Unicamp - Platonismo PDF
Unicamp - Platonismo PDF
Unicamp - Platonismo PDF
ISSN 0104-7876
263
Hector Benoit*
*
Docente do Departamento de Filosofia do IFCH da UNICAMP.
*
Docente da UNICAP (Universidade Católica de Pernambuco).
I. O Poema de Parmênides
1
O poema de Parmênides foi citado na Antigüidade com o título
, mas este é o título atribuído às obras dos filósofos pré-socrá-
ticos em geral, constituindo assim mais um gênero de escritos acerca da
physis do que um título de uma obra particular. Sobre o Poema de Parmêni-
des, ver o importante trabalho coletivo dirigido por AUBENQUE, Pierre
(org.). Études sur Parménide. 1ª. Edição. Tomos I e II. Paris: Vrin, 1987.
2
O Poema de Parmênides teria uma segunda parte, da qual só restam
alguns poucos fragmentos, acerca da physis. Segundo o testemunho de
Aristóteles, Metafísica A, 5, 986 b 31 – 987 a 4, Parmênides foi forçado a
levar em conta os fenômenos e postulou tanto o um segundo a razão
quanto o múltiplo segundo os sentidos, de modo que além do que é, ele
teria também estabelecido duas causas ou princípios, para explicar o múl-
tiplo: quente e frio; fogo e terra; ser e não-ser. Ver também, sobre esta se-
gunda parte de poema, o texto de AUBENQUE, Pierre. «Syntaxe et
! ! "
#
$
%
$ &
5
Fragmento 8, versos 1-6.
' &
!
"
!! ! !
( ) ! ! !
# * (...)
6
Um excelente levantamento das oito principais interpretações dos ver-
sos 5 e 6 do fragmento VIII do poema, pode ser encontrado no oitavo ca-
pítulo – Is Eternity Timelessness? – da obra de SORABJI, Richard. Time,
Creation and the Continuum: theories in antiquity and the early middle
ages. New York: Cornell University Press, 1986. Ver também O’BRIEN,
Denis. «L’être et l’éternité» in AUBENQUE, Pierre (org.). Op. cit., t II,
pp. 135-162.
/ # &
! '
! # !
# ! $ & , #
$ ! * !
# 0 &
realidade que não é nem em relação aos sentidos nem para a inte-
lecção, ou seja, um tipo de não-ser que copiará das formas inteligí-
veis suas determinações resultando então, no modo de ser sensível.
A partir deste contexto tensivo das concepções ontológicas de Par-
mênides e Platão, tentaremos compreender então as concepções de
Eternidade e Tempo desenvolvidas por estes pensadores: comece-
mos pelo Timeu de Platão.
" "
# #
, , # . $
! & !
"
! ! ,
# " ! "
# 1
# 4&&&5
13
Seguimos aqui a distinção proposta por Eggers Lan que supõe a tradu-
ção de por eterno para o modelo e perpétuo no que se refere ao en-
gendrado. Se traduzíssemos da mesma maneira, manteríamos a coerência
mas dificultaríamos a compreensão do texto. Ver LAN, Conrado Eggers
“Introducción a la lectura del Timeo” in PLATÓN. Timeo. Traducción, In-
troducción y Notas de Conrado Eggers Lan. Buenos Aires: Colihue, 1999.
Bibliografia
Dax Moraes*
*
Docente da UNISUAM - RJ.
1
Cf. FÍLON DE ALEXANDRIA, Quod Deus sit immutabilis, trad. e
introd. de A. Mosès, Paris, du Cerf, 1963, §31, pp. 77/78/79; De agricul-
tura, trad. e introd. de Jean Pouilloux, Paris, du Cerf, 1961, §51, p. 44;
De ebrietate, trad. e introd. de Jean Gorez, Paris, du Cerf, 1962, §30, p.
36; De confusione linguarum, trad. e introd. de J. K. Kahn, Paris, du Cerf,
1963, §146, p. 122; De somniis, trad. e introd. de Pierre Savinel, Paris, du
Cerf, 1962, I, §215 (início), p. 114. Além de , Fílon
também se refere à filiação pelas expressões e
.
2
V. id., On the sacrifices of Abel and Cain (De sacrificiis Abelis et
Caini), trad. de F. H. Colson e G. H. Whitaker, Cambridge, Harvard Uni-
versity Press, “Loeb Classical Library”, 1958, §101, pp. 169/171: “Separa
tudo o que é criado, mortal, mutável, profano, de tua concepção de Deus,
o incriado, o imutável, o imortal, o sagrado e unicamente santo”.
3
Cf. id., De plantatione, trad. de Jean Pouilloux, Paris, du Cerf, 1963,
§§8-10, p. 27; On flight and finding (De fuga et inventione), trad. de F. H.
Colson e G. H. Whitaker, Cambridge, Harvard University Press, “Loeb
Classical Library”, 1958, §§110-111, pp. 69/71.
4
Sobre a impossibilidade de um homem suportar e conter a paternidade
divina, que excede o próprio mundo em sua totalidade, v. Fílon, p. ex.,
De ebrietate, §§32-34, pp. 37/39. Deus apenas “adota” aqueles que ama,
como lemos em De sobrietate, trad. e introd. de Jean Gorez, Paris, du
Cerf, 1962, §56, p. 153.
5
PLATÃO, Phèdre, trad. de Léon Robin, Paris, Belles Lettres, 1954,
247 c, p. 38.
6
P. ex., GUTTMANN, (Julius), Philosophies of Judaism, the history of
Jewish philosophy from biblical times to Franz Rosenzweig, Londres,
Routledge & Kegan Paul, 1964, pp. 34-36.
7
WOLFSON, (H. A.), Philo, foundations of religious philosophy in Ju-
daism, Christianity, and Islam, Cambridge, Harvard University Press,
1982, 2 v.
8
V. Vol. I, pp. 231 et seq.
9
De opificio mundi, trad. e introd. de Roger Arnaldez, Paris, du Cerf,
1961, §19, pp. 153/155. V. o longo comentário de Wolfson a esta analo-
gia entre Deus e o arquiteto (§§17-24), considerada por ele como um ver-
dadeira parábola (op. cit., pp. 242 et seq.).
cas de bestas e aves. Mas agora”, i.e. no “sétimo dia”, “foram pro-
duzidas em atualidade [ ] suas semelhanças, (semelhanças)
sensíveis de coisas invisíveis”. Logo, não se trata de uma sucessão
de ações, como dissemos, nem de uma total influência platônica a
respeito, como querem alguns.26
É, com efeito, uma afirmação difícil e embaraçosa, mas que ga-
nha sentido na crença de que o mundo fora criado para receber a
espécie semelhante ao Criador: o homem. O mundo foi criado para
ele, e por ele, não havendo sentido em começar antes de sua che-
gada. E por que o homem? Por ser o único capaz de receber a gra-
ça divina, que é a semelhança de Logos: racionalidade e lingua-
gem. A obra é um ato desinteressado, uma simples decorrência de
uma espécie de transbordamento da misericórdia divina,27 que
deve, entretanto, ser regulada por leis, uma vez que é imperfeita, e
o é pelo simples fato de talvez estar além do próprio poder de
Deus a possibilidade de criar outra perfeição absoluta, outra unida-
de, como Ele mesmo é. Afinal, como toda a lógica do pensamento
grego deixa incontestada, só pode haver uma Verdade, uma perfei-
ção, uma unidade, um absoluto, um Ser verdadeiro. Seria este o
único limite ao poder divino: contrariar a verdade mais íntima do
que Ele mesmo é, sendo, ao contrário, dia-bólico o estabelecimen-
to de duas ou mais verdades, duas ou mais certezas, cindir o abso-
luto em relativos, ou duplicá-lo.
Por fim, a questão maior deve ser retomada: será também o Lo-
gos divino, idêntico a Deus em ato, também simultâneo aos mun-
dos criados? A lógica de nosso raciocínio diz que sim!28 Se a deci-
26
Wolfson (op. cit., p. 237) vê aí “relações lógicas entre o todo e a parte
ou entre o anterior e o posterior [...] segundo a ordem da prioridade lógi-
ca”.
27
V. FÍLON, De mutatione..., §46, p. 54/55: Deus é
! : cria por ser bom e porque ama dar.
28
Em suporte a nossa resposta, cf. Fílon, De opificio..., §13, p. 151, cita-
do acima (n. 21), onde lemos ser “verossímil que Deus faz tudo de uma só
vez, bem como quando ordena e concebe”, i.e., quando preconiza o mun-
constituem um único tema, pois um não pode ser tratado sem que
se recorra ao outro. É a partir do discurso que apresenta o proble-
ma ontológico a ser solucionado neste diálogo e é a partir das exi-
gências do discurso que se busca sua solução.
Esta leitura pretende evitar, no entanto, a problemática con-
clusão de que o discurso é anterior ao ser, ou de que as formas
são conceitos cujo entrelaçamento dá razão da estrutura lógica
mais do que da realidade. Eu entendo que, para o Estrangeiro de
Eléia, temos acesso ao ser a partir do discurso, ou seja, o discur-
so é imagem do ser e, como imagem, é a partir da estrutura do
discurso que conhecemos a estrutura do que é. Se o discurso tem
uma estrutura relacional, é porque o ser tem uma estrutura rela-
cional. É isto que permite ao Estrangeiro de Eléia reconhecer
como função do dialético a identificação das combinações onto-
lógicas a partir das combinações discursivas. E é isto que nos
permite investigar o projeto de reformulação da ontologia que
Platão apresenta no Sofista para dar conta das exigências do dis-
curso que diz o ser.
A interpretação da participação como faceta ontológica do dis-
curso predicativo nos coloca no interior de uma discussão que tem
ocupado os comentadores de Platão há algumas décadas. Segundo
a personagem Parmênides, no diálogo homônimo,
“... entre as formas, todas aquelas que são o que são em
razão de suas relações mútuas, obtém sua realidade destas
relações... (Parmênides 133c-d)”.
4
Segundo Monique Dixsaut (2000:10).
5
Segundo a descrição da dialética em Sofista 253d.
ção de cada ser. Ou seja, sem fazer com que a forma deixe de ser
em si.
Para enfrentar este desafio, o Estrangeiro de Eléia expõe a teo-
ria da participação em duas bases fundamentais: (1) cada ser parti-
cipa de algumas formas e não participa de outras; (2) há formas
que são causa das relações de participação e não-participação –
ser, mesmo e outro.
Aos intérpretes, cabe responder como entender a relação entre
estas três formas. Vimos que uma das possibilidades seria entender
que o discurso teria como fundamento a participação no ser, que
permite dizer que cada ente é; a participação no mesmo, que per-
mite que cada ente tenha identidade consigo mesmo; e a participa-
ção no outro, que permite que cada ente seja diferente de todos os
demais.
A identidade de cada coisa consigo mesma e não-identidade
com relação às outras coisas mostram-se, de fato, como condições
necessárias do discurso que diz o ser, porque cada tema de um
enunciado deve ser algo uno e idêntico a si mesmo para que possa
ser nomeado. No entanto, estas não parecem ser condições sufici-
entes. O projeto do Estrangeiro de Eléia de fundamentar a relação
entre discurso e ontologia exige que se diga mais de A do que A é
(idêntico a) A e A não é (idêntico a) B. É preciso poder dizer os
muitos predicados de A, solucionando assim o paradoxo em 251a-
c, segundo o qual todo enunciado legítimo é tautológico. Neste pa-
radoxo, identidade se aplica a cada ser garantindo apenas sua auto-
identidade. Conseqüentemente, a diferença só opera para separar
completamente cada ser de todos os demais.
Penso que as aporias sobre o discurso informativo no Sofista
podem ser reduzidas à questão da identidade e da diferença toma-
dos de modo absoluto, e que a operação do mesmo e do outro
como “formas-vogais” deve trazer a solução para estas aporias.
Mas elas só serão resolvidas se o mesmo for entendido como rela-
ção entre seres diferentes. Para isso, a identidade completa e simé-
trica deve ser relativizada em uma identidade parcial e assimétrica,
6
Sigo de perto a interpretação de Nehamas (1999:198-205).
soluto, o que uma coisa é por natureza, é constituído por suas rela-
ções de participação.
Segundo a interpretação que eu sugiro, ter um predicado F sig-
nifica, no plano ontológico, participar da forma F. E, segundo o
texto do Sofista, a participação e não-participação ocorrem segun-
do a natureza das formas7. Podemos dizer, portanto, que a natureza
da forma, é constituída por relações de participação e não-partici-
pação sem que isto afete sua unidade e sua identidade. E, a partir
do que foi exposto acima, poderíamos pensar que não há exceções
para isso, nem mesmo quando o tema da predicação é a forma. É a
participação das formas, manifestada no discurso, que determina
os predicados possíveis da forma. Entendida deste modo, a possi-
bilidade de dizer que a forma F é F, em vez de trazer problemas,
poderia ser a solução de algumas questões, especificamente do ar-
gumento do terceiro homem.
Além disso, a leitura da predicação aqui apresentada procura
evitar a problemática conclusão de que há uma ambigüidade no
uso de ser no Sofista. O é seria sempre analisado como participa
do ser, e participa do ser significa participa da identidade com re-
lação a e participa da diferença com relação a. Não se justifica,
portanto, traduzir algumas ocorrências de esti como existe e outras
como é, pois a existência está incluída em todo enunciado que afir-
ma ou nega que X é alguma coisa, uma coisa definida. Tampouco
se justifica pensar em uma ambigüidade entre identidade e predi-
cação, pois a predicação é compreendida como identidade parcial
e assimétrica. A única distinção a ser feita é a distinção entre ser
completamente idêntico e ser parcialmente idêntico, não ser par-
cialmente idêntico e não ser completamente idêntico, mas isto não
indicaria ambigüidade, que pode ser considerada uma diferença
quantitativa, e não qualitativa.
7
Como afirmado em 256b-c: “É de fato o mais correto, se concordar-
mos que, dentre os gêneros, alguns consentem em se misturar aos outros,
outros não. /.../ Eis que chegamos à demonstração disso /.../ provando
que isto é segundo a natureza”.
8
Como nota Wolff (1999).
9
Expressão sugerida por Santos (1993:23)
Referências Bibliográficas
10
Segundo Fédon 74c-d.
MALCOLM, John. Plato's analysis of 'tò ón' and 'tò mè ón' in the
Sophist. Phronesis 2, 1967: 130-146.
MOHR, Richard D. Forms as individuals: unity, being and cogni-
tion in Plato's ideal theory. Illinois Classical Studies 11,
1986:113-128.
MORAVCSICK, J. M. E. Sumplokh eidwn and the genesis of lo-
goj. Archiv für Geschichte der Philosophie 42, 1960:117-129.
NEHAMAS, Alexander. Virtues of Autenticity. Princeton:Prin-
ceton University Press, 1999.
OWEN, G. E. L. Plato on not-being. In: VLASTOS, G. (ed.). Pla-
to I: Metaphysics and Epistemology. New York: Anchor
Books, 1971.
ROSEN, Stanley. Plato's Sophist − The Drama of Original and
Image. London: Yale University Press, 1983.
SANTOS, Luiz Henrique Lopes. A essência da proposição e a es-
sência do mundo. In: WITTGENSTEIN, L. Tractatus Logico-
Philosophicus. São Paulo: Edusp, 1993.
WOLFF, Francis. Proposition, être et vérité: Aristote ou
Antisthène? In: BUTTGEN, Ph., DIEBLER, S. e RASHED,
M. (ed.), Théories de la Phrase et de la Proposition de Platon
à Averroès. Paris: Presses de l'Ècole Normale Supérieure,
1999.
Introdução
*
Doutorando na UNICAMP sob a orientação de Hector Benoit.
1
Martin HEIDEGGER, ST 6, SZ 5: “Die Frage nach dem Sinn von Sein
soll gestellt werden. Wenn sie eine oder gar die Fundamentalfrage ist,
dann bedarf solches Fragen der angemessenen Durchsichtigkeit.”
ruídos sonoros, que são meras sensações, mas o ouvir é prestar aten-
ção à significatividade aberta no discurso do compreender.
O calar é o dispor-se em um verdadeiro e rico ‘estado de aber-
to’ (eine eigentliche und reiche Erschlossenheit) [ST 190, SZ
165]. Por isso, o calar é ter algo a dizer (etwas zu sagen), algo
aberto autenticamente no ‘estado de aberto’. Por meio do calar,
evita-se o falatório (Gerede) que, proferindo muitas palavras, não
esclarece nada, mas mantém tudo no encobrimento.
O discurso é a versão heideggeriana, e portanto ontológico-e-
xistenciária, do , que define o homem como um
ente que fala (als Seiendes, das redet) [ST 191, SZ 165].
A linguagem, por sua vez, está fundada no discurso, e é a mate-
rialização deste. Materialização não é um termo heideggeriano,
mas por ele estamos querendo designar a totalidade de palavras
(Wortganzheit) a que vem o discurso no momento em que passa do
‘estado de aberto’ ao ‘estado de expresso’. Heidegger diz:
“O todo de significação da compreensibilidade obtém a pa-
lavra. Das significações brotam palavras, longe de que estas
coisas que se chamam palavras se dotem de significações.”3
3
Martin HEIDEGGER, ST 186, SZ 162: “Das Bedeutungsganze der
Verständlichkeit kommt zu Wort. Den Bedeutungen wachsen Worte zu.
Nicht aber werden Wörterdinge mit Bedeutungen versehen.”
6
IDEM, Lógica 255, Logik 243: “ ‘Habt ihr nicht bloss mich ange-
hört, sondern habt ihr (ihm gehorsam, horchsam) auf den Logos gehört,
dann ist Wissen (das darin besteht), mit dem Logos das Gleiche sagend
zu sagen: Eins ist alles.’”. DK, 161: !
" #
7
Ibid., 277, 265: “Der selbst muss also das $ , das das
, jedes in sich und alle in ihrem Bezug wesen lassen. Der
selbst muss in der Weise ihres Wesens und somit im Wesen des
Eins, des Alls, des Seins walten.”
8
Martin HEIDEGGER, Lógica 278, Logik 266-267: “Was heisst nun
eigentlich und , wenn das Wort, wie wir behaupteten,
ursprünglich mit Sagen und Aussagen, mit Rede und Sprache nichts zu
tun hat? , das lateinische legere, ist dasselbe Wort wie unser Wort
‘lesen’, aber nicht das ‘lesen’, das von uns sogleich auf die Schrift und
damit auf das geschriebene Wort und so wiederum auf Rede und Sprache
bezogen wird. ‘Lesen’ verstehen wir jetzt und hier und künftig in einem
weiteren und zugleich ursprünglicheren Sinne: ‘die Ähren auf dem Acker
lessen’; ‘die Weintrauben lessen in Rebberg’; ‘das Holz lessen im Wald’.
, lessen, , die Lese.”
Referências Bibliográficas
Grade erfahren und wissen und vollziehen können, als der selbst
eigens gegenwärtig ist im fügsamen Achten auf Ihn.”
Fernando Muniz *
Para isso, ele lança mão de uma analogia que nos permite -ainda
que de modo negativo – compreender tal relação.
Observemos a passagem: “Coisas do mesmo tamanho, de perto,
não aparecem ao olhar, maiores e, de longe, não aparecem meno-
res? E não se dá a mesma coisas com a dureza, com a multiplicida-
de e com os sons?” Assim, “se o êxito de nossas ações consistisse
em escolher coisas grandes evitando as pequenas, qual seria a sal-
vação da nossa vida: uma tékhne de medição ou a potência da
aparência ?” (356c4-356d4).
Protágoras não hesita4 em afirmar que a maioria dos homens
concordaria que a boa deliberação sobre as grandezas dispostas es-
pacialmente não poderia ser determinada pela visão, mas sim por
uma tékhne de medição. Mas se isso vale para os objetos do plano
da percepção sensível deve valer também para os elementos envol-
vidos na deliberação prática, pois “se a salvação da nossa vida de-
pendesse da escolha dos prazeres e dores maiores ou menores, em
maior ou menor número, distantes ou próximos” (357b) não há dú-
vida que a resposta só poderia ser encontrada no domínio da tékh-
ne que dá conta do excesso e da falta, i. e., da metrética.
A analogia permite, assim, que os prazeres e dores possam ser
compreendidos a partir do modelo da percepção sensível. Mas,
além da necessidade da correção das distorções de ambas expe-
riências, o que mais podemos extrair da analogia? Sabemos que
cada um desses domínios tem uma dimensão própria: a percepção
é percepção de objetos sempre distribuídos no espaço, enquanto os
prazeres e dores são distribuídos no tempo. Mas são os objetos
sensíveis dispostos no espaço os que podem fornecer um modelo
eficaz para que a relação temporal entre os prazeres seja esclareci-
da, pois, a distribuição de objetos num espaço – tal qual a dos pra-
zeres e dores no tempo – requer a existência de distâncias entre
4
Protágoras, o filósofo que estabelece como medida a apreensão singu-
lar do mundo, fazendo com que o seja infalível (assim como
nos mostra o Teeteto), parece concordar com a necessidade de uma corre-
ção da percepção sensível. O que não deixa de ser enigmático
5
Para isso v. Perelman, C. e Olbrechts-Tyteca, L. (1996), p. 424.
Bibliografia
PLATONIS OPERA – Recognovit Breviqve Adnotatione Critica –
Instrvxit J. Burnet.Oxford: Oxford University at Clarendon
Press, 1944.
BURY, R.G. The Philebus of Plato. Edited with Introduction, No-
tes and Appendices Cambridge: C.U.P, 1897.
DODDS, E. R. Os Gregos e O Irracional. Trad.Leonor Santos B.
De Carvalho. Lisbos: Gradiva, 1988,
DOVER, K. Greek Popular Morality in the Time of Plato and
Aristotle. Indianopolis: Hacket, 1994,
GOSLING, J.C.B. and TAYLOR, C. The Greeks on Pleasure. Ox-
ford: Clarendon Press, 1984,
PERELMAN, C. E OLBRECHTS-TYTECA, L. Tratado da Argu-
mentação. A Nova Retórica. São Paulo: Martins Fontes
(1996),
WALSH, J. The Socratic Denial of Acrasia in VLASTOS,G. The
Philosophy of Socrates. Garden City, NY:Doubleday, 1971.
6 $ & <
6# /
= & =& 3 ! >?
@
%A + - & B %
$ > " ' & %
# @ C " 7
+;D8 - E6F 7 ' #
! & " 3 !
& 7
>? @
-& %
/ + -& = &
5 "
' & & = !
# +
-H + - B %
" + -
# + -& % %
+ - " " %
+ - 4 %
/ & & "
& %
4 # & &< ' &
6# & ,
! + -,
= & % %
# " &
" + -, = + -
" $ , % &
= %
& +
-
+ -
E6F 3 &
+ -
E" %
& # + -7
! ,
, +3- "
& " & & &
! & "
$ &
" ! &
J &
& ! & & ! %
" & &
" &
" % & +;D; - %
& H & %
&
= "
+ - 4 & $ & 4 &
= " %
& " " = & =
"# = 7 & %
" & & E %
= & & 7 %
+ ! "-
= & % ! %
& ' ! & &<
$ 7 "
& & = ! # +
-&
;D & = '
+
- L %
!"! #& ' %
;; M 9; 0%N7
" + #
- " + -&
/ + - % B A %
+ - #
A + -
+ % -
& & < /
# % + - O
< / ! E $ =
> ! E%
@ & " & > ! $ @ $% !" +;:: -7
0 = P Q B $ + & %
- & H
+ % &- = + & -&
" % $ L %
% ! %
E + ' ( ' -
& & #
# & & &
< +
-7 $ & $%
& !
4 " 6#
& ' ( ' &
% !
7 & %
0 & "
($ & ! R
!" #
6 & 1
" 6# ' %
/ & %
< T %
! &
* & &' "&
3 &
K8 & KS % & 9 & D8 & %
= "
3 $ &
T &
" T &
/ $ % $ ) ( + $%
3 = & -
' = ! +
- %
()")& / <
/ & ! & =& >
&
@ + 9 -7 > " ,
" ,& & B %
! @+ 9 -
# $ )' &
# & &
$ 7 " B# %
" & $ < B
)' 7
P 9 Q E6F = " " #
+ ' -
)34 E = E6F 6 , %
% , )34 ? 3
E6F +
-& %
$ 3 P Q
% % < !
+55& 98 -7
4 ! & %
" + %
- & &
+
' !
-& %
& &
" 7 , = ,+ -
' 3 %
" & & &
3 " %
& '% + ' -
C# " $ '
" & L 6 &
' R $ ! %
$ ) ( & = 3
$ $ , R $ ,
> @ +L5) 4 FE 6 F0545& 9DS & 5557
89%88- " $ %
L %6 7
-R $ $ $
" & R $
+55& 9- & /
! + " &
( -7
L P Q " E V#
M " V#& ! $
# ! <
& '
-6 " ") R $ >B @&
! &
&
& ' B '
& < # $ % $ &
&< + ' - %
3 R $ = &
& " R $ +5C& DI- %
$ % $ & %
& " W & #
) + &)%& *" = & "
%
& $ %
& 3 ! ! & 4 &
J' %
6 / &
# $ '
A $ % $ E
% &
! > @ ,
M V F & 7
$ > %
@& $ / )
E $ U Y =& ! <
$ & = A "
$ +U Y =&9D 9% 87
9D:-
) # 98D 3 + 9
M 98D 0%N-7
3 " +
-& ! # = %
' " A
+ ' -H
' &
+ -& = %
/ " + -
1 ! & "
A " # +) 00 %
O34 & 9DI;7 % ;- E $ ! & " &
# #
! B &
+ - & %
# ) % ! 3
& &
# = /
E ' +R $ & X $ 3 -
A $ $
T $ & %
J' . &
" $
> @7 & " %
$ T 3 %
B T
"
3 T & N &
6 &0 %N =& 6 W =&
6 " > #
! ! %
$ @ + 2(O53 3 6 FF L3OO5& 8::97 9 -
E & $
! %
$ ) ( & & C5
C 6 E $
T > @7 - %
$ # & /
< . & &0 ! W
Z &R / ! %
7 = T
L" & &3 " & " M- & &
$ & &
& " %
! &
! ) [ & ! $ " 4
T & & ) [ & "
&< + - %A &
" & /
%A F $ " %
& 7 > " @&
!-, ) '& . ++") ") + -7
? # ! R
+ - # # ) $
4 & %
# R 0 =7
> " &
7 ' % #
) $ @
%
+ - $ & "
\T & +C 9KI-& ( )
$ ! + " -
& & %
- T $
/ $
+I 0 9 0N-7
P $ Q % $
+ - & %
= " %
+
-
E $ 9 1 $
" - . . '
+;; 9 0N-
3 ' $
/ $ % $
$ E
% & # %
7
- & #
& !
- & $ % %
+ $
= 7 ) $
3 - B %
& ' '
$ 3 " T
R 7> " &
7 ' %
# ) $ @
* & #
# 0 + %
-& %
$ , )' , %
' $ %
/
$ % $ < = ' %
A & " 7 <
7 ! %
0 " "#
%
+ -
%
/ &
$
0 & %
!
& $
& &
# 7
- % &
* I88 7 > = %
% @ E
I8 7 > = & & & #
+ -& * & &
+ -@3
I8S 7 % 7 %
" 3
& & " %
" +* -@
3 % "# "
$ & & A
& & & &
& & "
" $ . %
& # " "
$ & &
" 1 %
L % 555 6 ! +
, $ " $
& %
B + - B + -
&
B B
# =
& " % 3
/ > " @ $
$ $ 7
E = B =
&
& = %
$ + . -7
+
% % % -
++ ;:S 8:%8 -
T +
) & L %6 & ) 6" -
" %
)
%
$ $ &
' & & $ %
& ' %
'
$ 7
E
J' &
! M =7 =
+ R & R ! & $ -
H %
$ " %
& %
& =
%
3 & A %
# & & B ' %
$ & &
& & &
> $ @ + O3 3& 8:::7 ;:S-
$
T & %
%
&
& .
$ ># @ $
+ " < $ = '
($ - %
6 J' & &
" + , "
0 & & %
' $
& ) %
&
- # .$ - %
A ($ ;D
")*!# 2"
E $ & & %
& # / ! %
4 = &
& %
> @< > %
@" B 3 & & ! %
%
& +3 !"% "! & & B
& #
" $ " /
* < < %
& &
& =& # %
3 ! 64 &
B ? ;SIK ]8:: %; % ,/
%, ,0 1/ 230 +1 4230,'2351 1 +235,*&
4"% 5! " $6 *
0 T " 6")%& + % 7
* L 6 4
6 - 1 = & 9DI %9DK;& 5 55 9DS & 555 0 %
% U M V *
47 6 & 6
2 & 9DS8H 6 N " 47 47
8 -% 7 6 & R V & 8::9H M 6
6 4 ) &O = & 9DDK& KS%SS
B % L
) F > [" @ 5 ME20E2F5 & N %
+ - 47 4 7 " & 5
6 ( V " "[ 6 & 9DD8 6
( 6 $ 7
" # $ %
5 8 4, 9 %9; +B ] = 8::8& 8:: -& 6 %
%2456 )
6 ," !
)O U L" E E & 9D & <
) L (" &4 & 9DD
0 T ! T $ %
" B# # EN +1 9
M & 9D88-& R 0 , U N = ++ 9
: ( ( & 5& M & 9DK9-& ( 6 +* 6 & 5&
) & 9DS - ( W = +4 5 2 7 /
5 ' &E & 9DS9- %
( 6 *
; - 6 6
) & " & 8::9 %
OT R & %
% ) C C + ;9-
3 $ % %
$ % ( 6 E%
3 5 ) (" ^ ) ^
C 5 1- 4
; & 9DDK%D 4 7M%
& 8:::& 9DI%8 K
" R $ U M V
* 0 47 6 & ) &
R 2 [ & 9DS8
!()* " %
" \T : 4 & 9DD +( %
* O ) F & M &
9DD;- > @ 1 & !
$ 0! & %
.
+ &)%& *" & %
& B % 3 !
) " 5X 98S +_ 3 9 M 9 K 0N-H ! C
# 9 +_ 9; M 0N-
U 4 : '7 6 * &
9D;8& 9:K
6 < "#% %& & & &
$ %
% $ & B % # U F "
47
1 2 R & 9D &
9S H & & ) M &
9DI;& ;: ( 6 0 5 9
- 0 -- 9 &
C 2 & 9D S& I%8I
6 " ># @ 98D 3 %
# + - %
0$ O +C555& I;-& %
& & >
% ' @
0 ' + , $ & B#
& 1 O %
0 5 ) (" ^ ) %
^ C 5 1- 4
; & 9DDK%D 4 7
M & 8:::& DK%;98
3 & # 2 U Y = )
+ % M & 9D 9% 8
•
Docente da PUC-Minas, Campus de Poços de Caldas.
1
Edições das Leis utilizadas: PLATON. Ouevres Complètes. Les Lois.
Paris: Société D’Édition Les Belles Lettres,1956.
Traduções em português: PLATÃO. Diálogos. Trad. Carlos Alberto Nu-
nes. Belém: Universidade Federal do Pará,1980.
PLATÃO. As Leis. Trad. Edson Bini. São Paulo: Edipro, 1999.
2
GERNET, Louis.In: Platon Oeuvres Complètes.Tome XI,Les Lois. Intro-
duction. Paris: Société D’Édition Les Belles Lettres,1951, p. CIV. Gernet cha-
ma a atenção para o fato de Platão ressaltar aquilo que há de melhor nos vá-
rios regimes políticos, o que leva à teoria de uma mistura das constituições.
3
Idem,ib., p. CV.
4
Idem,ib.LXXXV.
5
Idem,ib.LXXXVIII.
6
Idem, ib. XCII.
7
BRÉHIER,E. Histoire de la philophie, p.142.
8
VANHOUTTE, Maurice. La Philosophie Politique de Platon dans les
Lois. Louvain: Publications Universitaire de Louvain,1954. O autor desta-
Hector Benoit *
*
Docente do Departamento de Filosofia da UNICAMP.
As regiões de negatividade
b) O não-ser e a alteridade
d) As regiões do outro
a) O diálogo República
b) O Político
2
Em geral, as análises históricas e sociológicas contemporâneas, mes-
mo as de inspiração marxista, incorrem nesse mesmo problema. As estru-
turas diferentes se tocam mas não se interpenetram.
3
Ou como diria Heidegger: a sua Herkünftigkeit, a sua “provenienciali-
dade”. Curiosamente, no marxismo não-dialético ou vulgar ocorre essa
ausência de proveniência e isto se manifesta em programas máximos ina-
plicáveis que só servem para os dias de festa.
c) Leis
4
Como escreve Heidegger: “A árvore e a vegetação, a águia e o touro,
a serpente e o grilo, somente adquirem deste modo sua figuração mais
destacada e aparecem como aquilo que são. Esta aparição e surgimento
mesmos e em sua totalidade é o que os gregos chamaram muito cedo
. A physis ilumina ao mesmo tempo aquilo sobre e no qual o ser hu-
mano funda a sua morada. Nós o chamamos terra”. (p.28, in Holzwege,
“Der Ursprung des Kunstwerkes”, Gesamtausgabe, Band 5, 1977).
Nesse sentido, como disse Hegel na sua lição sobre Platão, du-
rante dois mil anos, as formas para a fundação de uma koinologia
ou, mais literalmente, para a fundação de uma racionalidade verda-
deiramente dialética, vagaram baldias desde o autor dos Diálogos.
Hegel, apesar dos seus ecletismos filosóficos e religiosos (aristoté-
licos, neoplatônicos e cristãos), será um marco nesse retorno da
dialética como contradição engendradora, e reconhecendo no inte-
rior do não-ser a consistência ontológica perdida, reconduziu o ne-
gativo ao conteúdo de antítese imanente que nasce e se conserva
no interior do seu ser-outro. Não por acaso, Hegel será o pensador
da história, ou seja, aquele que reconduzirá todos os domínios do
humano a reencontrarem na longa proveniência histórica do seu
caminho a revelação de sua própria essencialidade6.
5
Sobretudo, porque, provavelmente, desde pelo menos Parmênides,
podemos reconhecer a Filosofia como propriamente o domínio da
“meta-physica”.
6
Como escreve Hegel a respeito do conhecimento da essência que é a
verdade do ser: “Este conhecimento é um saber mediato (ein vermitteltes
Wissen), porque não se encontra diretamente próximo da essência ou
nela, mas sim, começa por um outro, isto é, pelo ser, e tem que percorrer
previamente um caminho (Weg), ou seja, o caminho que leva a sair do
ser, ou melhor, a entrar neste”(Wissenschaft der Logik, Buch II, “Das
Wesen”, S. Werke, edição H. Glockner, IV, p.481, 1965). Esse caminhar
pelo outro que revela a verdade de cada ser ou sua essência, em Hegel, re-
vela-se nos mais diversos conteúdos. Por exemplo, o drama poético, en-
quanto unidade dialética da poesia épica (objetiva) e da poesia lírica (sub-
jetiva), carrega em si a superação e conservação dessas formas anteriores
da qual ele, drama, recebe a proveniência da sua essencialidade (Cf. Vor-
lesungen über die Aesthetik, III, capítulo III, “Die Poesie”, XIV, pp.220 e
seguintes, H. Glockner, 1964).
7
Marx afirma que a principal pressuposição (Voraussetzung) histórica
do capital é “a separação entre trabalho livre e as condições naturais de
realização do trabalho, isto é, dos meios e dos materiais do trabalho”(p.
387, MEGA, Ökonomische Manuskripte 1858/57, Dietz, 1981).
8
Afirma Marx no capítulo XXIV de O capital que a primeira negação é
a expropriação da massa do povo, mas, logo virá a negação da negação, a
expropriação dos expropriadores: “a produção capitalista produz, com a
inexorabilidade de um processo natural sua própria negação. É a negação
da negação (Es ist Negation der Negation)”(Das Kapital, I, MEW, 23,
p.791).
4
O capital, livro I, volume I, p. 287 da tradução brasileira, Abril Cultu-
ral.
5
Hector Benoit - Notas sobre a Temporalidade nos Diálogos de Pla-
tão, p.93. Conforme Benoit, as hipóteses históricas devem emanar do pró-
prio texto, não devendo ser sobrepostas externamente. A sobreposição ex-
terna da história seria cair no historicismo.
cem confundidas com um fundo mítico, porém, sem dúvida, com ca-
racterísticas muito próximas àquelas que viemos a saber somente
com as escavações arqueológicas dos séculos XIX e XX.
Poderia então a afirmação de Marx de que a República de Platão
não seria mais que uma “idealização ateniense do sistema egípcio de
castas” estar correta? Estudando República, Timeu e Crítias, a hipó-
tese parece bastante viável. Mas qual seria o significado desta idea-
lização? O que o autor Platão poderia estar propondo ao compor
esta cena? Que significa colocar Sócrates a compor um projeto polí-
tico que seria apenas uma volta ao passado perdido da Grécia? Qual
seria a relação entre esta aporia histórico/política e as demais apo-
rias socráticas, aquelas mostradas em diversos diálogos platônicos?
Como vem apontando Hector Benoit em seus cursos e, mais re-
centemente, na sua tese de livre-docência, o Sócrates que Platão nos
apresenta em A República, preso às dificuldades da efetivação de
sua teoria das idéias, encontrar-se-ia nesse diálogo, ao mesmo tem-
po, em aporia diante dos problemas históricos de realização da cida-
de projetada. Nesse sentido, essa volta ao passado no projeto políti-
co seria a expressão dos limites de toda a filosofia socrática presente
nos diálogos. Talvez, Platão nos estava mostrando, nesses diálogos,
que o projeto socrático, contra a democracia ateniense, era um retor-
no a uma sociedade estável, idealizada sem devir (como o mundo
das idéias). Mas, não por acaso, a estabilidade idealizada por Sócra-
tes carregava o elemento despótico das sociedades protogregas. Inte-
ressante lembrar, nesse sentido, que Crítias, sendo um personagem
histórico, de fato, toma o poder em Atenas (404) e comanda um go-
verno tirânico que pretendia restaurar a pureza originária da aristo-
cracia ateniense. Esse governo despótico conhecido como o poder
dos Trinta Tiranos, que dizimou centenas de atenienses, não teria
sido a efetivação, ainda que deformada, de A República?
Não por acaso, também, no diálogo Político, o Estrangeiro de Eléia
desconfia do governo sem leis, e de todos aqueles que em nome de uma
7
Cf. Benoit, H., “O Político entre Sócrates e o jovem Sócrates”, in O
que nos faz pensar, 18, PUC-RJ, 2004.
8
Cf. Benoit, H., A Odisséia Dialógica de Platão: do retorno de Dioni-
so à physis originária (livro quarto da tetralogia dramática do pensar).
Originais inéditos da tese de livre-docência cedidos para consulta pelo au-
tor.
Bibliografia
E comenta: “Penso eu que ele diz o gênero áureo não por ter
nascido do ouro, mas por ser bom e belo. O indício para mim está
em que também diz que somos gênero férreo” (Crátilo, 398 a).
Essa explicação do sentido moral e não material de “áureo” possi-
bilita que se entenda o termo Daímones, “Numes”, no sentido de
“bom e belo”, “prudentes e sapientes”, como se fosse daémones
“sapientes” (Crat. 398 b). E conclui: “Diz, pois, bem esse e muitos
outros poetas, que dizem que, quando morre alguém bom, tem gran-
de porção e honra, e torna-se Nume, pela denominação da prudên-
cia. Assim, pois, também eu considero que todo homem que seja
bom, é numinoso, quer vivo, quer finado, e corretamente se chama
Nume” (Crat. 398 b - c). Esse acréscimo “quer vivo” da expressão
“quer vivo, quer finado” suprime a distinção, claramente indicada
no mito hesiódico das cinco idades, entre a temporalidade do tempo
2
Y. Lafrance, La théorie platonicienne de la doxa, Montreal, Paris:
Bellarmin, Belles Lettres, 1981, p. 47.
agathon kai mega kai talla panta 100b), da anuência a essa hipóte-
se dependerá a explicação das verdadeiras causas dos fenômenos e
a prova de que a alma é imortal.
Escapa aos nossos propósitos discutir em detalhe o método hi-
potético que aqui Sócrates resumidamente descreve.8 Quero focali-
zar a “guinada” metodológica que Sócrates acredita efetuar quando
na busca da verdade das coisas, deixa de lado a observação empíri-
ca, à qual – asseverou – seus predecessores teriam se limitado9,
para examinar os objetos nos logoi ou mediante os logoi (parece
indiferente), tentando dar conta dos fenômenos por pressupor um
logos extremamente seguro. O que logos aqui pretende significar?
O termo aparece duas vezes na mesma passagem e, presumivel-
mente, não exatamente com o mesmo sentido.
Na primeira ocorrência aparece no plural; já tendo recebido va-
riadas propostas de tradução: “proposições, julgamentos ou defini-
ções” (Burnet); “explicações, definições ou conceitos” (Crombie);
“idéias ou noções” (Robin); “razão” (Guthrie); “discurso”, “racio-
cínios” (Dixsaut). É realmente difícil optar, nesse caso, por uma
8
Muitas questões ficam abertas em torno da descrição desse método no
Fédon e sua demonstração com a teoria das Formas. M. Dixsaut pontua
excelentemente e discute algumas das questões mais importantes: de que
se trata a hipótese a mais forte? Pode ser uma hipótese qualquer, ou a hi-
pótese precisa de que Sócrates dá os exemplos? Como compreender a
“consonância” entre as coisas que “decorrem”? Uma convertibilidade?
não-contradição? Dedutibilidade? Compatibilidade? Como a hipótese es-
colhida se relaciona com a hipótese superior? O que se atinge quando se
chega ao algo satisfatório? (op. cit., p. 382, n. 289).
9
Segundo Ross, Sócrates não emite um juízo justo a respeito dos seus
predecessores. Os filósofos da natureza não se limitaram à experiência,
somente tomando nota do que lhes informavam os sentidos. Também ti-
veram seus logoi e formularam suas hipóteses, das quais derivaram conse-
qüências tal como fez Sócrates. A diferença, conforme Ross, é que os na-
turalistas propunham sua hipótese inicial a partir de observações particu-
lares, enquanto Sócrates “toma como ponto de partida algo suscitado por
uma reflexão muito mais geral” (Teoria de las ideas de Platón, trad. J. L.
Arias, Marid: Catedra, 1993).
10
Dixsaut, na contra-corrente, não interpreta o método exposto por Só-
crates como dedutivo (cf., op. cit., pp. 381-382, n. 389).
11
“... quando, além do belo em si, existe um outro belo, este é belo porque
participa daquele apenas por isso e nenhuma outra causa. O mesmo afirmo
a propósito de tudo o mais” (100c). “... tudo aquilo que é maior do que ou-
tro, não o é por nenhuma outra causa senão pela Grandeza; e o que é menor,
não o é por nenhuma outra causa senão pela Pequenez” (101a). “... que
cada uma das Formas (t n eid n) possui uma existência própria, e que é
justamente delas que as demais coisas participam e recebem o nome ...”
(102b).
Tem-se discutido se a hipótese inicial é a existência das Formas simplici-
ter, ou se as “Formas são causas”. É claro que na suposição da função
causal das Formas já está implicada sua existência. Contudo, na ordem da
exposição, primeiro Sócrates põe a existência das Formas, em seguida as
trata como causas (aitiai).
sas belas são belas (t i kal i panta ta kala kala) para formular a
resposta segura15, o logos mais firme, que explicitasse a causa real
do devir e do ser de cada coisa; então asseverando que há Formas,
entidades inteligíveis dotadas de natureza própria, e que os partici-
pantes de cada uma têm seus nomes a partir da Forma com a qual
se relacionam.
À guisa de conclusão, quero destacar o primoroso comentário
da M. Dixsaut acerca de nossa questão. Segundo Dixsaut, o méto-
do preconizado por Sócrates consiste na descoberta de um ponto
de vista (point de vue), a partir do qual ele poderá ao mesmo tem-
po satisfazer seu desejo de conhecer o que é cada realidade em si e
seu desejo de explicar os fenômenos naturais. O raciocínio supõe a
realidade em si daquilo sobre o que dialeticamente investiga. Tais
realidades não são meramente os seres a que os raciocínios se refe-
rem, “elas garantem ao discurso sua realidade e sua potência, pos-
to que seu modo próprio de ser apenas pode ser atingido no e atra-
vés dos raciocínios: dia-logicamente, ou antes dialeticamente”. O
discurso é um meio de ascender aos seres verdadeiros, portanto
“deve ser contado no número dos gêneros que são” (Sofista, 260a).
“Propondo um discurso que tem estes seres por conteúdo, Sócrates
põe, num mesmo movimento, as condições da verdade deste dis-
curso, afirmando a realidade ontológica das condições que o per-
mitem se desenvolver. A hipótese é que os fenômenos da ‘nature-
za’ não esgotam a totalidade do que é; mas ela não conduz a negar
realidade a estes fenômenos. Subordinando-os, ela garante, ao con-
trário, ao mesmo tempo sua realidade e sua inteligibilidade. Os
discursos refletidos são ao mesmo tempo o lugar em que se reve-
lam as coisas que são ‘em verdade’, o lugar a partir do qual se
252-254.
15
Mais adiante (105b-c), Sócrates refina sua resposta sem subtrair-lhe a se-
gurança. Um objeto poderia ter a qualidade de uma certa Forma pela pre-
sença não da própria Forma, mas de algo que essencialmente traz esta
Forma, da maneira como o fogo, que sendo essencialmente quente, por
sua presença nas coisas torna-as quente.
16
Dixsaut, op. cit., p. 141.
17
Dixsaut, op. cit., pp. 141-142.
1. Posição do Problema
1
Texto apresentado no VII Colóquio do Internacional do CPA – Logos
e Tempo, realizado nos dias 10, 11, 12 e 13 de novembro de 2003, no
IFCH da UNICAMP.
*
Docente do Departamento de Filosofia da UNICENTRO/PR (Univer-
sidade Estadual do Centro-Oeste), mmdsilva@yahoo.com.br
2
A saber, como acesso ao racional puro, buscando não só estabelece-lo no
supra-sensível como em seu plano imanente, mas, também, nele fundar-se.
6
Veja-se G. REALE, op. cit., p. 53-54.
7
Cf. G. REALE, op. cit., p. 53-54; A. AUGUSTINI, In Ioannis Evangeli-
um Tractatus, II, 1- 4.
8
Veja-se G. REALE, op. cit., p. 54.
9
Veja-se G. REALE, op. cit., p. 51.
10
Veja-se G. REALE, op. cit., p. 51.
11
Veja-se G. REALE, op. cit., p. 52.
15
Sigo aqui a própria tradução de G. Reale, Hist. da fil. antiga, v. II, p.
52.
16
Veja-se o argumento dos contrários em Fédon, 69e-72e, e o problema
da physis em Fédon, 96e-99c.
17
A este respeito, é bastante elucidativa a frase que Platão põe na boca
de Sócrates, exortando Símias a interrogá-lo, segundo a qual essas coisas
(o dom divinatório, a presciência dos bens existentes no Hades, e a facul-
dade de adivinhação) são as que Símias deve considerar quando quiser fa-
lar e propor as questões que desejar (Fédon, 85bd).
18
Cf., Apologia, 20c-24b, 28b-32a; Ménon, 81ab; Banquete, 201d-212c;
República, 496c, ss, 611b, ss; Fedro, 242b-253c; Político, 290cd, 309c;
Filebo, 16c-23c.
19
Veja-se G. REALE, Introduzione [a Amore Assoluto ...], p. 08-09, 53-54.
4. Referências bibliográficas
Endereço do Autor:
*
Doutor em Filosofia (PUC-RJ).
1
O presente artigo é parte de minha tese de doutorado que tem como
tema principal apontar para as características vitais do ensinamento filo-
sófico nos diálogos de Platão. Trata-se de sublinhar os aspectos que reme-
tem o aprendizado filosófico a uma experiência profunda e radical de
transformação dos valores que norteiam a vida.
2
271c- 272a. As traduções dos textos platônicos são baseadas na de Ha-
rold North Fowler na edição da Harvard University Press, 1995, Loeb Col-
lection, com algumas modificações. É clara a relação que há entre essa pas-
sagem e a do Górgias 504e, na qual Sócrates define a atitude do ‘retórico
bom e competente’ ( ). Lá também o re-
tórico irá ‘aplicar logous às almas’, tanto através de seus discursos como
através de seus atos, para fazer nascer neles justiça e afastar os vícios.
3
!
! ! ! !
".
4
Parece mesmo que Sócrates está falando de um momento anterior,
quando se aprende teoricamente a classificar almas e discursos correspon-
dentes, e um momento posterior, quando se pratica a junção delas.
8
272a.
12
E saber a oportunidade e a não-oportunidade dessas formas (de dis-
cursos ).
13
A noção de a possibilidade de compreensão possuir ciclos sazonais
está relacionada com a preponderância do relato dos mitos às crianças.
Cf. livro II e III da República.
14
Trata-se do trecho já citado em que Sócrates usa a noção de palavra
inscrita na alma, & ' ! (
, “aquela que com ciência é inscrita na alma daquele que sabe”. Por
fim, a arte da retórica, que inclui saber apreender o kairos de falar e per-
manecer em silêncio, terá sua proveniência desse saber inscrito na alma,
275e.
15
Do latim, opportunitas, também traz a idéia dupla de tempo ou espaço
apropriado. Já o adjetivo, opportunus, explicita a etimologia: que impele
para o porto, que vem a propósito, etc. É composto de ob, que diz “ao en-
contro de” e portus, que diz: Passagem, porta de entrada, entrada do por-
to. Porto. Fig. Asilo; refúgio; retiro. Foz dum rio. Esta última, portus,
22
Político 7, 16, 11.
23
O termo usado lá é plattein, moldar, e é esse o processo operado pelos mi-
tos nas crianças. República 377b
*
Professora de Filosofia Antiga da Faculdade São Bento de Filosofia.
1
O termo providência em latim (providentia) está etimologicamente li-
gado a prudência (prudentia), capacidade de prever eventos futuros e pre-
parar-se para eles.
2
Leis 903b.
3
Leis 673c.
4
Leis 716a.
11
Segundo Naquet, Platão não é um banal adorador do passado, um filó-
sofo da decadência como pensam K. Popper (The open society and its en-
nemies) e E. Havelock (The liberal temper in greek politics): implicita-
mente, do lado do ciclo de Zeus estão a filosofia, a ciência e a cidade,
p.241.
12
Leis 690d-692a.
13
Leis 903c.
14
Leis 899d-905c (Rep. 365c-e, 612e).
15
A história da teologia filosófica significa, em sentido grego, a história
das abordagens racionais da natureza da realidade em suas sucessivas fas-
es (W. Jaeger, La Teologia de los primeros filosofos griecos, p.9).
16
Leis 903a-b, 905c; 890c, 907d.
17
Cf. E. des Places, p. LXX; W. Jaeger, Paideia, p.1223, 1264-5.
18
O ateísmo aqui combatido é particularmente o dos sofistas – os deuses
são invenção humana (891b-899d) e a ordem do mundo, determinada por
fortuitas combinações de elementos da natureza – mostrando-lhes que os
entes fundamentais são espirituais e dotados de movimento próprio.
19
Refere-se aos que dão livre curso a paixões por não crer na ingerência
da justiça divina nos assuntos humanos (899d-905d): Deus não abandona
a criação, cuida em detalhe de sua preservação e excelência.
20
Leis 905d-907b.
21
Leis 718a-724b.
22
Leis 719c-723b.
23
Leis 887a. A exposição didática dos deveres do livro IV ao V (715e-734c)
consiste num longo prelúdio referente a Deus, aos pais e a si mesmo,
como o proêmio educativo do livro X, que concerne quase todo às leis so-
23 bre a impiedade.
Lei e liberdade
56
A não é uma idéia nova, tem uma história que, por ser lon-
ga implica em mudanças: as cidades antigas, assim a democrática Atenas
tinha uma concepção de liberdade bastante diferente da nossa (Fustel de
Coulanges, p.265-269). Diz Hegel que entre os gregos surgiu a consciên-
cia da liberdade, embora Platão e Aristóteles o ignorem: refere-se, a res-
peito de Platão, especialmente à exclusão do princípio da liberdade subje-
tiva como traço fundamental da República (Leçons sur l'histoire de la phi-
losophie, 1967, p.27-28)
57
F. Hartog, p. 169-170.
58
Leis 693b, 698b, 701d.
59
Segundo o index de L. Brandwood, há 189 ocorrências da palavra
e , e chega a 210 se acrescentamos ,
, .
sobre o grande inspirador das leis, Deus, que garante coerência in-
terna ao longo percurso do (temporalidade lógica), é mo-
mento crucial da argumentação sobre uma teoria da liberdade do
ponto de vista teológico, metafísico, psicológico, moral e político.
Em razão da incerteza do vocabulário platônico (e da língua grega
em geral), para compreendê-la será preciso enfocar melhor quais
termos a exprimem do ponto de vista político, psíquico e moral
(virtude, autarquia, domínio de si), que problemáticas a ela condu-
zem ao legislar em nome da harmonia da alma e da cidade, deslin-
dar contradições, imaginar conseqüências, limites e fronteiras:
conjeturar sobre o traçado não estereotipado da natureza humana,
mantendo uma cidade interior e exterior que não sejam escravas
sob nenhum aspecto, liberdade que se afirma ao se ligar ao tradi-
cional, estável e eterno, atuando na temporalidade histórica para
organizar novas formas de vida coletiva, deverá ser talvez o ponto
de chegada deste prolongado “passeio”, não de todo implausível,
dos personagens à caverna do Deus.
Bibliografia
Platão
Oeuvres complètes. T. I à XII. Paris: Les Belles Lettres, 1946-
1956.
Oeuvres complètes. Paris: Bibliothèque de la Pléiade. Trad. L.
Robin, 1942.
“epistemológicos”.
3
A observação foi feita pelo Prof. Fernando Muniz, durante o colóquio
“Logos e Tempo”, do CPA.
5
Lembremos como a língua é elevada de simples órgão à categoria de
divindade (Nuv. v. 419, 424), bem como o interesse de Dicaiópolis e de
Estrepsíades em conhecer o uso das ‘pequenas frases’ (rematíois, Acar.
444; Nuv. 943), quando vão a Eurípides e ao Pensatório, respectivamente,
para aprenderem a falar. Dicaiópolis, diga-se de passagem, refere-se à ne-
cessidade de fazer uma longa resis (resin makrán, Acar., v. 418).
6
Nehamas (1990, p.3) observa que, aos olhos de seus contemporâneos
e de alguns de seus posteriores “Socrates remained closely connected with
those who, at least in Plato’s dialogue, are portrayed as his most bitter and
dangerous opponents. And at least for Isócrates, Plato himself was on the
sophistic and eristic side of the distinction between philosophy and its
early rivals.”
7
Este é um termo bastante delicado, cuja tradução como ilusão parece-
me menos perigosa, em certos contextos, do que “engano” ou “mentira”,
já que este segundo vocábulo remete, de modo mais incisivo à distinção
(platônica) entre falsidade e veracidade (no âmbito epistemológico) .
8
“The Aristophanes’ of the parabasis proclaims his usefulness as an ex-
poser of rhetorical flattery and deception on the part of those who address
the demos. But that anti-rhetorical proclamation is explicitly and comic-
ally framed as a deceptive and distorted exaggeration. ...Dicaeopolis and
the parabatic Aristhophanes share a rhetoric of anti-rhetoric. The fact that
the audience can see through Dicaeopolis’ deception does help them to
detect deception in the ecclesia or law-courts...” (Hesk, 2000, p. 271-2). A
questão da ‘retórica da anti-retórica’, como Hesk a denomina, desdobra-se
em várias outras, inclusive articula-se com a discussão desse procedimen-
to de refletir sobre a performance retórica nas peças de Eurípides.
9
Como já foi notado (Walsh, 1984, p. 87), o canto das rãs pode ser
comparado àquele elogiado por Ésquilo; embora não tenha significado,
ele dá ritmo à ação, assim como o canto dos remadores (v. 1073). Sobre
os aspectos irracionais (e racionais) do discurso, em Górgias, veja Romil-
ly, 1975, p. 3-21, e Schiappa, 1996, p. 82ss.
10
A influência da visão platônica pode ser constatada até hoje em textos
clássicos sobre retórica, como, por exemplo, o de Kennedy, cujo título é
The Art of Persuasion in Greece.
16
Para ele Eurípides teria sido discípulo de Anaxágoras, Curso sobre
Literatura Grega, p. 182. Sobre a ambiguidade dessa postura falaremos a
seguir.
17
O nascimento da tragédia, 12: “Nähern wir uns jetzt jener sokratis-
chen Tendenz, mit der Euripides die aeschyleische Tragödie bekämpfte
und besiegte”.
18
Para uma crítica ao procedimento usado por Nietzsche para aproximar
Eurípides e Sócrates, veja Henrichs, 1986, p. 386-7.
19
O nascimento da tragédia, 13 : “In dieser Tonart, halb mit Entrüstung,
halb mit Verachtung, pflegt die aristophanische Komödie von jenen
Männern zu reden, zum Schrecken der Neueren, welche zwar Euripides
gerne preisgeben, aber sich nicht genug darüber wundern können, dass
Sokrates als der erste und oberste Sophist, als der Spiegel und Inbegriff
aller sophistischen Bestrebungen bei Aristophanes erscheine”.
20
Para uma análise deste aspecto, veja Henrichs, 1986.
21
Veja, por exemplo, o artigo de Santos, cujo valor, pela análise cuida-
dosa das três peças na busca de identificar ali um sistema de critica literá-
ria, é comprometido por sua adesão às palavras do comediógrafo, como se
sua opinião fosse fiel e isenta. As peças de Eurípides que nos chegaram
são suficientes para, no mínimo, colocar em suspenso afirmações como a
de que sua poesia “não apresenta tema de alto valor ético” (Santos, 1992,
p. 93) ou que ela é “representação da representação, aparenta (e não é)
realidade”, ao contrário da de Ésquilo, que não ‘representaria” mas, sim,
“apresentaria” os homens (idem, p. 93). Digna de citação é , ainda, a afir-
mação: “Que é isso [persuasão] que o teatro de Eurípides produz no es-
pectador provam (grifo meu) as palavras do coro que comentam [Tesm.
459-65] o discurso daquela segunda personagem feminina”(idem, p. 87),
onde Santos mostra como toma Aristófanes ao pé da letra. Para uma aná-
Referências Bibliográficas
Maura Iglésias *
cognitiva. E a questão que se põe é saber se essa pode ser feita di-
retamente, sem a intermediação discursiva. Em outras palavras:
será que Platão reconhece a existência de uma apreensão cognitiva
direta? Ou toda apreensão cognitiva é, para ele, resultado de um
pensamento discursivo?
Quando falo em apreensão cognitiva, não estou eliminando ne-
nhum nível de cognição, o que evidentemente inclui apreensões
sensíveis, desde que tenham uma pretensão cognitiva, por mínima
que seja. É o caso das percepções do ser humano consciente, inclu-
sive crianças a partir de certa idade, fundamentalmente diferentes
das sensações dos animais, que também são apreensões psíquicas,
mas que não reconhecemos como tendo pretensão cognitiva. Pode-
mos até dizer que animais “sabem” coisas, no sentido de que são
capazes de reconhecer coisas, e de reagir adequadamente a estímu-
los, i.e., que “sabem” o que fazer em certas situações. Essas facul-
dades psíquicas entretanto não caracterizam a apreensão cognitiva,
que implica uma afirmação da apreensão psíquica, um dar-se conta
de que se sabe. Ora, não reconhecemos, no caso do animal, nem
que ele saiba que está sentindo o que está sentindo, nem que seja
uma questão para ele se a coisa que ele sente é ou não como ele
sente.
2
V., por exemplo, Mênon 75 e, Timeu 28 b3-4, e sobretudo Teeteto 184 c-
d.
rigor e coerência não deixam de ter suas vantagens, vou usar o ter-
mo doxa como o nome comum das duas apreensões referentes ao
sensível, e conservar os nomes dianoia e noesis para as duas se-
ções do inteligível.
Antes de considerar essas apreensões e se elas são, ou não, to-
das, resultado de um pensamento discursivo, lembro que essa rapi-
díssima reconstituição que fiz da passagem da linha não poderia
deixar de estar comprometida com algumas opções hermenêuticas.
Todos sabemos que estamos diante de uma passagem que, junta-
mente com aquela que a precede, a da analogia do sol com o bem,
e com aquela que a ela se segue, a da alegoria da caverna, constitui
talvez o texto mais lido, mais comentado, mais discutido de Platão,
e talvez de toda a filosofia. Entre as inúmeras propostas de leitura
para os inúmeros problemas de interpretação que ela suscita, te-
mos de fazer algumas escolhas, que não é possível aqui justificar,
mas que são, evidentemente, justificáveis.
Assim, entre as opções interpretativas contidas nessa descrição,
considerei a linha como dividida em partes desiguais e proporcio-
nais, o que corresponde à leitura mais aceita, embora não unânime.
Além disso, o que não está dito acima, aceito como sendo um resul-
tado deliberado e consciente de Platão a igualdade dos segmentos
intermediários, conforme a leitura que faz P. Aubenque3. Os segmen-
tos da linha formam assim uma proporção contínua, o que permite en-
tender que há continuidade e não ruptura entre o sensível e o inteligí-
vel, tanto no plano ontológico quanto no plano epistemológico.
tão: existe entre elas uma, ou mais de uma, que corresponde a uma
apreensão cognitiva direta?
Comecemos pela doxa, que corresponde à apreensão dos sensí-
veis.
Ora, a percepção sensorial parece um candidato natural a ser
uma apreensão cognitiva direta. Cores, sons, sabores, odores e
também impressões tácteis – o macio e o áspero, o quente e o frio
– tudo isso parece dar-nos informações diretas sobre as coisas que
atingem os nossos sentidos. O que nossa experiência parece nos
mostrar é que, assim que as sentimos, sabemos o que essas coisas
são, – se não o que elas são em si, pelo menos o que elas são para
nós, isto é, sabemos, diretamente, pelo menos como as sentimos.
Nessa perspectiva, a visão mais radical a respeito do caráter
imediato das sensações nos seria dada por uma passagem do Sofis-
ta (245 a ss., sobretudo 248 a ss.), em que o Estrangeiro faz men-
ção de uma gigantomachia entre os que ele chama de “filhos da
terra” e de “amigos das Formas”. Estes últimos, aparentemente
numa versão da teoria das idéias, radicalizando a diferença entre,
de um lado, corpo – devir – sentidos e, de outro, alma – ser – ra-
ciocínio, parecem negar qualquer papel à alma na percepção sen-
sorial, que seria produto do contacto das coisas no devir (coisas
sensíveis) com o corpo, através dos órgãos dos sentidos
( ’ ).
“...pelo corpo ( ) temos comunhão com o devir
( ) através da sensação ( ’ ); e pela alma
( ) através do raciocínio ( ) temos comu-
nhão com a ; e essa...é sempre idêntica e imutável, en-
quanto o devir é sempre outro a cada vez (Sofista 248a).”
diferentes, esse algo não pode ter vindo por intermédio de nenhum
dos sentidos. É a essas coisas comuns a perceptos de vários tipos
que Sócrates chama : coisas como o ser, o não ser, o seme-
lhante, o dessemelhante, o igual, o belo etc., que são percebidos
como pertencentes a perceptos de várias origens. A conclusão de
Sócrates é que esses , não vindo por intermédio dos órgãos
dos sentidos, são coisas que a alma examina, não pelas potências
do corpo, mas por si mesma.
A introdução dos koina levanta vários problemas de interpreta-
ção do texto. Um deles é se o exame (episkopein) que a alma faz
dos koina ela mesma por ela mesma ( ! ) pressupõe
que os koina estão na alma ou simplesmente se a alma tem acesso
a eles diretamente por si mesma sem o intermédio dos sentidos
(185 d). Mas não vamos nos deter nessa questão. Lembremos ape-
nas que, entre esses koina, estão o próprio ser e o não ser, e que o
movimento da argumentação de Sócrates é levar ao reconhecimen-
to de que aquilo que Teeteto entende por aisthesis inclui elementos
que não pertencem ao sensível propriamente dito, e é nesses ele-
mentos que reside qualquer pretensão a ser episteme isso que ele
denomina de aisthesis. Explicitamente, Sócrates visa mostrar que a
ciência não pode ser a sensação, pois mesmo a ciência relativa à
sensação só pode ser, não a sensação propriamente dita, mas aqui-
lo que ela é, i.e., o ser (ousia) da sensação, uma vez que, para ha-
ver ciência, é preciso que se atinja a verdade, e não se pode atingir
a verdade sem se atingir o ser. E isso é produto de uma atividade
da alma, ela mesma, por ela mesma:
“Assim que nascidos, e por dom da natureza, homens e ani-
mais têm poder de sensação para todas as impressões que,
pelo corpo, caminham para a alma. Mas os raciocínios (ana-
logismata) que confrontam essas impressões em suas rela-
ções com o ser e o útil, é pelo esforço, com o tempo, ao pre-
ço de muito trabalho e de uma longa educação que eles con-
seguem se formar, naqueles onde se formem.” (Teeteto 186
c)
4
Essa interpretação não é incompatível com a constatação de que ani-
mais são capazes de reconhecer coisas e reagir adequadamente a estímu-
los, capacidades que atestam atividade, e não mera passividade psíquica.
Mas essa atividade psíquica animal só opera com dados sensíveis. Os koi-
na não entram em jogo nem mesmo para a afirmação (é) da própria sensa-
ção.
etapa ascendente, uma vez que a etapa descendente parece ser exa-
tamente o mesmo movimento dedutivo descrito para o método dos
matemáticos. Parece claro pois que o movimento ascendente, em si
mesmo, é um processo tão discursivo quanto o movimento descen-
dente, dedutivo.
Mas como se realizaria esse processo, uma vez que a hipótese
superior, de onde a primeira é deduzida, parece ser atingida, não
através das ligações próprias da estrutura discursiva, mas numa
apreensão direta?
Estamos aqui, de novo, diante de um problema que suscita dife-
rentes interpretações.
Cornford, baseado numa passagem de Proclo5, vê, na dialética
ascendente de República VI, uma aplicação do que seria, para ele,
numa interpretação polêmica aliás, o chamado método de análise
dos matemáticos, em especial dos geômetras. Desafiando a inter-
pretação tradicional, que o descreve como um procedimento dedu-
tivo, Cornford sugere uma nova compreensão para o método de
análise dos geômetras. Ele consistiria em encontrar, na demonstra-
ção de uma proposição matemática (ou na solução de um problema
geométrico, como, por exemplo, a construção de uma figura), ou-
tra proposição (ou condições de possibilidade), a partir da qual
essa proposição a ser demonstrada seria deduzida (ou o problema,
solucionado); e, de novo, encontrar uma terceira proposição (ou
outras condições de possibilidade) a partir da qual a segunda pro-
posição seria deduzida; e assim por diante, até se chegar, nessa as-
censão, a uma proposição reconhecidamente verdadeira, que justi-
ficaria com isso todas as outras.
Apesar de essa interpretação sobre o que seria o método de aná-
lise ter sido posta em questão por mais de um comentador6, o mé-
5
Proclus, Eucl., 1., p. 211, 18 (Greek Math., l. 291), apud Cornford
F.M., “Mathematics and Dialectic in the Republic VI-VII (I)”. Mind, 41,
1932, pp. 37 – 52.
6
Robinson, R. “Analysis in Greek Geometry”; Essays in Greek Philo-
sophy, Clarendon Press, Oxford, 1969 (primeiramente publicado em
IV.2. Noesis
7
Cornford, op. cit.
9
A palavra “fatores”, para traduzir o que no texto grego está indicado
simplesmente com pronomes e numerais neutros é utilizada por L. Robin
em sua tradução da Carta VII (Platon, Oeuvres Complètes (Bibliothèque
de la Pléiade), Gallimard, Paris), que utilizamos, com muitas modifica-
ções, para as traduções das passagens citadas neste artigo. Em princípio,
seria mais adequado traduzir tais pronomes e numerais servindo-se da pa-
lavra “coisa”, como no exemplo abaixo. Poderíamos entretanto com isso
criar uma confusão dessas “coisas” com a própria coisa objeto do conhe-
cimento, razão pela qual optamos pela solução de Robin.
< > ! ! %%% as
coisas através das quais a ciência necessariamente é alcançada são três,
uma quarta coisa é a própria ciência.... (Carta VII, 342 a7-b);.
intelecção direta do ser (de algo que é como é), pela de um dia-
noeisthai, pensamento compreendido como uma tessitura de seres,
que só podem ser apreendidos nessa tessitura e de nenhuma outra
maneira. Apreender o ser torna-se assim apreender as relações que
une um ser a todos os outros, relações que se tornam evidentes na
prática dialética. Ser é necessariamente ser em relação com outros
seres; apreender o ser é apreender essas relações, seguindo a tessi-
tura em que os seres se encontram uns em relação aos outros; dizer
o ser (a verdade) é expressar vocalmente esse pensamento que cap-
ta o ser, o que significa realizar com as palavras a tessitura que re-
flete a tessitura em que cada ser se apresenta na relação com os ou-
tros seres.
esforço, produto de uma dunamis que a alma humana tem por na-
tureza, uma capacidade ao alcance de qualquer ser humano, tanto
quanto a mera apreensão dos dados sensíveis está ao alcance tanto
de homens quanto de animais por um mecanismo automático dos
órgãos dos sentidos. Em outras palavras: para que o pensamento
ou a linguagem possa acontecer, é preciso reconhecer que há uma
apreensão automática, não cognitiva, de inteligíveis, assim como
uma apreensão não cognitiva de sensíveis. Sem isso, não é possí-
vel entender como o pensamento poderia acontecer, ou a lingua-
gem poderia formar-se. Admitindo-se porém esse tipo de apreen-
são, compreende-se o pensamento e a linguagem como esponta-
neamente se formando no exercício de uma outra dunamis da alma
que existe por natureza, e que põe em um jogo de cálculos e pesa-
gens os dados, sensíveis e inteligíveis, que chegam até ela. Não é
preciso admitir que essas impressões já tenham nomes; a nomea-
ção delas pode vir depois. O importante é o reconhecimento de to-
das essas faculdades, dessas várias dunameis da alma, que formam
como que uma estrutura que lhe permite captar, de um lado, não
cognitivamente, dados sensíveis (através dos órgãos dos sentidos)
e inteligíveis (diretamente pela alma), e, de outro, estabelecer entre
eles relações, que levam a uma apreensão cognitiva.
Mas, enquanto a apreensão cognitiva de sensíveis está ao alcan-
ce de qualquer ser humano –mesmo criança, ou mesmo deficiente
mental– a apreensão cognitiva de inteligíveis parece ser o apaná-
gio de poucos. Todos os textos que utilizamos acima, Mênon, Re-
pública, Teeteto, Sofista, Carta VII, e não só eles, referem-se insis-
tentemente ao trabalho penoso da alma consigo mesma para chegar
à clara compreensão dos inteligíveis. Está ao alcance de todos, ou
quase todos, dar-se conta de que o vento é frio. É preocupação de
poucos saber o que é ser vento, o que é ser frio. Repetindo a cita-
ção feita acima:
“Assim que nascidos, e por dom da natureza, homens e ani-
mais têm poder de sensação para todas as impressões que,
pelo corpo, caminham para a alma. Mas os raciocínios
Com isso, Platão está claramente tentando dar conta das dife-
renças patentes entre os homens na maneira como recebem e como
conservam as impressões que chegam às almas. Ora, isso acontece
não só com as impressões dos sensíveis, mas também com as im-
pressões dos inteligíveis, impressos na alma e necessários para o
exercício do pensamento. E assim como não é possível transmitir a
sensação propriamente dita –no exemplo acima, o vermelho–, mas
apenas falar dela, evocando em outra pessoa sua própria sensação
10
Robin toma & # como “o saber de alguém que
tem um bom natural”. Outra possibilidade de interpretação (seguida por
Souilhé, J., em Platon, Lettres, Oeuvres Complètes (CUF), Les Belles Let-
tres) é compreender a expressão como a “ciência da coisa cujo natural é
bom”. Assim, estabelece-se desde aqui a afinidade entre a própria coisa a
conhecer e aquele que é capaz de conhecê-la.
11
( ), não é nem a facilida-
de que ele tem de aprender nem sua boa memória que o fa-
rão ter sucesso (sc. em obter a ciência)! Pois, para começar,
não é um efeito que se produza em meio a maneiras de ser
( $ ) estranhas a essa atividade; de modo que todos
aqueles que não têm propensão natural
( # ) para o que é justo, para tudo o que é
belo e que não são a isso aparentados ( ), ainda
que tivessem, ao mesmo tempo, a facilidade para aprender e
uma boa memória, tampouco todos aqueles que, tendo pa-
rentesco com o justo e o bom, têm dificuldade de aprender
e má memória – nenhum desses jamais conhecerá, em toda
a extensão possível, a verdade sobre a virtude e tampouco
sobre o vício. (344 a – b)
11
Robin toma pragma como a atividade dialética; Souilhé, como a pró-
pria coisa objeto de conhecimento, insistindo sobre o parentesco daquele
que procura o saber com a própria coisa objeto do saber. De qualquer for-
ma, esse parentesco é afirmado (ou reafirmado) mais adiante, mesmo por
Robin, como se observa ao final da passagem citada (tradução Robin).
)
*
+ !
! # +
" # # $ (
" $ ) + )
% & )
)
"' )
+
*
& " )
&
" ) ) )
+
$
$
$ %& %
! $ = +
& > $
& ? >
9 @ < <
& $
: $; )
& ! 8 ; + $
!
" $ %& % !
$
$
!" 7 ! ,- ! ,-
$ !
" # $
*
& +
1 $
! $
' # $ &% &
" ! $
" - - . --
! "
" "
$ B
;
!" ! '
% & ! $ ( ) ! B
# ! A !
+
+ @
+ $B
+ "
1 ! ! @ &
+ $ A !
# &
+ &
# ! A
) #
? * !
.CD/40 ! &
( + ! "
.CD660 A ) * '
? & $
+ =
"
@ +
$ A !
) * ?
E , ! .3FC 3FG 0
!
@ + $
!
!"
)
$ A # ! ,
) ) ' !
? $ ) + $
$ &% @ )
@ ( $
# )
01 # ( " & 9 $(
( 23 "
-, !
$% & "'
$ ' (
% " " 1
0 ! J
; MN 0 ! J
% M "'
!
& 9 $
"
> I! !"
$ > ; "' $
8 " -
# ! : +
" #' *
;
+
% +
+ = # '
. 0 # "
$; J - B :
$ %
M .6D3 0
$ ( ! "
.) +
0 P
+ + - B
) ; " $B
! & Q 7 &
1 + 8
$ N
( & - B
P
+ 1 0 !
! J
MN 0 !
+
$
$
# ! ( # !
$-
B - E &
-$ ( + $ %
-
)
) B &
- $
$ A '
* )
* "'
+
+N )
"' $ B
B - )
%
+) +)
+
& L
)
+ +
) !" B
; - " : &
$ @ $
$ &% - # ! A O ;
B - $ ; )
$
-4 -
5 - */ $%
" ! ( ! +
+L )
% I
$ &% 1 B ? I #
- : @ $ A
+$ ) + J M
>
, ' + L
! ! $ &% 1 (
6 5 ! % I
! -" . / I #$
= #
# 6 ! 5 ! 7 !
" , 6
6 8 !
"
; "
I " % " J M
I # . 0
& . $ #
J !
M >& "
L J: . 0M
. 0 "
# ! S B # #
" J ! M
+ 7
J M O - + 0
$;
"
) + #
J> . 0M . T 0 "
&
J . 0M . U J
T N & T & 0 M . # "'
O $ A ) "' 0
+ )
# 1 C0 7 $
+1 J M = J M 7
J M J> . 0M J
J M . "
0 J M J
M
+ 7 $ "
( J M
7 $
) + * ) 7
# ) $ !" 1 '
% (
$ &% ! & " ! $
" $
# ! ( )
>$ Q ,
# 9 6 - J M +
: ;<
9 : J M$
! =>? ! S )
/ 6 ! !
7 ! 9 6 : ) Q % ,
$ & % ' J
% ( M , +$
! $ = #
0 % , ! # ,
, * +
. 0
% 9
+$ A
# ) !
% . 5 ! !5
" R 0
J W
M , +
$ B # $
0
" P $ &% 1 4
" Q $
. 0
" $
( 6 @ =
" 3
. ! ! "
0& " ( /
1 Q
&
& "'
" "
$= :
" ! P
$B !" 1
8
" $
L% %
' : # ! (
J " #
M
& R - $(
% 6
* +
+ # +
L;
"' "' #$ : + +
+
+ +
" " L O +
# ) > + J
+ M
" ) +
' +
$ &% 1 + !" 1(
+ + +$
$
A - - # !1 (
%
- (! B , +
B < < & $ &
0 ! # &
$ &% % > * .
( N > Q &
NQ $ 0$ (
# !
" ! C "
- -
3 !
1 =
& &
1
# !
$
L7 ( #
.
0N
$= +
' 9
# )
# ! .
$ 0$
!" (
N
N )
N
N & $ (
$
) +
# ! (
) + 1 + +
* )
# * )
$%
L7 #
$
YA # + * )
+ )
)
+ 1
) + *
+
) + # ) +
$
$ &%
N
N
N N +
$