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Unesp Saberes Docentes e Conhecimentos Profissionais

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SABERES DOCENTES E CONHECIMENTOS PROFISSIONAIS

PEDAGÓGICOS: O QUE DEVE SABER E SABER FAZER UM


PROFESSOR SEGUNDO A LITERATURA?

Geisiele Marchan1
Roberto Nardi2
1
Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência. Faculdade de Ciências. UNESP. Campus de
Bauru. Grupo de Pesquisa em Ensino de Ciências. Apoio: Capes. (geisiele@fc.unesp.br).
2
Professor Adjunto. Departamento de Educação e Programa de Pós-Graduação em Educação para a
Ciência. Grupo de Pesquisa em Ensino de Ciências. Faculdade de Ciências. UNESP. Campus de Bauru.
Apoio: CNPq. (nardi@fc.unesp.br).

INTRODUÇÃO
A atividade de ensino é tão antiga quanto a humanidade, mas ainda
assim é possível identificar o início da profissão docente no século XVIII, há
cerca de trezentos anos, emergente em um contexto sociopolítico bem
distinto, com o desenvolvimento da urbanização, a expansão das grandes
cidades, o fortalecimento da burguesia revolucionária e suas lutas pela
democratização, de modo a reivindicarem um sistema de ensino em prol da
alfabetização da população. No entanto, é apenas em meados do século XX
que a profissão docente passa a ganhar mais espaço (PENIN, 2009).
A chegada do século XX marcou o início da trajetória do ensino
público no Brasil e em diversos países do mundo, e, consequentemente,
assinalou também o início dos cursos de formação docente, o que contribuiu
com a consolidação de vários movimentos políticos e sociais voltados à
Educação. Os movimentos reformistas em prol da industrialização e do
capitalismo se expandiam no mundo todo e, cada vez mais, passava-se a
requerer profissionais preparados para suprir as necessidades de mercado
(MARCÍLIO, 2005).
Passava-se a atribuir ao magistério a responsabilidade em preparar a
formação do cidadão capaz de contribuir com as demandas do mercado e da
sociedade emergente. A preocupação com a regulamentação do preparo de
docentes para a escola secundária, no caso específico do cenário brasileiro,
refletiu na criação dos cursos de licenciaturas no Brasil, que passaram a ser
ministrados a partir dos anos de 1930 pelas antigas faculdades de filosofia.
No entanto, esses cursos eram ministrados segundo “a fórmula ‘3+1’, em que
as disciplinas de natureza pedagógica, cuja duração prevista era de um ano,
justapunham-se às disciplinas de conteúdo, com duração de três anos”
(PEREIRA, 1999, p. 111).

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Essa maneira de conceber o processo de formação docente é referido
pela literatura educacional como sendo o modelo da racionalidade técnica.
Contribuí assim para que o professor seja visto como um técnico, um
especialista que aplica com rigor em sua prática profissional cotidiana as
regras inerentes ao conhecimento científico e ao conhecimento pedagógico
(PEREIRA, 1999).
A complexa situação da instituição escolar, resultante dos avanços
sociais que emergiam com as transformações de mercado, levou a ampliar
também a complexidade da formação docente, que já não mais poderia ser
reduzida aos conhecimentos inerentes ao domínio dos conteúdos das
disciplinas e a técnica que conduz sua transmissão. Passou-se a exigir do
profissional de ensino a responsabilidade para interagir com um
conhecimento em constante construção, contrariando o modelo de
conhecimento imutável. O docente assim idealizado, com base num amplo e
fundamentado conjunto de saberes que irá compor sua atuação profissional,
deve ser capaz de analisar a educação como um compromisso político,
permeado pelos valores de natureza ética e moral (MIZUKAMI et al., 2002).
Por conseguinte, entende-se que o processo de formação de
professores necessita assumir uma prática pedagógica fundamentada nos
pressupostos da didática e da metodologia de ensino, com o propósito de
preparar profissionais definidores de conhecimento e disseminadores do
saber, conferindo, assim, sentido à sua ação docente (CAMARGO, NARDI,
2004).
A partir das considerações acima este trabalho teve como objetivo
procurar entender de que maneira a literatura tem acentuado sobre o que
deve saber e saber fazer um professor, com base nos conteúdos definidores
do currículo de formação inicial para o magistério. Nessa perspectiva, o
estudo procurou entender também quais as temáticas curriculares devem ser
conduzidos pelo processo de formação inicial docente segundo a relação
direta entre teoria e prática, num contexto em que a formação docente
caminhe para uma identidade própria e autônoma em relação às demais
profissões.
A importância desse estudo justifica-se, pois, cada vez mais, a
responsabilidade pela qualidade do ensino e, conseqüentemente a
responsabilidade pelo sucesso da aprendizagem tem recaído aos docentes
da Educação Básica. Nesse caso, cabe, então, entender como essa formação
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deve ser conduzida e fundamentada. Desse modo, com base na literatura a
ser estudada, esse artigo pretende responder a seguinte questão: Quais são
os princípios norteadores que envolvem a problemática em torno dos saberes
docentes segundo a literatura inerente aos conhecimentos profissionais
pedagógicos?

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Para a fundamentação da coleta – e posterior análise dos dados
coletados – buscou-se estudos sobre formação docente e saberes docentes
apresentados por autores situados em diferentes realidades educacionais e
culturais.
Dos instrumentos compatíveis com esta abordagem, entendeu-se que
a análise qualitativa das fontes é indicada para a constituição dos dados
segundo nossos propósitos, uma vez que pode ser capaz de proporcionar
informações relevantes que não são conseguidas por qualquer outro
instrumento e que nos permita sistematizar, descrever e analisar as
informações envolvidas por este estudo. As análises das fontes foram
organizadas a partir de cada referência coletada, separando-as e
catalogando-as em partes, relacionando essas partes e procurando identificar
nelas as tendências e os padrões relevantes (LÜDKE & ANDRÉ, 1986).

SABERES DOCENTES E CONHECIMENTOS PROFISSIONAIS: O QUE DIZ


A LITERATURA?
A situação que cerca a formação inicial docente permite entender que
os cursos não têm contribuído significativamente para construir uma
identidade profissional pautada nos saberes inerentes ao ofício do magistério,
já que os currículos apresentam atividades de estágios muito distantes da
realidade das escolas, pautando-se por uma perspectiva burocrática e
categorial incapaz de abarcar as contradições da prática de educar. A partir
desse contexto, as pesquisas que procuram envolver tal prática se direcionam
para discutir novos caminhos capazes de definir a identidade profissional do
professor nos saberes inerentes à docência (PIMENTA, 2005).
Considera-se que a licenciatura seja capaz de despertar nos docentes
formadores e graduandos conhecimentos e habilidades; atitudes e valores em
prol dos saberes e fazeres constitutivos do ofício do magistério, suprindo as
necessidades e desafios sociais que o ensino como prática requer. Espera-se
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que o professor mobilize para tanto os conhecimentos inerentes às ciências
da educação, necessários para interligar a compreensão do ensino como
realidade social, e seja capaz de investigar sua própria ação para, a partir
dela, construir e reconstruir seus saberes e fazeres docentes, configurando
novas perspectivas para a identidade do professor (PIMENTA, 2005).
Segundo Tardif (2000), a tarefa em prol da consolidação de um
repertório de conhecimentos baseados nos saberes profissionais dos
professores requer algumas etapas que, de modo geral, podem ser
resumidas em quatro fases: primeiramente, realizar um exame crítico das
premissas que constituem as crenças de um e de outro em detrimento da
natureza dos saberes profissionais; a segunda tarefa está baseada na
introdução de dispositivos de formação, de ação e de pesquisa que não
sejam exclusivamente “redigidos pela lógica que orienta a constituição dos
saberes e as trajetórias da carreira no meio universitário” (p. 20); a terceira
tarefa consiste em redefinir a lógica disciplinar como fundamento da formação
do professor, isto é, tornar as disciplinas pedagógicas mais flexíveis ao
caráter do ensino, bem como abarcar a realidade do contexto escolar em
pareceria entre a universidade e a escola, entre o trabalho do professor
universitário e a comunidade escolar; a última tarefa consiste em atribuir
categorias de organização e estruturação para as disciplinas de Educação,
como as práticas pedagógicas.
Ao pensar essas questões deve-se ter em conta que o professor não
pode ser considerado totalmente autônomo, pois sua ação depende de um
quadro normativo; existe todo um conjunto de processos e ações por trás de
seu trabalho que deve ser construído ao longo de sua atuação inicial e
posteriormente aperfeiçoada e adaptada.
Shulman (1987) descreve-as como: conhecimento acadêmico da
disciplina; estrutura e materiais educativos; conhecimento acadêmico da
educação formal; sabedoria da prática no sentido do senso comum. Assim,
designar os saberes inerentes à experiência é contribuir para o processo de
construção da identidade dos futuros professores (PIMENTA, 2005).
Segundo Gauthier et al. (1998), para ser possível atuar no processo
de formação docente, é necessário retomar certas ideias preconcebidas que
configuram o mais grave dos erros que mantêm o ensino numa “cegueira
conceitual”. Essas, de modo geral, configuram-se em pensar que para ser

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professor: “basta conhecer o conteúdo”; “basta ter talento”; “basta ter bom
senso”; “basta seguir sua intuição”; “basta ter experiência”; “basta ter cultura”.
As pesquisas em prol da consolidação de um repertório de saberes
docente passam então a caracterizar um conjunto de conhecimentos
elementares à profissionalização do ensino que englobe uma base sólida de
saberes numa relação entre as ciências do conteúdo específico de cada área
de atuação e as ciências da Educação. É essa intrínseca relação entre
conteúdo e pedagogia que, segundo Gauthier et al. (1998), difere a profissão
docente de outras ocupações profissionalizadas, além de condicionar os
saberes inerentes ao exercício pedagógico dos diferentes interesses políticos
e econômicos, desvinculados dos princípios educacionais.
O conjunto de saberes inerentes ao magistério deve prover de
diversas fontes, mas deve, sobretudo, ser construído ao longo da formação
inicial ministrada em cursos de graduação. A noção atribuída ao conceito de
“saber”, corresponde àquilo que Tardif (2002) chama de “saber”, “saber-fazer”
e “saber-ser”.
É no desafio de consolidar um repertório de conhecimentos
profissionais inerentes ao magistério que os erros pautados na ideia de um
ofício sem saberes e saberes sem ofício – responsáveis pela desvalorização
da profissionalização do ensino – são gradativamente superados. É possível
então construir uma formação pautada nos saberes específicos pedagógicos
adequados para perceber de que maneira e em que contexto os professores
desenvolvem esse ensino (GAUTHIER et al., 1998). Esses saberes são
mobilizados com base nos pressupostos que estruturam o saber profissional
pedagógico. Cabe a este estudo, de modo geral, uma triangulação entre as
diferentes e similares categorizações sobre o saber docente apresentadas por
diferentes autores. Esses saberes são assim definidos:
1. Saber disciplinar. Esse saber corresponde ao conhecimento
produzido pelas pesquisas científicas realizadas nas mais diversas áreas do
conhecimento. São geralmente ministrados nas universidades ou centros de
formação e modulados por cursos distintos. O docente não é responsável por
produzir o saber disciplinar, mas, para que possa ensinar, deve extrair o
saber produzido pelos pesquisadores, já que ensinar exige certo
conhecimento do conteúdo a ser ministrado em sala, pois não é possível
ensinar algo que não seja de seu domínio (GAUTHIER et al., 1998).

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Segundo Porlán & Rivero (1998), os saberes disciplinares
correspondem às disciplinas ministradas ao longo do processo de formação
docente que abordam os processos relacionados ao ensino e à
aprendizagem, cujo grau e tipo de organização obedecem à lógica interna de
cada disciplina. O conhecimento profissional envolve disciplinas relacionadas
às áreas curriculares, como a biologia, física, química, geologia, historia,
geografia, matemática, línguas etc.; as relacionadas ao ensino, como a
pedagogia, teoria do currículo, historia da educação, didáticas específicas
etc.; as relacionadas à aprendizagem, como a psicologia; e, por fim, as
relacionadas ao estudo dos sistemas educativos inerentes aos campos da
sociologia da Educação, política educativa, economia educativa etc.
Para Shulman (1986; 1987), esse saber se refere ao conhecimento do
conteúdo da matéria ensinada, ou subject knowledge base matter, e está
diretamente ligado às compreensões que o professor constrói sobre a
estrutura disciplinar e o modo como organiza cognitivamente seu
conhecimento sobre a matéria a ser ensinada. Tal compreensão não pode
estar restrita aos fatos e conceitos inerentes à disciplina e implica na
compreensão do modo pelo qual os princípios fundamentais de uma dada
área do conhecimento são configurados. Nesse contexto, a organização da
estrutura curricular não pode se limitar apenas aos fatos e conceitos
provenientes do conteúdo. Além disso, deve pautar também as condições que
envolvem os processos que orientam sua produção, representação e
validação epistemológica. A partir daí é possível organizar a estrutura
disciplinar compreendendo o domínio atitudinal, conceitual, procedimental,
representacional e validativo do conteúdo.
Na visão de Pacheco e Flores (1999), esse saber caracteriza a
formação científica, tecnológica, técnica ou artística da especialidade de
ensino. Corresponde à organização, seriação e sistematização da
configuração disciplinar de cada curso de formação que determina o conteúdo
do conhecimento configurador da formação científica do professor que,
muitas vezes, é tido como base fundamental para a competência profissional
docente.
Os problemas profissionais que cercam o trabalho docente são de
diferentes naturezas, mas, como afirma Porlán & Rivero (1998, p. 8), “se
obvia que ‘saber’ algo no es sinónimo de saber hacerlo en la práctica”. O
saber docente transcende os limites de uma dada área do conhecimento e
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adentra num contexto que envolve inúmeras competências e habilidades que
não estão presas ao campo disciplinar específico. Ou seja, apenas saber o
conteúdo da matéria a ser ensinada não é suficiente para garantir aos
professores sucesso no ensino dos alunos. Concordar que basta conhecer o
conteúdo para ser capaz de ensiná-lo é, como afirmam Porlán & Rivero
(1998), conferir uma visão reducionista do saber profissional docente e
entender o conhecimento profissional como um conhecimento prático, no
sentido de executar tarefas e transmitir um conteúdo.
2. Saber curricular. Estrutura e formaliza os saberes necessários à
prática pedagógica. Esse saber é responsável por conduzir as
transformações que uma disciplina sofre ao longo do tempo, já que enquanto
instituição de ensino a escola organiza e seleciona os saberes produzidos
pelas ciências transformando-os no que será ensinado em sala de aula
(GAUTHIER et al., 1998).
3. Saber das ciências da educação. Refere-se ao conjunto de
conhecimentos e habilidades que o professores adquirem ao longo de sua
formação inicial, seja na prática ou na teoria. Como resultado dessa formação
o docente deve ser capaz de compreender as noções relativas ao sistema
escolar. Esse é um conhecimento específico que não está diretamente ligado
à ação pedagógica, mas que permeia a maneira pela qual o professor existe
profissionalmente (GAUTHIER et al., 1998).
Esses saberes são descritos por Porlán & Rivero (1998) como os
saberes acadêmicos ou metadisciplinares correspondentes ao conjunto de
conhecimentos que os professores adquirem ao longo de sua formação inicial
inerentes ao currículo e às ciências da Educação. São de natureza explícita e
estão organizados para atender a lógica disciplinar. No entanto, os conteúdos
inerentes às ciências da educação tendem a influenciar minimamente a
atuação profissional, pois sua aprendizagem se dá de modo
descontextualizado e fragmentado.
Nas bases apresentadas por Pacheco e Flores (1999), esse saber
satisfaz a formação científica no domínio pedagógico-didático, que
corresponde à integração da formação teórica e teórico-prática característica
das ciências da Educação, ou seja, valoriza a prática pedagógica orientada.
Segundo Pacheco e Flores (1999), a prática pedagógica é responsável por
englobar a sensibilização para o contexto escolar e a realização de

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experiências práticas, de modo a integrar o aluno-futuro-professor no
exercício real da prática pedagógica.
4. Saber da tradição pedagógica. Configura-se a partir das
representações da escola e do ato de ensinar que acompanham o licenciando
antes mesmo de entrar na universidade (GAUTHIER et al., 1998).
5. Saber experiencial. Corresponde à ideia de que aprender sobre as
suas próprias experiências é viver um momento particular ligando
intimamente hábito à experiência, assumindo muitas vezes a forma de uma
atividade rotineira em que o aprendizado contínuo dá lugar às repetições.
Assim, embora o professor viva inúmeras experiências, tais experiências se
limitam apenas a vivência em sala de aula. Logo, “o seu julgamento e as
razões nas quais ele se baseia nunca são conhecidos nem testados
publicamente” (p. 33). Portanto, o docente pode portar uma bagagem grande
de experiência, mas pode também atribuir explicações errôneas à sua
maneira de agir, de modo que o saber experiencial se torna limitado, pois “é
feito de pressupostos e de argumentos que não são verificados por meio de
métodos científicos” (GAUTHIER et al., 1998, p.33).
Segundo Tardif (2002), o saber docente se constitui de bases
pautadas em um saber experiencial, que pode ser resultado da experiência
de vida do indivíduo e do processo social e histórico que o constitui como tal.
O autor apresenta as características que compõem o saber experiencial, que
podem ser resumidas do seguinte modo: o saber experiencial está ligado às
funções do professor; é um saber de natureza prática; corresponde a um
saber interativo, mobilizado e modelado numa relação entre professor e todos
os envolvidos nessa organização; é um saber sincrético e plural que repousa
sobre diversas formas de conhecimentos e sobre um saber-fazer utilizado e
mobilizado “em função dos contextos variáveis e contingentes da prática
profissional” (TARDIF, 2002, p. 109). É um saber dinâmico, pois implica
conhecimentos diversos tratados em diferentes momentos de sua história de
vida; é um saber complexo, pois envolve tanto o ator em suas regras e seus
hábitos, como também sua consciência discursiva; é um saber aberto, pois
está sempre contanto com aprendizados novos, de modo a remodelar
constantemente a sua prática; é um saber existencial, já que está ligado tanto
à experiência do trabalho como à história de vida; é um saber temporal, pois
evolui com o tempo e no espaço das ações; e, por fim, é um saber social e
construído pelo autor em interação com diferentes fontes sociais.
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Shulman (1986; 1987) também afirma que o saber da prática sinaliza o
saber adquirido com a prática profissional, que não deve em si ser imutável
ao tempo e à experiência. Deve ser, sobretudo, construído com base na
racionalidade profissional, científica e reflexiva.
Para Pacheco e Flores (1999), saber experiencial corresponde à
formação pessoal, caracterizada pelo autodesenvolvimento, e corresponde à
componente onipotente que existe na formação de professores. Nesse
processo, cada professor desenvolve e constrói sua prática, aprendendo a
ensinar com estilo próprio, já que é portador de crenças, atitudes e
expectativas pessoais. Desse modo, compõe-se uma formação subjetiva,
característica com a individualidade do docente, que favorece atitudes de
reflexão, autonomia, colaboração e participação.
6. Saberes da ação pedagógica. É constituído pelas experiências
pedagógicas que são vividas pelos professores e, posteriormente, tornam-se
públicas, sendo testadas por meio de pesquisas científicas desenvolvidas em
sala de aula (GAUTHIER et al., 1998). Correspondem aos saberes mais
necessários da profissionalização docente, mas, paradoxalmente, é o saber
mais distante dos professores, já que a tradição presente na formação
docente não valoriza esse saber como um caminho importante e fundamental
para o processo de formação do professor (GAUTHIER et al., 1998). No
entanto, para que sejamos capazes de profissionalizar o ensino, “é essencial
identificar saberes da ação pedagógica válidos e levar os outros atores
sociais a aceitar a pertinência desses saberes” (GAUTHIER et al., 1998, p.
34).
Os saberes da ação pedagógica estão fundamentados pelas ciências
da Educação e atrelados ao exercício do magistério. Correspondem assim
aos saberes didáticos. A aprendizagem que governa e organiza os saberes
inerentes aos conhecimentos didáticos não é resultado da mera apropriação
formal dos significados teóricos e abstratos responsáveis por impedir o
profissional de atuar em diferentes cotidianos, pois conduz apenas a
capacidade de assimilar e dominar as competências e habilidades concretas
que, por ser coerentes com as situações conhecidas, são capazes de permitir
ao professor atuar sobre diferentes contextos (PORLÁN & RIVERO, 1998).
7. Rotinas e guias de ação. Correspondem ao conjunto de esquemas
tácitos que norteiam as situações vivenciadas em sala de aula e que
correspondem às pautas de ações concretas e os meios para abordá-las. Não
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podem ser considerados um saber negativo em si mesmo por não derivar
(direta ou exclusivamente) de uma teoria ou prática científica, pois
correspondem a uma ação biológica e psicológica necessária ao exercício do
magistério (PORLÁN & RIVERO, 1998).
Assim sendo, segundo Porlán & Rivero (1998), as fontes de
conhecimento docente podem ser de natureza racional e experiencial, de
modo que ambas são consideradas pelos autores como metadisciplinares. O
conhecimento racional pode manifestar-se por duas vertentes: explícita,
conferindo o saber acadêmico (enciclopédico); e tácita, que corresponde às
teorias implícitas. O conhecimento experiencial explícito compartilha
princípios e crenças como manifestações estereotipadas. O conhecimento
tácito envolve rotinas e roteiros representados por ações mecânicas.
Assume-se que os saberes docentes devem ser resultado de uma
interação entre “saber técnico” e “saber prático”, Pacheco e Flores (1999)
desenvolvem e sistematizam esses saberes sob dois seguimentos que se
partilharão como saberes em uso. O saber técnico configura o saber-na-ação
– saber declarativo; saber teórico; saber tácito –, enquanto o saber prático
abarca a reflexão-na-ação – saber procedimental; saber da prática; saber
empírico.
Desse modo, de modo geral, as pesquisas descritas até aqui
procuraram estabelecer um repertório de conhecimentos inerentes ao
exercício do magistério. Dentre os discursos que as configuram e as questões
levantadas acerca dos saberes docentes, essas tendem a convergir em uma
questão central: a dicotomia entre teoria e prática. Com base na literatura
aqui apresentada, entendemos que os saberes pedagógicos são capazes de
colaborar com a prática, sobretudo se estiverem sendo mobilizados de acordo
com a resolução de problemas. No entanto, cabe destacar que os práticos
sejam capazes de construir esses saberes só com o saber da prática, pois é
necessário conferir-lhes estatutos de natureza epistemológica (PIMENTA,
2005).
CONSIDERAÇÕES FINAIS

As pesquisas desenvolvidas em torno da profissionalização do


magistério apontam para que todo esse conjunto de saberes seja capaz de
configurar os elementos principais para a produção da profissão docente e de
subsidiá-la com saberes específicos que não podem ser considerados
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estanques. Tais saberes não compõem um corpo acabado de conhecimentos,
pois os problemas inerentes à prática pedagógica não são puramente
instrumentais. Ao contrário, envolvem situações complexas e problemáticas
que necessitam tomadas de decisões num campo de fortes incertezas,
singularidade e conflito de valores éticos, políticos e morais.
A atuação do professor deixa de ser comparada à função de um
especialista em uma disciplina ou à de um técnico, uma vez que ele passa a
ser entendido como um profissional cuja atuação intelectual compromete a
responsabilidade individual do agente. Portanto, o saber prático resulta da
ação de natureza íntima, social e tradicional, ou seja, é um conhecimento
resultante da experiência que se adquire na relação entre experiência e
prática, o que lhe confere status de conhecimento ligado ao modo pessoal e
profissional de agir do professor (TARDIF, 2002; FREIRE, 1996;
PERRENOUD, 2000; PACHECO & FLORES, 1999; PORLÁN & RIVERO,
1998).
Portanto, os estudos apresentados apontam para o fato de que os
princípios norteadores que envolvem a problemática em torno dos saberes
docentes configuram um perfil para o professor incapaz construir seu
conhecimento baseando-se unicamente nos saberes acadêmicos tradicional
ou nos saberes experienciais, pois é necessário também refletir os processos
ideológicos que implicam a interação com o outro, de modo a construir um
conhecimento não apenas profissional, mas também crítico e ético. O
professor deve compreender os fenômenos relacionados ao processo de
ensino-aprendizagem assumindo ações adequadas à sua prática pedagógica.

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