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1.11.ET - Evolução Das Políticas Públicas de Saúde No Brasil

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POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE

Juliana Guisardi Pereira


1 EVOLUÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE NO BRASIL

Apresentação

Seja muito bem-vindo à disciplina Políticas Públicas em Saúde!

Neste primeiro bloco da disciplina, vamos tratar da evolução das políticas públicas de
saúde no Brasil. Iremos iniciar conceituando política pública e política pública de saúde.
Abordaremos aspectos históricos das políticas públicas de saúde antes e após a criação
do Sistema Único de Saúde (SUS); em seguida, discorreremos sobre a atual Política
Nacional de Atenção Básica, finalizando com os atuais desafios das políticas de saúde no
país.

Venha e acompanhe essa jornada!

1.1 Conceituando políticas públicas de saúde

Como resultado do aprofundamento e da expansão da democracia no Brasil, as


responsabilidades dos representantes populares se diversificaram, sejam elas no âmbito
municipal, estadual ou federal. Atualmente, entende-se que a função de determinado
governo consiste em promover o bem-estar da sociedade. Tal bem-estar social está
relacionado a ações bem desenvolvidas e à sua execução em áreas como saúde,
educação, meio ambiente, habitação, assistência social, lazer, transporte e segurança,
ou seja, deve-se contemplar a qualidade de vida da população como um todo.

As políticas sociais públicas dizem respeito a ações que afetam todos os cidadãos de
uma determinada sociedade, independente da escolaridade, sexo, gênero, raça, religião
ou nível social. Podem ser concebidas como um conjunto de disposições, medidas e
procedimentos – tais como investimento financeiro e serviços do Estado voltados ao
interesse público, sua proteção e bem-estar, embora possam, ainda, servir aos
interesses de grupos e classes dominantes em determinado momento histórico. Assim
sendo, políticas públicas de saúde podem corresponder à ação ou omissão do Estado,

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enquanto resposta social, frente aos problemas de saúde da população e seus
determinantes.

O conceito de políticas públicas pode possuir dois sentidos diferentes. No aspecto


político, se caracteriza como um processo de decisão, em que há naturalmente conflitos
de interesses. Em outras palavras, é no aspecto político que um governo decide o que
fazer ou não fazer. O segundo sentido se dá do ponto de vista administrativo: as políticas
públicas são um conjunto de projetos, programas e atividades colocadas em prática pelo
governo.

Uma política pública pode se caracterizar como uma política de Estado ou


uma política de governo. Vale a pena entender essa diferença: uma política
de Estado é toda política amparada pela constituição, de maneira que
independente do governo e do governante deve ser realizada. Já uma política
de governo pode depender da alternância de poder, uma vez que cada
governo tem seus projetos que se materializam por meio das políticas
públicas (ANDRADE, 2016).

Sendo assim,

as políticas públicas de saúde correspondem a todas as ações que regulam e


organizam as funções públicas para promoção, proteção e recuperação da
saúde dos indivíduos e da coletividade, direcionadas à melhoria das condições
de saúde da população e dos ambientes natural, social e do trabalho.
Configuram uma agenda bastante vasta de temas, que devem expressar não
apenas o leque e a abrangência dos problemas que exigem solução política,
mas principalmente os anseios da sociedade e o contexto e os resultados da
disputa entre os diferentes atores sociais (LUCCHESE, 2004).

Em outras palavras, as políticas públicas, por definição, são conjuntos de


programas, ações e decisões tomadas pelos governos nacional, estadual ou
municipal que afetam a todos os cidadãos, de todas as escolaridades,
independente de sexo, cor, religião ou classe social. A política pública deve
ser construída a partir da participação direta ou indireta da sociedade civil,
visando assegurar um direito a determinado serviço, ação ou programa. No
Brasil, o direito à saúde foi conquistado através da inclusão da saúde como

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direito na Constituição Federal de 1988, e pela criação do Sistema Único de
Saúde (SUS), que deve ser universal, integral e gratuito (LUCCHESE, 2004).

Os modelos de atenção e gestão à saúde representam a forma de organização do


sistema de saúde e suas práticas em resposta às necessidades da população. Os modelos
são expressos em políticas, programas e serviços de saúde que estejam em harmonia
com os princípios e diretrizes que estruturam o SUS.

1.2 Políticas públicas de saúde brasileiras – antes do Sistema Único de Saúde (SUS)

No caso brasileiro, a evolução das políticas de saúde tem início no período do Brasil-
Colônia (1500-1822), quando o país se encontrava submetido econômica e
politicamente a Portugal, e a produção do país era extrativista e agroexportadora,
baseada nos ciclos de pau-brasil, cana-de-açúcar, mineração e café. Embora tenham
surgido as primeiras Santas Casas, não havia uma organização sanitária formal no país;
as ações eram de caráter focal, sendo que grande parte da população se utilizava da
medicina de “folk”, enquanto os senhores do café tinham acesso aos profissionais legais
da medicina, que eram trazidos de Portugal.

Durante o Brasil Império (1822-1889), ocorreu a abertura dos portos marítimos e o


surgimento do capitalismo moderno, com início da industrialização. Predominavam
doenças pestilentas e a assistência à saúde consistiu na vigilância sanitária dos portos e
epidemias, com ênfase na polícia sanitária.

Na República Velha (1889-1930), predominava a economia agroexportadora, a


insalubridade dos portos e as epidemias se mantinham, especialmente na capital
federal. Foi a partir da criação do Departamento Nacional de Saúde Pública, que tinha
por objetivo fomentar os serviços de saneamento básico, de higiene industrial e de
atenção materno-infantil, que a Saúde Pública começa a institucionalizar-se como
questão social no país. O foco dado pelos primeiros movimentos dos sanitaristas era a
necessidade da “educação sanitária” como uma estratégia para a promoção da saúde.

São criadas, em 1923, as Caixas de Aposentadoria e Pensão, através da Lei Elói Chaves,
que concediam benefícios como consultas médicas e fornecimento de medicamentos

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aos trabalhadores formalmente inseridos no mercado de trabalho. Para tanto, foi criado
um fundo constituído pelo recolhimento compulsório: do empregado: 3% do salário; do
empregador: 1% da renda bruta das empresas; e da União: 1,5% das tarifas dos serviços
prestados pelas empresas. Assim, os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) se
constituíram nos precursores do Seguro Social no país.

Na Era Vargas, houve intensa industrialização com a implantação da Companhia


Siderúrgica Nacional e a exploração do petróleo e manteve-se a agricultura. Ganhou
força a legislação trabalhista, com destaque ao estabelecimento da jornada de trabalho
de 8 h e o salário mínimo. A Saúde Pública foi institucionalizada pelo Ministério da
Educação e Saúde Pública. A Previdência Social e a Saúde Ocupacional foram
institucionalizadas pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Ocorreram
campanhas de saúde pública contra a febre amarela e a tuberculose, e foram criados os
Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAP), que estenderam a previdência social à maior
parte dos trabalhadores urbanos, agora seguindo uma organização por categorias
profissionais.

O período de instabilidade democrática (1945-64) foi marcado pela substituição de


importações, rápida urbanização, migrações, construção de Brasília, advento da
indústria automobilística, penetração do capital internacional, governos liberais e
populistas. Foi criado o Ministério da Saúde (1953), foram implantadas leis que
unificaram os direitos de previdência social dos trabalhadores urbanos, expansão da
assistência hospitalar, surgimento de empresas de saúde. Também começaram a
emergir no cenário nacional as doenças modernas, tais como doenças crônicas
degenerativas, acidentes de trabalho e de trânsito.

Durante o período conhecido como ditadura militar (1964-85), houve industrialização,


com investimentos em pavimentação e infraestrutura urbana, e o
fomento/interferência de agências internacionais, principalmente norte-americanas.
Foi criado o Instituto Nacional da Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), a
assistência médica foi privatizada e ocorreu a capitalização do setor da saúde; a
centralização caracterizava o sistema de saúde, com fragmentação institucional,

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beneficiando o setor privado. O quadro sanitário se caracterizava por prevalência de
morbidade moderna, e as doenças infecciosas e parasitárias predominavam nas regiões
Nordeste, Norte e Centro-Oeste do país.

1.3 Políticas públicas de saúde brasileiras – após a criação do SUS

Durante a década de 1970, a crise econômica se aprofundou, expondo os percalços da


assistência previdenciária para garantir recursos financeiros e as mazelas dos sistemas
social e de saúde − situação de pobreza nas áreas urbanas e rurais, sem facultar acesso
a bens públicos, se expressava em padrões de saúde precários, com taxas de morbidade
e mortalidade elevadas.

Dessa forma, as décadas de 1970 e 1980 foram palco de diversos movimentos sociais,
como o sindical, o estudantil, o de reinvindicação por acesso aos serviços de saúde, as
organizações de classes profissionais, reinvindicação do direito de votar e fim da
ditadura, dentre outras, evidenciando a efervescência de luta das classes populares e de
trabalhadores por melhores condições de vida, saúde e de atuação política.

Em paralelo ao processo de redemocratização do país após o período de ditadura


militar, ocorreu em 1986 a 8ª Conferência Nacional de Saúde, um marco histórico que
ampliou o Movimento de Reforma Sanitária Brasileira em curso, conduzida por
profissionais da saúde e pessoas ligadas a movimentos e organizações da sociedade civil,
que reivindicava acesso universal aos serviços públicos e financiamento próprio ao
setor.

Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que


instituiu a seguridade social como o padrão de proteção social a ser institucionalizado
no país, a saúde passou a ser entendida como direito de todos e dever do Estado. As
políticas de saúde foram sendo amplamente discutidas e definidas com vistas ao
reordenamento setorial necessário ao cumprimento dos preceitos constitucionais.

O Sistema Único de Saúde (SUS), instituído pela Constituição Federal Brasileira, em


1988, e regulamentado pelas leis nº 8.080/1990 e nº 8.142/1990, concebe a saúde como
direito do cidadão e dever do Estado, na esteira da ampliação da proteção social para

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um padrão universal e igualitário. O SUS tem por objetivo prover atenção abrangente e
universal, preventiva e curativa, com gestão e prestação descentralizadas, promovendo
a participação social em todas as esferas do governo.

Foi implantado por meio da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990 que salienta seus
objetivos, organização, direção e gestão, os princípios e diretrizes, as atribuições de cada
nível (federal, estadual e municipal); e coloca o sistema privado como tendo participação
complementar ao SUS.

Em seguida, a promulgação da Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990 estabeleceu a


participação social como mecanismo de controle do SUS e, ainda, as transferências
intergovernamentais de recursos financeiros. Estabeleceu os órgãos representativos de
controle, tais como os Conselhos de Saúde, o Conselho Nacional de Secretários
Estaduais de Saúde (CONASS), que congrega os secretários estaduais de saúde, além do
Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde e municipais (CONASEMS).

Em 1991, houve a criação da Comissão de Intergestores Tripartite (CIT) composta por


membros do Ministério da Saúde, das secretarias estaduais de saúde e das secretarias
municipais de saúde, tendo a responsabilidade de acompanhar o então recente
processo de implantação do SUS. Esses órgãos desempenharam um papel fundamental
para lançar as bases da gestão compartilhada do SUS, envolvendo os diferentes níveis
de governo.

Em 1993, foi publicada a Norma Operacional Básica (NOB 93), que visou fortalecer o
compromisso pela implantação do SUS e efetivar a municipalização, trazendo a gestão
do SUS para a realidade dos municípios. Foi essencial para viabilizar a descentralização,
instituindo níveis diferenciados de gestão do SUS. Essa descentralização da gestão foi no
sentido de estimular a autonomia financeira dos estados e municípios, além do incentivo
a mudanças no modelo de atenção. Em 2002, foi publicada a Norma Operacional de
Assistência à Saúde/NOAS-SUS, que enfatizou o processo de regionalização do SUS.

No ano de 2006, foi instituído o Pacto pela Saúde, que constituiu um conjunto de
reformas visando ao fortalecimento do SUS. Foi assinado pelos gestores do SUS e

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envolveu três compromissos: Pacto pela Vida, Pacto em Defesa do SUS e Pacto de
Gestão.

O Pacto pela Vida estabeleceu metas quanto à melhoria nas condições de saúde da
população brasileira, sendo elencadas as seguintes prioridades: 1. Saúde do Idoso; 2.
Controle do Câncer do colo do útero e da mama; 3. Redução da mortalidade infantil e
materna; 4. Fortalecimento da capacidade de resposta às doenças emergentes e
endemias, com ênfase na dengue, hanseníase, tuberculose, malária e influenza; 5.
Promoção da Saúde; 6. Fortalecimento da Atenção Básica.

Quanto ao Pacto em Defesa do SUS, suas prioridades foram: 1. Destacar a saúde como
direito de cidadania e o SUS como sistema público universal de direito; 2. Alcançar a
regulamentação da Emenda Constitucional nº 29, pelo Congresso Nacional; 3. Garantir
recursos orçamentários e financeiros para a saúde; e 4. Aprovar o orçamento do SUS e
as competências de cada esfera de gestão.

As prioridades do Pacto de Gestão foram: 1. Definir a responsabilidade sanitária de cada


instância gestora do SUS; e 2. Ressaltar as diretrizes fortalecedoras da gestão do SUS:
Descentralização; Regionalização; Financiamento; Programação Pactuada e Integrada;
Regulação; Participação e Controle Social; Planejamento; Gestão do Trabalho e
Educação na Saúde.

1.4 Política Nacional de Atenção Básica

Desde 1994, o Ministério da Saúde brasileiro instituiu a Estratégia Saúde da Família (ESF)
no âmbito da Atenção Primária à Saúde, tendo em vista reorientar o modelo assistencial,
estruturando o trabalho em saúde por meio de equipes multidisciplinares e tendo a
possibilidade de aproximar o cuidado das necessidades de saúde da população, sob a
ótica da Vigilância em Saúde.

Neste sentido, a Atenção Primária (APS) ou Atenção Básica à Saúde tem sido prioridade
das políticas públicas nas últimas décadas no Brasil e no mundo. As Políticas Nacionais
de Atenção Básica têm atribuído à APS um papel central na mudança dos modelos de
atenção e das práticas sanitárias, enfatizando, especialmente, que esse nível de

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organização do sistema é lócus privilegiado para a implementação de ações de
promoção da saúde e de articulação intersetorial. Veja a Tabela 1.1 a seguir:

Tabela 1.1 − Principais estratégias, ações e programas instituídos ao longo da trajetória


de consolidação da atenção básica brasileira

Fonte: Almeida et al. (2018).

Com a implementação dessas ações acima, ficou evidente a necessidade de elaboração


de uma política nacional que reunisse e conferisse robustez a essas diversas inciativas,
assim como permitisse estabelecer prioridades e otimizar os gastos públicos. Assim, em
2003, foi criado um grupo de trabalho que elaborou a Política Nacional de Atenção
Básica (PNAB) publicada em 2006.

No ano de 2011, ocorreu a revisão da PNAB, que ressaltou a centralidade da Estratégia


Saúde da Família (ESF), ampliou acesso, cobertura e resolubilidade da Atenção Básica,
flexibilizou a carga horária médica, introduziu o Programa Nacional de Melhoria do

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Acesso e da Qualidade na Atenção Básica (PMAQ-AB) e permitiu novos arranjos de
equipe na Atenção Básica.

Em 2017, uma última atualização da PNAB ocorreu. A Tabela 1.2 apresenta o


comparativo entre a PNAB 2011 e a 2017.

Tabela 1.2 – Comparativo entre PNAB 2011 e PNAB 2017, segundo eixos temáticos
(2018a)

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a
AB = Atenção básica; ACE = agente de combate a endemias; ACS = agente comunitário de saúde; eAB =
equipe de atenção básica; ESF = Estratégia Saúde da Família; NASF = Núcleo de Apoio à Saúde da
Família; NASF–AB = Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica; PNAB = Política Nacional de
Atenção Básica; UBS = Unidade Básica de Saúde.
Fonte: Almeida et al. (2018).

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1.5 Desafios atuais da PNAB
O predomínio da doutrina neoliberal justamente no período de implantação do SUS, as
limitações ao Estado de Bem-Estar Social nos países europeus e a crise econômica de
2008 representam um sério obstáculo para o desenvolvimento de sistemas universais
de saúde. Do mesmo modo, recentemente, a proposta político-ideológica da Cobertura
Universal em Saúde, patrocinada por organismos internacionais que fomentam a
prestação de serviços básicos ou por planos de saúde públicos ou privados, só faz
reforçar tal doutrina e fragilizar os valores civilizatórios do SUS. Assim, no Brasil, em
especial, caminham em paralelo dois projetos contraditórios desde a década de 1990:
um em defesa do direito universal e igualitário à saúde, e outro em que predominam
políticas focalizadas e compensatórias, articuladas ao mercado.

Diversas políticas vêm repercutindo em retrocessos ora alcançados pela reforma


sanitária e pelo SUS, especialmente desde a última PNAB (BRASIL, 2017): possibilidade
de ausência de ACS nas equipes (promoção e percepção de determinantes do PSD);
possibilidade de carga horária do médico de apenas 10 h/semanais, reduzindo à
atividade curativa; enfraquecimento dos NASF pela extinção do credenciamento e
financiamento federal, minando sua atuação junto à interprofissionalidade,
matriciamento, educação permanente, comunicação, planejamento conjunto, decisões,
saberes e responsabilidade compartilhados.

O Programa Saúde na Hora, lançado pelo Ministério da Saúde (MS), em 2019, explicita
a prioridade dada ao cuidado individual e ao atendimento à demanda espontânea.
Embora o acolhimento ao adoecimento agudo na APS deva ser garantido, os incentivos
para o Saúde na Hora apontam para a transformação das UBS, em unidades de pronto-
atendimento.

O Programa Médicos pelo Brasil, alardeado como inovação, dá continuidade ao


Programa Mais Médicos (PMM), em seu eixo de provisão de profissionais em zonas
remotas e desfavorecidas. Entretanto, abandona o fomento à intervenção na graduação
médica e ampliação das vagas de residência em MFC, assim como a melhoria da

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infraestrutura das UBS, apresentando, portanto, um escopo mais restrito que seu
antecessor.

O escopo de práticas na APS certamente será afetado pelas ameaças à


multiprofissionalidade das equipes, prioridade ao pronto-atendimento e
enfraquecimento do enfoque territorial comunitário. Estão ausentes os atributos da APS
nas diversas iniciativas e programas do governo Bolsonaro, os quais deveriam balizar um
modelo abrangente.

O novo modelo de financiamento da APS substitui o Piso de Atenção Básica fixo e a


variável por capitação ponderada, a qual é calculada tendo por base o número de
pessoas cadastradas a equipes de saúde. No primeiro caso, as ações eram dirigidas a
toda população moradora do território, que, em muitos municípios representam os
únicos serviços de saúde disponíveis à população.

Acredita-se que tal mudança pode ter efeitos drásticos no modelo assistencial da ESF,
pois o PAB fixo possibilitava a implementação de ações previstas nos Planos Municipais
de Saúde mais alinhadas com as realidades locais, evitando o engessamento comum nos
repasses federais.

O SUS sempre esteve comprometido com ações amplas de promoção da saúde e


prevenção de doenças, direcionadas ao atendimento integral dos problemas sanitários
existentes nos territórios, realizados por equipe multiprofissional, tendo a
universalidade do acesso como princípio fundamental. A proposta atual vem apontando
para oferta de ações com financiamento público apenas aos estratos mais carentes da
população, reduzindo a participação do Estado e aumentando as iniquidades,
intensificando o caráter mercantil no atendimento prestado na APS.

Conclusão
É nesse cenário permeado de contradições que a prática em saúde pública se instala,
requerendo ações políticas alinhadas com o conceito de saúde como direito e dever do
Estado em provê-la, tendo em vista o atendimento das necessidades de saúde da
população.

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