Apostila Do Curso Saude Publica e PSF
Apostila Do Curso Saude Publica e PSF
Apostila Do Curso Saude Publica e PSF
SAÚDE
PÚBLICA E PSF
2
Nesse contexto de crise, surgiu o movimento sanitário na década de 1970,
composto por profissionais de saúde, políticos, intelectuais e lideranças
populares, que buscavam uma reforma sanitária mais democrática e humana. Esse
movimento propôs um sistema único e universal de saúde para a população
brasileira, porém, com a resistência do governo da época, as mudanças não foram
implementadas.
3
Após duas conferências realizadas nessa época, a III Conferência Nacional de
Saúde foi realizada em 1963, em meio aos movimentos que defendiam o direito
universal a um Sistema de Saúde. Essa conferência abordou a situação sanitária
da população brasileira, a municipalização dos serviços de saúde e a criação de
um plano nacional de saúde que buscava acesso global à assistência à saúde e
melhores condições de bem-estar para a população.
Durante essa Conferência, ficou claro que as mudanças necessárias para o setor
de saúde iam além de uma reforma administrativa e financeira; era preciso uma
reformulação mais profunda, ampliando o conceito de saúde e suas ações
institucionais. Assim, surgiu o conceito de reforma sanitária, que tinha como
principais temas a saúde como direito de todos, a reformulação do sistema
nacional de saúde e o financiamento setorial. A saúde passou a ser definida como
algo resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio
ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso a serviços de
saúde e posse de terra.
4
A descentralização dos serviços também apresentava problemas, com recursos
frequentemente concentrados no próprio município, não atendendo às
necessidades da maioria da população.
5
A regulamentação do PSF tinha como objetivo estabelecer uma base sólida para o
funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS), visando à efetivação do
mesmo. O PSF foi concebido para resolver a maioria dos problemas básicos de
saúde, bem como promover a saúde em geral. Embora tenha sido expandido
como "Programa de Saúde da Família", o Ministério da Saúde não o considera
como um programa novo a ser implantado, mas sim como uma estratégia que
busca consolidar os princípios do SUS e auxiliar em sua expansão (Mendes, 1996).
Cada equipe é responsável por uma região delimitada, composta por 600 a 1.000
famílias ou 4.500 pessoas no máximo. O planejamento da assistência deve ser
centrado nas necessidades da comunidade local, buscando se adaptar às
peculiaridades de cada região. O PSF tem como foco a integralidade do indivíduo
inserido em seu contexto familiar e cotidiano.
6
O espaço delimitado para a implantação do PSF é denominado território, não se
limitando apenas ao aspecto geográfico, mas considerando também as
características da população local, para que a intervenção seja contextualizada
conforme as particularidades de cada região. Os atendimentos são realizados nos
Núcleos de Saúde da Família (NSF), e as equipes acompanham constantemente as
famílias, independentemente de estarem doentes ou não, prestando atendimento
domiciliar quando necessário.
O trabalho em saúde voltado para o sistema familiar não é recente, pois já foi
praticado desde o século XIX através do movimento higienista. Esse movimento
considerava a família como uma instituição necessitada de intervenções
controladoras, visto que não tinha condições de proteger seus membros. Esse
discurso levou à instauração de normas higienistas relacionadas à educação,
alimentação, limpeza e práticas morais, com controles rígidos e periódicos.
Durante muito tempo, a família esteve sob o olhar "protetor" do saber médico, e
alguns conceitos dessa época ainda persistem até os dias atuais (Costa, 1983).
7
Para evitar que esse modelo perdure, é essencial compreender a dinâmica das
famílias, sua inserção na sociedade e, consequentemente, a postura que o
profissional adotará ao abordá-las em seu atendimento, respeitando sua cultura. A
construção de propostas de intervenção junto às famílias locais deve estar
contextualizada com o modo de vida delas. Nesse sentido, é necessário refletir e
abrir uma ampla discussão com a equipe de saúde sobre a melhor maneira de
elaborar um modelo de intervenção.
O Programa Saúde da Família (PSF) tem como uma de suas principais metas a
reorganização das práticas de trabalho na área da saúde, buscando uma
abordagem mais coletiva e próxima às necessidades da população. Para alcançar
esse objetivo, são estabelecidas cinco premissas fundamentais para o bom
funcionamento do programa:
8
1. Abordagem interdisciplinar da equipe O PSF adota uma abordagem
interdisciplinar, promovendo a integração de diferentes profissionais de saúde.
Essa interligação possibilita uma intervenção mais abrangente e articulada,
resultando em uma análise mais completa da saúde, enriquecida por diversas
perspectivas. Rosa (1987) enfatizou a importância da abordagem
multiprofissional, defendendo a busca por espaços comuns entre as
especialidades para uma atuação mais harmoniosa e coerente na equipe.
2. Ênfase na promoção de saúde O programa prioriza a promoção da saúde em
sua abordagem. Isso significa vincular a saúde a aspectos mais amplos da vida
das pessoas, considerando não apenas fatores biológicos e genéticos, mas
também a qualidade de vida, o bem-estar e os aspectos culturais, sociais e
econômicos. As ações do PSF visam aumentar o bem-estar geral em todas as
esferas da vida - profissional, familiar, social, entre outras.
3. Participação comunitária e controle social A promoção da saúde envolve o
trabalho em conjunto com a comunidade, valorizando a participação ativa da
população na definição das ações voltadas para a sua própria saúde e na
construção de condições para uma melhor qualidade de vida em seus bairros.
A Constituição de 1988 conferiu à população o direito de participar ativamente
nas decisões relacionadas à saúde, o que ficou conhecido como controle
social. O PSF destaca-se por garantir e incentivar essa participação tanto na
concepção das ações de saúde quanto na sua manutenção e avaliação.
4. Acompanhamento e avaliação Uma das bases do PSF é o acompanhamento
constante e a avaliação dos seus resultados em todo o país. Esse processo é
viabilizado pelo Sistema de Informação de Atenção Básica (SIAB), no qual os
Núcleos de Saúde da Família inserem mensalmente os dados de suas
intervenções realizadas. Essas informações são enviadas para uma central que
monitora o andamento dos PSFs. Com base nessas análises, o próprio serviço
pode aprimorar suas atividades, promovendo discussões para uma
intervenção mais eficaz. Além disso, o Ministério da Saúde utiliza essas
informações para avaliar o desempenho e funcionamento do PSF em âmbito
nacional.
5. Formação do profissional de saúde Essa premissa destaca a importância da
formação adequada e contínua dos profissionais de saúde que atuam no PSF.
Desde o início dos debates para a regulamentação do Sistema Único de Saúde
(SUS), já se reconhecia a necessidade de profissionais qualificados para um
trabalho diferenciado, especialmente no atendimento de primeiro nível, que
requer uma intervenção complexa, não apenas tecnologicamente, mas na
relação com a equipe e a comunidade, estabelecendo vínculos. O PSF prevê a
capacitação constante desses profissionais por meio de cursos e participação
em atividades, fortalecendo a efetividade do programa. A educação
continuada é parte intrínseca das diretrizes do PSF.
9
Das cinco premissas mencionadas, surgem algumas questões importantes. Em
primeiro lugar, ao abordar o trabalho em equipe, no qual profissionais colaboram
em conjunto, surgem dificuldades em determinar os limites do conhecimento de
cada um e sua atuação específica. O que torna cada disciplina única e qual é o
conhecimento compartilhado entre elas? Onde começa uma prática e termina
outra?
10
A premissa da promoção de saúde, valorizada no Programa Saúde da Família
(PSF), não é um conceito exclusivo desse programa. A promoção de saúde tem
sido uma tendência internacional na reorientação dos modelos de assistência à
saúde desde a Conferência de Alma Ata, realizada em 1978. A partir desse marco,
foram discutidas ações priorizando a promoção da saúde e a prevenção de
doenças, com o objetivo de alcançar "saúde para todos até o ano 2000", uma
meta estabelecida pela Assembleia Mundial de Saúde.
No ano de 1996, Jewkes & Murcott conduziram uma pesquisa que abordou a
importância da comunidade na promoção da saúde. Nesse estudo, observaram-se
diversas menções à ideia de participação comunitária em documentos nacionais e
internacionais relacionados à saúde e à sua promoção. As entrevistas realizadas
revelaram que a concepção de comunidade varia de acordo com a função social
desempenhada pela pessoa, assim como a percepção daqueles que fazem ou não
parte dela.
11
A comunidade foi caracterizada de várias maneiras, podendo ser entendida como
um grupo de pessoas compartilhando o mesmo espaço, uma conexão residencial,
uma identificação étnica ou uma associação baseada em faixa etária, entre outras
possibilidades. Os autores também ressaltaram a importância de considerar as
dificuldades e transformações envolvidas nas intervenções comunitárias, uma vez
que a teoria pode ser estática, mas a prática é dinâmica.
Vasconcelos (op. cit.) observa que os movimentos sociais no Brasil têm passado
por mudanças desde o período da ditadura militar, quando manifestações
populares eram reprimidas. Com o advento da democracia, surgiram mais
oportunidades de participação formal em instâncias políticas, como os conselhos
de saúde, levando a uma diminuição dos movimentos de base e ao crescimento
de movimentos mais amplos e burocratizados. Isso pode gerar a percepção de um
declínio na participação comunitária, mas Vasconcelos alerta para a importância
de compreender as peculiaridades dessas mudanças para estabelecer suas
possibilidades e limites. As participações populares podem estar sendo
reorientadas e assumindo uma configuração diferente das épocas anteriores.
12
Constitucionalmente respaldado, o controle social deve ser incentivado pelos
profissionais da saúde. Uma maneira legal de exercê-lo é por meio dos conselhos
de saúde, que proporcionam à população acesso às informações sobre os
planejamentos em saúde e as intervenções locais. Esses conselhos são órgãos
permanentes e deliberativos, compostos de forma tripartite e paritária, com
representantes dos trabalhadores de saúde, prestadores de serviços (públicos e
privados) e usuários, todos com direito a voz e voto. Além disso, as reuniões do
conselho são abertas a toda a população, garantindo a participação ativa dos
cidadãos (Brasil/MS 1992b).
13
Sanitaristas da Unicamp, Franco e Merhy (1999a; 1999b) debateram o PSF como
um programa que não tem o poder de mudar o modelo tecno-assistencial
brasileiro devido a alguns fatores. Eles apontaram que o programa tem uma
atuação muito restrita na área clínica, priorizando apenas ações de promoção da
saúde. Além disso, não possui esquemas de atendimento para a demanda
espontânea e não consegue romper com a dinâmica médico-centrada.
Argumentaram que o PSF foi implantado pelo governo com o objetivo principal de
reduzir os custos na saúde, em vez de focar na humanização dos serviços de
acordo com as necessidades da população.
Salum (1999) também alertou para o cuidado de não considerar o PSF como uma
estratégia perversa, estruturada para atender às demandas do sistema neoliberal
e do Banco Mundial. Segundo essa visão, os gastos públicos seriam direcionados
para a atenção básica, mais coletiva e focada na promoção de saúde, enquanto os
aspectos curativos, com mais procedimentos, ficariam a cargo das instâncias
privadas, sujeitas às leis do mercado capitalista.
14
Apesar de todas essas críticas e preocupações, o PSF continua crescendo e se
expandindo em todo o país. O Ministério da Saúde realizou uma pesquisa de
avaliação para verificar como a estratégia está sendo operacionalizada nos
municípios brasileiros e se está sendo eficaz. De acordo com os resultados, 71%
dos profissionais acreditam que o PSF tem sido uma boa estratégia para a
reorganização da atenção básica à saúde, destacando o compromisso com a
mudança e a alta resolutividade das equipes. Porém, 29% ainda não consideram o
programa uma boa estratégia, apontando que ele se concentra mais no discurso
do que na prática e que ainda não abrange toda a população. No entanto, esses
profissionais acreditam que o PSF pode se tornar eficaz, uma vez que é uma
prioridade do Estado. Essa perspectiva positiva dos profissionais demonstra que,
apesar das dificuldades enfrentadas, há otimismo em relação ao trabalho
realizado.
15
Para começar, é necessário definir o que entendemos por Saúde Pública. Ao
explorarmos a literatura sobre o tema, nos deparamos com uma variedade imensa
de definições. Terris (1992 apud Paim & Almeida Filho, 2000) reformulou a
concepção original de Saúde Pública descrita por Winslow na década de 20 - "a
arte e a ciência de prevenir a doença e a incapacidade, prolongar a vida e
promover a saúde física e mental mediante os esforços organizados da
comunidade" - e propôs uma "Nova Saúde Pública", abrangendo a prevenção de
doenças não infecciosas e infecciosas, promoção da saúde, melhoria da atenção
médica e reabilitação. Por outro lado, Tarride (1998) descreve a diversidade de
concepções sobre Saúde Pública, algumas enfatizando o atendimento individual
realizado pelo médico particular e o atendimento coletivo realizado por
sanitaristas, enquanto outras destacam a relevância de questões como pobreza,
desesperança e economia global.
É essencial abordar a relação entre Saúde Pública e Saúde Coletiva. Paim et al.
(2000) delinearam a Saúde Coletiva como um saber historicamente produzido,
cujas ações são práticas sociais influenciadas por grupos sociais. Essa abordagem
investiga os determinantes sociais da doença e a organização dos serviços de
saúde, adotando uma perspectiva interdisciplinar para compreender as
necessidades e problemas de saúde da sociedade. A Saúde Coletiva se diferencia
do paradigma biomédico dominante, lutando por sua emancipação, enquanto a
Saúde Pública é descrita como institucionalizada e aprisionada em uma crise
paradigmática.
Campos (2000) considera a Saúde Pública como uma produção histórica com uma
prática social, mas destaca a subvalorização dos indivíduos na construção do
cotidiano e da vida institucional. Em contrapartida, ele vê a Saúde Coletiva como
um novo campo da saúde, com um paradigma alternativo aos modelos
tradicionais, enfatizando a promoção da saúde e a análise dos processos de
saúde, adoecimento e cura sob uma perspectiva social. No entanto, o autor alerta
que a Saúde Coletiva, ao se considerar superior aos outros modelos, pode repetir
o mesmo padrão autoritário dos discursos hegemônicos em saúde, prejudicando
seu propósito como uma alternativa, em vez de um único caminho válido.
16
As diferentes definições e concepções da Saúde Pública e Saúde Coletiva
mostram a falta de consenso e parâmetros claros, dificultando o fortalecimento
dessas áreas e contribuindo para a manutenção da crise.
Até o momento, nas políticas públicas de saúde, exceto por algumas tentativas
recentes e incipientes de desinstitucionalização dos serviços de saúde mental,
não foram empreendidos esforços significativos para promover uma verdadeira
evolução ética baseada no critério fundamental da auto-responsabilidade. Ainda
não fomos capazes de repensar a forma e a função do Estado diante de um
sujeito-cidadão-saúde, que é instigado por sua subjetividade ética radical a
romper com qualquer forma de determinismo terapêutico (Dâmaso, op.cit.
p.287/288).
17
Paim et al. (2000) discutem os paradigmas como justificativa para a crise na
Saúde Pública, usando a definição de Kuhn: uma construção destinada a organizar
o raciocínio, fornecendo uma lógica para as explicações e estabelecendo regras
elementares para uma determinada sintaxe do pensamento científico, servindo
assim de base para modelos teóricos. De forma mais comum, paradigma é um
conjunto de crenças e valores compartilhados por um grupo de pessoas sobre um
assunto específico, dentro de um determinado tempo e local, que serve como
referência para ações.
Tarride (1998) também propõe uma mudança em direção a uma 'Nova Saúde
Pública', construindo sistemas locais de saúde em oposição à posição
individualista e tecnicista, e ao empobrecimento da participação do Estado no
financiamento da saúde. Ele enfatiza a importância de compreender o que se
entende por Saúde Pública e refletir sobre seus problemas internamente para
abordar adequadamente a questão da crise. O autor argumenta que a busca por
verdades absolutas transforma a saúde em algo que existe a priori, quando
deveria ser construída com base nas interações entre pessoas e coisas, a partir
do que dizemos e fazemos sobre ela.
Ampliando essa compreensão, podemos considerar a saúde como uma rede de
conversações entre seres humanos sobre seus desempenhos individuais em
contextos sociais e naturais. Portanto, cabe a nós especificar a saúde que
desejamos, levando em conta as condições sociais e ambientais em que vivemos
(Tarride, 1998, p. 93/92).
18
Todas as considerações dos autores acima nos levam a pensar em uma crise da
saúde aparentemente interminável, com definições variadas de Saúde
Pública/Coletiva e centralização de questões culturais/históricas numa
perspectiva positivista. Isso dificulta a atenção aos aspectos singulares da saúde
em cada localidade e impede a ruptura com o padrão estabelecido.
Garcia (1992) propõe uma abordagem alternativa para superar a crise na saúde,
não apenas na Saúde Pública, mas também na Saúde Coletiva. Segundo ele,
embora a Saúde Coletiva amplie a visão de saúde para um contexto mais social, a
disciplina não aborda os paradoxos existentes entre as diversas áreas de saúde e
as diferentes propostas para a ação em saúde. O autor sugere um novo modelo a
ser desenvolvido, que possa abordar esses paradoxos e dialéticas na saúde, e
principalmente enfrentar as dificuldades impostas pelas relações de poder entre
médico/paciente e Sistema de Saúde/trabalhador em saúde. Esse modelo deve
enfrentar essas questões de frente, em vez de encobri-las, para que a crise possa
ser transformada em algo produtivo na área de saúde.
Campos (1997b) também questiona a crise e o motivo pelo qual tantas mudanças
são propostas, mas os impasses persistem. Ele propõe repensar a Saúde Coletiva,
enfatizando seus vários aspectos. A superação da crise na saúde depende tanto
dos movimentos sociais e culturais, com mudanças nos valores dominantes da
saúde, quanto das alterações nas estruturas concretas das instituições sociais.
Campos (2000) propõe uma teoria sobre a produção de saúde, baseada em
práticas sanitárias que abrangem todo o seu campo, não se limitando à Saúde
Coletiva. Essa teoria se baseia na promoção de sujeitos saudáveis, acreditando
que eles são cidadãos críticos e reflexivos, o que serve como base para os
diferentes saberes em saúde, não apenas monopolizados pela Saúde Coletiva.
19
Uma análise mais profunda de todas essas questões levantadas pelos autores
sobre as práticas de saúde e sua crise nos leva a arriscar dizer que a raiz do
problema é epistemológica. A maneira como a produção de conhecimento sobre
saúde é fundamentada e, consequentemente, como sustenta os pilares das
práticas de saúde, mostra-se comprometida com a crise atual. A discussão sobre
essa crise, a necessidade de novos paradigmas na Saúde Pública, ressalta a
urgência de mudança. As definições e os significados atribuídos às práticas de
saúde resultam em intervenções de promoção, prevenção, intervenção e cura.
Parece que, apesar das propostas de mudança e do aprimoramento ao longo dos
anos, as abordagens das intervenções em saúde continuam repetindo-se.
Portanto, é fundamental abordar essas questões e repensar não apenas os planos
estratégicos das políticas de saúde, mas também como estão sendo elaborados,
sob quais fundamentos. Caso contrário, estaremos constantemente criando
formas de intervir em saúde destinadas a repetir a crise e perpetuar o nó que a
mantém.
Cada sociedade tem seu próprio discurso sobre saúde/doença e corpo, refletindo
a coerência ou contradições de sua visão de mundo e organização social (p. 176).
Minayo (1998) enfatiza que, ao propor uma ação de saúde para uma população, é
essencial compreender seus valores, crenças e direcionamento, pois as
concepções de saúde/doença manifestam-se de maneira específica em cada
sociedade. Essas concepções também permitem entender as relações entre
indivíduo e sociedade, bem como as instituições e suas formas de direção e
controle.
20
Oliveira (1998) também discutiu a importância de compreender as concepções de
saúde de uma comunidade, pois isso influencia diretamente a relação do usuário
com o Sistema de Saúde e os profissionais. A forma como as pessoas encaram a
saúde e enfrentam a doença afeta a maneira como relatam sua condição, aderem
ao tratamento e confiam nos profissionais que as acompanham. A eficácia do
trabalho com uma comunidade ou família depende de fazê-lo significativo para
eles, algo que busquem e acreditem ser fundamental em suas vidas, tornando
crucial compreender os significados atribuídos às situações de
saúde/enfermidade em seus cotidianos.
Assim, explorar a interface entre os serviços de saúde - vistos aqui como sistemas
sociais e culturais próprios - e o indivíduo pode contribuir significativamente para
melhorar a atenção à saúde no Brasil (Oliveira 1998, p. 93).
21
Campos (2000) destaca que várias tendências em Psicologia, relacionadas às
práticas sociais, têm contribuído para uma Saúde Coletiva mais autônoma e
flexível em seus pressupostos. Entre elas, o construcionismo é visto como uma
estratégia para a mudança, pois trabalha com a construção e reconstrução das
pessoas a partir da interação entre elas, escapando da determinação puramente
biológica ou estrutural (p.225). Essa abordagem possibilita reflexões sobre como
as realidades sociais e os fenômenos sociais são construídos, emergindo assim
um novo modelo de atenção à saúde.
A PERSPECTIVA
CONSTRUCIONISTA SOCIAL
A perspectiva construcionista social é uma abordagem teórico-metodológica
fundamentada no pensamento pós-moderno, que emerge questionando as bases
do pensamento moderno. Enquanto o pensamento moderno buscava verdades
universais, leis gerais e descontextualizadas, considerando a linguagem como
mera representação do mundo real, o pós-modernismo, ao qual o construcionismo
social está vinculado, adota uma visão diferente.
22
1. Crítica ideológica: Questiona a neutralidade científica do pesquisador e dos
trabalhos, mostrando que toda afirmação carrega propósitos ideológicos,
morais e políticos. A busca por uma verdade universal e objetiva é colocada
em xeque, uma vez que as interpretações são influenciadas por contextos
culturais e sociais.
2. Crítica literária-retórica: Critica a noção de que a linguagem representa a
verdade objetiva, evidenciando que ela não revela o mundo como ele é, mas
sim o constrói. Nessa perspectiva, a linguagem é vista como uma retórica
legitimada socialmente.
3. Crítica social: Considerada a crítica mais importante para o surgimento do
construcionismo social. Questiona a ideia de conhecimento e pesquisa como
processos a-históricos e transcendentais, apontando que todo pesquisador
está inserido em um contexto histórico e linguístico que influencia suas
relações e interpretações.
23
Essas práticas discursivas envolvem negociações nas relações face a face e
momentos ativos de uso da linguagem, possibilitando a construção e
desconstrução de conceitos. A análise das práticas discursivas enfoca a dimensão
performática da linguagem na construção social da realidade, reconhecendo a
dinâmica histórica e a possibilidade de reconstrução de realidades.
24
Shotter (op.cit.) ressalta dois aspectos principais da ação conjunta: em primeiro
lugar, ela gera resultados imprevisíveis, independentemente da intenção do
emissor do enunciado; em segundo lugar, mesmo com a imprevisibilidade, existe
uma direção para a ação, uma intencionalidade que emerge do que as pessoas
fazem juntas. Isso indica a possibilidade de sermos autores de nossa realidade e
identidade, mas não necessariamente de forma harmoniosa.
Essa perspectiva também contribui para pensar as ações de saúde de forma mais
horizontalizada entre profissionais de saúde e a comunidade. Não há critérios de
verdade que pré-legitimem um conhecimento antes de sua construção, o que
possibilita considerar os saberes científicos e populares como igualmente válidos,
sendo constantemente negociados e legitimados socialmente dentro das práticas
de saúde.
25
O Programa de Saúde da Família (PSF) é uma estratégia para o fortalecimento do
Sistema Único de Saúde (SUS) que valoriza o contexto local por meio da
territorialização e enfatiza o trabalho em equipe, estabelecendo laços de
responsabilidade com a comunidade e possibilitando uma atuação conjunta em
saúde. Ao reconhecer o PSF como uma prática social em contínua construção, ele
se torna um dispositivo privilegiado para a criação de espaços de conversação
com os usuários do programa - espaços em que as práticas sociais na produção
da saúde podem ser ativamente (re)construídas.
26
REFERÊNCIAS
BARROS, Maria Elizabeth Barros de. Saúde e sociedade. Petrópolis: Vozes, 2000,
328 p.
CASTRO, Eduardo. A crise da saúde pública e a utopia da saúde coletiva. Rio de
Janeiro: Fiocruz, 2000, 207 p.
FILHO, Naomar de Almeida-Filho. Saúde coletiva: uma nova saúde pública à
brasileira. São Paulo: Hucitec, 2006, 384 p.
GOULART, Cibele Comini. Política de saúde no Brasil: conceitos, processos e
práticas. São Paulo: Atheneu, 2009, 220 p.
GUIMARÃES, Reinaldo; COSTA, Nilson do Rosário. Saúde no Brasil: políticas e
organização de serviços. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2012, 304 p.
LEAL, Maria do Carmo; VIANA, Ana Luiza d'Ávila. Saúde no Brasil: políticas e
organização de serviços. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2012, 304 p.
MENDES, Eugênio Vilaça. Distrito Sanitário: o processo social de mudança das
práticas sanitárias do Sistema Único de Saúde. São Paulo: Hucitec, 2009, 400 p.
PAIM, Jairnilson Silva; TEIXEIRA, Carmen Fontes. Política, planejamento e gestão
em saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2006, 348 p.
SANTOS, Nelson Rodrigues dos. Planejamento de sistemas e serviços de saúde.
Rio de Janeiro: Fiocruz, 2009, 248 p.
TEIXEIRA, Carmen Fontes; PAIM, Jairnilson Silva. SUS: modelos assistenciais e
vigilância da saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2006, 352 p.
27
OBRIGADO POR ESTUDAR CONOSCO!
WWW.INEVES.COM.BR