REAIS
REAIS
REAIS
Título I.
Caracterização
Capítulo I.
Introdução
1. Noção
Santos Justo define o direito real como o poder direto e imediato sobre uma coisa que a ordem
jurídica atribui a uma pessoa para satisfazer interesses jurídico-privados nos termos e limites
legalmente fixados. Trata-se de um poder de domínio ou de soberania que o seu titular exerce
direta e imediatamente sobre uma coisa certa e determinada sem a interferência de qualquer
pessoa, a quem corresponde uma obrigação de non facere
2. Terminologia
Podem ser utilizadas indiferentemente as expressões direitos reais e direitos das coisas, mas a
primeira está ligada à terminologia latina de coisa enquanto a segunda resulta da tradução
alemã que se aplica ao estatuto das coisas
Título II.
Características
5. Eficácia absoluta
Ao poder direto e imediato que o titular de um direito real tem sobre a coisa objeto do seu
direito corresponde a obrigação de todas as pessoas de o respeitarem, nada devendo fazer que
possa impedir ou dificultar o seu exercício. São, portanto, direitos de exclusão sendo a sua
eficácia erga omnes
6.Sequela
É o chamado direito de perseguição e direito de perseguimento, a sequela traduz-se em o
direito real seguir a coisa que constitui seu objeto. Está presente na ação de reivindicação que
permite ao titular de um direito real de gozo obter o reconhecimento do seu direito e a
restituição do que lhe pertence.
Se o direito real não envolver um contacto direito com a coisa: a sequela manifesta-se noutros
sentidos. Assim, tratando-se de:
A) hipoteca, a sequela traduz-se na possibilidade de o credor hipotecário fazer vender a
coisa, quer continue a pertencer ao proprietário que a constituiu, quer venha a
pertencer a um terceiro
B) direito “real” de aquisição, a sequela consiste na possibilidade de o seu titular adquirir
a coisa alienada por quem esteja obrigado a dar preferência e não cumpre a sua
obrigação
O legislador consagra uma solução conciliatória que, todavia, não constitui uma exceção ao
direito de sequela: o proprietário pode exigir a coisa ao terceiro que, de boa-fé, a comprou a
comerciante que negoceie em coisa do mesmo ou semelhante género, desde que lhe restitua o
preço pago e goza do direito de regresso contra quem culposamente deu causa ao prejuízo.
7. Prevalência/ Preferência
Consiste na prioridade dos direitos reais sobre os direitos de crédito e sobre os direitos reais
constituídos posteriormente quando total ou parcialmente incompatíveis com o anterior. A
doutrina está dividida havendo quem recuse a prevalência como característica dos direitos
reais; quem a considere característica destes direitos; e quem entenda que só há prevalência
nos direitos reais de garantia sobre a mesma coisa. Esta ultima é a doutrina de Pinto Coelho
que diz então que não há preferência quando, sobre uma coisa, incidam direitos de natureza
diversa, direitos de natureza idêntica, mas de espécie diversa ou até direitos da mesma
natureza e espécie que não entrem em conflito. Seria por exemplo, o caso de A vender um
prédio a B e C sendo nula a segunda venda, o conflito entre B e C não existe, porque C não
adquiriu direito algum. Por isso a verdadeira preferência encontra-se só na zona dos direitos
reais de garantia.
Se a prevalência é característica dos direitos reais (pelo menos de garantia) não é exclusiva
destes direitos também se encontrando em alguns direitos de crédito, entre os quais:
1. O privilégio mobiliário geral: não incidindo sobre a coisa certa e determinada, mas
sobre o património do devedor, não se trata de um direito real, mas de crédito. Todavia
confere ao seu titular a prevalência sobre os credores comuns do devedor.
2. A concessão a diferentes pessoas, por contratos sucessivos, de direitos pessoais de
gozo incompatíveis: prevalece o direito mais antigo, sem prejuízo das regras do registo.
A prevalência também tem exceções, ou seja, nem sempre o direito real mais antigo prevalece
sobre o mais recente, entre estes:
a) A prioridade de registo: se a lei atribuir eficácia ao registo perante terceiros, o primeiro
adquirente, que não registou a sua aquisição, não prefere sobre o segundo adquirente
que tenha registado o seu direito
b) Os privilégios creditórios imobiliários: preferem sobre a consignação de rendimentos, a
hipoteca e o direito de retenção anteriormente constituídos.
8. Inerência
A inerência traduz a ligação intima dos direitos reais às coisas que constituem os seus objetos e
pelas quais passa a satisfação das necessidades dos seus titulares. Por isso, não se pode manter
um direito real se o seu objeto mudar: “não é juridicamente possível transferir o mesmo direito
real de uma coisa para outra”.
No entanto inerência não se confunde com imediação nem com o poder direto: nos direitos de
garantia, ao credor interessa que o seu crédito seja pago com o valor da coisa; e, nos direitos
“reais” de aquisição, o seu titular tem interesse em adquirir o direito sobre a coisa de cuja
preferência goza.
9.Outras Características
a) violação: A violação de direitos reais resulta de um comportamento positivo (ação)
b) aquisição por usucapião: considera-se que a maioria dos direitos reais de gozo é suscetível
de ser adquirida por usucapião.
c) permanência: há também quem considere que os direitos reais são permanentes, enquanto
os direitos de crédito são transitórios: à permanência daqueles opor-se-ia, portanto, a
transitoriedade destes. Esta característica deve ser rejeitada se permanência significar
perpetuidade ou estabilidade uma vez que há direitos reais temporários como o usufruto e no
que respeita à estabilidade há direitos que se extinguem pelo seu exercício como os direitos
reais de garantia e de aquisição.
13.Principio da especialidade
O objeto dos direitos reais deve ser uma coisa certa e determinada, e, portanto, ter existência
atual. Em consequência, os direitos reais são únicos, no sentido de que o direito real que incide
sobre uma coisa não é o mesmo direito real que incide sobre outra coisa, embora porventura
igual; e se a transferência do direito real respeitar a cosia futura ou indeterminada o direito só
se transfere quando for adquirida pelo alienante ou determinada com conhecimento das
partes. Na medida em que o permita o “poder direto e imediato” pode haver exceções em
homenagem à boa-fé ou, pelo menos, à solidez da ordenação do domínio
1. Usufruto: não é transmissível mortis causa por que não pode exceder a vida do
usufrutuário. É alienável inter vivos, mas extingue-se quando o transmitente falecer
(não se transmite o direito de usufruto, mas o seu exercício)
2. Direito de uso e habitação: é intransmissível dado o seu caráter estritamente pessoal-
art 1484
3. Servidões prediais: constituindo um encargo imposto a um prédio a favor de outro não
são separáveis dos prédios a que pertencem, ativa ou passivamente, não se podem
então transmitir a servidão sem o prédio.
4. Direitos legais de preferência: não podem ser separados das situações objetivas a que
foram atribuídos e, por isso, só podem ser transmitidos quando acompanhem a
transmissão do direito a que estão ligados
Será valido quando A vende um prédio a B que se obriga a não o vender? A nossa doutrina
distingue as clausulas de inalienabilidade perpetuas e temporárias e considera que aquelas
são inadmissíveis e nulas por ofenderem o estatuto da propriedade e são validas embora
com simples eficácia obrigacional e se situem dentro de limites temporais razoáveis. Há
situações em que a lei permite a esta clausula ter efeitos reais como acontece com a
doação com a reserva de o doador dispor de alguma ou algumas coisas compreendidas na
doação e nas doações com substituição fideicomissária devendo sempre estas clausulas ser
registadas
Há três sistemas em confronto que são o sistema do titulo e do modo, o sistema do titulo e
o sistema do modo.
Em Portugal prevalece o sistema do titulo exigindo-se e bastando para que o direito sobre
a cosia se transmita a vontade dessa transferência. Ao interesse da regularidade sacrifica-
se em principio o interesse da indiscutibilidade, ficando a existência do próprio direito em
questão enquanto estiver em questão o próprio ato que o titula.
O principio do numerus clausus não impede que o legislador crie outros direitos reais.
Outro problema resulta do art 1306. Na primeira parte a lei não permite que sejam
constituídas restrições ou figuras parcelares do direito de propriedade e na segunda fala de
toda a restrição e converte o direito real atípico em direito de credito. Há quem entenda
(Oliveira Ascensão) que na expressão toda a restrição esta tem um sentido amplo,
compreendendo as duas hipóteses na primeira parte daquele artigo e também há (Antunes
Varela) quem considere que a lei distingue restrições e figuras parcelares e entenda que se
o negocio jurídico pretender:
i) Formalismo negocial como sucede na escritura pública, embora não seja esta a sua
finalidade primordial
ii) Posse: além dos casos em que a entrega da coisa é necessária para que o direito
real se constitua a posse cumpre uma função de publicidade importante sobretudo
nas coisas moveis sujeitas a registo. O possuidor goza da presunção da titularidade
do direito o que oferece confiança aos terceiros.
iii) Registo predial: deriva da intenção deliberada de o Estado dar a conhecer ao
público a situação jurídica em que uma cosia imóvel se encontra.
Trata-se do principio de que o direito das cosias deve ser conhecido ou cognoscível das pessoas
que ele virtualmente afete, designadamente terceiros. É esta tutela de terceiros que preside
aos meios de publicidade estabelecidos por lei.
A critica destaca que o direito só existe pela relação entre os homens e a ideia de que há,
no direito real, uma relação entre uma pessoa e uma coisa só pode ter valor alegórico
sendo que o poder direito e imediato sobre a coisa é uma simples consequência jurídica do
poder geral de abstenção. Por outro lado, há direitos reais que não conferem qualquer
poder direito e imediato sobre a coisa.
A relação do homem com as coisas é substituída pela relação do homem com os homens
sujeitos a uma obrigação passiva universal. A critica destaca que esta teoria apresenta uma
visão jurídica que ignora o conteúdo do direito e sobrevaloriza o momento sancionatório: o
direito protege-se com a obrigação passiva universal, mas ficamos sem saber o que é esse
direito. Além disto a obrigação não tem um conteúdo patrimonial não podendo por isso
ser contrapartida de um direito real. Por outro lado, afirma-se ainda que ignora que o
direto real é a soberania do titular sobre a coisa sendo o dever geral de abstenção um
efeito essa soberania.
Há quem nesta teoria acentue a relação universal e por outro lado, ao contrario, quem
acentue os poderes sobre a coisa, sendo a universalidade reflexo da posição do titular.
Henrique mesquita defende a segunda orientação dizendo que a relação jurídica é uma
relação da vida ordenada pelo direito e, por isso, tanto pode consistir numa relação entre
pessoas como entre uma pessoa e um determinado objeto, assim Mesquita considera que
a relação real se caracteriza por um direito de domínio ou de soberania sobre a coisa que
incida e se essa soberania é atribuída a um titular então impõe-se aos restante o dever de
respeitar essa soberania.
Critica-se também esta teoria se dizendo que a harmonia procurada é apenas aparente e
que não pode haver faces num direito sendo que se o elemento externo conduz à noção de
relação absoluta o interno permite caracterizar cada direito real, mas não se vê como.
Apesar das criticas e atendendo às características dos direitos reais que permitem a
caracterização como um direito absoluto e como um poder direto e imediato entendemos
que esta doutrina é a que retrata com maior fidelidade o regime jurídico dos direitos reais.
O lado interno mostra um poder que incide imediatamente sobre uma coisa e o lado
externo revela que a tutela é absoluta
Também aqui há características que se ligam ao lado interno- ao facto de o direito das coisa
ser um poder direito e imediato- e características que se ligam ao lado externo- ao facto de
ele se impor à generalidade dos membros da comunidade jurídica ou de ter, como se diz,
relevância erga omnes
Outra característica do direito das coisas também ligada ao lado externo é o direitito de
preferência ou prevalência que é o facto de prevalecer sobre outro qualquer direito
relativo mesmo que constituindo anteriormente e outro direito real constituído
posteriormente (preferência temporal)
Título II
Registo
Capitulo 1
Caracterização
28. Função
O registo destina-se essencialmente a dar publicidade à situação dos prédios, tendo em vista a
segurança do comercio jurídico imobiliário. É feito por um serviço público em repartições
próprias e livros que contêm a história jurídica dos imóveis.
O sistema de registo que vigora entre nós é meramente declarativo, a única exceção é a
hipoteca por força do art 687 CC e 6 do Código de Registo Predial. Assim, o registo não é
imprescindível à constituição, modificação ou extinção dos direitos inerentes às coisas visando
apenas assegurar publicidade em face de terceiros. Inter partes a falta de registo não pode ser
invocada (art 6/1) como entre os herdeiros delas. O registo faz-se também a requerimento dos
interessados (art 4º) o que não obsta a que o registo seja obrigatório dando a não observância
desse dever lugar a um procedimento criminal (art 14 e ss).
Os terceiros para fins de registo são “as pessoas que do mesmo autor ou transmitente
adquiram direitos incompatíveis (total ou parcialmente) sobre o mesmo prédio”. Esta noção de
terceiros para efeitos de registo não se deve confundir com outras noções de terceiros como os
caso do arts 243 e 291 CC. Enquanto aqui terceiros são todos os que, integrando-se numa só
cadeia de transmissões vem a ser afetados por uma invalidade anterior ao próprio ato em que
foram intervenientes no registo são apenas aqueles que do mesmo causante recebem direitos
incompatíveis.
30. Características
O registo é um sistema:
a) Público: está a cargo de serviços públicas (as Conservatórias de Registo predial) que
dependem de um serviço central (a Direção-Geral dos Registos e Notariado) integrado
na orgânica do Ministério da Justiça;
b) Real: os atos sujeitos a registo respeitam a prédios e não a pessoas titulares dos
direitos reais que os tenham por objeto.
O registo provisório caduca se no prazo de seis meses, salvo disposição em contrário, não for
convertido em definitivo ou renovado. Porém, a renovação não tem lugar no registo provisório
por dúvidas.
32. Princípios
d) Principio do trato sucessivo ou trato continuo: este principio, que assegura uma cadeia
ininterrupta de inscrições de alienações ou onerações referentes a certa coisa, oferece-
nos a historia da sua situação jurídica e proíbe que seja lavrado registo quando o trato
sucessivo estiver interrompido: “cada adquirente só pode inscrever o seu direito se o
receber de quem anteriormente já se figurava no registo”
e) Principio da prioridade: prevalece o direito primeiramente inscrito sobre os que, em
relação aos mesmos bens, lhes seguirem. Quanto aos registos na mesma data recorre-
se à ordem cronológica das apresentações.
Tratando-se de registo provisório depois convertido em definitivo, conserva a
prioridade que tinha enquanto registo provisório, o que mostra a importância deste.
33. Efeitos
Os efeitos do registo têm na sua base a fé publica r4egistal que se traduz na confiança que os
particulares têm em o registo corresponder à realidade substancial da situação jurídica dos
prédios.
Para proporcionar essa confiança, o registo definitivo oferece-lhes duas presunções (registais):
a de que o direito existe e a de que pertence a quem está inscrito como seu titular. Trata-se,
porém, de presunções ilidíveis.
No entanto quando a aquisição do direito ocorre por força do registo (aquisição tabular),
teremos uma presunção inilidível: sucede quando o direito real é inoponível a terceiro que, de
boa-fé, registou a sua aquisição a título oneroso antes do registo da ação de declaração de
invalidade substantiva ou de nulidade registal.
1. Registo enunciativo: é a função do registo que se limita a dar publicidade dos factos
registados. Observa-se que “nem a validade nem a eficácia do direito são afetados pela
existência ou inexistência do registo dos factos jurídicos” e ilustra-se com o registo da
usucapião que nada traz de novo à situação jurídica do adquirente
Todavia, o registo enunciativo nem sempre é absolutamente indiferente, podendo
determinar consequências jurídicas de outra ordem.
2. Registo consolidativo: e o registo que consolida ou confirma a posição jurídica de quem
registou a sua aquisição. Assim, se A vendeu um prédio a B que não registou a
aquisição a posição de B é precária. Se A vender posteriormente o mesmo prédio a C e
este registar a aquisição a sua posição prevalece embora tenha adquirido a non
domino. O risco corrido por B é afastado se registar a sua aquisição antes de C por isso
em relação a B fala-se de registo consolidativo.
3. Registo constitutivo: é o registo que interfere com a eficácia inter partes dos factos
jurídicos registados. Tem caráter excecional e constitui exemplo a hipoteca cuja eficácia
inter partes depende de registo
4. Registo aquisitivo: é o registo que protege a aquisição de um direito a non domino face
à lei substantiva- arts 291 CC e 5º do Código de Registo predial:
Introdução à posse
Residualmente, a posse é o poder de facto exercido sobre uma coisa, poder que está
cronologicamente na origem de todo o domínio e que, mesmo quando este se autonomiza
dessa raiz, continua a ser psicologicamente o seu móbil. Rapidamente se percebeu que o
direito pode ser subtraído do poder de facto a que tende, que o poder jurídico não é
necessariamente poder empírico e que este, ao tornar-se autocéfalo, desenvolve uma força
jurígena que o levanta contra o poder jurídico simples, erodindo e virtualmente substituindo.
Daí que, além da origem cronológica e de meta psicológica do direito, a posse seja, não só a
sombra deste, sua projeção e inspiração, mas também uma contínua força de subversão e de
contestação do direito real.
A posso desempenha um duplo papel: cobre desde logo a lacuna, suprindo a falta de direito e
permite o trânsito para um direito no virgula reconstituindo aquela ordenação. Donde os dois
problemas básicos que suscita como norma: o problema da tutela possessória e o problema da
posse como caminho para uma autêntica dominialidade. Enquanto situação de facto após tem
de ter certa tutela ou proteção. E tem-na em qualquer sistema jurídico pelo que se razão de ser
com essa tutela possessória ponto uma teoria vê na paz pública que desse modo se garante. As
brechas na ordenação dominial são causas de conflitos e a posse permite evitá-los. Mais
realisticamente, Heck nega essa razão publicística não só porque pouco coerente com os
interesses fundamentalmente individuais que presidem à regulamentação jurídico civil, mas
ainda porque intrinsecamente discutível. A posse é um bem porque permite a continuidade
patrimonial que lacuna do domínio interrompe, assegurando valores de organização que aliás
se perderiam.
Mas a posse não é apenas um bem que merece tutela. Na sua força jurígena, aspira ao direito,
tende a converter-se em direito. Daí que o ordenamento, não somente a proteja, como
reconheça como um caminho para autêntica dominialidade, reconstituindo, através dela, a
própria ordenação definitiva. É o fenómeno da usucapião. A usucapião é, computação, uma
forma de aquisição originária de direitos, designadamente do direito de propriedade onde
igual poderia vir o apoio, tratar-se a propósito desta última, o que já não sucede com a tutela
possessória que não sendo a tutela da posse como Faculdade contida no direito, mas da posse
como algo de autónomo, que não se Funda no direito real ou dele abstrai, não pode
obviamente reconduzir-se ao estudo do jus in res. Por fim, a usucapião requer que a posse
tenha certas características, que seja, de algum modo digna do direito a que se conduz. O que
nela se homenageia digamos é menos a posse em si do que o direito que a mesma indicia, que
a prefiguração do direito a que o título se possui. Donde a exigência, em qualquer sistema
possessório, de uma posse em nome próprio, de uma intenção de domínio e uma intenção que
não deixe dúvidas sobre a sua autenticidade. Ao invés, a tutela da posse tem em vista a
valorização do simples facto desta, do interesse que em si mesma representa, sem outra
ulterior caracterização. Por isso é que acerca da tutela é que divergem os 2 sistemas
possessórios que se defrontam nos ordenamentos de raiz continental europeia: o sistema
subjetivo e o sistema objetivo.
Ambos se baseiam na experiência de Roma, onde a posse era concebida como o poder de fato
exercido sobre uma coisa em termos de propriedade o pleno domínio.
Na época clássica a posse só podia incidir sobre coisas corpóreas suscetíveis de se tornarem
objeto de propriedade. No entanto a jurisprudência estendeu ao usufruto e virou avançando
um pouco mais, aplicou a certos direitos como a servidão predial, usufruto, uso, à habitação, a
enfiteuse e a superfície.
Na idade média, o instituto da posse foi ampliado com contributos germânicos e canónicos:
por força daqueles, a posse foi estendida ao status em que uma pessoa podia encontrar-se e
destacou-se o papel da aparência que justifica a necessidade da tradição ou da inscrição; por
efeito do direito canónico e enfatizou se a ideia da boa-fé.
Em Portugal, a doutrina que antecedeu o código civil de Seabra não dispensava, na aquisição
da posse, o animus de possuir a coisa e a sua apreensão material, em particular Correia Telles
distingue a posse da detenção e Coelho da Rocha ensino aqui para cerca e da posse é
necessário primeiro a intenção ou vontade de possuir a coisa e em segundo é necessário que a
coisa não esteja excluída do comércio e esteja exatamente determinada. Depois, o código 1867
acolheu o sistema subjetivista. Na mesma linha subjetivista encontra-se a nossa doutrina
dominante.
Savigny deu, porém, particular ênfase a um momento espiritual ou intencional sobre o
momento factual ou empírico, ao animus sobre o corpus, defendendo que a posse romana
exigia não apenas um poder de facto sobre a coisa, mas que esse exercício fosse em termos de
pleno domínio. Chamou-se a esse sistema de posse sistema subjetivo por força de tal elemento
intencional. E esta espiritualização da posse opôs-se Ihering que entendia que a essência da
posse era o poder de facto sobre a coisa, poder que tinha, sem dúvida ser voluntário ou
intencional, mas sem uma intencionalidade específica.
O sistema subjetivo é prevalente na generalidade dos direitos modernos pois a lição de Savigny
encontrou-se com a tradição civilística francesa, fiel aos traços de uma possessio rei temporada
pela quasi possession, ou seja, de um jus possessionis que, além do poder de facto sobre a
coisa, implica uma intenção dominial em sentido amplo.
A tutela possessória, no sistema subjetivo só existe na posse e não na mera detenção ao passo
que no sistema objetivo existe para quem quer que exerce poderes de facto intencionalmente.
O direito português enquadra-se no sistema subjetivo, é o que resulta logo do artigo 1251.
Não existe corpus sem animus nem animus sem corpus. Há uma relação biunívoca. Corpus é o
exercício de poderes de facto que intende uma vontade de domínio, de poder jurídico real.
Animus é a intenção jurídico real, a vontade de agir como titulares em direito real, que se
exprime em certa atuação de facto.
É certo que, no nosso direito, há hoje excecionalmente situações de Mera detenção que
possam de defesa possessória. É o caso do locatário (1037/2), do comodatário (1133/2) e do
depositário (1188/2) aos quais é conferida essa defesa mesmo contra o locador o comodante e
o depositante ponto não já assim para outros detentores ainda que por título jurídico: para o
mandatário, para o administrador, para o gestor de negócios, designadamente
A posse e o exercício de poderes de facto sobre uma coisa em termos de um direito real.
Envolve, portanto, um elemento empírico -exercício de poderes de facto- e um elemento
psicológico-jurídico- em termos de um direito real. Ao primeiro é que se chama corpus e ao
segundo animus. O poder de facto é menos um contato com a coisa do que uma emissão desta
na zona de disponibilidade empírica do sujeito. Postula se uma certa estabilidade. Tudo
depende da afetação concreta do bem. O que importa é que se infira do próprio modo de
ativação ou de utilização. Já se viu que, no nosso sistema, após se distingue da mera detenção,
isto é, do exercício de poderes de facto sem animus possidendi: com simples animus detinendi
ou, como se diz o artigo 1253, sem intenção de agir como beneficiário do direito. Detentores
tanto são os que detêm por título jurídico viva designadamente, a título de um direito de
crédito (1253-c) como os que se aproveitam da tolerância (al b). Aos meros detentores chama-
se também possuidores precários ou possuidores em nome alheio.
O possuidor, ou possuidor em nome próprio, pode agir por força do direito real de que é titular,
caso em que a sua posse é uma projeção ou expressão de um jus in re existente. Tal posse não
é então uma posse autónoma, pois constitui uma faculdade jurídica secundária do direito
subjetivo ponto chama-se esta posse causal, porque tem causa no direito. Mas o possuidor
pode também agir sem direito real de mim, posto aja, mesmo assim, como Se Eu tivesse. Tem
então uma posse sem fundamento, sem causa, num direito de auto, uma posse autónoma a
que se chama posse formal. A esta posse formal ou autónoma que constitui um fenómeno
jurídico sui generis virgula fonte de consequências de direito que não logrou imputar-se não é
ali só ela. A posse em sentido técnico, isto é, posso formar um autónoma, não é evidentemente
um direito, embora seja fonte de consequências jurídicas e até direitos, se quisermos. É assim
uma situação de facto juridicamente relevante, como ocorre muitas outras no mundo jurídico.
Ao dizer-se que a posse é um direito subjetivo confunde-se a posse com o direito à posse, ou
seja, a posse como fenómeno juridicamente autónomo com a posse como Faculdade de direito
real os conteúdos faça parte, a posse com o direito à sua restituição ou a sua não turbação em
consequência da tutela que a mesma posse é conferida. Mas convém distinguir as coisas. Não
só porque não tem sentido falar-se de direito que é presunção de um direito (1268) ou de
direito que permite adquirir originariamente outro direito como usucapião, como um direito
que só beneficia da tutela quando de boa-fé (1269 e ss) o quanto pacífico e Público (1267,
1282, 1297, 1300)
Tem sido defendido que só se pode possuir em termos de direitos reais de gozo, não de
direitos reais de garantia nem de direitos reais de aquisição. O que estaria correto se o
poder fáctico ou empírico que a posse implica fosse necessariamente um poder de uso ou
de fruição do bem. Mas não é assim. Esse poder tem, decerto, de ser um poder de facto,
uma disponibilidade empírica sobre a coisa de que possa inferir-se uma vontade de ter a
título de uma margem maior ou menor disponibilidade jurídica ou real, mas não poder
fático de utilização e o fruição sensu strictu. Daí que só possa possuir se em termos de jura
in re que conferem poderes de facto sobre a coisa o que não ocorre apenas com os direitos
reais de gozo. Ocorre também com certos direitos reais de garantia, ou seja, com o direito
de penhor e o direito de retenção.
66. Função
No cumprimento destas funções, após afirma-se como um instituto que segundo alguns
autores assegura a paz jurídica quando há bebidas sobre o direito; segundo outros serve
valores de organização e de continuidade da coisa possuída na esfera do domínio em que se
encontra; e, ainda segundo outros, é também um valor de conhecimento, porque é
normalmente um sintoma de que se tem direito sobre as coisas. Orlando de Carvalho
considera que o regime do instituto possessório deve obedecer a 2 funções fundamentais:
assegurar a tutela a posse; e permitir que, através dela virou se atinge um domínio jurídico
autêntico
67. Estrutura
a. Doutrina subjetivista
Segundo esta doutrina foi formulada por Windscheid e Savigny a posse é integrada por 2
elementos: o corpus (elemento material, que consiste no domínio de facto sobre a coisa, ou
seja, no exercício efetivo de poderes materiais sobre ela ou na possibilidade física desse
exercício); e o animus possidendi (elemento psicológico consiste na intenção de exercer sobre
a coisa o direito correspondente àquele domínio de facto).
Esta doutrina insere-se na linha que espiritualiza a posse com a acentuação da importância do
animus possidendi e a correspondente desvalorização do corpus: a posse é necessário o
animus, quanto ao corpus não se exige o exercício de atos efetivos de domínio sobre a coisa,
bastando a possibilidade de tais atos se exercerem.
De todo modo, o corpus e o animus não se podem entender como coisas separadas:
“funcionam numa espécie de interferência, de tal maneira que se pode falar numa relação
semelhante àquela que se verifica entre o corpo e o espírito- uma unidade psicológica”.
b. Doutrina objetivista
Considerando que a espiritualização da posse ligava uma noção conceitualista de direito que
aos direitos reais não interessam as intenções subjetivistas, Ihering defende um sistema
objetivista que atende não há intenção como que se exerce a posse, mas o próprio poder que
se exerce. Ihering Não suprime inteiramente o elemento intencional porque reconhece que
sem vontade não a posse. Simplesmente considera que este elemento está implicitamente
contido no poder de facto que se exerce sobre a coisa possuída ponto neste sentido, se o facto
de revelar objetivamente que alguém possui para outrem, não haverá posse, mas mera
detenção: teremos um detentor subordinado, não um possuidor.
Menezes cordeiro considera que à exceção do artigo 1253 não há referências ao animus nem a
qualquer outro elemento subjetivo sobretudo no artigo 1251 e 1263
Carvalho Fernandes observe que no artigo 1251 não se faz referência ao animus sendo antes
marcadamente objetivista a forma como o instituto nele é configurado. Considera que havendo
corpos em princípio a posse, salvo quando a atuação do possuidor revela uma vontade
segundo a qual eu acho sem animus possidendi
doutrina oposta é defendida por Pires de Lima Antunes Varela para quem embora o artigo
1251 não se refira ostensivamente elemento subjetivo deriva de outras disposições do código
especialmente do processo do artigo 1253 dizendo que o legislador não aceitou a teoria
objetivista da posse consagrado em alguns códigos estrangeiros pois para que haja posse é
preciso alguma coisa mais do que um simples poder de facto. Orlando Carvalho por sua vez
como referido supra esclarece que o sistema subjetivista é o adotado por nós, o que decorre
do artigo 1251 segundo o qual a posse é o poder que se manifesta quando alguém atua por
forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real: cá temos
o animus em sentido de possidendi.
Também Mota Pinto nota que entre nós está acolhida a posição subjetivista porque NOS
artigos 1000 251223 verifica-se que a possa dizer corpus e o animus: se falta o ânimo estamos
perante uma média tensão a posse precária. Henrique Mesquita considera que não pode pôr
sem dúvida que a nossa lei consagra a conceção subjetiva: possuidor é apenas aquele que
atuando por si ou por intermédio de outrem, além do corpus possessório tenha também o
animus possidendi.
Preferimos a doutrina defendida por quem considera que o nosso código consagra a orientação
subjetivista sem, todavia, recusar a existência de elementos objetivos.
68. Objeto
Passíveis de posse são todos os bens passíveis de domínio, ou seja, genericamente, todas as
coisas. Na possessio rei só o eram as coisas corpóreas e simples, mas a sensibilidade dominial
evoluiu e hoje o conceito de coisas estende-se às coisas incorpóreas e complexas.
Em relação aos direitos reais de garantia o problema é discutível, porém embora o código não
resolva expressamente há quem admita que não quis dar abrigo ao instituto da posse.
Refere-se por um lado que se trata de direitos acessórios direitos de crédito que dificilmente se
possam constituir independentemente dos direitos de que dependam. Por isso afirma-se que o
legislador individualizou para efeitos de usucapião os direitos reais de gozo deixando fora os
direitos reais de garantia.
Depois invoca-se o penhor e diz que se estivesse abrangido pelo conceito de posse seria
desnecessária a alínea d do artigo 670 que concede ao credor pignoratício as ações destinadas
à defesa da posse, mesmo contra o dono.
Há, no entanto, quem não recuse a posse correspondente aos direitos reais de garantia
suscetíveis de poderes de facto e, por isso, a admitem no penhor e no direito de retenção:
nestes casos, existe efetivamente um poder de facto sobre a coisa. No primeiro há um
desapossamento do devedor; no segundo a coisa não está nas mãos do credor.
Outro problema é o da posse poder recair em coisas de domínio Público. Há quem recuse
invocando que tais bens são res extra commercium e, portanto, não podem ser objeto de
direitos privados. Mas há igualmente quem diga a posse de certas coisas públicas apontando
os baldios e as águas originariamente públicas que se tornaram propriedade privada com base
numa espécie de ocupação denominada preocupação.
Também nos direitos reais de aquisição se considera que após está igualmente excluída, por se
tratar de direitos que se extinguem com o seu exercício e, portanto, não podem originar
situações de exercício duradouro que a posse pressupõe. Afastados os direitos reais de garantia
de aquisição ficam os direitos reais de gozo que constituem o campo de eleição da posse
embora nem todos e nem com a mesma amplitude: no primeiro caso, estão as servidões não
aparentes que apenas são suscetíveis de posse quando esta se funda em título provindo do
proprietário do prédio serviente ou de quem lhe transmitiu. No segundo, encontramos os
direitos reais limitados cujo âmbito fica aquém do direito de propriedade.
É certo que a partir da construção do artigo 1302 já se quis que os bens incorpóreos puros e o
próprio estabelecimento fossem insuscetíveis de posse, e assim limita-se a posse ou exercício
aparente do direito de propriedade ou de outros direitos reais que incidam sobre coisas
corpóreas. Mas esta conceção está errada
Mesmo para os bens incorpóreos puros como as obras de engenho ou as invenções a comum
doutrina de que não são suscetíveis de posse repousa a nosso ver numa noção grosseira de
poder empírico que se equipara ao poder físico numa conceção errónea do que são esses bens
como objetos do tráfico, senão também numa confusão entre posse e usucapião, que é apenas
um efeito falível da posse. Poder empírico não é necessariamente poder físico: é sim poder não
jurídico, isto é não simplesmente formal jurídico possível e só possível mediante a intervenção
reguladora da norma.
Diverso problema é o de saber se essa posse deverá poder conduzir à usucapião. O que não
parece defensável, tratando-se de obras de engenho invenções, contra o autor delas, pois o
que ele e premeia com reconhecimento exclusivo é justamente a autoria. Contra os seus
sucessores pelo menos inter vivos já a solução é duvidosa
Art 1266
“Uso da razão” não é o mesmo que “razão”, compreendendo, na linguagem comum e não só,
um mínimo de capacidade de querer e de agir. As fórmulas são, por conseguinte, fungíveis,
salvas as diferenças a que em cada norma se submete essa “capacidade natural”.
De acordo com o 488/2 presume-se que não têm uso da razão os menores de 7 anos e os
maiores acompanhados, pelo que, em principio, só eles é que não poderão adquirir
pessoalmente posse. Trata-se, porém, de uma presunção ilidível.
A lei dispensa o uso da razão para as coisas suscetíveis de ocupação (art 1308) porque, quanto
a elas, a simples apreensão como operação jurídica, com fruste mediação da vontade do
sujeito verificados ou não certos requisitos ulteriores, é uma forma de aquisição da
propriedade.
Exceção à regra do uso da razão será também, na sucessão mortis causa, o caso em que a
aceitação, prescrita no art 2050, para “o domínio e posse dos bens da herança”, efetivamente
se dispense. Assim na hipótese do art 1890/3.
Claro que a aquisição da posse por intermédio de outrem é perfeitamente possível, como
consequência da admissibilidade de exercício da posse em nome alheio (art 1252/1 e 1253-c).
Será mesmo o modo normal de se suprir a incapacidade de aquisição dos 7 anos e dos
interditos por anomalia psíquica bem como das pessoas juridicas em sentido estrito.
70. Composse
Há composse quando a posse de uma coisa tem vários titulares. Pode existir em relação a
qualquer direito real suscetível de posse; e se este direito for divisível ou indivisível também a
composse o será. Não se trata de várias posses correspondentes ao mesmo direito real sobre
uma coisa, mas sim de uma posse com dois ou mais titulares porquê.
Em relação ao seu exercício, deve obedecer aos princípios que disciplinam a comunhão do
direito a que a posse corresponde.
E quanto à sua defesa, cada um dos eus compossuidores pode recorrer, contra terceiro, aos
meios que protegem a posse. Nas relações entre compossuidores não é permitido o exercício
da ação de manutenção, porque cada compossuidor tem a posse e, portanto, os seus atos
turbativos são incaracterísticos.
Manuel Rodrigues dá-nos conta de duas grandes doutrinas sobre a natureza da posse.
Destacamo-las:
a) A posse é um facto: era a opinião mais vulgar, suportada em algumas fontes do direito
romano
b) A posse é um direito: é um direito subjetivo porque “há um poder, um interesse e uma
garantia jurídica”.
Manuel Rodrigues acolhe a ultima doutrina e considera que a posse é um direito real uma vez
que é um poder direto e imediato sobre as coisas e o seu titular tem a faculdade de exigir de
todos os indivíduos uma abstenção que lhe permite exercer os elementos constitutivos do
direito que exterioriza”.
Esta doutrina é também defendida por Mota Pinto, Henrique Mesquita e Carvalho Fernandes.
Mota Pinto diz que o regime revele que é um verdadeiro direito real, embora provisório. É um
direito real, porque a posse “confere um poder sobre uma coisa em face de todos os outros”.
Mas “é um direito provisório porque a sua proteção só se mantém, ou melhor, cessa, não
havendo anteriormente usucapião, perante a ação de reivindicação”.
Henrique Mesquita distingue dois planos: o físico e o jurídico. No primeiro, refere que “a posse
é um facto”. Simplesmente, “este facto é recebido pelo direito que lhe atribui diverso efeitos,
independentemente de qualquer indagação sobre a existência do direito real correspondente
aos poderes por este exercidos sobre certa coisa”. Por outro lado, “a posse figura na esfera
jurídica do possuidor como um valor patrimonial autónomo” que é negocial, transmissível por
via hereditária, suscetível de inscrição de inscrição no registo predial e “pode ser defendida
contra atos de turbação ou esbulho mesmo que provenham do titular do direito real possuído”.
Por isso, o autor refere que se trata de um direito subjetivo de natureza real, mas em que
existe algo de especifica: “a posse tem características diferentes das que normalmente reveste
o facto jurídico: enquanto em relação a qualquer outro direito subjetivo, o facto que lhe dá
origem apenas tem de existir no momento do surgimento do direito.
Carvalho Fernandes nota que “a posse não pode deixar de ser configurada como uma realidade
jurídica cuja qualificação como direito subjetivo representa a solução adequada” porque “há
um poder” ou seja “meios de agir atribuídos a certa pessoa em vista da realização de
interesses particularmente lícitos e mediante a afetação de um bem que, neste caso concreto,
é uma coisa”.
Segundo Oliveira Ascensão a posse era, na vigência do Código de Seabra um verdadeiro direito
real: a ação de restituição da posse podia ser intentada “não só contra o esbulhador como
contra qualquer terceiro para quem o esbulhador houvesse transferido a coisa por qualquer
titulo. Porem no atual código esta ação “só pode ser exercida contra o esbulhador e herdeiros,
e ainda contra quem estiver na posse da cosia e tiver conhecimento do esbulho”. Ou seja: a
posse “perdeu a natureza de direito real”.
Menezes Cordeiro entende que “a posse pode ser um facto ou pode ser um direito, conforme o
modo por que seja tomada. Enquanto controlo material duma coisa, ao qual o Direito associa
múltiplos efeitos jurídicos, a posse é um facto jurídico”. Porém, porque “entre os efeitos
produzidos conta-se uma permissão de aproveitamento duma coisa”. Finalmente, interroga-se
se a posse será um direito real “quando seja tomada como direito subjetivo” e responde que
não é um verdadeiro direito real de gozo, mas quando muito um direito de gozo diferenciado”.
Até aqui observamos doutrinas para as quais a posse pode ser um direito real ou relativo.
Posição radicalmente oposta é defendida por Orlando de Carvalho que ensinava: a posse “é
meramente uma situação de facto juridicamente relevante, mas não é um direito”. Dizia ainda
que a posse era em certa medida um anti direito, a negação do direito.
Que dizer destas doutrinas? A posse é um poder que se exerce direta e imediatamente sobre
uma coisa corpórea certa e determinada; produz efeitos jurídicos, satisfazendo o interesse do
possuidor; e é tutelada pelo ordenamento jurídico, embora enquanto o possuidor não for
convencido na questão da titularidade do direito a que a sua posse corresponde. Por isso, e
sem afastar a verdade que existe em qualquer das teorias, parece-nos mais acertada a doutrina
que considera a posse um direito real de gozo, embora provisório
A posse tem características que têm que ver com o nexo da posse com o direito em termos do
qual ela se possui, com consciência com que é adquirida, bem como com a pacificidade e a
cognoscibilidade com que se adquire e exerce.
Art 1259/1 “diz-se titulada a posse fundada em qualquer modo legitimo de adquirir
independentemente quer do direito do transmitente quer da validade substancial do negocio
jurídico”.
Trata-se duma posse que tem a sua causa num negocio abstratamente idóneo para transferir a
propriedade ou outro direito real de fruição. Dispensa-se o direito do transmitente (aquisição a
non domino) e não é afastada por vícios de fundo que não exclua o animus de a adquirir como
o dolo, erro obstáculo, coação moral, etc.
À posse titulada contrapõe-se a posse não titulada ou mera posse que não se funda em
qualquer titulo legitimo de adquirir. O código utiliza indiferentemente as duas expressões.
“Modo legitimo de adquirir” o quê? A posse não, poi, ou a posse se adquire por modo
legalmente irrelevante, e não é posse relevante, ou toda a posse adquirida por modo
relevante, que é a única posse como fenómeno produtor de consequências juridicas, seria
titulada e não haveria posse sem titulo. Logo, o que se quer dizer é “qualquer modo legitimo
de adquirir” o direito em termos do qual se exerce o poder de facto. O que, contudo, num
sistema de titulo como o nosso só pode significar, não modo em sentido técnico, mas titulo.
“Legitimo”, no entanto, não quer dizer válido e muito menos procedente, se o fosse haveria
direito e posse causal, não a posse autónoma ou formal de que está a tratar a lei. Quer dizer
sim existente e suscetível em abstrato de atribuir ou constituir aquele direito.
O “fundada” da lei não significa que a posse proceda genericamente desse titulo que é causa
de atribuição do direito, mas não causa de atribuição ou aquisição da posse. Em si, a posse
procede de outro facto jurídico, que a transfere ou cria originariamente. O “fundada” na lei
significa apenas que a posse tem atrás de si, como causa legitimante da sua aquisição, um
titulus adquirendi do direito e, por isso, se diz titulada ou com titulo.
É demasiado restrito porque sugere que o titulus adquirendi da primeira parte é só o negocio
jurídico quando não o é, é qualquer titulus adquirendi. O negocio jurídico, máxime o contrato
real quoad effectum, será o caso mais corrente, mas não o único. Quanto a ele, contudo, é que
valem as observações seguintes da lei: independência do titulo da posse em face do direito do
transmitente e da invalidade substancial do negocio em questão.
Mas há causa substancias de invalidade que excluem a posse e nem sequer se pode pôr o
problema do titulo. É o que acontece com a simulação absoluta (há quem entenda que o
adquirente não é possuidor porque não tinha qualquer animus de adquirir um direito real
sobre a coisa) e na simulação relativa, sempre que o negocio dissimulado, no caso desta ultima,
não é real quod effectum; e identicamente com a reserva mental conhecida do declaratário:
desde que se trate de reserva mental absoluta ou de reserva mental relativa em que o negocio
oculto não seja um negocio abstratamente translativo ou constitutivo de direitos reais.
Se, portanto, não pode dizer-se que todos os vícios substanciais do negocio titulo não relevam
para o titulo da posse, menos se poderá dizer que todos os vícios não formais são desse ponto
de vista indiferentes. Há casos patológicos do negocio jurídico que nada têm a ver com a forma
e que retiram o titulo da posse, posto não excluam esta ultima. É o que se passa com todas as
causas de inexistência do negocio jurídico desde a coação física às declarações não serias, em
geral a todos os casos de falta de vontade de ação, de falta de vontade ou consciência da
declaração ou falta completa de vontade de efeitos.
Tirando estes casos, porém, os vícios não formais do negocio ou títulus adquirendi não afetam
o titulo da posse. Assim, além da falta de direito ou de legitimidade do tradens, todas as causas
não formais de invalidade não referidas: sejam causas de nulidade, como a violação da lei, da
ordem publica ou dos bons costumes, certas incapacidades de gozo e quase todas as
indisponibilidades relativas.
Os vícios de forma é que determinam, sem duvida, a falta de titulo da posse, como se vê do art
1259/1 a contrario.
Em conclusão: para haver posse titulada são precisos dois requisitos. Um, positivo, e que é a
legitimação da posse através da existência de um titulus adquirendi do direito em termos do
qual se possui. Outro, negativo, e que é, sendo esse titulo um negocio jurídico, a não existência
de vícios formais nesse mesmo negocio
O art 1259 não trata dos requisitos que a lei estabelece para o titulus adquirendi não negocial.
Se este é a lei, pura e simplesmente, como no direito de retenção desde que a lei o determine
haverá direito e a posse é em principio causal. Se é uma operação jurídica tudo depende do
regime que a lei organiza.
O titulo da posse, como se diz no art 1259/2 “não se presume, devendo a sua existência ser
provada por aquele que a invoca”. Exclui-se assim o chamado titulo putativo. E se o possuidor
goza da presunção da titularidade do direito (1268/1) isso não equivale a presunção do titulo
da posse.
A distinção entre posse titulada e não titulada releva para vários efeitos: para efeitos das
presunções legais dos art 1254/2 e 1260/2 e 3; para efeito do art 1270/3 e; para efeito dos
prazos da usucapião (1294, 1296, 1298, 1299 e 1330/2)
Art 1260
O código presume de boa-fé a posse titulada e, de má-fé, a posse não titulada; e considera
sempre de má-fé a posse adquirida por violência, mesmo quando seja titulada.
A contrariu sensu, a posse de má-fé é aquela cujo possuidor conhece, quando a
adquire, que lesa o direito de outrem.
A referencia à ignorância do possuidor na posse de boa-fé suscita um problema: a boa-
fé é um conceito de natureza psicológica ou ética?
Há quem entenda que a lei não entra em indagações sobre a desculpabilidade ou
censurabilidade da ignorância, ou seja, contenta-se com um sentido meramente psicológico.
Por isso, possui de boa-fé quem ignora que está a lesar os direitos de outrem.
Mas há também quem considere que a boa-fé possessória é ética; não esta de boa-fé, mas de
má-fé, a pessoa que, com culpa, ignora que está a violar o direito de outrem. Ou seja, a boa-fé
exige o cumprimento de deveres de diligencia e de cuidado; por isso, se o possuidor os
descurou, está de má-fé.
O Dr. Orlando de carvalho considera que a posse é um conceito puramente psicológico e, logo,
puramente fáctico de boa-fé, residindo esta na pura ignorância, ou ignorância efetiva, de que
se lesam direitos alheios. Nenhum padrão ético-jurídico se tem de tomar.
Tal conceção puramente psicológico-empírica faz, porem, com que a prova seja extremamente
difícil recorrendo a lei a presunções (art 1260/2)
Tal conceção puramente psicológico-empírica faz, porém, com que a prova da boa ou má-fé
seja extremamente difícil, pelo que a lei recorre a presunções: no artigo 1260/ 2, determina-se
que «a posse titulada se presume de boa-fé, e a não titulada de má-fé». Compreende-se este
recurso porque, se a existência de título não é suficiente, de per si, para fundamentar a boa-fé,
constitui, no entanto, um sério indício de que se julgou adquirir o direito e, por conseguinte, de
que a posse se julgou adquirir sem prejuízo para outrem. Aflora aqui a já assinalada ideia da
posse como «valor de conhecimento», que a justifica como caminho para uma autêntica
dominialidade.
Visto, contudo, o carácter falível dessa base, é evidente que as presunções do artigo 1260.0, 2,
são apenas juris tantum, ou seja, elidíveis mediante prova em contrário (como resulta, de
resto, do art. 350.9, 2). O que já não sucede com a presunção do artigo 1260/3 que é uma
presunção inelidível.
Art 1261
Quanto à coação moral o legislador remete para o art 255/3, mas quanto à coação física não se
remete para norma nenhuma. Conhece-se, porem, a tradicional e indiscutida doutrina da vis
absoluta ou vis compulsiva, em que a coação física é a que coloca o ato em situação de
absoluto automatismo, retirando-lhe qualquer liberdade de escolha com a leitura que os atuais
conhecimentos permitam fazer. Para o efeito concreto importa mais a noção do art 156/1 do
CP
A violência a que se refere o art 1261 tem de exercer-se sobre as pessoas, e não apenas sobre
as coisas que constituem um obstáculo à privação da posse. A ameaça pode respeitar a
pessoas ou bens, mas há-de exercer-se sobre a pessoa do coacto. A violência contra as coisas
só é relevante se com ela se pretende intimidar, direta ou indiretamente, a vitima da mesma,
não devendo, por isso, qualificar-se como tal os meros atos de destruição ou danificação
desprovidos de qualquer intuito de influenciar psicologicamente o possuidor. A doutrina
considera violenta a posse que foi obtida através de uma pressão especial e, por isso, entende
que a posse de quem furta uma coisa não é violenta, contrariamente ao que normalmente
sucede no roubo. Mas já se tem considerado violenta quando se corta a eletricidade e se
fecham os portões impedindo a passagem de carro.
A lei considera a posse como pacifica no momento da sua aquisição, mas o seu o carácter
pacifico ou violento pode projetar-se também durante o seu exercício: a posse é violenta
enquanto se mantiver a coação e passa a pacifica quando a violência cessa.
Exemplifiquemos. Em 1980, A doa a B, sob coação física, por escrito particular, um prédio
urbano, entrando B na posse do mesmo. Depois disso, B continua a ameaçar A, dizendo-lhe
que, se revela o que se passou, o «liquida», prolongando-se essas ameaças até 1984.
Entretanto, em 1982, B vende o prédio a C, também por escrito particular, e transmite-lhe a
posse. Pelo primeiro facto, B adquiriu a posse em termos de propriedade, pois tinha corpus e
animus, e posse violenta, porque obtida por coação física. Pelo segundo facto, C torna-se
igualmente possuidor em termos de propriedade, mas a sua posse é pacífica relativamente a B;
só que não pode esquecer-se que, relativamente a A, está sob violência até 1984, altura em
que cessam as amenas de B sobre o primeiro possuidor. Para caracterizamos esta situação
dúplice é que dizemos, não que a posse de C é violenta, mas que está sob violência. Sem esta
possibilidade, era ininteligível o disposto no artigo 1300/2, de que falaremos mais tarde. o
Além disso, a violência com que uma posse se adquiriu pode cessar e a lei dá relevo à sua
cessação. Trata-se, pois, de uma característica não permanente, que não marca de modo
indelével a situação possessória. É o que decorre dos artigos 1267/2, 1282, 1297. e 1300/1. A
determinação do momento em que a violência cessa é uma questão de facto, a averiguar de
acordo com as circunstâncias sub judice.
A distinção entre posse pacifica e violenta releva para vários efeitos: para a presunção legal do
art 1260/3; para, em matéria de tutela possessória, o art 1267/2, o 1279 e o 1282; em matéria
de usucapião para os arts 1297 e 1300. Alguns desses efeitos supõe a violência ou não
violência no momento da aquisição e só nele, sendo insensíveis a qualquer alteração sobre a
qualquer alteração sobrevinda ou à aquisição sob violência: é o caso dos arts 1260/3 e 1279.
Outros implicam e dão relevo a essa alteração sobrevinda: é o caso dos arts 1287/2,
1282,1297,1300/1.
Art 1262- a contrario sensu considera-se oculta a posse que estes não podem conhecer.
O texto da lei é inexato enquanto sugere que o que importa para esta característica é o
momento do exercício, e não o momento da aquisição da posse. Claro que o que releva, desde
logo, é o momento da aquisição, não o do exercício ulterior. O que pode acontecer é que uma
posse, adquirida ocultamente, se exerça de forma pública; só que neste caso há alteração da
característica, sendo sempre erróneo dizer-se que se adquiriu publicamente. Nem se objete
que a simples característica aquando da aquisição é irrelevante. A mais de entre a aquisição e o
exercício sempre haver um maior ou menor espaço temporal (salvo se a própria forma de
aquisição pressupõe um certo exercício, como acontece na aquisição paulatina, mas neste caso
o conceito de publicidade não é. o do art. 1262.°) e de a posse, como se viu, não implicar atos
de utilização ou de gestão, mas apenas a entrada da coisa na esfera de disponibilidade
empírica do sujeito, a mais disto - que dá um indiscutível relevo ao carácter público ou oculto
da aquisição em si, nos casos de aquisição instantânea -, lembre-se que o artigo 1300.9, 2,
postula que o terceiro de boa fé adquiriu a posse publicamente, embora sob ocultação, e não
que ele próprio a adquiriu ocultamente, em termos idênticos aos que observámos quanto à
violência ou não violência. Aliás, o mesmo ocorre (a relevância do momento da aquisição é só
dele), para a posse tomada publicamente, com os artigos 1267/2, 1282, 1297 e 1300/1, ou
seja, com as demais normas em que esta característica justamente releva.
O carácter ou oculto da posse é, como dissemos, também, uma característica relativa e não
permanente. Relativa porque a cognoscibilidade é apenas em confronto dos interessados, e
não das pessoas do círculo social onde a posse se localiza. Não é por isso necessário um
consenso público: basta que o interessado venha a saber, por qualquer meio, que o sujeito
possui a coisa, para que não logre opor-lhe, a partir de então, o carácter oculto da posse. A
cognoscibilidade absorve o conhecimento efetivo, mesmo que a este se chegue por processos
incomuns. Mas o carácter público ou oculto é ainda relativo porque, tal como o carácter
violento, pode oferecer uma dupla face: uma posse pode ter sido tomada publicamente, ser,
portanto, pública em relação ao Ex possuidor, e prolongar uma ocultação prévia, estar sob
ocultação. Se B se apodera indevidamente de um relógio de A, sem este saber nem poder
saber quem lho furtou, e B o leva para parte incerta, onde o vende a C, a posse de C é pública
em ordem a B, mas, relativamente a A, é oculta, ou melhor, é uma posse sob ocultação, não
podendo deixar de ligar-se-lhe os efeitos jurídicos correspondentes. Sem esta possibilidade era
ininteligível o disposto no artigo 1300/2. Além disso, esta característica é uma característica
não permanente. A clandestinidade da posse desaparece se esta vier a exercer-se de modo
público (o inverso é possível, mas irrelevante, porque, se a posse se adquiriu publicamente,
ainda que se exerça de modo clandestino, o ex-possuidor teve ensejo de a conhecer e é, por
conseguinte, pública em relação a ele: daí as formulações dos arts. 1267/ 2, 1282. ° e 1297).
A lei atribui efeitos, também aqui, a essa alteração superveniente, como se observa das
normas referidas, bem como do artigo 1300/2. Claro que a clandestinidade cessa já porque a
posse passa a exercer-se publicamente, já porque o atual possuidor a leva, de qualquer modo,
ao conhecimento dos interessados ou ela se lhes torna por qualquer modo cognoscível. A
distinção entre posse pública e oculta releva para fins de tutela possessória - artigos 1267/2 e
1282. (caducidade da ação de manutenção ou de restituição) - e para fins de usucapião -
artigos 1297° e 1300. De qualquer dessas normas decorre que, na posse que se adquiriu
publicamente, o carácter público subsiste mesmo que a posse se exerça depois a ocultas; na
adquirida ocultamente, é que a sobrevinda alteração tem relevo, sem prejuízo do que já se
disse para a posse sob ocultação (1300/ 2). Para o registo da mera posse também se exige
posse pública há, pelo menos, cinco anos (art. 1295/2).
Art 1253
f. Outras modalidades
Trata-se de um principio que consagra um dos efeitos mais fortes da posse de boa-fé, cuja
origem remonta ao demito alemão onde se impos a regra de que o proprietário da coisa não
pode reivindicar de quem, de boa-fé, os tenha adquirido a non domino.
O principio romano consagrava: nemo plus iuris ad alium transfere potest quam ipse haberet
segundo o qual só o proprietário podia transferir o seu direito de propriedade. A importância
desta regra foi nula em Portugal por força da nossa tradição jurídica. O código português
consagra uma solução conciliatória, sem afastar o direito de sequela reconhecido ao
proprietário: este pode reivindicar a coisa ao terceiro que, de boa-fé, a comprou a comerciante
que desenvolve a sua atividade comercial do mesmo ou semelhante género. Porem deve
restituir-lhe o preço, gozando, depois, do direito de regresso contra quem culposamente deu
causa ao prejuízo.
82. Frutos
Perguntar-se-á: durante a posse, a quem pertencem os frutos da coisa possuída? Dir-se-á que
se lhe não fossem reconhecidos quaisquer direitos o possuidor podia perder o seu interesse.
O possuidor de boa-fé é responsável por perda ou deterioração da coisa se tiver procedido com
culpa. Dir-se-ia, a contrario sensum que o possuidor de má-fé responde mesmo que tenha
atuado sem culpa. Porém esta solução deve ser afastada se provar que a perda ou deterioração
se teriam igualmente verificado se a coisa se encontrasse em poder do titular de direito: trata-
se da doutrina consagrada em relação ao devedor em mora, havendo bom fundamento para
defender a sua aplicação ao possuidor de má-fé: aposto má é um facto ilícito que constitui em
mora o possuidor quanto à obrigação de restituir a coisa ao seu titular, independentemente de
interpelação.
Ao possuidor cabe, no entanto, o antes de fazer esta prova
84. Encargos
os encargos com coisa objeto de posse são pagos pelo titular do direito do possuidor, na
medida dos seus direitos sobre os frutos no período a que esses cargos respeitam.
Trata-se de despesas feitas não para evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa
(benfeitorias necessárias), mas dos encargos normais que correspondem ou estão adstritos à
sua fruição.
85. Benfeitoras
No ajuste de contas final em que o possuidor é obrigado a ceder perante o titular do direito, ou
voluntariamente ou porque foi intentada com êxito uma ação de reivindicação, poe-se o
problema de saber se deve ser indemnizado ou se poderá levantar as benfeitorias feitas na
coisa possuída.
Porém, porque as benfeitorias podem ser diferentes, importa distinguir as que são necessárias,
uteis e voluptuárias:
1. benfeitorias necessárias- art 1273/1: o possuidor de boa ou má-fé tem direito a ser
indemnizado. Assim se evita o locupletamento injusto do titular do direito real sobre a
coisa benfeitorizada porque, sendo indispensáveis à subsistência da coisa, eram
despesas que o titular do direito teria de fazer. O crédito da indemnização pode ser
compensado com a responsabilidade do possuidor por deteriorações (1274);
2. benfeitorias úteis: o possuidor de boa ou má-fé pode levantá-las se o puder fazer sem
detrimento da coisa (1273/1); de contrário, o benfeitorizante terá direito a ser
indemnizado segundo as regras do enriquecimento sem causa (1273/2). Ao possuidor
pertence o ónus de provar que o levantamento dessas benfeitorias causa esse
detrimento. Entretanto, o possuidor de boa-fé goza do direito de retenção (754 e 756/a
e b). O crédito resultante dessas despesas pode ser compensado com a
responsabilidade do possuidor por deteriorações (1274)
3. Benfeitorias voluptuárias: o possuidor de boa-fé pode levantá-las se não casuar
detrimento da coisa; de contrario, nem as poderá levantar nem terá direito a qualquer
indemnização (1275/1). Por sua vez, o possuidor de má-fé nem as pode levantar nem
tem direito a indemnização (1275/2)
86. usucapião
86.1. Introdução
No direito romano aparece consagrado na lei das XII Tábuas que impos um tempo de usus
assaz breve: dois anos, nos fundi, e um ano nas restantes coisas. Não podiam ser usucapidas as
coisas furtadas, as coisas possuídas por violência, etc.
Depois a usucapião conheceu uma significativa evolução: Na época clássica exigia-se a justa
causa e a boa-fé do possuidor no inicio da posse. Foi introduzido um novo instituto que
penalizava o proprietário de um fundus providencial, impedindo que a sua reivindicação
tivesse êxito: quem tivesse a posse sem oposição do proprietário, mesmo sem justa causa e
sem boa-fé, durante dez ou vinte anos podia paralisar a reivindicação do proprietário com uma
exceptio denominada prescrição de longo tempo. Fundado na inação do proprietário e no
longum silentium que faz presumir a carência do direito, este instituto não produzia efeitos
aquisitivos, mas nem por isso deixava de proteger a posição do possuidor.
À usucapião são aplicáveis certas regras relativas à prescrição, como as que se referem à
suspenso, interrupção da prescrição e recusa do conhecimento oficioso pelo julgador. Por fim,
os efeitos da usucapião retroagem-se à data do inicio da posse. Observando-se mais de perto o
regime jurídico, regista-se o afastamento da expressão prescrição positiva ou aquisitiva,
substituída por usucapião. E assinala-se a restrição a direitos reais de gozo, com as exceções já
referidas: as servidões prediais não aparentes e o direito de uso e habitação.
Incluem-se, nos direitos reais de gozo a nua propriedade porque o seu titular, além de
poder praticar diretamente sobre a coisa determinados atos materiais, exerce a sua posse por
intermédio do usufrutuário. E, se a coisa for possuída livre de quaisquer direitos ou encargos
que sobre ela incidam, adquirir-se-á exatamente como é possuída: é a denominada usucapião
libertatis.
Em relação aos prazos, distingue-se a posse de coisas imóveis e de coisas móveis. Quanto às
primeiras, urge considerar ainda:
-Existência de titulo de aquisição e registo: a posse deve durar dez e quinze anos
contados a partir da data do registo, respetivamente se o possuidor estiver de boa ou
de má-fé;
- Inexistência do titulo de aquisição, mas registo da mera posse: os prazos são de cinco
e dez anos, contados da data do registo, respetivamente se o possuidor estiver de boa
ou de má-fé;
- Inexistência de registo: os prazos são de quinze e vinte anos, contados desde o inicio
da posse, respetivamente se o possuidor estiver de boa ou má-fé.
Quanto aos bens do domínio provado do Estado, a usucapião só se cumpre quando tiver
decorrido o prazo fixado na alei civil acrescido de metade. Finalmente o Código dispõe que, na
posse obtida por violência ou ocultamente, os prazos de usucapião só começam a contar
quando a violência cessa ou a posse se torna publica: consagra-se o principio de que a
violência ou a posse tomada ocultamente impede a usucapião.
-Móveis registáveis:
Mantém-se, nas coisas móveis, a proibição da usucapião na posse violenta ou oculta. Porém,
admite-se a possibilidade de antes da cessação da violência ou da ocultação, a coisa possuída
passar a terceiro de boa-fé: neste caso, o interessado pode adquirir direitos sobre ela,
decorridos quatro ou sete anos a partir da constituição da posse; consoante seja titulada ou
não titulada.
Trata-se dum caso especial que reclama uma solução de equidade.
87.Introdução
Eis uma matéria em que o dispositivo legal é particularmente incorreto e lacunoso, já quando
faz o elenco das formas de aquisição (art. 1263), já quando tenta definir algumas delas (arts.
1264.° e 1265). Pois justamente este é um dos pontos em que mais urge desprendermo-nos da
tradicional sistemática e terminologia jurídica, tendo em atenção os factos si e por si.
O elenco do art. 1263. ° não é, obviamente, taxativo nem se vislumbra qualquer razão para que
o fosse. Que o não é resulta da própria lei, visto não incluir formas de aquisição que esta
expressamente reconhece: o caso da sucessão por morte, reconhecido no art. 1255. °, e o caso
do esbulho, reconhecido nos arts. 1276. e segs. Nada obsta assim a que se admitam outras
formas de aquisição de poder empírico sobre uma coisa em termos de um direito real, algumas
desde há muito reconhecidas pela doutrina, como a traditio brevi manu, outras que importa
reconhecer porque praticamente possíveis e compatíveis com o nosso sistema possessório.
A) Aquisição originária
Aquisição originária de posse é aquela em que a posse do adquirente surge ex novo na esfera
de disponibilidade empírica do sujeito, porque não depende geneticamente de uma posse
anterior; depende apenas do facto aquisitivo (que integram, como se sabe, um corpus e um
animus). Mesmo que uma posse anterior tenha existido (como acontece em todos os casos de
usurpação), a posse do adquirente não provém dela, não tem causa nela, mas adquire-se
contra ela ou apesar dela.
I - A ocupação;
II - a acessão;
III - a usurpação:
e) o esbulho
I - A ocupação
É uma forma de aquisição da propriedade de coisas móveis sem dono, já porque nunca o
tiveram (res nullius), já porque foram abandonadas (res derelictae), já porque se perderam (res
desperditae), ou esconderam ou enterraram, não podendo sem mais determinar-se a quem
pertencem.
A sua apropriação dá-se pela simples operação jurídica de apresamento ou apreensão material,
o que significa que nesse ato a coisa entra na disponibilidade fáctica do sujeito. Se, porém, a
apreensão é tal que a coisa não se houve nem podia ter-se havido como sem dono, deu-se
verdadeira usurpação do domínio e aí a aquisição da posse não é a ocupação. Contudo, se se
verificava o inverso, a aquisição da posse é a ocupação, que constituindo um titulus adquirendi,
em abstrato, do direito, faz com que. a posse seja titulada: assim, como se disse, nos casos dos
arts. 1320/1, in fine, 1322/2, antes de decorridos os dois dias, e 1323/1, 2.ª parte, se e
enquanto não se anunciar o achado. Por força do art. 1266. °, a aquisição da posse por
ocupação dispensa o uso da razão, conforme já vimos. A fórmula da lei é infeliz porque parece
sugerir que o requisito da capacidade para a posse se dispensa para as coisas suscetíveis de
ocupação, e não só para a aquisição por ocupação da posse dessas coisas. Não é esse,
evidentemente, o sentido da lei.
O que se pretende dizer é que a ocupação dessas coisas dá posse independentemente de
animus relevante; e, mesmo assim, não porque se prescinda deste, mas porque este está como
que in re ipsa. Por esse motivo é que, contra o que poderia inferir-se da norma, a não exigência
de prova de animus nos parece valer, na ocupação, mesmo para os não menores de 7 anos
nem os maiores acompanhados. As coisas imóveis são insuscetíveis de ocupação, pois as que
não tenham dono conhecido revertem automaticamente para o património do Estado, ainda
que sobre elas não se exerça um efetivo domínio (art. 1341345. ° Código Civil).
II- A acessão
É também uma forma de aquisição do direito de propriedade, tanto sobre móveis como sobre
imóveis, e que decorre da adjunção, por obra da natureza ou por obra do homem, de uma
coisa (objeto enriquecedor) a outra coisa (objeto enriquecido). Na acessão natural, a entrada
do bem adjunto na área de disponibilidade empírica do sujeito depende de o objeto
enriquecido, que é propriedade daquele, estar na sua posse, estar já na sua disponibilidade
fáctica. Na acessão industrial, uma vez que esta implica indústria humana, o adjuntor exerce
sempre poder de ficto sobre as coisas ou, pelo menos, sobre o objeto enriquecido (quando a
adjunção é fundamentalmente de obra, como na especificação), pelo que, mesmo que a
propriedade não se adquira por não preenchimento dos requisitos legais, se interceder a
intenção de apropriação haverá corpus e animus e, por isso, posse. Claro que, como já se
frisou, só existe acessão se o adjuntor não souber que o objeto é alheio ou que o seu dono não
autoriza a adjunção Não existindo acessão verdadeira, haverá usurpação e a posse formal que
se verifique não terá fonte naquela.
III - A usurpação
É o fenómeno previsto no art. 1263- a): Aquisição da posse Trata-se de um dos modos mais
antigos de se adquirir a posse sobre os bens, ou, para utilizarmos a terminologia dos tipos, de
um dos mais longínquos Urbilden ou arquétipos da aquisição possessória.
1) Prática de atos materiais. Recorde-se tudo o que antes se disse acerca do corpus na posse,
ou seja, do respetivo elemento empírico. É o exercício de atos suscetíveis de integrarem esse
corpus que aqui se exige. Trata-se, pois, de atos que exprimam essa factualidade, esse poder
de facto, o que não significa, como já vimos, necessariamente atos materiais ou físicos e sem
que se esqueça que a posse e antes uma relação estancial do que uma relação de contacto
corpóreo ou semelhante.
O que se exclui, como também se acentuou, são simples manifestações de um poder formal-
jurídico, só exequíveis ou possíveis através da intervenção reguladora da norma. Anote-se,
todavia, que, se não se excluem atos que traduzem poderes de direito desde que traduzam
igualmente poderes de facto, excluem-se, porém, atos que traduzem poderes de facto que não
constituem manifestações de autoridade empírica sobre a coisa ou que apenas a implicam
intencionalmente (não efetiva e atualmente). Assim, atos de disposição da titularidade da
coisa, ou de poderes jurídicos sobre ela, desde que prescindam atualmente dessa coisa.
2) Reiteração. Esta forma de aquisição não é instantânea, mas paulatina, pelo que não basta
um ato para a posse se adquirir. Exige-se uma repetição ou reiteração, o que não significa
atuação ininterrupta ou continua ou sequer uma periodicidade determinada.
Competirá ao tribunal, em cada caso, aplicar regras prudentemente elásticas na avaliação da
natureza, intensidade e frequência da acumulação significativa dos atos necessários ao
surgimento da relação possessória.
Assim, deve atender-se, desde logo, ao carácter móvel ou imóvel e, dentro dos móveis,
corpóreo ou incorpóreo, do objeto discutido, já que os atos significantes não têm naturalmente
a mesma natureza num objeto material e num objeto imaterial e, dentro dos objetos materiais,
a mesma complexidade num bem móvel e num bem imóvel. Enquanto para um móvel basta,
em regra, a simples apreensão empírica, para um imóvel requer-se que se torne ostensivo o
senhorio sobre ele, pois ex natura implica mais que o homem se aproxime da coisa do que a
coisa do homem, exigindo um certo grau de desfrute da coisa, o desenvolvimento de uma
relação ativa com ela, não bastando, em princípio, a possibilidade permanente de acesso, até
porque, muitas vezes, outras pessoas beneficiarão dessa possibilidade. Além do carácter do
objeto, releva naturalmente o conteúdo do direito em cujos termos se visa possuir.
A prática reiterada não tem de ser necessariamente contínua. Não só admite a existência de
intervalos regulares de harmonia com o ritmo da normal utilização do bem, mas é compatível
com interrupções do contacto com o objeto provocadas por circunstâncias anormais
transitoriamente impeditivas dele - desde que não imputáveis a ato humano intencionalmente
constituinte de um poder empírico antagónico ou conflituante com o que através dessa prática
visa apossar-se da coisa.
Reiteração também não é repetição dos mesmos atos. Tudo depende do licere do direito a cuja
imagem se conforma. Nos direitos menos densos, como os direitos de servidão, a identidade
será de regra, ao passo que nos direitos mais densos, designadamente no de pleno domínio, a
regra será a diversidade ou a complexidade. Quanto
à frequência dos atos significativos, importa referir ainda que, mau grado a variação das
circunstâncias do caso concreto, o momento da aquisição da posse, que é o que consideramos
aqui, é mais exigente que o da sua mera continuação, pela necessidade que o adquirente
sempre tem de afirmar a inequivocidade de seu poder empírico sobre a coisa, a sua maior
possibilidade atual de exercer sobre ela, de modo privativo ou exclusivo, poderes de facto,
perante todos os que nesse momento aspirariam a um papel congénere. Sendo óbvio que o
exercício de poderes empíricos sobre a coisa é tanto mais imprescindível quanto mais a
situação da mesma faça presumir tentativas de turbação ou de substituição, por parte de
outros, desse «círculo de poder» privativo ou exclusivo.
Com efeito, ao invés das formas de aquisição instantânea, a aquisição paulatina pressupõe que
esse requisito se implica na prática necessária para a própria aquisição da qualidade de
possuidor. Não é, por conseguinte, só uma característica da posse: é característica da própria
factualidade em que a posse se funda. Daí que haja que ser tida em conta - e factualmente
comprovada - antes e para efeitos da aquisição da mesma posse.
3) Publicidade. Não se trata do conceito, já referido, do art. 1262.0, ou seja, de uma das
características da posse (posse pública ou oculta).
Do que se trata aqui é de que a prática de poderes empíricos sobre a coisa se processe
publicamente; à luz de quantos participam no círculo social em que o domínio se exerce. Com
efeito, é segundo o consenso público (ou o ponto de vista dominante no tráfico - «Verkehrsan-
schauung») aí estabelecido que se há-de afirmar e creditar o exercício dos poderes empíricos
sobre a coisa.
Por último, advirta-se que o consenso público a que se refere o art. 1263. °, a), não implica que
se crie a convicção de que o exercente é o titular do direito que os poderes empíricos inculcam.
Como se frisou, animus e corpus estão numa relação biunívoca: não há animus sem corpus
nem corpus sem animus, pois nem um se reduz à mera factualidade externa nem o outro à
mera intencionalidade interna. O facto «intende» o direito e a intenção de direito reflete-se no
facto. Esta interdependência um pouco subtil não é fácil de traduzir-se numa fórmula da lei e o
art. 1263.9, al. a), in fine, não é mais canhestro do que o art. 1251.0 Com a atenuante de não
estar, como este, a definir a posse, mas apenas a pôr as notas mais salientes de uma sua forma
de aquisição. Ainda que até por isto por estar a definir uma forma de aquisição - se ver que é
do animus que fala. Porque no momento aquisitivo é que a posse se revela, máxime
adquirindo-se porque de algum modo pré-existe: e pré-existe como posse, ou seja, como
poder de facto sobre uma coisa em termos de um direito real.
É o fenómeno previsto nos arts. 1263, al. d), e 1265.°. A lei não o define, como se observa,
limitando-se a referir as suas modalidades (art. 1265.), de forma, como veremos, não muito
correta. Em qualquer delas, contudo, trata-se da conversão de uma detenção em posse por ato
do próprio detentor. Alguém que exerce poderes de facto sobre uma coisa com simples animus
detinendi (detentor ou possuidor precário) converte a sua detenção em verdadeira posse,
passando a agir com animus possidendi ou verdadeiro animus.
Por exemplo: tenha um direito de usufruto, ou aja em termos de usufruto, sobre uma coisa;
inverterá se quiser exercer em termos de proprietário. Dir-se-á que aqui falha o pressuposto da
mera detenção, visto já possuir em termos de usufruto. Só que se esquece que o direito de
usufruto, se lhe atribui uma autoridade empírica praticamente plena, não lhe atribui uma
plena autoridade jurídica; ora na margem de autoridade empírica não coberta pela autoridade
jurídica, ele tem apenas uma detenção, não tem uma posse. Estas observações possibilitam-
nos acentuar um aspeto que é essencial para a caracterização desta figura. É que só há
inversão quando alguém tem - e na medida em que tem -, como antes se disse, uma
autoridade empírica sobre a coisa que lhe permita, não só modificar a razão pela qual atua,
mas atuar, em termos dessa nova razão sobre a referida coisa.
Essa oposição pode ser explícita ou implícita distinção que declaração de vontade (e não se
esqueça que a oposição é, no fundo, um ato declarativo).
a) Oposição explícita
É uma oposição formal, por meios notificativos diretos e levada ao conhecimento do possuidor.
Em regra, acompanhará atos que confirmam a sua seriedade, o propósito de se traduzir na
prática efetiva da utilização ou disposição empírica da coisa, mas atos que não têm outra
essencialidade além dessa: de serem índice ou confirmação da seriedade do propósito. A
declaração é que é importante, e só ela, até porque na sua ausência os atos complementares
seriam equívocos.
É o caso do arrendatário que não permite o exame da coisa locada ou se recusa ao pagamento
da renda, como o do mandatário, depositário ou comodatário que não devolve a coisa, extinta
a relação, etc. Sem a declaração de oposição esses atos poderiam constituir atos de mero
incumprimento. A declaração é que os qualifica, embora eles traduzam a seriedade do
propósito contraditório.
A declaração tem de ser levada ao conhecimento do possuidor (ainda que com funcionamento
da teoria da receção), e não apenas para que a posse do inversor seja pública, mas para que a
própria inversão se verifique e, por conseguinte, se adquira a posse. O que resulta da ideia de
comportamento declarativo ou notificativo -notum facere: levar a alguém o conhecimento de
alguma coisa. Só que a notificação não tem de ser individualizada e muito menos presencial.
Pode, nomeadamente, ser feita através de uma circular que se remete a um círculo mais ou
menos alargado de pessoas, incluso o possuidor ou o seu representante. Também não tem de
exigir-se, contra o que diziam os antigos, que a contradictio (oposição) não seja repelida pelo
possuidor. Claro que se a oposição for repelida eficazmente, a posse adquirida por inversão
vem a perder-se, sendo o titular da posse usurpada restituído a ela. Mas os efeitos da aquisição
originária de Posse, designadamente para a contagem do ano da al. d) do n.° 1 do art. 1267.9,
bem como do ano do art. 1282. °, não podem deixar de produzir-se imediatamente.
B) Oposição implícita
É, dissemos, uma possibilidade que não foi considerada pela doutrina, que, por isso mesmo,
nunca conseguiu explicar de modo bastante a seguinte facto: A, arrendatário ou usufrutuário
do prédio ×, vende, próprio nomine, esse prédio a B. Como é que B se torna possuidor, se a
coisa lhe vier a ser entregue? Por aquisição derivada? Impossível, pois A não tinha posse uti
dominus e não faz oposição explícita ao verdadeiro possuidor, adquirindo-a originariamente.
Por aquisição originária?
Como, se B não era detentor e, portanto, não podia inverter coisa nenhuma, além de ser visível
que B não pode possuir mais do que A e, por consequência, sem nexo de derivação? O
problema resolve-se naturalmente se esta possibilidade for reconhecida.
Há, oposição implícita se através de um ato inequívoco o detentor revelar que se arroga uma
posição jurídica real, ou uma posição mais densa do que aquela de que já desfruta. Não há,
pois, declaração nenhuma, no sentido de uma declaração por meios notificativos diretos.
Há, porém, um ou vários factos concludentes e até, ao invés do que se exige na declaração de
vontade tácita (em que basta uma concludência probabilisticamente segura), factos
absolutamente concludentes. Esses factos podem ser factos empíricos - v. g, a aposição de
marca ou cunho próprio -, como factos jurídicos e factos judiciários. É o caso da alienação da
coisa por quem não está legitimado para isso, mas se assume como dono dela, ou de quem
transige judicialmente sobre a propriedade, ou o usufruto, ou um direito de servidão, em
condições idênticas às anteriores. Claro que se houver apenas abuso ou falta de representação,
não haverá inversão do título de posse.
Aqui, se o nexo de implicação da intento no facto é decisivo, já não assim o conhecimento
direto. Contrariamente à oposição explícita, em que a posse é naturalmente pública (pelo
menos para o ex-possuidor), a oposição implícita pode dar origem a uma posse clandestina,
com as consequências que se conhecem.
Nestes termos, o dilema de há pouco fica resolvido: no instante em que vende, A inverte por
oposição implícita o título de posse e, por isso, B adquire derivadamente dele. E a única
explicação compatível com os Ectos e com as necessidades de regime. O ser a posse de A uma
posse instantânea não tem nada de absurdo.
C, que é alheio a essa relação e que, portanto, não tem posse nenhuma, aliena o prédio, em
1980, a B, que, ao participar na alienação (ao comprar ou ao aceitar a doação ou o legado),
inverte a razão pela qual agia sobre a coisa, inverte o título de posse, passando a possuidor em
termos de propriedade.
Mutatis mutandis se passam as coisas se A, em 1976, constituir um usufruto em benefício de B,
entregando-lhe o prédio x, objeto do negócio. A constituição é, porém, nula, porque não
obedeceu à forma exigida por lei: escritura pública. B, todavia, fica como possuidor em termos
de usufruto, continuando A como possuidor em termos de propriedade - da nua propriedade
ou propriedade da raiz -, em ordem à qual B é mero detentor, ou possuidor nomine alieno.
Quando
C, alheio a esta relação A-B e, por conseguinte, não possuidor do prédio, aliena este a B,
provoca a compra ou aceitação de B, ou seja, a sua inversão do título de posse, substituindo o
seu animus possidendi em termos de usufruto, e logo o seu animus detinendi em termos de
nua propriedade, por animus possidendi em termos de propriedade plena, em termos de
pleno domínio.
Advirta-se que o terceiro, se é alheio à relação possessória e, portanto, não tem posse, pode
eventualmente ter o direito real com que se legitima abstratamente, incluso o direito de
propriedade. O iter da posse não coincide, nem tem de coincidir, com o iter do direito. Veja-se
a seguinte hipótese:
Advirta-se ainda que o direito que o terceiro atribui ao detentor, se tem de caber, como é
óbvio, no direito com que o terceiro se titula, não tem de ser o mesmo jus in re. O excesso de
um em relação ao outro é possessoriamente irrelevante, pois nem a eventual invocação do
direito mais denso, por parte do terceiro, acarreta qualquer consequência possessória para ele
- essa arrogação, como já se frisou, não havendo autoridade empírica sobre a coisa, não
constitui oposição - nem o excesso, em fase do jus in reatribuído, lhe confere qualquer poder
de facto sobre o bem (e pela mesma razão que se aduziu). Aliás, o terceiro nem tem de invocar
qualquer qualidade
- O que tem é de proceder de modo a não a excluir in limine, sob pena de o seu ato não poder
desencadear seriamente a inversão do título de posse.
A posição do terceiro, conforme temos insistido, é a de não possuidor por nenhum título e,
obviamente, também a de não detentor. Por isso, a fórmula da lei no art. 1265.9, in fine - por
ato de terceiro capaz de transferir a posse» é manifestamente errónea. Se o terceiro, por
definição, não tem posse, o seu ato, por definição, não é capaz de transferir posse alguma.
O ato do terceiro tem de ser um ato abstratamente capaz de atribuir (transferir ou constituir)
um direito real que confira poderes de facto sobre a coisa, tem de ser um negócio translativo-
real ou real-obrigatório, um negócio real quoad effectum - e um negócio existente, um negócio
que não sofra de nenhuma das causas de inexistência do ponto de vista jurídico: de falta de
vontade de ação, ou de vontade ou de consciência da declaração, ou de falta total de vontade
negocial ou de vontade de efeitos (como na coação física, nas declarações jocosas, no contrato
sob nome de outrem e no dissenso total ou manifesto). A razão é esta: é que a inversão por ato
de terceiro supõe um ato que provoque ou faça deflagrar a mutação psicológica no detentor, o
que não acontece quando o ato é juridicamente inexistente (porque não há declaração de
vontade em sentido estrito) ou quando, existindo, não é um meio abstratamente idóneo para a
atribuição de um jus in re. Se o terceiro atribui ao detentor um direito obrigacional simples,
ainda que mais sólido do que o que titulava a sua detenção (arrendamento feito a um
comodatário), não haverá efeito inversor nenhum, nem sequer a inversão subjetiva que a
alguns pode afigurar-se plausível deixar o detentor de se considerar ligado ao possuidor, para
passar a ligar-se ao terceiro.
O ato do terceiro, como vimos, enquanto arrogação de titularidade sobre a coisa, não lhe
confere posse alguma o mesmo acontecendo com a adesão do detentor ao ato obrigacional,
adesão que é insuscetível de conferir ao terceiro uma posse que ele não tinha. Se, em
consequência, o detentor passar a tratar o terceiro como possuidor (pagando-lhe rendas,
prestando-lhe contas, etc.), o que pratica são violações da relação que o liga ao possuidor em
cujo nome possui, fazendo o terceiro eventualmente cúmplice dessas violações.
c) Esbulho
Como já, se disse, visa-se aqui a usurpação da posse de outrem - privação ilícita da posse de
outrem contra a vontade do possuidor - não enquadrável nas formas específicas de usurpação
já referidas: na aquisição paulatina e na inversão do título de posse. É, por conseguinte, uma
noção residual, que engloba todos os casos de usurpação não especificamente previstos. É
justamente esse carácter residual que obriga à acentuação da ideia de ilicitude, pois, se a
usurpação é sempre privação ilícita (o termo português só recolheu esse cambiante do étimo
latino), O reconhecimento pela lei da prática reiterada e da inversão do título de posse dá a
essas formas um estatuto legal, para efeitos possessórios, que se não pode desconhecer. O que
também acontece com o esbulho nos arts. 1276.° e segs. -o seu estatuto não é apenas
negativo, apenas uma fronteira da legalidade possível, mas igualmente positivo: taxatividade e
caducidade dos meios de defesa, possibilidade, pelo art. 1267.o, 1, d), de a posse do usurpador
vir a prevalecer, o que lhe confere a indiscutível categoria de uma forma reconhecida de
aquisição originária -, mas, como nele entram todas as privações contra voluntatem não
específicas, se não se excluíssem as privações lícitas (expropriações, nacionalizares, apreensões
judiciais, as próprias restituições por força da ação direta do art. 1277.°), criaríamos um
conceito que, era vez de ajudar à clarificação dos regimes, seria causa de confusão e dislogia.
De todo o modo, se a exclusão das privações lícitas, a mais das especificamente previstas, nos
permite definir o âmbito do esbulho como forma de aquisição originária de posse ou como
modalidade residual de usurpação, não é a essa forma e só a ela que a lei se refere quando fala
de esbulho nos arts. 1267.9, 2, e 1276. ° e segs. O esbulho da lei abrange, como já atrás se
disse, toda e qualquer forma de usurpação - e, por isso, das formas descritas, a aquisição
paulatina, a inversão do título de posse, bem como as formas aparentes de ocupação e de
acessão que se ofereçam como usurpatórias, além, evidentemente, do esbulho em sentido
estrito da nossa terminologia-, pois não teria sentido que as privações ilícitas não fossem
igualmente reguladas e sancionadas. De resto, é essa ideia abrangente ou englobante que
resulta da sistemática da lei, que, no art. 1263.°, ao indicar as formas de aquisição de posse,
não inclui o esbulho, que, todavia, bem conhecia (isso acontece também com a sucessão
mortis causa, mas aqui a razão pode ter sido ser a sucessão havida como mera continuação de
uma posse anterior, sem autonomia, digamos, entre as modalidades aquisitivas) e, nos artigos
em que do esbulho se fala, não define este nem pouco nem muito. O que inculca que o
esbulho se viu como uma característica geral que virtualmente afeta várias formas de aquisição
e até fenómenos não especificamente previstos (esbulho em sentido estrito), desde que
portadores da mesma sintomatologia.
No esbulho propriamente dito, ou como forma autónoma, entrarão, pois, todas as privações
ilícitas da posse de outrem, contra a vontade do possuidor, não especificamente previstas na
lei. Não serão ilícitas as privações com consentimento prévio do possuidor - que já não seriam
usurpatórias, por haver esse mesmo consentimento («consentienti non fit injuria») - ou as que
traduzem o exercício de um direito («feci, sed jure feci»). Por outro lado, só há aquisição de
posse por esbulho se houver animus e corpus, como se sabe, nos termos a que repetidamente
se aludiu. Só se houver animus spoliandi por parte do esbulhador, intenção de ficar com a
posse de outrem, de ficar com a coisa em termos de um direito real (animus possidendi),
privando outrem dessa mesma posição. E se a tal intenção corresponder uma autoridade
empírica que «intende» essa autoridade jurídica, um domínio fáctico da coisa, uma entrada
desta na órbita de disponibilidade fáctica do sujeito, a constituição dessa relação estancial. Se
por muito ou pouco tempo não interessa para a aquisição da posse por esbulho, que, além de
uma aquisição originária, é uma aquisição instantânea de posse. Claro que, como toda a posse
originária, a posse do esbulhador não tem de coincidir com a posse do esbulhado. Pode ser
menor em termos de área de incidência, como maior ou menor em termos de conteúdo. Tudo
depende do facto aquisitivo, devendo salientar-se que no esbulho, em que não há gestos pré-
configurados, a avaliação da factualidade que o exprime é particularmente relevante.
A generalidade, se não a totalidade, dos esbulhos em sentido estrito, preenche tipos legais de
crime, quer do direito penal geral - o furto, o roubo, a burla, o abuso de confiança, a usurpação
de coisas imóveis, quer do direito penal especial - a usurpação ou a contrafação, em matéria de
direito da propriedade industrial. De resto, o próprio esbulho em sentido amplo pode caber aí,
como a aquisição paulatina na usurpação de imóveis e a inversão do título de posse no abuso
de confiança. Todavia, não é necessária essa ilicitude criminal para que haja usurpação ou
esbulho lato sensu e se desencadeiem as consequências da defesa da posse.
Deixando para mais tarde para o estudo da tutela possessória - o problema dessa defesa,
falemos ainda do esbulho como forma de aquisição.
A posse que ele cria originariamente surge como uma posse antagónica da posse do esbulhado
(o que, de resto, é comum a todas as formas de usurpação), integrando, nessa medida, a
previsão do art. 1267, 1, d), do Código Civil. Durante um ano, a lei permite, porém, que o
esbulhado reaja pelos meios de defesa da posse e, se for restituído a esta, a usurpação tem-se
como não acontecida e a posse que se usurpou como nunca interrompida (art. 1283.9). Este
efeito, como o facto de, verificando-se o esbulho, a posição da vítima ser suscetível de defesa
durante um ano, levou, dado o princípio (e o facto) de sobre a mesma coisa e com a mesma
densidade não poderem incidir duas posses antagónicas («duorum in solidum dominium vel
possessio esse non potest»), a que se entendesse que o esbulhado não perdia a posse e, por
conseguinte, o esbulhador não a adquiria a não ser esse ano volvido. O que é um resquício
daquela conceção medieval a que já nos referimos e que distinguia uma possessio animo ou
possessio civilis e uma possessio corpore ou possessio naturalis. O esbulhado ficaria
justamente com essa possessio.
Na tradição material, “há uma atividade exterior que se traduz nos atos de entregar e receber;
na tradição simbólica, tudo se passa a nível da comunicação humana, sem direta interferência
no controlo material da coisa”. De acordo com a tradição romana, a tradição simbólica pode
ocorrer por:
1. Traditio longa manu: a coisa não é materialmente entregue, mas é posta à disposição
do adquirente através da sua indicação à distancia;
2. Tradição breve mani: realiza a conversão da detenção em posse por acordo entre o
detentor e o possuidor. Esta traditio tem a grande vantagem de, encontrando-se
alguém na posição de detentor de coisa que pertence a outrem, não ser necessário
que volte às mãos deste para depois a entregar àquele.
3. Traditio ficta: consiste na entrega de um símbolo ou realização de um ato que simboliza
a coisa cuja posse se transfere
O constituto possessório é uma forma de aquisição da posse solo consensu, ou seja, sem
necessidade de ato (material ou simbólico) de entrega da coisa. Como se tem observado, a
posse é atribuída sem a detenção.
a) o titular do direito real e possuidor transmite o seu direito a outrem e reserva, para
si, a detenção: a causa possessionis do alienante torna-se causa detentionis;
b) o possuidor transfere o seu direito a outra pessoa, mantendo-se o seu detentor: v.g.,
o proprietário-possuidor vende a coisa depositada e pretende-se que o deposito
continue; ou um prédio arrendado é vendido, mantendo-se o arrendamento
Segundo o nosso Código Civil por morte do possuidor a posse continua nos seus sucessores
desde o momento da morte, independentemente da apreensão material da coisa".
Com base neste preceito de que a posse continua nos sucessores independentemente da
apreensão material, considera-se que a lei ficciona não só o corpus, mas também o animus,
vencendo, assim, um hiato na posse: há uma sucessão na posse sem interrupção.
Esta solução é um efeito da noção de sucessão por morte e, por isso, retiram-se várias
consequências: a posse continua nos herdeiros; o sucessor não precisa de praticar qualquer ato
material de apreensão ou de utilização da coisa, podendo até ignorar que a posse existe; a
posse continua com os seus caracteres; e a continuação da posse não é prejudicada pelo facto
de o sucessor não ter tido, se facto, a posse da coisa durante o período entre a abertura da
sucessão e aceitação da herança. Tem-se
suscitado um problema: o legatário sucede também na posse? Apoiados na letra da lei Pires de
Lima e Antunes Varela consideram que “não há nenhuma limitação a fazer no domínio da
sucessão mortis causa”: a “posse continua sempre no chamado à sucessão de bens” seja
herdeiro ou legatário.
Porém, há quem entenda que, diferentemente da herança em que, aceitando-a, o herdeiro
“terá de fatalmente arcar com direitos e deveres” não podendo “aceitar a sucessão e recusar a
posse que lhe for legada. E “quando aceite a posse, poderá ter, ou não, a boa ou má-fé da
posse em causa, ao passo que, perante o herdeiro, a posse se mantém, de boa ou de má-fé,
consoante a qualidade que assumisse na esfera jurídica do seu antecessor”. Por isso não se
poderá falar de sucessão na posse por parte do legatário
93. Acessão
A resposta afirmativa foi dada por Manuel Rodrigues e é seguida por Pires de Lima e Antunes
Varela. Segundo Manuel Rodrigues, cuja opinião influenciou a nossa jurisprudência mesmo na
vigência do atual código civil, a acessão de posses está sujeita a certas regras: é facultativa; as 2
posses devem ser contínuas e homogéneas; E deve haver um vínculo jurídico entre o novo e o
antigo possuidor, vínculo este que pode revestir várias modalidades: pode ser um negócio
jurídico, mas pode ser uma expropriação, uma execução, etc. E sustenta que este vínculo deve
ser válido.
Esta doutrina foi acolhida por Pires de Lima e Antunes Varela que virou depois de referir a
natureza facultativa, a continuidade e a homogeneidade, consideram também que é necessário
que “haja uma relação jurídica entre os 2 possuidores” que deve ser “formalmente válida”.
Nesses cordeiro entendo que a afirmação de Manuel Rodrigues “choca pela falta de
fundamentação e não tem qualquer paralelo em doutrinas estrangeiras que sejam do nosso
conhecimento”. E considera que “a Transmissão da posse deve ser válida”, mas “não é preciso
qualquer contrato válido: basta a tradição ou o constituto”; se “o código civil vigente admite a
usucapião baseada em posse não titulada e de má-fé, nestes casos nunca poderia haver
acessão na posse seria um espantoso retrocesso histórico que não se pode ter por admitido”
sem procurarmos diminuir a força destes argumentos, iremos, no entanto, que o direito
romano considerou a acessio possessionis com grande rigor, exigindo que o anterior e o atual
possuidor realizassem um negócio jurídico real. Identifica-se, portanto, com a doutrina Manuel
Rodrigues
Capitulo V. Conservação
94. Conservação
Art 1257
A doutrina observa que “para a conservação da posse não é necessária a mesma energia que
para aquisição, que é um ato de conquista”. A, no entanto, uma dificuldade: a posse vir
corresponde ao exercício de direitos reais que se distinguem por não uso decorrido certo
prazo, mantém-se mesmo depois de tais direitos se extinguirem? Se se mantiver, observa-se
que poderá suceder que o titular de um desses direitos reais que se extinguiu por não uso goza
ainda da faculdade de defender pela posse.
Manuel Rodrigues entende que foi a doutrina de Savigny que o nosso código consagrou, mas
observa que “não é aplicável a posse dos direitos reais, suscetíveis de se extinguirem pelo não
uso: só em relação ao direito de propriedade a posse mantém enquanto houver a possibilidade
de repetir o ato de apreensão”.
Esta doutrina parece ter sido acolhida por Menezes cordeiro, para quem, sendo ou podendo
ser os direitos reais de gozo sensíveis ao não uso, “seria totalmente inesperado que,
extinguindo-se o correspondente direito real, a posse prosseguir-se: esta é, pois, sensível ao
não uso, nos precisos termos em que o sejam os correspondentes direitos reais”.
Oliveira Ascensão perfilha também esta doutrina referindo que “haverá que aproximar da
posse não use, como causa de extinção dos direitos reais. Se os direitos reais de gozo se
extinguem por não uso virou por maioria de razão a posse, porque fundada numa aparência de
exercício, se deverá extinguir quando o poder de gozo não é exercido”.
E Orlando de Carvalho considera, no mesmo sentido, que “não há que conservar a posse de
um direito à posse a título de um direito para novas possibilidades que esse mesmo direito
tem”. Por isso, “se alguém está a possuir em termos (de um direito real que se extingue pelo
não uso) não pode dizer-se que a posse conserva para além do não uso que extinguirá o
mesmo direito”. Só não se extinga posse uti dominus: “pode continuar indefinidamente mesmo
não se usando efetivamente a coisa, enquanto se mantiver a possibilidade de uso”.
Contra esta doutrina largamente dominante, Pires de Lima Antunes Varela consideram que “a
no raciocínio de Manuel Rodrigues certa confusão em ter a posse do direito real e o próprio
direito real”. Entendem que “bem andou legislador em não fazer distinção entre posse direito
de propriedade e posse de qualquer outro direito real”. E conclui defendendo que, em muitos
casos, o possuidor pode defender a sua posse antes de ser declarada a extinção do direito real.
95. Introdução
Portanto, deve ser protegida para poder cumprir a sua função. Trata-se, porém e, de uma
tutela rápida e provisória e, por isso, o possuidor não tem necessidade de fazer a prova do
direito sobre a coisa possuída de que se afirma titular: basta lhe provar que possui. Este é aliás,
um aspeto que confere grande importância à posse, justificando que a ele recorram, com
frequência, os próprios titulares de direitos reais quer para obter a tutela rápida dos seus
direitos quer para evitar as dificuldades da sua prova que os juristas medievais chamavam
diabólica. Não se aposta também a possibilidade de o possuidor recorrer a meios de tutela
privada (autotutela): a ação direta e a legítima defesa. Isso não recorrer à autotutela ou não for
possível, goza da tutela judicial da posse. É indiferente que o ato perturbador o esbulhador
tenha natureza material ou jurídica e seja de curta ou longa duração. Por outro lado, entende-
se que só a ameaça ou violação da posse quando esses factos se dirigiam à Constituição de
uma posse contrária e, portanto, traduza um animus spoliandi ou turbando.
A violação deve ser ilegítima; por isso, a ação possessória não procederá se o demandado
alegar e provar que praticou o facto com o consentimento do possuidor ou ao abrigo do
direito. Finalmente, importa referir 2 teorias sobre a fundamentação da tutela possessória:
segundo uma vírgula a proteção da posse apoia-se na necessidade de manter a paz social,
evitando a violência e o esbulho; a outra baseia-se no fato do possuidor ter, via de regra,
direito de possuir.
A ação direta é o recurso à força para evitar a inutilização prática de um direito no caso de ser
impossível recorrer aos meios coercivos normais. Pode consistir na apropriação, distribuição ou
de distribuição de uma coisa, na eliminação da resistência irregularmente oposta ao exercício
do direito ou noutro caso análogo. E o agente não pode exceder o necessário para evitar o
prejuízo nem sacrificar interesses superiores aos que visa realizar. Bem se compreende,
portanto, que seja concedido, ao possuidor, a possibilidade de recorrer ação direta para
manter-se ou restituir-se, por sua própria força e autoridade.
embora o nosso código civil só refira expressamente a licitude do recurso à ação direta, deve
entender-se que permite igualmente legítima defesa, NOS termos genéricos em que se
encontra definida no art 337. Haja em vista que permite afastar uma agressão atual ou
iminente ilícita contra a pessoa o patrimônio do agente ou de terceiro e, por isso, a sua recusa
na tutela da posse seria incompreensível. Ademais trata-se de uma figura de autotutela no
âmbito geral.
O possuidor, que tiver justo receio de ser perturbado ou esbulhado por outrem, pode requerer
que este seja intimado para se abster de lhe fazer agravo, sob pena de multa e
responsabilidade pelo prejuízo que causar. A doutrina refere que o receio de turbação ou
esbulho deve ser séria: não basta uma simples apreensão ou receio mais ou menos vale um, e
deve apoiar-se em razões objetivas. Tais atos devem ser materiais; tratando-se de atos
judiciais, a reação ao para através de embargos de terceiro com função preventiva.
O nosso Código consagra esta ação, permitindo que o possuidor perturbado seja mantido na
posse enquanto não for convencido na questão da titularidade do direito. Porém, se a posse
não tiver mais de 1 ano, só pode ser mantido contra quem não tiver melhor posse. E considera
melhor posse a que for titulada; na falta de título, a mais antiga; E, se tiverem igual
antiguidade, a Posse atual. Estamos perante um ato de simples perturbação: O possuidor não
chega a ser esbulhado. O ato de turbação pode caracterizar-se por 3 elementos: 1.ato material
(não jurídico) que diminui virou altera ou modifica o gozo o modo de o exercer; 2. Pertence ao
contrário à posse; E conservação da posse. Tem legitimidade para instaurar a ação de
manutenção da posse perturbada os seus herdeiros, mas apenas contra o perturbador ponto
daqui resulta que nenhum terceiro embora prejudicado pela turvação pode defender a posse
de outrem e quando a lei faculta o exercício das ações possessórias primeiro detentores, estes
defendem a sua posso precária ponto em relação à legitimidade passiva, só perturbador deve
ser demandado, mas deve considerar se perturba não só quem executa materialmente o ato,
autor material, mas também quem o ordena, autor moral. A ação de manutenção caduca se
não for intentada dentro de 1 ano subsequente ao facto da turbação. Este prazo relativamente
curto justifica-se não só pela necessidade de se esclarecer rapidamente uma situação duvidosa
cuja prova o decurso do tempo pode tornar mais difícil, mas também pela presunção de que
desiste da sua pretensão o possuidor que não reage prontamente contra o perturbador. A
partir de que momento deve contar-se esse prazo? Trata-se de uma questão que pode suscitar
dificuldades quando estejamos perante uma série de atos perturbadores da posse. Intenso que
se estes atos são isolados, desconexos, cada um deles constitui um facto novo e, portanto, o
prazo de proposição da ação corre autonomamente em relação a cada um deles; se, pelo
contrário, os atos de turbação são complementares uns dos outros, por se dirigirem ao mesmo
fim, e se deles resultar a Constituição de uma posse contrária, o prazo deverá contar-se a partir
do primeiro ato. Importa referir, finalmente, a possibilidade de o possuidor perturbado
recorrer ao procedimento cautelar comum.
Esta ação está prevista lá da ação de manutenção e como nesta o possuidor esbulhado será
restituído enquanto não for convencido na questão da titularidade do direito. Do mesmo
modo, se a posse não tiver mais de 1 ano, o possuidor só pode ser restituído contra quem não
tiver melhor posse. E considera-se melhor posse a que for titulada; na falta de titulo, a mais
antiga; E, se tiverem igual antiguidade, após atual. Estamos agora perante uma hipótese de
esbulho que supõe a privação total ou parcelar da posse, embora não seja essencial que os
bulha dor tenha o animus spoliandi. Todavia, a distinção entre a perturbação e o esbulho nem
sempre é fácil na prática e “isso explica o desvio de certas regras processuais que presidem ao
pedido e se projetam NOS limites da sentença”: se o possuidor tiver recorrido à ação de
manutenção em vez da ação de restituição e vice-versa, o juiz não deixará de condenar “no que
ao caso convier de acordo com a situação verificada”.
Quanto à legitimidade Ativa a ação de restituição da posse pode ser intentada pelos molhada
os seus herdeiros não só contra os ganhadores ou os seus herdeiros, mas ainda contra quem
esteja na posse da coisa e tenha conhecimento do esbulho ponto a legitimidade passiva do
terceiro de má-fé justifica-se por ser impossível, em muitos casos, reaver a coisa das mãos do
esbulhador. Uma última observação: falando a lei interesseiro que “esteja na posse da coisa e
tenha conhecimento do esbulho”, a ação de restituição não pode ser intentada contra o mero
detentor que possua nome do esbulhador.
Descrição da posse caduca se não for intentada dentro do ano subsequente ao esbulho ao
conhecimento dele quando praticado a ocultas. À justificação dada na ação de manutenção
junta-se outra: se o esbulhado não reage prontamente contra autor do esbulho é porque
reconhece a posse de outrem. Tratando-se de esbulho sucessivos, prazo deve contar-se a partir
do último: há um novo facto, com o seu prazo próprio. O possuidor esbulhado pode também
recorrer ao procedimento cautelar comum.
se o esbulho for violento, o nosso código dispõe que “o possuidor tem o direito de ser
restituído provisoriamente a sua posse, sem audiência do esbulhador”.
Estamos perante um procedimento cautelar que dispensa audição do esbulhador. O código de
processo civil exige apenas que o possuidor esbulhado violentamente alegue os factos que
constituem a posse, o esbulho a violência e determina que o juiz ordenará a restituição, sem
citação em audiência do esbulhador. Há, portanto, 3 requisitos desta providência cautelar: após
vírgulas bulho, a violência. Doutrina observa que a violência pode ser exercida sobre pessoas e
coisas ponto o ónus da prova compete ao requerente do procedimento NOS termos gerais,
ainda que seja simplesmente sumária: para que a providência seja decretada basta que a
existência do direito seja uma probabilidade séria. Quanto à caducidade deste expediente, a lei
não refere expressamente, mas parece razoável que se aplique o prazo previsto na ação de
restituição da posse: .1 ano, a contar da cessação da violência por que virou enquanto existir, a
violência pode impedir também um exercício da ação; por isso deve esperar-se que o
esbulhado esteja em condições normais para poder reagir o que normalmente só acontece
quando a violência cessar
o nosso código permite que o possuidor, cuja posse for ofendida por penhora ou diligência
ordenada judicialmente, possa defendê-la mediante embargos de terceiro, NOS termos
definidos na lei de processo. Nesta linha, código de processo civil concede, a quem não for
parte da causa, a faculdade de fazer valer o seu direito o vosso incompatível com o ato judicial
de apreensão ou entrega da coisa possuída.
Os embargos são processados por apenso à causa em que haja sido ordenado de facto ofensivo
direito do embargante; e o terceiro pode embargar no prazo de 30 dias subsequentes à data da
diligência ou do conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os bens terem sido
judicialmente vendidos ou adjudicados. Uma vez recebidos, os seus efeitos são suspensão dos
termos do processo em que se inserem; e a restituição provisória da posse se o embargante a
houver requerido. E a sentença de mérito proferida nos embargos constitui, nos termos gerais,
caso julgado quanto à existência e titularidade do direito invocado. Podem também ser
deduzidos embargos a título preventivo, antes de realizada, mas depois de ordenada, a
diligência que se pretende embargar. Portanto, os embargos de terceiro podem cumprir uma
função dupla os pontos a restituição, quando o embargante já tenha sido privado da posse; E
prevenção, onde a diligência legal perturbadora esteja em marcha.
Só os terceiros (pessoas que não tenham intervindo no processo ou no ato jurídico de que
maneira exigências judicial nem representam quem foi condenado no processo ok no ato se
obrigou) têm legitimidade para embargar a diligência judicial.
Art 1286
105. introdução
o nosso código civil in mera várias formas de extinção da posse virou embora tal enumeração
não seja considerada taxativa. Menezes cordeiro apontou outras: expropriação por utilidade
pública, um não uso e o esbulho seguido de posse do terceiro de boa-fé. Quanto à
expropriação por utilidade pública, constituindo uma forma de extinção dos diversos direitos
reais, “seria totalmente estranho que virou desaparecendo estes, continuasse a posse”. Em
relação ao não uso, “seria totalmente inesperado que virou extinguindo-se o correspondente
direito real, a posse prosseguir-se”: a posse” é, pois, sensível ao não uso NOS precisos termos
em que sejam os correspondentes direitos reais”. E não podendo a ação de restituição ser
intentada contra terceiros de boa-fé que tenham a posse da coisa, o esbulho seguido da posse
de terceiro de boa-fé extingue a posse do esbulhado: e outra forma de extinção. Seguiremos a
enumeração que o código civil oferece.
106. Abandono
Em consequência do abandono, o apossamento por terceiros não constitui esbulho. Por outro
lado, faz cessar a responsabilidade e os encargos respeitantes do possuidor de má-fé, sem
prejuízo das regras da responsabilidade civil. Há, no entanto, um problema que divide a
doutrina: será possível a perda da posse por abandono da coisa se não for possível renunciar
legalmente ao direito a que corresponde?
1267/1-B)
em segundo lugar vírgula o código refere a perda destruição material da coisa ou a sua
colocação fora do comércio. A doutrina observa que “a perda da coisa é a sua saída fortuita do
poder do possuidor”; por isso, falta de elemento intencional de rejeição que existe no
abandono. No entanto, impõe-se uma interpretação restritiva: não perde a posse quem se
esqueça de um objeto, enquanto puder encontrá-lo. Se, dias depois, for encontrado por
terceiro, cometerá esbulho se recusar a sua entrega ao possuidor. Por isso, a posse só se
extingue quando a perda sobrevevenha uma nova posse, por mais de 1 ano, incompatível com
a anterior; ou quando seja manifestamente impossível recuperar a coisa. Quanto à destruição,
entende-se que deve ser total pois, de outro modo, posso irá continuar sobre o que, dela,
resultar.
108. Cedência
1067/1-C)
a cedência traduza perda da posse para o cedente; por isso, constitui, em rigor, a outra face da
tradição material ou simbólica. Há quem entenda que “não está dependente de quaisquer
regras formais de validade, operando com a mera entrega da coisa, agradeço ao material, ou
concretização das competentes operações vira boa noite tradição simbólica”. Mas há
igualmente quem considera que a lei supõe a celebração de um negócio jurídico pelo qual o
possuidor transfere a sua posse, acompanhado de tradição material ou simbólica da coisa.
perde a posse de quem, mesmo contra a sua vontade, permite que um terceiro pessoa por
mais de 1 ano. O Tempo da nova posse é contado desde o seu início (se for tomada
publicamente) ou desde o conhecimento do esbulhado (se foi tomada ocultamente) ou a partir
da cessação da violência (se foi adquirida por violência). Consagra-se, sim, o velho princípio do
direito Franco da posse de 1 ano e dia; decorrido este prazo, o antigo possuidor não pode ser
mantido ou restituído contra o novo possuidor; E as ações de manutenção e restituição da
posse de caducam se não forem intentadas dentro do ano subsequente ao facto da turbação
ou do esbulho ou ao seu conhecimento quando tenha sido praticado a ocultas.
Capitulo I. Caracterização
11. Noção
Art 1035- Embora não se trate de definição de propriedade, a critica observa, por um lado, que
o gozo não é especifico da propriedade; e, por outro, que pode haver proprietários sem o uso e
a fruição e também sem o direto de disposição.
Como advertiu José Tavares, “o conceito geral do direito de propriedade pertence à categoria
das noções juridicas instintivas”. Observa-se que “tudo depende da situação histórica
considerada” e entende-se que é fundamental a delimitação negativa: “é possível determinar,
com precisão, o que o proprietário não pode fazer”, mas o que +ode fazer “só poderia ser
exemplificado”.
Apesar das dificuldades assinaladas, não faltam definições de propriedade propostas
por alguns autores. Assim, Oliveira Ascensão define-a como “o direito real que outorga a
universalidade dos poderes que á cosia se podem referir”.
Menezes Cordeiro fala-nos de “afetação jurídica-privada de uma coisa corpórea, em
termos plenos e exclusivos, aos fins de pessoas individualmente consideradas” ou, ainda, de
“permissão normativa, plena e exclusiva, de aproveitamento de uma coisa corpórea”.
E carvalho Fernandes considera que o direito de propriedade pode definir-se como “o
direito real máximo, mediante o qual é assegurada a certa pessoa, com exclusividade, a
generalidade dos poderes de aproveitamento global das utilidades de certa coisa”.
111. Objeto
Arts 1302, 1303 e 1344- estas disposições inspiram-se na doutrina de Ihering e que a
propriedade se entende até onde houver interesse prático, recusando a doutrina clássica
segundo a qual a propriedade abrange o solo em toda a sua profundidade e altura, que os
glosadores resumiram na célebre frase “até aos astros e às profundezas”.
112. Características
Partindo da referencia do Código civil aos poderes do proprietário sob a epigrafe conteúdo do
direito de propriedade, a doutrina apresenta algumas notas através das quais procura
caracterizar a propriedade. Referimos a:
A origem da propriedade não é conhecida e, na ausência de fontes, não faltam as teorias mais
diversas que não passam de simples hipóteses insuscetíveis de confirmação. Assim, Max Kaser
considera mesmo que inicialmente o direito de propriedade não existiu: só a posse.
O conteúdo da propriedade romana era expresso na formula uti (usar ou obter alguma
utilidade sem alterar nem consumir a res), frui (desfrutar ou recolher frutos periódicos),
habere (obter e dispor) e possidere (possuir). E era limitado por interesses públicos, por
motivos religiosos e morais e por interesses privados.
Com o desenvolvimento do comercio surgiu a classe burguesa que atacou o regime feudal
derrubando-o em 1789. Entre nós o código de Seabra apresenta uma noção eminentemente
filosófica afastando-se do código civil francês: “Diz-se direito da propriedade a faculdade, que o
homem tem, de aplicar à conservação da sua existência, e ao melhoramento da sua condição,
tudo quanto para esse fim legitimamente adquiriu, e de que, portanto, pode dispor
livremente”.
A complexidade que o seu regime reveste e justifica a falta de definição favorece também
entendimentos diferentes sobre a natureza jurídica ou essência Porém, destacamos as duas
doutrinas principais. Segundo a teoria da pertença, mais antiga e considerada a mais intuitiva,
a propriedade traduz a ideia do meu por oposição ao que e de outros. Consiste na relação de
subordinação de uma coisa face ao proprietário. Porém, esta ideia de pertença não explica a
diferença que separa a propriedade dos restantes direitos reais e, portanto, não se considera
satisfatória. Mas importa referir que não lhe é estranha a própria terminologia que deriva de
proprius: a coisa pertence absoluta e exclusivamente ao proprietário; e que a ligação entre o
direito de propriedade e o seu objeto é tão íntima, que "é comum, na linguagem vulgar e até
na linguagem jurídica, designar o direito pelo objeto, ou o objeto pelo direito". Mais recente é
a teoria do senhorio atribuída à Pandectista, mas que parece ter sido acolhida já no Código de
Napoleão, segundo a qual a propriedade é o direito real mais extenso que o ordenamento
jurídico permite sobre uma coisa. Apoia-se na indeterminação dos poderes atribuídos ao
proprietário que, por virtude da sua vastidão, é impossível enumerar exaustivamente. Critica-
se, no entanto, por ignorar, v.g., que o usufrutuário “tem muitos mais poderes sobre a coisa
que o nu proprietário”, questionando-se: “quem tem o senhoria da cosia?”; por, podendo
reportar-se a coisas muito diferentes, oferecer aos seus beneficiários vantagens
substancialmente diversas; por desconhecer a existência de limitações, etc.
A propriedade perpétua caracteriza-se por não cessar pelo decurso de um prazo. Refere-se
também que não se extingue pelo não uso, considerando-se que “não usar a propriedade é
ainda uma forma de a usar”; e que “o proprietário tem tais poeres, que pode querer estar
inativo, e esta possibilidade cabe dentro do conteúdo do seu direito”.
Estamos perante a propriedade-regra admitindo-se então exceções que caracterizam a
propriedade temporária
Art 1307/2
A propriedade nunca foi ilimitada, mesmo no direito romano era limitada por motivos de
interesse publico, religioso e privado. A nossa constituição embora não a mencione
expressamente, não deixa de reconhecer implicitamente a função social como limite imanente
ao direito de propriedade privada em várias regras e princípios constitucionais. Também o
Código Civil reconhece à propriedade uma função social que observamos na figura do abuso do
direito e nas diversas restrições ou limitações que representam obrigações de non facere e de
facere do proprietário
120. Expropriação
A expropriação está igualmente prevista no art 62/2 da CRP e no mesmo sentido vai o art 1308
do CC. Dos numerosos preceitos que se ocupam da expropriação, é possível retirar duas regras
fundamentais: 1ª- a indemnização não visa compensar o beneficio alcançado pelo
expropriante, mas ressarcir o prejuízo causado ao expropriado; 2ª- este prejuízo mede-se pelo
valor real e corrente dos bens expropriados e não pelas despesas que eventualmente haja de
suportar para obter a substituição da coisa expropriada por outra equivalente.
121. Requisição
A requisição pode incidir sobre coisas moveis e imoveis e difere da expropriação pela diferente
eficácia: enquanto esta extingue todos os direitos reais sobre a coisa expropriada, a requisição
só atribui à entidade requisitante o direito a usar a coisa para o fim previsto durante o tempo
determinado. A doutrina definia a requisição como um ato administrativo pelo qual um órgão
competente impõe a um particular, verificando-se as circunstancias previstas na lei e mediante
indemnização, a obrigação de prestar serviços, ceder coisas móveis ou semoventes ou
consentir na utilização temporária de quaisquer bens necessários à realização do interesse
público e não convenha procurar no mercado.
E distingue a requisição da expropriação por utilidade pública: ambas podem incidir sobre
coisas móveis ou imoveis, mas, enquanto a expropriação envolve, segundo parece, uma
aquisição originária do domínio, a requisição apenas atribui à entidade requisitante um direito
de uso da coisa, que deve ser exercido de harmonia com o fim previsto.
3. Art 1305-A
Art 1346
A doutrina entende que as emissões devem provir de prédios vizinhos, não necessariamente
contíguos; e considera que o prejuízo substancial deve ser aferido pelo fim a que o imóvel se
encontra afetado e não pelas condições especiais em que o seu proprietário porventura se
encontre.
Depois, em relação à não utilização normal do prédio de que emanam aqueles elementos,
entende que o uso normal depende do destino económico desse prédio que deve ser
apreciado também objetivamente, sem prejuízo das condições e dos usos locais. Por isso, são
ilícitas as emissões desnecessárias, seja qual for o dano que causem aos prédio vizinhos: tais
emissões ou traduzem o uso anormal do prédio de que emanam ou envolvem um abuso do
direito. Há, no entanto, um problema: os requisitos que a lei exige (prejuízo substancial para o
imóvel; não resultem da utilização normal do prédio de que emanam) funcionam em
alternativa (o titular pode opor-se desde que se verifique qualquer um deles) ou
conjuntamente? A letra da lei favorece a primeira orientação. Mas há quem considere mais
razoável o segundo regime, questionando se um proprietário pode opor-se a uma emissão que
não lhe cause prejuízo, só porque não corresponde ao uso normal do prédio vizinho.
1. Art 1347/1
2. Art 1347/2
3. Art 1347/3
A doutrina considera que na ratio desta proibição está o receio fundado de que as obras,
instalações ou depósitos tenham efeitos nocivos não permitidos por lei. E nota que, para evitar
omissões difíceis de resolver, o Código não refere o tipo de obra, afastando-se do Código de
Seabra que refere cloacas, fossas, canos de despejo, chaminés, fogões, fornos ou outras
matérias corrosivas ou obras que produzam infiltrações nocivas.
Importa ter presente, por um lado, que a referencia a efeitos nocivos não permitidos
por lei afasta da proibição legal as obras que, embora possam prejudicar os vizinhos são
legalmente permitidas; e, por outro lado, há efeitos nocivos que só indiretamente atingem o
prédio, desvalorizando-o em maior ou menor medida. Entende-se também que o receio a que
se refere o texto legal deve ser apreciado objetivamente, não merecendo proteção os espíritos
demasiadamente temerosa. E finalmente, observa-se que a referencia legal em qualquer dos
casos mostra que a lei não exige a culpa na produção do dano.
125. Escavações
Art 1348
Art 1349
A doutrina considera que a redação legal “se para reparar algum edifício ou construção” não é
muito feliz. Por isso, para evitar que se fale em “reparar uma construção”, sugere uma
interpretação extensiva que consagre a expressão “se para reparar ou levantar algum edifício
ou construção”. Observa-se que a utilização do prédio alheio deve ser indispensável; e que a
circunstancia de o proprietário vizinho estar obrigado a consentir o acesso ao seu prédio
justifica a possibilidade de se exercer a ação direta. Finalmente, nota-se que a obrigação de
indemnizar os danos causados não depende da culpa do lesante: estamos perante um caso de
indemnização por factos ilícitos
Art 1350
Esta limitação pressupõe que as ameaças provenham de edifício ou outra obra; e que o receio
do proprietário seja fundado, sendo irrelevante o excesso de temor. Entende-se que não
compete ao vizinho ameaçado indicar as providencias mais adequadas para evitar o perigo: o
proprietário do prédio em ruina pode escolher a que mais lhe convenha, de entre as varias
possíveis.
Art 1351.
Estas normas não abrangem apenas a agua pluvial, mas todas as correntes, qualquer que seja a
sua origem. E compreende a terra e entulhos que correm naturalmente e não quaisquer outras
substancias que se juntem às águas por obra do homem e as tornem nocivas. A doutrina
considera que não é suposta, como necessária, a contiguidade dos prédios: exige-se
unicamente que um seja superior em relação ao outro, para que se possa verificar o decurso
natural. E refere que alem do direito à indemnização dos danos decorrentes do escoamento
das águas em termos diferentes dos prescritos, o proprietário do prédio inferior ou superior
pode ainda obter a destruição de obras que, respetivamente, alterem o curso natural ou
estorvem ilicitamente o seu escoamento, como prevenção de danos futuros.
129. Obras defensivas das águas
a) 1352/1
b) 1353/2
A doutrina está dividida: há quem entenda que o proprietário tem o direito e não a obrigação
de reparar e só quando não queira usar desse direito, os terceiros podem intervir. Ou seja, por
um lado, está sujeito a uma obrigação de prestação alternativa: fazer os reparos ou tolerar que
outrem os faça; por outro, é titular do direito potestativo de escolher entre estas prestações
disjuntivas. Mas há também quem entenda que esse proprietário tem a obrigação de fazer as
obras e, se o não fizer, os interessados poderão fazê-las. Em abono da primeira orientação
parece estar a letra da lei: o proprietário pode optar por ou reparar ou deixar reparar. E a favor
da segunda invoca-se o facto de ninguém melhor do que esse proprietário dever verificar a
iminência do desastre e a necessidade das obras; por isso, deve fazê-las, podendo os vizinhos
intervir se não o fizer.
A diferença destas soluções aparentemente idênticas é posta em destaque por
Menezes cordeiro: seguindo a segunda orientação, se o proprietário não cumprir
culposamente a sua obrigação de fazer as obras e reparos é “responsável pelo suplemento de
despesas que essa inércia possa acarretar para os vizinhos e pelos demais danos que daí
possam advir”.
O proprietário que, no seu prédio, levante edifício ou outra construção, não pode:
a) 1360/1
b) 1360/2
A ratio destas disposições é evitar que o prédio vizinho seja facilmente objeto da indiscrição de
estranhos e devassado com o arremesso de objetos. Se o proprietário vizinho não exigir que as
situações desconformes sejam eliminadas pode sofrer consequências muito gravosas,
decorrentes da constituição duma servidão de vistas que, alem de atribuir ao dono do prédio o
direito de ver o que se passa no prédio alheio, impede o vizinho de levantar edifício ou outra
construção sem deixar, entre as duas construções, uma zona de metro e meio. Porem estas
restrições não se aplicam nos casos do 1361 e 1363.
131. Estilicídio
Art 1365. Na ratio justificativa do intervalo de meio metro entre a beira e o prédio vizinho
está a necessidade de as aguas caírem diretamente no prédio onde se faça a construção, só
depois atingido naturalmente os prédios inferiores. Porem, esta obrigação legal de
suportar o escoamento das aguas pluviais só existe quando caiam gota a gota nos prédios
inferiores
O dono de um prédio pode plantar arvores e arbustos até à sua linha divisória. Todavia, ao
proprietário do prédio vizinho é concedida a faculdade prevista no art 1366/1. O nosso
código afastou-se de outras legislações que admitem a possibilidade de semear ou plantar
arvores respeitando uma distancia da linha divisória que ora varia consoante o maior ou
menor plante das plantas ora é fixada entre dois e um metro segundo a cultura. A doutrina
observa ainda que o vizinho prejudicado com as árvores não tem o direito de pedir uma
indemnização ao seu dono, porque pode evitar os danos exercendo a faculdade que a lei
lhes concede. E, embora a lei não refira, considera-se que os ramos e raízes cortadas
pertencem ao dono da arvore: são partes componentes. Há, no entanto, alguns problemas
que importa apreciar. Destacamos:
a) Se o dono das arvores as amarrar a esteios que inclina sobre o prédio vizinho ou
existam neste prédio, poderá adquirir, por via possessória, um direito de servidão
predial? Entende-se que sim, embora pratique um facto ilícito: a inclinação sobre o
prédio vizinho não é efeito do crescimento natural das plantas;
b) Se, durante várias anos, o proprietário do prédio vizinho não pedir que o dono das
arvores corte as raízes, o tronco e os ramos que se infiltraram sobre o seu prédio nem
os cortar, se o dono não o fizer dentro de três dias, este adquire, por usucapião, a
servidão predial que lhe permite defender a manutenção das raízes, tronco e ramos na
situação referida? A resposta é negativa, primeiro o dono da arvore não tem o animus
possidendi não tendo a posse que lhe permita usucapir, depois porque aquela
faculdade que a lei confere ao proprietário do prédio invadido pelas raízes ou sobre o
qual propendem o tronco ou os ramos não prescreve.
c) O proprietário do prédio invadido pelas raízes, tronco ou ramos de arvore alheia pode
obrigar o dono a fazer os cortes? A resposta tem sido negativa, mas observa-se que
nem sempre é a solução mais razoável. Defende-se que lhe seja concedido o direito de
impor ao sono das arvores a prática dos atos necessários para evitar esses danos,
embora se reconheça que se trata duma situação excecional: não se aplica quando o
vizinho tem a possibilidade de cortar. De contrario, se este pudesse exigir que o dono
das arvores os cortasse, cair-se-ia na impossibilidade de fazer plantações junto da linha
divisória; e o autor da plantação ficaria sempre sujeito ao risco de incorrer em
responsabilidade para com o vizinho.
Art 1367
Art 1353
Embora não seja fácil admitir que a vedação ou tapagem possa constituir um abuso do direito
de propriedade porque o autor da vedação está a exercer um direito, não se afasta totalmente
esta possibilidade: será o caso v.g., de o proprietário não ter interesse sério e procurar apenas
fazer a obra na horta do vizinho ou prejudicar de outro modo as cultuas do seu prédio.
Art 1306.
Importa distinguir: ou tais limitações são permitidas pela lei, como sucede nas figuras dotadas
de flexibilidade ou elasticidade que se configuram como tipos e nada obsta à sua constituição
no âmbito legalmente consagrado; ou, contrariando o direito de propriedade, são nulas, mas,
por efeito de convenção legal, produzem efeitos obrigacionais; ou podem ser convertidas
noutro direito real legalmente admitido.
Subsecção I. Ocupação.
138. caracterização
A ocupação consiste na apropriação ou tomada de posse de uma coisa que não tem ou deixou
de ter dono. O nosso Código Civil dedica-lhe uma secção especifica, mas observa-se que
“sobuma aparente uniformidade, trata como ocupação realidades que não podem ser
consideradas como tal”.
Art 1318
1. Pessoal: o ocupante deve ser uma pessoa com capacidade de gozo bastante, embora
não se exija a capacidade de exercício;
2. Real: a coisa ocupável deve ser res nullius que, em sentido amplo, compreende as
coisas que nunca tiveram dono ou, porque abandonadas, deixaram de o ter; deve ser
móvel visto que os imoveis sem dono conhecido pertencem ao Estado; e deve ser
suscetível de apropriação privada.
3. Formal: é a tomada de posse da coisa. Porem, a doutrina diverge sobre a exigência do
animus occupandi. Há quem o não exija porque “iria frontalmente contra a lei
portuguesa que permite a ocupação por parte de pessoas que não tenham
discernimento”; e que não o dispense e, por isso, recuse a possibilidade de aquisição
por ocupação a quem não tem o uso da razão, “visto faltar-lhe uma vontade
juridicamente relevante”.
Tem-se questionado a natureza jurídica do abandono, mas parece mais acertada a doutrina
que o considera um ato jurídico; por isso, quando a analogia das situações justifique, serão de
aplicar, ex vi o art 295 as normas dos negócios jurídicos.
São uma categoria intermédia nem são animais selvagens nem domésticos. O nosso código
prevê a hipótese de se mudarem para guarida de outro dono e distingue:
1. 1320/1
2. 1320/1
3. 1320/2
Art 1321- estamos perante uma situação quiçá violenta para o proprietário que os não
abandonou e não tendo sido abandonados não se deviam considerar res nullius. Todavia
justifica-se porque sendo ferozes é necessária a rápida captura.
Só será licita quando estiver em condições de fazer mal e não quando se encontra impedido de
qualquer ato agressivo.
Art 1322
A doutrina observa que a ocupação só pode funcionar se o dono não capturar o enxame no
prazo de dois dias que se conta a partir da fuga das abelhas; entende que a não captura
funciona presunção de abandono, tornando-se o enxame res nullius.
Art 1323, deve quando possível recorrer aos meios de identificação acessíveis através de
médico veterinário.
144. Tesouro
É a coisa móvel valiosa escondida em tempo imemorial, que deixou de ter dono.
Art 1324.
A doutrina observa que o tesouro se distingue da coisa perdida ou abandonada por a coisa
descoberta ter sido escondida ou enterrada. Por outro lado, não sendo produzido
periodicamente, não se confunde com os frutos e, por isso, se for descoberto pelo
usufrutuário, este é apenas havido como achador, cabendo ao proprietário metade.
145. caracterização
Art 1326
146.1. Aluvião
Art 1328º.
A doutrina acentua, na aluvião, um acrescento impercetível de um prédio por ação das aguas e
reconhece que a acessão opera aqui imediata e automaticamente: o dono do terreno
acrescentando adquire a propriedade sobre as coisas que se lhe uniram, à medida que a
incorporação se vai produzindo, independentemente da sua vontade.
146.2. Avulsão
Art 1329- a existência deste prazo justificava-se, no direito romano, pela necessidade de
distinguir o mero contacto da união orgânica: a acessão só se verificava quando, no terreno
acrescentado, germinasse a mesma vegetação ou as árvores estendessem as suas raízes
Art 1330º
Não se trata de verdadeira acessão: nem o dono do terreno ocupado perde a sua propriedade;
nem o proprietário do terreno confinante com o rio adquire a propriedade do leito
abandonado. O leito abandonado pelas aguas de um rio que seguem outra direção acede aos
proprietários dos terrenos situados nas duas margens, cabendo a cada fundis o terreno situado
entre uma linha média e duas linhas perpendiculares a essa linha que se estendem a partir dos
limites desse fundus. E a propriedade do terreno ocupado pelo novo leito extingue-se, embora,
no direito romano regressasse ao antigo proprietário se o rio voltasse ao leito permitido.
art 1331. Esta solução justifica-se pelo facto de o leito dos rios ser propriedade privada. Mas,
por isso, não se trata de acessão.
Diferente é a solução do direito romano: a propriedade das insulae in flumine natae é atribuída
aos donos dos terrenos situados nas duas margens: a cada um pertence a parte localizada
entre uma linha mediana traçada imaginariamente na ilha e duas linhas perpendiculares que
assinalavam os limites do seu terreno.
Esta figura ocorre quando alguém, de boa-fé, une ou confunde objeto seu com objeto alheio e
a separação não é possível ou implica prejuízo para alguma das partes. O nosso código
estabelece o seguinte regime:
1. 1333/4
2. 1333/1
3. 1333/2
4. 1333/3
A doutrina observa que se a separação for possível, não há acessão porque uma das coisas não
chega a ser absorvida pela outra, mas considera-se que o conceito de separação é económico
ou jurídico e não simplesmente mecânico ou material: afasta-se a separação se causar prejuízo
aos donos.
E considera que a boa-fé consiste na ignorância de que se lesa, com a confuso, o direito de
outrem
Esta união ou confusão ocorre quando alguém, de má-fé, une ou confunde uma coisa sua com
outra alheia. O regime do CC está no 1334:
1. Se as coisas puderem separar-se sem detrimento, a coisa alheia deve ser restituída ao
seu dono, sem prejuízo de indemnização por dano sofrido;
2. Se não poderem ser deparadas em detrimento:
a) O dono da coisa unida ou confundida pode ficar com ambas as coisas adjuntas,
pagando ao autor da união ou confusão do valor calculado segundo as regras do
enriquecimento sem causa;
b) Se não quiser ficar com a coisa adjunta, o autor da união ou confusão deve restituir
o valor da coisa unida ou confundida e indemnizar o seu dono.
A doutrina considera que age de má-fé quem sabe, na data da união ou confusão, que lesa o
direito de outem; e refere que os danos a indemnizar ao dono da coisa unida ou confundida
podem resultar da privação ou impossibilidade de uso da coisa.
A confusão casual tem lugar quando a adjunção ou confusão se realiza casualmente e as coisas
adjuntas ou confundidas não se podem separar sem detrimento de alguma. O seu regime
jurídico está no 1335, sendo o seguinte:
1. Se o dono da coisa mais valiosa quiser, fará suas as coisas adjuntas ou confundidas,
pagando o justo valar da outra;
2. Se não quiser, direito idêntico assiste ao dono da coisa menos valiosa;
3. Se nenhum dos proprietários quiser ficar com as coisa, será vendida e o preço
repartido entre eles
4. Se ambas as coisas forem de valor igual segue-se o regime do 133/2 e 3.
A doutrina considera que o vocábulo casualmente deve ser interpretado em termos hábeis:
não é casual a confusão causada exclusivamente pelas forças da natureza, porque a acessão
seria natural e não industrial. Casual é a acessão industrial que, embora derivada de facto do
homem e não apenas das forças da natureza, não foi querida pelo seu autor. Também aqui só
há acessão se a separação das coisas adjuntas ou confundidas não for possível sem detrimento.
A especificação de boa-fé tem lugar quando alguém, ignorando que lesa o direito de outrem,
transforma, com o seu trabalho, uma coisa móvel alheia. Dessa transformação resulta uma
coisa nova com individualidade económica.
Em linhas gerais se a coisa não puder ser restituída à sua forma primitiva ou não o puder ser
sem perda do valor criado, o CC atende aos valores da matéria e da coisa transformada, ou
sejam adquire a matéria. Em qualquer dos casos, quem ficar com a coisa transformada deve
indemnizar o outro.
A especificação de má-fé ocorre quando alguém, sabendo que lesa o direito de outrem,
transforma uma coisa alheia noutra. O nosso código determina que:
1. A coisa transformada deve ser restituída ao seu dono no estado em que se encontrar;
2. Ademais, o especificador deve também indemnizar os danos causados ao dono da
coisa transformada;
3. O autor da especificação só tem direito a exigir ao dono da coisa transformada o que
exceder em um terço o aumento do valor que a especificação provocou.
A doutrina refere que a limitação do direito do especificador ao valor que excede um terço do
aumento produzido pela especificação traduz uma espécie de sanção contra a má-fé com que
agiu.
A doutrina observa que não se admite, em caso nenhum, a destruição da obra, sementeira ou
plantação. E nota que a referencia ao pagamento do valor dos materiais, sementes ou plantas
supõe o caso normal de já não terem interesse para o lesado por ter passado. Por isso, se este
tempo ainda não decorreu, entende que o autor da acessão não está inibido de entregar, em
vez do seu valor, outros materiais, sementes ou plantas da mesma espécie, qualidade e
quantidade.
Art 1340
A doutrina entende que, tratando-se de obras, deve haver uma ligação material, definitiva e
permanente ao prédio que torne impossível a separação sem alteração da substancia. Há, no
entanto, um problema que suscita divergências: se o valor do terreno for superior, o seu
proprietário adquire ou pode adquirir a obra, sementeira ou plantação? E se, pelo contrario, o
valor dos materiais, sementes ou plantas for superior, o autor da incorporação adquire ou pode
adquirir o terreno?
Apoiando-se na letra da lei Pires de Lima e Antunes Varela consideram que se trata de uma
aquisição automática e imperativa. Referem que o legislador é claro e entendem que “ se a
aquisição não se verificasse automaticamente não deixaria de ter regulado também – como fez
nos arts 1333/4 e 1335/ 1 e 2 – as consequências de o beneficiário da acessão não pretender
adquirir a propriedade dos bens que acederam à coisa (e) tal omissão é sinal seguro de que o
legislador optou, nos arts 1339 e 1340 por uma solução unitária e imperativa – a aquisição
automática ou imediata- e não por soluções alternativas dependentes da vontade dos titulares
ou de um dos titulares dos interesses em conflito”.
Esta opinião é contestada por Oliveira Ascensão para quem “de vários lugares da lei portuguesa
resulta o caracter facultativo da acessão”. Invoca os arts 1333/1, 1339 e 1340, que estabelecem
“o caracter sinalagmático da aquisição e do pagamento, reciprocidade que seria quebrada se
fossemos admitir as teses da aquisição automática, pois então em contrapartida da aquisição
apenas haveria uma obrigação de indemnizar”; o art 1343 que “mais explicitamente estabelece
que o sujeito pode adquirir pagando o que confirma o carater potestativo da aquisição”: e
outras disposições “ainda mais categóricas: são aquelas que subordinam a aquisição à licitação
(arts 1333/2, 1340/2) ou que preveem que o beneficiário não queira adquirir ( 1333/3, 1334,
1335 e 1341)”. E conclui afirmando que “não admira que seja esta a solução legal, pois são
muito numerosos os interesses que falam em favor duma aquisição potestativa”.
Cotejando os argumentos parece-nos que os invocados por Oliveira Ascensão são mais fortes.
Sobretudo, a aquisição automática traduziria uma violência: a obrigatoriedade de alguém
adquirir o direito de propriedade do terreno ou dos materiais, sementes ou plantas, sem se lhe
perguntar se pode pagar. A nossa jurisprudência tem acolhido, com alguma continuidade, a
orientação potestativa.
Trata-se de uma hipótese em que tudo é alheio, estabelecendo o Código o regime no art 1342.
Quanto ao autor da incorporação, se estiver de má-fé, a sua responsabilidade é solidária com a
do dono dos materiais, sementes ou plantas e o valor do enriquecimento é dividido em
proporção do valor dos materiais, sementes ou plantas e da mão de obra. Se estiver de boa-fé,
conserva integralmente o direito de indemnização correspondente ao seu trabalho.
Art 1343
A doutrina refere que estamos perante a figura da acessão invertida: é o construtor, e não o
proprietário do terreno, quem adquire a parcela ocupada. E nota que é titular de um direito
potestativo: pode ou não a adquiris. Depois deve trata-se de um edifício, embora a sua noção
deva ser a mais ampla possível: não é necessário que seja um prédio para habitação. Quanto à
posição do dominus soli deve opor-se no prazo de três meses. A sua ignorância é irrelevante
porque qualquer proprietário tem o dever de vigiar os bens que lhe pertencem. Finalmente
importa referir que o termo legal parcela traduz a ideia de que só poderá ser ocupada uma
pequena parte do terreno. Se se tratar da maior parte da construção, dever-se-á recorrer ao
regime geral da acessão fixado no art 1340.
Remissão
150. Contrato
Art 1316 e 408/1- esta solução foi introduzida pelo código de Seabra, antes o contrato produzia
apenas efeitos obrigacionais.
Capitulo V. Tutela
Art 337
2. 1320/1
3. art 1322
4. Art 1349/1
5. art 1349/2
6. Art1352/2
7. Art 1352/2
8. Art 1366/1
9. Art 1367
Art 1311
Ao proprietário cabe o ónus de provar o seu direito de propriedade e que a coisa se encontra
na posse ou é detida pelo demandado. Não basta, no entanto, provar que adquiriu a
propriedade do alienante; deve também provar que este a adquiriu, o que implica a
necessidade de provar as aquisições dos sucessivos alienantes até à aquisição originária de um
deles- prova diabólica. Com efeito, nos termos do CPC, a causa de pedir nas ações reais sé o
facto jurídico de que esse direito deriva e, portanto, deve ser provado pelo demandante.
Esta situação é facilitada provando que a propriedade foi adquirida de forma originária, como a
ocupação, a acessão e sobretudo a usucapião que destrói quaisquer direitos em contrario; e
pelo registo, cujo titular goza da presunção de proprietário invertendo o ónus da prova a quem
caberá a dificuldade de provar a inexatidão deste documento
Para prevenir danos á cosia que lhes pertence o proprietário pode instigar uma ação contar o
dono do prédio vizinho, pode evitar as atuações dos seguintes arts:
161. Expropriação
A propriedade extingue-se também com a perda absoluta ou total da coisa porque poe em
causa a sua afetação jurídica. Não devemos confundi-la com a deterioração, a menos que que
seja tao profunda que torne impossível o exercício do direito de propriedade. A perda
restringe-se naturalmente a coisas móveis que, tornando-se res nullius, são suscetíveis de
ocupação. Importa advertir qua há quem, em vez de perda da coisa, prefira falar de destruição
porque “perda tem, no direito das coisas, um significado técnico preciso que é bom não
confundir”. Todavia a destruição deve ser radical.
164. Abandono
Art 1318- coisas móveis; nas coisas imóveis aponta-se, como único preceito em que a
propriedade se extingue por abandono o domínio sobre as águas originariamente publicas- art
1386/1-d), e) e f) - cuja consequência é a sua reversão ao domínio publico.
Quanto à natureza jurídica do abandono, sustenta-se que se trata de um negocio jurídico
unilateral não recipiendo.
165. Renuncia
Art 1305.
Admitida em relação a cosias móveis, a nossa doutrina está dividida sobre a possibilidade de
incidir também sobre os imoveis. Há quem, partindo do 1305 e do facto de a propriedade ser
um direito subjetivo e não uma função ou encargo, considere que as coisas imoveis são
suscetíveis de renuncia: trata-se, aliás, da ultima defesa que “resta ao particular perante o
avolumar das exigências legais”. Acolhendo esta doutrina, entende-se que “a renuncia de coisa
imóvel que, por isso, fique sem dono, provoca a sua aquisição automática por parte do Estado”.
Mas há também quem, considerando que esta posição é inteiramente razoável de iure
contituendo, entenda que, no plano do direito constituído, “a interpretação sistemática da lei
não fornece apoio para a livre renunciabilidade do domínio sobre imoveis”.
166. Caducidade
É uma forma de extinção de direitos reais temporários. Por isso, se não suscita duvidas em
relação ao direito de usufruto e de uso e habitação, o direito de propriedade levanta algumas
dificuldades. No entanto sendo a propriedade temporária admitida pela lei nos casos previstos
a caducidade extingue-a nos casos do 2286 e 962.
Art 298/3. Sustenta-se, a propósito, que o não uso constitui uma forma de uso, mas poder-se-á
igualmente dizer que não se justiça a manutenção de um direito que deixou de ser exercido.
Refere-se o caso do direito sobre águas particulares do art 1397.
168.1. Contrato
168.2. Usucapião
168.3. Acessão
Capitulo I. Caracterização
Distinguem-se desde logo porque o direito dos contitulares não incide diretamente sobre cada
um dos elementos que constituem o património, mas sobre este concebido com um todo
unitário. Por isso, os membros da comunhão individualmente considerados não são titulares
de direitos específicos sobre cada um dos bens que integram o património global e, portanto,
não podem dispor desses bens nem os onerar, salvo quando o possam fazer na qualidade de
administradores.
São exemplos desta figura o património comum dos cônjuges, o património das sociedades não
personalizadas e a comunhão hereditária.
Art 980º. A sociedade é constituída por duas ou mais pessoas que contribuem com bens ou
serviços; exercem uma atividade económica em comum de carater lucrativo; e devem repartir
os lucros obtidos. A compropriedade aproxima-se em muitos aspetos deste regime como a
existência, uso e administração de bens comuns. Todavia, alem de a sociedade civil não
envolver necessariamente uma comunhão e poder ficar privada de bens importa atender ao
escopo para que a sociedade se constitui.
O concurso de direitos reais ocorre quando, sobre a mesma coisa, incidem dois ou mais
distintos: v.g. quando o mesmo prédio é objeto de um direito de propriedade e de um
usufruto; de um direito de propriedade e de uma servidão; etc. Nestes casos não há
compropriedade porque os direitos constituídos sobre a mesma coisa a favor de diferentes
titulares não são qualitativamente iguais.
Art 1429-A
180. Constituição
a) 1358/1
b) 1359/2
c) 1368
d) 1324
e) 1318
f) 1286 e 1287
Finalmente observa-se que o direito de preferência não se aplica na comunhão forçada como
do caso do 1370 e 1371
Estes poderes incidem sobre a administração de coisa comum. O código manda aplicar ao
comproprietários o disposto no art 985 no 1407. A doutrina observa que, na formação da
maioria dos consortes, o nosso Código atende conjuntamente a dois fatores: “não prescinde do
elemento pessoal, para evitar que a minoria dos comproprietários se imponha à vontade da
maioria”, mas “exige, ao mesmo tempo que a maioria represente, pelo menos, metade do
valor total das quotas”. Ou seja, para que se forme a maioria dos consortes, este devem
constituir conjuntamente a maioria pessoal e patrimonial. Embora a disposição legal só fale de
administração a doutrina considera que compreende os atos de fruição, conservação,
beneficiação e alienação de frutos.
a) Uma parte especifica da coisa por valor não superior ao da quota do comproprietário
alienante, esta alienação poderá converter-se em alienação da quota;
b) A coisa comum ou um aparte especifica por valor superior ao da quota, poderá haver
lugar, sucessivamente, à redução e conversão: o negocio será reduzido ao valor da
quota e, depois, convertido em alienação ou oneração da quota.
185. Encargos
186. Extinção
Art 1412
A extinção pode resultar de negocio inter vivos ou mortis causa e até da usucapião: necessário
é que concentrem a propriedade da coisa comum numa só pessoa que tanto pode ser um dos
comproprietários ou terceiro. A própria lei, que olha para a comunhão com certo desfavor
facilita a sua extinção, atribuindo a cada consorte o direito potestativo de, em qualquer
momento fazer cessar a indivisão. Só assim não sucederá se os comproprietários tiverem
convencionado assim não sucederá se os comproprietários tiveres convencionado que a coisa
comum se conserve indivisa, mas, mesmo assim, o prazo fixado para a indivisão não pode
exceder cinco anos, embora os consortes possam renovar.
Art 1413 e 939
Capitulo I. Caracterização
187. Introdução
DL 81/2020
188. Noção
O nosso Código Civil não define a propriedade horizontal, mas nada impede que a possamos
definir, sobretudo com base em algumas disposições (arts 1414, 1415 e 1420) que mostram um
conjunto de poderes, incindivelmente ligados, sobre cada uma das frações autónomas e sobre
as partes comuns do mesmo edifício. A doutrina observa que cada fração é objeto de um
direito de propriedade; e as partes comuns, de um direito de compropriedade. E estes direitos
apresentam-se de tal modo unidos que não é possível aliená-los separadamente nem se pode
renunciar ao direito às partes comuns para libertação dos encargos correspondentes. E aponta
os seguintes requisitos: a) existência de frações num edifício, que constituam unidades
independentes; b) separação e isolamento das frações autónomas; c) disposição de saída
própria para cada fração; d) pertença de duas ou mais frações a proprietários diferentes.
Trata-se duma propriedade especializada pelo facto de recair sobre parte de uma coisa e
envolver acessoriamente uma comunhão sobre as outras partes do prédio.
Defendida por Oliveira Ascensão tem-se dito que "esta análise só peca por não ter retirado dos
seus pontos de partida rodas as consequências que comporta"; e ignora que a propriedade
horizontal constitui um direito novo, embora moldado a partir de figuras preexistentes;
g) teoria de um novo direito real de gozo: a propriedade horizontal é um direito real de gozo
constituído por uma justaposição dos direitos de propriedade singular (sobre as frações) e de
comunhão (sobre as partes comuns). Por isso, os particulares estão sujeitos ao princípio do
numerus clausus. Defendida por Pires de Lima e Antunes Varela, MENEZES CORDEIRO,
CARVALHO FERNANDES e Sandra PASSINHAS, esta teoria é favorecida pelo regime jurídico
consagrado no nosso Código: coexistem, num mesmo edifício, propriedades distintas
individualizadas ao lado da compropriedade de certos elementos forçosamente comuns; o
direito sobre as frações autónomas está sujeito a restrições que não existem na propriedade
em geral (art 1422/2); e, quanto às partes comuns, o seu estatuto revela uma estabilidade que
o afasta da compropriedade em vários aspetos ( arts 1420/2 e 1423)
192. Constituição
Impõe-se imediatamente uma referência ao título constitutivo: o que é e qual a sua natureza.
A doutrina considera-o uma declaração unilateral através da qual o proprietário do edifício
exprime a vontade de sujeitar o imóvel ao regime da propriedade horizontal, extinguindo o seu
direito de propriedade normal e constituindo um direito real novo: a propriedade horizontal. E
entende que se trata dum ato de mera administração porque não envolve a alienação de
qualquer fração do imóvel. Simplesmente, porque a propriedade horizontal pressupõe uma
pluralidade de condóminos, aquela declaração unilateral fica sujeita a condição suspensiva de
alienação de alguma das frações autónomas do edifício.
Refira-se, ainda, que o título constitutivo pode ser elaborado em qualquer momento: quando o
edifício já está construído, em fase de construção e mesmo quando só esteja projetado. Há,
aliás, grande vantagem que assim possa ser porque se permite ao construtor a obtenção dos
meios de financiamento necessários à construção.
Todavia, antes da alienação de qualquer das frações, ou seja, antes de haver, pelo menos, dois
condóminos, o título constitutivo não deixa de produzir alguns efeitos. Assim, se, v. g., o
proprietário do edifício tiver necessidade de constituir alguma garantia real, poderá onerar
apenas uma ou algumas das frações. E pode criar uma relação de usufruto ou arrendar uma ou
mais frações de que resulta o direito de o locatário preferir na venda da fração arrendada.
Em relação à nulidade do título constitutivo que não cumpra as exigências legais acima
referidas, a doutrina entende que é necessário considerar algumas situações:
1. se o fim fixado no projeto não coincidir com o fim referido no titulo constitutivo, estaremos
perante a nulidade parcial do título; por isso, eliminada a finalidade constante do título,
prevalece o fim fixado no projeto aprovado pela entidade pública competente;
3. se o valor de cada fração não foi fixado, o título constitutivo pode ser completado em
documento autêntico. Por isso, a nulidade só prevalece se o recurso a este meio não ocorrer.
Quanto à pluralidade dos condóminos, já vimos que, segundo a lei, pode resultar de:
a) negócio jurídico inter vivos: em regra, trata-se do contrato de compra e venda, mas pode
resultar também de doação, partilha extrajudicial, permuta, dação em cumprimento. No
entanto, a lei notarial não permite que as respetivas escrituras sejam lavradas sem a exibição
de documento comprovativo da inscrição do título constitutivo no registo predial;
d)decisão judicial: tem lugar em sentença proferida em ação de divisão de coisa comum ou em
processo de inventário, desde que o prédio tenha os requisitos legalmente exigidos;
193. Modificação
Art 1419
Art 1416/1
Art 1420/1 e 2
A doutrina observa que, sendo proprietário exclusivo da sua fração, o respetivo condómino
goza da faculdade de dispor livremente dela. Na falta de convenção em contrário e se a divisão
material e jurídica for possível, pode mesmo subdividi-la em novas frações autónomas e
constituir sobre cada uma delas um direito de propriedade independente. Ademais, entre as
várias frações autónomas podem constituir-se relações jurídicas de natureza real, como se se
tratasse de imóveis independentes. Assinalam-se, no entanto, limitações decorrentes da
natureza das coisas: v. g., um condómino não tem a faculdade de demolir a sua fração porque,
relativamente às partes comuns, não pode exceder os poderes de comproprietário.
A lei impõe ainda a incindibilidade entre o direito de propriedade sobre cada fração e o direito
de compropriedade em relação às partes comuns. Por isso, não é possível alienar aquele sem
este e vice-versa. No entanto, a doutrina entende que esta proibição só se aplica quanto à
alienação isolada ou separada, porque, em conjunto, os condóminos podem alienar as partes
comuns do edifício, exceptuadas as que o são imperativamente por força da lei -1421/1
195. Limitações
Art 1422
É especialmente vedado:
3. dar-lhe uso diverso do fim a que é destinada. O destino não tem que ser o mesmo para
todas as frações. Porém, se o título constitutivo afetar as frações a determinado fim, os
condóminos não as podem destinar a fins diferentes.
4. praticar quaisquer atos ou atividades que tenham sido proibidos no título constitutivo ou,
posteriormente, por deliberação da assembleia de condóminos aprovada sem oposição
Finalmente, não devemos ignorar também as limitações derivadas das relações de vizinhança
(arts 1346, 1347,1349, 1360) e do regime de compropriedade sobre as partes comuns (art
1406/1).
Art 1423 -Esta disposição justifica-se pela necessidade de manter a propriedade horizontal. Por
um lado, há vantagens sociais, económicas e políticas que justificam a existência das várias
frações. Por outro, o direito de compropriedade dos condóminos sobre as partes comuns do
edifício é um puro acessório da propriedade exclusiva que recai sobre cada fração. No entanto,
se os condóminos quiserem dividir as partes não imperativamente comuns ou atribuí-las em
exclusivo a um ou alguns ou em compropriedade a alguns, podem fazê-lo mediante
modificação do título constitutivo, observando as exigências do art. 1415 - art 1419
197. Encargos
Art 1424
A doutrina observa que a responsabilidade dos condóminos por estas despesas é ex lege e, por
isso, subsiste mesmo que resultem de facto que seja imputável apenas a um deles ou a
terceiro, embora lhes seja lícito demandar o autor do dano de acordo com os princípios gerais
da responsabilidade civil
Nota-se também que o nosso Código não adotou a regra da utilidade na distribuição das
despesas, mas da destinação objetiva das coisas comuns: o que interessa é o uso que cada
condómino pode fazer dessas coisas, medido, em princípio, pelo valor relativo da sua fração, e
não o uso que efetivamente faça delas. Por isso, a responsabilidade pelas despesas de
conservação subsistirá mesmo em relação aos condóminos que, podendo utilizar as suas
frações, não se servem delas e, portanto, também das partes comuns do prédio. Nada obsta,
porém, a que os condóminos possam acordar diferentemente.
197.2. Inovações
A doutrina observa que da remissão para o art. 1424. resulta que se a inovação servir
exclusivamente certa zona do prédio, só entre os condóminos das respetivas frações se fará, na
proporção dos seus valores, a repartição dos encargos.
Art 1427.
Importa referir que estas reparações devem ser feitas pelo administrador como órgão
executivo das deliberações da assembleia dos condóminos ou como zelador dos bens comuns.
Essas despesas serão repartidas segundo os critérios estabelecidos no art. 1424. °
1. for total ou de parte que "represente, pelo menos, três quartos do seu valor, qualquer dos
condóminos tem o direito de exigir a venda do terreno e dos materiais, pela forma que a
assembleia vier “designar" (art 1428/1);
2. atingir uma parte menor, a assembleia pode deliberar, pela maioria do número dos
condóminos e do capital investido no edifício, a (sua) reconstrução" (1428/2).
O Código determina ainda que se os condóminos não quiserem "participar nas despesas da
reconstrução, podem ser obrigados a alienar os seus direitos a outros condóminos, segundo o
valor entre eles acordado ou fixado judicialmente" (1428/3). Neste caso, permite ao alienante
a escolha do condómino ou condóminos "a quem a transmissão deve ser feita" (1428/4).
A doutrina nota que a faculdade de qualquer dos condóminos se opor à reconstrução do
prédio se a sua destruição for total ou de parte representativa, pelo menos, de três quartos do
seu valor constitui um regime contrário ao da compropriedade, caracterizado pelo direito de
exigir a divisão do terreno e dos materiais. Com aquela solução pretende-se proteger cada um
dos condóminos contra imposições da maioria, que envolvam um encargo excessivo ou
inoportuno.
No entanto, porque não está em causa nenhum interesse público, o título constitutivo pode
consagrar solução diferente.
Art 1429
Art 4 DL 268/94
198.1. Introdução
Em relação à assembleia dos condóminos, cada condómino tem tantos votos quantas as
unidades inteiras que couberem na percentagem ou permilagem referidas no art. 1418. °
(1430/2).
a) salvo disposição especial, a regra é a de que são tomadas por maioria dos votos
representativos do capital investido (quórum inicial) (1432/3);
b)"se não comparecer o número de condóminos suficiente para se constituir essa maioria e
não tiver sido fixada outra data, considera-se convocada nova reunião para uma semana
depois, na mesma hora e local". Neste caso, a assembleia "pode deliberar por maioria de votos
dos condóminos presentes, desde que representem, pelo menos, um quarto do valor total do
prédio" (quórum subsidiário) (1432/4);
c) se a unanimidade dos condóminos for exigida, as deliberações «podem ser aprovadas por
unanimidade dos condóminos presentes, desde que representem, pelo menos, dois terços do
capital investido, sob condição de aprovação da deliberação pelos condóminos ausentes"
(1432/5). Neste caso, “as deliberações têm de (lhes) ser comunicadas, por carta registada com
aviso de receção, no prazo de 30 dias" (1432/6). Após a receção desta carta, gozam de 90 dias
"para comunicar, por escrito, à assembleia de condóminos o seu assentimento ou a sua
discordância" (1432/7). E o seu silêncio "deve ser considerado como aprovação da deliberação"
(1432/8).
São obrigatoriamente lavradas atas, redigidas e assinadas por quem tenha servido de
presidente e subscritas por todos os condóminos participante. E as deliberações consignadas
em ata vinculam os condóminos e os terceiros titulares de direitos relativos às frações (art 1/2
DL 268/94). A ata que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio
ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento
de serviços de interesse comum constitui título executivo contra o condómino que deixar de
pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte (art 6/1 DL 268/94).
Quanto ao direito de propor a ação de anulação, "caduca no prazo de 20 dias contados sobre a
deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de
60 dias sobre a data da deliberação" (1433/4). Pode também "ser requerida a suspensão das
deliberações nos termos da lei de processo" (1433/5).
E "a representação judiciária dos condóminos contra quem são pro. postas as ações compete
ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito" (1433/6).
198.3. Administrador
As funções do administrador estão nos arts 1436, 1346-f) - carater meramente exemplificativo
Capitulo I. Caracterização
199. Noção
Art 1439
201. Características
1. real de gozo: o usufrutuário "pode usar, fruir e administrar a coisa ou direito como faria um
bom pai de família", embora deva respeitar o seu destino económico (1446). Pode também
trespassar a outrem o exercício do seu direito e onerá-lo, salvo as restrições impostas pelo
título constitutivo ou pela lei, mas "responde pelos danos que as coisas padecerem por culpa
da pessoa que o substituir" (1444/2). A propósito da cedência do usufruto, referida na lei como
trespasse a terceiro (1444), deve referir-se que só pode ser efetuada por negócio inter vivos,
porque o usufruto extingue-se com a morte do cedente (1443 e 1476/1-a).
2. não exclusivo: o usufruto implica a existência de outro direito real sobre a mesma coisa. Esta
característica permite compreender boa parte das obrigações do usufrutuário e distinguir
claramente o usufruto do direito de propriedade.
3. limitado: o usufrutuário não pode alterar a forma ou substância da coisa usufruída e deve
também respeitar o seu destino económico. Todavia, esta impossibilidade deve ser entendida
em termos hábeis porque se o usufruto tiver por objeto coisas consumíveis, o seu uso implica,
pela própria natureza das coisas, o seu desaparecimento.
4. temporário: o usufruto não pode exceder a vida do usufrutuário, quando se trate de pessoa
física; e a sua duração máxima é de 30 anos, se for constituído a favor de pessoa coletiva
(1443). Havendo prazo estipulado, extingue-se no seu termo, exceto se o usufrutuário morrer
antes.
Esta característica tem a sua ratio na finalidade essencialmente pessoal (intuitu personae) do
usufruto que justifica também que se for trespassado (1444), o usufruto se extinga com a
morte do cedente e não do adquirente.
A doutrina observa ainda duas razões que determinaram a lei a negar ao usufruto carácter
perpétuo: a falta de estímulo para a conveniente exploração económica dos bens; e o
obstáculo à sua circulação;
5. sobre objeto alheio: a lei refere expressamente que o usufruto pode incidir sobre uma coisa
ou direito alheio (1439). Ora, segundo o princípio da coisificação, os direitos reais devem versar
sobre coisas e, por isso, a possibilidade de o usufruto incidir sobre um direito suscita algumas
dificuldades. Assim, considerando que a função económico-social originária do usufruto era
proporcionar alimentos ao seu beneficiário mediante a fruição de certa coisa, há quem
entenda que esta função pode ser cumprida pela fruição de direitos de crédito, ações de
sociedade, partes sociais, direitos de autor, etc. Mas há também quem se interrogue se o
usufruto de um direito de crédito é ainda um direito real. E, enquanto alguns consideram que
se trata de um usufruto irregular, outros entendem que esse usufruto não recai sobre esse
direito, mas sobre o seu objeto: a prestação. E, em consequência, considerem que se trata não
de um direito real, mas de um direito de crédito sob o nomen iuris de usufruto.
202. Modalidades
Art 1441
Há, no entanto, uma exigência legal: as pessoas contempladas com o usufruto devem existir ao
tempo em que o direito do primeiro usufrutuário se torne efetivo.
A doutrina observa que se trata duma conditio uris da constituição do usufruto e nota que
deve entender-se como momento decisivo daquela existência não a data do título, mas o
tempo em que o direito do primeiro usufrutuário se torne efetivo; por isso, se o título do
usufruto for um testamento, não interessa a data em que foi feito, mas o tempo em que a
sucessão é aberta.
Pergunta-se: e se, nesse momento, um (ou mais) dos beneficiários ainda não nasceu, mas já
estiver concebido (nasciturus)? Se a favor de um indivíduo ainda não concebido, não se pode
constituir usufruto, entende-se que a ratio da lei não exclui que se possa deixar um usufruto a
quem, já concebido, ainda não nasceu. Ademais, esta possibilidade não alarga
incomportavelmente o prazo do usufruto e, por outro lado, a situação de pendência do
usufruto não é muito dilatada
3. teoria de um direito real autónomo: esta doutrina considera que o usufruto é um direito real
autónomo que onera a propriedade. Foi elaborada pela Pandectística alemã e está consagrada
no Código Civil Alemão. E observa-se que é uma doutrina "de índole mais científica" (1440).
É a doutrina que suscita a nossa adesão, atento o regime jurídico que, entre nós, o usufruto
apresenta.
204. Introdução
O nosso Código determina que "o usufruto pode ser constituído por contrato, testamento,
usucapião ou disposição da lei" (art 1440). Importa, por isso, fazer uma referência a esses
modos ou títulos pelos quais o usufruto se pode constituir.
205. Contrato
b) constituição per deductionem: o proprietário cede a nua propriedade sobre uma coisa e
reserva, para si (ou para terceiro) o direto de usufruto.
Esta distinção é importante porque o usufrutuário está dispensado da prestação de caução se o
usufruto tiver sido constituído per deductionem (1469/1).
A doutrina observa que a doação é o contrato mais frequentemente realizado, mas nada obsta
a que a constituição se realize por contrato oneroso.
206. Testamento
O testamento pode ser utilizado para constituir um usufruto sobre a universalidade da herança,
uma quota dela, coisas ou direitos determinados.
A lei qualifica como legatário o usufrutuário, ainda que o seu direito incida sobre a totalidade
do património (2030/4).
207. Usucapião
Porém, esta posição negativa era dificilmente defensável, porque o elemento subjetivo (animus
possidendi) permitia distinguir as duas situações possessórias; e, por isso, bem andou o nosso
legislador em admitir a constituição do usufruto por usucapião.
Admite-se também a possibilidade de a nua propriedade ser adquirida por usucapião, porque a
posse pode ser exercida por intermédio de outrem (1252/1). Assim, o proprietário da raiz pode
exercer a posse por intermédio do usufrutuário que é possuidor em nome próprio quanto ao
direito de usufruto e, simultaneamente, possuidor em nome alheio em relação ao direito de
nua propriedade.
Tradicionalmente, destacavam-se o usufruto dos pais sobre os bens do filho menor legítimo e o
usufruto do cônjuge sobrevivo quando a sucessão legítima fosse deferida aos irmãos ou
sobrinhos do de cuius legal. Porém, a reforma de 1977 suprimiu estes casos de usufruto legal.
209. Caracterização
Art 1445
A doutrina observa que ao título constitutivo do usufruto é atribuída uma notória flexibilidade
ou elasticidade, embora haja que respeitar a estrutura básica do direito definido no art. 1439
sob pena de se violar a regra básica da tipicidade dos direitos reais (1306).
É, assim, possível estabelecer uma variedade de poderes, de caso para caso, excluir uma ou
outra utilidade, com um limite: o usufruto não pode incidir sobre a fruição de uma só utilidade.
Por isso, fala-se de um tipo (relativamente aberto e considera-se que nem todas as disposições
legais têm carácter supletivo: algumas são efetivamente imperativas. Se o título não
determinar os direitos e obrigações do usufrutuário, aplicar-se-ão as normas supletivas que
definem o conteúdo do usufruto. Destacamos:
1. O art. 1446. ° dispõe que "o usufrutuário pode usar, fruir e administrar a coisa ou o direito
como faria um bom pai de família, respeitando o seu destino económico"
A doutrina observa que a expressão bom pai de família é intencionalmente imprecisa: concede
a necessária flexibilidade na apreciação contenciosa para que a decisão judicial se possa
amoldar à extrema variedade das situações reais. E nota também que a necessidade de
respeitar o destino económico não repete o conceito romanista de não alterar a forma ou
substância da coisa ou direito (1439): v. g., se o usufrutuário transforma uma casa de habitação
num estabulo, armazém ou garagem, pode não alterar a forma ou substância, mas desrespeita
o seu destino económico.
2. O art. 1447. ° determina que "o usufrutuário, ao começar o usufruto, não é obrigado a
abonar ao proprietário despesa alguma feita". Mas "findo o usufruto, o proprietário é obrigado
a indemnizar aquele das despesas de cultura, sementes ou matérias-primas e, de um modo
geral, de todas as despesas de produção feitas pelo usufrutuário, até ao valor dos frutos que
vierem a ser colhidos"
Esta disposição legal é uma consequência da regra tradicional do nosso direito segundo a qual
é o momento da perceção (colheita) que assinala o direito à aquisição dos frutos naturais.
Compreende-se, portanto, que o usufrutuário e o proprietário tenham direito aos frutos
colhidos, respetivamente, durante a vigência do usufruto e depois da sua extinção.
Porém, há um tratamento discriminatório que provém da legislação anterior e se afasta do
sistema de reciprocidade adotado por alguns Códigos: o usufrutuário não é obrigado a abonar,
ao proprietário, as despesas de produção que este fez antes da constituição do usufruto; mas o
proprietário é obrigado a ressarci-lo dessas despesas relacionadas com os frutos que, depois da
extinção do usufruto, vier a colher.
Dir-se-á que a primeira solução se baseia numa presunção de vontade: "a lei presume que a
vontade do instituidor se manifestaria no sentido de pretender que o beneficiário do usufruto
passe, logo após a instituição, a colher os frutos da coisa"; e que a segunda se justifica "pelo
intuito de evitar um locupletamento do proprietário da raiz à custa do usufrutuário" além de
este regime afastar "o inconveniente de, no último ano do usufruto, o usufrutuário se quedar
numa atitude de inércia".
O art. 1448. dispõe que se os frutos tiverem sido alienados antes da colheita que só deve
ocorrer depois da extinção do usufruto, a alienação subsiste, mas o produto da alienação
pertence ao proprietário que deve indemnizar o usufrutuário das despesas de produção.
Também esta disposição legal se compreende: deriva do princípio de que a titularidade dos
frutos se determina no momento da colheita; evita o locupletamento do proprietário à custa
do usufrutuário; e contribui para evitar a inércia deste.
211. Acessões
O art. 1449. determina que "o usufruto abrange as coisas acrescidas e todos os direitos
inerentes à coisa usufruída"
Esta solução justifica-se: se a acessão amplia a coisa objeto de propriedade, é natural que o
usufruto se amplie também.
O usufrutuário tem a faculdade de fazer estas benfeitorias na coisa usufruída desde que não
altere a sua forma ou substância nem o seu destino económico (1450/1). E aplica-se-lhe o que
o Código prescreve relativamente ao possuidor de boa-fé (1450/2). A expressão legal "que bem
lhe parecer" impede o proprietário de se opor "a que o usufrutuário introduza melhoramentos
na coisa usufruída, desde que as obras não excedam os limites dos seus poderes: não alterem a
forma ou a substancia da coisa nem o seu destino económico.
Determina-se ainda que "o usufruto de coisas consumíveis não importa transferência da
propriedade para o usufrutuário" (1451/2).
Trata-se duma disposição importante que resolve dois problemas: o risco pelo perecimento da
coisa antes de ser consumida onera o proprietário da raiz; e, conservando este a propriedade,
poderá defender o seu direito real contra os credores do usufrutuário.
Art 1452/2
A doutrina observa que todas as coisas são deterioráveis em maior ou menor escala. Por isso,
importa ter em atenção o grau e a causa de deterioração.
Estas árvores e arbustos pertencem ao usufrutuário. Mas, se forem frutíferos, deve plantar
igual número de pés ou, se a renovação por plantas do mesmo género for impossível ou
prejudicial, deve substituir a sua cultura por outra igualmente útil para o proprietário (1453).
Esta solução resulta do entendimento de que as árvores ou arbustos que morrem lentamente
são frutos da terra.
Estas árvores e arbustos pertencem ao proprietário. Todavia, o usufrutuário pode aplicá-las nas
reparações que seja obrigado a fazer ou exigir que o proprietário as retire, desocupando o
prédio (1454). Estamos perante uma solução que se afasta da anterior por se considerar que as
árvores e arbustos que perecem acidentalmente constituem capital e não frutos do prédio.
Estão em causa árvores destinadas a cortes em regra periódicos que revestem a natureza de
frutos. E o dever de o usufrutuário obedecer à ordem e praxes do proprietário ou dos usos da
terra tem em vista evitar que a ânsia de lucro o leve a fazer uma exploração abusiva da mata.
Também esta solução se justifica pelo motivo que determina a disposição anterior.
O nosso Código distingue o usufruto sobre a concessão mineira e sobre os terrenos onde haja
explorações mineiras. No primeiro caso, determina que o usufrutuário "deve conformar-se, na
exploração das minas, com as praxes seguidas pelo respetivo titular" (1457/1).
No segundo, "tem direito às quantias devidas ao proprietário do solo, quer a título de renda,
quer por qualquer outro título, em proporção do tempo que durar o usufruto" (1457/2).
Na primeira hipótese, a doutrina observa que a solução legal evita a ânsia do lucro do
usufrutuário que o leve a cansar excessivamente a mina. E quanto à segunda, considera que o
direito atribuído ao usufrutuário constitui um fruto civil (212/2) e, por isso, integra-se no seu
direito de perceção dos frutos.
O usufrutuário não pode abrir pedreiras sem o consentimento do proprietário (1458/1); pode
explorar as pedreiras que se encontrem em exploração no começo do usufruto, mas deve
conformar-se com as praxes observadas pelo proprietário (1458/1); e pode extrair pedra do
solo para reparações ou obras a que seja obrigado (1458/2).
A doutrina observa que a primeira disposição compreende-se porque "a extração de pedra,
principalmente quando feita em regime de exploração industrial, modifica a fisionomia do
terreno e altera a substância da coisa"; a segunda apoia-se na presunção de que houve, na
constituição do usufruto, "a intenção de assegurar ao usufrutuário a continuidade da
exploração anterior"; e a última "justifica-se pela lógica e bom senso: sendo (aquele) obrigado
a realizar obras em benefício do prédio", deve poder "socorrer-se dos elementos do solo para
cumprir (esse) encargo"
O usufrutuário "pode, em benefício do prédio usufruído, procurar águas subterrâneas por meio
de poços, minas ou outras escavações" (1458/1). E quanto a essas obras (benfeitorias) é
equiparado ao possuidor de boa-fé (1459/2).
Observa-se aqui uma exceção ao princípio de que o usufrutuário não pode alterar a forma ou
substância da coisa. Mas justifica-se por tais obras beneficiarem o prédio.
Por sua vez, o proprietário "não pode constituir servidões sem consentimento do usufrutuário,
desde que delas resulte diminuição do valor do usufruto" (1460/2).
223. Tesouros
Na base desta solução está o entendimento de que os tesouros não são frutos; por isso, não
pertencem ao usufrutuário.
Art 1462
A doutrina refere que "à finalidade essencial da manutenção do conjunto dos animais não
interessa apenas o número deles, mas também as demais condições essenciais à conservação e
propagação do conjunto (a proporção entre os animais de cada sexo, a eliminação ou
separação dos animais envelhecidos ou inutilizados, etc.)"
Porém, a disposição legal justifica-se quer por não ser fácil distinguir a parte correspondente à
amortização do capital e a relativa à renda quer por traduzir a vontade usual dos contraentes.
Art 1464/1 e 2
O usufrutuário tem "a faculdade de administrar esses valores como bem lhe parecer, desde
que preste a devida caução”. Porém, "corre por sua conta o risco da perda da soma usufruída"
(1465/1). Se não quiser usar desta faculdade, o investimento das somas far-se-á nos termos do
art. 1464. °, n.º 2: é necessário o acordo do proprietário e do usufrutuário e o consentimento
pode ser suprido judicialmente (1465/2).
A doutrina distingue ainda: "se o prémio consistir na atribuição gratuita de certo número de
ações, estas engrossarão o capital do proprietário, mas os respetivos dividendos, enquanto o
usufruto se mantiver, competirão ao usufrutuário. Se o prémio consistir numa prestação
suscetível de uma única utilização, "deve equiparar-se aos frutos e, portanto, ser atribuído
exclusivamente ao usufrutuário".
O usufrutuário deve fazer uma relação de bens onde conste o seu estado e, se houver móveis,
o seu valor (1468-a); e se o proprietário exigir, deve prestar caução através da qual garanta: a
restituição dos bens ou, tratando-se de bens consumíveis, o seu valor; a reparação das
deteriorações devidas a culpa do usufrutuário; e o pagamento de qualquer outra indemnização
devida ao proprietário (1468-b). A prestação de caução não é exigível se o usufruto tiver sido
constituído per deductionem (1469). E, porque não está em causa um interesse público, o
título constitutivo também pode dispensá-la.
Porém, o usufrutuário pode recusar prestar a caução. Nesta hipótese, o proprietário pode
exigir que: os imóveis sejam arrendados ou postos em administração; os móveis sejam
vendidos ou lhe sejam entregues; os capitais e a importância das vendas sejam dadas a juros
ou utilizadas na aquisição de títulos de crédito nominativos; os títulos ao portador sejam
convertidos em nominativos ou depositados num terceiro; e sejam adotadas outras medidas
adequadas (1470/1). Se o usufrutuário não concordar quanto ao destino dos bens, o tribunal
decidirá (1470/2).
A doutrina refere o carácter meramente exemplificativo daquela enumeração legal como, aliás,
se deduz da letra da lei: "o proprietário tem a faculdade de exigir (...) que se adotem outras
medidas adequadas"; e nota que a falta de caução priva o usufrutuário da posse dos bens, mas
não do direito aos seus frutos. E considera ainda que não se trata de sanções, mas de medidas
coativas destinadas a acautelar o interesse do proprietário na conservação e futura restituição
dos bens; por isso, se o usufrutuário, embora tardiamente, prestar caução, essas medidas
cessarão
O proprietário pode fazê-las, desde que não diminuam o valor do usufruto: ao usufrutuário
corresponde uma obrigação de tolerância (pati) (1471/1). Todavia, o usufrutuário não é
obrigado a pagar os juros da soma paga pelo proprietário ou outra indemnização. Mas se
aumentarem o rendimento líquido da coisa usufruída, o aumento pertence ao proprietário
(1471/2).
A falta dessas reparações pode dar lugar à execução específica das obras necessárias; à
obrigação de realizar as reparações extraordinárias a que tenha dado causa (1473/1); ou à
indemnização dos danos a que dê causa a negligência do usufrutuário.
No entanto, este deve informar aquele, em tempo oportuno. Se, depois de avisado, o
proprietário não as fizer e revestirem utilidade real, o usufrutuário pode fazê-las e exigir ao
proprietário o pagamento das correspondentes despesas ou do valor que tiverem no fim do
usufruto se este valor foi inferior ao custo (1473/2).
234. Impostos
235. Informações
O aviso da prática desse facto não dispensa o usufrutuário de tomar outras providências que as
circunstâncias imponham para a defesa do direito do proprietário, de acordo com o modelo
diligência do bom pai de família (1446).
O usufruto extingue-se com a morte do usufrutuário ou pelo decurso do tempo durante o qual
o usufruto foi constituído (1476/1-a). É uma manifestação do carácter pessoal do usufruto.
Se o usufruto for concedido a alguém até uma terceira pessoa completar certa idade, importa
distinguir: se não foi constituído em atenção à existência desse terceiro, o usufruto durará até
ao momento fixado, ainda que esta pessoa faleça antes; se foi concedido em atenção à
existência do terceiro, cessa se falecer antes da idade assinalada (1477).
O usufruto extingue-se pelo não exercício durante vinte anos, qualquer que seja o motivo:
também aqui o Código atual se afastou do Código de 1867, substituindo prescrição por não
exercício (1476/1-c). Deste modo, não valem as causas de suspensão e de interrupção próprias
da prescrição.
A doutrina observa que a reação contra o usufrutuário se justifica pelos interesses privado e
público em fazer cessar as limitações da propriedade: importa que as coisas proporcionem a
maior utilidade possível em proveito quer do proprietário quer da coletividade.
240. Renúncia
Se o prédio urbano for destruído por qualquer causa, o usufrutuário tem o direito de desfrutar
o solo e os materiais restantes (1479/1).
Esta solução justifica-se pela necessidade de reconstruir o prédio para que não fique inútil nem
improdutivo o solo ocupado pelo edifício destruído. Ao mesmo tempo, evita-se o sacrifício do
usufrutuário com os juros referidos.
242. Indemnizações
Importa referir, no entanto, que esta solução legal assenta no pressuposto de que há uma
indemnização se houver reconstituição natural ou reintegração específica, o usufruto
continuará sobre a coisa restaurada ou reparada
Se o usufrutuário fizer mau uso da coisa usufruída, o usufruto não se extingue. Mas se o abuso
for consideravelmente prejudicial ao proprietário, este pode exigir que a coisa lhe seja
entregue ou se tomem as providências necessárias previstas no art. 1470. Se a coisa for
entregue ao proprietário, é obrigado "a pagar anualmente ao usufrutuário o produto líquido
dela, depois de deduzidas as despesas e o prémio que pela sua indemnização lhe for arbitrado"
(1482).
245. Restituição
A esta exceção, juntam-se outras relacionadas com: o dever de restituição, no estado em que
se encontrarem, das coisas deterioráveis pelo uso (1452); a não restituição das rendas vitalícias
que tenham findado antes da cessação do usufruto; etc. (1463).
246. Noção
1484 e 1486
248. Características
Como o usufruto, o direito de uso e habitação é um direito real de gozo, não exclusivo, limitado
e temporário, que tem por objeto uma coisa alheia. Todavia, é limitado à satisfação das
necessidades do titular e da sua família.
E também um direito estritamente pessoal (intuitu personae) e, por isso, intransmissível (1488)
e insuscetível de ser onerado com qualquer garantia real.
A doutrina justifica a exclusão dos filhos casados por, em regra, se instalarem em habitação
própria e viverem autonomamente, integrados noutro núcleo familiar. E quanto a outros
parentes, entende-se que abrange as pessoas ligadas ao usuário ou familiares por contrato de
prestação de serviços domésticos e as que de qualquer modo e sem contrato daquela espécie,
lhes prestam assistência ou companhia designadamente nos casos de doença ou invalidez.
249. Constituição
O nosso Código determina que os direitos de uso e de habitação se constituem "pelos mesmos
modos que o usufruto, sem prejuízo do disposto na alínea b) do artigo 1293 (1485).
Ou seja, podem ser constituídos por contrato, testamento, disposição da lei, mas não por
usucapião (1440).
a) o Decreto-Lei n.º 496/77 aditou três novos artigos ao Código Civil: 2103. °-A, 2103. °-B e
2103. °-C.
O primeiro determina que "cônjuge sobrevivo tem direito a ser encabeçado, no momento da
partilha, no direito de habitação da casa de morada da família e no direito de uso do respetivo
recheio," No entanto, o seu direito caduca se não habitar a casa por prazo superior a um ano.
O segundo dispõe que "se a casa de morada da família não fizer parte da herança, observar-se-
á, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo anterior relativamente ao recheio"
E o terceiro define recheio como "o mobiliário e demais objetos ou utensílios destinados ao
cómodo, serviço e ornamentação da casa" A doutrina observa que o direito de habitação
relativo à casa de morada da família e o direito de uso sobre o recheio só poderão constituir-se,
como direitos reais de gozo sobre coisa alheia, se a casa ou recheio vierem a caber em
propriedade a outro herdeiro
b) a Lei n.º 6/2001 instituiu o regime jurídico de proteção das pessoas que vivam em economia
comum há mais de dois anos. E determina que "em caso de morte da pessoa proprietária da
casa de morada comum, as pessoas que com ela tenham vivido em economia comum há mais
de dois anos (nas condições previstas nesta lei) têm um direito real de habitação sobre a
mesma, pelo prazo de cinco anos e, no mesmo prazo, direito de preferência na sua venda".
Mas mantém a exceção já consagrada na Lei n.º 135/90, a que acrescenta outra: a
sobrevivência de descendentes menores que, não coabitando com o falecido, demonstrem ter
absoluta carência de casa para habitação própria"
c) a Lei n.º 7/2001 instituiu o regime jurídico de pessoas que, independentemente do sexo,
vivam em união de facto há mais de dois anos. E determina que na hipótese de união de facto,
à morte do proprietário de casa de morada "o membro sobrevivo tem direito real de habitação
pelo prazo de cinco anos sobre a mesma e, no mesmo prazo, direito de preferência na sua
venda". Há uma exceção: esse direito cessa "caso ao falecido sobrevivam descendentes com
menos de um ano de idade ou com ele convivessem há mais de testamentária em contrário”
um ano e pretendam habitar a casa, ou no caso de disposição testamentaria em contrario”.
O Código determina que os direitos de uso e de habitação "são igualmente regulados pelo
título constitutivo; na falta ou insuficiência deste, observar-se-ão as disposições seguintes"
(1485).
E dispõe ainda que são aplicáveis aos direitos de uso e de habitação as disposições que
regulam o usufruto, quando conformes à natureza daqueles direitos" (1490). Assim, o usuário
ou morador usuário pode:
1. usar, respeitando o destino económico. Porém, está-lhe vedado o gozo indireto que
fundamentalmente se traduz no poder de dispor (trespassar, locar e onerar) (1488).
2. fruir, mas com um limite: "na medida das necessidades quer do titular, quer da sua família"
(1484/1). Quanto às obrigações, deve: relacionar os bens e prestar caução, se lhe for exigida
(1468 e ss); efetuar as reparações ordinárias, pagar as despesas de administração e os
impostos e outros encargos anuais que incidam sobre o rendimento da coisa, na proporção da
sua fruição (1489); avisar o proprietário da prática ou ameaça de atos lesivos da coisa por parte
de terceiro (1475); agir, de modo geral, como um bom pai de família (1446); restituir a coisa,
findo o seu direito (1483); e está sujeito, mutatis mutandis, às providências descritas no art.
1482. se fizer mau uso da coisa objeto do seu direito. Há, no entanto, importantes diferenças
em relação ao direito de usufruto: além da limitação da fruição à satisfação das necessidades
pessoais e familiares, o direito de uso e habitação é intransmissível e não pode ser onerado
(1488). Ou seja, é um direito pessoalíssimo.
251. Extinção
O direito de uso e de habitação extingue-se pelos mesmos modos que o usufruto (1485).
Há também quem entenda que este direito se extingue se cessar a necessidade pessoal que
justificou a sua constituição
Valem aqui as referências às diversas teorias sobre a natureza jurídica do usufruto. Mas, como
PUGLIESE observou, o direito de uso e de habitação não é apenas um minus em relação ao
usufruto, mas também um aliud. É, com efeito, um direito real sobre coisa alheia mais limitado
e com características próprias que lhe conferem autonomia como direito real de gozo menor.
Capitulo I. Caracterização
253. Noção
Art 1528
255. Objeto
A doutrina considera que "a determinação do objeto do direito de superfície deve ser feita em
dois momentos".
No primeiro, este direito incide sobre solo alheio e compreende a parte necessária à
construção e aquela que, embora não necessária, “tenha utilidade para o uso da obra (1525/1).
Pode também incidir sob solo (1525/2) e sobre edifício alheios (1526).
No segundo, incide sobre a obra ou plantações feitas ou adquiridas. Quanto à obra, não tem
necessariamente que ser um edifício; e em relação a plantações, afastam-se os vegetais cujo
ciclo produtivo se esgota numa colheita anual: o direito de superfície só se justifica para
plantações destinadas a perdurar por um período mais ou menos longo (1536/1-a e b).
Quanto ao direito de construir sobre edifício alheio (direito de sobrelevação) está sujeito às
limitações impostas à constituição da propriedade horizontal; e, levantado o edifício, são-lhe
aplicáveis as regras desta propriedade, tornando-se o construtor condómino das partes
referidas no art. 1421. ° (1526)
MENEZES CORDEIRO recusa que o direito de superfície sobre o implante seja um direito de
propriedade porque nem é exclusivo nem pleno: é, sim, um direito real complexo uma vez que,
no seu conteúdo, há faculdades que, noutros direitos reais, a lei autonomiza como direitos
reais. E o mesmo sucede com o direito do fundeiro.
257. Introdução
O Código determina que o direito de superfície pode ser constituído por contrato, testamento,
usucapião e pode resultar da alienação de obra ou árvores já existentes, separadamente da
propriedade do solo (1528). Neste caso, admite-se o desmembramento ou parcelamento do
objeto inicial do domínio do alienante.
Importa ainda referir que "a constituição do direito de superfície importa a constituição das
servidões necessárias ao uso e fruição da obra ou das árvores" (1529/1). Mas "a constituição
coerciva da servidão de passagem sobre prédio de terceiro só é possível se, à data da
constituição do direito de superfície, já era encravado o prédio sobre que este direito recaía"
(1529/2). Trata-se duma norma jurídica que é simples corolário desta ideia geral: "o
reconhecimento de um direito envolve a atribuição dos meios indispensáveis ao seu gozo
normal"
258. Contrato
O contrato pode revestir os mais variados tipos (compra e venda, doação, sociedade, contrato
inominado, etc.). Formalmente, deve constar de escritura pública ou de documento particular
autenticado e ser registado.
259. Testamento
O testamento permite que o direito de superfície nasça de várias combinações: legado a certa
pessoa do direito de construir ou plantar e legado do solo a outra; legado a alguém do direito
de construir e devolução do direito sobre o solo aos herdeiros; etc.
260. Usucapião
O direito de superfície (como o direito de propriedade do solo) é transmissível por ato inter
vivos e mortis causa (1534). Todavia, o proprietário do solo goza, em último lugar, do direito de
preferência na venda ou dação em cumprimento do direito de superfície (1535/1).
1. usar e fruir a superfície, mas não pode impedir nem tornar mais onerosa a construção ou
plantação (1532).
Por isso, se impedir a construção ou plantação, o superficiário pode exigir-lhe que destrua as
obras ou elimine as situações que tornam mais oneroso o exercício do seu direito; e o
pagamento dos encargos que venha a suportar a mais
2. usar e fruir o subsolo, embora seja responsável pelo prejuízo causado ao superficiário em
consequência da sua exploração (1533). O fundeiro não deve construir ou fazer escavações
que afetem a estabilidade da propriedade superficiária ou prejudiquem o direito do
superficiário.
3. receber, em dinheiro, uma prestação única ou certa prestação anual, que pode ser perpétua
ou temporária (1530). Se a prestação for única, o preço devido pelo superficiário é objeto de
uma obrigação autónoma, sujeita, em princípio, ao regime do preço no contrato de compra e
venda, negócio paradigmático dos contratos onerosos de alienação ou oneração de bens (939).
Se for anual, o dever de a pagar constitui uma obrigação real (propter rem ou ob rem) a cargo,
portanto, de quem for titular do direito de superfície na data do seu vencimento.
Quanto ao tempo e lugar do cumprimento das prestações, o art. 1531., n.º 1, remete para os
arts. 1505.° e 1506. ° que foram revogados. Continua, no entanto, a entender-se que o seu
regime continua a aplicar-se ao direito de superfície.
Havendo mora no cumprimento, o proprietário do solo tem o direito de exigir o triplo das
prestações em dívida (1531/2).
3. gozar a obra ou plantação feita: a sua situação jurídica "é moldada pelos direitos do
proprietário, com as limitações decorrentes do uso e fruição do solo ou do subsolo
reconhecidos ao proprietário”;
6. utilizar as servidões necessárias ao uso e fruição da obra ou das árvores, sobre a restante
parte do prédio do fundeiro (1529/1);
7. ser indemnizado por caducidade do seu direito, segundo as regras do enriquecimento sem
causa (1538/2); ou por expropriação do prédio (1542)
3.responder pelas deteriorações da obra ou plantações, quando haja culpa da sua parte e não
houver lugar à indemnização prevista no art. 1538. °, n.2 (1538/3)
a) se o superficiário não concluir a obra ou não fizer a plantação no prazo fixado, ou, na falta de
fixação, dentro do prazo de dez anos (1536/1-a). Esta limitação temporal justifica-se por o
superficiário não revelar interesse atendível e "não ser conveniente manter indefinidamente
uma restrição ao direito de propriedade, sem haver, da parte do beneficiário, um interesse
atendível justificativo, por não existir obra ou árvore de que possa usar ou fruir”. Se a obra ou
plantação apenas tiver sido iniciada, entende-se que é indispensável a sua conclusão (1536);
b) se, destruída a obra ou as árvores, o superficiário não reconstruir a obra ou não renovar a
plantação dentro dos mesmo prazos a contar da destruição (1536/1-b). Também neste caso
não bastará o simples início da reconstrução da obra ou renovação da plantação.
Também se permite que no título constitutivo se estipule que o direito de superfície se extinga
em consequência da destruição da obra ou das árvores ou da verificação de qualquer condição
resolutiva (1536/2).
A doutrina observa que a renúncia não figura como causa extintiva da superfície porque, sendo
o superficiário proprietário da obra ou plantação, não se justifica a admissibilidade de um
modo de extinção próprio dos direitos sobre coisa alheia
Importa referir ainda que a falta de pagamento das prestações anuais durante vinte anos
extingue a obrigação de as pagar, aplicando-se as regras da prescrição. No entanto, o
superficiário não adquire a propriedade do solo, salvo se beneficiar da usucapião (1537).
265. Efeitos
1. extinção pelo decurso do prazo: o proprietário do solo adquire a propriedade da obra ou das
árvores. No entanto, salvo estipulação em contrário, o superficiário tem direito a uma
indemnização calculada segundo as regras do enriquecimento sem causa. Se não houver lugar
a esta indemnização, o superficiário responde pelas deteriorações da obra ou das plantações
quando haja culpa da sua parte (1538).
A doutrina observa que não havendo interesse público que impeça, as partes podem estipular
que a obra seja demolida e os materiais arrecadados pelo superficiário
2. direitos reais de gozo ou de garantia constituídos sobre o direito de superfície: se este direito
se extinguir pelo decurso do prazo fixado, aqueles direitos extinguir-se-ão igualmente. Porém,
se o superficiário for indemnizado (1538/2), aqueles direitos transferem-se sobre a
indemnização (1539). Esta solução justifica-se pela ideia de que na constituição desses direitos
reais se teve em atenção o prazo de duração do direito de superfície
3. direitos reais constituídos pelo proprietário: estendem-se à obra e às árvores adquiridas nos
termos do art. 1538. (1540). A ratio desta solução consiste no facto de, ao constituírem uma
garantia ou direito real de gozo sobre o solo, as partes terem normalmente em vista tudo o que
vier a acrescer a esse terreno em virtude da extinção do direito de superfície por efeito do
decurso do prazo fixado
4. permanência dos direitos reais: se o direito de superfície for perpétuo ou, sendo temporário,
se extinguir antes do decurso do prazo, os direitos reais constituídos sobre a superfície ou
sobre o solo continuam a onerar separadamente as duas parcelas, como se não tivesse havido
extinção (1541).
5. extinção por expropriação (por utilidade pública): a cada um dos titulares cabe a parte da
indemnização que corresponder ao valor do respetivo direito (1542).
266. Noção
Art 1543
A partir desta definição, a doutrina observa que a servidão predial: 1. é um encargo (constitui
uma restrição ou limitação ao direito de propriedade sobre o prédio dito serviente); 2. recai
sobre um prédio (é uma restrição ao gozo do prédio serviente, inibindo o seu proprietário de
praticar os atos que possam prejudicar o exercício da servidão); 3. beneficia outro prédio dito
dominante; 4. os prédios (serviente e dominante) devem pertencer a donos diferentes.
As servidões prediais são direitos reais sobre a coisa alheia que gozam de estatuto autónomo
269. Inseparabilidade
Art 1545
A doutrina observa que "não é necessário que o encargo seja, por natureza, inseparável do
prédio dominante: basta que deste não possa ser separado por vontade das partes ou por
disposição da lei" E nota que este princípio é um mero corolário da ideia de que a servidão há-
de ser gozada através do prédio dominante e, por isso, não pode ser cedida
independentemente do prédio a que respeita. Por isso, se uma servidão de passagem se
deslocar de um prédio para outro, a antiga servidão extingue-se e constitui-se uma nova.
Depois, distingue situações que podem configurar ora um direito real (servidão predial) ora
uma relação obrigacional. Assim, o direito de utilizar os pastos situados em prédio alheio: se os
animais fizerem parte da exploração situada no prédio contíguo, é um direito de servidão,
porque proporciona uma vantagem a este prédio; mas será uma situação meramente
obrigacional o direito de um indivíduo fazer pastar quaisquer animais em prédio alheio.
Também o direito de colher madeira ou barro em prédio alheio será uma servidão predial se se
restringir as quantidades de matéria-prima necessárias para a edificação de construções que se
ergam no prédio dominante; mas tratar-se-á de um direito de crédito se a madeira se destinar
não a um prédio dominante, mas à satisfação de necessidades individuais.
E o direito de passear em prédio alheio poderá ser um direito real ou de crédito: se for um
direito individual, será de crédito; se pertencer a um colégio, clínica ou hotel, respetivamente
para os seus alunos, doentes e hóspedes passearem, teremos um direito real (servidão) a favor
desse colégio, clínica ou hotel
270. Indivisibilidade
Art 1546
A doutrina observa que a divisão de um prédio não importa a multiplicação de servidões, tudo
se passando, em relação ao objeto e exercício da servidão, como se não tivesse havido divisão.
Por isso, se o quintal para onde deitam as janelas alheias ou se escoa a água da servidão de
estilicídio for dividido entre várias pessoas, apenas ficarão oneradas com o encargo, após essa
divisão, a parcela ou parcelas para onde deitam as vistas ou corre a água do prédio dominante
Do mesmo modo, tratando-se de servidão de passagem através dum prédio que se fraciona em
duas metades, só a que é objeto da passagem permanece onerada com a servidão; e se essa
servidão se exercer indistintamente sobre uma ou outra parte, cada uma continuará sujeita ao
encargo nos mesmos termos em que estava antes da divisão
E o mesmo sucede com o prédio dominante: se for dividido v. g., um prédio urbano que
beneficia duma servidão de vistas, só a fração onde a janela se localiza ficará, pela própria
natureza das coisas, com direito à servidão
O Código determina que "podem ser objeto da servidão quaisquer utilidades, ainda que
futuras ou eventuais, suscetíveis de ser gozadas por intermédio do prédio dominante, mesmo
que não aumentem o seu valor" (1544).
A doutrina observa que a utilidade que a servidão proporciona consiste numa vantagem que,
as mais das vezes, aumenta o valor económico do prédio dominante. Todavia, não é essencial
que assim seja: as vantagens podem ser de mera comodidade, como será o caso, v. g., da
obrigação que o dono do prédio serviente assume de construir apenas num determinado estilo
para não contrastar com o estilo do prédio dominante; ou de uma servidão de vistas ou de não
edificação constituída com o fim exclusivo de tornar mais ameno ou aprazível o prédio
dominante.
E sobre a possibilidade de as utilidades serem futuras ou eventuais refere que nada impede, v.
g. que se constitui uma servidão de passagem para o caso de se abrir uma rua junto do prédio
serviente, uma servidão de vistas para o caso de se construir determinado prédio; ou uma
servidão de aqueduto para o momento em que se puser a funcionar determinado
estabelecimento industrial
273. Introdução
Art 1547
274. Contrato
O contrato pode ter carácter oneroso ou gratuito. Todavia, se incidir sobre coisa imóvel, o
contrato deve constar de escritura pública ou de documento particular autenticado. E, para
produzir efeitos em relação a terceiros, deve ser registado.
Ademais, pode tratar-se dum contrato exclusivamente destinado à sua constituição, como de
contrato determinado por outra finalidade principal e até dum contrato a favor de terceiro.
275. Testamento
Ocorre quando o testador constitui a servidão sobre prédio da herança, seja a favor de prédio
legado a terceiro, seja a favor de prédio que pertence a terceiro
276. Usucapião
Por outro lado, a ausência de sinais visíveis pode justificar a ignorância e, portanto, a inação do
proprietário vizinho.
Art 1549
A doutrina ensina que a separação de domínios pode dar-se por qualquer título negocial ou
por outro titulo de transmissão; e exemplificam os sinais visíveis e permanentes com o rego, na
ser. vidão de aqueduto; a poça ou açude, na de presa; a janela, na de vistas, etc.
278. Lei
As servidões legais podem ser constituídas por negócio jurídico, sentença judicial e decisão
administrativa, mas, em bom rigor, não constituem, ainda, verdadeiras servidões: são direitos
potestativos de cujo exercício resulta um direito real de servidão independentemente da
vontade do dono do prédio serviente
As servidões voluntárias são as constituídas por negócio jurídico ou ato voluntário; as legais são
aquelas cuja vida percorre dois momentos sucessivos: no primeiro, o seu titular tem um direito
potestativo que lhe confere a faculdade de constituir uma servidão sobre determinado prédio,
independentemente da vontade do seu dono; no segundo, exercido este direito, a servidão
legal converte-se numa verdadeira servidão
1550/1 e 2
A doutrina observa que esta servidão legal só recai sobre prédios rústicos e não urbanos, por
"se entender que a solução oposta colidiria com a intimidade de que deve rodear-se a
habitação ou domicílio ou com as exigências próprias do exercício da atividade instalada no
prédio”. Há, no entanto, algumas situações que reclamam disciplina específica. Assim:
b) encrave voluntário: se o encrave do prédio for provocado, sem justo motivo, pelo seu
proprietário, a servidão só pode ser constituída mediante o pagamento de indemnização
agravada, fixada de harmonia com a sua culpa até ao dobro da que normalmente seria devida
(1552);
c) lugar da constituição da servidão: deve ser o que menor prejuízo e menos inconvenientes
causar ao prédio ou prédios onerados (1553);
f) servidões de passagem para aproveitamento de águas: podem ser constituídas quando, para
gastos domésticos, se torne necessário O acesso a fontes, poços e reservatórios públicos e
correntes de domínio público (1556).
a) aproveitamento de água para gastos domésticos: se não for possível, sem excessivo
incómodo ou dispêndio, a obtenção de água para gastos domésticos, os proprietários vizinhos
podem ser compelidos a permitir, mediante indemnização, que sejam aproveitadas as águas
sobrantes das suas nascentes ou reservatórios, na medida do indispensável. Estão isentos da
servidão os prédios urbanos e os referidos no art. 1551. °, n.º 1 (1557)
b) aproveitamento de águas para fins agrícolas: concede-se ao proprietário, que não tenha
nem possa obter, sem excessivo incómodo ou dispêndio, água suficiente para irrigar o seu
prédio, a faculdade de aproveitar as águas dos prédios vizinhos, que estejam sem utilização,
pagando o seu justo valor (1558/1).
c) servidão de presa: os proprietários e donos de estabelecimentos industriais, que tenham
direito ao uso de águas particulares existentes em prédio alheio, podem fazer, neste prédio, as
obras necessárias ao represamento e derivação da água, mediante o pagamento da
indemnização do prejuízo que causarem
d) servidão de presa para o aproveitamento de águas públicas: esta servidão só pode ser
imposta coercivamente quando: 1. os proprietários ou donos de estabelecimentos industriais,
sitos na margem de uma corrente não navegável nem flutuável, só possam aproveitar a água a
que tenham direito fazendo represa, açude ou obra semelhante que vá travar no prédio
fronteiro (1560/1-a); 2. a água tenha sido objeto de concessão (1560/1-b).
Porém, não estão sujeitas à servidão as casas de habitação nem os quintais, jardins ou terreiros
que lhes sejam contíguos; e, tratando-se de concessão de utilidade pública, a sujeição ao
encargo destes prédios depende da prova, no respetivo processo administrativo, da
impossibilidade material ou económica de executar as obras sem a sua utilização (1560/2)
As servidões aparentes e não aparentes distinguem-se por só aquelas se revelarem por obras
ou sinais exteriores que, além de visíveis, devem ser permanentes (1548/2).
A visibilidade destina-se a garantir a não clandestinidade e a permanência da obra ou de sinais
torna seguro que não se trata de ato praticado a título precário, mas dum encargo preciso,
estável e duradouro, próprio duma servidão.
Art 1564
Estamos perante um tipo de direito real relativamente aberto: as partes podem fixar o seu
conteúdo, desde que não o descaracterizem, violando o princípio da tipicidade
284. Extensão
O direito de servidão "compreende tudo o que é necessário para o seu uso e conservação"
(1565/1). E "em caso de dúvida quanto à extensão ou modo de exercício, entender-se-á
constituída a servidão por forma a satisfazer as necessidades normais e previsíveis do prédio
dominante com o menor prejuízo para o prédio serviente" (1565/2).
A doutrina observa que a lei se limitou a enunciar um princípio genérico em vez de discriminar
as faculdades ou poderes (adminicula servitutis ou, mas impropriamente, servidões acessórias)
que acompanham o direito principal: v. g., o direito de limpar o aqueduto, de passar no prédio
serviente para fazer as reparações, etc. Estas faculdades devem considerar-se compreendidas
na servidão, salvo se foram excluídas no título.
O proprietário do prédio dominante pode "fazer obras no prédio serviente, dentro dos poderes
que lhe são conferidos no artigo (1565. °), desde que não torne mais onerosa a servidão"
(1566/1).
E determina-se que “as obras devem ser feitas no tempo e pela forma que sejam mais
convenientes para o proprietário do prédio serviente" (1566/2).
A doutrina observa que não há o dever de indemnizar o incómodo que as obras causem ao
proprietário do prédio serviente, desde que: não modifiquem o conteúdo da servidão; não a
tornem mais onerosa para o dono deste prédio; e desde que a sua execução decorra no tempo
e forma que lhe sejam mais convenientes. Por isso, se os trabalhos causarem menor dano no
intervalo entre a colheita dos frutos e a nova sementeira ou em qualquer outra época do ano, é
nessa altura que a obra deve ser feita desde que não sacrifique o funcionamento normal da
servidão.
a) em regra, as obras devem ser feitas à custa do proprietário de prédio dominante, mas pode
acordar-se diferentemente (1567/1);
d)se o proprietário do prédio serviente se obrigou a custear as obras, só pode eximir-se deste
encargo renunciando ao seu direito de propriedade em benefício do proprietário do prédio
dominante, mas a renúncia pode limitar-se à parte do prédio onerada com a servidão (1568/4);
e) se o proprietário do prédio dominante não aceitar a renúncia, nem por isso fica dispensado
de custear as obras (1568/4).
A doutrina observa que a regra consagrada na al. a) corresponde à orientação mais justa e
criteriosa. Todavia, porque não há interesse de ordem pública que a sustente, as partes podem
afastá-la, convencionando outro regime
b), porém, "pode, a todo o tempo, exigir a mudança dela para sítio diferente ao primitivamente
assinado, ou para outro prédio, se a mudança lhe for conveniente e não prejudicar os
interesses do proprietário do prédio dominante, contanto que o faça à sua custa" (1568/2);
c) a servidão pode ser mudada para prédio de terceiro, com o seu consentimento (1568/2);
d)a mudança pode também ser pedida pelo proprietário do prédio dominante se "lhe advierem
vantagens e com ela não for prejudicado o proprietário do prédio serviente" (1568/2);
e) a pedido de qualquer dos proprietários "o modo e o tempo de exercício da servidão serão
igualmente alterados" desde que "se verifiquem os requisitos referidos nos números
anteriores" (1568/3);
f) finalmente, "as faculdades conferidas neste artigo não são renunciáveis nem podem ser
limitadas por negócio jurídico" (1568/4).
A doutrina observa que "não estorva o exercício duma servidão de passagem ou de outro tipo
que confira acessoriamente (como adminiculum servitutis) o direito de ingresso no prédio
onerado, o proprietário serviente que veda o seu prédio, desde que o proprietário dominante
continue a poder entrar nele sem dificuldade e não sejam alterados o lugar e o modo de
exercício da servidão". Também a possibilidade de a servidão ser mudada para prédio de
terceiro constitui uma derrogação do princípio de que as servidões são inseparáveis dos
prédios (1545).
Ainda quanto à mudança da servidão, entende-se que deve mostrar-se conveniente ao dono
do prédio serviente e não deve prejudicar os interesses do proprietário do prédio dominante:
estes devem ser dignos de ponderação e não meros caprichos ou pura comodidade.
E em relação à alteração do tempo e do modo, constitui exemplo de alteração do tempo, a
transferência, v. g., do aproveitamento da água, que se encontra em prédio alheio, de certo dia
da semana para outro dia; e há alteração do modo quando, v. g., se pretende passar com
tratores ou outros veículos automóveis numa servidão de passagem constituída para o trânsito
de veículos de tração animal
288. Reunião dos dois prédios, dominante e serviente, no domínio da mesma pessoa
Art 1569/1-a
Trata-se duma causa de extinção que confirma o antigo princípio romanista do neminem res
sua servit
A servidão extingue-se também "pelo não uso durante vinte anos, qualquer que seja o motivo"
(1569/1-b).
Na base desta causa extintiva está "uma atitude hostil contra os direitos reais limitados, que
não estejam a desempenhar uma função socialmente útil, ou a ideia de que "só devem ser
impostos encargos, se existirem necessidades que os justifiquem"; ou ainda "uma presunção
de desnecessidade" e ainda "uma sanção da inércia do (seu) titular".
Convirá referir que ao não uso são inaplicáveis as regras da suspensão e da interrupção da
prescrição. O que fundamentalmente interessa à extinção da servidão é a situação objetiva do
não uso, "independentemente das circunstâncias pessoais que possam estar por detrás dele"
O não uso "conta-se a partir do momento em que as servidões deixaram de ser usadas".
Tratando-se de servidões para cujo exercício não é necessário o facto do homem, "o prazo
corre desde a verificação de algum facto que impeça o seu exercício"
Se as servidões forem exercidas com intervalos de tempo, " prazo corre desde o dia em que
poderiam exercer-se e não foi retomado o seu exercício". E "se o prédio dominante pertencer a
vários proprietários, o uso que um deles fizer da servidão impede a extinção relativamente aos
demais" (1570).
Finalmente, "a impossibilidade de exercer a servidão não importa a sua extinção enquanto não
decorrer o prazo (de vinte anos)" (1571).
Se o exercício for parcial, "a servidão não deixa de considerar-se exercida por inteiro" (1572). E
"o exercício da servidão em época diferente da fixada no título não impede a sua extinção pelo
não uso, sem prejuízo da possibilidade de aquisição de uma nova servidão por usucapião
(1573)
Esta hipótese, a que a doutrina chama usucapião libertatis, ocorre quando haja, da parte do
proprietário do prédio serviente, oposição ao exercício da servidão (1574).
Trata-se "grosso modo de uma aquisição, por usucapião, por parte do proprietário, da parte do
conteúdo do seu direito de que estava privado pelo facto da existência da servidão"
291. Renúncia
A renúncia é outra causa de extinção duma servidão (1569/1-d) e “não requer aceitação do
proprietário do prédio serviente" (1569/5).
292. Remição
A remição pode ocorrer com a servidão de aproveitamento de águas para gastos domésticos
(1557) e para fins agrícolas (1558): podem ser remidas judicialmente, mostrando o proprietário
do prédio serviente que pretende fazer da água um aproveitamento justificado. Porém, a
remição não pode ser exigida antes de terem decorrido dez anos sobre a constituição da
servidão (1569).
As servidões ativas "não se extinguem pela cessação do usufruto" (1575); as passivas não
podem ultrapassar a duração do usufruto (1460/1).
Na ratio daquele preceito encontra-se o benefício que tais servidões proporcionam ao prédio
dominante.
294. Desnecessidade
O Código dispõe que "as servidões constituídas por usucapião serão inicialmente declaradas
extintas, a requerimento do proprietário do prédio serviente, desde que se mostrem
desnecessárias ao prédio dominante" (1569/2). E determina que "o disposto no número
anterior é aplicável às servidões legais, qualquer que tenha sido o título da sua constituição"; e
"tendo havido indemnização, será esta restituída, no todo ou em parte, conforme as
circunstâncias" (1569/3).
A doutrina observa uma diferença de tratamento das servidões constituídas por usucapião e
das servidões legais em relação às servidões voluntárias: "resultando estas últimas de um
acordo, este deve ser respeitado, acrescendo ainda que será difícil determinar-se quais as
necessidades exatas que se pretenderam satisfazer por essa forma". Por outro lado, a lei
"permite que se criem por acordo servidões que não são estritamente necessárias, de modo
que elas não podem extinguir-se por desnecessidade"
Capitulo I. Caracterização
295. Noção
Embora a legislação que criou, alterou e atualmente disciplina o direito real de habitação
periódica não contenha a sua noção, podemos defini-lo como “o direito de usar, por um ou
mais períodos certos, em cada ano, para fins habitacionais, uma unidade de alojamento
integrada num empreendimento turístico, mediante o pagamento de uma prestação periódica
ao proprietário do empreendimento ou a quem o administre"
Na sua génese está um projeto de HENRIQUE MESQUITA, a quem se pode atribuir a sua
paternidade. E como ratio inspiradora encontra-se uma prática social concebida e fomentada
pelas empresas imobiliárias do sector turístico que se desenvolveu nas duas últimas décadas
em vários países da Europa e da América.
Uma referência se impõe: sempre que não houver outra indicação, os artigos invocados
pertencem ao Decreto-Lei n.º 275/93, de 5 de agosto, alterado pelos Decretos-Leis nos 180/99,
de 22 de maio, c. 22/2002. de 31 de janeiro, 76-A/2006, de 29 de março, 116/2008, de 4 de
julho e 37/2011, de 10 de março, que o republica.
296. Objeto
a)"as unidades de alojamento, além de serem independentes, sejam distintas e isoladas entre
si, com saída própria para uma parte comum do empreendimento ou para a via pública";
b)"sobre pelo menos 30% das unidades de alojamento afetas à exploração turística, não sejam
constituídos direitos reais de habitação periódica...";
297. Duração
Sensível às críticas dirigidas ao art. 1. do Decreto-Lei n.º 355/81 e à nova redação dada pelo
Decreto-Lei n.º 368/83, de 4 de outubro, que estabeleceu a duração semanal do direito de
habitação periódica, o art. 3. ° determina que:
1. na falta de indicação em contrário, este direito é perpétuo, embora possa ser fixado um
limite de duração não inferior a 1 ano, a contar da data da sua constituição ou da data da
respetiva abertura ao público, quando o empreendimento estiver ainda em construção;
3. todos os períodos de tempo devem ter a mesma duração, sem prejuízo do disposto no
número anterior;
4. o último período de tempo de cada ano pode terminar no ano civil subsequente ao do seu
início;
Observando estas disposições, a doutrina nota que "não é o direito que é periódico, mas a
habitação: o direito permanece, embora latente; o seu exercício efetivo (o uso de morada) é
que tem uma duração temporal limitada em cada ano civil"
A doutrina observa que o direito real de habitação periódica apresenta notórias afinidades com
outros direitos reais.
Assim, com o usufruto e o direito de habitação, embora se afaste porque, não se constituindo
intuitu personae, é livremente transmissível quer por ato inter vivos quer por sucessão mortis
causa. Pode também revestir natureza perpétua, ainda que "abranja, em função do carácter
sazonal das necessidades de lazer e de recreio, um período certo de tempo em cada ano"
São igualmente vários os pontos de contacto com a propriedade horizontal: os utentes têm
poderes sobre as partes comuns do empreendimento turístico em que as unidades se
integram; e há uma assembleia de utentes com funções específicas em que participam os
utentes. Porém, há aspetos importantes que afastam os direitos reais de habitação periódica
da propriedade horizontal: v. g., o direito real de habitação periódica recai sobre coisa alheia;
há uma parte do empreendimento sobre a qual não se podem constituir aqueles direitos; e o
empreendimento tem um proprietário com funções específicas
Por isso, a doutrina considera que estamos perante um direito real de gozo sobre coisa alheia,
de natureza perpétua ou temporária, facilmente negociável
299. Constituição
A lei determina que o direito real de habitação periódica é constituído por escritura pública ou
documento particular autenticado (art 6/1) que é instruído com cópia da certidão referida no
n.º 3 do artigo anterior (art 6/2).
2. a o ato de constituição é instruído com cópia da certidão referida no art. 5. °, n.º 3 (2236);
3.ª o ato de constituição do direito real de habitação periódica terá, como parte integrante, o
conteúdo desta certidão;
A doutrina observa que "a escritura pública (ou o documento particular autenticado) é, em
parte, uma declaração informativa (sobre a classificação do imóvel ou conjunto e a composição
de um e outro) e também, noutra parte, um negócio constitutivo unilateral de divisão do uso
do imóvel em parcelas habitacionais que passam a revestir, cada uma de per si, a natureza de
um verdadeiro direito; portanto, os direitos de habitação periódica ficam constituídos por mero
efeito da escritura. Todavia, a alienação ulterior destes direitos é um evento que desencadeia a
aplicação das normas instituídas pelo Decreto-Lei n.º 275193, de 5 de agosto, alterado pelos
Decretos-Leis n.ºs 180199, de 22 de maio, 22/2002, de 31 de Janeiro (e 37/2011, de 10 de
Março), que pressupõem necessariamente uma dualidade de sujeitos: o proprietário do imóvel
ou do conjunto de imóveis, por um lado, e o titular do direito de habitação periódica, por
outro"
300. Modificação
A lei determina que o título de constituição do direito real de habitação periódica pode ser
modificado por escritura pública ou documento particular autenticado, havendo acordo dos
titulares cuja posição seja afetada (art 7/1). Em caso de recusa injustificada, a aprovação da
modificação pode ser judicialmente suprida (art 7/2). E exige que o projeto, devidamente
instruído nos termos do art. 5., n.º 2, seja apresentado à Turismo de Portugal, I. P., que emitirá
uma certidão (art 5 e 6).
Trata-se duma exigência consequente com o formalismo imposto na constituição do direito real
de habitação periódica.
301. Transmissão
A lei determina, para cada direito real de habitação periódica, a emissão, pela Conservatória do
Registo Predial competente, de um certificado predial que titule o direito e legitime a sua
transmissão ou oneração (art 10).
Este certificado, cujos requisitos estão legalmente fixados (art 11), é utilizado na oneração ou
transmissão por ato inter vivos dos direi tos reais de habitação periódica: as partes devem aí
declarar esse ato, com reconhecimento presencial das assinaturas do constituinte do ónus ou
do alienante; e está sujeito a registo (art 12/1).
Tratando-se de transmissão onerosa, deve ser indicado o seu valor. E, se for mortis causa, deve
ser igualmente inscrita no certificado predial (art 11/2 e 3).
A lei dispõe que "a transmissão de direitos reais de habitação periódica implica a cessão dos
direitos e obrigações do respetivo titular em face do proprietário do empreendimento ou do
cessionário da exploração, sem necessidade de concordância deste, considerando-se não
escritas quaisquer cláusulas em contrário" (12/4)
Esta disposição justifica-se por não se tratar dum direito constituído intuitu personae e se
pretender estimular os investimentos afetados a fins turísticos
2. não utilizar a unidade de alojamento e as partes de uso comum para fins diferentes dos
previstos (21/2);
3. não praticar atos proibidos pelo título constitutivo ou pelo regulamento do empreendimento
(21/2);
4. comunicar, por escrito, a cedência do exercício das suas faculdades ao responsável pela
gestão do empreendimento (21/2);
Esta prestação periódica destina-se a compensar aquele proprietário das despesas com os
serviços de utilização e exploração turística, contribuições e impostos e quaisquer outras
previstas no título constitutivo e a remunerar a sua gestão (22/2). O seu valor pode variar
consoante a época do ano a que o direito real de habitação periódica se reporta, mas deve ser
proporcional à fruição do empreendimento (2259). E a percentagem da prestação destinada a
remunerar a gestão não pode ultrapassar 20% do valor total (2260).
O crédito por prestações ou indemnizações devidas pelo utente e respetivos juros moratórios
goza do privilégio creditório imobiliário (sobre o correspondente direito real de habitação
periódica), graduável após os mencionados nos arts. 746. e 748. ° do Código Civil e os previstos
em legislação especial em vigor em 22 de maio de 1999, data do Decreto-Lei n.º 180/99 (23/1).
A prestação pode ser alterada por proposta da entidade encarregada da auditoria das contas
do empreendimento, sempre que se revele excessiva ou insuficiente relativamente às despesas
e retribuição da gestão. Porém, a alteração deve ser aprovada por maioria dos votos dos
titulares presentes em assembleia convocada para o efeito (24/1).
3. fazer inovações, nas unidades de alojamento, autorizadas pelos utentes em assembleia geral
(28).
1. não constituir outros direitos reais sobre as mesmas unidades de alojamento (2/1);
3. prestar caução que garanta: a possibilidade do início do gozo do direito pelo adquirente na
data prevista no contrato (15-a); a expurgação de hipotecas ou outros ónus oponíveis ao
adquirente do direito (15-b); a devolução da totalidade das quantias entregues pelo adquirente
por conta da aquisição desse direito, atualizada de acordo com o índice anual dos preços do
consumidor, no caso de o empreendimento turístico não abrir ao público (15-c); e a devolução
da totalidade das quantias entregues pelo adquirente, se exercer o direito à resolução do
contrato nos termos do art. 16., n 3 e 4 (15-d).
7. fazer as obras que constituam inovações nas unidades de alojamento, com o consentimento
dos titulares a prestar em assembleia geral (28);
8. pagar as contribuições, taxas, impostos e quaisquer outros encargos anuais que incidam
sobre a propriedade (29);
11. prestar anualmente contas da utilização das prestações periódicas pagas pelos utentes e
das dotações do fundo de reserva e elaborar relatório de gestão (32/1);
CAPÍTULO IV EXTINÇÃO
305. Extinção
Além das causas comuns à generalidade dos direitos reais o direito real de habitação periódica
extingue-se também por resolução.
Com efeito, o seu titular pode resolver o contrato de aquisição sem indicar o motivo e sem
quaisquer encargos, no prazo de 14 dias seguidos a contar da data da celebração do contrato
de transmissão do direito real de habitação periódica ou da data em que lhe é entregue o
contrato de transmissão ou da data da entrega do formulário de resolução, consoante a que for
posterior (16/1).
Resolvido o contrato, o vendedor deve restituir ao adquirente as quantias recebidas até à data
da sua resolução (16/4).
Merece ainda uma referência especial a renúncia (abdicativa): é uma declaração unilateral feita
no certificado predial, devendo a assinatura do renunciante ser reconhecida presencialmente
(42/1). Deve ser notificada ao proprietário do empreendimento e à Turismo de Portugal, I. P. e
registada nos termos gerais (42/2); e produz efeitos seis meses após estas notificações (42/3).
Trata-se de um regime que beneficia o proprietário, possibilitando-lhe nova alienação do
direito renunciado
Note-se que a renúncia não afasta a resolução cujo regime é mais favorável ao adquirente:
além de não suportar quaisquer encargos por causa da resolução, resolvido o contrato tem
direito à restituição, pelo alienante, das quantias recebidas até à data da resolução.