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Arte e crítica de arte na década de 1980: vínculos possíveis entre o debate teórico internacional e os discursos críticos no Brasil

IVAIR JUNIOR REINALDIM Arte e crítica de arte na década de 1980 vínculos possíveis entre o debate teórico internacional e os discursos críticos no Brasil Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, PPGAVEBA/UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Artes Visuais, com ênfase em História e Crítica de Arte. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria da Glória de Araujo Ferreira RIO DE JANEIRO 2012 ii Arte e crítica de arte na década de 1980 vínculos possíveis entre o debate teórico internacional e os discursos críticos no Brasil IVAIR JUNIOR REINALDIM Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, PPGAVEBA/UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Artes Visuais, com ênfase em História e Crítica de Arte. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria da Glória de Araujo Ferreira RIO DE JANEIRO 2012 REINALDIM, Ivair Junior. Arte e crítica de arte na década de 1980: vínculos possíveis entre o debate teórico internacional e os discursos críticos no Brasil / Ivair Junior Reinaldim. – Rio de Janeiro, 2012. xvi. 269 f.: 71 il. Tese: Doutorado em Artes Visuais, com ênfase em História e Crítica de Arte – Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Programa de Pós-graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes, PPGAV-EBA, 2012. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria da Glória de Araujo Ferreira. 1. crítica de arte 4. década de 1980 2. discursos críticos 5. arte contemporânea 3. debate teórico II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes. III. Título. iii FOLHA DE APROVAÇÃO Arte e crítica de arte na década de 1980 vínculos possíveis entre o debate teórico internacional e os discursos críticos no Brasil IVAIR JUNIOR REINALDIM Tese submetida ao Programa de Pós-graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, PPGAV-EBA/UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Artes Visuais, com ênfase em História e Crítica de Arte. ___________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Maria da Glória de Araujo Ferreira, orientadora Escola de Belas Artes – Universidade Federal do Rio de Janeiro (EBA/UFRJ) ___________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Maria Luisa Luz Tavora Escola de Belas Artes – Universidade Federal do Rio de Janeiro (EBA/UFRJ) ___________________________________________________ Prof. Dr. Milton Machado da Silva Escola de Belas Artes – Universidade Federal do Rio de Janeiro (EBA/UFRJ) ___________________________________________________ Prof. Dr. Ricardo Roclaw Basbaum Instituto de Artes – Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iartes/Uerj) ___________________________________________________ Prof. Dr. Fernando França Cocchiarale Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) Rio de Janeiro 2012 iv SUPLENTES ___________________________________________________ Prof. Dr. Paulo Venancio Filho Escola de Belas Artes – Universidade Federal do Rio de Janeiro (EBA/UFRJ) ___________________________________________________ Prof. Dr. Marcelo Gustavo Lima de Campos Instituto de Artes – Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iartes/Uerj) v AGRADECIMENTOS À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Capes, que me distinguiu com uma Bolsa de pesquisa durante praticamente todo o período de realização do curso de Doutorado, intercalada por outra Bolsa, referente ao Programa de Doutorado no País com Estágio no Exterior - PDEE, por meio da qual foi possível meu séjour pelo período de 12 meses em Paris, França. Ao Programa de Pós-graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro - PPGAV-EBA/UFRJ, na figura de sua coordenadora Dr.ª Maria Cristina Volpi Nacif (gestão 2010-2012), extensível a todos os professores e colegas com quem convivi durante esse longo período. Agradeço, em particular, às professoras doutoras Ana Maria Tavares Cavalcanti (coordenadora do PPGAV, gestão 2008-2010) e Maria Luisa Tavora, com as quais realizei um intenso trabalho colaborativo na equipe editorial da revista Arte & Ensaios, entre 2008 e 2010. À École Doctorale d’Arts plastiques, esthétique & sciences de l’art da Université Paris I - Panthéon Sorbonne / Centre St. Charles, e, em especial, ao Dr. Jacinto Lageira, que gentilmente me recebeu em Paris e supervisionou meu Estágio PDEE. À Bibliothèque Kandinsky - Centre Georges Pompidou e ao Institute national de histoire de l’art - INHA, em Paris, cujas bibliotecas foram de suma importância para a realização desta pesquisa. Enfatizo o mesmo em relação aos Archives de la critique d’art, em Rennes, onde estive pelo período de 5 dias e fui atenciosamente acolhido por Emmanuelle Rossignol, responsável pela biblioteca, Laurence Le Poupon, arquivista, e Sylvie Mokhtari, pesquisadora local. Ao Centro de Pesquisa e Documentação do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, na pessoa do ex-funcionário Mário Marques, que na época da realização de meu Mestrado ajudou-me com todo o material que utilizei nesta e em muitas outras pesquisas, à Biblioteca do Museu de Arte Moderna de São Paulo, na pessoa da bibliotecária Léia Carmen Cassoni, e, por fim, ao artista Daniel Senise, que cedeu seu rico arquivo pessoal quando trabalhei na cronologia crítica do livro Vai que nós levamos as partes que te faltam, publicado em 2011. À minha orientadora, professora Dr.ª Maria da Glória de Araujo Ferreira, que, com sua integridade ética e generosidade intelectual, acompanhou esse longo trabalho, contribuindo para que encontrasse um lugar de fala em meio a tantas vozes do passado e do presente. Mais do que uma relação entre orientador e orientando, em muitos momentos tive o privilégio de ser tratado como pesquisador e parceiro. Aos membros da banca, professores doutores Maria Luisa Luz Tavora, Milton Machado, Ricardo Basbaum e Fernando Cocchiarale, por gentilmente haverem aceitado o convite para participar da defesa de minha tese de doutorado. Igualmente agradeço aos professores doutores Cecília Cotrim e Paulo Venancio Filho, por participarem de minha vi banca de qualificação, muito contribuindo para o desenvolvimento posterior de minhas análises. Aos professores doutores Felipe Scovino, Guilherme Bueno e Luiz Camillo Osorio, que, na época, também leram meu projeto de qualificação. A Marcelo Campos por gentilmente haver aceito o convite para suplente e em especial à professora Lisette Lagnado. À minha família, pelo apoio incondicional, e, em especial, aos meus pais, Ivair Antonio Reinaldim e Maria Glaci Reinaldim, que formaram meu caráter e acompanharam, mesmo à distância, todo processo para conclusão desta etapa importante de minha formação. Em especial, a Paulo Roberto Stolz, companheiro incondicional nessa grande aventura, que a cada dia tem contribuído com sua calma e perseverança para meu crescimento pessoal e profissional. À sempre gentil Fernanda Lopes, não só por todo auxílio durante a redação da tese, mas, acima de tudo, pelo incentivo, compreensão e parceria intelectual. Agradeço igualmente aos importantes comentários dos críticos (e amigos) Fernando Cocchiarale e Paulo Reis, à interlocução privilegiada, no Rio e em Paris, de Inês de Araújo, assim como ao apoio afetuoso e à “amizade de todas as horas” de Ana Beatriz Vieira, Doroti Jablonski, Rebeca Rasel, Laercio Redondo e Birger Lipinski (Billy). Aos parceiros do Centro Cultural do Instituto Brasil-Estados Unidos - Ibeu, com quem tenho convivido intensamente nos últimos anos, em particular, ao Dr. Cezar Antonio Elias e à gerente, Renata Pinheiro Machado, bem como aos companheiros de Comissão Cultural, Bernardo Mosqueira, Fernanda Pequeno, Humberto Farias, Marcos Nogueira e Toyoko Lepesqueur, e aos membros da equipe, Alexandre Faccin, Ana Paula Alves e Rebeca Rasel. Finalmente, aos amigos que partilharam, colaboraram (em alguma medida) ou simplesmente cruzaram de modo afetuoso meu caminho nesses quatro intensos anos: Adelaide de Souza, Alberto Saraiva, Alessandra Porto, Ana Lúcia Vasquez, Ana Paula Carneiro da Silva, Ana Paula Darriba, Analu Cunha, Andreas Valentin, Anna Corina, Beatriz Moraes, Bianca Bernardo, Carolina Martinez, Cezar Bartholomeu, Claudia Saldanha, Claudio Floriano, Dalila Cerqueira Pinto, Danielle Carcav, Denize Bruno, Douglas Cortes, Elizabeth Varela, Elisa Castro, Eloá de Carvalho, Fabiano Devide, Gisele Camargo, Giselle Macedo, Isabelle Dória Reis, Katia Chavarry, Leila Danziger, Leo Ayres, Leonardo Motta Campos (AoLeo), Luane Aires, Luiz Cláudio da Costa, Manoel Novello, Marcela Antunes, Marcelo Diego, Marcelo Zanchetta, Maria Carlota de Carvalho, Maria Helena Hermes, Maria Mattos, Maria Paula van Biene, Nelson Ricardo Martins, Patrizia D’Angello, Raul Leal, Ricardo Dias, Rodrigo Krul, Ronald Duarte, Rosangela Malucelli Andersen, Sílvia Borges, Suzana Queiroga, Tania Queiroz, Tathyane Höfke, Thierry Renaudin, Vera Lins, Viviane Matesco e Viviane Teixeira. vii “A questão dos historiadores, por exemplo; tenho por eles todo respeito, mas eles mentem muito, deixam o testemunho de uma época que não é verdadeiro.” Paulo Bruscky, Em outra vida acho que fui arquivista, Arte & Ensaios, n. 19, 2009. “Mentiras sinceras me interessam” Cazuza e Frejat, Maior abandonado, 1984. viii RESUMO REINALDIM, Ivair. Arte e crítica de arte na década de 1980: vínculos possíveis entre o debate teórico internacional e os discursos críticos no Brasil. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria da Glória de Araujo Ferreira. Rio de Janeiro: UFRJ/PPGAV-EBA, 2012. Tese (Doutorado em Artes Visuais, com ênfase em História e Crítica de Arte). Este estudo apresenta uma análise dos discursos críticos da década de 1980, procurando investigar os vínculos entre o debate crítico internacional – centrado, sobretudo, em duas posições dialéticas, assumidas, por um lado, pelos defensores da retomada da produção pictórica, e por outro, pelos críticos que condenavam essa mesma produção, a partir do projeto crítico-historiográfico da revista October – e o argumento discursivo dos críticos brasileiros – cujas particularidades relacionavam-se, em especial, com a problemática em torno do termo ‘Geração 80’ e com o modo como este veio a ser considerado pela história da arte nacional. Levando-se em consideração o argumento corrente de que imagens migraram de um canto a outro do planeta, a partir da reprodutibilidade técnica e da expansão alcançada pelos meios de comunicação, reforça-se que fenômeno similar pode ser averiguado no que tange à abrangência dos discursos críticos. Vistos de modo amplo, sobretudo se seus posicionamentos ideológicos puderem ser localizados, esses discursos constituem um corpus teórico capaz de fornecer indícios mais precisos do modo como tentaram delinear certo número de projetos, voltados, de modo geral, para a construção de uma identidade temporal, focada no presente, tanto quanto, uma preocupação em constituir parâmetros para uma operatividade artística, a partir do confronto com o reservatório imagético da história e da cultura de massa. Com a modificação do ponto de vista sobre o objeto, este estudo apresenta um novo olhar para a década de 1980, seja pela abordagem de aspectos pouco conhecidos, muitas vezes deficitariamente considerados ou mesmo recalcados por completo pela história da arte, seja pelo redimensionamento de leituras amplamente reproduzidas pela historiografia. O simples fato de clarificar um vasto conjunto de discursos, (re)criando uma rede de vínculos, referências, tensões, reações, etc., contextualiza esta análise no âmbito das reavaliações recentes do período. Palavras-chave: crítica de arte; discursos críticos; debate teórico; década de 1980; arte contemporânea. ix RESUMÉ REINALDIM, Ivair. L'Art et la critique d'art dans les années 1980 : les liens possibles entre le débat théorique international et les discours critiques au Brésil. Directrice de thèse: Dr. Maria da Glória de Araujo Ferreira. Rio de Janeiro: UFRJ/PPGAV-EBA, 2012. Thèse (Doctorat en arts visuels, avec une spécialisation en histoire de l'art et la critique d'art). Cette étude présente une analyse des discours critiques des années 1980, en essayant d'enquêter sur les liens entre le débat critique internationale - centré, principalement, dans deux positions dialectiques, supposées, d'une part, par les partisans de la reprise de la production picturale, par les partisans de la reprise de la production picturale, et de l'autre par les critiques qui ont condamné cette même production a partir du projet critique historiographique de la revue Octobre- et de l'argument discursive de les critiques brésiliens - dont les caractéristiques sont liés, en particulier, à des questions autour du terme 'Generation 80' et avec la façon comme ce terme a été consideré par l'histoire de l'art national. En tenant compte l'argument courant que les images ont migré d'un coin à l'autre de la planète, a partir de la reproductibilité technique et de l'expansion réalisée par les médias, on renforce qu’un phénomène similaire peut être verifié en ce qui concerne la couverture des discours critiques. Considérée de façon générale, surtout si ses positions idéologiques peuvent être situés, ces discours sont une base théorique capable de fournir une indication plus précise de la façon dont on a essayé de tracer un certain nombre de projets, dirigés généralement à la construction d'une identité temporel, concentré sur le présent, aussi tant qu’une préoccupation dans la mise en place des paramètres pour une opérabilité de l'art, a partir de la confrontation avec le réservoir de l'imagerie de l'histoire et de la culture de masse. En modifiant le point de vue de l'objet, cette étude présente un nouveau regard sur les années 1980, soit pour l'approche des aspects peu connus, souvent considérés d’une façon deficitaire ou même complètement réprimée par l'histoire de l'art, soit par le redimensionnement des lectures reproduite par l'historiographie. Le simple fait de clarifier une large gamme de discours en (re) créant un réseau de liens, de références, des tensions, des réactions, etc., contextualise cette analyse dans le contexte de réévaluations récentes de la période. Mots-clés: la critique d'art ; des discours critiques ; le débat théorique ; les années 1980 ; l'art contemporain. x ABSTRACT REINALDIM, Ivair. Art and art criticism in the 1980s: possible bonds between the international theoretical discussion and critical discourses in Brazil. Orientation: Dr. Maria da Glória de Araujo Ferreira. Rio de Janeiro: UFRJ/PPGAV-EBA, 2012. Thesis (Doctorate in Visual Arts with emphasis in Art History and Criticism). This study presents an analysis of the critical discourses of the 1980s, attempting to investigate the links between international critical debate – focused mainly on two dialectical positions, taken on one hand, by the defenders of resumption of pictorial production, and on the other hand, by critics who condemned this same production, from the critical-historiography project of the journal October – and the discursive argument of Brazilian critics – whose characteristics were related in particular to the problems surrounding the term ‘Geração 80’ [‘Generation 80’] and the way how this was regarded by the history of national art. Taking into account the current argument that images migrated from one corner to another around the planet, from the technical reproducibility and expansion achieved by the media, one may reinforce that similar phenomenon can be verified regarding the coverage of the critics speeches. Seen broadly, especially if its ideological positions can be located, these statements are a theoretical base capable of providing more accurate indication of how they tried to outline a certain number of projects directed generally to the construction of a temporal identity, focused on the present as much as a concern in setting up parameters for an operability of art, from the confrontation with the imagery reservoir of history and of mass culture. By modifying the point of view of the object, this study presents a new look to the 1980s, either for the approach of the less known aspects often considered with deficiency or even completely repressed by the history of art, or by resizing readings widely reproduced by historiography. Simply clarifying a wide range of discourses (re)creating a network of links, references, tensions, reactions, etc., contextualizes this analysis within the recent reevaluations of the period. Key-words: art criticism; critical discourses; theoretical discussion; the 1980s; contemporary art. xi LISTA DE ILUSTRAÇÕES Il. 1 – Capa da edição especial da revista ARTFORUM International, 40th Anniversary Special Issue, The 1980s: Part One, XLI, n. 7, March 2003. Il. 2 – Capa da edição especial da revista ARTFORUM International, 40th Anniversary Special Issue, The 1980s: Part Two, XLI, n. 8, April 2003. Il. 3 – Página inicial do debate “The Mourning After” [Depois do luto]. ARTFORUM International, 40th Anniversary Special Issue, The 1980s: Part One, XLI, n. 7, March 2003. Il. 4 – Capa do catálogo Flashback: Eine Revision der Kunst der 80er Jahre / Revisiting the Art of the 80s. Il. 5 – Registro da mesa-redonda realizada em 18 de junho de 2005, Basel/Suíça, referente à exposição Flashback: Eine Revision der Kunst der 80er Jahre / Revisiting the Art of the 80s. Il. 6 – Capa do catálogo Anos 80: Uma Topologia. Il. 7 – Imagem do projeto expográfico de Ulrich Loock para Anos 80: Uma Topologia. Il. 8 – Capa do catálogo Espèces d’Espace: Les Années 1980. Il. 9 – Capa do catálogo Images et (Re)Présentations: Les Années 1980. Il. 10 – Capa do catálogo 2080. Il. 11 – Vista com a referência curatorial às quatro exposições históricas da década de 1980 para a mostra 2080. Il. 12 – Capa do catálogo Onde Está Você, Geração 80?. Il. 13 – Capa do material de apoio do Programa Educativo do CCBB-RJ, referente à exposição Onde Está Você, Geração 80?. Il. 14 – Capa do catálogo 80/90, Modernos, Pós-Modernos, Etc.. Il. 15 – Imagem da página do catálogo 80/90, Modernos, Pós-Modernos, Etc., com registro da expografia. Il. 16 – Cartaz da Documenta 7. xii Il. 17 – Fachada do Fridericianum, com o trabalho 7000 Oaks, de Joseph Beuys, durante a Documenta 7. Il. 18 a 21 – Annunciation after Titian (Verkündigung nach Tizian), Gerhard Richter, 1973, óleo sobre tela, 150cm x 200cm (cada), Hirshhorn Museum and Sculpture Garden, Washington D.C./USA. Presentes na mostra A New Spirit in Painting, na Royal Academy of Arts, Londres/Reino Unido, 1981. Il. 22 – Catálogo de Zeitgeist. Il. 23 – Vista geral do pátio central do Martin-Gropius Bau, durante a exposição Zeitgeist, Berlim/Alemanha,1982. Destaques para o trabalho Man With Briefcase, de Jonathan Borofsky, e para a instalação “Hirschdenkmäler”, de Joseph Beuys. Visualizar o vídeo: http://vimeo.com/10394534. Il. 24 – Página de Artforum,com texto de Max Wolfgang Faust. Il. 25 a Il. 30 – Registros da montagem e da exposição Grande Tela – 18ª Bienal Internacional de São Paulo, 1985. Projeto expográfico de Haron Cohen, a partir da concepção curatorial de Sheila Leirner. Il. 31 – Untitled, Willem de Kooning, 1979, óleo sobre tela, 195,5cm x 223,5cm, Col. Xavier Fourcade Inc., Nova York/EUA. Il. 32 – St. Francis in Ecstasy, Julian Schnabel, 1980, óleo e pratos sobre madeira, 244 x 213,5cm, Col. Mary Boone, Nova York/EUA. Il. 33 – Galicíneo galhardeado, Jorge Guinle Filho, 1982, óleo sobre tela, 160cm x 140cm, Col. Particular. Il. 34 – Registro fotográfico da Campanha das Diretas Já!, Avenida Presidente Vargas e Candelária, Rio de Janeiro-RJ. Il. 35 – Registro fotográfico da Campanha das Diretas Já!, Praça da Sé, São Paulo-SP. Il. 36 e Il. 37 – Registros fotográficos da Campanha das Diretas Já!. Il. 38 – Cartaz da exposição-evento Como Vai Você, Geração 80?. Il. 39 – Registro fotográfico da abertura da exposição-evento Como Vai Você, Geração 80?, Escola de Artes Visuais do Parque Lage, Rio de Janeiro, 14 de julho de 1984. Ver o registro videográfico (Anexos I) Il. 40 – Capa da edição especial da revista Módulo, Rio de Janeiro, edição especial, julho/agosto 1984, Catálogo da exposição-evento Como Vai Você, Geração 80?. xiii Il. 41 – Capa do livro Explode Geração!, do crítico Roberto Pontual, lançado durante a abertura da exposição-evento Como Vai Você, Geração 80?. Il. 42 – Thira, Brice Marden, 1979-1980, óleo e cera sobre tela, 244cm x 460cm, Musée National d’art moderne, Paris/França. Il. 43 – Die Mädchen von Olmo II, Georg Baselitz, 1981, óleo sobre tela, 259cm x 249cm, Musée National d’art moderne, Paris/França. Il. 44 – Registro fotográfico da abertura de exposição Esculturas e Desenhos, de Tunga, no Espaço ABC - Funarte, Rio de Janeiro, 7 de novembro de 1980. Ver os textos de Ronaldo Brito e de Frederico Moraes sobre os trabalhos expostos (Anexos I) Il. 45 – Untitled, from Lieber Maler, male mir… (Querido pintor, pinte para mim...), Martin Kippenberger, 1983, acrílica sobre tela, 200 x 130cm. Il. 46 – Capa e página da revista Flash Art International, com o ensaio Transvanguarda Italiana, de Achille Bonito Oliva, n. 92-93, October-November 1979. Il. 46 (b) – Capa do livro The Italian Trans-avantgarde/La Transavanguardia Italiana, 1980, de Achille Bonito Oliva. Il. 47 – Capa do livro Trans-avantgarde International, 1982, de Achille Bonito Oliva. Il. 48 – Capa do livro The Anti-Aesthetic: essays on postmodern culture, 1983, organizado por Hal Foster. Il. 49 – Capa da primeira edição da revista October, Spring 1976. Il. 50 – Registro fotográfico da exposição Pictures, organizada por Douglas Crimp, em 1977, Artists Space, Nova York/EUA. Il. 51 – Capa do catálogo da exposição Pictures, organizada por Douglas Crimp, em 1977, Artists Space, Nova York/EUA. Il. 52 – Untitled Film Still #21, Cindy Sherman, 1978, fotografia, The Museum of Modern Art – Nova York/EUA. Il. 53 – Pollock and Tureen, Arranged by Mr. and Mrs. Burton Tremaine, Connecticut, Louise Lawler, 1984, cibachrome, 71cm x 99cm, The Horace W. Goldsmith Foundation – Nova York/EUA. Il. 54 – The Exile, Julian Schnabel, 1980, óleo, galhadas, folhas de ouro e técnica mista, sobre madeira, 228,6cm x 304,8cm. Il. 55 – Capa do Caderno especial do periódico Arte em Revista n. 7, 1983 xiv Il. 56 – Rabbit for Dinner, Sandro Chia, 1981, óleo sobre tela, 205,5cm x 339cm, Stedelijk Museum – Amsterdam/Holanda. Il. 57 – Midnight Sun II, Francesco Clemente, 1982, óleo sobre tela, 201cm x 250,7cm, Tate Gallery – Londres/Inglaterra. Il. 58 – Registro fotográfico do evento do coletivo A Moreninha, realizado na Ilha de Paquetá, em 1º de fevereiro de 1987 (foto de Márcia Costa Dias, publicada no Jornal do Brasil). Il. 59 – Registro fotográfico do evento do coletivo A Moreninha, realizado na Ilha de Paquetá, em 1º de fevereiro de 1987 (foto de Ricardo Leoni, publicada no O Globo). Il. 60 – Panfleto (frente e verso), com composição da Dupla Especializada (Alexandre Dacosta e Ricardo Basbaum). Il. 61 – Panfleto da Dupla Especializada (Alexandre Dacosta e Ricardo Basbaum). Il. 62 – Panfleto de lançamento do vídeo Egotrip, de Sandra Kogut e Andréa Falcão (sobre trabalhos de Alexandre Dacosta e Ricardo Basbaum). Il. 63 – Sem título, Eduardo Kac, performance de telepresença. Abertura da exposição Brasil High-Tech, Galeria de Arte do Centro Empresarial Rio, Rio de Janeiro, 1986. Il. 64 – Satori Three Inches within Your Heart, David Salle, acrílica e óleo sobre tela, 1988, 214,2cm x 291cm, Tate Gallery – Londres/Inglaterra. Il. 65 – Nuremberg, Anselm Kiefer, acrílica, emulsão e palha sobre tela, 1982, 280cm x 380cm, Eli and Edythe Broad Collection – Los Angeles/EUA. Il. 66 – Untitled (Skull), Jean-Michel Basquiat, acrílica e pastel oleoso sobre tela, 1981, 206cm x 176cm, Eli and Edythe Broad Collection – Los Angeles/EUA. Il. 67 – Registro fotográfico da projeção sobre o edifício AT&T, Tribeca, Nova York/EUA, Krzysztof Wodiczko, em 2 de novembro de 1984, entre 21h30 e meia-noite. Il. 68 – Untitled (After Walker Evans #3), Sherrie Levine, 1981, fotografia. Il. 69 – Onça Pintada I (Jaguar I), Leda Catunda, 1984, acrílica sobre cobertor, 185cm x 150cm, MAC-USP. Il. 70 – Sem Título, Ricardo Basbaum, 1985, intervenção urbana com adesivos, dimensões variadas. Registro fotográfico de Pedro Tebyriça. Il. 71 – Os Cem, Jac Leirner, 1986, dinheiro com estrutura de poliuretano, 7cm x 15cm x 300cm (cada módulo), Reprodução fotográfica de Romulo Fialdini. xv SUMÁRIO Introdução .......................................................................................................... 1 1 A construção de uma consciência histórica na produção teórica da arte durante os anos 1980: em busca da especificidade de uma geração ................ 34 1.1 A identidade histórica proclamada da década: o sentimento de Zeitgeist ................................................................................................................. 39 1.1.1 O papel das grandes exposições internacionais do início da década na constituição de um “espírito da época” ............................... 41 1.1.2 O projeto político-estético de Zeitgeist ...................................... 48 1.1.3 Reverberações no meio artístico brasileiro e a contribuição nacional para o debate em torno do “espírito da época” ..................... 54 1.2 A auto-referencialidade de um período: em torno da Geração 80 ......... 62 1.2.1 A questão geracional nas exposições europeias do início da década .................................................................................................... 64 1.2.2 Variações no uso do conceito de geração, a partir das exposições referentes à produção pictórica brasileira, entre 1982 e 1983 ............. 67 1.2.3 A exposição-marco ‘Como vai você, Geração 80?’ e o surgimento de um conceito-síntese ........................................................................... 74 1.3 A dialética entre as décadas: conceito versus expressão ........................ 81 1.3.1 Estratégicas teóricas, ideológicas e políticas, a partir da produção pictórica da década de 1980 .................................................. 83 1.3.2 Dialética entre as décadas na crítica de arte brasileira dos anos 1980 ........................................................................................................ 88 1.3.3 Análises à posteriori da década de 1980 e a oposição ideológica entre conceito e expressão ..................................................................... 96 2 A teoria crítica da década de 1980 frente ao arquivo imagético da história: a noção de apropriação como operatividade e prática artística .......................... 101 2.1 O debate em torno da teoria pós-modernista: o fim da vanguarda? ..... 107 2.1.1 A transvanguarda como “única vanguarda possível” ............. 109 2.1.2 O debate acerca do pós-modernismo ....................................... 115 2.1.3 O projeto político de October e as relações estabelecidas com o pensamento pós-modernista ................................................................. 123 xvi 2.1.4 A morte da vanguarda e a dimensão institucional da arte contemporânea como preocupações críticas no Brasil ....................... 134 2.2 A abordagem historicista da arte: prós e contras do pluralismo .......... 142 2.2.1 Nomadismo cultural e ecletismo estilístico como princípios artísticos frente ao reservatório imagético dos anos 1980 .................. 144 2.2.2 Reverberações discursivas e práticas artísticas no contexto brasileiro .............................................................................................. 153 2.2.3 Apropriação e alegoria como práticas artísticas na década de 1980 ...................................................................................................... 173 Considerações Finais ..................................................................................... 187 Anexos I – Textos ........................................................................................... 206 Anexos II – Tabelas ........................................................................................ 241 1 Introdução “O passado é, também, ficção do presente.”1 A escrita da história consiste em uma relação temporal que se institui entre um passado a ser analisado e o presente que suscita a investigação (estando implícita aí uma instância futura em latência). Sendo assim, se for correto afirmar que cada época elege o(s) passado(s) que lhe convé(ê)m, evidente está que a prática da história permite não só conhecer aquilo que ocorreu num dado momento, como também refletir sobre o que está acontecendo, no instante mesmo em que essa relação se estabelece. Ou seja, tal prática não só tece, estrutura, constrói um discurso sobre o passado, mas igualmente reforça um lugar, um ponto de vista, o presente que se quer possível. Não seria um acaso, então, que entre as inumeráveis (re)avaliações artísticas ocorridas nos últimos anos, muitas delas tenham sido dedicadas exclusivamente à arte produzida na década de 1980, seja nos Estados Unidos, na Europa, ou no Brasil. Exposições, catálogos, monografias, reedição de textos, revistas especiais, mesas-redondas, teses; mais do que 1 CERTEAU, Michel de. A escrita da história [1975]. Tradução de Maria de Lourdes Menezes. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, p. 21. 2 nunca, tornou-se necessário e urgente o propósito (projeto) historiográfico de repensar o período. Pode-se logo constatar que se trata de um daqueles momentos diante dos quais é difícil permanecer indiferente. Tanto as pessoas que viveram aqueles anos, quanto as mais jovens, que apenas tardiamente tomaram conhecimento daquilo que se pensou, produziu ou transcorreu na década de 1980, apresentam uma tendência a assumir posicionamentos claramente parciais sempre que a ela se referem, muitas vezes a partir de leituras e interpretações pré-concebidas, que se estabeleceram de modo determinante, seja na história, seja na memória coletiva. As nuanças de opinião, assim, transitam da negação compulsória, aludindo-se à década como uma época a ser esquecida, até mesmo a certa fascinação, sendo percebida com grande nostalgia, em relação àquilo que se viveu e igualmente ao não vivido. Esses sentimentos contraditórios manifestam-se e podem ser identificados em diferentes esferas: política, economia, filosofia, moda, teatro, música, cinema, televisão, literatura, artes visuais, comportamento, etc. A título de exemplo, pode-se citar o epíteto de “década perdida” a ela particularmente atribuído no Brasil, devido ao fato de compreender um período histórico marcado por estagnação econômica, elevados índices de inflação e desemprego, além de perda do poder de consumo da população, enquanto na Europa e Estados Unidos ocorria processo inverso, tendo-se o acelerado crescimento econômico das nações capitalistas como uma das características mais marcantes do decênio. Por isso, é igualmente considerada, até mesmo no complexo contexto econômico brasileiro, como uma época em que a arte esteve fortemente submetida aos interesses do mercado, a partir do retorno generalizado (e comemorado) da pintura, cujos preços e vendas atingiram patamares mundialmente inéditos, tanto em relação aos trabalhos de artistas chamados ‘emergentes’ quanto nos leilões de pinturas dos mestres impressionistas e pós-impressionistas. Outro aspecto a se ponderar é que o afastamento histórico tem favorecido, em alguns casos, o desenvolvimento de uma compreensão distinta de fatos e posicionamentos que, no calor da hora, foram apreendidos a partir de uma perspectiva mais localizada, na maior parte das vezes, matizados por forte impulsividade, entusiasmo generalizado por mudanças (mais do que desejadas), além de considerável 3 radicalidade nas posições teóricas adotadas – isso sem esquecer-se da peculiar ironia que marcou, em geral, aqueles anos. Desse modo, tem sido importante a diferenciação entre a identificação da historicidade dos discursos de época – por meio da consulta às fontes primárias – e sua análise crítica distanciada – através da construção histórica propriamente dita –, evitando-se assim que a história constitua-se apenas como simples repetição daquilo que representou o debate ideológico (explícito) de um período dado. A partir desse posicionamento revisionista – o que constitui para nós uma primeira hipótese de trabalho –, tem sido corrente o argumento de que certas conjunturas políticas e econômicas atuais, bem como transformações na ordem do sistema das artes, tiveram sua origem num processo de média e longa duração iniciado na década de 1970, processo este que teria adquirido corpo e gerado grande repercussão durante os anos 1980, para só recentemente, nas duas últimas décadas, constituir, em efetivo, diretrizes e aspectos de grande representatividade no cenário mundial. Ao que parece, enfim, a década de 1980 passou a ser compreendida como um problemático período de transição, em que questões essenciais, trazidas à tona durante os anos 1960 e 1970 – em termos políticos, sociais, econômicos e culturais –, teriam sido reelaboradas e confrontadas com formas específicas de apreensão do passado histórico e com as novas exigências de um contexto cada vez mais globalizado. São essas perspectivas atuais, em especial, que inicialmente nos interessam, seja pelo modo como abordam e iluminam novos aspectos identificados na arte produzida e no contexto mais amplo da década de 1980, seja pela constatação de que em certos momentos apresentam diferenciações em relação ao debate crítico da época, enquanto em outros continuam a reforçar algumas leituras historicamente estabelecidas. Acreditamos que o contato com essas iniciativas nos permite assumir como objetivo o confronto investigativo-reflexivo tanto com a estrutura e o núcleo ideológico em torno da diversidade de discursos provenientes do período em questão, no âmbito expandido da crítica de arte e da prática curatorial (a importância de voltar-se efetivamente para as fontes primárias), quanto com o modo como esses discursos têm sido interpretados e redimensionados (ou não) à medida que sua historicidade vem sendo estruturada através de uma pluralidade de estratégias metodológicas e posicionamentos críticos. Nesse sentido, partiremos de um levantamento prévio de algumas dessas abordagens recentes, 4 separando-as entre as propostas ocorridas em âmbito internacional e aquelas desenvolvidas no Brasil, para averiguar a relação por elas assumida frente à arte e à teoria da década de 1980. Em última instância e de modo sucinto, pretendemos também examinar de que modo a produção artística brasileira, a partir do recorte específico proposto, foi e vem sendo considerada em relação ao contexto global de apreensão e circulação da arte contemporânea, seja cá (olhar de dentro para fora) ou lá (de fora para dentro). Assim, na primeira década do século XXI ocorreram importantes propostas de (re)avaliação da produção artística e do contexto da década de 1980, motivadas por questões atuais do sistema de arte, que, passados mais de vinte (ou trinta) anos, parece agora reivindicar uma necessária retomada do período. Por isso, todas as principais iniciativas aqui analisadas insistem, nas mais diferentes modulações, em instituir uma visão histórica para os anos 1980, rearticulando alguns aspectos que nortearam o debate crítico e a produção curatorial do decênio. E embora haja pontos de contato entre tais ações, cabe reforçar que segue prevalecendo a condição histórica de que (re)avaliações ocorridas no Brasil concentram-se apenas na arte nacional, enquanto as propostas internacionais procuram ‘abordar’ uma noção de arte Ocidental centralizada na produção norte-americana e europeia, desconsiderando completamente a arte brasileira (exceto pela mostra realizada no Porto, Portugal, mas que em si, sob circunstâncias mais amplas, não representa uma mudança realmente expressiva dessa situação), bem como a produção em geral do que na época chamou-se Terceiro Mundo. A partir desses aspectos, entre 2003 e 2009, quatro foram as principais proposições internacionais voltadas para a avaliação crítica dos anos 1980. A primeira delas, e mais importante, por claramente haver motivado a realização das demais, ocorreu com o lançamento de duas edições especiais da revista Artforum International, em março e abril de 2003, em celebração ao 40º aniversário da publicação, sob o sintomático título “The 1980s/Now they’re History” [“Anos 80/Agora eles são História”]. O conjunto das duas edições compreendeu um amplo dossiê sobre aquela década: ensaios a respeito de suas principais etapas e características históricas, realização de entrevistas com artistas que adquiriram destaque na época, conjuntamente 5 a comentários de outros, pertencentes a gerações posteriores, e que reconheciam a influência do período sobre suas respectivas produções, cronologia histórica detalhada e a realização de duas mesas-redondas com críticos e artistas. Apesar de assumir a cena norte-americana como parâmetro, dedicando-se quase que exclusivamente a ela, a iniciativa representou o primeiro e mais amplo saldo disponível sobre o assunto, debruçando-se sobre a diversidade de ferramentas críticas e estéticas da época. Il. 1 e Il. 2 – Capas das edições especiais da revista ARTFORUM International, 40th Anniversary Special Issue, The 1980s: Part One, XLI, n. 7, March 2003; The 1980s: Part Two, XLI, n. 8, April 2003. Para o editor da revista, Jack Bankowsky (no cargo de 1992 a 2003), reconhecendo que a proposta de Artforum constituía uma espécie de rascunho para “uma história ainda a ser escrita”, A verdade maior é que os anos 80 permanecem uma espécie de ferida aberta – e não apenas em termos do resíduo tóxico da ganância e do glamour (o “excesso” do clichê jornalístico), mas simplesmente devido à proximidade da década: há um aspecto traumático, para o processo de entrar em acordo com um período cujos desenvolvimentos, como observou [Jeff] Wall, estão “ainda em desenvolvimento”.2 2 BANKOWSKY, Jack. Editor’s Note. In: ARTFORUM International, 40th Anniversary Special Issue, The 1980s: Part One, XLI, n. 7, p. 27, March 2003. Tradução livre, a partir do original em língua inglesa. 6 Il. 3 – Páginas iniciais do debate “The Mourning After” [Depois do luto], ARTFORUM International, 40th Anniversary Special Issue, The 1980s: Part One, XLI, n. 7, March 2003. Na mesa-redonda intitulada The Mourning After [Depois do luto] – talvez a maior contribuição dessas duas edições –, um grupo expressivo de críticos avaliou o debate sobre a morte da pintura e como o mesmo tornou-se recorrente ao longo da década. Partindo do diagnóstico de Douglas Crimp (1944-), no texto The End of Painting [O fim da pintura, 1981], o filósofo e crítico norte-americano Arthur C. Danto (1924-), mediador do debate, afirmoava que “a morte da pintura foi uma tese excessivamente postulada, tendo muito menos a ver com o estado da arte em torno de 1980 (...) do que com uma pesada atmosfera da teoria pós-moderna”.3 Desse modo, sugeria que o debate suscitado por Crimp não incidia sobre trabalhos propriamente ditos, mas, mais acentuadamente, consistia numa tomada de posição teórica, uma vez que o crítico, um dos editores da representativa revista October, era fortemente 3 Introdução à mesa-redonda, por Arthur C. Danto. In: DANTO, Arthur C.; BOIS, Yve-Alain; DUVE, Thierry de; GRAW, Isabelle; REED, David; JOSELIT, David; SUSSMAN, Elisabeth. The Mourning After [Depois do luto. Livre tradução de Célia Euvaldo (com revisão de Isabel Löfgren e colaboração de Carlos Zilio), ainda inédita]. ARTFORUM International, Op. cit., p. 207, March 2003. Essa era uma conclusão comum entre todos os participantes da mesa-redonda e, apesar de discordarem em diferentes aspectos levantados no debate, não havia nenhuma posição realmente contrária à produção pictórica. Deve-se considerar, nesse sentido, a ausência de críticos ligados à October que questionassem a qualidade daquela produção, como Douglas Crimp e Benjamin H. D. Buchloh – embora Yve-Alain Bois estivesse presente, acabou assumindo uma posição muito mais pessoal nesse sentido (ou acabou se eximindo). O confronto mais direto permitiria avaliar em que medida os argumentos de Crimp tomados como ponto de partida para o debate modificaram-se (ou não), a partir do distanciamento histórico. 7 influenciado pelas ideias do artista Marcel Duchamp (“em seu desprezo pelo olho e pela mão do artista”) e pelo filósofo alemão Walter Benjamin (“com suas ruminações sobre a arte e a reprodução mecânica”). Era preciso também considerar, segundo Danto, que Crimp estava engajado na promoção do fenômeno da fotografia (em detrimento da pintura), pois acreditava que artistas que trabalhavam a partir desse medium apresentavam uma forte implicação política em suas propostas, sobretudo em relação à crítica às instituições do mundo da arte, como o museu.4 O curador David Joselit, partindo de alguns aspectos desenvolvidos pelo crítico Yve-Alain Bois (1952-), no texto para a mostra Endgame: Reference and Simulation in Recent Painting and Sculpture [Jogo Final: Referência e Simulação na Pintura e Escultura Recentes], realizada em 1986 (ver Anexos II), da qual Joselit foi o curador, e igualmente do ensaio A morte do autor, do filósofo francês Roland Barthes (1915-1980), questionava o argumento de Crimp, indagando-se: Se a ‘morte da pintura’ da década de 1980 correspondeu à morte do jogo chamado ‘pintura moderna’ (e isso não é de forma alguma evidente por si mesmo), essa morte seria então também potencialmente um nascimento de um tipo diferente de jogo?5 Some-se a essa consideração o adendo de Danto, ao alegar que “a ‘morte da pintura’ teria dado acesso à vontade de poder irrestrita do crítico, e à liberdade de interpretação que a acompanhava”.6 Assim, tanto quanto o reconhecimento de que a 4 Cf.: CRIMP, Douglas. Sobre as ruínas do museu [1993]. Tradução de Fernando Santos. São Paulo: Martins Fontes, 2005. 5 In. DANTO, Arthur C.; BOIS, Yve-Alain; DUVE, Thierry de; GRAW, Isabelle; REED, David; JOSELIT, David; SUSSMAN, Elisabeth. The Mourning After, Op. cit., p. 208. Para Joselit, as “táticas de apropriação” poderiam evidenciar um deslocamento do “descritível” [writerly] para o “legível” [leaderly], constituindo novas regras para o “jogo pintura”, levando-se em conta ao mesmo tempo a influência exercida pelas ideias do filósofo francês Jean Baudrillard (1929-2007), pois a noção de “simulação” fora um dos aspectos mais característicos da década de 1980. Contudo, essa não era uma conclusão comum entre os debatedores, considerando-se o argumento do historiador belga Thierry de Duve (1944-), como resposta imediata à colocação de Joselit, ao afirmar que a expectativa de mudar as regras do jogo não necessariamente representa a mudança por completo desse mesmo jogo. 6 Segundo Danto, a declaração “‘O pintor está morto. Viva o crítico!’ encerra muito bem a inversão que foi anunciada pela teoria pós-estruturalista.” Já para Thierry de Duve, “os críticos incluíram a questão [da morte da pintura] na agenda porque ela fomentou sua vontade de poder – o que hoje ainda é um grande problema”, argumentando que “os pintores da década de 80 foram vítimas colaterais dos ataques a Greenberg que era o dogma reinante – e ainda é para muitos”, reforçando, por exemplo, que “É um mistério intolerável para [Benjamin H. D.] Buchloh o fato de [Gerhard] Richter ser um grande artista 8 teoria adquiriu certa ‘celebridade’ na década de 1980, houve uma maneira quase monolítica de se referir ao período, seja desconsiderando sua pluralidade artística, seja reduzindo a produção de arte ao reflexo dos desenvolvimentos políticos gerais, como se, em resumo, a pintura figurativa de caráter expressivo da década fosse simplesmente fruto da era Reagan. A conclusão geral do debate pode ser sintetizada nas falas de Arthur C. Danto, para quem “a verdadeira história da arte da década de 80 ainda não começou a ser abordada”, assim como, em sentido mais profundo, na afirmação de Thierry de Duve de que “o que permanecerá da pintura, ou da arte, da década de 80 será, em longo prazo, produto da jurisprudência estética, não da ‘teoria’”, argumentando que “é bem possível que o pré-requisito para lidar com uma história da arte dos anos 80 seja uma mudança de teoria que abra espaço para o conceito de jurisprudência estética”. A partir dessas considerações, Yve-Alain Bois acentuou a urgência em “iniciar uma crítica muito necessária dessa recusa deliberada de julgar.”7 Em resposta à provocação que concluiu o debate realizado por Artforum, nos anos seguintes é possível identificar um conjunto de exposições revisionistas realizadas na Europa (e não nos Estados Unidos, o que também é sintomático). A primeira delas ocorreu em Bale, Suíça, sob o título Flashback: Eine Revision der Kunst der 80er Jahre [Flashback: Revisitando a Arte dos Anos 80], em 2005 (ver Anexos II), tendo como principal mote a consideração de que todo aprofundamento em relação à arte produzida nos anos 1980 só pode revelar que a mesma teria sido inconcebível sem as experiências seminais das décadas anteriores, tanto quanto a constatação de que muitos projetos artísticos atuais constroem-se em constante diálogo com as realizações artísticas daquela década. Segundo o curador suíço Philipp Kaiser (1972-), a exposição “foi concebida como um ensaio, uma instalação experimental aberta”, com o propósito principal de assumir “um olhar crítico em relação ao passado” e, assim, “traçar uma imagem da sendo um grande pintor, e não a despeito do fato de ele pintar. Do ponto de vista neo-adorniano de Buchloh, a pintura devia estar morta, e ele exige do entrevistado – de forma repetida e quase agressiva – que justifique sua contradição.” In. Ibid., pp. 208 e 268. [Grifos no original] 7 Ibid., p. 270. 9 década de 1980 que, em certo sentido, é representativa da arte do período, evitando o pluralismo sem causas do ‘vale tudo’.”8 Il. 4 e Il. 5 – Capa do catálogo Flashback: Eine Revision der Kunst der 80er Jahre / Revisiting the Art of the 80s e Registro da mesa-redonda realizada em 18 de junho de 2005, Basel/Suíça. Partindo de documentos da época, a proposta levou em consideração a fórmula binária, dialética, que caracterizou o período, entre, por um lado, a pintura figurativa expressiva, predominante em movimentos como a Transvanguarda e os Novos Fauves e, por outro, o círculo de críticos da revista October, cuja repulsa em relação à “pintura regressiva” vinha ao encontro da defesa e promoção de artistas mais próximos à ideia de uma continuidade das práticas conceitualistas. Porém, vistas em retrospecto, ambas as tendências, de uma forma ou de outra, fundamentaram-se na prática de apropriação e desconstrução de imagens provenientes do mass-media, o que, para o curador, evidenciava o fato de que as duas abordagens nada mais seriam “que dois lados da mesma moeda”9, ou mesmo, que a forte oposição entre elas, em verdade, representaria 8 Sendo “uma técnica de montagem cinematográfica, flashback implica um ponto de observação entre o aqui e o agora, a partir do qual ocorre a investigação das influências artísticas.” KAISER, Philipp. Introduction. In: KAISER, Philipp (cur.). Flashback: Eine Revision der Kunst der 80er Jahre / Revisiting the Art of the 80s. Basel: Kunstmuseum Basel, Museum für Gegenwartskunst, Hatje Cantz Verlag, 2005, p. 15. Tradução livre, a partir do original em língua inglesa. 9 Ibid., p. 17. Tradução livre, a partir do original em língua inglesa. 10 uma manobra crítica para reforçar a posição de Nova York como centro das pesquisas mais avançadas naquele momento, em detrimento da arte que era produzida na Europa Ocidental. O argumento principal da exposição, então, concentrou-se na afirmação de que práticas ‘pop-conceituais’, como a “apropriação”, respeitando-se as ambiguidades e descontinuidades históricas, nunca foram abandonadas, nem nos Estados Unidos nem na Europa, passando a ser continuamente reformuladas no decorrer das décadas, o que, em suma, colocava em xeque o argumento de uma “regressividade” dos anos 1980. Em consonância com o argumento curatorial, uma mesa-redonda com críticos e artistas – do mesmo modo que ocorreu nas edições especiais de Artforum – evidenciou como certas características dos discursos críticos dos anos 1980 permanecem constantes nos dias de hoje. A crítica alemã Isabelle Graw (1962-), por exemplo, questionava o pensamento oposicionista entre as décadas de 1970 e 1980, enquanto seu conterrâneo, radicado nos Estados Unidos, Benjamin H. D. Buchloh (1941-), reforçava que não se tratava de “um problema de décadas, mas de um grupo ou formação geracional”, o que justificava a ideia de uma oposição.10 Desse modo, as falas de Graw e de Buchloh referem-se, por um lado, ao questionamento frente à reprodução de uma historiografia caracterizada pela polarização entre arte conceitual e neoexpressionismo e, por outro, à defesa da manutenção dessas mesmas abordagens (elaboradas há trinta anos). Enquanto Buchloh defendia que a prática artística conceitual era mais radical em suas ‘consequências’ do que a pintura da década de 1980, Graw afirmava que a problemática não devia recair sobre o medium em si, mas em seus usos e abordagens. A discussão que se segue, reforça as diferentes posições adotadas: John M. Armleider: (...) Certos artistas representam determinadas conquistas, mas vinte ou cem anos depois, um aspecto diferente de seu trabalho pode, de repente, tornar-se relevante. A descrição linear da história é apenas uma forma de leitura. A realidade dos anos 1980 nada tem a ver com a forma como pensamos aquela década. E é isso que estamos debatendo hoje. Nós não estamos reconstruindo a década de 1980, mas tentando descobrir o que ela pode representar na atualidade. É bizarro acreditar que a década de 1980 consistia apenas em pintura. Havia tantas práticas diferentes, basta 10 ARMLEDER, John M.; BUCHLOH, Benjamin H. D.; BÜTTNER, Werner; GRAW, Isabelle; KÖNIG, Kasper; KOETHER, Jutta; RUFF, Thomas; KAISER, Philipp (moderator). The 80s Are in Our Midst. In: Ibid., p. 23. Tradução livre, a partir do original em língua inglesa. 11 pensar o boom da fotografia ou de artistas como Peter Halley. No curto período de tempo de uma exposição, pode-se ativar todas essas lembranças e apresentá-las, a partir de certa perspectiva. Isabelle Graw: Desenvolvo frequentemente um jogo com amigos em Nova York, que consiste em lembrar nomes de artistas que eram ubíquos nos anos 1980, mas que agora estão completamente esquecidos. A construção retrospectiva da década é brutal, porque está baseada em exclusão. John M. Armleder: Há duas maneiras diferentes de determinar períodos. Tendemos sempre a querer saber como era antes para que possamos ver como mudou depois. Com o objetivo de desenvolver uma ideia sobre os anos oitenta, talvez fosse melhor perguntar sobre a década de noventa. Vamos tomar Daniel Buren para ilustrar o que quero dizer. Nos anos setenta, ele não é o mesmo que nas décadas de oitenta ou noventa. Se se segue uma construção linear, então é preciso perguntar como seu trabalho mudou. Benjamin H. D. Buchloh: Buren em 1970 é como Picasso em 1912, e em 1980, como Picasso em 1930. Na década de 1990, Buren é como Picasso nas décadas de 1950 e 1960. Se eu penso que Buren é melhor artista? Sim, com certeza. Absolutamente, até 1975. John M. Armleder: Meu objetivo não foi estabelecer um valor moral. Há uma transformação no trabalho que acho interessante. Benjamin H. D. Buchloh: Não é uma questão moral, mas de estética. O que me interessa é o que uma prática estética significa naquela época. Isabelle Graw: Mas, para além da reconstrução sempre aproximada de certas condições, critérios estéticos mudam com o tempo, em referência a situações cambiantes.11 Desse modo, percebe-se que a mesma problemática explicitada na mesa-redonda de Artforum reaparece na realizada por Flashback, reforçando que a questão “como historicizar a década de 1980?”, intimamente atrelada à condição da “jurisprudência estética” no contexto contemporâneo, apresenta-se como dado crucial para qualquer pesquisa que se propõe a abordar o período. Em 2006 esse ponto de vista centroeuropeu (alemão-suíço) expresso em Flashback foi ressaltado ainda mais com a realização da mostra Anos 80: Uma Topologia, no Museu Serralves, no Porto, Portugal (ver Anexos II), organizada pelo curador alemão Ulrich Loock (1953-), que estudou na Kunstakademie de Düsseldorf e foi diretor da Kunsthalle de Berna durante a década de 1980. Com a exposição, o curador propôs-se não só a delinear uma “topologia”, mas a apresentar um ponto de vista singular sobre o período, sem que o recorte se pretendesse representativo da década como um todo. Por isso, optou por excluir paradigmaticamente todas as estratégias de legitimação reconhecidas e consagradas na década de 1980, o que vale dizer, a maior parte dos pintores atuantes no período, sobretudo aqueles ligados 11 Ibid., pp. 54-57. Tradução livre, a partir do original em língua inglesa. 12 à transvanguarda, ao neoexpressionismo e à cena norte-americana, o que em suma, mais do que constituir “um ponto de vista singular”, encobria a reprodução do discurso crítico de alguns teóricos ligados à revista October.12 Il. 6 e Il. 7 – Capa do catálogo Anos 80: Uma Topologia e Imagem do projeto expográfico de Ulrich Loock Embora tenha recusado abordar certos movimentos e tendências mais próximos do “mercado de arte”, Loock acreditava, paradoxalmente, que o interesse cada vez maior sobre a década de 1980 recaia sobre o fato de ter sido um período de euforia econômica, próximo ao que se denomina atualmente como mundo globalizado da arte, onde as especificidades da criação artística e da reflexão por ela suscitada muitas vezes se dissolvem nos momentos de apresentação e representação social dos eventos (influência do mercado, do colecionismo, do aparecimento constante de novos artistas, 12 “Problemático é que, numa reação anti-moderna, um importante conjunto de artistas tenha tomado, em finais da década de 70 e início da de 80, a decisão de opor certezas recém-adquiridas a uma situação política e cultural de ausência de evidência. Problemáticas são as tentativas de reconquistar terra firme através de movimentos violentos visando um regresso a paradigmas locais e regionais, a adoção de padrões de figuração, a reintrodução de solidez táctil e visual (cor e matéria), a reanimação de uma mitologia do artista (masculino) e a confiança em categorias estabelecidas da arte, em especial ‘a pintura’. Igualmente problemáticas, e em boa verdade não muito diferentes das anteriores, são as práticas de uma cínica ou provocadora, senão apenas visceral, revolta contra versões do moderno que tinham sido estabelecidas nos anos 60 e 70.” LOOCK, Ulrich. Introdução: a evidência da arte. Tradução, a partir do inglês, de Rui Parada-Cascais. In: LOOCK, Ulrich (ed.). Anos 80: uma topologia. Porto: Fundação de Serralves, 2006, p. 12. Cabe ressaltar que o único artista brasileiro participante dessa exposição foi Tunga (1952-). 13 da profusão de feiras de arte, bienais e grandes exposições coletivas). Desse modo, “os anos 80 são particularmente privilegiados, uma vez que anunciam uma significativa viragem no curso da história”, vindo inquestionavelmente a “pôr em questão a validade predominante das constelações políticas, sociais e culturais do ‘Ocidente’.”13 Propondose a considerar as obras não como documentos históricos, mas “realidades que atravessam a história”, Loock acreditava, então, que a “apropriação” poderia ser vista como uma das características mais marcantes da década, por esta prática “ter encontrado formas de recuperar a imagem depois da anterior ‘viragem linguística’ da arte conceitual”, reconhecendo ser esse o “contributo mais importante dos artistas da geração (americana) ‘Pictures’.”14 Por fim, nos anos de 2008 e 2009, em Grenoble, França, desenvolveu-se a quarta proposição revisionista, através da realização de duas exposições (acompanhadas de dois catálogos, contendo uma representativa antologia crítica da década de 1980), intituladas Espèces d’Espace: Les Années 1980 [Espécies de Espaço: Os Anos 1980] e Images et (Re)Présentations: Les Années 1980 [Imagens e (Re)Presentações: Os Anos 1980], ambas tendo Yves Aupetitallot (1955-) como curador (ver Anexos II). Recusando, assim como suas antecessoras, uma concepção curatorial que tivesse por origem uma seleção de artistas e obras a partir de critérios de excelência e representatividade atribuídos pelo mercado de arte e pelas instituições, ou mesmo, por outro lado, a preocupação de “resgatar” artistas ignorados ou rejeitados pela história, Aupetitallot optou por uma “pesquisa que encontrasse as raízes nas questões teóricas da 13 “A história não é um espaço fechado sujeito ao presente como seu antecedente. Antes encontramos na história obras e momentos que superam distâncias temporais para alcançar o nosso próprio tempo e que desse tempo retiram o seu real significado. ‘Contemporâneo’ não é, então, tudo aquilo que ocorre no nosso próprio tempo, mas antes aquilo que faz sentido no nosso tempo. Trata-se de alcançar um presente no nosso próprio tempo.” Ibid., p. 11. [Grifo nosso] 14 “A imagem na arte dos anos 80 já não é a imagem contra a qual a arte minimal e conceitual se insurgiu. Não é a imagem da representação. É reprodução (de novo o que já está aí) ou reorganização (tudo menos o que já está aí). Ao recusar a representação, ao reclamar a realidade, duas distantes concepções artísticas encontram-se.” Ibid., p. 14. Ulrich Loock assumia, desse modo, uma posição claramente “americanista”, em concordância com os argumentos dos críticos ligados à October, como já ressaltado. 14 época e que pudesse permitir tornar inelegível o conjunto considerado”15, chegando, enfim, a duas temáticas principais: as relações entre espaço público e espaço privado ou comunitário e as questões referentes a imagens e representações. Il. 8 e Il. 9 – Capas dos catálogos Espèces d’Espace: Les Années 1980 e Images et (Re)Présentations: Les Années 1980 Durante a década de 1980, frente ao discurso pós-modernista e ao proeminente “fim das narrativas”, muitos artistas esforçaram-se em enfatizar a necessidade de reativação da esfera pública, reduzida ao privado e ao doméstico. Para Aupetitallot, há no período uma modificação, ou mesmo uma exaustão, da dialética entre ‘público’ e ‘privado’, uma vez que a década é marcada pela emergência de um espaço midiático onipresente, que conduziria à aparição e ascensão da internet. Em decorrência, graças ao fluxo contínuo de imagens e representações investidas num crescente processo generalizado de espetacularização da sociedade, surgiria um “terceiro espaço”, estimulando o deslocamento dos limites formais e perceptuais da produção artística em direção a uma afiliação mais próxima da indústria cultural e dos chamados ‘novos 15 AUPETITALLOT, Yves. Avant-propos. In: AUPETITALLOT, Yves (ed.). Espèces d’espace: les années 1980, première partie. Grenoble: Magasin, Les presses du réel, 2008, p. 9. Tradução livre, a partir do original em língua francesa. Ver também: Id. Images et (re)présentations: les années 1980, seconde partie. Grenoble: Magasin, Les presses du réel, 2009. 15 media’. As imagens são então ‘confiscadas’ e submetidas a modos e ferramentas de produção diversificadas, o que reforçaria a ideia da “apropriação” como a mais importante prática artística do período, uma vez que essas imagens midiatizadas passavam a ser reproduzidas, copiadas, transformadas, simuladas, mediante a recorrência a procedimentos comuns às vanguardas históricas, como a colagem, a fotomontagem, a assemblagem, etc. A abordagem francesa, desse modo, ao considerar textos de época (e discursos neles contidos) como parâmetro investigativo, veio sintetizar, afinal, as principais questões temáticas da década de 1980. Junto às outras três iniciativas anteriores, constituiu um corpus representativo para o entendimento mais amplo da arte daquele período, nas suas mais variadas dimensões (crítica, estética, institucional, política, social, filosófica, histórica, etc.). Em relação às (re)avaliações da arte brasileira dos anos 1980 ocorridas na última década, por sua vez, ressaltam-se três propostas principais: a exposição 2080, sob curadoria de Felipe Chaimovich (1968-), realizada no Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 2003, mesmo ano da edição especial de Artforum (ver Anexos II); Onde Está Você, Geração 80?, sob curadoria de Marcus de Lontra Costa (1954-), ocorrida no ano seguinte, no Centro Cultural Banco do Brasil, Rio de Janeiro (ver Anexos II); e, em 2007, a mostra 80/90, Modernos, Pós-modernos, Etc., sob curadoria de Agnaldo Farias (1955-), no Instituto Tomie Ohtake, São Paulo, a partir do ciclo de exposições ‘Meio Século de Arte Brasileira’ (ver Anexos II). Il. 10 e Il. 11 – Capa do catálogo 2080 e Vista com a referência curatorial às quatro exposições históricas da década de 1980 16 Ao mesmo tempo em que propunha estabelecer um olhar retrospectivo para a década de 1980, o curador de 2080 tinha como objetivo organizar uma ação conjunta com o setor educativo do museu, argumentando que a mostra deveria, por natureza, ser “democrática” (era o ano em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumia seu primeiro mandado), isto é, voltar-se para um público socialmente heterogêneo (retomando o discurso de que a arte brasileira dos anos 1980 estava atrelada à noção de democracia, devido à reabertura política ocorrida naquele momento). Assim, desde a sua concepção, a mostra apresentou um caráter didático que concorria com a própria iniciativa de avaliação do período. Na pesquisa que realizou, Felipe Chaimovich procurou logo de início compreender o sentido do termo ‘Geração 80’, para, a partir dele, definir uma abordagem historiográfica para a década, o que o levou a considerar como paradigma curatorial a importância de quatro exposições históricas: Pintura Como Meio (São Paulo, 1983), Como Vai Você, Geração 80? (Rio de Janeiro, 1984), Grande Tela (São Paulo, 1985) e Imagens de Segunda Geração (São Paulo, 1987). A partir do cruzamento das principais questões suscitadas e do levantamento dos artistas brasileiros que participaram das mesmas (reforçando o papel desempenhado pelas mostras coletivas na divulgação de tendências e no desenvolvimento de abordagens teóricas), o curador evidenciou a compreensão de Geração 80 como um termo que designa uma agenda de questões num debate amplo: nacionalidade federativa brasileira versus globalização no Fim da Guerra Fria, inclusão de todas as mídias e estilos experimentais na categoria de arte contemporânea, exercício programático da pintura contra qualquer tipo de exclusão.16 Por ter sido uma mostra ‘encomendada’ pelo MAM-SP, a seleção de obras pretendeu explicitar a representação da história da arte em coleções consagradas, entre elas a do próprio museu paulistano e a Coleção Gilberto Chateaubriand, em comodato no MAM-RJ, o que, em última instância, objetivava demonstrar a importância das coleções “públicas” para a produção da história da arte nacional.17 Entendendo que “a 16 17 CHAIMOVICH, Felipe (cur.). 2080. São Paulo: Museu de Arte Moderna, 2003, p. 12. Segundo o curador, “o modelo de ‘Geração 80’ baseado nas quatro coletivas mostrou-se coerente com as aquisições de arte brasileira dos anos 80 em duas coleções de reconhecido mérito. Corresponde à imagem pública representada por ambos museus.” Complementaria ainda que “a seleção de ‘2080’ é democrática no sentido de evidenciar a imagem de ‘Geração 80’ formada por instituições 17 exibição pública de patrimônios artísticos reflete os poderes políticos a que os museus servem”, Chaimovich afirmava, sem de fato problematizar tal consideração, que o curador “deve auxiliar o público a buscar em sua história os termos de comparação para a experiência da arte como continuidade e ruptura.”18 O número de críticas endereçadas a esses critérios, à falta de qualidade estética de muitos dos trabalhos expostos (em detrimento de outros, em posse de “colecionadores particulares”), à reprodução de discursos de época (reforçando certas abordagens históricas), contribuiu para que 2080 reabilitasse no Brasil o debate público acerca do contexto e da arte produzida nos anos 1980. A realização de uma mesa-redonda, com artistas e curadores atuantes na década, pareceu ter sido uma tentativa de conferir outro status à exposição. Rebatendo as críticas endereçadas à curadoria, Marcus de Lontra Costa argumentaria que A década de 80 foi perdida para quem não soube viver. (...) foi uma época em que o país começou a se redescobrir. Foi uma luta intensa de reconquista democrática. Havia um certo romantismo, uma certa expectativa de que passado o grande pai repressor da ditadura, o país fosse maravilhoso. Aprendemos que não é. Existia um pai repressor e esse pai impedia que víssemos nossos próprios defeitos. Nesse sentido, a década de 80 foi uma década de consciência brasileira. Aprendemos o que não é, aprendemos com nossos erros. Demoramos três eleições para perdermos o medo. Tivemos fracassos e decepções com a classe política. (...) Na questão das artes plásticas, há uma terrível má vontade com o estabelecimento teórico, dito supostamente vanguarda, dos anos 80. Li algumas vezes que o discurso dos anos 80 não é legitimado, não é competente. O discurso é produzido por uma crítica. O que acontece é que talvez a produção dos anos 80 não estivesse interessada naquele discurso legitimado. Estaria interessada em outro tipo de discurso, que hoje ainda acho válido.19 consagradas.” Ibid., pp. 13 e 14. [Grifos nossos]. Essa relação entre “arte dos anos 1980” e institucionalização de discursos críticos é uma das principais problemáticas da mostra 2080. 18 “A curadoria de uma exposição coletiva numa instituição oficial da cultura transforma um conjunto selecionado de obras de arte em representação de uma época”, assim como “a aquisição de acervos públicos permanentes cria parâmetros interpretativos sobre o valor do passado.” Ibid., pp. 10 e 15. [Grifos nossos] 19 COSTA, Marcus de Lontra. Transcrição da fala realizada em 13 de março de 2003. CHAIMOVICH, Felipe (mediador); ÁQUILA, Luiz; COSTA, Marcus de Lontra; ROMAGNOLO, Sergio; CHIARELLI, Tadeu. In: 2080 [mesa-redonda]. Publicação complementar ao catálogo. São Paulo: Museu de Arte Moderna, 2003, p. 5. Esse debate também pareceu reforçar certa visão da arte da década de 1980, a partir da escolha dos integrantes da mesa-redonda. 18 Embora os critérios metodológicos adotados pelo curador e pela instituição fossem foco principal das críticas a que menciona Marcus de Lontra Costa, questões pertinentes à abordagem historiográfica do período, como a levantada pela crítica Lisette Lagnado (1961-) – “Como historicizar o passado recente, sobretudo quando o período escolhido careceu de uma sólida elaboração teórica?”20 – procuravam redimensionar a discussão, aproximando-a do enfoque dado nos debates internacionais. É fato que muitas críticas assumiam uma clara aversão ao período, condenando o sucesso ocasional, assim como a suposta falta de qualidade estética daquela produção: Hoje, 20 anos depois daquela primeira exposição-exaltação, o que restou é muito pouco, ainda mais se considerado relativamente. A maioria daqueles pintores então endeusados desapareceu, e sua pintura aparece nos livros como um capítulo de história, não como um exemplo de grande arte. As características de suas obras – grandes dimensões, pinceladas gestuais, colorido berrante – têm mais a ver com o espírito de época do que com a trajetória da técnica. E os poucos que restaram, que seguiram em busca de uma obra consistente (além de alguns como Leonilson, já morto), mudaram o estilo para uma clave bem mais contida e séria.21 Contudo, para o artista Ricardo Basbaum (1961-) o problema era outro, não só pelo fato da proposta não fazer “justiça à efervescência e diversidade do período”, mas também porque haveria uma persistente influência do mercado de arte na (re)afirmação de certos discursos de época, salientando que, agindo-se desse modo, Cai-se na armadilha de acreditar que a verdade da produção artística de um período da arte se dá através do mercado, como se o mercado, em suas decisões, fosse sempre um elemento referencial absoluto (argumento neoliberal que se faz presente na arte brasileira a partir dos anos 80, sobretudo, mas que, devido às condições locais de um 20 LAGNADO, Lisette. 2080: o futuro da História. Intuito educativo predomina em exposição do MAM-SP sobre a arte brasileira dos anos 80. In: Trópico [publicação eletrônica]. Disponível em: http://p.php.uol.com.br/tropico/html/textos/1585,1.shl; 2080 [mesa-redonda]. Op. cit., p. 25. 21 “De qualquer forma, não há unidade na geração e o único modo de reavaliá-la é optando por corte de conteúdo. A história do surgimento dessa geração respondia muito mais às circunstâncias do que à estética. A Geração 80 foi um fenômeno do campo dos costumes, uma moda lançada por galeristas e professores vinculados ao Parque Lage no Rio e à Faap em São Paulo e amplificada por certa parcela da imprensa, naqueles anos em que os cadernos culturais dos grandes jornais tinham sido criados e procuraram ‘tendências’ para nomear em suas manchetes.” PIZA, Daniel. Depois da festa. Os (poucos) sobreviventes da Geração 80. In: Bravo!, n. 64, ano 6, janeiro 2003; 2080 [mesa-redonda]. Op. cit., p. 18. 19 capitalismo e uma economia de mercado bastante problemáticos, deve ser sempre relativizado).22 É esse debate ocasional – e a conversa “à boca pequena” – então, que parece de fato promover uma análise mais efetiva da década de 1980. Se a ênfase sobre aspectos como “retorno da pintura”, “prazer de pintar”, “retomada da democracia” persistiam em muitos desses discursos, a avaliação recorrente de que a maior parte dos jovens artistas que surgiram naquele momento desapareceram antes mesmo da década ter chegado ao fim pode ser vista como a provocação principal para as duas outras exposições ocorridas em 2004 e 2007. Il. 12 e Il. 13 – Capa do catálogo Onde Está Você, Geração 80? e Capa do material de apoio do Programa Educativo do CCBB-RJ 22 Do mesmo modo, Basbaum questionava a evidência de que a exposição 2080 “já nasce ‘discutida’ e comentada, quase que concluída, em forma de pacotão em revista de circulação nacional. Trata-se de uma estratégia de construção do evento, regularmente praticada, que deixa muito pouco espaço para pensá-lo, uma vez que, frente a tantas ‘potências da comunicação’ (patrocinador, museu, revista), a conversa que se quer mais intensa sobrevive apenas ‘à boca pequena’ entre aqueles que se posicionam como mais interessados no debate crítico, movimentação que não se expande com a mesma propulsão.” [comentário referente ao fato da revista Bravo! publicar um conjunto de análises, antes mesmo de a exposição ter sido inaugurada]. BASBAUM, Ricardo. “2080”: muito mercado e pouca arte. A exposição do Museu de Arte Moderna de SP não faz justiça aos trabalhos da Geração 80. In: Trópico [publicação eletrônica]. Disponível em: http://p.php.uol.com.br/tropico/html/textos/1590,1.shl; 2080 [mesa-redonda]. Op. cit., pp. 27-28. 20 Exatos vinte anos após a inauguração do paradigmático evento ocorrido na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, Marcus de Lontra Costa propôs-se a fazer o “resgate histórico de um movimento cultural”, a partir da realização de outra mostra de caráter explicitamente comemorativo, cujo título também era uma pergunta retórica: Onde Está Você, Geração 80?. Ao fazê-la, o curador pretendia ressaltar o argumento de que muitos dos jovens artistas participantes do evento realizado em 1984, com o passar das décadas, tornaram-se “presenças afirmativas”, representantes inquestionáveis no meio artístico contemporâneo brasileiro.23 Ao procurar validar a trajetória de um grupo de artistas, Lontra Costa pretendia, em última instância, também legitimar um discurso (que não era considerado por certos agentes do meio de arte como verdadeiro comentário crítico), tanto quanto validar sua própria capacidade de ter “apostado” nos artistas “certos”, promovendo, portanto, a ampla manutenção dos discursos da época. Dos anos 1980 para cá, praticamente pouco mudou na sua abordagem crítica do período, como fica explícito no trecho seguinte: Entre o barroco e a pop, entre o drama e a comédia, essa nova geração de artistas sonhava com a rua, com o sucesso popular: o Brasil era a fonte de inspiração e diálogo e se a influência dos movimentos artísticos internacionais do momento, como a transvanguarda italiana e o neoexpressionismo alemão, já se fizessem presente nas obras dos artistas brasileiros, a verdade é que aqui não se pintava a tradição e nas telas pintadas não transparecia em momento algum tensas relações entre o Eu e o Mundo. Pintava-se pelo prazer, com a suave inocência da infância, um pouco naif e prenhe de romantismo e coragem. O momento era de extroversão e era preciso ocupar as ruas, os espaços, “arte por toda parte”, festa do olhar. Para isso era necessário, antes de tudo, seduzir o espectador, envolvê-lo na realidade da arte, fazer-se entender. Em consonância com os tempos atuais, com a sociedade pós-industrial e pela regência da informação, os artistas incorporaram imagens do mass media e a elas aliam ícones da história da arte, numa espécie de citação histórica onde os aspectos de comunicabilidade da obra de arte são mais valorizados do que os seus valores essencialmente plásticos.24 23 Contudo, incluiu na mostra de 2004 artistas que faziam parte do coletivo Casa 7 – Carlito Carvalhosa (1961-), Fábio Miguez (1962-), Nuno Ramos (1960-), Paulo Monteiro (1961-) e Rodrigo Andrade (1962-) –, assim como o escultor Angelo Venosa (1954-), que não haviam participado originalmente do evento Como Vai Você, Geração 80?. 24 “Nas artes, perpassava um sentimento de liberdade, um desejo de ser feliz, de pintar a vida com cores fortes e vibrantes, valorizando o gesto, a ação. (...) um desejo de fazer da arte um local das emoções, um caldeirão borbulhante de odores, prazeres e sensações. Esse compromisso hedonista, essa ânsia de ser feliz vai encontrar suas raízes no desejo coletivo de ‘participar’, de integrar a coletividade democrática que se sonhava.” COSTA, Marcus de Lontra. Os anos 80: uma experiência brasileira. In: 21 Esse posicionamento acarretaria um número menor de críticas, se comparado ao conjunto de questões suscitadas por 2080, destacando-se a avaliação do crítico Luiz Camillo Osorio (1963-), ao afirmar “que há uma reincidência em enxergar aquele momento apenas sob a ótica da volta à pintura, e esta como mera reação a um suposto hermetismo da arte experimental”. Comentaria, então: Por que não mostrar artistas importantes que apareceram naquele mesmo contexto – alguns participando inclusive da exposição do Parque Lage – e que fugiram, nas suas obras individuais, do que se convencionou como um estilo ‘geração 80’? Poderia citar, por exemplo, Eduardo Kac, João Modé, Jac Leirner, Nelson Felix, Ricardo Basbaum, Paulo Pasta, Mário Ramiro, Beth Jobim, entre outros. Não são estes nomes mais pertinentes para se pensar hoje a história dos anos 80 do que uma série de artistas escolhidos cujas obras ficaram presas ao passado e não fizeram nada de interessante desde então? Será que é o caso, então, de se separar a geração 80 dos anos 80, e começar a pensar na década como algo mais plural e fértil para a história da arte?25 Já na mostra organizada por Agnaldo Farias, com um aprofundamento teórico e histórico mais evidente (pelo menos no texto do catálogo, publicado posteriormente), o foco da exposição recaiu principalmente sobre a seleção dos trabalhos, uma vez que o crítico procurou tomar cuidado com a recorrente tendência de “associar a movimentação cultural desencadeada na passagem dos anos 1970 para os anos 1980 com a abertura política”, evitando, assim, incorrer “no equívoco de supor que a arte [dos anos 1980] seja um simples desdobramento do quadro político-social.”26 Preocupou-se, então, em evidenciar como um grupo de artistas surgidos na década de 1980 apresentou um desenvolvimento considerável em sua produção artística, ampliando a compreensão e a diversidade da arte contemporânea brasileira. Farias considerou esse processo da seguinte forma: COSTA, Marcus de Lontra (cur.). Onde Está Você, Geração 80?. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 2004, p. 7. 25 OSORIO, Luiz Camillo. Visão restrita de uma geração. Exposição no CCBB não abre novas perspectivas de compreensão sobre a arte brasileira daquele período. In: O Globo, Rio de Janeiro, 26 julho 2004; FERREIRA, Glória (org.). Daniel Senise: cronologia crítica. In: Vai que nós levamos as partes que te faltam: Daniel Senise. São Paulo: Pinacoteca do Estado de São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2011, pp. 264-265. 26 FARIAS, Agnaldo. Anos 80/90: um retrato em 3x4, a cores. In: FARIAS, Agnaldo (ed.). 80/90, Modernos, Pós-Modernos, Etc. São Paulo: Instituto Tomie Ohtake, 2009, p. 17. 22 Uma avaliação da contribuição dessa geração passa, em primeiro lugar, pelo reconhecimento de que se a princípio a produção desse grupo, como já foi dito, era oscilante, caudatária de tendências internacionais, num segundo momento, quando a década de 1980 já ia longe, ela operou uma efetiva mudança de qualidade da arte contemporânea produzida no Brasil.27 Il. 14 e Il. 15 – Capa do catálogo 80/90, Modernos, Pós-Modernos, Etc. e Imagem da página do catálogo, com registro da expografia Em suma, o crítico pretendeu destacar como um conjunto de artistas da década de 1980 passou de “uma obra qualquer, secundária, derivativa, de eventual valor documental” para o momento em que “se afirmava como detentor de uma linguagem particular”28, questionando o modo como as duas exposições ocorridas anteriormente fizeram sua seleção de trabalhos29. Nisso, procurou definir uma leitura da década de 1980, a partir da experiência dos anos 1990, optando por enfatizar apenas aqueles 27 “Talvez em razão do espaço e da divulgação propiciados aos jovens artistas, a 18ª Bienal, em 1985, é reconhecida como o momento da virada, ponto de inflexão a partir do qual os nossos artistas, colocados em confronto com colegas internacionais mais maduros, intensificaram a reflexão sobre seus próprios caminhos.” Ibid., p. 57 e 59. 28 29 Ibid., 87. Ver a detalhada análise que Agnaldo Farias faz dessas exposições na nota 62 de seu texto. Ibid., pp. 123 e 125. 23 artistas que apresentaram um “amadurecimento” de sua produção – ou, aqueles que foram legitimados institucionalmente, quase sempre em detrimento do reconhecimento alcançado por suas experiências iniciais na década de 1980. Para o jornalista Fabio Cypriano, O ponto central da mostra está justamente na seleção refinada do curador, que conseguiu provocar uma nova visão sobre a produção dessa geração. É surpreendente a quantidade de obras pouco conhecidas e, ao mesmo tempo, extremamente pertinentes ao desenvolvimento da poética de cada criador.30 De uma exposição em que a seleção das obras apresentou-se bastante questionável, à outra em que a qualidade estética passou a ser a principal característica, entre uma, que suscitou um intenso debate crítico – seja por quais motivos forem –, e outra, em que pareceu predominar o silêncio ‘concordante’, reforça-se a pergunta: Há ainda uma história da arte da década de 1980 (no Brasil) por se fazer? Fica evidente, levando-se em conta os aspectos explicitados por tais propostas revisionistas, o fato de que toda pesquisa que se propuser a abordar a arte produzida na década de 1980 deva necessariamente confrontar-se com o amplo e denso arcabouço teórico do período, sobretudo no que diz respeito à diversidade de discursos críticos preocupados com a legitimação de determinadas manifestações artísticas. No entanto, ao fazê-lo, é preciso que se considere o “lugar de fala” daqueles por meio dos quais os discursos assumem uma dimensão pública: o que está em jogo, em última instância, mais do que apoiar ou recalcar certas tendências estéticas, midiáticas ou mesmo mercadológicas, é a capacidade de legitimação, a própria autoridade do crítico em julgar e estabelecer parâmetros de ‘diferenciação’, na medida em que, segundo nossa segunda hipótese de trabalho, o julgamento desloca-se gradualmente da dimensão mais imediata da obra de arte – como ocorria no contexto do modernismo – para o campo mais amplo das práticas culturais – na conjuntura cada vez mais globalizada da arte contemporânea. 30 “Possivelmente, as falhas das mostras anteriores [2080 e Onde Está Você, Geração 80?] serviram de auxílio para a realização de 80/90, Modernos, Pós-Modernos, Etc. (...), pois finalmente a geração 80 é vista, de fato, sem os clichês costumeiros, com as mesmas obras de sempre.” CYPRIANO, Fabio. Boa seleção resulta na melhor mostra sobre a Geração 80. In: Folha de S. Paulo, Ilustrada, São Paulo, 5 junho 2007; FERREIRA, Glória (org.). Daniel Senise: cronologia crítica. In: Vai que nós levamos as partes que te faltam: Daniel Senise. Op. cit., p. 276. 24 Desse modo, o papel e o imperativo do crítico tornam-se problemáticos, uma vez que até mesmo sua prática foi posta em crise. Neste contexto, em que a esfera de atuação do crítico apresenta-se em constante transformação, uma das principais mudanças que poderiam ser evidenciadas nos anos 1980 ocorreu no campo mais imediato onde esse profissional costumava exercer seu métier – o jornal –, sobretudo com a ampliação dos suportes/canais de veiculação de textos. Se outrora a crítica de arte encontrou no jornal seu lugar por excelência – o que constitui, na opinião de alguns teóricos, um verdadeiro paradigma (moderno) para a atividade –, nas últimas décadas do século XX, esse tipo de produção de discurso gradativamente perdeu espaço para o chamado jornalismo cultural, fenômeno este que não pode ser visto de modo isolado, mas como uma das muitas consequências do processo de reformulação do meio jornalístico como um todo, frente às exigências de um novo público leitor e à concorrência acarretada por outros meios de comunicação, em especial a televisão. Por isso, pode-se considerar a década de 1980 como um período de transição, em que ainda é possível identificar a presença dos críticos de arte nas colunas semanais dos jornais, mas também atuando em outros periódicos, tais como revistas especializadas, sejam elas comerciais e/ou universitárias (acadêmicas), catálogos de exposição e livros de artista. Mais do que um simples deslocamento de ‘suporte’, a emergência desses novos espaços editoriais estimulou mudanças profundas na relação existente entre o crítico e o objeto de sua escrita, assim como frente ao perfil mais segmentado – e em alguns casos, cada vez mais especializado – de seu público leitor. Mediante a disjunção dessas duas instâncias – crítica e jornal – ocorridas nas últimas décadas, a convicção de que o exercício da crítica estaria incondicionalmente atrelado ao espaço do jornal poderia induzir-nos a concluir que aguardamos, com alguma nostalgia, à eminente extinção da crítica de arte (de certo modo, em consonância com a declaração de tantos outros “esgotamentos” propagados durante os anos 1980).31 31 Desde o final dos anos 1950, a produção contemporânea de artes visuais despertou inúmeros questionamentos entre os teóricos, mas foi durante a década de 1980, em particular, que algumas reflexões começaram a ser delineadas, tanto no campo da teoria da arte, a partir da retomada da tese 25 Contudo, entendemos que a atividade crítica não se caracteriza, em essência, por um suporte, mas sim enquanto prática de mediação. Se antes assumiam explicitamente o tom judicativo em seus textos, incitando um debate público acerca das obras de arte – o que não necessariamente deixou de ser uma possibilidade –, no contexto das últimas décadas, como já dito, acreditamos que muitos críticos atuantes na década de 1980 voltaram-se para o exercício da crítica enquanto prática cultural. Desse modo, em correspondência à atuação de grande parte dos artistas contemporâneos, esses teóricos assumiram conscientemente a necessidade de pensar sua prática como atividade híbrida, construída no cruzamento entre diversas esferas e campos do saber – história, filosofia, estética, antropologia, sociologia, psicanálise, comunicação, etc. –, redimensionando (e, muitas vezes, renegando) os parâmetros fixos anteriormente desenvolvidos pela crítica modernista. Delinear com precisão as fronteiras entre crítica, história e filosofia da arte na contemporaneidade, enfim, passaria a ser uma tarefa cada vez mais árdua – o que não é nosso propósito aqui. Paralelamente às mudanças nos suportes e na compreensão dos limites da atividade crítica, as exposições passaram a desfrutar de maior importância no meio cultural mundial (e com ela a presença dos textos de catálogo), sendo consideradas como “fenômeno renovado”, a ponto da teórica espanhola Anna María Guasch (1953-) cunhar o conceito “exposição-manifesto”. As exposições coletivas corresponderiam para o final do século XX (período que a autora nomeia como “pós-modernidade”), então, o que os manifestos significaram para as vanguardas históricas, bem como o que os programas de críticos e historiadores representaram para as neovanguardas, durante os anos 1960 e 1970. Ao enfatizar a relevância das exposições, Guasch considera que: hegeliana do “fim da arte” pelo filósofo Arthur C. Danto, quanto no da história da arte, quando o historiador alemão Hans Belting (1935-) indagou-se sobre a possibilidade da disciplina haver chegado a um fim. A respeito dessa discussão, ver meu ensaio, nos Anexos I: REINALDIM, Ivair. Prefácios e epílogos da teoria sobre arte contemporânea: relações possíveis entre crítica de arte e historiografia na década de 1980. In: Balances, perpectivas y renovaciones disciplinares de la historia del arte. V Congresso Internacional de Teoría e Historia de las Artes. Buenos Aires: Centro Argentino de Investigadores de Artes – CAIA, 2009, pp. 93-105. Interessa-me futuramente aprofundar tal análise, incluindo a retomada das questões suscitadas pelo ensaio “The Artworld” [1964], no livro A transfiguração do lugar-comum [1981], de Danto, assim como a reavaliação da história da arte a partir do conceito de imagem, através da tese do historiador francês Georges Didi-Huberman (1953-) em Devant l’image: question posée aux fins de’une histoire de l’art [1990]. 26 Assim como o artista pós-moderno, o curador liberou-se dos discursos lineares e da busca constante dos valores de inovação e originalidade, servindo-se dos criadores e de suas obras como citações e fragmentos heterogêneos que lhe permitem construir a exposição como um todo, imagem de sua maneira de conceber a realidade e a arte. O curador rompeu as barreiras que o separavam do artista e, como ele, assina sua obra – sua exposição –, deixando sua marca em todos e em cada um dos passos seguidos em seu processo, desde o planejamento conceitual e sua teorização até a montagem.32 Logo, as exposições deixaram de ser vistas como espécies de armazéns, acúmulos inertes de obras num espaço dado, para tornarem-se canais eficazes do discurso e, com isso, verdadeiros instrumentos de poder cultural, capazes, assim como os textos críticos, de definir tendências, promover modismos, reavaliar o passado e apontar indícios para o futuro. No processo, a atividade crítica veio a englobar a prática do curador, uma vez que o texto do catálogo (e a curadoria propriamente dita), a partir das novas configurações do meio contemporâneo, tornou-se uma extensão do campo onde o crítico de arte tradicionalmente costumava atuar. Em sentido amplo, um dos legados mais significativos da década de 1980, independentemente das problemáticas daí decorrentes, encontrou-se no processo de reconfiguração do sistema das artes, isto é, das relações existentes entre os diversos agentes que o constituem, promovendo o reconhecimento da produção contemporânea junto às instituições e ao público, ampliando o repertório de linguagens e meios a serem trabalhados pelo artista e, por fim, modificando o campo de ação e de estruturação da atividade teórica. O perfil crítico, ou o exercício possível da crítica de arte, por conseguinte, está intimamente atrelado às configurações, necessidades, conflitos e impasses impostos por essa nova conjuntura, contribuindo, em suma, para que alguns parâmetros metodológicos desta pesquisa fossem mais bem delineados. Ao focarmos nossa abordagem na análise dos discursos críticos da década de 1980, mesmo que a referência mais específica a certos críticos tenha sido inevitável, 32 GUASCH, Anna María. Las exposiciones en tanto conciencia de una época [2000]. In: GUASCH, Anna María (ed.). Los manifiestos del arte posmoderno: textos de exposiciones, 1980-1995. Madrid: Akal, 2000, p. 6. Tradução livre do autor, a partir do original em língua espanhola. Cf.: COCCHIARALE, Fernando. A volta da pintura na era das exposições [2004]. In: COSTA, Marcus de Lontra. Os anos 80: uma experiência brasileira. In: COSTA, Marcus de Lontra (cur.). Onde Está Você, Geração 80?. Op. cit., pp. 76-78. 27 seja no Brasil, seja na cena internacional, não foi nosso objetivo nesta análise enfatizar ou escrutinar o pensamento de determinadas ‘personalidades’ teóricas, muito menos uma compreensão convencional da crítica de arte, ligada ao comentário da obra ou da exposição. A reprodução de trechos das fontes primárias ocorre no sentido de identificar evidências dos posicionamentos e ideologias imperantes em determinado momento da história, indícios que na sua dimensão discursiva extrapolariam a própria noção de autoria. Como enfatiza o filósofo Michel Foucault (1926-1984), em A ordem do discurso [1970], o discurso – como a psicanálise nos mostrou – não é simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo; é, também, aquilo que é o objeto do desejo; e visto que – isto a história não cessa de nos ensinar – o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar.33 O discurso encontra-se, afinal, na intertextualidade, atravessa as “falas” individuais, manifesta-se no que está explícito, mas também no que foi interditado, no não dito. O texto (documento) assim entendido não é uma exemplificação de um conteúdo prévio, mas uma peça chave no jogo da enunciação, uma vez que está em constante relação com diversos discursos produzidos num mesmo contexto sóciohistórico. Cabe, a partir daí, explanar acerca de dois aspectos metodológicos adotados nesta pesquisa. Em primeiro lugar, considerando-se o enorme volume de produção textual da crítica de arte da década de 1980, seja no Brasil ou nos Estados Unidos e Europa, boa 33 “Certamente, se nos situarmos no nível de uma proposição, no interior de um discurso, a separação entre o verdadeiro e o falso não é nem arbitrária, nem modificável, nem institucional, nem violenta. Mas se nos situarmos em outra escala, se levantarmos a questão de saber qual foi, qual é constantemente, através de nossos discursos, essa vontade de verdade que atravessou tantos séculos de nossa história, ou qual é, em sua forma muito geral, o tipo de separação que rege nossa vontade de saber, então é talvez algo como um sistema de exclusão (sistema histórico, institucionalmente constrangedor) que vemos desenhar-se.” FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso [1970]. Tradução de Laura Fraga de Almeida Sampaio. 16ª ed. São Paulo: Loyola, 2008, pp. 10 e 14. Com a preocupação metodológica de não submetermos nosso objeto a uma teoria formatadora, procuramos minimizar a citação direta às referências teóricas. Mas é preciso, certamente, reconhecer nossa dívida com alguns escritos dos filósofos Michel Foucault (1926-1984) e Jacques Derrida (1930-2004), sobretudo: DERRIDA, Jacques. Mal de arquivo: uma impressão freudiana [1995]. Tradução de Cláudia de Moraes Rego. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001; FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber [1969]. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. 28 parte ainda desconhecida ou pouco estudada, optou-se por concentrar esta análise apenas nesses textos, ou seja, em fontes primárias impressas. A não realização de entrevistas constituiu uma escolha deliberada, uma vez que nosso objetivo principal recaía justamente na identificação e análise de uma dada temporalidade, considerando cada texto, a partir das palavras do crítico norte-americano Hal Foster (1955-), como “texto-espécime de sua época”.34 Falas atuais de artistas e críticos, explicitando a memória daquela década (e seus processos de seleção e manipulação de informações), já filtrada e modificada pelas experiências posteriormente acumuladas, marcarão um futuro desdobramento desta pesquisa. A opção deliberada em concentrar nossos esforços em fontes primárias impressas foi facilitada pela grande quantidade de coletâneas publicadas na última década, tanto no Brasil quanto no exterior, seja em relação à produção de alguns críticos em particular ou mesmo, a certas temáticas mais específicas. Como complemento a esse material disponível no mercado editorial, desenvolvemos uma pesquisa de campo, com objetivo de ampliar o corpus de fontes primárias, em dois polos geográficos principais. No Brasil, sobretudo no Centro de Pesquisa e Documentação do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-RJ) e na Biblioteca do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP). Tivemos acesso igualmente aos arquivos pessoais do artista Daniel Senise e de nossa orientadora, Glória Ferreira, a partir do trabalho de pesquisa referente à cronologia crítica do livro de Senise.35 A realização de um Estágio PDEE em Paris, entre julho de 2010 e julho de 2011, permitiu uma intensa investigação na biblioteca do Institute national de histoire de l’art (INHA), na Bibliothèque Kandinsky, no Centre Georges Pompidou, ambas localizadas na capital francesa, e nos Archives de la critique d’art, em Rennes. O imenso volume de material coletado acarretou que fizéssemos um recorte para que a realização desta tese se tornasse viável. Por isso, muitos textos não chegaram a ser abordados, levando-se em conta o mapeamento 34 FOSTER, Hal. Recodificação: arte, espetáculo, política cultural [1985]. Tradução de Duda Machado. São Paulo: Casa Editorial Paulista, 1996, p. 18. 35 FERREIRA, Glória (org.). Daniel Senise: cronologia crítica. In: Vai que nós levamos as partes que te faltam: Daniel Senise. Op. cit., pp. 156-277. 29 exaustivo que fizemos de revistas como Artforum, Artstudio, Art Press, Cahiers du Musée national d’art moderne, Flash Art, October, Parachutes, Parkett, etc. (toda a produção da década de 1980), bem como a documentação crítica sobre a exposição Magiciens de la Terre, entre outros aspectos importantes do período. Esse material será analisado em futuras investigações e ensaios de abordagem mais direcionada, desdobramentos para muitas das questões aqui abordadas. A partir dessa constatação, é preciso considerar um segundo aspecto. Reconhecemos que o olhar que direcionamos para os anos 1980 não só evidencia um modo de ver, uma ponte temporal entre o ‘isso foi’ (passado) e o ‘está sendo’ (presente), como igualmente indica zonas de demarcação, fronteiras que tornam a investigação possível, que situam os limites do discurso. Segundo o historiador francês Michel de Certeau (1925-1986), “o corte é o postulado da interpretação (que se constrói a partir de um presente)”, assim como “seu objeto (as divisões [que] organizam as representações a serem reinterpretadas)”, constituindo-se como “uma triagem entre o que pode ser ‘compreendido’ e o que deve ser esquecido para obter a representação de uma inteligibilidade presente”. Por isso, temos consciência da impossibilidade momentânea de abordar certos aspectos referentes aos discursos críticos da década de 1980, precisando admitir a existência de “pontos cegos” na abordagem desta pesquisa, bem como as implicações daí recorrentes (mas quem conseguiria dar conta dessa imensa diversidade?). Contudo, se Michel de Certeau tem razão ao afirmar que ao delimitarmos um objeto estamos selecionando aquilo que, por critérios vários, é passível ou não de ser apreendido pela história, acreditamos que, estejamos conscientes desse aspecto ou não, tudo o que foi (ou está sendo) excluído, tudo aquilo que precisou ser desprezado em prol de uma viabilidade acadêmica (sobretudo nas condições em que esta pesquisa se desenvolveu), “aquilo que esta nova compreensão do passado considera como não pertinente”, o que “permanece negligenciado por uma explicação”, indubitavelmente “retorna nas franjas do discurso ou nas suas falhas.”36 36 CERTEAU, Michel de. Op. Cit., pp. 15-16. 30 Aproveitamos, então, para salientar a dívida que esta pesquisa tem com duas outras análises anteriores, que também abordaram a crítica de arte brasileira na década de 1980. Por um lado, o trabalho pioneiro de Ricardo Basbaum, Considerações críticas sobre a nova pintura e alguns aspectos de sua emergência no Brasil, particularmente no Rio de Janeiro.37 Nessa investigação, o autor considerou o pensamento estético dos três principais críticos brasileiros – Frederico Morais, Roberto Pontual e Marcus de Lontra Costa (aos quais somou a atuação crítica de Jorge Guinle Filho) – que abordaram o fenômeno do ‘retorno da pintura’ nos anos 1980, procurando evidenciar algumas aproximações teóricas entre os brasileiros e o crítico italiano Achille Bonito Oliva (1939-), criador da Transvanguardia. Reconhecemos que ao entrarmos em contato com essa análise, vislumbramos pela primeira vez a possibilidade de aproximação entre os discursos críticos nacionais e internacionais, interessando-nos por aprofundar de que modo essa articulação poderia ser realizada. Por outro lado, ressaltamos a tese de doutorado La critique d'art contemporain au Brésil: parcours, enjeux et perspectives [A crítica de arte contemporânea no Brasil: percursos, apostas e perspectivas], realizada pela historiadora Monica Zielinsky, em 1998, cuja leitura nos permitiu, por contraposição metodológica, compreender melhor o enfoque desta pesquisa.38 Zielinsky inscreveu sua investigação no contexto da abordagem teórica alemã (Theodor Adorno, Walter Benjamin e Martin Heidegger), a partir do entendimento de uma continuidade entre crítica e estética, concentrando sua análise no pensamento e posições adotadas por determinados críticos do eixo Rio-São Paulo – a saber, Frederico Morais (1936-), Aracy Amaral (1930-), Annateresa Fabris e Ronaldo Brito (1949-) – durante a década de 1980 (embora tenha considerado muitos 37 BASBAUM, Ricardo. Considerações críticas sobre a nova pintura e alguns aspectos de sua emergência no Brasil, particularmente no Rio de Janeiro. 1988. 68 p. Monografia (Especialização em História da Arte e Arquitetura no Brasil) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. As ideias principais contidas nessa pesquisa foram disponibilizadas no artigo publicado na revista Gávea: _____. Pintura dos anos 80: algumas observações críticas. In: Gávea, Revista do Curso de Especialização em História da Arte e Arquitetura no Brasil, Rio de Janeiro, PUC, n. 6, 1988. 38 ZIELINSKY, Monica. La critique d'art contemporain au Brésil: parcours, enjeux et perspectives. Dir. Marc Jimenez. 1998. 407 p. Thèse de doctorat – Université Paris I / PanthéonSorbonne, Paris. 31 textos da década anterior, sobretudo os de Brito). Criticando abertamente a importância cada vez mais reduzida dada às obras de arte por parte da crítica (substituindo-se a experiência direta da obra pela imagem da experiência), assim como os discursos cada vez mais celebratórios e distantes do jornalismo cultural, a historiadora defendeu o papel desempenhado por Ronaldo Brito como ‘modelar’ para a atividade crítica, em detrimento do realizado por Frederico Morais – uma vez em que assume os ensaios de Benjamin H. D. Buchloh e Hal Foster, muitas vezes mediados por textos de seu orientador, Marc Jimenez (1946-) – como parâmetro teórico. Desse modo, nossa pesquisa se delineou e desdobrou-se em dois grandes capítulos, subdivididos a partir de núcleos temáticos mais específicos. No primeiro capítulo procuramos evidenciar como a produção teórica da arte durante os anos 1980 tendeu a desenvolver uma “consciência histórica”, a partir de uma ideia de especificidade geracional que nada mais era do que um desejo de ênfase sobre o presente. Para isso, alguns conceitos assumiram papel fundamental, como zeitgeist e geração; no Brasil, mas não excepcionalmente, o último ganhou maior destaque, devido à criação da controversa expressão ‘Geração 80’. Procuramos investigar mais detalhadamente as origens desse termo e apontar para alguns indícios de significações possíveis. A ênfase sobre o presente, por sua vez, exigiu uma manobra de diferenciação em relação ao passado mais imediato. Por isso, predominou nos discursos críticos daquela década uma relação muito forte com as décadas anteriores, seja negando a arte e a teoria do que ficou conhecido como neovanguardas, seja reforçando uma ideia de continuidade entre um período e outro. Tal dialética embasava-se numa pretensa separação entre ‘conceito’ e ‘expressão’, como se essas instâncias pudessem estar separadas na criação artística. No segundo capítulo o enfoque recaiu sobre o modo como a crítica de arte da década de 1980 abordou aspectos mais operacionais da obra de arte, sobretudo, em relação à noção de historicismo (proveniente do contexto arquitetônico), e às transformações ocorridas mediante o confronto com o arquivo imagético da história. O problema colocado pelo historicismo, conduzindo a uma crítica cultural calcada na condição do ‘pluralismo’, recaia sobre o próprio entendimento da condição da 32 vanguarda na década de 1980, frente à possibilidade de continuidade ou não do modernismo e à emergência da teoria pós-moderna. Destaca-se a influência exercida por Achille Bonito Oliva e pelos críticos da revista October, reforçando diferentes posturas e apreensões teóricas do fenômeno artístico e da prática crítica. Embora no Brasil as ideias do crítico italiano tenham sido mais representativas no período – uma vez que a abordagem proposta por October só tenha ganhado força nas décadas seguintes –, coube analisar tanto o modo como os discursos críticos se posicionaram diante das questões da época, quanto, em caráter mais prospectivo, a forma como poderiam redefinir certas leituras ou mesmo ressaltarem outros olhares para o período. Por fim, os conceitos de ‘apropriação’ e ‘alegoria’ poderiam ser apontados como parâmetros teóricos para se pensar a arte dos anos 1980 (e a das décadas seguintes), tanto do ponto de vista crítico, quanto de uma operatividade da prática artística. Nos anexos desta pesquisa há um conjunto de tabelas contendo informações referentes a importantes exposições dos ou sobre os anos 1980. O objetivo para realização das mesmas foi evidenciar dados de referência para futuras investigações, mas também possibilitar a percepção de como diferentes gerações de artistas conviveu numa mesma proposta, por um lado, ou a demarcação nítida de diferentes faixas etárias, por outro. Do mesmo modo, em conjunto, essas informações tornam possível a constatação de quais artistas foram constantes nas exposições e quais possuíam presença ocasional, bem como aqueles nomes que foram ‘recuperados’ na primeira década do século XXI. Entre a crítica internacional e a nacional, discursos migraram com a velocidade das imagens técnicas, reforçando referências diversas nos trabalhos de artistas e também em textos do período. Coube aqui, assim, redimensionar certos discursos e entendê-los em seu contexto mais imediato, a partir do ‘lugar de fala’ assumido pela ampla gama de críticos que foram considerados e analisados. Através do redimensionamento desse corpus, relativizando sua forte carga ideológica, torna-se possível refletir sobre como as problemáticas da década de 1980 contribuíram para as transformações na arte e na teoria contemporânea. Cabe ressaltar que em nenhum momento compreendeu nosso objetivo esgotar tal universo de questões, mas apenas apontar para novos indícios a 33 serem considerados a partir da reconfiguração das fontes primárias referentes aos discursos críticos da década de 1980. Fato é que ainda há muito por se fazer. 34 1 A construção de uma consciência histórica na produção teórica da arte durante os anos 1980: em busca da especificidade de uma geração Por que evidenciar uma compreensão específica do presente e, a partir disso, caracterizar um período como um todo? Que conceitos e procedimentos auxiliaram críticos e curadores na tentativa de construção de uma (possível) identidade histórica para os anos 1980? Como se constituiu a relação entre produção artística e contexto sociopolítico nos textos críticos da época? Quais relações foram estabelecidas com a crítica e com a arte produzida nas décadas anteriores? De que modo e com qual intensidade desenvolveram-se algumas das principais estratégias discursivas da crítica de arte naquele momento? *** A década de 1980 pode ser compreendida, no âmbito da produção teórica relacionada às artes visuais e à cultura, como um período fortemente marcado tanto por uma consciência da história (voltando-se para o passado, imediato ou distante) quanto por um esforço deliberado, volitivo, em estabelecer uma distinção histórica (voltando-se para si mesmo, para o aqui e o agora). Ou seja, torna-se possível identificar nos textos críticos daquele período, para além da diversidade de referências teóricas e contextuais, certos posicionamentos mais ou menos similares em relação a uma abordagem mais operacional da história da arte, somada a outros grupos de natureza imagética, como cultura de massas, arte popular, televisão, cinema, imagens técnicas em geral, etc., que passaram, em conjunto, a ser considerados como um grande arquivo, um “reservatório” onde todas as visualidades e estilos estariam sincronicamente disponíveis para os artistas, ao mesmo tempo em que a pluralidade daí decorrente veio a ser entendida por esses teóricos como uma espécie de “contemporaneidade ideal”, constituindo assim uma das características identitárias mais significativas da época. Nesse sentido, trata-se de 35 um período em que é possível constatar deslocamentos temporais inversos e simultâneos: por um lado, o presente tende a definir um modo especial de apreender o passado; por outro, o passado fornece parâmetros para estruturar uma percepção determinada do presente. Por meio dessas frequentes movimentações estratégicas, então, sobressai-se em muitos dos discursos críticos da década de 1980 um persistente desejo de diferenciação, mediante uma condição contextual que, numa primeira leitura, poderia ser aparentemente entendida – e de modo ambíguo – como manifestação sintomática de um ecletismo crônico, de uma tendência revivalista demasiadamente diversificada e generalizada. Com o propósito de reforçar essa percepção específica de uma identidade histórica, alguns críticos e curadores atuantes no período recorreram a conceitos provenientes de outros campos do saber (muitos deles já impregnados de conteúdos e de acepção historiográfica), dos quais “zeitgeist” e “geração” podem ser vistos como os mais emblemáticos. Na conjuntura internacional – com certas reverberações nos discursos produzidos no Brasil – o termo zeitgeist foi utilizado na primeira metade da década para sinalizar a preponderância de questões similares na arte produzida em diferentes partes do globo, sobretudo, relacionadas à presença e à grande repercussão alcançada pela produção pictórica figurativa de caráter expressivo nos principais circuitos do meio de arte. O conceito de geração, por sua vez, também foi empregado para elucidar essa regularidade, salientando não só a manifestação de um “espírito da época” (de modo indireto), mas também o conjunto de experiências afins vivenciadas pelos jovens artistas da década de 1980, por compartilharem um período de nascimento mais ou menos próximo em relação àqueles que haviam começado a produzir arte nas décadas anteriores. Este último conceito, em particular, encontrou grande representatividade no Brasil, ao constituir o termo Geração 80, o qual, sem que haja consenso em relação a seu uso nem o entendimento comum de sua significação e abrangência, acabou sendo assimilado como uma hábil “etiqueta” da história da arte contemporânea nacional. Nem sempre limitados a uma simples referência contextual para a produção artística, fatos e conjunturas políticas, e mesmo questões de caráter social, constituíram- 36 se como elementos essenciais em muitas análises críticas produzidas nos anos 1980. Desse modo, a política neoliberal, de cunho conservador, dos governos de Ronald Reagan (1911-2004), nos Estados Unidos, e Margaret Thatcher (1925-), no Reino Unido, foi vista por alguns analistas – em geral, críticos de arte de origem anglosaxônica – como um dos sintomas mais influentes para as mudanças (nem sempre consideradas positivas) ocorridas no meio de arte, assim como a queda do Muro de Berlim, a falência do mundo soviético – naquele contexto, sem considerar adequadamente os problemas que decorreriam da Guerra Fria, sobretudo no Oriente Médio, por ainda estarem em ‘fase de gestação’ – e o declínio das ditaduras no mundo ibérico e em diversos países da América Latina, contribuíram politicamente para promover a reconfiguração do planeta em direção a um modelo global e, com isso, inaugurar um novo capítulo da história mundial recente. No Brasil, como exemplo dessa relação entre artes visuais e momento político, tornou-se recorrente nos textos da época (e mesmo atualmente) considerar a arte produzida na década de 1980 como um dos frutos do processo de redemocratização pelo qual passava o país, iniciando também, a nossa maneira, um novo capítulo da história local. Contudo, se na produção de arte do período é quase sempre difícil encontrar evidências visuais e/ou conceituais que correspondam direta e explicitamente às transformações geopolíticas e sociais nas esferas nacional e mundial, isso não quer dizer que artistas, críticos e curadores não tenham se envolvido, a seu modo, com questões políticas naquele momento. Além do uso deliberado de termos como “zeitgeist” e “geração” para definir uma especificidade para a década de 1980, ou de uma potencialização do presente através da referência direta ao contexto sociopolítico, a caracterização histórica do período também se constituiu a partir da dialética estabelecida com seu passado mais imediato, ou seja, frente aos discursos e práticas artísticas dos anos 1960 e 1970. Se para muitos artistas e críticos era necessário e urgente enfrentar o legado conceitual, político e experimental que caracterizou o período precedente, indicando um reposicionamento no campo da cultura e da política das artes, uma grande parcela da crítica de arte, por outro lado, defendeu a negação dessas mesmas práticas, vistas como herméticas e demasiadamente cerebrais, embasando seus textos e comentários em intensas oposições, como “conceito” versus “expressão”, e a partir daí comemorando o 37 fato de que com a produção artística dos anos 1980 a arte havia novamente entrado nos trilhos de sua inevitabilidade histórica. Outro aspecto importante encontrava-se na reivindicação de uma imprescindível revisão crítica da história da arte recente, mediante o confronto com certos discursos, em sua maior parte provenientes ou indiretamente relacionados à Teoria Modernista, cuja repercussão assegurava a preponderância de determinadas leituras historiográficas da arte moderna, não só valorizando certas tendências estéticas em detrimento de outras, mas igualmente salientando a preponderância, a partir do pós-guerra, da arte produzida nos Estados Unidos em relação ao que vinha ocorrendo no contexto europeu. Desse modo, torna-se perceptível que a noção de identidade estabelecida na década de 1980 esteve implicitamente atrelada à posição crítica que artistas, teóricos e curadores procuraram assumir frente ao amplo legado dos anos 1960/1970. No entanto, se o conjunto de discursos críticos do decênio apresenta-se quase sempre de modo esparso, fragmentário e contraditório, dificultando, ou mesmo recusando, qualquer tentativa de identificação de um suposto “projeto histórico” que pudesse vir a permeá-lo, é preciso considerar (e não menos lembrar), de modo geral, que a experiência do passado não só estabelece uma percepção mais condicionada do presente (corroborando para a percepção de uma “importância histórica”), como também é capaz de gerar expectativas, possibilidades de futuro, de novos caminhos para a arte e a cultura como um todo, caracterizando assim uma dimensão algo projetual. Desse modo, na análise da relação existente entre passado e presente – um dos aspectos atenciosamente considerados nesta investigação –, não é possível negligenciar nos discursos analisados as reverberações ocasionadas por uma dimensão futura em latência. Daí podermos recorrer às categorias de “experiência” e “expectativa”, do modo como sugeriu o historiador alemão Reinhardt Koselleck (1923-2006), como referências para nos orientar no propósito de analisar o modo como o tempo histórico foi vivenciado por aqueles que atuaram num momento específico, assim como os processos de manutenção, transformação e dispersão dos discursos referentes à apreensão teórica da arte contemporânea durante a década de 1980. Koselleck salienta que A experiência é o passado atual, aquele no qual acontecimentos foram incorporados e podem ser lembrados. Na experiência se fundem tanto a elaboração racional quanto as 38 formas inconscientes de comportamento, que não estão mais, ou que não precisam mais estar presentes no conhecimento. Além disso, na experiência de cada um, transmitida por gerações e instituições, sempre está contida e é conservada uma experiência alheia. (...) Algo semelhante se pode dizer da expectativa: também ela é ao mesmo tempo ligada à pessoa e ao interpessoal, também a expectativa se realiza no hoje, é futuro presente, voltado para o ainda-não, para o não experimentado, para o que apenas pode ser previsto. Esperança e medo, desejo e vontade, a inquietude, mas também a análise racional, a visão receptiva ou a curiosidade fazem parte da expectativa e a constituem.1 Pode-se constatar no conjunto de discursos da década de 1980, desse modo, que a recorrência ao uso das mais diversas experiências acumuladas do passado, constituintes da cultura, em níveis pessoal, comunitário, nacional ou global (‘ocidental’, para sermos mais precisos), reforçou-se a partir do momento em que esse amplo repertório (neste caso, não só de imagens, mas também de informações, pontos de vista, comentários, conceitos, teorias, etc.) passou a se apresentar de modo aglomerado (como num arquivo), formando “um todo em que muitos estratos de tempos anteriores estão simultaneamente presentes, sem que haja referência a um antes e um depois.” Por outro lado, as presumíveis perspectivas futuras que decorreriam da relação estabelecida com esse inventário extrapolaram qualquer possibilidade de determinismo histórico, pois “uma expectativa jamais pode ser deduzida totalmente da experiência”.2 É nesse entredeux experiência-expectativa, então, que se evidenciam os processos pelos quais é possível verificar a permanência, incompatibilidade, apropriação e migração dos discursos, através de manobras para promover a manutenção tanto do “já-dito” como do “não dito” (conservação das experiências), mas também as fissuras pelos quais surgem 1 KOSELLECK, Reinhardt. “Espaço de experiência” e “horizonte de expectativa”: duas categorias históricas [1975]. In: _____. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos [1979]. Tradução de Wilma Patrícia Maas e Carlos Almeida Pereira. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. da PUC-Rio, 2006, pp. 309-310. Importante salientar que enquanto “conceitos” estão ligados à linguagem das fontes (como no caso do termo “experiência” para a arte dos anos 1970 ou “geração” para a de 1980), “categorias” são definidas posteriormente e estão ligadas à teoria da história. Para Koselleck, o emprego cotidiano das expressões experiência e expectativa não transmite em si uma realidade histórica, o que ocorre somente quando estas passam a constituir categorias, entrelaçando, desse modo, passado e futuro. 2 Não se trata de uma relação determinada de causa e efeito: o futuro histórico nunca é a simples decorrência do passado histórico. “Apesar de se relacionarem”, experiência e expectativa “não são conceitos simétricos complementares, que coordenem passado e futuro como se fossem imagens especulares recíprocas. (...) Uma experiência, uma vez feita, está completa na medida em que suas causas são passadas, ao passo que a experiência futura, antecipada como expectativa, se decompõe em uma infinidade de momentos temporais.” Ibid., pp. 310-311. 39 os enunciados e estabelecem-se novos discursos (expectativas capazes de gerar transformação e assim constituir novas experiências). Torna-se possível, afinal, analisar a década de 1980 através do modo como passado e futuro entrelaçaram-se no momento mesmo em que fatos e discursos assumiram uma dimensão pública, permitindo a nós, posicionados já a uma distância considerável de nosso objeto, uma compreensão de como esse período, através de seus textos, foi capaz não só de ver a arte, mas também de pensar a si mesmo. 1.1 A identidade histórica proclamada da década: o sentimento de Zeitgeist Mais do que o simbólico 1984 de George Orwell (1903-1950) poderia efetivamente representar em termos políticos naquela ocasião, o ano de 1982 pareceu aludir a um momento-chave para a produção e a recepção crítica das artes visuais na primeira metade da década de 1980. Se Orwell pretendeu compor uma perspectiva futura condicionada por uma apreensão temerosa do presente (mesmo que por um viés ficcional) – descrevendo um mundo em que as experiências de 1948 o induziram a acreditar numa probabilidade de seu devir, mas que em realidade não se concretizou –, ao contrário, em 1982, não houve nenhuma tentativa consubstancial em prever como deveria ser a arte produzida quatro décadas à frente, mas sim a intenção em estabelecer uma espécie de caracterização histórica para o período como um todo, a partir da verificação de certas propensões na produção artística contemporânea. Tanto a Bienal de Veneza quanto a Documenta de Kassel, duas das grandes exposições intermitentes mais importantes para a conjuntura da arte no século XX, haviam incluído em seus projetos curatoriais, nas edições de 1980 e de 1982, respectivamente, mapeamentos da produção pictórica recente, a qual, desde a segunda 40 metade dos anos 1970, vinha conquistando um número cada vez maior de adeptos.3 Enquanto em Veneza, sua abordagem esteve restrita à esfera mais específica de uma mostra especial, sob o sugestivo título de Aperto ’80 [Abertura 80], em Kassel, na Documenta 7, o direcionamento assumido pelo curador geral, o holandês Rudi Fuchs (1942-), deu maior ênfase ao fenômeno de retomada da produção pictórica, o que não só reforçou a importância que essa tendência já encontrava no meio internacional de artes visuais, como também colaborou consideravelmente para intensificar os posicionamentos críticos assumidos em defesa ou em oposição à “nova” pintura. Esse debate bastante polarizado contribuiu, por sua vez, para redimensionar uma reivindicada (re)avaliação histórica em curso, cuja peculiaridade encontrava-se justamente na análise a partir da adoção tanto de um ponto de vista atualizado (tendo o presente como parâmetro) quanto de uma posição política mais bem delineada para o meio de arte (por mais particular que fosse o sentido de “político” nesse contexto). Foi numa exposição organizada em Berlim ocidental, no final do ano de 1982, englobando artistas de diferentes origens – alemães, italianos, franceses, britânicos e norte-americanos, entre outras nacionalidades –, como anteriormente já havia ocorrido em Veneza e em Kassel, que esse “projeto crítico historiográfico” tornou-se mais evidente, sobretudo, quando a mostra berlinense recebeu o título de Zeitgeist, ou “espírito da época”4. 3 “Essa nova pintura, que parece indicar, finalmente, o tão esperado estilo dos anos 80, deverá predominar nas duas exposições internacionais mais importantes, a Bienal de Veneza e a Documenta de Kassel, que serão inauguradas respectivamente nos dias 9 e 19 deste mês.” MORAIS, Frederico. A transvanguarda, último grito vital, vive entre a comédia e o drama. In: O Globo, Rio de Janeiro, 2 junho 1982; FERREIRA, Glória (org.). Daniel Senise: cronologia crítica. In: Vai que nós levamos as partes que te faltam: Daniel Senise. São Paulo: Pinacoteca do Estado de São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2011, p. 166. [Grifo nosso] Em verdade, foi na 39ª Bienal de Veneza, realizada dois anos antes [1980], que pintores italianos, alemães e norte-americanos receberam destaque na mostra Aperto ‘80, com curadoria de Achille Bonito Oliva (1939-) e Harald Szeemann (1933-2005). A iniciativa inédita, especialmente voltada para a jovem produção (dita “arte emergente”), foi retomada, com razoável sucesso, nas edições seguintes. 4 A origem do termo Zeitgeist remontaria ao filósofo alemão Johann Gottfried Herder (17441803), que em 1769, ao escrever uma crítica ao trabalho Genius seculi do filólogo Christian Adolph Klotz (1738-1771), introduziu a palavra na língua alemã (do latim genius – “espírito guardião” e seculi – “do século”). Entretanto, é a partir da obra Filosofia da História [1837] de G. W. F. Hegel (1770-1831) que o conceito passou a ter maior repercussão, compreendendo o clima e o ambiente geral (cultural, intelectual, ético, espiritual, social, político, etc.) de uma época, em decorrência do conjunto de todo conhecimento humano acumulado naquele momento específico da história. Além de “espírito da época”, o termo é também eventualmente traduzido como “espírito do tempo”. 41 1.1.1 O papel das grandes exposições internacionais do início da década na constituição de um “espírito da época” De certo modo, iniciar uma análise da apreensão teórica da arte produzida nos anos 1980 a partir da 39ª Bienal de Veneza é admitir uma escolha metodologicamente estratégica, tanto pelo fato de a mesma ter sido a primeira das grandes mostras realizadas na década em questão, quanto pela evidência de que justamente numa exposição cujo projeto curatorial propunha-se a constituir um olhar retrospectivo para a arte dos anos 1970 – “Le Arti Visive”5 –, nascia a ideia (e o desejo) de apresentar, em caráter prospectivo, um mapeamento da produção de arte do novo período que apenas se iniciava. Desse modo, ao elegerem a jovem pintura italiana como ponto de referência para a seleção, aproximando-a da produção pictórica de artistas norte-americanos e alemães, os curadores responsáveis pela mostra Aperto ’80 (ver Anexos II), o italiano Achille Bonito Oliva (1939-) e o suíço Harald Szeemann (1933-2005), procuraram evidenciar uma projeção para o futuro, para o que imaginavam que pudesse vir a ser a arte produzida na década de 1980, quando, em verdade, estavam também insinuando uma “orientação”, reforçando uma tendência, que gradualmente alcançaria maior notoriedade no meio mundial de arte contemporânea. Para Bonito Oliva, cuja exposição constituiu uma oportunidade para ampliar a divulgação de seu projeto teórico-crítico pessoal, nomeado Transvanguardia italiana, a arte produzida naquele momento não se dispunha mais à experimentação de novas técnicas e materiais, aspectos caros à tradição da vanguarda, argumentando que, com isso, o exercício “inatual” da pintura, comentário recorrente entre artistas e teóricos dos anos 1960 e 1970, era agora substituído por sua prática “atual”, mais próxima da 5 O projeto curatorial objetivava “reconstruir a complexa história de mudanças da última década e caracterizar, numa dimensão tanto analítica quanto projetual, a sequência histórica constituída a partir dos anos setenta, em comparação com os anos sessenta, com uma cronologia que varia obviamente de país para país e de experiência para experiência, na Europa e nos outros continentes, com uma atenção particular para os países emergentes.” CARLUCCIO, Luigi. Le Arti Visive. In: La Biennale di Venezia: settore arti visivi ‘80. Catalogo Generale 1980. Milano: Electra, 1980, p. 9. Tradução livre do autor, a partir do original em italiano. 42 tecnologia e da relação assumida com a disseminação de imagens através dos meios técnicos. Para Szeemann – que já havia organizado importantes mostras em torno da produção experimental das décadas precedentes, entre elas When Attitudes Become Form: works, concepts, processes, situations, information (Bern, 1969) e Documenta 5: Questioning Reality - Image Word Today (Kassel, 1972) –, havia nesse novo contexto artístico um claro retorno a conteúdos outrora reprimidos. Porém, se, por um lado, a arte produzida pelos jovens pintores era liberta e desenvolta, por outro, não possuía mais o caráter revolucionário que havia caracterizado a arte do início da década de 1970, sendo possível constatar a reconsolidação do triângulo ‘ateliê-galeria-coleção’, anteriormente condenado e combatido por muitos artistas. Embora delimitar uma prospecção da arte recente, tomando como único parâmetro a produção pictórica, pudesse aparentemente gerar uma grande polêmica, a repercussão crítica de Aperto ’80 foi bastante inexpressiva e localizada se comparada com a que ocorreu a partir da proposta da Documenta 7 (ver Anexos II), realizada dois anos mais tarde.6 O que havia em comum entre a mostra especial de Veneza e a exposição de Kassel como um todo é que ambas voltavam a ressaltar a dignidade e autonomia do objeto de arte per se, recusando o foco sobre o papel social da arte, caro ao entusiasmo utópico/político dos anos 1960 e 1970. O curador Rudi Fuchs objetivava organizar uma exposição que transmitisse certa “tranquilidade”, que “falasse por ela mesma”; por isso, diferentemente das mostras anteriores realizadas em Kassel, evitou definir um tema preciso e mesmo um parâmetro teórico geral, um programa claro que norteasse a escolha dos artistas e das obras. Sendo a primeira Documenta a ocupar o recém-reconstruído Fridericianum, o mais antigo museu da Alemanha – que havia sido 6 Poderíamos citar como exceção a breve crítica publicada na revista francesa Art Press: “Pois, enfim, os flagrantes preconceitos manifestos na seleção intitulada Aperto ‘80 podem nos irritar por seu aparente chauvinismo. Esse medíocre expressionismo ítalo-americano-helvético, derivado de uma Pattern Painting não muito inspirada, corresponde realmente à situação atual da arte, situação em que a França não assume qualquer papel? Se se tratasse de uma pequena exposição, organizada em alguma subprefeitura, poderia-se rir das manobras que levaram a tais resultados, mas tratando-se de uma manifestação com esse renome, deve-se questionar as instâncias dirigentes da Bienal, não só no que diz respeito ao papel aqui desempenhado pelas galerias, mas também, e, sobretudo, pelos críticos cujo poder e autoridade – exorbitantes – parecem fora de proporção com sua função.” NURIDSANY, Michel. Coul d’œil sur Venise. In: Art Press, n. 39, p. 24, juillet-août 1980. Tradução livre do autor, a partir do original em francês. [Grifo nosso] 43 bombardeado durante a Segunda Guerra –, apresentou-se como uma exposição que se centrava na habilidade do curador em organizar espacial e museologicamente a distribuição e a relação discursiva entre as obras, em sua maior parte pinturas e esculturas, no que a princípio seria um projeto refratário a toda tentativa de teorização, mas que de certo modo encontrava-se em sintonia com o pensamento pós-moderno, em voga em muitos círculos intelectuais naquela época. Il. 16 – Cartaz da Documenta 7 Il. 17 – Fachada do Fridericianum, com o trabalho 7000 Oaks, de Joseph Beuys, durante a Documenta 7 Vista, enfim, como uma exposição tensionada entre o “curador” e o “mercado”7, muitas críticas endereçadas à Documenta 7 evidenciaram sua suposta adequação à política neoconservadora, de viés econômico neoliberal, defensora da moral e dos bons costumes, que caracterizou os governos de Ronald Reagan (1911-2004) nos Estados Unidos e de Margaret Thatcher (1925-) no Reino Unido, durante toda a década de 7 “Documenta 7 é também e sobretudo a amostragem perfeita de certa visão de arte contemporânea, tal como a entendem a maior parte dos conservadores [de museu] europeus de hoje, que finalmente só são ‘profissionais’, e nem sempre, na qualidade de pendurar [quadros]. Essa história da arte contemporânea feita em Kassel, Veneza ou Nova York é, por fim, a que é proposta pelas galerias mais poderosas, essa que certas revistas, no decurso das modas, não cessam de falar. (...) Documenta 7, uma reunião perdida, porque não esperávamos dessa exposição que fosse o viés de Rudi Fuchs e do mercado (um viés bem agenciado, de resto), mas muito mais um panorama sobre esses vinte últimos anos de criação nos países industrializados, um panorama que permitisse ao público escolher, pois este também é capaz de escolher quando os conservadores [de museu] se apagam, sabendo dominar suas tentações para as demonstrações peremptórias, para assim dar [ao público] os meios.” JOPPOLO, Giovanni. Documenta 7: le rendez-vous manque. In: Opus International, n. 87, p. 34, hiver 83. Tradução livre do autor, a partir do original em francês. [Grifo nosso] 44 1980.8 O próprio modo pelo qual Fuchs referia-se à Documenta, como uma instituição que evocava uma “sedutora tradição de gosto e discriminação”, possuidora de um indiscutível “nome honorável”, colaborou para reforçar esse tipo de relação crítica entre a produção artística e o meio sociopolítico.9 Segundo o crítico alemão Benjamin H. D. Buchloh (1941-), por exemplo, “tanto por suas inclusões quanto por suas omissões, a política de seleção da Documenta 7 constituiu uma disposição sintomática de tolerância repressiva e uma forma intensificada de amnésia, no que diz respeito a condições históricas reais.”10 Nisso reforçava que o problema principal da exposição encontrava-se na ausência de claras perspectivas metodológicas e históricas, instâncias que de fato pudessem instituir uma dimensão crítica para aquele evento, mediante a comparação e a relevância alcançada pela Documenta 5, ocorrida dez anos antes, em que Harald Szeemann havia realizado um mapeamento das pesquisas mais ousadas na produção artística contemporânea. Ao evidenciar uma retomada das categorias de belas-artes – pintura e escultura – e um agnosticismo metodológico – através da influência não 8 Margaret Thatcher foi eleita líder do Partido Conservador em 1975 e, quatro anos mais tarde, tornou-se a primeira mulher a assumir o posto de primeira-ministra do Reino Unido, ficando no cargo entre 1979 e 1990. Por suas posturas inflexíveis, recebeu o apelido de “Dama de Ferro” (Iron Lady), tendo caracterizado seu governo pela adoção de um modelo neoliberalista: corte drástico dos serviços públicos, privatização de empresas estatais, redução da taxa de inflação, elevação da produtividade industrial, crescimento da pobreza e combate ao sindicalismo. Ronald Reagan, por sua vez, tornou-se presidente dos Estados Unidos, pelo Partido Republicano, em 1981, e, mediante reeleição, permaneceu no governo até 1989. Sua política de recuperação econômica, também de forte viés neoliberalista, incluiu medidas de desregulamentação e cortes de impostos, acompanhada por forte militarização e intenso combate ao comunismo internacional, sobretudo no início de seu mandato, assumindo mais tarde um importante papel na negociação do fim da Guerra Fria com o russo Mikhail Gorbachev (1931-), secretário geral do Partido Comunista Soviético (de 1985 a 1991). Helmut Kohl (1930-), chanceler da Alemanha Ocidental, eleito indiretamente em 1982, orientou-se a partir das políticas de Thatcher e Reagan, tornando-se personagem central no processo de integração da República Democrática Alemã e da República Federal da Alemanha, em 1990. Permaneceu no governo unificado até 1998. 9 FUCHS, Rudi. Documenta 7. Vol. 1. Kassel: Verlag und Gesamtherstellung, 1982, p. XV. Tradução livre do autor, a partir do original em inglês. Disponível em língua francesa (tradução de Frédéric Lemonnier) em: BLISTÈNE, Bernard; DAVID, Catherine; PACQUEMENT, Alfred (ed.). L’époque, la mode, la morale, la passion: aspects de l’art d’aujourd’hui, 1977-1987. Paris: Centre Georges Pompidou, Musée National d’art moderne, 1987, pp. 434-435. 10 BUCHLOH, Benjamin H. D. Documenta 7: A Dictionary of Received Ideas. In: October, n. 22, p. 104, Autumn 1982. Tradução livre do autor, a partir do original em inglês. Disponível em língua francesa (tradução de Claude Gintz) em: BLISTÈNE, Bernard; DAVID, Catherine; PACQUEMENT, Alfred (ed.). L’époque, la mode, la morale, la passion: aspects de l’art d’aujourd’hui, 1977-1987. Op. cit., p. 442. 45 admitida da teoria pós-moderna – a Documenta 7 representava para Buchloh a tentativa de uma dupla restituição reacionária: seja da noção de autonomia da obra de arte, compreendida como universal e intemporal, seja da individualidade criadora do artista, ambas instâncias concebidas como bases de uma cultura elitista.11 Concluía, então, afirmando que os discursos e visões de Fuchs estavam ancorados numa forte ideologia, completamente emergidos na abrangência de um expressivo/repressivo zeitgeist. No ano anterior, Buchloh faria a primeira e mais contundente crítica à retomada da pintura figurativa. No ensaio Figures of Authority, Ciphers of Regression: Notes on the Return of Representation in European Painting [Figuras de autoridade, cifras de regressão: notas sobre o retorno da representação na pintura europeia], inédito em língua portuguesa, comparou o retorno aos modos tradicionais de representação no final dos anos 1970 e início dos 1980 a um fenômeno histórico similar, ocorrido em 1915, conhecido como retour à l’ordre. A principal questão levantada pelo crítico referia-se justamente aos possíveis motivos que conduziram a arte moderna, após as experiências radicais do ready-made de Marcel Duchamp e do Quadrado Preto de Kasimir Malevitch, ao predomínio generalizado de uma posição regressiva, a partir da segunda década do século XX, do mesmo modo que, após as experiências igualmente radicais das neovanguardas, presenciava-se naquele momento um tipo de arte que parecia obliterar o passado mais imediato. Buchloh afirmava que o fenômeno de retorno à ordem – evidente na idealização dos monumentos e mestres do passado, bem como no estabelecimento de uma ortodoxia estética – era um sintoma da repressão decorrente de sistemas políticos totalitários, tais como o nazismo e o fascismo, uma vez que esses 11 “Na obsessão do cineasta em ser levado a sério como artista, ao mesmo tempo em que lucra com o sucesso midiático atual, brinca com o fascismo, sob o disfarce da introspecção histórica; na necessidade do diretor da exposição em mostrar os emblemas do elegante gosto pelo proibido, juntamente com seu desejo de tornar o historicamente inaceitável em bom gosto – nisso o colapso dos critérios estéticos modernistas, que permearam a exposição como um todo, revelou suas implicações para o futuro: o conflito entre as formas da cultura de massas – que aparecem como totalidades sem costuras no interior do qual se constitui o sujeito individual – e as práticas estéticas de artistas individuais – que abrem uma dimensão de negatividade crítica –, não pode ser resolvido pelas instituições sociais que apoiam e contêm a prática estética. Falta-lhes a resistência crítica, muito menos a consciência política, e sob a pressão da crise, produzirão para qualquer sistema de representação e método de difusão que seja necessário ao desmantelamento ideologicamente organizado do modernismo.” Ibid., p. 117; Ibid., p. 444. [Grifos nossos] Tradução livre do autor, a partir do original em inglês. 46 regimes defendiam a retomada ostensiva da representação de cunho tradicional, considerando-se o que ocorreu na Itália, com a Pintura Metafísica, na Alemanha, com a Neue Sachlichkeit, e na Rússia stalinista, com o realismo socialista. Assim: A questão que agora se coloca é saber em que medida a redescoberta e a recapitulação desses modos de representação figurativa na atual pintura europeia refletem e desmantelam o impacto ideológico do autoritarismo crescente, ou até que ponto eles simplesmente se entregam e colhem os benefícios dessa cada vez mais evidente prática política, ou, ainda pior, até que ponto eles cinicamente geram um clima cultural de autoritarismo, para nos familiarizar com as realidades políticas que virão.12 Através da insinuação de que a emergência da pintura figurativa na Itália e na Alemanha poderia ser o prenúncio de uma retomada fascista, Benjamin Buchloh não hesitou em afirmar a inevitabilidade da “repetição histórica”, reforçando desse modo que tendências artísticas deveriam ser analisadas num contexto mais amplo, para além dos limites do discurso estético. Ao reforçar, em seguida, que a questão crucial encontrava-se na transformação da produção estética (naquilo que ela possui de mais subversivo) em mera mercadoria – deslocando a discussão de um viés político para outro econômico –, o crítico entendia que a recorrência ao estilo e às citações históricas na nova pintura escondia, em verdade, uma postura alienada diante da história, justificável pelo amplo retorno do reprimido (ascensão de formas vistas como decadentes e esteticamente inferiores). As exposições dedicadas à nova pintura, afinal, nada mais faziam do que difundir uma espécie de produção contemporânea “retrógrada”, cuja falsa novidade “consistia precisamente em sua disponibilidade histórica”, e não tanto “numa real inovação na prática artística.”13 Esse convencionalismo artístico-ideológico ficaria evidente tanto na ênfase dada à noção do herói (à figura masculina sublimadora), quanto na constante afirmação de uma 12 “Com relação ao ecletismo histórico, a congruência entre os neoclássicos da década de 1920 e a figuração contemporânea é ainda mais surpreendente. Acrobacias intelectuais são necessárias para fazer com que uma postura ideológica pareça com uma necessidade histórica orgânica, em oposição a uma construção determinada por fatores sociais e políticos extremos.” Id. Figures of Authority, Ciphers of Regression: Notes on the Return of Representation in European Painting. In: October, n. 26, pp. 40 e 52, Spring 1981. Tradução livre do autor, a partir do original em inglês. Disponível na versão francesa, em: Id. Essais histotiques I: art moderne. Traduit de l’anglais par Claude Gintz. Villeurbanne: Art édition, 1992, pp. 17 e 33. 13 Ibid., p. 55; Ibid., p. 43. Tradução livre do autor, a partir do original em inglês. 47 identidade cultural nacional (busca pelas raízes locais), deixando flagrante a tentativa de adequação da produção contemporânea aos interesses sociopolíticos vigentes. Buchloh cita como exemplo o caso do expressionismo alemão, contemplado com o estatuto de ‘tesouro nacional’, em detrimento do movimento Dadá de Berlim (que teria sido recalcado pela história). A partir daí, faz o diagnóstico: A geração contemporânea de neoexpressionistas – agora com seus quarenta anos – formou-se durante este período [após a Segunda Guerra Mundial], a partir de artistas que só recentemente aprenderam as lições do automatismo pós-surrealista representado pela “arte informal” e pelo expressionismo abstrato. Os primeiros “escândalos” individuais da geração atual ocorreram no início dos anos sessenta, quando ela “ousou” reintroduzir a figuração, o gestual altamente expressivo e a qualidade cromática em sua arte. Sua “coragem” consistiu precisamente em comprometer-se com o mito emergente do patrimônio cultural e da identidade nacional alemã, através da adoção do papel tradicional do artista e da ignorância intencional ou da rejeição de todos os desenvolvimentos estéticos, epistemológicos e filosóficos das primeiras duas décadas do século.14 Considerando então os desenvolvimentos do neoexpressionismo como um programa ideológico, que em suma objetivava suplantar a dominação norte-americana na Alemanha Ocidental (a vigência de um estilo estrangeiro), Buchloh afirmaria que a primeira etapa para implementação da nova arte alemã correspondeu ao regresso à pintura de cavalete, sacrificando interesses individuais, bem como qualquer referência a práticas contestatórias à pintura nas vanguardas do início do século. “O segundo passo consistiu na conversão das diversas atividades idiossincráticas dos artistas em um estilo neoexpressionista homogêneo”, com a intenção de que fosse institucionalizado, a partir de um conjunto de manobras do mercado e dos museus (tais como continuidade histórica, inserção internacional, presença marcante de porta-vozes do movimento).15 Por fim, o desconhecimento das mudanças radicais ocorridas em outros domínios do saber, tanto quanto a falta de reflexão metodológica, revelariam a inabilidade dos críticos que se dedicavam à pintura figurativa, uma vez que a “ausência de 14 15 Ibid., p. 62; Ibid., p. 53. Tradução livre do autor, a partir do original em inglês. “Quando uma arte que enfatiza a identidade nacional tenta entrar no sistema de circulação internacional, os clichês históricos e geopolíticos mais desgastados precisam ser empregados.” Ibid., pp. 64-65; Ibid., pp. 56 e 58. Tradução livre do autor, a partir do original em inglês. 48 complexidade formal e histórica das obras desses pintores” contribuía para que houvesse uma recusa à análise crítica propriamente dita (convertendo a crítica numa linguagem estereotipada). Merece destaque, nesse sentido, a “linguagem explicitamente protofascista de um crítico italiano”16, modo como Buchloh se referia a Achille Bonito Oliva. Estava dado o tom dos discursos críticos contrários à emergência da produção pictórica no início da década de 1980. 1.1.2 O projeto político-estético de Zeitgeist Eleger Zeitgeist (ver Anexos II) como título para uma exposição, diferentemente da opção de Fuchs em não definir um tema específico para sua Documenta, certamente implicava muito mais do que apenas expor um conjunto de obras num determinado espaço: o Martin-Gropius Bau, antigo palazzo construído no final do século XIX para abrigar exposições referentes ao comércio e à cultura internacionais, que assim como o Fridericianum, fora bombardeado durante a Segunda Guerra, e naquele momento encontrava-se parcialmente restaurado. Tratava-se, afinal, de uma designação estratégica e ao mesmo tempo sintomática. Seus curadores Christo M. Joachimides (1932-) e Norman Rosenthal (1944-) já haviam organizado, juntamente com Nicholas 16 Ibid., p. 66; Ibid., p. 59. Tradução livre do autor, a partir do original em inglês. O crítico brasileiro Ronaldo Brito (1949-) escreveria em 1980 (antes da publicação do texto de Benjamin Buchloh): “Mais do que nunca, aparece agora o caráter regressivo e reacionário da arte pretensamente a-histórica: um trabalho atual que tenta passar por cima de sua história enquanto objeto de arte perpetra uma delicada violência fascista – se oferece candidamente ao consumo do imaginário dominante e para tanto procura apagar as marcas que expõe, contra a própria vontade, como produto de uma acirrada luta histórica. Trabalhos dessa ordem, trabalhos-maquiagem, formam vários segmentos do meio de arte e compõem, em conjunto, uma maquiagem para esse meio – um recanto nostálgico-decadente que finge ignorar os acontecimentos a seu redor.” BRITO, Ronaldo. O moderno e o contemporâneo (o novo e o outro novo) [1980]. In: Arte brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Funarte, 1980. (Caderno de Textos, 1); BASBAUM, Ricardo (org.). Arte brasileira contemporânea: texturas, dicções, ficções, estratégias. Op. cit., p. 212; LIMA, Sueli de (org.). Experiência crítica – textos selecionados: Ronaldo Brito. Op. cit., p. 85. [Grifos nossos] 49 Serota (1946-), no ano anterior, a mostra A New Spirit in Painting, na Royal Academy of Arts, em Londres (ver Anexos II), questionando a aparente perda de relevância que a pintura, como forma de expressão artística, teria encontrado nas décadas anteriores. No texto do catálogo da exposição londrina, Joachimides argumentava: Voltamos a nos deparar com numerosos potes de pintura nos ateliês dos artistas e é raro vermos um cavalete abandonado em uma escola de arte. Em qualquer local, seja na Europa ou nos Estados Unidos, encontramos artistas que redescobriram a alegria pura e simples de pintar. Nos ateliês, nos cafés, nos bares, em qualquer lugar onde se reúnem os artistas ou os estudantes, ouvimos os debates e as discussões animadas sobre a pintura. Em resumo, os artistas se sentem novamente interessados pela pintura; tornouse crucial para eles; essa nova consciência da significação contemporânea da mais antiga forma de sua arte está claramente no ar, onde quer que se faça arte.17 Além da percepção de que a pintura “renascia” por intermédio de muitos artistas, em diferentes países, expressando seu novo espírito através do impulso subjetivista e da preferência pela figuração, já estar explícita na mostra de 1981, é possível igualmente identificar nesse projeto o esforço dos curadores em questionar o que para eles era uma visão histórica quase ortodoxa, instituída por meio da notabilidade alcançada por alguns críticos norte-americanos, a partir dos anos 1950. Por certo, Clement Greenberg (19091994), o mais ilustre entre esses críticos, ao defender o desenvolvimento progressivo da arte rumo à abstração, não só elaborou uma influente abordagem teleológica para a arte moderna, em detrimento de muitas das poéticas figurativas das vanguardas históricas (o surrealismo, por exemplo), como acabou reforçando nas gerações seguintes de críticos e artistas o sentimento de “universalidade” da arte produzida a partir de Nova York. Desse modo, desde o expressionismo abstrato, configurou-se o entendimento de que a arte mais avançada teria sua origem (ou então, muitos dos representantes de maior relevância) no cenário norte-americano (em movimentos como a pop, o minimalismo, a 17 JOACHIMIDES, Christos M. A new spirit in painting. In: JOACHIMIDES, Christos M.; ROSENTHAL, Norman; SEROTA, Nicholas (ed.). A New Spirit in Painting. London: Royal Academy of Arts, 1981, p. 14. [Grifos nossos] É possível consultá-lo também em versão francesa (excluídos os trechos em que as poéticas dos artistas são comentadas), In: BLISTÈNE, Bernard; DAVID, Catherine; PACQUEMENT, Alfred (ed.). L’époque, la mode, la morale, la passion: aspects de l’art d’aujourd’hui, 1977-1987. Op. Cit., p. 432-433; BISSIÈRE, Caroline; BLANCHET, Jean-Paul (ed.). Les années 80: à la surface de la peinture. Meymac: Centre d’Art Contemporain, Abbaye Saint-André, 1988, p. 214-215. O trecho da citação em língua portuguesa encontra-se em FERREIRA, Glória (org.). Daniel Senise: cronologia crítica. Tradução de Anna Luisa Araujo. Op. cit., p. 165. 50 arte conceitual, a land art, as performances, os environments, etc.), numa “virada teórica” em que a Europa – vista como berço da arte e da história da arte – era colocada em segundo plano, ao mesmo tempo em que, para muitos artistas e teóricos durante as décadas de 1960 e 1970, especialmente nos Estados Unidos, a pintura passava a ser considerada retrógrada e o ato de pintar, um verdadeiro anacronismo. Para os curadores, em contraposição, pareceu-lhes mais importante salientar naquele momento que havia uma escolha concreta e consciente pela pintura por parte de muitos artistas, fato que não poderia simplesmente ser reduzido a um “modismo”, mas reforçava o papel do artista enquanto indivíduo político, (de algum modo) engajado numa intervenção junto à história da arte, mesmo que isso acarretasse “uma batalha secreta contra a norma oficial”.18 Il. 18 a 21 – Annunciation after Titian (Verkündigung nach Tizian), Gerhard Richter, 1973, óleo sobre tela, 150cm x 200cm (cada), Hirshhorn Museum and Sculpture Garden, Washington D.C./USA. Presentes na mostra A New Spirit in Painting, na Royal Academy of Arts, Londres/Reino Unido, 1981 18 “Essa exposição apresenta uma posição em arte que visivelmente sustenta valores tradicionais, tais como criatividade individual, responsabilidade, qualidade, que põem em evidência a condição da arte contemporânea e, por associação, a sociedade em que ela é produzida. Assim, apesar de seu aparente conservadorismo, a arte aqui exposta é progressista no verdadeiro sentido do termo.” JOACHIMIDES, Christos M. A new spirit in painting. Op. cit., p. 15. Tradução livre do autor, a partir do original em inglês. 51 Em A New Spirit in Painting, Joachimides, Rosenthal e Serota pretendiam reforçar uma tendência generalizada, argumentando que a seleção de artistas e de obras não representava em si uma “profecia”, ou seja, uma previsão determinada de uma dimensão futura, mas sim uma expressiva “afirmação do presente”19, preocupação mantida, mas sensivelmente redimensionada, na exposição alemã ulterior. Zeitgeist passou a ser, então, “uma metáfora para todas as propostas artísticas” que assinalassem “profundas mudanças nas artes plásticas”, pois já não bastava apenas reconhecer a vitalidade da produção pictórica recente em si, mas, a partir da polêmica existente entre os que categoricamente rechaçavam as mudanças estéticas e aqueles que, por outro lado, proclamavam com eloquência a liberdade alcançada, era preciso enfatizar declaradamente a opção curatorial/crítica pelos artistas que, “mediante a força de seu trabalho, estabeleceram uma posição clara frente ao rígido minimalismo acadêmico”20. Desse modo, a pintura passava a ser entendida como uma disposição (e não mais como somente uma “tendência generalizada”), e sua prática, bem como sua defesa teórica, demarcavam a reação a certas limitações e condicionamentos supostamente implícitos na continuidade das poéticas reducionistas (sobretudo o minimalismo e a arte conceitual); a partir desse ponto de vista particular, tornava-se quase uma implicação considerá-la como “o” meio de expressão verdadeiro, o “estilo” da década de 1980, por ser aquele em maior consonância com o “espírito” da época.21 19 JOACHIMIDES, Christos M.; ROSENTHAL, Norman; SEROTA, Nicholas. Preface. In: Op. cit., p. 11. Tradução livre do autor, a partir do original em inglês. 20 JOACHIMIDES, Christos M. Achilles and Hector before the Walls of Troy [1982]. In: JOACHIMIDES, Christos M.; ROSENTHAL, Norman (ed.). Zeitgeist. Berlin: Fröhlich und Kaufmann, 1982; GUASCH, Anna María (ed.). Los manifiestos del arte posmoderno: textos de exposiciones, 1980-1995. Madrid: Akal, 2000, p. 18. Tradução livre do autor, a partir da versão espanhola. Embora em Zeitgeist fossem expostas pinturas e esculturas, quase todos os trabalhos tridimensionais da mostra foram realizados por artistas que tinham na pintura seu principal meio de expressão. 21 “Hegel, julgando ser impossível o homem delimitar o conhecimento em verdades eternas, defendia que inexistem verdades que não estejam diretamente vinculadas ao tempo, ao momento, ao contexto histórico de dada época.” In: SOUZA, André Peixoto de (Orient.). Para ler Hegel: aspectos introdutórios à Fenomenologia do Espírito e à teoria do reconhecimento. Linha de Pesquisa “Leitura dos Clássicos”, FCJ/UTP, 2010. Disponível em: http://www.anima-opet.com.br/pdf/anima4-Seleta%20 Externa/anima4-Andre-Peixoto.pdf 52 Il. 22 – Catálogo de Zeitgeist Il. 23 – Vista geral do pátio central do Martin-Gropius Bau, durante a exposição Zeitgeist, Berlim/Alemanha,1982 / Destaques para o trabalho Man With Briefcase, de Jonathan Borofsky, e para a instalação “Hirschdenkmäler”, de Joseph Beuys Visualizar o vídeo: http://vimeo.com/10394534 imagens da montagem da instalação) Para o crítico alemão Wolfgang Max Faust (1944-1993), em texto sobre a exposição Zeitgeist publicado na revista Artforum, a problemática essencial em torno da retomada da pintura não estava relacionada às questões do meio [medium] em si, como ficava aparente em muitos textos críticos naquele momento, mas encontrava-se de fato no debate acerca da “reorientação dos recentes problemas de legitimação em arte”, o que exigia uma reflexão mais ampla da dimensão histórica desse processo, como fica explícito no trecho seguinte: Após a legitimação complexa de novas formas e mídias ao longo dos últimos 20 anos, o retorno da pintura como um ponto focal ou rota é, em parte, uma retomada das vertentes descartadas da tradição de artes plásticas. Desde que visivelmente não precisa legitimarse como meio, a pintura parece separar-se das outras mídias, que passam por um processo [de consolidação] impressionante, quase autoritário. Essa atitude é reforçada não só pelos artistas, mas pelo mercado de arte e pelos connaisseurs, representando-a, mais uma vez como o meio, a essência absoluta da arte. Estar enterrada num esforço planejado em direção à autarquia, entretanto, é um desafio fundamental para a pintura, que resulta apenas em parte do nosso conhecimento da evolução dos outros meios. Muito do que a pintura obtém, por um lado, com a autoridade da história como legitimação e contexto, é, por outro, seu defeito e sua maldição: mesmo se busca as 53 inovações mais remotas da imagem, as justificativas mais extremas para construção da figura, sempre se confronta com a questão em saber se tudo nela já não foi afirmado.22 Il. 24 – Página de Artforum, com texto de Max Wolfgang Faust Ao utilizar o nome “Zeitgeist”, é evidente que a exposição procurava pretensiosamente representar a situação da arte naquele momento. Contudo, o propósito suscitava também a indagação dos mecanismos críticos que caracterizavam o que poderia ou não ser assimilado como “a autêntica arte de uma época” (bem como o que, em oposição, deveria ser recalcado para não comprometer a argumentação discursiva). Em sentido mais profundo, isso equivaleria a inquirir as “exatas” motivações que levaram os curadores a ressaltar tal interesse investigativo: seria, assim, um esforço comprometido com a demanda de reificação da obra, em sintonia com a atitude reacionária que então dominava a esfera política, como apregoava Benjamin H. D. Buchloh em relação à Documenta 7, ou uma legítima posição crítica, refletindo a necessidade de reavaliação das manobras e dos valores instituídos pela abordagem teórica da arte nas últimas décadas? Esse conflito ideológico, subentendido numa exposição como Zeitgeist, marcou profundamente os discursos da década de 1980, alimentando o debate crítico através de impasses que, vistos aos nossos olhos, 22 FAUST, Wolfgang Max. The appearance of Zeitgeist. Traduzido para o inglês por Martha Humphreys. In: Artforum International, New York, p. 89, January 1983. Tradução livre do autor, a partir da versão inglesa. [Grifo no original] Segundo a crítica Isabelle Graw, “O livro Hunger nach Bildern [Fome de pintura], de 1982 – era um livro muito popular, de apoio irrestrito e, ao mesmo tempo, extremamente simplista, escrito por Wolfgang Max Faust e Gerd de Vries. Esse livro funcionou como uma máquina de promoção [para a pintura na Alemanha Ocidental].” DANTO, Arthur C.; BOIS, YveAlain; DUVE, Thierry de; GRAW, Isabelle; REED, David; JOSELIT, David; SUSSMAN, Elisabeth. The Morning After [Depois do luto. Livre tradução de Célia Euvaldo (com revisão de Isabel Löfgren e colaboração de Carlos Zilio), ainda inédita]. ARTFORUM International, 40th Anniversary Special Issue, The 1980s: Part One, XLI, n. 7, p. 210, March 2003. 54 apresentam em vários momentos uma insistente radicalidade (em decorrência de sua polarização), aparentando mais constranger do que realmente estimular a reflexão – apesar de muitas dessas questões, e (em menor escala) atitudes, ainda apresentarem-se pertinentes para o meio contemporâneo de arte. 1.1.3 Reverberações no meio artístico brasileiro e a contribuição nacional para o debate em torno do “espírito da época” No Brasil, claramente deixado à margem dessa discussão internacional envolvendo apenas a arte do chamado “Primeiro Mundo” (Europa e Estados Unidos), um mês antes da abertura da mostra berlinense, foi organizada Entre a Figura e a Mancha, com curadoria de Frederico Morais (1936-), no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, MAM-RJ (ver Anexos II). Sendo a primeira de um conjunto de exposições voltadas para a produção pictórica contemporânea brasileira ocorridas na década de 1980, posteriormente, foi considerada pela crítica Sheila Leirner (1948-), que mantinha uma coluna no jornal O Estado de S. Paulo, como “a nossa ‘Zeitgeist’”23. Têm-se aí dois aspectos fundamentais a serem analisados. Em primeiro lugar, embora já em 1979 o próprio Frederico Morais houvesse publicado textos comentando indícios de uma retomada da pintura entre os artistas brasileiros, incluindo aquele referente ao Panorama da Arte Moderna, mostra realizada 23 LEIRNER, Sheila. Grandes formatos: euforia e paixão. In: 3x4 – Grandes Formatos. Rio de Janeiro: Galeria de Arte do Centro Empresarial Rio, 1983, p. 28. Outra referência possível a Zeitgeist estaria no título “3x4” da exposição brasileira realizada no Centro Empresarial Rio, em 1983, que além de representar um formato de fotografia para documento (a partir da ideia de “identidade” ou “retrato”), poderia ser igualmente uma menção implícita aos grandes formatos comissionados na exposição alemã. Em Zeitgeist, oito artistas produziram algumas pinturas no formato 3x4m, especialmente para serem expostas no átrio do edifício Martin-Gropius Bau: Bruce MacLean (1944-), David Salle (1952-), Enzo Cucchi (1949-), Francesco Clemente (1952-), Helmut Middendorf (1953-), Mimmo Paladino (1948-), Rainer Fetting (1949-) e Salomé (1954-). 55 no Museu de Arte Moderna de São Paulo, MAM-SP, e que se propunha a fazer um mapeamento da produção pictórica brasileira do final dos anos 197024, é possível perceber uma diferença de abordagem significativa entre esse momento e o da exposição de 1982.25 Enquanto no final da década de 1970 a pintura era vista como um meio entre os demais, mesmo que para alguns artistas ela não representasse uma real opção contemporânea, no início da década seguinte a produção pictórica encontrava-se indiscutivelmente atrelada a um discurso distinto, que tinha como objetivo restituir sua posição referencial no meio de arte, em consonância com o que vinha ocorrendo na cena internacional. Assim, na análise crítica do Panorama da Arte Moderna, Morais argumentava que a redescoberta da pintura (e neste contexto realmente tratava-se mais de uma “redescoberta” do que de uma “retomada”) vinha acompanhada de uma “euforia da cor e do gesto”, não sendo acidental que se apresentasse “quase sempre abstrata”. Ao mencionar o prêmio dado à artista Tomie Ohtake (1913-), considerado por ele tardio, concluía que a tônica das novas tendências incidia “na ponte entre o Informalismo e o Construtivismo”, relacionando-as, assim, à tradição da pintura que se praticava no Brasil, entre os anos 1950 e início dos 1960.26 No texto curatorial de Entre a Figura e a Mancha, por sua vez, o tom é outro: O que temos aqui é uma pintura à flor da pele – ou da tela. Uma pintura que não foge à circunstância – seja esta o quadro, o momento político ou a história da arte. A pintura como tema, mas também como Eros. (...) Porque o fato mais geral e significativo é este: trata-se de um momento de plenitude da pintura. Porque a pintura aí está, revelando prazer e também angústia, alegria e também tensão, anunciando os novos tempos e também o apocalipse, colocando-se como cor ou gesto gráfico, como mancha ou figura 24 MORAIS, Frederico. Abertura também na cor?. In: O Globo, Rio de Janeiro, 8 junho 1979; Id. O informalismo está de volta. In: O Globo, Rio de Janeiro, 30 julho 1979; Id. Panorama confirma novas tendências da pintura. O Globo, Rio de Janeiro, 1º outubro 1979. 25 Ainda que o crítico Agnaldo Farias conclua que o discurso de Frederico Morais, através da comparação entre os textos de 1979 e de 1982, tenha se mantido o mesmo durante o período, numa análise mais ampla dos aspectos neles discutidos, e considerando-se a diferença de enfoque, contexto e referências dos dois momentos, é possível discordar dessa afirmação. Ver: FARIAS, Agnaldo. Anos 80/90: um retrato em 3x4, a cores. In: FARIAS, Agnaldo (ed.). 80/90, Modernos, Pós-Modernos, Etc. São Paulo: Instituto Tomie Ohtake, 2009, p. 27. 26 MORAIS, Frederico. Panorama confirma novas tendências da pintura. Op. cit. Também disponível em: FERREIRA, Glória (org.). Crítica de arte no Brasil: temáticas contemporâneas. Rio de Janeiro: Funarte, 2006, pp. 321-323. 56 ou as duas coisas, simultaneamente, mas em qualquer dessas situações, caracterizandose como uma entrega total ao ato de pintar.27 Conjugado a essa análise mais passional da produção pictórica, havia também um posicionamento estratégico. Paralelamente à mostra organizada pelo crítico, foram expostas algumas pinturas do acervo do museu, reforçando visualmente a tese de referenciabilidade histórica da “nova” pintura, ao mesmo tempo em que eram projetados “continua e permanentemente slides dos novos artistas europeus e norte-americanos vinculados às novas tendências internacionais, como Baselitz, Lüpertz, Penck, Immendorf, Salomé, Schnabel, David Salle, Per Kikerby, Basquiat”.28 Nesse sentido, tratava-se agora não de um mapeamento, mas de um projeto mais ambicioso de “atualização artística”, reconhecendo-se a necessidade urgente de aproximar a pintura brasileira produzida naquele momento daquela que ganhava maior destaque internacional (mesmo que somente através do uso de imagens das mesmas). O segundo aspecto, então, encontra-se no fato de que o epíteto de Zeitgeist brasileira simbolizava uma equiparação da produção nacional com a internacional, seja através da aproximação estética (entre artistas), seja da migração dos discursos (entre críticos de arte). Uma vez que a probabilidade da arte brasileira ser incluída nas grandes exposições internacionais, como a Documenta de Kassel, por exemplo, era pequena, constatada sua posição marginal no meio de arte, inversamente, seria possível reforçar no próprio país a ideia de que a pintura que aqui se produzia também estaria inserida na esfera de abrangência do “espírito da época”, que a arte brasileira também fazia parte dessa história. Construía-se e reforçava-se, assim, através dessas estratégias – e, sem dúvidas, do estágio de desenvolvimento dos meios de comunicação e distribuição de informação, colaborando para a rápida propagação de imagens e textos pelas diferentes partes da aldeia global –, uma possibilidade mais palpável (e justificável) de zeitgeist. 27 Id. Entre a mancha e a figura. Rio de Janeiro: MAM-RJ, 1982; _____. Cronologia das artes plásticas no Rio de Janeiro, 1816-1994: da Missão Artística Francesa à Geração 90. Rio de Janeiro: Topbooks, 1995, pp. 381-382. [Grifo nosso] 28 Ibid., p. 382. 57 Consensualmente, o ciclo ideológico de abrangência dessa concepção histórica em torno da “retomada da pintura” finalizou-se a partir da proposta e repercussão de duas exposições. Por um lado, é no Brasil, durante a 18ª Bienal de São Paulo, em 1985, que Sheila Leirner, curadora-geral, partindo de um tema quase tão abstrato quanto o da Documenta 7 – “O Homem e a Vida”, a saber – e do objetivo em ancorar a mostra numa “visão universalista”, “sincrônica”, que fosse “compatível com a produção internacional contemporânea”, concebeu o que poderia ser entendido como um ato de consubstanciação fenomenológica da noção de zeitgeist: a “Grande Tela” (ver Anexos I e II). Nessa mostra especial, voltada para a apreensão da pintura como símbolo da “Grande Obra contemporânea”, aquilo que em Entre a Figura e a Mancha era um projeto mais abstrato, do ponto de vista nacional, tornou-se agora uma real estratégia historiográfica: jovens artistas brasileiros viram suas pinturas expostas juntamente com as de europeus e norte-americanos, sendo confrontadas umas com as outras, através de um projeto expográfico bastante radical e de uma concepção conceitual mais complexa do “espírito da época”.29 Il. 25 – Registro de Grande Tela / 18ª Bienal Internacional de São Paulo, 1985. Projeto expográfico de Haron Cohen, a partir da concepção curatorial de Sheila Leirner 29 “Após passar pelo núcleo histórico, localizado no primeiro pavimento do Pavilhão, o visitante chegava ao setor principal do núcleo contemporâneo, no centro do segundo pavimento, compreendido por três longos corredores, de 100 metros de extensão, por 6 metros de largura e 5 metros de altura. Nessas paredes monumentais estavam expostas telas de grandes dimensões, com pequena distância entre elas, de modo que cada uma sofresse interferência visual das outras duas que as ladeavam, sugerindo ao observador, desse modo, a existência de uma única pintura interminável.” REINALDIM, Ivair. A Grande Tela: curadoria e discurso crítico da pintura na década de 1980. In: Anais do II Seminário de Pesquisadores do PPGartes. Rio de Janeiro: PPGartes/Instituto de Artes-Uerj, 2008. Disponível em: http://www.ppgartes.uerj.br/seminario/2sp_artigos/ivair_reinaldim.pdf. Este ensaio está inserido nos Anexos I. 58 l. 26 – Registro de Grande Tela / 18ª Bienal Internacional de São Paulo, 1985. Projeto expográfico de Haron Cohen, a partir da concepção curatorial de Sheila Leirner Il. 27 – Registro fotográfico da montagem da exposição Grande Tela / 18ª Bienal Internacional de São Paulo, 1985. Projeto expográfico de Haron Cohen, a partir da concepção curatorial de Sheila Leirner 59 Il. 28 a 30 – Registros fotográficos da montagem da exposição Grande Tela / 18ª Bienal Internacional de São Paulo, 1985. Projeto expográfico de Haron Cohen, a partir da concepção curatorial de Sheila Leirner Assim a curadora explicava a proposta: Na “Grande Tela”, os trabalhos são articulados entre si, num desenrolar ininterrupto, narrativo e ruidoso. Porém, que não se espere dali um discurso coletivo fluente e linear. Ao contrário, a “Grande Tela” revela, sobretudo, o atrito, o choque e antagonismo característicos, aliás, de toda relação amorosa. Os seus significados podem ser lidos à luz da história da arte, sociologia ou filosofia. O que se pretende mesmo é criar um espaço perturbador, uma zona de turbulência, análoga àquela que encontramos na arte contemporânea. Contudo, a visão de tal conjunto tem como fundamento a utopia. E não parece presunçoso afirmar que ele é também anti-didático, anti-historicista, anárquico; e tão teatral quanto os próprios trabalhos que “encerram” o seu referencial histórico e repertório autobiográfico. Adquire o seu significado total por meio da noção de uma ocorrência cotidiana, ininterrupta e sincrônica dos atos estruturados que se dão entre o artista e o fruidor. Atos que – como um todo – agem como “cola” psíquica, existencial e 30 intelectual que mantém toda cultura interligada. 30 LEIRNER, Sheila. 18ª Bienal Internacional de São Paulo. In: LEIRNER, Sheila. Arte e seu tempo. São Paulo: Perspectiva: Secretaria de Estado da Cultura, 1991, pp. 217, 225; CHAIMOVICH, Felipe (cur.). 2080. São Paulo: Museu de Arte Moderna, 2003, p. 41; FERREIRA, Glória (org.). Crítica de arte no Brasil: temáticas contemporâneas. Op. cit., pp. 338, 342. [Grifos nossos] 60 A polêmica daí decorrente, com alguns artistas alemães retirando pinturas da exposição, demonstraria que a ideia de um “espírito da época” só era cabível até o momento em que as individualidades das obras e dos artistas fossem rigorosamente respeitadas.31 A crítica francesa Catherine Francblin (1943-) escreveria nas páginas de Art Press argumentando que, através da Grande Tela, os “pais” dessa nova pintura finalmente encontravam seus filhos, primos e sobrinhos espalhados pelo planeta, tornando-se possível constatar visualmente a notável facilidade com que se pintavam as mesmas grandes telas, usando-se as mesmas cores e pinceladas expressivas. Ao considerar essencialmente a potência crítica contida na Grande Tela, Francblin reforçava a “audácia” e a “liberdade” de Sheila Leirner, entendidas como consequência do afastamento geográfico em relação aos países em que as implicações e pressões do mercado internacional de arte eram mais intensas, ressaltando o quanto naquele momento a Bienal de São Paulo conseguia sobrepor-se às exposições mundiais de mesmo gênero ocorridas na primeira metade da década de 1980.32 Em resenha crítica publicada na revista Artforum, a alemã Annelie Pohlen resumia a intenção de Leirner como uma tentativa de explicitar “a linguagem imagética internacional comum dos anos 80”, evidenciando o conflito existente entre a afirmação das culturas regionais, sobretudo na América Latina, e os processos de assimilação cultural no contexto global. Concluía, por fim, que, no caso da pintura dos anos 1980, a “expressão” não provinha 31 “Na Grande Tela, o neoexpressionismo assume uma dimensão impressionante. Inicialmente planejada para que os trabalhos tivessem uma distância mínima entre si, formando literalmente uma única tela em que se misturassem indistintamente os integrantes de várias representações, a ideia não foi bem recebida pelos artistas, especialmente os alemães, que se sentiram desprestigiados pela proximidade com outros, que não teriam sua estatura.” ROELS Jr., Reynaldo. A Bienal tem de tudo. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 9 outubro 1985; FREITAS, Rosana de (org.). Reynaldo Roels Jr.: crítica reunida. Rio de Janeiro: Museu de Arte Moderna, 2010, p. 320. Após entrar em atrito com a curadoria, a representação alemã retirou duas obras de Bernd Koberling (1938-) e uma de Jiri Dokoupil (1954-). O artista Helmut Middendorf (1953-) falaria sobre o ocorrido: “Odiei a Grande Tela. Não fomos avisados antes de que seríamos exibidos naquelas condições. Disseram-nos apenas que teríamos tantos metros lineares para expor, e só. Nem espaço de recuo há para o espectador observar os quadros.” ROELS Jr., Reynaldo. Helmut Middendorf: conciliação com o público. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 19 outubro 1985; FREITAS, Rosana de (org.). Reynaldo Roels Jr.: crítica reunida. Op. cit., p. 322. 32 FRANCBLIN, Catherine. La 18ª biennale de São Paulo. In: Art Press, Paris, n. 99, p. 54, janvier 1986. Tradução livre do autor, a partir do original em francês. Esta Bienal foi a única exposição brasileira com maior repercussão na imprensa especializada internacional durante a década de 1980. 61 de um “impulso estético”, mas era fruto de uma abordagem midiatizada, “conduzindo a uma manipulação de imagens que fazem tudo, menos refletir uma identidade pessoal”.33 Por fim, a “turbulência” que anteriormente existia entre os movimentos da “nova” pintura e as correntes minimalistas, assinalada no debate crítico da primeira metade da década de 1980, agora aparecia no interior das diversas tendências pictóricas, desconstruindo a noção de homogeneidade das mesmas. Isso permitiu que houvesse uma redefinição no meio de arte na segunda metade da década, dando origem a novas questões e interesses críticos e artísticos. Em 1988, na mesma Berlim que anos antes havia sediado a proposta de Zeitgeist, o curador Harald Szeemann organizou a exposição Zeitlos (ver Anexos II), no espaço Hamburger Bahnhof, antiga estação de trens cujo prédio era usado para a realização de exposições temporárias – e que mais tarde se transformaria num “museu do presente”. Partindo da proposta da exposição ocorrida em 1982, Szeemann procurou contrapor à noção de especificidade da época, a ideia de “intemporalidade”, expondo um conjunto de trabalhos que remontava à já ampliada categoria “escultura”.34 A história começava, enfim, a oferecer indícios de que estava tomando outro rumo. 33 POHLEN, Annelie. Eighteenth International São Paulo Bienal. Traduzido para o inglês por Leslie Stockland. In: Artforum International, New York, p. 112, January 1986. Tradução livre do autor, a partir da versão inglesa. 34 “Zeitgeist agrupou os acessos plásticos à captação formal do aqui-presente, em atenção às dimensões mística, dramática-cor e psíquica da natureza-morta, paisagística e figurativa. Aqui e agora, em contrapartida, há sobretudo formas nas quais as partes são autônomas e o todo compõe-se das mesmas, cada uma das quais podendo estabelecer relações com o espaço, seus componentes e seus limites. Zeitlos [Intemporal] é também uma fórmula decididamente atual e secular para expressar a pretensão, objetiva e subjetiva, da vida futura e eterna: não no sentido canônico, mas como concentração desse Tempo-agora (kairós), vivido e investido em um espaço-de-tempo (chronos), para o tempo distante e ilimitado da eternidade (aión). O que vale tanto para as obras quanto para a apresentação da ‘união’ entre corpos e espaços.” SZEEMANN, Harald. Zeitlos. In: GUASCH, Anna María (ed.). Los manifiestos del arte posmoderno: textos de exposiciones, 1980-1995, Op. cit., p. 182. Tradução livre do autor, a partir da versão espanhola. 62 1.2 A auto-referencialidade de um período: em torno da Geração 80 Outro conceito frequente nos discursos de críticos e curadores durante os anos 1980, cujo uso explicitava o objetivo de estruturar uma caracterização histórica para a década, foi o de “geração”, quase sempre articulado à ideia mais geral de zeitgeist – embora a relação entre esses termos naquele período ainda não tenha sido devidamente aprofundada. Assim como a noção de “espírito da época”, o conceito de “geração” refere-se à priori a uma dimensão temporal, o que o torna pertinente em investigações sócio-históricas, sobretudo naquelas voltadas para aspectos ligados à juventude, e mesmo nas análises dedicadas exclusivamente às artes plásticas e à literatura, uma vez que, em muitos casos, a abordagem geracional apresenta-se como substituto qualitativo ao tradicional enquadramento estilístico. A partir do final da Segunda Guerra Mundial, de modo consideravelmente representativo, seu emprego extrapolou os limites da sociologia e da história para adquirir maior popularidade junto ao campo da cultura como um todo (literatura, cinema, publicidade, tecnologia, etc.), através da visibilidade alcançada por expressões criadas para distinguir não só diferentes graus de descendência genealógica, mas, principalmente, demarcar significativas similitudes culturais e comportamentais entre grupos de indivíduos de uma mesma faixa etária, numa dada circunstância histórica, em oposição a outros, nascidos em períodos diversos.35 Essa percepção tanto em relação ao sentido quanto às configurações atribuídas às gerações, quase sempre vistas como grandes grupos homogêneos que vão se substituindo uns aos outros cronologicamente, no entanto, acaba mostrando-se limitada e, em verdade, pouco contribui para a compreensão mais profunda de como esse conceito assumiu uma importância discursiva na década de 1980, particularmente no Brasil, ou mesmo no contexto da arte atual. Sendo assim, iremos recorrer ao ensaio O 35 Como exemplo, podem-se citar as expressões “Geração Baby Boom” (c. 1945-1960), “Geração X” (c. 1960-1980), “Geração Y” (c. 1980-1995) e “Geração Z” (c. 1995-presente), cada uma delas, grosso modo, caracterizando-se como descendente da imediatamente anterior. 63 problema das gerações [1928] do sociólogo húngaro Karl Mannheim (1893-1947), que ainda hoje é considerado uma referência conceitual para aqueles que se dedicam ao tema. Em particular, isso se deve ao fato de Mannheim desenvolver sua abordagem da problemática referente às gerações mediante a ênfase na importância do contexto histórico-social, distanciando-se, assim, de aspectos que antes eram tratados de modo determinista nas duas principais linhas teóricas que se dedicaram ao tema no século XIX: o positivismo e o romantismo histórico. A corrente positivista, nascida do pensamento liberal francês, procurou identificar uma lei geral no ritmo de desenvolvimento da história, quantificando numericamente os momentos da vida humana, através de uma noção de tempo externalizada, mecanicista. Com isso, alguns de seus expoentes teóricos estabeleceram a média de 25 a 30 anos como intervalo para sucessão das gerações, investigando a relação entre dados biológicos exatos e os níveis de progresso alcançados pela humanidade. Já a corrente romântico-histórica, disseminada a partir da Alemanha, contrapôs o determinismo biológico positivista a um determinismo de outra ordem, relacionado à noção de “espírito”. Ao considerarem a existência de um tempo interiorizado, ligado qualitativamente às vivências subjetivas – e por isso não sendo mensurável numa duração cronológica específica –, alguns filósofos românticos preocuparam-se em compreender como o estudo das gerações poderia contribuir para o desenvolvimento dos movimentos espirituais, que em essência representavam a soma de todas as experiências individuais. Desse modo, torna-se possível concluir que o problema da sucessão das gerações para os mesmos estava intimamente relacionado à própria noção central de zeitgeist, aspecto que apresenta uma importância particular para a análise aqui desenvolvida.36 36 O trecho inicial do ensaio, em que o autor desenvolve o estado da questão, foi excluído na tradução brasileira: MANNHEIM, Karl. O problema sociológico das gerações [1928]. In: FORACCHI, Marialice M. (org.). Mannheim. Tradução de Cláudio Marcondes. São Paulo: Ática, 1982, pp. 67-95. O texto na íntegra, por sua vez, está disponível na versão espanhola: MANNHEIM, Karl. El problema de las generaciones [1928]. Tradução de Ignacio Sánchez de la Yncera. In: Reis, Revista española de investigaciones sociológicas, n. 62, pp. 193-242, abr/jun. 1993. Após relativizar o determinismo espiritual inicialmente identificado, é a partir de algumas considerações da corrente romântico-histórica, em especial, que Mannheim desenvolveu sua análise do conceito de geração. 64 1.2.1 A questão geracional nas exposições europeias do início da década Uma das evidências que podem ser constatadas nos discursos que objetivavam assegurar a representatividade da produção pictórica frente às demais linguagens, especialmente nos primeiros anos da década de 1980, é que ao enfatizarem a noção de um “espírito da época”, críticos percebiam a necessidade de demonstrar a validez desse argumento reforçando um sentimento de “contemporaneidade” existente não só entre artistas de diferentes nacionalidades, mas também gerações etárias. Mesmo em Aperto ’80, em que os curadores tomaram a juventude dos pintores italianos da Transvanguardia (cuja faixa etária na época variava entre 26 e 34 anos) como parâmetro para a seleção dos artistas participantes da mostra, houve a inclusão daqueles etariamente mais velhos, ressaltando assim que o fenômeno de retomada da pintura extrapolava qualquer divisão mais rigorosa por diferença de idade. Seguindo essa tendência, não seria à toa, enfim, que em mostras como A New Spirit in Painting e Zeitgeist, houvesse uma preocupação em afirmar que, apesar das diferenças geracionais entre os artistas selecionados, a opção simultânea pela pintura representava uma disposição geral que os unia, que os tornava contemporâneos (no sentido de coexistência). Na exposição ocorrida em Londres, por exemplo, os curadores procuraram constituir um amplo grupo formado por: 1. artistas mais velhos, desde os que se mantiveram essencialmente pintores durante toda sua trajetória àqueles cujos trabalhos de maior destaque não estavam compreendidos na esfera da produção pictórica convencional, mas que mesmo assim não deixaram de praticá-la esporadicamente; 2. artistas compreendidos numa geração intermediária, formados no contexto experimental das décadas de 1960 e 1970, e que haviam feito uma opção consciente pela pintura, mesmo sabendo que isso provavelmente os deixaria à margem das discussões artísticas consideradas como “vanguarda”; 3. por fim, uma geração bem mais jovem, constituída por artistas pouco conhecidos do público, mas que em geral já desempenhavam um papel importante no processo de retomada da pintura. 65 Sobretudo em A New Spirit in Painting, é possível verificar a força (estética e política) da jovem geração, pelo fato de ter sido capaz de sugerir relações com pesquisas e artistas até então vistos como marginais ou bem distantes do momento de maior repercussão de suas trajetórias artísticas. Foi a partir desses jovens que os curadores se interessaram em avaliar a produção recente de pintores como Balthus (1908-2001), Francis Bacon (1909-1992), Jean Hélion (1904-1987), Philip Guston (1913-1980), Roberto Matta (1911-2002) e Willem de Kooning (1904-1997), além de terem incluído no conjunto as últimas pinturas de Pablo Picasso (1881-1973), assumindo-o como verdadeiro paradigma antiestilístico do período. Desse modo, mediante o desejo de tornarem-se contemporâneos, tanto o passado era visto como uma forma de referendar o presente, quanto o presente contribuía para que o passado fosse revisto e atualizado. Il. 31 – Untitled, Willem de Kooning, 1979, óleo sobre tela, 195,5 x 223,5cm, Col. Xavier Fourcade Inc., Nova York/EUA Il. 32 – St. Francis in Ecstasy, Julian Schnabel, 1980, óleo e pratos s/madeira, 244 x 213,5cm, Col. Mary Boone, Nova York/EUA Na seleção geral da Documenta 7, em especial, esse aspecto de manutenção ‘passado-presente-passado’ encontrava-se bastante pulverizado, uma vez que o conjunto geral de artistas extrapolava consideravelmente àqueles que se dedicavam de modo exclusivo aos movimentos da nova pintura. No texto de apresentação, Rudi Fuchs 66 comentava que seu amplo recorte estabelecia-se mediante a preocupação em misturar artistas de diferentes gerações, dos mais jovens àqueles mais velhos, provenientes de movimentos já históricos como a pop arte – Andy Warhol (1928-1987) e Claes Oldenburg (1929-) –, o minimalismo – Carl Andre (1935-) –, a arte povera – Alighiero Boetti (1940-1994), Jannis Kounellis (1936-), Luciano Fabro (1936-2007) e Michelangelo Pistoletto (1933-) –, a arte conceitual – Art&Language, Hans Haacke (1936-), Joseph Beuys (1921-1986) e Sol LeWitt (1928-2007) –, a performance – Bruce Nauman (1941-), Marina Abramovic (1946-) e Vito Acconci (1940-) –, reforçando assim que a diferença entre esse vasto grupo etário não era meramente temporal ou estilística, mas residia na dimensão subjetiva da experiência. Assim, os artistas provenientes dos anos 1960 e 1970 inegavelmente possuíam um “saber”, um conjunto de vivências acumuladas que agia como contraponto ao estado de espírito mais ansioso dos jovens, àquilo que em geral convulsionava o presente e facilmente deformava a história (considerando-se as possíveis manifestações de ruptura com o passado, frequentes durante a fase da juventude). Numa exposição com as proporções (reais e simbólicas) da Documenta, constituiria um grande equívoco, então, segundo Fuchs, enfocar apenas os fenômenos artísticos mais atuais, limitando-se quase sempre a uma geração mais jovem. Outro aspecto importante em relação ao conceito de geração localizava-se na peculiaridade e no papel central desempenhado pela arte alemã no processo de “retorno da pintura”, considerando-se a enorme repercussão por ela alcançada junto a curadores, críticos, galeristas, colecionadores e público em geral (o que ficava mais evidente em Zeitgeist, uma vez que a maior parte dos artistas que participaram dessa exposição era proveniente das duas Alemanhas37). Um dos possíveis aspectos diferenciais da arte alemã encontraria-se justamente na vitalidade decorrente do encontro de diferentes 37 Com o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a Alemanha foi dividida em dois estados (a partir de 1949): a Alemanha Ocidental, oficialmente “República Federal da Alemanha” (RFA), sob os cuidados dos franceses, ingleses e norte-americanos, e a Alemanha Oriental, oficialmente “República Democrática Alemã” (RDA), sob os auspícios dos soviéticos. Em outubro de 1990, ocorreu a unificação, mas o principal acontecimento simbólico desse processo foi a Queda do Muro de Berlim, em 9 de novembro de 1989. 67 gerações etárias, fazendo com que artistas mais jovens, como Salomé (1954-) e Volker Tannert (1955-), pudessem ascender ao mesmo grau de relevância dos mais velhos, como Georg Baselitz (1938-) e Markus Lüpertz (1941-). Considerando-se o critério de “contemporaneidade”, mais do que o de faixa etária, é possível então reconhecer a disponibilidade que esse grupo de artistas tinha para assimilar, expressar e compartilhar experiências decorrentes da especificidade dos contextos histórico, social e cultural em que estavam situados naquele dado momento (“o presente como parâmetro”), e assim, compreendê-los como pertencentes a uma mesma geração artística, sem que isso constituísse um equívoco metodológico. Contudo, o que pode ser identificado em um caso específico, não necessariamente torna-se regra. A mera contemporaneidade cronológica não é capaz, por si só, de produzir uma situação de reconhecimento geracional concreta entre indivíduos de idades diversas, pois o fato de conviverem em um mesmo contexto não significa que vivenciem acontecimentos e experiências de modo similar – a não contemporaneidade dos contemporâneos. Desse modo, ao analisar-se a maneira como as diferentes gerações etárias relacionam-se entre si, é importante que sejam consideradas as particularidades culturais/regionais, bem como as posições assumidas e as relações existentes entre diferentes indivíduos dentro do que supostamente constituiria uma mesma geração, seja etária, artística ou comportamental. Vejamos o caso brasileiro. 1.2.2 Variações no uso do conceito de geração, a partir das exposições referentes à produção pictórica brasileira, entre 1982 e 1983 Assim como o que ocorreu na Europa, várias exposições realizadas no Brasil, entre os anos de 1982 e 1983, procuraram enfatizar a “volta da pintura” através da aproximação entre artistas de uma ampla faixa etária e cuja produção havia ganhado 68 representatividade na história da arte brasileira em épocas distintas. Em Entre a Mancha e a Figura, por exemplo, o curador Frederico Morais, explicitamente preocupado com a questão etária, inseriu no conjunto obras de três artistas que na época já eram falecidos, reabilitando com isso diferentes tendências do modernismo – Ernesto de Fiori (18841945), Flávio de Carvalho (1899-1973) e Ivan Serpa (1923-1973) –, dois artistas que também se mantiveram pintores, e que faziam, na opinião de Morais, o “papel de ponte entre as gerações” – Flavio Shiró (1928-) e Iberê Camargo (1914-1994) –, seguidos por uma grande maioria de artistas nascidos na década de 1940, compreendendo desde os que, depois de uma série de trabalhos de forte cunho experimental, naquele momento voltavam seus interesses para a pintura – Artur Barrio (1945-) – àqueles que se mantiveram pintores durante toda a década de 1970, apesar das dificuldades e conflitos ideológicos que isso acabou lhes acarretando – Luiz Áquila (1943-) e Cláudio Kupperman (1943-), por exemplo. No conjunto, o artista Jorge Guinle (1947-1987), cuja formação se deu no exterior e somente no início dos anos 1980 começaria a expor regularmente seus trabalhos, tinha nisso um fator de singularidade entre os demais artistas da mostra (era, nesse sentido, o que mais se aproximava do perfil dos jovens pintores internacionais, seja pelo referencial plásticovisual da pintura aprofundamento moderna, teórico das seja pelo questões relacionadas a sua produção e à pintura contemporânea), tornando-se para a crítica de arte da época (mesmo sendo etariamente mais velho), um importante representante da jovem geração surgida na década de 1980.38 Il. 33 – Galicíneo galhardeado, Jorge Guinle Filho, 1982, óleo sobre tela, 160 x 140cm, Col. Particular 38 O artista mais jovem da exposição era o escocês Charles Watson (com a idade de 31 anos), que desde 1979 atuava como professor de pintura na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro. Contudo, por ter sido orientador de muitos dos que mais tarde viriam a ser considerados “jovens artistas”, Watson não foi visto como membro dessa geração surgida na década de 1980, diferentemente do que ocorreu com Jorge Guinle. 69 Talvez ainda não fosse possível a Frederico Morais, bem como a outros críticos, identificar ou arriscar (há que se considerar essa hipótese) na escolha de artistas caracteristicamente jovens, abaixo dos 30/35 anos de idade39, o que contribuía para que outras iniciativas concentradas na retomada da pintura, como as exposições À Flor da Pele – Pintura e Prazer (ver Anexos II) e 3.4 – Grandes Formatos (ver Anexos II), realizadas no ano seguinte pelo “jovem” curador Marcus de Lontra Costa (1954-) e pelo artista Rubens Gerchman (1942-2008), respectivamente, ambas na recém-inaugurada Galeria de Arte do Centro Empresarial Rio, mantivessem-se fortemente atreladas ao “espírito” da sua precursora Entre a Mancha e a Figura.40 Mais misto, entretanto, era o perfil etário dos artistas presentes na mostra Brasil Pintura, realizada por Frederico Morais, no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, ainda naquele ano (ver Anexos II). Podemos concluir, a partir daí, que de um ano para outro, tornava-se possível ao crítico mais experiente não só assegurar a validade de seus argumentos a partir da produção de artistas já reconhecidos pela história da arte brasileira, aqueles com maior experiência, mas igualmente apoiar alguns dos jovens pintores que começavam a dar os primeiros passos no meio de arte naquele momento. Começava, assim, a haver uma diferença no modo como o fenômeno de retomada da pintura era abordado pela crítica de arte. Duas outras exposições, de menor proporção, obteriam certo destaque em 1983, contudo, por motivo diverso das anteriores: ao concentrarem-se apenas na produção de jovens artistas, reforçavam a presença de uma nova geração no meio brasileiro de arte, tanto quanto a percepção de que a pintura tornava-se a linguagem preferencial entre os “artistas emergentes” da década de 1980. Assim, em São Paulo, a mostra Pintura Como Meio foi concebida por Sergio Romagnolo (1957-), um dos cinco expositores, com 39 “O que está ocorrendo com a arte brasileira? E as novas propostas? Claro, quando o futuro é incerto e o horizonte pouco claro, o melhor é rever o passado e buscar, nele, lições para o presente. Ou, então, a questão é outra: os jovens estão aí, trabalham, apenas sua produção não está circulando, porque mercado e museus não querem correr o risco de apoiá-los. Em parte pode ser isso. Mas pode ser, também, que os jovens não estejam conseguindo pegar o pulso do momento, de sua época, se encontram tão perdidos quanto a arte de hoje, dando voltas em torno dos mesmos e velhos problemas, sem encontrar a saída, numa espécie de autofagia criativa.” In: MORAIS, Frederico. Contra a arte culta. A liderança dos ‘velhos’. O público de volta. In: O Globo, Rio de Janeiro, 1981. [Grifos nossos] 40 Em À Flor da Pele – Pintura e Prazer, os únicos artistas jovens eram Enéas Valle (1951-) e Leonilson (1957-1993); em 3.4 – Grandes Formatos, Enéas Valle (1951-) e Marcia Rothstein (1952-). 70 apoio da crítica e diretora Aracy Amaral (1930-), no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, MAC-USP (ver Anexos II) – Aracy Amaral chegaria mesmo a reforçar, no texto de apresentação, a faixa etária entre 23 e 26 anos desses artistas, destacando ainda mais sua já evidente “afinidade geracional”; no Rio de Janeiro, por sua vez, Pintura! Pintura! foi organizada pelo então jovem crítico Márcio Doctors (1952-), na Fundação Casa de Rui Barbosa (ver Anexos II), em torno de artistas que frequentavam os cursos livres da Escola de Artes Visuais, EAV, do Parque Lage. Ao enfocarem apenas a produção de artistas que tinham na sua juventude uma característica diferencial, o que de fato chamava a atenção nessas duas exposições era justamente certo aspecto que não poderia ser identificado entre os artistas europeus e norte-americanos do mesmo período, uma vez que a maior parte dos brasileiros nelas presentes – senão todos – era tão jovem que ainda frequentava cursos de formação artística.41 Havia, enfim, um entusiasmo e uma urgência por parte dos críticos em incorporar essa juventude ao meio de arte (instituições, mercado, crítica, etc.), talvez, por acreditarem que somente através dela, e da “nova pintura” que a mesma começava a produzir (como referência a uma verdadeira “atualização artística”), é que de fato a arte brasileira estaria em condições de equiparar-se ao que vinha acontecendo nos centros culturais da Europa e Estados Unidos desde o início da década.42 41 “O que caracteriza esses 11 artistas – diz Márcio Doctors –, assim como a pintura que se procura fazer hoje, é o seu aspecto sensorial. Mas diferentemente dos artistas já consagrados e estabelecidos, esta questão do prazer do fazer artístico se coloca no nível da produção, ou seja, da viabilidade da sua realização. Surpreendemos, então, um fato novo: pessoas recém-saídas ou ainda ligadas às escolas de arte organizam-se entre si, dividem ateliês e investem seu desejo para romper com os estreitos limites do cenário e do mercado artístico nacional, sem gerar com isto nenhum tipo de atitude de vanguarda. Procuram afirmar seu lugar a partir do seu próprio ofício: pintura”. In: MORAIS, Frederico. O Globo, Rio de Janeiro, 9 outubro 1983; Id. Cronologia das artes plásticas no Rio de Janeiro, 1816-1994. Op. cit., p. 390; FERREIRA, Glória (org.). Daniel Senise: cronologia crítica. Op. cit., p. 172. [Grifos nossos] No caso dos artistas situados em São Paulo, muitos eram provenientes da Faculdade de Artes da Fundação Armando Álvares Penteado, Faap, ou da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, ECA-USP. No Rio de Janeiro, quase todos frequentavam os cursos livres da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, EAV, ou do Museu do Ingá, em Niterói, sendo que alguns deles eram alunos da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, EBA-UFRJ, onde o ensino era mais conservador. Tanto no Rio quanto em São Paulo, é importante salientar que havia também um grande número de artistas provenientes de cursos universitários de natureza “não-artística”, como as engenharias, em geral, biologia, economia, comunicação social, etc. 42 Aqui caberia refletir sobre algumas considerações de Mannheim. Para ele, é durante a juventude, quando apreendem e vivenciam de modo mais intenso as transformações sociais, culturais e 71 Il. 34 – Registro fotográfico da Campanha das Diretas Já!, Avenida Presidente Vargas e Candelária, Rio de Janeiro-RJ Il. 35 – Registro fotográfico da Campanha das Diretas Já!, Praça da Sé, São Paulo-SP tecnológicas presentes na sociedade, que os indivíduos se veem diante da possibilidade concreta de problematizar a herança cultural transmitida, localizando suas experiências em um “presente”. Daí o sociólogo afirmar que a “modernidade” da juventude, “consiste em estar mais próxima dos problemas atuais”. MANNHEIM, Karl. O problema sociológico das gerações [1928]. In: FORACCHI, Marialice M. (org.). Mannheim. Op. cit., pp. 67-95. [Grifo nosso] 72 Il. 36 e Il. 37 – Registros fotográficos da Campanha das Diretas Já! Mas o que também constituía um diferencial no contexto brasileiro era a gradual aproximação que a crítica de arte começava a realizar entre a euforia causada pela jovem produção pictórica nacional e o processo de redemocratização pelo qual passava o país. A Abertura política, iniciada com a Anistia, em 1979, conferiu feições particulares à década de 1980 no Brasil (embora tenha sido engendrada pelas antigas 73 elites políticas e anteriormente articulada pelos governos militares), culminando simbolicamente com a campanha das Diretas Já!.43 As campanhas em prol de eleições diretas para presidente, organizadas pela direção nacional do PMDB, a partir da emenda constitucional do deputado Dante de Oliveira, espalharam-se pelo país, entre os anos de 1983 e 1984. O apoio dos setores mais progressistas da Igreja Católica, de associações de profissionais liberais (como a OAB e a ABI), de membros da esquerda política e da intelligentsia brasileira, somados a artistas e personalidades da mídia, transformou esses comícios em grandes happenings culturais, com grande mobilização popular.44 O movimento culminou com os eventos ocorridos no Rio de Janeiro, com a presença de mais de 500 mil pessoas na região da Candelária, e em São Paulo, com mais de 1 milhão de pessoas reunidas na Praça da Sé. Se a votação da emenda pelo Congresso Nacional terminou com a derrota da mesma, as Diretas Já! marcaram, no entanto, o “ressurgimento do espírito cívico com uma dimensão sem precedentes”, transmitindo “uma dramática mensagem da sociedade civil que firmemente reconquistava a sua voz”.45 A partir dessa atmosfera de entusiasmo e de retomada do espaço público e da liberdade de expressão, é que um evento/exposição ocorrido na Escola de Artes Visuais 43 “A própria Lei da Anistia, assinada em 1979, não correspondia aos anseios das forças que haviam capitaneado a campanha. Era a anistia do governo e não a do Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA). A queda-de-braço [sic] entre o regime e um agora amplo movimento social e político de oposição persistiu até os últimos anos da ditadura. Apesar dos massivos comícios pelas ‘diretas já’, a Emenda Dante de Oliveira foi derrotada no Congresso Nacional num lamentável dia 26 de abril de 1984. Foi um dia de luto. Em meados de 1984, a democracia brasileira renascia, articulada por uma solução negociada entre as elites políticas. No mês de julho, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e o Partido da Frente Liberal (PFL) acertaram a aliança da chapa Tancredo Neves - José Sarney. A ditadura chegava ao fim não por uma derrubada revolucionária, e sim por uma solução negociada entre as elites.” ARAÚJO, Maria Paula Nascimento. A ditadura militar em tempo de transição (1974-1985). In: MARTINHO, Francisco Carlos Palomanes (org.). Democracia e ditadura no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. da Uerj, 2006, p. 163. 44 “Quando a campanha começou, a TV, sobretudo a TV Globo, ignorou os comícios, por instruções do governo. Mas à medida que aumentava o entusiasmo popular, as redes de televisão se deram conta de que estavam perdendo importante matéria jornalística, bem como relevante evento político. (...) Os comícios eram sempre ordeiros, mostrando uma disciplina que surpreendia os observadores nacionais e estrangeiros. O clima de festa, de entusiasmo popular e de ordem tornou a campanha difícil de ser desmoralizada pelos adversários.” SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo, 1964-1985 [1988]. 8ª ed. Tradução de Mario Salviano Silva. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004, pp. 468-469. 45 Ibid., p. 472. 74 do Parque Lage, em julho de 1984, viria a se estabelecer como um dos acontecimentos mais importantes do meio de arte brasileiro do período. 1.2.3 A exposição-marco ‘Como vai você, Geração 80?’ e o surgimento de um conceito-síntese A partir de 1984, ocorreu uma transformação significativa na abordagem crítica da arte brasileira. Os discursos engajados na afirmação da pintura como “o estilo dos anos 1980”, indicando o sentimento de um provável “espírito da época”, não mais se comprometiam em assinalar a contemporaneidade existente entre artistas provenientes de diferentes gerações etárias, passando então a ressaltar de modo cada vez mais enfático a produção de jovens artistas como “a” manifestação contemporânea por excelência daquela década.46 Esse processo ficaria mais evidente com a criação, disseminação e rápida repercussão do termo “Geração 80”, cuja origem remonta não só à importante exposição Como Vai Você, Geração 80? (ver Anexos II), realizada na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, sob curadoria de Marcus de Lontra Costa, Paulo Roberto Leal (1946-1991) e Sandra Mager (1956-), mas igualmente às circunstâncias em torno da concepção do livro Explode Geração!, escrito pelo crítico Roberto Pontual (1939-1994) e lançado na concorrida abertura daquele evento. Quando, aproximadamente um ano antes da exposição, o artista Hilton Berredo (1954-) apresentou-se a Roberto Pontual como representante da “Geração pósPontual”47, o comentário impressionou o crítico de tal maneira, que o mesmo decidiu 46 Segundo Manheim, a juventude apresentaria uma tendência a desenvolver o que denominou “estilo geracional”. MANNHEIM, Karl. O problema sociológico das gerações [1928]. In: FORACCHI, Marialice M. (org.). Mannheim. Op. cit. 47 “Eu recém-entrara na [Galeria] GB, para a inauguração da individual de alguém que esqueci, lá por agosto de 83. (...) Descobri Cláudio Fonseca num canto, em calma conversa com um sujeito 75 escrever um livro a respeito das transformações ocorridas na arte brasileira no início da década de 1980, vivenciadas por ele à certa distância, pois havia se transferido para Paris algum tempo depois do incêndio do MAM-RJ – desastre que em julho de 1978 consumiu a maior parte do acervo do museu e também todas as obras da exposição América Latina: Geometria Sensível, por ele organizada. A partir daí, o encontro com um grande número de artistas jovens, que não tinham conhecimento da influência e posição que Pontual havia assumido no contexto da década anterior, contribuiu para que o crítico retomasse a crença em uma convivência menos conturbada com o meio de arte.48 O forte encantamento que nutriu por essa nova geração, por outro lado, tornou-se um dos fatores que motivaram Marcus de Lontra Costa a organizar exposição-mapeamento da uma jovem grande arte brasileira, algo que de certo modo já ocorria no Salão Nacional de Artes Plásticas, Snap, também no Rio de Janeiro, mas que ganharia feições menos convencionais na proposta realizada no Parque Lage. Il. 38 – Cartaz da exposição-evento Como Vai Você, Geração 80? desconhecido para mim. Me aproximei, fiquei do lado dos dois e Cláudio me apresentou o tipo (...). Era Hilton, e ele me entregou como cartão-de-visita: ‘Você não me conhece, eu faço parte da geração pósPontual’.” In: PONTUAL, Roberto. Explode Geração!. Rio de Janeiro: Avenir, 1984, pp. 84-85. 48 “Até julho de 1983, quando voltei para uma temporada de cinco meses no Rio, depois de ter vindo morar em Paris em meados de 1980, a absoluta maioria deles me era completamente desconhecida. E a recíproca também valia. O afastamento impedira contatos e apagara marcas. Havia uma terra de ninguém a ocupar entre nós, e dessa vez nada inóspita. Ao pisar no país, tinha logo sentido qualquer coisa de diferente no ar, uma vibração e uma soltura que ajudavam a apagar da memória os tempos de patrulha e geleira de antes de 80. Claro que a crise econômica grassava, pérfida e balofa como os seus responsáveis. Então, nas trocas com a gente da Geração 80, toda a atmosfera clareou e eu compreendi, bem por dentro, como atuam lado a lado hoje no Brasil a abertura e a crise. Eles me sinalizaram o caminho para sair da minha velha crise, estimulando-me a concretizar o que eu deixara apenas na expectativa: minha própria abertura.” In: Ibid., p. 15. [Grifo nosso] 76 Il. 39 – Registro fotográfico da abertura da exposição-evento Como Vai Você, Geração 80?, Escola de Artes Visuais do Parque Lage, Rio de Janeiro, 14 de julho de 1984 Ver o registro videográfico (Anexos I) A princípio, não se tratava de uma exposição de ou sobre pintura, e de fato o conjunto de trabalhos expostos era bastante heterogêneo, abrangendo instalações, esculturas, performances, vídeos, etc. Mas a evidência de que a maior parte desse conjunto estivesse abrangida na categoria “pintura”, a partir de uma livre escolha dos artistas, contribuiu para que essa exposição fosse considerada um manifesto público da volta da pintura no Brasil, tanto por parte da crítica de arte, quanto pelo jornalismo cultural e pelos meios de comunicação de massa. A partir desse momento havia um grupo de artistas que poderia se equiparar aos alemães, italianos, franceses ou norte-americanos, para euforia nacional. O grande problema conceitual, porém, estaria justamente em compreender o sentido e abrangência da expressão-síntese criada para defini-los: “Geração 80”. A partir de uma declaração posterior de Marcus de Lontra Costa, é possível saber que o nascimento da expressão a relacionava com o uso corrente do termo “geração” (como já observado no comentário coloquial de Berredo), que rapidamente migrou do vocabulário publicitário concebido para particularizar o desenvolvimento progressista da tecnologia, com o intuito de estimular o consumo constante de produtos cada vez mais avançados – sentido próximo ao da abordagem evolucionista dada ao conceito pelos positivistas –, para a linguagem comum do dia-a-dia. De modo geral, 77 tratava-se de um período em que o contato com a televisão, entre outros aparelhos eletrônicos (videocassete, câmera de vídeo, etc.), e ainda em menor escala, com os computadores pessoais, constituía uma realidade vivencial cada vez mais marcante da população brasileira. Seria, enfim, a primeira geração de indivíduos cuja infância se caracterizou pela constante convivência com um amplo repertório de imagens e conteúdo gerado pelas emissoras de televisão e agências de publicidade – aqui, no sentido mais próximo da abordagem romântico-histórica.49 Em suma, então, a origem do termo remontaria tanto à vontade de sintetizar em uma única expressão um sentimento de identidade comum verificado na “nova geração”, uma vez que esses artistas apresentariam vivências supostamente similares, decorrentes de um contexto sócio-cultural compartilhado, e, ao mesmo tempo, em consonância com a cena de arte internacional (zeitgeist), quanto por um anseio progressista, embasado em sensações generalizadas de “atualização” e “obsolescência”, desencadeadas por mecanismos mercadológicos, passando a considerar o caráter de atualidade (o que ocorre no presente) como padrão valorativo, em oposição à arte de um passado próximo, experimentada como algo não mais pertinente (obsoleta), e à expectativa temerosa (mesmo que irônica) de uma superação futura.50 Por um lado, 49 “Sabe que eu não me lembro direito, mas eu acho que [o nome] surgiu em uma reunião com Ronaldo Macedo. Eu me lembro que a gente discutia muito a questão tecnológica da geração. A gente brincava dizendo assim: que era uma geração muito tecnológica a partir da relação dela com a televisão. A gente já falava em computador naquela época e aí quando a gente começou a falar em tecnologia e computador, tinha aquela história de computador de primeira geração, de segunda geração, de terceira geração... Eu não sei quem foi, falou assim: ‘Então é Geração 80’. Aí a gente achou legal (...)” COSTA. Marcus de Lontra. Entrevista realizada por Carlos Eduardo Vianna A. Soares, em 4 de agosto de 1997. In: SOARES, Carlos Eduardo Vianna A. O rastro da modernidade: o discurso da Modernidade e a pintura brasileira até o evento “Como vai você, Geração 80?”. 1998. Dissertação (Mestrado em Artes Visuais) – Escola de Belas Artes, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, p. 145. 50 Hilton Berredo, já na abertura da exposição que “lançaria” a nova geração, proferiu sarcasticamente: “A [Geração] 90 vem aí para passar por cima da gente”. In: MANCINI, Piero; ARAÚJO, Carlos (dir.). Geração 80. Vídeo realizado durante a abertura da exposição Como Vai Você, Geração 80?. Rio de Janeiro: Produtora Studio Line, 1984 (Ver Anexos I). Vale lembrar que em alguns discursos críticos também houve referência a uma atmosfera “apocalíptica”, ligada ao fim do milênio e à possível iminência de uma guerra nuclear (um dos sintomas do zeitgeist). Isso explicaria, de certo modo, a grande ênfase dada ao presente, ao “aqui-e-agora”, uma vez que o futuro, muitas vezes, era vivenciado como incerto. 78 temos uma referência quase que meramente comportamental; por outro, uma espécie de rótulo ou etiqueta. Eis aí as principais críticas feitas ao uso do termo, desde então.51 Il. 40 – Capa da edição especial da revista Módulo, edição especial, julho/agosto 1984 / Catálogo da exposição-evento Como Vai Você, Geração 80? Se os curadores, por sua vez, evitaram ressaltar um sentido preciso para a Geração 80, bem como delimitar sua esfera de abrangência, isso não significou que outros críticos procurassem e artistas insinuar não algumas questões no exato momento em que o termo começava a ser assimilado pelo meio de arte. Jorge Guinle, por exemplo, em texto publicado na edição especial da revista Módulo, catálogo da exposição do Parque Lage, reforçava um sentimento de zeitgeist (embora não utilizasse esse termo) justamente na grande diversidade que caracterizava os 126 artistas participantes do evento (e não 123, como registrado na época), algo que poderia ser estendido para toda uma geração de artistas que começava a atuar na década de 1980.52 Assim, a partir desse momento, cada pólo cultural regional 51 “Geração 80 é um nome, um rótulo, e não um conceito de pintura ou de arte, aproximando-se mais da definição comportamental de uma geração e por isso mesmo, não pode ser de muita utilidade no desvendamento das propriedades internas da obra de arte.” In: BASBAUM, Ricardo. Considerações críticas sobre a nova pintura e alguns aspectos de sua emergência no Brasil, particularmente no Rio de Janeiro. 1988. Monografia (Especialização em História da Arte e Arquitetura no Brasil) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, p. 22. [Grifo nosso] 52 “O caráter da exposição (o seu lado enciclopédico, abrangente) pretende enfatizar sociologicamente o “clima” espiritual e artístico da época em que vivemos, o que se está construindo a partir dos anos 80 e que envolverá futuramente, de uma maneira ordenada, o seu corpo astral e que, hoje, em 84, são ainda aspectos fragmentados e opacos da década em curso.” GUINLE, Jorge. Papai era 79 brasileiro foi capaz de produzir (através dos discursos de seus críticos locais) sua respectiva Geração 80. Essa abrangência esgarçada do termo, uma vez que era preciso incorporar a pluralidade característica da época, segundo Guinle, contribuía para que toda tentativa de definição mais sistemática fosse imediatamente transferida para uma “instância futura”, quando, afinal, pudesse ser possível desenvolver uma ideia mais precisa do que teria sido o fenômeno da “nova” geração. Evitava-se, assim, o desenvolvimento de qualquer conceituação ou julgamento antecipado. Il. 41 – Capa do livro Explode Geração!, do crítico Roberto Pontual, lançado durante a abertura da exposição-evento Como Vai Você, Geração 80? Em Explode Geração!, Roberto Pontual também reconhecia que naquele momento a preocupação recaia mais na vontade de reconhecer um fenômeno identificável do que caracterizar um conceito de arte, criando-se para isso um termo definidor, sem, na verdade, muito definir. Contudo, alertava para os problemas daí decorrentes: surfista profissional, mamãe fazia mapa astral legal. Geração 80 ou como matei uma aula de arte num shopping Center [1984]. In: Módulo – Catálogo oficial da exposição “Como Vai Você, Geração 80?”, Rio de Janeiro, edição especial, julho/agosto 1984. Também em: BASBAUM, Ricardo (org.). Arte brasileira contemporânea: texturas, dicções, ficções, estratégias. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos: Contra Capa, 2001, p. 231; CHAIMOVICH, Felipe (cur.). 2080. Op. cit., p. 31; COSTA, Marcus de Lontra (cur.). Onde Está Você, Geração 80?. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 2004, p. 104; CANONGIA, Ligia. Anos 80: embates de uma geração. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2010. 80 A primeira certeza a estabelecer é se existe mesmo algo a que se possa a se chamar, com alguma correção, de Geração 80. Parece que sim, se levarmos em conta o número crescente de manifestações (mostras, textos, debates) que a ela se referem, nos últimos tempos, como uma realidade imediata e precisa. Parecerá mais ainda se, para além desses sinais de superfície, descermos até a análise de certos elementos profundos de prova: a reiteração de modelos de pensamento e de conduta, a incidência de idiossincrasias, o paralelismo de gestos e de gostos – enfim, o exercício de preferências. Nesse sentido, uma nova geração está seguramente em campo. Claro que será sempre um ato simplificatório dar a tais aparecimentos uma data fixa, sobretudo se for para nela recair a tendência da conta exata. Geração 80 corre o risco de ser uma figura de retórica como outra qualquer se, para defini-la, não encontrarmos a base concreta da evidência no plano estrito da linguagem. Ou seja, na assunção de um estilo – o seu estilo.53 Aí residiria outro problema: se Geração 80 define um estilo, “o estilo dos anos 1980”, difícil é saber como uma geração marcada pela pluralidade seria capaz de estabelecer uma determinada visualidade, um modo específico de se fazer arte. Devido à ênfase dada à pintura até aquele momento e à grande quantidade de artistas que se dedicavam a esse meio, era praticamente inevitável não concluir que, na fissura dos discursos, o termo viesse a definir nada mais que um “estilo” de pintura, mesmo que muitas das características identificadas na produção pictórica pudessem também ser localizadas em propostas realizadas em outros meios. A partir daí, o uso midiatizado do termo, criando-se grande propaganda em torno dessa geração, contribuiu para que críticos e artistas ora o aceitassem ora o rechaçassem, conforme o caráter positivo ou não da situação em que era usado. Por fim, o crítico Paulo Herkenhoff (1949-), então diretor do Instituto Nacional de Artes Plásticas, Inap/Funarte, apontava para mais uma questão referente ao termo, ao perguntar retoricamente, no catálogo da exposição, onde estaria “a outra geração 80 fora dos temas e modos hegemônicos.”54 Com isso, alertava, do mesmo modo que Mannheim, para a importância em se considerar a “não contemporaneidade dos contemporâneos”, uma vez que até mesmo indivíduos de uma faixa etária semelhante 53 PONTUAL, Roberto. Explode Geração!. Op. cit., p. 50; COSTA, Marcus de Lontra (cur.). Onde Está Você, Geração 80?. Op. cit., p. 111; FERREIRA, Glória (org.). Daniel Senise: cronologia crítica. Op. cit., p. 178. [Grifos nossos] 54 Paulo Herkenhoff. As primeiras respostas.... In: Módulo – Catálogo oficial da exposição “Como Vai Você, Geração 80?. Op. cit., s/p. 81 nem sempre vivenciam e elaboram de maneira comum as experiências decorrentes do contexto em que vivem. Assim, um conceito como Geração 80, aliado à força de certos discursos críticos (e midiáticos), ao mesmo tempo em que era capaz de dar grande visibilidade a certas tendências da época, inevitavelmente relegaria uma série de pesquisas a uma posição marginal, evidenciando que, apesar de seu caráter abrangente, implicitamente tornava-se um termo excludente. Uma vez assimilado à história da arte brasileira, caberia então às revisões historiográficas a tarefa de problematizar em que sentido um conceito geracional pode ser útil para o entendimento de uma época, sem que as diferenças que a constituem sejam excluídas (recalcadas) em prol do desejo de uma unidade utópica e, quase sempre, esquemática. 1.3 A dialética entre as décadas: conceito versus expressão A ideia de geração tornou-se uma importante ferramenta crítica para o desenvolvimento de um projeto histórico para a década de 1980, especialmente para aquele calcado no fenômeno da “volta” da pintura, por sua capacidade de se adaptar às diferentes necessidades estratégicas que foram sendo delineadas à medida que a década avançava. No entanto, assim como a noção de zeitgeist, ao mesmo tempo em que o termo constituía-se como instrumento eficaz para esse propósito, estimulava a redução da pluralidade característica daquele período a uma suposta homogeneidade artística, ora negando com ênfase as práticas ligadas ao conceitualismo, ora colocando sutilmente à margem todas aquelas propostas de arte que não se adequassem ao modelo que estava sendo gestado. Cabe observar que nem sempre esse discurso pretensiosamente hegemônico foi aceito sem objeções. Nesse sentido, pode-se ressaltar que o debate crítico dos anos 1980, com maior intensidade na cena internacional, mas com reverberações importantes também no meio brasileiro, distinguiu-se por posições 82 antagônicas, precisamente demarcadas e ideologicamente saturadas, sobretudo na primeira metade da década, discursos estes que se baseavam nas possíveis relações de oposição ou diálogo entre a arte dos anos 1960/1970 e a dos 1980. A ênfase no “presente” como procedimento necessário para construção de uma identidade temporal estruturava-se em torno da declaração pública de uma posição de confronto frente ao passado próximo. Os críticos que defendiam a supremacia da pintura naquele momento acreditavam (ou intuíam) que havia ocorrido uma mudança no padrão de gosto durante a passagem dos anos 1970 para os 1980, a partir da hipótese de que esse processo tenderia a obedecer a uma lei de compensação historicamente avalizada: assim, se nas décadas anteriores a arte ocidental caracterizou-se por uma ênfase em seus aspectos conceitual e político, aliada a uma forte tendência ao experimentalismo, seja no nível dos procedimentos, dos materiais ou mesmo da linguagem, quase sempre em detrimento dos meios tradicionais e da dimensão subjetiva da arte, era chegada a hora de uma inversão “valorativa”. Compreendiam desse modo, que a partir do momento em que certas qualidades eram categoricamente reprimidas em um determinado período, devido à ascensão de outras tantas, estava claro que as mesmas retornariam com maior evidência no futuro, assumindo novamente o status que fora perdido. No entanto, tornava-se difícil supor até que ponto esses críticos identificavam indícios que realmente pareciam confirmar tal processo – de modo semelhante ao que acontecia em muitas abordagens “clássicas” da história da arte (o passado como parâmetro) –, ou se, contrariamente, a concepção, afirmação e constância de seus discursos (através de textos e curadorias) não acabava conformando e amplificando esse fenômeno de retomada da pintura. O mais provável é que as duas coisas tenham ocorrido simultaneamente. De modo geral, profundas transformações estavam em curso naquele período (sobretudo a gestação de certos processos que conduziriam a modificações sociais, políticas e culturais mais amplas no final da década de 1980), mas ao que parece, é na dimensão da crítica, mais do que na produção artística propriamente dita, que as mudanças foram assimiladas com maior intensidade, o que de certo modo estimulou entre os críticos o desenvolvimento de posicionamentos interpretativos acalorados, e muitas vezes diametralmente opostos, seja em relação ao 83 rumo que a arte deveria tomar na história, seja quanto ao papel que ela cumpriria no contexto social. 1.3.1 Estratégicas teóricas, ideológicas e políticas, a partir da produção pictórica da década de 1980 A dialética estabelecida entre as décadas de 1960/1970 e 1980, presente em muitos discursos críticos da época, em verdade, não se reduzia a uma simples polaridade temporal, ou mesmo a uma hipótese histórica de mudança no padrão de gosto, mas encobria diferenças ideológicas que a ela se conectavam de modo tácito, e que casualmente encontravam fissuras discursivas por onde eram capazes de se manifestar. No comentário do curador Norman Rosenthal, citado no texto de seu parceiro Christos M. Joachimides para o catálogo da exposição Zeitgeist, por exemplo, tornava-se pública uma importante indagação: Como é possível que Brice Marden (nascido em 1938), cuja obra se apóia na densa tradição do construtivismo europeu, seja apresentado como um arauto da vanguarda, enquanto Georg Baselitz (nascido em 1938) seja denunciado como epígono, sendo que em seu trabalho retoma e desenvolve a poderosa tradição do Expressionismo?55 Il. 42 – Thira, Brice Marden, 1979-1980, óleo e cera s/tela, 244 x 460cm, Musée National d’art moderne, Paris/França 55 ROSENTHAL, Norman apud JOACHIMIDES, Christos M. Achilles and Hector before the Walls of Troy [1982]. In: JOACHIMIDES, Christos M.; ROSENTHAL, Norman (ed.). Zeitgeist. Op. cit.; GUASCH, Anna María (ed.). Los manifiestos del arte posmoderno: textos de exposiciones, 19801995. Op. cit, p. 18. [Grifos nossos] Tradução livre do autor, a partir da versão espanhola. 84 Il. 43 – Die Mädchen von Olmo II, Georg Baselitz, 1981, óleo sobre tela, 259 x 249cm, Musée National d’art moderne, Paris/França O que explicaria, afinal de contas, o fato de dois artistas nascidos no pertencentes mesmo à mesma ano, geração etária, serem vistos de maneira tão distinta? Rosenthal e Joachimides sabiam que essa diferenciação qualitativa decorria do modo como cada tradição moderna a qual esses artistas vinculavam seus trabalhos era compreendida na esfera da crítica de arte, mas também, em uma dimensão mais subliminar, dizia respeito à procedência geográfica diversa dos dois. Enquanto o norte-americano Brice Marden estava ligado à tradicional produção pictórica não figurativa da Escola de Nova York, em acordo com a corrente crítica que estabeleceu uma influente abordagem teórica do Modernismo, Georg Baselitz provinha da tradição cultural germânica, cujo movimento expressionista era aceito com reservas pelos críticos de origem anglo-saxônica – isso quando não o rechaçavam completamente. Desse modo, é provável que todas as diferenças artísticas, estéticas, visuais, processuais identificáveis nas pinturas desses dois artistas encobrissem e canalizassem, ao mesmo tempo, profundas contendas teóricas, que na década de 1980 assumiram na defesa ou denúncia desses trabalhos, na luta obstinada por sua validação ou condenação, um meio indireto de legitimar os próprios discursos críticos. O que estava em jogo, em última instância, era a autoridade de quem definia o que era válido ou não em termos de produção artística contemporânea naquele momento. Outro aspecto que poderia ser salientado nesse comentário é que, em princípio, o problema não se referia à opção pela pintura enquanto medium, mas ao tipo de pintura que se poderia produzir. A partir do momento em que a invenção da fotografia desencadeou a gradual crise da produção pictórica figurativa, desde o século XIX, a 85 única vanguarda possível seria aquela que se desenvolveu progressivamente de Édouard Manet (1832-1883) a Paul Cézanne (1839-1906), passando pelo cubismo, pelos abstracionistas, até a Escola de Nova York e a pintura monocromática. Ao definir um desenvolvimento teleológico para a arte moderna, essa corrente crítica – incluindo aí seus desdobramentos teóricos – voltou-se não só contra a imagem (figuração), como também induziu a crença de que a arte deveria se despir de toda experiência subjetiva ou metafísica. Desse modo, a partir dos anos 1960, predominou a opinião de que a arte abstrata havia adquirido não só a liderança artística da vanguarda, mas também uma condição durável e irreversível na expressão artística contemporânea. Isso influenciaria até mesmo o modo como certas vanguardas figurativas, outrora recalcadas, teriam sido reabilitadas pelos movimentos da época, sobretudo nos Estados Unidos. No âmbito de A New Spirit in Painting e de Zeitgeist, então, a inversão dialética foi sintomaticamente estabelecida entre a década de 1960 e o período que abrangia o final dos anos 1970 e o início dos 1980, contribuindo para que o norte-americano Hilton Kramer (1928-), crítico de arte do jornal The New York Times, em texto publicado no catálogo de Zeitgeist, acreditasse que a recente pintura figurativa de viés expressionista se opusesse a certas características existentes em movimentos como a pop, o minimalismo e o Support-Surface, mesmo que artistas tradicionalmente ligados a essas tendências tenham sido incluídos nas duas exposições.56 Embora o “neoexpressionismo” – termo utilizado por essa crítica para generalizar todas as tendências pictóricas daquele momento, independentemente das diferenças que pudessem existir entre elas – e a pop tivessem um solo cultural comum (o da sociedade de massas), em contraposição àquele das vanguardas históricas do início do século XX, para ele 56 “Tinha um sujeito que era muito odiado na América, considerado direitista, que se chamava Hilton Kramer, que era do Times. (...) Ele era basicamente formado pelo Greenberg, acredito. E exercia uma crítica muito tirânica contra a Pop. Com muito sarcasmo, ele comentou: ‘A Pop é a vingança da crítica de arte, porque a crítica até aqui vivia em condições muito humilhantes. Porque, evidentemente, a crítica era muito menos interessante do que os trabalhos’. A Pop, para ele, não tinha nenhuma verdade. A verdade dela era o discurso do crítico, daí a vingança dos críticos.” BRITO, Ronaldo. Conversa com Ricardo Basbaum, Roberto Conduru, Sheila Cabo e Vera Beatriz Siqueira, em 19 de novembro de 2004. In: Concinnitas, Revista do Instituto de Artes da Uerj, Rio de Janeiro, ano 5, n. 7, p. 94, dezembro de 2004. 86 apresentavam modos diferentes de compreender a produção artística e de abordar certas questões de viés formal e expressivo. Segundo Kramer, A arte dos anos 60 removeu sistematicamente seus atributos expressionistas. Todo traço de sentimento subjetivista, toda pulsão de improvisação (...) tudo o que lembrava o papel do inconsciente ou do irracional em arte, tudo isso foi suprimido em favor de superfícies lisas e “ângulos duros”, a favor de uma legibilidade imediata, da transparência e da ordem. A geração em ascensão parecia manter uma profunda aversão por tudo o que em arte tivesse ou fosse a aparência de mistério e de interiorização. A expressão da alma foi praticamente banida da arte. A expressão de sentimentos foi considerada vulgar. Pela primeira vez na história da crítica, o tédio foi considerado um sentimento exemplar. Nós entramos na época dos estilos “frios” e impessoais.57 Para o crítico, a questão da figuração em si não constituía uma verdadeira problemática a ser observada nessa oposição instituída entre os dois períodos, uma vez que desde os anos 1950 certos artistas do Expressionismo Abstrato, como Jackson Pollock (1912-1956) e Willem de Kooning, tanto quanto os artistas do Neo-Dadá e da Pop, na década seguinte, já haviam começado a reintroduzir a figuração em suas obras. O que havia mudado consideravelmente, de fato, era o modo como imagens em geral eram trabalhadas a partir dos procedimentos e repertórios próprios da pintura, a partir da subjetividade de cada artista, ou seja, de uma noção de individualidade expressiva – provavelmente, para ele, similar ao modus operandi do desdobramento figurativo do Expressionismo Abstrato, uma forma de expressionismo que, em geral, desfrutava do respeito crítico que os movimentos da Europa Central e do Norte não possuíam (dentro da esfera da Teoria Modernista). Enquanto a Pop mantinha uma tendência à pureza e ao distanciamento frio [cool], próxima à condição abstrata reinante nos anos 1960 (aqui em referência ao clima mais pragmático da sociedade norte-americana), o neoexpressionismo, em contrapartida, era um estilo “ardente”, ligado ao mistério e à metafísica, que “goza[va] plenamente do prazer dos meios pictóricos puramente materiais”, ao considerá-los “como possibilidade de criação figurativa de emoção e 57 KRAMER, Hilton. Signes de la passion [1982]. In: BISSIÈRE, Caroline; BLANCHET, JeanPaul (ed.). Les années 80: à la surface de la peinture. Op. cit., p. 217. Tradução livre do autor, a partir da versão francesa. 87 sentimentos.”58 Desse modo, para Kramer, era o processo pictórico (recuperado) que determinava o diferencial da arte produzida naquele momento. Já em outro texto do catálogo de Zeitgeist, escrito pelo também norte-americano Robert Rosenblum (19272006), ainda que a argumentação fosse essencialmente próxima à de Kramer, duas diferenças poderiam ser apontadas: por um lado, o período de oposição deslocava-se dos anos 1960 para os 1970; por outro, a referência ao amplo uso de imagens por parte dos novos artistas era considerada mais no nível dos procedimentos artísticos do que no âmbito da subjetividade expressionista. Vejamos: No que concerne o ponto de partida dos artistas mais jovens, eles já nos deixaram claramente a par de sua intenção em lançar ao mar os estilos secos e abstratos que dominaram os anos 70 e de substituí-los sem cerimônia por uma profusão de figuras, de histórias, de materiais, de cores e de espaços livres que têm mais o gosto dos jardins de infância do que dos laboratórios estéticos. Um exército internacional de novos artistas, que amaria colocar tudo de cabeça para baixo, com seus reconhecidos modos desagradáveis, penetrou nas torres de marfim onde os artistas da década passada trabalharam conscienciosamente geometrias refinadas, teorias semióticas e diferentes gêneros de purezas visuais e intelectuais. Sente-se por todos os lados um sopro de revolta, como se houvesse sido liberado um mundo inquieto repleto de mitos, lembranças, formas e cores derretidas e rasgadas, um mundo livre das ações repressivas do intelecto, que exerceu seu poder sobre a arte mais proeminente das últimas décadas. O território funcional da clareza formal, das superfícies impessoais, da imobilidade do universo fotográfico, foi abalado pelos tremores de terra que, considerados individual ou coletivamente, aparecem como erupções de fantasias íntimas dos artistas e que imediatamente parece ser alimentado pelo tesouro de aventuras as mais oficiais, quer seja a mitologia, a história ou ainda o reservatório inesgotável de obras mais antigas, que nos saltam aos olhos hoje por todos os lados, de revistas aos cartões postais, passando pelas estações de metrô e interiores da classe média.59 58 “Os historiadores se interrogarão ainda por muito tempo para saber por que a arte dos anos 60 agiu de maneira tão inóspita frente a esses impulsos. Porque se trata em última análise de uma década que é conhecida por seu acaloramento em outros domínios. Com seu culto à droga, seu radicalismo social e revolução sexual, sua oposição à ordem burguesa e seu recurso a visões de futuro apocalípticos e irracionais, o espírito dos anos 60 pareceu encontrar – em especial com o movimento que se chamou contracultura – um terreno particularmente fértil ao nascimento de uma corrente expressionista. Pelo contrário, como nós o sabemos, essa década das mais quentes favoreceu o mais “frio” [cool] dos estilos artísticos. O impulso expressionista foi proibido de existir e não conta para a arte. Porque as relações que reinam entre a arte e a sociedade, entre a criação e a história, são muito mais contraditórias e menos diretas do que geralmente se pensa. É a razão pela qual tantas pessoas ficaram surpresas e despreparadas, quando os neo-expressionistas se jogaram sobre nós no final dos anos 70 e início dos 80.” Ibid., p. 217. Tradução livre do autor, a partir da versão francesa. 59 ROSEMBLUM, Robert. Réflexions sur les sources de l’esprit du temps [1982]. In: BISSIÈRE, Caroline; BLANCHET, Jean-Paul (ed.). Les années 80: à la surface de la peinture. Op. cit., p. 218. Tradução livre do autor, a partir da versão francesa. 88 Delineava-se, enfim, não só uma oposição clara entre “conceito” e “expressão”, mas também entre os procedimentos mais ligados ao intelecto e os relacionados ao próprio fazer artístico, como se um não pudesse existir implícito, contíguo ou intrinsecamente misturado ao outro. O próprio modo como imagens eram trabalhadas por esses artistas demonstrava que a nova pintura englobava as duas instâncias, mas o debate realizado no calor da hora nem sempre permitia que o fenômeno que Rosenblum nomeou como “Torre de Babel visual” fosse devidamente analisado por esses críticos, e até mesmo considerado a partir de uma perspectiva mais ampla, relacionando-o não só à esfera das tendências pictóricas, mas igualmente com trabalhos realizados em outros suportes, estabelecendo, assim, uma verdadeira característica constitutiva e representativa da época – em substituição a certos aspectos recorrentes nas polaridades do discurso crítico, que infelizmente têm prevalecido em muitas historiografias sobre o período até os dias de hoje. 1.3.2 Dialética entre as décadas na crítica de arte brasileira dos anos 1980 No meio artístico brasileiro, Frederico Morais foi o primeiro crítico a salientar a oposição entre as décadas de 1970 e 1980, estando engajado, de certo modo, com o projeto pessoal de atualização artística, mediante seu contato com o que ocorria no contexto internacional (em termos de teoria e de produção de arte contemporânea). Em 1979, além de escrever pioneiramente sobre os indícios do retorno da pintura no meio nacional de arte, em um ensaio retrospectivo sobre a década de 1970 – tendo como subtítulo a sintomática pergunta “O fim da vanguarda?” –, o mesmo identificava uma perda de fôlego na arte experimental brasileira, em decorrência tanto da censura imposta pela situação política, quanto pela própria eminência do ocaso da vanguarda, que já vinha sendo anunciado no meio de arte internacional há algum tempo. Além disso, o crítico via em artistas como Waltercio Caldas (1946-) e Tunga (1952-) uma mentalidade menos visceral e empírica que aquela existente nos artistas da chamada “guerrilha 89 artística” (“Geração Tranca-Ruas”), surgida na virada dos anos 1960 para os 1970, e que compreendia Cildo Meireles (1948-), Antonio Manuel (1947-) e Artur Barrio, entre outros. Em seguida, argumentava que os jovens artistas da década de 1970 – mediante um contexto menos repressivo que aquele em torno do AI-5 – assumiram uma postura mais “cerebral”, ligada ao conceitualismo, o que explicaria o “caráter algo frio, metódico, racional da produção”, contribuindo para que ela perdesse em “espontaneidade” e em “generosidade”.60 A partir desse momento, então, tornou-se frequente nos discursos do crítico, a dialética entre a pintura expressiva dos anos 1980 e essa produção conceitual da década de 1970, aproximando-o, assim, do debate igualmente polarizado na cena internacional.61 60 MORAIS. Frederico. Arte brasileira, anos 70: o fim da vanguarda?. In: Módulo, Rio de Janeiro, n. 55, p. 54, setembro 1979. Entre os jovens artistas conceituais, Frederico Morais não chegava a mencionar aqueles ligados à videoarte, comentando apenas que esta última não havia chegado de fato a constituir uma tendência, por não ter encontrado diálogo nem com a crítica nem com o público, ao contrário do que teria ocorrido com a fotografia. Ao que parece, na postura assumida em relação à arte conceitual, Morais percebia que os desdobramentos da arte experimental no Brasil foram menos favoráveis para o estilo de abordagem crítica que ele desenvolvia, lembrando-se, também, que os trabalhos de Waltercio Caldas e Tunga, naquela época, estavam intimamente vinculados à leitura realizada por Ronaldo Brito (1949-), a partir do núcleo em torno da revista Malasartes (1975-1976). Ver os textos de Frederico Morais e Ronaldo Brito sobre os trabalhos de Tunga expostos na individual do artista no Espaço ABC – Funarte, em 1980 (Anexos I), assim como o dossiê do projeto, por mim organizado: REINALDIM, Ivair (org.). Espaço Arte Brasileira Contemporânea – ABC / Funarte (dossiê). In: Arte & Ensaios, Revista da Pós-Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes/UFRJ, Rio de Janeiro, ano XVII, n. 20, pp. 112-167, julho 2010 (Introdução nos Anexos I). 61 1. “E na raiz desses novos comportamentos pictóricos pode estar o cansaço das tendências conceituais vigentes nos últimos dez ou quinze anos, a aridez de uma arte hermética, o tédio provocado por linguagens cifradas, quase cabalísticas, que necessitam de explicações, de uma arte paravisual que não se dirige aos olhos ou ao coração, mas à mente: a arte como ideia. Tem algo a ver com a necessidade de reconquistar o espectador com propostas visuais de encher os olhos e aliviar os corações, depois das homeopáticas e microemotivas propostas artísticas desta década.” MORAIS, Frederico. Panorama confirma novas tendências da pintura [1979]. In: FERREIRA, Glória (org.). Crítica de arte no Brasil: temáticas contemporâneas. Op. cit., p 322. [Grifos nossos]; 2. “E não por acaso a nova pintura dos anos 80, frequentemente suja e caótica, tem sido definida como ‘antiautoritária’. As novas tendências informais/figurativas, com toda sua carga de violência e emoção, de humor e sujeira, de temas obscenos e desbragada fantasia, surgem, assim, como uma reação à tautologia da arte conceitual, com seu intelectualismo hermético, e à assepsia da arte construtiva, em suas vertentes mais radicais, com seus sistemas, sua lógica e seu rigor purista. (...) Não é art about art, esta tautologia castradora da arte dos anos 70, é arte a partir da arte, uma coisa mais descontraída e aberta.” MORAIS, Frederico. Gosto desse cheiro de pintura [1983]. In: 3.4 – Grandes Formatos. Op. cit., pp. 7-8, 11; FERREIRA, Glória (org.). Daniel Senise: cronologia crítica. Op. cit., p. 170. [Grifos nossos]; 3. “Ela é uma reação à arte hermética, purista e excessivamente intelectual predominante nos anos 70. Um retorno do artista a si mesmo, à sua subjetividade, mediante a liberação de uma fantasia não planejada ou controlada, e que se manifesta por uma intensificação do gestual e da cor, quase um neo-informalismo ou neo-figurativismo. O que muitas vezes passava por rigor e objetividade na arte da década passada era, na verdade, um excessivo de 90 Il. 44 – Registro fotográfico da abertura da mostra Esculturas e Desenhos, individual de Tunga no Espaço ABC Funarte, Rio de Janeiro, 7 de novembro de 1980 Ver os textos de Ronaldo Brito e de Frederico Moraes sobre os trabalhos expostos (Anexos I) A questão chave para o entendimento da oposição entre “conceito” e “expressão” declarada por Frederico Morais encontrava-se justamente na percepção da possibilidade de continuidade ou não da vanguarda no contexto dos anos 1980, e, sobretudo, no entendimento que o crítico tinha desse termo. Mas, contrariamente ao que aparentava, devido à constância que pode ser percebida em seus argumentos posteriores, na passagem de uma década a outra, Morais não explicitava tanta convicção sobre as mudanças que começavam a ser identificadas no meio artístico, procurando analisar com certo cuidado a arte que vinha sendo produzida naquele período. Em outro “balanço” da década de 1970, publicado meses após aquele da revista Módulo, no início hermetismo, e este, por sua vez, era um álibi que escondia a empáfia dos artistas conceituais tratando de matérias – filosofia, economia, política, matemática – que não eram da sua competência. Contrariamente, quando os novos artistas propõem um retorno à subjetividade e à individualidade, eles estão querendo restabelecer a comunicação com o público, a partir de temas mais próprios ao universo da arte.” MORAIS, Frederico. Gute Nacht Herr Baselitz ou Hélio Oiticica onde está você? [1984] In: Módulo – Catálogo oficial da exposição “Como Vai Você, Geração 80?”, Op. cit., s/p.; BASBAUM, Ricardo (org.). Arte brasileira contemporânea: texturas, dicções, ficções, estratégias. Op. cit., p. 225; CHAIMOVICH, Felipe (cur.). 2080. Op. cit., p. 35; COSTA, Marcus de Lontra (cur.). Onde Está Você, Geração 80?. Op. cit, p. 101; CANONGIA, Ligia. Anos 80: embates de uma geração. Op. cit. [Grifos nossos]; 4. “Depois de uma década de arte assexuada, hermética e fria, que tinha sua correspondência em um discurso crítico que de certa forma introjetava o autoritarismo da vida brasileira, e em face, portanto, da própria evolução política interna (...) e das novas tendências da arte internacional (...), a expectativa em relação à nova geração de artistas brasileiros era muito grande.” MORAIS, Frederico. Rio de Janeiro: prazer e reflexão [1991]. In: _____ (cur.). BR/80: Pintura Brasil Década 80. 2ª ed. São Paulo: Instituto Cultural Itaú, 1992, p. 30; COSTA, Marcus de Lontra (cur.). Onde Está Você, Geração 80?. Op. cit, p. 116. [Grifos nossos] 91 de janeiro de 1980 (antes da “explosão” das grandes exposições internacionais voltadas para a nova pintura), escreveria: tenho procurado, com a maior isenção, revisar certos comportamentos vanguardistas, tenho procurado questionar a própria noção de vanguarda e a eficácia de um certo experimentalismo em arte, quase sempre vazio e ocioso, principalmente no nível político, e mesmo de uma certa arte conceitual sem qualquer conceito. Mas está claro que a “crise da vanguarda”, que seria mais internacional que nacional, está sendo usada como álibi para justificar decisões equivocadas ou mesmo o retorno de tendências ou correntes retrógradas ou acadêmicas, bem como o endeusamento de artistas medíocres. O “poder acadêmico” nunca esteve tão forte.62 Ao lado de Frederico Morais, outro crítico que partilhava essas ideias, seja por sua experiência pessoal do meio de arte brasileiro na década de 1970, seja pelo contato intenso que teve com as manifestações e debates internacionais relacionados à volta da pintura, foi Roberto Pontual. Contudo, sua análise apresentava importantes distinções em relação à de Morais, marcada por um forte viés psicanalítico e intimamente atrelada à condição política brasileira. De início, Pontual considerava um número maior de artistas no núcleo de produção experimental dos anos 1970, incluindo, além de Waltercio Caldas e Tunga, Lygia Pape (1927-2004), Anna Bella Geiger (1933-), Emil Forman (1954-1983), Ivens Machado (1942-), Fernando Cocchiarale (1951-) e Paulo Herkenhoff, artistas que se reuniram em torno da Unidade Experimental no MAM-RJ, e que, segundo Pontual, haviam direcionado suas investidas críticas para o sistema de arte (uma espécie de variação brasileira, para não dizer carioca, da crítica institucional), “recuperando uma política de choque para a vanguarda brasileira”. Ao mesmo tempo, reconhecia a importância de um grande número de pintores construtivos atuantes na segunda metade da década de 1970, entre eles Paulo Roberto Leal, Nelson Augusto (1942), Adriano de Aquino (1946-) e Ronaldo de Rego Macedo (1950), já os caracterizando como representantes do processo de retomada da pintura “como instrumento fundamental no conjunto das artes plásticas”.63 Nesse aspecto, é preciso lembrar que Pontual demonstrava um interesse particular pela produção construtiva 62 Id. Balanços e equívocos: nova revisão dos anos 70. In: O Globo, Rio de Janeiro, 4 janeiro 1980. [Grifos nossos] 63 PONTUAL, Roberto. Explode Geração!. Op. cit., p. 29. 92 brasileira e latino-americana, sobretudo em relação aos trabalhos do artista uruguaio Joaquín Torres García (1874-1949). Mas diferentemente de Frederico Morais, Pontual não via no contexto brasileiro uma oposição intensa entre os dois períodos, afirmando que a “Geração 80” teria sido a “herdeira em linha imediata do que se acumulou nos últimos 20 anos”, isto é, da arte produzida nas décadas de 1960 e 1970. Para o crítico, a princípio, as atitudes artísticas e comportamentais díspares que podiam ser evidenciadas entre as diferentes gerações de artistas decorriam essencialmente das transformações advindas do contexto sóciopolítico, em referência direta ao regime militar. Desse modo, considerava o artista dos anos 1970 como “filho adotivo” da ditadura, ressaltando que num primeiro momento, mediante a rejeição, esse filho havia saído às ruas, em antagonismo direto ao pai castrador, para depois, após o “milagre econômico”, mudar gradualmente sua postura. Nesse segundo momento, sob a influência de “Tanatos”, destacou-se a produção experimental, artistas que “eram certamente contra o estado de coisas vigente”, mas o contestavam “com os seus próprios meios”, através do uso da metáfora, do retorno ao museu e, por fim, da ênfase na “razão” em detrimento da “emoção”. Já os artistas dos anos 1980, em contraposição, regidos pelo temperamento de “Eros”, eram considerados os “filhos plenos desse pai rude, severo, atrabiliário e manchado de sangue”, cumprindo o “papel histórico positivo do filho que nega com todas as suas forças o pai para firmarse com individualidade própria”.64 Nisso, se não evidenciava um caráter radicalmente hostil à produção conceitual propriamente dita, por outro lado, assumia uma posição mais evidente no que tange à política das artes – aspecto que ficava menos explícito em Frederico Morais –, condenando abertamente o chamado “patrulhismo estético” da década de 1970: Nada de patrulhismo, nada de porra-louquice: duas doenças que em geral se excluem mutuamente, mas que às vezes ameaçam investir juntas. E, aí, viram pragas difíceis de controlar. Da primeira, fomos ficando livres desde que as patrulhas estéticas, formadas no caldo favorável da repressão (dos atos institucionais e das artes conceituais), tiveram que baixar suas armas com o advento da abertura e da anistia. Da segunda, que costuma 64 111. Ibid., pp. 48-49; COSTA, Marcus de Lontra (cur.). Onde Está Você, Geração 80?. Op. cit., p. 93 naturalmente preencher o vazio deixado pela primeira, conseguimos o milagre de empurrá-la pela tangente, neutralizando-a, porque a crise passou a exigir algum comportamento, alguma seriedade. A Geração 80 teve sorte, então, de começar pelo exorcismo de seus dois maiores perigos: o de herdar o espírito patrulheiro, castrador e sentinela, que andara tomando conta também da arte ao longo dos anos 70, e o de aceitar o salto-mergulho nas facilidades do “agora tudo ficou sendo possível e permitido”.65 É inegável que havia nos discursos de Frederico Morais e de Roberto Pontual uma euforia pela jovem produção, mas, num sentido mais profundo, insinuava-se também uma luta quase silenciosa contra certos posicionamentos críticos originários da década de 1970 que, sob o ponto de vista desses dois críticos formados no colunismo de jornal, aparentavam assumir enfadonhamente a tarefa de orientação e determinação teórica da verdadeira arte contemporânea brasileira. De algum modo, sob a iniciativa de abordar o fenômeno de retomada da pintura, praticamente esnobado por essa outra vertente crítica, havia uma estratégia de contraposição discursiva.66 Talvez por isso as ideias de Morais e Pontual tenham repercutido com tamanha força e abrangência – até mesmo por estarem em sintonia com o debate internacional –, encontrando algumas reverberações eventuais e menos saturadas em discursos de outros críticos brasileiros, 65 Ibid., p. 59; Ibid., p. 114. [Grifo nosso] Seria interessante ler esse comentário à luz da crítica que Ronaldo Brito faz à exposição Arte Agora, organizada por Pontual no MAM-RJ, em 1976. Cf.: BRITO, Ronaldo. Agora, a arte [1976]. In: LIMA, Sueli de (org.). Experiência crítica – textos selecionados: Ronaldo Brito. São Paulo: Cosac Naify, 2005, pp. 64-69. 66 Essa contraposição já havia sido identificada por Ligia Canongia, mas por um ponto de vista diferente: “No Brasil, a crítica desmembrava-se entre os que eram simpatizantes das teorias transvanguardistas de Bonito Oliva e que leram imediatamente o aspecto hedonista e a recuperação do corpo como libertação do pedantismo formal, e aqueles que as criticavam como facilidades teóricas inconsequentes, diante de sua falta de consistência ideológica. No primeiro time, os curadores da exposição do Parque Lage afirmavam que a geração 80 estava longe dos ‘pavores conceituais’ (...). Já na apresentação da mostra, homogeneizavam a produção pela defesa da sensualidade da arte e do prazer de sua fatura, tidos como eixos dominantes, que estariam ultrapassando as amarras intelectuais do conceitualismo, sem ponderar que, diferentemente, poderia haver ali uma outra sorte de conceitos, tendo por objetivo o rebatimento dos pressupostos idealistas da história moderna. (...) A crítica mais contundente à teoria italiana, porém, foi a de Ronaldo Brito que, já em 1983, ao espocar dos sinais transvanguardistas no Brasil, teceu comentários veementes contra as ‘manipulações’ teóricas de Bonito Oliva e sua tentativa de esvaziar o poder das vanguardas modernas. Para Brito, a nova pintura não tinha saída; ou radicalizava a modernidade, o que pressupunha manter as conquistas modernas como modelo e ainda inscrever-se dentro de seus quadros, ou caía no velho ilusionismo, o que seria mera forma de entretenimento e escape à vida contemporânea. Segundo o crítico, a pintura energética não assumia sequer esse dilema, preferindo desviar-se da dúvida para o ceticismo absoluto em relação ao poder de transformação e à lógica da história da arte, ‘talvez o dogma principal da modernidade’.” CANONGIA, Ligia. O Brasil nos anos 80. In: _____. Anos 80: embates de uma geração. Op. cit. 94 como, por exemplo, Marcus de Lontra Costa e Aracy Amaral, para citarmos apenas o eixo Rio-São Paulo.67 Mas, fato é que, se não adquiriu a intensidade do debate na Europa e Estados Unidos, a luta pela legitimação dos discursos e posicionamentos críticos no âmbito nacional, em muitos momentos, foi capaz de extrapolar a própria análise do objeto de arte. Assim, enquanto muitos críticos aderiram à análise feita por Morais e Pontual, ou mantiveram-se indiferentes à “Geração 80”, coube ao artista Ricardo Basbaum (1961-) desenvolver o primeiro estudo sobre a abordagem crítica da nova pintura, já na segunda metade dos anos 1980 (reforçando o caráter algo precoce que caracterizou a década na busca da definição de sua arte), através do questionamento dos discursos de Morais, Pontual e Lontra Costa, pelo fato de pouco se referirem às questões colocadas pelas obras propriamente ditas. O diferencial dessa análise é que, apesar de considerar as diferenças existentes entre os dois períodos, Basbaum defendia que “a nova pintura da década de 80” não teria representado um rompimento radical com o “panorama artístico dos anos 60”, argumentando que seria possível “detectar elementos de continuidade entre as duas produções”.68 Para ele havia pontos de passagem entre os dois períodos, uma vez que a suposta ruptura não caracterizaria uma perda de informação, um vácuo, mas sim uma “reorganização sob novos padrões”, recorrendo a 67 Nesse sentido, não é possível negligenciar o fato de que para certos teóricos seja necessário relativizar tal discurso, considerando-o como decorrente das condições particularmente encontradas no meio de arte do Rio de Janeiro, não refletindo o que acontecia, de modo geral, nos pólos culturais regionais – mesmo que depois esses argumentos tenham se generalizado por todo o país. Em São Paulo, por exemplo, teria havido supostamente uma passagem mais sutil e sem grandes rupturas entre as gerações de artistas dos anos 1970 e dos 1980. Contudo, naquele momento, não é possível identificar outra articulação crítica suficientemente estruturada e organizada para constituir um projeto histórico alternativo para a produção artística da década de 1980. 68 “A atitude dos novos artistas diferenciava-se daquela assumida por artistas atuantes nas décadas anteriores – anos 60 e 70 – que centraram suas discussões em torno da desestetização do objeto, de experimentalismos, da arte conceitual (anos 60) ou mesmo de atitudes que avançavam no sentido de uma prática que conectava diferentes meios (performance, vídeo, cinema, fotografia, etc.) na organização da ação (anos 70). Ainda dentro desse período anterior, aqueles artistas que trabalhavam com meios ditos mais tradicionais, como o objeto-escultura ou a pintura, o faziam a partir de uma atitude sóbria e regulada, numa estética de elementos reduzidos – uma visualidade que contrasta fortemente com o caráter “enérgico”, “selvagem”, erotizante, agressivo, despojado, com o qual emergiu a nova pintura.” BASBAUM, Ricardo. Considerações críticas sobre a nova pintura e alguns aspectos de sua emergência no Brasil, particularmente no Rio de Janeiro. Op. cit., p. 1. 95 conceitos e discussões teóricas provenientes do neoconcretismo, da pop, do nouveau réalisme, dos happenings, performances e até mesmo da arte conceitual, para endossar a tese de que a aproximação desses movimentos com a pintura dos anos 1980 se dava pelo viés “vivencial-corpóreo”, através da ampliação da prática experimental das décadas anteriores: Sem deixar de absorver cada uma dessas faces históricas, o impulso criativo interior do novo artista é principalmente vivencial, derivado diretamente da prática artística dos anos 1960 – responsável pelo exercício de integração da paisagem interna do indivíduo com a paisagem física exterior em uma matriz ambiental vivencial-corporal, sem a intermediação do objeto formalizado. Diferenciando-se do artista experimental dos anos 1960, entretanto, o artista da década de 1980 restringe deliberadamente seu espaço de atuação ao espaço simbólico da tela, rematerializando o objeto e admitindo a manipulação de linguagens formais, o que demonstra uma alteração na matriz ambiental instauradora da sensibilidade vivencialcorpórea da arte experimental.69 A análise de Basbaum vinha então rearticular certas abordagens críticas daquela década, desenvolvendo uma breve reflexão sobre os processos de continuidade e descontinuidade na arte brasileira, a partir da reorientação das práticas conceituais no seio da produção de pintura expressiva. Desse modo, o artista assumia a tarefa de elaborar uma leitura alternativa ao entendimento quase massificado – devido à recorrência e à retumbância de alguns discursos críticos – que se estabelecia em relação à arte produzida nos anos 1980, mesmo que sua abordagem estivesse restrita à chamada “nova” pintura. Sua iniciativa marcaria, então, o início de uma reivindicada (re)avaliação desses discursos críticos, algo que será abordado eventualmente ou com certa tônica por alguns autores nas décadas seguintes. 69 Id. Pintura dos anos 80: algumas observações críticas. In: Gávea, Revista do Curso de Especialização em História da Arte e Arquitetura no Brasil, Rio de Janeiro, PUC, n. 6, 1988; BASBAUM, Ricardo (org.). Arte brasileira contemporânea: texturas, dicções, ficções, estratégias. Op. cit., pp. 300301. [Grifos nossos] 96 1.3.3 Análises à posteriori da década de 1980 e a oposição ideológica entre conceito e expressão Concordando com as indicações feitas por Ricardo Basbaum sobre a produção pictórica dos anos 1980, sobretudo pelo modo simplificador, quase maniqueísta, que os discursos críticos do período trataram a relação entre ‘razão’ e ‘emoção’, o artista Milton Machado (1947-) afirmaria, já no início da década seguinte, que nenhuma imaginação subjetiva poderia ser fruto de uma experiência a-teórica, que toda liberdade artística só seria possível mediante uma teoria da arte que a norteasse. Por isso, segundo seu discernimento, era preciso redimensionar as avaliações realizadas a partir do uso de certas expressões generalizantes, as quais definiriam muito mais um rótulo do que um real parâmetro reflexivo, levando-se também em conta, nesse processo, o papel sociopolítico implícito e exercido pela crítica de arte.70 A respeito dessa separação ideológica entre os anos 1970 e 1980, argumentaria ainda: Percebe-se, na atual vigência, que se estabeleceu uma expectativa que é, antes de mais nada, artificial. “Geração 70”? Franzem-se os sobrolhos, é preciso que nos preparemos – em geral com o silêncio – para incômodos momentos de seriedade e petulância intelectual. “Geração 80”? Sorrisos de cumplicidade: a própria juventude do arteiro já é garantia rotular de nossas jovialidade, leveza, descontração. O show tem que continuar. Mas, aí também, a fanfarra pode não deixar ouvir desses artistas sua fala mais sutil.71 70 “A chave ‘artistas conceituais dos anos 1970’, no caso do Brasil em particular, é tão específica que não consigo lembrar um só nome que a represente, estritamente. Há artistas conceituais e há artistas dos anos 1970, e nessa diversidade há obras, e obras. A classificação [é] imprecisa e apressada, como aliás tendem a ser todas as classificações em arte; o rigor e o hermetismo tantas vezes denunciados, podem encobrir, da parte do observador – qualquer que seja ele, leigo ou especialista – sua perplexidade, ou preguiça, ou má vontade e mesmo, na pior das hipóteses, pouca disposição para articulações de sua própria inteligência. (...) A crítica, ainda que também ela não se expresse necessariamente por um discurso diretamente político, está igualmente sujeita, ou mais ainda, às apropriações diferenciadas. Formulada com maior ou menor consistência e responsabilidade autorais, a crítica que se entusiasmou com o ‘retorno à pintura’ nos anos 1980, ou que fez dela seu próprio way of life, é, inevitavelmente e mesmo que não queira, socialmente comprometida.” MACHADO, Milton. Dance a noite inteira mas dance direito [1992]. In: BASBAUM, Ricardo (org.). Arte brasileira contemporânea: texturas, dicções, ficções, estratégias. Op. cit., pp. 336-337. [Grifo nosso] Originalmente apresentado na forma de palestra, no Simpósio Visorama, organizado na Escola de Comunicação da UFRJ, em 1992. 71 Ibid., p. 341. [Grifo nosso] 97 Mais do que analisar uma identidade grupal, para Machado, seria recomendável e necessário considerar as trajetórias individuais, o modo como, no caso dos jovens artistas da década de 1980, carência de formação reverte-se em aprofundamento teóricoartístico, recusando-se assim a (re)afirmação de posições polarizadas como aquelas claramente explicitadas nos discursos críticos da época, seja aqueles que aceitavam de modo incondicional e irrestrito o fenômeno de retomada da pintura, seja os que o rejeitavam completa e sumariamente. Concluía, enfim, que “seria injusto não reconhecer entre os resultados dos esforços da crítica a emergência de um momento – não de euforia, mas – de grande dinamismo, de participação”, momento este “capaz de atrair a atenção de um público anestesiado à produção e de revitalizar o mercado, e do qual todos nós, de certa maneira, nos beneficiamos.”72 Na análise de Milton Machado, a relação entre arte e crítica de arte no Brasil durante a década de 1980 era compreendida por um viés crítico mais amplo, que não a eximia de seus equívocos; contudo, não deixava, igualmente, de identificar sua contribuição para o contexto artístico nacional. Em Para chegar ao mictório deve-se descer a escada (em dois lances de 8 ou 80), escrito mais de dez anos depois, afirmaria: Quando, nos anos 80 (e pelo mundo afora) o circuito e o mercado falavam de um retorno da pintura, talvez pretendessem que uma certa pintura de retorno traria de volta a arte, e a arte de volta à vida. No entanto, sabemos: só uma arte assombrada – revisionista, historicista – pode retornar do além para ‘vi-ver’ de novo, e mesmo assim como cópia, repetição e pastiche (COPY/PASTE não é garantia). Nos anos 80 (e pelo mundo afora), talvez influenciados por um Zeitgeist apressado, sem tempo suficiente para constituir um espírito, muitos críticos operavam mal sobre as verdades da pintura porque escreviam mal a história (ou a teoria) da arte.73 Em concordância com a posição assumida no texto de 1992, o artista reforçaria ainda a semelhante validade das colocações explicitadas acima para a “crítica que 72 73 Ibid., p. 339. Id. Para chegar ao mictório deve-se descer a escada (em dois lances de 8 ou 80) [2003/2008]. In: Arte & Ensaios, Revista da Pós-Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes/UFRJ, Rio de Janeiro, ano XV, n. 17, p. 51, dezembro 2008. O texto publicado é uma versão revista e modificada da palestra homônima, apresentada no ciclo de debates sobre os anos 1980, organizado por Guilherme Bueno, no Museu de Arte Contemporânea – MAC, Niterói, em agosto de 2003. 98 simetricamente à celebração interessada (o Zeitgeist é um mostrador de dupla-face), proclamava que a pintura havia chegado a um irremediável impasse, portanto desprovida de qualquer interesse.” Passados vinte anos, continuaria alertando para a necessidade de uma re(avaliação) do período, reafirmado que uma geração de pintores acentuadamente jovens só poderia ser compreendida a partir da sua própria juventude, o que equivaleria não à ênfase sobre uma abordagem comportamentalista dessa geração, mas o entendimento de seus primeiros trabalhos mais como experimentações, “legítimas e de todo desejáveis”.74 Il. 45 – Untitled, from Lieber Maler, male mir… (Querido pintor, pinte para mim...), Martin Kippenberger, 1983, acrílica sobre tela, 200 x 130cm No contexto internacional, é a crítica alemã Isabelle Graw (1962-) quem parece, já com suficiente distanciamento histórico, apresentar uma visão mais lúcida do impasse gerado pela polarização dos discursos críticos da década de 1980. Para ela, as oposições identificadas pela crítica de arte reduziram ambos os períodos – anos 1960/1970 e 1980 – a uma falsa homogeneidade, excluindo toda ambivalência que pudesse ter existido na arte produzida em cada década. Há que se considerar que um grande número de artistas conceituais não apresentava restrições categóricas frente à 74 Ibid., p. 53. 99 prática pictórica e que pintores neo-expressionistas, do mesmo modo, muitas vezes recorriam a estratégias conceituais no que tangia a aspectos referentes ao sistema das artes.75 Investigando a questão em profundidade, Graw argumentaria: Enquanto “expressão” é categoria central da estética idealista, reativada primeiro pelo romantismo alemão e posteriormente pelo expressionismo e “neoexpressionismo”, permanecendo sempre ligada ao sujeito, a importância do sujeito seria restrita na arte conceitual. Ideias, conceitos ou sistemas asseguram que, idealmente, o sujeito não desempenha nenhum papel. O sujeito artístico, portanto, submetia-se a uma especificação externa, e estabelecia-se que a subjetividade deixava, dessa forma, de exercer qualquer papel na produção artística. Enquanto a arte conceitual fingia ter deixado para trás o paradigma da expressão, a pintura “selvagem” ou “neoexpressiva” colocava a expressão novamente em pauta.76 A partir dessa consideração, sem obliterar as diferenças e descontinuidades, a tese de Graw reforça que expressão e conceito nem sempre deveriam ser qualificados como pares antitéticos, argumentando que “gestos pictóricos aparentemente expressivos” podem representar uma maneira de conceituar a expressão, e, do mesmo modo, trabalhos de viés conceitual podem apresentar uma espécie de “expressão residual”, uma vez que tanto “conceito” quanto “expressão”, no que concerne a dimensão dos procedimentos artísticos (segundo o viés do artista, e não tanto o do teórico), quase sempre estão intimamente relacionados. Desse modo, se ao voltar-se para o “presente”, de modo geral, o(s) projeto(s) histórico(s) concebido(s) para a década de 1980 precisou(precisaram) contrapor-se ao passado imediato, quase sempre em detrimento de uma compreensão mais ampla do período como um todo e da pluralidade de intenções e de trabalhos nele produzidos, não 75 “Práticas conceituais e pictórico-expressivas são por tradição – mais recentemente, durante o início da década de 1980 – oponentes irreconciliáveis. É insuficiente enfatizar o quanto cada lado se sentia na defensiva e considerava o outro ameaçador. Assim como os defensores de um ‘Novo Espírito na Pintura’ entendiam uma ruptura radical com as supostas práticas ‘não sensuais’ dos anos 70, cuja respeitável predominância havia finalmente chegado ao fim, seus oponentes projetavam o fantasma de uma pintura ‘neoexpressiva’ onipresente, que, embora satisfizesse o mercado de todos os lados, também era ‘regressiva’ ou ‘obsoleta’ – então sinônimos para ‘nem vale a pena discutir’.” GRAW, Isabelle. Expressão conceitual – sobre gestos conceituais em pintura supostamente expressiva, traços de expressão em trabalhos protoconceituais e a importância de procedimentos artísticos [2006]. Tradução de Analu Cunha e Daniel Lannes. In: Arte & Ensaios, Revista da Pós-Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes/UFRJ, Rio de Janeiro, ano XVII, n. 20, p. 197, julho 2010. 76 Ibid., p. 203. 100 necessariamente é preciso reconhecê-lo(s) como único(s) parâmetro(s) historiográfico(s) válido(s) para se pensar uma historicidade da arte nos anos 1980. Nos dias de hoje, ao olharmos para a década de 1980, como sugerem Machado ou Graw, podemos vislumbrar um passado outro que não aquele definido pelos discursos hegemônicos. Cabe, no entanto, para ampliar esse entendimento, analisar o modo como aquela década, excepcionalmente, (re)inaugurou uma outra relação frente ao passado como um todo, uma condição que extrapola as ideias de ‘revisionismo’ e de ‘pastiche’, e que representa tanto uma das características mais importantes da arte das últimas décadas, como também uma maneira particular de se relacionar com o mundo: a imagem enquanto representação. 101 2 A teoria crítica da década de 1980 frente ao arquivo imagético da história: a noção de apropriação como operatividade e prática artística Qual a especificidade do passado para as abordagens críticas desenvolvidas nos anos 1980? Com que intensidade as diferentes interpretações dadas à ‘morte da vanguarda’ e à continuidade ou não do modernismo foram capazes de alimentar o debate crítico no período? Por que o ‘pluralismo’ tornou-se uma problemática mediante a aparente ‘pluralidade’ daquela década? Como as noções de apropriação e de imagem contribuíram para as práticas e operações estéticas na arte produzida nos anos 1980? *** Como já mencionado, se por um lado, os discursos críticos dos anos 1980, em sua grande parte, foram permeados por um “projeto” (ou melhor, por uma dimensão projetual), fundamentado, de modo geral, na ideia de Zeitgeist e na ênfase sobre o presente, visando assim constituir uma identidade histórica para aquela década, por outro, em muitos desses mesmos discursos tornou-se frequente a presença de uma preocupação com o passado (arqueológico, arcaico, midiatizado, instituído, recalcado, distante, imediato, etc.). Esse interesse evidenciava uma tentativa de abordagem – e, em alguns casos, teorização – do modo peculiar como artistas daquele período enfrentavam e se relacionavam com o legado imagético (dilatado) da história, utilizando-o como matéria estética para sua prática artística, a partir do momento em que esse ‘reservatório’ era massivamente disponibilizado através da disseminação e da circulação de imagens técnicas por quase todo planeta. Ao retomarem procedimentos caros às vanguardas históricas das primeiras décadas do século XX, como o Expressionismo, o Cubismo (colagem), o Futurismo, o Dadaísmo e o Surrealismo, e a alguns movimentos dos anos 1960, como a Pop Arte, o Nouveau Réalisme e a Nova Figuração – na medida em que apropriação, citação e manipulação de imagens foram procedimentos 102 largamente utilizados durante o século XX –, os artistas dos anos 1980, seja pelas características contextuais da época (Zeitgeist), seja pela especificidade do escopo teórico que acompanhava essa produção, estabeleceram práticas que não poderiam ser compreendidas como meras transposições anacrônicas de seus antecedentes históricos referenciais. Some-se a isso, o fato de que a visão em retrospectiva, a partir da atualidade, permite-nos identificar uma proximidade maior entre o campo práticoteórico-conceitual da década de 1980 e as manifestações artísticas ocorridas nas últimas décadas, sobretudo ao considerarmos a conjuntura mais ampla de emergência e manutenção do capitalismo tardio, ou capitalismo cultural, assim como as profundas transformações decorridas da disseminação global da internet – sem dúvida, uma das mais representativas revoluções da história humana recente. Referência fundamental para esta investigação, nesse sentido, é a dupla significação, na língua portuguesa, da palavra “meio” (entre tantas outras acepções possíveis), que tanto pode referir-se a ambiente, esfera social, campo de ação e influência mútua, círculo de abrangência de uma área do saber, sem que seus limites precisem estar objetivamente definidos – portanto, a noção de meio de arte –, quanto representar a tradução para o termo medium, aquilo que exerce uma função intermediária na realização de algo, ou mesmo, a via para transmissão de uma mensagem, ligando a fonte ao destinatário, o emissor ao receptor – meio entendido não apenas como ‘suporte’ técnico, e sim enquanto um dos elementos constituintes do conteúdo na linguagem artística. Se o termo nem sempre esteve explícito nos discursos dos anos 1980, ambos os sentidos aqui evidenciados encontraram-se na pauta de debates, e talvez sua agudeza e intermitência possam explicar de algum modo o fato de serem comumente considerados como dois dos aspectos mais marcantes da década. Por conseguinte, torna-se possível constatar que os diagnósticos, avaliações e tomadas de posição frente às mais diversas transformações ocorridas tanto no uso da mídia na arte contemporânea (no processo de retomada dos meios tradicionais e/ou em relação à pesquisa com ‘novos’ meios), quanto na esfera pública do meio de arte (em sentido social, econômico, político e cultural), definiram um conjunto compartilhado de questões, que migraram, quase sempre de modo deliberado, entre os discursos (e 103 perceptivelmente entre os escritos dos críticos de arte) na Europa, Estados Unidos e Canadá, América espanhola e Brasil, para não citar outras regiões do globo. Não muito distante do modo como, nos anos 1960, o teórico canadense Marshall McLuhan (1911-1980) havia explicitado a relação entre mídia e sociedade – através da célebre declaração “o meio é a mensagem”1 –, duas décadas mais tarde, críticos de arte e curadores extrapolaram a discussão acerca dos limites e especificidades internas de cada meio (mesmo que tenham se referido a um ou a outro, em particular), tanto quanto a pesquisa artística centrada na investigação da linguagem (sob um viés estritamente semiológico e/ou semiótico), para voltarem-se a um entendimento do meio enquanto prática (subjetiva, histórica, política, social, etc.). Entende-se o termo ‘prática’, aqui, a partir do sentido evidenciado pelo crítico Thierry De Duve: Por volta de 1975 a palavra “prática” estaria sendo amplamente utilizada por todas as pessoas que estiveram em contato com a “Teoria Francesa” e, na medida em que ela foi originada na França, foi lá, nos escritos do pessoal da Tel Quel, particularmente, que adquiriu uma série de significados interessantes no contexto da literatura e da arte. Uma de suas vantagens era estar carregada de prestigiosas conotações políticas, marxista, é claro, e althusseriana. Mais importante ainda era o fato de ser uma palavra genérica e não específica, isto é, uma palavra que enfatizava o lado social e não o técnico da divisão do trabalho. Aplicada à pintura, por exemplo, ela não nos permite concebê-la em termos de habilidades específicas (a exemplo da noção de métier) e nem em termos de um meio específico (assim como a planaridade greenberguiana), mas sim em termos de uma instituição histórica específica chamada “prática pictórica”.2 Desse modo, na década de 1980, ocorreu um importante debate – acompanhado de um conjunto de ações, manobras e estratégias – que visava instituir um campo de 1 “Numa cultura como a nossa, há muito acostumada a dividir e estilhaçar todas as coisas como meio de controlá-las, não deixa, às vezes, de ser um tanto chocante lembrar que, para efeitos práticos e operacionais, o meio é a mensagem. Isto apenas significa que as consequências sociais e pessoais de qualquer meio – ou seja, de qualquer uma das extensões de nós mesmos – constituem o resultado do novo estalão introduzido em nossas vidas por uma nova tecnologia ou extensão de nós mesmos.” McLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensão do homem [1964]. Tradução de Décio Pignatari. São Paulo: Cultrix, 1969, p. 21. [Grifo nosso] 2 DE DUVE, Thierry. Quando a forma se transformou em atitude – e além [1994]. Tradução de Clarissa Campello. In: Arte & Ensaios, Revista da Pós-Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes/UFRJ, Rio de Janeiro, ano X, n. 10, p. 103, 2003. Embora o autor trabalhe nesse ensaio com a hipótese de que no contexto contemporâneo a noção de ‘prática’ substituiria a de ‘meio’ (na esfera mais específica do ensino de arte, é preciso que o reconheçamos), acreditamos que nos anos 1980 o emprego muitas vezes literal do meio compreenderia (um mecanismo para instituir) uma prática artística. 104 representatividade para a arte contemporânea, englobando instâncias como museus e espaço público, exposições e curadorias, crítica e história da arte, colecionismo e mercado, ou seja, em sentido mais geral, a dimensão pública da arte. No Brasil, por exemplo, o Espaço Arte Brasileira Contemporânea - ABC, no início da década, destacou-se como uma das mais importantes propostas institucionais em prol da arte e do pensamento contemporâneos – para citar apenas uma das ações que a Funarte desenvolveu no período (Ver Anexos I) –, enquanto na segunda metade do decênio, A Moreninha, grupo independente que incluía críticos e artistas, procurou discutir o modo como, na maior parte das vezes, discursos desenvolvidos fundamentalmente na Europa e nos Estados Unidos eram “transpostos” e “aplicados” na avaliação da arte produzida no país, desconsiderando-se muitas de suas especificidades (das obras e dos discursos) e, consequentemente (querendo ou não), reforçando o processo histórico de dependência cultural, problemática central em nosso meio de arte a partir dos anos 1960 (vide a Nova Objetividade Brasileira e o movimento tropicalista). A presença cada vez mais ampla das novas tecnologias no cotidiano estimulou um entendimento distinto dos conceitos de “medium” e “image” no período, contribuindo para que ambos passassem a constituir uma base referencial, entre os artistas, para o desenvolvimento de práticas citacionistas, a partir do momento em que os meios de comunicação e de processamento de dados possibilitaram uma ampliação do repertório/reservatório de imagens e estimularam um modo específico de assimilação do passado, ou seja, uma relação determinada com as experiências adquiridas e/ou acumuladas historicamente (memória pessoal e/ou coletiva). Tornou-se recorrente entre os artistas dos anos 1980, então, a apropriação, repetição, manipulação e reativação de imagens das mais diversas proveniências (história pessoal, história da arte, cultura de massas, cinema, televisão, publicidade, arte popular, etc.), através do uso dos mais variados meios e processos (pintura, escultura, desenho, colagem, fotografia, vídeo, etc.). No entanto, a polêmica em torno dos meios artísticos (não necessariamente desligada das questões de cunho político), sobretudo aquela relacionada ao “retorno da pintura”, foi capaz de monopolizar o debate crítico num determinado momento da década, eclipsando outras questões que, se não chegaram a ser completamente recalcadas por grande parcela dos críticos de arte, mantiveram-se na marginalidade ou 105 circunscritas a debates mais localizados. Se, a princípio, os meios tradicionais encontraram-se parcialmente excluídos do repertório de práticas experimentais que marcaram a arte produzida nos anos 1960 e 1970, fato é que a ampla retomada e defesa dos mesmos por parte de artistas, curadores e críticos na década de 1980, foi capaz de promover um importante redimensionamento na configuração do sistema de produção, circulação e apreciação crítica da arte contemporânea. Conjuntamente a esses aspectos, a nova relação estabelecida com o passado histórico poderia ser compreendida como uma das muitas formas assumidas pelo “revivalismo” da década. Tanto o debate em torno da teoria pós-modernista – abrangendo a falência das metanarrativas e o conflito frente à herança da modernidade e das vanguardas históricas (incluindo-se aí a preocupação com a suposta “morte da vanguarda”) –, quanto o retorno às tradições – com suas referências a um legado próximo, distante ou mesmo longínquo (arqueológico, arcaico), capaz de promover uma tabula rasa generalizada do passado –, sintetizaram o que ficou conhecido como “pluralismo”. Tal aspecto constituiu-se como uma das polêmicas mais fervorosas do debate crítico na década de 1980, explícita através de discursos fortemente engajados, que ora defendiam a liberdade de expressão e de uso ilimitado das referências visuais por parte dos artistas, ora recriminavam tais procedimentos como estratégias de encobrimento de interesses escusos enraizados nas práticas pós-modernistas. No Brasil, tal repercussão foi mais restrita, se comparada com a efervescência alcançada na cena internacional, mas não por isso deixou de apresentar impasses para o posicionamento crítico em relação à produção de arte do período. Consequência ou causa desse vasto processo, dependendo das posições que foram assumidas frente ao grande “arquivo da história”, a abordagem historicista da década de 1980 abrangeu igualmente a retomada e a ênfase das tradições regionais, através da exaltação implícita de uma identidade local, uma vez que, ao voltar-se para o passado, muitas dessas tendências artísticas acabaram promovendo a valorização e a 106 idealização da história nacional.3 No campo das artes visuais, no entanto, por mais que inicialmente houvesse interesse de artistas de diferentes origens geográficas em desenvolver um repertório de questões condizente com seus respectivos contextos histórico-culturais (o que ocorria mais explicitamente na Itália e na Alemanha), de modo precipitado tais produções foram confrontadas umas com as outras, passando a constituir, através do argumento discursivo de críticos e curadores, uma espécie de ‘linguagem global’, esvaziada, em grande parte, dos conteúdos anteriormente gestados. A crise que daí decorreria veio a constituir mais um golpe na visão eurocêntrica de mundo, uma vez que, se a década iniciou-se com uma política em prol da pintura figurativa subjetivista europeia, em oposição ao minimalismo e ao conceitualismo como manifestações do pensamento pragmático norte-americano, ao contrário, terminou promovendo o multiculturalismo e o desejo de reavaliação da história da arte (“uma ciência europeia”), mediante a reivindicação de que artistas e produções artísticas de origens diversas, colocados à margem da “história”, deveriam ser incluídos nesta tão problemática narrativa-mestra; questões que serão recorrentes nas décadas de 1990 e 2000 e que marcarão particularmente o processo de assimilação (de parte) da arte brasileira no contexto internacional. Mais do que evidenciar uma análise social do período, ao investigarmos aspectos referentes à relação entre globalização midiática e transformações no meio de arte, política das artes e repercussão pública dos debates acerca dos meios artísticos, historicismo e práticas artísticas a ele relacionadas, recorrendo fundamentalmente aos textos escritos por críticos, curadores e artistas durante a década de 1980, procuramos investigar como esses aspectos, e os posicionamentos diante dos mesmos, permitiram vislumbrar um momento de mudança em relação ao contexto mais imediato das décadas 3 Historicismo possui aqui o sentido de “revivalismo”, a partir do modo como é empregado na história da arquitetura (de onde acreditamos que o termo e sua acepção tenham migrado para os textos de artes visuais analisados). Assim, uma das características marcantes da arquitetura pós-moderna, nos anos 1970 e 1980, seria o retorno ao “vernacular”, aos elementos e estilos regionais, em oposição ao “internacionalismo” da arquitetura moderna. De modo equivalente, no século XIX e início do XX, constituiu-se a relação entre certos estilos, formas e preceitos estéticos e o desejo de construção de uma identidade nacional, como no caso do neogótico na Inglaterra, do neomanuelino em Portugal, ou mesmo, mais tardiamente e em menor intensidade, do neocolonial no Brasil. 107 de 1960 e 1970 (formando um conjunto de expectativas), assim como em relação à passagem do ‘moderno’ ao ‘contemporâneo’ (paralelamente à intenção da época em compreender as especificidades desse novo momento). Trata-se, essencialmente, em averiguar a dimensão política implícita nesses discursos, atrelada a sua capacidade de articulação, transmissão e perpetuação, contribuindo, em sentido mais amplo, tanto para o processo de construção da identidade histórica da década (autoconsciência) quanto, num plano teórico-político, para o desenvolvimento e reestruturação da história da arte enquanto disciplina. 2.1 O debate em torno da teoria pós-moderna: o fim da vanguarda? O período que constitui os chamados “anos 1980” não só herdou o vasto, heterogêneo, e, às vezes, problemático legado da modernidade, mas, sobretudo o confronto ideológico que lentamente havia começado a se insinuar na década anterior, envolvendo um conjunto de aspectos referentes à possibilidade de vigência ou não de certas práticas e linhas de pensamento frente às novas condições e demandas identificáveis no quase eminente final de século/milênio. Antes mesmo que a expressão “arte contemporânea” ganhasse notoriedade, tornando-se uma designação consensual no meio de arte internacional (incluindo-se aí o brasileiro) – do modo como ressaltou o filósofo e crítico norte-americano Arthur C. Danto (1924-)4 –, o termo pós-modernismo 4 “Por muito tempo, creio eu, ‘arte contemporânea’ teria sido apenas a arte moderna que está sendo feita agora. (...) Mas como a história da arte evoluiu internamente, a contemporânea passou a significar uma arte produzida dentro de certa estrutura de produção jamais antes vista em toda a história da arte – creio eu. Da mesma forma que o ‘moderno’ veio a denotar um estilo e mesmo um período, e não apenas arte recente, ‘contemporâneo’ passou a designar algo mais do que simplesmente a arte do momento presente. Em meu ponto de vista, além do mais, designa menos um período do que o que acontece depois que não há mais períodos em alguma narrativa mestra da arte, e menos um estilo de fazer 108 não só pretendeu representar um novo regime prático-conceitual para a produção de artes visuais, mas também caracterizar um estado geral de coisas, uma verdadeira e generalizada condição pós-moderna. Se tais ideias e reflexões começaram a reverberar em outros campos do saber, para rapidamente migrarem para o contexto das artes visuais, seja na esfera da criação seja na sua dimensão teórica, é na década de 1980 indiscutivelmente que o debate atingiu seu ápice, permeando uma série de questões, que abrangiam desde a possibilidade de existência ou não de uma prática de vanguarda nessa nova conjuntura até as singulares condições de produção e circulação de arte no meio contemporâneo. Múltiplas vozes e pensamentos reconhecidamente dissonantes viriam também a caracterizar esse debate, seja negando a existência de algo a que se pudesse chamar pósmodernismo, seja reconhecendo e aderindo por completo a essa nova ‘situação’, sem qualquer ressalva, ou apenas parcialmente, a partir do compromisso crítico com a definição de quais práticas dentro desse novo sistema de produção artística poderiam ser vistas como “de resistência”, em consonância com o legado das vanguardas, e quais outras, como “reacionárias”. O último posicionamento, em particular, consolidou-se em torno de um grupo de críticos que atuavam a partir do contexto norte-americano, sobretudo os editores da revista October (desde aqueles que exerceram tal papel durante os anos 1980 àqueles que ocasionalmente publicavam ensaios na revista durante esse período, e que passaram a integrar, nas décadas seguintes, seu principal núcleo editorial), cuja característica mais emblemática encontrava-se no uso de vocabulário e agenda teórica provenientes da filosofia pós-estruturalista francesa. Contudo, provinha da Itália, berço das tradições clássicas e de influentes movimentos de vanguarda, como o Futurismo e a Arte Povera, um porta-voz, nem sempre reconhecido como tal, que ousou desenvolver uma teoria que representasse e afirmasse a nova identidade daquela época. arte do que um estilo de usar estilos.” DANTO, Arthur C. Introdução: moderno, pós-moderno e contemporâneo. In: DANTO, Arthur C. Após o fim da arte: a arte contemporânea e os limites da história [1997]. Tradução de Saulo Krieger. São Paulo: Odysseus: Edusp, 2006, pp. 12-13. [Grifos no original] 109 2.1.1 A transvanguarda como “única vanguarda possível” Um dos críticos mais influentes no meio de arte durante a década de 1980, cujas ideias encontraram forte repercussão internacional, foi o italiano Achille Bonito Oliva (1939-), sobretudo por ter sido aquele que entre os teóricos dedicados à retomada da pintura não só se propôs a desenvolver uma análise dos aspectos que envolviam as transformações ocorridas na produção de arte naquele momento, mas também a elaborar uma teoria a partir de uma nova condição cultural que começava a se insinuar desde meados da década de 1970. Enquanto os diversos movimentos e exposições em torno da pintura, de modo geral, apresentavam textos que se referiam a questões mais localizadas, Bonito Oliva procurou desenvolver estrategicamente um conjunto de questões que pudesse extrapolar as fronteiras nacionais de seu país de origem. Assim, se em um primeiro momento preocupou-se em definir uma identidade teórica para o grupo de jovens artistas que agregou em torno de si, batizando-os de Transvanguarda Italiana, cerca de dois anos mais tarde, no paradigmático ano de 1982, expandiu suas avaliações para o meio de arte ocidental como um todo (Europa e Estados Unidos), definindo então o que chamou de Transvanguarda Internacional. Mesmo que na maior parte das vezes seu nome não tenha sido mencionado nos escritos de outros críticos ou curadores na cena internacional – contrariamente ao que ocorreu no contexto brasileiro, onde suas ideias foram comentadas, debatidas e explicitamente assimiladas em vários textos naquele período –, é perceptível que seu pensamento constituiu-se como referência imperiosa para aqueles que assumiram a tarefa de legitimar (ou condenar) a produção pictórica na década de 1980. Il. 46 - Capa e página da revista Flash Art International, com o ensaio Transvanguarda Italiana, de Achille Bonito Oliva, n. 92-93, OctoberNovember 1979 110 Para o crítico, a noção de “vanguarda” continuava a ser decisiva no entendimento tanto das novas configurações e relações que se insinuavam no meio de arte quanto dos rumos seguidos pela produção contemporânea da época. Contudo, ao cunhar o termo transvanguarda, acrescentando um sentido de superação à semântica da palavra geratriz (o prefixo “trans-” indica um movimento para além de algo), Bonito Oliva aparentemente passava a desabilitar a ideia de vanguarda – em textos posteriores, chegaria a defini-la como verdadeiro “dogma” –, uma posição política que desde o início do século XX fora assumida por artistas e movimentos modernos amplamente reconhecidos pelo meio e pela historiografia da arte. Em 1979, quando o termo foi criado, o crítico afirmava que os novos artistas italianos que desde a segunda metade da década de 1970 vinham alcançando considerável destaque no meio de arte – Enzo Cucchi (1950-), Francesco Clemente (1952-), Mimmo Paladino (1948-), Nicola De Maria (1954-) e Sandro Chia (1946-) – haviam passado a atuar em um “campo móvel”, explicitando que através da recorrência ao nomadismo como operatividade artística, a transvanguarda poderia ser entendida como “trânsito da noção experimental da vanguarda”.5 Essa primeira definição seria ampliada no trecho seguinte do ensaio: Transvanguarda significa o advento de uma posição nômade que não respeita nenhum engajamento definitivo, que não tem nenhuma ética privilegiada senão aquela de seguir 5 Eles “operam no campo móvel da transvanguarda, entendida como trânsito da noção experimental da vanguarda, a partir da ideia de que toda obra pressupõe uma manualidade experimental, a surpresa do artista em direção a um ato que se constrói não segundo a certeza antecipada de um projeto e de uma ideologia, mas se forma sob seus olhos e sob a pulsão de uma mão que mergulha na matéria da arte, num imaginário feito de uma encarnação entre ideia e sensibilidade.” OLIVA, Achille Bonito. The Italian Trans-avantgarde. In: Flash Art International, n. 92-93, p. 19, October-November 1979 (publicado simultaneamente na edição italiana da mesma revista). Disponível também em: BLISTÈNE, Bernard; DAVID, Catherine; PACQUEMENT, Alfred (ed.). L’époque, la mode, la morale, la passion: aspects de l’art d’aujourd’hui, 1977-1987. Paris: Centre Georges Pompidou, Musée national d’art moderne, 1987, p. 564; BISSIÈRE, Caroline; BLANCHET, Jean-Paul (ed.). Les années 80: à la surface de la peinture. Meymac: Centre d’Art Contemporain, Abbaye Saint-André, 1988, p. 223; OLIVA, Achille Bonito. The Italian Trans-avantgarde/La Transavanguardia Italiana [1979/1980]. Tradução para o inglês de Gwen Jones e Michael Moore; para o francês de Katia Cordaro. 2ª ed. Milano: Giancarlo Politi, 1981, pp. 11-13, 53 ou 91. Tradução livre do autor. [Grifo nosso]. Além de publicar o ensaio na versão italiana da revista Flash Art, Bonito Oliva divulgou a Transvanguarda italiana, com texto em língua inglesa, na versão internacional da revista Flash Art, coordenada pelo editor Giancarlo Politi. Ainda naquele ano, o artigo se tornaria o primeiro capítulo do livro homônimo, edição trilíngue (inglês, italiano e francês), publicado em 1980, quando ABO, como comumente é conhecido, organizou junto com Harald Szeemann a exposição Aperto’80, na Bienal de Veneza, e ganhou o prêmio Flash Art International Award como crítico de arte. 111 os preceitos de uma temperatura tanto mental quanto material sincrônica à instantaneidade da obra. Transvanguarda significa abertura através da falta intencional do logocentrismo da cultura ocidental, em direção a um pragmatismo que restitui espaço ao instinto da obra, o que não significa atitude pré-científica, mas muito mais maturação de uma posição pós-científica que supera a adequação fetichista da arte contemporânea à ciência moderna: a obra torna-se o momento de um funcionamento energético que procura em si a força de aceleração e de inércia.6 Na imanência dessa significação, ficam evidentes duas questões centrais para a teoria da transvanguarda a serem consideradas. A primeira diz respeito à ênfase dada à obra como parâmetro para o entendimento do valor simbólico em arte, manifestaçãosíntese entre o dado “verbal”, caro à concepção de arte enquanto linguagem que caracterizou os movimentos e teorias do século XX, e o elemento “visual”, que aqui poderia ser compreendido como uma conjunção entre a imagem e seu suporte, constituindo uma espécie de “reconquista” tanto do fazer manual quanto do imaginário como fonte de criação artística, após as inúmeras vivências de caráter mais experimental das décadas precedentes. Ao considerar a obra uma espécie de pensamento encarnado – o que em si ressaltaria algumas aproximações com a abordagem de dois outros filósofos/historiadores da arte, o norte-americano Arthur C. Danto (1924-) e o francês Georges Didi-Huberman (1953-) –, Achille Bonito Oliva reforçaria a ideia de que a atividade artística estabelece-se mediante a sincronicidade entre o componente mental e a forma plástica, sem que um elemento exclua o outro, agregando à importância já conquistada pela “obra” na teoria da transvanguarda igualmente o realce à apreensão do “artista” enquanto sujeito criador. Esses dois aspectos – obra e artista – viriam a indicar, por fim, uma dupla oposição frente a posições e abordagens teóricas que, no contexto da arte produzida nas décadas de 1960 e 1970, encontrariam enorme representatividade na esfera da crítica de arte: seja a partir da excessiva ênfase dada ao aspecto mental, sobretudo na arte conceitual de origem anglo-saxônica, e ao decorrente processo de “desmaterialização” da obra de arte, proclamado, em particular, na célebre tese da 6 Ibid., pp. 19, 58 ou 94. Tradução livre do autor. Desse ponto em diante, passaremos a considerar apenas as referências das páginas do livro The Italian Trans-avantgarde/La Transavanguardia Italiana [1979/1980]. 112 crítica norte-americana Lucy Lippard (1937-)7, seja em relação à impessoalidade constatada em grande parte da arte produzida naquelas décadas, ou mesmo à noção de “morte do autor” evidenciada na teoria francesa, especialmente em textos dos filósofos Roland Barthes (1915-1980) e Michel Foucault (1926-1984). Entre a intensidade da obra e a subjetividade do artista, enfim, o crítico afirmava que não haveria princípios pré-definidos, fossem éticos ou estéticos, que pudessem condicionar a arte: as únicas regras válidas seriam aquelas que se estabeleceriam no próprio processo de criação.8 Ao defender o nomadismo como única operação artística válida naquele momento (uma “nova operatividade para a arte”), reconhecendo o livre uso por parte dos artistas de todas as referências disponíveis no arquivo imagético da história da arte e da cultura como um todo, num constante ir-e-vir por diferentes linguagens e estilos do passado, Bonito Oliva acreditava que os pintores da transvanguarda haviam colocado em xeque a própria noção de vanguarda, uma vez que esta “sempre operou dentro dos esquemas culturais de uma tradição idealista, tendendo a configurar o desenvolvimento da arte como uma linha contínua, progressiva e retilínea”, ou seja, a partir de um ideal que acreditava que a arte poderia estar “fora dos golpes e contragolpes da história, como se a produção artística estivesse separada da produção mais geral da história”.9 A esse fenômeno nomeou darwinismo linguístico. Partindo subliminarmente, então, da tese do historiador italiano Giulio C. Argan (19091992), cujas publicações constituíam uma forte base cultural/educacional na Itália, Bonito Oliva via uma mesma matriz entre a arte de vanguarda e a ciência moderna. A 7 Cf.: LIPPARD, Lucy. Six year: the desmaterialization of the art object from 1966 to 1972. London: Studio Vista, 1973. 8 “A arte finalmente retorna a seus motivos internos, às razões constitutivas de seu trabalho, a seu lugar por excelência que é o labirinto, entendido como “trabalho interior”, como escavação contínua dentro da substância da pintura. A ideia da arte do final dos anos setenta é de encontrar dentro de si o prazer e o risco de por a mão rigorosamente na massa, na matéria do imaginário, feita de derivas e de cotoveladas, de aproximações, mas nunca de abordagens definitivas. A obra torna-se um mapa do nomadismo, do deslocamento progressivo externo a qualquer direção pré-constituída, praticado por artistas que são cego-videntes, que abanam a cauda em torno do prazer de uma arte que não se reprime diante de nada, nem mesmo da história.” Ibid., pp. 5, 44-45 ou 83. Tradução livre do autor. [Grifos nossos] 9 Ibid., pp. 5-6, 46 ou 83-84. Tradução livre do autor. 113 crise dessa relação, que seria também uma crise da visão evolucionista na arte, decorreria de um processo de falência do logocentrismo ocidental10, o que aproximaria em termos as ideias do crítico italiano à teoria pós-estruturalista, sobretudo da análise desenvolvida pelo filósofo francês Jean-François Lyotard (1924-1998) no livro A condição pós-moderna, publicado um mês antes do ensaio da revista Flash Art.11 Em 1982, Achille Bonito Oliva organizou em Roma a exposição Avanguardia Transavanguardia (ver Anexos II) em que, do mesmo modo que viria a ocorrer na mostra Zeitgeist, meses depois, aproximava os jovens pintores italianos de seus congêneres alemães e norte-americanos, assim como de outros artistas mais experientes, originários do que o crítico nomeava como neovanguardas, ou seja, dos movimentos 10 Logocentrismo é um “termo cunhado pelo filósofo francês Jacques Derrida, que criticava o pensamento ocidental por sempre ter privilegiado (...) a centralidade da palavra (‘logos’), das ideias, dos sistemas de pensamento, de forma a serem entendidos como matéria inalterável, fixadas no tempo por uma qualquer autoridade exterior. As verdades que o logocentrismo ou ‘metafísica da presença’ veiculam são sempre tomadas como definitivas e irrefutáveis.” In: CEIA, Carlos. E-Dicionário de Termos Literários. Disponível em: http://www.edtl.com.pt/index.php?option=com_mtree&task=viewlink& link_id=939&Itemid=2 11 Segundo ABO, “O valor da individualidade, do operar-se individualmente, opõe-se a um sistema social e cultural atravessado por sistemas totalitários sobrejacentes, a saber, a ideologia política, a psicanálise e as ciências, que resolvem no interior de sua própria ótica, de seu próprio projeto, as antinomias e as digressões produzidas pela realidade no seu fazer-se. (...) O sistema religioso das ideologias, da hipótese psicanalítica, científica, tende a tornar funcional tudo o que é diferente, reciclando e convertendo em termos funcionais e produtivos tudo o que nasce em revanche da prática da realidade.” OLIVA, Achille Bonito. The Italian Trans-avantgarde/La Transavanguardia Italiana [1979/1980]. Op. cit., pp. 7-8, 47-48 ou 87. Tradução livre do autor. [Grifos nossos] Por um lado, o crítico italiano acreditava que a arte não seria progressista (partidária do progresso), mas progressiva (vai se realizando gradualmente); por outro, em nenhum momento do livro publicado em 1980 cita Lyotard ou outro filósofo pós-estruturalista. Somente em outra publicação, dois anos mais tarde, Bonito Oliva criticaria o autor de A condição pós-moderna: “Lyotard, com a típica inabilidade do generalista e do filósofo com uma visão panorâmica sobre os jardins da produção artística, ainda se agarra nas virtudes soberbas do experimentalismo, procurando nele a possibilidade de um papel, adequadamente praticado em outras situações históricas, mas infelizmente impraticável na situação por ele mesmo descrita. Escandalizado com a falta de funcionalidade da arte da transvanguarda, nela ele procura reparo, regredindo ao nível de um debate dos anos 1950.” OLIVA, Achille Bonito. Trans-avantgarde International. Tradução para o inglês de Dwight Gast e Gwen Jones (edição bilíngue). Milano: Giancarlo Politi, 1982, pp. 46-47. Tradução livre do autor. Nesse trecho, é possível que o crítico italiano estivesse respondendo ao texto “Intervento italiano”, publicado na revista Alfabeta (n. 32, pp. 9-11, gennaio 1982), em que Lyotard faz críticas à transvanguarda, e que mais tarde, com modificações e novo título, seria publicado como: LYOTARD, Jean-François. Réponse à la question: qu'est-ce que le postmoderne? [1982]. In: Critique, 38/419, pp. 357-367, avril 1982; Publicado parcialmente como: LYOTARD, Jean-François. Resposta à questão: o que é o pós-moderno? [1982]. In: Arte em Revista, Caderno especial ‘Modernismo, Pós-modernismo ou Anti-modernismo?’, ano 5, n. 7, pp. 94-96, agosto 1983. 114 dos anos 1960 e 1970 (fato é que essa exposição não encontraria a repercussão internacional alcançada pela mostra alemã, talvez por que os olhares da crítica de arte naquele ano já estivessem direcionados para a Alemanha, devido à Documenta 7). É a partir desse momento, então, que o projeto de Bonito Oliva definitivamente expandiu-se para além das fronteiras italianas, ganhando o novo epíteto de Transvanguarda Internacional. Somava-se a isso, a edição de livro homônimo, onde o crítico mantinha a estrutura geral de sua tese, porém contextualizada em um campo mais amplo, englobando artistas de diferentes nacionalidades – a publicação continha ainda um panorama da pintura contemporânea, com 17 ensaios escritos por diferentes críticos, que identificavam as respectivas manifestações do movimento em seus países. Il. 46 e Il. 47 – Capas dos livros The Italian Trans-avantgarde/La Transavanguardia Italiana, 1980, e Trans-avantgarde International, 1982, de Achille Bonito Oliva A reflexão mais importante nesse momento, em suma, decorria de uma conversa entre Bonito Oliva e Argan. Nela, o historiador italiano argumentava que, se era verdade que o novo movimento não estava mais atrelado à ideia de um projeto para o futuro, posição claramente adotada pelas vanguardas históricas do início do século XX, havia na transvanguarda, entretanto, uma vontade de pertencer a seu próprio tempo (o presente como parâmetro), o que em si, já caracterizava parte da arte moderna, desde 115 Baudelaire (noção de modernidade).12 A partir dessa colocação, Bonito Oliva afirmaria, enfim, que “a transvanguarda não é uma anti-vanguarda”, mas sim, sob as circunstâncias daquele momento histórico (sob a conjuntura do presente), “a única vanguarda possível”.13 2.1.2 O debate acerca do pós-modernismo Ainda que o crítico italiano não apresentasse em seus textos uma referência evidente ao pós-moderno, muito menos ao pós-modernismo ou à pós-modernidade, não deixava de caracterizar em sua teoria uma condição pós-moderna, sobretudo no momento em que descrevia o contexto de emergência da transvanguarda. Assim, é possível aproximar suas ideias de uma discussão mais ampla, ocorrida durante as décadas de 1970 e 1980, que englobava e articulava vários campos da cultura e do conhecimento (artes visuais, arquitetura, literatura, história, sociologia, política, economia e, sobretudo, filosofia). Apesar da dificuldade em delimitar um sentido preciso para o termo “pós-moderno”, mediante sua ocorrência em diferentes situações 12 “Evidentemente, não visando valor ou progresso, essa arte apresenta-se como inteiramente pertencente a seu próprio tempo; e quero lembrar que para toda arte moderna, a partir de Baudelaire, foi colocada a exigência de ser do seu próprio tempo. Com a vanguarda afirma-se o descontentamento com essa contemporaneidade e a necessidade de uma superação de uma projeção, de um planejamento em direção ao futuro. Ora, essa arte, a transvanguarda, que se apresenta como não-planejamento e nãocontrole, como rejeição de todo controle e de toda inibição, põe-se como expressão de violência. A este ponto, não há dúvida que vivemos em uma sociedade em que a violência é um dos elementos dominantes; dela, infelizmente, nem indivíduos nem estados escapam: podemos então pretender que a arte o faça?” ARGAN, Giulio Carlo; OLIVA, Achille Bonito. Art and the crisis of models/L’arte e la crisi dei modelli. In: OLIVA, Achille Bonito. Trans-avantgarde International. Op. cit., pp. 136-138. Tradução livre do autor, a partir da versão em língua inglesa. [Grifos nossos] 13 Ibid., p. 149; FERREIRA, Glória (org.). Daniel Senise: cronologia crítica. Tradução de Anna Luisa Araujo. In: Vai que nós levamos as partes que te faltam: Daniel Senise. São Paulo: Pinacoteca do Estado de São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2011, p. 167. 116 históricas14, é comum relacioná-lo, em um primeiro momento, à crítica literária e à sociologia norte-americana, para, em seguida, ser compreendido como uma espécie de “estilo” arquitetônico ou mesmo uma tentativa de caracterização de um novo ciclo para a produção de artes visuais, e, finalmente, na passagem dos anos 1970 para os 1980, tornar-se tema de um acalorado debate filosófico. Tal querela definiu-se, em particular, a partir da abrangência e repercussão de algumas posições essencialmente divergentes em relação à continuidade ou não do projeto moderno: por um lado, aquela sustentada através da publicação do livro já mencionado de Jean-François Lyotard, em 1979; por outro, mediante a posição assumida pelo filósofo alemão Jürgen Habermas (1929-) na conferência realizada em 1980, quando recebeu o prêmio Theodor W. Adorno da cidade de Frankfurt am Main.15 Lyotard era visto como representante de uma posição teórica conhecida como “pós-estruturalismo”, ou simplesmente “teoria francesa”, modo como o meio intelectual norte-americano costuma referir-se à influência que um representativo conjunto de pensadores de língua francesa exerceu nos Estados Unidos, após Maio de 68, abrangendo, além de Lyotard, Roland Barthes, Michel Foucault, Jacques Lacan (1901- 14 O termo teria sido utilizado pela primeira vez pelo pintor britânico John Watkins Chapman (1832-1903), no final da década de 1870, ao referir-se aos desdobramentos da pintura impressionista. A partir daí, apareceria em J. M. Thompson (em 1914), Rudolf Pannwitz (em 1917), Bernard Iddings Bell (em 1926), Federico de Onís (em 1934), Arnold J. Toynbee (em 1939), H. R. Hays (em 1942) e Bernard Smith (em 1945), entre outros. O espanhol Onís (1885-1966) foi o primeiro a empregá-lo na esfera da literatura e o britânico Toynbee (1889-1975), no campo da análise histórica. A partir do final dos anos 1950, o termo começou a ser amplamente utilizado pela crítica literária, destacando-se Frank Kermode (1919-2010), Harry Levin (1912-1994), Ihab Hassan (1925-), Irving Howe (1920-1993) e Leslie Fiedler (1917-2003); já nos anos 1970, quando realmente alcançou grande visibilidade midiática, transformou-se num movimento arquitetônico, teorizado, principalmente, pelo norte-americano Charles Jencks (1939-), através do livro The Language of Post-Modern Architecture [1977], migrando em seguida para o campo das artes visuais. No Brasil, teria sido o crítico Mário Pedrosa (1900-1981) o primeiro a utilizá-lo, em 1966, ao analisar uma série de trabalhos do artista Hélio Oiticica (1937-1980). Cf.: PEDROSA, Mário. Arte ambiental, arte pós-moderna, Hélio Oiticica [1966]. In: AMARAL, Aracy (org.). Dos murais de Portinari aos espaços de Brasília. São Paulo: Perspectiva, 1981, pp. 205-209; FERREIRA, Glória (Org.). Crítica de arte no Brasil: temáticas contemporâneas. Rio de Janeiro: Funarte, 2006, pp. 143-145. 15 Na Itália, o debate em relação ao pós-moderno ocorreu a partir da publicação coletiva Il pensiero debole [O pensamento fraco], organizada em 1983, pelos filósofos Gianni Vattimo (1936-) e Pier Aldo Rovatti (1942-), e cuja diversidade de posições dos autores não chegava a constituir uma linha de pensamento específica. Entretanto, as considerações teóricas de Vattimo, que em 1985 publicaria o livro O fim da modernidade, apresentam numerosas afinidades com o pós-estruturalismo francês. 117 1981), Gilles Deleuze (1925-1995), Félix Guattari (1930-1992) e Jacques Derrida (1930-2004). Esse grupo de filósofos defendia em suma uma espécie de dissolução interna dos valores da modernidade, que então passava a desdobrar-se em uma pluralidade de modelos e paradigmas, inaugurando uma outra maneira de pensar e de se colocar no mundo. Coube a Lyotard desenvolver uma reflexão sobre essas novas condições, e embora sua definição mais conhecida para o pós-moderno seja “a incredulidade em relação aos metarrelatos”16, ou seja a crise dos dispositivos de legitimação (teorias totalizantes) que caracterizaram o mundo desde o século XVIII, estabelecendo parâmetros para o enquadramento metafísico assumido pela ciência moderna, o objetivo principal do filósofo não estava na exaltação desse contexto, mas encontrava-se na investigação a respeito do novo estatuto do saber no que chamou sociedades pós-industriais, que eram fruto do desenvolvimento tecnológico e da ascensão da chamada era da informação, fenômeno cuja emergência localizava no final dos anos 1950. Embora a reflexão de Lyotard não compreendesse necessariamente o pós-moderno como uma completa superação da modernidade iluminista e romântica, isso não impediu que fosse considerada por teóricos como Habermas e o norteamericano Fredric Jameson (1934-), juntamente com o pensamento pós-estruturalista de modo geral, como uma posição conservadora e regressiva, pelo fato de partirem de certos parâmetros modernistas para em seguida assumirem um caráter “anti-moderno”.17 Recusando a proposta conceitual dos pós-estruturalistas, ao afirmar que não haveria uma ruptura clara entre o projeto moderno e a condição por eles evidenciada, Habermas, herdeiro teórico da Escola de Frankfurt, reconhecia que com o decorrer da 16 LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna [1979]. Tradução de Ricardo Corrêa Barbosa. 6ª ed. Rio de Janeiro, José Olympio, 2000, p. xvi. 17 Cf.: HABERMAS, Jürgen. Modernity versus Postmodernity [1980]. Traduzido para o inglês por Seyla Benm-Habib. In: New German Critique, Special Issue on Modernism, n. 22, Winter, 1981; Id., Modernidade versus Pós-modernidade [1980]. Tradução de Anne-Marie Summer e Pedro Moraes, a partir da versão em língua inglesa. In: Arte em Revista, n. 7, Op. cit.; JAMESON, Fredric. The Politics of Theory: Ideological Positions in the Debate [1984]. In: New German Critique, Milwaukee, n. 53, pp. 53-65, October 1984. Revisto e publicado como “Teorias do pós-moderno”, in: Id. Pós-modernismo: a lógica do capitalismo tardio [1991]. Tradução de Maria Elisa Cevasco. São Paulo: Ática, 1996; Id. Espaço e imagem: teorias do pós-moderno e outros ensaios. Tradução de Ana Lúcia de Almeida Gazzola. 4ª ed. Rio de Janeiro: Ed. da UFRJ, 2006, pp. 36-37. 118 história a razão iluminista havia se tornado demasiadamente instrumental; contudo, argumentava que o projeto da modernidade deveria ser revisto e aperfeiçoado, mas não totalmente abortado. Era fundamental, desse modo, que fosse dada continuidade ao pressuposto kantiano de emancipação humana, entendido como um postulado ético universal. O que o filósofo identificava de fato era a emergência de um pensamento conservador na Alemanha, assim como nos Estados Unidos, que na década de 1970, frente à instrumentalização da ciência e a excessiva especialização do conhecimento e da cultura, bem como ao uso dessas instâncias na estruturação racional da vida humana, começou a reputar ao modernismo todos os males da sociedade e da modernização capitalista. Contudo, ao reduzir a complexidade do pensamento pós-estruturalista à esfera neoconservadora, Habermas procurou neutralizar as rupturas existentes no processo histórico, eliminando contradições e possíveis descontinuidades, em prol de uma teleologia da modernidade, o que tornava sua proposição questionável para Lyotard e também para os alemães Peter Bürger (1936-) e Andreas Huyssen (1942-).18 Um aspecto a se considerar nesse debate é a interpretação dada a essas teorias e a maior repercussão que a discussão alcançou entre os intelectuais norte-americanos, onde o pensamento tanto da corrente pós-estruturalista francesa quanto dos filósofos da Escola de Frankfurt encontravam forte penetração. O maior problema nessa interpretação específica, contudo, estaria no fato de que certos teóricos partidários da posição de Habermas, tais como Fredric Jameson e em menor grau o crítico de arte Hal Foster (1955-), identificassem uma aproximação da teoria pós-moderna com a política neoconservadora. Isso seja pelo fato de Lyotard, por exemplo, ao descrever o que chamou condição pós-moderna, recorrer às ideias do sociólogo norte-americano Daniel 18 Cf.: BÜRGER, Peter. The Significance of the Avant-Garde for Contemporary Aesthetics: A Reply to Jürgen Habermas [1981]. Translated by Andreas Huyssen and Jack Zipes. In: New German Critique, n. 22, op. cit., pp. 19-22; Publicado parcialmente como: Id. O significado da vanguarda para a estética contemporânea: resposta a Jürgen Habermas [1981]. Tradução de Iná Camargo Costa. In: Arte em Revista, n. 7, Op. cit., pp. 91-92; HUYSSEN, Andreas. The Search for Tradition: Avant-Garde and Postmodernism in the 1970s [1981]. In: New German Critique, n. 22, Op. cit., pp. 23-40; Publicado parcialmente como: Id. A busca da tradição: vanguarda e pós-modernismo nos anos 70 [1981]. Tradução de Iná Camargo Costa. In: Arte em Revista, n. 7, Op. cit., pp. 92-94; LYOTARD, Jean-François. Réponse à la question: qu'est-ce que le postmoderne? [1982]. In: Critique, 38/419, Op. cit., pp. 357-367; Publicado parcialmente como: LYOTARD, Jean-François. Resposta à questão: o que é o pós-moderno? [1982]. In: Arte em Revista, n. 7, Op. cit., pp. 94-96. 119 Bell (1919-2011), autor de livros como The End of Ideology [O fim da ideologia, 1960] e The Coming of Post-Industrial Society [O advento da sociedade pós-industrial, 1973], visto como um dos principais pensadores conservadores nos Estados Unidos, seja pela atuação de críticos realmente reacionários, como Hilton Kramer, fundador da revista The New Criterion [1982], que defendia e reafirmava através da nova condição emergente um retorno aos valores da tradição modernista clássica, assumindo uma posição política que procurava explicitamente eliminar todas as pesquisas artísticas mais experimentais da década de 1960, em prol de uma nostalgia da arte dos anos 1950 (Expressionismo Abstrato), estabelecendo o que Jameson afirmava ser uma “contrarevolução cultural neoconservadora”.19 Segundo o geógrafo britânico David Harvey (1935-), que no final da década de 1980 realizaria uma profunda investigação sobre a condição pós-moderna, se o pósmodernismo realmente pudesse ser caracterizado como uma reação ao modernismo (uma forma de antimodernismo), do modo como Habermas e os adeptos de sua posição teórica acreditavam, não seria a todo ele, mas sim a sua configuração final, a partir de uma perspectiva norte-americana, conhecida como alto modernismo. Harvey salientava que: A arte, a arquitetura, a literatura etc. do alto modernismo tornaram-se artes e práticas do establishment numa sociedade em que uma versão capitalista corporativa do projeto iluminista de desenvolvimento para o progresso e a emancipação humana assumira o papel de dominante político-econômica. A crença “no progresso linear, nas verdades absolutas e no planejamento racional de ordens sociais ideais” sob condições padronizadas de conhecimento e de produção era particularmente forte. Por isso, o modernismo resultante era “positivista, tecnocêntrico e racionalista”, ao mesmo tempo [em] que era imposto como a obra de uma elite de vanguarda formada por planejadores, artistas, arquitetos, críticos e outros guardiães do gosto refinado.20 19 JAMESON, Friedric. Espaço e imagem: teorias do pós-moderno e outros ensaios. Op. cit., p. 34. 20 Para Harvey seria errôneo estabelecer o modernismo como um bloco uniforme e homogêneo (tomar o ‘alto modernismo’ pelo todo), uma vez que o mesmo seria atravessado por discursos plurais, que ora evidenciaram posições mais próximas do racionalismo iluminista, ora afastaram-se, assumindo um pensamento transitório e fragmentado, baseado na experimentação e na ação política. Em suma, segundo 120 Assim, um modernismo despolitizado, absorvido pela ideologia oficial e estabelecida, detentor do bom-gosto e decorrente da sociedade norte-americana do pósguerra, passou rapidamente do “nacionalismo para o internacionalismo e, deste, para o universalismo”.21 Pode-se presumir então que teria sido em oposição a esse estágio específico do modernismo, e ao clima ideológico decorrente da expansão da influência cultural e econômica norte-americana, a partir da segunda metade do século XX, que o pós-modernismo emergiu e direcionou suas forças, embora muitas das disposições por ele sustentadas também se adaptassem às ideias e posições dos neoconservadores, que paradoxalmente propunham e reivindicavam a manutenção dos aspectos evidenciados pelo alto modernismo. A tarefa mais árdua, desse modo, recaia [recai] em identificar com precisão onde começava uma esfera (a neoconservadora) e terminava a outra (a crítica), uma vez que o discurso pós-modernista assumia a diversidade do próprio modernismo para apresentar-se como uma espécie de teoria suficientemente abrangente, capaz de abarcar e de se submeter a tudo e a qualquer coisa. Outro aspecto a se considerar no debate acerca do pós-moderno estaria na crítica feita por Peter Bürger à Habermas, uma vez que para aquele o filósofo da Escola de Frankfurt confundia os conceitos de “modernidade” e “vanguarda”, empregando-os como sinônimos. Mas ao fazê-lo, Habermas sustentava que o termo “moderno” reitera historicamente a consciência de uma época, uma vez que ao referir-se ao passado, um determinado período procura conceber-se como resultado de uma transição do velho para o novo: seria justamente essa posição que o aproximaria tanto da ênfase dada ao zeitgeist durante os anos 1980, quanto do comportamento historicista que caracterizou aquela década. Em um presente que se estabelece enquanto oposição a um passado o autor, o pós-modernismo marcaria um tipo particular de crise do modernismo, enfatizando o lado fragmentário, efêmero e caótico da conceituação da modernidade proposta por Baudelaire, em contraposição ao profundo ceticismo diante de toda prescrição particular sobre como conceber, representar ou exprimir o outro lado da definição, que se refere ao eterno e ao imutável. HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural [1989]. Tradução de Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. 14ª ed. São Paulo: Loyola, 2005, p. 42. 21 GUILBAUT, Serge apud HARVEY, David. Ibid., p. 43; GUILBAUT, Serge. Comment New York vola l´idée d´art modern: Expressionisme abstrait, liberté et guerre froide [1983]. Traduction de l’ anglais par Catherine Fraixe. Paris: Hachette Littératures, 1996. 121 (tradição), Habermas afirmava que começavam a se apagar os componentes que distinguiriam as épocas entre si, substituindo-se a memória histórica por uma revolta contra as funções normalizadoras da tradição. Assim, partia de uma noção de modernidade estética para em seguida caracterizar a arte de vanguarda, declarando que esta se voltava contra uma “falsa normatividade da história”, a partir do uso do passado que se tornou disponível pelo historicismo. O que nos interessa particularmente aqui é esse entendimento de que a prática da vanguarda não estaria completamente deslocada da noção e abrangência da modernidade, mas nasceria a partir dela, porém recusando algumas de suas características – como o historicismo, por exemplo –, tornando-se assim um dos aspectos mais importantes na reflexão acerca da emergência de uma condição pós-moderna. Para Habermas, embora a vanguarda ainda persistisse, era evidente que seu pensamento e criatividade haviam enfraquecido a partir dos anos 1960 e 1970. Andreas Huyssen concordava com Habermas quanto ao esgotamento da tradição da vanguarda, argumentando que o constante voltar-se para a história na década de 1980 marcaria igualmente uma busca pelas identidades culturais, mediante o grande valor atribuído à diferença e à alteridade naquele período. Ao tratar da condição da literatura, argumentaria: As contramedidas propostas pela vanguarda histórica para quebrar a hegemonia da cultura burguesa institucionalizada não têm mais efeito. As razões por que esse vanguardismo não é mais viável hoje podem ser localizadas não apenas na capacidade da indústria cultural de cooptar, reproduzir e transformar tudo em mercadoria, mas com muito maior interesse na própria vanguarda. Não obstante a força e a sinceridade de seus ataques à cultura burguesa tradicional e às privações do capitalismo, há momentos na vanguarda histórica que mostram com que profundidade o próprio vanguardismo está comprometido com a tradição ocidental de crescimento e progresso.22 Embora reconhecesse negativamente o compromisso da vanguarda com os avanços tecnológicos e com a modernização, seu entusiasmo pelos meios de comunicação e pelos computadores, sua relação com a cultura oficial das sociedades 22 HUYSSEN, Andreas. A busca da tradição: vanguarda e pós-modernismo nos anos 70 [1980]. Tradução de Iná Camargo Costa. In: Arte em Revista, n. 7, Op. cit., p. 93. 122 industriais avançadas, sua tendência universalisante, muitas vezes eliminando a diferença e a diversidade, o que transformava uma crítica legítima num questionável dogma, Huyssen concordava com o valor instituído através do legado deixado pelos movimentos artísticos do século XX, afirmando que aquele ainda constituía a herança mais importante na formação dos melhores artistas. Essa posição apresentaria paralelos com a análise do espanhol Eduardo Subirats (1947-), que ao retomar a frase do crítico brasileiro Roberto Schwarz (1938-), “Sabe-se que o progresso técnico e conteúdo social reacionário podem andar juntos”, acreditava que a crise da modernidade, e em especial das vanguardas, encontrava-se na contradição existente entre “sua atual função regressiva e legitimadora”, quase sempre implícita em seu caráter utópico, “e os objetivos emancipadores que a respaldaram, tanto de um ponto de vista estético como social”. Para Subirats, a morte da vanguarda decorreria então de sua incapacidade crítica frente ao novo contexto da sociedade pós-industrial, tornando possível, assim, o surgimento das correntes pósmodernistas.23 Il. 48 – Capa do livro The Anti-Aesthetic: essays on postmodern culture, 1983, organizado por Hal Foster 23 “A visão distante e crítica de uma vanguarda ambígua e um ambivalente progresso é, com efeito, um traço distintivo de nosso tempo. Não esquecemos, certamente, que os pioneiros da vanguarda postularam uma estética revolucionária sob o signo da ruptura e da emancipação, ligada ao mesmo tempo aos mais altos valores sociais utópicos e à esperança. Mas a história posterior da civilização moderna pôs às claras os vínculos entre as teses radicais das vanguardas e um processo cultural de signo regressivo. Dois grandes temas podem ser sublinhados a esse respeito. De um lado, o que consistiu a ‘dialética’ da vanguarda como princípio crítico ou subversivo foi integrado sob as próprias formas de poder que outrora atacava. As vanguardas se converteram, a partir da Segunda Guerra Mundial, num ritual tedioso e perfeitamente conservador, não só do ponto de vista do gosto dominante, mas inclusive das mais grosseiras estratégias comerciais. Como tal, o fenômeno cultural moderno das vanguardas perdeu toda energia e toda substância radical. Entretanto, existe também, nesta liquidação das vanguardas, um fator ainda mais decisivo que a simples integração de sua estética de ‘choque’ e ‘ruptura’ no consumo mercantil, ou a incorporação de seu formalismo ao contexto de uma cultura ‘espetacular’. (...) A identificação vanguardista dos valores da racionalização técnico-científica e do progresso econômico com a arte a fez sucumbir às mesmas vicissitudes daqueles.” SUBIRATS, Eduardo. Da vanguarda ao pósmoderno [1984]. Tradução de Luiz Carlos Daher, Adélia Bezerra de Meneses e Beatriz Cannabrava. 3ª ed. São Paulo: Nobel, 1987, pp. 1-2. 123 Por fim, torna-se importante identificar/salientar como as posições críticas frente ao pós-modernismo não se resumiam ao dualismo quase maniqueísta identificado entre as posições de Habermas e Lyotard. Desse modo, no contexto norte-americano do início da década de 1980, é possível destacar o aparecimento de The Anti-Aesthetic, publicação organizada pelo crítico Hal Foster, então editor sênior da revista Art in America.24 Essa coletânea, cujos textos eram voltados para questões suscitadas pelo pós-modernismo no âmbito cultural, compreendia desde ensaios de Habermas e Jameson, referências inquestionáveis para Foster, quanto, por outro lado, de críticos como Douglas Crimp (1944-) e Rosalind Krauss (1941-), ambos editores da revista October, fortemente influenciados pelo pós-estruturalismo francês e comprometidos, em essência, com a reavaliação dos preceitos da Teoria Modernista. A partir dessa aproximação, torna-se importante investigar o campo de questões suscitadas em torno desse grupo de críticos/teóricos, cujas ideias repercutiram não só nos Estados Unidos, mas também no meio de arte internacional como um todo. 2.1.3 O projeto político de October e as relações estabelecidas com o pensamento pós-modernista Mais do que uma revista atrelada à produção teórica universitária, a criação de October, no verão de 1976, constituiu um verdadeiro projeto histórico-crítico, centrado, em especial, na manutenção e continuidade das práticas artísticas experimentais e políticas das vanguardas e neovanguardas.25 Fazendo referência direta ao título do filme 24 FOSTER, Hal (ed.). The Anti-Aesthetic: essays on postmodern culture. Washington: Bay Press, 1983. 25 A primeira edição tinha Jeremy Gilbert-Rolfe (1945-), Annette Michelson e Rosalind Krauss (1941-) como editores, mas foram, sobretudo, Michelson e Krauss que estabeleceram o projeto central da publicação, após afastarem-se da revista Artforum. Gilbert-Rolfe participou apenas das três primeiras edições, logo sendo substituído por Douglas Crimp (1944-), que permaneceu como editor associado (e 124 do cineasta Serguei Eisenstein (1898-1948), o qual celebrava o décimo aniversário da revolução russa, produzido entre 1927 e 1928, os primeiros editores do periódico, ao nomeá-lo, assumiram como referência “um momento histórico específico” no qual, segundo eles, “a prática artística uniu-se à teoria crítica num projeto de construção social”.26 O subtítulo “Art | Theory | Criticism | Politics” (“Arte | Teoria | Crítica | Política”) reforçaria esse direcionamento, procurando atualizar criticamente – o que vale dizer, sem qualquer nostalgia – um projeto que havia sido abortado pela consolidação do stalinismo e que implicava numa importante referência política e historiográfica para os críticos norte-americanos. Essa aproximação contribuía, enfim, para o duplo reconhecimento da prática artística e do discurso crítico como eixos conceituais principais do periódico, compreendidos a partir da necessidade de análise e de tomada de posição que o debate mais geral da “morte da vanguarda” e a ascensão cultural de um novo “pluralismo” impunham para a atividade teórica na contemporaneidade. Il. 49 – Capa da primeira edição da revista October, Spring 1976 October representava igualmente uma resposta, surgida num período de transição, em que os preceitos do modernismo, sobretudo aqueles da ‘Teoria Modernista’, eram colocados em xeque, passando por uma ostensiva reavaliação crítica. Ao aproximarem-se do mais tarde editor sênior), de 1977 a 1989, e Joan Copjec (a partir de 1981). Destaca-se nessa fase inicial a passagem relâmpago, como editor associado, do crítico Craig Owens (1950-1990), entre 1979 e 1980, e a incorporação de Benjamin H. D. Buchloh (1941-), Denis Hollier, Hal Foster (1955-), John Rajchman (1946-) e Yve-Alain Bois (1952-) à comissão editorial, a partir de 1991, após a saída de Douglas Crimp. 26 “Nomeamos esta revista em celebração àquele momento em nosso século em que prática revolucionária, investigação teórica e inovação artística estavam unidas de uma maneira exemplar e única.” GILBERT-ROLFE, Jeremy; MICHELSON, Annette; KRAUSS, Rosalind. About October. In: October, n. 1, p. 3, Spring 1976. Tradução livre do autor, a partir do original em inglês. 125 universo teórico de certo pós-modernismo, seus editores tiveram uma atuação importante na introdução da teoria pós-estruturalista francesa na cena intelectual norteamericana, chegando mesmo a publicar traduções para a língua inglesa de textos de Foucault, Barthes, Lacan e Deleuze, entre outros, o que veio também a contribuir, em última instância, para o desenvolvimento de novas problemáticas e abordagens no campo da crítica contemporânea.27 Tendo como parâmetro o contexto artístico experimental da década de 1960, os críticos que atuavam em torno da revista viam na revitalização de tendências discursivas e artísticas tradicionais, em especial a da pintura (de imagem expressiva), a partir da segunda metade dos anos 1970, uma posição ideológica que pretendia marginalizar as práticas culturais mais radicais. Por isso, ao combaterem e denunciarem o suposto conservadorismo existente não só na produção pictórica, mas também no modo como a mesma era assimilada cultural e institucionalmente, procuravam reforçar a aproximação entre o pluralismo contemporâneo e certos momentos históricos, tais como o ‘retorno à ordem’ e o realismo de cunho fascista, seja na sua abrangência artística, seja em sua dimensão política, como já evidenciado no texto de Benjamin Buchloh, publicado na edição da primavera de 1981. 27 A respeito da condição mais ampla da teoria francesa na cena intelectual norte-americana, Yve-Alain Bois comentaria mais tarde: “Cheguei aos Estados Unidos em 1983 e fiquei imediatamente impressionado pela influência estranhamente hipertrofiada de como o que era então chamado ‘teoria francesa’ já exercia nas discussões acadêmicas e estava começando a exercer no mundo artístico. O mesmo era verdadeiro para o ‘pós-estruturalismo’, uma palavra que eu nunca tinha ouvido antes. O que impressionava era a reunião de toda uma gama de autores – de Derrida a Foucault, Lacan a Barthes, Kristeva a Deleuze, Althusser a Lyotard – que haviam compartilhado um universo de referências, mas não falavam absolutamente a mesma língua ou nem mesmo concordavam em tudo. Surpreendiam-me os enormes equívocos em torno do chamado corpus pós-estruturalista, que testemunhei de imediato em seminários de pós-graduação. A pressão para transformar textos complexos em passagens palatáveis, bastante em moda na época, era tão forte que mesmo a melhor tradução não poderia ter evitado a mixórdia que se tornara a língua franca do mundo da arte por algumas temporadas. (...) O que me surpreendeu novamente, nos ensaios mais sofisticados da época, foi o uso que estava sendo feito dos textos ‘pós-estruturalistas’. ‘A morte do autor’, de Barthes, era lido como uma argumentação em defesa da apropriação na arte, Foucault era visto como o apologista de Buren. Esses alinhamentos me pareciam eminentemente dúbios.” DANTO, Arthur C.; BOIS, Yve-Alain; DUVE, Thierry de; GRAW, Isabelle; REED, David; JOSELIT, David; SUSSMAN, Elisabeth. The Morning After [Depois do luto. Livre tradução de Célia Euvaldo (com revisão de Isabel Löfgren e colaboração de Carlos Zilio), ainda inédita]. ARTFORUM International, 40th Anniversary Special Issue, The 1980s: Part One, XLI, n. 7, p. 267, March 2003. 126 Referindo-se ao surgimento do projeto da revista, numa publicação que sintetizava a amplitude crítica compreendida nos seus primeiros dez anos, os editores comentariam os deslocamentos ocorridos entre 1976 e 1986: Fundamos October como um fórum para apresentação e elaboração teórica do trabalho cultural que continuava o projeto inacabado da década de 1960. Nossa tarefa não era mais nostálgica frente a esse projeto do que havia sido, em retrospecto, em relação ao anterior [o da revolução russa]. Ao invés disso, nós o consideramos como a resposta necessária para o que veio a ser mais uma vez a consolidação de forças reacionárias nas esferas política e cultural. Abordamos essa tarefa em várias frentes, simultaneamente, estabelecendo assim o caráter eclético, embora nada “pluralista”, da revista.28 Uma das primeiras aparições da palavra ‘pós-modernismo’ nas páginas de October aconteceria no célebre texto de Rosalind Krauss, Sculpture in the Expanded Field (A escultura no campo ampliado, 1979), para quem o termo denominaria uma ruptura histórica com as condições lógicas do modernismo (em referência ao pensamento do crítico Clement Greenberg, que havia sido uma espécie de ‘mentor intelectual’, no início de sua formação), a partir das transformações mais amplas ocorridas no campo cultural, identificáveis em algumas propostas artísticas inicialmente relacionadas à categoria “escultura”, durante os anos 1960 e 1970. Krauss procurou caracterizar o que chamou de ‘território do pós-modernismo’, levando em consideração tanto as práticas dos artistas mais radicais quanto os aspectos referentes ao meio (medium), num contexto em que os preceitos da crítica modernista não eram mais condizentes/pertinentes. Segundo a autora, a práxis artística pósmodernista não poderia ser definida a partir de “um determinado meio de expressão”, como o que ocorria na tese desenvolvida por Greenberg, “mas sim em relação a operações lógicas dentro de um conjunto de termos culturais”, em que vários meios passariam a estar disponíveis para os artistas. Krauss entendia, portanto, que a prática artística pós-modernista ocorria mais num campo discursivo do que no limite da investigação das especificidades de cada meio. Concluiria, enfim, que: 28 Introduction [1987]. In: MICHELSON, Annette; KRAUSS, Rosalind; CRIMP, Douglas; COPJEC, Joan (ed.). October – The First Decade, 1976-1986. 2nd ed. Cambridge: The MIT Press, 1988, p. ix. Tradução livre do autor, a partir do original em inglês. 127 o campo estabelece tanto um conjunto ampliado, porém finito, de posições relacionadas para determinado artista ocupar e explorar, [quanto] uma organização de trabalho que não é ditada pelas condições de determinado meio de expressão. Fica óbvio (...) que a lógica do espaço da práxis pós-modernista já não é organizada em torno da definição de um determinado meio de expressão, tomando-se por base o material ou a percepção deste material, mas sim através do universo de termos sentidos como estando em oposição no âmbito cultural.29 A partir dessa consideração, a reabilitação da pintura naquele momento poderia ser entendida como um retrocesso, supondo-se que a mesma não se constituísse como prática capaz de extrapolar as preocupações do modernismo (ênfase sobre o meio), o que ficaria evidente, por exemplo, no ensaio The End of Painting (O fim da pintura, 1981) de Douglas Crimp.30 De certo modo, o prefixo “pós” empregado junto à palavra “modernismo”, não só representaria aquilo que vem “depois”, mas estaria ainda imbuído de um sentimento de superação próprio à ideologia das vanguardas. Além de constituir um sintoma de forças reacionárias ligadas à política neoliberal conservadora, bem como às estratégias do mercado de arte, a produção pictórica dos anos 1980 passaria a constituir um problema metodológico para uma teoria da arte contemporânea 29 “Tenho insistido que o campo ampliado do pós-modernismo acontece num momento específico da história recente da arte. É um evento histórico com uma estrutura determinante. Parece-me extremamente importante mapear essa estrutura e é isto o que comecei a fazer aqui.” KRAUSS, Rosalind. A escultura no campo ampliado. [1979]. Tradução de Elizabeth Carbone Baez. In: Arte & Ensaios, Revista da Pós-Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes/UFRJ, Rio de Janeiro, ano XV, n. 17, pp. 136-137, dezembro 2008; Gávea, Revista do Curso de Especialização em História da Arte e Arquitetura no Brasil, Rio de Janeiro, PUC, n. 1, 1984; Sculpture in the Expanded Field [1979]. In: October, n. 8, pp. 42-44, Spring 1979; FOSTER, Hal (ed.). The Anti-Aesthetic: essays on postmodern culture. Washington: Bay Press, 1983, pp. 41-42. [Grifo nosso] 30 “A retórica que acompanha essa ressurreição da pintura é quase totalmente reacionária: ela reage especificamente contra todas as práticas artísticas das décadas de 1960 e de 1970 que abandonaram a pintura e trabalharam para revelar seus suportes ideológicos, assim como para revelar a ideologia que, por sua vez, a pintura suporta. (...) Tudo isso se opõe frontalmente à arte das duas últimas décadas (...), que procurava contestar os mitos da arte erudita afirmando que a arte, como todas as outras formas de atividade, está subordinada ao mundo material e histórico. Além do mais, essa arte tentava desacreditar o mito do homem e as convenções humanistas decorrentes desse mito. Pois são estes, na verdade, os suportes da cultura burguesa dominante, a verdadeira marca que identifica a ideologia burguesa.” CRIMP, Douglas. O fim da pintura [1981]. In: _____. Sobre as ruínas do museu [1993]. Tradução de Fernando Santos. São Paulo: Martins Fontes, 2005, pp. 83-84; Id. October, n. 16, pp. 74-75, Spring, 1981. [Grifo no original] Crimp condenaria ainda a posição assumida pela Artforum, uma revista que havia se voltado para as práticas mais radicais na década de 1960 e 1970, as quais assinalaram, segundo o crítico, a “morte da pintura”, para em seguida, no início da década de 1980, anunciar que a pintura havia “renascido”. Tanto o enfoque de Crimp quanto o dos críticos a quem ele reagia retomavam uma antiga oposição entre pintura e fotografia, datava do século XIX. 128 realizada em retrospecto, precisando ser combatida (recalcada) para não comprometer a integridade de tal análise. Do mesmo modo como Greenberg instituiu uma determinada leitura para a arte moderna, a partir de 1960 – ano em que o ensaio Pintura modernista fora publicado –, negando parte da arte produzida naquele momento (pop arte e minimalismo), a abordagem crítica de Krauss atualizava a estrutura discursiva de seu ex-mentor, ao mesmo tempo em que a mantinha. E se não mencionava explicitamente a questão da pintura, por outro lado, nas fissuras de seu discurso, pressupunha a leitura que seria realizada por seus congêneres.31 Il. 50 e Il. 51 – Registro fotográfico e capa do catálogo da exposição Pictures, organizada por Douglas Crimp, em 1977, no Artists Space, Nova York/EUA Na mesma edição de October em que consta o ensaio de Krauss, o crítico Douglas Crimp publicaria o igualmente célebre Pictures, um desdobramento do texto do catálogo da exposição homônima por ele organizada, dois anos antes, no Artists 31 Segundo James Meyer, o argumento contra a pintura figurativa da década de 1980 foi desenvolvido por um conjunto de críticos graduados pela The City University of New York – CUNY, entre eles Benjamin H. D. Buchloh, Craig Owens, Douglas Crimp e Hal Foster, sob a supervisão de Rosalind Krauss. Cf.: MEYER, James. Outside the box: Unpacks Craig Owens's Slide Library. In: ARTFORUM International, 40th Anniversary Special Issue, The 1980s: Part One, Op. cit., p. 65. 129 Space em Nova York (ver Anexos II).32 Em primeiro lugar, para Crimp, o termo pictures assumia uma posição fundamental para o entendimento da passagem do modernismo para o pós-modernismo, revelando não só a amplitude característica da própria imagem nos trabalhos analisados, mas também as ambiguidades que ela sustentava, mediante sua dimensão discursiva.33 Ao considerar o ensaio Art and Objecthood [Arte e objetidade]34, do crítico Michael Fried (1939-), adepto do pensamento greenberguiano e para quem a arte minimalista, pejorativamente, não estava restrita aos limites de um único meio, mas numa condição intermediária, própria do teatro, Crimp ressaltava que o mesmo ocorria com grande parte dos trabalhos de arte mais interessantes produzidos durante os anos 1970. Tal constatação deixava claro para o crítico o fato de que a análise das características específicas de cada meio, caras à crítica modernista, não mais conseguiriam dar conta da atividade artística do período. Para além da ‘teatralidade’ identificada na tese de Fried, outro aspecto importante na produção experimental dos anos 1970, segundo Crimp, seria sua preocupação com o tempo, com a duração de uma experiência, estimulando que muitos trabalhos ocorressem enquanto situação artística. Contudo, na passagem da década de 1970 para a de 1980, o que caracterizaria de modo exemplar a nova geração de artistas seria em 32 Assim como esses dois importantes textos de Rosalind Krauss e Douglas Crimp, é preciso ressaltar que o ensaio Transvanguarda Italiana, de Achille Bonito Oliva, e o livro Condição pósmoderna, de Jean-François Lyotard, foram igualmente publicados em 1979, reforçando a compreensão metodológica de que a década de 1980 iniciou-se nos últimos anos da década precedente. Por outro lado, reconhecemos a possibilidade de coexistência do argumento de que a década de 1970 haveria persistido até o início da década seguinte, o que dependeria, em suma, dos critérios adotados na observação/ investigação. 33 “Como é típico do que veio a ser chamado pós-modernismo, essa nova obra não está confinada a nenhum meio em particular; em vez disso, ela faz uso da fotografia, filme, performance, assim como dos meios tradicionais da pintura, desenho e escultura. Picture, usada coloquialmente, também não é [uma palavra] específica: um livro de figuras [a picture book] pode conter desenhos ou fotografias e é comum falar-se que uma pintura, desenho ou gravura é frequentemente chamada, simplesmente, como uma figura [picture]. Igualmente importante para meus propósitos, picture, em sua forma verbal, pode referir-se a um processo mental assim como à produção de um objeto estético.” CRIMP, Douglas. Pictures [1979]. In: October, n. 8, p. 75, Spring 1979. Tradução livre do autor, a partir do original em inglês. Embora na exposição o crítico tenha inserido artistas que trabalhavam com pintura, no ensaio, excluiu toda referência a tal meio. 34 Cf.: FRIED, Michael. Art and Objecthood. In: Artforum, v. 10, Summer 1967; Arte e objetidade [1967]. Tradução de Milton Machado. In: Arte & Ensaios, Revista da Pós-Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes/UFRJ, Rio de Janeiro, ano IX, n. 9, pp. 130-147, 2002. 130 justa medida a transformação dessa situação literalmente presencial no que poderia ser entendido como um processo de estabelecimento de uma ‘figura’, de uma ‘imagem encarnada’ [pictorial image]; desse modo, Crimp acreditava que a dimensão performática existente na produção artística dos anos 1970 transformou-se em certo número de modos prévios de se ‘encenar uma imagem’ [staging a picture].35 Il. 52 – Untitled Film Still #21, Cindy Sherman, 1978, fotografia, The Museum of Modern Art – Nova York/EUA No ano anterior (1980), o crítico já havia desenvolvido mais profundamente seu argumento, investigando a condição da atividade fotográfica no pós-modernismo. Se essa produção fora reprimida pela teoria modernista, o novo contexto caracterizava-se por seu retorno e ascensão. Assim, em consonância com o entendimento de Krauss, para Crimp o pós-modernismo representaria “a abertura de uma brecha explícita em relação 35 “Se as descrições formais da arte modernista se caracterizaram como sendo topográficas, mapeando a superfície das obras de arte com o objetivo de determinar suas estruturas, tornou-se necessário então pensar em descrição com uma atividade estratificada. Trato aqueles processos de citação, excerto, estruturação e organização, que constituem estratégias da obra, como necessários para desvelar as camadas da representação. Inútil dizer que não estamos em busca das origens, mas das estruturas da significação: por baixo de cada figura [picture], há sempre outra figura [picture]. Um entendimento teórico do pós-modernismo trairá igualmente todas aquelas tentativas de prolongamento da vida das formas obsoletas.” CRIMP, Douglas. Pictures [1979]. Op. cit., p. 87. Tradução livre do autor, a partir do original em inglês. 131 ao modernismo e às instituições que são sua pré-condição e que dão forma ao discurso do modernismo.”36 Contudo, para ele havia uma diferença entre uma atividade fotográfica pós-modernista e o fenômeno de triunfo da “fotografia-enquanto-arte”, que ainda estava restrito à compreensão da fotografia como meio. Esta última tendência apresentava-se em consonância com a retomada da pintura de viés expressionista, uma vez que ambas eram abraçadas entusiasticamente pelos museus, comprometidos com a preservação das categorias estéticas do modernismo, as quais se esforçaram e contribuíram para institucionalizar. Em suma, Crimp acreditava que a pintura assumia uma posição de confronto em relação à atividade fotográfica do pós-modernismo, pois esta representava em si uma ameaça para o historicismo que impregnava a produção pictórica daquele momento. Contudo, ao utilizar o texto curatorial da crítica Barbara Rose (1938-) para a exposição Pintura Norte-americana dos Anos 80, com o objetivo de alicerçar tal argumento, fica claro o quanto o debate perpassava mais o plano discursivo dos textos do que a discursividade dos trabalhos propriamente ditos.37 Tratava-se, em suma, de um debate mais entre críticos, do que entre análises críticas e trabalhos específicos. Embora Hal Foster ainda não fizesse parte da comissão editorial de October na década de 1980, seu pensamento aproximava-se das posições defendidas e assumidas pelos críticos do periódico. No prefácio da coletânea The Anti-Aesthetic, por exemplo, questionava a existência do pós-modernismo, uma vez que, frente à divergência e variedade de definições abrangidas naquela publicação, era difícil compreendê-lo como 36 Id. “The Photographic Activity of Postmodernism”. In: October, n. 15, Winter 1980; Id. A atividade fotográfica no pós-modernismo [1980]. In: _____. Sobre as ruínas do museu [1993]. Tradução de Fernando Santos. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 99. 37 O trecho citado é o seguinte: “Os pintores sérios dos anos 80 são um grupo extremamente heterogêneo – alguns são abstratos, outros figurativos. Mas, como se encontram unidos em relação a um número suficiente de questões críticas, é possível considerá-los isoladamente como um grupo. Dedicamse, primeiramente, à preservação da pintura enquanto arte erudita transcendental e da arte do universal enquanto oposta aos significados locais ou tópicos. Sua estética, uma síntese de atributos táteis e óticos, define a si mesma pela oposição à fotografia e a todas as formas de reprodução mecânica que buscam privar a obra de arte de sua ‘aura’ única. De fato, é o reforço dessa aura que, consciente de sua existência, a pintura pretende alcançar, usando de diversos meios – seja dando ênfase à mão do artista, seja criando imagens visionárias altamente individuais impossíveis de ser confundidas com a própria realidade como umas com as outras.” ROSE, Barbara apud CRIMP, Douglas. Ibid., pp. 105-106. 132 conceito ou prática, estilo localizado ou característica de um amplo período ou fase econômica. Contudo, empregava o visivelmente o termo para designar um movimento cultural que englobava inúmeras tendências, desde o retorno à pintura, a multiplicidade de mídia e enfoque na imagem, passando pelo feminismo e pelas questões de gênero, até o multiculturalismo e outras disposições, delineando seu nascimento em meados dos anos 1970 e sua maior visibilidade durante a década de 1980. O diferencial de Foster encontrava-se na identificação de posições padronizadas no movimento pós-modernista, que para ele corresponderiam a diferentes afiliações políticas e que em essência dependeriam do ato de desconstrução ou repúdio ao modernismo, por um lado, e de resistência ou celebração do status quo, por outro, nomeando-as como “pósmodernismo de resistência” e “pós-modernismo de reação” (reforçando, assim, ainda mais um sentimento de forte polaridade cultural).38 Essas duas posições seriam analisadas com maior acuidade no ensaio “Polêmica (pós-)moderna”, publicado no ano anterior numa edição temática da revista New German Critique.39 Segundo o crítico, o pós-modernismo conservador – ou pósmodernismo reacionário – propunha uma nova cultura “afirmativa”, sendo caracterizado por um retorno generalizado ao estilo, à narrativa, ao ornamento e à figura, assim como à história, entendida como tradição humanista, e ao sujeito, visto como autor de obras originais. A essa corrente identificava as tendências relacionadas ao retorno da pintura, criticando-as pela reificação da história, fragmentada e esvaziada sob o uso habitual do pastiche, e, em última instância, acusando-as de encobrirem, através do problemático retorno à tradição – na arte, na família e na religião –, o que em verdade seria uma forma política de antimodernismo. A nova pintura revelaria, então, uma frente encarregada em restabelecer uma reaproximação da arte com o mercado e com o público – uma adesão, que, longe de ser populista, como pregavam os 38 FOSTER, Hal. Postmodernism: A Preface [1983]. In: _____ (ed.). The Anti-Aesthetic: essays on postmodern culture. Op. cit., p. xii. 39 Id. (Post)Modern Polemics [1984]. In: New German Critique, Modernity and Postmodernity, n. 33, pp. 67-78, Autumn 1984; Perspecta, n. 21, 1984; Id. Polêmica (pós-)moderna [1984]. In: Id. Recodificação: arte, espetáculo, política cultural [1985]. Tradução de Duda Machado. São Paulo: Casa Editorial Paulista, 1996, pp.165-184. 133 neoconservadores, para Foster, seria profundamente elitista e manipuladora. Por outro lado, o pós-modernismo de vínculo pós-estruturalista – ou pós-modernismo de resistência – evidenciava uma desconstrução da tradição, através do reconhecimento tanto da “morte do autor” como criador original de objetos únicos, quanto de sua condição enquanto sujeito da representação e da história. Mais do que um simples retorno à representação, essa corrente, ligada em especial à manipulação e à apropriação de imagens, sobretudo pelas chamadas novas mídia, assumiria a fragmentação da história e a dispersão do sujeito como aspectos culturalmente já estabelecidos: desse modo, para esses artistas (em sua maioria, norte-americanos), o estilo original não seria criado pela expressão individual, mas enunciado por meio de códigos culturais fundados em uma crítica à representação e em uma exploração dos regimes do significado e da ordem sustentados por esses diferentes códigos. Il. 53 – Pollock and Tureen, Arranged by Mr. and Mrs. Burton Tremaine, Connecticut, Louise Lawler, 1984, cibachrome, 71 x 99cm, The Horace W. Goldsmith Foundation – Nova York/EUA Il. 54 – The Exile, Julian Schnabel, 1980, óleo, galhadas, folhas de ouro e técnica mista sobre madeira, 228,6 x 304,8cm 134 Embora opostas em termos de política cultural, para Hal Foster essas duas correntes pós-modernistas representavam uma identidade histórica que ultrapassaria as fronteiras dos Estados Unidos para constituir então a condição da cultura ocidental como um todo – percebe-se aí uma disposição a tomar certa condição particular, ligada a um contexto específico, como parâmetro para uma avaliação mais ampla, com pretensões universalizantes. Assim, em sintonia com o pensamento de Fredric Jameson, o crítico defendia que ambas as correntes pós-modernistas seriam sintomas do colapso esquizofrênico do sujeito e da narratividade histórica como sinais de um processo de reificação e fragmentação sob os auspícios do capitalismo tardio.40 Sob tal argumento, é possível, enfim, relacionar o pensamento de Foster, embora num tom político bem mais acentuado, com o compromisso assumido pelos críticos de October com a manutenção do projeto sociopolítico e artístico das vanguardas. 2.1.4 A morte da vanguarda e a dimensão institucional da arte contemporânea como preocupações críticas no Brasil Enquanto, de modo geral, no contexto brasileiro a maior parte dos críticos raramente demonstrava uma forte reação negativa explícita à jovem produção pictórica da década de 1980, optando de modo consciente por manter-se indiferente à mesma (compreendendo-a mais como fenômeno midiático do que propriamente cultural), na 40 Fredric Jameson utilizava o termo “esquizofrenia” para caracterizar o pós-modernismo, em última instância, como lógica cultural do capitalismo tardio, identificando que a produção cultural encontrava-se integrada com a produção de mercadorias em geral, redefinindo hábitos e atitudes de consumo, bem como o papel das intervenções e definições estéticas. Cf.: JAMESON, Fredric. Pósmodernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio [1991]. Op. cit. Segundo a curadora norte-americana Eleanor Heartney, a esquizofrenia é “uma condição em que ‘significantes materiais isolados, desconectados, descontínuos (...) não conseguem se unir em uma sequência coerente.’ O resultado é uma experiência do mundo que ocorre exclusivamente no tempo presente”, o que equivaleria, na arte, à “retirada dos motivos históricos de seu contexto original, para deixá-los circular livremente pelas pinturas contemporâneas.” In: HEARTNEY, Eleanor. Pós-modernismo [2001]. Tradução de Ana Luiza Dantas Borges. São Paulo: Cosac Naify, 2002, p. 15. 135 cena internacional, em contrapartida, como já visto, houve um número considerável de críticos que assumiram publicamente uma posição antagônica enfática frente a essa produção. Poderíamos identificar três diferentes enfoques referentes a esse debate mais amplo, que acabaram conquistando maior destaque entre os aspectos abordados pelos críticos do período no Brasil: primeiro, o dilema em torno da continuidade ou não da vanguarda nos anos 1980; segundo, a reverberação localizada e em menor escala da teoria acerca do pós-moderno e do pós-modernismo, sobretudo na esfera da crítica de arte; e, terceiro, a análise compreendendo as relações intrínsecas entre o moderno e o contemporâneo, aspecto que de fato constituiu uma verdadeira demanda reflexiva no meio artístico nacional naquele momento. Embora aparentemente isoladas, em verdade, tais instâncias apresentaram-se quase sempre imbricadas umas às outras; contudo, é possível identificar o início dessas discussões no campo da crítica de arte no Brasil no impasse frente à vanguarda, até mesmo pelas características particulares que esse termo assumiu em solo nacional durante os anos 1960. No balanço que Frederico Morais realizou a respeito da produção artística brasileira na década de 1970, o crítico reconhecia a falência dessa prática, uma vez que, mediante o contexto da sociedade de consumo, a vanguarda passou a representar tanto o compromisso com o capitalismo e com o mercado de arte, alimentando continuamente a ‘tradição do novo’, para garantir a rápida obsolescência das formas e estilos, quanto o processo de cooptação, recuperação e institucionalização das práticas artísticas mais radicais pelo circuito oficial de arte.41 Morais chegou mesmo 41 Neste sentido, poderíamos levantar a hipótese da influência precoce das ideias de Achille Bonito Oliva sobre os críticos brasileiros, mesmo sabendo que o debate acerca da morte da vanguarda abrangia todo o contexto internacional naquele momento: “No início do século, quando a situação histórica permitia ainda ao artista a ilusão de poder utilizar a arte como instrumento de luta e de transformação da realidade, a vanguarda tinha efetivamente sua existência autorizada pelos fatos em si. O escândalo era o sinal de que fazer arte tornava-se uma verdadeira agressão às normas que regiam tanto o sistema da arte como o sistema social. Hoje, ao contrário, o sistema consegue neutralizar qualquer tentativa de ruptura e de novidade, quer se trate de gestos diretos como a política, ou de gestos indiretos como a cultura. Não existe vanguarda, pois pensar nestes termos significa ter uma visão darwinística da arte – evolucionista no sentido mais otimista da palavra – como se a arte evoluísse de maneira coerente e seu progressivo desenvolvimento estivesse fora do alcance de contradições.” OLIVA, Achille Bonito. A arte e o sistema da arte. In: Malasartes, Rio de Janeiro, n. 2, pp. 24-25, dezembro-fevereiro 1976. [Grifo nosso] 136 a avaliar de modo positivo as consequências que o esgotamento da vanguarda trouxe ao meio de arte: Para alguns artistas, a sensação é quase de alívio: a vanguarda acabou. Libertos da camisa de força da vanguarda, que os obrigava a estar sempre na linha de frente, na guerra diária da arte, e que nos anos 60 transformou-se em autêntica guerrilha artística, sentem-se, hoje, livres para fazer o que bem entendem, por exemplo pintar e desenhar. E redescobrem, com indisfarçável alegria, a importância do gesto, da cor e do traço e sentem outra vez o prazer de realizar um trabalho simples, direto, comunicativo e, naturalmente, mais modesto em seus objetivos, mas quem sabe, socialmente mais eficaz, e menos egocêntrico no seu conteúdo. Para outros, entretanto, o ocaso da vanguarda cria um clima de desamparo e solidão, e mesmo de frustração e desespero: o sonho acabou. O que fazer? Retroceder, começando tudo de novo por caminhos quiçá mais tradicionais, ou avaliar criticamente a contribuição da vanguarda ao desenvolvimento da arte brasileira e, feita a revisão, propor alternativas para seu trabalho mais condizentes com a nova realidade do país.42 Frente a essa libertação dos antigos compromissos que a vanguarda também impunha ao teórico, Frederico Morais via a possibilidade de avaliar historicamente, com maior objetividade, a arte brasileira como um todo. Ao eliminar o preconceito que certos artistas outrora haviam sofrido, o crítico, de modo geral, poderia então “ver quadros, desenhos, gravuras, esculturas, fotografias, independente dos rótulos, escolas, tendências, temas”, assumindo uma postura “sem perversidade, sem ironias, sem recalques, sem autoritarismos, sem exacerbações narcisísticas”.43 O que talvez constituísse o maior estranhamento para o meio de arte brasileiro naquele momento seria o fato de Morais anteriormente ter assumido a posição de crítico militante, apoiando artistas e pesquisas de forte caráter político e experimental, para, uma década mais tarde, mudar completamente sua postura e opinião, concentrando-se no fenômeno de retomada dos meios tradicionais, em especial da pintura. Fato é que se a mudança 42 MORAIS. Frederico. Arte brasileira, anos 70: o fim da vanguarda?. In: Módulo, n. 55, p. 54, setembro 1979. [Grifo nosso] 43 “Contra a angústia do novo, contra os messianismos que prometem uma sociedade futura abundante e autossuficiente, contra a tecnologia transformada em ideologia e a vanguarda em consumo, as pessoas passaram a buscar formas simples de vida individual e social e isto significa, em arte, formas mais estáveis e duradouras, menos herméticas e sofisticadas. (...) Porém, não basta mudar a palavra, passar de vanguarda para arte experimental, substituir exposição por evento, objeto por instalação, arte por proposição. Importa mudar a atitude básica do produtor de arte, o que significa discutir a própria função social da arte.” Ibid., p. 60. 137 acarretou dúvidas em relação à postura do crítico, acusado de compactuar com os interesses do mercado de arte, ao mesmo tempo explicitava sua tentativa em adaptar-se às transformações que ocorriam no meio nacional e internacional, evitando fixar-se a uma posição ‘nostálgica’, que defendia que a arte da chamada “vanguarda nacional”, produzida nos anos 1960, deveria ser assumida como parâmetro crítico revolucionário para a produção contemporânea brasileira, o que ocorria em relação a certos teóricos provenientes da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo – USP, entre eles Otília Arantes (1940-) e Celso Favaretto. Outro crítico que se posicionou em relação à falência do vanguardismo foi Ronaldo Brito, argumentando que com as vanguardas a obra de arte havia passado a ser “tudo e qualquer coisa”, em decorrência da revolta e do desejo crítico frente às formas e valores instituídos, e não tanto da simples afirmação de novas possibilidades de criação artística, modo pelo qual sua significação era geralmente compreendida (reduzida) pela história da arte.44 Como o território de atuação da vanguarda estabeleceu-se através de uma ação política (prática) frente aos processos institucionalizadores e à tripla autoridade do museu, do mercado e da história da arte, passado os conflitos iniciais com o mainstream, para o crítico, só se poderia falar em vanguarda em sentido figurado, ou no mínimo equivocado. Como o termo Vanguarda implica e explica, ela significou um momento em que a produção estava radicalmente à frente do local onde operava a Instituição-Arte. Ora, um descompasso radical só pode sê-lo uma única vez – no momento mesmo em que é denunciado. A defasagem entre produção e instituição segue em curso no nosso conturbado universo cultural, mas agora sob o paradoxal signo da continuidade do descompasso. Nomeá-la vanguarda, a rigor, é desconhecer a realidade atual ou abusar do termo: não pode haver a tradição da vanguarda, a não ser como contrafação.45 A partir dessa condição, insinuaram-se dois diferentes caminhos. Por um lado, assim como o que ocorreu com o crítico italiano Achille Bonito Oliva, a maior parte dos 44 BRITO, Ronaldo. O moderno e o contemporâneo (o novo e o outro novo) [1980]. In: Arte brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Funarte, 1980. (Caderno de Textos, 1); BASBAUM, Ricardo (org.). Arte brasileira contemporânea: texturas, dicções, ficções, estratégias. Op. cit., p. 202; LIMA, Sueli de (org.). Experiência crítica – textos selecionados: Ronaldo Brito. Op. cit., p. 74. 45 Ibid., pp. 204-205; Ibid., p. 77. [Grifos no original] 138 críticos de arte brasileiros na década de 1980 não relacionava abertamente a crise da vanguarda à emergência do pós-modernismo, a não ser de modo pontual e esporádico. Embora comentassem certos aspectos referentes ao debate internacional, a discussão em torno do pós-moderno ficou mais localizada nas esferas da filosofia, literatura e arquitetura, e mesmo no âmbito mais geral da política cultural, o que, no caso das artes visuais, também evidenciava a pequena inserção, igualmente pontual e ocasional, que o pensamento de certos críticos de arte norte-americanos encontrou em território nacional naquela década – talvez pelo fato de a Teoria Modernista ter sido tardiamente debatida no Brasil, contribuindo para que os críticos em torno da revista October começassem a ganhar maior visibilidade apenas nas décadas posteriores. Nesse contexto, seria possível citar alguns momentos importantes para a discussão referente ao pós-moderno, como a publicação, em 1983, do caderno especial no periódico Arte em Revista, publicação do Centro de Estudos de Arte Contemporânea (CEAC), em São Paulo, coordenada por Otília Arantes, Celso Favaretto e Matinas Suzuki Júnior – mais tarde substituído por Iná Camargo Costa –, as traduções para língua portuguesa dos livros de Eduardo Subirats e Jean-François Lyotard – enquanto as publicações de David Harvey, Gianni Vattimo, Hal Foster e Fredric Jameson só seriam traduzidas na década seguinte – e, por fim, a organização da coletânea Pós-modernismo e política, por Heloísa Buarque de Hollanda (1939-), em 1990, com traduções de ensaios de Fredric Jameson e Andreas Huyssen, entre outros autores.46 Il. 55 – Capa do Caderno especial do periódico Arte em Revista, n. 7, 1983 46 Arte em Revista, Caderno especial ‘Modernismo, Pós-modernismo ou Anti-modernismo?’, n. 7, Op. cit. [publicado em 1983]; SUBIRATS, Eduardo. Da vanguarda ao pós-moderno [1984, publicado em 1985]. Op. cit.; LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna [1979, publicado em 1986]. Op. cit.; HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural [1989, publicado em 1992]. Op. cit.; VATTIMO, Gianni. O fim da modernidade: niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna [1985, publicado em 1996]. São Paulo: Martins Fontes, 1996; FOSTER, Hal. Recodificação: arte, espetáculo, política cultural [1985, publicado em 1996]. Op. cit.; JAMESON, Fredric. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio [1991, publicado em 1996]. Op. cit.; HOLLANDA, Heloísa Buarque de (org.). Pós-modernismo e política. Rio de Janeiro: Rocco, 1990. 139 Dois críticos, em particular, referiram-se ao pós-moderno/pós-modernismo em textos localizados, insinuando a partir daí o rumo diverso que a crise das vanguardas assumiria para a reflexão desenvolvida por determinada vertente crítica no Brasil. Ronaldo Brito, no texto Pós, pré, quase ou anti? [1983], acreditava que apesar da existência de certo pós-modernismo – identificado décadas antes pelo crítico Mário Pedrosa –, caracterizado como minoritário, marginal e ainda vinculado a um desejo de utopia que representava o triunfo das vanguardas, o pós-modernismo predominante na década de 1980 só poderia ser compreendido como um sintoma melancólico e nostálgico, que se apropriava do passado moderno não mais entendido como projeto ou resposta, mas sim como conjunto de estilos colocados à disposição dos artistas para manipulações de toda espécie. Brito via nesse pós-modernismo um sintoma do fim das vanguardas e da recusa da negatividade moderna em prol de “um novo naturalismo, um retorno à ordem, dentro do qual a arte voltaria a ser, digamos, um devaneio”, o que o induziria a questionar se esse pós-modernismo não seria “uma tentativa de recuperar um lugar acrítico para a arte”.47 Alberto Tassinari (1953-), por sua vez, em Nós e os pós [1987], procurou dissolver a ideia de pós-moderno, justamente porque, segundo ele, a “modernidade contextual” vivenciada no Brasil, através de sua aproximação com a noção particular de “brasilidade”, já corresponderia em essência a um dos aspectos mais importantes explicitados pelo pós-modernismo internacional. Desse modo, Tassinari colocava a questão principal: “ou ficamos com a possibilidade de sermos definitivamente modernos desde então (e neste caso não existiria algo como o pósmoderno), ou passamos ao pós-moderno sem sequer nos darmos conta”.48 Assim, para o crítico, a partir de uma ótica nacional, o pós-moderno não existiria de fato, uma vez que o processo de passagem do moderno para o pós-moderno, em verdade, seria apenas uma 47 BRITO, Ronaldo. Pós, pré, quase ou anti? [1983]. In: Folha de S. Paulo, São Paulo, 2 outubro 1983; LIMA, Sueli de (org.). Experiência crítica – textos selecionados: Ronaldo Brito. Op. cit., pp. 112113. 48 TASSINARI, Alberto. Nós e os pós [1987]. In: Folha de S. Paulo, Caderno Folhetim, São Paulo, n. 565, 11 dezembro 1987; BASBAUM, Ricardo (org.). Arte brasileira contemporânea: texturas, dicções, ficções, estratégias. Op. cit., p. 237. 140 solidificação da modernidade, tese que o mesmo sustentaria de modo mais amplo, anos mais tarde, no livro O espaço moderno.49 Contudo, o argumento de Tassinari já se encontrava completamente caracterizado no texto O moderno e o contemporâneo: o novo e o outro novo, de Ronaldo Brito, escrito para uma publicação organizada pelo Espaço ABC – Funarte, no ano de 1980, e em consonância com os ideais daquela proposta institucional.50 Do mesmo modo que o fim da vanguarda gerou um movimento pós-modernista, a partir do momento em que a modernidade foi negada enquanto vanguarda, passando a ser aceita e incorporada à tradição, criou-se, por outro lado, impasses para a instituição-Arte que precisava continuamente adaptar-se para que cada nova incorporação fosse realizada. Essa resistência e inadequação é o que inauguraria para Ronaldo Brito a condição da arte contemporânea e a existência de um espaço da contemporaneidade, caracterizado como móvel, descontínuo e plural, sempre em tensão com os limites da modernidade.51 Assim, o crítico argumentaria que a experiência contemporânea conduziria a manobras simultaneamente mais abertas e precisas, ao mesmo tempo em que a insistência sobre a 49 Cf.: Id. O espaço moderno. São Paulo: Cosac Naify, 2001. 50 “Trabalhar um limite. Uma fronteira invisível a ser delineada. Os territórios pouco nítidos que separam na arte dois momentos: o moderno, estável, marca de uma época, de um século, este século, e aquele que busca, procura um outro espaço. Linguagens em luta na produção de seu próprio terreno, o trabalho contemporâneo, não consagrado, não conhecido, ainda não identificado. É neste limite, nesta região, que o programa ABC – Arte Brasileira Contemporânea trabalha. É ali, onde as artes já não são tão plásticas, que está o debate. Um programa de trabalho que é, ele mesmo, uma discussão.” Texto da contracapa dos catálogos produzidos pelo Espaço ABC/Funarte. Cf.: REINALDIM, Ivair (org.). Espaço Arte Brasileira Contemporânea – ABC/Funarte (dossiê). In: Arte & Ensaios, Revista da Pós-Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes/UFRJ, Rio de Janeiro, ano XVII, n. 29, pp. 112-167, julho 2010. (Ver a Introdução nos Anexos I) 51 “Não há uma diferença evidente entre o trabalho moderno e o trabalho contemporâneo, válida por si, há, isto sim, démarches distintas agindo ‘dentro’ e ‘fora’ deles. ‘Dentro’ porque o trabalho de arte contemporâneo não encara mais a ação modernista como esta se idealizava e sim como resultou assimilada e recuperada. (...) ‘Fora’, os procedimentos são outros também. A mudança da hegemonia do mercado de Paris para Nova York não foi somente uma questão geográfica. Foi uma mudança estratégica. Nova York não é um centro como Paris o era, representa um novo tipo de hegemonia que age pelo descentramento, pela expansão volátil, sem fronteiras nacionais ou outras delimitações fixas.” BRITO, Ronaldo. O moderno e o contemporâneo (o novo e o outro novo) [1980]. In: Arte brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Funarte, 1980 (Caderno de Textos, 1); BASBAUM, Ricardo (org.). Arte brasileira contemporânea: texturas, dicções, ficções, estratégias. Op. cit., pp. 206-207; LIMA, Sueli de (org.). Experiência crítica – textos selecionados: Ronaldo Brito. Op. cit., p. 79. 141 vanguarda por parte de muitos teóricos e artistas indicaria uma resistência em reconhecer a questão contemporânea e sua especificidade. Por fim, faria um importante comentário sobre as novas condições apresentadas pelo período: Quem desaparece diante da produção contemporânea é a nitidez da instância genealógica da História da Arte e multiplica-se a densidade e complexidade da instância teórica. Não pode existir uma teoria da Contemporaneidade. O próprio desta contemporaneidade é ser um “amontoado” de teorias coexistindo em tensão, ora convergentes, ora divergentes. (...) Numa certa medida, não é mais a arte que permite a história da arte e sim o inverso – a História da Arte, esta construção a posteriori, infiltra-se na produção e parece mesmo determiná-la.52 É a partir desse comentário do crítico brasileiro, então, que podem ser delineadas as ligações existentes entre a produção artística contemporânea e a história da arte – entre certo entendimento de “arte” e a operacionalidade/especificidade de sua construção histórica (seja no âmbito das práticas artísticas, seja no das teorias – diversas e “coexistindo em tensão”). O modo peculiar como o passado foi compreendido, analisado e confrontado enquanto matéria e/ou argumento discursivo pode ser visto, afinal, como um dos aspectos mais importantes no estabelecimento de uma determinada consciência histórica nos discursos críticos (e na teoria da arte) da década de 1980, assim como o alicerce conceitual para novas estratégias artísticas centradas no uso e na manipulação de imagens. Em contrapartida, cabe ressaltar que a tendência revivalista que marcou fortemente o período não pode deixar de ser relacionada às novas condições de mediação social/interpessoal propiciadas pela profusão de imagens técnicas e pela amplitude dos meios de comunicação de massas, fenômeno cultural sem precedentes até então (no sentido de uma globalização realmente operacional). 52 Ibid., p. 207; Ibid., pp. 79-80. [Grifo nosso] 142 2.2 A abordagem historicista da arte: prós e contras do pluralismo Historicismo é um termo que pode apresentar diferentes acepções, dependendo do campo do saber e do contexto em que é empregado. Enquanto corrente filosófica atrelada à teoria da história, indica uma posição teórica que adquiriu evidência no início do século XIX, sobretudo na Alemanha, com Leopold von Ranke (1795-1886), em oposição ao pensamento positivista originário do racionalismo francês. Inicialmente inspirados nas reflexões do filósofo alemão Johann Gottfried von Herder (1744-1803), os adeptos dessa corrente procuraram considerar cada época a partir de suas próprias especificidades, pressupondo que conhecimentos, ideias, pensamentos e valores de uma dada sociedade estariam essencialmente vinculados a uma situação contextual. Por esse ponto de vista, pode-se conceber o historicismo como a construção de uma visão de mundo tipicamente moderna e ocidental, fundada na compreensão de que as configurações assumidas pela humanidade num dado período temporal seriam resultado de processos históricos de formação (conjunto de experiências acumuladas), os quais, por dedução, poderiam ser mentalmente reconstruídos, constantemente reinterpretados e, por fim, forçosamente reassimilados pelo presente. Por isso a prática historicista, nos termos aqui descritos, tende a ser hermenêutica e, na maior parte das vezes, relativista, renunciando a abordagens universais e a estruturas imutáveis.53 Uma particularidade importante para o entendimento e uso do termo encontra-se, igualmente no contexto artístico do século XIX, no caráter revivalista de certa tendência arquitetônica que buscou reabilitar e recriar um amplo e diversificado conjunto de formas e estilos do passado, sendo conhecida no campo da historiografia pelo emprego 53 Diferentemente desse entendimento, Yve-Alain Bois – assim como outros historiadores da arte –, relaciona o historicismo ao pensamento teleológico, à concepção linear e progressista do tempo histórico, identificável com maior ênfase no período do modernismo, tanto nas análises críticas de Charles Baudelaire e Clement Greenberg, quanto em textos de outros autores, incluindo-se aí manifestos e escritos de artistas. Cf.: BOIS, Yve-Alain. Historisation ou intention: le retour d’un vieux débat. In: Cahiers du Musée national d'art moderne, vol. 22, pp. 57-69, décembre 1987; Id. Historização ou intenção: o retorno de um velho debate [1987]. Tradução de Carlos Zilio. In: Gávea, Revista do Curso de Especialização em História da Arte e Arquitetura no Brasil, Rio de Janeiro, PUC, n. 6, pp. 107-122, 1988. 143 recorrente do prefixo “neo”: neogótico, neorromânico, neobizantino, neomourisco, neobarroco, neoclássico, neomanuelino, etc. Tais propensões revivalistas na produção arquitetônica da época também estiveram associadas ao ecletismo, entre as últimas décadas do século XIX e o início do XX, mas neste caso, diferentemente da orientação mais ‘purista’ da primeira tendência (“neos”), a característica principal dessas proposições encontrava-se justamente na mistura de formas e elementos compositivos provenientes de diferentes estilos ou épocas da história da arte e/ou da arquitetura num mesmo projeto, criando-se assim uma nova linguagem, a partir da ideia de “montagem”. O revivalismo, tanto na arquitetura quanto nas artes plásticas ou mesmo decorativas, de modo geral, encontrava-se intimamente relacionado a movimentos de valorização e idealização da história nacional, a partir do desejo de averiguação das raízes regionais dos diferentes estilos europeus e em correspondência à emergência política dos Estados modernos (ideia de Nação) e à posição antitética frente a manifestações e ideologias universalizantes, como, por exemplo, a ênfase sobre formas e princípios clássicos e o expansionismo napoleônico. Os arquitetos pós-modernistas, por sua vez, ao retomarem a propensão e ímpeto historicistas, a partir do início dos anos 1970, procuraram exteriorizar uma crítica contundente à arquitetura do modernismo, principalmente a sua versão mais difundida e homogênea: o estilo internacional.54 A reavaliação do papel da história (como reservatório de imagens e de referências diversas), evidenciada tanto na reintrodução de padrões ornamentais no projeto arquitetônico quanto no convívio heterogêneo entre as formas provenientes do passado e aquelas distintivas das sociedades industriais do pósguerra, não só reforçava o alinhamento mais geral dessa vertente com o pensamento pluralista do pós-modernismo, como também estimulava a transmissão/migração de 54 A corrente arquitetônica pós-modernista começou a delinear-se nos Estados Unidos, a partir de 1972, seja com a simbólica implosão do outrora premiado projeto de habitação Pruitt-Igoe, em St. Louis, Missouri – segundo Charles Jenkins, um sintoma da falência da utopia social constituinte do modernismo –, seja com a publicação do livro Learning from Las Vegas, o qual questionava os paradigmas universalizantes do estilo internacional, reabilitando a importância das formas populares e das soluções vernáculas, como as encontradas nos subúrbios norte-americanos. Cf.: VENTURI, Robert; BROWN, Denise Scott; IZENOUR, Steven. Aprendendo com Las Vegas: o simbolismo (esquecido) da forma arquitetônica [1972]. Tradução de Pedro Maia Soares. São Paulo: Cosac Naify, 2003. 144 certos aspectos mais operacionais do enfoque historicista para o campo das artes visuais. Assim, as noções de ‘pastiche’ e de ‘esquizofrenia’ passaram a ganhar maior representatividade entre artistas e críticos, nem sempre consideradas positivamente, uma vez que, segundo o comentário de Fredric Jamenson – para quem, ao invés de rechaçar ou de aclamar o pós-modernismo, seria mais correto avaliar a produção cultural com base na hipótese de uma mudança geral da cultura –, “em um mundo em que a inovação estilística não é mais possível, tudo que resta é imitar estilos mortos, falar através de máscaras e com as vozes dos estilos do museu imaginário”.55 Central nesse contexto, então, foi o papel desempenhado pelas imagens (incluindo-se aí o imaginário individual/coletivo e a produção e circulação de imagens técnicas), fossem elas provenientes da história da arte propriamente dita, da cultura popular ou da sociedade de massas, a partir da noção de citacionismo, assim como o uso posterior do termo ‘apropriação’ como prática e dispositivo crítico de legitimação discursiva, reforçando questões essenciais para o contexto da arte contemporânea nas últimas décadas, que já haviam sido insinuadas nos anos 1960, sobretudo entre artistas da pop art, do nouveau réalisme e da nova figuração brasileira. 2.2.1 Nomadismo cultural e ecletismo estilístico como princípios artísticos frente ao reservatório imagético dos anos 1980 Ao expandir sua análise do contexto artístico italiano para a produção de arte contemporânea “em geral”, o crítico Achille Bonito Oliva procurou denunciar a ideologia presente no que chamou darwinismo linguístico. Com o final da Segunda Guerra Mundial e o consequente desenvolvimento do sistema ocidental de produção, marcado tanto pelo otimismo frente à expansão econômica quanto pela tendência em 55 JAMESON, Fredric apud HEARTNEY, Eleanor. Pós-modernismo [2001]. Tradução de Ana Luiza Dantas Borges. Op. cit., p. 15. 145 anular as barreiras nacionais, a pesquisa artística, segundo o ponto de vista do crítico, orientou-se sob o signo de uma linguagem internacionalista, embasada num experimentalismo impessoal e objetivo, que se dirigia mais à estrutura linguística da obra do que à sua comunicação com o público. Nesse contexto, os artistas da década de 1960 voltaram-se para a tradição das vanguardas históricas, procurando constituir um discurso sobre a arte, seu sistema e o mundo como um todo, no que ficou conhecido como neovanguardas.56 No entanto, ABO indicava um forte ponto de inflexão na cultura ocidental contemporânea, capaz de abalar consubstancialmente a perspectiva afirmativa que havia caracterizado a chamada “era de ouro” do avanço tecnológico global: desse modo, a crise político-econômica do petróleo, deflagrada com a guerra do Yom Kippur57, por volta da metade da década de 1970, demonstraria a fragilidade da ideologia progressista ocidental, constituindo-se como importante acontecimento (um verdadeiro ‘divisor de águas’), que marcaria a passagem de uma concepção linear da história para uma circular, baseada na filosofia dos pré-socráticos e dos povos orientais.58 Em meio ao contexto conturbado que se delineou naquele momento, o 56 Ao apontar para esses aspectos relacionais em seus textos sobre a Transvanguarda, porém, ABO buscou argumentos que pudessem reforçar sua tese, pouco se comprometendo em analisar em profundidade como e em que condições estabeleceram-se tais ligações com as vanguardas da primeira metade do século XX, muito menos cogitou qualquer possibilidade de reação crítica que pudesse ter sido evidenciada pelos artistas dos anos 1960 frente ao modernismo ou a certos discursos que o caracterizaram. Sabe-se bem que muitos dos artistas experimentais dos anos 1960 e 1970 explicitavam críticas ao modernismo em seus escritos, procurando desenvolver um trabalho no limite entre tais referências e as expectativas geradas por outros campos da cultura que não somente as artes plásticas, tais como a política, a filosofia e a comunicação. Cf.: FERREIRA, Glória; COTRIM, Cecilia (org.). Escritos de artistas: anos 60/70. Tradução de Pedro Süssekind et al. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. 57 A Guerra do Yom Kippur foi um conflito militar iniciado com o ataque surpresa de uma coalizão de estados árabes, liderados por Egito e Síria, a Israel, durante o feriado judaico de 6 de outubro de 1973. A conflagração durou cerca de 20 dias e reforçou a tensão diplomática entre os EUA, defensor dos interesses de Israel, e a URSS, que apoiava os países árabes, desdobrando-se no embargo orquestrado pelos membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) ao fornecimento petrolífero para os países que apoiavam a sobrevivência de Israel (EUA e Europa), o que agravou consideravelmente a crise econômica mundial do período. 58 Ao retomar esse aspecto nos anos 1990, ABO salientou algumas aproximações entre a ideia de “concepção circular da história” e a noção de “fim da história”, defendida pelo filósofo e cientista político norte-americano Francis Fukuyama (1952-), um dos ideólogos do governo Reagan, que desempenhou importante papel na ascensão do neoconservadorismo nos Estados Unidos. No recorte proposto para esta investigação, contudo, é preciso reforçar que o primeiro artigo referente ao fim da história (‘The End of History?’), publicado por Fukuyama na revista The National Interest, tornou-se público apenas em 1989 (tendo sido traduzido no mesmo ano para o francês, em Commentaire, n. 47). Sua tese seria mais bem desenvolvida no livro The End of History and the Last Man, publicado em 1992, a partir do argumento de 146 crítico observou que certos artistas apresentaram em seus trabalhos uma consciência do esgarçamento da história, recusando explicitamente as velhas certezas vinculadas ao pensamento evolucionista em arte. Ao condenar então a compreensão teleológica do desenvolvimento histórico, distintiva da abordagem evolucionista das ideologias em torno das vanguardas, ABO passava a assumir uma atitude próxima ao historicismo generalizado da época, argumentando enfim que “a obra de arte é determinada pelo contexto em que se coloca”, uma vez que, para ele “não é o artista, mas a moldura geral que dá caráter de artisticidade ao gesto artístico”.59 Il. 56 – Rabbit for Dinner, Sandro Chia, 1981, óleo sobre tela, 205,5 x 339cm, Stedelijk Museum – Amsterdam/Holanda Frente à conjuntura do final dos anos 1970 e início da década de 1980, os artistas da transvanguarda eram aqueles que reconheciam a saturação imagética da cultura, recorrendo conscientemente à citação – um nível entendido como menos criativo, se considerado pelo viés da originalidade artística, porém, reconhecidamente mais crítico e que a progressão sociocultural da história humana havia chegado ao fim, com o triunfo da democracia liberal e da liberdade capitalista de mercado sobre todos os demais sistemas e ideologias (sobretudo o socialismo), fato simbolicamente representado pela queda do Muro de Berlim e pelo fim da Guerra Fria. Desse modo, por mais que o contexto dos anos 1980 tenha sido fundamental para a concepção da tese de Fukuyama, a mesma foi sistematizada somente na década seguinte, adquirindo assim maior repercussão. Cf.: FUKUYAMA, Francis. O fim da história e o último homem [1992]. Tradução de Aulyde Soares Rodrigues. Rio de Janeiro: Rocco, 1992. 59 OLIVA, Achille Bonito. A arte até o ano 2000. Tradução de Leonor Amarante. Milano: Torcular; São Paulo: Museu Brasileiro da Escultura, 1998, p. 27. [Grifo nosso] 147 reflexivo, sob as condições específicas encontradas naquele momento –, pois “se não existe uma evolução darwinista da história, não existem previsão e projeto do futuro”, mas sim uma ênfase sobre o aqui e o agora. Contudo, a partir da consciência de que formas e imagens do passado estavam à disposição e eram enfaticamente utilizadas pelos artistas, tornava-se evidente uma inversão em relação à expectativa característica das vanguardas, pois ao mesmo tempo em que reforçavam o momento presente (zeitgeist), havia entre esses artistas “a necessidade de projetar o passado, mediante a memória e a citação.”60 ABO descreveria a nova prática artística dos anos 1980, então, a partir da relação tecida entre imagens, em geral, e a subjetividade do artista, em particular: Fazer arte significa ter tudo sobre a mesa, numa contemporaneidade rotativa e sincrônica, que consegue escoar no recipiente da obra imagens privadas e místicas, signos pessoais, ligados à história individual, e signos públicos, ligados à história da arte e da cultura. Tal trânsito significa igualmente não mitificar seu próprio eu, mas, ao contrário, inseri-lo numa rota de colisão com outras possibilidades expressivas, aceitando assim a possibilidade de colocar a subjetividade na intersecção de tantas sobreposições.61 Nesse sentido, não bastava apenas reconhecer a existência desse representativo reservatório de imagens, ou mesmo apropriar-se compulsivamente dessas referências através de uma prática citacionista, mas, sobretudo, compreender o modo como elas provinham não da propagação midiática em si, mas de uma espécie de “museu imaginário”, onde imagens de diferentes origens eram constantemente deslocadas, enfatizadas e recalcadas, significadas e ressignificadas, mediadas, enfim, pela subjetivação do artista. Segundo ABO, essas imagens deixavam de ser mero indício do 60 61 Ibid., p. 60. [Grifo no original] “A ideia que move o novo trabalho é a da deriva, de um movimento sem direções préconstituídas, sem partidas nem chegadas, mas acompanhado pelo desejo de encontrar a todo o momento um ponto de fixação provisório no deslocamento progressivo da sensibilidade no interior da obra. A subjetividade afirma-se precisamente através de seu fragmentar-se, seu afirmar-se para além da acidentalidade da imagem que nunca se põe como momento unitário e totalizante, mas sempre como visão precária que não captura, e nem quer fazê-lo, o sentido do mundo e a ideia de infinito que o acompanha. Aqui a imagem torna-se o depósito de uma potencialidade apenas mencionada, expressa nos modos da arte, que são aqueles da graça e da fúria.” OLIVA, Achille Bonito. The Italian Transavantgarde/La Transavanguardia Italiana [1979/1980]. Op. cit., pp. 18-19, pp. 57-59, pp. 92-94. Tradução livre do autor, a partir das versões italiana e inglesa. [Grifos nossos] 148 mundo, a partir de captura mecânica, passando a ganhar espessura através dos “modos da arte”; ou seja, através do fazer da pintura ingressavam efetivamente na esfera da “arte”. Era a subjetividade do artista, em suma, que inseria essas imagens numa constante condição de ambivalência, entre sua propriedade figurativa e uma tendência à abstração, uma vez que a fatura da obra transitava constantemente entre a pulsão do fazer e a estabilidade do resultado. Ao restituir o “prazer do fazer manual”, ABO explicitava categoricamente a supremacia das técnicas e linguagens artísticas tradicionais, sobretudo a pintura (que em certos momentos chegava mesmo a ser entendida como sinônimo de “arte”), retomando também, mesmo que de modo subliminar, o antigo argumento oitocentista da não-artisticidade das imagens técnicas (rechaçadas “pela falta de confiança na racionalidade e na tecnologia contemporâneas”62), tratando-as apenas como uma espécie de ‘catálogo’, material de referência disponível para a produção artística propriamente dita. Essa posição aproximaria o teórico italiano das correntes neoconservadoras norte-americanas, sobretudo do pensamento do crítico Hilton Kramer. O conjunto de referências presentes no imaginário do artista era trabalhado então por meio do uso das mais diversas “maneiras” disponíveis na história dos processos pictóricos, o que ABO entendia como uma retomada das práticas maneiristas do século XVI.63 Após haver escrito um livro sobre o maneirismo italiano, o crítico encontrou 62 Id. Depoimento. ROELS Jr., Reynaldo. O inventor da Transvanguarda: está no Brasil o crítico italiano Bonito Oliva. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 09 janeiro 1986; FREITAS, Rosana de (org.). Ronaldo Roels Jr.: crítica reunida. Rio de Janeiro: Museu de Arte Moderna, 2010, p. 329. 63 “Dos livros, o mais importante é Ideologia dei Tradittore, em que expus uma tese sobre a pintura maneirista do século XVI e que tem como ideia central a crise geral por que passava a Itália: crises política, religiosa, econômica e a científica. Maquiavel havia exposto a política como um encontro de forças. A concepção científica do Universo imperante até então, a ptolomaica, foi substituída pela copernicana. No século XVI, o artista e o intelectual começam a viver estas crises e, em vez de criar como era tradicionalmente feito, eles recorrem à citação, começam a reutilizar as maneiras de pintar do século anterior. O artista era um traidor, não vivia uma relação frontal com a realidade, mas uma relação lateral: ele trai o modelo que emprega em seu trabalho. [...] A substância do meu pensamento teórico é que há um paralelo entre a crise que eles viveram no século XVI e a crise de nossa sociedade. Depois da Guerra do Yon Kippur [sic] e a crise do petróleo, os árabes começaram a utilizar o petróleo como arma, e a crise afetou toda a economia mundial. Houve um questionamento do otimismo produtivo ocidental e entraram em crise os modelos políticos e os modelos ideológicos. A ideia de vanguarda resulta de uma noção linear de progresso: uma espécie de darwinismo intelectual. A Itália, em 1976, experimentou a crise total, inclusive com uma onda de terrorismo, a morte de Aldo Moro e outros acontecimentos 149 paralelos históricos com a arte contemporânea, afirmando que a transvanguarda assumia os princípios do “nomadismo cultural” e do “ecletismo estilístico”, ambos essencialmente maneiristas, como manobras para recriar a arte através da citação de elementos de toda a cultura. E num campo de atuação impregnado pela cultura, não haveria mais nenhuma certeza ou ideologia imperante, contribuindo para que o artista migrasse constantemente de uma referência imagética à outra, de uma teoria à outra, recuperando ecleticamente os estilos artísticos do passado, que passavam a ser utilizados como espécies de ready-mades. Para ABO, o “valor do ecletismo” identificaria a transvanguarda mais como uma atitude artística e não tanto a um movimento, simbolizando uma abertura real para a pluralidade de referências da cultura. Contudo, um dos problemas daí decorrentes, sobretudo em relação a um ecletismo mais voltado para a história da arte e não tanto para a cultura de massas, era saber se de fato o revivalismo constituiria uma característica apenas dos artistas italianos, mergulhados na diversidade de influências históricas de seu país, ou poderia ser visto como um princípio extensível a artistas de outras nacionalidades, constituindo verdadeiramente um princípio e uma tendência internacionais. Il. 57 – Midnight Sun II, Francesco Clemente, 1982, óleo sobre tela, 201 x 250,7cm, Tate Gallery, Londres/ Inglaterra igualmente difíceis de ser absorvidos. Comecei a observar então que alguns artistas estavam enfrentando a ausência de padrões de certeza. [...] A Transvanguarda é uma forma de neomaneirismo, um traidor histórico que recupera o passado sem distinção e o utiliza em sua obra da maneira que quer.” ROELS Jr., Reynaldo. O inventor da Transvanguarda: está no Brasil o crítico italiano Bonito Oliva. In: Jornal do Brasil, Op. cit.; FREITAS, Rosana de (org.). Ronaldo Roels Jr.: crítica reunida. Op. cit., pp. 328-329. 150 Essa questão pode ser evidenciada na análise que o crítico realiza de alguns trabalhos do artista Francesco Clemente (que assumiria uma posição mais internacionalista), em particular, afirmando que suas obras sustentavam-se por uma noção de arte na qual se entrecruzam processos de “repetição” e “diferença” (curiosamente, sem fazer qualquer menção ao pensamento do filósofo Gilles Deleuze).64 A repetição, em tais trabalhos, evidenciava-se através do uso intencional de estereótipos, referências e citações, permitindo ao artista desmistificar a ideia de originalidade através da ênfase sobre a aparente convencionalidade da prática artística. Contudo, ao reproduzir imagens ‘por meio dos processos da arte’, o artista da transvanguarda tenderia a realizar variações sutis e imprevisíveis (ou mesmo alterações radicais), reforçando um deslocamento, uma diferença, em relação à imagem de origem, midiatizada. ABO contextualizaria essa prática da seguinte forma: Se há um sentimento na transvanguarda é o de indiferença; essa indiferença que leva o homem comum a passar de um canal a outro através do controle remoto da televisão, mudando rapidamente de uma imagem-símbolo a outra, tornando essas imagens intercambiáveis. A tragédia da guerra do Vietnã, sob a indiferença dos olhos da América, foi inicialmente consumada como pura imagem espetacular, imagem que perdeu sua profundidade dramática, achatada na tela como puro aparecimento e desaparecimento. A transvanguarda assimila essa antropologia da indiferença e a realiza, deslocando-a da velocidade da imagem televisiva para a morosidade viscosa do tempo de produção da pintura, permitindo ao artista capturar esse achatamento bidimensional com a intenção de lhe dar profundidade e assim superá-lo; ou, em perspectiva, restituir a profundidade semântica que parece ter sido cancelada pela civilização midiática. Mas como é possível requalificar essas imagens? Precisamente através do valor do ecletismo que encontro na transvanguarda, quando o artista contamina, reúne os níveis baixos da imagem reproduzida pelos mass media e os níveis altos, profundos, derivados da tradição histórica das vanguardas.65 Operacionalizando teoricamente a prática artística da transvanguarda, Bonito Oliva apresentaria aproximações – ou, muito provavelmente, fosse uma referência 64 Esse foi o tema da tese principal de doutorado de Deleuze, defendida no final da década de 1960. Cf.: DELEUZE, Gilles. Différence et répétition. Paris: Presses Universitaires de France, 1968; _____. Diferença e repetição [1968]. Tradução de Luiz Orlandi e Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 1988. 65 ARGAN, Giulio Carlo; OLIVA, Achille Bonito. Art and the crisis of models/L’arte e la crisi dei modelli. In: OLIVA, Achille Bonito. Trans-avantgarde International. Op. cit., pp. 147-149. Tradução livre do autor, a partir das versões italiana e inglesa. [Grifos nossos] 151 inconfessa entre seus pares –, com o pensamento e discursos dos críticos que defendiam o retorno e a legitimação da pintura na década de 1980. A crítica francesa Catherine Millet (1948-), por exemplo, no texto da exposição Baroques 81, ocorrida em Paris (ver Anexos II), falaria num estado de coisas próximo ao ‘barroco’, salientando a “eclosão de uma multiplicidade de verdades contraditórias ou ambivalentes”, a partir da falência das ideologias, no final do século XX. Nessas condições, segundo a mesma, os artistas do início dos anos 1980 “veem seu território circundado por dois abismos: esse cavado pelo desaparecimento da pintura, enquanto lugar social e retransmissor espiritual, e aquele deixado pelo desmoronamento das utopias de substituição propostas pelas vanguardas.”66 Robert Rosenblum, por sua vez, enfatizaria uma “liberdade iconográfica” sem precedentes, comentando que a impressão que se tem diante da enorme variedade de citações utilizadas pelos artistas daquele período é a de que todo o conteúdo dos grandes museus encontrava-se explodido, dilacerado, fragmentado, refletindo “o conhecimento consciente e exato que artistas e expectadores têm de toda a história de arte do nosso planeta, da caverna ao Soho”, e que poderia ser entendido, em última instância, como o caráter “enciclopédico” próprio dessa produção visual.67 Já para Wolfgang Max Faust, parecendo desenvolver uma síntese das questões apontadas por Millet e Rosenblum, o que veio a prevalecer na década de 1980 foi uma “estética da dispersão”, abrangendo não só a história e a multiplicidade das imagens, mas também o dilema enfrentado pela pintura frente a sua condição não mais assegurada como 66 MILLET, Catherine. Les débourdements d’une avant-garde internationale. In: PAGÉ, Suzanne et al. Baroques 81. Paris: ARC, Musée d’Art moderne de la ville de Paris, 1981; BISSIÈRE, Caroline; BLANCHET, Jean-Paul (ed.). Les années 80: à la surface de la peinture. Op. cit., pp. 213-214. Tradução livre do autor, a partir do original em francês. 67 “O resultado seria uma torre de Babel visual que misturaria culturas – altas e baixas, contemporânea e pré-histórica, antiga e cristã, lendárias e históricas – numa superabundância irreverente que reflete exatamente a asfixia confusa das datas enciclopédicas que esvaziam nosso horizonte cotidiano e nos provêm a matéria para os sonhos e as artes.” ROSEMBLUM, Robert. Réflexions sur les sources de l’esprit du temps [1982]. In: BISSIÈRE, Caroline; BLANCHET, Jean-Paul (ed.). Les années 80: à la surface de la peinture. Op. cit., pp. 218-219. Tradução livre do autor, a partir da versão francesa. Segundo Yve-Alain Bois, Rosemblum “foi o historiador da arte que mais se empenhou em reabilitar a arte pompier do século XIX”, o que também evidenciaria uma tentativa de obliteração das conquistas das vanguardas por parte dos “críticos neoconservadores”. In: BOIS, Yve-Alain. Historização ou intenção: o retorno de um velho debate [1987]. Tradução de Carlos Zilio. In: Gávea, Op. cit., p. 116. 152 parâmetro conceitual para a noção de arte.68 A recorrência e ênfase sobre esses discursos definiria aparentemente um universo comum de preocupações naquele momento, quando, em verdade, a visão mais ampla da arte produzida na década de 1980 explicitava (e exigiria) uma maior complexidade, ao incorporar discursos outros, que ora reforçavam, ora contradiziam, ora reagiam enfaticamente a tais argumentações e ponderações teóricas provenientes dos ‘defensores’ da pintura. Iremos abordar, em particular, dois contextos (aqui isolados apenas por motivos de ordem prática): o meio de arte brasileiro, sobretudo a partir das negociações geradas frente à repercussão da teoria da transvanguarda, entre outras referências conceituais, e, em seguida, sob o viés da operatividade prático-discursiva da arte, a esfera de influência internacional dos críticos ligados ao núcleo principal da revista norte-americana October, sobretudo por apresentarem em suas análises uma série de conceitos úteis para a abordagem da arte produzida a partir deste contexto. 68 “Se as fases imediatamente precedentes do desenvolvimento da arte (especialmente, é claro, a arte conceitual) referiam-se à linguagem, a nova pintura refere-se a um campo além da linguagem, a uma visão saturada pela história, desejando provocá-la e destruí-la. Proveniente do fato de que a natureza só pode mostrar-se em relação à história, a nova pintura tenta transformar diacronia em sincronia. Ela quer criar um aqui e agora que devora o antes e o depois por causa do presente. Paralelos cronológicos, camadas e paradoxos tornam-se visíveis. Emotividade e indiferença são mostradas lado a lado. O significado da pintura é, simultaneamente, afirmado e questionado com veemência por estratégias as mais diversas. Divergências e descontinuidades são colocadas lado a lado, e caracterizam os trabalhos individuais como loci de uma ‘estética da dispersão’, que atinge, por um lado, a história das imagens e, por outro, a tradição dos conceitos de pintura ou os preconceitos a respeito da natureza da arte. Em consequência, junto a citações de estilo, assunto e tema, encontramos simultaneamente, na atualidade, tratamentos temáticos do permitido e do proibido em arte. Vemos ecletismo, diletantismo, momentos de coincidência, bem como a categoria desdenhosa do pensamento historicista, conectados uns aos outros na pintura contemporânea, porque ela se empenha por uma multiplicidade que se opõe a qualquer concepção inequívoca de pintura. Como ‘pintura segundo a pintura’, a arte foge da identidade. Por meio da pintura, esses pintores querem tornar-se algo diferente de pintores. A ‘rota de passagem’ pelas imagens transcende não só às imagens em si, mas também o conceito de pintor.” FAUST, Wolfgang Max. The appearance of Zeitgeist. Traduzido para o inglês por Martha Humphreys. In: Artforum International, New York, p. 90, January 1983. Tradução livre do autor, a partir da versão inglesa. [Grifo nosso] 153 2.2.2 Reverberações discursivas e práticas artísticas no contexto brasileiro Achille Bonito Oliva, até o final da década de 1980, esteve no Brasil pelo menos em três momentos distintos: o primeiro deles no ano de 1975, quando permaneceu no país pelo período de três meses com o intuito de melhor conhecer a produção nacional e recolher dados para organização de uma mostra internacional sobre arte brasileira, projeto não realizado na época devido a seu alto valor orçamentário (desdobrando-se em apenas duas páginas dedicadas ao assunto no livro Autocritico automobile)69; a segunda estada, mais curta, em janeiro de 1986, após a 18ª Bienal de São Paulo (e a repercussão internacional da Grande Tela), quando proferiu duas conferências, no MAM-SP e no MAM-RJ, organizando no museu carioca, em paralelo, uma exposição com obras de artistas brasileiros, intitulada Transvanguarda e Culturas Nacionais (ver Anexos II)70; e, por fim, em fevereiro de 1987, quando veio ministrar uma palestra na Galeria Saramenha, no Rio de Janeiro, a fim de divulgar o que na ocasião era seu mais ‘novo’ movimento, o Progetto Doce, espécie de distensão conceitual da transvanguarda, tornando-se pivô de uma polêmica que extrapolou o âmbito mais específico das artes visuais e cujo estopim foi um comentário publicado no Jornal do Brasil em que criticava a ação realizada durante sua palestra pelo coletivo A Moreninha, formado por jovens artistas que em sua maior parte haviam participado, anos antes, da mostra Como Vai Você Geração 80?.71 69 OLIVA, Achille Bonito. Autocritico automobile: attraverso le avanguardie. Milano: Il Formichiere, 1977. Nesse período, uma tradução de seu texto “A arte e o sistema da arte” foi publicada em: Malasartes, Rio de Janeiro, n. 2, pp. 24-26, dez./jan./fev. 1976. 70 “A exposição foi organizada por ocasião da conferência ‘Transvanguarda e Culturas Nacionais’, proferida por Bonito Oliva no MAM-RJ. Essa mostra relâmpago conta com os nomes selecionados pelo crítico para discutir suas ideias. Certamente, a abrangência do tema imporia extensa pesquisa para uma exposição que pretendesse esgotar o assunto. Assim, o sentido dessa mostra é primordialmente servir de apoio aos debates, oferecendo ao público a oportunidade de ver trabalhos de alguns dos artistas referidos na conferência.” Texto do folder da exposição, a partir de obras da coleção Gilberto Chateaubriand (exceto as de Victor Arruda), ocorrida no MAM-RJ. [Grifos nossos] 71 A partir da realização da exposição individual da artista italiana Paola Fonticoli (1961-) na Galeria Saramenha, seu proprietário, o também artista Victor Arruda (1947-), convidou ABO para 154 Em todas as situações aqui especificadas, a postura e as declarações de ABO geraram certo mal-estar, seja no plano das conversas pessoais mais localizadas, seja na dimensão ampla e acalorada dos debates públicos, trazendo à tona a clássica discussão acerca da interferência de agentes estrangeiros numa cultura sobre a qual supostamente não possuiriam conhecimento suficiente. O ápice desse debate, como já mencionado, ocorreu a partir da contrarreação do crítico ao happening promovido pelos “moreninhos”, às vésperas do carnaval de 1987, momento em que ABO externou publicamente seu diagnóstico negativo. O crítico identificava como verdadeiro equívoco a persistente ênfase no que chamou “cultura sambista” por parte de intelectuais, políticos e artistas brasileiros, que procuravam assim reduzir a identidade nacional à simplificação das raízes populares, bem como a obras meramente folclóricas – fossem elas musicais, literárias ou plásticas –, fundamentadas numa espécie de arcaísmo proferir uma palestra sobre o Progetto Dolce, em 18 de fevereiro de 1987. Durante o evento, no entanto, ocorreria um “happening” do grupo A Moreninha: enquanto alguns artistas na plateia colocavam ‘orelhas de burro’, feitas de papel, bandejas de ‘doces’ e ‘santinhos’ eram oferecidas aos presentes por cinco ‘garçons’, ao mesmo tempo em que um gravador tocava Dupla Sertaneja, músicas rurais entrecortadas com narrações de trechos extraídos dos escritos do filósofo pré-socrático Heráclito. ABO, que havia sido avisado com antecedência da ação por meio de uma ligação feita à galeria, recomendou que os artistas se manifestassem antes do início da palestra ou, caso contrário, abortassem a ideia. Ao não ter sua vontade respeitada, apresentou uma reação extremada, encerrando a ‘tentativa de discussão’ com um murro desferido sobre o gravador de Ricardo Basbaum. Foi então que Paulo Roberto Leal gritou: ‘Agressão aqui, não. Agressão, na sua terra’. Após o incidente, os artistas retiraram-se da galeria, exceto Enéas Valle, que estava sentado de costas para ABO e havia assistido o ocorrido através de um espelho retrovisor (ver Anexos I). Na época, Wilson Coutinho publicaria: “Depois o artista Milton Machado sofreu com a barreira da língua. Ao falar que o evento poderia se transformar numa grande briga, foi acusado pelo crítico de se utilizar do ‘cinismo do espectador’. Com isto, Oliva recebeu na cara um copo de uísque.” COUTINHO, Wilson. ‘Moreninhos’ atacam Oliva. In: Folha de S. Paulo, Ilustrada, São Paulo, p. 30, 28 fevereiro 1987. Milton Machado, contudo, explica o que de fato ocorreu: “Não sofri com a barreira da língua; afinal o idioma italiano não é tão difícil assim de entender quando se ouve algo como ‘cinismo del spettatore’. O que realmente se passou foi que ABO me dirigiu uma saraivada de palavras ofensivas. Pedi que se retratasse. Não o fez, por isso mereceu o banho de whisky. E, logo depois, o arremesso do copo, que se espatifou no vidro da galeria. A causa desse quid-pro-quod? Um sujeito próximo a Victor Arruda informou-o que seria eu, Milton, o idealizador de toda aquela ação, perpetrada pelos moreninhos. Quando eu nem sabia da existência do grupo. Isso justifica as agressões de ABO, porque eu seria mesmo um cínico oferecendo-lhe meus catálogos, fazendo-me de inocente. Uma vez esclarecido o mal-entendido (depois de uma carta aos leitores que fiz publicar no JB, o próprio ABO procurou-me desculpando-se. Alguns anos depois, escreveria texto para o catálogo de exposição coletiva da qual fui o curador, em Roma. Mesmo que esse ato tenha despertado um tipo deslocado de admiração por parte dos artistas que me aplaudiram em uma vernissage, como ‘viva o artista que jogou um copo de whisky no Bonito Oliva’, a carta tinha a preocupação de ser esclarecedora de minha atitude.” Milton Machado, depoimento público em 08/08/2012. Para maiores informações sobre essa e outras ações de A Moreninha, ver Anexos I e o ensaio: BASBAUM, Ricardo. Cérebro cremoso ao cair da tarde. In: O Carioca, n. 5, dezembro 1998. Disponível em: http://rbtxt.files.wordpress.com/2010/01/cerebro_ cremoso.pdf 155 generalizado (singeleza formal, comunicação retórica e busca ansiosa pelo nacionalismo), ou seja, uma ‘imagem carnavalesca’, feita especialmente para satisfazer o interesse estrangeiro pelo exotismo. Com esse argumento, concluía enfim que a juventude brasileira não poderia possuir base cultural satisfatória, o que explicaria a aptidão dos artistas para copiar indiscriminadamente modelos provenientes do exterior, desqualificando a ação ocorrida na Galeria Saramenha, mediante a deslegitimação dos próprios artistas enquanto tal. No entanto, as proporções alcançadas pela declaração, que em si foram mais abrangentes do que a discussão originalmente colocada em pauta pelo coletivo, reforçava o conflito do período entre, por um lado, as poéticas artísticas de viés nacional, e por outro, a gradual ênfase sobre a internacionalização do meio de arte mundial, em consonância com o processo de globalização político-econômica já em curso, bem como com a dimensão onipresente alcançada pelos meios de comunicação de massa. Curiosamente, cabe ressaltar que os mesmos critérios utilizados por ABO para condenar certa tendência negativa na produção cultural brasileira, a saber, “ênfase sobre a identidade nacional”, “uso de alusões a manifestações arcaicas” e “recorrência a referências provenientes de outras culturas ou mesmo da história da arte em geral (europeia e norte-americana)” – considerando-se que a última constatação aqui exposta parece contradizer a primeira – constituíam predicados que, num grau ou em outro, eram explicitados e defendidos nos textos do crítico italiano como importantes características da Transvanguarda.72 72 ABO sintetizaria o argumento de que muitos artistas brasileiros simplesmente ‘copiavam’ os modelos internacionais, referindo-se particularmente a um exemplo: “Toda vez que penso em um artista como Rubens Gerchman, penso na figura dos replicantes, realizações de uma robótica avançada na qual os androides parecem iguais aos homens verdadeiros, só que não têm sentimento. Gerchman representa o exemplo do replicante, o repetidor ao infinito dos modelos culturais desenvolvidos no exterior durante os últimos 20 anos, colhidos por um olhar esperto nas revistas de arte e em umas viagenzinhas aqui e ali. Em 12 anos de distância, vi seu trabalho se transformar, de uma análise antropológica sobre o território cultural brasileiro, em um trabalho de superfície pictórica que lembra os piores alunos da transvanguarda. Mesmo a atitude de retirar-se do contexto, como ocorreu com um crítico da inteligência de Ronaldo Brito, é perigosa, porque salva a consciência pessoal, mas deixa espaço ao folclore e ao atraso.” Na mesma reportagem, seguiria a resposta de Gerchman: “Achille Bonito Oliva é um ladrãozinho, um sujeito que chega aos trópicos para mamar aqui. Ele veio para o Brasil pela primeira vez em 1975 como papa da arte conceitual, viu meu trabalho e o trabalho de outros pintores (havia uma vitalidade incrível na nossa pintura), e ele chupou tudo o que encontrou. Dois anos depois, lançou a transvanguarda na Europa, sem cumprir nenhuma das promessas que tinha feito. É o colonizador chupando o colonizado, como os romanos que invadiram a Grécia e acabaram colonizados por ela. Ele me chama de replicante, mas estou expondo na Europa, na Alemanha, e sou matéria no L’Express. Ele não precisa mais vir aqui, os jovens já 156 Il. 58 e Il. 59 – Registros fotográficos do evento do coletivo A Moreninha, realizado na Ilha de Paquetá, em 1º de fevereiro de 1987 (fotos de Márcia Costa Dias e Ricardo Leoni, publicadas no Jornal do Brasil e em O Globo, respectivamente) O coletivo A moreninha, cujo nome provinha de uma referência à pedra de mesmo nome, na ilha de Paquetá, onde ocorreu a primeira ação do grupo (ver Anexos I), era formado por artistas, somados ao crítico Márcio Doctors, que se reuniam com o deram o recado a ele. Simpático, esse grupo A Moreninha.” ROELS Jr., Reynaldo. Cultura sambista: crítico italiano investe contra grandes nomes da arte brasileira e põe direita e PC no mesmo saco. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 25 fevereiro 1987. 157 objetivo de aprofundar e debater aspectos referentes às artes plásticas em geral, aos movimentos internacionais (a partir da arte moderna), mas também às relações existentes no meio brasileiro de arte e, mais especificamente, carioca.73 Esses artistas percebiam uma necessidade de reabilitar o hábito da discussão artística, a partir do trabalho que eles mesmos produziam (assumindo a obra como parâmetro) e para isso realizavam encontros periódicos em seus ateliês. Acreditavam que a produção crítica local ou parecia ignorar sistematicamente a jovem produção de arte, sobretudo se a mesma não se enquadrasse no epíteto tradicional do gênero “pintura” – o que em si já não era garantia de mediação, havendo críticos que rechaçavam quase que completamente essa geração de artistas –, ou pouco enfrentava as problemáticas e relações despertadas e/ou propostas por tais trabalhos, na maior parte do tempo constituindo o que poderia ser entendido como ‘jornalismo cultural’ – contudo, sem abdicar do epíteto legitimador da expressão ‘crítica de arte’. Considerando-se as questões levantadas pelo coletivo, a partir dos elos existentes (ou não) entre crítica de arte e produção artística brasileira contemporânea, dois aspectos podem ser desenvolvidos. Em primeiro lugar, ao examinarem a relação entre teoria e produção de arte na década de 1980, os integrantes de A Moreninha passaram a questionar o que em si era uma das mais bem sucedidas construções da crítica de arte daquela década, declarando que as ações do coletivo marcavam ‘o fim da Geração 80’. Se em meados do decênio (c. 1984-1986) houve uma ênfase por parte de muitos críticos (bem como do mercado de arte) em relação à pintura produzida pelos jovens artistas, relacionando-a a retomada da democracia no país, a partir da segunda metade da década, entretanto, começava a delinear-se um novo momento, em que o entusiasmo inicial pela pintura perdia força, 73 O número de integrantes variava de uma ação a outra, mas, de modo geral, fizeram parte do grupo, além do crítico Márcio Doctors (1952-), os artistas Alexandre Dacosta (1959-), André Costa (1962-), Beatriz Milhazes (1960-), Chico Cunha (1957-), Cláudio Fonseca (1949-1993), Cristina Canale (1961-), Enéas Vale (1951-), Geraldo Vilaseca (1948-), Hamilton Viana Galvão (1954-), Hilton Berredo (1954-), João Magalhães (1945-), John Nicholson (1951-), Jorge Barrão (1959-), Lúcia Beatriz (1945-), Luiz Pizarro (1958-), Maria Moreira, Márcia Ramos, Maria Lúcia Cattani (1958-), Paulo Roberto Leal (1946-1991), Ricardo Basbaum (1961-), Solange de Oliveira (1943-) e Valério Rodrigues (1953-), entre outros. 158 permitindo que outros discursos encontrassem fissuras por onde pudessem se manifestar e assim questionar tal hegemonia. Para os artistas que faziam parte do grupo, o novo contexto cultural exigia uma relação não mais distanciada entre ‘o crítico que rotula’ e o ‘artista que meramente produz’, uma vez que era cada vez mais evidente o descompasso entre os trabalhos, a crítica e o meio de arte como um todo. Partindo de um texto de Frederico Morais, publicado uma semana antes da palestra de ABO, o artista Ricardo Basbaum formalizou a posição do coletivo frente à crítica de arte através de uma carta enviada ao jornal O Globo (ver Anexos I). Em primeiro lugar, no texto de Morais, tornava-se evidente que o crítico, a partir de então, passava a condenar desde a repetição exaustiva de várias tendências dos anos 1960 na arte produzida naquele momento, o que identificava como história da arte reduzida a almanaque, até a publicidade exacerbada em torno de ações como a que ocorreu na Ilha de Paquetá, noticiada nos jornais e na televisão – em particular, no programa ‘Fantástico’, assim como o que havia ocorrido em relação à abertura de Como Vai Você, Geração 80?. E se a condenação deste revivalismo parecia reforçar uma contradição em relação às posições que o crítico assumiu desde o início da década, o que dizer do uso da expressão “vanguarda carioca”?74 Na carta endereçada “Aos leitores de O Globo, Frederico Morais, críticos, artistas e interessados em arte” (não publicada), mesmo que Basbaum parabenizasse o crítico por haver externado sua opinião, atitude rara no âmbito da crítica jornalística, não deixava de explicitar claramente seu descontentamento: “se a produção artística dos últimos tempos tem sido muito intensa, inexistentes têm sido as reflexões e discussões acerca dessa produção”. A partir daí, desferia um veredito mordaz: Em minha opinião, a característica mais marcante do artigo em questão é revelar que Frederico Morais é, no momento, um crítico incapacitado a discutir a questão da arte nos anos 80. Não dispõe de instrumental teórico para refletir sobre as respostas formais e comportamentais que aqueles que se propõe a produzir arte hoje assumem e exprimem em suas obras e em suas posturas frente a relação com a imprensa e o circuito de arte (a 74 MORAIS, Frederico. A vanguarda se repete na Trama, o ‘kitsch’ de Carmem vira modelo. In: O Globo, Segundo Caderno, Rio de Janeiro, 11 fevereiro 1987. Ao que parece, diferentemente do que ocorreu em relação à crítica que fez à exposição de Milton Machado (publicada em 7 de maio de 1985), quando, dias depois, publicou a carta resposta do artista, isso não ocorreu no caso de A Moreninha. Ver: Id. Em questão, a liberação da emoção através da pintura. In: O Globo, Segundo Caderno, Rio de Janeiro, 20 maio 1985. 159 arte também vive da linguagem comportamental dos artistas). Mas Frederico não precisa sentir-se, por causa disso, o último dos homens (ou dos críticos): talvez nenhum crítico atuante hoje (ou outros livres-pensadores) possa, com total propriedade, exprimir profundos pensamentos acerca dos atuais fenômenos artísticos: esta é uma característica desse final de milênio, marcado por uma real crise do pensamento ocidental, que se reflete implacavelmente por todos os setores da cultura. O momento mostra-se então de forma aberta, iniciante, fértil para descobertas e invenções, já que este é o único caminho. E o artigo citado não demonstra qualquer esforço para se mergulhar nas razões e motivações da arte e dos artistas dos anos 80, preferindo optar pela preguiça mental e pelo olhar automático e ligeiro dos que olham já sabendo que não querem ver nada. Sem dúvida que, para aquele que deseja mergulhar criticamente na produção artística atual, o trabalho é muito mais árduo hoje, pela escassez (ou excesso) de parâmetros e referências. Mas é indesculpável que por isso assumam-se atitudes de antemão negativistas e obscuras, negando a possibilidade da reflexão.75 Assim, ao afirmar que Morais não estava mais capacitado a acompanhar a arte de seu tempo (essência da noção de modernidade), Basbaum invertia o julgamento deslegitimador, reforçando que o crítico deveria pelo menos aproximar-se mais dos artistas, visitando-os em seus ateliês, participando eventualmente de seus grupos de discussão e/ou conferindo suas intituladas “atuações subterrâneas”. Questionava ainda a inabilidade do crítico para compreender a relação que os artistas dos anos 1980 estabeleciam com a mídia, conscientes das estratégias de poder que os meios de comunicação exercem na sociedade, tanto quanto o uso equivocado do termo “vanguarda”, uma vez que em nenhum momento A Moreninha procurou se definir enquanto tal. Se a noção de “performance” motivava essa aproximação com o vanguardismo em arte (como se a pintura não estivesse compreendida nesta possibilidade), Basbaum terminava por questionar os motivos da ausência de referências críticas a trabalhos e propostas que tradicionalmente não se adequavam aos espaços institucionais e ao mercado, reforçando a marginalidade com que tais ações eram consideradas pelos críticos de arte. Por esse ponto de vista, chegava a parecer que havia um enorme abismo entre aquilo que os críticos viam (ou queriam ou se propunham a 75 “Resumindo, eu questiono aqui, abertamente, a autoridade do crítico Frederico Morais de exprimir juízos válidos quanto à produção artística atual, pois penso que este se encontra incapacitado para tal tarefa. Que ele se limite a atuar jornalisticamente, contentando-se em registrar a sequência dos acontecimentos ou então renuncie à sua cátedra em favor de um verdadeiro trabalho de campo e de pesquisa, que vise construir novos parâmetros críticos para julgar tais acontecimentos.” BASBAUM, Ricardo. Carta datada, 12 fevereiro 1987. In: BASBAUM, Ricardo (org.). A Moreninha: documentos, 1987/88, julho 2009. Disponível em: http://rbtxt.files.wordpress.com/2010/01/ dossie_moreninha.pdf [Grifos nossos] 160 ver) e o que era produzido e almejado pelos artistas, em sentido amplo: uma clássica oposição que já era identificada no meio de arte desde os primórdios da crítica, no século XVIII.76 Il. 60 – Panfleto (frente e verso), com composição da Dupla Especializada (Alexandre Dacosta e Ricardo Basbaum) Para Basbaum, enfim, era justamente a produção multimidiática (abrangendo os campos de investigação da performance e das novas mídias) que colocava em xeque a atuação e a abordagem crítica da década de 1980, podendo ser destacadas, por exemplo, as ações da Dupla Especializada, da qual fazia parte, juntamente com Alexandre Dacosta (1959-), e de coletivos como o Rádio Novela, formado por Nelson Ricardo (1959-), Sergio Maurício (1961-) e Flávia Portela (1964-), que mesclava teatro, artes plásticas, vídeo, música e performance, bem como trabalhos de artistas que operavam especificamente em torno da ampla ideia de arte high-tech, como Eduardo Kac (1962-), Mário Ramiro (1957-) e Hudnilson Jr. (1957-), ou dos que se voltavam para as chamadas ‘novas mídia’, sobretudo no âmbito das experiências com videoarte, como Sandra Kogut (1965-), Rafael França (1957-1991) e Tadeu Jungle (1956-), entre outros. Neste último caso, por exemplo, havia o entendimento de que os jovens atuantes na 76 Cf.: CROW, Thomas E. Painters and public life in Eighteenth-Century Paris. New Haven: Yale University Press, 2000; DRESDNER, Albert. La Genèse de la critique d’art : dans le contexte historique de la vie culturelle européenne. Traduction de Thomas de Kayser. Paris : École Nationale Supérieure des Beaux-Arts, 2005. 161 década de 1980 constituíam uma “segunda geração” de videoartistas, uma vez que, diferentemente dos chamados ‘pioneiros’, passavam a evidenciar uma referência clara e mais ostensiva à televisão. Porém, mesmo que o indício de que possuíam maior intimidade e menor preconceito em relação à tecnologia fosse considerado esporadicamente naquele momento, como o que acontece na análise teórica de Cacilda Teixeira da Costa, pouco se aprofundou a respeito do modo e dos pressupostos pelos quais essa ligação se estabeleceu.77 Fato é que ao considerar-se atualmente essa produção, torna-se evidente que nenhum crítico brasileiro atuante na década de 1980 foi capaz de desenvolver uma análise mais profunda sobre o assunto, uma abordagem teórica que pudesse contrapor-se aos discursos críticos hegemônicos referentes à pintura (e à condenação que ABO fazia às novas mídias), ou, pelo menos, que procurasse ampliar a abrangência de tal análise, enfatizando aspectos comuns na ampla variedade de propostas artísticas do período. Cabe reforçar que assim como o que ocorreu nas décadas de 1960 e 1970, foram os próprios artistas que passaram a assumir uma posição teórica no meio de arte, com o intuito de preencher as lacunas impostas pelo descaso da crítica de arte vigente, destacando-se, entre eles, os cariocas Ricardo Basbaum e Eduardo Kac.78 77 “Reciclam a TV comercial, produzem trabalhos de caráter sociológico, criam nos estúdios imagens através de meios eletrônicos, fazem entrevistas, documentários em tempo real ou produzem tudo num editor.” COSTA, Cacilda Teixeira da. Vídeo hoje em São Paulo. In: Arte em São Paulo, n. 6, abril 1982. 78 Isso aconteceria também em relação à pintura, uma vez que artistas como Sergio Romagnolo e Jorge Guinle Filho, este último apresentando uma considerável produção teórica no campo da crítica de arte, também procuraram desenvolver teoricamente aspectos poucos explorados pelos críticos no que dizia respeito à ‘nova pintura’. Romagnolo, por exemplo, defendia a ideia de uma pintura conceitual, “uma pintura que prioritariamente conceitua a arte”, destacando que na década de 1980 tornou-se possível identificar quatro novas variações no campo de investigação artística: pintura sem tinta (Monica Nador), pintura instalação (Ana Maria Tavares), pintura desenho (sem menção a artistas brasileiros) e pintura não representativa (Leda Catunda). Cf.: ROMAGNOLO, Sergio. Pintura conceitual. In: Arte em São Paulo, n. 20, dezembro 1983. 162 Antes mesmo de fazer parte do coletivo A Moreninha, Basbaum já possuía um trabalho que questionava a compreensão habitual da pintura (e de arte) que caracterizou os anos 1980, desenvolvendo uma pesquisa em parceria com Alexandre Dacosta, que tinha como mote principal o deslocamento da “obra” para o campo mais amplo da ação realizada em bares, vitrinas e espaços públicos urbanos. Desse modo, com suas ‘pinturas-cartazes’, a partir de 1981, esses artistas procuravam transformar uma pintura feita a quatro mãos num múltiplo produzido em serigrafia (posteriormente em off-set). Faziam isso, antes mesmo do boom da pintura expressiva no Brasil, questionando desde as noções tradicionais de ‘unicidade’ e ‘autoria’ até a compreensão do que seria considerado “expressividade” em arte, ao mesmo tempo em que deslocavam tais “imagens” para lugares mais próximos dos acontecimentos cotidianos, estratégia comum entre jovens artistas, sem muitas oportunidades de inserção no circuito oficial de arte.79 Desse modo, desde o início de sua trajetória, havia na produção desses dois artistas um contato com os meios de comunicação, o que evidenciava a aproximação entre artes plásticas e o impacto visual da publicidade, junto a uma forte atuação performática, fosse apresentando-se em bares (com músicas de sua autoria), seja vestidos como “garçons” em vernissages de exposições, quando distribuíam filipetas poéticas ao público frequentador de museus e galerias. Il. 61 – Panfleto da Dupla Especializada (Alexandre Dacosta e Ricardo Basbaum) 79 Segundo Basbaum, citado em crítica jornalística, “no nosso mercado dominado pelos marchands o que vale é o nome, a força que ele adquire depois das badalações nos meios de comunicação de massa. No nosso cartaz estamos usando a ironia, o humor para criticar isso. (...) Acabou aquela timidez do artista fingindo que não quer aparecer. Todo mundo quer ser consumido, virar produto, pois essa é a constatação moderna do seu valor. Fomos criados em volta da televisão, do artificialismo da produção de um artista, e gostamos disso.” Nos muros da zona sul a arte de dois jovens. In: Jornal do Brasil, Caderno B, Rio de Janeiro, 8 novembro 1984 [autor não identificado]. Ver também: MORAIS, Frederico. Pinturacartaz em dupla autoria. In: O Globo, Rio de Janeiro, 11 julho 1983; AYALA, Walmir. Pintura-cartaz nas ruas. In: Jornal do Commercio, Caderno de Leilão, Rio de Janeiro, 24 e 25 julho 1983; SANTOS, Joaquim Ferreira dos. Eles querem aparecer. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 9 novembro 1984. 163 Il. 62 – Panfleto de lançamento do vídeo Egoclip, de Sandra Kogut e Andréa Falcão (sobre trabalhos de Alexandre Dacosta e Ricardo Basbaum) Eduardo Kac, por sua vez, parece reforçar ainda mais a percepção de que houve na década de 1980 uma discussão profunda e marginal, que extrapolava os aspectos mais específicos da produção pictórica, e que, assim como no caso de Basbaum, era conduzida, tanto no plano da produção cultural quanto no da reflexão teórica, pela ação de um artista.80 Kac acreditava que as experiências artísticas voltadas para a tecnologia nos anos 1980 representavam realmente uma “nova arte”, centrada “na criação e invenção de novos campos perceptuais e novos vetores expressivos, capazes de apontar para uma sensibilidade futura e altamente informatizada.”81 Enquanto o retorno da pintura e os movimentos pós-modernos, de modo geral, caracterizavam-se por uma preocupação excessiva com o passado, as manifestações no âmbito da relação entre arte e tecnologia estariam voltadas para o futuro, representando a real sobrevivência da vanguarda, não tanto como movimento, mas enquanto espaço de experimentação de 80 “E se a Geração 80 existiu, Eduardo Kac, participante da exposição no Parque Lage em 1984, foi o gauche da festa... Na década de 1980, Kac desempenhou a um só tempo os papéis de avatar e catalisador da mídia arte, com seus textos na imprensa brasileira e a presença em eventos como Brasil High Tech no Rio de Janeiro, em 1986.” HERKENHOFF, Paulo. O brilho de Luz & Letra. In: KAC, Eduardo. Luz & Letra: ensaios de arte, literatura e comunicação. Rio de Janeiro: Contra-Capa, 2004, p. 20. Para Herkenhoff, Kac estaria “na contramão do elogio da manualidade que rege o jogo de forças da arte brasileira”, questionando, assim, o predomínio que determinado discurso crítico alcançou no meio e na historiografia da arte, a partir da década de 1970. 81 KAC, Eduardo. Arte e satélite. In: Módulo, Rio de Janeiro, n. 84, p. 48, março de 1985; Ibid., p. 32. [Grifos nossos] 164 linguagem. Kac acreditava, enfim, que a arte high tech era a expressão do futuro, assumindo uma abordagem “positiva” da tecnologia.82 O paradoxo encontrava-se no fato do meio de arte eleger uma estética tradicional por excelência, seguindo modelos pictóricos importados, em detrimento de um grupo de artistas, em sua maior parte residentes em São Paulo, que desenvolvia experiências com tecnologia de ponta. Assim: Pertence ao passado remoto a obra única e ao passado recente a obra multiplicável, relíquias da era do artesanato e da revolução industrial. Enquanto a holografia caminha para o digital, acompanhando outras conquistas da espécie humana, como as colônias espaciais, artistas em todo o mundo, inclusive no Brasil, tomam posse de instrumentos de tecnologias de ponta rumo à construção de novas linguagens, fundadas não mais na desmaterialização, e sim no imaterial; não mais na composição de objetos artísticos estáticos, e sim cinéticos; não mais na interferência direta da mão sobre a matéria, e sim na intermediação de sistemas lógicos.83 Kac afirmava que nem todos os artistas dos anos 1980 trabalhavam com um repertório estabelecido, legitimado pelo mercado de arte, argumentando que se a produção high-tech não encontrava interlocutores entre os críticos naquele momento, passaria com o tempo a ser compreendida como a mais representativa expressão artística do século XXI. Assim, mediante uma posição historicista (que tomava a experiência de um passado específico como parâmetro, seja no sentido empregado pela teoria da história, seja no de certa historiografia da arte), o artista acreditava que a relação entre arte e tecnologia seria a mais genuína manifestação da “vanguarda”, questionando, em paralelo, os discursos críticos que anunciavam o ocaso dessa prática. 82 “Cabe aos artistas dessa nova sociedade, na condição de cidadãos e profissionais, algo mais que a atualização de seus instrumentos e meios. Cabe a eles a criação de novas formas de arte, de novas operações de síntese entre linguagem, pensamento e percepção que sejam capazes de expressar, informacional e imaterialmente, os novos rumos da humanidade.” KAC, Eduardo. Arte high-tech brasileira. In: KAC, Eduardo; FERRAZ, Flávio (cur.). Brasil High Tech. Rio de Janeiro: Galeria de Arte do Centro Empresarial Rio, 1986; Ibid., p. 54. [Grifos nossos] 83 Id. Em Brasil High-Tech, o xeque ao pós-moderno. In: Folha de S. Paulo, Informática, 16 abril 1986; Ibid., p. 59. A revista Arte em São Paulo desempenhou um papel importante no campo reflexivo relacionado aos novos meios e a questões referentes ao conceito de imagem (mas não de modo exclusivo), publicando textos de artistas, como Julio Plaza (1938-2003), Lenora de Barros (1953-) e Regina Silveira (1939-), entre outros, além de inúmeros ensaios do filósofo Vilém Flusser (1920-1991), tais como Arte na pós-história (n. 20, dezembro 1983), Filosofia da fotografia (n. 21, março 1984), Autor e autoridade (n. 22, abril 1984), O mediterrâneo e a imagem (n. 23, junho 1984), Kitsch e pós-história (n. 24, julho 1984), Escrever em universo de imagens (n. 28, janeiro 1985), Imprensa (n. 30, maio 1985). A tese principal de Flusser, sintetizada em A filosofia da caixa preta [1983], seria publicada em língua portuguesa em 1985. 165 A transvanguarda, em contrapartida, por englobar trabalhos voltados para o espaço pictórico tradicional, que exploravam formas e práticas obsoletas, nada mais seria do que um retrocesso artístico, uma evidente e questionável retaguarda. Desse modo, ao considerar que a vanguarda volta-se para aquilo que é novo, Eduardo Kac viria a afirmar que ela “certamente não esta[va] na pintura de cavalete, mas na pesquisa de novos meios.”84 Sabe-se que é justamente um olhar que considera de modo valorativamente contrário esses mesmos argumentos, evidenciado tanto na teoria da Transvanguarda, quanto no discurso de muitos teóricos do pós-modernismo, e que questionava a ênfase excessiva dada ao caráter evolucionista da arte, assim como a crença positiva no futuro e na tecnologia, ambas fortemente explicitadas nos textos do artista brasileiro, que se caracterizou a condenação do pensamento e da postura referentes à vanguarda, por serem interpretadas, sob tais aspectos, como um verdadeiro “dogma” artístico. Nesse sentido, os textos de Kac, ao mesmo tempo em que iluminam certos aspectos pouco observados pelos críticos de arte do período, procuram eliminar todo discurso contrário, objetivando legitimar-se em detrimento da produção e dos discursos referentes à prática pictórica. Em suma, mudam-se os enfoques, mantêm-se as táticas. Il. 63 – Sem título, Eduardo Kac, performance de telepresença, abertura da exposição Brasil HighTech, Galeria de Arte do Centro Empresarial Rio, Rio de Janeiro, 1986 84 Id. Em questão a vanguarda. Depoimento a Reynaldo Roels Jr. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 4 abril 1987, Ibid., 91. 166 Um segundo aspecto em torno da ação de A Moreninha estaria no modo como se estabeleciam relações entre a crítica nacional e a internacional, considerando-se que a teoria da Transvanguarda – conjuntamente à personalidade de Achille Bonito Oliva –, constituía uma espécie de paradigma, de enquadramento, definindo como a arte e a crítica de arte na década de 1980, a partir de um dado momento, passaram a ser vistas no contexto brasileiro, o que em si reforça como certo projeto histórico-crítico rapidamente adquiriu ares de discurso histórico legitimado(r) no país. Se de fato a polêmica gerada após ABO questionar a redução da expressão artística brasileira a uma “cultura sambista” direcionou o debate para o impasse histórico decorrente da suposta ameaça a um referencial caráter nacional por parte de constantes interferências externas – ou, em nível mais complexo e agudo, entre algum grau de ufanismo e alguma posição xenófoba –, em síntese, trouxe para o primeiro plano o modo como certos discursos e tendências artísticas internacionais reverberavam de uma parte a outra do globo naquele período, reforçando a ideia de uma manifestação generalizada, ou zeitgeist. Trazia à tona, igualmente, as manobras, acordos e conflitos que caracterizavam a emergência de uma nova configuração do sistema internacional de produção e circulação de arte, ainda em vias de consolidação, assim como as expectativas de como o Brasil poderia (ou viria) a assumir algum papel (relevante) nesse novo contexto, mediante o fortalecimento de um circuito próprio voltado para a arte contemporânea.85 Segundo Márcio Doctors, os artistas de A Moreninha queriam em essência “mexer com a noção de história da arte”, procurando “debater com a transvanguarda, contra o niilismo irônico do movimento criado por Oliva”86, mas se o faziam era porque tinham em mente a representatividade encontrada por suas ideias entre os críticos brasileiros. É nesse momento, por exemplo, que Frederico Morais reagiria ao comentário de Bonito Oliva – 85 “Sendo o meio [brasileiro] de arte algo basicamente movido por conversas de alcova – fofocas –, imaginem o que rolou pelo circuito naqueles dias, quantos ouvidos 'quentes', quantas lágrimas derramadas, relações afetivo-comerciais perturbadas por tamanho affair! Minha impressão é que o momento foi subaproveitado como foco de discussões interessantes: esta ação apenas tornou visível a fragilidade e a extrema 'pessoalidade' das relações entre os personagens do ambiente de arte local – o que facilita tanto amizades como inimizades, e dificulta uma inserção mais consistente do trabalho. Cérebros cremosos os nossos, ontem mais que hoje, amanhã mais do que sempre.” In: BASBAUM, Ricardo. Cérebro cremoso ao cair da tarde. Op. cit. 86 DOCTORS, Márcio apud COUTINHO, Wilson. ‘Moreninhos’ atacam Oliva. Op. cit. 167 sobretudo a sua afirmação de que após a morte de Mário Pedrosa (1900-1981), a crítica de arte no Brasil tornara-se, em geral, “provinciana” e “medíocre” –, parecendo desconsiderar o modo ávido como anos antes havia lido e assimilado o frescor existente nas ideias do crítico italiano. Em resposta ao comentário de ABO, desabafaria: “Não o vejo com qualquer autoridade para fazer uma análise cultural do Brasil como esta”, uma vez que “um estrangeiro que fique tão pouco tempo aqui não tem como entender toda a complexidade do Brasil.”87 Em seguida, faria o diagnóstico: A grande época da crítica, tanto no Brasil como no exterior, foi a década de 50, quando ela era formada por pensadores que marcaram sua atuação pela ética e pelo distanciamento do mercado. Já Bonito Oliva é de uma geração mais nova, que não discute ou questiona o mercado de arte. E suas teses são por demais incorporadas ao mercado. O mercado pede uma nova moda a cada 6 meses, e ele está nesse jogo.88 Talvez esteja aí a maior das contradições da década de 1980. Considerar que tendências artísticas – como a Transvanguardia, Pattern Painting, Bad Painting, New Imagery, Neuen Wilden, Neoexpressionism, Figuration Libre, etc. – migravam de um país a outro com a velocidade das imagens reproduzidas nas páginas das revistas especializadas – tais como Artforum, Art in America, Art Studio, Art Press, Flash Art, etc. – e dos catálogos de exposições ocorridas na Europa e Estados Unidos, era algo recorrente entre os críticos; contudo, refletir sobre o fato de que o mesmo fenômeno ocorria em relação a textos e a discursos era algo pouco frequente entre eles (embora, em muitas referências e alusões fossem dados os devidos créditos aos autores). E mais grave: acreditando-se que ao aproximar-se dessas abordagens teóricas, seria possível eximir-se de aspectos ‘condenáveis’ nas mesmas, como sua relação imbricada com o mercado de arte (mas seria a crítica realmente uma entidade autônoma?). A análise distanciada de Morais frente à produção teórica de ABO pretendia reforçar uma falsa posição privilegiada, uma vez que o comentário depreciador do crítico italiano colocava em xeque não só a sua posição, mas também a da maior parte da crítica brasileira produzida naquele momento. Ao contra-argumentar, Morais parecia esquecer que a 87 88 MORAIS, Frederico apud COUTINHO, Wilson. ‘Moreninhos’ atacam Oliva. Op. cit. Id. Bom sujeito não é quem não gosta de samba. In: O Globo, Segundo Caderno, Rio de Janeiro, 26 fevereiro 1987. [Grifo nosso] 168 Geração 80 fora intensamente festejada e assimilada pelas galerias e colecionadores – assim como qual teria sido sua contribuição enquanto crítico nesse processo. Antes do ocorrido, em muitos textos da década de 1980, Frederico Morais fez referências às ideias de Achille Bonito Oliva. No catálogo da exposição 3.4 – Grandes Formatos declarou que “o pintor não precisa sair do próprio campo da história da arte” uma vez que “pintar é uma espécie de prática arqueológica sem sofrimento, um mergulho no próprio passado das formas da pintura”89, reforçando esse argumento ao afirmar no texto de Pintura/Brasil que o diferencial da nova pintura estaria na constatação de ser ela uma “prática arqueológica que leva o artista a buscar na história da arte o que antes buscava na natureza”. Nesse novo contexto, tal passaria a ser a indagação do artista: - o que vou pintar hoje, Matisse ou Nolde, Guignard ou Ensor, um ícone russo, uma coluna grega, Schnabel? Me dê um catálogo, uma revista, um livro, sou um viajante pelos ismos, errando à deriva, por mares tantas vezes navegados, mas sempre disposto à aventura.90 Em sua coluna no jornal O Globo, Morais entrevistaria o marchand e colecionador Thomas Cohn (evidenciando assim seu interesse pelo mercado de arte), que após uma viagem à Europa e Estados Unidos, em 1982, fez um relato das novas tendências na arte internacional.91 Em outra entrevista, dias depois, o artista Jorge 89 “Se se questiona hoje toda forma de positivismo em arte, se a arte virou, novamente, um valetudo, então, ótimo. Vamos em frente, viajando através da história da arte, dos países, dos estilos, das mitologias individuais, sem qualquer compromisso, sem qualquer preocupação com genealogias, sem praticar isto que Bonito Oliva, o teórico da transvanguarda, denomina de ‘darwinismo linguístico’. Ou seja, a ideia evolucionista em arte, que implica na absorção e superação metódica dos ismos do passado recente.” Id. Gosto deste cheiro de pintura. In: 3.4 – Grandes Formatos. Rio de Janeiro: Galeria de Arte do Centro Empresarial Rio, 1983, pp. 11,13. 90 “Abaixo o controle, a ordem, a regra, o estilo, todo e qualquer positivismo artístico, todo e qualquer ‘darwinismo linguístico’.” MORAIS, Frederico. A pintura vive viva a pintura. In: Pintura/Brasil. Belo Horizonte: Palácio das Artes, 1983 [Catálogo-cartaz]; In: COSTA, Marcus de Lontra (cur.). Onde Está Você, Geração 80?. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 2004, p. 98. 91 Frederico Morais comenta que, segundo Thomas Cohn, “É inegável que nos últimos anos houve modificações consubstanciais no que se vê nos museus, galerias e, por consequência, nas revistas de arte. De arte conceitual, se vê pouca coisa, quase nada. Os minimalistas resistem, na base da excelente qualidade de alguns deles, mas a geração que está tomando seu lugar usa outras linguagens, principalmente figurativas, e são bem aceitas. Uma segunda constatação importante: o mercado europeu, 169 Guinle se dizia “muito tocado pela nova pintura enérgica”, tendo sido estimulado a explorar “formatos maiores, cores mais agressivas, uma pintura visualmente mais combativa, filosoficamente irônica e fragmentada”, induzindo Morais a publicar uma análise das principais ideias do crítico italiano.92 Quando da conferência de ABO no MAM-RJ, em 1986, criticaria a posição eurocêntrica do crítico italiano, quando este afirmou “que o movimento da transvanguarda só seria possível num país como a Itália, mergulhado em sua própria tradição cultural”, atitude que evidenciava, segundo Morais, um “pensamento colonizador”, colocando constantemente “os países do Terceiro Mundo na absoluta dependência de modelos e pautas europeias”.93 No final dos anos 1980, parecendo contradizer tudo o que havia afirmado sobre ABO na segunda metade da década, concluiria que “graças à capacidade promocional de Oliva, a expressão transvanguarda tornou-se sinônimo da arte atual.”94 Esses aspectos não eram evidentes apenas nos textos de Frederico Morais. Roberto Pontual, por exemplo, identificava na pluralidade de referências da Geração 80 uma proximidade com a transvanguarda de ABO, além da predominância de um fundamento barroco – o que também evidenciava a influência do argumento curatorial que foi barrado pelos norte-americanos desde a Pop Art, ressurge e invade Nova York (quase diria, Estados Unidos) com uma boa geração de talentos italianos (Clemente, Chia, Cucchi e Paladino) e com outra alemã, que tem altos e baixos. Ambos resultam de jogadas de mercado, os italianos lançados pela Sperone Westwater, e os alemães por Michael Werner, de Colônia. Há muito dinheiro em jogo. Em Nova York, fala-se muito num pluralismo, oposto às tendências mais definidas, como as da arte conceitual, minimal e hiper-realismo. Está mais difícil enquadrar o pattern painting. Seus representantes mais badalados (Kushner e McConnell) têm apenas uma galeria a sustentá-los e o movimento não encontrou uma infraestrutura mercadológica de apoio. Assim, os grupos europeus bem lançados juntam-se aos grandes nomes da nova geração americana. (...) Os integrantes da transvanguarda expõem praticamente todas as semanas na Itália e no exterior. Realmente, o movimento cultural na Itália é muito intenso: novas propostas, novos artistas, boas revistas e livros de arte, ampla movimentação de colecionadores, museus e do próprio Governo.” MORAIS, Frederico. Arte conceitual acabou. Alemães e italianos lideram nova vanguarda. In: O Globo, 18 maio 1982. 92 Id. A transvanguarda, último grito vital, vive entre a comédia e o drama. In: O Globo, Rio de Janeiro, 2 junho 1982. Em seguida, Morais organizaria a mostra Entre a Mancha e a Figura, no MAMRJ. 93 Id. Nascimento da transvanguarda: o Maneirismo. In: O Globo, Segundo Caderno, Rio de Janeiro, 27 janeiro 1986. 94 Id. A arte vira moda: Transvanguarda, superexposições e megaleilões. In: Manchete, Rio de Janeiro, 8 janeiro 1990, p. 84. 170 de Catherine Millet, em Baroques 81–, uma vez que essa tendência estética sintetizaria a experiência cultural brasileira como um todo. Nesse aspecto, Pontual desenvolveria tanto a relação entre referências exógenas e endógenas, quanto seu constante argumento da polaridade essencial do espírito criador brasileiro: Que a Geração 80 bebe também seus bons goles no que anda hoje borbulhando, subindo e vogando pelo mundo, é evidência impossível de escamotear. E para que vir com panos quentes? Foi sempre assim, assim sempre será. (...) Mas se a histeria diante das ondas internacionais, com vistas a rejeitá-las, só traz prejuízo a não importa que arte, é verdade igualmente que toda arte firma melhor seus esqueleto e modela com mais elasticidade a sua carne na medida em que encontra, para calcificá-lo e alimentá-la, antes de qualquer outro elemento, os sais, os minerais e as proteínas do solo que lhe é mais próximo e congenial. Eis exatamente o que se está passando com a Geração 80. Se ela estende a sua fome de olhar para fora do país e do continente e se, de longe ou de perto, por experiência direta ou por ouvir dizer, descobre na Europa e/ou nos EUA fontes irresistíveis de interesse (...) o mais importante a lhe dar vigor é, no entanto, a capacidade maiúscula que observo nela assentar-se fundamentalmente sobre modelos endógenos. De aceitar beber de preferência a água nossa. E, por mais sorte ainda, os dois modelos que ela absorve em primeira linha são aqueles que melhor refletem o que eu chamaria de a polaridade essencial do espírito criador brasileiro: de um lado, ardente, o modelo antropofágico; do outro, ponderado, o modelo construtivo. Absorve-os numa troca e numa concomitância como poucas vezes se viu tão avivada, oportuna e fértil entre nós.95 Outra particularidade importante da Geração 80, segundo o crítico, é que ao negar toda “conceituação abusiva” ela veio a enfatizar o prazer do fazer manual, dando preferência à pintura em detrimento da fotografia – embora em nenhum momento Pontual analisasse com maior cuidado a importância das imagens técnicas na emergência dessa nova pintura figurativa.96 Defendia também a não predominância de 95 PONTUAL, Roberto. Explode Geração!. Rio de Janeiro: Avenir, 1984, pp. 60-61; COSTA, Marcus Lontra, p. 115. O crítico, como esperado, apontaria ainda um terceiro modelo: o construtivismo simbólico de Joaquín Torres García. 96 “A fotografia demonstra não mais exercer a menor ponta de seu antigo encanto como instrumento de expressão em si ou como recurso a manipular junto com os outros. E por quê? Talvez como precaução contra o que há potencialmente de morte, mortal e mortífero na imagem captada pelo aparelho fotográfico, assim como avançou Barthes em La chambre claire (...). Se a fotografia nos põe mais perto do sonho da imortalidade, a imortalização por imobilização do real nada tem absolutamente a ver com o impulso barroco, satisfeito de seus humanos limites, da geração que estou procurando esboçar. Impulso do corpo que precede a alma, impulso do movimento que abomina toda fixação. A fotografia é ar e água, e a Geração 80 quer terra e fogo. Não lhe venham com cinzas e gelos.” Ibid., pp. 55-56; Ibid., p. 113. Curiosamente, a fotografia foi um meio que esteve em baixa no contexto artístico contemporâneo brasileiro da década de 1980, se comparada com outros meios (como a pintura, o vídeo, a escultura e as 171 estilos determinados, reforçando que a característica mais importante da Geração 80 encontrava-se em “seu poder de (abocanhando estilos de uma espécie vária) acoplar modelos.” O diferencial de Pontual, aproximando-o mais ainda das ideias de ABO, estava na sua compreensão de que tais modelos eram, na verdade, entidades da memória coletiva, frutos das experiências vividas ou herdadas, e que se encontravam disponíveis “a uma nova convocação vinda do presente”.97 No texto para o catálogo de Como Vai Você, Geração 80?, Jonge Guinle salientava algumas divergências em relação à abordagem mais historicista de Roberto Pontual. Embora reconhecesse tratar-se de uma pintura advinda de imagens que proliferam pelo cotidiano através do mass-media (televisão, revistas, cartazes, cinema, etc.), imagens de fácil reconhecimento, produzidas para “serem consumidas e gozadas no instante em que se apagam” e que, mediante sua repetição exaustiva, ficam registradas “no inconsciente do jovem urbano rebelde e desagregado”, a aproximação da jovem pintura brasileira com a praticada pelos italianos da transvanguarda ou pelos alemães do neoexpressionismo, no entanto, apresenta diferenças marcantes, sobretudo pelo fato de os artistas brasileiros não buscarem definir uma identidade nacional, mas preferirem o “cosmopolitismo barato dos shopping centers”.98 instalações), diferentemente do que ocorreu nos Estados Unidos, destacando-se o grupo em torno da exposição Pictures, organizada pelo crítico Douglas Crimp, em 1977, e cujos artistas ganharam visibilidade mundial na década de 1980. Este seria um aspecto a se desenvolver com maior cuidado em futuras análises, sobretudo pela importância que essa linguagem encontrara no contexto brasileiro na segunda metade da década de 1970. 97 “Modelos são muito mais do que influências, sorvidas e descartadas no consumo imediato. São, isto sim, permanências.” Ibid., p. 60; Ibid., p. 114 98 GUINLE, Jorge. Papai era surfista profissional, mamãe fazia mapa astral legal. Geração 80 ou como matei uma aula de arte num shopping Center [1984]. In: Módulo – Catálogo oficial da exposição “Como Vai Você, Geração 80?”, Rio de Janeiro, edição especial, jul./ago. 1984. Também em: BASBAUM, Ricardo (org.). Arte brasileira contemporânea: texturas, dicções, ficções, estratégias. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos: Contra Capa, 2001, pp. 233, 235; CHAIMOVICH, Felipe (cur.). 2080. Op. cit., pp. 32,34; COSTA, Marcus de Lontra (cur.). Onde Está Você, Geração 80?. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 2004, pp. 105-106; CANONGIA, Ligia. Anos 80: embates de uma geração. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2010. 172 Em São Paulo, a crítica Aracy Amaral, a partir de noção de ‘pintura como meio’, enfatizava que o diferencial da arte que se praticava no início dos anos 1980 encontravase justamente na sua aproximação com a “imagística dos meios de comunicação de massa”.99 Numa análise em retrospectiva, no final da década, reforçava a importância de Achille Bonito Oliva como presença teórica referencial para os jovens dessa geração, enfatizando ideias-chave como o “prazer de pintar”, o “quadro como depósito de energias” e a “obra como lugar de trânsito”. Para Amaral, a transvanguarda representou “a tendência ‘avançada’ dos anos 80”, uma vez que pela ausência de experimentações em prol de um revisionismo historicista, “passava a ser uma ‘vanguarda’.”100 Para Tadeu Chiarelli (1956-), a grande característica dessa geração de artistas era o “citacionismo”, uma vez que se interessavam por um amplo universo de imagens disponíveis através dos meios de comunicação. Afirmava que ABO foi um dos críticos que melhor entendeu o recurso à não novidade e à não originalidade em arte, reforçando o uso de imagens como espécie de ready-made: Esta nova geração, nascida após o término da Segunda Grande Guerra Mundial vivenciou de maneira mais totalizadora (praticamente desde o berço) os novos meios de comunicação – sobretudo a televisão, mas também revistas, cinema, etc. – recebendo sem nenhum tipo de resistência pré-concebida um universo de informações fragmentado, cheio de imagens das mais diversas épocas e procedências, todas elas homogeneizadas em suas diferenças por esses mesmos mídias.101 Ao que parece, os críticos brasileiros souberam, quase sempre, identificar quais seriam os aspectos mais interessantes levantados pela teoria da transvanguarda, embora mantivessem suas análises, quase sempre, restritas à produção pictórica (como o que já 99 AMARAL, Aracy. Uma jovem pintura em São Paulo. In: Pintura Como Meio. São Paulo: Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, agosto 1983; CHAIMOVICH, Felipe (cur.). 2080. São Paulo: Museu de Arte Moderna, 2003, p. 17; AMARAL, Aracy. Textos do Trópico de Capricórnio: artigos e ensaios (1980-3005). Vol. 3: Bienais e artistas contemporâneos no Brasil. São Paulo: Editora 34, 2006, p. 127. 100 Id. Brasil: uma nova geração. In: Brasil - La nueva generación. Caracas: Fundación Museo de Bellas Artes, 1991; CHAIMOVICH, Felipe (cur.). 2080. Op. cit., p. 19. 101 CHIARELLI, Tadeu. Considerações sobre o uso de imagens de segunda geração na arte contemporânea. In: Imagens de Segunda Geração. São Paulo: MAC-USP, 1987; CHAIMOVICH, Felipe (cur.). 2080. Op. cit., p. 52. 173 ocorria com a posição adotada pelo crítico italiano). Embora aspectos ligados à apropriação de imagens oriundas dos meios de comunicação, mediadas pelo imaginário, pela subjetividade do artista e pela memória coletiva, gerando um espaço mais plural para a criação artística, pudessem ser vistos de um modo positivo, certos críticos não mediram esforços para condenar o conservadorismo e a fragilidade de tais concepções, sobretudo no contexto norte-americano. Por outro lado, é preciso se considerar que exatamente entre esses críticos, contrários ao historicismo reinante na produção pictórica, é que houve a análise e defesa de uma das práticas mais características da arte produzida na década de 1980: a “apropriação”. 2.2.3 Apropriação e alegoria como práticas artísticas na década de 1980 Para o núcleo de críticos atuantes (ou que viriam a atuar) em torno da revista October, as mesmas condições descritas positivamente por Achille Bonito Oliva eram consideradas, em sua maior parte, por um viés negativo, uma vez que para eles a conjuntura da década de 1980 caracterizava-se pelo sintoma generalizado de um status quo repressivo, distintivo da política cultural (neoconservadora) do capitalismo avançado ou tardio. A esse estado de coisas, portanto, era preciso contrapor modelos e narrativas alternativas, estabelecendo (e/ou promovendo) novas conexões tanto no plano político quanto no cultural, em sintonia com o projeto ideológico maior da publicação. Era urgente, enfim, assumir uma atitude mais ética do que propriamente analítica, posição que enfatizava em si o entendimento da atividade crítica enquanto prática. Hal Foster, por exemplo, afirmava que sua atuação identificava-se especialmente com uma intervenção crítica no campo da cultura, compreendida na esfera tradicional da crítica de arte, mas em constante e necessário diálogo com a história e com a teoria. Assim descreveria tal atividade: 174 Para mim a tarefa da crítica não é fundamentalmente julgar seu objeto esteticamente de acordo com um gosto mais ou menos subjetivo ou com uma norma conservadora, ou avaliá-lo em nome de uma probidade ideológica de acordo com uma agenda política mais ou menos pré-determinada (embora eu tenha consciência dessa tendência); nem é, como na hermenêutica humanista, completar ou animar o objeto por meio de sua interpretação (como se ele fosse deficiente ou estivesse morto) ou à maneira estruturalista (re)construí-lo num simulacro crítico que esclareceria sua lógica. Ao invés disso, a crítica para mim segue junto com seu objeto numa investigação a respeito de seu próprio lugar e de sua função como prática cultural em articulação com outras representações psicossociais: ao fazê-lo, procura separar essas práticas criticamente e conectá-las discursivamente para conduzi-las à crise (que é afinal de contas o que a crítica significa) bem como para transformá-las.102 Assim, a principal problemática a ser enfrentada pelo crítico no contexto contemporâneo, segundo Foster, estaria justamente na redução da arte tanto à condição de mero investimento financeiro e emblema do status social quanto ao nível das formas voltadas somente para o entretenimento ou para o espetáculo, processo que se iniciou, em particular, com a promoção de um questionável estado de dispersão próprio das sociedades pós-industriais e que veio a transformar-se num mal maior, intitulado na cena intelectual norte-americana como pluralismo. Mais do que uma tendência natural, o pluralismo estaria intimamente atrelado a uma posição política conservadora, representando um momento em que “nenhum estilo ou mesmo modo de arte se mostra dominante”, tanto quanto “nenhuma posição crítica é [concebida e entendida como] ortodoxa”.103 Enquanto designação, pluralismo “não significa nenhum tipo de arte especificamente”, mas representa “uma situação que concede uma espécie de equivalência”, fazendo com que toda e qualquer manifestação artística pareça “mais ou menos igual – igualmente (des)importante.”104 Objetivando estabelecer um diagnóstico, dois seriam os fatores que contribuíram para o desenvolvimento dessa condição: por um 102 “O risco da primeira abordagem, de teor esteticista, é transformar a crítica em julgamento; o da segunda, o método crítico-ideológico, é mistificá-la como ‘científica’; o perigo da terceira, a abordagem hermenêutica, é reduzir o texto ao significado de uma interpretação ou intenção; e o da quarta, o método estruturalista, é impor uma lógica à obra que se ‘descobre’ como sendo sua estrutura.” FOSTER, Hal. Recodificação: arte, espetáculo, política cultural [1985]. Op. cit., p. 19, nota 3, p. 271. [Grifo nosso] 103 Ibid., p. 33. Artigo publicado originalmente com o título “The problem of pluralism” na revista Art in America, em janeiro de 1982. 104 Ibid., pp. 35-36. 175 lado, a abrangência de um mercado confiante na concepção de arte contemporânea enquanto investimento, voraz por todo tipo de arte “intemporal”, sobretudo, pintura, escultura e/ou fotografia (em detrimento à arte conceitual, processual ou earthworks); por outro, a excessiva profusão de escolas de arte, constituindo uma nova espécie de academia, ao estimular a ampla proliferação de estilos e técnicas. Considerando tais aspectos, Hal Foster desenvolve uma reflexão a partir da constatação de que um grande número de artistas naquele momento apropriava-se compulsivamente de elementos e formas artísticas provenientes do passado histórico. No entanto, a referência a tais imagens, para ele, raramente comprometia em profundidade a fonte (passado) ou mesmo aquilo que viria a ser produzido (presente), o que, numa instância mais profunda, implicava tanto numa contrafação da historicidade da arte e da sociedade quanto num fracasso da crítica. Essa prática historicista resumiase, então, a uma espécie de “vanguardismo de retaguarda”, uma arte preocupada mais com o uso da referência em si – pastiche – do que com as transgressões utópicas e anárquicas das vanguardas históricas, uma vez que os artistas da década de 1980 não respeitavam a especificidade do passado nem enfrentavam as necessidades do presente, levando Foster a concluir que “tal desconsideração faz com que o retorno à história também pareça uma libertação diante da história.” A não consciência dos limites históricos ou sociais acabaria contribuindo para que esses artistas permanecessem mais do que nunca submetidos às limitações dessas práticas, o que demonstraria que a ênfase sobre a subjetividade – cara à teoria da transvanguarda –, em verdade, nada mais seria que uma manobra de encobrimento, uma retirada da política rumo à psicologia. Assim, tratava-se mais de uma “norma” do que de uma “tática”, mais de uma “promiscuidade” que de uma real “forma de prazer”.105 Por isso, o processo em que formas do passado são retiradas do contexto e reificadas enquanto mercadoria aproximaria a arte contemporânea da moda, uma vez que ambas seriam regidas por um mecanismo em que 105 “O artista típico está em geral ‘perdido no tempo, na cultura e na metáfora’; é um diletante por pensar que, na medida em que entretém o passado, está além da exigência do presente; um tolo porque assume uma ilusão; e um homem frágil porque o momento histórico – nosso presente problemático – se perdeu.” Ibid., p. 37. [Grifos no original] 176 a aparente profusão de novidades esconde uma necessidade de não inovar: estratégias perversas para assegurar o status quo e camuflar uma sintomática paralisia cultural. Il. 64 – Satori Three Inches within Your Heart, David Salle, acrílica e óleo sobre tela, 1988, 214,2 x 291cm, Tate Gallery, Londres/ Inglaterra Em suma, o pluralismo caracterizaria uma arte raramente confrontadora, quase sempre absorvida como bem de consumo, num grande “bazar pluralista”, onde tudo rapidamente tornava-se obsoleto, ao mesmo tempo em que reabilitava velhos valores burgueses, tais como originalidade artística, autenticidade da obra de arte, avaliação especializada e gênio criador. A partir do que avaliou como convencionalismo das manifestações artísticas que recalcam “a rejeição duchampiana”, Foster desferiu seu veredito: Alienados dos novos veículos, esses artistas retornam às velhas formas (muitos simplesmente descartam “a política dos anos 60” e reivindicam o “legado do expressionismo abstrato”). No entanto, raramente essas velhas formas se mostram novamente informativas: a pintura em particular é a cena de um revival em geral insípido. Além do mais, essa arte não pode projetar suas próprias contradições; suas soluções se dirigem a problemas que não são mais inteiramente pertinentes. Isso é embaraçoso, pois, embora o hábito do historicista – ver o velho no novo – permaneça nessa arte, o imperativo do radical – ver o novo no velho – se perde. O que vale dizer é que essa arte retém seu aspecto histórico (ou “recuperador”), até mesmo quando perde seu aspecto revolucionário (ou “redentor”).106 106 Ibid., p. 41. [Grifos nossos] 177 Foster enfatiza claramente, mais uma vez, sua rejeição à produção pictórica dos anos 1980, explicitando tratar-se de uma produção que não está voltada para novos questionamentos e possibilidades, mas limitada à recuperação de formas e práticas desgastadas, obsoletas, que não teriam mais função nas sociedades pós-industriais. Para ele, torna-se perverso o discurso que enfatiza o fim da vanguarda, pois estaria aí uma tentativa reacionária de desestabilizar as práticas avançadas, de forte viés político. Rejeitava, assim, desde artistas norte-americanos reunidos em torno do East Village, em Nova York, no que nomeou, a partir do crítico Craig Owens, como “boêmia simulada” – entre eles, Kenny Scharf (1958-), Mark Kostabi (1960-) e Mike Bidlo (1953-) –, passando pelos demais pintores americanos, que não chegavam a constituir um grupo – como David Salle (1952-), Julian Schnabel (1951-) e Thomas Lawson (1951-) –, inclusive os que se voltavam para o graffiti – como, Jean-Michel Basquiat (1960-1988) e Keith Haring (1958-1990) – até os similares europeus, sobretudo os artistas da Transvanguarda italiana e do neoexpressionismo alemão. Il. 65 – Nuremberg, Anselm Kiefer, acrílica, emulsão e palha sobre tela, 1982, 280 x 380cm, Eli and Edythe Broad Collection – Los Angeles/EUA Il. 66 – Untitled (Skull), Jean-Michel Basquiat, acrílica e pastel oleoso sobre tela, 1981, 206 x 176cm, Eli and Edythe Broad Collection – Los Angeles/EUA Em contrapartida, exceto pela vitalidade existente em alguns pintores, como o norte-americano Robert Ryman (1930-) e os alemães Gerhard Richter (1932-) e Sigmar Polke (1941-2010), havia um interesse em artistas cujas obras eram vistas não só como 178 “a mais provocativa arte norte-americana do momento presente”, mas do contexto internacional como um todo. Esses artistas não se dedicavam a reabilitar imagens e formas próprias da arte do passado, muito menos entender a obra de arte e a experiência artística de modo autônomo, como o que ocorria em grande parte na produção pictórica, mas optavam por retomar certas estratégias da chamada crítica institucional, tendo alguns artistas dos anos 1960 e 1970 como referência.107 Entre os artistas atuantes nos anos 1980, destacam-se Allan McCollum (1944-), Barbara Kruger (1945-), Cindy Sherman (1954-), Dara Birnbaum (1946-), Jenny Holzer (1950-), Krzysztof Wodiczko (1943-), Louise Lawler (1947-), Martha Roesler (1943-) e Sherrie Levine (1947-) – incluindo ainda o que chamou de “arte feminista”, ligada à psicanálise (lacaniana), compreendendo Marie Yates (1940-), Mary Kelly (1941-), Ray Barrie, Silvia Kolbowski (1953-) e Victor Burgin (1941-). Esses artistas, em conjunto, “usam as mais variadas formas de produção e modos de abordagem (colagem, fototexto, fotografias construídas ou projetadas, videoteipes, textos críticos, obras de arte apropriadas, arranjadas ou sucedâneos etc.)” – excluindo a pintura de seu repertório artístico –, e que apresentam em comum, além disso, o fato de que Cada um deles trata o espaço público, a representação social ou a linguagem artística na qual ele ou ela intervém tanto como um alvo quanto como uma arma. Essa mudança na prática inclui uma mudança na posição: o artista se torna um manipulador de signos mais do que um produtor de objetos de arte; e o espectador, um leitor ativo de mensagens mais do que um contemplador passivo da estética ou o consumidor do espetacular. Essa mudança não é nova – na verdade, a recapitulação nessa obra dos “procedimentos alegóricos” do readymade, da fotomontagem dadaísta e da apropriação (pop) é significativa – no entanto, ela permanece estratégica porque, ainda hoje em dia, poucos são capazes de aceitar o status da arte como um signo social emaranhado a outros signos em sistemas produtivos de valor, poder e prestígio.108 107 Entre os artistas referenciais citados, estão Dan Graham (1942-), Daniel Buren (1938-), Hans Haacke (1936-), John Baldessari (1931-), Joseph Kosuth (1945-), Lawrence Weiner (1942-), Marcel Broodthaers (1924-1976) e Michael Asher (1943-). Curiosamente, todos do gênero masculino, uma vez que Hal Foster sempre foi um partidário da teoria feminista. São praticamente os mesmos artistas citados por Benjamin Buchloh, em seu texto sobre “procedimentos alegóricos”. 108 Ibid., p. 140. Artigo publicado originalmente com o título “Subversive Signs” na revista Art in America, em novembro de 1982. [Grifos nossos] 179 Il. 67 – Registro fotográfico da projeção sobre o edifício AT&T, Tribeca, Nova York/EUA, Krzysztof Wodiczko, em 2 de novembro de 1984, entre 21h30 e meia-noite Mais do que uma crítica às instituições propriamente ditas, como o que caracterizou a arte na década anterior, esses artistas procuravam “intervir em representações e linguagens ideológicas da vida cotidiana”, (re)inserindo tal discussão no contexto da arte.109 Fica claro aqui tanto a influência das ideias de Douglas Crimp, sobretudo em relação aos artistas ligados ao argumento de Pictures – tanto em relação à exposição, realizada em 1977, quanto ao ensaio, modificado e publicado em 1979 –, bem como de seu texto intitulado The End of Painting [1981], passando por Craig Owens, com The Allegorical Impulse: Toward a Theory of Postmodernism [1980], mas, acima de tudo, do alemão Benjamin H. D. Buchloh. As ideias contidas em dois de seus textos, em particular, sintetizaram os parâmetros críticos assumidos por alguns teóricos de October, seja em relação à forte avaliação negativa atribuída à produção pictórica, através da paradigmática análise realizada em Figures of Authority, Ciphers of Regression: Notes on the Return of Representation in European Painting [1981], seja em relação ao conceito de apropriação, caro aos artistas que representavam a “arte mais avançada” da década de 1980, através do ensaio Allegorical Procedures: Appropriation and Montage in Contemporary Art (Procedimentos alegóricos: apropriação e montagem na arte contemporânea, 1982). Partindo de ideias do filósofo alemão Walter Benjamin (1892-1940), que, ao analisar o poeta Charles Baudelaire (1821-1867), desenvolveu uma teoria da alegoria e 109 Ibid., p. 141 180 da montagem, tomando como referência as noções marxistas de fetichismo e mercadoria – o que já reforçaria o enfoque sociopolítico da análise de Buchloh –, o crítico enfatizava que o procedimento da montagem sintetizaria uma ação intrinsecamente alegórica, englobando procedimentos como “apropriação e subtração do sentido, fragmentação e justaposição dialética dos fragmentos, separação do significante do significado.”110 Desse modo, pode-se identificar referências históricas desde as práticas modernistas, tais como os ready-mades de Marcel Duchamp e as colagens de Kurt Schwitters (1887-1948), passando pelas propostas artísticas dos anos 1960, como as apropriações de Andy Warhol (1928-1987), até as estratégias dos novos artistas da década de 1980, destacando-se, em particular, uma tendência à “alegorização” da imagem e da linguagem, mediante a manipulação de significantes desvalorizados que, a partir de tal manobra, passariam a adquirir novos sentidos. Através dessa ênfase dada ao significante (sem que isso caracterize um predomínio do objeto artístico), tornava-se possível revelar os fatores ocultos que determinam o trabalho (de arte) e as condições sob as quais o mesmo é percebido, codificado e assimilado, o que incluiria desde as convenções de atribuição de sentido até a estrutura institucional do ‘mundo da arte’. Para Buchloh, no entanto, a problemática seria mais profunda, pois envolveria uma incapacidade histórica de apreensão teórica: A incapacidade da crítica artística atual [1982] de reconhecer a necessidade e a importância de que existem artistas trabalhando dentro desses parâmetros deve-se, em parte ao fracasso da história da arte em desenvolver uma leitura adequada da teoria e da prática dadá e produtivista (...). Uma vez que essas atividades sejam admitidas no interior da moldura de legitimação que a história da arte proporciona, suas consequências na prática contemporânea serão mais bem compreendidas. Não é nada surpreendente, aliás, que o impacto da obra dos artistas dos anos 60 e 70 sobre a compreensão contemporânea da produção e da recepção artísticas só tenha sido sentido no momento em que a necessidade de revitalizar o mercado de arte conduziu à 110 BUCHLOH, Benjamin. Procedimentos alegóricos: apropriação e montagem na arte contemporânea [1982]. Tradução de Marisa Florido Cesar. In: Arte & Ensaios, Revista da PósGraduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes/UFRJ, Rio de Janeiro, ano VII, n. 7, p. 181, 2000. Publicado originalmente como: Allegorical Procedures: Appropriation and Montage in Contemporary Art. In: Artforum, vol. XXI, n. 1, September 1982. 181 reinstauração de procedimentos obsoletos de produção, sob a forma de uma nova vanguarda de pintura.111 Assim, enquanto os artistas defendidos por Buchloh empregavam métodos de apropriação e montagem de modo explícito, sem estetizar formas, imagens e procedimentos (o que só ocorre em teoria), mas considerando-os como procedimentos críticos e políticos, a pintura representaria, a partir da manipulação historicista e sob o disfarce condenável da mercadoria, uma estratégia de manutenção dos interesses mercadológicos vigentes.112 O diferencial da análise de Buchloh recaia sobre o fato de considerar que a pura e simples apropriação de imagens tornava-se problemática, uma vez que a distância entre o meramente expositivo e o procedimento crítico propriamente dito muitas vezes era bastante sutil. Por entender que as imagens históricas da arte raramente se apresentariam como inocentes, uma vez que eram reproduzidas a ponto de tornarem-se simples produtos da cultura de massas, defendia que os artistas precisavam reter (ou restaurar) uma radicalidade para a prática artística, e não tanto promover (ou reforçar) uma posição conformista. Concluía, enfim, que a legitimidade histórica não estava no uso da citação em si, nem na mediação subjetiva entre imagem e inconsciente individual e/ou coletivo, mas na análise crítica enquanto prática política: Ao estender o “espaçamento” dos elementos, ao singularizar os elementos de apropriação e ao redimensionar a visão/leitura para a moldura, a nova prática de montagem descentraliza o lugar do autor e do sujeito, permanecendo no interior da 111 112 Ibid., pp. 186-187. [Grifo nosso] O fato de a série Untitled Film Stills de Cindy Sherman adquirir maior valor de mercado que muitas pinturas neoexpressionistas, considerando-se questões referentes a gosto e consumo, sugere que as polêmicas da década de 1980 expressas nos discursos críticos ficavam num plano muito mais ideológico, sem absorver a real complexidade das transformações ocorridas naquele momento. Torna-se importante considerar como a prática cultural dos críticos de October modificou o ambiente cultural a partir dos anos 1990. Nesse sentido, vale a pena considerar o comentário de Sherman: “No final dos anos 70 e nos anos 80 estava ciente de que o mundo da pintura e escultura desprezava as pessoas que usavam fotografia. Ao mesmo tempo, senti que o mundo da fotografia desprezava aqueles que tinham um pé no mundo da arte. Então, estava fora de ambos os mundos, e pensei no meu trabalho como arte, mas não arte ‘elevada’. O que era bom, porque não queria fazer nada muito precioso. Não queria fazer arte ‘elevada’, não tinha interesse em utilizar a pintura, queria encontrar algo que qualquer um poderia se relacionar sem conhecer arte contemporânea. (...) Os anos 80 não foram esteticamente menos aventurosos que os anos 60, mas o poder das galerias contribuiu para que fossem mais comerciais.” Cindy Sherman talks to David Frankel. In: ARTFORUM International, 40th Anniversary Special Issue, The 1980s: Part One, Op. cit., pp. 5455. 182 dialética dos objetos apropriados do discurso e do sujeito/autor, que ao mesmo tempo nega e se constitui no ato da citação.113 Il. 68 – Untitled (After Walker Evans #3), Sherrie Levine, 1981, fotografia Embora imbuído de um forte teor discursivo marxista, as questões abordadas por Benjamin H. D. Buchloh, reforçaram a problemática das práticas artísticas dos anos 1980 para além da simples apropriação e manipulação de imagens ou reabilitação de meios artísticos – uma vez que via uma forte dimensão política nesses procedimentos. Contudo, no que tange à alegoria, o conceito é mais bem aprofundado por seu colega Craig Owens. Ao reconhecê-la como uma prática, orbitando entre a atitude política e a técnica, entre a percepção individual e o procedimento artístico, Owens afirmava que, no contexto da década de 1980, o conceito teria adquirido feições particulares, abrangendo um imaginário ‘apropriado’, constituído por imagens provenientes do mass media. Partindo igualmente das ideias de Walter Benjamin, o crítico alegava que a maior característica da alegoria era “a capacidade para resgatar do esquecimento histórico aquilo que ameaça desaparecer”, funcionando “na fenda entre um presente e um passado que, sem uma reinterpretação alegórica, poderia ter permanecido excluído”.114 113 114 Ibid., p. 189. [Grifo nosso] OWENS, Craig. O impulso alegórico: sobre uma teoria do pós-modernismo [1980]. Tradução de Neusa Dagani. In: Arte & Ensaios, Revista da Pós-Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes/UFRJ, Rio de Janeiro, ano XI, n. 11, pp. 113-114, 2004. Publicado originalmente como: The Allegorical Impulse: Toward a Theory of Postmodernism. In: October, n. 12, p. 68, Spring 1980; 183 Para Owens é justamente o impulso alegórico que permite considerar um grande número de práticas em conjunto. Assim, o revivalismo histórico, tanto na arquitetura, quanto nas artes visuais, marcaria a emergência de aspectos recalcados pela Teoria Modernista: a alegoria enquanto elemento estrutural próprio da literatura colocaria em xeque a ênfase greenberguiana sobre as especificidades de cada medium, considerandose que “o trabalho alegórico tende a prescrever a direção de seu próprio comentário.”115 Nesse sentido, o paradigma para o trabalho alegórico, segundo Owens, seria o palimpsesto: ao “confiscar” imagens da sociedade de massas, o artista não estaria restaurando um significado original, mas anexando, atribuindo-lhes um novo significado. Nesse sentido, as manipulações “as quais esses artistas submetem tais imagens trabalham para esvaziá-las de sua ressonância, seu significado, sua reivindicação autoritária para significar”.116 Considerando-se que o impulso alegórico poderia ser encontrado nas pinturas, fotografias, fotomontagens, objetos e até mesmo em trabalhos site-specifics, obras que se caracterizam, de modo geral, pela apropriação, acumulação, site specificity, impermanência, discursividade, hibridização, etc., Craig reforçava que a alegoria: implica tanto a metáfora quanto a metonímia; por conseguinte, ela tende a “afetar e subentender todas essas categorizações estilísticas, sendo igualmente possível no verso e na prosa, e completamente capaz de transformar o mais objetivo naturalismo no mais subjetivo expressionismo, ou o mais determinado realismo num barroco ornamental exageradamente surrealista”. Esse ruidoso descuido pelas categorias estéticas não é em parte alguma mais aparente do que na reciprocidade que a alegoria propõe entre o visual e o verbal: palavras são frequentemente tratadas como fenômeno puramente visual, enquanto as imagens visuais são oferecidas como texto a ser decifrado.117 BRYSON, Scott; KRUGER, Barbara; TILLMAN, Lynne; WEINSTOCK, Jane (ed.). Beyond Recognition: Representation, Power and Culture – Craig Owens. Berkeley: University of California Press, 1992, p. 53. Há ainda a segunda parte do ensaio: Id. The Allegorical Impulse: Toward a Theory of Postmodernism - Part 2. In: October, n. 13, Summer 1980. 115 Ibid., p. 114; Ibid., p. 69; Ibid., p. 53. 116 Ibid., p. 115; Ibid., p. 69; Ibid., p. 54. 117 “Essa confusão do verbal e do visual é apenas um aspecto da desesperada confusão de todos os meios estéticos e categorias estilísticas da alegoria (desesperada, isto é, de acordo com qualquer parcelamento do campo estético sobre bases essencialistas). O trabalho alegórico é sintético; ele atravessa os limites estéticos. Essa confusão de gênero, antecipada por Duchamp, reaparece hoje na hibridização, 184 É o aspecto discursivo dos trabalhos, enfim, que os aproximaria da própria dimensão discursiva da crítica de arte, a partir do momento em que a alegoria torna-se o modelo do comentário. Desse modo, ‘apropriação’ e ‘alegoria’ definem-se como conceitos importantes para a compreensão e abordagem da arte produzida na década de 1980, constituindo não só um expressivo corpus teórico, mas, também, quando libertos do conteúdo excessivamente ideológico da abordagem crítica (marxista), a maior contribuição que os críticos de October fizeram para o estudo mais amplo da arte das últimas décadas. A partir dessas considerações, seria possível estabelecer relações mais profundas frente à análise dos trabalhos produzidos naquela década, evitando-se o enfoque excessivo sobre o conteúdo discursivo que não necessariamente diz respeito ao ‘impulso alegórico’ das obras, ou mesmo ao contexto sociopolítico, mas muito mais às leituras críticas comprometidas com sua própria legitimação. No que se refere à arte brasileira, tal enfoque contribuiria para enriquecer a apreensão da arte produzida naquela década, para além dos rótulos e leituras instituídas, (re)habilitando uma dimensão teóricoconceitual para o período. Seria possível, por exemplo, considerar trabalhos de artistas pertencentes a uma mesma geração, como Leda Catunda (1961-), Ricardo Basbaum (1961-) e Jac Leirner (1961-), tanto no que possuem de mais específico, quanto na condição de ‘testemunhos visual-discursivos de uma época’. Entre o particular e o geral, uma historiografia que faça jus à pluralidade característica da década de 1980, torna-se cada vez mais necessária. em trabalhos ecléticos que, ostensivamente, combinam de antemão meios distintos da arte.” Ibid., p. 117; Ibid., pp. 72, 74-75; Ibid., pp. 57-58. [Grifos no original] 185 Il. 69 – Onça Pintada I (Jaguar I), Leda Catunda, 1984, acrílica sobre cobertor, 185 x 150cm, MAC-USP Il. 70 – Sem Título, Ricardo Basbaum, 1985, intervenção urbana com adesivos, dimensões variadas Registro fotográfico de Pedro Tebyriçá 186 Il. 71 – Os Cem, Jac Leirner, 1986, dinheiro com estrutura de poliuretano, 7 x 15 x 300cm (cada módulo) Reprodução fotográfica de Romulo Fialdini 187 Considerações Finais “É que a história da arte, como modelo, é comentário, a saber, comentário histórico, por isso deve ser mencionado o problema de como apresentar uma história da arte de comentários – a menos que ela se transforme numa história de ideias.”1 Ao reforçarmos a necessidade de tecer outro olhar para a arte produzida na década de 1980, modificando o ponto de vista hegemônico que se estabeleceu como parâmetro historiográfico no Brasil desde aquele momento, não só objetivamos com este estudo iluminar certos aspectos que eram pouco conhecidos, muitas vezes deficitariamente considerados ou mesmo recalcados por completo pela história, devido à proeminência midiática de outros fenômenos, tais como a ‘retomada da pintura’, mas também almejamos redimensionar alguns discursos, seja relacionando-os com um contexto mais amplo de articulações teórico-políticas, seja confrontando-os com posicionamentos opostos e com as principais críticas que lhes eram feitas. Ao (re)criarmos uma rede de vínculos, referências, tensões, reações, etc., a partir do canal por onde os discursos críticos tornavam-se públicos (textos), foi possível constatar o 1 BELTING, Hans. O comentário de arte como problema da história da arte. In: _____. O fim da história da arte: uma revisão dez anos depois [1995]. Tradução de Rodnei Nascimento. São Paulo: Cosac Naify, 2006, p. 40. 188 fluxo de ideias, tanto quanto a medida de legitimação e autolegitimação que os mesmos carregavam, os aspectos ideológicos, pessoais ou coletivos, que contribuíam para que certas análises ganhassem força ou mesmo fossem reprimidas. Torna-se claro, então, que para desenvolver uma análise mais fidedigna e apropriada da década de 1980 é preciso, em primeiro lugar, retomar as muitas vozes do passado, ouvi-las nas suas convicções, contradições e hesitações, contextualizá-las a partir de seus interesses mais imediatos, mas também considerá-las a partir da possibilidade de negociação entre as experiências do passado e as expectativas vindouras, mediante uma concepção algo projetual. Projeto aqui não remonta às teorias modernistas, mas sim ao modo subjetivo (ou mesmo algo programático) como esses discursos se colocavam diante de interlocutores do passado, construindo ou negando continuidades históricas e delineando perspectivas futuras. Num segundo momento, deve-se avaliar em que sentido tais discursos conseguiam não só estabelecer um olhar histórico para a arte e o meio de arte na década de 1980, mas igualmente de que modo poderiam contribuir para a abordagem mais direta das obras de arte – e de que modo seus critérios ainda podem ser válidos, seja em relação à arte da época, seja à arte atual. Fica claro que, uma vez ocorridos, não se podem/devem excluir fatos, posições e terminologias, como ‘Geração 80’, da história. Mas é possível redimensioná-los, (res)significá-los a partir de outros pontos de vista e de um olhar crítico para o passado. No caso mais específico do Brasil, o entre-deux se dá entre suas particularidades, um meio que não passou pelas contradições ideológicas da cena cultural norte-americana, nem quis enfaticamente estabelecer uma relação consubstancial com sua própria história, como o que ocorreu na Europa, e sua necessária inclusão numa rede mais ampla, que pode ser entendida como o circuito internacional de arte contemporânea. Nesse sentido, torna-se problemática a abordagem da “arte brasileira” a partir de um deslocamento/descolamento metodológico em relação ao contexto da “arte internacional”. A própria aproximação com a década de 1980, sobretudo pelo modo como conexões, migrações, referências tornaram-se explícitas, facilitadas pelos avanços tecnológicos (meios de comunicação de massa), evidencia a necessidade de se ‘olhar em conjunto’ para essa produção (discursiva), 189 (re)articulando relações entre o ‘dentro’ e o ‘fora’. Desse modo, não só imagens migraram de um lugar a outro do planeta, apropriadas e reapropriadas pelos artistas, assim como conceitos e posicionamentos ideológicos deslocaram-se de um texto a outro, de um discurso a outro, entre os críticos de arte. Que isso tenha ocorrido anteriormente, não há dúvida; contudo é preciso que se considere o modo como esse processo adquiriu novas proporções nos anos 1980, acentuando-se ainda mais nas décadas seguintes com a expansão da internet. Há também que se problematizar o trânsito entre a produção brasileira, em particular, e uma compreensão europeia/norteamericana de ‘Arte Ocidental’, em geral. Embora houvesse essa aproximação entre imagens, procedimentos e discursos críticos, a arte brasileira da década de 1980 encontrou-se definitivamente excluída do debate, exceto pela ousadia do projeto curatorial de Grande Tela, talvez a expressão mais radical do confronto entre nacionalismos artísticos diversos e a noção de uma ‘arte internacional’ vigente naquele momento. Por um ponto de vista – historicista, é fato – em que a década de 1980 tem sido interpretada como prenúncio do meio de arte atual, cada vez mais articulado entre feiras, galerias, marchands, colecionadores, críticos, curadores, produtores culturais, bienais e instituições museológicas, é preciso compreender em que contexto situacional se dá essa análise. O imperativo crítico-historiográfico de (re)avaliação do período, como evidenciado no conjunto de exposições e propostas recentes de proposição de um debate sobre o decênio (certamente, bem mais vasto do que este recorte pode abranger), ocorridas durante a primeira década do século XXI, reforça a urgência em instituir uma visão histórica para os anos 1980. Do mesmo modo, a evidência de que a recente geração de artistas parece reivindicar uma aproximação com a arte produzida naqueles anos, avigorada pela internet e pelo uso de imagens produzidas por aparelhos digitais – configurando não só uma extensa produção fotográfica e videográfica, mas também uma nova tendência à pintura figurativa, ou ‘pintura de imagem’ –, explicita o quanto as abordagens historiográficas não dependem apenas das intenções de críticos e historiadores (a menos que os mesmos assumam uma posição intransigente, incapazes de aceitar qualquer mudança histórica). Artistas sempre desempenharam um papel importante no processo de reavaliação histórica e de definição das práticas da história 190 da arte, reforçando que critérios da teoria da arte não necessariamente são critérios da criação artística. Uma história da arte que considere tal relação é por demais necessária. Cabe reforçar ainda – também a partir de um enfoque historicista – a intensidade com que ocorreram transformações nos anos em questão. Olhando-se em retrospecto para a configuração do mundo no final de 1989, após a queda do Muro de Berlim e já próximo da Guerra do Golfo (em 1991), fica claro não só a grande mudança de perspectiva em relação a 1979 – no Brasil, claramente marcada pela Anistia política, por um lado, e a vitória de Fernando Collor de Mello, primeiro presidente eleito, após a ditadura militar, por outro –, assim como a passagem de um ciclo histórico mundial (a Guerra Fria) para outro (o conflito entre potências ocidentais e nações islâmicas no Oriente Médio). Entender a década de 1980 como período de transição, então, seria fundamental no processo de desmistificação de certas abordagens e leituras historiográficas, tanto em relação a um entusiasmo exacerbado característico da época, quanto a uma posição desiludida, inábil em perceber sentido nas transformações dela advindas. Fazendo isso, em primeiro lugar, não defendemos uma visão demasiadamente positiva do período – ao contrário, é preciso abordá-lo também em sua negatividade –; do mesmo modo, não estamos propondo uma hipervalorização da década, mas apenas um reenquadramento, capaz de redimensionar toda a história da arte recente, repensando as práticas das décadas de 1960 e 1970, assim como as das décadas de 1990 e 2000, combatendo toda interpretação que insista numa lacuna histórica. É preciso assumir, enfim, um compromisso historiográfico com a análise dessas fontes, rearticulando “leituras engessadas” e “saberes sujeitados”, o que, em suma, constitui-se tarefa ampla, extrapolando a dimensão de uma única análise e estendo-se (fragmentando-se) no trabalho de vários pesquisadores e historiadores. Embora a conclusão imediata para este estudo possa ser que a crítica de arte da década de 1980 procurou enfatizar parâmetros de abordagem e avaliação estética da arte produzida na década de 1980, às vezes reforçando o próprio caráter discursivo desses trabalhos, noutras, o próprio desejo de legitimação do discurso crítico como detentor de um poder avaliativo sem limites, o intuito aqui não foi constituir uma ‘história das ideias’. Entre um texto crítico que se coloca enquanto comentário, e uma obra que se 191 institui enquanto comentário de si mesma, os limites podem se mostrar bastante fluidos – e quando de fato não o foram? –, seja frente à mediação entre imagem e texto, seja em relação à separação entre crítica, história e teoria. Ao analisarmos a crítica como prática cultural, ou a menor ênfase sobre a obra enquanto objeto, é preciso reforçar que se nossa discussão não pretendeu englobar a instância direta da obra, não deixou de apresentar a condição de uma ‘história da arte’. Se for correto afirmar que o objeto “de arte” representa “sentidos corporificados”, só podemos concluir que uma percepção crítica da arte só pode referir-se à própria condição da arte enquanto valor simbólico. Mais do que discutir obras, o que se procurou enfatizar aqui foi como obras podem ser canais para discursos, sejam eles provenientes do artista, do crítico, de um contexto histórico. Por isso é fundamental o entendimento de que em si a crítica de arte não pretenda tanto defender ou condenar certas obras, mas sim valorizar ou desqualificar certos entendimentos do que seja e para que sirva a arte (sua função). É nesse sentido que recai a pergunta: “Como historicizar a arte da década de 1980?” (em verdade, haveria diferenças em relação à historicização de outros períodos, ou a questão incide sobre a própria prática historiográfica?). Assim, nosso objetivo não foi apenas fazer jus a aspectos plurais presentes nos discursos críticos da época, mas pensar qual o papel desempenhado pelos conflitos e posicionamentos ideológicos na maneira como certas concepções de arte foram instituídas nos anos 1980, identificar como o discurso retém não só o desejo de legitimação de determinada “visão de arte”, mas também de legitimação de um “local de fala”. A pergunta retórica, então, refere-se à própria condição em que constituímos nosso discurso histórico, como reforçamos, recusamos ou recalcamos certos discursos, em suma, procurando legitimar nossas posições. Se de fato é possível identificar nos textos de críticos de arte e de curadores durante os anos 1980 uma maneira peculiar de conceber e de estruturar a história, uma espécie de projeto historiográfico, fragmentado e pouco convencional, voltado para a construção de uma identidade temporal, tanto quanto, uma preocupação em definir parâmetros para uma operatividade artística, a partir do confronto com o reservatório imagético da história e da sociedade de massa, como este estudo, em particular, pode redimensionar o entendimento do período? Entre “fazer a história” e o reconhecimento de que a “história é uma mentira”, como instituir um ponto de vista mais generoso, que 192 não dê peso excessivo ao discurso (ou o considere de modo transparente) e, ao mesmo tempo, não o exima do compromisso com uma “intencionalidade sincera”? 193 6 REFERÊNCIAS 6.1 Publicações AMARAL, Aracy (org.). Dos murais de Portinari aos espaços de Brasília. São Paulo: Perspectiva, 1981. 421 p. (Debates, 170) _____. Textos do Trópico de Capricórnio: artigos e ensaios (1980-2005). Vol. 1: Circuitos de arte na América Latina e no Brasil. São Paulo: Editora 34, 2006. 423 p. _____. Textos do Trópico de Capricórnio: artigos e ensaios (1980-2005). Vol. 2: Modernismo, arte moderna e compromisso com o lugar. São Paulo: Editora 34, 2006. 351 p. _____. Textos do Trópico de Capricórnio: artigos e ensaios (1980-2005). Vol. 3: Bienais e artistas contemporâneos no Brasil. São Paulo: Editora 34, 2006. 360 p. ARAÚJO, Maria Paula Nascimento. 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Disponível em: http://www.anima-opet.com.br/pdf/ anima4- Seleta%20Externa/anima4-Andre-Peixoto.pdf (Acesso em janeiro 2012). 6.6 Outros MANCINI, Piero; ARAÚJO, Carlos (dir.). Geração 80. Vídeo realizado durante a abertura da exposição Como Vai Você, Geração 80?. Rio de Janeiro: Produtora Studio Line, 1984. (DVD) 206 Anexos I – Textos REINALDIM, Ivair (org.). Dossiê Espaço Arte Brasileira Contemporânea / ABC – Funarte. In: Arte & Ensaios, Revista da Pós-Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes/UFRJ, Rio de Janeiro, ano XVII, n. 29, pp. 113-116, julho 2010. [Introdução] Este dossiê apresenta um recorte consubstancial das ações e questões referentes ao Espaço ABC – Funarte (1980-1984), através de uma cronologia de atividades, trechos de textos institucionais, reportagens de época e, por fim, uma entrevista realizada com seu idealizador, o crítico Paulo Sergio Duarte. Como adendo, na seção Reedição, incluímos a transcrição da palestra do filósofo José Arthur Giannotti, ocorrida no Espaço ABC, seguida de debate, objetivando explicitar, através de um caso particular, a dimensão crítica que perpassava o programa como um todo. Nesse processo foi importante a consulta de documentação junto ao Cedoc da Funarte e, principalmente, do arquivo pessoal de Glória Ferreira, que fez parte do projeto. É o momento também para agradecer a contribuição de Paulo Sergio Duarte, bem como o profícuo diálogo com Inês de Araújo e Glória Ferreira, esta última, presente durante todo o planejamento, elaboração e finalização deste trabalho. Espaço ABC – Funarte; arte e instituição; arte contemporânea brasileira; Paulo Sergio Duarte Em 13 de maio de 1980 tinham início as atividades do programa Espaço ABC, Arte Brasileira Contemporânea, da Funarte, no Parque de Esculturas da Catacumba, Lagoa, Rio de Janeiro, onde outrora existira a favela de mesmo nome, cuja população foi removida para Vila Kennedy, Cidade de Deus e Guaporé-Quitongo. Com a palestra do arquiteto e urbanista Carlos Nelson dos Santos, tanto a memória daquele local quanto o projeto ABC ganhavam dimensão ampliada através do debate. Entre as exposições ocorridas no local, Antonio Manuel proporia seus Frutos do Espaço, nove esculturas de lingote de ferro, pintadas de vermelho, amarelo e preto, estruturasinterstícios fincadas diretamente na terra, nos jardins da Catacumba, diálogo poético entre escultura e paisagem, presente e passado, espaço e tempo. Antigamente o espaço da Catacumba era, com a favela, cheio, com criatividade, pessoas, vida. Só admiti trabalhar nesse espaço, levando em conta o que acontecera anteriormente[podemos tirar anteriormente, uma vez que o verbo já determina isso e incluir o sinal de supressão (...)?]. Eu quando vou lá ainda vejo a favela. Quando criei esse trabalho, pensei nos vazios, para que as pessoas vissem o que restou ali: apenas os fragmentos da favela. São fragmentos imaginários, é verdade, mas não podemos recalcar a carga humana que existia anteriormente ali. (Antonio 207 Manuel apud Wilson Coutinho, No espaço ABC, os frutos de Antonio Manuel, Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 22.10.80) Este era o tom do Espaço ABC. Enfrentar o problema, fosse ele social, artístico ou filosófico, analisá-lo, debatê-lo, desmitificá-lo, sobretudo quando os trabalhos propostos não se restringiam mais às questões formais. Tomada de posição política em pleno processo de abertura, o projeto propunha uma reflexão sobre as transformações operadas nas linguagens, reconhecendo a importância do experimentalismo nesse processo, ao mesmo tempo em que se destacava enquanto atuação diferenciada da instituição pública federal, que então passava a posicionar-se em relação à arte contemporânea brasileira. O ABC poderia, portanto, ser compreendido como caso exemplar de “política das artes”, como já havia sido explicitado, em 1975, no editorial do primeiro número da revista Malasartes e, particularmente, no importante ensaio assinado pelo crítico Ronaldo Brito Análise do circuito. Contudo, havia diferenças. Em meados dos anos 70, a atuação conjunta de críticos e artistas em Malasartes reconhecia que a questão da transformação das linguagens não poderia estar desvinculada da questão social da arte e que era preciso estabelecer um vínculo mais forte entre arte – entenda-se aqui “arte contemporânea” – e ambiente cultural, sobretudo, através da presença, visibilidade e ênfase de discursos paralelos ao do mercado. Data desse momento, no Rio de Janeiro, o projeto da Área Experimental do Museu de Arte Moderna, não só abertura institucional à arte contemporânea, mas também espaço de reflexão e posicionamento político, através do jogo de relações entre artistas, críticos, instituição e mercado de arte, uma vez que o que ficou evidente é que mais do que disponibilizar uma área para investigações artísticas experimentais dentro do museu, é preciso que o estatuto desse espaço ultrapasse a esfera da precariedade e do descaso administrativo. O programa Espaço ABC, por outro lado, era fruto de outro momento político, compreendendo uma nova atitude frente à arte contemporânea e uma postura institucional mais consistente. Outra diferença é que se o Espaço ABC se encontrava no âmbito mais amplo da cultura, sob manutenção da Fundação Nacional de Arte –Funarte em parceria com a Fundação RioArte, da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, na época sob direção de Rubem Fonseca, e apoio do Ministério da Educação e Cultura, como projeto federal para a arte contemporânea, algumas ações anteriores, no contexto repressivo dos anos 70, ocorreram em circuitos mais restritos, como o campo da universidade pública. Em São Paulo, por exemplo, destacava-se a atuação de Walter Zanini no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo não só se mostrando acessível à experimentacão e à jovem produção, mas também potencializando o contato entre artistas brasileiros e internacionais (vide a experiência de Paulo Bruscky com a artecorreio e sua relação com os artistas do Fluxus), e em João Pessoa, o Núcleo de Arte Contemporânea - NAC da Universidade Federal da Paraíba, projeto conjunto do crítico Paulo Sergio Duarte, do artista Antonio Dias e de vários agentes locais, como Raul Córdula. Tanto em um caso quanto em outro, o núcleo universitário constituia-se não só como a possibilidade de apoio a propostas pouco condicionadas ao mercado de arte, mas também como estímulo à reflexão e ao debate em circuitos mais específicos, como a impossibilidade de manifestação de opinião pública na década de 1970, por mais que 208 esses projetos, sobretudo o NAC, muitas vezes enfrentassem fortes reações dentro da própria universidade. Por outro lado, segundo Paulo Sergio Duarte, a Funarte era “uma estratégia do Governo Geisel para reestabelecer um diálogo mais próximo com a sociedade civil”, uma vez que “a cultura é campo profícuo para reestabelecer esses laços” rompidos durante a ditadura. Nesse contexto o projeto do Espaço ABC era gestado e encontrava interlocutores para ser viabilizado. O Estado brasileiro, assim, sem assumir uma atitude paternalista em relação às artes, responsabilizava-se pela manutenção e garantia da coexistência dessas propostas artísticas e de discursos críticos que não encontravam espaço no circuito de arte. Certamente, a situação política transitória daquele momento foi favorável a esse posicionamento, mas também o foi ao tornar explícitas as limitações desse apoio, comprometendo a manutenção e existência do próprio programa. Após transferir suas atividades do Parque da Catacumba para a Galeria Sérgio Milliet e depois para o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, as ações do Espaço ABC foram-se diluindo em meio à diluição da própria Funarte. É importante ainda destacar que a Funarte, naquele momento, voltava-se cada vez mais para um processo de estímulo à integração entre as regiões brasileiras, e o Espaço ABC era concebido como projeto passível de ser adaptado e implementado em outros estados. A reformulação do Salão Nacional de Artes Plásticas, a partir de 1978, e as adaptações ocorridas nas edições seguintes, por exemplo, contribuíram para que o Salão de fato ganhasse dimensão nacional, fosse através da criação de comitês regionais, das viagens da comissão julgadora por todo o país ou da organização das salas especiais, abrangendo a pluralidade de enfoques da produção imagética brasileira. Essa política assumida vinha ao encontro da crescente importância de núcleos culturais, como Porto Alegre, Curitiba, Cuiabá, João Pessoa, Recife, Belém, entre outros. Além de promover a circulação de exposições, a Funarte desenvolvia outros projetos que abrangiam a realização de palestras, cursos e workshops em diferentes regiões do país. A instituição investiu também no desenvolvimento e publicação de pesquisas que abrangessem vários aspectos da produção cultural brasileira: artes, artesanato, música, teatro, folclore, etc. Destaca-se a coleção Arte Brasileira Contemporânea, com os primeiros livros publicados antes da criação do Espaço ABC, um programa não possuindo ligação direta com o outro, mas ambos apresentando evidentes paralelos conceituais.1 Esse posicionamento editorial mais amplo da Funarte reverberou no 1 “Os diversos movimentos de vanguarda ocorridos a partir da Exposição Neoconcreta no Rio de Janeiro em 1959 participam de uma preocupação comum – acionar de maneira permanente os mecanismos da experimentação. A produção nascida da utilização das várias linguagens experimentais correntes, rotuladas como nova figuração, happening, arte pop, arte cinética, arte conceitual, body art, video art, etc., veio se agrupando, de 1959 até hoje, em vários momentos vanguardistas, alguns já bem definidos historicamente, como por exemplo a Nova Objetividade ou o Tropicalismo. É propósito desta Coleção documentar a obra de alguns dos artistas que participaram ativamente desse período, sem se preocupar com a análise exaustiva dos movimentos mais representativos nem com a dissecação de cada uma das linguagens experimentais mencionadas, não se esquecendo de que existem proposições que escapam de uma ótica estritamente visual. E como também existem trabalhos que, por 209 Espaço ABC através da ênfase dada à interdisciplinaridade, no confronto das artes visuais com outros campos de produção cultural, principalmente nos shows de música instrumental ao ar livre, no Parque da Catacumba, nas conferências nas áreas da filosofia, do teatro, da arquitetura, da literatura, etc., na publicação de pesquisas ou debates gerados no âmbito do programa. Mais do que gestar discussão restrita às especificidades das artes, o Espaço ABC procurava acentuar a aproximação entre áreas de conhecimento e linguagens. Também procurava contribuir com a produção de teoria sobre a arte brasileira recente, posicionando-se criticamente em relação ao modo como uma teorização da arte brasileira poderia, e deveria, ser realizada e pensada. Era interesse da Funarte e do Espaço ABC assegurar a construção de um espaço mais reflexivo para a arte contemporânea na história da arte, menos comprometido com valores e leituras tradicionais, ou seja, com tentativas de “domesticação” de certos trabalhos e discursos mais radicais, adequando-os a modelos teóricos até certo ponto convencionais. A edição desses textos também cumpria importante papel em relação à produção, ao estímulo, ao acesso e à circulação de ideias e de trabalhos, num momento em que o país apresentava mercado editorial pouco voltado para as questões da arte contemporânea. Além do apoio à produção experimental, os idealizadores e colaboradores do Espaço ABC também objetivavam torná-lo um local de reflexão e de formação, mediante relação institucional mais forte com os artistas. Entre algumas ações nesse sentido, é importante ressaltar o pagamento de pró-labore aos que expunham no ABC, apoio fundamental no processo de produção dos trabalhos, e também a publicação de catálogos, meio de documentação da obra e estímulo para circulação de discursos críticos não atrelados aos cadernos culturais dos jornais. A presença de Paulo Sergio Duarte na direção do Instituto Nacional de Artes Plásticas – Inap (1981-83) colaborava para o processo de inserção, aceitação e organicidade da arte contemporânea dentro da própria Funarte, ao mesmo tempo que contribuía para inserção mais efetiva desses trabalhos no circuito. Sintomático é o encerramento das atividades do Espaço ABC em 1984, o mesmo da exposição Como vai você, Geração 80?, realizada na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, Rio de Janeiro. Esse evento marca a visibilidade cada vez maior de uma nova geração de artistas e críticos no cenário da arte brasileira, paralelamente a transformações profundas no campo da política, da cultura, do circuito e da crítica, que ocorreriam na continuidade da década de 1980. É nesse campo que as ações do Espaço ABC ora se diluem, ora se evidenciam, ora se mesclam a outras questões. Quais teriam sido as contribuições posteriores do Espaço ABC? Conhecer o programa e os limites de sua natureza, tendem ao desaparecimento completo, é essencial ressaltar a importância da documentação em livro desta produção específica. Por último, a Funarte espera, através da Coleção, abrir a um público maior a possibilidade de tomar contato com a reflexão e com o debate sobre as tendências atuais e futuras das artes visuais brasileiras.” A coleção Arte Contemporânea Brasileira abrangeu 10 volumes, a saber: Barrio (1978), Carlos Vergara (1978), Anna Bella Geiger (1979), Antonio Dias (1979), Wesley Duke Lee (1980), Lygia Clark (1980), Cildo Meireles (1981), Waltercio Caldas (1982), Lygia Pape (1983) e Antonio Manuel (1984). 210 sua abrangência é condição necessária para melhor compreensão da história recente da arte brasileira e de seu circuito, contextualizando-o num dado momento, mas, ao mesmo tempo, inserindo-o num recorte mais amplo. Neste momento, procuraremos focar na história de suas atividades. BRITO, Ronaldo. Experiência Flutuante. In: Tunga – Esculturas e desenhos. Rio de Janeiro: Espaço ABC – Funarte, 1980. [7-23 novembro 1980] É necessário primeiro dizer: trata-se ainda, e até segunda ordem, do campo cezaniano. Do espaço problemático onde a Representação é ao mesmo tempo inevitável e mais ou menos irrealizável. A projeção expressiva do sujeito sobre uma dada matéria permanece em questão mas parece agora irremediavelmente truncada – não existe mais lugar adequado para o gesto perfeito do artista. Entre ele e seu objeto trava-se uma luta sem fronteiras. A tela já não podia enquadrar a tara reflexiva da pincelada de Cézanne, descarga de pulsões que explodia os limites da Perspectiva. A partir daí a projeção transforma-se em movimento ansioso. Cézanne pinta o que não consegue pintar – lição de abismo. E à arte sem perspectiva não sucedeu outra com estrutura positiva. Seguiram-se esforços diversos para imaginar novas relações possíveis entre sujeito e objeto. Esses esforços, com sua carga de angústia e inquietude, fizeram o belo moderno, o terrível e risível belo moderno. Depois, Duchamp. Outra manobra, outra torção, mas no mesmo campo pulsando indefinido. Depressa demais entretanto se está pretendendo isolar uma área duchampiana clara e simples – inauguração de um novo espaço, com a solução do problema Cézanne. Ruptura algo bíblica, reveladora da culpa social de História da Arte e sua verdade institucional enquanto Discurso de Poder. Com Marcel Duchamp a arte se emanciparia e passaria a ser anti-arte – negação dos valores tradicionais, ironia do sentido, sarcasmo do sublime. Ninguém pode pôr em dúvida a pertinência das ações radicalmente negativas de Duchamp mas é preciso discutir onde e como situá-las. Resumidas a manobras para-científicas, reduzidas a propostas de uma Consciência Crítica, assim sociologizadas e sociologizantes, podem muito bem reverter em reações. Recusas do embate simbólico profundo que a modernidade impõe em favor de uma Doutrina Formal da Morte da Arte. Há nessa leitura jurídica do gesto Duchamp uma espécie de redução moral, uma vontade de verdade que eliminam sua Dor constitutiva. Os Objects Trouvés nao são a sumária desmistificação da figura do Gênio, a sumária denúncia ao arbitrário da arte, o riso diante de sua flagrante impostura ideológica. São muito mais: fraturas simbólicas, cicatrizes abertas expondo a esquizoidia do sujeito moderno – a falta de nexos entre ele 211 e o mundo, a confusão que o envolve e diferencia indistintamente. A sua dispersão essencial, resumindo o paradoxo. A furiosa mentalização de Cézanne e a elegante inteligência do acaso duchampiana são parentas próximas no irreconhecimento do mundo como coisa dada. Ambas o estranham, estranham-se nele. Ao cravar um olho clínico sobre a História da Arte, ao realizar suas cirurgias artísticas, Duchamp o fazia sobre o próprio corpo, sobre a própria condição de artista. Cindia-se serenamente a si mesmo, dandy da dor. Ao Object Trouvé só pode corresponder o artista trouvé, mais ainda, o sujeito trouvé – este que todos somos nas especificações, hierarquias e diferenciações do mundo moderno e sua Razão Volátil. Laços de afeto aleatórios, alterados e deslocados, prendem essa nova obra de arte a seu esquisito criador, que não a fez e pode nem tocá-la. Com data e hora marcadas ele “encontra” o objeto de seu desejo, perversa burocracia posta a serviço de uma inteligência em vertigem, uma inteligência às voltas com o próprio branco. A objetividade opaca de uma coisa qualquer passa a ser então o “lugar ideal” para abrigar a hipersubjetividade do artista. Choque de ausência, vasos incomunicantes. A arte vai dizer como não pode sê-la, e só pode dizê-lo com arte. Nessa ordem contraditória a única ideia realmente absurda é pedir à arte contemporânea que apresente objetos cartesianos, claros e distintos. Ao contrário, admitir sensatamente a lógica louca vigente significa começar a compreender essa arte e a sentir a proximidade de sua estranheza. Esta estranheza, afinal, é precisamente a nossa. A nós, seres do Inconsciente e da Luta de Classes, faltam identidades fixas e sociabilidades estáveis. Nada menos estranho portanto, do que esses objetos estranhos. Com sua esquizoidia, falam nossa língua comum. Produtos de raciocínios perversos e lógicas disjuntivas, demandam uma sensibilidade inquieta, tensa, capaz de aderir ao fragmento, ao incongruente, ao amor do incompleto. Pronta a montar seu lar no precário e indefinido e aí viver uma rotina flutuante. Uma sensibilidade, dividida. Porque é flagrante, estamos diante de obras divididas. Divididas porque duvidantes. Fisicamente até desdobram-se, fragmentam-se na impossibilidade de serem pura e simplesmente Uma. A sua realização depende de sua demonstração: coincidência infeliz. Cada obra remete com premência ao projeto geral do trabalho mas este não existe fora delas, nem compõe um sistema organizado. Daí o drama — ação e reflexão se misturam nesses objetos de modo inextricável. Visivelmente não resultam da aplicação de um método. Visivelmente também não operam intuitivamente no contato mais ou menos sábio com os materiais. Com esforço analítico constróem o abismo de sua presença. A rigor, de sua ausência – cada peça se resume quase a resto, resíduo pensante e latejante, do processo que a produziu. Produzir significa aqui sobretudo reduzir, cortar, eliminar. A obra pronta é um paradoxo: a soma de suas subtrações. Contra as primeiras impressões, há uma vontade de clareza radical. Clareza cortante. Os gestos que fazem o trabalho estão quase explícitos em seu corpo; todos os componentes conservados; as relações praticamente divulgadas. O que se olha, logo de saída, é o próprio processo de produção com seus vários momentos – ali estão a massa de onde resulta e as marcas que determinaram sua forma. O Todo e suas partes. Em conflito porém, as partes resistindo e desafiando o Todo. O trabalho gira sempre sobre 212 si mesmo, desconcertado, descogitado. As partes se estranham e, juntas, materializam uma inquietante figura. Uma figura delirantemente lógica. E a questão não é decifrá-la e sim experimentá-la. Experiência flutuante, sutil e agressiva. Pensando bem, olhando bem, descobrimos que essas manobras de cisão, esses gestos cortantes, ao se repetirem criam uma certa continuidade. Essas rupturas formam uma corporeidade. Aí vamos nos movimentar, em meio a uma textura ambígua que afasta e atrai. Dentro desse corpo estamos sempre mais ou menos fora; fora dele, quase dentro. Mal-estar na Exposição, súbito lugar de um não-saber. E, no entanto, conhecemos demais este não-saber, convivemos cotidianamente com ele nas complicadas tramas do trabalho e do afeto. Apenas, estamos acostumados a solicitar da arte sensibilizações vadias, clichês emotivos para exprimir o que gostaríamos de ser. O que de fato somos, lutamos tanto para sê-lo que afinal talvez não queiramos saber mais nada a respeito. Compreensível incompreensão. Mas a arte contemporânea não pode aceitá-la, renunciaria a si mesma assumindo esse bom senso. Ao contrário, insiste em fazer falar o reprimido não-saber e sua inteligência irredutível. Essas peças, com sua difícil e precária estruturação, com seu conflituado modo de ser, como toda arte contam a história de todo-dia. A do outro lado de todo-dia, porém, ali onde pressões e pulsões ainda não tomaram formas marcadas, ainda não têm nome. Circular entre as peças, observá-las, exige por isso um rigor fluido. Atenção reflexiva a seu evidente caráter sistemático pois os etementos devem ser lidos como mediações, com significados quase exatos. Atenção vaga e volátil aos seus efeitos estéticos – à serena inquietude, à delicada mas paranóica trama de qualidades que se propagam. Semelhante cena, tão íntima e irreconhecível, parece propor uma paradoxal participação esquizofrênica. Reencontramos aí o drama de Cézanne e Duchamp, a questão do Sujeito da Modernidade. O “conteúdo” dessa arte seria então o próprio problema de seu vir a ser. Entenda-se: não, sumária e formalmente, o problema de sua construção mas o de todos os conteúdos historicamente condensados sobre a prática Arte como se apresenta agora na civilização ocidental. Essa herança, esse peso, são a sua inelutável origem. Cada peça representa porém um embate com essa origem, um desejo de irradicá-la – o que em última instância todo trabalho de arte realmente deseja é um aparecimento singular, absoluto, capaz de abolir tudo o que lhe precede. Só assim cumpriria seu impossível papel – ser a plena coisa do desejo, o fabuloso Isto que todos buscam possuir e a todos falta. Nenhum profundo sentido social de justiça e verdade, nenhuma estratégia política, podem subtrair à arte esse fetiche sem descaracterizá-la e reduzi-la a uma espécie de racionalização narcisista e, afinal, cretina. Não se trata, óbvio de fetiche do objeto. A arte moderna explorou, cansou de explorar, a diferença entre o objeto de arte e o objeto da arte. No limite, pelo extremo desprezo ao primeiro – o Ready Made, uma qualquer coisa obra de arte. Fetiche do anti-fetiche, o Ready Made se demonstra por absurdo e nos deixa a sós, em suspenso, com o Sentido da arte. O trabalho de Tunga age no tempo indecidível do fetiche. Para fazê-lo precisa de saída desconstruir as figuras fetichistas da arte, as cartas marcadas do jogo. Uma coisa não pode existir – fetichismo. Daí o modo discreto de utilização de elementos tão 213 saturados de conotações simbólicas. Daí a sua estrita economia metafórica. O interesse não é a representação do desejo mas o contato com sua inteligência íntima, com o seu Regime. O interesse não é expor objetos ao desejo mas reinstaurar a vigência do primeiro olhar, a perplexidade desse momento incompreensível que seria entretanto a raiz de toda a nossa Vontade de Saber. Fazer pulsar, e durar, essa dolorida interrogação. E não há lugar que corresponda a esse primeiro e problemático olhar. O espaço do trabalho seria assim, em princípio, falta. Por isto é obrigado a pensar exaustivamente os limites da Forma e do Visível, a questionar as condições de toda Representação. Refazer essa ordem para atravessá-la e situar-se em algum possível Antes. A exposição acontece exatamente na linha de tensão entre o visível e o que está antes, o invisível. O visível demonstrando, materializando quase, o invisível. É a essa espécie absurda de experiência que convida. Ao aceitá-la, nos arriscamos em terreno vertiginoso: em nossa própria sombra, agora estranha, no rigor ambíguo da cultura contemporânea. Rio de Janeiro, setembro de 1980 MORAIS, Frederico. Tunga no espaço ABC. In: O Globo, Artes Plásticas, Rio de Janeiro, 24 novembro 1980. Não há trégua possível. Nenhuma concessão é feita no sentido de facilitar as coisas, de superar o mal-estar. O fracasso ronda continuamente o espectador na sua tentativa de enfrentar a obra percorrendo caminhos já percorridos. A obra não é descritiva de acontecimentos, a não ser aqueles que dizem respeito à sua própria construção e método. Nem manipula símbolos ou metáforas de tradução mais ou menos difícil. Neste sentido, não se pode nem mesmo falar de hermetismo, pois tudo ali está exposto sem subterfúgios, cada material e sua função, os componente, e o processo, a parte e o todo. Não paira nenhuma dúvida sobre a fisicalidade da obra, o lugar que ocupa no espaço da galeria, nem de que ela sofrerá, no tempo, determinadas modificações. Pode ser até que alguém, logo depois de ver os trabalhos ali expostos, diga para si mesmo: – gostei. Afinal, são visualmente convincentes, até mesmo no que diz respeito a sua elaboração técnico-artesanal. Mas, apesar de suficientemente claras, as obras expostas são intrigantes. O mal-estar, entretanto, começará no momento em que o espectador quiser explicar, para si próprio, esta primeira impressão isto é, “compreender” a obra. Nesse momento não encontrará nenhum apoio. A galeria, o artista e o crítico que o apresenta serão implacáveis. Nada a declarar. 214 ABC: TRABALHAR UM LIMITE Senão vejamos. Comecemos por fora, pelo próprio Espaço ABC, no Parque da Catacumba. Creio que nenhuma exposição explicou melhor, entre as tantas ali realizadas, os objetivos do Programa Arte Brasileira Contemporânea. Com texto estampado na contracapa de todos os catálogos das mostras ali realizadas diz que seu objetivo é “trabalhar um limite. Uma fronteira invisível a ser delineada. Os territórios pouco nítidos que separam na arte dois momentos: o moderno, estável, marca de uma época, de um século, este século, e aquele que busca, procura um outro espaço. (...) É neste limite, nesta região, que o programa ABC trabalha. É ali, onde as artes já não são tão plásticas, que está o debate. Um programa de trabalho que é, ele mesmo, uma discussão”. Ou seja, o espectador comum dirige-se ao Pavilhão Victor Brecheret, na Lagoa, buscando o fetiche da arte, a aura do artista, o didatismo do crítico. Mas o Espaço ABC não se propõe a nada disso, não se propõe a expor mais a arte moderna (velha já de um século), nem mesmo as formas já catalogadas de arte pós-moderna, de antiarte já devidamente assimilada pelo sistema. O que propõe é trabalhar o limite entre o que é arte e o que não é, ou seja, trabalhar uma situação de fronteira, onde qualquer deslocamento é arriscado, qualquer definição temerária. A SOMA DE SUAS SUBTRAÇÕES O catálogo da exposição de Tunga traz um texto de Ronaldo Brito. Como sempre, brilhante. Mas o texto não foi inserido no catálogo para explicar a obra exposta de Tunga. O nome do artista, aliás, é mencionado apenas uma vez pelo crítico. Quase ao acaso, eu diria, pois arrancado da frase em que aparece, o texto adquire qualidades polivalentes, podendo servir a outras exposições. Apesar de “aplicável” à obra de Tunga, ele não a descreve. Alguns trechos, porém, são mais explícitos e algum espectador mais arguto poderá concluir que o crítico está se referindo à obra exposta na galeria. “Cada obra remete com premência ao projeto geral do trabalho, mas este não existe fora dela, nem compõe um sistema organizado. Daí o drama – ação e reflexão se misturam nesses objetos de modo inextricável. Visivelmente também não operam intuitivamente no contrato mais ou menos sábio com os materiais. Com esforço analítico constroém o abismo de sua presença. A rigor, de sua ausência – cada peça se resume quase a resto, resíduo pensante e latejante, do processo que a produziu. Produzir significa aqui sobretudo reduzir, cortar, eliminar. A obra pronta é um paradoxo: a soma de suas subtrações”. Para Ronaldo Brito, portanto, “a questão não é decifrá-la e sim experimentá-la”. É isso o que ele denomina de “experiência flutuante, sutil e agressiva”. Mas, como experimentar a obra, se ela arrogantemente evita qualquer contágio com aquilo que lhe é exterior, o espectador inclusive? Como experimentar a obra se ela “gira sempre sobre si mesma, desconcertada, descogitada”? Mas, se, apesar do mal-estar que lhe toma conta, o espectador, ainda assim, se dispuser a gostar da obra, investir nela seus desejos, claros 215 ou recônditos, será imediatamente punido pelo crítico, espécie de leão-de-chácara da obra, que em seu texto dirá: “estamos acostumados a solicitar da arte sensibilizações vadias, clichés emotivos para exprimir o quê gostaríamos de ser”. SITUAÇÃO ZERO, VAZIO O que fazer então? Restaria o apoio do artista. Mas este também não é dado. O artista exclui do catálogo toda e qualquer referência curricular ou biográfica. Para alguns isto poderá parecer uma modéstia exemplar. Outros encontrarão, nesse aparente despojamento, um sinal evidente de arrogância. Faça o leitor seu julgamento. Sem currículo nem depoimento, Tunga limita-se, com a ajuda de desenhos e textos curtíssimos, não a explicar a obra, mas a descrever o processo de sua feitura, suas etapas. Um texto eminentemente técnico, que não serve de trampolim para qualquer salto simbólico sobre a obra, nem permite o. emprego de metáforas – científicas, poéticas –, analogias, alusões. A obra não deve se entregar nunca. Quase ao final, em letras miúdas, é dito que o projeto foi desenvolvido entre 1977/80 e realizado com placas de borracha preta e feltro branco nas dimensões 150x150x0,4cm. Enfim, tudo é feito para colocar o espectador diante de uma situação zero. A obra não tem passado – terá futuro? por pouco sequer tem autoria. Como se a obra pousase ali, vinda do nada. Teoricamente temos aí uma situação de equilíbrio e de igualdade. Sós, um diante do outro, estão a obra e o espectador. Pode-se imaginar que, juntos, irão construir uma história, um significado, uma vida. Mas, na prática, como se diz, a teoria é outra. Sozinho encontra-se apenas o espectador. Que chega à galeria sem defesas e com uma única disposição, gostar da obra. Mas em nenhum momento é estimulado a isso. Existe frustração maior? Como dizer, depois de escrever tudo isso, que eu gostei da exposição de Tunga? Desta, no Espaço ABC, e das anteriores, no Centro Cultural Cândido Mendes, ano passado, e no Museu de Arte Moderna do Rio, em 1975. Como dizer que considero Tunga o mais importante artista experimental do Brasil, ao lado de Cildo Meireles? Como dizer que gostei de seus desenhos eróticos, que permanecem quase inéditos? Como dizer que intuo em Tunga um romântico que se esconde numa. Impostação racionalizante, que vejo sua obra se desenvolvendo como uma espécie de aventura amorosa, de grafismos ou matérias dialogantes? Melhor não dizer, pois todas estas coisas poderão ser consideradas pouco pertinentes, inoportunas ou simplesmente equivocadas. 216 MANCINI, Piero; ARAÚJO, Carlos (dir.). Geração 80. Vídeo realizado durante a abertura da exposição Como Vai Você, Geração 80?. Rio de Janeiro: Produtora Studio Line, 1984. (DVD) 217 Press-release: viagem à Ilha de Paquetá, janeiro 1987. In: A Moreninha documentos 1987/88. Disponível em: http://rbtxt.files.wordpress.com/2010/01/ dossie_moreninha.pdf 218 219 MORAIS, Frederico. A vanguarda se repete na Trama, o ‘kitsch’ de Carmen vira modelo. In: O Globo, 11 fevereiro 1987. Disponível em: http://rbtxt.files. wordpress.com/ 2010/01/dossie_moreninha.pdf 220 BASBAUM, Ricardo. Aos leitores de O Globo, Frederico Morais, críticos, artistas e interessados em arte, 12 fevereiro 1987. Disponível em: http://rbtxt.files. wordpress.com/ 2010/01/dossie_moreninha.pdf 221 222 223 Roteiro para intervenção na palestra de Achille Bonito Oliva na Galeria Saramenha, fevereiro 1987. Disponível em: http://rbtxt.files.wordpress.com/2010/01/ dossie_moreninha.pdf 224 REINALDIM, Ivair. A Grande Tela: curadoria e discurso crítico da pintura na década de 1980. In: Anais do II Seminário de Pesquisadores do PPGartes. Rio de Janeiro: PPGartes/Instituto de Artes-Uerj, 2008. Resumo: Nesse artigo analisamos alguns aspectos relacionados à mostra Grande Tela, constituinte do núcleo contemporâneo da 18ª Bienal Internacional de São Paulo (1985). Em meados da década de 1980 o debate mundial acerca da “volta da pintura” já estava consolidado; porém, a curadora Sheila Leirner propõe um projeto curatorial ousado, com o objetivo de discutir a produção pictórica do período. O projeto expográfico de Haron Cohen, conceitualmente de acordo com o discurso curatorial de Leirner, provocou a revolta de alguns artistas a ponto destes retirarem seus trabalhos da exposição. Mais do que uma ênfase na predominância da pintura, a mostra marcou criticamente uma inflexão nessa produção, pelo menos no Brasil, possibilitando que outras linguagens ganhassem maior destaque na segunda metade da década. Assim, a Grande Tela é vista como um dos principais exemplos da predominância do discurso curatorial sobre os trabalhos individuais e as intenções dos artistas, tornando-se mais amplo e efetivo que o próprio texto escrito por Sheila Leirner no catálogo. O curador não é mais visto como um simples “organizador”, mas como um “criador” tanto quanto os artistas que participam da Bienal. Investigar criticamente alguns aspectos dessa mostra e das polêmicas geradas a partir dela permitirá que compreendamos melhor a relação entre curador, público e instituição, bem como as transformações históricas geradas no circuito de arte nacional e internacional, sobretudo na crítica de arte, a partir da emergência desse novo papel. Palavras-chave: Bienal de São Paulo, Grande Tela, Curadoria Aos acordes da Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo, tocando músicas dos compositores Charles Yves e Eric Satie, bem como o Hino Nacional brasileiro, tinha início no Pavilhão do Parque Ibirapuera, em 4 de outubro de 1985, a 18ª Bienal Internacional de São Paulo. Iniciava-se também uma das grandes polêmicas da década de 1980. A megaexposição, sob curadoria de Sheila Leirner, então crítica de arte do jornal O Estado de S. Paulo, poderia ter sido chamada de “Bienal da música experimental”, destacando-se a presença de John Cage e a realização do “Happening Cage”2; mas, justamente por colocar em xeque o propalado “retorno da pintura”, já 2 “Mais bem sucedido foi o ‘Happening Cage’ – a melhor coisa que aconteceu na Bienal no fimde-semana. Dispostos em pontos diferentes, pelos três andares do Pavilhão, grupos de músicos executavam, seguindo um cronograma previamente organizado, peças de Cage. Algumas aconteciam simultaneamente, criando um ambiente musical tipicamente cagiano (...). O compositor acompanhou o ‘Happening’. Passou por todos os grupos, agradecendo aos músicos. Às vezes era interrompido, mas não estava disposto a conversar durante a apresentação.” In: GONÇALVES, Marcos Augusto. A música deu o tom no Ibirapuera. In: Folha de S. Paulo, Ilustrada, 7 outubro 1985, p. 19. 225 amplamente abordado por outras grandes exposições, como a Bienal de Veneza (1980) e a Documenta de Kassel (1982), ficou conhecida como “Bienal da Grande Tela”. No contexto cultural contemporâneo, se a 18ª Bienal foi vista como “enterro de uma tendência”, por um lado, por outro, pouco se debateu sobre a relação entre discurso crítico e prática de curadoria. Assim, nesse artigo pretendemos analisar tal relação, sem a pretensão de esgotar o tema ou definir posições sectárias. Reconhecemos a transitoriedade das respostas tanto quanto das perguntas. Em consonância com a 16ª e a 17ª Bienais de São Paulo, edições que, sob a curadoria de Walter Zanini, resgataram o prestígio internacional da exposição paulistana, Sheila Leirner organizou a Bienal de 85 a partir do critério de afinidade de linguagens, apresentando dois núcleos principais – o histórico e o contemporâneo – além de diversas mostras especiais e eventos paralelos.3 Após passar pelo núcleo histórico, localizado no primeiro pavimento do Pavilhão, o visitante chegava ao setor principal do núcleo contemporâneo, no centro do segundo pavimento, compreendido por três longos corredores, de 100 metros de extensão, por 6 metros de largura e 5 metros de altura. Nessas paredes monumentais estavam expostas telas de grandes dimensões, com pequena distância entre elas, de modo que cada uma sofresse interferência visual das outras duas que as ladeavam, sugerindo ao observador, desse modo, a existência de uma única pintura interminável. O projeto expográfico da “Grande Tela”, idealizado pelo arquiteto Haron Cohen, em consonância conceitual com o discurso de Sheila Leirner, misturava artistas internacionais, de considerável reconhecimento institucional e mercadológico – entre eles alemães e italianos –, com a jovem produção brasileira de pintura, sem que houvesse uma preocupação em identificar diferenças autorais ou nacionais. Essa “nave principal” era seguida, paralelamente, por “naves laterais”, espaço destinado às instalações, compreendidas nesse contexto como trabalhos em que os artistas estavam preocupados com a investigação de novas linguagens. Vale lembrar também que no terceiro pavimento havia mostras especiais dedicadas à videoarte e aos suportes tecnológicos. Fato é que a Grande Tela gerou polêmica capaz de eclipsar todos os outros trabalhos expostos. A mesma iniciou-se a partir das reclamações dos artistas alemães – Salome, Middendorf, Dokoupil, etc. –, fortemente competitivos em relação aos demais artistas, durante a instalação de suas pinturas. Alegando a inadequação do espaço a partir das dimensões dos trabalhos e a interferência ocasionada pela proximidade entre as obras, ameaçaram debandar da Bienal. Por fim, ao retirarem algumas de suas pinturas da parede, conseguiram arejar e dar certo destaque às que permaneceram. Por outro lado, críticas levantadas pelos artistas brasileiros, menos ousados que os alemães (e com menor “cacife”, diga-se de passagem), passaram praticamente despercebidas, gerando apenas a seguinte resposta da curadora: “Vocês pintam e nós organizamos a Bienal.”4 3 Entre as mostras, destacam-se “Expressionismo no Brasil: Heranças e Afinidades”, “O Turista Aprendiz”, “Máscaras da Bolívia”, “Entre a Ciência e a Ficção”, “Videoarte”, “Videoarte na Alemanha”, “Grupo Cobra”, “Gravuras Cabichuí”, “Xilogravuras Populares”, etc., além de eventos paralelos relativos à música experimental. 4 GONÇALVES, Marcos Augusto. Op. cit. 226 Assim, os espaços vazios passaram a representar a memória do choque, o desconforto frente ao conflito entre a autoridade de quem cria e a autoridade de quem organiza. Analisando com certo distanciamento o partido assumido pela curadora, podemos afirmar que esse foi compreendido como uma crítica não verbal ao modismo e à “pasteurização” da pintura da década de 1980, mediante o processo de globalização empreendido, principalmente, pelos meios de comunicação de massa. Para Agnaldo Farias, por exemplo, a ideia de solicitar ao arquiteto responsável uma museografia dessa natureza decorreu do compromisso do curador de oferecer ao público ambientes críticos, subvertendo a sintaxe habitual da montagem. No caso em questão o desejo de Leirner era transpor para a arquitetura um comentário sobre a profusão de pinturas que estavam chegando ao prédio da Bienal, obras que confirmavam o que ela já suspeitava: que a cena artística mundial estava tomada pela síndrome de uma modalidade muito particular de pintura; que em todos os lugares, acompanhando a vaga do neoexpressionismo alemão e da transvanguarda alemã (sic), produziase coisa muito semelhante: pinturas de grandes dimensões, de tônica fortemente expressiva, “selvagem” ou “violenta”, como eram denominados seus protagonistas alemães, ou ainda aquelas, como a da escola italiana, que efetuavam releituras de pinturas das vanguardas modernas.5 Mas, de fato, podemos nos questionar se seriam essas as reais intenções de Sheila Leirner ao idealizar a Grande Tela. Como a crítica compreendia o fenômeno de revitalização da pintura no período? Quais os pressupostos teórico-conceituais que nortearam o projeto? Como compreender a ação curatorial a partir de discussões acerca da prática da curadoria na contemporaneidade? Estaríamos diante de uma curadoria colaborativa ou autoritária? Em primeiro lugar, cabe ressaltar que se os curadores começam a ganhar destaque internacionalmente por volta dos anos 70, no Brasil, é na década de 1980 que o termo começa a ser empregado. Segundo Lisbeth Rebollo Gonçalves, a partir de entrevistas realizadas com profissionais brasileiros do campo das artes visuais, há “dois momentos-chave para a emergência do conceito de curadoria, ambos ligados à Bienal de São Paulo”. O primeiro deles seria o das Bienais sob responsabilidade do historiador Walter Zanini (1981 e 1983), destacando a 16ª edição, conhecida como “Bienal Conceitual”. O segundo, perceptível nas edições realizadas por Sheila Leirner (1985 e 1987), “segundo um projeto curatorial que é claramente compreendido pelo público especializado, principalmente na mostra de 1985, que ela intitulou A Grande Tela.”6 Na década de 80 o curador geral suplanta o papel que o diretor artístico desempenhava nas edições anteriores da Bienal de São Paulo. Porém, a maior 5 FARIAS, Agnaldo (coord.). Bienal 50 anos: 1951-2001. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 2001, pp. 208-209. 6 GONÇALVES, Lisbeth Rebollo. Entre cenografias: o museu e a exposição de arte no século XX. São Paulo: Edusp: Fapesp, 2004, p. 113. 227 transformação estrutural (e também conceitual) verifica-se quando Zanini substitui a organização da mostra a partir das delegações nacionais – posição que ressaltava a referência direta ao modelo geopolítico instituído pela Bienal de Veneza – pela divisão a partir da afinidade de linguagens – em consonância com uma postura mais experimental da Documenta de Kassel. Desse modo, a presença do curador marca também a mudança de paradigma para a Bienal de São Paulo, tendo na Documenta, nos dizeres de Leirner, “uma aula de como uma exposição deve ser feita em nossos dias”.7 Nesse contexto, a arte conceitual desempenhou papel importante na formação do papel do curador na contemporaneidade. Para o crítico e artista Olu Oguibe, jovens curadores, tais como Harald Szeemann, idealizador da importante mostra When Attitudes Become Forms (Kunsthalle, Berna, 1969), “puderam imaginar, iniciar e realizar experiências ousadas de curadoria porque os artistas já haviam fornecido os exemplos que desafiavam a compreensão convencional da exposição e apresentação da arte.”8 Mas, podemos compreender também que, ao mesmo tempo em que a arte conceitual diluiu as fronteiras entre linguagens, foi responsável pela interpenetração das áreas de especialização. Assim, artistas assumiram o papel de críticos e críticos, por sua vez, passaram a produzir trabalhos que não necessariamente passavam pela prática da escrita. Nesse sentido, Leirner afirma que: O que aconteceu foi que o crítico, a partir de então, já podia dissolver as fronteiras que separavam a criação artística. Não literalmente, como vinha fazendo até então. Mas artisticamente. Por quê? Porque a mediação e a ideia passaram a ter maior importância do que o produto final. O crítico que sempre usou conceitos para falar da mediação e do produto, quer dizer, dos elementos formais do trabalho, o crítico passou a usar as ideias para falar quase apenas de ideias. No fim, o que o crítico estava fazendo era o mesmo que o artista. Os dois fazendo arte e fazendo crítica.9 Sendo assim, poderíamos compreender a prática da curadoria como uma atividade paralela à da crítica de arte ou, muitas vezes, uma atualização da última, em consonância com as ideias que Frederico Morais já havia explicitado na década de 1970.10 É inegável que a Grande Tela, como discurso curatorial, apresenta uma abrangência crítica superior ao texto escrito para o catálogo da 18ª Bienal. Poderia ser 7 LEIRNER, Sheila. Crise? No mundo, sim. Na arte, anuncia-se o futuro. In: _____. Arte e seu tempo. São Paulo: Perspectiva: Secretaria de Estado da Cultura, 1991, pp. 86-87. 8 OGUIBE, Olu. O fardo da curadoria. In: Concinnitas, Revista do Instituto de Artes da Uerj, n. 6, Rio de Janeiro, p. 16, 2004. 9 LEIRNER, Sheila. Uma palestra. In: _____. Arte e seu tempo. Op. cit., p. 57. 10 Cf.: MORAIS, Frederico. Artes plásticas: a crise da hora atual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. Curioso apontar para o fato de que tanto Frederico Morais quanto Sheila Leirner desenvolveram experiências diretas no campo da produção de artes visuais. 228 compreendida, então, como uma crítica não verbal. Mas também, “como uma obra em si”.11 A ênfase na pintura por parte de Leirner nasceu da exigência de uma circunscrição que excluísse as linguagens da década anterior, segundo ela já devidamente abordadas e exauridas nas duas últimas Bienais. O argumento para Grande Tela, então, é uma ideia contida no texto Framed: Innocence or Guilt?, do crítico italiano Germano Celant, publicado na revista Artforum, em 1982, e que Leirner já havia explicitado no texto para catálogo da exposição 3x4 – Grandes Formatos (Centro Cultural Rio, Rio de Janeiro, 1983). Celant propõe que a pintura seja “pensada como um enorme rolo de pano diversificado, tecido numa única peça e desenrolado no tempo e no espaço”. Essa superfície, segundo ele, estendida sobre milhas e milhas, nunca aparece em mostruário, porque o que importa nos trabalhos é o ritmo completamente desenvolvido do “todo” – ambos, o quadro e o ambiente –, incluindo a seguinte progressão: pintura, moldura, parede, quarto, prédio, cidade, território, terra, universo.12 Desse modo, Leirner vislumbra na idealização de Celant para a Grande Tela uma relação direta com sua concepção (romântica) de Grande Obra contemporânea ocidental, soma das ações artísticas contemporâneas, a partir da incorporação da diversidade e da noção de simultaneidade. Nesse sentido, mais do que a autoria individual, o que prevaleceria para a curadora era a ideia de uma criação conjunta, de uma ação humana coletiva. Uma das críticas endereçadas à generalidade compreendida no tema da 18ª Bienal, “O Homem e a Vida”, é que ele era tão abrangente quanto “Deus e sua Época”.13 Ao compreender a Bienal como um recorte da produção contemporânea (da época como um todo) – e por isso, poderíamos supor, como sintoma do zeitgeist – a curadora se destacaria pela capacidade privilegiada de reconhecer essa pluralidade de linguagens e propostas, mas também de identificar de modo seletivo quais trabalhos individuais representam da melhor maneira em seu conjunto a totalidade contemporânea. Analisando a prática curatorial da Bienal de 1983, Leirner afirma: 11 “Meio específico de enunciação crítica da arte e da cultura, a exposição de arte deve ser pensada não como um simples dispositivo de amostragem de obras, mas como uma obra em si, unidade construída com diferentes tipos de objetos, cujos significados estão além de sua mera soma, e que deve ser analisada em suas particularidades discursivas e rituais. No limite, é possível falar em uma ‘arte de expor’.” CONDURU, Roberto. Transparência opaca. In: Concinnitas, n. 6, Op. cit., p. 31. 12 CELANT, Germano apud Leirner, Sheila. Grandes formatos: euforia e paixão. In: Leirner, Sheila. Arte e seu tempo. Op. cit., p. 94. [Grifo nosso] 13 MARTINO, Telmo. Bienal: quilômetros de arte. Para caber tudo. In: Jornal da Tarde, O Estado de S. Paulo, 23 agosto 1985, p. 22. 229 Na minha opinião, esse método democrático real é decididamente o fator revolucionário dessa exposição. Um aspecto que coloca em xeque todas as exposições de arte que se fazem no Brasil. Porque hoje ainda se pensa que para uma exposição democrática é preciso mostrar tudo o que há. Fazer uma feira aleatória, baseada num consenso duvidoso do que seja a pintura ou a escultura brasileira. Quando de forma aparentemente paradoxal, uma mostra democrática é justamente aquela que obedece a uma orientação firmemente discriminatória, crítica e inteligente. Uma orientação que crie (...) correlativos críticos para o que está realmente ocorrendo no mundo da arte e que cria prerrogativas para que haja diálogo entre os trabalhos.14 Na prática, há ambigüidade na ação de Sheila Leirner, entre um modelo de curador corretor cultural, “mitificado como a figura com a varinha de condão” [e, de modo irônico, Sheila Leirner usava uma varinha de condão como marca de sua ação curatorial], um instrumento no processo de legitimação institucional e de validação mercadológica, e o curador facilitador, que trabalha “como um colaborador cujas contribuições permitem a realização e a efetivação do processo artístico”.15 Para ela, a Grande Tela constituía-se mais como debate estético do que como discurso curatorial propriamente dito. Mas cabe indagar em que medida as obras individuais têm seu sentido alterado ao se submeterem a um discurso que é externo a elas, algo que tem caracterizado as megaexposições contemporâneas, como bem apontou o crítico Paulo Sergio Duarte.16 Se tomamos o partido das obras, retiramos a capacidade crítica do curador, sua capacidade de provocar reflexão; pelo contrário, ao concordarmos com a supremacia conceitual da curadoria, corremos o risco de defender que obras de arte são veículos apropriados para exemplificar ideias gerais. Não nos parece uma escolha que possa ser feita sem que haja perdas; e muito menos que possa ser assumida sem debate. Julgamos, desse modo, que a Grande Tela destaca-se como um caso exemplar, talvez por ser o primeiro em território nacional, a discutir esses limites de ação e relação colaborativa. Cabe a nós estender esse debate. 14 LEIRNER, Sheila. Arte na 17ª Bienal de São Paulo. In: _____. Arte e seu tempo. Op. cit., p. 15 OGUIBE, Olu. O fardo da curadoria. In: Concinnitas, Op. cit., pp. 12-13. 16 DUARTE, Paulo Sergio. O espetáculo do fetiche. In: Concinnitas, Op. cit., pp. 36-37. 212. 230 REINALDIM, Ivair. Prefácios e epílogos da teoria sobre arte contemporânea: relações possíveis entre crítica de arte e historiografia na década de 1980. In: Balances, perpectivas y renovaciones disciplinares de la historia del arte. V Congresso Internacional de Teoría e Historia de las Artes. Buenos Aires: Centro Argentino de Investigadores de Artes – CAIA, 2009, pp. 93-105. A década de 1980 marca um período extremamente fértil em relação aos domínios da crítica de arte e seu papel na constituição de um campo específico para a arte contemporânea, assim como à emergência de um novo discurso historiográfico atrelado à noção de epílogo, ou seja, à ideia de fim (no sentido de “finalização”, e não de “finalidade”). Se este último tem sido amplamente analisado desde então, reforçando a necessidade de reconfiguração e redefinição das práticas e dos métodos da história da arte tradicional, pouco se discutiu sobre a diversidade e a importância do enfoque crítico do período, sua relação com essa nova historiografia e seus possíveis atravessamentos com as teorias geradoras do conceito de pós-modernismo. Neste trabalho, então, objetivamos analisar duas questões: 1ª - o confronto entre crítica e história da arte na década de 1980, em um campo de investigação de caráter teórico; 2ª - a relação de ambas com o aparecimento da noção de pós-modernismo no contexto mais amplo da cultura. Tal análise virá a se constituir um embasamento teórico para desenvolvimento de pesquisa futura, referente às especificidades do discurso crítico contemporâneo da arte no Brasil, no período em questão. O historiador Giulio Carlo Argan foi um dos grandes defensores das relações híbridas entre os campos da história e da crítica de arte. Em ensaio publicado na década de 80 (1984), questiona: Qual é a relação entre crítica e história da arte? Será correto afirmar que a crítica se ocupa da arte contemporânea e a história se ocupa da arte do passado? Ou mesmo, que a crítica se limita a estabelecer se uma dada obra é ou não é obra de arte, enquanto a história agrupa e coordena os fatos artísticos segundo certos critérios de ordem, dos quais o mais frequente é o da sua sucessão no tempo? E, sobretudo, se uma coisa é a crítica e outra a historiografia da arte, poder-se-á sustentar que esta última seja não-crítica, quando é sabido que o processo da construção histórica é um processo crítico?17 Como para Argan todo juízo crítico é histórico, e toda construção histórica está baseada em escolhas de ordem crítica, não haveria diferenças entre esses dois campos de investigação da arte, pelo menos não em termos teóricos. Porém, por mais que a interdependência dessas duas esferas seja inquestionável – e delas com a estética, a filosofia, a antropologia visual, apenas para elencar algumas de suas áreas afins –, ambas, história da arte e crítica de arte, constituem-se como disciplinas, a partir de uma série de repertórios, códigos e relações de reconhecimento e pertencimento que lhes são 17 ARGAN, Giulio Carlo. A crítica da arte e a história da arte. In: _____. Arte e crítica de arte [1984]. Tradução de Helena Gubernatis. 2ª ed. Lisboa: Presença, 1995, p. 141. 231 próprias, isto é, a partir de discursos que são possíveis ou não entre aqueles indivíduos que as constituem como tal, conforme salienta Michel Foucault. Desse modo, o partido a ser assumido em nossa investigação será o da análise de discurso.18 Tomando uma arqueologia da crítica de arte como ponto de partida, compreendemos que esta se constituiu a partir de três grandes discursos no decorrer da história: o clássico, o moderno e o contemporâneo. O discurso crítico clássico tem início com a Antiguidade greco-romana, perpassa o Renascimento italiano e a prática teórica das Academias, até o século XIX; o moderno, que nasce ancorado nas idéias iluministas, no século XVIII, tendo a Crítica do Julgamento (1790) de Kant como marco, e seu ápice-limite no alto modernismo, pós-Segunda Guerra Mundial; por fim, o discurso crítico contemporâneo, delineando-se a partir do final dos anos 60, e tendo muitas de suas características principais definidas na década de 1980. Particularmente, interessa-nos compreender como se dá a passagem da crítica moderna para a contemporânea, as rupturas e descontinuidades de discurso geradas nesse conflito e de que modo a década de 80 contribuiu para definir ou salientar certas questões que são pertinentes ou não para a crítica de arte até os dias de hoje. A divisão da crítica de arte em três grandes discursos, que propusemos nessa breve análise, permite-nos aproximar tais ideias com as de Arthur C. Danto, um dos principais teóricos – no campo da crítica, mas também da história e da filosofia da arte – na contemporaneidade. Conjuntamente com Hans Belting, Danto foi um dos defensores na década de 80 de que a arte havia chegado ao fim de um ciclo. Em 1984 publicou o ensaio “The end of art” no livro The death of art, editado por Berel Lang (New York: Havens Publishers, 1984), e nos anos seguintes ministrou palestras intituladas “Approaching the end of art” (1985), no Whitney Museum of American Art, e “Narratives of the End of Art” (1989), no ciclo Lionel Trilling Lecture, dando continuidade a tais indagações.19 Contudo, é no livro Após o fim da arte: a arte contemporânea e os limites da história (1996), também fruto de uma série de conferências, que essas ideias são desenvolvidas mais profundamente, adquirindo caráter historiográfico. Segundo as palavras do próprio Danto, trata-se de: uma tese (...) relacionada ao fim da arte – um meio algo dramático de declarar que as narrativas mestras que primeiro definiram a arte tradicional, e após a arte modernista, não só chegaram a um fim, mas que a arte contemporânea não mais se permite ser representada por narrativas mestras de modo algum. Aquelas narrativas mestras inevitavelmente excluíam certas tradições e práticas artísticas como “além dos limites da história” – uma frase de Hegel a qual recorri mais 18 Para Foucault, discurso é um conjunto de enunciados que se apóia em um mesmo sistema de formação, em um conjunto de regras que são imanentes a certas práticas e as definem em sua especificidade. Cf. FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber [1969]. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007; Id. A ordem do discurso [1970]. Tradução de Laura Fraga de Almeida Sampaio. 16ª ed. São Paulo: Loyola, 2008. 19 “Approaching the end of art” foi publicado no State of the Art (New York: Prentice Hall Press, 1987) e “Narratives of the End of Art” em Encounters and Reflections: Art in the Historical Present (New York: Farrar, Straus & Giroux, 1990). 232 de uma vez. É uma das muitas coisas que caracterizam o momento contemporâneo da arte – ou o que denomino o “momento pós-histórico” – que não há mais limites da história.20 Desse modo, é importante salientar que para Danto a expressão “fim da arte” é entendida como “fim das narrativas mestras da arte”, não representando um esgotamento interno da sua produção – muito pelo contrário, pois o teórico é um dos grandes defensores da arte contemporânea –, mas sim a emergência da era póshistórica. Se antes as narrativas (discursos) de Giorgio Vasari (a da pintura representativa tradicional, do Renascimento ao Impressionismo) e de Clement Greenberg (a do modernismo, da década de 1880 à abstração norte-americana do pósguerra) regulavam as práticas artísticas, tornando-se modelos teóricos que definiam o que era considerado qualidade em arte, na contemporaneidade não há narrativas legitimadoras, não há discursos predominantes – apesar de que a própria tese de Danto pode ser vista como um discurso com pretensão de substituir os anteriores. Em termos metodológicos, o autor afirma que “da mesma forma que o ‘moderno’ veio a denotar um estilo e mesmo um período, e não apenas arte recente, ‘contemporâneo’ passou a designar algo mais do que simplesmente a arte do momento presente.” Para ele, o termo “designa menos um período do que o que acontece depois que não há mais períodos em alguma narrativa mestra da arte, e menos um estilo de fazer arte do que um estilo de usar estilos.”21 Então, o termo arte contemporânea implica uma construção histórica (ele tem sua historicidade), designando uma arte que nasce dentro de certa estrutura de produção, caracterizada por grande liberdade estética, a partir do momento em que nenhum parâmetro (principalmente visual) se mostra predominante, ou seja, é capaz de apresentar-se como definidor do que seja ou não uma obra de arte.22 20 DANTO, Arthur C. Após o fim da arte: a arte contemporânea e os limites da história [1996]. Tradução de Saulo Krieger. São Paulo: Odysseus: Edusp, 2006, p. xvi. Nessa citação há uma referência a Filosofia da História, de Hegel, para quem nem todos os povos eram históricos. Cf.: HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Filosofia da História [1837]. Tradução de Maria Rodrigues e Hans Harden. Brasília: Ed. da UNB, 1995. 21 22 Id. Introdução: moderno, pós-moderno e contemporâneo. Ibid., pp. 12-13. [Grifo no original] Desse modo, no que se refere às aparências, tudo poderia ser considerado uma obra de arte, tornando-se possível pensar a questão da natureza filosófica da arte no âmbito da própria história da arte. É quando a tese de Danto encontra sintonia com a de Hegel, expressa na Estética: “A arte, considerada em sua vocação mais elevada, é e permanece para nós coisa do passado. Com isso, para nós ela perdeu verdade e vida genuínas, tendo sido transferida para nossas ideias em vez de manter a [o] seu destino primeiro na realidade e ocupado o seu lugar mais elevado. O que agora é estimulado em nós por obras de arte não é apenas a satisfação imediata, mas também o nosso julgamento, uma vez que submetemos à nossa consideração intelectual (i) o conteúdo da arte, e (ii) os meios de apresentação da obra de arte, e a adequação ou inadequação de um ao outro. A filosofia da arte é, por essa razão, uma necessidade maior em nosso dias do que o fora nos dias em que a arte por si só produzia uma completa satisfação. A arte nos convida a uma consideração intelectual, e isso não com a finalidade de criar arte novamente, mas para conhecer filosoficamente o que a arte é.” HEGEL, G. W. F. apud DANTO, Arthur C. Três décadas após o 233 A distinção entre arte moderna e contemporânea, de que nos fala Danto, só se tornou clara a partir de meados da década de 1970. A historiadora Catherine Millet define que arte contemporânea “é uma arte que explora novos campos de criação, tendo em conta os conhecimentos adquiridos das nossas civilizações, ou que renova formas de expressão artística existentes, levando mais longe a reflexão.”23 Os primeiros a constatar essa diferenciação teriam sido os conservadores de museu, convivendo entre a ambiguidade de assegurar a perenidade das coisas e conviver com uma arte que se alimentava a partir da noção de processo. Assim, a arte contemporânea, como uma prática, altera os modos de conservação, o espaço expositivo, a recepção do público, a relação com a crítica; ela obriga a modificação de todas as instâncias, de todas as relações do campo fenomênico da arte. Como é uma prática gerada no seio da produção artística, em teoria, seria o campo da crítica de arte o primeiro a constatar tais transformações. No caso de Danto, fica nítida sua experiência primeira como crítico de arte, através de seu confronto com as Brillo Boxes de Andy Warhol, na Stable Gallery, em 1964, como exemplo. O depoimento a seguir reforça que a assimilação das transformações no sistema de arte se dá primeiro no confronto da crítica de arte com a produção contemporânea, para só depois ser articulado e transformado em discurso historiográfico: Um dos aspectos mais importantes no falar sobre arte para mim foi a proximidade com Nova York e com sua cena artística. Se esse período foi muito importante para a arte, foi também favorável à teoria da arte, porque em nenhuma outra época houve uma arte que se prestasse tão bem a ser traduzida em uma filosofia e que abrisse flanco à possibilidade de se compor um estudo teórico.24 A outra face da retórica historiográfica relacionada à ideia de “fim”, contudo, nasce de uma observação distanciada, pois Hans Belting não exerce sua prática propriamente como crítico de arte, mas sim como historiador da arte e da imagem. Em 1983, escreve Das ende der Kunstgeschichte? [O fim da história da arte?], desenvolvido como aula inaugural de um curso ministrado em Munique. No prefácio da edição inglesa do livro ele argumenta: O que se encontra seriamente em questão é essa concepção de uma ‘história da arte’ universal e unificada a qual serviu por tanto tempo, de diferentes maneiras, a ambos, artistas e historiadores da arte. Artistas hoje frequentemente recusam-se em absoluto a participar de uma história da arte em andamento. Fazendo isso eles se separaram de uma tradição de pensamento a qual foi afinal de contas iniciada por um artista, Giorgio Vasari, e de diversas maneiras para artistas, uma tradição que os proveu com um programa comum. Historiadores da arte apareceram em cena somente bem mais tarde. Hoje eles ou aceitam o modelo de história o qual eles não inventaram fim da arte. Op. cit., p. 35. [Grifo no original] Os cursos de Estética de Hegel foram proferidos entre 1823 e 1829 e as anotações de seus alunos foram publicadas em 1835, após a morte do filósofo. 23 MILLET, Catherine. A arte contemporânea [1997]. Tradução de Joana Chaves. Lisboa: Instituto Piaget, s.d., p. 9. 24 DANTO, Arthur C. Arte sem paradigma [1994]. In: Arte & Ensaios, Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, EBA-UFRJ, Rio de Janeiro, ano VII, n. 7, p. 199, 2000. 234 ou afastam-se da tarefa de estabelecer um novo modelo por incapacidade. Ambos, artistas e historiadores da arte, têm perdido a fé no processo racional, teleológico, da história artística, um processo a ser carregado por um e descrito por outro.25 O modernismo inicia um processo de modificação dos parâmetros da história da arte, uma vez que as vanguardas, ao repudiarem a tradição, criaram um divisor de águas entre uma história pré-moderna e outra moderna. Porém essas duas histórias da arte poderiam ser conduzidas conjuntamente, através de uma mudança de fronteira entre a arte e a cultura, ou seja, através do questionamento da suposta autonomia estética da arte, já colocada em xeque por muitos artistas no século XX. Nesse sentido, Belting argumenta que a história da arte deveria prestar mais atenção para a arte do seu próprio tempo, reexaminando sua prática em relação à arte como um todo. Torna-se, enfim, importante que o historiador procure atuar como um crítico de arte, no sentido amplo da expressão. Enfim, o historiador alemão reforça a necessidade de mudança metodológica e o fato de que ao refletir sobre a obsolescência da história da arte não pretende professar o fim dessa disciplina, mas sim emancipá-la de modelos recebidos da apresentação histórica da arte, modelos na maior parte variantes da história dos estilos, em que a arte é vista possuindo valores autônomos. O velho antagonismo entre arte e vida é recusado por Belting, o que, segundo ele, possibilita o aparecimento de novas problemáticas para a história da arte. Do mesmo modo que Danto desenvolve sua teoria posteriormente, Belting revê, reescreve e amplia seu antigo texto, publicando-o com o título O fim da história da arte: uma revisão dez anos depois (1995). Se na década de 80 ainda havia uma interrogação no título, salientando o cuidado do teórico no levantamento de uma hipótese de investigação, na seguinte, a tese referente ao “fim” já é uma afirmativa.26 Reforçando ainda mais o equívoco ocidental de um pretenso universalismo da história da arte, o historiador desenvolve uma arqueologia da disciplina, identificando seus discursos dominantes em contraposição com o problema colocado pelo discurso sobre o fim de um projeto (prólogo). Para Belting, a disciplina, no sentido tradicional, estava voltada para a apreensão do “significado de uma imagem” (o acontecimento artístico), a partir da “compreensão 25 BELTING, Hans. The end of the History of Art?, prefácio da edição em língua inglesa (1987). In: FERNIE, Eric (ed.). Art History and its methods: a critical anthology. London: Phaidon Press, 1995, p. 293. [Grifos no original] Tradução livre a partir da versão em língua inglesa. Em texto posterior, o historiador afirma que “A pós-história do artista, assim quero concluir, começou mais cedo e desenvolveu-se de maneira mais criativa do que a pós-história do pensador da arte.” BELTING, Hans. O fim da história da arte: uma revisão dez anos depois [1995]. Tradução de Rodnei Nascimento. São Paulo: Cosac Naify, 2006, p. 12. 26 “O que naquela época era ainda uma pergunta tornou-se certeza para mim nos últimos anos. (...) Certas coisas que queria dizer naquela época, só hoje consigo fundamentar de maneira satisfatória.” Ibid., pp. 9-10. 235 de um enquadramento” (a história escrita da arte), estando em concordância com os parâmetros também evidentes na produção artística tradicional. Nesse sentido, “a arte se ajustou ao enquadramento da história da arte tanto quanto esta se adequou a ela.”27 Porém, a partir do momento em que as imagens tornaram-se fragmentadas e dissolvidas no contexto cultural – contexto esse da arte contemporânea –, gerando uma dificuldade de ‘enquadramento’ (de sistematização), o discurso historiográfico da arte também teve de ser modificado. O objeto a ser apreendido teoricamente (o da arte contemporânea) já não consegue mais se adequar aos métodos tradicionais de análise. Essa mudança de abordagem historiográfica, por sua vez, passa a ser extensível à arte produzida em todos os períodos. Uma das diferenciações mais evidentes entre os métodos historiográficos tradicionais e as novas formas de enquadramento da história da arte estaria no papel desenvolvido pelos “comentários sobre a arte”, ou seja, nos escritos dos críticos e dos próprios artistas. Segundo Belting, A relação do comentário sobre arte com a obra de arte é abordada no problema do método. O comentário sobre arte sempre quis abolir a sua diferença com a obra e colocar a si mesmo no lugar dela, ou seja, sempre aspirou a uma relação mimética com a obra – o comentário como arte.28 Desse modo, o discurso crítico torna-se um dos paradigmas para essa nova história da arte, não mais abrangida pelas narrativas totalizantes (história dos estilos), mas concebida por discursos também fragmentados: a história da arte passa a nutrir-se do comentário como possibilidade plural de renovação da disciplina. Nesse processo, é importante perceber o real papel da crítica: Comentários que acompanham o acontecimento artístico perseguem um propósito diferente dos textos históricos, que olham em retrospectiva para o acontecimento. Estes conferem ao acontecimento um sentido atual, ao passo que aqueles um sentido histórico: são esses outros textos que querem assegurar ao leitor que, o que quer que tenha acontecido, aconteceu exatamente como eles o descrevem e teve o sentido daquilo que chamam de história da arte. Percebe-se aos poucos, de maneira particularmente divertida, que as mesmas pessoas primeiro escrevem o comentário e depois – com o devido distanciamento temporal – os textos históricos nos quais utilizam os comentários daquela época ou, muito simplesmente, valorizam suas próprias recordações como material de história da arte. “Lembro-me de que era assim e não de outro modo.” Fato, informação e interpretação tornam-se uma única coisa e os autores utilizam, aliás, exatamente como os artistas, o seu próprio material de pesquisa.29 Novamente temos a constatação da importância da crítica de arte (incluído os escritos de artistas) como primeira etapa teórica no processo de construção da nova 27 Ibid., p. 8. 28 O comentário de arte como problema da história da arte. In: Ibid., p. 36. [Grifos no original] 29 Ibid., p. 40. 236 história da arte (prefácio). O comentário, segundo Foucault, é a prática que permite construir novos discursos, uma vez que sua função é possibilitar que aquilo que estava articulado silenciosamente transforme-se em texto primeiro, ou seja, em discurso legitimado.30 Como o campo da crítica de arte supostamente goza de uma liberdade maior, a prática do comentário é mais comum do que no campo da história da arte, uma vez que este último demora mais tempo para assimilar as mudanças de discurso. Os posicionamentos afins de Danto e Belting não são fruto do acaso, mas de uma mudança cultural, em sentido amplo. É possível perceber que há um ponto nodal entre os anos 60 e 70 que define uma série de transformações no campo da produção de arte, da crítica e um pouco mais tardiamente no da história da arte. Essa mudança pode ser chamada de condição pós-moderna.31 Segundo Jean-François Lyotard, principal pensador do pós-modernismo, “considera-se ‘pós-moderna’ a incredulidade em relação aos metarrelatos.”32 Assim, a condição pós-moderna caracteriza-se pela falência dos grandes discursos definidores da natureza histórica do Homem ocidental, interpretações teóricas de larga escala pretensamente de aplicação universal e que têm sua base no Iluminismo. A emergência das sociedades pós-industriais, a partir do segundo pós-guerra, baseadas na produção, análise e transferência de conhecimento através das redes de informática e comunicação, contribuiu para gerar mudanças no estatuto do saber, provocando a crise nos dispositivos de legitimação. Esta relação entre fornecedores e usuários do conhecimento e o próprio conhecimento tende e tenderá a assumir a forma que os produtores e os consumidores de mercadorias têm com estas últimas, ou seja, a forma valor. O saber é e será produzido para ser vendido, e ele é e será consumido para ser valorizado numa nova produção: nos dois casos, para ser trocado. Ele deixa de ser para si mesmo seu próprio fim; perde o seu “valor de uso”.33 Assim, o pós-modernismo seria a base filosófica, mas também cultural, na qual Danto e Belting construíram seus constructos teóricos, desconstruindo noções como “arte” e “história da arte” – até então tidas como universais –, para reconfigurá-las a partir de novas relações. Velhos discursos são substituídos por novos. Mas esse não 30 Foucault, Michel. A ordem do discurso. Op. cit.: 24-25. 31 Nesse contexto, o pós-modernismo se define entre 1968 e 1972: em um extremo está Maio de 68, no embalo de uma série de outros movimentos da contracultura da década de 60, como “arauto cultural e político”; do outro, a implosão do outrora premiado projeto de habitação Pruitt-Igoe, nos Estados Unidos, exemplo de arquitetura modernista, e a publicação do livro Learning from Las Vegas [Aprendendo com Las Vegas], de Robert Venturi, que questiona os paradigmas universalizantes daquela vertente de arquitetura. 32 LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna [1979]. Tradução de Ricardo Corrêa Barbosa. 6ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2000, p. xvi. 33 Ibid., p. 5. 237 seria o único aspecto do pós-modernismo que embasaria a produção historiográfica e, sobretudo, da crítica de arte na década de 1980. A herança modernista constituiu-se como um passado a ser enfrentado, mesmo que o enfoque maior estivesse nos acontecimentos do presente. David Harvey investiga as diferenças entre o pós-modernismo e o modernismo com o objetivo de melhor compreender a relação entre ambos: um, de modo geral, é visto como positivista, tecnocêntrico e racionalista, identificado com a crença no progresso linear, nas verdades absolutas, no planejamento racional de ordens sociais ideais, e com a padronização de conhecimento e da produção. Já o outro privilegia a heterogeneidade, a diferença, a fragmentação, a indeterminação e a intensa desconfiança em todos os discursos totalizantes. Contudo, se o pós-modernismo realmente é uma reação ao modernismo, Harvey explicita que não a todo ele, mas sim a sua configuração final, chamada de alto modernismo.34 O autor salienta que: A arte, a arquitetura, a literatura etc. do alto modernismo tornaram-se artes e práticas do establishment numa sociedade em que uma versão capitalista corporativa do projeto iluminista de desenvolvimento para o progresso e a emancipação humana assumira o papel de dominante político-econômica. A crença “no progresso linear, nas verdades absolutas e no planejamento racional de ordens sociais ideais” sob condições padronizadas de conhecimento e de produção era particularmente forte. Por isso, o modernismo resultante era “positivista, tecnocêntrico e racionalista”, ao mesmo tempo que era imposto como a obra de uma elite de vanguarda formada por planejadores, artistas, arquitetos, críticos e outros guardiães do gosto refinado.35 Assim, um modernismo despolitizado, absorvido pela ideologia oficial e estabelecida, detentor do bom-gosto, e fruto da sociedade norte-americana do pósguerra, passou rapidamente do “nacionalismo para o internacionalismo e, deste, para o universalismo”.36 Identificada a relação, Harvey argumenta: creio que os pós-modernistas exageram quando descrevem o moderno de maneira grosseira, quer caricaturando todo o movimento modernista a ponto de, como o próprio [Charles] Jencks admite, “acusar a arquitetura moderna de se ter tornado uma forma de sadismo que está ficando fácil demais”, quer isolando uma tendência do modernismo (althusserianismo, brutalismo moderno ou seja o que for) para criticar como se fosse todo o movimento. (...) há mais continuidade do que diferença entre a ampla história do modernismo e o movimento denominado pós-modernismo. 34 Aliás, seria errôneo estabelecer o modernismo como um bloco uniforme e homogêneo: ele mesmo é atravessado por discursos plurais, que ora assumiram posições mais próximas do racionalismo iluminista, ora afastaram-se, assumindo um pensamento transitório e fragmentado, baseado na experimentação e na ação política. Cf.: HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural [1989]. Tradução de Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. 14ª ed. São Paulo: Loyola, 2005. 35 36 Ibid., p. 42. GUILBAUT, Serge [How New York stole the idea of modern art; 1983] apud HARVEY, David. Ibid., p. 43. 238 Parece-me mais sensível ver este último como um tipo particular de crise do primeiro, uma crise que enfatiza o lado fragmentário, efêmero e caótico da formulação de Baudelaire (o lado que Marx disseca tão admiravelmente como parte integrante do modo capitalista de produção), enquanto exprime um profundo ceticismo diante de toda prescrição particular sobre como conceber, representar ou exprimir o eterno e imutável.37 Assim, torna-se importante analisar as rupturas entre o discurso crítico moderno e o contemporâneo, as descontinuidades, mas também identificar que discursos se mantiveram, seja de modo evidente, seja à margem da escritura contemporânea. A passagem dos anos 60 para os 70 ficou marcada pela crise da Teoria Modernista como paradigma para pensar a arte. Outros critérios (1968-72), escrito por Leo Steinberg, sintomaticamente colocava em questão o discurso de Clement Greenberg, explicitando a necessidade de mudanças no julgamento crítico, a partir das próprias transformações ocorridas na arte e em seu sistema.38 A impossibilidade de manutenção dos critérios estéticos fixos da crítica modernista (forma significativa, meio, especificidade, vanguarda, qualidade, autonomia, etc.), em detrimento da arte que se produzia no período (neo dada, pop arte, minimalismo, happening, land art, arte conceitual e processual, etc.), contribuiu para a ruptura com tais paradigmas, principalmente por parte de um grupo de jovens críticos norte-americanos que começaram a desenvolver uma aproximação com a chamada teoria francesa ou pós-estruturalismo, cujas principais referências eram Michel Foucault, Roland Barthes, Jaques Derrida e Gilles Deleuze. Para uma arte que cada vez mais questiona o sentido de autonomia, próprio do Iluminismo, preocupada em se dissolver na vida e a atuar como prática política e social, os métodos da crítica formalista já não eram adequados, devendo ser abandonados, ou então, reavaliados.39 Assim, em detrimento da noção de meio, cara ao modernismo, emerge a de linguagem, metodologicamente reforçando as intersecções que a crítica de arte fará com outros campos (interdisciplinaridade), tais como a filosofia, a lingüística, a sociologia, a antropologia. Essa inversão baseia-se no processo de proliferação das mídias eletrônicas (meios de comunicação de massa), modificando os hábitos e a percepção espaçotemporal da realidade através da proliferação de imagens (simulacro), bem como na maior inserção dessa tecnologia no campo da produção de arte (fotografia, video art, mail art, xerox, computer art). A teoria da informação e a semiótica ofereceram um novo repertório de conceitos a serem aplicados na crítica de arte, tanto em relação à fotografia e ao vídeo, quanto à pintura e ao desenho. Muitas manifestações pósmodernas encontrarão referências em movimentos modernos outrora rechaçados pelo 37 Ibid., p. 110-111. 38 STEINBERG, Leo. Outros critérios: confrontos com a arte do século XX [1972]. Tradução de Célia Euvaldo. São Paulo: Cosac Naify, 2008. 39 Como marco dessa ruptura há a polêmica entre Clement Greenberg e Rosalind Krauss, durante a década de 70, iniciada a partir dos diferentes posicionamentos dos dois críticos em relação ao desgaste ocorrido nas esculturas de David Smith, falecido em 1965. Cf.: RUBENFELD, Florence. Icarus in the Art World. In: _____. Clement Greenberg: a life. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2004. 239 discurso modernista (dadaísmo e surrealismo, por exemplo), dando início a uma reavaliação histórica dos modernos. Essa expansão dos meios de comunicação e das ditas “novas tecnologias” irá dar início a um fenômeno de diminuição das distâncias geográficas e culturais, ora esgarçando, ora reforçando as fronteiras ideológicas e regionais, seja de cunho cultural, ou econômico-político. Esse fenômeno será chamado posteriormente de globalização. O processo coloca em xeque a separação entre cultura de massas e cultura de vanguarda, cara à formação elitista do alto modernismo, bem como os alicerces da concepção de identidade do Ocidente, construída com a dominação colonialista e a hegemonia capitalista, gerando duas correntes distintas: o orientalismo, pela via europeia, e o multiculturalismo, pela norte-americana. As culturas periféricas, assim como as minorias sociais e políticas, começam a se impor social e culturalmente, modificando a relação da arte com a sociedade. Antropologia e sociologia fornecem parâmetros para repensar os métodos da história e da crítica de arte, questionando a autonomia artística e reconsiderando o fenômeno artístico a partir de processos sócio-culturais. A fragmentação e a instabilidade dos discursos conduzem a certa concepção de personalidade calcada no conceito de esquizofrenia. A partir da descrição de Lacan, em que esquizofrenia define-se como um agregado de significantes distintos e não relacionados entre si, Fredric Jameson utiliza o termo para caracterizar o pósmodernismo, em última instância, como lógica cultural do capitalismo tardio, identificando que a produção cultural tornou-se integrada com a produção de mercadorias em geral, redefinindo hábitos e atitudes de consumo, bem como o papel das intervenções e definições estéticas. Tese essa explicitada na década de 1970 na relação entre capitalismo e esquizofrenia desenvolvida no livro O anti-Édipo (1972), por Gilles Deleuze e Felix Guattari. Segundo eles, o mundo surge diante do esquizofrênico com uma intensidade ampliada, despertando o interesse pela imagem, a aparência, o espetáculo, o imediatismo dos eventos, rompendo com a ordem temporal ao estimular o abandono do sentido de continuidade e memória histórica (anti-historicismo).40 Nesse contexto, a crítica começa a tratar a arte como fenômeno global, a partir da expansão do sistema de arte e das mudanças no mercado: as economias capitalistas passam a investir grandes dividendos na cultura, gerando um mercado nunca antes visto na história. Se por um lado temos a proliferação dos museus e dos centros culturais através do mundo, das mostras temporárias e das grandes exibições, acompanhando a ascensão do papel dos curadores, das galerias e feiras de arte, promovendo a circulação e consumo da arte contemporânea, por outro, há o impasse ético, uma vez que a cultura passa a ser vista como mercadoria, exigindo um posicionamento político dos críticos de arte em relação a sua prática e ao sistema de arte. 40 JAMESON, Fredric. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio [1991]. São Paulo: Ática, 1996; DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. O anti-Édipo [1972]. Rio de Janeiro: Imago, 1976. 240 Assim, reforçamos nossa hipótese de que o discurso crítico contemporâneo, por estar mais afeito às mudanças e a variação de discursos frente a mudança cultural do pós-modernismo, torna-se o ponto de partida (prefácio) para a desconstrução das narrativas mestras da arte (prólogo) e constituição de uma nova historiografia da arte. Críticos como Hal Foster, Rosalind Krauss, Yve-Alain Bois e Benjamin Buchloh, atuantes em torno da revista October, para citarmos um exemplo, primeiramente definiram sua compreensão teórica a partir da prática da crítica de arte para só depois enveredarem para o campo da história da arte. Em 2004 publicaram conjuntamente Art since 1900: modernism, antimodernism, posmodernism, um estudo historiográfico sobre a arte do século XX, fruto de suas experiências, sobretudo, durante as décadas de 1970 e 80.41 Por fim, resta-nos algumas indagações: se isso pode ser identificado no contexto norte-americano/europeu, como explicar a situação brasileira? Se o Brasil ainda é uma economia periférica e ainda carece de relações mais duradoras no campo da cultura e da arte, especificamente, qual é a relação da crítica de arte na construção de uma historiografia da arte brasileira? Que características teria essa história no contexto da contemporaneidade? Como fazer com que essa historiografia não seja apenas mais um constructo que reforce nossa condição marginal no contexto artístico mundial? Por outro lado, por que as estruturas contextuais e as pesquisas recentes de história da arte ainda excluem a arte brasileira de seu campo de análise?42 São indagações que merecem investigação; trabalho que apenas se inicia aqui. 41 FOSTER, Hal; KRAUSS, Rosalind; BOIS, Yve-Alain; BUCHLOH, Benjamin. Art since 1900: modernism, antimodernism, posmodernism. London: Thames and Hudson, 2004. 42 A historiadora da arte Glória Ferreira reforça que apesar de muitos artistas brasileiros terem realizado mostras individuais e retrospectivas em grandes centros culturais, participarem de mostras temporárias diversas e terem sido incorporados em importantes coleções internacionais, gerando debate entre críticos, artistas e historiadores, o quadro da arte brasileira no contexto da história da arte não é alterado. Cf.: FERREIRA, Glória. Capítulos à parte. In: Arte & Ensaios, Revista do Programa de PósGraduação em Artes Visuais, EBA-UFRJ, Rio de Janeiro, ano XIV, n. 14, edição especial, 2007. 241 ANEXOS II – Tabelas Lista de exposições nacionais e internacionais dos e sobre os anos 1980 1977 Pictures Local: Artists Space – New York/EUA Data: 24/09 a 29/10/1977 Curadoria: Douglas Crimp (Idaho/EUA, 1944) Texto: “Pictures” (Douglas Crimp) Artistas participantes: 5 Jack Goldstein (Montreal/Canadá, 1945) Philip Smith Robert Longo (New York/EUA, 1953) Sherrie Levine (Hazleton/EUA, 1947) Troy Brauntuch (Jersey City/EUA, 1954) 1980 Die Neuen Wilden / Les Nouveaux Fauves Local: Neue Galerie / Sammlung Ludwig – Aachen, Alemanha Data: 19/01 a 21/03/1980 Curadoria: Wolfgang Becker (Hannover/Alemanha, 1936) Texto: “Die Neuen Wilden / Les Nouveaux Fauves” (Wolfgang Becker) Artistas participantes: 11 A. R. Penck (Dresden/Alemanha, 1939) Anselm Kiefer (Donaueschingen/Alemanha, 1945) Claude Viallat (Nîmes/França, 1936) Georg Baselitz (Deutschbaselitz/Alemanha, 1938) Joyce Kozloff (Somerville/EUA, 1942) Kim MacConnel (Oklahoma City/EUA, 1946) Louis Cane (Beaulieu-sur-Mer/França, 1943) Markus Lüpertz (Reichenberg/Alemanha, 1941) Miriam Schapiro (Toronto/Canadá, 1923) Robert Kushner (Pasadena/EUA, 1949) Simon Hantaï (Bia/Hungria, 1922 – Paris/França, 2008) Aperto’80 – Biennale di Venezia La Biennale : arti visive`80 Local: Magazzini del Sale, alle Zattere – Venezia/Itália Data: 10/05/1980 Curadoria: Achille Bonito Oliva (Caggiano/Itália, 1939) e Harald Szeemann (Berne/Suíça, 1933 – Tegna/Suíça, 2005) Textos: “Aperto 80” (Achille Bonito Oliva) e “Aperto 80 / Open 80 / Ouvert 80/ Offen 80” (Harald Szeemann) Artistas participantes: *** lista parcial 242 Enzo Cucchi (Morro d'Alba/Itália, 1949) Ernesto Tatafiore (Nápoles/Itália, 1943) Francesco Clemente (Nápoles/Itália, 1952) Ingeborg Lüscher (Freiberg/Alemanha, 1936) Leonard McComb (Glasgow/Escócia, 1930) Martin Disler (Seewen/Suíça, 1949 – Geneva/Suíça, 1996) Martine Aballéa (New York/EUA, 1950) Michael Buthe (Sonthofen/Alemanha, 1944 – Bonn/Alemanha, 1994) Mimmo Germanà (Catania/Itália, 1944 – Milão/Itália, 1992) Mimmo Paladino (Paduli/Itália, 1948) Nicola De Maria (Foglianise/Itália, 1954) Robert Kushner (Pasadena/EUA, 1949) Robert Zakanitch (Elizabeth/EUA, 1935) Roger Ackling (London/Inglaterra, 1947) Sandro Chia (Firenze/Itália, 1946) Susan Rothenberg (Buffalo/EUA, 1945) Tony Cragg (Liverpool/Inglaterra, 1949) 1981 A New Spirit in Painting Local: Royal Academy of Arts – Londres, Inglaterra Data: 15/01 a 18/03/1981 Curadoria: Christos M. Joachimides (Atenas/Grécia, 1932), Nicholas Serota (London/Inglaterra, 1946) e Norman Rosenthal (Cambridge/Inglaterra, 1944) Textos: “Preface” (Christos M. Joachimides, Nicholas Serota, Norman Rosenthal) e “A new spirit in painting” (Christos M. Joachimides) Artistas participantes: 38 A. R. Penck (Dresden/Alemanha, 1939) Alan Charlton (Sheffield/Inglaterra, 1948) Andy Warhol (Pittsburgh/EUA, 1928 – New Jersey/EUA, 1987) Anselm Kiefer (Donaueschingen/Alemanha, 1945) Balthus (Paris/França, 1908 – Rossinière/Suíça, 2001) Bernd Koberling (Berlin/Alemanha, 1938) Brice Marden (Bronxville/EUA, 1938) Bruce MacLean (Glasgow/Escócia, 1944) Cy Twombly (Lexington/EUA, 1928 – Roma/Itália, 2011) David Hockney (Bradford/Inglaterra, 1937) Dieter Hacker (Augsburg/Alemanha, 1942) Francis Bacon (Dublin/Irlanda, 1909 – Madrid/Espanha, 1992) Frank Auerbach (Berlin/Alemanha, 1931) Frank Stella (Marden/EUA, 1936) Gerhard Richter (Dresden/Alemanha, 1932) Georg Baselitz (Deutschbaselitz/Alemanha, 1938) Gotthard Graubner (Erlbach/Alemanha, 1930) Howard Hodgkin (London/Inglaterra, 1932) Jannis Kounellis (Piraeus/Grécia, 1936) Jean Hélion (Couterne/França, 1904 – Paris/França, 1987) Julian Schnabel (New York/EUA, 1951) K. H. Hödicke (Nuremberg/Alemanha, 1938) Lucian Freud (Berlin/Alemanha, 1922 – London/Inglaterra, 2011) Malcolm Morley (London/Inglaterra, 1931) Mario Merz (Milan/Itália, 1925 – Turin/Itália, 2003) Markus Lüpertz (Reichenberg/Alemanha, 1941) Mimmo Paladino (Paduli/Itália, 1948) Pablo Picasso (Málaga/Espanha, 1881 – Mougins/França, 1973) Per Kirkeby (Copenhagen/Dinamarca, 1938) 243 Philip Guston (Montreal/Canadá, 1913 – Woodstock/EUA, 1980) Pier Paolo Calzolari (Bologna/Itália, 1943) R. B. Kitaj (Chagrin Falls/EUA, 1932 – Los Angeles/EUA, 2007) Rainer Fetting (Wilhelmshaven/Alemanha, 1949) Robert Ryman (Nashville/EUA, 1930) [Roberto] Matta (Santiago/Chile, 1911 – Civitavecchia/Itália, 2002) Sandro Chia (Firenze/Itália, 1946) Sigmar Polke (Oels/Alemanha, 1941 – Köln/Alemanha 2010) Willem de Kooning (Rotterdam/Holanda, 1904 – East Hampton/EUA, 1997) Baroques 81 Local: ARC, Musée d’Art moderne da la ville de Paris – Paris, França Data: 01/10 a 21/11/1981 Curadoria: Catherine Millet (Bois-Colombes/França, 1948) Texto: “Introduction” (Suzanne Pagé), “Les débordements d’une avant-garde internationale” (Catherine Millet) e “Un art monstre” (Severo Sarduy) Artistas participantes: 33 Antonio Semeraro (Tarente/Itália, 1947) Bernar Venet (Château-Arnoux-Saint-Auban/França, 1941) Christian Bonnefoi (Salindre dans le Gard/França, 1948) Claude Viallat (Nîmes/França, 1936) David Stoltz (New York/EUA, 1943) Dominique Gauthier (Issoudun/França, 1960) Don Hazlitt (Stockton/EUA, 1948) Enzo Esposito (Benevento/Itália, 1946) Erik Dietman (Jönköping/Suécia, 1937 – Paris/França, 2002) Francesco Clemente (Nápoles/Itália, 1952) François Rouan (Montpellier/França, 1943) Jean-Luc Vilmouth (Creutzwald/França, 1952) Jean-Yves Langlois (Brest/França, 1946) Jennifer Bartlett (Long Beach/EUA, 1941) Joel Kermarrec (Ostende/Bélgica, 1939) John Walker (Birmingham/Inglaterra, 1939) Jonathan Borofsky (Boston/EUA, 1942) Julian Schnabel (New York/EUA, 1951) Louis Cane (Beaulieu-sur-Mer/França, 1943) Louis Chacallis (Nice/França, 1943) Luciano Castelli (Lucerne/Suíça, 1951) Michael Buthe (Sonthofen/Alemanha, 1944 – Bonn/Alemanha, 1994) Mimmo Paladino (Paduli/Itália, 1948) Nino Longobardi (Napoli/Itália, 1953) Pat Steir (Newark/EUA, 1940) Paul Neagu (Bucuresti/Romênia, 1938 – London/Inglaterra, 2004) Peter Briggs (Gillingham/Inglaterra, 1950) Robert Zakanitch (Elizabeth/EUA, 1935) Ron Gorchov (Chicago/EUA, 1930) Salome (Karlsruhe/Alemanha, 1954) Sigmar Polke (Oels/Alemanha, 1941 – Köln/Alemanha 2010) Stephen Buckley (Leicester/Inglaterra, 1944) Terry Setch (London/Inglaterra, 1936) 1982 Documenta 7 Local: Museum Fridericianum, Orangerie, Neue Galerie, Karlsaue – Kassel, Alemanha Data: 19/06 a 28/09/1982 Curadoria: Rudi Fuchs (Eindhoven/Holanda, 1942) 244 Curadoria Adjunta: Coosje van Bruggen (Groningen/Holanda, 1942 – Los Angeles/ EUA, 2009), Germano Celant (Genova/Itália, 1940), Johannes Gachnang (Zurich/ Suíça, 1939 – Berne/Suíça, 2005) e Gerhard Storck Textos: “Essai” (Rudi Fuchs), « Tradition and the Individual Talent” (T. S. Eliot), “In the Mist Things Appear Larger” (Coosje van Bruggen) e “A Visual Machine: Art Installation and its Modern Archetypes” (Germano Celant) Artistas participantes: 183 + coletivo A. A. Bronson [General Idea] (nome orig.: Michael Tims | Vancouver/Canadá, 1946) A. R. Penck (Dresden/Alemanha, 1939) Abraham David Christian (Düsseldorf/Alemanha, 1952) Alan Charlton (Sheffield/Inglaterra, 1948) Albert Hein (München/Alemanha, 1956) Alberto Burri (Città di Castello/Itália, 1915 – Nice/França, 1995) Alighiero Boetti (Turin/Itália, 1940 – Roma/Itália, 1994) Anatol (nome original: Karl Heinz Herzfeld | Tschernjachowsk/Rússia, 1931) Andy Warhol (Pittsburgh/EUA, 1928 – New Jersey/EUA, 1987) Anselm Kiefer (Donaueschingen/Alemanha, 1945) Antonio Violetta (Crotone/Itália, 1953) Antonius Höckelmann (Oelde/Alemanha, 1937 – Köln/Alemanha, 2000) Armando [Zero-group] (nome original: Herman Dirk van Dodeweerd | Amsterdam/Holanda, 1929) Arnulf Rainer (Baden/Áustria, 1929) Art & Language [coletivo] (1967-) Barbara Kruger (Newark/EUA, 1945) Barbara Schmidt-Heins (Rellingen/Alemanha, 1949) Barry Flanagan (Prestatyn/País de Gales, 1941) Barry Le Va (Long Beach/EUA, 1941) Bern Becher [Bern&Hilla Becher] (Siegen/Alemanha, 1931 – Rostock/Alemanha, 2007) Bernhard Leitner (Feldkirch/Áustria, 1938) Bertrand Lavier (Châtillon-sur-Seine/França, 1949) Boyd Webb (Christchurch/Nova Zelândia, 1947) Brett de Palma (Lexington/EUA, 1949) Bruce MacLean (Glasgow/Escócia, 1944) Bruce Nauman (Fort Wayne/EUA, 1941) Carl Andre (Quincy/EUA, 1935) Carlo Maria Mariani (Roma/Itália, 1931) Christian Lindow (Altenburg/Alemanha, 1945 – Berne/Suíça, 1990) Cindy Sherman (Glen Ridge/EUA, 1954) Claes Oldenburg (Stockholm/Suécia, 1929) Claude Rutault (Viena/Áustria, 1941) Cy Twombly (Lexington/EUA, 1928 – Roma/Itália, 2011) Dan Graham (Urbana/EUA, 1942) Daniel Buren (Boulogne-Billancourt/França, 1938) Dara Birnbaum (New York/EUA, 1946) David Rabinowitch (Toronto/Canada, 1943) David Salle (Norman/EUA, 1952) Donald Judd (Excelsior Springs/EUA, 1928 – New York/EUA, 1994) Ed Ruscha (Omaha/EUA, 1937) Edward Dwurnik (Radzymin/Polônia, 1943) Elvira Bach (Neuenhain/Alemanha, 1951) Emilio Vedova (Venezzia/Itália, 1919) Enzo Cucchi (Morro d'Alba/Itália, 1949) Eric Orr (Covington/EUA, 1939) Erwin Gross (Alemanha, 1953) Ettore Spalletti (Cappelle sul Tavo/Itália, 1940) Felix Droese (Singen/Alemanha, 1950) Felix Partz [General Idea] (nome original: Ronald Gabe | Winnipeg/Canadá, 1945 – Toronto/Canadá, 1994) Francesco Clemente (Nápoles/Itália, 1952) 245 Frank van Hemert (Kerkrade/Holanda, 1956) Franz Erhard Walther (Fulda/Alemanha, 1939) Gabriele Schmidt-Heins (Rellingen/Alemanha, 1949) Gerhard Meerz (Alemanha, 1947) Gerhard Richter (Dresden/Alemanha, 1932) Georg Baselitz (Deutschbaselitz/Alemanha, 1938) George Passmore [Gilbert & George] (Plymouth/Inglaterra, 1942) General Idea [AA Bronson, Felix Partz e Jorge Zontal] (1969-1994) Ger van Elk (Amsterdam/Holanda, 1941) Gerrit van Bakel (Ysselsteyn/Holanda, 1943) Gilbert Proesch [Gilbert & George] (San Martin de Tor/Itália, 1943) Gino de Dominicis (Ancona/Itália, 1947) Giovanni Anselmo (Borgofranco d'Ivrea/Itália, 1934) Giulio Paolini (Genova/Itália, 1940) Giuseppe Penone (Itália, 1947) Günter Brus (Ardning/Austria, 1938) Hamish Fulton (London/Inglaterra, 1946) Hanne Darboven (Munich/Alemanha, 1941) Hans Haacke (köln/Alemanha, 1936) Hans van Hoek (Amersfoort/ Holanda, 1929) Hermann Nitsch (Viena/Austria, 1938) Hilla Becher [Bern&Hilla Becher] (Potsdam/Alemanha, 1934) Horst Schuler Ian Wilson (Durban/África do Sul, 1940) Imants Tillers (Sydney/Australia, 1950) Imi Knoebel (Dessau/Alemanha, 1940) Isa Genzken (Bad Oldesloe/Alemanha, 1948) Isolde Wawrim J. C. J. van der Heyden (Hertogenbosch/Holanda, 1928) Jack Goldstein (Montreal/Canadá, 1945) James Biederman (Inglaterra, 1932) James Lee Byars (Detroit/EUA, 1932 – Cairo/Egito, 1997) Jan Dibbets (Weert/Holanda, 1941) Jannis Kounellis (Piraeus/Grécia, 1936) Jean-Frédéric Schnyder (Basel/Suíça, 1945) Jean-Luc Vilmouth (Creutzwald/França, 1952) Jean-Michel Basquiat (New York/EUA, 1960 – New York/EUA, 1988) Jeff Wall (Vancouver/Canadá, 1946) Jenny Holzer (Gallipolis/EUA, 1950) Jiri Georg Dokoupil (Krnov/República Tcheca, 1954) Joan Jonas (New York/EUA, 1936) Joel Shapiro (New York/EUA, 1941) John Baldessari (National City/EUA, 1931) John Chamberlain (Rochester/EUA, 1927) John Knight (Hollywood/EUA, 1945) John Nixon (Australia, 1949) Jonathan Borofsky (Boston/EUA, 1942) Jörg Immendorff (Bleckede/Alemanha, 1945 – Düsseldorf/Alemanha, 2007) Jorge Zontal [General Idea] (nome original: Slobodan Saia-Levy | Parma/Itália, 1944 – Toronto/Canadá, 1994) Joseph Beuys (Krefeld/Alemanha, 1921 – Düsseldorf/Alemanha, 1986) Joseph Kosuth (Toledo/EUA, 1945) Judy Rifka (New York/EUA, 1945) Julião Sarmento (Lisboa/Portugal, 1948) Katharina Sieverding (Praga/República Tcheca, 1944) Keith Haring (Reading/EUA, 1958 – New York/EUA, 1990) Klaudia Schifferle (Zürich/Suíça, 1955) Klaus Mettig (Brandenburg/Alemanha, 1950) 246 Klaus Staeck (Pulsnitz/Alemanha, 1938) Lawrence Weiner (New York/EUA, 1942) Lee Quinones (Ponce/Puerto Rico, 1960) Loren Calaway (EUA, 1950) Lothar Baumgarten (Rheinsberg/Alemanha, 1944) Luciano Fabro (Turin/Itália, 1936) Ludger Gerdes (Lastrup/Alemanha, 1954) Ludwig Gosewitz (Naumburg/Alemanha, 1936) Luigi Mainolfi (Rotondi/Itália,1948) Marcel Broodthaers (Brussels/Bélgica, 1927 – Köln/Alemanha, 1976) Marco Bagnoli (Empoli/Itália, 1949) Maria Lassnig (Carinthia/Áustria, 1919) Maria Nordman (Görlitz/Alemanha, 1943) Marina Abramovic [Abramovic & Ulay] (Belgrado/Sérvia, 1946) Mario Merz (Milan/Itália, 1925 – Turin/Itália, 2003) Marisa Merz (Turin/Itália, 1931) Markus Lüpertz (Reichenberg/Alemanha, 1941) Markus Raetz (Berna/Suíça 1941) Marlene Dumas (Cape Town/África do Sul, 1953) Martha Rosler (New York/EUA, 1943) Martin Disler (Seewen/Suíça, 1949 – Geneva/Suíça, 1996) Matt Mullican (Santa Monica/EUA, 1951) Meret Oppenheim (Berlin/Alemanha, 1913 – Berne/Suíça, 1985) Michael Asher (Stamford/Ingalterra, 1953) Michael Buthe (Sonthofen/Alemanha, 1944 – Bonn/Alemanha, 1994) Michelangelo Pistoletto (Biella/Itália, 1933) Michele Zaza (Molfetta/Itália, 1948) Mimmo Paladino (Paduli/Itália, 1948) Miquel Barcelo (Felanitx/Espanha, 1957) Miriam Cahn (Basel/Suíça, 1949) Nicola De Maria (Foglianise/Itália, 1954) Niele Toroni (Muralto/Suíça, 1937) Norbert Prangenberg (Rommerskirchen-Nettesheim/Alemanha, 1949) Oberhuber, Oswald (Merano/Itália, 1931) On Kawara (Japão, 1933) Per Kirkeby (Copenhagen/Dinamarca, 1938) Peter Struycken (Den Haag/Holanda, 1939) Pierre Klossowski (Paris/França, 1905 – 2001) Rebecca Horn (Michelstadt/Alemanha, 1944) Reiner Ruthenbeck (Velbert/Alemanha, 1937) Remo Salvadori (Cerreto Guidi/Itália, 1947) Remy Zaugg (Courgenay/Suíça, 1943 – Basel/Suíça, 2005) René Daniëls (Eindhoven/Holanda, 1950) Richard Artschwager (Washington D.C./EUA, 1923) Richard Long (Bristol/Inglaterra, 1945) Richard Paul Lohse (Zurich/Suíça, 1902 – Zurich/Suíça, 1988) Richard Serra (San Francisco/EUA, 1939) Richard Tuttle (Rahway/EUA, 1941) Robert Barry (New York/EUA, 1936) Robert Longo (New York/EUA, 1953) Robert Mangold (North Tonawanda/EUA, 1937) Robert Mapplethorpe (New York/EUA, 1946 – Boston/EUA, 1989) Robert Ryman (Nashville/EUA, 1930) Roland Reiss (Chicago/EUA, 1929) Salome (Karlsruhe/Alemanha, 1954) Sandro Chia (Firenze/Itália, 1946) Sarkis (Istanbul/Turquia, 1938) Scott Burton (Greensboro/EUA, 1939 – New York/EUA, 1989) 247 Siah Armajani (Tehran/Iran, 1939) Siegfried Anzinger (Weyer/Austria, 1953) Sigmar Polke (Oels/Alemanha, 1941 – Köln/Alemanha 2010) Signe Theill Sherrie Levine (Hazleton/EUA, 1947) Sol LeWitt (Hartford/EUA, 1928 – New York/EUA, 2007) Stanley Brouwn (Paramaribo/Suriname, 1935) Stano Filko (Velka Hradna/Eslováquia, 1938) Tony Cragg (Liverpool/Inglaterra, 1949) Toon Verhoef (Voorburg/Holanda, 1946) Troy Brauntuch (Jersey City/EUA, 1954) Ulay [Abramovic & Ulay] (nome verdadeiro: Frank Uwe Laysiepen | Solingen/Alemanha, 1943) Ulrich Ruckriem (Düsseldorf/Alemanha, 1938) Vito Acconci (New York/EUA, 1940) Volker Tannert (Recklinghausen/Alemanha, 1955) Walter Dahn (St. Tönis/Alemanha, 1954) William Copley (New York/EUA, 1919 - 1996) Wolfgang Laib (Metzingen/Alemanha, 1950) Entre a Mancha e a Figura Local: Museu de Arte Moderna/MAM-RJ – Rio de Janeiro-RJ, Brasil Data: 16/09 a --/--/1982 Curadoria: Frederico Morais (Belo Horizonte-MG, 1936) Texto: “Entre a mancha e a figura” (Frederico Morais) Artistas participantes: 17 Artur Barrio (Porto/Portugal, 1945) Carlos Fajardo (São Paulo-SP, 1941) Charles Watson (Helensburg/Escócia, 1951) Cláudio Kupperman (São Paulo-SP, 1943) Dudi Maia Rosa (São Paulo-SP, 1946) Ernesto de Fiori (Roma/Itália, 1884 – São Paulo-SP, 1945) Flávio de Carvalho (Barra Mansa-RJ, 1899 – Valinhos/SP, 1973) Flavio Shiró (Sapporo/Japão, 1928) Humberto Espíndola (Campo Grande-MS, 1943) Iberê Camargo (Restinga Seca-RS, 1914 – Porto Alegre-RS, 1994) Ivald Granato (Campos dos Goytacazes-RJ, 1949) Ivan Serpa (Rio de Janeiro-RJ, 1923 – Rio de Janeiro-RJ, 1973) Jorge Guinle [Filho] (New York/EUA, 1947 – New York/EUA, 1987) José Claudio (Ipojuca-PE, 1932) José Roberto Aguilar (São Paulo-SP, 1941) Luiz Áquila (Rio de Janeiro-RJ, 1943) Rubens Gerchman (Rio de Janeiro-RJ, 1942 – São Paulo-SP, 2008) Zeitgeist Local: Martin-Gropius Bau – Berlim, Alemanha Data: 15/10/1982 a 16/01/1983 Curadoria: Christos M. Joachimides (Atenas/Grécia, 1932) e Norman Rosenthal (Cambridge/Inglaterra, 1944) Textos: “Achilles and Hector before the Walls of Troy” (Christos M. Joachimides), “Signs of passion: the new expressionism” (Hilton Kramer) e “Thoughts on the Origins of Zeitgeist” (Robert Rosenblum) Artistas participantes: 46 A. R. Penck (Dresden/Alemanha, 1939) Andy Warhol (Pittsburgh/EUA, 1928 – New Jersey/EUA, 1987) Anselm Kiefer (Donaueschingen/Alemanha, 1945) Antonius Höckelmann (Oelde/Alemanha, 1937 – Köln/Alemanha, 2000) Barry Flanagan (Prestatyn/País de Gales, 1941) Bernd Koberling (Berlin/Alemanha, 1938) 248 Bruce MacLean (Glasgow/Escócia, 1944) Christopher Lebrun (Portsmouth/Inglaterra, 1951) Cy Twombly (Lexington/EUA, 1928 – Roma/Itália, 2011) David Salle (Norman/EUA, 1952) Dieter Hacker (Augsburg/Alemanha, 1942) Enzo Cucchi (Morro d'Alba/Itália, 1949) Erwin Bohatsch (Mürzzuschlag/Áustria, 1951) Francesco Clemente (Nápoles/Itália, 1952) Frank Stella (Marden/EUA, 1936) Georg Baselitz (Deutschbaselitz/Alemanha, 1938) George Passmore [Gilbert & George] (Plymouth/Inglaterra, 1942) Gérard Garouste (Paris/França, 1946) Gilbert Proesch [Gilbert & George] (San Martin de Tor/Itália, 1943) Helmut Middendorf (Dinklage/Alemanha, 1953) James Lee Byars (Detroit/EUA, 1932 – Cairo/Egito, 1997) Jannis Kounellis (Piraeus/Grécia, 1936) Jiri Georg Dokoupil (Krnov/República Tcheca, 1954) Jonathan Borofsky (Boston/EUA, 1942) Jörg Immendorff (Bleckede/Alemanha, 1945 – Düsseldorf/Alemanha, 2007) Joseph Beuys (Krefeld/Alemanha, 1921 – Düsseldorf/Alemanha, 1986) Julian Schnabel (New York/EUA, 1951) K. H. Hödicke (Nuremberg/Alemanha, 1938) Malcolm Morley (London/Inglaterra, 1931) Mario Merz (Milan/Itália, 1925 – Turin/Itália, 2003) Markus Lüpertz (Reichenberg/Alemanha, 1941) Mimmo Paladino (Paduli/Itália, 1948) Per Kirkeby (Copenhagen/Dinamarca, 1938) Peter Bömmels (Frauenberg/Alemanha, 1951) Pier Paolo Calzolari (Bologna/Itália, 1943) Rainer Fetting (Wilhelmshaven/Alemanha, 1949) René Daniëls (Eindhoven/Holanda, 1950) Robert Morris (Missouri/EUA, 1931) Salome (Karlsruhe/Alemanha, 1954) Sandro Chia (Firenze/Itália, 1946) Siegfried Anzinger (Weyer/Áustria, 1953) Sigmar Polke (Oels/Alemanha, 1941 – Köln/Alemanha, 2010) Susan Rothenberg (Buffalo/EUA, 1945) Volker Tannert (Recklinghausen/Alemanha, 1955) Walter Dahn (St. Tönis/Alemanha, 1954) Werner Büttner (Jena/Alemanha, 1954) 1983 À Flor da Pele – Pintura e Prazer Local: Centro Empresarial Rio – Rio de Janeiro-RJ, Brasil Data: 02 a 23/05/1983 Curadoria: Marcus de Lontra Costa (Rio de Janeiro-RJ, 1954) Texto: “A essência do prazer” (Marcus de Lontra Costa) Artistas participantes: 12 249 Adriano de Aquino (Belo Horizonte-MG, 1946) Aluísio Carvão (Belém-PA, 1920 - Poços de Caldas-MG, 2001) Antonio Manuel (Avelãs de Caminho/Portugal, 1947) Carlos Vergara (Santa Maria-RS, 1941) Enéas Valle (Manaus-AM, 1951) [José] Leonilson (Fortaleza-CE, 1957 – São Paulo-SP, 1993) Manfredo Souzanetto (Jacinto-MG, 1947) Maria Leontina (São Paulo-SP, 1917 – Rio de Janeiro-RJ, 1984) Nelson Augusto (Rio de Janeiro-RJ, 1942) Paulo Roberto Leal (Rio de Janeiro-RJ, 1946 – Rio de Janeiro-RJ, 1991) Ronaldo do Rego Macedo (Rio de Janeiro-RJ, 1950) Rubem Ludolf (Maceió-AL, 1932 – Rio de Janeiro-RJ, 2010) Pintura Como Meio Local: Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo/MAC-USP – São Paulo, Brasil Data: 08/1983 Curadoria/concepção: Sergio Romagnolo (São Paulo-SP, 1957) Texto: “Uma jovem pintura em São Paulo” (Aracy Amaral) Artistas participantes: 5 Ana Maria Tavares (Belo Horizonte-MG, 1958) Ciro Cozzolino (São Paulo-SP, 1959) Leda Catunda (São Paulo-SP, 1961) Sergio Niculitcheff (São Paulo-SP, 1960) Sergio Romagnolo (São Paulo-SP, 1957) 3.4 – Grandes Formatos Local: Centro Empresarial Rio – Rio de Janeiro-RJ, Brasil Data: 01/09 a 02/10/1983 Curadoria/Projeto: Rubens Gerchman (Rio de Janeiro-RJ, 1942 – São Paulo-SP, 2008) Textos: “Gosto deste cheiro de pintura” (Frederico Morais), “Grandes formatos” (Carlos Von Schmidt), “Grandes formatos: euforia e paixão” (Sheila Leirner) e “Crise da crise?: a resposta também pode ser nossa” (Roberto Pontual) Artistas participantes: 14 Adriano de Aquino (Belo Horizonte-MG, 1946) Carlos Fajardo (São Paulo-SP, 1941) Carlos Vergara (Santa Maria-RS, 1941) Dudi Maia Rosa (São Paulo-SP, 1946) Enéas Valle (Manaus-AM, 1951) Iberê Camargo (Restinga Seca-RS, 1914 – Porto Alegre-RS, 1994) Ivald Granato (Campos dos Goytacazes-RJ, 1949) José Claudio (Ipojuca-PE, 1932) José Roberto Aguilar (São Paulo-SP, 1941) Luís Paulo Baravelli (São Paulo-SP, 1942) Maciej Babinski (Varsóvia/Polônia, 1931) Marcia Rothstein (São Paulo-SP, 1952) Nelson Augusto (Rio de Janeiro-RJ, 1942) Rubens Gerchman (Rio de Janeiro-RJ, 1942 – São Paulo-SP, 2008) Pintura / Brasil Local: Fundação Clóvis Salgado / Palácio das Artes – Belo Horizonte-MG, Brasil Data: 1983 Curadoria: Frederico Morais (Belo Horizonte-MG, 1936) Texto: “A pintura vive viva a pintura” (Frederico Morais) Artistas participantes: 24 250 Adir Sodré (Rondonópolis-MT, 1962) Ana Horta (Bom Despacho-MG, 1957 – Belo Hozizonte-MG, 1987) Angelo Marzano (Belo Horizonte-MG, 1955) Artur Barrio (Porto/Portugal, 1945) Celso Renato de Lima (Rio de Janeiro-RJ, 1919 – Belo Horizonte-MG, 1992) Enéas Valle (Manaus-AM, 1951) Gervane de Paula (Cuiabá-MT, 1962) Hilton Berredo (Rio de Janeiro-RJ, 1954) Humberto Espíndola (Campo Grande-MS, 1943) Jair Jacqmont (Manaus-AM, 1947) Jorge Guinle [Filho] (New York/EUA, 1947 – New York/EUA, 1987) José Claudio (Ipojuca-PE, 1932) [José] Leonilson (Fortaleza-CE, 1957 – São Paulo-SP, 1993) José Roberto Aguilar (São Paulo-SP, 1941) Leda Catunda (São Paulo-SP, 1961) Luciano Pinheiro (Recife-PE, 1946) Marcos Coelho Benjamin (Nanuque-MG, 1952) Maria do Carmo Secco (Ribeirão Preto-SP, 1933) Nelson Augusto (Rio de Janeiro-RJ, 1942) Paulo Henrique Amaral (Belo Horizonte-MG, 1953) Paulo Paes (Belém-PA, 1960) Paulo Roberto Leal (Rio de Janeiro-RJ, 1946 – Rio de Janeiro-RJ, 1991) Rubens Gerchman (Rio de Janeiro-RJ, 1942 – São Paulo-SP, 2008) Wilson Piran (Nova Friburgo-RJ, 1951) Pintura! Pintura! Local: Fundação Casa de Rui Barbosa – Rio de Janeiro-RJ, Brasil Data: 1983 Curadoria: Marcio Doctors (Rio de Janeiro-RJ, 1952) Texto: Artistas participantes: 14 Alexandre Dacosta (Rio de Janeiro-RJ, 1959) André Costa (Rio de Janeiro-RJ, 1962) Angelo Venosa (São Paulo-SP, 1954) Beatriz Milhazes (Rio de Janeiro-RJ, 1960) Clara Cavendish (Recife-PE, 1963) Daniel Senise (Rio de Janeiro-RJ, 1955) João Magalhães (Juiz de Fora-MG, 1945) Jorge Barrão (Rio de Janeiro-RJ, 1959) Luiz Pizarro (Rio de Janeiro-RJ, 1958) Raphael Werneck (Rio de Janeiro-RJ, 1961) Ricardo Basbaum (São Paulo-SP, 1961) 1984 Como vai você, Geração 80? Local: Escola de Artes Visuais do Parque Lage – Rio de Janeiro-RJ, Brasil Data: 14/07/1984 Curadoria: Marcus de Lontra Costa (Rio de Janeiro-RJ, 1954), Paulo Roberto Leal (Rio de Janeiro-RJ, 1946 – Rio de Janeiro-RJ, 1991) e Sandra Mager (Rio de Janeiro-RJ, 1956) Textos: “Gute nacht herr Baselitz ou Hélio Oiticica onde está você?” (Frederico Morais), “Papai era surfista profissional, mamãe fazia mapa astral legal – ‘Geração 80’ ou como matei uma aula de arte num shopping center” (Jorge Guinle [Filho]) e “A bela enfurecida” (Paulo Roberto Leal, Sandra Mager e Marcus de Lontra Costa) Artistas participantes: 126 251 Adelia Oliveira (Rio de Janeiro-RJ, 1948) Adir Sodré (Rondonópolis-MT, 1962) Alberto Camarero (São José do Rio Preto-SP, 1950) Alex Vallauri (Asmara/Etiópia, 1949 – São Paulo-SP, 1987) Alexandre Dacosta (Rio de Janeiro-RJ, 1959) Ana Horta (Bom Despacho-MG, 1957 – Belo Hozizonte-MG, 1987) Ana Maria Morais – AMOM (Rio de Janeiro-RJ, 1948) Ana Maria Tavares (Belo Horizonte-MG, 1958) Ana Miguel (Niterói-RJ, 1962) Ana Regina Aguiar (Rio de Janeiro-RJ, 1944) Analu Cunha (Maceió-AL, 1961) André Costa (Rio de Janeiro-RJ, 1962) Angelo Marzano (Belo Horizonte-MG, 1955) Antonio Alexandre (Rio de Janeiro-RJ, 1961) Armando Mattos (Rio de Janeiro-RJ, 1957) Augustus Almeida (Rio de Janeiro-RJ, 1956) Beatriz Milhazes (Rio de Janeiro-RJ, 1960) Beatriz Pimenta (Niterói-RJ, 1960) Carlo Mascarenhas (Vitória-ES, 1958) Carlos Fiúza (Maceió-AL, 1964) Carlos Matuck (São Paulo-SP, 1958) Ciro Cercal Filho (Curitiba-PR, 1955) Ciro Cozzolino (São Paulo-SP, 1959) Claudio Álvarez (Rosario/Argentina, 1955) Claudio Duque (Belo Horizonte-MG, 1963) Cláudio Fonseca (Rio de Janeiro-RJ, 1949 – Rio de Janeiro-RJ, 1993) Claudio Roberto (Rio de Janeiro-RJ, 1958) Claudia Monteiro (São Paulo-SP, 1950) Clara Cavendish (Recife-PE, 1963) Cristina Bahiense (Rio de Janeiro-RJ, 1953) Cristina Canale (Rio de Janeiro-RJ, 1961) Cristina Salgado (Rio de Janeiro-RJ, 1957) Daeco (Rio de Janeiro-RJ, 1951) Daniel Senise (Rio de Janeiro-RJ, 1955) Denise Porto (Rio de Janeiro-RJ, 1957) Delson Uchôa (Maceió-AL, 1956) Eduardo Kac (Rio de Janeiro-RJ, 1962) Eduardo Moura (Carangola-MG, 1953) Elisabeth Jobim (Rio de Janeiro-RJ, 1957) Enéas Valle (Manaus-AM, 1951) Ester Grinspum (Recife-PE, 1955) Esther Kitahara (São Paulo-SP, 1954) Felipe Andery (Mogi das Cruzes-SP, 1954) Fernando Barata (Rio de Janeiro-RJ, 1951) Fernando Lopes (Rio de Janeiro-RJ, 1962) Fernando Lucchesi (Belo Horizonte-MG, 1955) Fernando Moura (Rio de Janeiro-RJ, 1959) Fernando Stickel (São Paulo-SP, 1948) Flávia Portela [coletivo Rádio Novela] (Rio de Janeiro-RJ, 1964) [Francisco] Chico Cunha (Rio de Janeiro-RJ, 1957) Francisco Faria (Curitiba-PR, 1956) Frida Baranek (Rio de Janeiro-RJ, 1961) Gastão Castro Neto (Niterói-RJ, 1953) Gerardo Vilaseca (Alcazar de San Juan/Espanha, 1948) Gervane de Paula (Cuiabá-MT, 1962) Gonçalo Ivo (Rio de Janeiro-RJ, 1958) Hellen Marcia Potter (Rio de Janeiro-RJ, 1955) Hamilton Viana Galvão (João Pessoa-PB, 1954) 252 Hilton Berredo (Rio de Janeiro-RJ, 1954) Inês de Araújo (Rio de Janeiro-RJ, 1962) Isaura Pena (Belo Horizonte-MG, 1958) Jadir Freire (Salvador-BA, 1957 – Salvador-BA, 1994) Jaime Fernando (Rio de Janeiro-RJ, 1946) Jair Jacqmont (Manaus-AM, 1947) Jeanete Musatti (São Paulo-SP, 1944) João Magalhães (Juiz de Fora-MG, 1945) João Modé (Resende-RJ, 1961) Joaquim Cunha Neto (Rio de Janeiro-RJ, 1957) Jorge Barrão (Rio de Janeiro-RJ, 1959) Jorge Duarte (Itapicuru-BA, 1958) Jorge Guinle [Filho] (New York/EUA, 1947 – New York/EUA, 1987) José Eduardo Garcia de Morais (Santiago-RS, 1958) [José] Leonilson (Fortaleza-CE, 1957 – São Paulo-SP, 1993) [José] Roberto Micoli (Campinas-SP, 1953) Ju Barros (Maceió-AL, 1945) Judith Miller (Johanesburgo/África do Sul, 1946) Karin Lambrecht (Porto Alegre-RS, 1957) Leda Catunda (São Paulo-SP, 1961) Lidia Perla Sacharny (Rio de Janeiro-RJ, 1956) Livia Flores (Rio de Janeiro-RJ, 1959) Lucia Beatriz (Rio de Janeiro-RJ, 1945) Luis Sergio de Oliveira (Rio de Janeiro-RJ, 1955) Luiz Antonio Norões (Rio de Janeiro-RJ, 1954 – Rio de Janeiro-RJ, 1989) Luiz Cruz (Tiradentes-MG, 1959) Luiz Ernesto (Rio de Janeiro-RJ, 1955) Luiz Pizarro (Rio de Janeiro-RJ, 1958) Luiz Zerbini (São Paulo-SP, 1959) Manoel Fernandes (São Paulo-SP, 1944) Marcelo Lago (Rio de Janeiro-RJ, 1958) Marcus Lima (Nanuque-MG, 1960) Marcus André (Rio de Janeiro-RJ, 1961) Mario Azevedo (Ubá-MG, 1957) Mariza Nicolay (Rio de Janeiro-RJ, 1956) Martha D’Angelo (Campos-RJ, 1949) Maria Inês Lobo (Rio de Janeiro-RJ, 1944) Mauricio Arraes (Recife-PE, 1956) Maurício Bentes (Rio de Janeiro-RJ, 1958 – Rio de Janeiro-RJ, 2003) Mauricio Dias (Rio de Janeiro-RJ, 1964) Mauro Fuke (Porto Alegre-RS, 1961) Monica Lessa (Rio de Janeiro-RJ, 1946) Mônica Nador (Ribeirão Preto-SP, 1955) Nelson Felix (Rio de Janeiro-RJ, 1954) Nelson Ricardo [coletivo Rádio Novela] (Rio de Janeiro-RJ, 1959) Paulo Campinho (Petrópolis-RJ, 1958) Paulo Henrique Amaral (Belo Horizonte-MG, 1953) Paulo Nobre (Rio de Janeiro-RJ, 1949) Paulo Paes (Belém-PA, 1960) Patricia Canetti (Rio de Janeiro-RJ, 1960) Rádio Novela [Nelson Ricardo/Sergio Maurício/Flávia Portela] Ricardo Basbaum (São Paulo-SP, 1961) Ricardo Sepúlveda (Tacla/Chile, 1941) Rogéria de Ipanema (Rio de Janeiro-RJ, 1960) Roberto Tavares (Rio de Janeiro-RJ, 1959) Sandra Sartori (Rio de Janeiro-RJ, 1963) Sergio Mauricio [coletivo Rádio Novela] (Rio de Janeiro-RJ, 1961) Sergio Niculitcheff (São Paulo-SP, 1960) 253 Sergio Romagnolo (São Paulo-SP, 1957) Siomar Martins (Rio Grande-RS, 1940) Solange Oliveira (Rio de Janeiro-RJ, 1943) Suzana Queiroga (Rio de Janeiro-RJ, 1961) Tadeu Burgos (Rio de Janeiro-RJ, 1961 – Rio de Janeiro-RJ, 1994) Terezinha Losada (Londrina-PR, 1959) Umberto França (Sabará-MG, 1950) Valério Rodrigues (Rio de Janeiro-RJ, 1953) Vicente Kutka (São Paulo-SP, 1952 – São Paulo-SP, 2006) Xico Chaves (Tiros-MG, 1949) Waldemar Zaidler (São Paulo-SP, 1958) 1985 Grande Tela – 18ª Bienal Internacional de São Paulo [incompleto] Local: Museu de Arte Moderna/MAM-SP – São Paulo-SP, Brasil Data: 23/01 a 06/04/2003 Curadoria: Sheila Leirner Textos: Artistas participantes: 37 * Alex Vallauri (Asmara/Etiópia, 1949 – São Paulo-SP, 1987) Bernd Koberling (Berlin/Alemanha, 1938) Bertrand Lavier (Châtillon-sur-Seine/França, 1949) Carlito Carvalhosa (São Paulo-SP, 1961) * Carlos Matuck (São Paulo-SP, 1958) Cláudio Fonseca (Rio de Janeiro-RJ, 1949 – Rio de Janeiro-RJ, 1993) Daniel Senise (Rio de Janeiro-RJ, 1955) Enzo Cucchi (Morro d'Alba/Itália, 1949) Fábio Miguez (São Paulo-SP, 1962) Fernando Barata (Rio de Janeiro-RJ, 1951) Fernando Lucchesi (Belo Horizonte-MG, 1955) * Guto Lacaz (São Paulo-SP, 1948) Helmut Middendorf (Dinklage/Alemanha, 1953) Jiri Georg Dokoupil (Krnov/República Tcheca, 1954) Jorge Duarte (Itapicuru-BA, 1958) [José] Leonilson (Fortaleza-CE, 1957 – São Paulo-SP, 1993) * Leda Catunda (São Paulo-SP, 1961) Marlene Dumas (Cape Town/África do Sul, 1953) Martin Disler (Seewen/Suíça, 1949 – Geneva/Suíça, 1996) Nuno Ramos (São Paulo-SP, 1960) Paulo Monteiro (São Paulo-SP, 1961) Peter Bömmels (Frauenberg/Alemanha, 1951) * Rafael França (Porto Alegre-RS, 1957 – Chicago/EUA, 1991) Rodrigo Andrade (São Paulo-SP, 1962) Salome (Karlsruhe/Alemanha, 1954) * Waldemar Zaidler (São Paulo-SP, 1958) 1986 Tranvanguarda e Culturas Nacionais Local: Museu de Arte Moderna – Rio de Janeiro-RJ, Brasil Data: 17/01 a 02/02/1986 Curadoria: Achille Bonito Oliva (Caggiano/Itália, 1939) Conferência ocorrida no auditório do museu, em 17/01/1986 Artistas participantes: 10 254 Antonio Dias (Campina Grande-PB, 1944) Cildo Meireles (Rio de Janeiro-RJ, 1948) Ivens Machado (Florianópolis-SC, 1942) Jorge Guinle [Filho] (New York/EUA, 1947 – New York/EUA, 1987) [José] Leonilson (Fortaleza-CE, 1957 – São Paulo-SP, 1993) Leda Catunda (São Paulo-SP, 1961) Roberto Magalhães (Rio de Janeiro-RJ, 1940) Sergio Romagnolo (São Paulo-SP, 1957) Tunga (Palmares-PE, 1952) Victor Arruda (Cuiabá-MT, 1947) Brasil High Tech Local: Centro Empresarial Rio – Rio de Janeiro-RJ, Brasil Data: 07/04 a 04/05/1986 Curadoria: Eduardo Kac (Rio de Janeiro-RJ, 1962) e Flávio Ferraz Texto: “Arte High Tech brasileira” (Eduardo Kac) Artistas participantes: 13 Cristovão Baptista da Silva Eduardo Kac (Rio de Janeiro-RJ, 1962) Fernando Catta-Preta Flávio Ferraz Gino Zaniboni Netto Júlio Plaza (Madrid/Espanha, 1938 – São Paulo-SP, 2003) Lino Ribolla Mário Ramiro (Taubaté-SP, 1957) Moysés Baumstein (São Paulo-SP, 1931 – São Paulo-SP, 1991) Nelson das Neves Otávio Donasci (São Paulo-SP, 1952) Rodolfo Cittadino (Alexandria-Egito) Rose Zangirolami Endgame – Reference and Simulation in Recent Painting and Sculpture Local: The Institute of Contemporary Art – Boston/EUA Data: 25/09 a 30/11/1986 Curadoria: David Joselit e Elisabeth Sussman Textos: “Preface” (David A. Ross), “The Return of Hank Herron” (Thomas Crow), “Painting: The Task of Mourning” (Yve-Alain Bois), “The Last Picture Show” (Elisabeth Sussman), “Modern Leisure” (David Joselit), “The Future of an Illusion, or the Contemporary Artist as Cargo Cultist” (Hal Foster), “Notes on New Media Theater” (Bob Riley) Artistas participantes: 14 A. A. Bronson [General Idea] (nome orig.: Michael Tims | Vancouver/Canadá, 1946) Felix Partz [General Idea] (nome original: Ronald Gabe | Winnipeg/Canadá, 1945 – Toronto/Canadá, 1994) General Idea [AA Bronson, Felix Partz e Jorge Zontal] (1969-1994) Gretchen Bender (Seaford/EUA, 1951 – New York/EUA, 2004) Haim Steinbach (Rehovot/Israel, 1944) Jeff Koons (York/EUA, 1955) Joel Otterson (Los Angeles/EUA, 1959) Jon Kessler (Yonkers/EUA, 1957) Jorge Zontal [General Idea] (nome original: Slobodan Saia-Levy | Parma/Itália, 1944 – Toronto/Canadá, 1994) Perry Hoberman (EUA, 1954) Peter Halley (New York/EUA, 1953) Philip Taaffe (Elizabeth/EUA, 1955) Richard Baim (Los Angeles/EUA, 1952) Ross Bleckner (New York/EUA, 1949) Sherrie Levine (Hazleton/EUA, 1947) 255 1988 Zeitlos: Kunst von Heute [Intemporal: Arte de Hoje] Local: Hamburger Bahnhof – Berlin/Alemanha Data: 22/06 a 25/09/1988 Curadoria: Harald Szeemann (Berne/Suíça, 1933 – Tegna/Suíça, 2005) Textos: “Zeitlos” (Harald Szeemann) e (Markus Brüderlin) Artistas participantes: 32 Bruce Nauman (Fort Wayne/EUA, 1941) Carl Andre (Quincy/EUA, 1935) Christian Boltanski (Paris/França, 1944) Cy Twombly (Lexington/EUA, 1928 – Roma/Itália, 2011) Dan Flavin (Jamaica/EUA, 1933 – Riverhead/EUA, 1996) Daniel Buren (Boulogne-Billancourt/França, 1938) David Rabinowitch (Toronto/Canada, 1943) Didier Vermeiren (Brussels/Bélgica, 1951) Donald Judd (Excelsior Springs/EUA, 1928 – New York/EUA, 1994) Eduardo Chillida (San Sebastián/Espanha, 1924 – San Sebastián/Espanha, 2002) Franz West (Wien/Áustria, 1947) Imi Knoebel (Dessau/Alemanha, 1940) Inge Mahn (Teschen/Polônia, 1943) Ingeborg Lüscher (Freiberg/Alemanha, 1936) James Lee Byars (Detroit/EUA, 1932 – Cairo/Egito, 1997) Jan Vercruysse (Ostend/Bélgica, 1948) Joseph Beuys (Krefeld/Alemanha, 1921 – Düsseldorf/Alemanha, 1986) Marcel Broodthaers (Brussels/Bélgica, 1927 – Köln/Alemanha, 1976) Marisa Merz (Turin/Itália, 1931) Niele Toroni (Muralto/Suíça, 1937) Per Kirkeby (Copenhagen/Dinamarca, 1938) Reinhard Mucha (Düsseldorf/Alemanha, 1950) Richard Long (Bristol/Inglaterra, 1945) Richard Serra (San Francisco/EUA, 1939) Robert Ryman (Nashville/EUA, 1930) Royden Rabinowitch (Toronto/Canada, 1943) Sol LeWitt (Hartford/EUA, 1928 – New York/EUA, 2007) Thomas Virnich (Eschweiler/Alemanha, 1957) Ulrich Rückriem (Düsseldorf/Alemanha, 1938) Walter De Maria (Albany/EUA, 1935) Willi Kopf (Röthis/Áustria, 1949) Wolfgang Laib (Metzingen/Alemanha, 1950) Les Années 80: A La Surface de la Peinture Local: Centre d’Art Contemporain, Abbaye Saint-André – Meymac/França Data: 02/07 a 02/10/1988 Curadoria: Caroline Bissière (Cahors/França, 1949) e Jean-Paul Blanchet Textos: “A la surface de la peinture... au risque de la superficialité” (Jean-Paul Blanchet), “Les Années 80 en peinture à Meymac” (Bernard Lamarche-Vadel), “Considerations sur l’art italique” (GérardGeorges Lemaire), “Les Nouveaux Fauves / Die Neuen Wilden” (Wolfgang Becker), “Deux ou trois choses sur la peinture aujourd’hui” (Jacques Beauffet), “Les débordements d’une avant-garde internationale” (Catherine Millet), “A new spirit in painting” (Christos M. Joachimides), “Interview de Bernard Lamarche-Vadel par Kimitaké Isorati”, “Signes de la passion” (Hilton Kramek), “Réflexions sur les sources de l’esprit du temps” (Robert Rosenblum), “Référence(s)” (Bernard Blistène), “Drame, mythe, tragédie dans la transavant-garde” (Achille Bonito Oliva) e “La Trans-Avant-Garde italienne” (Achille Bonito Oliva) Artistas participantes: 44 256 A. R. Penck (Dresden/Alemanha, 1939) Anselm Kiefer (Donaueschingen/Alemanha, 1945) Bertrand Lavier (Châtillon-sur-Seine/França, 1949) Bruno Ceccobelli (Montecastello di Vibio/Itália, 1952) Christopher Lebrun (Portsmouth/Inglaterra, 1951) David Salle (Norman/EUA, 1952) Denis Laget (Valence/França, 1958) Don Van Vliet (Glendale/EUA, 1941 – Arcata/EUA, 2010) Donald Baechler (Hartford/EUA, 1956) Enzo Cucchi (Morro d'Alba/Itália, 1949) Francesco Clemente (Nápoles/Itália, 1952) François Boisrond (Boulogne-Billancourt/França, 1959) Georg Baselitz (Deutschbaselitz/Alemanha, 1938) Gérard Garouste (Paris/França, 1946) Hervé Di Rosa (Sète/França, 1959) James Brown (Los Angeles/EUA, 1951) Jean-Charles Blais (Nantes/França, 1956) Jean-François Lacalmontie (Paris/França, 1947) Jean-Michel Alberola (Saïda/Argélia, 1953) Jean-Michel Basquiat (New York/EUA, 1960 – New York/EUA, 1988) Jiri Georg Dokoupil (Krnov/República Tcheca, 1954) Jörg Immendorff (Bleckede/Alemanha, 1945 – Düsseldorf/Alemanha, 2007) Julian Opie (London/Inglaterra, 1958) Julian Schnabel (New York/EUA, 1951) Keith Haring (Reading/EUA, 1958 – New York/EUA, 1990) Kenny Scharf (Los Angeles/EUA, 1958) Luciano Castelli (Lucerne/Suíça, 1951) Louis Jammes (Carcassonne/França, 1958) Markus Lüpertz (Reichenberg/Alemanha, 1941) Martin Disler (Seewen/Suíça, 1949 – Geneva/Suíça, 1996) Miquel Barceló (Felanitx/Espanha, 1957) Mimmo Paladino (Paduli/Itália, 1948) Patrick Saytour (Nice/França, 1935) Peter Chevalier (Karlsruhe/Alemanha, 1953) Philippe Favier (Saint-Étienne/França, 1957) Philippe Gognée (Nantes/França, 1957) Rainer Fetting (Wilhelmshaven/Alemanha, 1949) Richard Di Rosa [Buddy] (Sète/França, 1963) Robert Combas (Lyon/França, 1957) Robert Zakanitch (Elizabeth/EUA, 1935) Sandro Chia (Firenze/Itália, 1946) Susan Rothenberg (Buffalo/EUA, 1945) Volker Tannert (Recklinghausen/Alemanha, 1955) Walter Dahn (St. Tönis/Alemanha, 1954) Werner Büttner (Jena/Alemanha, 1954) 1990 BR 80 Pintura Brasil Década 80 Promoção: Instituto Itaú Cultural Curadoria Geral: Frederico Morais (Belo Horizonte-MG, 1936) Textos: “BR/80 – cenário social da década” (Maria Cristina Castilho Costa), “Anos 80: a pintura resiste” (Frederico Morais) Número de exposições: 09 Local: Itaugaleria – Vitória-ES, Brasil Data: 02 a 24/05/1990 Curadoria regional: Almerinda da Silva Lopes 257 Texto: “A pintura capixaba nos anos 80” (Almerinda da Silva Lopes) Artistas participantes: 04 Hilal Sami Hilal (Vitória-ES, 1952) Ivanilde Brunow (Itaguaçu-ES, 1945) Lincoln Guimarães Dias (Cachoeiro de Itapemirim-ES, 1962) Nortton Dantas de Medeiros (Rio de Janeiro-RJ, 1966) Local: Itaugaleria – Campo Grande-MS, Brasil Data: 08 a 31/05/1990 Curadoria regional: Aline Figueiredo Texto: “Pintura rompe barreiras da distância” (Aline Figueiredo) Artistas participantes: 06 Adir Sodré (Rondonópolis-MT, 1962) Áurea Katsuren (Campo Grande-MS, 1956) Emmanuel Nassar (Capanema-PA, 1949) Gervane de Paula (Cuiabá-MT, 1962) Jair Jacqmont (Manaus-AM, 1947) Thetis Selingardi (Campo Grande-MS, 1953) Local: Núcleo de Informática e Cultura – Belo Horizonte-MG, Brasil Data: 16/05 a 07/06/1990 Curadoria regional: Márcio Sampaio Texto: “Seis pintores mineiros nos anos 80” (Márcio Sampaio) Artistas participantes: 06 Ana Horta (Bom Despacho-MG, 1957 – Belo Hozizonte-MG, 1987) Fernando Lucchesi (Belo Horizonte-MG, 1955) Marco Tulio Resende (Belo Horizonte-MG, 1950) Marcos Coelho Benjamin (Nanuque-MG, 1952) Paulo Henrique Amaral (Belo Horizonte-MG, 1953) Ricardo Homen (Belo Horizonte-MG, 1961) Local: Casa de Cultura Mário Quintana – Porto Alegre, Brasil Data: 16/05 a 16/06/1990 Curadoria regional: Evelyn Berg e Adalice Araújo Texto: “A pintura no Rio Grande do Sul – anos 80” (Evelyn Berg) e “Geração 80 – Paraná e Santa Catarina” (Adalice Araújo) Artistas participantes: 07 Alfredo Nicolaiewsky (Porto Alegre-RS, 1952) Carlos Pasquetti (Bento Gonçalves-RS, 1948) Geraldo Leão (Morretes-PR, 1957) Karin Lambrecht (Porto Alegre-RS, 1957) Letícia Faria (Uberlândia-MG, 1953) Luiz Henrique Schwanke (Joinville-SC, 1951 – Florianópolis-SC, 1992) Rubens Oestroem (Blumenau-SC, 1953) Local: Itaugaleria – Brasília-DF, Brasil Data: 22/05 a 14/06/1990 Local: Itaugaleria – Goiânia-GO, Brasil Data: 27/06 a 19/07/1990 Curadoria regional: Cláudio Telles Texto: “A pintura como trunfo” (Cláudio Telles) Artistas participantes: 06 Eduardo Cabral (Goiânia-GO, 1955) Elder Rocha Filho (Goiânia-GO, 1961) Galeno (Parnaíba-PI, 1957) Luiz Mauro (Goiânia-GO, 1968) Selma Parreira (Buriti Alegre-GO, 1955) Sônia Paiva (Rio de Janeiro-RJ, 1960) Local: Itaugaleria – São Paulo-SP, Brasil Data: 28/05 a 21/06/1990 258 Curadoria regional: Aracy Amaral Texto: “A efervescência dos anos 80” (Aracy Amaral) Artistas participantes: 10 Fabio Cardoso (São Paulo-SP, 1958) Flávia Ribeiro (São Paulo-SP, 1954) Geórgia Creimer (São Paulo-SP, 1964) [José] Leonilson (Fortaleza-CE, 1957 – São Paulo-SP, 1993) Leda Catunda (São Paulo-SP, 1961) Marco Gianotti (São Paulo-SP, 1966) Mônica Nador (Ribeirão Preto-SP, 1955) Nuno Ramos (São Paulo-SP, 1960) Paulo Pasta (Ariranha-SP, 1959) Rodrigo Andrade (São Paulo-SP, 1962) Local Fundação Casa França-Brasil – Rio de Janeiro-RJ, Brasil Data: 02/07 a 04/08/1990 Curadoria regional: Frederico Morais Texto: “Rio de Janeiro: prazer e reflexão” (Frederico Morais) Artistas participantes: 08 Beatriz Milhazes (Rio de Janeiro-RJ, 1960) Chico Cunha (Rio de Janeiro-RJ, 1957) Cristina Canale (Rio de Janeiro-RJ, 1961) Daniel Senise (Rio de Janeiro-RJ, 1955) Jorge Duarte (Itapicuru-BA, 1958) Jorge Guinle [Filho] (New York/EUA, 1947 – New York/EUA, 1987) Luiz Zerbini (São Paulo-SP, 1959) Victor Arruda (Cuiabá-MT, 1947) Local: Salão Nobre / Palácio da Abolição – Fortaleza-CE, Brasil Data: 10/07 a 10/08/1990 Curadoria regional: Roberto Galvão Texto: “Da figuração à construção” (Roberto Galvão) Artistas participantes: 08 Alexandre Nóbrega (Recife-PE, 1961) Alice Vinagre (João Pessoa-PB, 1950) Eduardo Eloy (Fortaleza-CE, 1955) José Guedes (Fortaleza-CE, 1958) Maurício Coutinho (Fortaleza-CE, 1960) Rinaldo Silva (São Paulo-SP, 1961) Rodolfo Athayde (João Pessoa-PB, 1952) Sérgio Rabinovitz (Salvador-BA, 1955) Les Années 80: un Art de la Distinction ? Local: Centre d’Art Contemporain, Abbaye Saint-André – Meymac/França Data: 07/07 a 14/10/1990 Curadoria: Textos: “Un art de la distinction ?” (Jean-Paul Blanchet), “L’objet cruel : notes sur la perméabilité de l’oeuvre d’art” (Nicolas Bourriaud), “Désir par procuration” (Dan Cameron) e “Les bijoux indistincts” (Xavier Girard) Artistas participantes: 35 Allan McCollum (Los Angeles/EUA, 1944) Ange Leccia (Minerviu/França, 1952) Ashley Bickerton (Barbados/Índias Ocidentais, 1959) Barbara Bloom (Los Angeles/EUA, 1951) Christian Eckart (Calgary/Canadá, 1958) Dominique Païni (Clichy/França, 1947) Dominique Pasqualini [IFP – Information Fiction Publicité] (Draguignan/França, 1956) Françoise Epstein George Bully 259 Gerwald Rockenschaub (Linz/Áustria, 1952) Guillaume Bijl (Antwerp/Bélgica, 1946) Günther Förg (Füssen/Alemanha, 1952) Haim Steinbach (Rehovot/Israel, 1944) Herman Daled IFP – Information Fiction Publicité [Jean-François Brun e Dominique Pasqualini] (1984-1994) Jean Brolly Jean-François Brun [IFP – Information Fiction Publicité] (Saint-Brès/França, 1953) Jean-Marc Bustamante (Toulouse/França, 1952) Jeff Koons (York/EUA, 1955) Jenny Holzer (Gallipolis/EUA, 1950) John M. Armleder (Geneva/Suíça, 1948) Lidewij Edelkoort (Wageningen/Holanda, 1950) Marie Bourget (Bourgoin-Jallieu/França, 1952) Marie Jo Lafontaine (Antwerp/Bélgica, 1950) Meyer Vaisman (CaracasVenezuela, 1960) [Michael] Clegg (Dublin/Irlanda, 1957) & [Martin] Guttmann (Jerusalem/Israel, 1957) Michel Tournereau Peter Halley (New York/EUA, 1953) Peter Schuyff (Baarn/Holanda, 1958) Philippe Cazal (La Redorte/França, 1948) Pierre Cornette de Saint-Cyr Robert Gober (Wallingford/EUA, 1954) Rosemarie Trockel (Schwerte/Alemanha, 1952) Sherrie Levine (Hazleton/EUA, 1947) Thomas Grünfeld (Opladen/Alemanha, 1956) 1995 Anos 80: O Palco da Diversidade – Coleção Gilberto Chateaubriand/MAM-RJ Local: Galeria do SESI – São Paulo-SP, Brasil Data: 1995 Curadoria: Marcus de Lontra Costa (Rio de Janeiro-RJ, 1954) Textos: ”A citação como pigmento” (Armando Mattos) e “Palco da diversidade” (Marcus de Lontra Costa) Artistas participantes: 36 Adir Sodré (Rondonópolis-MT, 1962) Ana Horta (Bom Despacho-MG, 1957 – Belo Hozizonte-MG, 1987) Angelo Venosa (São Paulo-SP, 1954) Beatriz Milhazes (Rio de Janeiro-RJ, 1960) Caetano de Almeida (Campinas-SP, 1964) Chico Cunha (Rio de Janeiro-RJ, 1957) Cláudio Fonseca (Rio de Janeiro-RJ, 1949 – Rio de Janeiro-RJ, 1993) Cristina Canale (Rio de Janeiro-RJ, 1961) Daniel Senise (Rio de Janeiro-RJ, 1955) Ernesto Neto (Rio de Janeiro-RJ, 1964) Fábio Miguez (São Paulo-SP, 1962) Florian Raiss (Rio de Janeiro-RJ, 1955) Frida Baranek (Rio de Janeiro-RJ, 1961) Gervane de Paula (Cuiabá-MT, 1962) Hilton Berredo (Rio de Janeiro-RJ, 1954) Iran do Espírito Santo (Mococa-SP, 1963) Jac Leirner (São Paulo-SP, 1961) Jorge Barrão (Rio de Janeiro-RJ, 1959) Jorge Duarte (Itapicuru-BA, 1958) Jorge Guinle [Filho] (New York/EUA, 1947 – New York/EUA, 1987) [José] Leonilson (Fortaleza-CE, 1957 – São Paulo-SP, 1993) 260 Karin Lambrecht (Porto Alegre-RS, 1957) Leda Catunda (São Paulo-SP, 1961) Lia Menna Barreto (Rio de Janeiro-RJ, 1959) Luiz Ernesto (Rio de Janeiro-RJ, 1955) Luiz Pizarro (Rio de Janeiro-RJ, 1958) Luiz Zerbini (São Paulo-SP, 1959) Maurício Ruiz (Rio de Janeiro-RJ, 1956) Mônica Nador (Ribeirão Preto-SP, 1955) Nuno Ramos (São Paulo-SP, 1960) Paulo Monteiro (São Paulo-SP, 1961) Paulo Pasta (Ariranha-SP, 1959) Rodrigo Andrade (São Paulo-SP, 1962) Sergio Romagnolo (São Paulo-SP, 1957) Valeska Soares (Belo Hozizonte-MG, 1957) Victor Arruda (Cuiabá-MT, 1947) 2003 2080 Local: Museu de Arte Moderna/MAM-SP – São Paulo-SP, Brasil Data: 23/01 a 06/04/2003 Curadoria: Felipe Chaimovich (Santiago/Chile, 1968) e Setor Educativo do MAM (sob coordenação de Vera Barros e Carlos Barmack) Textos: “2080” (Felipe Chaimovich), “Uma jovem pintura em São Paulo” (Aracy Amaral), “Brasil: uma nova geração” (Aracy Amaral), “A bela enfurecida” (Paulo Roberto Leal, Sandra Mager e Marcus de Lontra Costa), “A festa acabou? A festa continua?” (Marcus de Lontra Costa), “Papai era surfista profissional, mamãe fazia mapa astral legal – ‘Geração 80’ ou como matei uma aula de arte num shopping center” (Jorge Guinle [Filho]), “Gute nacht herr Baselitz ou Hélio Oiticica onde está você?” (Frederico Morais), “A ‘Grande Tela’ e as exposições especiais” (Sheila Leirner), “Uma grande tela para hoje” (Sheila Leirner), “Considerações sobre o uso de imagens de segunda mão na arte contemporânea” (Tadeu Chiarelli), “Sobre a mostra ‘Imagens de Segunda Mão’: um relato” (Tadeu Chiarelli), “Revendo a videoarte dos anos 80” (Rejane Cintrão) e “20 anos de produção independente” (Rafael França) Publicação complementar: “Mesa-redonda” (Felipe Chaimovich, Luiz Áquila, Marcus de Lontra Costa, Sergio Romagnolo e Tadeu Chiarelli), “Ingenuidade e ambição” (Rodrigo Andrade), “Depois da festa” (Daniel Piza), “Por que não o melhor?” (Agnaldo Farias), “‘2080’” (Adriano Pedrosa), “MAM de São Paulo expõe a arte dos anos 80” (Lisbeth Rebollo Gonçalves), “Qualidade deixa de ser prioritária” (Tiago Mesquita), “2080: o futuro da história” (Lisette Lagnado) e “‘2080’: muito mercado e pouca arte” (Ricardo Basbaum) Artistas participantes: 37 Adir Sodré (Rondonópolis-MT, 1962) Alex Flemming (São Paulo-SP, 1954) Alex Vallauri (Asmara/Etiópia, 1949 – São Paulo-SP, 1987) Ana Horta (Bom Despacho-MG, 1957 – Belo Hozizonte-MG, 1987) Ana Maria Tavares (Belo Horizonte-MG, 1958) Beatriz Milhazes (Rio de Janeiro-RJ, 1960) Caetano de Almeida (Campinas-SP, 1964) Carlito Carvalhosa (São Paulo-SP, 1961) Ciro Cozzolino (São Paulo-SP, 1959) Cláudio Fonseca (Rio de Janeiro-RJ, 1949 – Rio de Janeiro-RJ, 1993) Daniel Senise (Rio de Janeiro-RJ, 1955) Edgard de Souza (São Paulo-SP, 1962) Eduardo Kac (Rio de Janeiro-RJ, 1962) Ester Grinspum (Recife-PE, 1955) Fábio Miguez (São Paulo-SP, 1962) Felipe Andery (Mogi das Cruzes-SP, 1954) Fernando Barata (Rio de Janeiro-RJ, 1951) Florian Raiss (Rio de Janeiro-RJ, 1955) 261 Hilton Berredo (Rio de Janeiro-RJ, 1954) Iran do Espírito Santo (Mococa-SP, 1963) Jeanete Musatti (São Paulo-SP, 1944) Jorge Barrão (Rio de Janeiro-RJ, 1959) Jorge Duarte (Itapicuru-BA, 1958) Jorge Guinle [Filho] (New York/EUA, 1947 – New York/EUA, 1987) [José] Leonilson (Fortaleza-CE, 1957 – São Paulo-SP, 1993) Leda Catunda (São Paulo-SP, 1961) Luiz Pizarro (Rio de Janeiro-RJ, 1958) Luiz Zerbini (São Paulo-SP, 1959) Mônica Nador (Ribeirão Preto-SP, 1955) Nelson Felix (Rio de Janeiro-RJ, 1954) Nuno Ramos (São Paulo-SP, 1960) Paulo Monteiro (São Paulo-SP, 1961) Paulo Pasta (Ariranha-SP, 1959) Roberto Micoli (Campinas-SP, 1953) Rodrigo Andrade (São Paulo-SP, 1962) Sergio Niculitcheff (São Paulo-SP, 1960) Sergio Romagnolo (São Paulo-SP, 1957) Vídeos: Fernando Meirelles [Olhar Eletrônico] (São Paulo-SP, 1955) Isa Castro (Campinas-SP, 1953) José Wagner Garcia (São Paulo-SP, 1956) Malú de Matino [Burgos Production] Marcelo Machado [Olhar Eletrônico] Olhar Eletrônico [Fernando Meirelles/Marcelo Machado/Paulo Morelli/Renato Barbieri] Paulo Morelli [Olhar Eletrônico] (São Paulo-SP, 1956) Rafael França (Porto Alegre-RS, 1957 – Chicago/EUA, 1991) Renato Barbieri [Olhar Eletrônico] Renato Bulcão Roberto Sandoval Tadeu Jungle (São Paulo-SP, 1956) TV Viva Walter Silveira 2004 Onde está você, Geração 80? Local: Centro Cultural Banco do Brasil/CCBB-RJ – Rio de Janeiro-RJ, Brasil Data: 12/07 a 26/09/2004 Curadoria: Marcus de Lontra Costa (Rio de Janeiro-RJ, 1954) Curadoria adjunta: Daniela Name Textos: “Parecia Maracanã em dia de clássico” (Adriano de Aquino), “Os anos 80: uma experiência brasileira” (Marcus de Lontra Costa), “Galeria do Centro Empresarial Rio, vitrine da Geração 80” (Fernanda Lopes), “Corpo, memória e subjetividade nos anos 80” (Daniela Name), “Entrevista com Luiz Áquila” (Daniela Name e Fernanda Lopes), “Entrevista com Nelson Leirner” (Daniela Name e Fernanda Lopes), “Uma geração que pertence ao presente” (Sheila Leirner), “A volta da pintura na era das exposições” (Fernando Cocchiarale), “A essência do prazer” (Marcus de Lontra Costa), “A pintura vive viva a pintura” (Frederico Morais), “A bela enfurecida” (Paulo Roberto Leal, Sandra Mager e Marcus de Lontra Costa), “Gute nacht herr Baselitz ou Hélio Oiticica onde está você?” (Frederico Morais), “Papai era surfista profissional, mamãe fazia mapa astral legal – ‘Geração 80’ ou como matei uma aula de arte num shopping center” (Jorge Guinle [Filho]), “Quatro artistas” (Aracy Amaral), “Três damas e um valete” (Aracy Amaral), “Explode, geração: Agora” (Roberto Pontual) e “Rio de Janeiro: prazer e reflexão” (Frederico Morais) Artistas participantes: 49 262 Alex Flemming (São Paulo-SP, 1954) Alex Vallauri (Asmara/Etiópia, 1949 – São Paulo-SP, 1987) Ana Horta (Bom Despacho-MG, 1957 – Belo Hozizonte-MG, 1987) Ana Maria Tavares (Belo Horizonte-MG, 1958) Ana Miguel (Niterói-RJ, 1962) Angelo Venosa (São Paulo-SP, 1954) Armando Mattos (Rio de Janeiro-RJ, 1957) Beatriz Milhazes (Rio de Janeiro-RJ, 1960) Carlito Carvalhosa (São Paulo-SP, 1961) Ciro Cozzolino (São Paulo-SP, 1959) Cláudio Fonseca (Rio de Janeiro-RJ, 1949 – Rio de Janeiro-RJ, 1993) Chico Cunha (Rio de Janeiro-RJ, 1957) Cristina Canale (Rio de Janeiro-RJ, 1961) Cristina Salgado (Rio de Janeiro-RJ, 1957) Daniel Senise (Rio de Janeiro-RJ, 1955) Delson Uchôa (Maceió-AL, 1956) Enéas Valle (Manaus-AM, 1951) Fábio Miguez (São Paulo-SP, 1962) Fernando Lopes (Rio de Janeiro-RJ, 1962) Fernando Lucchesi (Belo Horizonte-MG, 1955) Frida Baranek (Rio de Janeiro-RJ, 1961) Gonçalo Ivo (Rio de Janeiro-RJ, 1958) Hilton Berredo (Rio de Janeiro-RJ, 1954) Isaura Pena (Belo Horizonte-MG, 1958) Jadir Freire (Salvador-BA, 1957 – Salvador-BA, 1994) João Magalhães (Juiz de Fora-MG, 1945) Jorge Barrão (Rio de Janeiro-RJ, 1959) Jorge Duarte (Itapicuru-BA, 1958) Jorge Guinle [Filho] (New York/EUA, 1947 – New York/EUA, 1987) [José] Leonilson (Fortaleza-CE, 1957 – São Paulo-SP, 1993) Karin Lambrecht (Porto Alegre-RS, 1957) Leda Catunda (São Paulo-SP, 1961) Luiz Ernesto (Rio de Janeiro-RJ, 1955) Luiz Pizarro (Rio de Janeiro-RJ, 1958) Luiz Zerbini (São Paulo-SP, 1959) Marcus André (Rio de Janeiro-RJ, 1961) Mario Azevedo (Ubá-MG, 1957) Maurício Bentes (Rio de Janeiro-RJ, 1958 – Rio de Janeiro-RJ, 2003) Mônica Nador (Ribeirão Preto-SP, 1955) Mônica Sartori (Belo Horizonte-MG, 1957) Nuno Ramos (São Paulo-SP, 1960) Paulo Monteiro (São Paulo-SP, 1961) Paulo Paes (Belém-PA, 1960) Paulo Roberto Leal (Rio de Janeiro-RJ, 1946 – Rio de Janeiro-RJ, 1991) Rodrigo Andrade (São Paulo-SP, 1962) Sergio Niculitcheff (São Paulo-SP, 1960) Sergio Romagnolo (São Paulo-SP, 1957) Suzana Queiroga (Rio de Janeiro-RJ, 1961) Victor Arruda (Cuiabá-MT, 1947) * Confecção de múltiplo: Wilson Piran (Nova Friburgo-RJ, 1951) 2005 Flashback : Eine Revision der Kunst der 80er Jahre / Revisiting the Art of the 80s Local: Kunstmuseum Basel, Museum für Gegenwartskunst – Basel/Suíça Data: 30/10/2005 a 12/02/2006 Curadoria: Philipp Kaiser (Berne/Suíça, 1972) 263 Textos: “Introduction” (Philipp Kaiser) e “The 80s are in our midst” (John M. Armleder, Benjamin H. D. Buchloh, Werner Büttner, Isabelle Graw, Kasper König, Jutta Koether, Thomas Ruff e Phillipp Kaiser) Artistas participantes: 43 artistas + 1 coletivo Albert Oehlen (Krefeld/Alemanha, 1954) Allan McCollum (Los Angeles/EUA, 1944) Cady Noland (Washington/EUA, 1956) Charles Ray (Chicago/EUA, 1953) Cindy Sherman (Glen Ridge/EUA, 1954) David Salle (Norman/EUA, 1952) David Weiss [Fischli & Weiss] (Zurich/Suíca, 1946) Eric Fischl (New York/EUA, 1948) Francesco Clemente (Nápoles/Itália, 1952) Franz West (Wien/Áustria, 1947) Georg Herold (Jena/Alemanha, 1947) Group Material (1979-1996) Günther Förg (Füssen/Alemanha, 1952) Haim Steinbach (Rehovot/Israel, 1944) Helmut Federle (Solothurn/Suíça, 1944) Ilya Kabakov (Dniepropetrovsk/Rússia, 1933) Jack Goldstein (Montreal/Canadá, 1945) James Coleman (Ballaghaderreen/Irlanda, 1941) Jean-Frédéric Schnyder (Basel/Suíça, 1945) Jeff Koons (York/EUA, 1955) Jeff Wall (Vancouver/Canadá, 1946) Jenny Holzer (Gallipolis/EUA, 1950) John M. Armleder (Geneva/Suíça, 1948) Katharina Fritsch (Essen/Alemanha, 1956) Krzysztof Wodiczko (Warsaw/Polônia, 1943) Louise Lawler (Bronxville/EUA, 1947) Martin Kippenberger (Dortmund/Alemanha, 1953 – Wien/Áustria, 1997) Mike Kelley (Detroit/EUA, 1954) Miriam Cahn (Basel/Suíça, 1949) Peter Fischli [Fischli & Weiss] (Zurich/Suíca, 1952) Peter Halley (New York/EUA, 1953) Reinhard Mucha (Düsseldorf/Alemanha, 1950) Richard Prince (Panama Canal/Panamá, 1949) Robert Gober (Wallingford/EUA, 1954) Robert Longo (New York/EUA, 1953) Robert Mapplethorpe (New York/EUA, 1946 – Boston/EUA, 1989) Rosemarie Trockel (Schwerte/Alemanha, 1952) Scott Burton (Greensboro/EUA, 1939 – New York/EUA, 1989) Sherrie Levine (Hazleton/EUA, 1947) Thomas Ruff (Zell am Harmersbach/Alemanha, 1958) Thomas Schütte (Oldenburg/Alemanha, 1954) Tim Rollins (Pittsfield/EUA, 1955) + K.O.S. Walter Dahn (St. Tönnis/Alemanha, 1954) Werner Büttner (Jena/Alemanha, 1954) 2006 Anos 80 : uma Topologia Local: Museu de Arte Contemporânea de Serralves – Porto/Portugal Data: 10/11/2006 a 25/03/2007 Curadoria: Ulrich Loock (Braunschweig/Alemanha, 1953) Textos: “Prefácio” (João Fernandes), “Introdução: a evidência da arte” (Ulrich Loock), “O início dos anos 80” (Julian Heynen e Ulrich Loock), “Le Déclin de l’empire occidental” (Pier Luiggi Tazzi), “A obra de arte – a obra” (Alain Cueff), “Uma reverberação de silêncio: os anos 80 em análise” (Denys 264 Zacharopoulos), “A imagem-objecto e o modelo da natureza” (Jean-François Chevrier), “Os anos 80 em construção: diferença e indiferença” (Abigail Solomon-Godeau) e “A situação portuguesa” (António Cerveira Pinto, Alexandre Melo, Eduardo Paz Barroso, Bernardo Pinto de Almeida, João Fernandes e Ulrich Loock) Artistas participantes: 74 artistas Allan McCollum (Los Angeles/EUA, 1944) Ana Jotta (Lisboa/Portugal, 1946) Apostolos Georgiou (Skopelos/Grécia, 1952) Barbara Kruger (Newark/EUA, 1945) BAZILEBUSTAMANTE [Bernard Bazile e Jean-Marc Bustamante] Bernard Bazile [BAZILEBUSTAMANTE] (Meymac/França, 1952) Cady Noland (Washington/EUA, 1956) Candida Höfer (Eberswalde/Alemanha, 1944) Charles Ray (Chicago/EUA, 1953) Christopher Wool (Chicago/EUA, 1955) Cindy Sherman (Glen Ridge/EUA, 1954) Cristina Iglesias (San Sebastián/Espanha, 1956) David Hammons (Springfield/EUA, 1943) [David] Weiss [Fischli & Weiss] (Zurich/Suíca, 1946) Doris Salcedo (Bogotá/Colômbia, 1958) Ernst Caramelle (Hall/Áustria, 1952) Ettore Spalletti (Cappelle sul Tavo/Itália, 1940) Eugenio Dittborn (Santiago/Chile, 1943) Fischli & Weiss [Peter Fischli & David Weiss] Franz West (Wien/Áustria, 1947) Frédéric Buly Bouabré (Zéprégühé/Costa do Marfim, 1923) Gary Hill (Santa Monica/EUA, 1951) Georg Herold (Jena/Alemanha, 1947) George Hadjimichalis (Atenas/Grécia, 1954) Guillermo Kuitca (Buenos Aires/Argentina, 1961) Gülsün Karamustafa (Ankara/Turquia, 1946) Günther Förg (Füssen/Alemanha, 1952) Hannah Villiger (Cham/Suíça, 1951 – Cham/Suíça, 1997) Harald Klingelhöller (Mettmann/Alemanha, 1954) Heimo Zobernig (Mauthen/Áustria, 1958) Helmut Dorner (Gengenbach/Alemanha, 1952) Herbert Brandl (Graz/Áustria, 1959) Ilya Kabakov (Dniepropetrovsk/Rússia, 1933) Isa Genzken (Bad Oldesloe/Alemanha, 1948) James Coleman (Ballaghaderreen/Irlanda, 1941) James Welling (Hartford/EUA, 1951) Jan Vercruysse (Ostend/Bélgica, 1948) Jean-Marc Bustamante (Toulouse/França, 1952) Jean-Michel Basquiat (New York/EUA, 1960 – New York/EUA, 1988) Jeff Wall (Vancouver/Canadá, 1946) Jenny Holzer (Gallipolis/EUA, 1950) Jimmie Durham (Washington/EUA, 1940) José Pedro Croft (Porto/Portugal, 1957) Juan Muñoz (Madrid/Espanha, 1953 – Ibiza/Espanha, 2001) Julião Sarmento (Lisboa/Portugal, 1948) Katharina Fritsch (Essen/Alemanha, 1956) Lili Dujourie (Roeselare/Bélgica, 1941) Louise Lawler (Bronxville/EUA, 1947) Luc Tuymans (Mortsel/Bélgica, 1958) Mariella Simoni (Desenzano del Garda/Itália, 1948) Marlene Dumas (Cape Town/África do Sul, 1953) Martin Kippenberger (Dortmund/Alemanha, 1953 – Wien/Áustria, 1997) Matt Mullican (Santa Monica/EUA, 1951) 265 Mike Kelley (Detroit/EUA, 1954) Miroslaw Balka (Warsaw/Polônia, 1958) Mona Hatoum (Beirut/Líbano, 1952) Niek Kemps (Nijmegen/Holanda, 1952) Pedro Cabrita Reis (Lisboa/Portugal, 1956) [Peter] Fischli [Fischli & Weiss] (Zurich/Suíca, 1952) Raymond Pettibon (Tucson/EUA, 1957) Reinhard Mucha (Düsseldorf/Alemanha, 1950) René Daniëls (Eindhoven/Holanda, 1950) Richard Deacon (Bangor/Wales, 1949) Richard Prince (Panama Canal/Panamá, 1949) Richard Wentworth (Samoa/Nova Zelândia, 1947) Robert Gober (Wallingford/EUA, 1954) Rodney Graham (Vancouver/Canadá, 1949) Rosemarie Trockel (Schwerte/Alemanha, 1952) Rui Sanches (Lisboa/Portugal, 1954) Thierry De Cordier (Oudenaarde/Bélgica, 1954) Thomas Schütte (Oldenburg/Alemanha, 1954) Thomas Struth (Geldern am Niederrhein/Alemanha, 1954) Tony Cragg (Liverpool/Inglaterra, 1949) Tunga (Palmares-PE/Brasil, 1952) Stan Douglas (Vancouver/Canadá, 1960) Zbigniew Libera (Pabianice/Polônia, 1959) 2007 80/90, Modernos, Pós-modernos, Etc. Local: Instituto Tomie Ohtake – São Paulo-SP, Brasil Data: 25/05 a 15/07/2007 Curadoria: Agnaldo Farias (Itajubá-MG, 1955) Texto: “Anos 80/90: um retrato em 3x4 a cores” (Agnaldo Farias) Artistas participantes: 68 + 30 Adriana Varejão (Rio de Janeiro-RJ, 1964) * Afonso Tostes (Belo Horizonte-MG, 1965) Alex Cerveny (São Paulo-SP, 1963) Alex Flemming (São Paulo-SP, 1954) Alex Vallauri (Asmara/Etiópia, 1949 – São Paulo-SP, 1987) * Alice Vinagre (João Pessoa-PB, 1950) Ana Horta (Bom Despacho-MG, 1957 – Belo Hozizonte-MG, 1987) Ana Maria Tavares (Belo Horizonte-MG, 1958) Ana Miguel (Niterói-RJ, 1962) Angelo Venosa (São Paulo-SP, 1954) Artur Lescher (São Paulo-SP, 1962) Beatriz Milhazes (Rio de Janeiro-RJ, 1960) Brígida Baltar (Rio de Janeiro-RJ, 1959) Caetano de Almeida (Campinas-SP, 1964) Caíto (São Paulo-SP, 1952) Carlito Carvalhosa (São Paulo-SP, 1961) * Carlito Contini (São José do Rio Preto-SP, 1960) * Carlos Bevilacqua (Rio de Janeiro-RJ, 1965) * César Brandão (Santos Dumont-MG, 1956) * Chico Cunha (Rio de Janeiro-RJ, 1957) * Claudio Cretti (Belém-PA, 1964) Cláudio Fonseca (Rio de Janeiro-RJ, 1949 – Rio de Janeiro-RJ, 1993) Cristina Canale (Rio de Janeiro-RJ, 1961) Daniel Senise (Rio de Janeiro-RJ, 1955) Delson Uchôa (Maceió-AL, 1956) 266 Dora Longo Bahia (São Paulo-SP, 1961) Eder Santos (Belo Horizonte-MG, 1960) Edgard de Souza (São Paulo-SP, 1962) * Edith Derdyk (São Paulo-SP, 1955) Eduardo Coimbra (Rio de Janeiro-RJ, 1955) Eduardo Frota (Fortaleza-CE, 1959) * Eliane Prolik (Curitiba-PR, 1960) Emmanuel Nassar (Capanema-PA, 1949) Ernesto Neto (Rio de Janeiro-RJ, 1964) Ester Grinspum (Recife-PE, 1955) Fabio Cardoso (São Paulo-SP, 1958) Fábio Miguez (São Paulo-SP, 1962) Fernanda Gomes (Rio de Janeiro-RJ, 1960) * Fernando Augusto (Itanhaém-BA, 1960) Fernando Lucchesi (Belo Horizonte-MG, 1955) Flávia Ribeiro (São Paulo-SP, 1954) Florian Raiss (Rio de Janeiro-RJ, 1955) Francisco Faria (Curitiba-PR, 1956) * Georgia Kyriakakis (Ilhéus-BA, 1961) * Germana Monte Mor (Rio de Janeiro-RJ, 1958) * Gustavo Rezende (Passa Vinte-MG, 1960) * Guto Lacaz (São Paulo-SP, 1948) * Hilal Sami Hilal (Vitória-ES, 1952) * Hildebrando de Castro (Olinda-PE, 1957) Iran do Espírito Santo (Mococa-SP, 1963) Jac Leirner (São Paulo-SP, 1961) * João Modé (Resende-RJ, 1961) * Jorge Duarte (Itapicuru-BA, 1958) Jorge Barrão (Rio de Janeiro-RJ, 1959) Jorge Guinle Filho (New York/EUA, 1947 – New York/EUA, 1987) José Bechara (Rio de Janeiro-RJ, 1957) * José Bento (Salvador-BA, 1962) José Leonilson (Fortaleza-CE, 1957 – São Paulo-SP, 1993) José Spaniol (São Luiz Gonzaga-RS, 1960) Karin Lambrecht (Porto Alegre-RS, 1957) * Laura Vinci (São Paulo-SP, 1962) Leda Catunda (São Paulo-SP, 1961) Lia Menna Barreto (Rio de Janeiro-RJ, 1959) Luiz Ernesto (Rio de Janeiro-RJ, 1955) Luiz Henrique Schwanke (Joinville-SC, 1951) Luiz Hermano (Preaoca-CE, 1954) * Luiz Pizarro (Rio de Janeiro-RJ, 1958) Luiz Zerbini (São Paulo-SP, 1959) * Márcia Pastore (São Paulo-SP, 1964) * Márcia X (Rio de Janeiro-RJ, 1959 – Rio de Janeiro-RJ, 2005) Marco Gianotti (São Paulo-SP, 1966) Marco Tulio Resende (Belo Horizonte-MG, 1950) Marcos Coelho Benjamin (Nanuque-MG, 1952) * Marcus André (Rio de Janeiro-RJ, 1961) Mariannita Luzzati (São Paulo-SP, 1963) * Marina Saleme (São Paulo-SP, 1958) Mauro Fuke (Porto Alegre-RS, 1961) * Mônica Nador (Ribeirão Preto-SP, 1955) Mônica Sartori (Belo Horizonte-MG, 1957) Nazareth Pacheco (São Paulo-SP, 1961) Nelson Felix (Rio de Janeiro-RJ, 1954) * Nina Moraes (São Paulo-SP, 1960) Niura Bellavinha (Belo Horizonte-MG, 1960) 267 Nuno Ramos (São Paulo-SP, 1960) Osmar Pinheiro (Belém-PA, 1950) Paulo Climachauska (São Paulo-SP, 1962) Paulo Monteiro (São Paulo-SP, 1961) Paulo Pasta (Ariranha-SP, 1959) Paulo Whitaker (São Paulo-SP, 1958) Raul Mourão (Rio de Janeiro-RJ, 1967) Ricardo Basbaum (São Paulo-SP, 1961) Rodrigo Andrade (São Paulo-SP, 1962) Rosangela Rennó (Belo Horizonte-MG, 1962) Sergio Niculitcheff (São Paulo-SP, 1960) Sergio Romagnolo (São Paulo-SP, 1957) * Stela Barbieri (Araraquara-SP, 1965) * Valdirlei Dias Nunes (Bom Sucesso-PR, 1969) * Victor Arruda (Cuiabá-MT, 1947) * Artistas presentes apenas na publicação 2008 Espèces d’Espace : Les Années 1980 Local: Magasin, Centre National d’Art Contemporain de Grenoble – Grenoble/França Data: 12/10/2008 a 04/01/2009 Curadoria: Yves Aupetitallot (Cher/França, 1955) Textos: “Avant-propos” (Yves Aupetitallot), “Postmodernisme ans Society” (Frederic Jamenson e JeanJoseph Goux), “(Post)Modern Polemics” (Hal Foster), “Impasse post-moderne et transition post-média” (Félix Guattari), “The End of Prohibitionism” (Paolo Portoghesi), “Art in Relation to Architecture” (Dan Graham), “On the Trialect of Place, Art and Public” (Ludger Gerdes), “Fashion Moda: a Bronx Perspective” (Sally Webster), “The ABCs of ABC No Rio and its Times” (Alan Moore e Marc Miller), “Sex and Death and Schock ans Scholock” (Anne Ominous), “La scène artistique française dans la première moitié dês années 1980” (Yves Aupetitallot) e “In the Middle of the Eighties” (Maria Garzia) Artistas participantes: 45 A-One [Anthony Clark] (New York/EUA, 1964 – Paris/França, 2001) Allan McCollum (Los Angeles/EUA, 1944) Alyson Pou Axel Hütte (Essen/Alemanha, 1951) BAZILEBUSTAMANTE [Bernard Bazile e Jean-Marc Bustamante] Becky Howland (Niagara Falls/EUA) Bernard Bazile [BAZILEBUSTAMANTE] (Meymac/França, 1952) Bertrand Lavier (Châtillon-sur-Seine/França, 1949) Christof Kohlhofer (Frankfurt am Main/França, 1942) Christy Rupp (Rochester/EUA, 1949) Coleen Fitzgibbon (Illinois/EUA, 1950) David Robbins (Whitefish Bay/EUA, 1957) Dominique Pasqualini [IFP – Information Fiction Publicité] (Draguignan/França, 1956) Ettore Sottsass (Innsbruck/Áustria, 1917 – Milan/Itália, 2007) Günther Förg (Füssen/Alemanha, 1952) Haim Steinbach (Rehovot/Israel, 1944) IFP – Information Fiction Publicité [Jean-François Brun e Dominique Pasqualini] (1984-1994) Jacques Fournel (Montpellier/França, 1951) James Casebere (Lasing/EUA, 1953) James Welling (Hartford/EUA, 1951) Jane Dickson (Chicago/EUA, 1952) Jean-François Brun [IFP – Information Fiction Publicité] (Saint-Brès/França, 1953) Jean-Marc Bustamante [BAZILEBUSTAMANTE] (Toulouse/França, 1952) Jenny Holzer (Gallipolis/EUA, 1950) John Ahearn (Binghamton/EUA, 1951) John Crash Matos (New York/EUA, 1961) 268 John M. Armleder (Geneva/Suíça, 1948) John Malpede (Wishita Falls/EUA, 1945) Justen Ladda (Grevenbroich/Alemanha, 1953) Keith Haring (Reading/EUA, 1958 – New York/EUA, 1990) Kenny Scharf (Los Angeles/EUA, 1958) Laurie Simmons (Long Island/EUA, 1949) Louise Lawler (Bronxville/EUA, 1947) Ludger Gerdes (Lastrup/Alamanha, 1954) Meyer Vaisman (CaracasVenezuela, 1960) Michael Smith (Chicago/EUA, 1951) Peter Nadin (Bromborough/Inglaterra, 1954) Philippe Cazal (La Redorte/França, 1948) Philippe Thomas (Nice/França, 1951) Robert Gober (Wallingford/EUA, 1954) Robin Winters (Benicia/EUA, 1950) Stefan Rins (Gresten/Áustria, 1958) Thomas Huber (Zurich/Suíça, 1955) Thomas Ruff (Zell am Harmersbach/Alemanha, 1958) Thomas Schütte (Oldenburg/Alemanha, 1954) Thomas Struth (Geldern am Niederrhein/Alemanha, 1954) Tom Warren (Cleveland/EUA, 1954) 2009 Images et (Re)Présentations : Les Années 1980 Local: Magasin, Centre National d’Art Contemporain de Grenoble – Grenoble/França Data: 31/05 a 06/09/2009 Curadoria: Yves Aupetitallot (Cher/França, 1955) Textos: “Avant-propos” (Yves Aupetitallot), “The Object of Post-Criticism” (Gregory L. Ulmer), “Last Exit: Painting” (Thomas Lawson), “Interview with Werner Büttner and Albert Oehlen” (Stephan Schmidt-Wulffen), “From Criticism to Complicity” (Ashley Bickerton, Peter Halley, Jeff Koons, Sherrie Levine, Peter Nagy, Haim Steinbach, Philip Taaffe), “Art and Psychoanalysis” (Peter Fuller), “Interview with Julia Kristeva” (Catherine Francblin), “From Performance to Painting” (Helena Kontova), “The Crisis od Geometry” (Peter Halley), “A Visual Machine (Art Installation and its Modern Archetypes)” (Germano Celant), “Ouverture / Arte Contemporanea. Castelo di Rivoli” (Rudi Fuchs) e “Dissenting Spaces” (Judith Barry) Artistas participantes: 49 + 1 coletivo Alain Séchas (Colombes/França, 1955) Allan McCollum (Los Angeles/EUA, 1944) Ashley Bickerton (Barbados/Índias Ocidentais, 1959) BAZILEBUSTAMANTE [Bernard Bazile e Jean-Marc Bustamante] Benjamin Weissman (Los Angeles/EUA, 1952) Bernard Bazile [BAZILEBUSTAMANTE] (Meymac/França, 1952) Bernard Frize (Saint-Mandé/França, 1954) Dan Graham (Urbana/EUA, 1942) Dara Birnbaum (New York/EUA, 1946) David Diao (Chengdu/China, 1943) David Salle (Norman/EUA, 1952) Elisabeth de Senneville (Paris/França, 1946) Franz West (Wien/Áustria, 1947) George Condo (Concord/EUA, 1957) Jack Goldstein (Montreal/Canadá, 1945) Jan Knap (Chrudim/República Tcheca, 1949) Jean-Luc Vilmouth (Creutzwald/França, 1952) Jean-Marc Bustamante [BAZILEBUSTAMANTE] (Toulouse/França, 1952) Jeff Wall (Vancouver/Canadá, 1946) Jenny Holzer (Gallipolis/EUA, 1950) 269 Jim Shaw (Midland/EUA, 1952) Jiri Georg Dokoupil (Krnov/República Tcheca, 1954) John M. Armleder (Geneva/Suíça, 1948) Julia Wachtel (New York/EUA, 1956) Kenny Scharf (Los Angeles/EUA, 1958) Lady Pink [Sandra Fabara] (Amabto/Equador, 1964) Laurie Simmons (Long Island/EUA, 1949) Les Frères Ripoulin (Paris/França, 1984-1988) Martin Honert (Bottrop/Alemanha, 1953) Martin Kippenberger (Dortmund/Alemanha, 1953 – Wien/Áustria, 1997) Mike Bidlo (Chicago/EUA, 1953) Milan Kunc (Praga/República Tcheca, 1944) Nina Childress (Pasadena/EUA, 1961) Peter Halley (New York/EUA, 1953) Peter Nagy (Bridgeport/EUA, 1951) Peter Schuyff (Baarn/Holanda, 1958) Raymond Pettibon (Tucson/EUA, 1957) Rhonda Zwillinger (New York/EUA, 1950) Richard Hambleton (Vancouver/Canadá, 1954) Robert Yarber (Dallas/EUA, 1948) Rob Scholte (Amsterdam/Holanda, 1958) Rodney Alan Greenblat (Daly City/EUA, 1960) Rüdiger Schöttle (Alemanha, 1940) Sarah Charles Worth (East Orange/EUA, 1947) Steven Parrino (New York/EUA, 1958 – New York/EUA, 2005) Thierry Cheverney (Carthage/Tunísia, 1954) Thomas Lawson (Glasgow/Escócia, 1951) Tony Cragg (Liverpool/Inglaterra, 1949) Troy Brauntuch (Jersey City/EUA, 1954) Walter Dahn (St. Tönnis/Alemanha, 1954) Walter Robinson (San Francisco/EUA, 1950)