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Projeto O Sabor Da Leitura

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Projeto

O SABOR DA LEITURA:
Uma escola pública e o encantamento de leitores

I Introdução

Dizer que lemos – o mundo, um livro, o corpo – não basta. A metáfora da leitura
solicita por sua vez outra metáfora, exige ser explicada em imagens que estão fora da
biblioteca do leitor e, contudo, dentro do corpo dele, de tal forma que a função de ler é
associada a outras funções corporais essenciais. Ler – como vimos – serve como um veículo
metafórico, mas para ser compreendido precisa ele mesmo ser reconhecido por meio de
metáforas. Tal como escritores falam em cozinhar uma história, misturar os ingredientes do
enredo, ter ideias cruas para uma trama, apimentar uma cena, acrescentar pitadas de ironia,
pôr molho, retratar uma fatia de vida, nós, os leitores, falamos em saborear um livro, encontrar
alimento nele, devorá-lo de uma sentada, ruminar um texto, banquetearmo-nos com poesia,
mastigar as palavras do poeta, viver numa dieta de romances policiais [...]
(MANGUEL,1997 p.198)

Ler,mais do que uma ação inerente aos intelectuais, é,igualmente,uma


atividade prazerosa capaz de içartalentos. O aluno leitor hábil,possivelmente, terá
maior facilidade no desempenho nas suas tarefas escolares e se apresentaráapto
para os desafios da vida acadêmica. Contudo, o trabalho de preparação e sedução
de um leitor é uma das tarefas mais custosas que a escola, geralmente, deixa a
cargo dos professores de Língua Portuguesa, e, quando disjuntosda comunidade
escolar, tal ação torna-se árdua emenos expressiva:

Quando se pensa em ensino de leitura, geralmente ela está atrelada


ao ensino de língua portuguesa, e poucos profissionais de outras
disciplinas sentem-se “professores de leitura” ou “professores de
linguagem” (cf. NEVES et al., 2001).

Para Silva (2010, p. 76), entretanto, todo professor é professor de linguagem


entendida como
o procedimento de interlocução que se exerce nas práticas sociais
existentes nos diversos grupos de uma sociedade. Interagir pela
linguagem constitui falar alguma coisa a alguém, de certa forma, num
determinado contexto histórico. Pela linguagem é possível manifestar
ideias, pensamentos, estabelecer relações interpessoais
anteriormente inexistentes e influenciar os outros, modificando as
representações que fazem da realidade. É na interação social,
condição de desenvolvimento da linguagem, que o indivíduo se
apropria do sistema linguístico.
Dessa forma, a adesão de todos os indivíduos desta instituição formal que é a
escola, no afã de formar bons leitores, traz vigor à tarefa do docente; é dessa
inspiração que, às vezes, carece o educador. O compromisso de formar leitores
intrépidosblindado com a parceria coletiva laureia a produção do profissional de
letras.
Na esteira da concepção apresentada anteriormente, vemos que atualmente,
uma das preocupações com relação ao ensino de leitura é considerar o aluno um
participante ativo no levantamento de hipóteses e na escolha de estratégias para
construir sentidos. Na década de 80, Soares (1988, p. 25) já alertava que “ao povo
permite-se que aprenda a ler, não se lhe permite que se torne leitor” – o que destaca
a diferença entre decodificar e ler, de fato.
Como aponta Manguel, (1997), o ato de ler pode ser comparado
metaforicamente ao ato de se alimentar. Alimento intelectual, a leitura proporciona
ao intelecto nutrientes indispensáveis ao crescimento do discente. A escola é o
restaurante responsável por compartilhar esse alimento aos seus clientes, alimento
que vai sustentá-los durante a vida. Desenvolver as competências de leitura é nutrir
o estudante com um legado intelectual vitaminado disponível em seu organismo
para ser usado sempre que necessário.
A leitura é uma das heranças de grande valor que a escola pode conferir aos
seus educandos; com ela o aluno poderá se alimentardurante a vida. Uma herança
intelectual capaz de habilitar competências natas camufladas ou, além disso, gerar
coragem para explorar outras habilidades ignoradas. Ao apropriar-se do prazer da
leitura,o indivíduo obterá muito mais que uma excelente praxe, estará munido de um
dos instrumentos da tradição acadêmica responsável pela aptidão de caminhar de
forma independente. A leitura será o arrimo sólido para o desenvolvimento cognitivo
e quaisquer outros que o discente almejar.
Em seu rumo ao desenvolvimento das competências da leitura, odocente de
Língua Portuguesa tem inúmeras opções epoderá se abrir ao universo escolar na
procura de parcerias ou solicitar auxílioda sociedade engajada que se encontra além
dos muros da escola, contudo, em casos específicos, essa parceria poderá
apresentar-seprontamente sem que seja requerida, bastando, para isso, estar
acessível. Professor eescola, quando abertos e sem fronteiras, dispostos a acolher a
contribuição alheia, poderão expandir de forma aprazível suas práticas. O professor
não precisa e não deve estar só, não tem que tomar como exclusivamente sua a
tarefa de desenvolvimento da leitura.
Importa que a herança seja repassada, não obstante as inúmeras
adversidades encontradas pelo caminho, cabe ao professor de Língua Portuguesa,
de História, de Matemática, à direção escolar, aos coordenadores, aos pais, à
sociedade amplamente dita, contribuir para que seus jovens obtenham as
competências específicas da leitura.
Habilidades que providenciarão um sustento específico ao indivíduo, uma vez
que a leitura é uma ferramenta útil e indispensável ao bom desempenho da vida
acadêmica e de inúmeras profissões. Ter a leitura como apoio ao combate à
ignorância ou como instrumento de crescimento intelectual, mais que uma herança
da escola aos seus educandos,é um compromisso social.Unir-se em prol desse
tema é questão de cultura.

II Justificativa
Este projeto surgiu das inquietações da equipe docente e da
Coordenadora Pedagógica sobre como desenvolver com eficácia nossa função de
educadoras, capazes de despertar nos alunos a consciência do que eles podem
fazer de melhor por si e pela comunidade em que vivem.
Dessa forma, tais inquietações desencadearam questionamentos quanto
ao papel de mediador de leitura do professor no sentido de melhor contribuir para
essa conscientização.
A valorização da prática da leitura como elemento básico para
promover o conhecimento, o saber, através de elementos de
mediação. A escola deveria ser um espaço de leitura em que, com a
mediação do professor, os alunos fizessem leituras diversas de
textos científicos, jornalísticos, de propaganda, de ficção e não-
ficção, de poesia, e só assim poderia desenvolver uma leitura
competente (RAIMUNDO, 2007, p. 107)

Quando levamos em conta o papel do educador que é também cidadão,


vê-se que facilitar o processo de leitura é uma questão pública (RAIMUNDO, 2007).
Ou seja, todos têm o direito de ler e principalmente compreender o que se está
lendo. Portanto, é dever do Estado oferecer a todos os cidadãos esta habilidade,
favorecendo a informação, a comunicação e a educação da sociedade brasileira.
No entanto, para discutir esse tema nós vimos a necessidade de repensar
as concepções de leitura que vivenciamos em nossas escolas quando se fala na
formação de um leitor proficiente. Observamos então que, durante muito tempo, a
leitura esteve associada a uma concepção puramente reducionista, como mera
decodificação de fonemas, ao mesmo tempo em que a escrita era apenas a
transcrição dos símbolos gráficos dos mesmos fonemas. Assim, o que se escrevia
deveria ter apenas um sentido: o que queria dizer o autor (RAIMUNDO, 2007).
Outra concepção que permeou as práticas pedagógicas para formação do
leitor, por muito tempo, foi o trabalho (com pouca reflexão) do livro didático em que,
segundo Silva (1999, p.14):
Os professores criavam um tipo de concepção que nada mais era do
que uma fotografia padronizada da sequência dos exercícios
contidos na lição. De fato, uma observação mais atenciosa vai
mostrar que, na maioria dos casos, a lição de leitura era estruturada
a partir do seguinte: (1) leitura do texto (silenciosamente e/ou em voz
alta), (2) sublinhamento de palavras desconhecidas, (3) verificação
do vocabulário, (4) questionário de compreensão/interpretação, (5)
gramática e (6) redação. Essa sequência padrão, utilizada
redundantemente no contexto escolar, acabou por produzir uma ideia
completamente distorcida e errônea do processo de leitura, fazendo
com que leitor em formação pensasse que ler era ‘oralizar’ o texto,
fazer vocabulário, responder perguntas, aprender gramática e depois
redigir, invariavelmente!

E só após a “entrada” de estudos sobre a linguagem, como os propostos


por Bakhtin, a escola começou a (re)pensar no papel da linguagem na formação do
cidadão, pois antes não havia espaço para o dialogismo, ou processo de interação,
(BAKHTIN,1997).
Ler na concepção da interação significa que o leitor, através de suas
experiências (conceituais, linguísticas, afetivas, atitudinais, etc.), dialoga com o
autor, articulando as ideias deste e daquele. Assim, ao longo dessa interação, o
sujeito recria a produção ideacional de determinados referenciais de realidade pela
dinamização de suas experiências. Nestes termos, o texto age sobre o leitor e,
retrodinamicamente, o leitor age sobre o texto (SILVA, 1999).
Nessa perspectiva, passou-se a compreender que a riqueza maior de um
texto reside na sua capacidade de evocar múltiplos sentidos entre os leitores. E não
existe forma de prever, “controlar” que sentidos serão produzidos, pois mesmo que o
autor do texto estabeleça limites aos processos de interpretação, quando a produção
inicia a sua circulação em sociedade, ele (o texto) assume o sentido que o leitor lhe
atribuir, a partir de seus conhecimentos linguísticos, de mundo, afetivos e
conceituais. Assim, destacamos a dimensão polissêmica do texto, uma vez que
experiências diferentes produzirão diferentes sentidos ao texto, a menos que,
conforme muitas vezes ocorria (ocorre?) na escola, um único significado protocolar
seja o privilegiado para efeito de reprodução e avaliação (SILVA, 1999).
É claro que a concepção de texto por nós adotada é decididamente
contrária às concepções redutoras de leitura, porque a manutenção dessas
concepções (que por tanto tempo foram “reproduzidas” em nossas escolas) agem
em sentido oposto: que é o de produzir leitores competentes. E o momento que
sociedade brasileira atravessa atualmente (de crise política, crise econômica,
inversão de valores,...) o que menos precisamos é de leitores ingênuos e
reprodutores de significados, mas sim leitores competentes que produzam novos
sentidos paraa vida social, através do posicionamento crítico e de cidadania.
Entretanto, não somos “ingênuas” de não compreender que uma mudança
de perspectiva sobre as concepções prevalecentes de leitura deve ser
acompanhada de uma série de ações da organização escolar. A saber, a discussão
coletiva sobre a formação do leitor, a partirdo projeto pedagógico da escola e a
estruturação ou melhoria do acervo das salas de leitura e/ou bibliotecas.
Mas com a “esperança epistemológica” que nos movimenta, acreditamos
que com a introdução dos estudos dialéticos, a escola passa a ver a leitura como um
suporte propício para o dialogismo entre autor e leitor, revelando uma nova visão
extremamente rica, abrindo espaço para a subjetividade, para a expansão da
criatividade, incentivando a leitura coletiva e, consequentemente, a interação entre
os alunos. A escrita tem importância para a sociedade ao ser representante
esquemático da língua, mas ela não carrega tantos significados como a leitura, que
é preponderantemente um trabalho de ressignificação e não um trabalho de pura
decodificação. Como Silva (1999) já apontou, ao escrever pensa-se em um
significado já definido de acordo com o que se quer com o texto; diferentemente do
ler, em que o sujeito leitor traz para este ato sua própria existência e dá novos
sentidos ao que foi lido. Quanto mais experiências viver o leitor e quanto mais
gêneros linguísticos ele conhecer, mais poderá usufruir da leitura. Como aponta
Lajolo:

Ler não é decifrar, como num jogo de adivinhações, o sentido de um


texto. É a partir do texto, ser capaz de atribuir-lhe significação,
conseguir relacioná-lo a todos os outros textos significativos para
cada um, reconhecer nele o tipo de leitura que o autor pretendia e,
dono da própria vontade, entregar-se a essa leitura, ou rebelar-se
contra ela, propondo outra não prevista. (Apud GERALDI, 1985,
p.80)

No entanto, nomundo virtual em que vivemos atualmente, muitas vezes, o ato


de ler não é tão valorizado como deveria ser, pois existem tantos outros meios de
interação digitais (de fácil acesso) que nem sempre o ato de ler consegue
“encantar” o sujeito, a ponto de ele se dedicar a leitura de um livro, como se dedica
ao mundo virtual. Felizmente, é possível notar um movimento que quer dar à leitura
sua real importância, aperfeiçoando as habilidades leitoras do sujeito-leitor, mas
que sofre interceptações com as idas e vindas da política educacional brasileira.
Como foi exposto por Lajolo e Zilberman (1999, p.311):

(...) ao espessamento das práticas brasileiras de leitura, ainda que


intermitente e cheio de recuos, corresponde um – igualmente
intermitente e cheio de recuos – amadurecimento do leitor que, na
inevitável interação com os múltiplos elementos de práticas mais
complexas de leitura, rompe restrições, libera-se da tutela, enfim,
alcança a emancipação possível.

Dessa forma, pensamos ser papel da escola oferecer espaços de leitura


em que, com a mediação do professor, os alunos possam fazer leituras diversas de
textos científicos, jornalísticos, de propaganda, de ficção e não-ficção, de poesia, e
só assim nós professores poderíamos contribuir para o desenvolvimento do leitor
competente.
No que se refere especificamente aos textos literários, diversos programas
de incentivo à leitura vêm sendo implementados (PNBE1, PNAIC2,Mais Cultura, por
exemplo), para distribuir livros às escolas públicas brasileiras. Mas, mesmo assim,
as reclamações são muitas quanto à chegada desses livros, ao contato dos alunos
com essas obras e quanto ao preparo dos profissionais que trabalharão com os
alunos. É nesse contexto não muito estimulante das escolas brasileiras que nos
propusemos a discutir especificamente o que se pode fazer na escola para estimular
a leitura de textos literários e formar leitores críticos.

III Objetivo
1
Plano Nacional da Biblioteca Escolar
2
Programa Nacional da Alfabetização na Idade Certa
Os objetivos deste projeto estão relacionados às competências que devem ser
trabalhadas com os alunos do Ensino Médio.
Dessa forma, tomamos por objetivo desta ação as seguintes competências:

 Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o


mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade,
continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa,
democrática e inclusiva;
 Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às
mundiais, e também participar de práticas diversificadas da produção
artístico-cultural;
 Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e
escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como conhecimentos das
linguagens artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar
informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e
produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo;
 Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de
conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações
próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da
cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência
crítica e responsabilidade;
 Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação,
fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos
humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de
grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem
preconceitos de qualquer natureza.

IV Referencial Teórico
[...] imaginar que quem não lê pode fazer ler é tão absurdo quanto pensar que alguém que
não sabe nadar pode se converter em instrutor de natação. Porém é isso que estamos
fazendo.
Ana Maria Machado. Texturas: sobre leitura e escritos.

Partindo da premissa de que só se pode repassar aquilo que se tem,


defendemos aqui que para que alguém possa ensinar a ler ou ajudar a despertar o
gosto pela leitura, nos conceitos apresentados por Barthes (2006) e Campos (2003),
deve-se, primeiramente, ser ele mesmo, um leitor. Teóricos e estudiosos sobre
leitura são unânimes quanto à opinião de que só pode desenvolver/incentivar a
leitura aquele professor que, no decorrer de sua própria formação, desenvolveu uma
boa relação com a leitura. Ao relatar resultados de pesquisas sobre leitura
realizadas na Áustria e ao elencar fatores que influenciavam crianças a ler,
Bamberger (1995, p. 20) apontou três características das crianças que leem
bastante:

a) têm geralmente um relacionamento muito bom com o professor, o


qual, por sua vez, leitor entusiasta, procura fazer com que os alunos
experimentem na leitura um prazer idêntico ao seu;
b) frequentaram aulas de professores interessados e informados, que
possuíram boa provisão de material de leitura (biblioteca nas salas
de aula);
c) foram “induzidos à leitura” por um contínuo contato com livros e
métodos especiais de ensino moderno da leitura.

Isso mostra o quanto os hábitos e os interesses de leitura dos docentes


“contaminam” seus alunos. Michèle Petit (2009; 2008) reforça essa assertiva, ao
apresentar pesquisas sobre as leituras realizadas por jovens da periferia francesa e
sobre a relação deles com a escola. Segundo a autora, ao descrever o papel do
mediador de leitura na formação de novos leitores, menciona que ele pode
influenciar destinos, proporcionando mudanças na forma de se conceber e
compreender o mundo. Para ela, o mediador é “aquele que lhe dá uma oportunidade
de alcançar uma nova etapa” (2008, p. 167).
Aqui no Brasil, inúmeras outras pesquisas da área apontam essa relação
intrínseca, bem como defendem a melhoria do perfil leitor de um professor que tem a
tarefa de formar leitores. É o que pensa, por exemplo, Lajolo, ao avaliar que, “se a
relação do professor com o texto não tiver um significado, se ele não for um bom
leitor, são grandes as chances de que ele seja um mau professor” (1988, p. 53,
grifos nossos). A autora ainda acrescenta: “[o] primeiro requisito, portanto, para que
o contato aluno/texto seja o menos doloroso possível é que o mestre não seja um
mau leitor. Que goste de ler e pratique a leitura” (p. 54). Ezequiel Teodoro da Silva
(2012) ratifica a opinião de Lajolo. Para ele (p. 111), a necessidade de capacitação
dos nossos professores de língua portuguesa é urgente. Silva acredita ainda na
importância de se melhorar também as condições de trabalho desse profissional,
que ele chama de “mediador privilegiado de leitura”, uma vez que cabe a ele “a
iniciação das crianças à leitura, através da alfabetização e o ensino das diferentes
práticas que são necessárias às demandas da vida atual nas sociedades letradas,
também chamadas de sociedades do conhecimento, da informação e/ou, ainda,
midiáticas” (SILVA, 2012, p. 111).
Silva (2012) tem, em diversos de seus estudos, insistido na necessidade dos
professores apaixonados pelos livros, uma vez que lhes cabe a tarefa de formar
para o gosto. Para o estudioso, “caso ele próprio [o professor] não seja um leitor
assíduo, rigoroso e crítico, são mínimas ou nulas as chances de que possa fazer um
trabalho condigno na área da educação e do ensino da leitura” (2003, p. 28). Isso
“porque nossos alunos necessitam do testemunho vivo dos professores no que
tange à valorização e encaminhamento de suas práticas de leitura” (SILVA, 1986, p.
109). Ainda segundo Silva, em outra de suas obras A produção da leitura na escola
(2004, p. 19), o professor “é o intelectual que delimita todos os quadrantes do
terreno da leitura escolar”. Silva acredita que “sem a sua presença atuante, sem o
seu trabalho competente, o terreno dificilmente chegará a produzir o benefício que a
sociedade espera e deseja, ou seja, leitura e leitores assíduos e maduros” (idem).
Isso deve tornar mais rigorosa a construção do perfil do professor, mormente o
professor de língua portuguesa, uma vez que ele precisa de fato possuir, além das
demais qualificações da licenciatura, o inegável hábito da leitura.

V Breve contextualização da Unidade escolar


O Colégio Estadual Professor Kopke é uma escola pública da rede estadual
do Rio de Janeiro, pertence à Secretaria de Estado e Educação (SEEDUC). Situado
numa cidade do interior do estado, Três Rios, no bairro Triângulo, Av. Zoelo Sola,
2013, foi fundado em 25 de maio de 1971 e atende alunos de várias localidades
adjacentes. Oferece desde o Ensino Fundamental II até o Ensino Médio regular
diurno e noturno. A instituição encontra-se localizada em um espaço que pode ser
caracterizado como entre bairros. Assim, recebe alunos de várias comunidades, em
sua maioria, discentes da classe menos privilegiada cultura e financeiramente,
distribuídos no entorno da escola.
A respeito de suas características físicas e estruturais, o colégio pode ser
classificado como de pequeno porte, pois possui: 8 salas de aula, além de um
laboratório de informática, secretaria com espaço separado para direção, sala de
leitura, sala deprofessores e um pequeno refeitório. Por tratar-se de uma instituição
pública, o colégio está sob regime específico, como todas as demais escolas
estatuais, cumprindo legalmente as exigências nacionais da LDBEN 9394/96 sob
jurisprudência da SEEDUC/RJ. Obedecendo uma organização política macro e outra
micro estrutural, naquela vincula-se ao MEC e nesta a Coordenadoria Regional.
Descrita acima sua estrutura externa, tem-se ainda uma estrutura interna em
ordem decrescente de hierarquia, a qual corresponde em primeiro lugar a direção
geral (que compartilhada com a direção adjunta), responde pela instituição, tanto no
âmbito pedagógico, como no administrativo. Ademais dos diretores, segue-se o
secretário escolar. No âmbito pedagógico a responsabilidade é do coordenador
pedagógico, acompanhado dos docentes. Além das funções citadas, a escola possui
ainda um orientador educacional, agentes de leitura, coordenadores de turno,
professor articulador e pessoal de apoio.
Atualmente, o quadro escolar é composto por 474 alunos, sendo 223 do
Ensino Fundamental II e 251 do Ensino Médio e 34 professores. O perfil
heterogêneo dos seus discentes enriquece a prática docente, contribuindo para o
crescimento de todos. A harmonia e colaboração entre perfis tão díspares veem
tornando o ambiente um espaço democrático, fomentando a herança da cultura
intelectual e disseminando o sabor da leitura para seu público.
No desejo ávido de encantar leitores e tornar a leitura um hábito na escola,
vários membros da instituição abraçaram a ideia de criar o CLUBE DE LEITORES
KOPKE. Alunos, professores, direção, agentes de leitura, secretária escolar e
professor articuladoruniram-se em prol da semente lançada pela coordenadora
pedagógica da unidade escolar que,integrante dogrupo de pesquisa Linguagem,
Infâncias e Educação (LINFE), da Faculdade de Educação da Universidade Federal
de Juiz de Fora – trouxe para escola a ideia de desenvolvermos atividades de leitura
literária, como as que o referido grupo de pesquisa desenvolve com os anos iniciais
do Ensino Fundamental I, nas escolas públicas municipais de Juiz de Fora.
As ideias desenvolvidas pelo grupo LINFE, coordenado pela professora Hilda
Micarello, foram adaptadas ao perfil do colégio e em março do ano letivo de 2017
alguns alunos foram convidados para formar o CLUBE DE LEITORES. A primeira
reunião aconteceu no mês de março e onze membros (entre professores de Língua
Portuguesa, alunos dos três anos do Ensino Médio e a coordenadora pedagógica)
aderiram ao projeto O SABOR DA LEITURA: uma escola pública e o encantamento
de leitores. O clube foi o primeiro passo rumo a sedução à leitura, logo foi criado um
acesso virtual para que o clube de leitores pudesse não só se organizar, como
também compartilhar suas leituras.
A semente caiu em solo fértil e, encantados, os membros do CLUBE DE
LEITORES KOPKE contagiaram outros indivíduos. O clube começou a crescer e três
meses depois já tinha mais que o dobro de pessoas; mais alunos dos três anos do
Ensino Médio, mais professores, direção, agente de leitura, secretária escolar,
articuladora e, até uma aluna de outra escola privada bem conceituada na cidade. O
sabor da leitura foi conquistando novos sujeitos e ganhando espaço na comunidade
escolar.

VI Além dos muros da escola: ingredientes inovadores


É importante destacar como as concepções de leitura literária e mediadores
de leitura que estão subjacentes às atividades do Clube de Leitores Kopke são
influenciadas pelas reflexões do Grupo de Pesquisas LINFE. Tal grupo reúne
professores, graduandos e Pós-graduandos da faculdade de Educação da UFJF,
colaboradores da rede pública municipal de ensino de Juiz de Fora e pesquisadores
do CAEd/UFJF (Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação). Constituído
em 2013, o GP-LINFE desenvolve, com base no referencial teórico-metodológico da
psicologia histórico-cultural e da filosofia da linguagem de Mikhail Bakhtin, pesquisas
sobre os temas do currículo, formação de professores, práticas pedagógicas e
avaliação na educação infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental
(http://www.grupeci.fe.ufg.br/up/693/o/RE47.pdf).
Dessa forma, a partir da apropriação das pesquisas e trabalhos do Grupo
LINFE, nós, os membros mais experientes do Clube de Leitores Kopke: professores
e demais profissionais da educação, também passamos a refletir sobre as“lacunas”
identificadas nas práticas pedagógicas e na formação dos professoresque impactam
na formação do leitor, por recebermos em todos os anos letivos muitos alunos que
“aprendem a ler” nos anos inicias do Ensino Fundamental, mas chegam ao final
desse segmento sem sequer entender uma notícia de jornal. Inclusive, é por isso
que, atualmente, prefere-se, no lugar de alfabetização, o termo letramento (cf.
SOARES, 2003), que inclui, além do aprendizado de aspectos sistemáticos de
leitura e escrita, a verdadeira imersão no mundo letrado. Essa imersão, porém, só
ocorre se o aprendiz tem contato com gêneros textuais variados, importantes na
interação sociodiscursiva, e percebe não apenas o conteúdo dos textos, mas sua
intencionalidade, a intertextualidade presente, o contexto etc. Segundo Koch & Elias
(2006, p. 11),
o sentido de um texto é construído na interação textosujeitos e não
algo que preexista a essa interação.A leituraé, pois, uma atividade
interativa altamente complexa de produção de sentidos, que se
realiza evidentemente com base nos elementos linguísticos
presentes na superfície textual e na sua forma de organização, mas
requer a mobilização de um vasto conjunto de saberes no interior do
evento comunicativo.

Dessa forma, ao ler acionamos um sem-número de informações prévias (cf.


KLEIMAN, 2003; KOCH & ELIAS, 2006; SANTOS, CUBA RICHE & TEIXEIRA,
2012), que incluem conhecimento linguístico (vocabulário, sintaxe da língua etc.),
interacional (perceber que se trata de uma anedota e não de uma resenha, por
exemplo), conhecimento da estrutura textual (não se lê uma bula de remédio da
mesma forma que se lê um conto), percepção de intertextualidade (referência a
Capitu como protagonista de uma novela), relação texto-contexto (letra de música da
época da ditadura militar) etc. Essas interrelações propiciam "o adestramento crítico
dos textos propostos" (SILVA (1988, p. 4), e assim formamos leitores quando o
aluno consegue fazer inferências, percebe as intenções do texto e sua estrutura.
Marcuschi (1996) faz duras críticas quanto ao fato de o aluno não consegue ir
além do texto, apenas repetir informações. Segundo o mesmo autor,

a deficiência na abordagem textual é percebida em exercícios de


interpretação que nem sempre suscitam uma reflexão dos temas,
apenas restringem-se à literalidade. Em vez disso, a escola deveria
estimular a leitura crítica e participativa, que leve à elaboração de
textos coesos e coerentes para, como elemento de interação,
cumprirem seu papel de elo entre autor e leitor (MARCUSCHI, 2008,
p. 20).

É importante ressaltar que a abordagem superficial de textos em livros


didáticos vem mudando, desde o final da década de 90, devido às avaliações
bianuais dos manuais de língua portuguesa do Ensino Fundamental e Médio (PNLD-
Programa Nacional do Livro Didático), cujos catálogosdisponibilizados aos
professores incluem resenhas sobre as obras aprovadas, com comentários
específicos sobre as atividades de leitura.
Além disso, na avaliação dos livros de Ensino Médio (PNLD-EM),
encontramos observações específicas sobre atividades de leitura de textos literários
(cf. SANTOS, 2009). Porém, independentemente das atividades propostas em livros
didáticos, o professor em sala de aula deve elaborar atividades outras, mais
completas e contextualizadas, principalmente quando seu objetivo é trabalhar um
texto literário e estimular a leitura. Nesse caso, além da preocupação em formar
leitores, deve haver o cuidado de formar leitores literários, de apurar o gosto por
textos de qualidade estética (cf. COLOMER, 2007; SILVA, 2008).
No entanto, o professor, mediador de leitura devem estar atentos a outros
cuidados, pois nem sempre as obras frequentemente lidas pelos jovens apresentam
qualidade literária. E vale destacar que o próprio conceito de literatura nem sempre
fica claro na escola. Para Brito (in: FNLIJ, 2008, p. 100), a literatura representa "uma
forma de (re)conhecer-se no mundo, na vida":

A literatura constitui a possibilidade, pela convivência com a contínua


produção e com a circulação de percepções e indagações inusitadas,
de uma pessoa ou de um coletivo de pessoas de pensar a vida
delas, os modos de ser e estar no mundo; enfim, de viver e fazer a
condição humana.

Esse posicionamento crítico diante do texto literário, reconhecendo-o como


uma forma de linguagem para repensar o mundo, deve ser trabalhado na escola de
diversas maneiras. Além disso, é importante que outras mídias sejam relacionadas
ao livro, numa perspectiva intertextual, multimodal e até mesmo interdisciplinar –
para que a leitura literária seja tão atrativa aos adolescentes quanto às demais
mídias atuais.
Com a ajuda da internet, por exemplo, é possível encontrar sites referentes à
obra lida, resenhas, entrevistas, materiais complementares, como clipes e/ou letras
de música. Quando o leitor em formação tem acesso a esses outros textos
relacionados ao livro lido, pode interessar-se em também fazer (re)leituras após
discutir o livro com os colegas.

VII Metodologia
A criação do Clube de Leitores, como já dito anteriormente, surgiu da
participação da Coordenadora Pedagógica da escola no grupo de pesquisa LINFE,
que ao compartilhar a ideia com o corpo docente vislumbrou a possibilidade de
envolver e conscientizar a comunidade estudantil sobre o ato de ler, incentivar a
leitura e formação de novos leitores; possibilitar a vivência de emoções e o exercício
da fantasia e da imaginação, valorizar e estimular a circulação dos estudantes na
sala de leitura da escola.
Assim, a metodologia consiste em encontros quinzenais com os alunos do
Ensino Médio que compartilham as obras literárias selecionadas pelo cube, que são
debatidas com o grupo e compartilhadas no Diário de Leitura 3. As leituras são
sugeridas por um dos membros do clube, que apresenta ao grupo o motivo que faz
valer a pena tal leitura, que pode ser uma obra clássica, um conto, um poema, um
apólogo, uma crônica, ...
Ao final de cada encontro, as professoras mediadoras devem retomar com os
alunos os sentidos construídos por eles (leitores) e o sentido que o autor teve a
intenção de dar.É ressaltada a importância de sabermos o momento histórico que o
texto foi produzido, para que possamos compreender melhor o objetivo comunicativo
do autor, bem como os sentidos que poderiam ser construídos à época de sua
produção. As professoras mediadoras também devem destacar a importância de
conhecermos (mesmo que brevemente) a biografia do autor, que também nos dá
pistas do “lugar que ele fala”, e sugere que toda a informação e conhecimento
adquiridos sejam compartilhados com outros colegas, que não necessariamente
façam parte do clube, de forma a ser um divulgador do projeto, trazendo novos
colegas para os próximos encontros.

3
O Diário de Leitura consiste no registro das emoções, aprendizados, mudanças que as leituras
realizadas possibilitam ao leitor. Em cada leitura selecionada pelo clube, um membro fica responsável
de fazer o registro do que “ficou” daquela leitura para ele. É lido pelo autor no decorrer da reunião
seguinte.

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