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Captulo III

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A sustentabilidade e o desenvolvimento

Capítulo III

A sustentabilidade e o desenvolvimento sustentável

O desenvolvimento humano é, em primeiro


lugar e principalmente, permitir às pessoas
levarem uma vida a que dêem valor e
possibilitar-lhes a realização do seu potencial
como seres humanos.
(PNUD, Relatório sobre o Desenvolvimento
Humano, 2006: v)

Neste capítulo são tratadas algumas questões relacionadas com o


desenvolvimento sustentável, princípio central do DRN. É salientada a necessidade
de gestão sustentável e integrada dos recursos naturais, como recursos finitos cujo
uso tem limites físicos, gestão essa que se realiza num contexto de complexidade e
incerteza. São ainda descritas algumas das técnicas utilizadas para reduzir a
complexidade das decisões relativas aos recursos naturais e ao desenvolvimento
sustentável.

Como vimos, os diversos componentes ambientais são, quando abordados do


ponto de vista da sua utilidade económica, designados “recursos naturais”
Constituem o capital natural: o conjunto de bens naturais «que fornecem inputs
para a produção económica e dos quais derivam fluxos de recursos úteis para a vida
humana».1 Os recursos naturais são muito importantes para o desenvolvimento de
um país e o uso que deles é feito tem repercussões no futuro desse país e da
humanidade.

3.1. O desenvolvimento

O desenvolvimento foi desde sempre um objectivo de todos os países, em


especial aqueles que, como Angola, quando ascenderam à independência não eram

1
. Adaptado da definição do Glossário FAO/UN sobre recursos biológicos marinhos, UN
Atlas of the Oceans.
82
Direito dos Recursos Naturais

desenvolvidos. Por essa razão, o art. 55/a da Carta das Nações Unidas prevê que a
ONU deve promover «padrões de vida melhores, pleno emprego, e as condições
económicas do progresso e desenvolvimento económico e social».2

O que é o desenvolvimento foi e é matéria de grandes controvérsias que não


cabe analisar aqui.3 Mas podemos assumir desde já que são objectivos do
desenvolvimento «criar um ambiente que permita que as pessoas possam gozar de
vidas longas, saudáveis e criativas».4 Uma outra área de conflito é a questão da
estratégia de desenvolvimento, ou seja, responder à questão – como é que um país
se desenvolve? Em termos simples, em muitos países assumiu-se que
desenvolvimento era apenas crescimento económico. Noutros, como nos países que

2
. Também o preâmbulo da Carta afirma que os povos das Nações Unidas estão
determinados: «a promover o progresso social e melhores padrões de vida em maior
liberdade» e, para este e outros fins, a «unir as suas forças para manter a paz e segurança
internacionais e empregar os instrumentos internacionais para a promoção do
desenvolvimento económico e social de todos os povos».
3
. Os indicadores de desenvolvimento são vários e discutíveis. Indicador é definido por
Morais et al. como «qualquer valor derivado de um parâmetro capaz de providenciar
determinada informação, descrever as condições de um determinado fenómeno, ambiente
ou área, com significados extensíveis e directamente associados aos valores do respectivo
parâmetro» (2006: xxiii). Segundo o PNUD, os indicadores de desenvolvimento que utiliza
estão relacionados com as «três dimensões do desenvolvimento» que são: i. viver uma vida
longa e saudável (medido pelo indicador de esperança de vida); ii. ter educação (medido
pelos indicadores de nível de alfabetização e de frequência dos três níveis de educação,
primário, secundário e terciário), e iii. ter um nível de vida «decente» (medido pelos
indicadores de poder de compra, rendimento, etc.) (2006: 263). Assim, utilizando estes
indicadores, os EUA, «cujos cidadãos são os segundos mais ricos do mundo a seguir aos
do Luxemburgo», vêm colocados em 6º lugar pois no desenvolvimento não é só
rendimento per capita que conta. No que respeita a desigualdades de rendimento, na África
sub-saariana 1 em cada 2 pessoas está no grupo de 20% rendimentos mais baixos a nível
mundial. Em 2004, o país mais desenvolvido do mundo era a Noruega e o menos
desenvolvido era o Níger. Angola estava colocado entre os vinte países menos
desenvolvidos (nº 161 numa lista de 177 países). O Brasil, que era o país do mundo com
maior desigualdade entre os mais ricos e os mais pobres, tem vindo a melhorar. Mas a
África subsaariana, usando o coeficiente de Gini sobre as desigualdades de rendimentos,
numa escala de 0 a 100 em que 0 representa perfeita igualdade e 100 a desigualdade
perfeita, tem o índice de 70, ou seja, a maior desigualdade social de todas as regiões do
mundo (ob.cit.: 264, 283-85 e 272).
4
. PNUD, 2006: 263.
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A sustentabilidade e o desenvolvimento

seguiram uma estratégia de desenvolvimento socialista, considerou-se que este era


possível realizá-lo essencialmente através da acção do estado.5

As expectativas de desenvolvimento dos PVDs geraram uma ideologia, o


desenvolvimentismo,6 que veio a ter consequências muito negativas no futuro

5
.Em síntese, os modelos mais utilizados foram: i. A industrialização de substituição de
importações (ISI), adoptada em especial na América Latina, que incluía medidas
proteccionistas visando estimular o crescimento das novas indústrias nacionais e tinha
como objectivo diminuir a dependência das importações de produtos manufacturados, em
especial para abastecimento do mercado interno em bens de consumo massivo. A ISI
visava um desenvolvimento orientado para o país, e não “extrovertido”. Tendo alguns dos
países que adoptaram este modelo, como o Brasil e a Índia, ascendido à categoria de novos
países industrializados, a ISI é hoje criticada por, devido ao proteccionismo de que
beneficiaram durante décadas as indústrias nacionais, os países terem dificuldades na sua
integração no mercado mundial por falta de competitividade dos seus produtos industriais.
ii. A industrialização orientada para as exportações (IOE), que visava o aumento das
receitas em divisas por promoção de exportações de produtos industriais competitivos,
adoptada pelos tigres asiáticos (Singapura, Hong-Kong, Taiwan e Coreia do Sul). Apesar
de algumas crises, é hoje mais bem sucedida no mercado global. No entanto, muitos
autores consideram que a IOE resulta de um novo mercantilismo, exigindo um elevado
grau de intervenção do estado e não sendo compatível, ao contrário do que foi afirmado,
com políticas económica neo-liberais. Simultaneamente, alguns autores criticam a IOE por
levar a um desenvolvimento “extrovertido”, orientado por necessidades externas e não
pelas necessidades nacionais. iii. O modelo socialista, que pressupõe um elevadíssimo grau
de intervenção do estado, através da planificação centralizada da economia, e a criação de
uma economia nacional auto-suficiente. A estratégia de desenvolvimento socialista foi
criticada por ser orientada para a oferta e não para a procura, gerando crises de
abastecimento de certos bens, por impedir a mobilização de todos os recursos do país para
o desenvolvimento ao limitar as iniciativas em matéria económica ao estado, criando
muitas barreiras às iniciativas individuais e empresariais, e, ainda, por ter subestimado o
impacto interno das relações económicas internacionais. Subjacentes a estes modelos
estavam três concepções de desenvolvimento: a teoria da modernização de Rostow, a
teoria da dependência (teoria do desenvolvimento “nacional” e “independente”) de
marxistas, em especial da América Latina, e a teoria do desenvolvimento socialista.
6
. Vandana Shiva define desenvolvimentismo como «a ideologia do desenvolvimento que
equiparava desenvolvimento com crescimento económico, crescimento económico com
expansão da economia de mercado, modernidade com consumismo e economias não
mercantis com atraso. (...) A noção de desenvolvimento como uma ideologia era baseada
na tradição económica ocidental e na equiparação do desenvolvimento apenas com
crescimento económico e a sua aceitação não questionada como progresso» (2003: 12-13).
Chabal e Dalloz fazem uma crítica severa (1999: 110-138) às atitudes dos governos post-
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Direito dos Recursos Naturais

desses países, em especial por se ter considerado que objectivos de


desenvolvimento traçados pelo estado justificavam todos os sacrifícios, todos os
custos sociais, impostos aos cidadãos, incluindo graves restrições dos seus direitos
fundamentais.7

Os esforços de desenvolvimento dos PVDs, muitos antigas colónias, foram


nuns casos bem sucedidos, noutros fracassaram. Os diversos modelos aplicados
entraram em crise quando se tornaram cada vez mais evidentes, os imensos custos
sociais e ambientais das estratégias aplicadas, mesmo nos países que conseguiram
transpor a barreira dos diversos indicadores de desenvolvimento, com é o caso do
Brasil8 e do Botswana.9

No balanço de algumas décadas de programas no sentido do desenvolvimento


constatou-se, em primeiro lugar, que, em muitos países, o crescimento económico
não era acompanhado de redução da pobreza em termos absolutos, o que significa

coloniais em África relativamente ao desenvolvimento, incluindo a primazia da


informalidade e do clientelismo, que vieram reforçar os elementos patrimonialistas destes
estados (ver a subsecção 5.1.2.2.), bem como a ausência de discussão devidamente
fundamentada dos problemas do desenvolvimento dos seus países, muito embora «a
aspiração de se desenvolver permaneça simbolicamente “sagrada”» por razões que
consideram relacionadas com as relações internacionais (ob.cit.: 125). Ver a crítica de Sen
na nota seguinte.
7
. «Olhando outras privações de liberdade, em diferentes países do mundo são
sistematicamente recusados a liberdade política e os direitos cívicos elementares a uma
enorme quantidade de pessoas. Afirma-se, por vezes, que a recusa desses direitos ajuda a
estimular o crescimento económico e é “boa” para um desenvolvimento económico rápido.
Houve mesmo quem defendesse sistemas políticos rígidos – recusando os direitos cívicos e
políticos elementares – pela sua suposta vantagem na promoção do desenvolvimento
económico. Esta tese (chamada muitas vezes “tese de Lee”, em certa medida atribuída ao
antigo primeiro-ministro de Singapura, Lee Kuan Yew) apoia-se, às vezes, nalgumas
provas empíricas razoavelmente rudimentares. Com efeito, uma comparação mais rigorosa
entre países não facultou nenhuma confirmação da tese e é mitigada a fundamentação de
que uma política autoritária sustente realmente o crescimento económico. Pelo contrário, a
verificação empírica indicia fortemente que o crescimento económico tem mais que ver
com uma ambiente economicamente pacífico do que com um sistema político agressivo»
(Sen, 2003: 31-2).
8
. PNUD, 2006: 265.
9
. Stiglitz, 2002: 75.
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A sustentabilidade e o desenvolvimento

que houve cidadãos desses países que não beneficiaram do desenvolvimento e, em


alguns casos, até ficaram em situação pior do que estavam antes da implementação
dos programas de desenvolvimento. São os chamados excluídos do
desenvolvimento, incluindo aqueles que ficaram sem os recursos naturais
necessários à sua subsistência, os sem abrigo e os desempregados das grandes
metrópoles dos PVDs, como Calcutá ou S. Paulo.10

Esta constatação levou o PNUD a adoptar a “abordagem de necessidades


básicas”, segundo a qual os esforços primários de desenvolvimento de um país
devem estar orientados para a satisfação das necessidades básicas dos seus
cidadãos. Estas são: alimentação, saúde, água e saneamento básico, educação,
habitação, emprego e participação na vida social e cultural.11 Os Objectivos do
Milénio reflectem também estas prioridades de desenvolvimento (infra).12

Mas o desenvolvimento foi também acompanhado por um grave desperdício de


recursos naturais (em especial pela disseminação de indústrias recursos-intensivas)
e uma grande degradação ambiental. Com efeito, do ponto de vista do
desenvolvimento, os recursos naturais não são importantes apenas para satisfazer
necessidades básicas da população ou para abastecer em matérias-primas as
indústrias nacionais. Podem ser também uma significativa fonte de receitas em
divisas para a economia e de receitas do OGE para financiar o desenvolvimento.
Em muitos casos, os PVDs, após se endividarem para financiar projectos de
desenvolvimento, alguns dos quais não implementados, foram obrigados, devido à
ausência ou falta de competitividade internacional das suas indústrias, a extrair de
modo não sustentável recursos naturais para exportação a fim de asseguraram o

10
. Ver, por exemplo, Stiglitz, 2002: 42-5 e 55 e PNUD, 2001.
11
. Segundo o Programa de Acção aprovado na Cimeira Mundial para o Desenvolvimento
Social (1995), nº 35/2, sobre a relação entre a satisfação de necessidades básicas e a
redução da pobreza. A abordagem de necessidades básicas foi confirmada pela Cimeira
Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável em 2002 (cit. em Scanlon et. al., 2004: 40-
41).
12
. Conjunto de metas acordadas na Cimeira Mundial das Nações Unidas sobre
Desenvolvimento Sustentável, Joanesburgo, 2002. Ver o website dos Objectivos do
Milénio, www.un.org.millenium. Para uma síntese dos acordos alcançados, ver Serra Jr. e
Cunha, 2004: 34-8.
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Direito dos Recursos Naturais

serviço da dívida.13 O endividamento teve também consequências como a sujeição


de alguns PVDs aos programas de ajustamento estrutural impostos pelas
instituições financeiras internacionais que, seguindo uma estrita ortodoxia
neoliberal, não tinham em conta nem os seus custos sociais nem as particularidades
de cada economia nacional.14

Por outro lado, o desenvolvimento leva à melhoria das condições de vida da


população, e ao aumento dessa população, com a diminuição da mortalidade. Daí
decorre um aumento da procura de certos bens que agrava a pressão sobre os
recursos naturais. Por exemplo, se os rendimentos das famílias mais pobres

13
. Ver, por exemplo, Adams, 1991, que trata das consequências ambientais do
endividamento externo dos PVDs. Para Adams, o endividamento dos países em
desenvolvimento e a crise da dívida externa destes países são da responsabilidade conjunta
de países desenvolvidos, em especial das suas instituições financeiras, e dos PVDs, em
especial os seus governos “desenvolvimentistas”. Adams prova que não só os bancos dos
países desenvolvidos, apoiados por vezes pelos seus governos, facilitaram a concessão de
créditos para projectos inviáveis e, sem haver, portanto, uma garantia forte de reembolso
desses empréstimos, como ainda, dada a disponibilidade de financiamentos, os PVDs se
engajaram num endividamento acelerado, muitas vezes para financiar mega-projectos sem
grande viabilidade ou interesse económico que justificassem os seus custos. Como se sabe,
a constatação dessa responsabilidade conjunta, de que o endividamento de alguns PVDs
era um obstáculo significativo ao seu posterior desenvolvimento e com grandes custos
sociais e ambientais, levou ao movimento pelo perdão da dívida dos países mais pobres,
cujas dívidas externas têm sido anuladas unilateral e multilateralmente. Ver também
Stiglitz, 2002: 43-4.
14
. A bibliografia, oriunda de países desenvolvidos ou de PVDs, sobre os custos
económicos, sociais e ambientais, dos programas de ajustamento estrutural é muito
extensa. Uma obra de referência é Stiglitz (2002), que beneficia da sua experiência no
Banco Mundial. Afirma este autor: «O FMI cometeu erros em todas as áreas em que se
envolveu: no desenvolvimento, na gestão de crises e nos países que transitaram do
comunismo para o capitalismo. Os programas de ajustamento estrutural não trouxeram o
crescimento sustentado, nem mesmo naqueles países, como a Bolívia, que aderiram à
rigidez da sua disciplina. Em muitos países, o excesso de austeridade sufocou o
crescimento» (ob.cit.: 55) e, «O contraste entre a transição na Rússia, arquitectada pelas
instituições económicas internacionais, e o da China, concebida por si própria, não podia
ser maior. (...) Enquanto a Rússia assistiu a um aumento nunca visto da pobreza, a China
conheceu a situação inversa» (ob.cit.: 42-3). Têm também interesse, sobre os programas de
ajustamento em África, as opiniões de Chabal e Dalloz (1999, em especial, 119-23) porque
analisam as variadas respostas dos governos africanos aos programas, evitando a
vitimização fácil dos africanos.
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A sustentabilidade e o desenvolvimento

aumentarem, elas vão melhorar a sua alimentação consumindo mais peixe, o que
significará a captura de maiores quantidades de pescado para fazer face ao aumento
da procura. É também importante referir os padrões de consumo dos países
desenvolvidos, por exemplo os usos excessivos de madeiras tropicais ou de
combustíveis, que contribuem para uma procura não sustentável de certos recursos
naturais.15

Em consequência, os PVDs dedicaram-se, e dedicam-se, a actividades


“extractivas”16 de recursos naturais sem ter em consideração a sua sustentabilidade.
Ou seja, os recursos naturais são extraídos a taxas determinadas não pelas
exigências da sua sustentabilidade mas pela sua procura, no mercado interno e
internacional, que é também muito influenciada pelas flutuações de preços nos
mercados dos diferentes recursos naturais.

A degradação do ambiente e dos recursos naturais resultou também da


diminuição de recursos com funções ecológicas fundamentais, como a água e a
cobertura de vegetação, e da poluição. Esta é causada por todas as actividades
humanas. Mas, nas indústrias emergentes dos PVDs, o controlo da poluição17 era

15
. A Decl. do Rio e a Agenda 21 preocupam-se com a questão dos padrões de consumo. A
Declaração estabelece no Princípio 8º: «Para se alcançar um desenvolvimento sustentável e
uma qualidade de vida mais elevada para todos os povos, os Estados deverão reduzir e
eliminar os padrões insustentáveis de produção e de consumo e promover políticas
demográficas adequadas».
16
. O uso do termo “extractiva”, utilizado para as indústrias de recursos não renováveis
(indústrias extractivas), para qualificar uma actividade económica relativa a recursos
renováveis enfatiza as consequências de eventual não renovabilidade de um recurso
renovável em virtude do seu uso não sustentável. Assim, pode dizer-se que, em alguns
casos, a exploração madeireira ou a pesca são indústrias extractivas.
17
. O controlo da poluição é, em termos gerais, realizado por: i. proibições de descarga no
ambiente de substâncias particularmente nocivas (substâncias perigosas, tóxicas ou
radioactivas), de que é exemplo o art. 92/1/a da LRBA ou de libertação de seres vivos
perigosos (OGMs, em especial, como causa de poluição biológica), por exemplo, o art.
75/2 da LRBA; ii. pela limitação dessas descargas a níveis aceitáveis, por exemplo como
decorrerá do art. 10º do Dec. nº 39/00; e iii. pelas regras sobre disposição de resíduos, por
exemplo, o art. 9º do Dec. nº 39/00. Em termos económicos, o controlo da poluição é
realizado por: i. a solução de Pigou através da imposição de um imposto aos agentes
poluidores; ii. a solução de Coase, por negociação bilateral entre o poluidor e a vítima, e
88
Direito dos Recursos Naturais

inexistente ou, lá onde existia legislação de controlo, esta não era cumprida ou,
ainda, em muitos países, considerava-se que, para tornar competitivas as
exportações do país ou mesmo para atrair investimento estrangeiro, o país não
deveria ser exigente em matéria ambiental.18

A constatação do estado do ambiente e dos recursos naturais, bem como de


efeitos negativos de estratégias de desenvolvimento no bem-estar de parte dos
cidadãos de PVDs, levou a diferentes respostas a nível internacional. Em 1987, o
Relatório Bruntland19 concluiu, inter alia, que se a humanidade continuasse a
desenvolver-se com base em processos utilizados no passado, que levaram a
fenómenos como a poluição e a destruição de florestas, solos e recursos hídricos,
poderia «não haver futuro ou, pelo menos, o futuro será extremamente sombrio». A
Comissão também concluiu que é impossível separar as questões do
desenvolvimento das questões ambientais.20

Foi a partir do Relatório que se vulgarizou o conceito de desenvolvimento


sustentável, do qual é parte integrante a equidade entre gerações. Desenvolvimento
sustentável foi definido no Relatório Bruntland como o desenvolvimento que
satisfaz as necessidades das gerações actuais permitindo simultaneamente que as

iii. negociação de licenças para poluir criando um mercado de poluição (Prof. Dias
Amaral, entrevista)
18
. Um país que pode servir de exemplo é o Brasil, onde vastas extensões de floresta foram
desmatadas para actividades económicas, em programas de desenvolvimento, inclusive
para garantir receitas para o serviço da dívida externa. Mas recentemente, pela vez
primeira no Brasil, um tribunal ordenou que uma empresa norte-americana, Cargill,
cessasse actividades na Amazónia (derruba de floresta para plantação de soja),
considerando ilegal o exercício dessas actividades por a empresa não ter respeitado a
legislação brasileira, incluindo a legislação ambiental, em especial por ter apresentado um
estudo de impacte ambiental que não respeitava as especificações legais. Desde 2003
ONGs ambientalistas vinham a denunciar essa empresa de apropriações ilegais de terras e
destruição da floresta a um ritmo de «6 campos de futebol por minuto» (Independent
Online, 26.03.07).
19
. Comissão Mundial para o Ambiente e Desenvolvimento, Relatório «O Nosso Futuro
Comum», também designado Relatório Bruntland. Sobre o conceito de desenvolvimento
sustentável no direito internacional, ver a subsecção 7.1.2.
20
. Hunt et al., 1991: 2-3.
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A sustentabilidade e o desenvolvimento

gerações futuras possam vir a satisfazer as suas necessidades 21 a níveis iguais, pelo
menos, aos de satisfação de necessidades das gerações actuais. Este conceito tinha,
no entanto, sido já enunciado em 1972 na Declaração de Estocolmo.22 A Comissão
centra o conceito de sustentabilidade em dois pilares: a satisfação de necessidades
básicas, em especial das pessoas que nos PVDs vivem abaixo do nível de
pobreza,23 e consequentemente justiça social, e os limites «técnicos, culturais e
sociais» ao desenvolvimento.24

Mas, como veremos, o conceito de desenvolvimento sustentável permaneceu


muito vago o que levou a críticas várias. Em primeiro lugar, a sua indeterminação
pois o que é desenvolvimento sustentável tem muitos sentidos diversos e, portanto,
não há consensos necessários à tomada de decisões concretas para a sua realização.
Outra crítica é de que «a noção de desenvolvimento sustentável tem como efeito
subordinar os imperativos ambientais ao desenvolvimento».25

Relativamente à indeterminação do conceito de desenvolvimento sustentável,


um passo importante foi dado em 1986, quando a Assembleia Geral da ONU
adoptou a Declaração das Nações Unidas sobre o Direito ao Desenvolvimento.26

21
. A Declaração do Rio reforça esta perspectiva de “equidade inter-geracional” ao
estabelecer no Princípio 3º: «O direito ao desenvolvimento deverá ser exercido por forma a
atender equitativamente às necessidades, em termos de desenvolvimento e de ambiente,
das gerações actuais e futuras». Ver a secção 7.1.
22
. Princ. 1º: «A pessoa humana tem direito fundamental à liberdade, à igualdade e a
condições de vida satisfatórias, num ambiente de qualidade que lhe permita viver com
dignidade e bem-estar. Cabe-lhe porém o dever solene de proteger e melhorar o ambiente
para as gerações actuais e futuras». Princ. 2º: «Os recursos naturais da Terra, incluindo o
ar, a água, os solos, a flora e a fauna e especialmente amostras representativas dos
ecossistemas naturais devem ser salvaguardados para o benefício das gerações presentes e
futuras através de planeamento ou gestão cuidadosos, como apropriado».
23
. Pessoas com menos de 1 USD por dia, actualmente cerca de 20% da população
mundial e, a seguir, pessoas com um rendimento de cerca de 2 USD/dia, cerca de 40% da
população mundial (PNUD, 2006: 269).
24
. Kirby et al., 1996: 7-8.
25
. Dine Tladi cit. em ILA, 2006: 5. Ver a subsecção 7.1.2.
26
. Resol. nº 41-128, (AG), Decl. de 1986. Sobre o princípio do desenvolvimento em
direito internacional, ver a subsecção 7.1.1. no direito angolano, ver a secção 11.2.
90
Direito dos Recursos Naturais

Tendo em conta a “desumanização” de muitos processos de desenvolvimento,27 a


Decl. de 1986 define-o como
um processo económico, social, cultural e político abrangente, que visa a melhoria
constante do bem estar de toda a população e de todas as pessoas na base da sua
participação activa, livre e com sentido no desenvolvimento e na justa distribuição dos
benefícios que dele resultam (Preâmbulo da Declaração das Nações Unidas sobre o
Direito ao Desenvolvimento).

A definição da Declaração responde a várias controvérsias sobre o que é


desenvolvimento. Em primeiro lugar, reconhece que este não é apenas crescimento
económico: é um «processo económico, social, cultural e político abrangente», que
integra também o desenvolvimento institucional e jurídico, incluindo o grau de
exercício dos seus direitos pelos cidadãos. A Decl. de 1986 reafirma ainda que o
objectivo primeiro do desenvolvimento é «a melhoria constante do bem-estar de
toda a população», e não apenas de uma minoria, e aponta para os seus efeitos
distributivos em termos de justiça social.

Depois, a Decl. de 1986 “personaliza” o desenvolvimento, centrando-o nas


pessoas, que deixam de ser meros dados estatísticos nos agregados macro-
económicos dos indicadores de desenvolvimento e são abordadas como sujeitos do
desenvolvimento no qual têm o direito de participar activamente, como
trabalhadores por conta própria ou por conta de outrem, como empresários e, ainda,
como cidadãos com direitos de participação na tomada de decisões sobre o
desenvolvimento.

A pessoa humana é sujeito central do desenvolvimento e deveria ser o participante


activo e beneficiário do direito ao desenvolvimento. (…) 3. Os Estados têm o direito e o
dever de formular políticas nacionais de desenvolvimento adequadas que visem a

27
. Stiglitz põe esta questão do seguinte modo: «O desemprego não deve ser encarado
apenas como uma estatística, uma “contagem de cadáveres” económicos, um apuramento
das vítimas não intencionais da luta contra a inflação ou do pagamento da dívida aos
bancos do Ocidente. Os desempregados são seres humanos, com família, cujas vidas foram
afectadas, e às vezes destruídas, pelas políticas económicas recomendadas – ou impostas,
no caso do FMI – por estrangeiros. A guerra tecnológica destina-se a banir o contacto
físico – quem lança uma bomba a 50000 pés de altura não “sente” o que faz. A gestão
económica moderna é semelhante. De um luxuoso quarto de hotel, é possível impor
impiedosamente determinadas políticas, nas quais pensaríamos duas vezes se
conhecêssemos as pessoas cujas vidas estávamos destruir» (2002: 62).
91
A sustentabilidade e o desenvolvimento

constante melhoria do bem estar de toda a população e de todos os indivíduos, na base


da sua participação activa, livre e com um sentido no desenvolvimento e na justa
distribuição dos benefícios que dele resultam (Declaração, art. 2º).

A Declaração do Rio também expressa esta abordagem do desenvolvimento


orientado para (todas) as pessoas no Princípio 1º:
Os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento
sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia com a natureza.

Posteriormente, no início dos anos 1990s, o PNUD concretizou esta perspectiva


do desenvolvimento, definindo-o como «um processo de alargamento das escolhas
das pessoas», o que tem subjacente a teoria do desenvolvimento como liberdade de
Amartya Sen.28 Em termos simples, pois a relação entre desenvolvimento e
liberdades será tratada a propósito da governação do desenvolvimento
sustentável,29 Sen considera que o desenvolvimento é um processo de contínua
expansão das diversas liberdades que vigoram numa sociedade, e estas devem ser
um critério de avaliação do progresso feito por uma sociedade. Mas, também, o
maior ou menor grau de gozo dessas liberdades pelos cidadãos é um factor
essencial ao desenvolvimento na medida em que pessoas livres são participantes
activos no desenvolvimento.30 Ou, seja, somos pessoas com «vidas mais cheias»,
«socialmente mais completas, dando expressão à nossa vontade e interagindo – e
influenciando – o mundo em que vivemos».31

Como o desenvolvimento «diz respeito à relação entre recursos e realizações,


entre bens e potencialidades, entre a nossa riqueza económica e a nossa capacidade

28
. Depois de afirmar que «o desenvolvimento consiste na remoção de vários tipos de
restrições que deixam às pessoas pouca escolha e pouca oportunidade para exercerem a sua
acção racional», Sen define desenvolvimento como «um processo de alargamento das
liberdades reais das pessoas» que conduzem a um alargamento das escolhas, políticas,
económicas, sociais, culturais que estas podem fazer numa sociedade (2003: 14 e 19).
29
. Ver a subsecção 5.3.1.
30
. 2003: 20. Ou, citando Sen, a liberdade é «também a principal determinante da iniciativa
individual e da eficácia social. Uma maior liberdade reforça a capacidade das pessoas para
se ajudarem a si mesmas e também influenciarem o mundo e tais capacidades são fulcrais
para o processo de desenvolvimento. Esta questão está relacionada com o que poderíamos
chamar o “lado activo” do indivíduo» (ob.cit.: 34).
31
. Ob.cit.: 30-1.
92
Direito dos Recursos Naturais

para viver como gostaríamos», deve ser «mais referido à promoção da vida que
construímos e às liberdades de que usufruímos».32

As liberdades não são apenas o fim primordial do desenvolvimento; contam-se também


entre os meios principais. Ademais do reconhecimento da importância avaliadora da
liberdade, temos também de compreender a conexão empírica que liga entre si as
liberdades de diferentes espécies. As liberdades políticas (sob a forma de liberdade de
expressão e de eleições) ajudam a promover a segurança económica. As oportunidades
sociais (sob a forma de serviços de educação e de saúde) facilitam a participação
económica. Os dispositivos económicos (sob a forma de oportunidade de participar no
comércio e na produção) podem ajudar a gerar tanto a riqueza pessoal como os recursos
públicos destinados a serviços sociais. As liberdades de diferentes espécies podem
reforçar-se umas às outras. (...) Com as convenientes oportunidades sociais, os
indivíduos podem efectivamente dar forma ao seu destino e ajudar-se uns aos outros.
Não têm que ser encarados, primariamente, como receptáculos passivos dos benefícios
de artificiosos programas de desenvolvimento. Há, de facto, uma sólida base racional
para reconhecer o papel positivo da acção livre e sustentada – e mesmo de uma
impaciência construtiva (Sen, 2003: 26-7).

Em 2006, o PNUD voltou a vincar a relação entre liberdade de escolha,


qualidade de vida e avaliação do processo de desenvolvimento:
A importância do crescimento do PIB e da estabilidade económica não devem ser
subestimadas: ambos são fundamentais para sustentar o progresso humano, como
resulta claro nos países que sofrem da sua ausência. Mas o último bastião para medir o
progresso é a qualidade de vida das pessoas. Como afirmou Aristóteles, «A riqueza não
é evidentemente o bem que procuramos; pois que é meramente útil para alcançar uma
outra coisa qualquer». Esta “outra coisa qualquer” é a oportunidade de as pessoas
realizarem todo o seu potencial como seres humanos. A oportunidade real é sobre ter
escolhas reais – as escolhas que vêm com um rendimento suficiente, uma educação, boa
saúde e viver num país que não é governado por uma tirania. Como escreveu Amartya
Sen, «o desenvolvimento pode ser visto (...) como um processo de expansão das
liberdades reais de que as pessoas gozam» (2006: 263).

Assim, como afirma Filipe Amado a propósito das políticas urbanas e de


desenvolvimento, este é indissociável da democracia e deve ser «um
desenvolvimento sustentável e equitativo, que permite operar com as relações

32
. Sen, 2003: 29-30.
93
A sustentabilidade e o desenvolvimento

sociais “criadas” pelo homem activo, a nível local e regional, capaz de escolher,
interpretar e criar, e não apenas reagir passivamente».33

No que respeita às relações entre a protecção do ambiente e dos recursos


naturais e desenvolvimento, já abordado como “social” e não apenas crescimento
económico, o princípio da integração aponta para as relações que vem ser tidas em
consideração quando se tomam decisões sobre o desenvolvimento sustentável: as
relações entre desenvolvimento económico, desenvolvimento social e protecção do
ambiente, o que contribui para diminuir a indeterminação do conceito de
desenvolvimento sustentável.34

Os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, o conjunto de metas no tempo


internacionalmente acordadas para, inter alia, reduzir a pobreza e assegurar a
sustentabilidade, constituem hoje um quadro normativo para o desenvolvimento
sustentável.35 Os Objectivos do Milénio para o desenvolvimento sustentável são:
 «1. A erradicação da pobreza e da fome»; sendo a Meta 1 – «entre 1990 e
2015 reduzir para metade o número de pessoas que vivem com menos de 1
USD por dia» e a Meta 2 – «entre 1990 e 2015 reduzir para metade o
número de pessoas que sofrem de fome»;
 «2. Atingir a educação de base universal» – todos com ensino de base;
 «3. Promover a igualdade do género e conferir poderes às mulheres»;
 «4. Reduzir a mortalidade infantil»;
 «5. Melhorar a saúde materna»;
 «6. Combate ao sida, malária e outras doenças»;
 «7. Garantir a sustentabilidade ambiental»; sendo a Meta 9 - «integrar nas
políticas e programas os princípios do desenvolvimento sustentável», a
Meta 10 – «até 2015 reduzir para metade o número de pessoas que não têm
acesso à água potável», e a Meta 11 - «até 2020 alcançar uma melhoria de
vida pelo menos para 1 milhão de moradores de bairros pobres»;

33
. 2002: 86.
34
. Ver as secções 3.2., 3.3. e 7.1.
35
. UNDP, 2006: v.
94
Direito dos Recursos Naturais

 «8. Desenvolver uma parceria global para o desenvolvimento».

Os Objectivos do Milénio estabelecem, pois, os fins que devem orientar a acção


dos estados nos seus processos de desenvolvimento e têm subjacente a abordagem
de necessidades básicas acima referida.36

São a seguir tratadas sinteticamente algumas questões consideradas importantes


para a concretização em termos ecológicos, económicos, sociais e jurídicos do que
é o desenvolvimento sustentável.

3.2. A sustentabilidade e o desenvolvimento sustentável

O conceito de sustentabilidade tem sido usado indiscriminadamente,


banalizando-se.37 Ninguém ousa hoje dizer que está a dedicar-se a actividades não
sustentáveis ou que é contra a sustentabilidade do que quer que seja. Embora
referida, em geral, ao uso de recursos naturais e ao desenvolvimento, a
sustentabilidade é hoje abordada como um dos principais problemas a ter em
consideração na tomada de todo o tipo de decisões económicas e políticas, não só
de governos mas também de empresas.38 Como vimos, a questão da
sustentabilidade tem particular acuidade no domínio do uso dos recursos naturais,
dados os problemas relacionados com a sua esgotabilidade, sejam renováveis ou

36
. Sobre as acções que os estados devem adoptar para atingir os Objectivos do Milénio,
ver, por exemplo, PNUD, 2006.
37
. Perman et al. referem e comentam algumas definições de sustentabilidade (1996: 56-7).
38
. Por exemplo, relativamente às empresas mineiras, segundo Humphreys, «Outra
característica estratégica nos anos mais recentes foi a progressiva adopção dos princípios
do desenvolvimento sustentável pela indústria mineira, ou por partes significativas dela.
Não se trata de um objectivo das empresas mineiras como alternativa à rentabilidade mas
representa uma mudança importante na maneira como as empresas realizam esse objectivo.
(…) Em termos muito simples, incorpora a ideia de que no futuro as empresas têm de
integrar os factores sociais e ambientais muito mais estreitamente com os factores
económicos quando pensam nos seus investimentos e operações. Em termos mais amplos,
refere-se à necessidade de pensar nos produtos baseados em minerais em termos do ciclo
completo da sua produção, uso e reutilização, e de compreender e gerir os impactes sociais
e ambientais desse ciclo, em cada fase e como um todo, de um modo responsável e
sustentável» (2000).
95
A sustentabilidade e o desenvolvimento

não, e também do ponto de vista de satisfação de necessidades, em especial


daquelas pessoas cuja subsistência depende do acesso a recursos naturais.

Mas se uma gestão adequada dos recursos naturais e medidas de conservação


destes são condição necessária do desenvolvimento sustentável, não são condição
suficiente. Como afirma Esther Duflo:
A distinção entre as acções “sustentáveis” e as outras vai muito para além do respeito
39
do ambiente, que é a acepção mais estrita da expressão desenvolvimento sustentável.

Em termos simples, quando se implementa um dado projecto de investimento,


há que perguntar quanto tempo poderá essa actividade durar, tendo em conta
condições de abastecimento de matérias-primas, de disponibilidade de força de
trabalho a dados níveis de custos, de aquisição da tecnologia necessária, de
colocação dos bens ou serviços produzidos no mercado. Se se empreenderem
actividades não sustentáveis, um projecto poderá ser economicamente viável até
um certo momento mas não o será no longo prazo, ou seja, do ponto de vista do
desenvolvimento pode não ser sustentável. Este aspecto é relevante não só a nível
de projecto mas também relativamente ao próprio desenvolvimento de países.40

Dando um exemplo de recursos naturais, não é sustentável a criação de uma


empresa mineira de grande dimensão para explorar pequenas jazidas que, a certas
taxas de extracção, duram cinco anos. Caso a empresa não tenha um
comportamento economicamente sustentável, ao fim dos cinco anos de duração das
jazidas cessará actividades, os seus trabalhadores irão para o desemprego, os
equipamentos serão vendidos eventualmente como sucata e a chamada “cidade
mineira”, constituída a partir da sua base de operações e que serviu de ponto para o
arranque de um conjunto de actividades girando à volta da economia mineira
(como agricultura e comércio), irão desaparecer com as consequências económicas
e sociais daí decorrentes. É o fenómeno das “cidades fantasma” de muitos países.41

39
. «Réinventer le dévelopment durable», Libération, 13.02.2006, 41.
40
. Por exemplo, Stiglitz refere que em muitos países da América Latina o
desenvolvimento a que se assistiu após a II Guerra Mundial não foi sustentável (2002: 53).
41
. A LAGM procura evitar este tipo de situações, ao dispor no art. 13/5 que nos «grandes
projectos, o plano de exploração deve incluir o estudo de um ou mais projectos de
actividades económicas a desenvolver pelo Estado angolano, ou qualquer outra entidade,
após o esgotamento das reservas das jazidas que constituem o objecto da exploração, a fim
96
Direito dos Recursos Naturais

Mas as actividades mineiras da empresa já serão sustentáveis se esta tiver em


carteira vários projectos mineiros sucessivos, ou se, logo que inicie a produção
numa concessão, promover a prospecção de novas reservas.

O mesmo se passa, mutatis mutandis, com projectos e programas estaduais. Por


exemplo, uma campanha de vacinação de crianças contra certas endemias que seja
feita apenas uma vez não irá certamente contribuir significativamente para
erradicar as doenças visadas. Também será o caso da construções de infra-
estruturas, por exemplo de estradas, sem ser assegurada a sua manutenção regular e
reparação, o que implica a afectação no longo prazo dos meios necessários a esses
fins. Caso não seja feita essa afectação, tratar-se-á de acções não sustentáveis.42

O conceito de sustentabilidade refere-se, portanto e em primeiro lugar, à


permanência de actividades, dos seus efeitos, dos recursos, mesmo de países, no
longo prazo. Como iremos ver, o conceito de sustentabilidade em sentido amplo
engloba as três sustentabilidades relevantes em matéria de desenvolvimento: a
sustentabilidade ecológica, que será adiante vista em pormenor, a sustentabilidade
social e cultural e a sustentabilidade económica. Esta significa que um dado
conjunto de «grandezas relevantes são transportadas para o período seguinte, num
estado pelo menos tão bom quanto o estado em que se encontram no período
presente», sendo mantidos «o potencial produtivo ou de consumo ao longo do
tempo», os níveis de satisfação de necessidades.43

A manutenção do potencial produtivo, em termos quantitativos e qualitativos,


depende, em primeiro lugar, dos recursos disponíveis para uso produtivo. Como
vimos, estes podem ser entendidos, em sentido amplo, como “capital”, ou seja,
reservas economicamente úteis. O capital compreende o capital produzido pelos
seres humanos (capital físico, humano, intelectual)44 e o capital natural. Este pode
ser definido descritivamente como

de facultar novos postos de trabalho aos trabalhadores e a recuperação económica dessas


mesmas áreas».
42
. Exemplos retirados de Duflo, 2006.
43
. Perman et al., 1996: 56 e 59. Ver a subsecção 4.2.3. sobre o modelo de Hartwick,
relativo aos recursos não renováveis.
44
. O capital físico é constituído pelas «fábricas, equipamentos, edifícios e infra-estruturas
acumuladas afectando parte da produção actual a fins de investimentos». O capital humano
97
A sustentabilidade e o desenvolvimento

Reservas fornecidas naturalmente, como aquíferos e sistema de água, terras férteis,


petróleo bruto e gás, florestas, mananciais de recursos biológicos aquáticos e outras
reservas de biomassa e a própria atmosfera da Terra (ou seja, os recursos naturais),
(Perman et al., 1996: 59).

Em termos de produção, o mais importante na sustentabilidade é a manutenção


da reserva total agregada de capital (ou seja, de todos os tipos de capital) para
«assegurar a manutenção das oportunidades produtivas», determinados níveis de
produção. Como cada produto tem uma dada composição de capital, as relações
(proporções) entre os diferentes tipos de capital incorporados num produto são
importantes na sustentabilidade. Por exemplo, é possível manter um dado volume
de produção de um produto mesmo em condições de problemas de sustentabilidade
de recursos naturais se se alterar a composição desse produto substituindo capital
natural (em especial, recursos não renováveis) por capital físico, ou seja um dado
recurso natural por um sucedâneo, ou diminuindo a quantidade de um dado recurso
natural necessária à sua produção.45 São exemplos desta abordagem a substituição
de combustíveis fósseis por fontes renováveis de energia e, também, a diminuição
do componente energia por unidade de um dado produto, conseguida, por exemplo,
através do uso de novas tecnologias que permitam poupanças de energia,
representando um dado grau de substituição de recursos não renováveis por capital
físico ou intelectual.

Por essa razão, alguns autores consideram que «o conhecimento aparece como
um bom substituto para recursos não renováveis», na medida em que torna
possíveis consumos produtivos cada vez mais sustentáveis desses recursos, com as
limitações de que, como se sabe, há recursos naturais que até hoje não são
substituíveis.46 São exemplo desta perspectiva as disposições do Dec. nº 20/82,
sobre a aplicação das contribuições das empresas petrolíferas para formação de

compreende «as reservas de qualificações aprendidas, incorporadas numa dada pessoa»;


trata-se de um conceito que «ressalta o potencial produtivo de uma pessoa acima do que é
apenas a sua pura força de trabalho». O capital intelectual refere-se às «qualificações
desincorporadas», isto é, aquelas qualificações que «não estão numa dada pessoa, mas são
parte da cultura da sociedade»; o capital intelectual compreende «a reserva de
conhecimentos úteis, que poderia ser ainda chamada de estado da tecnologia» (ob.cit.: 59).
45
. Perman et al., 1996: 59-60. Ver a subsecção 4.2.3., sobre a aplicação da renda do
recurso visando garantir a sustentabilidade nesta perspectiva.
46
. Ob.cit: 60, citando Dasgupta e Heal (1974).
98
Direito dos Recursos Naturais

angolanos ou para investigação científica, ou seja, para substituição de recursos não


renováveis por capital humano e intelectual (art. 13º).47

No que respeita à manutenção do potencial do consumo, produtivo ou não, a


sustentabilidade significa a manutenção de determinados níveis de satisfação de
necessidades mas não necessariamente a permanência de certos padrões de
consumo. Ou, por outras palavras, a manutenção do potencial de consumo não
significa que se consumam os mesmos bens e serviços e/ou em certas quantidades,
mas que se mantenha a aptidão dos bens existentes para satisfazerem necessidades,
em especial as necessidades básicas. Como sabemos, há padrões de consumo, em
especial nos países desenvolvidos, que são considerados inadequados para a
sustentabilidade, como o consumo considerado excessivo de madeiras tropicais ou
de hidrocarbonetos.

Já apenas na vertente do componente de equidade entre gerações do


desenvolvimento sustentável, para Amaral há duas maneiras de a assegurar. O
ambiente pode ser abordado em termos de recursos naturais ou capital natural
disponível para criação de riqueza e/ou como algo mais que potencial económico,
valores que não podem ser substituídos pela criação de riqueza. Pode então
argumentar-se que a equidade entre gerações pressupõe que as gerações futuras,
para além de disporem de recursos suficientes para satisfazerem as suas
necessidades de bens materiais, não devem herdar um ambiente degradado.
Distingue-se assim entre sustentabilidade fraca e sustentabilidade forte. A primeira
refere-se à manutenção da reserva agregada de capital e do potencial de consumo
vistos atrás.48 A sustentabilidade forte «traduz a ideia de que a criação de fontes
adicionais de riqueza não são suficientes para compensar as gerações futuras na
medida em que elas não devem herdar um ambiente degradado». A

47
. Estas receitas eram consignadas para despesas com formação de trabalhadores
angolanos da indústria petrolífera no país e no estrangeiro, apoio a estabelecimentos de
ensino «relacionados directa ou indirectamente com a indústria de petróleos», «aquisição
de livros, documentação e equipamento técnico destinado à formação de pessoal angolano
no sector de petróleos» e «despesas de visitas ou estágios nos campos de pesquisa,
produção, refinação e outras instalações petrolíferas» (cit.dec., art. 13/3). A obrigação de
contribuição para a formação de angolanos consta hoje do art. 57º da Lei nº 13/04.
48
. Ver a subsecção 4.2.3, sobre o modelo de Hartwick. Sobre a equidade entre gerações,
ver também a subsecção 7.1.2.
99
A sustentabilidade e o desenvolvimento

sustentabilidade forte é preferível à sustentabilidade fraca por razões relacionadas


com:
 Não substituibilidade – há recursos ambientais que não têm substituição,
por exemplo, a camada de ozono, paisagens de grande beleza, as funções de
captação de nutrientes de terras húmidas;
 Incerteza – não há certeza científica relativamente a muitos domínios do
conhecimento, em especial sobre as funções e funcionamento dos ecossistemas
e as consequências potenciais da sua degradação e esgotamento de recursos;49
 Irreversibilidade – se se extinguem espécies e se destroem habitats, estes
não podem ser recriados (infra), não se pode compensar esta diminuição do
capital natural com recurso a capital de origem humana.50

Uma outra questão de grande relevo na sustentabilidade é a adopção de


comportamentos sustentáveis pelas empresas e consumidores e, também, pelo
estado. Em princípio, uns e outros maximizarão a sua utilidade. No caso das
empresas, os maiores lucros com menores custos e, quanto aos consumidores, a
aquisição de bens e serviços com a melhor relação qualidade/preço. Quanto ao
estado, maximizará utilidades para realização das suas funções, como a percepção
do maior montante de receitas orçamentais, em especial pela captação de rendas
dos recursos naturais, o maior volume de prestações aos cidadãos aos menores
custos orçamentais, etc.

Assumir que todos estão interessados na sustentabilidade das suas decisões


poderá não ser o melhor ponto de partida devido ao que Kirkpatrick designa
«estreiteza de vistas», ou seja, produtores e consumidores têm tendência para ver as
questões num horizonte temporal curto, podendo «não estar interessados nos custos
e benefícios ambientais de longo prazo».51 O comportamento sustentável exige
escolhas que, mesmo descontando a estreiteza de vistas, poderão não ser as mais
adequadas devido a problemas de decisão adiante tratados, em especial as questões
relacionadas com a previsão dos efeitos futuros de acções actuais.

49
. Ver a subsecção 3.3.2.
50
. Prof. Dias Amaral (entrevista). Ver o Cap. VI, sobre o critério de conservação de
opções.
51
. 2004: 114.
100
Direito dos Recursos Naturais

De um ponto de vista das acções concretas visando assegurar a


sustentabilidade, Duflo, tratando dos problemas da assistência ao desenvolvimento,
considera que, nesse caso, as acções sustentáveis, são, como regra, aquelas que
privilegiam a educação e a sensibilização, a mobilização das comunidades locais e,
muitas vezes, a sua participação financeira. (...) De um modo geral, uma acção
sustentável deve implicar o compromisso de acompanhar um projecto de modo
apropriado, mesmo se isso significar um compromisso financeiro no longo prazo (2006:
41).

Duflo dá como exemplo de acções sustentáveis o microcrédito. Não só neste


tipo de crédito as despesas de administração do sistema de crédito são pagas com
os juros dos empréstimos, como ainda se facultam às pessoas os meios para
resolverem elas próprias os seus problemas.52 Serão também sustentáveis acções
como a concessão de créditos e assistência técnica, em condições acessíveis, para
actividades agrícolas a fim de certos grupos de rendimentos mais baixos
produzirem os seus alimentos e, portanto, deixarem de necessitar de ajuda
alimentar com um carácter permanente. Não sustentáveis serão, neste caso, acções
de doação pontual de, por exemplo, bens alimentares que resolvem o problema da
fome num período curto mas poderão deixar as pessoas na mesma situação de
pobreza no futuro.

Ou, no mesmo sentido e já no âmbito dos regimes jurídicos e tendo por


referência a recente discussão em Angola do ALFFS, será sustentável um regime
jurídico que atribui às comunidades rurais direitos de uso e fruição de recursos
biológicos terrestres existentes nos terrenos comunitários, em vez de apenas lhes
atribuir o direito de uso de subsistência. Este apenas permite às comunidades irem
consumindo os recursos naturais para usos não comerciais. O direito de fruição
implica que essas comunidades possam também utilizar esses recursos como
capital em actividades económicas que permitem gerar rendimentos para o seu
desenvolvimento, para uma cada vez melhor satisfação das suas necessidades
básicas. Ou seja, de meros consumidores de recursos naturais e produtores dos seus
alimentos, elas poderão transformar-se em empresas actuando no mercado para
obterem assim rendimentos em dinheiro que irão permitir-lhes adquirir um
conjunto de bens de que necessitam, sem estarem dependentes da ajuda do estado

52
. Ou, como diz o conhecido provérbio chinês, aliás citado por Duflo, se vires um homem
com fome não lhe dês um peixe, ensina-o a pescar.
101
A sustentabilidade e o desenvolvimento

ou internacional. Mas interessa aqui salientar que, numa primeira fase dessa
transição da economia de subsistência para a economia de mercado, estas
comunidades necessitarão de ajudas do estado ou internacionais, desde o acesso ao
crédito e assistência técnica à formação,53 orientadas para que utilizem os recursos
naturais de que têm a fruição de modo sustentável, quer em termos estritamente
ecológicos quer na perspectiva do seu desenvolvimento no longo prazo.

3.2.1. Uso sustentável e viabilidade do desenvolvimento sustentável

Quando se fala em desenvolvimento sustentável do ponto de vista dos recursos


naturais, a primeira questão, já referida, é saber como as actividades económicas
podem causar problemas de sustentabilidade destes recursos.

Lee e George, a propósito da avaliação de impacte ambiental de actividades


económicas,54 referem alguns dos modos como o desenvolvimento pode influenciar
a sustentabilidade dos recursos naturais e o equilíbrio ecológico:
 Através da extracção55 de recursos naturais para além de determinadas taxas
relacionadas com a dimensão das reservas e as suas taxas de reconstituição;
 Através da descarga de resíduos que, dependendo da sua natureza, pode
ultrapassar a capacidade de assimilação do ambiente e gerar poluição que vai
degradar habitats e ecossistemas e, portanto, pôr em causa a renovabilidade dos
recursos.

A degradação de recursos naturais e do ambiente pode ser reversível e


irreversível.56 No caso de ser reversível é possível, por exemplo, reconstituir
habitats, ou salvar espécies ameaçadas de extinção ou, ainda, limpar meios
poluídos através de um conjunto de medidas adequadas. Estas, no entanto, têm
custos, que alguns países ou comunidades locais eventualmente não terão meios

53
. Ver, por exemplo, Stiglitz, 2002: 123, sobre as condições de sucesso da reforma agrária
e o papel do estado no apoio aos beneficiários da reforma.
54
. 2000: 16-17.
55
. Entendida em sentido amplo como qualquer acção de retirada de recursos naturais do
ambiente, por qualquer meio, seja a caça, a pesca, a silvicultura ou a extracção de minerais.
56
. Johnston, 1996: 45-6.
102
Direito dos Recursos Naturais

para suportar. No caso de degradação irreversível, como a extinção de uma espécie


ou de um ecossistema, algo se perdeu para sempre e não há valor que possa
compensar essa perda para as gerações actuais e futuras. No direito do ambiente,
para além das questões relativas à equidade entre gerações, esta distinção é da
maior importância sob duas vertentes principais: o princípio da prevenção57 e a
determinação de indemnizações devidas por dano ambiental.58 A AIA é um
instrumento de prevenção de degradação irreversível, e de mitigação de degradação
reversível, de recursos naturais e ecossistemas.

Assim, duas das condições básicas para o desenvolvimento sustentável são que
sejam mantidas as reservas de recursos e a qualidade dessas reservas.59 A
manutenção das reservas de recursos exige que sejam respeitadas as regras sobre a
relação entre captura, colheita ou captação dos recursos renováveis e a suas taxas
de reconstituição, a fim de que a sua depreciação líquida não seja positiva.60 Mas,
em termos de desenvolvimento, implica ainda que, simultaneamente, se assegure a
extracção de recursos renováveis nas quantidades máximas sustentáveis num dado
período, com vista a satisfazer as necessidades do maior número de pessoas aos
preços mais baixos possíveis, em especial no que respeita a bens alimentares,
mantendo simultaneamente os níveis anteriores das suas reservas.61 Assim será
possível salvaguardar a disponibilidade do recurso no futuro e a satisfação máxima
das diferentes necessidades actuais com ele relacionadas. É nesta perspectiva que a

57
. Ver o Cap. XI.
58
. Sobre os danos ambiental e ecológico, ver, por exemplo, a anotação da Professora
Medina ao art. 28º da LBA, in Coelho, 2001: 284-286, e Serra (Jr) e Cunha, 2004: 220-
230.
59
. Sobre as condições de viabilidade do desenvolvimento sustentável, ver, por exemplo,
Jacobs, 1991.
60
. Ver a subsecção 2.2.1.
61
. No caso de espécies com problemas de sustentabilidade, será necessário num dado
período extrair recursos a taxas inferiores às aqui referidas para permitir a reconstituição
das reservas a níveis aceitáveis do ponto de vista da sustentabilidade. Ou, por outras
palavras, se uma reserva tem uma quantidade 100 de exemplares de uma dada espécie em
resultado de captura excessiva, quando a reserva deveria ser de 400, o que seria
conveniente do ponto da sustentabilidade não é extrair os recursos para manter a reserva de
100 mas extraí-los a taxas que permitam que voltem, num dado período de tempo, ao nível
de 400.
103
A sustentabilidade e o desenvolvimento

CDM prevê que, quando a frota de um estado costeiro não tenha capacidade de
pesca de todos os recursos que sustentavelmente podem ser capturados, esse estado
deverá permitir que embarcações de outros estados pesquem na sua zona
económica exclusiva.62

As reservas de recursos renováveis podem ser aumentadas por actividades


como a aquicultura e a silvicultura, em que recursos existentes na natureza em
estado selvagem são reproduzidos pelos seres humanos. O desenvolvimento destas
actividades irá diminuir a pressão da procura daqueles recursos, enquanto
simultaneamente se assegura a satisfação de necessidades em níveis adequados e
quantidades no mercado que permitam a prática de preços acessíveis. Por exemplo,
na África do Sul cerca de 90% da madeira destinada ao consumo interno provem
de plantações florestais, tendo o povoamento florestal médio anual sido, nos anos
1990s, de cerca de 17000 has por ano.63 Uma outra maneira de assegurar a
sustentabilidade de um recurso renovável é procurar novas reservas, ou recursos
alternativos para um dado uso, mediante prospecção de recursos biológicos64 ou de
águas subterrâneas.65

Relativamente aos recursos não renováveis, o uso sustentável exige a avaliação


periódica das reservas conhecidas e da sua possibilidade de satisfazer necessidades
crescentes, que sejam procuradas novas reservas, que sejam utilizadas tecnologias
de produção menos recursos-intensivas ou que permitam a exploração desses
recursos em zonas que anteriormente não podiam ser exploradas devido a
limitações tecnológicas, ou, ainda, a reciclagem ou o uso de sucedâneos, como as
fontes alternativas de energia. Por essa razão, os investimentos feitos por um país

62
. Art. 62/2.
63
. Ministry of Water Affairs and Forestry, 1997, Sustainable Forest Development in South
Africa, White Paper on the Policy of the Government of National Unity, Pretoria (versão
online). As plantações florestais são aí propriedade do estado, incluindo da empresa
pública (SAFCOL) que gere parte das plantações florestais comerciais do estado,
propriedade de grandes empresas e de empresas de pequena e média dimensão, bem como
de agricultores individuais (loc.cit.).
64
. Por essa razão a LRBA prevê a pesca de prospecção, que pode ser empreendida por
titulares de direitos de pesca de investigação ou comercial e segue o regime da pesca de
investigação (art. 136º).
65
. LA, arts 64-65º.
104
Direito dos Recursos Naturais

produtor na prospecção de minerais são um indicador importante da


sustentabilidade das actividades de exploração dos diferentes minerais desse país.66

Quanto à manutenção da qualidade das reservas, é necessário fazer uma gestão


adequada de descargas para o ambiente e de resíduos nele depositados, a fim de
manter no longo prazo as funções ecológicas do ambiente e evitar a depreciação
das reservas por degradação do meio.67 Os resíduos dividem-se em resíduos de
fluxo e resíduos de depósito. Os resíduos de fluxo podem ser assimilados pelo
ambiente «através de processos bio e geoquímicos de dispersão, decomposição e
recomposição». Incluem-se nesta categoria os resíduos orgânicos e resíduos
químicos, como o dióxido de carbono, que fazem parte do ambiente biótico.68

A regra é de que o volume de descargas (taxa de descarga) para um dado meio


não deve ultrapassar capacidade de absorção dessas substâncias por esse meio. Se a
taxa de reconstituição do meio, ou seja, a capacidade desse meio de assimilar as
substâncias que nele são introduzidas, for excedida, o meio passa a estar poluído,
ou seja, permanecem nele substâncias nocivas em quantidades prejudiciais para os
seres vivos. A taxa de reconstituição depende da composição química e biológica
do meio. Mas, como regra, se as concentrações de resíduos num dado meio
ultrapassarem determinados limites e permanecerem nele porque não são
absorvidas, a taxa de reconstituição desse meio diminui, o que significa uma
capacidade cada vez menor para se reconstituir. Ou, como afirma Jacobs, «quanto
maior for a poluição, menor é a capacidade do ambiente para assimilar resíduos
futuros».69 Quanto às suas funções de assimilação de resíduos, o ambiente pode ser,
portanto, visto como um recurso renovável, desde que não haja degradação
irreversível.

A capacidade de absorção de resíduos de fluxo pelo ambiente pode ser


aumentada e, em consequência, poderão eventualmente ser aumentadas as

66
. Ver o Vol. III.
67
. Tem interesse ver, como exemplo das consequências da poluição do ambiente marinho
e costeiro, Morais et al., 2006: 48 ss., em especial 59-61, sobre a poluição por efluentes e
resíduos sólidos provenientes de assentamentos urbanos.
68
. Jacobs, loc.cit.
69
. 1991: 92. Jacobs dá o exemplo de uma faixa de um rio, cuja capacidade de assimilação
de resíduos depende do volume de água, da velocidade do caudal, etc. (loc.cit.).
105
A sustentabilidade e o desenvolvimento

descargas de alguns desses resíduos para um dado meio. Dando o exemplo do


dióxido de carbono, de má reputação devido aos seus efeitos de estufa, como pode
ser absorvido pelas plantas e a sua permanência na atmosfera depende da cobertura
vegetal. Por essa razão se fala nos “poços de carbono”, ou seja, superfícies
florestais em que, ao fixarem o dióxido de carbono, as plantas contribuem para a
luta contra o efeito de estufa das emissões desse gás para a atmosfera. Ao
aumentarem as superfícies cobertas por florestas, os estados, em especial os
vinculados pelo Protocolo de Quioto a reduzir as emissões de gases com efeito de
estufa, podem deduzir dessas emissões das suas indústrias as toneladas de dióxido
de carbono que ficarão armazenadas na cobertura vegetal.70

Os resíduos de depósito, como os metais pesados ou os materiais radioactivos,


não são assimilados pelo ambiente. Permanecem no meio na condição em que nele
foram introduzidos. Por esse facto, reduzem sempre a pureza do meio receptor. A
sustentabilidade exige aqui que este tipo de resíduos sejam acondicionados de
modo seguro para não degradarem o meio em que são depositados e, ainda, que se
faça a gestão adequada do espaço em que serão armazenados.

Do que atrás ficou dito, decorre que a sustentabilidade implica a manutenção


das reservas de recursos naturais aos níveis actuais e, ainda, a manutenção dos
diversos serviços prestados pelo ambiente o que pressupõe medidas não só de
gestão de recursos mas de preservação de determinados níveis de qualidade do
ambiente e de equilíbrio ecológico.

Para se realizar um uso sustentável dos recursos naturais tal com acima
descrito, é necessário o controlo das actividades económicas a montante, por

70
. O conceito de “poços de carbono” «decorre do ciclo das plantas: para crescer, elas têm
necessidade de retirar carbono da atmosfera. Em consequência, uma parte dos gases com
efeito de estufa é absorvida pela vegetação. Ao aumentar a sua superfície florestal, um
estado aumenta os seus “poços de carbono”. Pode, pois, subtrair as toneladas de CO2
fixadas pelas plantas às toneladas emitidas para a atmosfera pelas actividades do país.
Aparentemente, o princípio é simples. Mas as modalidades práticas são complexas. (...
Mas) Ao abater uma floresta, o ser humano liberta progressivamente para a atmosfera
(quando a madeira é queimada ou transformada), o carbono acumulado pelas árvores
adultas. Este gás lançado não é absorvido imediatamente pelas jovens árvores replantadas
no mesmo local. Os países que, como o Canadá ou a Finlândia, exploram intensivamente a
sua floresta, podem pois tornar-se emissores líquidos de carbono» (Loic Chaveau, L´
Express, 24.10.01).
106
Direito dos Recursos Naturais

exemplo, o controlo das quantidades de uma dada espécie capturadas na pesca, e


das actividades a jusante, em especial das indústrias que vão utilizar como matéria-
prima principal ou acessória recursos naturais, por exemplo a indústria de
conservas de peixe. Num país como Angola, o aumento da procura induzido pelo
desenvolvimento industrial poderá provocar uma dada pressão sobre os recursos
naturais, como se viu que aconteceu no passado em outros países, no sentido de
que os produtores a montante terão tendência para extrair cada vez mais recursos
para fazer face a essa procura industrial. Por essa razão a LRBA estabelece regras
para a gestão integrada de recursos biológicos aquáticos e prevê o licenciamento
das indústrias de transformação de produtos da pesca, que poderá ser recusado no
caso de se comprovar que põe em causa a sustentabilidade dos recursos que essa
indústria pretende utilizar.71

Os aumentos da procura de um dado recurso natural terão ainda que ser


analisados não só na óptica das indústrias instaladas no país como também da
expansão das exportações induzidas por desenvolvimento de outros países.72 Por
outro lado, se forem criadas num dado PVD capacidades industriais sem ter em
consideração os limites de sustentabilidade da extracção de um dado recurso
natural, poderá, a menos que se recorra à importação de matérias primas, haver
uma subutilização de capacidades instaladas o que também não é conveniente do
ponto de vista do desenvolvimento sustentável pois este é equilibrado e exige que
se evitem todo o tipo de desperdícios, incluindo que haja recursos imobilizados
sem usos produtivos.

Em síntese, para Lee e George, se o desenvolvimento é sustentável ou não


depende, inter alia, de quatro grupos de factores:
1. A taxa e composição do crescimento económico;
2. Os coeficientes de recursos e resíduos que, tidos em consideração com a taxa e
composição do crescimentos económico, determinam a dimensão dos fluxos de
recursos e de resíduos entre os sistemas económico e ambiental.

71
. LRBA arts 10/i, 63/q, 174/c, 175º, em especial 175/1/a-b e 179/c (recusa de licença) e o
art. 10/n sobre o licenciamento das indústrias de transformação de pescado como medida
de ordenamento de pescas. Ver a secção 3.3., sobre a gestão integrada.
72
. Como é o caso da procura actual de recursos naturais no mercado mundial por países
como a China.
107
A sustentabilidade e o desenvolvimento

3. A capacidade de carga do sistema ambiental relativa à extracção de recursos e aos


fluxos de descargas de resíduos que são impostos a esse sistema.
4. As respostas da sociedade à mudança económica e ambiental.
Por sua vez, estes factores são afectados pela interacção das forças de mercado
(nacional e internacional) com impactos em cada país e pelas políticas de protecção
ambiental e económicas que o seu governo decide aplicar (2004: 17).

Como está provado que a regulação das actividades relativas a recursos naturais
apenas pelo mercado, ou pelo estado no âmbito de uma separação funcional (por
exemplo, de sectores da economia), tem (e teve) como consequência graves crises
de sustentabilidade dos recursos é necessário assegurar a gestão integrada dos
recursos naturais, incluindo através do ordenamento das actividades a eles
relativas, matérias tratadas a seguir.

3.3. Integração e gestão integrada

Vimos que todos os recursos naturais são, como componentes de ecossistemas


de maior ou menor dimensão, interdependentes. Vimos também que as actividades
económicas e, em geral, as acções humanas, têm impactes positivos e negativos nos
recursos naturais, no ambiente e na sua sustentabilidade. Ora, dada a
interdependência dos recursos naturais e dos diferentes factores económicos,
financeiros, sociais e culturais que condicionam o desenvolvimento, para se
realizar o desenvolvimento sustentável é necessário adoptar uma “abordagem
integrada” ao desenvolvimento, bem como o seu planeamento, assegurar a «tomada
de decisão integrada»73 e a implementação de um sistema unificado de gestão dos
recursos naturais.74

Trata-se, em termos jurídicos, de aplicar o princípio da integração que em 1972


foi consagrado na Decl. de Estocolmo,75 e é hoje um princípio de direito

73
. ILA, 2006: 2.
74
. Brooks et al., 2002: 374. Gestão é um termo que, em teoria da gestão, implica
«planeamento, direcção hierárquica e controlo de relações sociais» (Biermann, 2006: 6).
75
. «Com vista a realizar uma gestão mais racional dos recursos naturais, os estados devem
adoptar uma abordagem integrada e coordenada no seu planeamento do desenvolvimento,
de modo a assegurar que o desenvolvimento é compatível com a necessidade de proteger e
melhorar o ambiente humano para o benefício da sua população» (Princ. 13º) e «O
108
Direito dos Recursos Naturais

internacional e de DRN angolano. A progressiva construção do princípio da


integração no direito internacional e interno partiu do facto de que as matérias
relativas à sustentabilidade dos recursos naturais e protecção do ambiente foram,
durante muito tempo, “casos omissos” dos planos, programas e projectos de
desenvolvimento dos diversos países, bem como da legislação sectorial reguladora
de recursos naturais e actividades económicas, com as consequências já referidas.
Também, só recentemente passaram a ser tidos em consideração os diferentes
impactes sociais do desenvolvimento na «dicotomia tradicional ambiente-
desenvolvimento».76 A integração refere-se, portanto, à associação de elementos de
um dado conjunto que eram vistos como dissociados e tratados separadamente.

A noção de interdependência é central para o desenvolvimento sustentável e a


gestão dos recursos naturais. Distingue-se entre interdependência espacial,
temporal e funcional.77

O desenvolvimento sustentável refere-se sempre, como vimos, ao longo prazo,


ao futuro, envolvendo, inclusive, questões relacionadas com o bem-estar de pessoas
que ainda não nasceram. No entanto, é necessário prever e executar acções no curto
prazo. A interdependência temporal implica a consideração dos efeitos no longo
prazo de acções de curto prazo, no quadro das possibilidades de previsão desses
efeitos em contextos de incerteza, ou seja, de falta de toda a informação necessária
à tomada de decisão.78

A interdependência espacial resulta do facto de que uma acção, ou problema,


num dado local pode ter repercussões noutros locais. Este âmbito espacial das
repercussões das medidas adoptadas para resolver problemas pode ser de bairro
para bairro numa cidade, de região para região num país ou entre países ou regiões
da Terra. Por exemplo, quanto aos sistemas naturais, a emissões de gases com
efeitos de estufa dos dois maiores poluidores por estes gases (os EUA e a China)
afectam toda a humanidade, tal como a destruição de florestas também vai ter

planeamento racional constitui um instrumento essencial para conciliar qualquer conflito


entre as necessidades do desenvolvimento económico e a necessidade de proteger e
melhorar o ambiente» (Princ. 14º). Ver a subsecção 7.1.3.
76
. ILA, 2006: 3.
77
. Biermann, 2006: 8.
78
. Ob.cit.: 8-9.
109
A sustentabilidade e o desenvolvimento

repercussões negativas no bem estar de pessoas muito afastadas das zonas em que
tem lugar a deflorestação. A interdependência espacial ecológica interliga todas as
nações e todas as regiões de um país e exige uma cooperação internacional muito
mais intensa do que a que actualmente vigora, uma governação global com o
correspondente quadro institucional.79 O mesmo se passa com os sistemas sociais.
As guerras, ou as fomes, num país ou entre vários países, vão criar problemas aos
países que recebem os refugiados provenientes dos países ou regiões em guerra.
Daí que a interdependência entre os estados seja hoje muito mais intensa que no
passado, estando os países mais poderosos dependentes de outros estados com
menos poder a nível global, por exemplo para o seu abastecimento energético ou
para a estabilidade das suas condições climáticas.

A interdependência também se manifesta funcionalmente, isto é, em termos das


contribuições de uma parte de um todo para um dado conjunto (sistema) que
integra, por exemplo, dos diferentes órgãos da Administração Pública (ADP) ou
dos diferentes departamentos de uma empresa. 80

3.3.1. O princípio da integração

Para a Associação de Direito Internacional,81 a integração é uma condição sine


qua non do desenvolvimento sustentável, que apenas pode ser realizado se houver

79
. Biermann, 2006: 10.
80
. Esta situação enquadra-se no que Jessop designa de interdependência recíproca. Jessop,
a propósito da regulação da economia pelo estado, usa uma classificação de
interdependência diversa de Biermann, distinguindo entre interdependência interpessoal,
inter-organizacional e inter-sistémica. Chama a atenção para a falibilidade das vantagens
de coordenação hierárquica (ver a secção 5.3.) em situações de “interdependência
recíproca”, ou seja, as «situações em que um resultado de conjunto depende das escolhas
combinadas de todos os participantes de entre as suas opções de interdependência: quando
há muitas organizações interdependentes deste tipo, gera-se uma complexidade explosiva».
Este tipo de interdependência manifesta-se, em especial, em «sistemas que são resistentes a
gestão interna e/ou controlo externo directo e que evoluem conjuntamente com outros
conjuntos (complexos) de relações sociais com os quais as suas várias decisões, operações
e objectivos são reciprocamente interdependentes» (2000: 101).
81
. ILA (International Law Association). A ILA é uma das principais fontes de doutrina
internacional e por isso tem um papel importante na construção do direito internacional.
110
Direito dos Recursos Naturais

integração dos seus três componentes interdependentes: o desenvolvimento


económico, o desenvolvimento social e a protecção ambiental, que incluem uma
adequada organização dos espaços.82 Aprofundando esta questão, a ILA considera
que a integração
Do seu ponto de vista mais idealista, preocupa-se não só em reunir os “pilares” do
crescimento económico, protecção ambiental e desenvolvimento social como objectivos
declarados do desenvolvimento sustentável, mas também –subjacente a isto – está o
imperativo de que o desenvolvimento sustentável deve ser realizado sem, de qualquer
modo, prejudicar qualquer dos três pilares. O desenvolvimento sustentável é, assim, não
só uma tentativa de conciliar a protecção ambiental e o desenvolvimento humano; é
uma convicção de que apenas atingindo estes três objectivos simultaneamente pode ser
realizado o desenvolvimento sustentável. O desenvolvimento sustentável não é uma
tentativa artificial de agrupar estas matérias que são melhor compreendidas
separadamente; mas é o desenvolvimento sustentável que fornece o quadro intelectual e
pragmático mais coerente pelo qual essas matérias deveriam ser analisadas (2006: 5).

O princípio da integração pressupõe que se analise a interdependência e realize


a integração em diferentes níveis, de sistema, institucional e jurídico.83 Para Jensen,
A teoria da mudança subjacente à política de desenvolvimento sustentável representa
uma viragem mais ampla reconhecível por todo o mundo. Desloca-se do modelo de
desenvolvimento económico que se constrói a partir da separação e especialização
funcional para um modelo de desenvolvimento sustentável que se constrói a partir da
interdependência e integração (2006: 5).

Em termos simples, a integração do desenvolvimento significa, em primeiro


lugar, que nas decisões sobre o desenvolvimento económico e social sejam tidas
em consideração as matérias ambientais. Isto é, quando se aprovam planos,
programas e projectos de desenvolvimento,84 seja a nível nacional seja local,

82
. 2006: 8 e 3.
83
. ILA, 2006: 4. Sobre a integração jurídica, ver a secção 6.1. e sobre o princípio da
integração no direito internacional, ver a subsecção 7.1.3.
84
. Em termos gerais, os planos estabelecem objectivos a atingir e os meios necessários
para tal. Os programas são subdivisões dos planos ou instrumentos independentes para
áreas específicas, por exemplo o Programa Nacional de Gestão Ambiental (PNGA) ou o
Programa de Extensão e Desenvolvimento Rural (PEDR). Os projectos referem-se a um
conjunto de acções concretas para realizar um dado empreendimento ou, em termos mais
gerais, para atingir certos resultados concretos pretendidos. Podem ser subdivisões de
planos ou programas ou instrumentos independentes.
111
A sustentabilidade e o desenvolvimento

devem ser analisados os seus impactes sobre os recursos naturais e o ambiente, o


componente ecológico no desenvolvimento. A nível de projecto, um dos
instrumentos mais importantes da integração é a AIA.85 Voltando a um exemplo já
dado, não se pode decidir sobre, por exemplo, projectos de industrialização de um
país ou província sem se analisarem as repercussões da criação de novas indústrias
na sustentabilidade de recursos naturais que, directa (como matérias primas) ou
indirectamente (como matérias subsidiárias, por exemplo, energia) serão utilizados.
Têm ainda que ser devidamente ponderadas as questões relacionadas com a gestão
dos resíduos gerados por essas actividades a fim de assegurar a manutenção de uma
dada qualidade das reservas de recursos e do ambiente. Um exemplo de norma
aplicando o princípio da integração nesta perspectiva é o art. 9/1/i da LA, que
consagra o princípio (de gestão de águas) «da complementariedade do
abastecimento de água com o saneamento residual líquido», depois concretizado
em diversas disposições da lei, inter alia no art. 10/2/g.86

Para além disso, a integração implica que, em qualquer projecto relativo à


exploração de um dado recurso natural, sejam analisados os impactes da
implementação do projecto nos outros recursos naturais. Assim, por exemplo, está
provado que a exploração florestal vai ter consequências na produtividade dos
solos, na disponibilidade de recursos hídricos e na diversidade biológica pelo que
não se pode analisar devidamente um projecto de exploração florestal sem se ter
em consideração os seus efeitos nos restantes recursos. O mesmo se passa com, por
exemplo, a exploração mineira que, pelo uso de águas que muitas vezes implica e
pelos efeitos das actividades mineiras na cobertura de vegetação (por exemplo, a
exploração de diamantes de aluvião), não pode ser decidida em termos de
sustentabilidade sem serem vistas as suas relações com os outros recursos naturais
existentes na área da exploração. Um exemplo desta perspectiva é o art. 39/1 do
ALFFS, prevendo a obrigação de repovoamento florestal nos projectos, incluindo
de recursos, que envolvam desmatamento ou derrubas. No caso de o projecto estar
sujeito a AIA, tal obrigação deve constar do despacho que conclui o procedimento
de avaliação.87 Se for exigida a adopção de um plano de abandono de sítio quando

85
. Sobre a AIA, ver a subsecção 3.3.3.
86
. Obrigação do estado de garantir o adequado saneamento de águas.
87
. ALFFS, art. 39/4. Sobre o acto que conclui o procedimento de AIA, ver o art. 13º do
Dec. nº 51/04.
112
Direito dos Recursos Naturais

terminam as actividades, em especial mineiras ou petrolíferas, como impõe, por


exemplo, a LAP (art. 75º), o ALFFS prevê que a obrigação de repovoamento
florestal conste desse plano (art. 39/5).

Considera-se hoje que a integração deve ir até ao nível do ecossistema, ou seja,


são também analisados os impactes das acções previstas num projecto nos
ecossistemas por elas afectados e tomadas as medidas adequadas para que um dado
projecto apenas cause perturbações mínimas no seu funcionamento. É a chamada
“abordagem de ecossistema” que tem em consideração, para além dos efeitos de
planos, programas e projectos de desenvolvimento em cada recurso natural per se,
os seus impactes nas relações funcionais entre os componentes de um
ecossistema.88 Assim, analisam-se os impactes de um projecto de desenvolvimento
local nos diferentes recursos naturais existentes nas localidades onde se vão realizar
as acções de implementação do projecto e nas relações que estes recursos
estabelecem entre si nos ecossistemas afectados. Um exemplo desta abordagem são
os arts 63º ss. da LRBA.

A integração do componente social do desenvolvimento exige que se tenha em


consideração os impactes sociais de planos, programas, projectos e, também, das
próprias normas jurídicas.89 Por exemplo, é necessário aferir se um dado projecto
de exploração mineira irá ter efeitos positivos e negativos no bem-estar dos
habitantes da área em que se vai implementar o projecto.90 No caso, por exemplo,

88
. Dando um exemplo, o UN Atlas of the Oceans, referindo-se à abordagem de
ecossistema nas pescas, afirma que ela inclui os seguintes elementos chave: i. os objectivos
e limitações que caracterizam o estado desejado dos mananciais de pesca e as alterações do
ecossistema indesejáveis; ii. medidas de conservação que sejam preventivas, tendo em
consideração as interacções entre espécies, e que representem uma afectação de direitos
que seja adaptativa para que dela resultem incentivos para a conservação; iii. tomada de
decisão participativa e transparente; iv. apoio à gestão, incluindo informação científica,
mecanismos de garantia jurídica e avaliação de desempenho. Sobre a abordagem de
ecossistema, ver também a secção 6.1.
89
. Ver a subsecção 2.1.3. Sobre os impactes sociais de normas jurídicas, ver o Caps. V.
90
. Vanclay dá vários exemplos negativos dos impactes sociais de projectos de
desenvolvimento, como, por exemplo, conflitos sobre direitos sobre terras, motivados até
por diferenças culturais sobre a titularidade desses direitos, que em muitos PVDs «não
podem ser facilmente resolvidos com indemnizações por expropriação de terras para
desenvolvimento» (2004: 130).
113
A sustentabilidade e o desenvolvimento

de o projecto ter como consequência que comunidades rurais fiquem sem acesso a
recursos naturais, em especial terras, necessários à sua subsistência sem as
compensações adequadas, o que poderá eventualmente ser possível em termos de
legislação aplicável, a realização deste componente do desenvolvimento
sustentável estará em risco. Mas se o projecto for criar oportunidades de emprego
em que os habitantes locais aufiram melhores rendimentos, então esses impactes
positivos estarão a contribuir para a realização do desenvolvimento sustentável. Do
ponto de vista estrito da protecção do ambiente e dos recursos naturais, a
consideração da componente social dos projectos relativos a actividades
económicas é de particular relevância na medida em que pobreza está associada a
degradação ambiental.91 A integração do componente social nos planos, programas
e projectos de desenvolvimento é ainda exigida pela realização de direitos humanos
e fundamentais, que é em si essencial no desenvolvimento sustentável.92

A integração dos diversos componentes sociais relevantes nos planos,


programas e projectos de desenvolvimento é hoje feita, especificamente para
projectos, através do uso da avaliação de impacte social (AIS),93 que é realizada
voluntariamente por empresas quando desenvolvem projectos ou, em alguns países,
é imposta por legislação.

O art. 10º da LBA procura contribuir para a integração dos diferentes


componentes a considerar num projecto, ao prever que sejam realizadas consultas
públicas e AIAs em todos os
projectos de acções cujas actividades impliquem com os interesses das comunidades,
interfiram como o equilíbrio ecológico e utilizem recursos naturais com prejuízo de
terceiros.

A abordagem do ponto de vista de integração sistémica, que visa assegurar a


devida articulação das diversas partes de um sistema (por exemplo o sistema Terra,
o sistema social, o sistema económico, o sistema de ensino, o sistema nacional de
saúde, etc.), «pode parecer em certa medida fora das realidades práticas da

91
. Ver, por exemplo, Morais et al., 2006: 48.
92
. Ver a secção 11.2.
93
. Ver a subsecção 3.3.3.
114
Direito dos Recursos Naturais

integração».94 Por essa razão, a integração institucional95 é considerada pela ILA


como o núcleo essencial para a viabilização do princípio da integração dados os
problemas actuais de indeterminação da integração sistémica.96

A integração institucional pressupõe a consideração dos factores económicos,


ecológicos e sociais relativos à implementação de um dado plano, programa ou
projecto do ponto de vista da coordenação das acções das pessoas neles envolvidas,
directa ou indirectamente, a títulos vários, desde as instituições, públicas ou
privadas, às quais cabe implementar um dado projecto, até aos titulares de
interesses difusos.97 A realização da integração institucional está, em consequência,
interligada com o princípio da participação, previsto em matéria ambiental no art.
4/b da LBA,98 e no art. 28/2 do Dec.Lei nº 16-A/95 (NPAA).99

94
. ILA, 2006: 7, que acrescenta: «mas revela divergências contínuas – e razoavelmente
significativas – no quadro conceptual mais amplo do qual a integração faz parte».
95
. Assume-se aqui o conceito amplo de instituição como «conjunto de práticas sociais
organizadas de forma estável em torno de uma pluralidade de factores simbólicos e
materiais e muitas vezes oficialmente consagrados, os quais, nas suas relações com certas
características estruturais da sociedade, expressam ou tendem a realizar funções sociais»
(Arnaut et al., 1999: 413). Ou, como afirma Baptista Machado, «a acção e o efeito de
instituir, sendo que instituir significa introduzir, fundar, ordenar, constituir e estabelecer
qualquer cosia de estável e durável». Em direito, como se sabe, instituição significa
«complexos normativos que se reúnem à volta de princípios comuns e regulamentam um
determinado tipo de relações sociais (ou um determinado fenómenos social) (...) ou então
(...) a realidade social que está na base de tais relações» ou, ainda, um «conjunto de normas
relativas, por exemplo, ao direito de propriedade». Os complexos normativos menores são
designados institutos jurídicos (2000: 14). As instituições realizam uma função de
integração que «consiste em assegurar a necessária coordenação das diferentes partes ou
unidades do sistema social, sobretudo no que se refere à sua contribuição para a
organização e para o funcionamento do conjunto» (ob.cit.: 20). Sobre as instituições, ver
também Bronze, 2002: 106-112.
96
. ILA, 2006: 7-8.
97
. Ver o princípio da coordenação institucional e da participação, ver a subsecção 11.4.5.
98
. «Todos os cidadãos têm o direito e o dever de participar no controlo da execução da
política ambiental quer através de órgãos colectivos onde estejam representados quer
através de consultas públicas de projectos específicos que interfiram com os seus interesses
ou do equilíbrio ambiental». Ver a secção 11.4.
115
A sustentabilidade e o desenvolvimento

Numa perspectiva global, Biermann descreve quais são as pessoas cujas acções
devem ser coordenadas:
uma miríade de actores públicos e privados a todos os níveis de tomada de decisão,
indo desde redes de peritos, ambientalistas e empresas multinacionais até novas
agências criadas por governos, como, por exemplo, as burocracias inter-
governamentais» (2006: 5).

A integração institucional pode ser realizada dentro de, e entre, instituições.


Assim temos a integração institucional em inter-institucional e intra-
institucional.100 A criação de departamentos do ambiente, às vezes denominados de
desenvolvimento sustentável, em grandes empresas, como é o caso de algumas
empresas petrolíferas a operar em Angola, e de organismos públicos, como é o caso
do Ministério dos Petróleos, é exemplo de tentativas, pelo menos, de integração
intra-institucional. A sua inclusão na orgânica dessas instituições visa assegurar a
integração do componente ecológico nas decisões tomadas no âmbito da instituição
respectiva.

A integração institucional pressupõe, portanto, a chamada coordenação


institucional, ou seja, a coordenação das acções de todos os interessados na
realização dos objectivos de um dado programa ou projecto: instituições da
administração central e local do estado, empresas ou associações representativas de
empresas, de residentes na localidade em que se vai realizar o projecto ou de outros
interesses relevantes, como associações de defesa do ambiente, e, ainda, de
instituições científicas ou cientistas. Por outras palavras, a coordenação
institucional não se limita à coordenação dentro do estado, mesmo numa
perspectiva de natureza “multisectorial” das questões envolvidas. São exemplo
desta perspectiva abrangente as disposições da Lei de Águas concretizando os
princípios da participação e da coordenação institucional.101

99
. Participação de titulares de interesses difusos relativos ao ambiente, saúde e defesa do
consumidor no procedimento administrativo. Sobre os interesses difusos, o Vol. II.
100
. ILA, 2006: 7-8.
101
. LA, arts 9/1/e («princípio da cooperação institucional e participação das
comunidades). Sobre a concretização deste princípio, ver o Cap. XI.
116
Direito dos Recursos Naturais

A coordenação institucional é efectuada verticalmente, por exemplo, nos níveis


nacional e local, e também nos níveis nacional, subregional,102 regional103 e
mundial. Por exemplo, entre o governo central e os órgãos do estado ou instituições
representativas de interesses a nível de província, município ou comuna e bairro,
entre governos centrais e instituições internacionais ou outros estados interessados,
em especial quando está em causa o cumprimento de obrigações decorrentes de
tratados internacionais aplicáveis ou, nos PVDs, quanto também a projectos que
envolvam assistência ao desenvolvimento.

A coordenação institucional pode (e deve) também ser horizontal, isto é, a nível


interno de cada organização, entre os diferentes órgãos da administração central,
directa e desconcentrada, ou entre os diferentes órgãos da administração local, com
funções de superintendência das diversas actividades relacionadas com o
desenvolvimento, com a assistência internacional ao desenvolvimento ou, ainda,
com a gestão de recursos partilhados.104

A coordenação institucional, já em termos de instrumentos utilizados, pode ser


realizada a nível de estratégias, políticas,105 programas, planos ou projectos. Para
muitos, incluindo a ILA, o nível mais importante em que se realiza uma integração
efectiva é o de projecto, em primeiro lugar porque muitas vezes é a única instância

102
. Por exemplo, da SADC.
103
. Por exemplo, de África.
104
. A obrigatoriedade de gestão conjunta de recursos partilhados decorre de instrumentos
internacionais como, por exemplo, os relativos aos cursos de água e lagos partilhados
vistos no Cap. X.
105
. Estratégia é aqui entendida como o documento (plano ou política) de longo prazo que
estabelece o quadro geral, incluindo os objectivos a atingir e as orientações e os
procedimentos a seguir, numa dada área económica, social e/ou ambiental. No caso dos
recursos naturais, a estratégia referir-se-á aos objectivos, orientações e procedimentos para
a protecção, uso, exploração, conservação, gestão e controlo de um recurso natural no
longo prazo. Política é o documento que estabelece as grandes linhas de um conjunto de
acções a serem desenvolvidas pelo governo, por empresas ou por cidadãos num dado
domínio. Uso aqui a definição do Oxford Dictionary of Current English para “policy”
porque as políticas adoptadas em muitos PVDs, por exemplo a Política Nacional de
Conservação de Florestas e Fauna Selvagem, resultam frequentemente de esforços de
integração promovidos por organizações internacionais, que usam esse termo com esse
sentido. Ver ILA, 2006: 11, sobre as políticas como um nível de integração institucional.
117
A sustentabilidade e o desenvolvimento

em que são feitos esforços de integração, por exemplo, por meio das AIAs ou das
análises de custos e benefícios de projectos ou programas (ACBs).106 Depois,
porque é possível uma maior racionalidade das decisões a tomar por a
complexidade ser menor que, por exemplo, quando se está a lidar com o
desenvolvimento nacional, ou com o nível global do ecossistema Terra. No
entanto, como sabemos, o âmbito do desenvolvimento sustentável é bastante mais
vasto que o dos projectos e, por essa razão, deve-se procurar assegurar a integração
em todos os níveis possíveis.

Por fim, a integração institucional pode ser realizada por processos formais ou
informais.107 Um exemplo de integração institucional por processos formais é o
Conselho de Gestão Integrada dos Recursos Biológicos, «órgão de concertação
sócio-económica e de apoio consultivo ao Ministro».108 O conceito de “rede” está
relacionado, em certa medida, com a integração por processos informais realizada
por redes de instituições ou membros de profissões, como é o caso das redes de
universidades ou de peritos de diversas especialidades. Um exemplo de integração
institucional por processos informais são as relações que a comunidade científica
estabelece, coordenando as suas actividades a nível mundial numa integração «em
rede» informal, na medida em que tal coordenação não vem prevista, não é
imposta, por legislação, nem, em geral, nos seus contactos informais, cientistas ou
peritos vinculam as instituições a que pertencem.

Mas a coordenação institucional tem-se revelado de difícil implementação de


modo completo em muitos países, devido, inter alia, à “rivalidade institucional”,
ou seja, a resistência de instituições, em especial estaduais, às quais são atribuídas
determinadas funções sectoriais, de partilharem informação e proporem ou
adoptarem medidas conjuntas com outras instituições afins ou interessadas, como
se não tivessem todas como objectivo a realização do interesse público.109 Este tipo
de comportamento torna problemática a integração.

106
. ILA, 2006: 10. Sobre as ACBs, ver a subsecção 4.1.2.
107
. ILA, 2006: 7-8.
108
. LRBA, art. 215/1, regulamentado no Dec.Exec. nº 31/06 (Pescas).
109
. ILA, 2004: 10.
118
Direito dos Recursos Naturais

Lee identifica um conjunto de factores que prejudicam a eficácia dos


instrumentos de gestão integrada, em especial a AIA, inter alia, «inadequada
coordenação entre os ministérios do ambiente e os ministérios» sectoriais,
«resistência institucional a formas de planeamento ambiental e de controlo da
poluição integradas», dificuldades de integração da AIA na legislação e/ou nos
procedimentos administrativos, deficiente capacidade institucional incluindo falta
de pessoal devidamente qualificado e «resistência institucional a maior acesso do
público à informação ambiental e transparência dos processos de planeamento
ambiental e de controlo da poluição e, dentro deles, da participação do público.110

No entanto, alguns autores consideram que é obrigação internacional dos


estados decorrente do princípio da integração «estabelecer ou reforçar as estruturas
ou processos institucionais para integrarem de modo completo as questões
ambientais e do desenvolvimento em todas as esferas da tomada de decisão».111

O mesmo se passa a nível internacional, sendo aqui os problemas de


coordenação agravados pela multiplicidade de estados envolvidos e as diferenças
nas suas políticas internas, o que tem especial relevância na necessária coordenação
das acções relativas a recursos partilhados ou com impactes globais.

Mas, segundo a ILA e em conclusão,


O que é importante é haver uma consciência crescente de que as matérias relativas ao
desenvolvimento sustentável já não podem ser pensadas ou como um extra opcional ou
como algo que tem de ser tratado separadamente, mas devem ser centrais ao próprio
funcionamento de todas as instituições, cujas operações e políticas tenham, de modo
mais geral, um impacte no desenvolvimento humano, nos recursos naturais e no
ambiente. Certamente a implementação de tomada de decisão integradora varia dentro
de, e entre, instituições, e é também certo que muito mais pode ser aprendido pela
difusão da melhor prática. De qualquer modo, há um consenso emergente de que a

110
. 2004: 31.
111
. Art. 13/2/c da versão de 2004 do Anteprojecto de Pacto Internacional sobre Ambiente
e Desenvolvimento (IUCN em colaboração com o Conselho Internacional de Direito do
Ambiente, ICEL). Ong, afirma que «”é possível argumentar também que o verdadeiro teste
da implementação bem sucedida do princípio da integração apenas pode ser passado
quando as preocupações ambientais fizerem parte da consideração a priori que qualquer
processo de tomada de decisão política, independentemente do facto de as preocupações
ambientais serem relevantes para as matérias em discussão» (cit. em ILA, 2006: 8).
119
A sustentabilidade e o desenvolvimento

integração institucional - seja estadual ou empresarial – é uma condição sine qua non
do desenvolvimento sustentável (2006: 8).

A integração jurídica realiza-se em dois níveis: da criação de normas e do


raciocínio judiciário.112 A nível da criação de normas, a integração pressupõe, em
termos muito simples, a articulação dos conteúdos das diversas normas relevantes
em matéria de regulação das actividades relacionadas, directa ou indirectamente,
com o desenvolvimento sustentável. Assim, por exemplo, sendo Angola parte da
CDB, e estando portanto obrigada a implementar a convenção a nível interno, as
normas reguladoras de acesso e uso de recursos biológicos, em especial, têm que
“integrar” as disposições da Convenção por normas concretizadoras. Um outro
exemplo é a articulação das normas sobre exploração florestal com as normas sobre
ordenamento do território, usos de solos e de águas.113

3.3.2. Incerteza, complexidade, integração e decisão racional

Como vimos, a economia trata de escolhas de afectações de recursos escassos a


diversos fins concorrentes.114 Para que essas escolhas atinjam os fins pretendidos é
necessário identificar as diversas alternativas de escolhas possíveis e prever os
efeitos das diferentes opções. Para a compreensão dos regimes jurídicos dos
recursos naturais, e das condições de realização do princípio da integração, é
necessário fazer a seguir uma breve referência à teoria da tomada de decisão
económica115 em geral e, em particular, do ponto de vista de regulação da
economia pelo estado,116 em especial aqui das actividades relativas a recursos

112
. ILA, 2006: 13. Embora a ILA se esteja a referir apenas à integração a nível do
raciocínio judiciário, será desejável abordar a integração num quadro mais amplo, do
raciocínio jurídico entendido como qualquer raciocínio praticado na vida jurídica (ver, por
exemplo, Arnaut et al., 1999: 657-60 e a secção 6.1.).
113
. Ver a secção 6.1.
114
. Por essa razão Robbins afirmou que «A economia é a ciência que estuda o
comportamento humano como uma relação entre fins e meios escassos que têm usos
alternativos», portanto a ciência das escolhas (cit. em Coase, 1990: 1).
115
. Sobre a decisão, ver também os Caps V e VI.
116
. Como se sabe, o conceito de regulação refere-se essencialmente ao estabelecimento de
regras (do latim regulare, estabelecer uma regra). Em ciências sociais, regulação pode ser
definida como «o processo pelo qual o comportamento de um sistema percebido como
120
Direito dos Recursos Naturais

naturais. Tendo em conta as experiências e resultados das práticas do passado em


matéria de desenvolvimento económico e as chamadas falhas do estado em matéria
de regulação, a preocupação com a qualidade das decisões com consequências
ambientais e sociais é hoje tão grande que a Agenda 21 lhe dedica um capítulo.

Mas todas as decisões de gestão integrada do desenvolvimento sustentável


enfermam de um dado grau de incerteza, isto é, de ausência de informação
suficiente, incluindo informação científica.117 Ora a informação é um elemento
(input) essencial para que as decisões tenham a melhor qualidade possível, para que
representem as escolhas mais adequadas à prossecução dos fins pretendidos,
«conciliando simultaneamente eficiência económica e justiça social»118 e,
acrescenta-se, sustentabilidade. Assim, Simon argumenta que
A função do conhecimento no processo de tomada de decisão é determinar que
consequências resultarão de estratégias alternativas. É tarefa do conhecimento
seleccionar de todo um conjunto de consequências possíveis, uma subclasse mais
limitada ou mesmo (idealmente) um único conjunto de consequências correlacionado
com cada estratégia.
(...) O conhecimento é o meio de descobrir qual, de todas as consequências possíveis de
um comportamento, irá realmente verificar-se. O fim último do conhecimento, na
medida em que é parte do processo de escolha, é descobrir uma única possibilidade que
seja consequência de cada comportamento alternativo, embora, na prática, certamente
este objectivo será apenas atingido de modo imperfeito.

complexo é mantido ou ajustado “em conformidade com algumas regras ou normas”. (...).
O conceito de regulação constitui uma ferramenta de representação e portanto de apoio à
reflexão para o estudo de sistemas complexos e particularmente dos sistemas sociais
(político, administrativo, económico, etc.» (Arnaut et al., 1999: 682-83). Ver o Cap. V.
117
. Relativamente ao desenvolvimento sustentável da Terra, Biermann refere algumas
situações de notória incerteza como: «as causas das mudanças ambientais globais, os seus
impactes, a interligação das várias causas e opções de resposta, e os efeitos das possíveis
opções de resposta». Mas para este autor a incerteza relativamente ao sistema Terra é não
só analítica como normativa, isto é, visando atingir certos objectivos sociais. Assim, «a
maior parte dos problemas de transformação do sistema Terra não têm precedentes. As
políticas adequadas, modos políticos e, em particular, modos de afectação são
desconhecidos, inicialmente sempre contestados e têm de ser desenvolvidos e acordados
entre as sociedades ao longo do tempo. A incerteza põe aqui problemas de governação»
(2006: 8-9).
118
. Amin e Hausner, 2000: 1-2.
121
A sustentabilidade e o desenvolvimento

O conhecimento sobre as consequências do comportamento foi assim identificado como


uma influência primária na escolha. Constatou-se que a segunda influência são as
preferências da pessoa que tem o comportamento por um conjunto de consequências
após este ser contrastado com outras (consequências). O problema da escolha é
descrever as consequências, avaliá-las e relacioná-las com alternativas de
comportamento (1997: 78 e 85).

A incerteza afecta, segundo Amin e Hausner, as decisões do estado em matéria


de regulação jurídica de «sistemas económicos complexos num ambiente global
contemporâneo».119 Um exemplo desta problemática é-nos dado por Morais et al.,
a propósito dos ecossistemas marinhos:
O conhecimento dos mecanismos subjacentes à existência e manutenção da diversidade
biológica dos ambientes marinhos é, geralmente, incompleto ou inexistente. Dados
básicos sobre a ecologia das espécies ou funcionamento dos ecossistemas não estão
disponíveis. Quando existem, são normalmente relativos a espécies economicamente
importantes. Não é de surpreender que a previsão e consequente prevenção dos
impactos de origem antropogénica em ecossistemas marinhos tenha pouco sucesso. O
conhecimento do funcionamento dos ecossistemas marinhos só poderá ser alcançado
mediante estudos de investigação sobre as espécies, comunidades, habitats e níveis
críticos dos ecossistemas, tendo por objectivo perceber o funcionamento dos sistemas
marinhos. Uma vez garantido esse conhecimento, o mesmo deverá estar disponível aos
legisladores, de forma a poderem tomar-se as devidas medidas de prevenção sob a
forma de regulamento (Barnard, s/d) (2006: 2).

Para além disso, do que atrás ficou dito pode-se concluir que a integração dos
diversos elementos económicos, sociais e ecológicos no desenvolvimento
sustentável tem grande complexidade. A complexidade refere-se à
«impossibilidade de descrever um fenómeno “complexo” de modo reduzido e
simplificado». Assim, um fenómeno complexo apenas pode ser descrito na sua
totalidade, «o que é em si uma tarefa complexa». 120 Por exemplo, como se viu,
sabemos muito pouco sobre o funcionamento dos ecossistemas, em especial do

119
. Loc.cit.
120
. Delorme, 2000: 33. Delorme está a referir-se neste artigo à «complexidade da
interacção entre o estado e a economia» (ob.cit.: 32-33). «Neste tipo de interacção, o
estado pode, por exemplo, definir políticas que conduzam a uma sobre-utilização das terras
(política de preços garantidos para a agricultura) ou a pressão sobre os recursos naturais
(baixas taxas de juro para estimular o desenvolvimento). Mas há outras causas que
contribuem para a degradação do ambiente: i. as disfunções do mercado; ii. o crescimento
demográfico, e, iii. o crescimento económico (Prof.Dias Amaral, entrevista).
122
Direito dos Recursos Naturais

ecossistema Terra, porque, inter alia, não dispomos ainda de conhecimentos


científicos que nos permitam compreender a multiplicidade e dinâmica das
interrelações que se estabelecem entre os seus componentes. O maior ou menor
grau de incerteza e complexidade vai, assim, afectar a racionalidade da decisão.

Amin e Hausner consideram que a complexidade social, em especial a


económica, resulta de que
a economia é produto de múltiplas determinações, está assente na sociedade e na
cultura (... e) A actividade económica nem é apenas conduzida por leis universais
abstractas, nem por agentes económicos que se comportam todos de modo idêntico
(e.g., o homo oeconomicus). Pelo contrário, a intermediação social das necessidades
gerais de reprodução económica (e.g., a relação salarial, os direitos patrimoniais, a
regulação da troca), juntamente com padrões de comportamento económico que são
específicos em termos de tempo e espaço, constituem um conjunto múltiplo de
determinantes não universais da actividade económica (2000: 4).

A complexidade científica é também de grande relevância na integração e na


qualidade das decisões relativas ao desenvolvimento sustentável. Dando um
exemplo, o uso dos recursos naturais, e as actividades económicas em geral,
exigem a elaboração de balanços de materiais, relativos às interacções entre
economia e ambiente. O princípio do balanço de materiais refere-se às identidades
que devem existir entre fluxos fixos dentro de qualquer sistema fechado devido às
leis da termodinâmica.121 Segundo este princípio, «a massa de inputs do ambiente
para consumo deve ser igual à massa das descargas residuais do sector do consumo
para o ambiente».122 Uma forma de aplicar o princípio do balanço de materiais é a
construção de quadros de fluxos, entradas (inputs) e saídas (outputs), de bens e
serviços da economia para o ambiente e vice-versa, por sectores, onde podem ser
incluídos recursos naturais como as terras e a água (input) que produzem uma
variedade de recursos naturais (output), por exemplo, madeira, oxigénio e peixe

121
. Perman et al., 1996: 9-10. Em termos mais simples, «o princípio da entropia consiste
na capacidade de um sistema poder efectuar transformações espontâneas» (entrevista Prof.
Dias Amaral).
122
. Perman et al., 1996: 11.
123
A sustentabilidade e o desenvolvimento

mas também podem ter outputs prejudiciais, como águas residuais, dióxido de
carbono e solos poluídos.123

É, portanto, difícil que as decisões sobre matérias relativas ao desenvolvimento


sustentável, e nestas as de gestão de recursos naturais, tenham a qualidade
necessária para que sejam atingidos os objectivos das acções a que se referem. Para
Biermann, que está a tratar de um problema extremamente complexo, a governação
do sistema Terra,
o desafio do desenvolvimento sustentável é tão complexo que exige uma “ciência da
sustentabilidade” como novo domínio de estudo integrador. Uma ciência da
sustentabilidade melhorará a colaboração entre cientistas da natureza e cientistas sociais
e fornecerá esquemas de investigação que integrarão melhor todos os níveis, do local ao
global. Isso iria também implicar modificações do modelo tradicional de geração de
conhecimento e um novo modo124 como a ciência da sustentabilidade, enquanto ciência,
é conduzida (2006: 3).

Como se viu, diversa legislação e instrumentos internacionais referem-se ao uso


racional dos recursos naturais.125 Este tem como fundamento decisões que devem
ser racionais do ponto de vista dos fins a atingir com esse uso. Há, portanto, que
aferir em primeiro lugar, o que é racionalidade, em especial das decisões sobre
recursos naturais. Mas há muitas racionalidades, em economia, em sociologia, e em
direito, que partem da ideia de ratio.126

123
. Perman et al., 1996: 13. «O balanço de materiais de Ayres e Kneese (1969) contem os
circuitos entre a sociedade e o ambiente. O sistema é concebido sob a acção de energia
concentrada e utilizada pela sociedade (exceptuando-se a energia nuclear)», (Prof. Dias
Amaral, entrevista).
124
. Diferente da ciência tradicional na «estrutura, método e conteúdo» (2006: 3)
125
. Ver, por exemplo, o art. 3/1 da LBA e a anotação a esse artigo, bem como ao art. 1º,
em Coelho, 2001: 47-49 e 20, respectivamente. Como decorre deste capítulo, considero
hoje que uso racional de recursos naturais é o uso sustentável e não apenas o uso com os
atributos referidos nessa obra.
126
. A rationalitas do latim significa «faculdade de exercer a ratio» que é «cálculo, a conta
das operações que são feitas, donde avaliação, faculdade de racionar, julgamento,
inteligência, explicação, argumentação, raciocínio, teoria e corpo de teorias» (Arnaut et al.,
1999: 660).
124
Direito dos Recursos Naturais

Em sentido corrente, racionalidade significa agir com boas razões e toda a


informação necessária. Num outro sentido geral, é o comportamento que aplica de
modo consistente os meios adequados para alcançar os fins definidos. Numerosos
autores consideram que a ciência, que envolve o teste sistemático de proposições
pela observação, experimentação e raciocínio lógico, «é o exemplo de
racionalidade por excelência».127 A racionalidade científica, universal, é a base do
progresso tecnológico. A racionalidade social «ajuda as pessoas a compreenderem
como devem viver e interagir dentro de uma dada sociedade». 128

Para Arnaut et al. pode-se afirmar existirem tantas racionalidades quanto


escolas de pensamento filosófico que discutam o sentido deste termo, que muitas
vezes aparece ligado a ideologias, as diversas variantes de racionalismo.129 Estes
autores definem racionalidade como
No sentido lato - ordem estruturada cujos elementos não são ligados aleatória ou
arbitrariamente, que, além disso, quase sempre devem encarnar de modo intrínseco – ou
pelo menos devem poder veicular – valores positivos, e que é considerada como própria
para (ou preconizada como desejável para) a conduta dos homens em certos aspectos ou
que, em todo caso, faz intervir dados objectivos determinantes para tornar a conduta
possível.130

127
. Abercrombie et al., 1984: 173.
128
. Chabal e Dalloz, 1999: 64. Racionalidade é entendida em sociologia como aquelas
convicções que são coerentes, não contraditórias, e compatíveis com a experiência. Não
são racionais as convicções «falsas, incoerentes e contraditórias» (Abercrombie et al.,
1984: 173).
129
. 1999: 664. Sobre o conflito de racionalidades no estado heterogéneo, ver o Cap. VI.
130
. Sobre a problemática da racionalização pela ordem jurídica e a relação entre
racionalidade e instituição, ver Bronze, 2002: 102 ss. «A ordem jurídica (como, de resto,
qualquer ordem), traduz desde logo um esforço de racionalização. E esta exigência quer
significar nuclearmente a articulação horizontal de factores diversos numa certa conexão
unitária, que no limite se nos apresentará como sistema. O homem invoca a razão quando
não se contenta com o dado empírico e antes procura situá-lo num quadro (de
compossibilitação lógica, de consistência estrutural, de fundamentação axiológica, etc.)
que lhe confira um sentido. (...) Em suma: a ordem jurídica traduz e impõe uma exigência
de racionalização – qualquer que ela seja. Quanto ao tipo de racionalidade relevante no
âmbito da ordem jurídica apurá-lo-emos preliminarmente por referência ao efeito de
institucionalização e à dialética que nele se afirma» (ob.cit.: 102 e 105-06).
125
A sustentabilidade e o desenvolvimento

No sentido estrito - a adaptação técnica dos meios para um dado objectivo, com toda a
independência dos julgamentos dos valores susceptíveis de serem invocados nestes
meios ou neste intuito (racionalidade “formal” ou, com uma intenção crítica, “razão
instrumental”), (1999: 660).

As questões da racionalidade do comportamento económico começaram a ser


discutidas nos anos 1930s, após Max Weber ter passado a utilizar este termo no
início do século. A escola positivista desenvolveu o modelo da utilidade esperada
para escolhas de partes em trocas económicas segundo uma dada ordenação de
preferências. No entanto, este modelos assumia «condições de certeza e informação
completa». Posteriormente Neumann e Morgenstern acrescentaram ao modelo o
elemento de incerteza mas assumiam, tal como os seus antecessores, que «todos os
indivíduos são semelhantes e têm a mesma função de utilidade». 131 Simon veio
revolucionar a perspectiva económica de racionalidade introduzindo o conceito de
racionalidade limitada.

Para Simon, é racional a decisão que envolve uma escolha entre várias
alternativas possíveis que são diferentes em termos das suas consequências. O
ponto de partida para a escolha entre diversas alternativas possíveis são os fins (fins
intermédios) que se pretende atingir com a acção a que se refere a decisão, por
exemplo, explorar minerais. Os fins intermédios são instrumentais para se
atingirem objectivos mais gerais, por exemplo o desenvolvimento sustentável (fins
últimos). No entanto, à medida que se contrastam fins intermédios com fins
últimos, a integração vai-se tornando mais problemática nos níveis mais elevados
da hierarquia dos fins, por exemplo, o interesse público.132

A escolha racional implica sempre a comparação dos fins e dos meios. Mas há,
por vezes, dificuldades em distinguir entre fins e meios ou mesmo em seleccionar

131
. Blaug, 1994: 323-24 e 326. Sobre a (micro) economia da informação e o modelo Von
Neumann- Morgenstern, ver, por exemplo, Frank, 2001: 178-209. Sobre críticas do
postulado da racionalidade da escola neo-clássica, ver Blaug, ob.cit.: 324-29.
132
. 1997: 74-75. Na obra citada Simon está a tratar de questões de administração de
organizações. Refere diferentes problemas internos das organizações que podem prejudicar
a escolha racional, inter alia, dificuldades de integração dos comportamentos das pessoas
envolvidas nas acções a que se refere a decisão, definição de objectivos obscuros ou
contraditórios devido a conflitos internos da organização e o tempo que condiciona a
exequibilidade das diferentes alternativas, eventualmente levando a que não se tenha mais
que uma opção (loc.cit.).
126
Direito dos Recursos Naturais

os fins. Como afirma Amaral, «o fim de uma decisão pode ser o meio de outra. Por
exemplo, pode-se desejar escolher trabalho (meio) para obter dinheiro (fim), mas
pode-se desejar obter dinheiro (meio) para comprar um automóvel (fim), e assim
sucessivamente».133 Por essa razão, é importante definir hierarquias de fins e de
meios dentro de qualquer organização para se atingir um dado grau de integração
dos comportamentos de todas as pessoas envolvidas na realização desses fins.134

Por outro lado, a racionalidade exige um conhecimento completo e uma


previsão antecipada das consequências da escolha de cada uma das alternativas em
presença. Ora o conhecimento dessas consequências é sempre fragmentado e, em
geral, apenas algumas das alternativas possíveis foram identificadas. Para além
disso, como afirma Simon, a capacidade dos seres humanos, e dos meios
electrónicos de tratamento de informação, é limitada.135

Também, embora se possa adquirir informação, como nos ensina Blaug a


capacidade de fazer escolhas racionais depende dos custos da informação
necessária e da nossa compreensão dos diversos aspectos que a decisão envolve.136
Devido aos custos de produção e acesso à informação, pode-se, usando a expressão
de Drahos e Braithwaithe (2002), distinguir entre “info-ricos” e “info-pobres”.
Muitos PVDs integram o grupo dos “info-pobres”. As assimetrias de informação
têm significativas consequências económicas, sociais e jurídicas, que vão desde o
poder negocial relativo das partes num contrato até à eficácia de políticas e da
própria legislação ou mesmo o exercício de direitos fundamentais.137 Um dos
modos do direito lidar com as assimetrias de informação é o estabelecimento de
direitos de informação e obrigações de prestação de informação, como é o caso, por
exemplo, do art. 21º da LBA (direito à informação), corolário do direito de
participação na tomada de decisão ambiental previsto na mesma lei (art. 4/b).

Assim, há factores relacionados com a disponibilidade da informação exigida


para a decisão racional que levam a que nunca se disponha de toda a informação

133
. Entrevista.
134
. Simon, 1997: 74-75.
135
. 1997: 74-6, 93-5 e 88.
136
. 1994: 329.
137
. Ver os Caps V e VI.
127
A sustentabilidade e o desenvolvimento

necessária. Em consequência, para Simon o comportamento humano nunca pode


ser completamente racional, mas apenas intencionalmente racional. Estamos
perante o conceito de racionalidade limitada (“bounded rationality”) no qual Simon
introduziu a subjectividade, a motivação e a emoção. A racionalidade na tomada de
decisão pode ser:138
 Objectiva (ou substantiva): «É comportamento substantivamente racional o
que é apropriado à realização de certos objectivos no quadro dos limites e
constrangimentos impostos por condições dadas»;
 Subjectiva (ou processual): «É comportamento processualmente racional
aquele que é o resultado de uma deliberação adequada. A sua racionalidade
processual depende do processo que a gerou».

Em situações de incerteza, ignorância ou complexidade não é possível realizar


escolhas substantivamente racionais. Nestas condições, a decisão é «sempre
contaminada, por assim dizer, pela mente do decisor». A racionalidade processual
supera a concepção de complexidade apenas como objecto e introduz nela o
próprio decisor como sujeito-observador: «a complexidade de um objecto depende
do modo como o decisor interage com ela». Esta racionalidade é designada
reflexiva pois implica necessariamente que o observador «reflicta sobre como
proceder ao lidar com um objecto complexo». Envolve a consideração, portanto, de
questões de método e de processo de tomada de decisão.139

138
. 1997: 84-5, 88 e 90-1 e 1976: 130-31 (esta última cit. em Delorme, 2000: 38). Na
edição de 1957, Simon utiliza a expressão racionalidade objectiva e subjectiva, tendo
acrescentado o conceito de racionalidade limitada, mas apenas posteriormente aperfeiçou
estes conceitos e substitui-os por racionalidade substantiva e processual. Ver também
Delorme, 2000: 37-8 e sobre diferentes tipos e subtipos de racionalidade, Arnaut et al.,
1999: 662-63.
139
. Delorme, 2000: 38-9. A racionalidade reflexiva de Simon é hoje complementada pela
consideração de «sujeitos numa dada situação social complexa e dinâmica», dando lugar à
racionalidade auto-referencial que não é aqui tratada (Amin e Hausner, 2000: xiv e
Delorme, 2000: 50 ss).
128
Direito dos Recursos Naturais

Tendo em consideração a racionalidade processual de Simon, decisão pode ser


definida como «o processo através do qual um sistema identifica a pertinência de
uma mudança e elabora modos de acção subsequentes, seleccionando um deles».140

Assim, por exemplo, a complexidade das decisões sobre projectos de


exploração de recursos naturais visando o seu “uso racional” levam a que normas
jurídicas imponham a realização de procedimentos de AIA, com o correspondente
EIA, ou da AIS, bem como a elaboração do EVTE como parte do processo de
preparação da decisão final. Estes instrumentos incluem informações que vão da
engenharia à ecologia, geologia e geofísica, biologia, economia, finanças e ao
direito. Representam a recolha e tratamento da informação que irá ser utilizada nas
diferentes decisões, públicas ou privadas, sobre se e como o projecto irá ser
implementado.

As necessidades da racionalidade processual, para além da realização dos


princípios democrático e da integração, reflectem-se ainda no princípio da
participação (como princípio de tomada de decisão) e na obrigatoriedade dele
decorrente de realização de consultas públicas, ou o estabelecimento de direitos de
consulta obrigatória de titulares de diferentes interesses, para certas decisões, pois
daí advirá informação, inclusive sobre outras perspectivas de solução de problemas
ou sobre preferências dos interessados, que de outro modo poderia não chegar aos
decisores. Trata-se, portanto, de procedimentos para a complexidade da matéria a
decidir.

Numa outra vertente, estamos perante novas formas de orientação do


desenvolvimento pelo estado que se incluem no conceito de governação. 141 Ora,
como afirma Jessop,
Esta descoberta (da governação) poderá muito provavelmente reflectir a dramática
intensificação da complexidade das sociedades, que decorre da crescente diferenciação
de ordens institucionais numa sociedade cada vez mais global, como tudo o que isso
implica para o alargamento e aprofundamento da interdependência sistémica ao longo
de vários horizontes de acção sociais, espaciais e temporais (2000: 95).

140
. Arnaut et al., 1999.
141
. A governação do desenvolvimento sustentável é tratada no Cap. V. Em termos
simples, governação pode ser definida como o conjunto de normas formais e informais de
regras e das redes de actores que são instituídas a todos os níveis da sociedade humana (do
global ao local) para condicionar os comportamentos (adaptado de Biermann, 2006: 7).
129
A sustentabilidade e o desenvolvimento

Amin e Hausner vão mais longe e argumentam que apenas é possível lidar com
a actual complexidade social, em termos de governação da mudança económica e
social, desde que se substitua «a ordem meramente espontânea (mercado) ou
deliberadamente construída (plano)» por uma governação de «redes» que inclua
níveis múltiplos e redes de organizações sociais.142 Por outras palavras, incluem na
dicotomia tradicional de formas de regulação jurídica da economia um elemento
novo, que tem como substrato novos sujeitos e novas formas de coordenação das
suas acções, incluindo uma diferente relação entre hetero e auto-regulação.143

Um outro aspecto da complexidade económica «é a variedade e variabilidade»,


pois o comportamento económico «é cognitiva e culturalmente limitado». Por
exemplo, é influenciado por regras formais e informais relativas a «hábitos sociais
do quotidiano, normas, valores, expectativas e códigos de comportamento» dos
diferentes contextos culturais que são considerados «um modo ”natural” ou
aceitável de organizar, interagir e aprender».144 Assim, há que ver o que é
designado «contexto da tomada de decisão», ou seja, «quem está envolvido na
tomada de decisão e quais as suas motivações», as circunstâncias sociais, políticas
e económicas, bem como «as limitações de natureza regulatória, institucionais ou
procedimentais em que as decisões são tomadas». Por exemplo, os investidores, as
autoridades e as comunidades locais têm diferentes motivações, critérios de
preparação de decisões e processos de tomada de decisão. Podem, portanto, surgir
não só conflitos de interesses como também resultantes de diferenças culturais que
devem ser prevenidos para que não se levantem posteriormente problemas de
efectividade das decisões tomadas.145

A complexidade de certas decisões relativas ao desenvolvimento sustentável


pode também ser reduzida limitando-se o seu objecto. Assim, por exemplo, é mais
adequado elaborar e implementar projectos orientados localmente que projectos em
maior escala, abrangendo, por exemplo, todo o território nacional, pois a
complexidade aumenta, tornando mais difícil a sua concepção e implementação
num PVD, pelo menos. Por essa razão, embora o ciclo hidrológico seja um

142
. 2000: xiv.
143
. Ver o Cap. V.
144
. Amin e Hausner: 4-5.
145
. Lee, 2004a: 162.
130
Direito dos Recursos Naturais

processo à escala planetária, a unidade gestão das águas é a bacia hidrográfica, ou


seja, uma dimensão bastante mais reduzida.146

Do que atrás ficou dito resulta que a integração do desenvolvimento sustentável


e o uso “racional” dos recursos naturais são matérias de grande complexidade. São
a seguir referidos alguns dos meios utilizados para assegurar a sua realização, em
especial a nível de projecto.

3.3.3. Instrumentos de gestão integrada do desenvolvimento e dos


recursos naturais

Os meios para promover a integração são muito diversificados. Para Lee, a


sustentabilidade é assegurada por três tipos de instrumentos de política: regulação
da economia pelo estado, que compreende a adopção de legislação e a regulação
administrativa (também designada «control and command»), o uso dos chamados
instrumentos económicos (stricto sensu) de condicionamento de comportamentos
de consumidores e produtores no mercado e o planeamento.147

Esta classificação “tradicional” dos meios utilizados na regulação da economia


pelo estado é contestada sob diversas vertentes. Para Amaral, os instrumentos de
planeamento podem ser incluídos nos instrumentos económicos stricto sensu, em
especial quando tenham natureza contratual, ou seja, a subordinação de particulares
ao plano resulta de contratos vários dos quais se destacam os contratos económicos.
Para além disso, nenhum destes meios, visando assegurar a sustentabilidade e a
integração, pode induzir sustentabilidade na ausência de progresso técnico e
científico.148

A regulação da economia pelo estado inclui, em especial, regimes de


licenciamento de actividades e de outras autorizações prévias para a realização de
certas acções, bem como normas sobre uso de recursos, que, em geral, estão
compreendidas no regime de exercício de certas actividades ou de concessões de

146
. Sobre o sistema global de governação de recursos naturais, ver, por exemplo,
Biermann, 2006 e ILA, 2006.
147
. 2004: 17-19. Sobre a perspectiva jurídica da regulação da economia, ver a secção 5.1.
148
. Prof. Dias Amaral (entrevista)
131
A sustentabilidade e o desenvolvimento

direitos sobre recursos naturais. São exemplos de normas de uso as já referidas


normas sobre as quantidades de recursos que podem ser extraídas e as tecnologias a
utilizar, bem como regras sobre os usos dos espaços em que as actividades terão
lugar ou ainda as normas impondo a realização de planeamento desses usos.149

A regulação jurídica do acesso e uso de recursos naturais, e portanto do


exercício de actividades económicas a eles relativas, pelo estado é designada, no
caso de certos recursos naturais, ordenamento. Este é definido nas Orientações da
FAO para o Ordenamento de Pescas como:
O processo integrado de recolha de informação, análise, planeamento, consulta, tomada
de decisão, afectação de recursos e formulação e implementação, por meios coercivos
se necessário, dos instrumentos legais ou administrativos que regulam as actividades de
pesca com vista a assegurar a produtividade contínua dos recursos e a realização de
150
outros objectivos das pescas.

São exemplos de normas de ordenamento os arts 8º a 30º (medidas de


ordenamento de pescas, incluindo os planos), 40º, 41º, 45º-47º (regime de
concessão de direitos de pesca) e 63º a 118º (sobre o uso de recursos, métodos de
pesca e medidas de conservação) da LRBA.

Nos instrumentos económicos que influenciam comportamento daqueles que


utilizam recursos naturais, destacam-se:
 A graduação dos pagamentos devidos por uso de recursos do estado no
âmbito do princípio do utilizador-pagador;151

149
. Estas normas sobre planeamento não são o mesmo que os planos em si, com as suas
directivas de política, as suas metas quantificadas e um grau de imperatividade maior ou
menor consoante os destinatários. Por exemplo, planos obrigatórios para todos, como os
planos territoriais, ou apenas para a Administração Pública como será o caso dos planos
florestais, que apenas serão obrigatórios para os particulares na parte relativa a obrigações
que tenham assumido voluntariamente perante o estado, por exemplo como condição para
terem acesso a esses recursos.
150
. A LRBA define «ordenamento de pescas» como «o conjunto das medidas de natureza
legal e administrativa específicas destinadas a assegurar a utilização racional, auto-
renovação e sustentabilidade dos recursos biológicos aquáticos» (art. 1/53). Esta definição
é aplicável, mutatis mutandis, aos restantes regimes de ordenamento de recursos naturais
em Angola.
151
. Ver a secção 4.1.
132
Direito dos Recursos Naturais

 Os incentivos, por exemplo a concessão de créditos em condições


bonificadas ou de subsídios para a realização de actividades que contribuem
para um uso sustentável dos recursos, como a aquicultura ou as plantações
florestais,152 ou para as actividades que utilizem tecnologias que proporcionam
poupanças no uso dos recursos,153 as deduções de certos custos, como das
despesas de prospecção de minerais, para efeitos fiscais;
 A tributação de certas acções com efeitos nocivos, por exemplo, impostos
ou taxas relacionados com níveis de poluição,154 e a responsabilidade civil155
por certas acções.

Nos instrumentos de planeamento encontramos as estratégias, políticas, planos,


programas e projectos. No caso de Angola, são relevantes em matéria de recursos
naturais as estratégias de combate à pobreza e de conservação da diversidade
biológica.156 Dos programas destaca-se o Programa Nacional de Gestão

152
. Embora esteja a ser revisto o regime de incentivos no ALFFS, os arts 9/3 (sobre a
prestação de assistência técnica pelo estado e o acesso ao crédito para exploração
sustentável de recursos florestais e faunísticos) e 110/3 (incentivos às actividades de
plantações florestais), bem como o art. 201/1/e da LRBA (incentivos à aquicultura) são
exemplos destas normas.
153
. Por exemplo, o art. 66/t do ALFFS (sobre medidas de incentivo ao uso de tecnologias
apropriadas).
154
. Por exemplo, o art. 61/1 da LA, impondo o pagamento de taxas por descargas de
efluentes no meio hídrico. Sobre taxas e impostos visando a protecção do ambiente e dos
recursos naturais, ver Soares 2001: 148 ss.
155
. A responsabilidade civil funciona como um instrumento económico pois as empresas
devem, neste caso, escolher entre retirar vantagens de externalidades negativas como a
poluição ou pagar as indemnizações aos terceiros lesados pelas externalidades das suas
actividades económicas. Um regime adequado de responsabilidade civil por danos
ambientais obriga todos aqueles que realizam actividades causadoras desses danos a actuar
com um determinado grau de diligência a fim de evitarem ou minimizarem esses danos e
consequente responsabilidade civil. O princípio do poluidor-pagador (PPP) diz-nos, em
termos gerais, que quem polui deve pagar as medidas de reconstituição do ambiente, bem
como as medidas de prevenção de danos ambientais. Na sua formulação inicial, o PPP era
apenas um princípio de responsabilidade civil, e como tal vem, aliás, consagrado na LBA
(art. 28º). Sobre a responsabilidade civil ambiental como instrumento económico, ver, por
exemplo, Aragão, 1997: 109-18 e Soares, 2001: 107-112. Ver ainda a secção 4.1.1., nota
21, e a subsecção 11.3.3.
156
. Resol. nº 9/04 (CM) e EPANB, respectivamente.
133
A sustentabilidade e o desenvolvimento

Ambiental,157 que visa assegurar a integração das diversas vertentes do


desenvolvimento sustentável, incluindo a integração institucional.158 O Plano de
Acção de Conservação da Biodiversidade é um plano multi-sectorial que procurar
fazer uma primeira aproximação ao que será o PNGA.159

Pode-se afirmar que, em Angola, os planos de ordenamento do território são a


base da integração por estabelecerem uma dada organização dos espaços de acordo
com as suas características ecológicas, económicas e sociais. Os instrumentos
principais de ordenamento do território são os planos territoriais, de âmbito
nacional, provincial ou local.160 As necessidades de integração podem levar à
adopção de planos territoriais interprovinciais ou regionais e intermunicipais (art.
26/2). Em função da «natureza dos espaços», os planos territoriais dividem-se em
planos de ordenamento rural161 e planos urbanísticos (art. 28/4).162 Podem ainda ser
planos especiais (de áreas definidas «em função de fins específicos», como «áreas
ecológicas de reserva natural», «áreas agrícolas» ou «áreas de indústria», art.
28/3/a) ou planos sectoriais, em especial os relativos a infra-estruturas colectivas
como redes de abastecimento de água e energia ou redes viárias (art. 28/3/b).

157
. Definido na LBA como «um conjunto de medidas legislativas e executivas do aparelho
de Estado que conduzem a vida nacional para uma Política Ambiental de acordo com os
princípios do Desenvolvimento Sustentável» (Anexo, nº 22). Sobre o PNGA, ver Cohen e
Kiala, 2006: 47-8.
158
. LBA, arts 3/3 e 6º-7º.
159
. Que está, aliás, integrado na EPANB.
160
. LOT, arts 25/b e 26/1, respectivamente. Os planos territoriais têm «por objecto directo
a ordenação e ocupação e uso de espaços compreendidos no território» (LOT, art. 28/1).
Os planos territoriais vêm regulamentados no Dec. n. 2/06, Regulamento Geral dos Planos
Territoriais, Urbanísticos e Rurais (REPTUR).
161
. Os planos de ordenamento rural devem compreender a qualificação dos solos agrários,
«em função da sua aptidão ou dos tipos de cultura ou cobertura florestal», as «potenciais
áreas de exploração mineira» e os «demais bens económicos, naturais, paisagísticos,
culturais, turísticos e sociais do mundo rural (art. 33/1).
162
. Os planos urbanísticos dividem-se em planos directores municipais (PDMs), planos de
urbanização, planos de pormenor e planos especiais de recuperação ou reconversão de
áreas urbanas degradadas ou de ocupação ilegal (LOT, art. 32/2). Nas grandes cidades há
planos directores gerais que integram os PDMs (art. 32/3).
134
Direito dos Recursos Naturais

A integração dos próprios planos territoriais é assegurada, inter alia, pela


imposição da sua conformidade com a lei que aprova as Principais Opções de
Ordenamento do Território Nacional (arts 27/2/a e 55/1), ou seja, «as grandes
orientações estratégicas de carácter genérico relativas ao ordenamento de todo o
espaço territorial nacional» (art. 29º). A LOT prevê ainda a subordinação do
conteúdo dos planos territoriais à lei que aprova as Principais Opções Estratégicas
económicas (art. 27/2/b). Os planos territoriais incluem, inter alia, medidas
relacionadas com o estabelecimento de «sistemas de protecção dos recursos
naturais (...) e dos valores paisagísticos, culturais, turísticos e sociais», bem como
dos «objectivos prosseguidos, os meios disponíveis e as acções propostas» (art.
34/2/b-c).

Nos planos a elaborar pelo estado ou particulares no quadro das medidas de


ordenamento encontramos, por exemplo e para além dos planos territoriais, os
planos de gestão de recursos específicos, como os planos de ordenamento de pescas
e florestal,163 ou os planos de gestão de espécies previstos no ALFFS,164 o Plano
Nacional de Gestão de Recursos Hídricos e os planos de desenvolvimento e
utilização de cada bacia hidrográfica165 e, a nível de projecto, os planos de
prospecção e de exploração de minerais,166 bem como os diversos planos previstos
na LAP.167

São também instrumentos de planeamento, inter alia, as AIAs,168 as AISs, as


ACBs169 e o EVTE,170 que têm especial relevo na integração institucional. As AIAs
e AISs devem ser efectuadas na fase de planeamento de uma dada actividade ou

163
. LRBA, arts 11º-18º e ALFFS, arts 67º-75º.
164
. Art. 67/5.
165
. LA, art. 15º.
166
. LAGM, arts 6/2/ b, 10º e 12/2/a.
167
. Planos anuais de trabalhos de prospecção, planos anuais de desenvolvimento da
produção, planos anuais de produção e planos de abandono de operações petrolíferas
(LAP, arts 58º, 63º, 70º e 75º), bem como os planos de prevenção e gestão da poluição
causada por actividades petrolíferas previstos no Dec. nº 39/00.
168
. Sobre a definição de AIA na LBA, ver a subsecção 1.2.4., nota 141.
169
. Ver a subsecção 4.1.2.
170
. Sobre o EVTE, ver a subsecção 1.2.4., nota 140.
135
A sustentabilidade e o desenvolvimento

projecto171 tal como, aliás, a ACB e o EVTE. Por estes meios são identificados
problemas ambientais e sociais que a actividade ou projecto poderão vir a causar,
visando assegurar a racionalidade processual das decisões relevantes. A informação
produzida no âmbito destes procedimentos de planeamento deve levar à criação do
quadro jurídico e administrativo adequado para evitar os efeitos negativos que
foram identificados172 Por essa razão, são meios também de concretização do
princípio da prevenção,173 este último significando, como vimos, que, dado muitos
danos ambientais e impactes sociais negativos serem por vezes irreversíveis, é
necessário adoptar antecipadamente as medidas para os evitar ou minimizar.

A AIA é um procedimento administrativo especial em que a Administração


pondera os diferentes efeitos positivos e negativos, no ambiente e na sociedade,174
da realização de uma dada actividade económica, emitindo no final um juízo sobre
o interesse público da actividade ou projecto em causa. Para a ILA, a AIA é «o
mais poderoso instrumento de integração de que actualmente dispõem os
decisores», mas tem o ponto fraco de se referir apenas a projectos e, portanto, um
âmbito limitado ao projecto a que respeita.175 A AIA vinha prevista na Decl. do Rio

171
. Lee, 2004: 30.
172
. Brooks et al., 2002: 387. «A fase de planeamento reflecte o estudo ecológico e a
investigação na forma de um plano ou conclusões de investigação; a fase de
implementação retira conclusões específicas da 1ª fase e constrói o quadro legal e
administrativo para solucionar o problema. Este quadro pode não reflectir a investigação
ecológica que o precedeu. A ciência volta a afirmar-se quando avalia os resultados e faz
modificações nesse quadro (legal e administrativo» (loc.cit.).
173
. Ver o Cap. XI. Para Stevens (2002) a realização de avaliação de impactes sociais,
económicos e ambientais deve ser uma condição no financiamento de grandes projectos de
recursos a fim de prevenir a “praga do recurso”.
174
. A Convenção de Espoo define impacte, para os efeitos da convenção, como «qualquer
efeito causado pela actividade proposta no ambiente, incluindo na saúde e segurança
humana, na flora, na fauna, no solo, no ar, na água, no clima, na paisagem e nos
monumentos históricos ou outras estruturas físicas, ou a interacção entre estes factores;
também inclui efeitos no património cultural ou nas condições sócio-económicas que
resultem de alterações desse factores» (art. 1/vii).
175
. 2006: 8 e 10. Ver o Dec. nº 51/04, art. 1º, que se refere a «projecto públicos e
privados», sendo projecto definido como «a realização de obras de construção, ou de
outras instalações ou obras, ou outras intervenções no meio natural ou na paisagem
incluindo as intervenções destinadas à exploração de recursos do solo» (art. 3/f).
136
Direito dos Recursos Naturais

(Princípio 17º) como um meio de realizar o desenvolvimento sustentável176 e


posteriormente algumas convenções internacionais, como a CDB, vieram torná-la
obrigatória nas acções nelas reguladas.177

A AIA inicia-se com a apresentação do estudo de impacte ambiental (EIA) pelo


promotor de um projecto ou actividade económica (“dono da obra”). Desse estudo
devem constar dados e informações sobre efeitos ambientais e sociais das acções
que se pretende realizar. Qual deve ser o conteúdo do EIA varia de país para
país,178 mas nos estados partes da Convenção de Espoo179 deve incluir, caso se
trate, pelo menos, de projectos ou actividades com impactes transfronteiriços, a
informação exigida pelo Anexo II da convenção, da qual se destaca, para além da
descrição dos impactes ambientais potenciais e dos métodos utilizados para os
identificar, a enumeração de «alternativas razoáveis», por exemplo de localização
ou tecnológicas, e a descrição das medidas propostas para minimizar os impactes
negativos.180 Para além das suas funções preventivas e de gestão integrada, o
estudo e as opiniões e dados recolhidos na fase de instrução da AIA, fornecem à
Administração informação de grande valor sobre o estado do ambiente e dos
recursos naturais na localidade em que se vai desenvolver o projecto, informação
essa que será de utilidade para a posterior auditoria, reavaliação e mesmo alteração
do projecto já na sua fase de execução.

Em muitos países, como é o caso angolano, o procedimento de AIA inclui uma


consulta pública.181 No final do procedimento, a Administração pondera os

176
. «Deverá ser empreendida a avaliação do impacte ambiental, enquanto instrumento
nacional, de certas actividades susceptíveis de terem um impacte significativo adverso no
ambiente e que estejam sujeitas a uma decisão por parte da autoridade nacional
competente».
177
. CDB, art. 14º.
178
. Em Angola, ver o art. 16/3 da LBA e os arts 6º (conteúdo do estudo) e 7º
(especificações técnicas do estudo) do Dec. nº 51/04.
179
. Convenção sobre a Avaliação de Impacte Ambiental num Contexto Transfronteiriço
(Espoo, 1991).
180
. O Dec. 51/04 concretiza a LBA e segue, em temos gerais, as especificações da
Convenção de Espoo sobre o conteúdo do EIA (art. 6º).
181
. Ver o Dec. nº 51/04, art. 10º.
137
A sustentabilidade e o desenvolvimento

diversos interesses em presença, por exemplo, necessidade de crescimento


económico e protecção ambiental, e autoriza ou não a realização da actividade ou
projecto ou, ainda, pode decidir no sentido de que são autorizados sob condição de
serem feitas alterações aos projectos.182 Decorre do Dec. nº 51/04 que da AIA
decorrem obrigações para os promotores do projecto de adoptarem certas medidas
que minimizem os impactes negativos de um projecto (art. 9/f).

A AIS visa garantir que o sujeito “pessoa” do desenvolvimento é devidamente


integrado nos planos e projectos desenvolvimento. Vanclay define-a, em termos
gerais, como
O processo de avaliação ou elaboração de estimativas antecipadas das consequências
sociais que previsivelmente resultarão de acções específicas de política ou de projectos
de desenvolvimento, em particular no contexto da legislação nacional, estadual ou
provincial sobre política ambiental (2004: 125).

Considera que, nos PVDs, a AIS deve ser essencialmente um meio de


integração das questões sociais no «desenho, planeamento e implementação de
projectos» de desenvolvimento, com o objectivo de assegurar que esse
desenvolvimento é «aceitável, justo e sustentável». A AIS identifica os
interessados, ou seja as pessoas afectadas pelo projecto, bem como as actividades
que irão previsivelmente causar impactes sociais e, tal como a AIA, permite
seleccionar alternativas para acções com impactes negativos ou medidas para
mitigar os efeitos negativos dessas acções, incluindo o montante de eventuais
indemnizações a serem pagas. 183

A AIS preocupa-se com a comunidade ou comunidades afectadas pelo projecto,


a sua coesão, estabilidade e condições de vida, o seu “estilo de vida” e cultura e o
seu ambiente. Envolve, portanto, estudos sociológicos e a participação dos
interessados no processo de avaliação, incluindo para a aferição das diferenças
culturais que podem vir a afectar a vida dessas comunidades, por exemplo

182
. Sobre o regime jurídico da AIA em diversos países europeus e os problemas que o seu
regime jurídico, incluindo a designação de «parecer» do acto que conclui o procedimento,
levanta, ver Colaço Antunes, 1998.
183
. Vanclay, 2004: 126-127. Vanclay refere ainda a importância da AIS para a
«investigação, planeamento e gestão da mudança» social decorrente de políticas e
projectos e para o apoio às comunidades locais para enfrentarem mudanças necessárias ou
os efeitos negativos.
138
Direito dos Recursos Naturais

diferentes perspectivas, da legislação e do direito costumeiro, quanto a direitos


sobre terras e outros recursos naturais.184

Embora não venha prevista como procedimento autónomo em nenhum diploma


legal, pode entender-se que, em Angola, a AIS vem incorporada na AIA. Com
efeito, o art. 10º da LBA refere-se a «avaliação de impacte ambiental e social» e o
art. 16/3/e obriga à inclusão no EIA de «uma descrição das possíveis mudanças
ambientais e sociais provocadas pelo projecto». O art. 7/1/c do Dec. nº 51/04 impõe
que seja feito um diagnóstico do «meio socio-económico, o uso e ocupação do
solo, o uso da água e a componente socio-cultural», destacando-se, inter alia, «a
dependência entre a sociedade local, os recursos ambientais e a potencial utilização
futura destes recursos» na área em que se irá implementar o projecto. A análise dos
impactes ambientais deve discriminar «a distribuição dos ónus e benefícios
sociais» do projecto (art. 7/2/d).

Ainda no domínio dos instrumentos para realizar a integração do


desenvolvimento sustentável, tem interesse referir que a fundamentação adequada
de certas decisões em estudos científicos (ou seja, elaborados utilizando métodos
próprios das diferentes ciências) dada a importância da investigação científica para
a qualidade dos instrumentos de planeamento atrás referidos e, em geral, das
decisões de gestão integrada do desenvolvimento e dos recursos naturais, tem
levado a uma preocupação cada vez maior do direito com estas matérias. Por
exemplo, a LRBA vincula certas medidas estaduais de gestão integrada ao
conteúdo dos pertinentes estudos científicos, por exemplo os arts 13/1 e 76º,185 e
inova no ordenamento angolano ao regular as actividades de investigação científica
relacionada com recursos biológicos aquáticos (arts 128º-141º). A incerteza do
conhecimento científico sobre o ambiente e os ecossistemas reflecte-se em regimes
como os fundamentos de alteração das condições ou a revogação de concessões
(arts 45/c e 47/1/a-b).186

Também, dada a disparidade de acesso à informação e de conhecimento


científico entre países desenvolvidos e PVDs, instrumentos internacionais vêm

184
. Ob.cit., 129-30.
185
. Sobre a fundamentação dos planos de ordenamento e das medidas de protecção dos
recursos biológicos aquáticos em relatórios científicos, respectivamente.
186
. O ALFFS adopta a mesma orientação.
139
A sustentabilidade e o desenvolvimento

impor às partes que prestem assistência àqueles países também no domínio da


investigação científica.187 Destes destacam-se aqui a CDB, que para além de
disposições gerais, inclui a participação do país de origem dos recursos genéticos
na investigação sobre esses recursos, participação essa que é realizada no âmbito da
partilha de benefícios prevista no art. 15/7. No direito interno, a LRBA e o ALFFS
prevêem expressamente a participação de instituições ou cidadãos angolanos nos
projectos de investigação sobre recursos biológicos situados em, ou originários de,
Angola.188

O momento em que têm lugar os procedimentos para a elaboração dos


instrumentos previsionais atrás referidos é muito importante. A regra é de que
devem ser realizados na fase de planeamento de um programa ou projecto, ou seja,
antes da sua aprovação e início de implementação. No entanto, conflitos sobre os
efeitos de uma dada actividade têm levado a que, muitas vezes, os estudos
necessários à aferição dos seus diversos impactes apenas sejam realizados depois
de um programa ou projecto estar a ser implementado, o que pode ter como
consequência um aumento dos seus custos. É por este tipo de razões que a AIA,
quando exigida, é realizada antes de serem concedidas as autorizações exigidas
pela legislação em vigor. Como instrumentos de integração, estes documentos
devem constar dos procedimentos de preparação de um dado programa ou projecto,
ou seja, as suas conclusões, e as decisões sobre elas, devem vir reflectidas no
conteúdo das decisões que sobre ele forem tomadas. A falta de coordenação entre a
AIA e o planeamento de actividades é considerada por Lee como uma das causas
de deficiências da gestão integrada.189

O âmbito é também importante para a redução da complexidade, como vimos.


No estádio actual, o nível do projecto é por vezes o único em que são utilizados os
instrumentos de planeamento atrás referidos e realizado um grau aceitável de
integração, embora estejam a ser feitos esforços para que a adopção de estratégias
assegure a integração dos três componentes do desenvolvimento sustentável num
âmbito mais vasto, «em todas as fases do processo e dos procedimentos que levam

187
. A CDM, por exemplo, consagra uma parte à investigação marinha e estabelece
obrigações de cooperação entre os estados partes e de assistência aos PVDs neste domínio
(Parte XIII, arts 238º ss., em especial, 242º e 266, respectivamente).
188
. Arts 133º da LRBA e 42/e do ALFFS.
189
. Ver, por exemplo, Lee 2004a: 164-65.
140
Direito dos Recursos Naturais

ao desenvolvimento sustentável». Por fim, é importante salientar que, para realizar


a integração, não basta apenas utilizar os instrumentos de integração atrás referidos.
Estes esforços devem começar pelo nível interno de cada organização e pela
coordenação das acções das diferentes organizações e pessoas singulares
envolvidas nas acções de desenvolvimento através de outros meios disponíveis
numa dada sociedade.190

A gestão integrada exige a monitorização. Esta é a recolha da informação


necessária ao acompanhamento da execução dos planos, programas e projectos e à
identificação do estado dos recursos e do ambiente no período de execução a fim
daqueles, ou o regime jurídico da sua implementação, serem reavaliados e
eventualmente modificados em resultado das conclusões de relatórios científicos.
Para além de actividades como as previstas nos arts 142º ss. da LRBA
(monitorização), são também instrumentos de gestão integrada as auditorias
ambientais, cuja realização pode ser imposta por lei, como é o caso do art. 18º da
LBA,191 ou da iniciativa das empresas interessadas em prevenir situações em que
sejam passíveis de responsabilidade civil ambiental. Condesso, referindo-se ao
regulamento da União Europeia, que visa a participação voluntária das empresas no
«sistema comunitário de ecogestão e auditoria», afirma que se trata de
um sistema novo que pretende introduzir melhorias na protecção ambiental a nível da
empresa, através da aplicação de medidas sistémicas de gestão do ambiente. (...) As
empresas deverão entender a protecção do ambiente como uma parte integrante das
suas actividades, «interiorizá-la», provando que a produção que obedece a
preocupações ecológicas, acaba por conduzir a uma redução de custos (2001: 599-60).

190
. ILA, 2006: 10-11.
191
. Auditorias ambientais podem ser definidas como «vistorias objectivas, periódicas,
documentadas e sistemáticas levadas a cabo por entidades homologadas, de instalações e
práticas relacionadas com standards ambientais» (Aragão, 1997: 120). O Dec. nº 51/04
regulamenta no art. 22º a citada disposição da LBA, prevendo a obrigatoriedade de
realização de auditorias ambientais, quer nos projectos em que não tenha sido realizada
uma AIA à data da sua entrada em vigor (art. 22/1), quer posteriormente por todas aquelas
que realizaram a AIA (art. 22/4). O Decreto define auditoria ambiental como «a avaliação,
a posteriori, dos Impactes Ambientais do projecto, tendo por referência normas de
qualidade ambiental, bem como as previsões, medidas de gestão e recomendações
constantes do procedimento de Avaliação de Impacte Ambiental» (art. 3/h).
141
A sustentabilidade e o desenvolvimento

Por fim, tem interesse fazer uma breve referência às técnicas que podem ser
utilizadas para adquirir informação de suporte das previsões em que se vão basear
as diferentes escolhas relativas ao desenvolvimento sustentável. George descreve,
referindo-se aos impactes ambientais, vários tipos de técnicas para reduzir a
complexidade de um objecto que tem interesse referir aqui como um exemplo de
meios de redução de complexidade para efectuar previsões constantes do quadro no
final deste capítulo.

A escolha das técnicas de previsão depende das circunstâncias. Num pequeno


projecto não serão adequados modelos sofisticados e com custos elevados. Por
outro lado, a falta de dados fiáveis pode levar à escolha de técnicas de previsão
mais simples. A escolha de técnicas de previsão e de métodos de avaliação dos
recursos naturais e serviços ambientais deve ser adaptada às circunstâncias e
capacidades de cada país para recolha e tratamento da informação necessária.192
Contudo, com vista a assegurar a integração e as escolhas mais adequadas do ponto
de vista do desenvolvimento sustentável, os PVDs devem criar capacidades de
produção da informação necessária.

Mas para que seja efectivamente aplicada, a decisão não poderá fundamentar-se
apenas em informação técnico-científica. Relativamente a esta, haverá desde logo
que verificar se os especialistas nas diversas áreas envolvidas na decisão
questionam ou não métodos e conclusões dos diversos estudos efectuados.193 Por
essa razão, a legislação exige em alguns casos, como o do ordenamento de pescas,
que sejam ouvidas opiniões de, por exemplo, o conselho técnico do ministério
competente ou o seu órgão de investigação (LRBA, arts 15/1 e 76/1,
respectivamente).

192
. George, 2004: 87. Lee faz algumas críticas ao modo como são muitas vezes
conduzidas as ACBs, em especial, definição de um leque demasiado reduzido de
alternativas, falta de transparência das análises feitas e deficiente consideração do grau de
incerteza nas previsões realizadas (2004a: 170-71).
193
. George, 2004: 89. Trata-se do que George designa de «reconhecimento técnico», pois
as previsões e escolhas podem causar «preocupação aos técnicos especialistas» (loc.cit.).

142
Direito dos Recursos Naturais

Para George,194 há também que contrastar as diferentes escolhas possíveis com


a legislação em vigor (princípio do estado de direito) e os pertinentes instrumentos
internacionais, e com as estratégias e políticas definidas para o desenvolvimento
nas suas diversas vertentes. Estamos aqui perante uma tarefa de juristas para
assegurar um dado grau de integração jurídica. É ainda necessário prever a reacção
dos cidadãos, em especial os interessados, às medidas que se pretende adoptar, por
exemplo se são consensuais ou controversas, se irão provocar conflitos sociais, a
fim de se procurar chegar a acordos que levem à sua aceitação e aplicação, bem
como à prevenção de conflitos. Um meio de adquirir informação sobre as opiniões
dos cidadãos quanto às medidas a adoptar são as consultas públicas. Em termos
gerais, quanto maior for a área geográfica a que se refere um plano ou projecto,
tanto mais difícil será obter o acordo sobre ele.

No próximo capítulo são tratadas algumas questões da gestão integrada do


desenvolvimento sustentável, do ponto de vista da valorização dos recursos
naturais e da comparação dos custos e benefícios económicos, sociais e ambientais
dos projectos de aproveitamento de recursos naturais.

194
. 2004: 89-90. Trata-se, respectivamente, do que George designa de «reconhecimento
institucional» e «reconhecimento público».
143

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