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Dependência de Anfetaminas

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Abuso e

dependência
de
Anfetaminas

Protocolo
A deusa grega Hígia, na pintura Medicina, de Gustav Klimt, 1907.
Clínico

Protocolo da Rede de Atenção Psicossocial,


baseado em evidências, para o acolhimento de
problemas de saúde vinculados ao abuso e à
dependência química de anfetaminas.

Sistema Único de Saúde


Estado de Santa Catarina, 2015.

SANTA CATARINA. RAPS. Abuso e dependência de anfetaminas: protocolo clínico. 0


1. SITUAÇÃO A SER ABORDADA
As anfetaminas são medicações com indicação do tratamento da
narcolepsia, de alguns casos graves de obesidade mórbida e de alguns casos de do transtorno
de déficit de atenção e hiperatividade. Além de sua produção industrial legal, elas também são
sintetizadas em laboratório clandestinos, para fins não médicos. Tais laboratórios produzem
sintéticos tradicionais, como o femproporex, e sintéticos mais novos, como o MDMA (ecstasy).
As anfetaminas podem causar dependência, mas boa parte dos
usuários não costuma procurar tratamento.
A preocupação com as drogas anfetamínicas, algumas vezes ilegais,
outras vezes utilizadas para tratamento médico de obesidade mórbida, aumentou após a
expansão de suas prescrições para crianças e adultos com déficit de atenção e hiperatividade,
pois eventualmente ocorrem desvios de remédios e aumento voluntário das doses pelos
pacientes. Obesos, pessoas que usam drogas para não dormir e jovens que usam
recreacionalmente são candidatos à dependência e a riscos para a saúde.
As anfetaminas legais são a d-anfetamina, a metanfetamina HCl, a
fenfluramina, o metilfenidato, o pemolide, o femproporex, o mazindol, a dietilpropiona e a
anfepramona. São ilegais a 3,4-metilenedioxi-metanfetamina (MDMA), conhecida como êxtase
ou ecstasy, a 4-metilaminorex, conhecida como ice, e um derivado metanafetamínico
conhecido como crystal.
Há poucas evidências sobre a efetividade do femproporex na perda de
peso em obesos. O uso de femproporex na dose de 20 mg ao dia combinado ou não com 6 mg
de diazepam, por 6 meses, resulta em perda de 8,8% a 12,2% do peso inicial, enquanto que
em grupo controle, com placebo, a perda é de 5,3%: um resultado muito pequeno em
comparação com mero uso de placebo1. A Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e
da Síndrome Metabólica e a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia emitiram,
em 2010, uma diretriz definindo a possibilidade médica de tratamento com anfetaminas2. O uso
de medicamentos no tratamento da obesidade e sobrepeso é de segunda linha, e apenas deve
ser considerado quando houver falha do tratamento não farmacológico em pacientes:
1) Com IMC igual ou superior a 30 kg/m²;
2) Com IMC igual ou superior a 25 kg/m² associado a outros fatores de risco, como a
hipertensão arterial, DM tipo 2, hiperlipidemia, apneia do sono, osteoartrose, gota, entre
outras;
3) Com circunferência abdominal maior ou igual a 102 cm (homens) e 88 cm (mulheres).
É importante a adoção de critérios rígidos para prescrição dessas
substâncias (por profissionais devidamente qualificados e capacitados), cujo uso deve ser
restrito a indivíduos submetidos à rigorosa avaliação e acompanhamento médicos, conforme

1
ZARAGOZA, R.M. et al. Efficacy and safety of slow-release fenproporex for the treatment of obesity. Rev Mex
Cardiol, 2005;16:146-54. Apud ACM. Abuso e Dependência de Anfetamínicos. Projeto Diretrizes. [BESSA,
M.A. et al.]. São Paulo: Associação Brasileira de Psiquiatria, Sociedade Brasileira de Endocrinologia e
Metabolismo, Associação Brasileira de Nutrologia, Sociedade Brasileira de Pediatria, Associação Médica
Brasileira, 2012. Disponível em:
<http://www.projetodiretrizes.org.br/diretrizes11/abuso_e_dependencia_de_anfetaminicos.pdf >.
2
ABESO. SBEM. Atualização das Diretrizes para o Tratamento Farmacológico da Obesidade e do Sobrepeso:
Posicionamento Oficial da ABESO/ SBEM, 2010. São Paulo: Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e
da Síndrome Metabólica, Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, 2010. Disponível em:
<http://www.abeso.org.br/pdf/diretrizes2010.pdf>.

SANTA CATARINA. RAPS. Abuso e dependência de anfetaminas: protocolo clínico. 1


diretrizes formais de tratamento estabelecidas por entidades médicas, como afirma, em
documento oficial, o Conselho Regional de Farmácia de São Paulo3. No Reino Unido o sistema
nacional de saúde lançou um guia para o manejo de drogas controladas na atenção primária,
visando prevenir abusos com fármacos4.
No Brasil, associações de especialidades médicas têm tido a
preocupação de lançar diretrizes sobre o tema do abuso e da dependência, através da
Associação Médica Brasileira5, 6.

2. CLASSIFICAÇÃO NA CID 10
F1 - Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de anfetaminas.
.0 - Intoxicação aguda
.1 - Uso nocivo para a saúde
.2 - Síndrome de dependência
.3 - Síndrome de abstinência
.8 - Outros transtornos mentais ou comportamentais
.9 - Transtorno mental ou comportamental não especificado

3. DIAGNÓSTICO
Perda de peso, anemia e outros sinais de desnutrição e comprometimento da
higiene pessoal freqüentemente são vistos com a dependência de anfetamina prolongada.
A intoxicação com anfetamina aguda às vezes está associada a confusão, fala
errática, cefaleia, ideias transitórias de referência e tinido. Durante a Intoxicação intensa, podem ocorrer
ideação paranoide, alucinações auditivas em um sensório claro e alucinações táteis. Frequentemente, o
usuário da substância reconhece que esses sintomas decorrem dos estimulantes. Raiva extrema, com
ameaças ou demonstrações de comportamento agressivo, pode ocorrer. Alterações do humor, tais como
depressão com ideação suicida, irritabilidade, anedonia, instabilidade emocional ou perturbações na
atenção e concentração são comuns, especialmente durante a abstinência.
Os critérios para diagnóstico da síndrome de abstinência de anfetamina
são os seguintes:
A. Cessação (ou redução) de um uso pesado e prolongado de anfetamina (ou substância
correlata).
B. Humor disfórico e duas (ou mais) das seguintes alterações fisiológicas,
desenvolvendo-se em horas a dias após o Critério A:
(1) fadiga

3
CRF/SP. Parecer Técnico sobre o Uso de Anorexígenos. São Paulo: Conselho Regional de Farmácia de São
Paulo, 2011. Disponível em: <http://portal.crfsp.org.br/images/arquivos/parecer_tecnico_anorexigenos.pdf >.
4
NHS. National Prescribing Centre. A guide to good practice in the management of controlled drugs in
primary care (England): 3rd. edition, version 3.1 updated 1st October 2010. Londres: NHS, 2010. Disponível em:
<http://www.npc.nhs.uk/controlled_drugs/resources/controlled_drugs_third_edition.pdf>.
5
ACM. Abuso e Dependência de Anfetamina. Projeto Diretrizes. [BESSA, M.A. et al.]. São Paulo: Associação
Brasileira de Psiquiatria, Associação Médica Brasileira, 2002. Disponível em:
<h t t p : / / w w w . p r o j e t o d i r e t r i z e s . o r g . b r / p r o j e t o _ d i r e t r i z e s / 0 0 3 . p d f > .
6
ACM. Abuso e Dependência de Anfetamínicos. Projeto Diretrizes. [BESSA, M.A. et al.]. São Paulo: Associação
Brasileira de Psiquiatria, Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabolismo, Associação Brasileira de
Nutrologia, Sociedade Brasileira de Pediatria, Associação Médica Brasileira, 2012. Disponível em:
<http://www.projetodiretrizes.org.br/diretrizes11/abuso_e_dependencia_de_anfetaminicos.pdf >.

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(2) sonhos vívidos e desagradáveis
(3) insônia ou hipersonia
(4) apetite aumentado
(5) retardo ou agitação psicomotora.
C. Os sintomas no Critério B causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no
funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do
indivíduo.
D. Os sintomas não se devem a uma condição médica geral nem são melhor explicados
por outro transtorno mental.
A fase inicial da síndrome de abstinência ocorre como falha dos efeitos
estimulantes. Os sintomas incluem sono prolongadom humor deprimido, irritabilidade (mesmo
na fase inicial), fissura ou desejo de consumir a droga. A fase inicial pode durar um a dois dias
e, é seguida por um período mais longo, de vários dias a semanas apresentando inconstância
de humor (irritabilidade, depressão, incapacidade de sentir prazer), fissura, sono perturbado,
letargia.
Em alguns casos surgem sintomas psicóticos, durante a primeira e a
segunda semanas, principalmente se eles estavam presentes durante os períodos de uso,
geralmente com delírios paranoides, de tipo celotípico (de ciúmes) ou persecutórios.

4. CASOS ESPECIAIS
Compreendem situações a respeito do tratamento ou da doença em que
a relação risco-benefício deve ser cuidadosamente avaliada pelo médico prescritor e nas quais
um comitê de especialistas nomeados pelo gestor estadual ou municipal poderá ou não ser
consultado para a decisão final.

5. POSSÍVEIS LOCAIS DE TRATAMENTO


Em caso de intoxicação grave, por superdosagem, o atendimento deve
ser em pronto-socorro de hospital geral.
O tratamento da dependência é ambulatorial. Pode ser feito em
unidades básicas de saúde (UBS), centros de atenção psicossocial (CAPS) e outros serviços
ambulatoriais. Excepcionalmente, havendo sintomas psicóticos intensos, há necessidade de
internação curta em leitos de saúde mental, seja em hospital geral, ou em hospital
especializado.

6. TRATAMENTO
Não existe medicação eficaz no controle da síndrome de abstinência,
devendo a abordagem ser sintomática. Pode-se utilizar neurolépticos (como o haloperidol e a
clorpromazina), em caso de sintomas psicóticos.
Os neurolépticos diminuem a fissura pela droga, mas têm efeitos
colaterais sedativos que levam os usuários a não querer usá-los. No caso de crises de
ansiedade e pânico, pode-se usar ataráxicos (benzodiazepínicos).

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Uma suposta validade da mirtazapina na síndrome de abstinência e na
continuidade do tratamento não foi comprovada por evidências científicas suficientes 7 . Os
efeitos da paroxetina8, assim como de outros antidepressivos, e do modafinil9 se mostraram
diminutos.
Alguns autores defendem o uso da bupropiona 150 mg duas vezes ao
dia, por no máximo 18 dias no mês, com alguns resultados favoráveis10, 11, 12, inclusive com
certos efeitos em casos envolvendo metanfetamina (ecstasy)13.
Dentre as opções de tratamento para a dependência, as psicoterapias e
outras intervenções psicossociais foram as que demonstraram mais eficácia até o momento. As
técnicas de terapia cognitiva comportamental, psicoeducação de familiares, grupo de apoio e
aconselhamento individual tem se apresentado, na literatura, como o fundamento da
abordagem pelas equipes de saúde mental14.
Contudo, as abordagens psicoterápicas e psicossociais, apesar de
terem sucesso em alguns casos, não conseguem eficácia em muitas situações. Os resultados,
no conjunto, dependem de característica de cada caso, da inserção social do paciente, e de
sua personalidade.

7
SHOPTAW, S. J; KAO, U.; HEINZERLING, K.; LING, W. Treatment for amphetamine withdrawal. Cochrane
Database of Systematic Reviews 2009, Issue 2. Art. No.: CD003021. DOI: 10.1002/14651858.CD003021.pub2.
Disponível em: <http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/14651858.CD003021.pub2/abstract>.
8
PIASECKI, M.P., et al. An exploratory study: the use of paroxetine for methamphetamine craving. J Psychoactive
Drugs. 2002 Jul-Sep;34(3):301-4. Disponível em:
<http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/02791072.2002.10399967#.VF9IJsksBEA >.
9
ANDERSON, A.L., et al. Modafinil for the treatment of methamphetamine dependec. Drug Alcohol Depend.
2012 Jan 1;120(1-3):135-41. doi: 10.1016/j.drugalcdep.2011.07.007. Epub 2011 Aug 12. Disponível
em:<http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3227772/>.
10
TARDIEU, S.; POIRIER, Y.; MICALLEF, J.; BLIN, O. (2004), Amphetamine-like stimulant cessation in an
abusing patient treated with bupropion. Acta Psychiatrica Scandinavica, 109: 75–78. doi: 10.1111/j.0001-
690X.2004.t01-1-00196.x. Disponível em: <http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.0001-690X.2004.t01-1-
00196.x/full>.
11
NEWTON, T.F.; ROACHE, J.D.; DE LA GARZA, R. et al. Bupropion Reduces Methamphetamine-Induced
Subjective Effects and Cue-Induced Craving. Neuropsychopharmacology 31(7): 1537–1544, 2006. Disponível
em: <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16319910>.
12
MC CANN, D.J.; LI, S.H. A novel, nonbinary evaluation of success and failure reveals bupropion efficacy versus
methamphetamine dependence: reanalysis of a multisite trial. CNS Neurosci Ther. 2012 May; 18(5):414-8. Epub
2011 Oct 18. Disponível em: <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22070720 >.
13
KARILAL, L., et al. Pharmacological approaches to methamphetaminie dependence: a focused review. Br J Clin
Pharmacol. 2010 Jun;69(6):578-92. doi: 10.1111/j.1365-2125.2010.03639.x. Disponível em:
<http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2883750/>.
14
VOCCI, F.J.; MONTOYA, I.D. Psychgological treatimets for stimulant misuse, comparing and contrasting those
for amphetamine adependence and those for cocaine dependence. Curr Opin Psychiatry. 2009 May;22(3):263-8.
doi: 10.1097/YCO.0b013e32832a3b44. Disponível em:
<http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2825894/>.

SANTA CATARINA. RAPS. Abuso e dependência de anfetaminas: protocolo clínico. 4

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