIÁ DOMINGO, Enrique. La problemática del historiar. En torno a un libro
de Juan Reglà. Hispania. Revista Española de Historia, 110, p. 673, sept./dic. 1968.
Sobre o aparecimento de historiadores marxistas em Hispania, recordemos que
pouco antes Juan José Carreras Ares havia publicado um amplo estudo sobre “Marx
y Engels, (1843-47). El problema de la revolución”. Revista Española de Historia, 108,
p. 56-154, enero/abr. 1968.
113 REGLÀ, Joan. Comprendre el món (réflexions d’un historiador). Barcelona: Ed. A. C.,
1967. p. 17-18, 213-217 e passim. (A obra foi publicada em castelhano sob o título
Introducción a la historia. Socioeconomía-Política-Cultura. Barcelona: Teide, 1970.)
114 REGLÀ, Joan. Comprendre el món (réflexions d’un historiador). Barcelona: Ed. A. C.,
1967. p. 26-40.
115 REGLÀ, Joan. Notas sobre el concepto actual de la Historia. Revista de Occidente
(segunda época), p. 23, abr. 1966.
116 REGLÀ, Joan. Comprendre el món (réflexions d’un historiador). Barcelona: Ed. A. C.,
1967. p. 115-116. Seu mestre, Vicens Vives, passou a considerar o conceito de “gene-
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A RENOVAÇÃO HISTORIOGRÁFICA
FRANCESA APÓS A “GUINADA CRÍTICA”1
Helenice Rodrigues da Silva*
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havia sido alvo de críticas por A História em migalhas (1987) de François Dosse,
que diagnosticou e examinou a fragmentação do projeto dos Annales.
Preconizando uma renovação e os “novos métodos da pesquisa históri-
ca”, ou seja, a necessidade de se levar em conta não mais as estruturas, a longa
duração e os grupos sociais, mas as escalas de análise, os atores individuais e a
escrita da História, os diferentes textos da “guinada crítica”7 visam a romper
com as certezas metodológicas que marcaram os Annales. A modificação
mesmo do subtítulo da revista Annales, em 1993, de Économie, société et civili-
sation para Histoire et sciences sociales demonstra a necessidade de uma renova-
ção, que passaria, num primeiro momento, pela afirmação de identidade da
própria disciplina.
Deixando de lado a possibilidade de uma análise mais aprofundada,
propomos salientar somente os pontos mais relevantes que permearam esse
projeto crítico.
Se o primeiro editorial da “guinada crítica” propõe analisar a conjuntu-
ra historiográfica e elaborar propostas de renovação da prática dos historiado-
res, ele recusa pensar essa mesma conjuntura em termos de “crise da história” e
de fracasso de um “procedimento dominante”, o dos Annales dos anos 1970.
“[Essa é a característica] principal das proposições de redefinição que [preten-
de ser] uma ‘epistemologia de transição’, a partir de uma pressão identitária, ou
seja, em defesa de uma comunidade cuja legitimidade científica (e social) é
objeto de crítica.”8
Propondo estabelecer as bases renovadas do métier dos historiadores, a
“guinada crítica”, num primeiro momento, visa a buscar uma nova legitimidade
científica. Num segundo momento, no início dos anos 1990, o tournant critique
redireciona seu alvo, propondo um novo modelo historiográfico em torno do
paradigma pragmático. Para isso, ela investe, em particular, as propostas teóri-
cas da sociologia das periferias (Boltanski e Thévenot) e da economia das con-
venções”.9 Esse novo modelo paradigmático inscreve-se em uma conjuntura his-
toriográfica marcada pela existência de outros modelos de escrita da História.
Partindo de uma análise da conjuntura marcada pelas “incertezas” e
dúvidas, os textos do primeiro TC – tournant critique – têm, então, por objeti-
vo “estabelecer as bases renovadas” do métier do historiador, apreendendo um
“campo de forças”, composto pela evolução da disciplina, pela sua dinâmica
interna, pelo contexto geral das Ciências Sociais e pelo estado das relações
entre disciplinas.10 O estado de “incerteza” da História resultaria, segundo os
autores, de uma crise geral das Ciências Sociais e do esgotamento mesmo desse
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O PARADIGMA PRAGMÁTICO E
INTERPRETATIVO NA “GUINADA CRÍTICA”
Se o paradigma estruturalista (dos anos 1950 à metade dos anos 1970),
exprimindo pensamentos de “suspeita” e de estratégia, descentralizou o sujei-
to para melhor desvendar a idéia de uma verdade científica, o paradigma dos
anos 1990 reintroduziu não um sujeito transparente e soberano, mas a noção
da consciência e das ações capazes de explicar a consciência dos atores. Os tra-
balhos da pragmática e do cognitivismo (vindos dos Estados Unidos) inspi-
ram, então, esse novo modelo teórico que, abandonando as referências ao
inconsciente e às infra-estruturas, reinveste as Ciências Humanas.
Um segundo momento do TC (nov./dez. de 1989) marca a “conversão
pragmática dos Annales”, radicalizando, desse modo, o paradigma (pragmáti-
co e interpretativo) dos anos 1990. “O motor dessa conversão é essencialmen-
te o investimento de dois modelos teóricos, [já mencionados], o da sociologia
das “cidades – dormitórios” de Luc Boltanski e Laurent Thévenot e o da eco-
nomia das convenções”.22 Esses estudos evidenciam a importância concedida à
ação e à interpretação, a partir de uma pesquisa sobre a pluralidade de conjun-
tos habitacionais (cités), em que se encontra “diferentes mundos de pertença”,
no interior do qual o homem é pluralizado. O estudo evidencia a impossibili-
dade de qualquer reducionismo monocausal.23 Esse modelo de análise socioló-
gica serve, segundo o TC, de inspiração para as futuras análises históricas. Face
ao ecletismo da comunidade histórica, nesse início da década de 1990, o TC
reitera o desejo de defender uma identidade profissional e de construir uma
nova matriz disciplinar.24
Uma série de questões metodológicas, tais como a objetividade, o realismo
e a verdade, impõe-se aos promotores do TC como condição possível de “crista-
lização de um novo paradigma”. O relativismo (os trabalhos de Hayden White) e
os interesses em jogo relativistas do construtivismo25 são rejeitados como uma
impossibilidade de se atingir um conhecimento científico do passado.
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Capítulo 7
AS MÚLTIPLAS ABORDAGENS:
REPRESENTAÇÕES, SIMBOLISMO, MEMÓRIA
Alguns conceitos, tais como o de representação,44 o de apropriação e o
de simbolismo, restituídos às novas escalas de análises, servem de referência às
abordagens históricas atuais. Para melhor marcar a sua distância em relação às
“mentalidades” dos Annales, Roger Chartier (em um número consagrado ao
TC) concede à noção de representação um papel predominante na pluraliza-
ção da construção cultural. Restituído à dinâmica da luta de representação, ao
que se encontra em jogo nas estratégias simbólicas em confrontação, o concei-
to de representação pode ser de extrema eficácia se “concebido a partir de sua
capacidade em articular o espaço dos possíveis no interior do qual se inscre-
vem as produções, as decisões, as intenções explícitas”.45
Nesse processo de construção de sentido resultante do encontro entre o
“mundo do texto” e o “mundo dos leitores”, Roger Chartier propõe levar em
conta diversas formas de apropriação, deixando de lado o recorte unicamente
dualista, como o de dominante/dominados. A valorização da concepção de
apropriação deve-se, em grande parte, à redescoberta de Norbert Elias, ao estu-
do de Michel de Certeau sobre as práticas cotidianas e a Michel Foucault, quan-
do ele se interroga (Vigiar e punir) sobre as práticas não discursivas através do
discurso. Mas, como afirma Chartier, a noção de apropriação não deve corres-
ponder a uma simples automatização de equivalências generalizadas em rela-
ção às categorias sociais; ao contrário, ela deve estar ligada às práticas.
Entre a parte explícita e a parte inconsciente das representações, um
outro campo de investigação é aberto aos historiadores, o do simbolismo.
“Considerar que é possível ter acesso ao passado implica pensar que existe,
para além das variações, das mudanças e das rupturas entre a cultura de hoje
e a de ontem, alguma coisa que permite uma possível comunicação, logo uma
“humanidade comum”, o que permite, por exemplo, reencontrar o sentido da
beleza em Platão ou qualquer outro valor cultural de uma sociedade que não
é mais a nossa”.46 Assim, é dentro de uma perspectiva hermenêutica que o his-
toriador estabelece a ligação entre a compreensão do passado e a intersubjeti-
vidade do autor em relação ao outro, distanciado no tempo.47 Dentro desse
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Capítulo 7
A PROBLEMATIZAÇÃO DA MEMÓRIA
PELA HISTÓRIA50
O objeto memória, constitutivo do trabalho filosófico de Paul Ricoeur,
enquadra-se no chamado “momento memorial” que conhece a França, marca-
do pelas “rememorações” subjetivas e pelas comemorações sociais. Desse
modo, suas análises mais recentes (La mémoire, l’histoire et l’oubli51) contri-
buem para uma melhor apreensão desses dois fenômenos (“rememoração” e
comemoração) que, nesses tempos de crise e de incertezas do presente e do
futuro, vêm marcando a historiografia francesa.
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Capítulo 7
NOTAS
* Professora Adjunta da UFPR.
1 Sob o título de Tournant critique, ou seja, de “guinada crítica”, a revista dos Annales
publica a partir dos números de janeiro/fevereiro de 1988, (essa expressão só apare-
ce no número de março/abril de 1988), novembro/dezembro de 1989,
novembro/dezembro de 1990, novembro/dezembro de 1993, janeiro/fevereiro de
1994, março/abril de 1994, análises críticas sobre a historiografia francesa. O verda-
deiro número da guinada crítica é, no entanto, o de novembro/dezembro de 1989.
2 Os recentes processos judiciais de personalidades políticas (Maurice Papon, Paul
Touvier, Klaus Barbie), envolvidos em crimes durante a Ocupação alemã, mobilizou
os historiadores do tempo presente. Convocados a depor na pretória, alguns entre
eles recusaram o convite, em nome de sua própria função.
3 CERTEAU, Michel de. L’écriture de l’histoire. Paris: Gallimard, 1995. RANCIÈRE,
Jacques. Les mots de l’histoire: essai de poétique du savoir. Paris: Seuil, 1992.
RICOEUR, Paul. Temps et récit. Paris: Seuil, 1983, 1984, 1985. 3 v.
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20 Ibid., p. 95.
21 Em 1994, o comitê de direção da revista integra Laurent Thévenot e André Orléan.
Jean-Yves Grenier é nomeado secretário da redação e Bernard Lepetit reassume o
comitê de direção. (DELACROIX, Christian. La falaise et le rivage. Histoire du
“tournant critique”. Espaces Temps (Lês Cahiers), “Le temps réfléchi”. L’histoire au
risqué des historiens, n. 59/60/61, p. 99, 1995.)
22 DELACROIX, Christian. La falaise et le rivage. Histoire du “tournant critique”.
Espaces Temps (Les Cahiers), “Le temps réfléchi”. L’histoire au risqué des historiens,
n. 59/60/61, p. 98, 1995. Ver BOLTANSKI, L.; THËVENOT, L. De la justification: Les
économies de la grandeur. Paris: Gallimard, 1991.
23 DOSSE, François. Le double tournant hermenéutique et pragmatique dans les etudes
historiques et les sciences socials en France. Texto da Conferência proferida na UFPR
em 17 de abril de 2001, p. 3.
24 DELACROIX, Christian. La falaise et le rivage. Histoire du “tournant critique”.
Espaces Temps (Les Cahiers), “Le temps réfléchi”. L’histoire au risqué des historiens,
n. 59/60/61, p. 99, 1995.
25 A abordagem construtivista parte da idéia de uma edificação permanente do mundo
pelos indivíduos através de suas ações e reações recíprocas, através de suas represen-
tações que orientam suas condutas e suas ações. No entanto, “o construtivismo epis-
temológico não deve ser confundido com as modalidades simbólicas de existência
dos objetos da pesquisa histórica (nível ontológico)”(DELACROIX, Christian. La
falaise et le rivage. Histoire du “tournant critique”. Espaces Temps (Les Cahiers), “Le
temps réfléchi”. L’histoire au risqué des historiens, n. 59/60/61, p. 93, 1995).
26 Ver NOIRIEL, Gerard. L’historien et l’objectivité. Sciences Humaines – L’histoire
aujourd’hui, n. 18, sept./oct. 1997.
27 Ver CHARTIER, Roger. Le temps de doute. Le Monde, 18 mars 1993; NORA, Pierre
(Dir.). Les lieux de la mémoire. Paris: Gallimard, 1993. t. III; VIDAL-NAQUET, P. Les
assassins de la mémoire. Paris: La Découverte, 1991.
28 DELACROIX, Christian. La falaise et le rivage. Histoire du “tournant critique”.
Espaces Temps (Les Cahiers), “Le temps réfléchi”. L’histoire au risqué des historiens,
n. 59/60/61, p. 107, 1995.
29 DOSSE, François. Le double tournant hermenéutique et pragmatique dans les etudes
historiques et les sciences socials en France. Texto da Conferência proferida na UFPR
em 17 de abril de 2001, p. 2.
30 DUHEM, P. La théorie physique, son objet, sa structure. Paris: Vrin, 1981.
31 LATOUR, B. Irréductions. In: Les microbes, guerre et paix. Paris: Métailié, 1984.
32 KOSELLECK, R. Le futur passé. Paris: EHESS, 1990. (trad.)
33 DOSSE, François. Le double tournant hermenéutique et pragmatique dans les etudes
historiques et les sciences socials en France. Texto da Conferência proferida na UFPR
em 17 de abril de 2001, p. 13.
34 Ibid., p. 14.
35 Ibid.
36 RICOEUR, Paul. Temps et récit. Paris: Seuil, 1985. t. 3. Apud DOSSE, François. Le dou-
ble tournant hermenéutique et pragmatique dans les etudes historiques et les sciences
socials en France. Texto da Conferência proferida na UFPR em 17 de abril de 2001, p. 14.
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Capítulo 8
HISTORIOGRAFIA PORTUGUESA
CONTEMPORÂNEA
Francisco J. C. Falcon*
Marcus Alexandre Motta **
com a colaboração da Prof.ª Ms. Ana Luiza Marques***
APRESENTAÇÃO
Este capítulo sobre historiografia contemporânea portuguesa não teria
sido possível sem a decisiva parceria de Marcus Alexandre Motta e a colabora-
ção de Ana Luiza Marques. Encarrega-se o primeiro da elaboração de peque-
nas análises baseadas em obra ou texto expressivo de cada um dos historiado-
res por nós selecionados; coube à segunda sintetizar a contribuição de Antônio
Sérgio no âmbito da vida intelectual lusa, até os meados do século 20; bem
como apresentar, de forma distinta, em grandes traços, a historiografia ante-
rior a 1974.
Tomamos como ponto de inflexão a Revolução dos Cravos, pois aí
situamos os começos da historiografia contemporânea portuguesa. Nossas
limitações, muitas, sem dúvida, a começar pelos limites materiais estabelecidos
pelos editores, impuseram escolhas bastante difíceis que não nos permitem
fazer justiça a todos aqueles historiadores que têm contribuído de modo sig-
nificativo, nas últimas décadas, para os grandes avanços da produção historio-
gráfica em Portugal. Nossas mais sinceras desculpas.
Na organização do capítulo, optamos por distribuir os assuntos da
seguinte forma: I– António Sérgio; II – A historiografia anterior a 1974; III– A
historiografia contemporânea.
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Alguns aspectos estruturais. 3. ed. Lisboa: Livros Horizonte, 1980; Guia de his-
tória da 1ª. República portuguesa. Lisboa: Estampa, 1981; Ensaios de história da
1ª. República portuguesa. Lisboa: Livros Horizonte, 1988; História da maçonaria
em Portugal. Lisboa: Presença, 1990; Portugal. Da Monarquia para a República.
Lisboa: Presença, 1991.
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Capítulo 8
se até observar que as palavras postas em escrita eram tomadas num uso exten-
sivo; quer dizer, funcionavam através de um comum historiográfico que, poden-
do agora importar termos, abordagens, problemas e objetos, assegurava (contra
as próprias urgências de importação e contato) a unificação do conjunto que
elas subsumiam. E como cada historiador conta com balizas para estabelecer cri-
térios de ofício, cada um daqueles intelectuais escreveu o seu ponto de vista
sedentário, pois o nomadismo inerente à “revolução” duraria quadra festiva.
Disse-os cansados; e o que isto insinua? A maneira de dar conta da his-
toriografia portuguesa hoje.13 Algo como uma teoria do relato historiográfico
entre antecena das novidades e o plano de fundo formado pelo nome próprio
História; conforme se dê o detalhe estilístico da escrita de cada um. Para tanto,
escolho historiadores e, com eles, dialogo. Ao fazer, incomodo-os lendo-os. E,
ao lê-los, tomo suas passagens e, com elas, abro conversas, tentando pensar,
sem esclarecer, porque venceu a apreensão genérica da disciplina, após aquele
dia 25 de abril de 1974, sem ser desafiada.
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XX. Lisboa: Regra do Jogo, 1979; Materiais para a história da questão agrária
em Portugal. Porto: Inova, 1974.
Antônio de Oliveira
Pedro Lains
Jaime Reis
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Capítulo 8
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Capítulo 8
Toda obra, literária ou científica, tem um espaço dramático, um espaço que lhe
é intrínseco – e a história é profundamente dramática – e um espaço que lhe é
extrínseco, mas que condiciona a sua construção. Uma boa parte do trabalho de
anos que exigiu a preparação deste livro foi realizada em momentos extremamen-
te agitados e difíceis da minha vida. Em momentos de emotividade e ação devido
às alterações políticas de Abril...19
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Capítulo 8
rico incide (posso dizer) na contradição de que a vida pode ser querida livre,
mas há de especificar o quanto de argamassa existe nisso.
219
Capítulo 8
Eis a primeira locução, a abrir o arremate do livro. Mas o que ela ofere-
ce à compreensão da escrita autoral? Se a vejo começar, atribuo-a figura de
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Capítulo 8
chave; as frases que se seguirão atuam no tom mais baixo imposto pela clave
da sentença. Isso me permite dizer: os escritos do autor estão próximos à notí-
cia da forma final. Algo que implica o intenso approach entre a argúcia da
morte e a idéia de História.
Como assim? Catroga age na escrita como se a infinitude das conexões
de elementos históricos contivessem um aviso último de sentido, expresso no
caráter temporal que, em si, é inacabável; mas, no âmbito da escritura, se reco-
nhece na natureza tumular. Fico a refletir se o autor não imprimiu na mente a
especificidade mensageira da escrita e da história – a mortificação. Sendo esse
trabalho, de onde retirei a sentença, a evidência dessa qualidade intelectual na
área de História Social da Cultura.
Se assim for, a produção historiográfica de Catroga se individualiza por
cultivar, em solo acadêmico, a escrita jornalística. Por quê? Porque é da escrita
jornalística (numa idealização que não pode ser apreendida no meio que lhe
dá suporte) a subtração do “humor” dos acontecimentos, de maneira que, os
mesmos, sejam “ritualizados” numa dinâmica a partir das palavras que lhe dão
sobrevida – não faz o mesmo certo tipo de discurso histórico, segundo resso-
nâncias distintas, mas numa igual freqüência?
Então, admitindo o que anteriormente se disse, a escrita de Catroga,
em razão da atenção às advertências impressas num dado fluxo de tempo,
requer a mesma afinidade que o jornalista tem com os acontecimentos. Claro
que isso é feito de maneira culta, sendo a sua narrativa histórica a palingene-
sia das circunstâncias.
Mas se o solo do cultivo é acadêmico, em que o viés do imediato não
germina, a escrita de Fernando Catroga comparece sob o manto do luto; que
nessa obra é evidente, sem impedir comparecimento em outras. De fato, uma
escrita da história que se queira histórica, precisa, lutuosamente, “ontologizar”
(para usar um termo de Derrida) as ruínas dos testemunhos, de modo a apre-
sentá-los no discurso como comunicação identificável ao acontecido.
Este aspecto da escrita do autor, portanto, percebe a notícia da aproxi-
mação do pensamento histórico com a exaustão do valor da História na con-
temporaneidade. Se o século 19 foi, ao mesmo tempo, século da história e sécu-
lo dos mortos, é possível pensar que escrever no âmbito da disciplina, hoje, é
pressupor a silhueta fim de um pensar e de um valor herdado; não sendo à-toa
o achego do autor à Literatura.
Catroga escreve e, ao fazê-lo, indica. Indicado, a escrita aborda a forma
final. Porém, caso isso fosse levado ao extremo, o discurso entraria numa área
de desentendimento, pois desarrumaria apreensão genérica da disciplina
221
Capítulo 8
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Capítulo 8
nização imagética contém raízes clássicas – nada conspurca tal presença. Isso
quer dizer: seus trabalhos são belas interioridades orgânicas. Imitam mundos,
com arte conceitual e lógica histórica.
Tal aspecto historiográfico repercute círculos binários, em que a
influência imposta pelo verbo saber condiciona a análise de discursos altamen-
te selecionados, conforme um olhar problematizante e histórico que decom-
põe a tarefa em dois: documentos de época portadores de sentido e suspensão
dos privilégios do presente. Isso é: de um lado a singularidade epocal e, de
outro, a ação de pensar entregue ao próprio tempo – o que significa, evitar
qualquer presentismo histórico.
Assim sendo, a escrita de Filipe Barreto percebe a incapacidade de ins-
tituir enunciados que se refiram a algo como parâmetro individualizante; pois
a estrutura da lógica epocal fomenta intróitos históricos, que, por serem, guar-
dam a peculiaridade da abordagem e a especificidade nômade da teoria. Caso
isso tenha significação, escrever para o autor (me permito pensar) é pôr, na
imensa diversidade intelectual, estratos de sentido, cujas articulações espa-
lham-se no leitor como se fossem aprendizados empíricos – na ordem dos
conceitos ou dos problemas.
223
Capítulo 8
1979-1980. 2 v.; Morte de D. Duarte: luta pela regência. In: SARAIVA, José
Hermano (Dir.). História de Portugal. Lisboa: Alfa, 1983. v. 3, p. 107-137; O
poder real e suas autarquias locais no trânsito da Idade Média para a Idade
Moderna. Revista da Universidade de Coimbra, Coimbra, 30, p. 369- 393, 1983;
Reflexos da Peste Negra na Crise de 1383-1385. Separata de: Revista Bracara
Augusta, Braga, 37 (83-84), jun./dez. 1983; O Norte na Revolução de 1383.
Separata de: Gaya, Vila Nova de Gaia, 2, 1984; Movimentos sociais antijudai-
cos em Portugal no século XV. Ler História, Lisboa, 3, p. 3-11, 1984;
Marginalidade e conflitos sociais em Portugal nos séculos XIV e XV: estudos de
história. Lisboa: Estampa, 1985; Os movimentos sociais em Portugal nos finais
da Idade Média. Revista de Ciências Históricas, Porto, 1, p. 219-225, 1986;
Contestação e oposição da nobreza portuguesa ao poder político nos finais da
Idade Média. Revista da Faculdade de Letras, História, Porto, 2ª. série, 4, p. 103-
118, 1987; Les Révolutions Portugaises de la Fin du Moyen Age. In: Colóquio
Histoire du Portugal, Histoire Européenne, Paris: 1986, Actes, Paris Fondation
Calouste Gulbenkian – Centre Culturel Portugais, 1987, p. 37-42.
224
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225
Capítulo 8
estudo de história rural. Coimbra: FLUC, 1983. 2 v.; Homens, espaços e poderes:
séculos XI-XVI. Lisboa: Livros Horizonte, 1990. 2 v.
NOVAS TENDÊNCIAS
Bem, se a historiografia portuguesa escolheu para si mesma, sucessiva
ou simultaneamente, os quatro desvios anteriormente referidos, é importante
incluir, naqueles, as novas vibrações que lhe dão a sobrevida, confirmando o
espaço de apreensão genérica da disciplina. A primeira, que escapa para se
dizer nova, é retorno do político. Aspecto que incorpora uma dada narrativida-
de, mas que ainda se mantém presa à “distribuição das cartas” – categorias e
conceitos da ciência política ou de base antropológica.
Nessa outra exterioridade da velha história política, até porque a pala-
vra é no masculino o sinônimo de astúcia (o que significa ter mais historicida-
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NOTAS COMPLEMENTARES
Os autores e as correspondentes obras que serão listados, por cortes tra-
dicionais à História, mesmo que já tenham comparecido no corpo do traba-
lho, apenas formam um panorama da historiografia portuguesa recente. Não
se quer, aqui, estabelecer critérios de valor, em desuso, para tê-los fora ou den-
tro do texto, e nem esgotar a bibliografia que o tema exige.
No entanto, muitos dos que a seguir estarão presentes assumiram
papéis de destaque na produção histórica em Portugal; confirmando a tendên-
cia historiográfica proveniente da liberdade pós-25 de bril. Caso alguma omis-
são aconteça, minhas sinceras desculpas. Caso meu conhecimento não seja tão
exaustivo como deveria ter sido necessário, novas escusas. Por fim, ao julga-
mento dos leitores a contribuição que se faz possível.
Estudos medievais
Aurélio de Oliveira
Iria Gonçalves
José Marques
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Robert Durand
Valentino Viegas
História moderna
Valentin Alexandre
233
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mental e crítica para a sua história. Separata de: Mare Liberum, Lisboa, 3, 1991;
O declínio da política africana: de Alcácer-Quibir ao abandono de Mazagão. In:
ALBUQUERQUE, Luís (Dir.). Portugal no mundo. Lisboa: Seleções Readers'
Digest, D. L. 1993. v. 1, p. 125-136; O Infante D. Henrique. In: MEDINA, João
(Dir.). História de Portugal. Amadora: Ediclube, D. L. 1994. v. 4, p. 37-42.
Artur Anselmo
Aurélio de Oliveira
Elvira Mea
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Francisco Betencourt
235
Capítulo 8
Jorge Couto
Luís de Albuquerque
236
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Colombiani, 5º. , Genova, 1987; Navi e navigazione nei secoli XV e XVI, [Atti]
Génova, Civico Instituto Colombiano, 1990. p. 519-535; A visão do oceano no
século XV. Forma, Lisboa, 36, p. 9-11, mar. 1990; Portugal entre dos mares.
Madri: Mapfre, 1993.
Manuela Mendonça
237
Capítulo 8
Martim de Albuquerque
História contemporânea
Alberto Ferreira
Alexandre Cabral
António Carreira
238
Capítulo 8
António Reis
António Ventura
239
Capítulo 8
Aurélio de Oliveira
Carlos da Fonseca
César Oliveira
240
Capítulo 8
David Carvalho
David Justino
Edgar Rodrigues
241
Capítulo 8
Fernando de Sousa
Fernando Medeiros
Fernando Rosas
O Estado Novo nos anos 30. Lisboa: Estampa, 1986; Salazar e o salaza-
rismo. Lisboa: Dom Quixote, 1989; Portugal entre a paz e a guerra: estudo do
impacto da II Guerra Mundial na economia e na sociedade portuguesa 1939-
1945. Lisboa: Estampa, 1990; SERRÃO, Joel; MARQUES, A. H. de Oliveira.
(Dir.). Nova história de Portugal. Lisboa: Presença, 1992. v. 12: Portugal e o
Estado Novo (1930-1960); MATOSO, José (Dir.). História de Portugal. Lisboa:
Círculo de Leitores, 1994. v. 7: O Estado Novo (1926-1974).
Franco Nogueira
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Jacinto Batista
João B. Serra
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Jorge Campinos
Jorge Couto
Jorge do Ó
Jorge Pedreira
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Capítulo 8
José-Augusto França
245
Capítulo 8
Luís Vidigal
246
Capítulo 8
M. E. A. Mateus
Magda Pinheiro
Manuel Lucena
247
Capítulo 8
Maria Carrilho
248
Capítulo 8
Mário Murteira
249
Capítulo 8
Ramiro da Costa
Rui Feijó
Rui Ramos
Sacuntala de Miranda
250
Capítulo 8
Valentim Alexandre
251
Capítulo 8
Victor de Sá
Outros domínios
História da Arte
Arte da Alta Idade Média em Portugal. Lisboa: Alfa, 1988; Arte românti-
ca em Portugal. Lisboa: Alfa, 1988.
Jorge de Alarcão
252
Capítulo 8
José-Augusto França
Pedro Dias
Vítor Serrão
António Almodóvar
253
Capítulo 8
Armando Castro
História da Igreja
254
Capítulo 8
História Militar
255
Capítulo 8
Maria Carrilho
Rui Bebiano
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Capítulo 8
Demografia histórica
Amorim Girão
Custódio Cónim
Fernando de Sousa
J. Manuel Nazareth
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Capítulo 8
Joel Serrão
Orlando Ribeiro
Sacuntala de Miranda
Sousa Franco
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Capítulo 8
Tereza Rodrigues
NOTAS
* PUC-Rio de Janeiro.
** Prof. Visitante do Instituto de Letras da UERJ.
*** Doutoranda do PPGHSC da Puc – Rio.
1 LOPES, Fernando Fardo. Antônio Sérgio na “Renascença Portuguesa”. Revista de
História das Idéias, 5; Antônio Sérgio. Coimbra: Instituto de História e Teoria das
Idéias da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1983. 2 v., p. 408.
2 GODINHO, Vitorino Magalhães. Antônio Sérgio: presença no passado, presença no
futuro. In: ______. Ensaios. Humanismo científico e reflexão filosófica. Lisboa: Sá da
Costa, 1971. v. 4, p. 263-270.
3 GODINHO, Vitorino Magalhães. Mito e mercadoria, utopia e prática de navegar.
Séculos XIII-XVIII. Lisboa: Difel, 1990. p. 19. Nesse mesmo texto Godinho nota a
influência de Antônio Sérgio na obra de Jaime Cortesão.
4 SÉRGIO, Antônio. Correspondência para Raul Proença. Lisboa: D. Quixote/Biblioteca
Nacional, 1987. Carta n. 77 de 9 ago. 1923, p. 167.
5 SÉRGIO, Antônio. Breve interpretação da história de Portugal. 10. ed. Lisboa: Sá da
Costa, 1981.
6 Ibid., p. 1.
7 SÉRGIO, Antônio. Obras completas: ensaios. 2. ed. Lisboa: Sá da Costa, 1977. t. II, p. 27.
8 SERRÃO, Joel. Poesia, invenção do homem (dedicado ao poeta Eugénio de
Andrade). In: ______. Portugueses somos. Lisboa: Horizonte, 1975.
9 Ibid., p. 119.
10 MARQUES, A. H de Oliveira. Introdução à História dos Gatos em Portugal. In: A his-
toriografia portuguesa hoje. Coord. José Tengarrinha. São Paulo: Hucitec, 1999. p. 46-47.
11 DIAS, J. S. da Silva. Os descobrimentos e a problemática cultural do século XVI.
Lisboa: Presença, 1982. p. 261-262.
12 Essa parte do texto não teria sido possível sem a pesquisa bibliográfica dos alunos
Denise Pires de Andrade e Wanderlei Barreiro Lemos.
13 Além dos historiadores que estarão no corpo do texto, apresento outros em Notas
complementares. Faço-as localizando a produção historiográfica, conforme nomes e
obras sugeridas por José Manuel Tengarrinha no livro Historiografia luso-brasileira
contemporânea, publicado pela Edusc. Chamo-as de Notas complementares em
razão de serem, antes, anexos, sem qualquer influência nas linhas que se seguirão.
259
Capítulo 8
14 MATTOSO, José. A escrita da história: teoria e métodos. Lisboa: Estampa, 1988. p. 27.
15 HESPANHA, António Manuel. O debate acerca do “Estado Moderno”. In: A historio-
grafia portuguesa hoje. Coord. José Tengarrinha. São Paulo: Hucitec, 1999. p. 144-145.
16 PEREIRA, Mirian Halpern. A política de emigração portuguesa (1850-1930). In: A his-
toriografia portuguesa hoje. Coord. José Tengarrinha. São Paulo: Hucitec, 1999. p. 183.
17 MENDES, José M. Amado. A emigração portuguesa nas óticas de Alexandre
Herculano, Oliveira Martins e Afonso Costa. Separata de Revista Portuguesa de
História, Instituto de História Econômica e Social da Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra, t. XXIV, p. 294, 1990.
18 COELHO, António Borges. Tópicos para o estudo da relação Universidade e
Inquisição (séculos XVI-XVIII). In: ______. Clérigos, mercadores, “judeus” e fidal-
gos. Lisboa: Caminho, 1994. p. 245-258.
19 TORGAL, Luís Reis. Ideologia política e teoria do estado na Restauração. Coimbra:
Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, 1981. p. XI.
20 RAMOS, Luís A. de Oliveira. Sob o Signo das “Luzes”. Lisboa: Imprensa Nacional-
Casa da Moeda, 1988. p. 9.
21 CATROGA, Fernando. O céu da memória – cemitério romântico e culto cívico dos
mortos. [Coimbra]: Minerva, 1999. p. 315.
22 BARRETO, Luís Filipe. Caminhos do saber no Renascimento Português – estudos de
história e teoria da cultura. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1986. p. 315.
23 TENGARRINHA, José. Os caminhos da unidade democrática contra o Estado
Novo. In: A historiografia portuguesa hoje. Coord. José Tengarrinha. São Paulo:
Hucitec, 1999. p. 229.
260
Capítulo 9
A HISTORIOGRAFIA LATINO-
AMERICANA DA QUESTÃO NACIONAL:
NAÇÕES INACABADAS; INIMIGOS
DA NAÇÃO E A ONTOLOGIA
DA NACIONALIDADE
Claudia Wasserman*
261
Capítulo 9
Num primeiro momento, até o período que se abre com a 1.ª Guerra
Mundial, os discursos político e historiográfico estiveram altamente influen-
ciados pelos modelos estrangeiros. As nações européias serviam de parâmetro
ideal para a análise das realidades latino-americanas e o paradigma civilizató-
rio era tido como meta a ser alcançada. A partir da 1.ª Guerra Mundial, polí-
ticos e intelectuais latino-americanos perderam as ilusões acerca dos modelos
estrangeiros, mas a desilusão não se traduziu na busca de alternativas viáveis
para o desenvolvimento interno. Embora o marxismo, de um lado, e o nacio-
nalismo, de outro, tenham feito sucesso na América Latina na primeira meta-
de do século 20, os discursos político e historiográfico mantiveram-se fiéis à
busca da almejada “civilização” contra a “barbárie” e do “desenvolvimento”
contra o “subdesenvolvimento”. O mito do progresso e das “luzes” continuou
sendo propalado no discurso modernizador e, sobretudo, o discurso político
seguiu exaltando os valores da sociedade moderna ocidental e isso teve efeitos
semelhantes no campo historiográfico.
Em relação à questão nacional latino-americana, a identidade entre os
dois tipos de construção discursiva pode ser identificada em pelo menos três
pontos: a idéia de que o processo de construção nacional na América Latina
ficou incompleto, a noção de que há obstáculos concretos para alcançar a for-
mação nacional e a identificação de inimigos da nação, ou seja, aqueles que
estariam em oposição à completude do processo. Essa semelhança entre o dis-
curso político oficial – enunciado por frações das classes dominantes latino-
americanas – e o pensamento historiográfico renovam a conclusão de que as
idéias não estão desfocadas ou “fora do lugar”, mas influenciadas direta ou
indiretamente pelos interesses das classes dominantes, ainda que não cons-
cientemente. Essas observações preliminares levam a pensar que, quando se
analisa a hegemonia das classes dominantes, ou o domínio das elites, esses pro-
cessos não ocorrem apenas e tão somente nos universos do mercado e da polí-
tica, mas também têm grandes implicações no mundo do saber.
A preocupação com a revisão da literatura acerca do tema tem como
objetivo não percorrer, sem necessidade, um caminho que muitos já traçaram;
mas, também se justifica pela observação de tendências historiográficas que
remetem a um equívoco de enfoque sobre a centralidade do problema nacio-
nal no subcontinente: a tendência a tomar exemplos históricos longínquos
como modelos ideais e da idéia de existência ontológica das nações latino-
americanas. Com base na teoria geral contemporânea sobre a construção das
nações modernas, desaprovo as idéias de existência ontológica e tento me
262
Capítulo 9
colocar mais próxima dos autores que pensam a nação como uma relação
social específica de um determinado momento no desenvolvimento econômi-
co, tecnológico e social de cada país.
Um dos temas mais discutidos entre os teóricos da questão nacional é o
que diz respeito às origens da nação moderna. Com poucas exceções,1 esses
autores situam seu aparecimento no período de transição ao capitalismo e
insistem na íntima relação dessas “novas unidades” com o Estado. Muito
embora a discussão da gênese das nações modernas gere um confuso debate
entre historiadores, sociólogos e teóricos da filosofia política, algumas premis-
sas básicas são aceitas integralmente.
Segundo Anderson, por exemplo, “a convergência do capitalismo e da
tecnologia da imprensa sobre a diversidade fatal das línguas humanas criou a
possibilidade de uma nova forma de comunidade imaginada”. Para ele, as
nações modernas são “comunidades imaginadas” e a possibilidade histórica de
imaginar esse tipo de unidade só ocorreu de fato quando três conceitos cultu-
rais básicos da sociedade medieval entraram em decadência: a idéia de uma
língua escrita monopolizada por elites religiosas, a crença da sociedade orga-
nizada de maneira natural em torno de dogmas hierárquicos e a concepção de
temporalidade, relacionada a paradigmas messiânicos.2
Hobsbawm também entendeu a necessidade de situar o aparecimento
do fenômeno nacionalidade na história. Ao discutir a conveniência do levan-
tamento de critérios que possibilitem distinguir uma nação de outras entida-
des, observa que: “Todas as definições objetivas falharam pela óbvia razão de
que, dado que apenas alguns membros da ampla categoria de entidades que se
ajustam a tais definições podem, em qualquer tempo, ser descritos como
nações, sempre é possível descobrir exceções.”3 O autor descarta também os
critérios chamados “subjetivos”, segundo os quais o que determinaria a exis-
tência de uma nação seria a “vontade” de ser dos habitantes de certo território
ou sua consciência de pertencer àquela unidade. Esses critérios, segundo
Hobsbawm, levariam a extremos de voluntarismo e somente serviriam para
determinar a existência de uma nacionalidade a posteriori. Neste sentido, con-
clui que: “a nação pertence exclusivamente a um período particular e histori-
camente recente. Ela é uma entidade social apenas quando relacionada a uma
certa forma de Estado territorial moderno, o Estado-nação: e não faz sentido
discutir nação e nacionalidade fora desta relação”.4 Hobsbawm ainda adverte
que “a questão nacional (...) está situada na interseção da política, da tecnolo-
gia e da transformação social”,5 ou seja, a existência da nação exigiu historica-
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Capítulo 9
A título de conclusão,9 pode-se afirmar que as nações são, aos olhos dos
cientistas sociais contemporâneos, fenômenos objetivamente modernos e
situados historicamente no processo de transição ao capitalismo e que tiveram
sua origem no poder dos nacionalismos, ou melhor, na força de projetos
nacionalizantes, projetos que demandavam autonomia para determinada
região, ou que visavam unidade e centralização política, ou ainda, evocavam a
valorização cultural de determinados grupos sociais e outros.
Neste artigo, pretendo discutir como a historiografia latino-americana
contemporânea considera essa problemática: em que momento histórico
situam o surgimento das nações e nacionalidades latino-americanas? Quais os
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tomático que quase toda a literatura positivista apresentasse no título dos tra-
balhos a palavra “evolução”. A noção de uma história unilinear era corrente
para essa geração. A “religião do progresso” triunfou em quase todos os países
da América Latina. Entusiasmados com a possibilidade de seus próprios paí-
ses se equipararem à “civilização ocidental”, os autores diagnosticavam os
males da América Latina como problemas advindos da formação das raças, da
ignorância generalizada e da péssima administração dos governantes que se
seguiram aos processos de independência. Mesmo os autores positivistas mais
incrédulos na possibilidade de obtenção de uma homogeneidade cultural con-
sideravam a nação como um dado, advinda dos processos que ensejaram a
dominação oligárquica, como a reforma liberal no México, a proclamação da
República no Brasil ou a queda de Rosas na Argentina. Os positivistas confia-
vam na prosperidade obtida graças ao boom das atividades primário-exporta-
doras e defendiam os governos oligárquicos, fortes e excludentes, como os úni-
cos capazes de levar os países a atingir o patamar das nações civilizadas.
Por outra parte, ao mesmo tempo em que o positivismo se impunha
como filosofia política dominante, percebia-se a defesa do indigenismo e do
negro brasileiro, a valorização da cultura pré-hispânica, a negação do modelo
norte-americano e avaliação dos prejuízos que ele poderia causar. Essas idéias
apareceram no final do 19 e início do século 20 e seus principais expoentes
fizeram escola no pensamento político latino-americano: o cubano José Martí
e o uruguaio José Enrique Rodó. Inauguraram o que mais tarde ficaria conhe-
cido como “Hora americana” e achavam que o principal obstáculo à unidade
nacional era a adoção de modelos como o norte-americano. Pensavam que
essa adoção frustrava a possibilidade de colocar em prática os processos de
unificação nacional. Por isso mesmo, Martí propunha que se realizasse a
“segunda Independência”.
O ensaio Ariel, do uruguaio José Enrique Rodó (1871-1917), foi publica-
do em 1900 e evocava um “espírito” latino-americano, rechaçando o utilitaris-
mo e a mediocridade da democracia norte-americana. Proclamado como o pro-
feta do “novo idealismo” latino-americano, Rodó inspirou uma série de intelec-
tuais do subcontinente, chamados “arielistas”. No entanto, sua obra refletia, na
verdade, uma versão da interação contínua entre o empirismo (positivismo) e o
idealismo (espiritualismo), presentes no pensamento francês do século 18.36
Entre as dissenções do pensamento positivista dominante encontram-
se autores como o brasileiro Manoel Bonfim,37 os argentinos Paul Grossac
(franco-argentino), Ricardo Rojas, Manoel Gálves38 e os mexicanos Antonio
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Genericamente, o período que vai de 1910 a 1940 foi uma fase de agita-
ção social e política em todos os países da América Latina. Greves operárias,
formação de partidos socialistas e comunistas, anarquismo, radicalismo agrá-
rio e movimentos como a Revolução Mexicana, o Tenentismo no Brasil e a
Reforma Universitária na Argentina revelam que outros grupos sociais, além
dos grupos dominantes, estavam preocupados com a solução dos males latino-
americanos. E, muito embora, a forma e a intensidade dessas manifestações
político-sociais tenham sido diversas, bem como seus resultados tenham apa-
recido mais tardiamente em uns países do que em outros, do ponto de vista
intelectual, do pensamento acerca das questões nacionais, pode-se afirmar que
a busca das origens da nação, da essência da nacionalidade e de aspectos iden-
titários foram igualmente vigorosos em todos os países do subcontinente.
Após a eclosão da 1.ª Guerra, da crise das oligarquias, do início das
revoluções mexicana e russa, observava-se um rompimento importante em
relação ao paradigma anterior e ao modelo de civilização a ser alcançado,
mesmo que o positivismo não tenha desaparecido totalmente do pensamento
latino-americano. Nesta época, explodiu a temática nacional: Samuel Ramos,45
no México; Ezequiel Martinez Estrada,46 na Argentina; Gilberto Freire47 e Sérgio
Buarque de Holanda,48 no Brasil, são os exemplos mais importantes dessa ten-
dência. Inclusive o professor mexicano Abelardo Villegas considera que
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Capítulo 9
“Samuel Ramos, Ezequiel Martínez Estrada y Gilberto Freire son los más gran-
des pensadores nacionalistas de América Latina, y destaca la coincidencia de la
aparición se sus primeras obras entre los años 1930 y 1940”.49
Consideravam o passado como um obstáculo e preconizavam a liquida-
ção das raízes como um imperativo do desenvolvimento nacional. Exploraram
conceitos polares como sociedade rural x sociedade urbana; tradicional x
moderno; personalismo x coletividade; público x privado; contrapunham-se à
tentativa de importação de idéias européias e à implantação de cultura forâ-
nea. Os brasileiros exaltavam os bandeirantes paulistas, assim como os autores
argentinos e mexicanos tentavam recuperar a imagem dos caudilhos, como
forças telúricas, que representavam a identidade nacional mais autêntica.
Identificavam a nação como entidade cuja existência era indiscutível, pelo
menos desde a independência, mas que possuía uma série de vícios e defeitos
de origem. Dentre as anomalias da formação do caráter nacional, considera-
vam o “ritmo lento”, “o despovoamento”, “a herança portuguesa ou espanho-
la”, a “tendência à imitação” e outros como os males que afetavam a constru-
ção da nacionalidade plena em seus países. A nação era vista como “provisó-
ria”, “mal feita e mal povoada”. O desprezo pelas massas populares, caracterís-
tico da literatura do período anterior, transformara-se nestes textos em neces-
sidade crescente de valorização e incorporação destas à nacionalidade.
No mesmo período, o marxismo latino-americano despontava como
importante tendência epistemológica no campo da história nacional. O histo-
riador brasileiro Caio Prado Jr.,50 por exemplo, representou um esforço de
interpretação da realidade nacional que tinha muito em comum com os auto-
res nacionalistas. Essa fase consagra-se pela absorção orgânica do marxismo
como epistemologia da história, a exemplo de Caio Prado Jr. e da obra do
peruano José Carlos Mariátegui (1895-1930), mas também como instrumen-
to de luta política. Do ponto de vista prático, os dirigentes socialistas latino-
americanos seguiam as tendências discutidas e decididas em foros distantes: os
congressos internacionais e a prática soviética. Mesmo assim, a questão do
nacionalismo e da liberação nacional ocupou papel preponderante na obra
dos principais escritores marxistas. Até 1935, proclamavam a necessidade de
lutar pela revolução socialista e antiimperialista, simultaneamente. Os movi-
mentos de El Salvador, em 1932, e a Insurreição de 1935, no Brasil, foram
exemplares neste sentido. A partir da consolidação de Stalin no poder soviéti-
co, os dirigentes latino-americanos passaram a pregar a “revolução por etapas”,
conquanto entendiam que o subcontinente precisava cumprir a fase ou etapa
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tual, literária, como Octávio Paz,62 poderiam ser citados como exemplo dessas
tendências. Nesta fase da produção historiográfica latino-americana destaca-
se a continuidade das tendências interpretativas dos períodos anteriores, mas
também algumas interpretações diferenciadas, cuja discussão sobre a origem
da nação estava acompanhada de estudos empíricos específicos que davam
sustentação às propostas teóricas.
Muito embora a historiografia latino-americana do século passado e a
contemporânea insistam em atribuir às divisões territoriais e de governo ameri-
canas o status de nações, uma análise cuidadosa dos processos empíricos que esti-
veram presentes na formação desses países, como unidades independentes das
respectivas metrópoles, será suficiente para comprovar a inexistência concreta
dessas unidades. Em primeiro lugar, existiam, no período anterior às emancipa-
ções políticas, muitas opiniões contrárias às independências, justamente pelo
temor das elites coloniais em perder a unidade imposta rigidamente pelas metró-
poles ibéricas. É muito difícil ainda definir as fases através das quais os portugue-
ses nascidos no Brasil, ou espanhóis nascidos no México e Argentina começaram
a tomar consciência de si mesmos como americanos, quanto mais como mexica-
nos, brasileiros ou argentinos. As idéias de fatalidade no nascimento extra-espa-
nhol acompanharam por muito tempo, e após os processos de independência, os
descendentes de portugueses e espanhóis na América e isso se deve ao fato de que
essa transição – modificação do sentimento de pertencimento – era obstaculiza-
da por diferenças étnicas e sociais que separavam a grande massa de índios e
negros, com variadas manifestações de mestiçagem, das elites coloniais proprie-
tárias. Os sentimentos antilusitanos e antiespanhóis – o sentir-se “americano” –
estiveram de fato presentes nos processos de emancipação do México, Brasil e da
Argentina, mas somente foram incorporadas pelas elites coloniais quando esses
processos demonstraram sua inevitabilidade.
No momento das independências, não existiam as identificações
nacionais e mesmo subcontinentais que existem atualmente. Essa ausência
permitia que os militares e líderes da independência de um “país” atuassem
em vários pontos do continente. Sobre isso, Edelberto Torres Rivas observa
que “a crise do Estado colonial foi o fim da nação hispânica ou hispano-ame-
ricana. O sonho de Bolívar foi apenas isso, um sonho”.63 Foram possivelmen-
te os sonhos, as paixões, os interesses políticos e o vislumbramento de alter-
nativas de uma “nação melhor” que levaram a maior parte dos pensadores
contemporâneos a identificar permanentemente as incompletudes do proces-
so e a identificação dos seus inimigos.
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Capítulo 9
diz ele: “No Brasil do início da República, inexistia tal sentimento. Havia, sem
dúvida, alguns elementos que em geral fazem parte de uma identidade nacional,
como a unidade da língua, da religião e mesmo a unidade política. A guerra contra
o Paraguai na década de 1860 produzira, é certo, um início de sentimento nacional.
Mas fora muito limitado pelas complicações impostas pela presença da escravidão...
A busca de uma identidade coletiva para o país, de uma base para a construção da
nação, seria tarefa que iria perseguir a geração intelectual da Primeira República”.65
“(...) ainda que a nação já existisse como uma realidade cultural, cujos valores
básicos eram uma língua comum, uma religião e uma relativa homogeneidade
racial, essa realidade só ganhou eminência a partir de determinadas situações de
poder. Em outras palavras, faziam falta a essa transformação as possibilidades reais
de uma experiência em partilhar instituições políticas comuns e, permeando todos
esses níveis societários, uma solidariedade econômica, uma condição de mercado
em que encontrassem respaldo os interesses dominantes”.66
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NOTAS
* Professora Adjunto de História e pesquisadora (UFRGS); Drª. em História (UFRJ).
Cwasserman@via-rs.net.
1 AMIN, Samir. La nation arabe. Nationalisme et lutte de classes. Paris: Minuit, 1976.
p. 109. Oferece a idéia de uma nação milenar, que nasce e renasce. Os comerciantes-
guerreiros, por exemplo, já formariam uma nação que posteriormente seria destruí-
da, idéia a partir da qual o surgimento da nação não tem qualquer relação com uma
classe social ou com a gênese do capitalismo.
2 ANDERSON, Benedict. Nação e consciência nacional. São Paulo: Ática, 1989. p. 9-56.
3 HOBSBAWM, Eric. Nações e nacionalismo desde 1780. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1990. p. 15, afirma que língua, território, etnia, traços culturais comuns, religião e
outros podem ser importantes, mas não fundamentais para definir a existência des-
ses agrupamentos humanos.
4 HOBSBAWM, Eric. Nações e nacionalismo desde 1780. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1990. p. 19.
5 Ibid.
6 GELLNER, Ernest. Nações e nacionalismo. Trajectos. Lisboa: Gradiva, 1993. p. 89.
7 Ibid., p. 77.
8 Ibid., p. 78, 79. Grifos meus.
9 Essa introdução tem como objetivo apresentar algumas questões fundamentais
sobre a problemática da nação moderna, sem as quais seria impossível o rigor teó-
rico que se pretende nesse estudo; entretanto, não pretende dar conta de todos os
autores contemporâneos e tampouco de todas as discussões travadas por eles.
10 SOLER, Ricaurte. Clase y nación. Barcelona: Fontamara, 1981.
11 IANNI, Octávio. Classe e nação. Petrópolis: Vozes, 1986.
12 Ibid., p. 14-15.
13 SOLER, Ricaurte. Clase y nación. Barcelona: Fontamara, 1981. p. 61, 63.
14 VITALE, Luis. Introduccion e una teoria de la História para América Latina. Buenos
Aires: Planeta, 1992. p. 260-261.
15 Entre outros autores que compartilham desta visão estão KAPLAN, Marcos.
Formação do Estado Nacional na América Latina. Rio de Janeiro: Eldorado, 1974;
BORDA, Fals. As revoluções inacabadas na América Latina (1809-1968). São Paulo:
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Capítulo 9
Global, 1979; GILLY, Adolfo. La Revolución interrumpida. ed. aum. e corr. México:
Era, 1994. A primeira edição foi de 1971; RAMOS, Jorge Abelardo. La Nación incon-
clusa. Montevideo: Ediciones de la Plaza, 1994.
16 SERRANO CALDERA, Alejandro. La história como reafirmación o como destruc-
ción. In: ZEA, L. (Comp.). Quinientos años de História, sentido y proyección. México:
Fondo de Cultura Económica, 1991. p. 173, grifo meu, A noção de incompletude
aparece neste autor de forma explícita nesta passagem.
17 SOLER, Ricaurte. Clase y nación. Barcelona: Fontamara, 1981.
18 IANNI, Octávio. Classe e nação. Petrópolis: Vozes, 1986.
19 Ibid., p. 132.
20 Os autores clássicos dessa discussão são FERNANDES, Florestan. A revolução bur-
guesa no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 1974; SAES, Décio. A formação do estado bur-
guês no Brasil (1888-1891). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985; CUEVA, Agustín. El
desarrollo del capitalismo en América Latina. México: Siglo XXI, 1977; KOSSOK,
Manfred et al. Las Revoluciones Burguesas. Barcelona: Crítica, 1983.
21 KAPLAN, Marcos. Formação do Estado Nacional na América Latina. Rio de Janeiro:
Eldorado, 1974. p. 113. Grifos meus.
22 MORENO, Mariano. Plan Revolucionario de Operaciones. Buenos Aires: Plus Ultra,
1975. 3. ed. p. 24, 25, 26. Originalmente escrito em agosto de 1810.
23 J. M. Morelos, apud BRADING, D. A. Orbe indiano. De la monarquia católica a la
república criolla, 1492-1867. México: Fondo de Cultura Económica, 1991. p. 623.
24 BOLÍVAR, Simón. Escritos políticos. Lisboa: Estampa, 1977. p. 98, intitulada Cartas
de Jamaica: resposta de um americano meridional a um cavalheiro desta ilha.
Kingston, 6 de setembro de 1815.
25 SARMIENTO, D. F. Facundo o civilización y barbarie. 5. ed. Buenos Aires: Sopena,
1952. Primeira edição de 1845, p. 5.
26 ALBERDI, J. B. Bases y puntos de partida para la organización política de la República
argentina. 4. ed. Buenos Aires: Plus Ultra, 1981. Primeira edição de 1852, p. 136.
27 ALAMÁN, L. Disertaciones. In: BRADING, David A. Orbe indiano. De la monar-
quia católica a la república criolla, 1492-1867. México: Fondo de Cultura
Económica, 1991. p. 692.
28 MORA, J. M. L. México y sus Revoluciones. México: Ed. Agustín Yáñez, 1950. 3 v., v. II,
p. 230. Primeira edição em 1836.
29 VARNHAGEN, F. A. História geral do Brasil. Antes de sua separação e independência
de Portugal. 7. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1959, 6 t., t. I, p. 24. A primeira edi-
ção desse tomo data de 1852.
30 ABREU, J. Capistrano de. Ensaios e estudos, 1ª.série. Rio de Janeiro: Briguiet, 1931. p. 75-76.
31 CUNHA, E. Os sertões. São Paulo: Abril Cultural, 1979. p. 30-89. A primeira edição
do livro é de 1901.
32 TORRES, Alberto. O problema nacional brasileiro: introdução a um programa de orga-
nização nacional. 4. ed. São Paulo: Ed. Nacional, 1982. A primeira edição foi de 1914.
33 RABASA, Ricardo. La evolución histórica de México. México: Porrua, 1956. p. 263,
264, escritos de 1920.
285
Capítulo 9
34 SIERRA, Justo. Evolución política del pueblo mexicano. México: Fondo de Cultura
Económica, 1940. p. 192-282. Primeira edição de 1910.
35 INGENIEROS, José. La evolución de las ideas Argentinas. Buenos Aires: El Ateneo,
1951. p. 299. A primeira edição foi de 1918.
36 HALE, Charles A. Ideas políticas y sociales en América Latina, 1870-1930. In: BET-
HELL, L. História de América Latina (cultura y sociedad, 1830-1930). Barcelona:
Crítica, 1991. v. 8, p. 1-64.
37 BONFIM, M. A América Latina: males de origem. Rio de Janeiro: Topbooks, 1993.
p. 173. A primeira edição foi de 1903.
38 Apud HALE, Charles. Ideas políticas y sociales 1870-1930. In: BETHELL, L.
História da América Latina. Cultura y sociedad, 1830-1930. Barcelona: Crítica,
1991. v. 8, p. 36.
39 HOBSBAWM, Eric. A Era do Capital 1848-1875. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1979. p. 107.
40 HOBSBAWM, Eric. A Era das Revoluções 1789-1848. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1979. p. 162.
41 Ibid., 1990, p. 19.
42 CUEVA, Agustín. El desarrollo del capitalismo en America Latina. México: Siglo XXI,
1979. cap. 5.
43 Anibal Ponce apud PORTANTIERO, Juan Carlos. Estudiantes y política en
América Latina 1918-1938. El proceso de la Reforma Universitaria. México: Siglo
XXI, 1978. p. 29.
44 RAMA, Carlos M. Nacionalismo e historiografia en America Latina. Madrid: Tecnos,
1981. p. 14.
45 RAMOS, Samuel. El perfil del hombre y la cultura en Mexico. México: Espasa-Calpe,
1996. 26. Reimpressão, p. 21-22. A primeira edição deste livro é de 1934.
46 MARTÍNEZ ESTRADA, E. Radiografia de la pampa. 13. ed. Buenos Aires: Losada,
1991. p. 11. A primeira edição é de 1933.
47 FREYRE, Gilberto. Casa grande e senzala. 22. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1983. A
primeira edição é de 1933.
48 HOLANDA, S. B. de. Raízes do Brasil. 13. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1979. p. 3, 121.
A primeira edição é de 1936.
49 A. Villegas em RAMA, Carlos M. Nacionalismo e historiografia en America Latina.
Madrid: Tecnos, 1981. p. 147.
50 PRADO JR., C. Evolução política do Brasil. 8. ed. São Paulo: Brasiliense, 1972. p. 48.
A primeira edição foi de 1933.
51 GIUDICI, E. El imperialismo y la liberación nacional. Buenos Aires: Granica, 1974.
p. 3-5. A primeira edição é de 1940.
52 PRESTES, L. C. Os problemas atuais da democracia, 1944, apud CARONE, Edgard.
A Terceira República (1937-1945). Rio de Janeiro: Difel, 1982. p. 508.
53 LOMBARDO TOLEDANO, V. El Partido Popular, 1947, apud LÖWY, M. op. cit.,
1982. p. 161.
54 MELLO, J. M. Cardoso de. O capitalismo tardio. 5. ed. São Paulo: Brasiliense, 1986.
p. 20, 21. A primeira edição é de 1982.
286
Capítulo 9
55 Ibid.
56 CARDOSO, F. H.; FALETTO, E. Dependência e desenvolvimento na América Latina.
Ensaio de interpretação sociológica. 6. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. A primeira
edição é de 1970.
57 VITALE, Luis. Introduccion e una teoria de la História para América Latina. Buenos
Aires: Planeta, 1992. p. 204.
58 PEREYRA, C. El sujeto de la história. México: Alianza, 1988. p. 179-192.
59 PINSKY, Jaime. A formação do Estado nacional no Brasil: origens do problema. In:
BRUIT, Héctor H. (Org.). Estado e burguesia nacional na América Latina. São Paulo:
Icone, 1985. p. 69.
60 IANNI, O. O labirinto latino-americano. Petrópolis: Vozes, 1993. p. 75.
61 Ibid., p. 77, 78.
62 PAZ, Octávio. El laberinto de la soledad, Postdata e Vuelta a el laberinto de la soledad.
México: Fondo de Cultura Económica, 1996. p. 227. Esta é uma edição popular que
reúne três obras do autor, cujas primeiras edições foram publicadas respectivamen-
te em 1950, 1970 e 1979.
63 TORRES RIVAS, E. Sobre a formação do Estado na América Central (hipóteses e
questões fundamentais para seu estudo). In: PINHEIRO, Paulo Sérgio. O Estado na
América Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. p. 65.
64 Marc Bloch falava em “obsessão embriogênica” ou “mito das origens” e explicava
esse fenômeno como fruto de uma preocupação religiosa – necessidade de explicar
a origem da vida – que teria se estendido a outros campos de investigação, como à
História, por exemplo. Ainda segundo Bloch, isso provoca o aparecimento de outro
“inimigo satânico da verdadeira história: a mania de julgar”. BLOCH, M. Apología
para la história o el oficio de historiador. México: Fondo de Cultura Económica,
1996. p. 144, Edição crítica preparada por Étienne Bloch.
65 CARVALHO, José Murilo. A formação das almas. O imaginário da República no Brasil.
São Paulo: Companhia. das Letras, 1990. p. 32. O texto de Carvalho é extremamen-
te agradável e rigoroso na utilização de fontes não escritas – monumentos e símbolos
republicanos –, mas o que me interessa é que ele é um dos primeiros autores brasilei-
ros a situar o aparecimento da nação na fase de implantação e consolidação do modo
de produção capitalista no país, depois do advento da abolição, pelo menos.
66 TORRES RIVAS, E. Sobre a formação do Estado na América Central (hipóteses e
questões fundamentais para seu estudo). In: PINHEIRO, Paulo Sérgio. O Estado na
América Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. p. 66.
67 CHIARAMONTE, José Carlos. El problema de los origenes de los Estados hispa-
noamericanos en la historiografía reciente y el caso del Rio de la Plata. Porto Alegre:
Anos 90, UFRGS, n. 1, maio de 1993, p. 50.
68 Ibid., p. 51.
69 NUNES, José Horta. Manifestos modernistas: a identidade nacional no discurso e
na língua. In: ORLANDI, Eni Puccinelli. Discurso fundador. São Paulo: Pontes, 1993.
p. 43-57.
70 NUNES, José Horta. Manifestos modernistas: a identidade nacional no discurso
e na língua. In: ORLANDI, Eni Puccinelli. Discurso fundador. São Paulo: Pontes,
1993. p. 49.
287
71 FERREIRA, M. C. L. A antiética da vantagem e do jeitinho na terra em que Deus
é brasileiro (o funcionamento discursivo do clichê no processo de construção
da brasilidade) In: ORLANDI, Eni Puccinelli. Discurso fundador. São Paulo:
Pontes, 1993. p. 69-79.
Capítulo 10
HISTÓRIA E NAÇÃO:
TRAJETÓRIA DA HISTORIOGRAFIA
CUBANA DO SÉCULO 20
Oscar Zanetti Lecuona
A CONSTITUIÇÃO DE UMA
HISTÓRIA NACIONAL
O século 20 iniciou-se para os cubanos sob um clima de incerteza. Após
décadas de combate pela liberdade, o pavilhão espanhol fora finalmente corri-
do da ilha, mas apenas para ser substituído pela bandeira de listas e estrelas,
símbolo de uma ocupação passageira e com prazo definido decorrente da
intervenção norte-americana que pusera termo à guerra de independência. A
289
Capítulo 10
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Capítulo 10
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REAFIRMAÇÃO NACIONAL
E RENOVAÇÃO HISTORIOGRÁFICA
Na década de 1920, toma corpo uma mudança substancial na trajetória
da sociedade cubana. Após o entusiasmo desenfreado produzido pela 1.ª
Guerra Mundial, uma profunda e inesperada crise desmascara a fragilidade
estrutural da economia monoprodutora. A transferência maciça de proprieda-
des para mãos norte-americanas, provocada pela queda do preço do açúcar,
dissipa as ilusões de um progresso ilimitado até em certos elementos da bur-
guesia associados ao capital imperialista. Mergulhadas na corrupção e nas
lutas partidárias, as classes dirigentes republicanas deixam clara sua incapaci-
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1920 e 1930; do mesmo modo que a revolução de 1933, embora frustrada, havia
sacudido a hegemonia oligárquica na república, o impulso renovador desse anos,
sem transformar radicalmente a elaboração e os fundamentos da historiografia
cubana, deu margem a um discurso alternativo da história nacional capaz de dis-
putar espaço com a tradição oficial na consciência histórica da sociedade.
FLORESCIMENTO E DIVERSIDADE
Os anos 1940 e 1950, sobretudo os primeiros, são um ponto culminan-
te no movimento historiográfico cubano que se expressa não tanto pela enver-
gadura e alcance das publicações quanto pela profusão e diversidade destas.
Em meio à atmosfera de democratização e recuperação econômica propiciada
pela 2.ª Guerra Mundial, surgem obras tradicionais e inovadoras, marca pre-
sença uma nova geração de historiadores, dilatam-se os espaços públicos de
debate e difunde-se um paradigma historiográfico – o marxismo – capaz de
orientar as tendências renovadoras rumo a metas mais ambiciosas e cruciais.
Em 1939, Emeterio Santovenia – então presidente da Academia – dá
início à publicação de sua Historia de Cuba, da qual, quatro anos depois, verá
a luz um segundo volume. A obra estaca no final do século 18, mas ainda assim
constitui uma boa mostra de que o discurso histórico tradicional não se sub-
trai ao influxo de certos ares renovadores, ampliando-se para abarcar alguns
processos econômicos e sociais, inclusive certos aspectos do modo de vida, sem
que seus textos percam o enfoque descritivo. Outros expoentes da historiogra-
fia acadêmica – J. M. Pérez Cabrera, F. Ponte Domínguez – nutrem também a
literatura histórica da época com monografias breves e estudos biográficos de
caráter mais ou menos tradicional. Os temas do século 19, bem como a abor-
dagem da vida e obra dos próceres, continuam predominando na produção
historiográfica – e não apenas na acadêmica – que, pela maior parte, flui pelo
desaguadouro aberto à história nacional.
O caso peculiar e até certo ponto contraditório de Herminio Portell Vilá
ilustra a heterogeneidade da orientação historiográfica da época. Esse historia-
dor, que havia mostrado interesse pela história diplomática em alguns breves
estudos publicados ao longo da década de 1930, deu a lume, entre 1939 e 1941,
uma Historia de Cuba en sus relaciones con Estados Unidos y España, obra alen-
tada em quatro volumes em que ele aproveita – e em boa medida reproduz –
a copiosa documentação consultada durante um longo período de trabalho
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ausente a intenção explicativa ainda que esta, de um modo geral, capte apenas as
relações mais elementares. A exaltação dos valores nacionais, enfim, conserva o
sabor indistinto e às vezes ingênuo do discurso tradicional, mas ainda assim o
transcende graças a um manifesto espírito nacionalista que se detém exatamen-
te na fronteira com o antiimperialismo – algo compreensível em se tratando de
uma obra concebida como texto para o ensino oficial.
Portuondo pertence à nova geração de historiadores surgida ao final da
década de 1930, alguns dos quais haviam marcado presença num ciclo de con-
ferências de grande repercussão sobre a História de Cuba, editadas pouco
depois sob os auspícios de Emilio Roig.16 Nessa nova jornada, nota-se a
influência do marxismo, cuja difusão seria facilitada pela atuação legal do
Partido Comunista durante os anos 1940. A nascente historiografia marxista
cubana insere-se no movimento renovador, cujo primado, sobretudo em
Ramiro Guerra, alguns de seus membros reconheceriam de modo explícito.17
Os primeiros historiadores marxistas, carentes como seus colegas de uma for-
mação específica e provavelmente mais limitados nas possibilidades de exercí-
cio profissional, concentraram esforços na “reinterpretação” da História de
Cuba, trabalho que desenvolveram de maneira um tanto dispersa e fragmen-
tária, apoiando-se nos conhecimentos acumulados pela historiografia prece-
dente. A figura mais ilustrativa dessa novel historiografia marxista é Sergio
Aguirre com sua obra de estréia, Seis actitudes de la burguesía cubana en el siglo
XIX (1942). Aguirre manuseia a trama histórica tradicional para subvertê-la,
vislumbrando a origem das diversas posturas e correntes políticas na evolução
das condições socioeconômicas e no jogo dos interesses de classe. Nesse
mesmo estilo analítico, o historiador produziria, uma década depois, em
Quince objeciones a Narciso López, a crítica mais profunda e convincente à con-
trovertida – e já mencionada – obra de Portell Vilá.18
Por seu caráter interpretativo e aplicação explícita de uma teoria da his-
tória, o marxismo lança o primeiro desafio em regra ao primado positivista na
historiografia cubana. Entretanto, a penúria de pesquisas concretas fez com que
os primeiros historiadores marxistas dependessem do material factual disponí-
vel e impediu-os, por isso mesmo, de refundir na essência o discurso histórico
estabelecido.19 Em que pese à sua crítica geral da historiografia burguesa e seu
interesse pelo resgate do sujeito popular – a ação histórica do negro, por exem-
plo –, o núcleo dos historiadores comunistas permaneceu cativo das formula-
ções e valorizações tradicionais frente a alguns processos e personalidades.
Nisso pode ter influído também a conjuntura política, pois não se deve esque-
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O IMPACTO DA REVOLUÇÃO
A Revolução de 1959 constitui a reviravolta histórica capital do sécu-
lo 20 cubano. Mais que uma saída para a crise política encarnada na ditadura
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uma válvula de escape para a pesquisa concreta, a ser melhor ou pior aprovei-
tada segundo as circunstâncias. Contudo, sem margem a dúvidas, a conseqüên-
cia mais lamentável da onda dogmática na esfera educativa seria a supressão da
História de Cuba como matéria específica do curso médio, com seus conteúdos
se dissolvendo numa disciplina histórica geral organizada de acordo com a
sucessão de formações econômico-sociais em escala mundial. Assim se elimi-
nou toda possibilidade de um estudo sistemático da história nacional, desapa-
receram os textos sobre o tema e, pior ainda, formou-se uma geração inteira
com limitadíssimos conhecimentos do processo histórico cubano.
Na pesquisa científica, privilegiaram-se certos campos e desestimula-
ram-se outros, conforme as concepções teóricas em vigor. Mas até aqueles a
que se dava prioridade ficaram paralisados por um enfoque claramente empo-
brecedor, como sucedeu com a história operária, tratada em termos estrita-
mente institucionais que deixavam de lado importantes problemas cuja eluci-
dação teria enriquecido a imagem do passado cubano. Os centros de pesquisa
adotaram métodos de direção que propiciavam a esterilidade intelectual e, em
sentido genérico, impôs-se uma atitude de reserva e suspeita com relação à
literatura histórica de países outros que não os da Europa do Leste – incluin-
do a de marxistas ocidentais – que isolava os historiadores e condenava-os a
ignorar os progressos da ciência histórica em escala mundial.28
Em que pese ao fato de se fazerem sentir restrições também no âmbito
editorial, que começaram a afrouxar após a criação do Ministério da Cultura,
em 1976, a publicação de monografias, ensaios e outros estudos iniciada nos
anos 1960 prosseguiu em escala ascendente, já agora nutrida pelas contribui-
ções de uma nova safra de historiadores formados nas universidades.29 Graças
às próprias peculiaridades do processo histórico cubano e à sua sólida tradição
nacionalista – inestimáveis obstáculos ao mimetismo –, a historiografia logra-
va rebater os golpes do dogmatismo e iniciava um movimento progressivo
rumo à consolidação. No evolver dessa tendência, expressa tanto no número e
na acuidade das pesquisas quanto em sua ampliação temática, algumas especia-
lidades historiográficas já estabelecidas cobram novo impulso, enquanto outras
se consolidam. A história econômica, que em 1973 haurira o sopro renovador
do estudo que Pino-Santos dedicou à atividade do capital monopolista norte-
americano em Cuba,30 consegue a sua mais alta realização, na época, com o sur-
gimento, em 1978, dos três volumes em que Moreno Fraginals concentra os
resultados de sua pesquisa sobre o complexo açucareiro escravista. Ambas as
linhas asseguram sua continuidade mercê das contribuições de novos pesquisa-
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Capítulo 10
dores como Jesús Chía, Arnaldo Silva, Francisco López Segrera, Alejandro
García e Oscar Zanetti (em estudos estruturais e empresariais sobre a era capi-
talista), bem como de Fe Iglesias e Gloria García, entre outros, que se dedicam
aos problemas da economia baseada na escravidão. A isso se somam novas
indagações sobre o período colonial remoto, notadamente o trabalho de Le
Riverend a respeito dos problemas da formação agrária. A história demográfi-
ca nasce graças aos esforços de Pérez de la Riva, cujos estudos sobre os movi-
mentos migratórios constitutivos do povo cubano encontram seguidores em
Jesús Guanche, Sonia Catasús, Rafael López Valdés e outros. O conhecimento
das estruturas e classes sociais se aprofunda com as contribuições de María del
Carmen Barcia, Alejandro García e Eduardo Torres Cuevas, destacando-se este
último igualmente na esfera da história intelectual. Os estudos sobre as condi-
ções econômicas e sociais do negro, o tráfico de escravos e outros problemas
relacionados à presença negra na história cubana alimentam-se dos constantes
trabalhos de Franco e Deschamps, a quem se somam Rafael Duharte, Enrique
Sosa, Gabino La Rosa, Tomás Fernández Robaina e Rodolfo Sarracino. A temá-
tica operária chama especialmente a atenção, conforme dissemos, e embora
muitos estudos fluam pelo leito apertado do convencional, registra contribui-
ções notáveis assinadas por Carlos del Toro, Olga Cabrera, John Dumoulin e
Eddy Trimiño, além de uma síntese geral da história do movimento operário
realizada quase ao fim dessa fase.31
No quadro de tão vasto panorama, são os temas da história política que
continuam absorvendo o grosso da produção historiográfica. Os movimentos
políticos e as correntes ideológicas do século 19, em particular as lutas pela
independência sem excluir seus aspectos militares, mantêm a tradicional pri-
mazia no seio de uma geração nova que trará à cena nomes estreantes: Ramón
de Armas, Pedro Pablo Rodríguez, Francisco Pérez Guzmán, Eusebio Leal,
Diana Abad, Oscar Loyola, Salvador Morales, Mildred de la Torre, só para
mencionar alguns dos numerosos cultivadores dessa temática. Diversas perso-
nalidades do século passado são objeto de estudo biográfico, mas o foco da
atenção concentra-se em José Martí. Para examinar a vida e as idéias desse pró-
cer, cria-se um centro de pesquisas. Por outro lado, a caracterização do pensa-
mento de Martí suscita uma reveladora polêmica em que se esclarece uma vez
mais o contraste entre aqueles que enfatizavam as especificidades da história
nacional e aqueles que se esforçavam para traduzir essas especificidades em
categorias de alcance universal.32 Os processos republicanos constituem o
outro grande campo da historiografia política. Trata-se, é claro, de um terreno
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Capítulo 10
bem menos conhecido em que se aventuram Teresita Yglesias, Joel James, José
Tabares, Lionel Soto, Federico Chang e Jorge Ibarra com estudos sobre perío-
dos ou personalidades das décadas mais recuadas, e Mario Mencía, Pedro
Alvarez Tabío e William Gálvez, pioneiros no estudo da luta insurrecional que
conduziu ao triunfo revolucionário de 1959, assunto responsável também por
farta publicação de perfil testemunhal. Embora esses trabalhos esclareçam
importantes questões do período neocolonial, a ânsia de contrastar passado e
presente, além de certa tendência a enfoques teleológicos, impediu o exame
dos problemas em todo o seu espectro, de sorte que o conhecimento da expe-
riência republicana continua apresentando deficits muito sensíveis para a
construção de uma imagem íntegra da história nacional. Mais notável ainda é
a virtual ausência de estudos históricos sobre a etapa posterior a 1959, de
modo que o passado recente vem sendo matéria de análise para sociólogos ou
economistas, mas continua carente de “historização”.
Embora suas origens remontem à década de 1960, cremos apropriado
consignar aqui um fenômeno inédito no século que abordamos: a existência
de uma produção historiográfica cubana fora de Cuba. Seu surgimento resul-
tou da atividade de alguns intelectuais e políticos como Santovenia, Calixto
Masó e Carlos Márquez Sterling, entre outros que, tendo abandonado a ilha
após o triunfo da Revolução, fazem e refazem suas obras sob o impacto do
acontecimento revolucionário. Trata-se, em grande medida, de uma retomada
da velha tradição historiográfica, mas agora viciada por uma insistência no
presente que, amiúde, torna difícil distinguir estudos estritamente históricos
de outros de perfil sociopolítico, cujo alcance científico acaba por isso mesmo
sendo bastante questionável.33
Com o passar do tempo, foram se definindo duas linhas nessa historio-
grafia. A primeira é representada por historiadores não-profissionais que, com
ânimo diverso, abordaram processos, acontecimentos e personalidades do pas-
sado cubano para criar uma literatura (quase toda publicada pela editora
Universal, de Miami) que inclui tanto monografias de valor quanto verdadei-
ros compêndios de bisbilhotice. A outra se baseia no trabalho de alguns histo-
riadores de origem cubana formados em universidades dos Estados Unidos
durante os anos 1970 e 1980, que revelaram interesse pelos problemas históri-
cos de seu país natal. Com freqüência inovadores por seus temas, fontes ou
métodos, esses trabalhos trazem apreciações novas sobre o processo histórico
da nação, ainda que de um modo geral tendam a se enquadrar mais nos mol-
des acadêmicos norte-americanos – quase todos são teses de doutorado – que
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Capítulo 10
OS TEMPOS ATUAIS
O desaparecimento da União Soviética e do bloco socialista europeu em
princípios dos anos 1990 teve formidável impacto sobre a realidade cubana. O
país assistiu ao rompimento brusco de seus principais vínculos econômicos,
enquanto os Estados Unidos redobravam esforços para sufocar o processo revo-
lucionário. Afora a queda acelerada dos indicadores econômicos e a visível dete-
rioração das condições sociais, a crise apresentava também outra faceta, que,
para efeitos desta análise, vem a ser a mais importante: ao solapar realidades
tidas por irreversíveis, o giro histórico questionou os fundamentos do paradig-
ma marxista, projetando a crise para o âmbito ideológico e cultural. A busca de
novas fórmulas econômicas e os reajustes políticos precisavam cercar-se, pois, de
uma reavaliação dos pressupostos culturais do projeto revolucionário.
Enquanto o marxismo forceja por se reconstituir passando sua expe-
riência pelo crivo da crítica, em Cuba, a revolução se firma nos valores autóc-
tones e o discurso histórico se aferra ao tom nacionalista em seu duradouro
confronto com os Estados Unidos. Essa apreciação, que nos parece bastante
exata para definir a tendência mais geral, resulta, todavia, de uma nítida insu-
ficiência, se com ela pretendermos caracterizar o estado atual dos estudos his-
tóricos na ilha.
A atividade historiográfica, na segunda metade da década de 1990, foi
incentivada em grande parte pela comemoração do centenário da última guer-
ra de independência (1895-1898) e, na medida em que isso coincidiu com uma
certa recuperação econômica e editorial, temos aí realizações suficientes para
traçar um panorama da situação. Os problemas clássicos daquele período his-
tórico – estado e perspectivas do conflito quando da intervenção dos Estados
Unidos, razões dessa intervenção, tendências dentro do movimento libertador,
etc. – foram outra vez trazidos à baila para serem examinados à luz de novas
fontes, principalmente espanholas e norte-americanas, num esforço de revisão
cujo resultado mais visível é a obra em dois volumes de Rolando Rodríguez,
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Capítulo 10
Cuba: la forja de una nación (1998). Também é notório o interesse por resga-
tar assuntos pouco estudados como a “reconcentração” – em Herida profunda
(1998), de Francisco Pérez Guzmán – e, sobretudo, dilatar a perspectiva dos
problemas, situando-os de maneira correta em marcos temporais mais
amplos, observando-os numa vasta rede de relações ou invadindo terrenos
inexplorados, principalmente na esfera social, conforme se vê nos trabalhos de
Fe Iglesias, Oscar Zanetti e María del Carmen Barcia.
E é no amplo espectro temático da chamada “história social” que se inse-
rem, em volume cada vez maior, os trabalhos mais recentes da historiografia
cubana. Problemas da História de Cuba, movimentos e conflitos sociais, menta-
lidades coletivas ou de sexo imbricam com linhas já estabelecidas, como a ques-
tão étnica e as estruturas sociais, numa dinâmica que vai ampliando gradativa-
mente o campo de pesquisa. Para o desenvolvimento dessa tendência, contri-
buem tanto trabalhos de figuras consagradas – Jorge Ibarra, por exemplo – e
especialistas conhecidos – como Carlos Venegas, Lohania Aruca e Ernesto
Chávez – quanto representantes da última geração de historiadores cubanos.
Fruto de cursos universitários durante a década de 1980, esses novos pesquisa-
dores vão encetar sua carreira nas complexas circunstâncias dos anos 1990. Em
trabalhos como os de María A. Marqués, J. Ibarra Guitart, Mercedes García,
Urbano Martinez, Rafael Rojas ou Eliades Acosta, fazem-se visíveis ao mesmo
tempo a continuidade e a vontade renovadora dos gêneros estabelecidos (histó-
ria política, econômica e intelectual), tanto quanto o interesse crescente por
áreas pouco exploradas da história social. Salta à vista a importância desse movi-
mento rumo à chamada “recuperação do sujeito” na constante renovação da his-
tória nacional, pois que traz à cena histórica atos, crenças e condições reais de
existência das pessoas comuns ou desvenda ângulos quase ignorados da cons-
ciência social. Desse modo, começa-se a suprir uma carência antiga, tornando o
discurso mais próximo e também mais acessível.37
A outra esfera em que atualmente se observa um dinamismo todo par-
ticular é a história regional. A renovação dessa valiosa especialidade historio-
gráfica já era perceptível nos anos 1980, graças às obras de autores como
Hernán Venegas, Olga Portuondo e Raúl Ruiz. A criação de centros superiores
de estudo em todas as províncias do país, bem como as redes de museus, arqui-
vos e bibliotecas, foram suportes fundamentais para esse movimento que vai
aglutinando historiadores das principais cidades e regiões. Suas realizações,
ainda discretas, aparecem em monografias ou revistas e dão vida a um progra-
ma de histórias provinciais ou municipais que busca resgatar as identidades
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Capítulo 10
NOTAS
1 Cuba y su evolución colonial. La Habana: Imp. El Avisador Comercial, 1907. Um ano
antes, Figueras publicara o folheto La intervención y su política, em que fazia uma
primeira avaliação dos fatores que impediam Cuba de levar existência independen-
te e, com gritante providencialismo, apontava para o destino de americanização da
ilha. Em Cuba y su evolución colonial, fundamentava essa tese no plano histórico
com um texto mais aliciante pela sugestão de certas interpretações sociológicas que
pela exatidão factual ou pelo peso da documentação.
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Capítulo 10
2 Collazo já havia dado mostras de suas aptidões historiográficas precoces com a pu–
blicação de Desde Yara hasta el Zanjón (1893), um relato da primeira guerra de
independência. Embora não fosse historiador profissional, apoiava sua narração
tanto em experiências próprias quanto em documentos, dos quais reproduz na obra
longos trechos, como era costume na época. Seu esforço, por outro lado, tem fun-
damento pragmático bem explícito, conforme se vê na “Dedicatória” de Los ameri-
canos en Cuba: “Aprendamos, com a história de nosso passado, a desconfiar de nos-
sos protetores humanitários [...] se é que queremos conservar a independência
absoluta e a liberdade, pelas quais lutamos durante meio século”.
3 Embora os primeiros expoentes dessa literatura apareçam em fins do século 19, ela
se nutre cada vez mais, desde os primórdios da república, da publicação de obras
como La revolución de Yara, de Fernando Figueiredo (1902), Mi diario de la guerra,
de Bernabé Boza (1905), Las crónicas de la guerra, de José Miro Argenter (1909) e
Relieves, de Gerardo Castellanos (1910).
4 ALMODÓVAR, Carmen. Antología crítica de la historiografía cubana (período neo-
colonial). La Habana: Ed. Pueblo y Educación, 1989. p. 99-102.
5 YGLESIA, Teresita. The History of Cuba and its Interpreters, 1898-1935. The
Americas, XLIX, n. 3, p. 373-374, Jan. 1993.
6 Entre essas obras, figuram as monografias de Roque Garrigó e Adrián del Valle, de-
dicadas às primeiras conspirações independentistas, os estudos da historiadora
norte-americana Irene Wright sobre a Havana dos primeiros séculos coloniais e
importantes compilações documentais como o Centón epistolario de Domingo del
Monte e o Cedulario cubano, fruto de uma minuciosa pesquisa empreendida por
José María Chacón y Calvo nos arquivos espanhóis. Uma arguta avaliação das carac-
terísticas e realizações da Academia está no ensaio inédito de Ricardo Quiza, El
cuento al revés: historia, nacionalismo y poder en Cuba, 1902-1930, cujo texto pude-
mos consultar por gentileza do autor.
7 Quiza, p. 30-36.
8 The Early History of Cuba, 1492-1856. New York: [Macmillan], 1916; Historia docu-
mentada de San Cristóbal de La Habana. La Habana: Siglo XX, 1927. Para uma apre-
ciação, ver C. García del Pino e A. de la Fuente, “Apuntes sobre la historiografía de
la segunda mitad del siglo XVI cubano”, em Santiago, n. 71, p. 77-78, dic. 1988.
9 De maneira explícita, Guerra estabelecera esse critério na introdução ao primeiro
volume de sua Historia de Cuba (La Habana: Siglo XX, 1921. p. 3), ao afirmar que
“[...] a história tem como objetivo primordial explicar cientificamente o processo
de formação e evolução de uma comunidade nacional [...]”.
10 Azúcar y población en las Antillas. La Habana: Instituto Cubano del Libro, 1970. p. 80.
Sobre esse assunto, ver R. Rojas, “La memoria de un patricio”, em op. cit., (Puerto
Rico), n. 7, p. 130-137, 1992.
11 Já em 1913, Ortiz proclamava a necessidade de uma “[...] análise precisa, objetiva,
sem paixões nem preconceitos e documentada pelos múltiplos elementos com que,
para nossos costumes e caráter nacional, contribuiu cada raça, estudando-se tam-
bém a evolução de cada elemento em particular, relacionado aos demais”. ORTIZ,
Fernando. Las supervivencias africanas en Cuba. In: ______. Entre cubanos.
Psicología tropical. La Habana: Ed. de Ciencias Sociales, 1987. Ver: LE RIVEREND,
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Capítulo 10
J. Fernando Ortiz y su obra cubana. In: ORTIZ, Fernando. Órbita de Fernando Ortiz.
La Habana: Union de Escritores y Artistas de Cuba, 1973.
12 ALMODÓVAR, Carmen. Antología crítica de la historiografía cubana (período neo-
colonial). La Habana: Ed. Pueblo y Educación, 1989. p. 356-365. Por seu apego ao
factual, citação freqüente de extensos fragmentos documentais e outros atributos, a
obra de Roig mantém-se enraizada no positivismo historiográfico, cujos cânones
no entanto transgride, concedendo espaço aos juízos de valor.
13 Os Congressos Nacionais de História se propunham fomentar a pesquisa e a divulga-
ção históricas “[...] para que esse conhecimento se traduza na reafirmação permanen-
te da fé cubana na evolução histórica da nacionalidade e estimule um patriotismo
sadio”, La Habana, Oficina del Historiador de la Ciudad. Revalorización de la Historia
de Cuba por los Congresos Nacionales de Historia. La Habana: [s.n.], 1959. p. 7.
14 A mudança de rumo de Portell talvez seja menos brusca do que parece. Desde 1943
ele dirigia o Instituto Cultural Cubano-Norte-americano, financiado pela embaixa-
da dos Estados Unidos, e sua orientação já é perceptível no folheto Theodore
Roosevelt en la independencia de Cuba, publicado em 1950. Os três volumes de
Narciso López y su época apareceram sucessivamente em 1950, 1952 e 1958.
15 Sociedad Cubana de Estudios Históricos e Internacionales. “Nota preliminar a la
primera edición...”, em ROIG DE LEUCHSENRING, E. Cuba no debe su indepen-
dencia a los Estados Unidos. La Habana: Sociedad Cubana de Estudios Históricos e
Internacionales, 1950. O IX Congresso recomendaria formalmente ao ministro da
Educação a revisão dos textos de “história pátria” de modo que estes expusessem
claramente a tese de Roig que dava nome à referida obra.
16 Com o título de Curso de Introducción a la Historia de Cuba, as conferências foram
publicadas na série “Cuadernos de Historia Habanera” em 1937.
17 Carlos Rafael Rodríguez, “El marxismo y la historia de Cuba”. Esse artigo, de excep-
cional valor programático, apareceu originalmente na revista Dialéctica, em 1943.
Pode ser lido em ALMODÓVAR, Carmen. Antología crítica de la historiografía cuba-
na (período neocolonial). La Habana: Ed. Pueblo y Educación, 1989. p. 524-534.
18 Quince objeciones a Narciso López veio a público em 1953 na revista La Ultima Hora.
Esse e outros trabalhos podem ser lidos em AGUIRRE, S. Eco de caminos. La
Habana: Ed. de Ciencias Sociales, 1974.
19 De fato, os primeiros estudos marxistas tinham caráter fragmentário, concentran-
do-se em períodos relativamente breves da evolução nacional. A única intenção
abrangente aparece num texto cujo perfil não é estritamente historiográfico, Los
fundamentos del socialismo en Cuba, da lavra de Blas Roca (secretário-geral do PC),
cujo esforço de conceituação se apoiava no emprego excessivamente mecânico do
esquema dos modos de produção.
20 Las ideas en Cuba. La Habana: [s.n.], 1938; La filosofía en Cuba. México: [Fondo de
Cultura Económica], 1948.
21 A temática histórica é muito freqüente no discurso da liderança revolucionária cuba-
na, especialmente em Fidel Castro. O dito conceito se viu consagrado no discurso
que o líder cubano pronunciou por ocasião das comemorações da primeira guerra
de independência (10 de outubro de 1968), que constitui ademais uma excelente
mostra de seus critérios historiográficos. Ver Historia de la Revolución Cubana.
Selección de discursos sobre temas históricos. La Habana: Editora Política, 1980.
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Capítulo 10
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Capítulo 10
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Capítulo 11
OS FUNDADORES DA HISTORIOGRAFIA
MARXISTA NA AMÉRICA LATINA
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Capítulo 11
DIFUSÃO DO MARXISMO
A historiografia marxista latino-americana, surgida tardiamente em
comparação com a Europa, apenas nas primeiras décadas do século 20 se carac-
terizou, desde as suas primeiras expressões, pela intenção de aplicar os postula-
dos fundamentais do pensamento de Karl Marx e Friedrich Engels à história da
América Latina. Embora no Velho Continente o materialismo histórico já hou-
vesse alcançado certo desenvolvimento desde a publicação do famoso Manifesto
do Partido Comunista (1848), sua repercussão neste continente foi muito poste-
rior. Para entender essa defasagem histórica, é preciso levar em consideração, em
primeiro lugar, o baixo nível de desenvolvimento socioeconômico latino-ameri-
cano, determinado pelo lento avanço capitalista. Por isso, a difusão das idéias de
Marx e Engels na América Latina não encontrou então um terreno fértil, já que,
durante o século 19, a classe operária e os outros setores sociais que deviam assi-
milar as novas doutrinas eram muito reduzidos. Isso explica porque, diversa-
mente da Europa, o marxismo se enraizará aqui muito mais tarde e porque o
processo de sua implantação começara pelos países do Cone Sul, região que em
fins do século 19 e princípios do 20 registrava um surpreendente boom econô-
mico que atraía centenas de milhares de trabalhadores estrangeiros. Junto com a
chegada desses numerosos imigrantes europeus, muitos deles com um desenvol-
vimento relativamente alto de sua consciência social e política, começou a se
difundir o pensamento marxista. Não por acaso, os primeiros partidos socialis-
tas do continente que lograram consolidar-se surgiram na Argentina (1896), no
Chile (1906) e no Uruguai (1912), encabeçados por celebridades intelectuais
como o argentino Juan B. Justo (1865-1928) e o uruguaio Emilio Frugoni (1880-
1969), assim como pelo líder trabalhista chileno Luis Emilio Recabarren (1876-
1924). Como parte da luta ideológica em que se envolveram, foram eles os pri-
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Capítulo 11
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Capítulo 11
1908 deu a conhecer uma síntese histórica e política desse país que foi publi-
cada com o título de Socialismo no Brasil. A rigor, o materialismo de
Piccarollo era marcadamente mecanicista e pouco tinha a ver com o método
de Marx. Como assinalaria muito tempo depois o historiador brasileiro Caio
Prado Jr., ao fazer a crítica dessa obra, “Piccarollo dissolvia a dialética no evo-
lucionismo, combinava elementos do folheto de Engels Do Socialismo Utópico
ao Socialismo Científico com a idéia de que nem a natureza nem a história
podiam dar saltos”.4
Outro texto que também deve figurar nesta relação de precursores da
historiografia marxista latino-americana é Ricos y Pobres (1910), do socialista
chileno Luis Emilio Recabaren. Na realidade, esse trabalho – trata-se de uma
pequena conferência proferida por ocasião do primeiro centenário da indepen-
dência do Chile – não pertence ao campo estrito da História, posto que nele
Recabarren já tente valorizar aquele importante acontecimento numa perspec-
tiva marxista, lastreado embora pela imaturidade do seu pensamento. Como
quer que seja, é justo consignar que o enfoque maniqueísta de Recabarren, que
condenava por inteiro os próceres da independência e rechaçava as façanhas e
os heróis da história oficial, por considerá-los simples representantes da bur-
guesia, estava prenunciando a postura típica que sobre a história deste conti-
nente adotariam os partidos comunistas latino-americanos na sua primeira
etapa: desde a sua fundação – a partir do triunfo da Revolução Russa de 1917 e
da criação da III Internacional, em 1919 – até a segunda metade dos anos 1930.
Situado desde logo numa perspectiva sectária, Recabarren chegou a considerar
o processo emancipador de 1810 alheio aos verdadeiros interesses da classe ope-
rária, por atribuir, como parte de uma avaliação igualmente equivocada de seu
conteúdo social, um substrato burguês.
Nós, que de há muito já estamos convencidos de que nada temos a ver
com essa data que se chama aniversário da independência nacional, cremos
necessário indicar ao povo o verdadeiro significado dessa data, que no nosso
conceito só deve ser comemorada pelos burgueses, porque eles, sublevados em
1810 contra a Coroa da Espanha, conquistaram essa pátria para desfrutar dela
e para aproveitar-se de todas as vantagens que a independência lhes propor-
cionava; porém sempre viveu na miséria, nada, absolutamente nada ganha
nem ganhou com a independência deste solo da dominação espanhola.5
A fundação dos partidos comunistas na América Latina permitiu que o
marxismo se difundisse mais aceleradamente por todo o continente. Desde
então, a assimilação da teoria e da metodologia marxista proveio não só da lei-
322
Capítulo 11
tura das escassas obras de Marx e Engels e Lenin, que por esse tempo circula-
vam em castelhano, mas também de manuais, textos e panfletos de propagan-
da da União Soviética, assim como da própria práxis dos partidos comunistas.
Foi nessas circunstâncias que apareceram, inseridas em documentos partidá-
rios desses primeiros agrupamentos marxista-leninistas, algumas breves e
ainda muito imprecisas incursões interpretativas sobre o devir histórico dos
países latino-americanos. Ao mesmo tempo, jovens dirigentes comunistas,
envolvidos ativamente nas lutas revolucionárias dessa época convulsa, senti-
ram também a necessidade de apoiar suas teses políticas com argumentos
extraídos da história do continente. Assim, por exemplo, o cubano Julio
Antonio Mella (1903-1929) escreveu, em 1925, o seu folheto Cuba, um Pueblo
que Nunca Há Sido Libre, em que, ao tentar demonstrar o caráter expansionis-
ta do capitalismo norte-americano, analisa as tendências anexionistas de
determinados setores burgueses crioulos ao longo de toda a história da maior
ilha das Antilhas.6 O mesmo se pode dizer do livrinho elaborado nesse mesmo
ano pelos comunistas venezuelanos Gustavo Machado (1898-1983) e Salvador
de la Plaza (1896-1970), intitulado La Verdadera Situación de Venezuela, publi-
cado em Havana em 1925 e reeditado no México em 1929.
Em particular, nesse trabalho, Machado e de la Plaza ressaltam a trans-
cendência das culturas aborígines do México e do Peru e fazem uma breve ava-
liação da colonização espanhola e do surgimento da propriedade privada e das
classes sociais na Venezuela. Como bem assinalou Lucho Vitale: “A interpretação
marxista que ali se faz de uma formação social concreta, como a Venezuela, é
uma das primeiras que se fizeram no nosso continente utilizando o método
materialista histórico”.7 Também foram provavelmente os primeiros que se atre-
veram a afirmar que “ao escravo sucedeu o peão assalariado”, o que equivalia a
dizer que o regime escravista foi substituído por um capitalismo embrionário e
que a independência em relação à Espanha tivera um caráter político formal,
deixando intactas as bases econômicas e sociais herdadas da colônia:
[...] não se iniciou como revolução social [...]. A “vida colonial” seguiu o seu
curso, como após um parêntese de dor e miséria, não obstante a transformação
política efetuada. As classes sociais continuaram igualmente caracterizadas salvo a
incorporação, na classe governante, dos nativos que haviam adquirido méritos na
guerra: a classe governante formada pelos antigos nobres, ricos latifundiários, sacer-
dotes e libertadores.8
323
Capítulo 11
A ANÁLISE HISTÓRICA
DE PONCE E MARIÁTEGUI
Sem dúvida alguma, as figuras mais destacadas dessa geração de ini-
ciadores foram o argentino Aníbal Ponce (1890-1938) e o peruano José
Carlos Mariátegui (1894-1930) que, aplicando de maneira criadora o mar-
xismo à realidade latino-americana, deram as primeiras contribuições subs-
tanciais para a compreensão da história deste continente numa nova pers-
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Capítulo 11
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Capítulo 11
Não se tratava, pois, de uma guerra civil com aspirações ao separatismo; era a
oposição clara e peremptória de duas culturas, de duas mentalidades, de duas filo-
sofias. Não era a um triunfo militar sobre a Espanha que a revolução visava [Ponce
se refere à independência (SGV)], e depois que os exércitos foram vencidos ainda se
continuava lutando contra as suas idéias, contra as suas instituições, contra os seus
costumes. Cada derrota da revolução continuou sendo assim uma vitória da
Espanha, e o mais doloroso dos fracassos argentinos – a tirania de Rosas – foi um
triunfo tão ruidoso do feudalismo espanhol que apareceram no rio da Prata, com o
poder absoluto e a Companhia de Jesus, as corridas de touro e os autos-de-fé.13
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Capítulo 11
Por isso, mais livre dos velhos preconceitos liberais e menos afetado
pelo pesado fardo do positivismo que aquejó outros marxistas da sua geração,
Mariátegui mostrou nos seus Siete Ensayos uma compreensão melhor que a de
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Nós, de nossa parte, entendendo também que só através do método que nos
assinala Marx é possível compreender a ação dos homens e explicar sua posição
perante a história, empreenderemos a análise de Batlle e sua obra à clara luz do
marxismo.
E, ao fazê-lo utilizando esse método, longe de apequenar a personalidade de
Battle, vamos pôr bem de manifesto o seu mérito, seus valores, que consistem em
haver compreendido, como ninguém em sua época, a forma como era necessário
agir para levar o país para adiante, ultrapassando rapidamente o estado inferior de
quase imobilidade em que se encontrava desde a época da Independência.
Só procedendo assim é possível ter uma idéia cabal não apenas da personalida-
de e da obra do fundador do batllismo mas de todo o processo histórico do Uruguai
nos últimos anos.45
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Capítulo 11
razão, Carrera Damas assinalou que, por esse caminho, “o crítico acabava por
se converter quase em ‘tributário’ absoluto do criticado, ao se definir apenas
negativamente com relação a ele, sem poder opor-lhe uma nova construção,
sólida e coesa, além de uma teoria interpretativa geral. Há, nesse sentido, uma
grande distância entre o ‘Anti-Dühring’ composto por Engels e o ‘Anti-
Vallenilla Lanz’ composto por Carlos Irazábal e o ‘Anti-Picón Salas’ compos-
to por Eduardo Machado”.
Essa incapacidade de se distanciar dos pontos de vista da história “ofi-
cial” é exatamente o que mais chama a atenção no livro, esquemático e
superficial, do historiador comunista argentino Álvaro Yunque – seu verda-
deiro nome era Aristides Gandolfi Herrero (1890-1982) –, intitulado Breve
Historia de los Argentinos (1948). Essa obra, em que se acentua o determinis-
mo economicista, segue de perto a interpretação liberal ao analisar as lutas
de Buenos Aires com o interior segundo o velho dilema de Sarmiento, reco-
berto embora de um tênue verniz marxistizante, como se pode comprovar
no seguinte passo:
Aparentemente, a Guerra do Paraguai é uma guerra entre nações. Na rea-
lidade, é uma guerra entre classes sociais. É a guerra do capitalismo industrial
contra os restos do feudalismo. O senhor feudal Rosas, que brigou para manter
isolada a Argentina, ou o seu litoral pelo menos, manteve por sua vez isolado o
Paraguai, feudo dos ditadores Francia e López. Com a queda de Rosas, derruba-
do pelos interesses do capitalismo, este se lançou sobre o feudalismo paraguaio.47
Em suas avaliações, Yunque se baseia nos mitos estabelecidos pela his-
toriografia liberal-positivista argentina, mesclados ao inflexível esquema teleo-
lógico relativo à sucessão de cinco modos de produção implantados por Stalin,
o que decerto causaria sérias incongruências históricas em sua aplicação dog-
mática à evolução latino-americana. Uma prova disso pode ser vista num
conhecido texto marxista cubano de 1943:
Com a abolição da escravidão, os traços que predominaram na socieda-
de cubana correspondiam aos de um regime feudal sui generis, embora em
franco processo de dissolução, ainda recém-nascido, enquanto os elementos
capitalistas que se haviam desenvolvido desde a escravidão acentuavam sua
presença e sua importância.
Na curta história do nosso país, tivemos quatro formas fundamentais
de relações de produção que se desenvolveram no mundo até 1917: o comu-
nismo primitivo, a escravidão, o feudalismo e o capitalismo.48
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Capítulo 11
OS ESTUDOS RENOVADORES
DE PUIGGROS, DE LA PLAZA E JOBET
Não obstante, alguns historiadores marxistas, divergindo da opinião da
política de alianças com a burguesia sustentada pelos partidos comunistas, for-
jada no contexto internacional da luta contra o fascismo, abriram – particular-
mente em função da crítica ao browderismo – novas linhas analíticas que em
diversos casos acabariam por se entroncar com a historiografia revisionista-
nacionalista de caráter populista e antiimperialista. Tal foi precisamente a evo-
lução de dois destacados historiadores dessa geração, o venezuelano Salvador
de la Plaza e o argentino Rodolfo Puiggros (1906-1980), que passaram do
apego acrítico às doutrinas partidárias ao questionamento de dogmas e este-
reótipos. De la Plaza, a quem já mencionamos como co-autor, juntamente com
Gustavo Machado, de uma obra pioneira do pensamento marxista latino-ame-
ricano, em discrepância com o browderismo, afastou-se do Partido Comunista
da Venezuela nos anos 1940 e fundou o Partido Revolucionário do
Proletariado.49 Como investigador, De la Plaza deixou uma ampla produção de
cunho sociopolítico em que fez estudos enriquecedores sobre a questão agrá-
ria e a evolução demográfica da Venezuela.50
Por sua vez, Puiggros se deu a conhecer como historiador com o livro
De la Colônia a la Revolución (1940), um sério esforço analítico acerca da evo-
lução do Vice-reinado do rio da Prata. Nesse mesmo ano, publicou La
Herencia que Rosas Dejó al País e depois, estando exilado em Montevidéu,
Rosas el Pequeño (1944). Nesse período de sua vida, quando ainda militava no
Partido Comunista da Argentina e citava Stalin com freqüência, Puiggros par-
tilhava os pontos de vista anti-rosistas da historiografia liberal-positivista de
seu país ao julgar o clássico ditador argentino do século 19:
A reivindicação do tirano Rosas, que se iguala à do colonialismo, havia
necessariamente de coincidir com as forças mais reacionárias, obscurantistas e
sanguinárias do mundo contemporâneo.51
Em 1947, Puiggros deixou o Partido Comunista e se integrou ao pero-
nismo de esquerda, posição que o levaria, sem abandonar o marxismo, a
comungar com o revisionismo histórico nacionalista, assumindo uma postu-
ra mais eclética do ponto de vista interpretativo e metodológico.52
Um historiador que também deve ser situado fora da linha promovida
pelos partidos comunistas é o chileno Julio César Jobet Búrquez (1912-1981).
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anos depois, Mariano Moreno. Pasión y Vida del Hombre de Mayo, textos em
que ainda não se deixa ver claramente o emprego do materialismo histórico,
o que, não obstante, já é muito palpável nos seus polêmicos livros Economia
de la Sociedad Colonial (texto escrito entre 1944 e 1945 e publicado pela pri-
meira vez em 1949) e Estructura Social de la Colonia (1952), ambos subintitu-
lados Ensayo de Historia Comparada en América Latina.55 Para Márgara
Millán, em Economía de la Sociedad Colonial, Bagú, situado
Como bem notou a própria Millán: “A visão que nos propõe o texto de 1949 em
relação à índole da economia colonial tem a fortuna da clareza. É uma tese que vai
de encontro à concepção generalizada da época, a qual era em princípio compartida
pelo autor, segundo ele próprio confessa ao iniciar a pesquisa. Essa concepção pro-
punha que o que ocorrera na Colônia era a projeção do feudalismo espanhol tradi-
cional. Que essa etapa era uma etapa feudal. Opera aqui uma concepção de todo em
todo diversa da história, oposta à idéia evolucionista de cunho neopositivista, mas
também ao evolucionismo de um marxismo reducionista que sustentou a com-
preensão da história como uma sucessão inalterável de grandes etapas”.58
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“Não há, nos estudos de Caio Prado Júnior sobre a formação do Brasil colonial,
uma tese que afirme a existência de “relações feudais” ou “pré-capitalistas”. Sua tese
é a de um capitalismo. É “capitalista” porque se apóia no argumento de que Portugal
já era um país marítimo e mercantil de grande envergadura na virada do século XV
para o XVI [...]”.64
NOTAS
* Universidade de Havana.
1 SALCEDA, Juan Antonio. Aníbal Ponce y el Pensamiento de Mayo. Buenos Aires:
Lautaro, 1957. p. 26. Ver um fragmento desse texto de Justo em Pensamiento
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prólogo de Vicente Sáenz; Historia política de México (1957); Ricardo Flores Magón,
La Baja Califórnia y los Estados Unidos (1957); Constitución y liberalismo (1958); La
reforma liberal en México (1960); Historia mexicana (2 t., 1959 e 1961); El Tratado
Mont-Almonte (1960); El federalismo mexicano (1960); La reforma liberal en México
(1960) e Martí, el escritor y su época, dois ensaios elaborados em 1953 e publicados,
com uma dedicatória ao comandante revolucionário cubano Camilo Ciénfuegos.
32 Ao que parece, nesse país andino, o único autor interessado pelo marxismo foi o
político e romancista Tristán Maroff, cujo verdadeiro nome era Gustavo A. Navarro.
Nascido em Sucre, em 1898, Maroff viajou pela Europa e viveu no México – entre
1928 e 1930 foi professor da Universidade Nacional –, Argentina e Peru e acabou fi-
liado ao trotzquismo. Em El ingenuo continente americano, Maroff dedica um capí-
tulo inteiro à cultura incaica e outro à evolução histórica da América Latina, no
qual, por certo, aparece pela primeira vez a tese da “balcanização” sofrida pelo con-
tinente depois da independência, que em seguida seria utilizada por representantes
do revisionismo histórico, como o argentino Jorge Abelardo Ramos. Assim, pode-
se ler: “Mas, no dia seguinte ao êxito [refere-se à emancipação (SGV)], apareceu no
cenário da América uma série de republiquetas terrivelmente apegadas aos seus
ritos, aos seus costumes, às suas igrejas e até aos seus senhores e seus vícios.
Burguesias hábeis e embriagadas com o clarim militar, mostraram ao povo igno-
rante a conveniência de constituir grupos isolados, para melhor dominar e explo-
rar; porque a idéia de Bolívar já lhes parecia um tanto louca, por homérica e atre-
vida”. Em MAROFF, Tristán. El Ingenuo Continente Americano. Carta de Henri
Barbusse e epílogo de Amadeo Legua. Barcelona: Maucci, 1923. p. 56. Entre suas
obras, destacam-se também La justicia del Inca (Bruxelas, 1926), onde propôs reali-
zar uma reforma agrária e nacionalizar as minas; Opresión y falsa democracia; La
verdad socialista; e México de frente y de perfil.
33 No Equador, só se pode citar como antecedente da historiografia marxista o livro
de denúncia social elaborado pelo médico e dirigente comunista Ricardo Paredes,
intitulado El imperialismo en Ecuador. Oro y sangre en Portobelo, de 1938, e poste-
riormente o magnífico ensaio do escritor socialista Leopoldo Benites Vinueza
Ecuador: drama y paradoja, fundamentado na luta de classes como motor da histó-
ria e em que se critica o capitalismo e a dependência imperialista. Uma análise desse
valioso livro, publicado originalmente pelo Fondo de Cultura Económica do
México (1950), encontra-se em AYALA, Enrique. Historia, compromiso y política.
Quito: Planeta, 1989.
34 Na terra guarani só podemos mencionar uma obra precursora de Oscar Creydt, ex-
secretário-geral do Partido Comunista desse país. Referimo-nos ao seu importante
texto intitulado Formación histórica de la nación paraguaya (1953). Esse texto foi a
proposta de Creydt para a obtenção de seu doutorado na Universidade de Moscou,
processo frustrado em 1965, quando abandonou o Partido Comunista e fundou uma
nova organização, de tendência maoísta. Uma versão desse trabalho de Creydt foi
publicada pelo Boletín de la Agencia Prensa Latina em 15 de outubro de 1963 (n. 41,
Ano 1, v. III) e contém a primeira reavaliação histórica marxista do legado revolu-
cionário do ditador paraguaio José Gaspar Rodríguez de Francia.
35 CARDOZA Y ARAGÓN, Luis. Guatemala. Las líneas de su mano. México: Fondo de
Cultura Económica, 1955. p. 222.
36 CHARLIER, Etienne D. Aperçu sur la formation historique de la nation Haïtienne.
Port-au-Prince: Les Presses Libres, 1954. Ver a certeira análise de LEPKOWSKI,
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Revolución de Mayo (1942) e Historia económica del Río de la Plata (1943), texto
pioneiro nesse campo, em que aplicou com uma precisão não isenta de momentos
de certa rigidez analítica os esquemas e conceitos marxistas. Nessa mesma etapa,
Puiggros, a exemplo de Yunque, qualificava de “feudal” o regime do doutor
Francia. Ver PUIGGROS, Rodolfo. Historia económica del Río de la Plata. Buenos
Aires: Ediciones Siglo XX, [19--]. p. 228 et seq.
52 Posteriormente, entre 1973 e 1974, Puiggros foi reitor da Universidade de Buenos
Aires. Pertenceu à direção nacional do Movimiento Peronista Montonero, exilou-se
no México e morreu em Havana. A essa última etapa correspondem: Historia críti-
ca de los partidos políticos nacionales (1956), Libre empresa o nacionalización de la
industria de la carne (1957) e El proletariado en la revolución nacional (1958).
Eduardo B. Astesano e Juan José Real, historiadores comunistas como Puiggros, aca-
baram seguindo o mesmo caminho. Assim, Astesano, que em 1940, sendo comunis-
ta, considerava em sua Historia de la independencia económica que “Rosas [era] ini-
migo do progresso”, variava o seu critério em 1960 com o seu Rosas. Bases del nacio-
nalismo popular. Astesano escreveu também Hombres y clases de la Revolución de
Mayo, La movilización económica de los ejércitos sanmartinianos e San Martín y el
origen del capitalismo argentino. Por sua vez, Juan José Real, que chegou a ser consi-
derado o historiador oficial do Partido Comunista Argentino até 1953, abandonou
essa organização e também passou a subscrever os principais postulados defendidos
pelo revisionismo histórico nacionalista.
53 ZEMELMAN, Hugo. Prólogo. In: JOBET, Julio César. Ensayo crítico del desarrollo
económico-social de Chile. Nota biográfica de Osvaldo Arias. México: Centro de
Estúdios del Movimiento Obrero Salvador Allende-Casa de Chile, 1982. p. IX. De
todo modo, o próprio Zemelman reconhece algumas das limitações do texto de
Jobet: “Longos parágrafos de seu livro são menos que ensaísticos, pecando por jor-
nalísticos, como pode atestá-lo a imprecisão científica de muitos termos, mas que
respondem ao clima intelectual do debate público do seu tempo. É o caso de termos
como regime feudal-capitalista ou oligarquia-imperialista” (p. XV).
54 JOBET, Julio César. Ensayo crítico del desarrollo económico-social de Chile. Nota bio-
gráfica de Osvaldo Arias. México: Centro de Estudios del Movimiento Obrero
Salvador Allende-Casa de Chile, 1982. p. 1. Outras das suas obras são: Santiago Arcos
Arlegui y la Sociedad de la Igualdad, un socialista utópico chileno (1942), Tres ensayos
históricos, Valentín Letelier y sus continuadores: Dario Salas, Luis Galdames y Pedro
Aguirre Cerda (1954), Luis Emilio Recabarren y los orígenes del movimiento obreto y
del socialismo chilenos (1955), El socialismo en Chile (1956) e Los precursores del pen-
samiento social de Chile (1955-1956, 2 t.).
55 Outros textos importantes de Bagú, correspondentes ao período estudado nesse
trabalho, são: La batalla por la presidencia de Estados Unidos (1948) e
“Transformaciones sociales en la América Hispana”, ensaio publicado na revista
mexicana Cuadernos Americanos em 1951.
56 MILLÁN, Márgara. Sergio Bagú: Los caminos de la historiografía. Estudios
Latinoamericanos. México: Universidad Nacional Autónoma de México, Ano 1, n. 1,
p. 149, 1994.
57 Ver a análise de SOLER, Ricaurte. Idea y cuestión nacional latinoamericanas, de la
independencia a la emergencia del imperialismo. México: Siglo XXI, 1980. p. 104. Uma
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Jurandir Malerba
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A “INDEPENDÊNCIA DO BRASIL”
Nenhum outro assunto da história brasileira fora tão exaustivamente
estudado e pesquisado quanto o processo de emancipação política do Brasil
frente a Portugal. Desde o próprio evento (que, de acordo com a historiogra-
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fia oficial, aconteceu entre 1808 e 1825), esse episódio vem gerando enorme
interesse e resultou em incontáveis obras historiográficas.9
Foi ainda sob o império dos Bragança que se produziu a opus magna da
Independência do Brasil, da pena de um dos maiores historiadores brasileiros de
todos os tempos, Francisco Adolfo de Varhagen.10 Instaurou-se a República e,
ironia do destino, logo viriam as comemorações do Centenário, pretexto perfei-
to para a apropriação da memória do grande acontecimento pelas mais diferen-
tes facções. A elas aderiram os monarquistas imbuídos em “restaurar” uma
ordem que se perdera e detratar o status quo, assim como seus opositores repu-
blicanos, firmes no propósito de enxovalhar a velha ordem já ida tarde, mas que
sabiam bem resgatar, a seu modo, o simbolismo da emancipação em prol da
causa republicana.11 Seguiram-se ditaduras, aberturas, renovações políticas, his-
toriográficas, mas o tema manteve-se lá, ícone intocável da brasilidade.
Nenhum outro autor ofereceu contribuição maior à história da
Independência no século 19 do que Francisco Adolfo de Varnhagem, pois seu
modelo interpretativo do processo de emancipação política do Brasil vigeu por
quase dois séculos. Por isso, vou tomá-lo como referência para verificar como
as funções “cognitiva” e “normativa” combinam-se nesta matriz fundadora da
historiografia brasileira.
Muitos historiógrafos importantes dedicaram-se ao estudo da obra e da
vida do Visconde de Porto Seguro, com maior ou menor profundidade. Um
problema quase universal de sua crítica, porém, reside no fato de que a maior
parte de seus exegetas, mesmo entre os mais argutos, como José Honório
Rodrigues, Nilo Odália e José Carlos Reis, fundamentam suas análises sobre
Varnhagen quase exclusivamente na História Geral do Brasil, em que se teriam
lançado, mais que um paradigma, verdadeiros “quadros de ferro” da historio-
grafia nacional, conforme sentenciou Capistrano de Abreu, que anotou a obra
magna de nosso autor.12
A História da Independência, pronta desde 1877 (um ano antes da
morte de Varnhagen), mas publicada postumamente apenas em 1916, seria o
último capítulo a completar a História Geral. Compõe-se de dez capítulos dis-
postos em ordem rigorosamente cronológica, desde a revolução do Porto e o
retorno de Dom João a Portugal (1820) até o tratado de reconhecimento da
Independência em 1825. Segue apensa uma seção “Províncias”, de extensão e
profundidade desiguais, em que aborda a independência em seus sucessos
locais. Sintomaticamente, não inclui a de São Paulo, berço dos Andradas, a
quem ele procura detratar em sua obra por desafetos de família. A História da
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América, ou das circunavegações, é muito mais antigo. Reconhecer isso nos enri-
quece muito mais e nos dá a oportunidade de ir afinando, apurando o reconhe-
cimento entre essas diferentes culturas e “formas de ver e estar no mundo” que
deram fundação a esta nação brasileira, que não pode ser um acampamento,
deve ser uma nação que reconhece a diversidade cultural, que reconhece 206 lín-
guas que ainda são faladas aqui, além do português. (...) Quando a data de 1500
é vista como marco, as pessoas podem achar que deviam demarcar esse tempo e
comemorar ou debaterem de uma maneira demarcada de tempo o evento de
nossos encontros. Os nossos encontros, eles ocorrem todos os dias e vão conti-
nuar acontecendo, eu tenho certeza, até o terceiro milênio, e quem sabe além
desse horizonte. Nós estamos tendo a oportunidade de reconhecer isso, de reco-
nhecer que existe um roteiro de um encontro que se dá sempre, nos dá sempre
a oportunidade de reconhecer o Outro, de reconhecer na diversidade e na rique-
za da cultura de cada um de nossos povos o verdadeiro patrimônio que nós
temos, depois vêm os outros recursos, o território, as florestas, os rios, as rique-
zas naturais, as nossas tecnologias e a nossa capacidade de articular desenvolvi-
mento, respeito pela natureza e principalmente educação para a liberdade... 29
O que temos aqui não é definitivamente uma questão de fácil resolução,
pois que inevitavelmente dispõe na mesma equação vetores diversos, históri-
co/culturais e epistemológicos. O ponto central do argumento é o de que a
base de legitimação do conhecimento em geral, e do conhecimento histórico,
em particular, continua sendo o da hegemonia cultural dos povos que concen-
tram poder sobre os que a ele são, de alguma maneira, submetidos.
No caso em análise, poderíamos dizer com o teórico pós-colonialista
indiano Ashis Nandy30 que a consciência histórica domina hoje o mundo - mas
eu não teria muita convicção de que a vitoriosa historiografia brasileira, insti-
tucionalmente forjada na melhor tradição cognitiva européia (particularmente
francesa), estaria inclinada a se abrir no sentido de admitir uma nova “sensibi-
lidade face a imperativos culturais, capacidades psicológicas e talvez até para
preocupações éticas oriundas de sociedades ou comunidades que, de diferentes
maneiras, obstinadamente optaram por continuar a viver fora da história”.31
Nem tampouco tenho eu uma resposta definitiva para esse desafio ético, étnico
e epistemológico.
Posso dizer apenas que acredito que a historiografia brasileira raras
vezes demonstrou capacidade para perceber que, dentro desse imenso conti-
nente cultural chamado Brasil, há outras maneiras de se contar história que
não a do branco dominante. Junto aos índios, é comum colocar-se o “negro”,
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mundo globalizado35 – pelo menos desde o século 16, de acordo com Fernand
Braudel -, fica muito difícil evitar tal terminologia, mesmo para designar o nefas-
to encontro civilizacional entre culturas diversas. Pode-se mesmo dizer que res-
guardar essa busca de um parâmetro universal da História é hoje algo fundamen-
tal, como contraponto às chamadas “narrativas locais” de “mentes ou espíritos
selvagens” próprias de “sociedades frias” – ou a história dos povos sem história,
como uma vez as designou o próprio Hegel.36 Contudo, quer-me parecer que
qualquer tentativa no sentido da “inclusão” de tais “histórias locais” em qualquer
master narrative pode levar a formas insondáveis de violência simbólica.
Nesse sentido, parece-me que precisamos ainda muito refinar nossos
instrumentos teóricos para perceber as diversas formas existentes de se narrar
a história, mesmo dentro de uma mesma unidade geopolítica, como o caso do
Brasil é exemplar. Isso implica que o desafio epistemológico de análise e julga-
mento (pois é disso que se trata!) das formas de narrativa da História, numa
perspectiva necessariamente comparada, tem que admitir e saber aquilatar a
dimensão cultural (no sentido mais amplo do termo) no processo de produ-
ção historiográfica. Aqui, posso apenas afirmar que tal preocupação passa ao
largo da agenda da ocidentalizada/ colonizada historiografia brasileira.
Por fim, como um convite à discussão, quero dizer que estou plenamen-
te convencido de que essa esquizofrenia teórica e essa incapacidade de dialogar
com a diversidade não são exclusivas do Brasil ou mesmo dos países chamados
periféricos ou colonizados. Quer-me parecer que mesmo uma divisão para fins
heurísticos entre “Ocidente” e “Oriente” – assim como aquela outra separação
inconciliável entre uma historiografia “normativa” e outra “cognitiva” – enqua-
dra e solapa infinitas e imensas diversidades e modos de se conceber e contar a
História, de que talvez ainda não sejamos capazes sequer de percebermos. O
que me faz entender que estamos dando os primeiros passos rumo a uma his-
toriografia comparada e que todos os esforços neste sentido, como este próprio
seminário representa, são e serão sempre muito bem-vindos.
NOTAS
* Agradeço à leitura e aos comentários dos participantes no evento em Kofu, particu-
larmente dos professores, Jörn Rüsen, George Iggers e Masayuki Sato. E também à
leitura do Professor Hélio Rebello Cardoso Jr.
1 Masayuki Sato, Cognitive Historiography and Normative Historiography, paper apre-
sentado no referido evento.
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29 Cf. REIS, João José; GOMES, Flávio dos Santos. Liberdade por um fio: história dos
quilombos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, especialmente o capí-
tulo de Eurípedes A. Funes, “Nasci nas matas, nunca tive senhor” – história e memó-
ria dos mocambos do baixo Amazonas, p. 467-498.
30 Sobre a formação do povo brasileiro e sua diversidade ver RIBEIRO, Darcy. O povo
brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 204-207. Sobre os negros, em
particular, Gilberto Freyre. Casa-grande e senzala e Sobrados e mocambos, ambas
com várias edições. Emboras antigas, já clássicas, essas obras oferecem algumas das
mais importantes interpretações da formação do povo brasileiro. Diga-se de passa-
gem, por sociólogos e não-historiadores.
31 Ver, a propósito, o artigo irônico do professor José Murilo de Carvalho publicado
pelo jornal O Globo. em 16 de dezembro de 1999, p. 7, e intitulado: Como escrever
a tese certa e vencer.
32 Cf. As agudas reflexões sobre a natureza do pensamento histórico nessa tal era globa-
lizada, GEYER, Michel; BRIGHT, Charles. World History in a Global Age. The
American Historical Review, v. 100, n. 4, p. 1.034-1.060, 1995. Também, SOGNER,
Solvi (Ed.). Making Sense of Global History. Oslo: Universitetsforlaget, 2001. (Volume
comemorativo do 19º Congresso Internacional de Ciências Históricas, Oslo 2000),
particularmente os textos de Patrick Karl O’Brien: The Status and Future of
Universal History e Andrew Sherrat: World History: an Archeological Perspective.
33 Cf. KLEIN, Derwin Lee. In search of Narrative Mastery: Postmodernism and the
People without History. History and Theory, v. 34, Issue 4, p. 275-298, Dec. 1995. Cf.
HEGEL, Georg Wilhem Friedrich. A razão na História. Introdução à Filosofia da
História Universal. Lisboa: Edições 70, 1995. Para uma crítica da filosofia da
História de Hegel, Cf. CALLINICOS, Alex. Theories and Narratives. Reflections on
the Philosophy of History. London: Polity, 1995. GADAMER, H. G. Hegel’s Dialectic:
Five Hermeneutical Studies. Trad. New Haven: [s.n.]: 1976; WALSH, W. H. Hegel on
the History of Philosophy. History and Theory, v. 5, p. 67-82, 1965.
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Sobre o Livro
Formato 16x23 cm
Tipologia Minion (texto)
Minion (títulos)
Papel XXXXX
Impressão XXXXX
Acabamento XXXXX
Tiragem XXXXX
Equipe de Realização
Produção Gráfica Renato Valderramas
Edição de Texto Glória Maria Palma
Assistente de Edição de Texto Ana Lúcia Sant’Ana Lopes
Revisão Angela Lemes de Moraes
Projeto Gráfico Equipe EDUSC
Criação da Capa Renato Valderramas
Imagens da Capa
Catalogação e
Referências Bibliográficas Eliane de Jesus Charret
Diagramação Natália Verdeli
Impressão e Acabamento