Economics">
Nothing Special   »   [go: up one dir, main page]

Microsoft Word - CIVILIZAÇÕES PRÉ - CLÁSSICAS - APONTAMENTOS

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 70

CIVILIZAÇÕES PRÉ-CLÁSSICAS

O EGIPTO

1. INSTITUIÇÕES, SOCIEDADE E ECONOMIA NO ANTIGO EGIPTO

O rei é deus. Como tal está acima de tudo e tudo lhe pertence: as terras, as pessoas,
senhores e escravos e todas as suas riquezas. A ele são devidos os impostos e para ele se
organizam guerras.

A monarquia egípcia é uma doutrina religiosa, ou uma teologia real, como defende o
egiptólogo François Daumas. O rei era o Faraó ou “a grande casa”. Está no princípio e
no fim de tudo. Ele é Hórus e manda sobre a terra tal como deus no céu. É o “senhor
das duas damas” do “Alto Egipto e do Baixo Egipto”. É o Hórus de Ouro.

A partir da V Dinastia também é o “Filho de Rê”, ou seja, era um filho do deus solar no
sentido físico, dono do mundo inteiro do qual era o criador.

Esta ideia de que o rei era gerado pelo deus Sol no seio de uma mulher terrena está
registada por imagens nos templos de Deir el Bahari e de Luxor. Este registo
testemunha a ocasião em que o clero de Amon (Amon-Rê) teve interesse em atribuir tal
nascimento a Hatshepsut, para a impor como rainha.

Este foi um pretexto usado por todos os reis (origem divina).

De um modo geral houve sempre relutância em erigir templos a faraós vivos, com
excepção de Amenófis III, que erigiu um templo a adorar-se a si próprio. No entanto
este templo foi construído fora do território egípcio, na Núbia.

Ao contrário do que possa parecer, o faraó estava no entanto bastante limitado,


recebendo continuamente pressões de todos os lados: eram os conselheiros, os
funcionários, as famílias nobres e ricas. O rei não podia desapontar ninguém e tinha que
ter um grande equilíbrio para manter um relacionamento positivo com todos, incluindo
as mulheres do harém. Mesmo assim as intrigas contra o faraó eram frequentes, as
tentativas de assassinato foram muitas, algumas bem sucedidas, para pôr alguém mais
do agrado no trono, como aconteceu com Ramsés III, que se apercebeu das conspiração
que contra ele se conjurava.

A partir da VI Dinastia instalou-se no Egipto uma certa anarquia que deixou ver a face
humana do faraó. É neste contexto que surge o “Ensino para o rei Merikaré”:trata-se
de um rei da X Dinastia que se dirige ao filho dando-lhe conselhos para bem governar.
Ensina-lhe que o faraó existe para reinar e proteger os humildes, que é um homem como
os outros mas que tem funções particulares e que tem que ser ensinado para as exercer
pois ninguém nasce ensinado para as exercer, pois ninguém sabe se não for ensinado.
Ensina-lhe que deve governar dentro dos princípios da rectidão, equilíbrio, equidade, ou
seja: a MAET, que mantém cada coisa no seu lugar. Termina dizendo que não se
esqueça de prestar culto aos deuses para bem exercer a sua função real.

1
ALDA ANASTÁCIO
Assim, a imagem do rei divino foi-se esbatendo ao longo do I Período Intermédio
sendo restaurada na XII Dinastia, aparecendo desde aí como um campeão invencível.

No entanto também sabemos que os egípcios não gostavam de assinalar as derrotas,


como se verifica nos textos e inscrições sempre a exaltar a monarquia e o sistema.

A XVIII Dinastia favoreceu especialmente a teoria da divinização do rei: desde os


templos, celebrações e cultos à divindade do faraó, os solenes rituais da liturgia da
morte do rei que recordavam sempre que ele ia para junto dos outros deuses.

Akhenaton empreendeu uma reforma religiosa passando Aton para deus principal.
Assim era Akhenaton, filho de Aton e não de Rê. Mas para os egípcios continuava a ser
o “filho de Rê”.

As limitações dos faraós no campo da saúde também ficaram conhecidas: Amenófis III
sofria de cárie dentária, Siptá tinha um pé torto, Ramsés V morreu de bexigas, Menefta
era extremamente obeso e Amenófis IV (Akhenaton) não era completamente são de
espírito.

O Faraó cortava o cabelo e a barba, mas o costume impunha que colocasse no queixo
uma barba postiça comprida e em ponta, e usasse uma espécie de xaile a cair sobre os
ombros, e sobre a nuca a insígnia real, uma serpente designada por URAEUS. Em
ocasiões solenes o Faraó trazia duas coroas especiais: a branca e a vermelha,
simbolizando, respectivamente, o Alto Egipto e o Baixo Egipto. Outras vezes usava
uma espécie de barrete com a forma de coroa dupla.

Associada ao rei estava a figura da rainha, muitas vezes meia-irmã, com o pai em
comum mas mãe diferente. Desde o princípio do Império Novo o papel da rainha foi
posto em grande evidência: o seu nome aparece por vezes junto do nome do rei em
documentos especiais. Também usava o URAEUS como insígnia. A mãe de
Akhenaton, a rainha Ty, teve um papel importante junto de Amenófis III. O rei de
Mitani escreveu uma longa carta à rainha Ty depois da morte de Amenófis III
chamando-lhe “Senhora do Egipto” e pedindo-lhe que exercesse influência junto do
jovem rei. Ela estava ao corrente da correspondência diplomática entre o Egipto e o
reino de Mitani. Apesar de ser rainha isso não excluía a existência de outras esposas na
vida do rei (segundas), incluindo o harém. No entanto as mulheres do harém não eram
apenas “mulheres” para o rei: muitas eram princesas ou nobres que também
desempenhavam funções diplomáticas.

Como rainha ‘faraó’ houve a rainha Hatshepsut que reinou por mais de vinte anos.

*A ADMINISTRAÇÃO

Em épocas recuadas, o território era dividido em 42 nomos (do grego nomoi) ou


distritos. No Império Antigo cada nomo era administrado pelo governador e

2
ALDA ANASTÁCIO
respectivos funcionários. O governador era também O Príncipe do Nomo. No
Império Médio essa função tornou-se hereditária, embora fossem sempre nomeados
pelo rei. Também eram normalmente sacerdotes da divindade principal do lugar.

Os Nomos estavam agrupados em dois estados, as duas terras ou duas casas, do Alto
e Baixo Egipto, que continuariam sempre como uma lembrança dos dois reinos antigos,
unidos no princípio da época Tinita. Esta dualidade estava representada na coroa do
rei e em muitas outras coisas: tudo fazia parte de uma ou de outra casa.

Para a administração do país existia o Vizir, o mais importante a seguir ao rei, desde as
dinastias tinitas até, pelo menos, à XVIII Dinastia. Competia-lhe o governo de todo o
Egipto e a administração da justiça. O vizir era o amigo do Egipto, uma personalidade
muito conceituada. Igualava os deuses em sabedoria. Um vizir que se destacou foi
Mentuhotep, na época do rei Sesóstis I na VII Dinastia, (séc. XX a.C.), do qual há
textos em que ele não cessa de se auto-elogiar.

O Nomos era como que um pequeno estado. Os governadores transmitiam ordens do


rei, dirigiam trabalhos públicos, superintendiam o trabalho dos escribas, a recolha de
impostos. Tinham a sua própria tesouraria e pessoal a vigiar as fronteiras.

*O EXÉRCITO

Não há muito conhecimento sobre o exército durante os Imperios Antigo e Médio,


embora se conheçam algumas actividades.

Foi a partir do Império Novo que o exército conheceu um lugar de destaque no Egipto,
pois apesar deste Império ser uma criação do exército, o Egipto não era um estado
militar.

Desde o início do Império Novo que o exército estava dividido em unidades de 40


homens, arqueiros ou lanceiros, comandados por oficiais. A partir da XVIII Dinastia
também havia carros de guerra puxados por cavalos, que não eram usados para ser
montados. O uso destes carros foi introduzido por influência da Ásia Menor (Hicsos).

Durante a XVIII Dinastia o exército tinha duas divisões, à qual se juntou uma terceira.
A partir da descrição da batalha de Cadesh sabemos que o exército de Ramsés II
possuía quatro divisões, conhecidas cada uma, pelo nome de um deus: Amon, Rê, Ptah
e Sutek (Set). Cada divisão tinha 5000 homens repartidos por 20 companhias de
250 combatentes. Cada companhia tinha 5 secções de 50 soldados cada. A
hierarquia militar compunha-se de generais e oficiais. Os comandantes formavam o
corpo dos oficiais. Havia generais da divisão e outros que tinham o título honorífico. O
comando geral pertencia a um general com honras de lugar-tenente do rei embora
o comandante supremo fosse o rei. Alguns faraós desempenharam pessoalmente esse
papel como: Amósis, Tutmósis I, Tutmósis III, Amenófis II, Seti I e Ramsés II.

3
ALDA ANASTÁCIO
Também havia os mercenários. No Império Novo, alguns deles tinham sido o inimigo,
como aconteceu com os que vinham dos povos do mar. alguns chegaram a postos de
chefia. No Império Novo a marinha também teve um lugar de destaque. Mernefta e
Ramsés III serviram-se da marinha para combater os povos do mar. Também havia a
marinha mercante destinada ao transporte pelo Nilo e pelo Mediterrâneo.

*A SOCIEDADE

1. A FAMÍLIA

A família egípcia assentava no casamento monogâmico. O homem tinha uma única


esposa legítima embora pudesse ter várias concubinas, incluindo servas. Podia ter tantas
quantas as que pudesse sustentar. As mulheres eram um sinal de ostentação e de
riqueza. O poder económico de um homem avaliava-se pelo número de mulheres que
tinha. No entanto, apenas a esposa era a dona legítima da casa.

As imagens dos textos que nos chegam falam-nos da harmonia familiar, com relações
de amor, ternura e intimidade.

No entanto, embora a monogamia fosse regra, principalmente na corte havia casos de


bigamia e poligamia. Ramsés II teve duas esposas reais: Nefertari(Neftera-Mernemut) e
Esse-Nofre, a mãe de Mernefta. Também desposou a filha do rei hitita após a conclusão
de um tratado de paz. Ramsés II teve mais de 150 filhos, dado o número de concubinas
que teve. Outros também casaram com mulheres estrangeiras como Tutmósis IV,
Amenófis III e Amenófis IV. Alguns faraós elevaram as suas esposas à condição de co-
regentes. Também existia o divórcio, mas não se conhecem as suas formalidades. A
mulher podia gerir os bens da família, além dos que trazia para o casamento. Os filhos
tinham direitos sobre os bens do casal. Assim, se um homem se divorciasse e voltasse a
casar só tinha direito a 1/3 dos bens, pois os outros 2/3 eram dos filhos. Também houve
casos em que o marido transferiu todos os bens para a esposa e vice-versa.

A fidelidade conjugal era proclamada como um valor a defender. Havia preconceito


contra as mulheres estrangeiras e os egípcios eram aconselhados a não se relacionar
com elas. Os filhos eram desejados para perpetuar a herança, o nome e para
prestarem o culto funerário aos pais.

2. O QUOTIDIANO

É nos monumentos aos mortos que está representada a vida terrena.O egípcio não
imaginava a morte diferente da vida e por isso retratou a vida do dia a dia nas paredes
dos túmulos. Por aí podemos avaliar como era a casa, as distracções preferidas, a
música e os instrumentos musicais, as vestes, os penteados, as jóias, o cultivo dos
campos, a criação dos animais, a caça, a pesca, os instrumentos de trabalho, etc. São

4
ALDA ANASTÁCIO
sobretudo cenas do campo dado que o egípcio era essencialmente um agricultor.
Aparecem retratadas as vindimas, a preparaçãodo vinho, a colheita dos cereais, a
preparação do pão, da cerveja, as cenas de caça e pesca.

Também há cenas da vida urbana, sobretudo na Alta Sociedade. Por isso sabe-se como
eram as recepções mundanas. No entanto não podemos esquecer o povo comum e o seu
trabalho: os camponeses, os operários especializados, os que tratavam dos animais, os
padeiros, os que fabricavam a cerveja, as mulheres que teciam nos teares, os que
trabalhavam para os mortos, os construtores dos túmulos, do mobiliário fúnebre, os
técnicos de mumificação, os médicos, os curandeiros, etc. O Egipto era um país de reis
e altos funcionários, mas também de trabalhadores.

Mesmo as classes mais humildes tinham um nível de vida razoável (camponeses e


operários). A maioria praticava a agricultura, que era a actividade de maior importância.
Também havia os que trabalhavam por conta de outrem, como os operários. Talvez
esses não tivessem uma vida tão fácil. Não há, no entanto, dados concretos. Sabe-se que
eram cumpridores, assíduos, e que os homens faltavam ao trabalho quando as mulheres
estavam menstruadas. Estes dados foram tirados dos túmulos do Vale dos Reis.

O trabalho da construção das pirâmides era duro certamente, mas não se sabe
concretamente se os seus trabalhadores eram forçados ou não. Heródoto achava que
sim. No entanto conhecem-se casos em que os reis deram provas de apreciar o trabalho
dos operários e que estes faziam tudo para lhes agradar. Ramsés II louva os artistas que
“sabem usar as mãos” e acumula de bens o inspector dos trabalhos, ao pagar-lhes em
prata e ouro.

No entanto conhece-se uma situação de conflito entre operário e patrão: houve uma
revolta dos trabalhadores que construíam a pirâmide de Ramsés III, como mostra
um papiro da XX Dinastia. Esta revolta conduziu a uma greve que será, possivelmente a
mais antiga de que há registo. Também ficaram conhecidos outros movimentos
reivindicativos entre os reinados de Ramsés III e de Ramsés XI.

Depois de Ramsés III começaram graves convulsões sociais caracterizadas pela


pilhagem e corrupção das necrópoles. A profanação dos túmulos, num país como o
Egipto, significava crise social e fome.

3. OS ESCRAVOS

Os escravos eram prisioneiros de guerra, aprisionados por mercadores, que, ao entrar no


Egipto, passavam à posse do rei. Normalmente eram de origem estrangeira e não há
conhecimento da sua existência antes do Império Médio, altura em que começavam a
entrar Núbios e Asiáticos. No Império Novo a escravatura já era uma realidade,
principalmente porque as campanhas militares na Ásia levaram ao Egipto grande
quantidade de prisioneiros. Serviram-se do seu trabalho, o palácio real, os templos e o
exército. De qualquer forma eram tratados com alguma humanidade: podiam arrendar

5
ALDA ANASTÁCIO
ou cultivar terra nas mesmas condições que qualquer outro egípcio. Conhecem-se
testamentos a designar escravos como herdeiros e houve escravos que casaram com
mulheres livres. A posição dos escravos podia ser temporária, tal como a daquele que se
entrega voluntariamente para servir alguém, a fim de garantir a subsistência e poder
preparar para os filhos uma vida melhor.

Para a libertação pensa-se que bastava uma declaração do dono perante testemunhas
para que o escravo se tornasse um “um homem livre na terra do faraó”.

RESUMO DAS IDEIAS PRINCIPAIS:

 O faraó intitulava-se filho de Rê;


 Nos Ensinamentos para o rei Merikaré, o faraó encontra-se definido como
protector dos humildes;
 Amenófis III fez erguer um templo a si próprio na Núbia;
 Os carros de guerra entraram no Egipto com os Hicsos;
 O Uraeus era uma insígnia em forma de serpente.

A família caracterizava-se:
 pelo carácter monogâmico apesar da existência de outras esposas e do
harém da família real;
 pelo casamento entre irmãos;
 pela defesa da fidelidade conjugal;
 pela existência de divórcio.

NÃO ESQUECER QUE:

 O faraó é deus;
 A monarquia egípcia é uma «teologia real»;
 Há um imaginário específico da pessoa do faraó;
 O Egipto estava dividido em 42 nomos;
 A administração do Egipto estava entregue aos príncipes dos nomos
e ao vizir;
 O Egipto só se militariza a partir do Império Novo;
 Para além da família real, dos sacerdotes e dos altos funcionários e
escribas, a sociedade repartia-se pelos camponeses, artesãos e
escravos.

A ECONOMIA

Não existe documentação suficiente que permita avaliar a economia em qualquer


civilização da Antiguidade Clássica. No entanto, através das escavações arqueológicas,
e a partir do estudo dos artefactos encontrados é possível chegar a algumas conclusões.

6
ALDA ANASTÁCIO
1. A Agricultura e a Pesca

A economia do Egipto assentava na agricultura.Mas de quem eram as terras? Já se sabe


que, teoricamente, o faraó era o proprietário de todo o solo. O palácio era um grande
estabelecimento económico para onde eram levados os produtos do país. Desta forma,
as necessidades da família real estavam sempre asseguradas, assim como as dos
funcionários, sempre em número crescente, e dos trabalhadores ao serviço do rei. A
maior parte da produção dos camponeses destinava-se aos celeiros reais. Este sistema
atingiu o seu ponto máximo no Império Antigo, aquando da construção das
pirâmides.

Era um sistema que exigia uma administração eficaz. A partir da IV Dinastia


verificaram-se abusos do funcionalismo que procurava servir os seus interesses e
ambições pessoais. O rei tinha que pagar favores e para isso doava propriedades. Temos
um bom exemplo: O príncipe de Nefermaet, filho de Seneferu, que tem representados
no seu túmulo 45 domínios.
Também funcionários houve que beneficiaram destas doações e outros que compraram
as suas propriedades.

A partir da IV Dinastia assiste-se portanto à tendência de privatização do solo. Na V


Dinastia já grandes templos se afirmavam proprietários de campos. A imunidade fiscal
aumentou o poder económico dos templos e também a sua influência política, pois
escapavam ao controlo da administração. É evidente que estas atitudes tiveram as sua
consequências: os faraós aos fazerem estas doações aos sacerdotes e príncipes para
pagar ou obter favores, perdiam margem de manobra política. A certa altura o faraó
tinha dificuldades económicas para responder às exigências da Administração Central.

A agricultura esteve sempre no centro da economia egípcia e o trabalho da terra


ocupava a maior parte da população. As margens do rio Nilo ou a KEMET (terra
negra) era excelente para a agricultura. Após as inundações, que destruíam os limites
dos campos, vinha um funcionário do faraó com os registos das propriedades e
delimitava-os novamente. A seguir os camponeses começavam na faina: lavravam as
terras com o arado puxado por bois, abriam canais para que a água chegasse às zonas
mais afastadas, levantavam-se diques quando necessário, lançavam-se as sementes à
terra. As sementes eram fornecidas aos camponeses pelos celeiros reais, uma vez que a
colheita retornava, em parte, para eles. Todos viviam para os campos: os homens para
os trabalhos mais pesados, as mulheres e crianças ceifavam as espigas e colhiam os
frutos. Depois da colheita, as espigas eram transportadas para a eira onde eram
debulhadas pelas patas dos bois. Quando a palha era separada do grão, este era
conduzido em barcos para os celeiros reais. Lá, um funcionário registava as quantidades
entregues. Mais tarde, o cereal era moído para se transformar em pão, o qual servia de
alimento a todos os egípcios.
Todas estas fases eram controladas e registadas por funcionários da Administração
conhecidos como “Olhos e ouvidos do rei” pois estavam em toda a parte.

7
ALDA ANASTÁCIO
Também existia a actividade piscatória com pesca do anzol e pesca com rede. O
produto da pesca era distribuído ao povo comum, ao contrário da carne, que era bastante
cara.

Além da agricultura e da pesca havia outras actividades: apicultura, padeiros,


fabricantes de cerveja, cultivadores de hortaliças, de tâmaras, figos, vinho, etc. Existia
uma grande diversidade de profissões.
A cerveja era a bebida do povo. O vinho era destinado às classes mais altas e era
entregue ao consumidor em grandes ânforas. Nas escavações têm sido encontradas
vasilhas destinadas ao vinho, tendo, por vezes, o nome do proprietário, do cultivador, da
propriedade de origem, o que revela a existência de controlo oficial sobre a produção e
distribuição do produto.

Era uma terra de abundância, com excedentes suficientes para permitir as suas grandes
construções.

2. O Subsolo e as Relações Comerciais

Como já dissemos o Egipto possuía grandes riquezas, umas produzidas no país, outras
que chegavam por via comercial ou pelas expedições militares.
Embora o cultivo da terra e a produção de gado estivessem na base da economia, o solo
do Egipto proporcionava outras riquezas: os granitos cor de rosa das pedreiras do
Assuão, o pórfiro e o alabastro das proximidades de Amarna, os basaltos da região de
Ciro, as pedras preciosas (a turquesa, a malaquite do Sinai, o quartzo, o feldspato verde,
a ágata, a ametista, a calcedónia dos desertos de Leste e Oeste). Na época ptolomaica
iniciou-se também a exploração de corais do mar vermelho.

Quanto à metalurgia, o Egipto não foi rico. Conservaram até mais tarde que qualquer
povo da antiguidade as indústrias líticas. Embora explorassem desde cedo o cobre do
Sinai, só mais tarde usaram a liga do cobre e estanho que conduz ao bronze. O
bronze foi introduzido apenas no Império Médio, mas só mais tarde foi divulgado. O
ferro foi trabalhado, mas de forma escassa na época baixa e apenas se popularizou na
época Helenista.
Outras riquezas provieram do exterior, quer através do comércio, das pilhagens ou das
guerras (o mais frequente). A Núbia foi uma grande produtora de ouro, que teve
uma importância primordial no Egipto. Quanto ao Líbano, sabe-se que recebeu rolos
de papiro, peles de animais, peças de linho e ouro e prata, em troca de madeira, nos
finais do Império Novo.

A diplomacia também era importante para a economia do país.

8
ALDA ANASTÁCIO
No entanto o Egipto nunca teria atingido a grandiosidade que lhe conhecemos se não
tivesse usado os seus recursos de uma forma inteligente. Quando falhava a organização
central, havia guerra civil e fome.

Havia um grande respeito pela vida. Os Egípcios deixavam vingar todas as crianças.

A alimentação chegava para os vivos e para os mortos. Para os egípcios o morto


continuava a viver em espírito enquanto o seu corpo durasse, daí a preocupação em
mumificar os mortos. E na morte também tinha necessidade de se alimentar e ter os
mesmos confortos que havia tido em vida. Daí a riqueza do espólio dos túmulos. Por
isso também os egípcios ansiavam tanto por filhos, para terem também quem cuidasse
deles na morte.

O comércio interno nunca foi abundante, ao contrário do comércio externo que


conheceu períodos prósperos nas épocas saíta e ptolomaica. O pagamento
normalmente era feito pela permuta de bens e só mais tarde os produtos comercializados
foram avaliados tendo como referência um padrão metálico.
Muitas das cenas que chegaram até nós mostram as trocas de produtos nos mercados de
rua: o camponês troca os seus produtos com os do artífice, escravos trocavam-se por
animais, etc. No entanto este sistema de troca não era prático quando se comerciava fora
do país. Por isso, desde o Império Antigo procuravam resolver este problema. O valor
abstracto das coisas foi relacionado com um padrão metálico: assim, um boi ou uma
ovelha, ou uma medida de trigo correspondiam a um determinado peso em cobre, prata
ou ouro. Criou-se assim um padrão pré-monetário. No entanto não foram os egípcios a
inventar o sistema monetário, mas foram aqueles que o racionalizaram no sistema
de pagamentos. A cunhagem da moeda apenas surgiria nos sécs. VIII –VII a.C.
O metal de referência usado pelos egípcios não foi sempre o mesmo: no Império
Antigo usou-se o ouro, sendo a unidade o SHAT (7,5grs). O múltiplo era o DEBEN
que valia 12 shats (90 grs.). Para calcular os submúltiplos usava-se o sistema
sexagesimal, o que sugere ligações remotas com a Mesopotâmia.

Mais tarde na XIX Dinastia já se encontra o sistema decimal, tipicamente egípcio.


Assim aparece o QITE que vale 1/10 do deben (10 grs.).

3. Sistema de Medidas

A partir do III Milénio era usado o côvado como medida de comprimento, que
media 525 mm. Os submúltiplos eram a mão e o dedo, que eram 1/7 e 1/28 do
côvado, respectivamente.

Os campos mediam-se com uma corda de nós de 100 côvados. A medida de


superfície 100×100 côvados era a RURE.

9
ALDA ANASTÁCIO
Para medir os cereais era usada uma medida de 4,8 Lts. A partir desta medida
usavam-se outras unidades: uma medida dupla(9,6 lts.), o quádruplo(19,2 litros).
Havia ainda o saco de 76 lts. E uma outra que correspondia a 0,96 lts.

Para os líquidos, a base de medidas correspondia a 0,48 lts.

4. A Circulação de Pessoas e Bens: As Vias

A grande via de circulação de pessoas e bens era o rio Nilo e os seus canais. Viajar era
igual a subir o rio ou descer o rio Nilo .
Por terra usava-se o burro como meio de locomoção. O cavalo só foi divulgado no
Egipto pelos Hicsos, espalhando-se então o seu uso pela região siro-palestinense e pela
Anatólia. No Egipto o cavalo só era usado para puxar o carro. É a partir da XVIII
Dinastia que os cavalos são representados a puxar carros. A função de condutor de
carros era tão importante que por vezes era desempenhada por príncipes.
O Egipto tinha uma via que o percorria de Sul a Norte, e essa via era o rio Nilo,
navegável em toda a extensão do país. Tinha ainda uma rede de canais importantes para
a fertilidade dos campos e também para as comunicações. Havia uma grande variedade
de barcos, desde os usados para a pesca, até aos navios largos para transporte de
obeliscos, os rápidos de remos ou velas, até outros bem equipados para a guerra. Por
vezes estes tinham nomes expressivos, como Touro Selvagem.
Quanto às dimensões, havia desde a canoa pequena até navios com 50 mts. de
comprimento. A Pedra de Palermo da III Dinastia, mostra-nos um destes. Perto da
pirâmide de Khéops foi encontrado um barco com 30 mts. de comprimento, enterrado
numa fossa rectangular, para que o faraó o usasse nas suas viagens post mortem.

A expedição da rainha Hatshepsut ao Mar Vermelho e ao Oceano Índico está retratada,


mostrando-nos como os barcos estavam bem equipados.

No Império Novo, pela ostentação e riqueza destes, pode-se concluir que os barcos
também eram um símbolo de poder e riqueza.

A navegação também teve fins recreativos. Havia uma marinha de guerra e uma
marinha mercante. O navio de alto mar recebeu o nome de Biblos, que os egípcios
pronunciavam Gubliê.

RESUMO DAS IDEIAS PRINCIPAIS:

Quanto à teologia:

 O faraó era deus (Horus, filho de Rê);

 Identificava-se com a globalidade do território, sendo o senhor do Alto e do


Baixo Egipto;

10
ALDA ANASTÁCIO
 A sociedade e a economia principiavam e terminavam nele.

Quanto à administração:

 “Os olhos e os ouvidos do rei” eram funcionários da administração real que


vigiavam e informavam o faraó sobre a produção agrícola do Egipto.

E ainda que:

 O faraó centralizava e dirigia toda a produção do Egipto;

 Após a inundação das terras pelo Nilo, os funcionários do cadastro das


propriedades tornavam a marcar os limites dos campos;

 O Egipto possuía um subsolo pobre em metais;

 O Egipto não conheceu a moeda, mas usou no comércio externo


instrumentos pré-monetários;

 Os templos egípcios lavraram lingotes metálicos para os pagamentos;

 A partir da IV Dinastia surge a propriedade privada;

 O Egipto não possuía uma rede viária terrestre, apenas o Nilo era o seu
grande meio de circulação.

NÃO ESQUECER QUE:

 O faraó era o senhor de todo o Egipto;

 A partir da IV Dinastia verificou-se a tendência para a privatização do


solo;

 O palácio real e os templos tinham uma função económica e política;

 A agricultura foi sempre a base da economia egípcia. Ocupando-se dela


a maioria da população;

 A pesca, a exploração do solo e as relações comerciais com o exterior,


foram igualmente importantes para a economia do Egipto;

 Toda a economia estava centralizada nas mãos do faraó, que a dirigia;

 A produção dirigia-se aos vivos, mas também aos mortos;

 A circulação interna de produtos tinha por base a permuta, enquanto


que o comércio externo usava o lingote metálico como meio de
pagamento;

 O Nilo e os seus canais foram a grande via de circulação interna.


11
ALDA ANASTÁCIO
2. A RELIGIÃO EGÍPCIA

A antiga religião egípcia é declaradamente politeísta, apesar do episódio isolado de


Akhenaton, no Império Novo, que quis impor somente a adoração de Aton.

Cada localidade tinha os seus próprios deuses que já vinham da pré-história.

À medida que o país se unificou, o culto dos deuses foi também ganhando alguma
coesão. Assim, quando um nomo estendia o seu domínio a outros, estendia também a
influência dos seus deuses, que eram bem aceites, a somar aos já existentes. Este
processo de assimilação perdurou durante toda a história do Egipto. Este fenómeno era
evidente quando uma família ocupava o trono. O deus da cidade de onde provinha esta
família tornava-se o mais importante. É assim que se percebe como o prestígio do deus
Solar se estendeu a todo o Egipto. Quase todos os deuses passaram a assimilar-se a
Rê. Osíris, originário do Delta, também estendeu a sua fama a todo o país. No Império
Novo, Amon, o deus de Tebas, implantou-se em todo o Egipto, identificando-se com o
deus Rê. Era conhecido como Amon-Rê.

As fontes para o estudo da religião são excessivas. Mas à abundância não corresponde a
qualidade da informação. Não há obras de teólogos ou pensadores egípcios conhecidos
que nos fizessem chegar as suas crenças de uma forma coerente e lógica. Apenas três
obras clássicas chegaram até nós:

 O Livro das Pirâmides – é uma compilação de gravuras sobre os muros dos


corredores e das câmaras sepulcrais das pequenas pirâmides de Sakara, que
contém textos litúrgicos sobre o destino do rei no outro mundo. O primeiro
registo é o da Pirâmide de Unas, o último rei da V Dinastia.

 O Livro dos Sarcófagos – é do Império Médio e é uma recolha de textos


escritos em caracteres hieroglíficos no interior dos sarcófagos de madeira. O
objectivo deste livro era responder às necessidades do defunto no outro mundo e
afastá-lo dos perigos.

 O Livro dos Mortos – é do Império Novo. Eram textos funerários em rolos de


papiro que se encerravam nas múmias.

1. Princípios Básicos

O que no nosso conceito caracteriza uma religião, é o conjunto de crenças que têm por
base uma divindade, bem como a moral daí resultante e o culto que se presta a Deus. A
moral e o culto estão assim ligados à crença que se exprime num credo ou símbolo da
fé.

No Egipto, o que torna a religião coesa e a caracteriza, não é a moral nem a crença, mas
sim o culto. O fundamental é adorar os deuses, enquanto legítimos possuidores do solo
egípcio. O culto dirige-se normalmente ao deus local, senhor do nomo, e após a

12
ALDA ANASTÁCIO
unificação dirige-se também para o senhor de todo o país. Quem regula o culto é o rei. É
o rei que tem de se assegurar através dos seus funcionários que o culto dos deuses se
mantém. O culto tinha que estar assegurado em todo o país. Era uma forma de
unificação. Não era possível unificar o dogma, mas era possível unificar o culto.

2. Duas Sínteses Teológicas

Segundo o Livro das Pirâmides, a teologia egípcia da época (II milénio),era apresentada
em duas sínteses principais:

• A síntese Solar com origem em Heliópolis que tinha como deus


supremo Rê;

• A síntese Osiriana que dispunha dos mesmos elementos mas de maneira


diferente.

Em ambos os casos o agrupamento dos deuses fazia-se por famílias segundo o esquema:
pai-mãe-filho, ou seja, as tríades.

Heliópolis era a sede principal do deus Sol, onde floresceu a famosa escola de
Heliópolis. O culto do deus Sol estendeu-se a todo o país como já se viu, a partir da
unificação. O ritual litúrgico celebrado em Heliópolis foi seguido por outros templos
egípcios.

O Sol era representado com forma humana, colocando-lhe na cabeça a coroa dupla que
era usada pelo faraó, uma combinação da coroa vermelha do Baixo Egipto e da coroa
branca, do Alto Egipto. Com esta forma chamava-lhe ATUM. Também era
representado sob a forma de escaravelho, e sob esta forma chamava-se KÊPRA.

Para compreendermos porque era usado um escaravelho, temos, primeiramente, que


compreender o ciclo da vida de um esscaravelho:

• O escaravelho alimenta-se de um pequenino grão de esterco que revolve e


enterra num buraco onde o devora. O escaravelho fêmea põe também o ovo
num grãozinho de esterco que enterra no chão até à época do choco. Mais
tarde sai desse grãozinho um insecto vivo, aparentemente auto-concebido.
O Sol também rola no céu como uma esfera acima das nuvens e aí aparece
todos os dias. Tal como o escaravelho, o Sol parece auto-concebido.

Mas a forma mais frequente de representação do deus Sol era um homem com cabeça
de falcão com um disco solar sobre a cabeça e uma cobra, conhecida por URAEUS.
Sob esta forma era conhecido por RÊ.

A cabeça de falcão identificava-o com Horus, mas não Horus, filho de Osíris.
Acreditavam que durante a sua viagem, Rê ou o Sol, envelhecia. Assim, ao nascer do

13
ALDA ANASTÁCIO
Sol, Rê era ainda uma criança, ao meio-dia estava na pujança da vida, e depois ia
envelhecendo, de forma que no entardecer era um velho a cambalear.

A Escola de Heliópolis idealizava a origem do deus Sol, do seguinte modo:

• Antes de existirem os deuses e os homens, antes de ser criada a terra e os


céus, havia uma massa aquosa e uniforme chamada “NUN”. Nessa massa é
que existia o deus Sol, como se afirma no Livro dos Mortos “ Sou Atum
quando ele estava em Nun, sou Rê quando ele despontou, quando começou a
governar o que havia sido criado.” O deus Sol gerou duas divindades
cuspindo-as da boca:

- o deus Shu → a personificação do ar

- a deusa Tefnut → a personificação do orvalho

Surgiu assim a primeira Triáde original:

- o deus Sol (Rê, Atum e Kêpra)

- o deus Shu

- a deusa Tefnut

O deus Shu e a deusa Tefnut uniram-se e nasceu Geb (o deus Terra) e Nut (a deusa
do céu). Geb e Nut uniram-se também e geraram Osíris e a sua esposa Ísis, bem
como Set e a sua esposa Néftis.

Temos assim a Éneade ou a Grande Novena como a mais importante família de deuses
do Egipto. Mas a imaginação não se fica por aqui. Assim Nut e Geb envolveram-se num
conflito com luta física, o que levou Shu a intervir. Separou-os à força e empurrou Nut
para o alto e ficou a ser o céu, ficando Geb prostrado por baixo de Nut. Por isso os
egípcio representavam o céu como uma deusa colossal com o corpo dobrado sobre o
mundo, tendo a cabeça para Oeste e as coxas para Leste.

Com o tempo os egípcios também atribuíram a estes deuses características de criadores


do Universo, como no caso do deus Ptah de Mênfis. Há inclusivamente uma estela
gravada que representa Ptah como criador do próprio deus Sol e outros (estela nº 498 do
Museu Britânico).

• A Escola de Hermópolis → em vez de apresentar uma Éneade, a novena dos


deuses primitivos, apresenta a Óctoade ou oito deuses, mas de uma forma
diferente. Estes deuses em vez de sair do Sol, precederam-no. Tot era o deus
local de Hermópolis do qual nasceria o próprio Rê. Nasceram de Tot os
casais primitivos que tinha os nomes de:

- Noite, Trevas, Mistério e Eternidade.

14
ALDA ANASTÁCIO
Refugiados numa colina que emergia do Abismo, estes casais primitivos criaram
um ovo de onde saiu o Sol. Foi o Sol que após ter vencido os inimigos, criou e deu
forma ao mundo.

A Escola de Hermópolis em vez de subordinar tudo a Rê, criou uma síntese onde tudo
ficava subordinado a Osíris, Ísis e Horus.

Osíris → era o deus da vegetação

Ísis → era uma deusa do céu

Hórus → era um deus falcão

Neste sistema, Néftis, esposa de Set, que era inimigo de Osíris, manteve-se sempre
aliada a este último.

Outros santuários menos importantes também se desenvolveram imitando Hermópolis


ou Heliópolis, ou misturando os elementos de ambas as escolas. Qualquer uma das
escolas lutava para se impor. Foi dentro deste contexto que Mênfis nos princípios do
império, elevou o seu deus à categoria de deus supremo (Ptah), chegando este a exercer
funções criativas, quer sob as ordens do deus Sol, quer pelo seu próprio poder.

Com o tempo, além dos templos o povo também ia criando lendas a respeito dos deuses.
A que se tornou mais popular por chegar até nós foi a lenda de Osíris:

Relata-se que, sendo Osíris filho de Geb, o deus Terra, e de Nut, a deusa do céu,
era herdeiro de todo o Universo. Quando tomou parte na herança governou o
mundo com sabedoria e paciência. O seu irmão, Set, tinha um temperamento
diferente e acabou por matá-lo atirando o cadáver ao mar.Alguns defendem que
esquartejou o cadáver, dispersando-o. Intervieram as suas irmãs, Ísis e Néftis.
Conseguiram reanimá-lo e, uma vez recuperado, gerou o seu filho no ventre de
Ísis. Ísis, grávida, fugiu para longe do alcance de Set e deu à luz Horus. Este,
quando adulto, atacou Set e tirou-lhe um olho que ofereceu ao pai, Osíris. Mais
tarde, Horus sucedeu a seu pai no governo do Egipto.

Concluindo: todos estes Deuses antes de subirem ao céu viveram em forma humana na
terra. Por isso as listas reais começavam por eles e o papiro de Turim indica o número
de anos que cada um reinou. O último destes deuses, Osíris, deixou a realeza a seu filho,
Horus. Daí por diante todos os reis do Egipto eram seus descendentes.

Os direitos do rei tinham fundamento na sua origem divina que era transmitida pelo
sangue. Era nesta base que se fundamentava a teologia da realeza egípcia. O faraó era
de sangue divino por nascimento e depois da entronização tornava-se uma réplica do
próprio Horus.

15
ALDA ANASTÁCIO
3. O Faraó, Descendente de Hórus e do Sol

Como é que o faraó descendente de Hórus, passou a ser também considerado uma
encarnação terrestre do deus Sol Rê? Pois além de ser filho de Hórus ele intitulava-se
também filho de Rê. A Escola de Heliópolis na V Dinastia desenvolveu o conceito de
Hórus que passou a ser também considerado o próprio Sol. Logo, o faraó era filho
de Rê e assim que morria ia juntar-se a seu pai, o Sol, fundindo-se assim com aquele
que o tinha criado.

Mesmo quando outros deuses se impuseram, como no caso de Amon, originário de


Tebas, foi necessário associá-lo ao Sol para que fosse aceite como deus nacional. Assim
tornou-se Amon-Rê e divulgou-se a doutrina de que Amon-Rê, o deus Sol, era o pai
natural de todos os faraós.

Durante o Império Novo o faraó usava o título de Hórus, filho de Rê ou de Amon-


Rê.

Os títulos também sofreram alterações com a situação política. Assim:

No Império Antigo → Grande Deus

No Império Médio → Bom Deus

No Império Novo → Filho de Amon-Rê, ou vigário, aquele que faz as vezes do


deus.

A via da sucessão nem sempre se processava com normalidade. Por isso o pretexto da
origem divina baseada na vontade de deus era muito invocado. Servem de exemplo as
situações de conspiração, de assassinato do faraó, etc. Tudo acontecia por vontade
divina. Qualquer que fosse a origem do faraó, ele acabava sempre por ser de origem
divina.

4. Os Animais Sagrados

Pensa-se que nos tempos mais antigos cada nomo teria o seu próprio animal para adorar.
Mas foi durante o Império Novo que a adoração de animais se instituiu, o que
contribuiu para o declínio da religião egípcia. Esta, foi, curiosamente, a época em que
mais se fez sentir o zelo do faraó pelo culto dos deuses e a preocupação em fazer chegar
as dádivas aos templos. A par desta situação viu-se florescer por todo o país o culto a
animais sagrados: gatos, cães, crocodilos, cobras, falcões, insectos.

Já na época de declínio mais acentuado este tipo de crença não escapou à ironia mordaz
do poeta Juvenal: “Ó povos santos, para quem nascem estes deuses nos seus quintais.”

O culto dos animais apenas se dirigia a um único indivíduo da espécie, escolhido por ter
marcas especiais determinadas pela tradição e pelos rituais. O animal era entronizado no
interior do recinto sagrado embora ficasse fora do templo, dentro de uma jaula. Era aí
16
ALDA ANASTÁCIO
que faziam as oferendas. Quando morria realizavam-se os funerais com grande pompa
e cumpria-se o luto durante um determinado período de tempo e depois procurava-se
um animal com as marcas especiais que o substituísse.

Por exemplo, o boi Ápis era considerado uma encarnação de Ptah em Mênfis e as
sua características especiais eram:

- tinha que nascer de uma vaca que daí em diante nunca mais fosse capaz de conceber.
Os Egípcios defendiam que um raio caído do céu tinha concebido o boi Ápis no ventre
da vaca. Este touro devia, por sua vez, ter as seguintes características: negro, com um
triângulo branco sobre a fronte, a figura de uma águia no dorso, os pelos da cauda
duplos e um escaravelho desenhado sob a língua.

Mas outros animais eram objecto de igual adoração:

-Mnévis, encarnação do Sol em Heliópolis;

- Búkis, encarnação de Montu em Hermópolis

- O carneiro de Amon, em Tebas

- O carneiro de Khnum em Elefantina

- O carneiro de Osíris em Busíris

- O crocodilo de Sobek, em Faium

- A gata de Bastet em Bubastis

Embora este culto ocupasse um lugar secundário na religião nacional, tornou-se muito
popular entre o povo.

5. O Culto dos Deuses

O ritual mais vulgar nos templos dirigia-se à pessoa do Deus: fazia-se-lhe a toilette,
vestia-se, perfumava-se e dava-se-lhe alimento, à estátua, claro. Eram-lhe oferecidas
iguarias servidas em pratos por determinada ordem. Sobre estas oferendas o sacerdote
pronunciava fórmulas rituais para que a substância passasse para o mundo invisível e
fosse do agrado do deus. Depois a comida era levada por partes para a frente das
estátuas dos particulares admitidos nos templos, para que estes tomassem parte nas
oferendas. Depois também era dada aos privilegiados que o rei tinha dotado com uma
renda alimentar do templo.

Estas cerimónias realizavam-se três vezes ao dia, longe dos olhares da multidão. Mas
havia festas em que o ídolo era mostrado ao povo, embora coberto com um véu, sendo
levado em procissão aos ombros dos sacerdotes na sua barca sagrada. O cortejo parava

17
ALDA ANASTÁCIO
em frente dos templos para aceitar oferendas. Durante o percurso era entoada música e
cantavam coros com o aplauso das multidões.

5. O Culto dos Mortos

Devido à crença da vida para além da morte e da forma como esta se processava, os
egípcios tinham um grande cuidado com os mortos. Para os egípcios a morte era a
separação do elemento corporal dos elementos espirituais, o Ba e o Ka. Não se sabe
com exactidão qual é um e outro, mas acredita-se que Ba seria a alma enquanto que Ka
seria uma espécie de reflexo imaterial do corpo.

Segundo Ranke, o Ka seria como um ser imaterial residente no homem e ao qual


conferia durante a sua vida, protecção, vida, felicidade, saúde e alegria.

No entanto, a alma, mesmo separada do corpo, continuava a precisar dele para subsistir.
Se o corpo desaparecesse, a alma também pereceria. Esta crença post mortem regulava
toda a vida dos egípcios, influenciando a sociedade e a economia. No aspecto religioso,
nenhuma outra civilização se compara à egípcia. Daí o cuidado com as práticas de
mumificação. Mas estas também variavam consoante a condição social do morto. A
técnica de embalsamamento tornou-se também uma arte. De início os cadáveres,
envoltos em peles, eram colocados nos desertos para que a secura os conservasse.
Depois foram-se desenvolvendo técnicas, até que as melhores técnicas de
embalsamamento chegaram no Império Novo. São dessa época os cadáveres mais
bem conservados que chegaram até nós. Vejamos as técnicas:

- Se o indivíduo fosse rico, o cérebro era-lhe extraído pelas narinas com um ferro curvo
e também com a ajuda de drogas que lhe eram introduzidas nas narinas. Depois abriam-
lhe o ventre e retiravam os intestinos que limpavam e purificavam com vinho de
tamareira, e purificavam novamente com aromas triturados. Enchiam o ventre de mirra
pura moída, de canela e de outros aromas, à excepção de incenso e coziam de novo.
Depois salgavam o corpo por setenta dias, ao fim dos quais o lavavam, ligavam com
faixas de linho fino com uma camada de cola e entregavam o corpo à família. Esta
mandava fazer uma caixa de madeira com forma humana, depositando lá o morto
(sarcófago), e guardavam-no de pé, dentro de uma câmara funerária.

- Se o indivíduo tivesse recursos mais modestos enchiam uma seringa de líquidos


gordurosos cujo conteúdo era introduzido por baixo, no ventre do morto, tendo o
cuidado de não o deixar sair. Colocavam-no em sal durante 70 dias, no fim dos quais
faziam sair o óleo gorduroso , que saía com tal força que arrastava consigo todas as
entranhas do morto. A carne era dissolvida por carbonato de sódio natural, nada
restando senão pele e osso. Seguidamente o corpo era entregue à família sem mais
cuidados.

- Se o morto fosse pobre purificavam-lhe os intestinos com sirmária (um desinfectante)


e punha-se no sal 70 dias, ao fim dos quais o corpo era entregue à família.

18
ALDA ANASTÁCIO
A protecção mágica também não era descurada: não faltavam amuletos e o traçado de
linhas e simbologias sobre o próprio cadáver. Nunca deveria faltar o escaravelho sobre o
peito com uma fórmula que encorajava o coração do morto a não testemunhar contra o
seu senhor no tribunal de Osíris.

O caixão da múmia era habitualmente decorado com fórmulas mágicas. As vísceras


eram colocadas em vasos chamados Canopos ou Canopiais. A partir do Império Novo
estes vasos eram de alabastro, representando a tampa um dos 4 filhos de Hórus : cabeça
humana, cabeça de babuíno, cabeça de chacal e cabeça de falcão.

O funeral era feito com pompa, não faltando as Carpideiras, mulheres cuja profissão
era chorar. Antes do caixão ser colocado no túmulo procedia-se à cerimónia da
“abertura da boca”, que consistia em entregar ao defunto o uso dos órgãos do seu
corpo.

Após a morte, o morto tinha que passar pela “Grande Sala da Justiça”, onde, ao lado
de Osíris se encontravam 42 figuras de génios com cabeças de serpente, de falcão, de
vampiro, de carneiro, tendo cada uma delas na mão uma faca. O morto tinha de
confessar a sua inocência perante estas 42 figuras.

Se a balança sobre a qual estava o coração testemunhava que não tinha pecado, então
Thot, o escriba dos deuses escrevia a sentença dada pelo tribunal divino. A partir daí,
Hórus levava o morto pela mão até junto do seu pai, Osíris, tal como na terra um
príncipe apresenta ao rei um homem de mérito.

Mas, se se lhe reconhecesse mentira, a alma era lançada aos suplícios até ser aniquilada.
Mas o justo recebia o direito de entrar nos domínios da felicidade.

O lugar onde eram felizes após a morte, variou conforme as épocas. Para os habitantes
do Delta era uma ilha xom o nome de Campos Elísios, onde a Primavera era eterna. A
partir da V Dinastia as almas eram transportadas para junto do Sol, e era-lhes
assegurado um destino imortal. Este destino, inicialmente apenas privilégio do faraó,
foi-se estendendo sucessivamente à família real, aos funcionários, e, por fim, todo o
povo.

Por causa da ideia que o morto tinha que se alimentar, instituiu-se o serviço de
oferendas ao morto. De início era custeado por fundações reais, o que era um privilégio
para aqueles que podiam ser sepultados na necrópole do rei. Mas com o
empobrecimento da monarquia, a partir da VI Dinastia, era impossível ao tesouro real
sustentar esta despesa. Apelou-se então à generosidade privada e recorreu-se a fórmulas
mágicas para substituir a alimentação. A partir do Império Médio, esta tornou-se a
forma normal de alimentar o morto.

Como se idealizavam as actividades no outro mundo, colocava-se no túmulo estatuetas


de servos e camponeses, acreditando-se que eles se transformavam em pessoas reais
para servir o defunto. Estas estatuetas ficaram conhecidas por shawabtis e não surgiram
antes da XI Dinastia. Primeiro eram de cera, e depois passaram a pedra ou madeira.

19
ALDA ANASTÁCIO
A magia e a religião associavam-se em harmonia.

RESUMO DAS IDEIAS PRINCIPAIS

 Néftis está associada a Set;

 O boi sagrado de Mênfis chamava-se Ápis e era considerado a encarnação


de Ptah;

 Osíris era o deus da vegetação;

 Ptah era deus de Mênfis;

 O escaravelho Kêpra era uma das formas de representação do deus Sol;

 Akhenaton tentou promover o monoteísmo com a adoração de Aton;

 O faraó era descendente físico de Hórus;

 O Livro das Pirâmides é uma compilação de gravuras encontradas nas


paredes e corredores das pequenas pirâmides de Sakara;

 Rê era uma das representações do deus Sol, com cabeça de falcão;

 A Escola de Hermópolis promovia a síntese de Osíris.

Os egípcios acreditavam na vida além morte, que no entanto requeria a


conservação do corpo terreno para que o espírito também pudesse subsistir. Por
isso aperfeiçoaram-se as práticas de mumificação. Como acreditavam que o morto
na vida além tumulis continuava a ter as mesmas necessidades, depunham
alimentos no túmulo e figuras de servos (shawabtis) que acreditavam que o iriam
servir. Acreditavam que após a morte o morto era levado perante o tribunal de
Osíris para se declarar inocente de culpa (confissão negativa).

NÃO ESQUECER QUE:

 A religião egípcia era politeísta;

 As três principais fontes para o estudo da religião egípcia são:O Livro das
Pirâmides, O Livro dos Sarcófagos e o Livro dos Mortos;

 O culto era o cerne da religião;

 O Faraó era o regulador desse culto;

 Existiam duas sínteses teológicas: a de Rê, o deus Sol e a de Osíris;

 As sínteses teológicas constituíam famílias de deuses;


20
ALDA ANASTÁCIO
 Na religião tinha origem a teologia da realeza, sendo o faraó descendente de
Hórus, filho de Osíris;

 A partir da V Dinastia, o faraó começou também a intitular-se “Filho de


Rê”;

 Com os faraós do Império Novo, cresceu o prestígio do deus Amon que se


viria a identificar com Rê, tornando-se Amon-Rê;

 No Egipto houve, desde tempos remotos, o culto dos animais sagrados, mas
a sua vulgarização ocorreu durante o Império Novo;

 O culto dos deuses obedecia a rituais litúrgicos;

 O culto dos mortos estava intimamente ligado à crença na vida eterna.

3. A CULTURA

1. O ESCRIBA

Quem queria aprender a profissão de escriba tinha de ir para a escola ainda criança, pois
era uma aprendizagem lenta e trabalhosa. Tinha que ser reconhecido que a criança tinha
jeito para a escrita, pois de outra forma seria difícil adaptar-se.

Duauf, do Império Médio, deixou-nos uma obra com o nome “Sátira dos Ofícios”
onde conta como acompanhou o seu filho Pepi à escola dos escribas que estava ligada à
corte, dando-lhe conselhos sobre a importância do saber ler, de se tornar sábio. O sábio
do Egipto e da Antiguidade pré-clássica é aquele que possui cultura e ama a sabedoria
que não cessa de cultivar e que não é mais que filosofia, a observação das realidades,
conhecimento experimental, levando tudo isto à prática das virtudes humanas para
triunfar na vida. O objectivo da cultura é adquirir um estatuto social superior. Na Sátira
dos Ofícios ele exalta sobretudo a profissão de escriba. Toda a obra se orienta para esta
conclusão: “faz-te escriba”. O escriba está presente para desempenhar funções
importantes. Quando o rei precisa de um embaixador, escolhe um escriba. Qualquer pai
se sentia feliz ao orientar o filho para esta profissão.

De início estava ligada à corte, mas alguns templos também possuíam escolas. Com o
tempo outras escolas surgiram ligadas aos serviços centrais da administração. A partir,
sobretudo do Império Novo, surgiram escolas para formar os seus quadros. No entanto
os seus formados podiam ser colocados noutros sítios após terminar os estudos, para
desempenhar funções.

Alguns templos tiveram também Casas de Vida onde se formavam médicos. Após o
curso de escriba alguns prosseguiam os estudos nas Casas de Vida, onde podiam
estudar, além da medicina, astronomia e cálculo.
21
ALDA ANASTÁCIO
A disciplina era rigorosa: dormiam pouco, refeições leves e castigos corporais. A
primeira parte do dia era dedicada ao ensino, tendo o aluno como alimento pão e
cerveja. O castigo físico era considerado fundamental, pois o adolescente ouve com os
ouvidos e também com o corpo quando se lhe bate.

Para escrever eram usados juncos afiados na extremidade. Como estes se gastavam com
o uso, o escriba usava sempre dois de reserva, seguros atrás da orelha. Ao princípio o
estudante escrevia sobre tabuinhas de madeira cobertas com uma espécie de cera onde
traçava linhas. Se se enganasse podia apagar e voltar a escrever. Quando o estudante já
estava mais adiantado utilizava então o papiro. A tabuinha ou o papiro, quando usados,
assentavam sobre uma paleta assente sobre as pernas cruzadas do estudante, sentado no
chão. Não podia faltar a tinta negra para o texto, nem a vermelha para o título. Também
tinha a seu lado uma pequena vasilha com água para diluir as tintas ou ajudar a apagar
alguma coisa, se necessário.

São conhecidas várias paletas do Império Médio e ainda mais do Império Novo, de
madeira, rectangulares, e por vezes com uma ranhura a servir de estojo.

O ensino começava pela escrita que era complicada, como se sabe. Era figurativa,
correspondendo uma imagem a uma palavra. Um homem desenhado significava um
homem real, de pernas abertas era porque caminhava. Os caracteres hieroglíficos na
civilização egípcia permaneceram sempre como imagens. Quanto mais antiga é a
escrita, mais a imagem se aproxima do significado pretendido.

O termo Hieróglifo deriva do grego HIEROS (Sagrado) e GLYPHEIN (Esculpir),


em grego chamava-se HIEROGLYPHICA GRAMMATA ou: “Letras Sagradas
Esculpidas”. Este termo está em concordância com o que os gregos pensavam da sua
escrita que era Medu-Netjer (fala dos deuses).

A escrita foi-se transformando numa escrita cursiva, escrita hierática (sacerdotal), usada
sobre cerâmica e papiro. Surgiu também a Escrita Demótica, ou seja do povo, de
forma cursiva, corrente. Generalizou-se a partir do séc. X a.C, depois do Império Novo.
Foi usada principalmente pela Administração, reservando-se a hierática para textos
religiosos.

O estudante não aprendia apenas a escrever. Eram-lhe transmitidos conceitos e


ensinamentos dos sábios pelas máximas sapienciais que os ajudariam na vida.

2. A Literatura

Nas escolas dos escribas foram preparados os escritores da época. Nem sempre os textos
escritos entram na categoria de obras literárias, como se sabe. Portanto, vai-se fazer
referência apenas aos escritos em que é manifesta a preocupação de escrever com bom
gosto literário, usando bom estilo. Estes escritos eram apreciados dizendo-se que
ficavam imortais como os deuses, sobretudo se eram obras de ensinamento. O autor do

22
ALDA ANASTÁCIO
“ Cântico do Harpista” recorda famosos autores do passado, pois os corpos humanos
podem desaparecer, mas os livros perpetuam o nome dos seus autores. Diz também que
alguns autores podem não ter deixado filhos para perpetuar o seu nome, mas deixaram
os livros, à maneira de herdeiros, que perpetuam os seus ensinamentos.

Havia pois um grande apreço pelos escritores que se imortalizavam pelo seu legado,
fazendo-nos assim perceber que os escritores usavam o seu nome nas obras que
escreviam. No entanto, habitualmente as obras eram anónimas em certos géneros
literários. Isto também se explica porque muitas vezes quem escrevia um conto
reproduzia algo que já era transmitido oralmente e era, portanto, um património de
todos. Aqueles que escreviam registos de carácter administrativo ou gravavam
inscrições ao serviço da corte, também não assinavam. Mas isto não acontecia quando
se escrevia ensinamentos sapienciais. Esses escritores assinavam e deixavam o seu
nome imortalizado.

Vamo-nos agora debruçar sobre as obras literárias mais relevantes nas diversas épocas:

IMPÉRIO ANTIGO

Os primeiros textos literários vêm-nos já desde os princípios do III milénio. Nessa


época a literatura é essencialmente “um anexo da religião, derivando dela e servindo-
a”, segundo A. Aymard. Isto não significa que todos os textos religiosos sejam obras da
literatura como os “Textos das Pirâmides”, que, embora não sendo por si só um género
literário, contém algumas passagens de elevado nível literário.

Como exemplo temos a Teologia Menfita do início do Império Antigo, com a


imaginativa descrição da Génese do Mundo:

• De início o mundo tinha uma forma líquida e vivia mergulhado nas trevas.
Depois o deus criador Atum projectou a vida no Universo. Organizou os
fenómenos físicos e concebeu criaturas.

De acordo com esta teologia o coração gera os conceitos e a língua anuncia o


pensamento. As ordens divinas realizaram-se porque o coração pensou e a língua
ordenou.

Nos Textos da Pirâmides, que são colecções de textos encontrados gravados nas
câmaras subterrâneas da pirâmide de Unas e em vários túmulos de reis da VI Dinastia,
há hinos ou evocações de mortos dotados de grande lirismo. Os autores destes versos
usavam muitas vezes a técnica de paralelismo que é uma das características da poesia
de todo o Médio Oriente Antigo: consistia em retomar a ideia de um verso no
seguinte sob a forma de sinónimo, antítese, ou sob a forma progressiva.

Dentro da literatura religiosa há também os hinos de louvor aos deuses e diálogos


mitológicos. São originários do Império Antigo e permitem-nos conhecer um pouco a
realidade religiosa da época.

23
ALDA ANASTÁCIO
Há também a literatura sapiencial: reflecte a experiência da vida adquirida ao longo de
séculos e transmitida de pais para filhos como legado das gerações mais velhas às mais
novas. O exemplo mais antigo desta literatura é o Ensinamento de Kagemini do fim
da III Dinastia, séc. XXVIII a.C.. Mas o mais significativo é o Ensinamento de
Ptahotep:

• Nesta obra o sábio expõe em 36 máximas o seu pensamento sobre os


diversos aspectos das relações humanas. Propõe práticas que são
fundamentais para todas as pessoas: auto controlo, moderação, gentileza.
generosidade, justiça, amor à verdade e discrição. São regras práticas que o
velho vizir transmite ao seu filho para que este triunfe na vida. É um código
de honestidade transmitido de pais para filhos.

Outra obra de destaque é a Instrução do Príncipe Hardjedef que pertence ao géneros


sapiencial sendo também de ensinamentos.

Outro género cultivado foi o das biografias. No entanto estes relatos não ultrapassaram
o género dos anais relatando apenas as conquistas reais e exaltando os reis. Realmente
os egípcios não escreveram muito sobre as suas histórias individuais.

Por isso quando se fala de biografias, fala-se de certas obras onde se dão informações
sobre o modo de vida de algumas pessoas. São também obras de elogio a quem morreu
e de quem se recordam as virtudes. Também há elogios a um militar pela sua brilhante
carreira como exemplo para a posteridade. Como exemplo deste caso temos a
Autobiografia de Herkhuf, que ficou gravada em 28 linhas no seu túmulo. Este
homem serviu os reis Merenré e Pepi II e foi governador do Alto Egipto tendo
conduzido 4 expedições à Núbia. O relato destas expedições constitui a principal fonte
histórica para as relações do Egipto com a Núbia nessa época. Conhece-se por exemplo
os produtos que ele trazia para o Egipto em resultado das suas expedições: incenso,
ébano, peles de leopardo, chifres de elefantes, etc. Por ocasião da 4ª expedição trouxe
um pigmeu para oferecer a Pepi II ainda criança mas já faraó, talvez com 10 anos.
Também há um auto elogio por atitudes praticadas em vida.

Também há a autobiografia de Uni que tendo começado a vida com trabalhos


modestos, acabou por ter uma carreira militar brilhante ao serviço de Pepi I.

Estas autobiografias permitem-nos penetrar um pouco na vida do quotidiano e especular


também as relações comerciais do Egipto com o exterior.

I PERÍODO INTERMÉDIO

A tranquilidade terminou após o reinado de Pepi II. Este facto transparece numa obra
clássica “A Profecia de Ipuver”. O autor terá escrito durante a XII Dinastia no I
Período Intermédio. Faz alusões directas à decadência do poder central, uma
característica deste período. Refere a violação de sepulturas e outras desordens, a
diminuição da natalidade e o acentuado despovoamento do país. Apresenta-se como um
homem idoso, perto da morte, dirigindo-se a seu filho Kanakht, um jovem sem

24
ALDA ANASTÁCIO
experiência. O seu pessimismo reflecte-se em toda a obra e revela-nos uma situação de
verdadeira calamidade nacional.

A literatura é, assim, o espelho de uma época.

Assim, quando as dinastias de Heracleópis, a IX e a X, restabelecem a unidade do Delta


e do Médio Egipto, surgem obras de sabedoria atribuídas a reis que aconselham os seus
filhos sobre diversas matérias, incluindo política. Como exemplo temos o de
Amenemés I, dirigido a seu filho Sesóstris I e o Ensinamento de Kheti III,
destinado a seu filho Merikaré e que é conhecido como O ensinamento de Merikaré,
considerado uma obra clássica.

Apesar de se acreditar que o faraó é gerado por deus no ventre materno e é ele próprio
um deus, tem de aprender a agir e a governar, assim como a interagir com os opositores.
Deverá ser clemente para com os pobres, mas firme como soberano. A linguagem usada
pelo rei faz pensar nos obstáculos e dificuldades que teve de transpor e vencer pra
conseguir impor a sua autoridade. Realmente ele fora obrigado a enfrentar os
estrangeiros que dominavam o Delta e os monarcas tebanos que dominavam o sul do
país.

NO IMPÉRIO MÉDIO

Nesta fase mantêm-se os géneros literários anteriores e aparecem o teatro e a biografia


romanceada.

Os temas do teatro egípcio eram exclusivamente religiosos e tinham como objectivo dar
vida aos mitos sagrados. De dramas religiosos temos como exemplo o que retrata o
assassínio de Osíris, a procura do seu cadáver, a rivalidade de Set e de Hórus, etc.

Quanto à biografia, é na realidade um Romance Histórico. A obra deste género mais


apreciada no Império Médio é “As Aventuras de Sinué”:

• O herói Sinué faz uma expedição à Núbia onde vem a descobrir um segredo
de estado que o faz recear pela sua vida no Egipto. Por isso faz uma
expedição até à Ásia de onde regressa mais tarde, sendo bem recebido na
corte de Sesóstris I.

É uma fonte histórica interessante, uma vez que nos dá elementos sobre a sociedade
egípcia, desde os cortesãos, aos sacerdotes, dos camponeses aos marinheiros. Narra as
suas aventuras referindo nomes reais de pessoas e de lugares, com lugar também para a
imaginação. Trás a mestria, o perfil psicológico de muitos personagens a começar pelo
seu estado de alma. Sentimos a sua angústia de morte no deserto e o ressurgir da
esperança ao ouvir rebanhos. Sentimos também o seu desejo de morrer perante as
misérias da velhice. A sua obra serviu a várias gerações de estudantes e apenas assim se
explica que tenha chegado até aos nossos dias em seis papiros e mais de uma dezena de
óstracas com largos extractos das Aventuras de Sinué.

25
ALDA ANASTÁCIO
A literatura narrativa contendo o real e o imaginário, manifesta-se muitas vezes sob a
forma de conto, sendo os egípcios, até hoje, excelentes contadores de histórias.
Chegam-nos o Conto do Náufrago e o Rei Khéops e os Mágicos, duas obras mais
sóbrias, mas também importantes.

O conto do náufrago teve muito êxito na época e relata a história de um


marinheiro egípcio que partiu de barco para a zona das minas de cobre. Surgiu
uma tempestade e o barco naufragou, sendo ele o único sobrevivente, sendo que
navegavam com ele os 120 melhores marinheiros do Egipto. Andou 3 dias à deriva
no mar agarrado a uma tábua até que foi parar a uma ilha onde foi acolhido por
uma serpente que o transportou na boca até uma gruta sem lhe fazer mal. Na
verdade a serpente era a senhora da ilha e predisse que passados 4 meses um barco
viria buscá-lo. Ao voltar para o Egipto, a serpente fez carregar o navio de mirra,
óleo perfumado, canela, marfim, peles, macacos, etc.. Assim o marinheiro
regressou rico ao seu faraó.

Este conto, muito imaginativo, reflecte vários aspectos da sociedade egípcia.

Na XIII Dinastia, o faraó Amenemés, que enfrentou graves obstáculos para alcançar a
paz, inaugurando uma nova dinastia, deixou nas suas memórias um documento de
grande valor para nós, que nos informa sobre a sua época. Fala de intrigas palacianas e
tentativa de assassinato. O rei manifesta a sua amargura e exterioriza o seu pessimismo
pela ingratidão e pela traição. É uma obra de Literatura Pessimista.

Sesóstri II também nos deixou uma obra deste género. Mas dentro da literatura
pessimista uma se destaca: O Diálogo Desiludido:

• O herói sente-se deprimido e pessimista perante a decadência moral no


mundo, chegando a pensar em suicídio. Outros chamam a este diálogo
“Disputa do Homem com o seu próprio Ba” ou “A Disputa consigo mesmo”

É uma obra clássica da XII dinastia que no fundo mais não é que uma exposição
filosófica sob a forma de diálogo, entre duas concepções sobre o Além, uma negativa e
uma positiva.

Outra atitude negativa da alma reflecte-se na obra “O Cântico do Harpista”→ o texto é


acompanhado de uma representação em baixo-relevo de um harpista com os olhos
fechados → imagem de um homem isolado do mundo por causa da cegueira.

Ficou gravado no túmulo de Intep ou Antep. O sentimento dominante é de tristeza e


amargura. O harpista aconselha calma, pois o que interessa é procurar no dia a dia toda
a felicidade possível. Nesta obra já se denota o levantamento do pensamento para as
alegrias da vida, para os prazeres simples, tal como Epicuro séculos mais tarde haveria
de ensinar.

Outra obra clássica que já aponta para esta tendência é as Lamentações de Ipuver→
descreve a tribulação vivida no Império Antigo e no I Período Intermédio. O autor

26
ALDA ANASTÁCIO
refere insistentemente as mudanças sociais e económicas próprias de um período de
revolução. É sensível à destruição de valores próprios de um período de revolução. É
sensível à destruição de valores próprios da ordem do Egipto. Mas não deixa também de
levantar o pensamento para as alegrias da vida no Egipto.

Quando a situação política mudava, a literatura mudava também. É assim que a


Literatura Pessimista dá lugar à Literatura Optimista. Um óptimo exemplo desta
literatura vê-se na Profecia de Neferty. Neferty é um sábio que o rei Seneferu mandou
chamar para lhe falar do futuro. O sábio, qual poeta inspirado, descobre no horizonte a
figura de Amenemés I. Anuncia com alegria a sua chegada pois este faraó daria início a
uma nova época.

Evidentemente trata-se de uma profecia “post eventum”, tratando-se de uma obra


política destinada a exaltar Amenemés I. O autor é alguém ao seu serviço. Mas o que
interessa é que esta obra reflecte uma nova ordem imposta no Egipto, trazendo de volta
a Maet, tão necessária à boa ordem e felicidade no Egipto.

Neste momento de restauração são inseridos alguns Hinos Religiosos como o ciclo de
hinos ao rei Sesóstri III, o Hino à Coroa Vermelha (Baixo Egipto), o Hino a Osíris, o
Hino ao Nilo, que é um cântico de louvor à felicidade que vem dessas águas.

Os Textos dos Sarcófagos também são dignos de referência pois mostram-nos que,
por vezes, havia representações teatrais nos templos cujos temas eram os mistérios
dos deuses.

O Império Médio alcançou no campo das letras um elevado nível.

NO IMPÉRIO NOVO

Nesta época prosseguem os géneros literários atrás descritos. Há preocupação com a


forma estilística tanto nas obras de carácter sapiencial como na poesia lírica. Isto
também contribuiu para o enriquecimento da língua no campo gramatical.

Nos Contos, aparecem detalhes da vida concreta tendo como exemplo o Conto dos
dois irmãos” e nos próprios anais dos reis. Os anais já não são escritos em papiro,
mas gravados em pedra. Tal como aconteceu com as batalhas de Tutmósis III, em
número de 17 sobre os muros do santuário da barca de Carnac. Também com a
batalha de Cadesh, um grande feito de Ramsés II, sobre as paredes de Abidos,
Luxor, Carnac e Abu., Simbel e Ramesseum.

No entanto, estas narrações desempenharam essencialmente o papel de epopeia com a


finalidade de enaltecer grandes feitos e entusiasmar o povo, não dando grandes
informações sobre os acontecimentos do interior do reino.

Da Batalha de Cadesh, além das inscrições nos murais há que recordar um poema da
autoria de Pentaur da corte de Ramsés II. O poeta escolhe como tema essa batalha
ocorrida em 1285, em Cadesh. Este poema foi escrito em papiro e na sua imaginação

27
ALDA ANASTÁCIO
Ramsés II ganha a batalha sozinho sem os seus homens, sem a ajuda das suas tropas. É
uma linguagem épica, de exaltação e glória. É uma das obras primas da literatura
egípcia. Pode comparar-se com as melhores epopeias conhecidas.

A Literatura Sapiencial também ocupa um lugar de grande destaque, em especial com


o Ensinamento de Anii e o Ensinamento de Amenemope.

No primeiro o centro da atenção e preocupação é a família, assente na fidelidade da


esposa e no amor entre os seus membros. A ordem familiar, tal como a social, deve de
ser mantida. Aconselha o filho a manter-se dentro dos princípios dos pais e a não olhar
para a mulher estrangeira.

Aménemope foi um alto funcionário do faraó e usava o título honroso “escriba real
dos trigos”. Ele dá conselhos ao seu filho baseando-se na sua experiência e apelando
para o juízo de Deus. Mas não se trata de um Deus qualquer que se possa representar em
forma humana, mas sim do Deus criador do Universo que não é possível encarnar em
formas humanas ou animais. A sua obra é um dos monumentos mais notáveis da cultura
egípcia. Crê-se que a sua obra influenciou o autor de Provérbios da Bíblia.

Este culto a um só deus não era estranho no Egipto, pois sabe-se que Amenófis IV quis
impor o culto a um só deus, Aton, mudando o seu nome para Akhenaton. Este rei é
conhecido também pela sua poesia religiosa, dirigida a Aton. Mas ele não foi o único a
cultivar esta arte.

Na corte de Amarna outros cultivavam este género poético e, um século antes, em 1439
a. C., já Amenófis II escrevia um poema ou hino ao deus solar Amon-Rê, expressando-
se com grande religiosidade.

O Egipto conheceu também a poesia amorosa. Embora amenófis IV seja também autor
deste género, não foi o seu criador no Egipto. Já antes do seu reinado este tema era
tratado pelos poetas. Esta poesia, pensa-se que nasceu no Império Novo a partir de 1500
a. C., uma época de prosperidade e bem-estar. Amenófis IV estabeleceu a capital em
Amarna e aí viveu com a sua amada, Neferteti, a esposa. Ficou conhecido como um
eterno apaixonado pela sua esposa. O seu amor está expresso num pequeno poema
encontrado no seu sarcófago.

Supõe-se que estes poemas fossem cantados em banquetes ao som da música de flauta e
lira.

Na Poesia Amorosa egípcia encontramos jogos de pudor e de desejos ardentes,


expressos de forma impúdica. É tudo escrito em imagens expressivas com vocabulário
explícito.

Nenhum outro povo da antiguidade se lhe pode comparar, à excepção do livro Cânticos
dos Cânticos, dos hebreus, que poderá ter sofrido influências deste povo.

28
ALDA ANASTÁCIO
NA ÉPOCA BAIXA

Nesta época a literatura continuou. E continuou sempre apesar do domínio político de


potências estrangeiras. A cultura continuou egípcia até ao domínio romano. A marca da
religião continua patente na lírica religiosa conservada nos muros dos templos e nos
papiros. Mantêm-se também os temas sapienciais. O género sapiencial dos últimos
autores egípcios são dignos de nota e válidos para homens de todos os tempos. Quem
primeiro recebeu a sua influência foram os judeus, que se fixaram em grande número na
região do Delta. A cidade de Alexandria foi uma grande sede como colónia judaica.
Pode-se afirmar com total exactidão que os últimos livros do Antigo Testamento não
seriam o que são se não fosse a influência dos Sábios do Egipto. Distinguem-se nesta
época os Ensinamentos do Papiro Insinger, A Sabedoria do Grande Sacerdote
Petosiris.

3. AS TÉCNICAS E AS CIÊNCIAS

Os egípcios não distinguiam como nós as disciplinas científicas das actividades


concretas do dia a dia.

3) a AS TÉCNICAS

Os Egípcios começaram no Neolítico com a cestaria, sendo a matéria prima as canas, os


limos e o lodo das águas do rio. Também iniciaram desde cedo a tecelagem com linho
de alta qualidade que cultivavam em abundância. Os tecidos de lã surgiram mais tarde
na época ptolomaica.

As cerâmicas atingiram uma notável perfeição. Como exemplos temos os vasos


riquíssimos com cenas pintadas do Império Novo. A cerâmica mostra que os egípcios
dominavam o fogo e sabiam usar as altas temperaturas, preparando-se assim para as
actividades metalúrgicas.

No IV milénio a.C. já se encontram objectos de cobre, embora não se saiba se foram


fabricados ou importados. O bronze só foi divulgado a partir do Império Médio. O ferro
começou a ser usado para objectos de adorno a partir do ferro meteorítico puro,
conhecido por “metal celeste”. Este metal era importado e só desempenhou um papel
importante a partir da XVIII dinastia, quando começou a ser usado para o fabrico das
armas.

O ouro era conhecido por electrum, ouro branco, por ter uma percentagem de prata. O
ouro amarelo seria uma grande riqueza no Egipto a partir do Império Antigo, sendo
explorado nas jazidas de Assuão e da Núbia. A perfeição dos seus trabalhos de
ourivesaria tornou o Egipto famoso na Antiguidade. Também há uma grande quantidade
de produtos em madeira e pedra. A produção de pedra foi uma das mais trabalhadas
dadas a sua necessidade para construir as pirâmides. Através dos relevos de Deirel-
Bahari podemos apreciar os dois obeliscos da rainha Hatshepsut a serem transportados

29
ALDA ANASTÁCIO
num barco com mais de 60 metros de comprimento, puxado por um rebocador pelo
Nilo. Através de grandes rampas e sólidas plataformas erguiam-se os obeliscos e as
grandes colunas, também para a construção de templos.

Estes trabalhos exigiam cálculos bem feitos, medidas seguras e boa tecnologia. Nas
pinturas aparecem com frequência o esquadro, o fio de prumo, a mira, o nível de água.
Também se pode observar a figura do arquitecto com uma corda de nós na mão, a
medida usada com base no côvado.

Também tinham um sistema de pesos e medidas, essencial não só para a agricultura,


como no tratamento dos metais, e para calcular a percentagem de liga usada no seu
fabrico.

Desta forma podemos concluir que a sabedoria egípcia provém da sua experiência
aliada à técnica que se foi aperfeiçoando ao longo dos anos.

3.) b AS CIÊNCIAS

O desenvolvimento das técnicas de acordo com as necessidades levou também ao


despertar de diversas ciências como a matemática, a astronomia e a medicina. Os textos
matemáticos que os egípcios nos legaram são apenas descrições de casos e tabelas
relacionadas com o cálculo de superfícies ou de volumes, como no caso das pirâmides.

Primeiramente começaram por fazer cálculos rudimentares por causa do cultivo dos
campos. Dado que as inundações do Nilo destruíam as demarcações, era necessário
demarcar novamente os campos quando as águas recuavam. Assim, usaram um
sistema natural de cálculo a partir da mão (cinco dedos). Depois vieram as dezenas
criando a numeração decimal que se tornou a base do cálculo, partindo daí para medidas
maiores. Tudo isto pode ser observado no Papiro Matemático de Rhind, que data do
Império Médio, e foi recopiado na época dos Hicsos. Foram criados sinais para
simbolizar as medidas:

• 1 traço indica a unidade

• O arco indica a dezena

• A corda enrolada representa a centena

Estas medidas foram encontradas num muro em Carnac, construído no tempo de


Tutmósis III. Aprenderam também a calcular o volume da esfera tomando “pi”o
número 3.16. Sabiam resolver equações, problemas de divisão, etc. Na geometria
avançaram menos que na aritmética embora tenham resolvido os problemas de ordem
prática, como se pode constatar pela grandiosidade dos seus monumentos.

Quanto à astronomia não houve grandes avanços porque esta exige um nível mais
complexo de matemática que os egípcios não atingiram. Mas devido à necessidade de
medir o tempo organizaram um calendário, que está na base do calendário actual. Era
um calendário em que o ano tinha 365 dias e um quarto, feito através da observação do

30
ALDA ANASTÁCIO
sol. Convencionaram o mês de 30 dias, mas assim o ano só tinha 360 dias e o ano solar
real tem 365 dias e um quarto. Por isso convencionaram o ano de 365 dias mas só no
último mês acrecentaram os cinco dias. De forma que, como de quatro em quatro anos
há uma diferença de um dia, havia uma diferença de um dia entre o ano real e o ano
oficial. Como não introduziram um ano bissexto, este atraso ia aumentando sempre,
causando muitos desfasamentos com a realidade.

Dividiram o ano real em três estações:

• A Inundação (akhet)

• As Sementeiras (peret)

• As Colheitas (chemu)

O início da Inundação coincidia com 19 de Julho. Mas como o calendário oficial se


afastava do ano real, só de 1460 em 1460 anos as inundações coincidiam com 19 de
Julho. Apenas os camponeses e os sacerdotes tinham em conta o ano fixo, por causa dos
trabalhos e de certas festas.

Este calendário foi talvez criado no tempo da unificação do Egipto, talvez por Menés,
no fim do IV milénio ou início do III e atribui-se a sua origem à cidade Heliópolis.
Apesar disto, o seu calendário está na base do nosso (Gregoriano).

Também foram os egípcios que dividiram o ano em doze meses e o dia em doze horas e
a noite noutros doze. Mas as horas não eram iguais às nossas, porque o dia correspondia
a um período de claridade e a noite ao período de escuridão. Para determinar as horas,
recorreram a diversos tipos de relógios, conforme queriam medir o dia ou a noite. Os
que mediam o dia baseavam-se no comprimento da sombra que era projectada sobre
uma superfície lisa, graduada.

Para a noite, recorria-se por vezes a relógios de água, em que a água escorria por um
vaso.

O calendário assinalava também os dias fastos e os dias nefastos, conforme o


acontecimento mitológico daquele dia. Um papiro assinalando estes dias foi encontrado
nas ruínas de Kahum.

Por isso, se uma criança nascesse num dia nefasto, os seus pais ficavam ansiosos e
tristes pelo seu destino. Tal magia só podia ser contrariada se fosse pronunciado o nome
verdadeiro do deus que se poderia opor à má influência daquele dia.

Estas crenças profundas na magia prejudicaram muitíssimo o progresso científico.

Os egípcios também praticaram intensamente a medicina e como prova há diversos


testemunhos que chegaram até nós:

31
ALDA ANASTÁCIO
• O Papiro de Ebers → é uma autêntica enciclopédia médica. Data de
princípio da XVIII Dinastia, séc. XVI a. C.;

• O Papiro de Edwinsmith → da mesma dinastia. Contém um tratado sobre


patologia cirúrgica.

• O Papiro de Hearst → da mesma dinastia, contém uma selecção de receitas


e fórmulas mágicas;

Também foram encontrados papiros com indicações de remédios e várias receitas, como
o papiro 3038 em Berlim. Outro papiro em Berlim, o 3027, contém um curioso tratado
de pediatria.

O Papiro de Londres contém receitas e fórmulas mágicas contra as doenças dos


olhos e das mulheres. Também contém informações sobre veterinária.

A mumificação contribuiu certamente para o conhecimento do corpo humano. Também


há advertências contra os excessos alimentares.

Também havia mulheres médicas, e assim como havia uma chefe das médicas. Houve
escolas de medicina célebres como em Heliópolis ou em Saís, cada uma relacionada
com o santuário da divindade leal, Atum e Neit, respectivamente.

Também havia especialidades. Aliás, cada médico tinha uma especialidade e era só
disso que tratava. Também tinham um género de hospital chamado sanatoria, embora
as pessoas normalmente se tratassem em casa. Os gregoa aprenderam muito com a
medicina egípcia, inclusivamente o próprio Hipócrates.

Juntamente com os tratamentos. Os egípcios recorriam ao exorcismo e fórmulas


mágicas.

4. AS ARTES

Adolfo Erman, um egiptólogo, escreve no seu livro “La Civilisatios Égyphienne”: “Em
tudo aquilo que os egípcios nos deixaram, a produção artísitica constitui de longe a
melhor parte”.

Efectivamente a sua obra é inconfundível. Nas épocas pré-dinástica e hitita notam-se


afinidades com a Mesopotâmia.

No Império Antigo surgem as pirâmides, sepulturas de faraós. Trata-se de uma arte


funerária com inspiração religiosa. Os monumentos aos mortos eram feitos para resistir
ao tempo. Um provérbio árabe diz: “O homem respeita o tempo, mas o tempo respeita
as pirâmides”.

Também no Império Antigo, a estatuária, o baixo relevo e a pintura atingem um elevado


nível de perfeição.

32
ALDA ANASTÁCIO
No Império Médio continua a predominar a arquitectura funerária, sendo os templos de
construção modesta.

O Império Novo é o período mais importante e brilhante da arte.

Nesta época ergueram-se os templos de Luxor e de Carnac e escavaram-se os hipogeus


nas falésias no Vale dos Reis. A pintura substitui os baixo-relevos na arte funerária. As
artes decorativas também atingiram notável perfeição, como nos prova o túmulo de
Tutankhamon.

Com o fim do reinado dos Ramessidas, que encerram o Império Novo, o Egipto apesar
de politicamente estar sujeito a influências estrangeiras, não perdeu a sua autonomia
artística. Isso só aconteceria na época grega e romana, apesar de continuar a manter
algumas das suas características próprias.

5. A ARQUITECTURA

No Egipto, a arte revela a procura do eterno. A própria pirâmide sugere uma rampa
pela qual o faraó havia de subir ao céu.

A primeira das grandes obras foi construída pelo famoso arquitecto Imhotep, na região
de Sakara, a pirâmide em degraus para o túmulo do faraó Djoser. Reproduz a própria
residência real de Mênfis.

Mas as três maiores pirâmides foram construídas no deserto. São as pirâmides de Guiza,
pertencentes a três grandes faraós da IV Dinastia: Khéops, Kefren e Miquerinos.

A maior é a de Khéops com uma altura aproximada de 146 metros sobre 227 metros de
lado, abrangendo uma superfície de 54300m2 . Foi considerada uma das sete maravilhas
do mundo.

6. A ESCULTURA

Os materiais usados são os mais resistentes:granito, basalto e o pórfiro. No entanto, ao


passo que há realismo na representação de animais, na representação humana há um
convencionalismo rígido, de modo que só o rosto aparece representado com fidelidade.
A estátua também tinha uma finalidade espiritual. Por isso todos os defeitos físicos
eram suprimidos da representação. A estátua tinha que ser um suporte de vida no além.

Uma lei fundamental foi a frontalidade. A estátua tinha que ser rica de frente. A cabeça
era colocada verticalmente sobre os ombros e os braços ficam rigorosamente colados ao
corpo. Salienta-se a esfinge de Guiza, com o corpo de leão, a cabeça a representar

33
ALDA ANASTÁCIO
Kefren, e os colossos de Memnom. Estes são os únicos vestígios que perduram no
templo funerário de Amenófis III, na planície de Tebas.

No período de Amarna a rigidez das representações humanas foi abandonada, e as


estátuas passaram a ter uma expressão humana que denotava sentimento. Exemplo disso
é a representação de Nefertiti. No entanto esta fidelidade ao real foi de novo
abandonada, quando, no fraco reinado de Tutankhamon os sacerdotes de Amon
retomaram o seu poder voltando a limitar a arte.

7. AS ARTES PARIETAIS

Nesta designação incluem-se o baixo relevo e a pintura. No Império Médio encontra-se


frequentemente o baixo-relevo pintado, No Império Novo a pintura atinge uma
autonomia absoluta e encontram-se frescos com paisagens, retratos de família, de
batalhas, etc. Distinguem-se a expedição de Hatshepsut ao Punt, representada no templo
de Deir el-Bahari, a batalha de Cadesh, e as operações militares de Seti I. Pintam o
corpo masculino de vermelho e o feminino de amarelo.

8. AS ARTES MENORES

O melhor exemplo destas artes chegou-nos através do túmulo de Tutankhamon. A


riqueza do mobiliário e das jóias revelam a técnica e os gosto dos artistas egípcios no
trabalho do ouro, do ébano, da madeira, etc..

Os homens aparecem mais adornados que as mulheres. Os adornos têm muitas vezes
um carácter mágico, ou são símbolos de hierarquia social. Os artistas eram especialistas
que conheciam os segredos das matérias primas para os trabalhar. O deus Ptah de
Mênfis era o patrono dos artistas. O sacerdote Ptah usava o título comandante-chefe dos
artistas. A arte estava ligada ao palácio e ao rei.

CONCLUSÃO

A civilização egípcia manteve a sua autonomia e identidade durante mais de três


milénios: a mesma língua, os mesmos deuses, os mesmos hábitos e tendências, o
mesmo modo de vida. Não podemos nem devemos encará-la como algo tão antigo que
não nos toca. Isso não é em absoluto verdade: muito do que somos herdámos desta
cultura, como o termo “vacas gordas” e “vacas magras”, o jogo da macaca já era
jogado por crianças egípcias, o hábito de deixar crescer a barba em sinal de luto, termos
como “química, alquimia, adobe, saco, papel, Fénix, gazela, girafa” são egípcios.
Também a balança da justiça que entra na iconografia de S. Miguel, encontra-se no
capítulo 125 do Livro dos Mortos. O nosso calendário de 365 dias tem origem no

34
ALDA ANASTÁCIO
Egipto. Portanto, somos herdeiros da antiga civilização egípcia sem a qual seríamos
certamente diferentes.

RESUMO DAS IDEIAS PRINCIPAIS:

 Akhenaton = Amenófis IV ( Amenófis IV mudou o nome para Akhenaton


depois de promover a adoração única a Aton);

 Guiza está associada à esfinge

 A escrita está associada ao uso do papiro;

 O Ensinamento de Ptahotep pertence à literatura Sapiencial;

 As Casas da Vida ensinavam medicina;

 O Ensinamento de Kheti III é um testamento político;

 A Autobiografia de Herkhuf insere-se no Império Antigo;

 Amenemés escreveu as suas Memórias;

 As Aventuras de Sinué são um romance histórico;

 Nos templos faziam-se representações teatrais;

 Os hipogeus situam-se no Vale dos Reis;

 Amarna está associada a Akhenaton;

 O Conto do Pastor que viu uma deusa é uma poesia amorosa;

 Luxor associa-se a templo;

 O túmulo de Amenófis III está associado aos colossos de Memnon;

NÃO ESQUECER QUE:

 Os escribas tinham o domínio da escrita e a sua profissão tinha


projecção social;

 A escrita hieroglífica tinha um carácter pictográfico e foi-se


transformando numa escrita cursiva, escrita hierática (sacerdotal).
Surgiu também a escrita demótica, do povo, de forma cursiva,
corrente. Esta última generalizou-se a partir do séc. X a. C. depois
do Império Novo. Foi usada principalmente pela Administração,
reservando-se a hierática para textos religiosos;

35
ALDA ANASTÁCIO
 A escrita hieroglífica foi decifrada pelo francês Jean François
Champollion, que decifrou a Pedra de Roseta;

 Nos Ensinamentos de Kheti III o faraó Kheti III aconselha ao seu


filho a prática da justiça e equidade, a protecção dos mais
desfavorecidos, lembra-lhe que os actos humanos estão sujeitos ao
juízo divino e fala da crença na vida eterna;

 Os anais das campanhas militares dos faraós do Império Novo


foram redigidos em pedra nas paredes dos templos mandados erguer
pelos respectivos faraós;

 O período da arte de Amarna é caracterizado pelo rompimento com


o convencionalismo na arte. O retrato de Nefertiti representa a sua
realidade. Nesta fase há uma fidelidade à Natureza e espaço para
criatividade.

OS SUMÉRIOS

Os conhecimentos sobre a civilização suméria chegaram-nos através das escavações


arqueológicas e fontes escritas. A informação não é abundante mas é suficiente para se
estabelecer um quadro coerente e elucidativo sobre a vida deste povo que começa com a
escrita, partindo do princípio que antes da escrita não há história.

Este povo só começou a escrever quando a urbanização já estava avançada e fê-lo por
exigências económicas e de administração pública.

O excesso de produtividade obrigava a depositar em armazéns os excessos agícolas e


portanto, a fazer um controlo sobre tal. Por isso a maioria das tabuinhas encontradas em
Uruk contêm listas de mercadorias com quantidades e nomes de pessoas.

É o princípio da história, quando as cidades-estado se organizam no regime


monárquico. É um período conhecido por proto-dinástico ou dinástico-arcaico.

É um período que começa no fim do IV milénio e nalgumas cidades no III milénio


para terminar com Sargão de Acad, cerca de 2370 a.C.. Daí, ser também conhecido
por período pré-sargónico. É um período relativamente obscuro.

1. O PODER E O GOVERNO NA CIDADE

Segundo a tradição, a realeza desceu do céu a seguir ao lendário dilúvio e foi exercida
por várias cidades. Cada cidade tentava ser superior e predominar no país inteiro. A
supremacia máxima era a autoridade de ENLIL, a divindade principal do panteão
sumério.

36
ALDA ANASTÁCIO
O centro mais importante da cidade era o templo, que além de ser a residência do deus,
era uma importante instituição económica. A cidade era do deus. Isto não significa que
as cidades tenham começado por ser teocráticas. No entanto um deus está associado a
uma determinada cidade.

Jacobsen defendeu que havia exercício de democracia na primitiva forma de governo


nas cidades sumérias: havia uma assembleia de cidadãos livre, uma câmara de notáveis
e uma outra câmara inferior:

 A assembleia de cidadãos tinha a função de escolher o chefe;

O chefe era o EN, o senhor com poder civil e religioso. Ainda não se fala do LUGAL,
ou grande homem, ou rei. O Lugal assumiu funções militares e judiciais. Aos poucos
o factor hereditário foi-se impondo sobre o electivo.

Através das listas reais (referentes ao proto-dinástico, embora escritos no séc. XVIII a.
C.), apercebemo-nos que a luta pelo poder foi uma constante nas cidades sumérias. Uma
dominava a outra e, após uma série de governos, era arrebatada por outra, que a
governava até ser conquistada por outra cidade.

No interior de cada cidade-estado, o poder era simultaneamente religioso e militar e a


tendência da conquista era bastante fomentada.

Nas cidades-estados havia dois tipos de tensão: no interior, a subordinação dos


dignitários religiosos ao rei, no exterior a luta das cidades entre si pela supremacia.

Nestas guerras entre cidades vizinhas avizinha-se já um prenúncio de imperialismo que


seria característico da Mesopotâmia a partir da época acádica.

A maior rivalidade e luta pela supremacia dava-se entre as cidades de Lagash e Umma.
Esta informação chegou-nos através dos textos de Lagash e da lista real da Suméria,
sabendo-se no entanto, que esta lista não tem grande fiabilidade ou rigor, uma vez que
foi elaborada posteriormente. Por isso sabemos que:

 Umma desejou sempre apoderar-se de Lagash;

 O rei de Kish de nome Mesalim, exerceu um certo poder sobre estas duas
cidades, mostrando preferência por Lagash, apesar desta ser mais pequena.
ENSI eram os governadores e conhecem-se dois nomes de Ensi de Lagash
no tempo de Mesalim.

 EANATUM tornou-se rei de Lagash após várias lutas e fez a cidade atingir
uma posição de grandeza. Destruiu o exército de Umma e obrigou o
governador a entregar os tesouros conquistados e a pagar um tributo de
guerra em espécies. Estava-se a meados do III milénio (2500 a.C.).

A estela dos abutres no Museu do Louvre celebra a vitória de Lagash sobre Umma.
Fala também de uma incursão contra os exércitos elamitas no território destes.

37
ALDA ANASTÁCIO
Eanatum além de alcançar a realeza da cidade de Kish, estendeu as suas expedições
vitoriosas até Mari e Subaru, a futura Assíria. Lagash tornou-se assim a principal das
cidades sumérias.

No entanto esta vitória sobre Umma não foi uma vitória estável pois as lutas
continuaram. O rei Entenema, sobrinho de Eanatum, distinguiu-se nestas lutas,
conforme registado nas tabuinhas de argila, na biblioteca de Lagash.

Uracagina que também se apoderou do trono de Lagash empreendeu reformas de


carácter social:

- suprimiu regalias da casta sacerdotal e também dos nobres que se haviam


apoderado dos bens do povo;

- distribuiu pelo povo bens que estavam indevidamente atribuídos à família real;

Ele próprio gloriou-se de ter restabelecido a liberdade, talvez tentando assim justificar-
se na sua ascensão irregular ao trono. Mas o seu reinado durou apenas oito anos.

No entanto, por fim, Umma conseguiu derrotar Lagash. No reinado de Lugalzagesi


apoderou-se também de Ukuk, Ur, Kish e avançou até ao mediterrâneo. Com este
rei, por fim a Suméria unificou-se. Foi este acontecimento que marcou a transição para
o Império.

2. ECONOMIA E SOCIEDADE

Estes povos históricos, assim são chamados por já dominarem a escrita, mas na verdade
muito mantinham de pré-histórico.

As actividades políticas, religiosas, sociais e económicas, podiam reunir-se todas numa


única entidade ou pessoa. O templo e o palácio são os dois grandes centros onde se
desenvolvem todas as actividades.

A propriedade era posse dos templos, dos palácios e dos particulares, na maior
parte parentes da família real.

Os templos eram os maiores proprietários e cultivavam os campos por meio de


arrendatários e trabalhadores assalariados.

A deusa Baú era a segunda maior divindade em Lagash e possuía terras com uma
área de 4.465ha. Um quarto das terras cultiváveis servia as necessidades do culto e do
templo. O resto era dividido por “campos de subsistências” destinados a sustento do
pessoal, e que eram campos de trabalho entregues a pessoas para cultivo mediante a
entrega de 1/7 a 1/8 da colheita.

Havia também zonas para pesca. A administração de tudo era entregue à rainha que
possuía 101ha para as suas necessidades. O rei tinha uma parte dos 246ha das terras que
pertenciam a outros templos de Lagash.

38
ALDA ANASTÁCIO
A agricultura era a base da riqueza. Criava-se gado de várias espécies.

A pesca também desempenhava um papel importante, não só na alimentação mas


também nas oferendas cultuais.

As propriedades dos templos eram unidades económicas completas: produziam,


transformavam e distribuíam. A distribuição era feita por via terrestre, fluvial e
marítima. Havia trocas comerciais com outras regiões. Prova disso são as descobertas
arqueológicas que revelavam a presença de materiais de regiões afastadas: objectos de
cobre, bronze, ouro, prata, lápis lazúli, etc.

Havia já uma diversidade de profissões entre o pessoal do templo: agricultores,


jardineiros, barbeiros, padeiros, ferreiros, tecelões. Havia especializações como
guardador de bois, ovelhas, porcos, pescadores de água doce e salgada. Só no templo da
deusa Baú havia 1200 trabalhadores com diversas categorias sociais.

3. O REI

O palácio era a residência do administrador ou vigário, no entanto o verdadeiro


soberano era o deus.

Cada cidade era governada por uma dinastia local. Os títulos usados eram: Lugal, Ensi
e En. EN designa a detenção do poder político e religioso.

O sumo sacerdote desempenha um papel de chefe político, como representante da


divindade.

O En desempenhava um poder local.

O Lugal implicava um domínio mais vasto. Era o rei que, em situação de conflitos
entre cidades, desempenhava o papel de árbitro. O seu poder era superior ao dos
ENSI locais.

Competia aos chefe político:

- prover o sustento do santuário;

- vigiar o bom estado dos canais de água para irrigação;

- defender a cidade dos inimigos externos;

- dirigir as operações militares.

O palácio assemelha-se a uma organização militar. O rei, sendo o administrador do


estado e o vigário de deus na cidade, podia servir-se da religião para sustentar o seu
poder. Neste caso, em situação de guerra, ele contava não só com os seus carros de
guerra, mas também com os homens e carros que serviam os templos. Se isto acontecia
quando se tratava de invadir uma cidade vizinha, muito mais acontecia se se tratasse de
repelir invasores estrangeiros, como no caso do rei Eanatum de Lagash, que por volta de

39
ALDA ANASTÁCIO
2500 a.C. viu a sua cidade invadida e saqueada por 600 homens inimigos. Não lhe
bastou repelir os inimigos: avançou sobre a cidade de Umma e infligiu-lhe uma perda de
3600 homens. Para comemorar esta vitória mandou gravar a Estela dos Abutres, em
que narra a batalha utilizando o sistema de “banda desenhada”.

Nesta estela Eanatum manda também gravar uma frase auto-glorificante que apela para
a sua “origem divina desde o ventre da sua mãe”. A predestinação dos deuses para a
realeza tornar-se-á uma referência obrigatória nos textos dos soberanos da
Mesopotâmia.

A guerra foi um modo de vida também para este rei, Contou vitórias sobre
designadamente Mari, um reino próspero do médio Eufrates, e estendeu o seu domínio
até à futura Assíria. A guerra foi de grande importância económica devido em grande
parte ao comércio de escravos provenientes das guerras. A guerra, longe de ser um
mal a temer, era um bem desejável. A guerra era uma prática corrente entre os
pequenos reinos da Suméria. Da impiedosa dureza e despotismo dão-nos também
conta os túmulos reais de Ur.

Em 1927 o arqueólogo Leonard Wooley deparou-se com um cenário simultaneamente


encantador e aterrador. Por um lado revelava os cuidados dos sumérios com os seus
mortos: os cadáveres tinham sido enterrados com os seus objectos de uso pessoal e até
mesmo com os seus animais de estimação. Tudo indicava a crença numa sobrevivência
além morte. Até mesmo os seus alimentos preferidos estavam conservados em vasos.
Mas, numa sala contígua, o espectáculo era aterrador: lá jaziam sessenta cadáveres de
pessoas sacrificadas em conjunto com o rei, que provavelmente o terão servido em vida.
Esta descoberta bem poderá ser mais uma manifestação do despotismo sumério. Há
mais dois casos conhecidos: um em Kish, outro em Mari.

Há um outro ritual funerário curioso em que, por ocasião da morte do rei, é simulado
também o funeral da rainha. Mas será apenas um simulacro, pois conhecem-se casos em
que a rainha continuou a viver e foi mesmo regente durante a menoridade do filho. Um
bom exemplo é o de Samman-Ramat, que entrou na lenda com o nome de Semiramis.

4. A VIDA INTELECTUAL

Os sumérios também foram produtores de cultura e civilização:

- A escrita começou a ser usada para fins contabilísticos e administrativos;

- Foi usada depois para gravar e relatar triunfos militares em estelas


comemorativas;

- Escreveram-se mitos sobre as origens do homem, os deuses e o mundo;

- Escreveram-se hinos, epopeias, listas de vocábulos à maneira de léxicos e


composições do género sapiencial;

40
ALDA ANASTÁCIO
Mais tarde a cultura suméria foi absorvida pelos povos semitas e há alturas em que não
é possível identificar com exactidão a origem dos elementos deixados.

Os Acádios foram os primeiros a aculturar os sumérios.

A meados do III milénio deviam de existir um certo número de escolas em toda a


Suméria pois chegaram-nos muitos textos escolares à maneira de cadernos a partir de
2500 a.C..

Verifica-se que o ensino tem por objectivo formar e aperfeiçoar os escribas,


profissionais indispensáveis para as actividades económicas e administrativas.

Escola → EDUBBA

Professor → UMMIA

Aos alunos dava-se o nome de “filhos da escola” e ao professor “pai da escola”.

A escola não se ficava pelo nível primário: a aprendizagem estendia-se a vários


temas: teologia, botânica, zoologia, mineralogia, geografia, matemática, gramática,
linguística, etc.

A suméria era um centro do Saber e da Cultura. Nela nasceram também obras literárias
por volta de 2500 a.C.. Por volta do III milénio a escola tornou-se um importante centro
de educação e aprendizagem. Este nível manteve-se durante a primeira metade do II
milénio, apesar de já não se usada a língua suméria, que estava a ser substituída pela
língua acádica, uma língua semítica que usou a escrita cuneiforme.

As obras literárias escritas em sumério, já nessa altura eram estudadas, copiadas e


redigidas na língua semítica que então se falava.Por isso, tendo todas as obras
chegadas até nós são conhecidas através de cópias pós-sumérias.

A maior parte das obras está escrita em forma poética. Entre os géneros literários
abunda a epopeia. Todos os poemas exaltam personagens individuais . O Género
Sapiencial é notório. Tem uma linguagem concreta e fácil de memorizar. Revelam um
grande espírito de observação e riqueza de saber. As origens dos provérbios sapienciais
são pré-históricos, tendo tido primeiramente uma transmissão oral.

5. A RELIGIÃO

Existia uma tríade:

An ou Anu → deus do céu

Enlil → deus da atmosfera

Grande Mãe → tinha vários nomes sendo o principal Nin-hursag

Outros deuses se seguiam: Enki, deus da água, Nana a lua, Utu o sol.

41
ALDA ANASTÁCIO
Com o decorrer do tempo estes deuses adoptariam outro nome. Os sumérios tinham
devoção aos deuses.

O grande orante é sempre o rei. A religião presta serviço à política.

6. AS ARTES

As estátuas orantes fazem-nos passar da religião para a arte. A música era cultivada com
especial esmero, a avaliar pela documentação escrita e pelos testemunhos
arqueológicos. Os registos de contabilidade do palácio falam-nos do ordenado pago a
músicos que desempenhavam o seu serviço na corte.

As jóias também nos informam sobre o elevado nível artístico e no gosto das damas
sumérias.

No capítulo das artes plásticas destacam-se as decorações feitas com lápis-lazuli,


calcário avermelhado e conquilhas do estandarte de Ur.

Os Glíptica (arte de gravar em pedras preciosas) também foram cultivados


servindo diversos temas. Foi em Uruk que as artes plásticas atingiram o mais elevado
nível desde fins do IV milénio até finais do milénio seguinte.

Na arquitectura destaca-se Uruk e as suas muralhas. No entanto as cidades da Suméria


eram todas muito semelhantes: rodeadas de muralhas, ruas tortuosas, casas adossadas
umas às outras de ambos os lados das ruas. Casas pequenas e iluminadas por janelas
estreitas.

Distingue-se o templo e a zigurate. Embora a zigurate tenha uma planta diferente do


templo, a disposição interna é muito semelhante.

RESUMO DAS IDEIAS PRINCIPAIS

As cidades mesopotâmicas surgiram com a sedentarização a partir dos IV ou V


milénios a. C.. Eram rodeadas de muralhas, de um centro religioso, de unidade
topográfica e administrativa e de plano urbanístico. Havia divisão do trabalho,
diversas profissões e diferenciação social. Cada cidade-estado tinha autonomia
política. O aparecimento da escrita deu-se por razões económicas e
administrativas.

Devem ser associadas as seguintes ideias:

 O culto dos mortos → Mesopotâmia e Egipto;

 Escola → Edubba;

 Professor → Ummia;

 Túmulos reais → Ur

42
ALDA ANASTÁCIO
 Lugalzagesi → unificação da Suméria e Umma;

 Escrita → Uruk

 Sacrifícios humanos → Ur e Kish

 Mumificação → Egipto;

 Eanatum → Lagash;

 Papiro → Egipto;

 Deus sumério → Enlil;

 Escrita em argiça → Uruk e Mesopotâmia;

CULTO DOS MORTOS:

- Os sumérios acreditavam na vida no além. Os enterramentos eram


acompanhados de utensílios de uso pessoal, animais e alimentos. Por vezes faziam
sacrifícios humanos de servidores e talvez da rainha no ritual da morte do rei.
Mais tarde o sacrifício da rainha terá sido substituído por uma simulação.

NÃO ESQUECER QUE:

 Para os sumérios o poder era de origem divina;

 A realeza antes de ser hereditária, era eleita;

 Ao rei competia comandar e julgar, para além de ser o chefe religioso,


representante do deus da cidade;

 Houve um constante luta pelo poder entre as cidades sumérias, prenúncio


do imperialismo que viria a ser característico da Mesopotâmia;

 Com Eanatum a cidade de Lagash dominou a cidade Umma e obteve


vitórias sobre o Elam, Kish, Mari e Subaru;

 Uracagina, rei de Lagash, procedeu a reformas sociais;

 Com Lugalzagesi, Umma derrotou Lagash e apoderou-se de Uruk, Ur e


Kish, chegando até ao Mediterrâneo;

 Com Lugalzagesi a Suméria unificou-se pela primeira vez;

 A propriedade estava na posse dos templos, do palácio e dos particulares;

 O templo era uma grande unidade económica, enquanto o palácio se


assemelhava a uma organização militar;

 A guerra era um fenómeno endémico na Baixa Mesopotâmia;

43
ALDA ANASTÁCIO
 A escrita surgiu devido às exigências da economia e da administração
pública, antes de ser usada na produção literária;

 Na Suméria existiram as primeiras escolas, centros de aprendizagem da


escrita e de produção de saber;

 Os Sumérios cultivavam a literatura na sua forma de epopeia e de


literatura sapiencial;

 A religião suméria tinha por base uma tríade divina;

 A música, a glíptica e a arquitectura com os seus baixo-relevos e estátuas,


foram desenvolvidas pelos Sumérios;

O IMPÉRIO DE ACAD

Vinte e cinco anos após a vitória de Lugalgazesi que unificou a suméria, Sargão, de
Acad derrotou-o. Assim a Mesopotâmia entrou numa nova fase da sua história. Estava-
se então em aproximadamente 2370 a.C.. Isto aconteceu numa época em que novos
povos chegavam a esta região.

Na verdade há muito que povos de raça semita se iam estabelecendo na média e baixa
Mesopotâmia, a partir do segundo quartel do III milénio. É através da onomástica que
se tira tal conclusão, não existindo no entanto vestígios de lutas ou contendas. Foi uma
‘invasão’ lenta e pacífica, originada sobretudo pelas terras férteis da mesopotâmia que
atraíam as populações nómadas.

Assim, pelo século XXIV a.C., os Semitas, agora sedentarizados, começaram a


tomar o poder. A sua principal cidade era Acad nas proximidades de Kish, perto do
actual Iraque.

Sargão foi o fundador de Acad, e reinou sobre esta cidade 56 anos. Foi o criador
do primeiro grande império conhecido. Por volta de 2370 a.C. Sargão possuía já um
exército estável e organizado. Assim pode lançar-se na conquista de diversas cidades da
Mesopotâmia como Umma e Uruk, tendo aprisionado Lugalzagesi diante do santuário
de Enlil. As suas conquistas estenderam-se a todo o Próximo Oriente.

Após ter submetido a Suméria, conquistou as terras de Elam. Avançou também para
Dilmun, o actual Barein, um conjunto de ilhas situadas ao fundo do Golfo Pérsico.
Depois, seguindo pelas margens do rio Eufrates, conquistou o poderoso reino de Mari.
Na Síria, apoderou-se de Ebla, capital de um verdadeiro império. A caminho do
Mediterrâneo Sargão conquistou o reino de Yarmuth, possivelmente em território
cananeu.

44
ALDA ANASTÁCIO
Desta forma Sargão tornou-se senhor de um império que se estendia da região
transtigrina até ao Mediterrâneo e desde o Subaru (Assíria) até ao Golfo Pérsico.
Era o “rei das quatro regiões”.

Era o maior império jamais visto até então.

No entanto, a conquista pelas armas é sempre mais rápida que a consolidação política. A
expansão foi demasiadamente rápida e não se construiu um sentimento de coesão
nacional. Permaneceram rivalidades e ressentimentos, bem como reivindicações locais à
independência. No entanto, após a morte de Sargão o reino não se desfez.

Os sucessores de Sargão, seus filhos Rimush e Manishtushu, tiveram que lutar


incessantemente com a força das armas para reprimir revoltas e sufocar ânsias de
independência. As maiores revoltas deram-se sobretudo em cidades da suméria e do
Elam. Ur arrastou para a revolta Lagash e Umma.

Manishtushu sucedeu a seu irmão Rimush, assassinado por servos. Foi este rei que
protagonizou a primeira expedição marítima conhecida através do Golfo Pérsico.

As campanhas militares deste rei tiveram por objectivo reprimir revoltas, consolidar
posições em regiões de interesse para o comércio e também para se apoderar da fonte de
obtenção de materiais preciosos que era Magan ou seja Oman.

O sucessor de Manishtushu foi o seu filho Naram-Sin, que também fez da guerra a
sua actividade principal. Tanto quanto se sabe reinou trinta e sete anos e com ele houve
uma mudança na táctica de guerra. Os seus guerreiros são arqueiros que lançam de
longe as sua flechas e sabem também usar os machados e as lanças.

Este império foi uma poderosa máquina de guerra. A expansão territorial era a
principal fonte de riqueza do império. Favorecia o comércio de escravos, cobre
ouro e pedras preciosas. O lápis-lázuli, por exemplo vinha de regiões do actual
Afeganistão, chegava à Mesopotâmia e passava para outras regiões do Médio Oriente.

Por isso os reis de Acad se proclamavam “reis das quatro regiões do mundo”, e isto
significava que dominavam sobre a Suméria, Acad, Amorreu (a Oeste) e Subaru(a
Norte).

1. A Economia

A propriedade privada aumentou durante a época acádica. A riqueza dos templos terá
diminuído embora nas suas propriedades e indústrias de transformação se encontre uma
boa parte da mão de obra.

As cidades eram administradas por governadores e conselhos de anciãos. Aí se


estabeleciam artífices e mercadores. O comércio atingiu assim grande
desenvolvimento. O comércio foi fortemente incrementado pelos reis de acad que não
só queriam dominar sobre as vias comerciais como também queriam ter acesso à
madeira, chumbo, cobre, ouro, pedras preciosas, etc..

45
ALDA ANASTÁCIO
2. A cultura e a religião

Os soberanos acádios respeitaram o politeísmo sumério e introduziram novas


divindades. El tinha um lugar de destaque no panteão acádico, embora Enlil, o
principal deus sumério continuasse a ser venerado.

Não houve um especial desenvolvimento da literatura

3. Os Gútios e o fim do império acádico

A Dinastia de Acad chegaria ao fim pela força dos Gútios. Este povo está descrito nos
documentos como um povo “opressor e ignorante do culto dos deuses”. Era
proveniente do monte Zagros e tinha abandonado a liga acádica tornando-se
independente durante o reinado de Shar- Kallisharri (“rei de todos os reis”), filho e
sucessor de Naram-Sin. Quando Shar-Kallisharri teve que enfrentar muitos
distúrbios internos, foi o último rei da dinastia de Acad e quando morreu, surgiu a
anarquia.

Os Gútios arrasaram os campos, destruíram as cidades e alguns dos seus chefes


elevaram-se à categoria de reis. Alguns intitularam-se “rei das quatro regiões”. No
entanto a civilização continuou do lado dos vencidos.

O povo atribuía a destruição causada pelos Gútios como castigo divino por algumas
leviandades causadas pelo pai de Shar-Kallisharri, como a profanação do santuário do
seus Enlil em Nippur.

RESUMO DAS IDEIAS PRINCIPAIS:

 Sargão de Acad submeteu a Suméria, unificada por Lugalgazesi;

 Sargão era semita;

 Sargão foi o construtor do primeiro império conhecido, que ia do Golfo


Pérsico ao Mediterrâneo;

 No tempo de Manishtushu ocorreu a primeira expedição marítima dos


tempos históricos, no Golfo Pérsico;

 No tempo de Naram-Sin o exército passou a ser definido por um corpo de


arqueiros, em vez da falange;

 A guerra era a principal fonte de riqueza do império de Acad;

 Os Acádios adoptaram e adaptaram a religião e a cultura dos sumérios;

 O Império Acádio foi destruído pelos Gútios, povo dos montes Zagros.

46
ALDA ANASTÁCIO
A III DINASTIA DE UR OU A RENASCENÇA SUMÉRIA

O domínio dos Gútios foi curto, pois por volta de 2120 a.C. o rei de Uruk venceu o
“dragão da montanha” intitulando-se ele próprio “rei das quatro regiões”.

Numa inscrição que nos chegou vangloriando-se da sua vitória auto-denomina-se “Utu-
Hegal”, rei de Uruk. Eleva também Gilgamesh, um famoso rei de Uruk que foi
deificado.

Esta foi também a época de Gudeia, príncipe de Lagash, construtor de templos e


impulsionador das artes. Este príncipe ficou representado em estátuas que se
encontram em exposição no Louvre.

O continuador da política de Utu-Hegal seria Ur-Namu que fez de Ur a sua capital e


o grande centro de ressurgimento sumério.

Foi em Ur que Ur-Namu construiu a zigurate que melhor se conservou. Ur torna-se


assim capital de um império tão extenso como foi Acad, pois pagavam-lhe tributos não
só alguns reinos de Além Tigre como alguns do Ocidente como Elba, Mari, Biblos
(cidade fenícia conhecida por Guebel).

A III Dinastia de Ur foi uma época de renascimento sumério. Duas personagens


desempenhavam um papel importante na organização político-administrativa do
império:

- Ensi → desempenhava funções de autoridade civil;

- Shagin → era a mais elevada autoridade militar, mas também desempenhava


outras funções por vezes, como aconteceu em Mari.

Apesar da especificidade destas funções, por vezes o rei enviava personalidades


encarregadas de missões especiais para que nada fugisse ao seu controlo.

O estatismo e o centralismo são características da política de Ur. Foi uma época de


prosperidade económica em que foi procurado o bem-estar social das populações.

Distinguiram-se dois soberanos:

- Shulgui – reinou 48 anos, restaurou santuários, reformou pesos e medidas,


reorganizou o exército introduzindo um corpo de arqueiros à maneira acádica;

- Ur-Namu – transferiu o poder central de Uruk para Ur e promulgou o primeiro


código de leis que se conhece. Por aquilo que nos chegou podemos apreciar o seu
sentido de justiça e a sua preocupação em por em ordem as relações económicas e
sociais.

1.- Estratificação da Sociedade

47
ALDA ANASTÁCIO
Havia homens livres e homens escravos. Mas entre os homens livres distinguia-se um
grupo: Mashda ou Mushkenum (em acádico) → tinham menos direitos que a classe
mais elevada como se verifica pela legislação que nos chegou posteriormente, como foi
a de Lipit-Ishtar e Hamurábi. O termo mushkenum viria dar origem à nossa palavra
“mesquinho”.

Também havia os Eren → pessoas destinadas ao trabalho no palácio e nos templos, nos
campos, nos transportes e exército.

Dependendo dos Ensi e dos Shagin, tinham uma liberdade mais ou menos limitada.

Escravos → tinham origem diversa: podiam ser devedores insolventes, ter sido
vendidos pelos pais em crianças, etc.. O seu estatuto era o correspondente ao de
trabalhadores domésticos. Podiam possuir bens e casar com pessoas livres. A sua
situação dependia muito do senhor a quem servissem. A escravatura era muito diferente
da romana. Verdadeiros escravos eram os prisioneiros de guerra, os cativos, e os
raptados no decurso de operações militares. Estes eram denominados Namra.

2. A decadência de Ur

Por volta de 2004 a.C., a III Dinastia de Ur caiu debaixo dos golpes conjugados de
Amorreus, elamitas e de bandos de invasores que chegavam dos montes Zagros e se
instalavam nas principais cidades.

O rei Elam à frente de uma coligação de povos do Zagros (designada por Su) acabou
por conquistar e saquear a cidade de Ur, aprisionando o seu último rei que morreu no
cativeiro.

A partir daí a Mesopotâmia voltou a ser uma amálgama de povos (sumérios,


acádicos, elamitas, amorritas). Qualquer rei que conquistasse uma cidade auto-
intitulava-se “rei das quatro regiões”.

Nesta época distinguiram-se os reinos de:

- Assur, a norte;

- Ur;

- Mari, cuja capital estava na margem direita do Eufrates.

O mais importante era Mari, graças à sua posição geográfica que lhe permitia
controlar rotas comerciais importantes através do Eufrates, com a Síria e a Anatólia.

Nos arquivos reais de Mari foram encontradas mais de 20000 tabuinhas que falam das
relações com outros povos e dos esforços diplomáticos dos seus reis, assim como das
guerras da Mesopotâmia e da preocupação dos seus reis de manter a independência face
a povos invasores.

48
ALDA ANASTÁCIO
A importância de Mari era também, por isso militar além de económica. Além de
Mari, também Assur desempenhou um papel político e militar de destaque.

No entanto os povos nómadas foram-se infiltrando o que acabou por originar a queda
de Ur.

O período que se segue à queda da III Dinastia de Ur estende-se de 2004 a.C. até à
queda de Babilónia, por volta de 1595 a.C. e divide-se em duas partes:

- Período de Isin-Larsa → é caracterizado pelas lutas entre os reis de Isin e Larsa;

- Período Paleobabilónico → de 1894 em diante.

A Dinastia dos grandes regentes acontece por volta de 2025 a.C., em que o reino de
Simash atacou Ur, mas os reis de Isin e Larsa atacaram e derrotaram os reis de
Simash, criando esta dinastia.

Depois em 1930 a.C. o rei de Larsa avançou para Diala e estendeu-se a Elam.
Apoderou-se de Ur e intitulou-se “Rei de Sumer e de Acad”. Consegue mais êxitos
em Babilónia, Kish e Nippur.

São desta época os primeiros textos administrativos de Larsa.

RESUMO DAS IDEIAS PRINCIPAIS:

 Comando militar está associado a Shagin;

 Homens livres são Mashda;

 O primeiro código legal foi composto em Ur;

 En está associado a Acad;

 Os escravos de guerra são Namra;

 Lugalzagesi está associado a Sargão (foi derrotado por ele);

 Lagash associa-se a Gudeia (Gudeia era príncipe de Lagash);

 Uruk associa-se a Ut-Hegal (Utu-Hegal era rei de Uruk);

 O ensi era uma autoridade civil;

 Ur-Namu fez de Ur a sua capital;

 Shulgui criou um corpo de arqueiros;

 Na Suméria existiam três tipos de escravos: os devedores insolventes, os que


tinham sido vendidos pelos pais em criança, os prisioneiros de guerra e os
cativos de operações militares. Os dois primeiros tinham estatuto de
trabalhadores domésticos, podendo possuir bens e casar com pessoas livres.

49
ALDA ANASTÁCIO
Os últimos não tinham estatuto jurídico e eram usados na defesa do
território;

 O reino de Mari localizava-se no médio Eufrates.

NÃO ESQUECER QUE:

 O domínio Gútio em Acad teve pouca duração;

 Os Gútios foram derrotados pelo rei de Uruk;

 Ur foi instituída capital de um reino tão extenso como o acádico;

 A III Dinastia de Ur coincidiu com a época do renascimento


sumério;

 O estatismo e o centralismo caracterizaram a política de Ur;

 Ao rei Ur-Namu pertenceu a promulgação do mais antigo código de


leis;

 Homens livres e homens escravos constituíam os dois grandes grupos


sociais;

 Amorreus, elamitas e outros povos invasores instalaram-se nas


principais cidades da Mesopotâmia, depois de terem derrotado o
último rei de Ur;

 Após o desaparecimento da III Dinastia de Ur, sucedeu a


fragmentação do território em diversos reinos, sobressaindo neste
período o reino de Mari;

 Das lutas entre os diversos reinos salienta-se a que ocorreu entre os


reis de Isin e de Larsa;

 O domínio destes dois reis deu origem à Dinastia dos Grandes


Regentes.

OS ASSÍRIOS

Foi principalmente a partir do séc. XIV que começaram a chegar as primeiras


informações sobre os reis assírios.

1. O Império antigo

O registo mais antigo corresponde ao Império Antigo e está ligado ao reinado de


Samshi Adad I que terá reinado desde 1814 a.C a 1784 a.C. Após o término deste
reinado e durante quatro séculos a Assíria viveu uma época obscura.

50
ALDA ANASTÁCIO
2. Império Médio

Em 1366 surge Assur –Ubalit cujo reinado terá prevalecido até 1330 a.C. e que usou o
título de “grande rei”.

Tradicionalmente a Assíria estava submetida ao poder político de Babilónia. No entanto


este rei quebrou essa “regra” ao estabelecer relações diplomáticas e comerciais com o
Egipto. Este rei acabou por conseguir colocar no trono de Babilónia um filho. Após a
sua morte e durante um século abundaram as lutas entre a Assíria e Babilónia. Um dos
sucessores deste rei, Arik-Den-Illi começou a escrever sobre as suas campanhas.

O seu sucessor Adad-Nirari começou a revelar tendências expansionistas que os seus


sucessores iriam imitar.

O auto elogio é notório nos relatos das campanhas sobre outros povos. No entanto há a
certeza da expansão do poderio da Assíria a uma boa parte do Próximo Oriente.

A guerra e as conquistas foram uma característica e uma constante da história dos


Assírios. As suas contendas deram-se sobretudo com Babilónia, depois da emancipação
política no reinado de Assur-Ubalit. No entanto culturalmente a Assíria nunca deixou de
ser influenciada por Babilónia.

Desde a morte de Assur-Ubalit até Tukulti-Ninurta I (1244-1208), apesar das


constantes guerras, os resultados não eram precisos. No entanto este foi um rei que
viveu para a guerra, impondo-se pelo terror. Exigia às populações conquistadas tributos
que seguiam para a capital da Assíria, desde matérias primas, cereais, animais e
escravos capturados nas lutas. Logo no início do seu reinado fez 28800 prisioneiros
hititas. Foi um rei vitorioso contra Babilónia qua passou a ser administrada por
governadores nomeados pelo rei da Assíria.

Dez anos depois de subir ao trono a situação inverteu-se e a Assíria entrou em crise
acabando por Tukulti-Ninurta I ser assassinado por um filho no seu próprio palácio. No
entanto foi um seu irmão que lhe sucedeu no trono. A debilidade da Assíria permitiu
que Babilónia retomasse o poder mas a paz não ficou restabelecida.

Os Arameus são um povo que aparece referenciado como invasor dos territórios
assírios. Isso acontece pela primeira vez no reinado de Tiglat-Falasar I, um rei
também dedicado à guerra. A guerra toma contornos religiosos como sendo desejada
e estimulada pelo deus Assur. Apesar deste factor não ser novo, os sucessivos reis vão
acentuando a sua importância.

Este rei, Tiglat-Falasar I venceu os soldados frígios (traço-frígios) os Muski (ou Moskoi
de Heródoto) em número de 20000, e recebeu tributos das cidades fenícias de Arvad,
Sídon e Biblos. A ocidente derrotou os arameus.

51
ALDA ANASTÁCIO
Após a sua morte a Assíria entra em grande declínio devido principalmente aos
Arameus, durante a maior parte do séc. XI e X a.C..

3. O Império Neo-Assírio

O império começou a reorganizar-se por volta de 934 a.C., que também é apontado
como o início do Império Neo-Assírio, durante o reinado de Assurdão II.

No entanto, para outros, o Império Neo-Assírio começa com Tiglat Falasar III em
746/745 a.C.

A partir de finais do séc. X a.C., denota-se a reorganização dos exércitos assírios e


antevê-se uma nova etapa expansionista: o exército é reforçado com carros de guerra,
campanhas militares anuais procuram controlar as rotas de acesso dos produtos que
vêm para Assur e protegem-se as populações para que os campos possam ser cultivados.
É o início do Império Assírio.

A guerra foi escolhida como principal fonte de riqueza. Como consequência, a


Assíria torna-se um estado militarizado.

É com Assurbanípal II que a Assíria acentua as suas tendências expansionistas. O


exército ocupa o centro das atenções do rei. O objectivo é a expansão para zonas
estrategicamente favoráveis do ponto de vista comercial e económico.

Os anais deste soberano mostram uma tendência megalómana e crueldade nas


guerras. A sua crueldade dificilmente terá sido igualada no seu tempo. Os povos
acorriam a oferecer-lhe o seu tributo com medo de retaliações.

Além da sua actividade de matar com requintes de sadismo, Assurbanípal II gostava de


caçar e de se dedicar à construção. Alguns autores chamam-lhe “a paixão do tijolo”,
como G. Roux.

Este rei restaurou os templos de Assur e Nínive e construiu o palácio real longe da
capital. Escolheu Kalhu para viver, actualmente Nimrud, a 35 km. De Mossul, situada
num triângulo de terras férteis, com o rio Tigre a oeste e o rio Zab a sul. Rasgou um
canal a partir do rio Zab para abastecer o palácio, a zona urbana e a terra de cultivo. Aí
também ergueu um santuário ao deus protector : Ninurta, o deus da guerra, assim como
a outros deuses.

A ostentação e a riqueza também foram uma forma de fazer propaganda ao seu império.
A própria arte exposta no seu palácio era também um elemento de louvor ao próprio rei.

Para a construção do palácio vieram os melhores operários e artistas. A qualidade da


arte atingiu tal nível que os baixo-relevos da época de Assurbanípal II são um elemento
obrigatório de referência na história da arte da Assíria.

Pode-se dizer que a par do seu sadismo sanguinário era um apreciador das coisas belas
da vida. No seu jardim plantou raridades botânicas com plantas e sementes das terras

52
ALDA ANASTÁCIO
por onde passava. Foi o primeiro jardim botânico conhecido na história. A presença de
elefantes na guerra foi outra novidade nas guerras da Antiguidade.

O seu filho e sucessor começou a reinar em 858 a.C.. Tratava-se de Salmanasar III.
Entre outros feitos distinguiu a cidade com grandes monumentos, sendo de destacar o
obelisco de basalto negro com 2 metros de altura onde está escrito o resumo das
guerras do seu reinado. Em cada uma das quatro faces do obelisco estão representados
os reis estrangeiros que, em atitude de submissão ao rei da Assíria, lhe levam as suas
oferendas. Um deles poderá ser o rei de Israel. Este obelisco encontra-se no museu
britânico. Cada um das quatro faces tem cinco baisxo-relevos com cenas de grande
interesse:

- uma série de cenas representa o tributo pago por um tal Ia-w-a, filho de Omri,
identificado por alguns historiadores como o rei de Israel.

Salmasanar III realizou diversas expedições em direcção a terras do Ocidente.

No primeiro ano do seu reinado dirigiu-se a terras do Ocidente, mais precisamente em


direcção ao Mediterrâneo. Embora de menor crueldade que o pai, o exército
continuou a ser a sua prioridade. Em todos os anos do seu reinado (20) teve
campanhas bélicas.

Apesar desta supremacia da Assíria até ao Ocidente, Babilónia continuava como um


reino independente. Também era a “terra santa” da época. Daí que após vencer em
guerras, Salmasanar III se dirigisse a Babilónia para agradecer à divindade. Os
santuários mais visitados da época eram em Kutha, Borsipa e Babilónia.

No entanto não eram as manifestações religiosas que mantinham os povos submissos,


mas sim o medo. Qualquer revolta era exemplarmente reprimida. O objectivo da guerra
era esmagar e submeter completamente os povos vencidos que ficavam sujeitos a
pesados tributos.

Claro que os povos submetidos não se sentiam como pertença do mesmo país. Isto,
aliado ao facto da sucessão não estar definida (a hereditariedade não era reconhecida
como direito ao trono), tornava o perigo da desagregação do império sempre iminente.

Após a morte de Salmasanar III seguiu-se um período de instabilidade que dura


até ao reinado de Tiglat-Falasar III. Conseguiu a pacificação interna do império
pelas reformas introduzidas na política interna. Por isso foi considerado o
fundador do Império Neo-Assírio.

Tiglat Falasar III imprimiu um novo sentido à política expansionista. Até aí o


objectivo das conquistas era submeter os povos vencidos e carregá-los de tributos, o que
acabava por causar rebeliões.

A partir de Tiglat-Falasar III o objectivo é integrar no império assírio o território


conquistado, tendo o cuidado de colocar aí um governador, o bel pihati, assim como

53
ALDA ANASTÁCIO
guarnições militares de forma permanente. Outra prática que minimizou as revoltas foi a
deportação dos vencidos. O rei levava da cidade conquistada as pessoas válidas,
deslocando-as para outra região ou império, e ali colocava uma população nova de uma
ou várias proveniências que se ia juntar aos velhos, mulheres e crianças que ali tinham
permanecido. Desta forma, a heterogeneidade das populações não permitia a sua
reorganização para revoltas.

Esta política exigia um fortalecimento constante do exército e um bom sistema de


comunicações. Por isso o rei aumentou os contingentes de cavalaria e reorganizou os
sistemas de comunicações entre as várias regiões do império. Os sinais de fogo eram
muito usados.

O filho de Tiglat-Falasar III apenas reinou cinco anos e foi Salmasanar V. O


grande feito que se lhe atribui é a conquista da Samaria em 722 a.C. No entanto as
honras e a glórias desta conquista pertenceram ao seu filho Sargão II. Pensa-se que
Sargão II teve dificuldade em ser aceite como monarca. Um destes indícios é o seu
próprio nome:Sharru-Kin ou rei legítimo. Ora, se era necessário invocar a
legitimidade através do nome, era porque ela tinha sido posta em causa. Foi no
entanto no seu reinado que o império atingiu o auge.

Tal foi determinado pelas suas estratégias político-militares, também elas condicionadas
por aquilo que tinha acontecido no reinado de Tiglat-Falasar III. Ao anexar os territórios
conquistados, Tiglat-.Falasar III comprometeu as trocas comerciais entre o Egipto e
estes povos. Ao dominar Babilónia também dificultava as relações dos elamitas com o
ocidente.

Nesta época, tanto o Egipto como Elam não tinham poderio militar suficiente para
enfrentar a Assíria, por isso a única saída que lhes restava era incentivar e patrocinar as
revoltas locais dos povos submetidos. Por isso mesmo Sargão II teve de reprimir uma
série de revoltas, nomeadamente em Assur.

Sargão II também escreveu cartas aos deuses, que eram tornadas públicas, para melhor
cair nas graças dos povos. Quando os reis escreviam estas casrtas, o intuito era a auto-
promoção.

Sargão II viveu em Kalhu, fundada por Assurnasirpal, que era a verdadeira capital
militar. Mas em 717 a.C. iniciou a construção da sua nova capital: Dur-Sharrukin (a
fortaleza de Sargão). A nova cidade foi construída em dez anos. No seu interior ficava
o palácio real, o maior de todos os palácios assírios. No entanto Sargão II viveu apenas
dois anos no palácio, pois morreu durante uma campanha militar em 705 a.C..

A arqueologia mostra que a cidade foi habitada pouco tempo. As escavações


arqueológicas na Mesopotâmia começaram em 1847 por P. Emile Botta.

Os sucessores de Sargão ficaram conhecidos por Sargónidas e continuaram a elevar o


poderio militar e cultural da Assíria. “dominaram todo o crescente,assim como uma
parte do Irão e da Anatólia. Possuíam uma janela para o Mediterrâneo assim como

54
ALDA ANASTÁCIO
outrapara o Golfo Pérsico e controlavam na maior parte os cursos do Tigre e do
Eufrates e todas as vias comerciais que atravessavam o Taurus, o Zagros e a Síria”.

Foi um império expansionista e todas as riquezas conquistadas foram canalizadas para o


centro do império.

O sucessor de Sargão II foi Senaquerib, o sei filho mais novo. Falecendo primeiro os
irmãos, ele foi preparado para assumir funções. Subiu ao trono em 704 a.C. e o seu
reino não teve tanta actividade militar, pois os inimigos de Assur tinham sido
fortemente dominados durante o reinado do seu pai. A sua preocupação dirigiu-se para a
Fenícia e Palestina, regiões que queria dominar. Realizou várias campanhas contra estas
regiões,o que relatado no II Livro de Reis. No entanto a sua maior campanha foi
contra Babilónia. Em 689 a.C. atacou esta cidade de surpresa devastando-a por
completo. A sua intenção era que no futuro nem mesmo se soubesse onde se
localizavam os seus templos. O próprio deus de Babilónia, Marduk, foi levado para a
Assíria.

Senaquerib, tal como os seus antecessores, mostrava uma personalidade antagónica.


Destrói com brutalidade Babilónia, mas revela-se um intelectual e um amigo da
natureza. Transformou Nínive na capital do império. Quadriplicou o perímetro desta
cidade de 3 para 12 km. Levantou muralhas e construiu 15 portas, cada uma dedicada a
uma divindade. Pavimentou a cidade e ajardinou-a, não faltando árvores de fruto.
Providenciou para que toda a cidade fosse bem abastecida de água. Tinha orgulho na
sua obra e gostava de se fazer representar no cimo das colinas e prestar homenagem ao
seu deus nacional.

O sucessor de Senaquerib foi o seu filho mais novo Assaradão, filho da sua segunda
esposa. Assaradão preocupou-se em reparar a profanação que seu pai havia feito
contra Babilónia e tratou de reconstruir a cidade. Mostrou-se mais tolerante com os
rebeldes aceitando os seus presentes e as filhas dos príncipes vencidos que levava para o
harém.

Mas nem por isso depôs as armas. Atacou o Egipto em 671 a.C. e obrigou os egípcios a
prestar culto a Assur e aos outros deuses assírios. Impôs-lhes tributos anuais, quie
seriam para manter para sempre. Em 669 a. C., Taharca, rei egípcio, revoltou-se
contra a Assíria, o que causou nova expedição da Assíria durante a qual Assaradão
morreu, não em combate, mas de doença. Não houve problemas de sucessão pois
Assaradão teve o cuidado de eleger seu herdeiro Assurbanípal, determinando
também um outro seu filho para o trono de Babilónia: Shamash-Shuma-Ukin.

Desta forma conseguiu unir a Assíria e Babilónia, acabando com as divergâncias


políticas, no seu entender.

Assurbanípal ficou com a missão de terminar o que o seu pai começara: a conquista do
Egipto. Desta forma, enviou uma expedição comandada pelo General Chefe do exército
que venceu as tropas do faraó na planície de Mênfis. Mas foi apenas uma vitória. A

55
ALDA ANASTÁCIO
conquista do Egipto seria morosa e difícil. Por isso reforçou o seu exército com o
auxílio de soldados fenícios, sírios e cipriotas.

O Egipto nesta altura estava dividido e tinha dois reis: um em Tebas, outro na região do
Delta, em Saís. Com a ajuda de Psamético I, rei do Delta, conseguiram conquistar
Tebas. Finalmente senhores do Egipto e da Fenícia, não tiveram problemas no Ocidente
até 653 a.C.. Nessa data, Psamético I promoveu uma revolta no Delta contra a Assíria,
tendo o apoio de mercenários de diversas proveniências (jónios, cários e lídios).
Expulsou os assírios do Egipto e perseguiu-os até à Palestina.

Em simultâneo, o seu irmão em Babilónia ansiava por se libertar da hegemonia de


Nínive. Considerava a Babilónia tão importante como Assur. Coligou-se por isso com
os Fenícios, Filisteus, Judeus, Elamitas e outros e preparou-se para atacar a Assíria.
Assurbanípal avisa o irmão, mas vendo que este não muda de intenções, lança-se contra
Babilónia acabando por conquistá-la e fazendo-se reconhecer como rei desta cidade
após o sucídio do irmão. Seguidamente seguiu em ataque contra os aliados do irmão.
Destas campanhas recolheu enormes riquezas. Após esta fase a Assíria viveu um
período de glória.

Assurbanípal também foi um amante das artes e das letras. A arte do relevo atingiu
o seu esplendor no palácio real. Eram representadas as cenas das batalhas e também
cenas de caça onde se admira o realismo e o conhecimento anatómico por parte dos
artistas. O nome de Assurbanípal ficou mais ligado às letras do que qualquer outro
da Mesopotâmia. Organizou uma biblioteca que é a primeira que a documentação
histórica regista. Assurbanípal tinha uma espécie de culto pela escrita e mandou
que se reunissem todos os textos encontrados no se Império.

No entanto, apesar desta glória o declínio sobreveio em 660 a.C.. Assurbanípal já havia
perdido quase todo o Egipto. Noutras regiões conquistadas as rebeliões sucediam-se e,
quando morre, em 627 a.C., a própria capital mergulha numa profunda crise devido ao
problema da sucessão. Estala a guerra civil entre pretendentes ao trono. O último
soberano foi Assur-Ubalit II com um reinado inglório. Babilónia, entretanto
independente e governada por Nabopolassar atacou em 612 a.C. a cidade de Nínive,
capital do império assírio: em 609 a.C. perde-se o rosto do último soberano da Assíria,
que ficaria desde então sob o jugo de Babilónia, que presidiu não só aos destinos da
Assíria, como de todo o Próximo Oriente.

4. O Rei – Conclusão

Pode-se concluir que a força do Império Neo-Assírio vem do exército e do rei. A


Assíria foi uma máquina poderosa de guerra. Mas a política militar só teve êxito porque
se baseou no princípio da autoridade monárquica. Este aspecto está em evidência,
principalmente no Império Neo- Assírio.

O poder está concentrado no rei. Ele é a autoridade suprema. Ele é que assume todas
as decisões: decide a guerra, as questões de política externa, as tarefas da administração

56
ALDA ANASTÁCIO
do estado. O seu poder é absoluto e apoia-se sempre no argumento teológico da eleição
divina como grande sacerdote, executor da vontade de deus, para assim exercer
plenamente o seu despotismo.

A ideologia imperialista dos Assírios apoiou-se sempre no elemento sagrado, em


especial durante o Império Neo-Assírio.

Todos os reis afirmavam ter uma relação especial com as divindades, que eram, aliás,
criações humanas, transpondo para a esfera transcendental muito do que se passava na
vida real. Muitas das vezes o rei reclama a sua predestinação para o trono real desde o
ventre materno. Desta forma justifica todas as suas decisões.

Sargão II usou este argumento para ser aceite como rei, dado os problemas que houve
para a sua aceitação.

Desta forma o rei da Assíria era o legítimo representante de Assur, o deus nacional.

No ritual da coroação entendia-se claramente que Assur era o verdadeiro rei da


Assíria.

De acordo com as ideias de então, os reis assírios ao alargarem o território executavam


ordens divinas. Desta forma a guerra dos Assírios tinha a marca de Guerra Santa.

A legitimidade do rei era assumida no acto da coroação. Vivia-se uma Teologia de


Obediência → obedecer ao rei era obedecer a deus. Mesmo as derrotas ficavam
justificadas com a vontade de deus.

É dentro destas circunstâncias que se fazem os juramentos de fidelidade absoluta. Os


servidores próximos do rei juravam-lhe obediência e por sua vez faziam as populações
sob a sua jurisdição jurar-lhes também obediência. No fundo todos juravam fidelidade a
Assur. É também dentro desta teoria que se explica a imposição da autoridade nos
territórios conquistados, assim como a imposição dos seus deuses.

A preocupação não é propagar a fé, mas antes impor-se politicamente. Eram retirados
dos locais de adoração os deuses dos países vencidos e colocados os deuses da Assíria.

Os templos e as imagens dos deuses colocados no território dos vencidos davam origem
a grandes festividades e expressões de culto. As populações locais com mais ou menos
convicção lá aderiam ao novo culto. Desta forma, o culto tornava-se uma forma de
exercício do poder político. Quanto mais atingia a alma do povo mais consistente se
tornava a hegemonia assíria. A imposição dos seus deuses fazia parte da política de
hegemonia militar da Assíria. Aos povos submetidos competia reconhecer os deuses
dos novos senhores.

5. Crises na Sucessão Dinástica

Apesar da rigidez do sistema assírio que assentava numa monarquia de autoridade


teocrática, o sistema sofria de uma forte debilidade institucional: o princípio da

57
ALDA ANASTÁCIO
hereditariedade ao trono do filho mais velho do rei não era aceite de uma forma
indiscutível. Esta foi uma das causas para a instabilidade que se verificou após a morte
de Salmasanar III (827 a.C.) e que durou até Tiglat-Falasar III (746 a.C) subir ao trono.
Também Sargão II, sucessor de Salmasanar V, filho de Tiglat-Falasar III, teve
dificuldade em ser aceite como sucessor legítimo do trono, tanto que teve
necessidade de acrescentar ao seu nome a palavra Sharru-Kin ou Rei Legítimo.

No entanto, foi a partir de Tiglat-Falasar III e para evitar problemas, que os


monarcas assírios adoptaram o sistema de associarem ao exercício do poder o
herdeiro que escolhiam como sucessor.

Assim, Sargão II escolheu Senaquerib, que escolheu Assaradão, que escolheu


Assurbanípal. Desta forma, o palácio real passou a ser não apenas a residência do rei
como também o local onde o príncipe herdeiro recebia uma educação especial na
chamada casa da sucessão ou bit riduti.

Mas realmente esta atitude não resolveu o problema como se verifica logo com Sargão
II e também após a morte de Assaradão. Assaradão escolheu Assurbanípal como seu
sucessor com o apoio da rainha Zakutu. No entanto um seu outro filho Shamash-Shum-
Ukin reclamou o direito ao trono, tendo então o seu pai determinado dar-lhe o trono de
Babilónia.

6. O Exército

Apesar de ser uma peça fundamental na hegemonia Assíria, não há grande


conhecimento sobre a sua organização, preparação, tácticas de guerra, armamento, etc.
Conhecem-se no entanto, no que respeita ao Império Neo-Assírio três categorias de
militares: os profissionais, os disponíveis e os suplentes.

Quanto aos soldados de profissão há: os voluntários e os auxiliares. Constituem o


exército permanente. Podem ser assírios ou de outros povos.

• Os disponíveis – dividem-se em dois grupos:

o Os soldados do rei (sabê sharri)

o Os reservistas

Os soldados do rei são jovens que cumprem o serviço militar a título de ilku, ou
seja, a prestação obrigatória de serviço por parte de uma região. Estes soldados
vão numa campanha, recebem o seu pagamento e voltam para as suas terras.

Os reservistas também recebiam pagamento e só eram chamados para suprir as


baixas.

• Os suplentes – colaboravam em campanhas de especial dificuldade ou eram


chamados a repelir uma grande ofensiva do inimigo. Muitas vezes eram
tropas fornecidas por um rei vassalo.

58
ALDA ANASTÁCIO
Este sistema de recrutamento envolvia todo o império. Era complementado por um bom
sistema de comunicações com correios rápidos, com o uso de cavalos, percurso por
etapas, sinais de fogo e um sistema de informações e espionagem.

Sobre a organização interna do exército, conforme se disse atrás, não se sabe muito,
embora se saiba que havia o “chefe de uma dezena de soldados”, de cinquenta de cem e
de mil. As batalhas são descritas de uma forma vaga e épica e pouco nos deixam
perceber.

A cavalaria servia nos carros de combate. Constituía a elite do exército e eram


assírios na sua maioria.

Na infantaria havia:

• Os arqueiros

• Os lanceiros

Sendo que cada grupo tinha um armamento especial.

A guerra não era um mal a temer mas um bem a desejar. O exército era o espelho de
uma nação toda ela orientada para a guerra como algo necessário que trazia riqueza à
capital, matérias primas, operários especializados para a construção das grandes obras
reais e para a sua ostentação.

7. A Administração

A enormidade do território Neo-Assírio exigia uma administração bem estruturada com


bons funcionários. Os arquivos dão-nos conta de “altos funcionários da
administração central”. Entre estes destacam-se:

- Turtânu ou general (muitas vezes o exército era comandado pelo turtânu da direita
e da esquerda)

- Shukkalu ou mordomo

- Nagir Êkali ou arauto do palácio

- Rab Shagê ou o grande escanção

- Rab Rêshi ou o grande oficial

Até ao rei Salmasanar V a ordem era a seguinte:

1) O Rei

2) O General

3) O arauto do palácio

4) O grande escanção

59
ALDA ANASTÁCIO
5) O intendente

6) Os governadores das províncias sendo o mais importante o de Assur.

No entanto, por vezes houve flutuações nesta ordem. Nas provínvias a administração
estava entregue ao Bel Pihati, o governador.

O bel-pihato tinha o dever de manter a ordem e cobrar os impostos. Também tinha que
providenciar a obtenção de matérias primas e homens, quer para as grandes construções
reais como para o exército.

A escolga dos funcionários recaia em pessoas leais e competentes, não havendo lugar a
qualquer progressão na carreira.

8. A Sociedade

A sociedade era composta por:

• Escravos – provenientes da insolvência de dívidas e prisioneiros de guerra. No


entanto o escravo podia possuir bens e até mesmo casar com uma pessoa de
condição livre. A sua situação dependia da vontade do dono.

Dentro do sistema assírio dificilmente se podia falar em nobreza de sangue e tradições.


Podia-se falar de uma nobreza de funções.

• Não escravos

IDEIAS A RETER:

 O Bel Pihati era governador de província;

 O general era o Turtânu;

 Assurbanípal mandou construir uma biblioteca;

 O grande feito de Salmasanar V foi a conquista de Samaria;

 O exército era constituído por cavalaria e infantaria, sendo esta


composta por lanceiros e arqueiros. O exército permanente era
composto por soldados profissionais e exército de reserva. No
combate eram usados carros de guerra e elefantes;

 Assurbanípal II criou o jardim botânico mais antigo de que há


conhecimento;

 Sargão II foi o sucessor de Salmasanar V;

 Assurdão II foi um dos fundadores do império Neo Assírio;

 Senaquerib foi o sucessor de Sargão II;

60
ALDA ANASTÁCIO
 Psamético encabeçou uma revolta contra Assurbanípal;

 Os Assírios localizavam-se na Alta Mesopotâmia;

 O centro comercial dos Assírios, na Anatólia estava situado em


Kanish, fim de uma rota que tinha início em Assur;

 O Karum era uma organização de mercadores Assírios com


autonomia própria em Kanish;

 Assur-Ubalit da Assíria estabeleceu relações diplomáticas com o


faraó Amenófis IV;

 Com Adad Nirari a Assíria estendeu o seu poder a uma parte


importante do Médio Oriente;

 A crueldade da guerra na Assíria servia os interesses políticos do


império e era a sua principal fonte de riqueza;

 Com Tigalt-Falasar I a guerra é interpretada como desejada e tem a


aprovação do deus Assur, sendo por isso religiosa;

 Após a morte de Tiglat Falasar a Assíria foi devastada pelos


arameus e entrou num período de declínio;

 Assurdão II e Tiglat-Falasar III são tidos como os fundadores do


Império Neo-Assírio;

 Com Assurnasirpal a Assíria acentua as suas ideias expansionistas;

 Salmasanar III subjugou Israel;

 Com Tiglat-Falasar III a guerra tornou-se um meio de aumentar o


território e não de apenas produzir saque e riqueza, tendo colocado
nas novas províncias conquistadas governadores e guarnições
militares permanentes;

 A deportação maciça dos prisioneiros vencidos contribuiu para o


êxito da política imperialista deste rei e dos seus sucessores;

 Sargão II viveu o apogeu do Império Neo-Assírio;

 Assurbanípal conquistou o Egipto até que Psamético o expulsou e


dominou Babilónia onde reinava o irmão;

 Para além de conquistador, Assurbanípal era um amante das artes e


das letras, tendo organizado a primeira biblioteca. Após a sua morte
a Assíria entrou em crise, até que Nabopolassar, rei da Babilónia, a
subjugaria dando origem a um outro império;

61
ALDA ANASTÁCIO
 O rei Assírio era um déspota; escolhido pelo deus, tinha como função
executar a vontade deste;

 A inexistência do princípio da hereditariedade na sucessão real,


levou os soberanos a partir de Tiglat-Falasar III a associarem ao
poder o herdeiro escolhido como futuro sucessor;

 O exército assírio era constituído por soldados profissionais e gozava


de um bom sistema de comunicações;

 A administração tinha por base a odediência e a fidelidade ao rei,


não existindo qualquer progressão na carreira;

 Os altos funcionários constituíam uma nobreza de funções.

O IMPÉRIO NEO-BABILÓNICO

Em 612 a.C., os caldeus de Babilónia, aliados aos Medos atacaram Nínive. Incendiaram
a cidade e apoderaram-se do poderoso império da Assíria.

Foi no tempo de Nabucodonosor II, o último dos grandes soberanos da Mesopotâmia,


que o império Neobabilónico atingiu o seu apogeu.

Em 627 a.C. terá falecido Assurbanípal, o soberano assírio. Três anos antes havia
abdicado do trono da Assíria em favor de seu filho Assul-Etil-Ilani, ficando apenas com
o trono de Babilónia. De imediato houve contendas pelo trono de Babilónia que foi
ocupado por Nabopolassar, um membro da tribo dos caldeus. De imediato
estabeleceu rivalidades com a Assíria, já debilitada.

Graças ao seu casamento com uma filha de Cyaxare, rei dos Medos, aliou-se a
estes, de forma que, com a sua ajuda, vence em 612 a.C. a cidade de Nínive. Isto
representou o fim do Império Assírio: foi destruída Assur, metrópole religiosa,
Kalhu, quartel general do exército e Nínive, centro do governo e sede do palácio
real.

Com a morte do rei de Nínive sobe ao trono Assur-Ubalit II que não era de linhagem
real, tendo reinado apenas três anos.609 a.C. marca definitivamente o fim do Império
Assírio.

O rei de Babilónia, Nabopolassar tinha um profundo ódio pelos assírios. Pensa-se


que, após a derrota da Assíria, este rei, já idoso, terá entregue o poder a seu filho
Nabucodonosor II, pois em 607 a.C. este príncipe comandou uma expedição militar
contra o Egipto e contra a Síria. Em 605 a.C. ficou o caminho aberto para penetrar na
Palestina. Em 598 e 587 a.C. infligiu a maior derrota que os judeus alguma vez
sofreram, destruindo-lhes a cidade de Jerusalém e o Templo.

62
ALDA ANASTÁCIO
Quando faleceu sucedeu-lhe o filho Awêl Marduk, conhecido na bíbila por Evil
Merodak, que não reinou mais que dois anos. Após lutas subiu ao trono Nabónides, o
último rei Babilónico. Este foi um rei polémico, pois além de ter subido ao trono
após uma conjura, deu prioridade à devoção do deus Sin, o que chocou os
babilónios, cujo deus era Marduk. No entanto também restaurou templos de outros
deuses, não só em Babilónia, como em outras cidades. Ficou com o título de “rei
arqueólogo” pelo facto de mandar escavar as fundações dos templos que queria
restaurar.

A época Neobabilónica é caracterizada pelo gosto pelo passado: copiaram-se


rituais antigos, antigas crónicas, antigas listas dinásticas, etc..

Enquanto Nabónides reinava, os vizinhos medos e persas estabeleceram acordos de


união política. Em 550 a.C., Ciro era o senhor da Média e da Pérsia, tendo empreendido
uma série de campanhas que lhe iriam dar o mais vasto império da sua época:
conquistou a Lídia, na Anatólia de Creso, célebre pela riqueza. Depois tomou as cidades
jónias seguindo para Oriente. Passados poucos anos, o seu império estendia-se do Vale
do Indo ao Egeu. Babilónia foi conquistada em 539 a. C. sem grande dificuldade. Este
rei conquistou verdadeiramente o povo de Babilónia: respeitou a cidade, fez reinar a
ordem e colocou Nabónides como governador de uma província do Irão (segundo
Flávio José), respeitou os deuses babilónicos e ele próprio se tornou adorador de
Marduk.

1) Características do Império Neobabilónico

Babilónia foi sempre respeitada como cidade sagrada. Era a maior cidade da
Mesopotâmia. Nas sua muralhas havia oito portas, cada uma dedicada a uma divindade.
O palácio real que Nabucodonosor mandou construir já no fim do seu reinado revelou,
ao ser escavado, um museu e uma biblioteca do rei. A sul erguia-se a verdadeira torre
de Babel a grande aigurate chamada Etemenanki ou seja: “templo da fundação do
céu e da terra”. A cidade santa de Babilónia era conhecida pelo grande templo de
Marduk e por outros. Os templos não eram apenas centros de culto religioso, mas
também importantes centros de produção agrícola e comercial. Outras cidades eram
conhecidas por terem templos onde se prestava culto aos deuses tradicionais. Como
exemplo temos Borsipa centro de culto de Nabu, Sippar com o santuário de
Shamash, Dibbat com o santuário de Anu e Uruk, centro do culto de Ishtar.

O rei tinha um exército permanente que tinha de sustentar e também custeava as


despesas com trabalhos públicos. No tempo de Nabónides houve períodos de grande
dificuldade económica. No entanto era difícil controlar os templos (muito mais ricos
que o palácio) porque estes pertenciam a famílias influentes. Nabónides adicionalmente
era suspeito de heresia, por promover a adoração de Sin, ao invés de Marduk. Por isso
teve de enfrentar a hostilidade dos babilónios quando pretendeu algum controlo dos
templos.

63
ALDA ANASTÁCIO
As actividades agrícolas, comerciais e financeiras dos templos, tornaram-nos grandes
centros de riqueza. G. Roux dis que os templos se tornaram os primeiros grandes
capitalistas, pois faziam empréstimos a juros elevados, que foram facilitados pela
invenção da moeda, atribuída ao rei da Lídia e difundida mais tarde pelos persas.

IDEIAS A RETER:

 Após a morte de Assurbanípal, ocupou o trono da Babilónia o governador


de Sumer, Nabopolassar;

 Os Babibónios, aliados aos Medos venceram os Assírios, conquistando as


suas principais cidades;

 Nabucodonosor II comandou o exército contra o Egipto, a Síria e a


Palestina tendo derrotado os Judeus e destruído Jerusalém;

 Nabónides foi o último rei Babilónio, e foi conhecido pela sua devoção ao
deus Sin;

 A época neobabilónica é caracterizada pelo gosto pelo passado;

 Ciro, rei dos Persas e dos Medos, conquistou Babilónia em 539 a.C.;

 A cidade de Babilónia era a maior da Mesopotâmia;

 O palácio de Nabucodonosor continha um museu e uma biblioteca perto


da zigurate Etemenanki;

 Os templos não eram apenas centros de culto, mas também unidades de


produção agrícola e comercial;

 Os templos faziam empréstimos a juros elevados.

O LEGADO CULTURAL NA MESOPOTÂMIA

Na história da Mesopotâmia distinguimos:

• A época dos sumérios;

• A época dos Acádios;

• A época dos Babilónios;

• A época dos Assírios;

• A época dos Babilónios de novo na parte final.

Apenas se irá falar da mesopotâmia que teve por base os sumérios e que foi assimilando
várias aquisições ao longo dos tempos.

64
ALDA ANASTÁCIO
Comecemos por uma referência à biblioteca de Assurbanípal em Nínive, onde se
conservam os documentos desde os Sumérios até ao fim do domínio dos Assírios em
finais do séc. VII a.C..

Em 1849 Henry Layard, ao escavar em Nínive o palácio de Senaquerib encontrou uma


sala com o pavimento coberto por tabuinhas de argila, repletas de escrita cuneiforme.
Três anos mais tarde, o seu assistente, Harmuz Hassam, fazia uma descoberta análoga
no palácio de Assurbanípal. Desta forma foram recolhidas mais de 30 000 tabuinhas que
se encontram no Museu Britânico e são a maior colecção de textos cuneiformes. Havia
tabuinhas originais dos Sumérios, Acádios, e Babilónios, e também cópias de textos
antigos que revelavam grande competência e preocupação na fidelização aos originais.
A preocupação dos copistas é notória nas anotações feitas à margem das tabuinhas
como “não entendo”, mostrando cuidado e preocupação.

Além da biblioteca real havia também bibliotecas particulares ou ligadas ao templo. Por
exemplo: a biblioteca de um sacerdote de Sin em Harrã continha uma grande colecção
de textos religiosos e literários. Mas a mais rica de todas é sem dúvida a de
Assurbanípal que contém também doações e produtos de confiscos feitos pelo rei.

Também documentação proveniente de Uruk, constitui fonte importante de informação


para assiriólogos em áreas como a religião e a cultura.

1. Religião e Mitos das Origens

O factor religioso teve sempre uma importância fundamental na Mesopotâmia. Todas as


atitudes e acções dos soberanos tinham uma fundamentação teológica. O panteão
sumério com a sua trindade básica influenciou o panteão dos Acádios, dos Babilónios e
dos Assírios.

Assim quando os Assírios dominaram em toda a Mesopotâmia foi o deus Assur que
entrou em Babilónia, e quando Babilónia subjugou a Assíria foi o deus Marduk que se
impôs aos Assírios.

Esta associação íntima que se verificou no panteão sumero-acádico foi fundamental:


manteve-se a tríade cósmica de base suméria composta por:

• An, deus do céu;

• Enlil, deus da atmosfera;

• Enki-Ea deus das águas doces.

Permaneceram também as divindades astrais como Shamash (o sol), e Sin (a lua),


muitas vezes adorados com os nomes sumérios de Utu e Nanna.

Marduk, Assur e Nabu eram deuses principais, mas havia muitos outros deuses
estrangeiros. Os deuses eram retratados como humanos à excepção da imortalidade.

65
ALDA ANASTÁCIO
2. Criacção da Humanidade

- Em Nippur – o deus criador do homem é Enlil, o deus da atmosfera. O deus modelou


o homem como o oleiro modela o barro.

- Em Eridu - os deuses multiplicaram-se e ficaram irritados por se terem de servir uns


aos outros. Por isso, a deusa Nammu, mãe de Enki, resolveu criar os homens para servir
os deuses.

Ambos os mitos concordam que os homens foram criados para servir os deuses.
Também há uma crença comum de que o homem foi modelado a partir da argila
argamassada com sangue de um deus.

O relato da criacção em Eridu lê-se numa das obras mais famosas da Antiga
Mesopotâmia: O Mito de Atrahásis.

O nome da obra vem do principal herói deste poema, Atrahásis. È um poema que se
divide em três contos:

 No primeiro é descrita a revolta dos deuses por terem de cuidar da sua


subsistência;

 No segundo descreve-se a criação do homem para servir os deuses;

 No terceiro é relatado o castigo que os deuses infligiram à humanidade por


esta não os querer servir através do dilúvio. O grande sábio Atrahásis
conseguiu minimizar os efeitos da catástrofe seguindo os conselhos do deus
Enki-Ea. É sempre Atrahásis quem livra a humanidade de catástrofes.

No entanto o poema de Enuma Elish tornou-se mais famoso por exaltar Marduk. Este
mito reporta-nos à exist~encia de nada quando não havia céu, nem terra, nem deuses.
As águas doces confundiram-se com as salgadas→Apsu com Tiamat.

Após a criacção dos deuses, houve lutas entre eles. Marduk tornou-se o deus principal e
o soberano do Universo. Criou o céu e a terra e confiou a seu pai, EA, a tarefa de
criar a humanidade.

O mito de Enuma Elish foi o mais importante e divulgado. Foi escrito no II milénio
a.C. e é composto de sete cantos que se encontram registados em sete placas de argila.

Enuma e Elish significam: quando no alto.

Gilgamesh é a epopeia mais antiga que se conhece. Baseia-se em histórias e lendas da


época suméria, mas foram os acádios que lhe deram a forma literária que nós
conhecemos. O registo mais completo é do séc. Vii a.C. e foi encontrada na biblioteca
de Assurbanípal em Nínive.

Tem um relato de grande beleza. Conta-nos as aventuras de um rei de Uruk, muito


antigo, famoso pelas suas façanhas várias e pelas viagens em busca da imortalidade.

66
ALDA ANASTÁCIO
3. A Legislação

A Mesopotâmia foi a pátria da primeira legislação da Antiguidade Pré-Clássica.

A primeira legislação escrita encontra-se nas antigas cidades da Suméria. É com o rei
Uracagina de Lagash, por volta de 2400 a.C. que começam a existir uma série de
regulamentos com importância para a história da codificação do direito. Fez legislação
para proteger os órfãos e as viúvas.

No entanto, o primeiro código de leis recuperado e estudado foi o de Ur-Namu,


soberano da dinastia de Ur. Encontra-se no Museu Oriental de Istambul. Lipit-Ishtar,
rei da Dinastia de Isin também deixou um código de leis. Está dividido em três
secções tal como o de Hamurábi: prólogo, corpo de leis e epílogo.

O Código de Eshnuna é o mais antigo que se conhece em língua acádica. É


caracterizado por maior arcaísmo que o Código de Hamurábi.

O Código de Hamurábi é o mais famoso da Alta Antiguidade. Conservou-se na


própria estela que se encontra no Museu do Louvre. Esta estela foi levada para Susa
onde foi encontrada em 1901-1902 por J. Morgan.

O Texto das Leis Assírias chegou até nós por 14 tabuinhas descobertas em Assur
em 1913/4. contém um texto que remonta ao séc. XII a.C..

4. As Ciências

As ciências não atingiram um nível tão elevado como a legislação ou as obras literárias.
No entanto houve alguma dedicação à geografia, matemática, astronomia e medicina.

A geografia estava presente nos programas de aprendizagem, na escola, a bittuppi, ou a


“casa da tabuinha”. Tinham listas de rios, montanhas e países. Também a planta da
cidade de Nipur, encontrada numa tabuinha, corresponde com exactidão ao que foi
encontrado em escavações arqueológicas.

Também foi encontrado um mapa-mundi com Babilónia no centro, pois Babilónia foi
considerada o centro do mundo.Também nesse mapa podemos ver uma alusão ao “país
onde nunca de vê o sol”. Conheceriam a noite ártica?

A matemática avançou mais que a Geografia. Os Mesopotâmios usavam o sistema


sexagesimal. Calcularam o valor de pi em 3, mas numa tabuinha em susa o valor que
lhe é atribuído é de 3,375. Conheceram propriedades do rectângulo, do triângulo e do
círculo. Uma tabuinha proveniente de Tel-Harmal ilustra graficamente o teorema
de Pitágoras.

A astronomia só alcançaria um nível científico na segunda metade do I milénio a.C., já


na época neobabilónica. Também tinham um calendário que assinalava os dias nefastos,
mas como era lunar não conseguiram resolver tão bem como os egípcios o problema da
diferença dos dias.

67
ALDA ANASTÁCIO
A medicina tinha um lugar de destaque entre as ciências da Mesopotâmia. Os médicos
eram pessoas bem conceituadas que tinham de ter bom aspecto. A medicina era
praticada num aposento isolado e escuro.

O código de Hamurábi referia os pagamentos a fazer ao médico. No caso de insucesso,


o médico tinha sanções bem pesadas.

Os médicos de Assur relacionavam-se muito com os de Mari, sendo que estes últimos
eram muito conceituados.

Nipur era a grande escola de medicina, donde saiam médicos para diversas cidades.
Sabe-se que lá havia uma escola para príncipes e princesas. O director dessa escola
queixa-se por falta de produtos para o fabrico de remédios.

A medicina também era acompanhada pela fantasia e tendência para a adivinhação. A


intervenção da crença mágica é notória nas receitas, na composição dos medicamentos e
tratamentos.

Tal como no Egipto, a magia e a medicina andaram de mãos dadas. Mas este facto não
desvirtua a qualidade da sua medicina. Os gregos não teriam chegado onde chegaram
com Hipócrates, se não tivessem aproveitado os conhecimentos dos médicos da
Mesopotâmia, assim como aproveitaram os conhecimentos atingidos no Egipto.

CONCLUSÃO:

Partindo do princípio que o início da civilização da Mesopotâmia coincide com o


aparecimento da escrita e termina com a última inscrição cuneiforme, concluiremos que
durou 4000 anos. A sua coesão deve-se à sua fidelidade, à tradição sumério-acádica.

Foi uma civilização diferente de todas as outras da antiguidade. Surgiu e desenvolveu-se


entre dois rios, Eufrates e Tigre, mas a sua influência ultrapassou estes limites
geográficos.

É indiscutível que no actual património da humanidade há elementos e características da


civilização da Mesopotâmia:

- devemos-lhes os princípios fundamentais das nossas matemáticas, astronomia e outras


ciências;

- dividiram a circunferência em 360º;

- dividiram a hora em 60 minutos;

- dividiram o minuto em 60 segundos;

- estabeleceram a semana de sete dias, que chegou até nós pela mão dos romanos.

Provavelmente a coroação dos reis e símbolos da arte religiosa também têm a sua
origem na Mesopotâmia, como o crescente lunar e a árvore da vida. Também o relato da

68
ALDA ANASTÁCIO
criação do homem a partir do barro e o episódio da Torre de Babel e do dilúvio, têm a
sua origem na Mesopotâmia. Para além da bíblia, as raízes da nossa cultura mergulham
na Mesopotâmia.

FALTA OS HEBREUS ( AÚLTIMA PARTE)

69
ALDA ANASTÁCIO
70
ALDA ANASTÁCIO

Você também pode gostar