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Artigo A Formação Continuada e A Identidade Docente Um Olhar
Artigo A Formação Continuada e A Identidade Docente Um Olhar
Artigo A Formação Continuada e A Identidade Docente Um Olhar
Este painel tem por objetivo explicitar resultados de três pesquisas sobre a formação de
professores e a identidade profissional. Entendemos que o processo de constituição da
identidade docente se dá ao longo da carreira, sendo impregnado de representações
sociais acerca da figura do professor, e influenciado por processos que envolvem a
história pessoal, as interações e aprendizagens vivenciadas nos espaços formativos.
Desse modo, apresentamos o primeiro artigo que é decorrente de uma pesquisa de
mestrado, e apresenta uma sistematização dos processos de produção de conhecimento
sobre formação continuada, com base na análise de artigos de periódicos acadêmico-
científicos da área de educação. Procuramos conhecer o cenário das pesquisas em nosso
país, e saber se os artigos contemplam as relações existentes entre a formação e a
identidade docente. O segundo artigo, também decorrente de uma pesquisa de mestrado,
objetiva lançar luz sobre o papel dos aspectos relacionais no processo de constituição
identitária docente, a partir de narrativas de história de vida de professoras atuantes no
Atendimento Educacional Especializado da Rede Municipal de Ensino de Joinville. O
terceiro artigo objetiva estudar os movimentos identitários de professores do ensino
fundamental em exercício, buscando identificar como se constitui sua identidade
profissional, tendo em vista a tensão entre as atribuições que lhes são conferidas nos
seus locais de trabalho, as identificações que realizam ou não, e as representações
sociais subjacentes às atribuições e pertenças. Sendo assim, com a composição desse
painel, pretendemos contribuir para os estudos sobre essa temática, tendo em vista a
pertinência do tema ao possibilitar a compreensão sobre o ofício e a relevância da
formação na constituição do ser docente.
Resumo: Este trabalho visa apresentar uma sistematização dos processos de produção
de conhecimento sobre formação continuada de professores, com base na análise de
artigos de periódicos acadêmico-científicos, produzidos na área de educação, de 2008 a
2015. Nossa problemática centra-se em conhecer o cenário das pesquisas sobre a
formação continuada de professores em nosso país, além de buscar saber se os artigos
contemplam as relações existentes entre a FC e a identidade docente. Para fundamentar
as ideias apresentadas foi realizado um estudo baseado nas produções de Imbernón
(2009), Santos (2009), Terrazzan, (2007), dentre outros autores. Concluímos que a FC
de professores constitui um campo de estudos abrangente. As pesquisas que tratam
especificamente das possíveis relações existentes entre a FC e a identidade docente,
consideram a FC um processo que pode possibilitar mudanças na identidade
profissional, por meio da interlocução em diferentes espaços, da troca de experiências e
do estabelecimento de parcerias entre os professores. Destacamos o crescente interesse,
nos últimos dois anos, por temas que relacionam a FC com as práticas pedagógicas
inclusivas, as políticas públicas e as novas tecnologias. Foram poucos os trabalhos
analisados que trataram dos processos formativos dos professores dos Anos Iniciais,
mesmo que a maioria dos artigos abordem questões pertinentes à educação básica. Os
artigos existentes sobre a FC no Ensino Superior tratam de levantamentos bibliográficos
ou estudos realizados por Grupos de Pesquisa em ações formativas específicas. É
evidente a necessidade das pesquisas acadêmicas focarem na FC nos ambientes
escolares, para obterem maior relevância junto ao professorado, sendo assim, um
referencial consistente na inovação em termos de processos formativos.
Durante o primeiro período de coleta dos artigos publicados entre 2008 e 2013,
encontramos um total de 74 artigos. De posse desses artigos, lemos o resumo de cada um
deles e demos atenção especial ao objetivo do trabalho que deveria referir-se à formação
continuada de professores. Em seguida lemos todos esses artigos na íntegra e percebemos
que alguns deles (14) não tinham relação direta com o assunto de nosso interesse e, desta
forma, os descartamos. Assim, nossa amostra na primeira etapa de análise foi de 60
artigos.
Decidimos, posteriormente, dar prosseguimento ao nosso levantamento, e
incluímos em nossos dados os artigos publicados nos anos de 2014 e 2015. Desta forma,
atualizamos nossas informações e ampliamos o olhar sobre as pesquisas sobre a formação
continuada de professores (FC), incluindo a leitura de mais 29 artigos. Desta forma,
finalizamos nossa coleta com a análise de 89 artigos.
Após a leitura detalhada, selecionamos as informações mais pertinentes que foram
sistematizadas num quadro analítico descritivo. Posteriormente, elaboramos um Roteiro
para Análise Textual com categorias (a posteriori), a fim de auxiliar na análise dos
trabalhos coletados.
Considerações finais
pesquisas acadêmicas por esta etapa da Educação Básica, mesmo que a maioria dos
artigos abordem questões pertinentes a esse nível de ensino.
É importante evidenciar também o pequeno número de pesquisas que tratam
especificamente das possíveis relações existentes entre a FC e a identidade profissional
docente. Contudo, nos artigos incluídos neste eixo de nossa análise, é perceptível a
preocupação em compreender como se dá o processo de aprender a ser professor. As
concepções apresentadas relacionam a FC à práxis, como um processo que além da
reflexão sobre o fazer pedagógico, deve articular a teoria e a prática, tendo como
referência o cotidiano escolar e seus desafios. Os resultados apontaram para a influência
de significações constituídas no âmbito pessoal e profissional, destacando-se
características como aprendizado constante, investimento permanente na formação, e
desenvolvimento de estratégias inovadoras para o processo de ensino e aprendizagem.
Os artigos de periódicos enfatizam a FC como uma fonte que pode possibilitar
mudanças na identidade profissional, por meio da interlocução em diferentes espaços e da
troca de experiências. Aliado a isso, notamos que os artigos apresentam tanto aspectos
positivos em torno da FC, como o estabelecimento de parcerias que propiciam a inovação
educacional, quanto os aspectos negativos, como o controle do Estado e as falhas da
escola ao desconsiderar os interesses dos professores como referência na organização dos
seus processos formativos.
Destacamos o crescente interesse por temas que relacionam a FC com as práticas
pedagógicas inclusivas. Sugerimos que este aumento se deve ao desenvolvimento de
pesquisas focadas nas dificuldades vivenciadas pelos docentes, mais especificamente na
educação básica, o que entendemos como um ganho, por aproximar a pesquisa acadêmica
das reais necessidades do professor deste nível de ensino.
Outro dado que merece destaque se refere ao aumento das pesquisas voltadas às
relações entre a FC e as políticas públicas, especialmente nos dois últimos anos,
constituindo importantes dados empíricos extraídos de práticas realizadas em programas
formativos como o PNAIC.
Nosso levantamento permitiu ainda verificar que os artigos existentes sobre a FC
no Ensino Superior tratam de levantamentos bibliográficos ou estudos realizados por
Grupos de Pesquisa em ações formativas específicas, geralmente voltadas ao
desenvolvimento de estratégias de aprendizagem ou à participação de professores em
cursos de FC realizados à distância, tendo como participantes, em sua maioria, os
professores da educação básica que realizam cursos de pós- graduação ou participam de
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
________________________________
¹ É licenciada em Pedagogia pela UFSM (2005), pós-graduada em Educação pela URCAMP (2008), mestre em
Educação pela UFSM (2014). Atualmente é professora na Rede Estadual e supervisora na Secretaria Municipal de
Educação e Cultura de Alegrete/RS. [nessasleal@gmail.com] - (NEC/CE/UFSM).
² É graduada em Licenciatura Plena em Educação Física pela UFSM, especialista em Supervisão Escolar pela UFRJ,
mestrado em Educação pela UFSM, Doutorado em Educação. Atualmente é Professora Adjunta da UFSM,
Departamento de Administração Escolar. [melizagama@yahoo.com.br]-(Gp DOCEFORM/NEC/CE/UFSM).
³ Possui graduação em Licenciatura e bacharelado em Física pela USP, mestrado em Ensino de Ciências (Modalidade
Ensino de Física) pela USP, doutorado em Educação pela USP e estudos de pós-doutorado em Educação pela
Unicamp. É professor associado da UFSM e bolsista de Produtividade em Pesquisa CNPq/PQ1D.
[terraedu@yahoo.com.br]-(INOVAEDUC/NEC/CE/UF)
Resumo
Introdução
Uma investigação desenvolvida pelo grupo de pesquisa Movimentos Identitários
de Professores 3, é apresentada neste texto, cujo objetivo foi identificar e analisar os
elementos constituintes da identidade de docentes atuantes no Ensino Fundamental,
focalizando as atribuições que lhes são conferidas nas relações que mantêm no cotidiano
escolar.
A pesquisa fundamentou-se nos conceitos de Dubar (2005) sobre a construção
identitária no trabalho, que postula que a articulação entre os atos de atribuição e os atos
e sentimentos de pertença se intensifica nas relações que os indivíduos desenvolvem no
ambiente de trabalho. Nessas atividades, ocorrem tensões, que desencadeiam, em um
movimento permanente e perene, a construção, desconstrução e reconstrução de formas
identitárias, nas e por meio das identificações e não identificações dos sujeitos.
Ao refletir sobre as identidades no trabalho e tendo como pressupostos teóricos
os conceitos de Dubar (2005), nesta pesquisa, foram questionadas as influências
exercidas pelas situações vividas pelos professores no seu dia-a-dia na configuração de
sua identidade profissional, especificamente, na sua forma de ver-se como docente.
Em pesquisas anteriores, constatou-se a importância dos aspectos singulares dos
professores no desenvolvimento de suas práticas na escola, sobretudo no envolvimento
e compromisso desses profissionais com processos de mudança ou na sua adesão a
novas propostas pedagógicas. Com esta pesquisa, propõe-se ampliar as reflexões
relativas aos processos de fortalecimento da categoria profissional dos professores, ao
mesmo tempo que se entende que o estudo de suas identidades pode trazer contribuições
à compreensão dos modos como a docência se desenvolve na escola. Por outro lado,
acredita-se na possibilidade de este estudo contribuir para a proposição de formas de
realizar a formação docente que contemplem a reflexão sobre ser professor nos dias
atuais. São esses objetivos que direcionaram o grupo a investigar as formas identitárias
reveladas pelos professores nos movimentos e relações de força que se expressam nas
tensões entre as atribuições e as pertenças vivenciadas no exercício da profissão,
portanto, nos mundos vividos. E isso levou ainda à tentativa de compreender de que
maneira as representações sociais (Moscovici, 2003; Jodelet, 2001) interferem nessas
formas identitárias, dado que se identifica que aquelas estão presentes tanto nas
atribuições como nas pertenças expressas pelos professores.
Forças situadas no nível das atribuições conferidas ao professor pela escola e
demais agentes, e no das identificações e/ou pertenças são postas em movimento no
Método
Esta foi uma pesquisa qualitativa, desenvolvida em situações naturais, recorrendo
a dados descritivos, que trazem a perspectiva dos participantes (LÜDKE e ANDRÉ,
1986). Dá ênfase à subjetividade, aos sentidos e aos significados que os sujeitos
atribuem às suas experiências, valorizando suas práticas cotidianas. (FLICK, 2004).
Pesquisar identidades não é tarefa simples (DUBAR, 1997), mas a presente
tentativa funda-se na convicção de que é possível empreender tal tarefa, considerando a
heterogeneidade dos processos de atribuição e de pertença. Ao se fazer isso, parte-se
da atribuição da identidade pelas instituições e agentes que interagem com o sujeito.
Para isso, considera-se onde estão os sujeitos em relação, quais as categorias os
identificam (etiquetagem), que tensões caracterizam a constituição das identificações,
frente às atribuições feitas pelas instituições.
“identidades para si”, ou seja, “a história que contam a si daquilo que são”. (DUBAR,
1997:107) e estabelecem-se relações com as atribuições que escolhem como pertenças.
atribuições que comumente são imputadas ao professor e, por outro lado, junto aos
professores, buscou-se desvelar que atribuições dizem eles lhes serem feitas pelos
outros atores da escola, relacionando as interpretações dos professores com as
atribuições feitas por direção, coordenação, família, alunos. Nesse processo de análise,
buscou-se, ainda, identificar processos reflexivos que indicassem os movimentos que os
professores empreendem, ao tentarem articular as atribuições que lhes são dadas por si
mesmos, com as que eles dizem serem feitas pelos outros (sua compreensão do que lhe
dizem).
Os movimentos identitários empreendidos pelos professores não oferecem
respostas únicas ou padronizadas, mas a análise buscou identificar aspectos que os
caracterizassem, enquanto possíveis regularidades e particularidades.
A análise dos dados implicou a gravação e transcrição das entrevistas, que foram
lidas e reorganizadas várias vezes, discutidas pelo grupo e os dados provocaram
interlocuções com os teóricos que fundamentam este trabalho.
Os passos da análise foram:
Conhecer e entender a realidade das escolas;
Leitura flutuante das entrevistas com os professores;
Identificação de atribuições e pertenças;
Elaboração de texto (parcial) com núcleos e falas dos atores;
Leitura das demais entrevistas (Diretor/Coordenador/Pais/Alunos);
Identificação das atribuições e relação com os temas;
Elaboração do texto com núcleos e falas de todos os atores;
Identificação dos movimentos identitários;
Elaboração do texto final de cada escola.
Na pesquisa original, os textos de todas as escolas passaram por revisão, de modo
a produzir uma análise do conjunto de dados de toda a pesquisa.
Resultados
Apresenta-se, à guisa de conclusão, uma síntese do que se constatou nos quatro
diferentes contextos pesquisados, na perspectiva do que seriam aspectos da constituição
identitária dos professores. Neste trabalho, buscou-se enfatizar o eixo relacional desse
processo, analisando as atribuições que são conferidas aos docentes por ele mesmo e
pelos sujeitos que com ele convivem na escola (Direção, coordenação, família e alunos)
Que atribuições podem ser destacadas, de acordo com cada grupo de sujeitos?
- Em duas escolas, a ênfase dos participantes foi o ensino, quanto outras duas
deram realce à questão da aprendizagem;
Notas
1
São co-autoras deste texto, participantes da pesquisa, as pesquisadoras e professoras doutorasVera Lucia
Trevisan de Souza (PUCCAMP), Magali Aparecida Silvestre (UNIFESP), Marly das Neves Benachio
(Colégio Emilie de Villeneuve), Marili Moreira da Silva Vieira (Universidade Presbiteriana Mackenzie) e
Camila Igari (Doutora pela PUCSP).
2
Doutora em Educação: Psicologia da Educação pela PUCSP. Professora Titular da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). Pesquisadora Associada da Fundação Carlos Chagas
(FCC), participando do CIERS-Ed (Centro Internacional em Representações Sociais e Subjetividade –
Educação e da Cátedra UNESCO sobre Profissionalidade Docente (FCC) E-mail: veraplacco@pucsp.br.
3
Trata-se de grupo de pesquisa financiado pelo CNPq e coordenado pela Professora Drª Vera M. N. S.
Placco, docente do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. A produção inicial deste texto se deu ao longo da
disciplina Projeto: Movimentos identitários de professores ministrada pela referida professora e contou
com a participação dos membros (doutores, doutorandos e mestrando) do grupo de pesquisa e de
discentes (doutorandos e mestrandos) matriculados na disciplina. Eram seus componentes: Ailton Souza
de Oliveira, Camila Olivieri Igari, Luciana F. Fonseca, Luzia Angelina Marino Orsolon, Magali
Aparecida Silvestre, Marili M. S. Vieira e Marly das Neves Benachio. Além do mais, participa do grupo a
Dra. Vera Lúcia Trevisan de Souza, coordenadora e professora do Programa de Pós-Graduação em
Psicologia, da PUCCamp, co-responsável pela pesquisa e ex-orientanda de doutorado da pesquisadora
responsável.
REFERÊNCIAS
FLICK, Uwe. Uma introdução à pesquisa qualitativa. 2 ed. Porto Alegre: Bookman,
2004.
INTRODUÇÃO
PERCURSO METODOLÓGICO
Identificar quais foram suas fontes de identificação 2. Quais foram suas fontes de identificação com a
com a profissão docente. profissão docente?
Investigar se houve interação com pessoas com 3. Você teve interação com pessoas com
deficiência ao longo de suas vidas e se/como esta deficiência ao longo da vida?
interação se relaciona ao processo de constituição
da identidade docente.
Fonte: Primária.
O que leva alguém a se identificar com a profissão docente? Eis uma questão
que pode ser respondida de variadas formas. Nas origens da identificação profissional
pode estar uma professora alfabetizadora, uma brincadeira de escolinha, uma família ou
mesmo uma personagem fictícia, como o professor de literatura John Keating,
interpretado pelo ator Robin Williams no filme Sociedade dos Poetas Mortos (1989).
De todos os aspectos envolvidos no processo de constituição identitária docente,
entre os quais podem ser citados aspectos econômicos, psicológicos e políticos, foram
os aspectos relacionais que se destacaram nas narrativas de Adélia e Sophia no tocante a
como se tornaram professoras. O conjunto das relações sociais consideradas por elas
como significativas evidenciaram-se como contexto e fonte da constituição identitária
docente. Contexto, porque tais relações remetem ao meio cultural do qual elas fizeram e
fazem parte; fonte, pois foi a partir deste meio que se tornaram as professoras que são
hoje.
Dominicé (2014, p. 81) expressou, sobre o papel dessas relações no processo de
formação de professores, que “embora não haja qualquer obrigação de descrever as
relações na narrativa biográfica, elas ocupam um lugar importante”. Isto porque as
narrativas de história de vida costumam desenrolar-se como um itinerário relacional: as
pessoas citadas nestas narrativas são aquelas que, destacadamente, participaram de
momentos importantes e/ou ocuparam um lugar distinto no decurso da existência
daquele ou daquela que narra. Pais, professores, amigos, companheiros, entre outros,
podem ser lembrados à medida em que marcaram o processo de formação. Nesse
sentido, “aquilo em que cada um se torna é atravessado pela presença de todos aqueles
de que se recorda” (DOMINICÉ, 2014, p. 81).
Quem foram as pessoas recordadas por Adélia e Sophia e se demonstraram
como esses outros de referência em seus processos de constituição identitária docente?
Em suas narrativas, foram citadas professoras, supervisoras e diretoras escolares e
alunos com deficiência, enaltecendo a origem histórica e cultural da identidade,
constituída nas/pelas das relações sociais. Vejamos um trecho da história de Adélia:
Adélia estabeleceu uma relação direta entre interação com seu primeiro aluno
com deficiência e um processo de metamorfose em suas concepções e práticas docentes,
constituindo a partir dessa interação um olhar diferenciado para o processo de ensino e
aprendizagem. O trecho supracitado, extraído de sua narrativa, elucida como, na relação
com seu primeiro aluno com deficiência, foram engendradas transformações em sua
consciência, que consequentemente geraram mudanças em sua atividade e identidade.
Isto porque identidade, consciência e atividade podem ser compreendidas enquanto
dimensões indissociáveis do psiquismo humano, e por isso “[...] à medida que vão
ocorrendo transformações na identidade, concomitantemente ocorrem transformações
na consciência (tanto quanto na atividade)” (CIAMPA, 2005, p. 193-194).
Onde antes Adélia via um menino “[...] totalmente paralisado, atrofiado naquela
cadeira”, passou a vislumbrar suas possibilidades e potencialidades para aprendizagem,
evidenciando que o trabalho docente é um aspecto que constitui as identidades bem
como os saberes docentes. Tardif (2013) explicou que, em função de seu trabalho, os
professores podem construir, desconstruir e reconstruir saberes, mobilizando-os na
condução de sua atividade e no enfrentamento das situações vivenciadas no cotidiano
escolar. Estes saberes, produzidos e modelados pelo trabalho dos professores, por sua
vez também imprimem marcas sobre suas identidades pessoais e profissionais.
Sophia, por sua vez, remeteu-se às relações familiares ao falar sobre como se
tornou professora:
[...] bom, na família temos algumas professoras. [...] A minha mãe sempre
gostou muito [...] Ela disse que se ela tivesse tido oportunidade, ela teria sido
professora. [...] A minha mãe sempre dizia que eu levava muito jeito. Botava
as primas menores para sentar e vamos lá, brincava de escolinha... Ou eu
brincava de dentista, ou eu brincava de escolinha. Eram as minhas
brincadeiras favoritas, assim... Aí eu escolhi fazer o Magistério. (Sophia)
[...] depois [já como professora], eu recebi uma criança com surdez em uma
primeira série. Eu não sabia como lidar. A mãe do menino dizia assim: „Ele
só está vindo para a escola para se socializar‟. Eu dizia: „Como está na escola
para se socializar? Ele tem que aprender‟. Então, eu tentava ensinar as
letrinhas, tentava fazê-lo entender o „a‟, botava a palma da mão dele na
minha garganta para ele sentir a vibração e foi aí que eu me interessei por
Libras. Tinha o curso [...] fui fazer e [...] me apaixonei por Libras, sou
apaixonada até hoje. (Sophia)
Pode-se dizer que Adélia foi constituindo sua identidade docente a partir de
modelos com os quais interagia e dentre os quais destacou-se a professora do magistério
que lhe ensinou a didática da matemática. De acordo com Damiani (2008), é a partir
destes modelos, internalizados de forma pessoal e criativa, que os seres humanos irão
comportar-se, raciocinar e significar as suas experiências. Nesse sentido, o relato de
Adélia lança luz sobre o papel dos professores que outrora se teve no processo de
aprendizagem da docência.
Vigotski (2007) apresentou um entendimento de que por meio da interação
social, a criança desenvolve um repositório de habilidades que poderão, ao longo da
vida, servir-lhe de referência para sua atividade no mundo. Para Quadros et. al. (2008,
p. 3), estes professores que se teve durante a vida e, em especial, durante a trajetória
escolar, desempenham um papel significativo na constituição da identidade docente:
Enfatiza-se, no entanto, que não se trata de mera reprodução dos modos de ser
professor, mas sim um processo de apropriação e recriação a partir da forma como
cada um se relaciona com estes professores e constitui seus percursos identitários e
formativos. Torna-se claro que o ser humano, em todas as suas dimensões e expressões,
incluindo a identidade, nada mais é do que o conjunto de relações sociais nele
encarnado (VIGOTSKI, 2000). As funções psicológicas que lhe permitem pensar sobre
si e dizer de si – e que portanto constituem sua identidade – são engendradas pela
estrutura social de que faz parte. Tais relações, entretanto, como adverte Duarte (2000),
não se restringem àquelas do tipo face a face – que são imediatas entre dois indivíduos –
mas abrangem uma complexidade de relações sociais, incluindo aquelas com forças
ideológicas, políticas, econômicas e culturais.
As relações com os outros, que podem ser, por exemplo, amigos, familiares ou
professores, fazem parte do meioiii no qual o homem está situado e por meio do qual ele
pode se constituir humano. Vigotski (2010, p. 695), afirmou que “[...] o meio
desempenha no desenvolvimento da criança, no que se refere ao desenvolvimento da
personalidade e de suas características específicas ao homem, [...] o papel não de
circunstância, mas de fonte de desenvolvimento”.
Tomando sua explanação como referência, compreende-se que este meio não é
algo externo ao sujeito, mas é continuamente apropriado por ele, tornando-se
pertencente ao sujeito, que se volta a este meio, podendo mantê-lo ou modificá-lo. É por
meio desde processo de apropriação da cultura que um homem pode se desenvolver
como humano e, também, como professor. É neste meio e através dele que alguém pode
se tornar docente. Neste sentido que se afirma que o meio cultural que é fonte de
desenvolvimento humano é também fonte de desenvolvimento profissional docente.
Como expressou Marcelo (2009, p. 7):
Assim, do mesmo modo como aprende-se a ser humano a partir de relações com
o ambiente, o outro, enfim, a cultura, é também por meio destas relações que se aprende
a ser professor. É neste sentido que Santos (2016, p. 80) afirma que “[...] se o que nos
torna humanos [e docentes] é o conjunto das relações sociais que vivenciamos, deflagrar
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
SOCIEDADE dos poetas mortos. Direção de Peter Weir. Estados Unidos: Touchstone
Pictures; Silver Screen Partners IV, 1989. 1 DVD (129 min), widescreen, son., color.
TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 15. ed. Petrópolis, RJ: Vozes,
2013.
i
Este trabalho é um recorte de uma dissertação de mestrado, intitulada Professoras atuantes no
Atendimento Educacional Especializado e suas histórias de vida: um estudo sobre identidade docente
(SANTOS, 2016).
ii
Em nossa visão, não é possível captar a vida inteira, mas uma versão dessa vida, uma parte da totalidade
– que não é a negação dessa totalidade, mas expressão desta; expressão histórica, cultural, social e
singular.
iii
Como explica-se na nota de rodapé da tradutora do texto de Vigotski (2010, p. 681), Márcia Pileggi
Vinha, o meio refere-se tanto ao “[...] „meio ambiente em que se dá determinado processo‟ como ao
„ambiente psíquico ou cultural e mental no qual o homem se insere‟”.