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Bandeira, 2018

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Psicologia: Ciência e Profissão 2018 v. 38 (núm. esp.), 159-166.

https://doi.org/10.1590/1982-3703000208860

A Controvérsia do Uso dos Testes Psicológicos por Psicólogos e Não Psicólogos

Denise Ruschel Bandeira1


Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Brasil.
1

Resumo: Nos últimos anos, no Brasil, tem-se discutido o uso de testes psicológicos por outros
profissionais. Essa é uma questão que se tornou complexa especificamente no Brasil tendo em
vista as características da nossa formação em Psicologia assim como as legislações da área. Com
o objetivo de contribuir para essa discussão, apresento os fatores que entendo como necessários
de serem pensados: formação, avaliação dos instrumentos, certificação para uso dos testes e
fiscalização. A partir de uma visão das características da nossa formação, dos processos de
avaliação de testes no Brasil e no mundo, proponho possibilidades de certificação e fiscalização
de forma que seja possibilitado o uso de instrumentos a quem tenha formação e qualificação
para isso e não somente um registro profissional no Conselho Federal de Psicologia.
Palavras-chave: Uso de Testes Psicológicos, Formação em Psicologia, Avaliação de Testes Psicológicos.

The Controversy of the Use of Psychological Tests


by Psychologists and Non Psychologists

Abstract: Recently, in Brazil, the use of psychological tests by other professionals has been
discussed. This issue has become complex especially in our country due to the characteristics of
our training in Psychology as well as the laws of the area. In order to contribute to this discussion,
I present the factors that I think are necessary to be considered: training, review of instruments,
certification and control for the use of tests. Addressing the characteristics of our psychology
training, test review processes in Brazil and in the world, I propose possibilities of certification
and control for the use of instruments, so that their use is possible to those who have training
and qualification for it, not just a registration number in the Professional Council of Psychologist.
Keywords: Use of Psychological Tests, Training in Psychology, Review of Psychological Tests.

La Controversia del Uso de las Pruebas Psicológicas


por Psicólogos y No Psicólogos

Resumen: En los últimos años, en Brasil, se ha discutido el uso de pruebas psicológicas por otros
profesionales. Esta es una cuestión que se ha vuelto compleja específicamente en nuestro país
teniendo en cuenta las características de nuestra formación en Psicología así como las legislaciones
del área. Con el objetivo de contribuir a esta discusión, presento los factores que entiendo como
necesarios de ser pensados: formación, evaluación de los instrumentos, certificación para uso de
las pruebas y fiscalización. A partir de una visión de las características de nuestra formación, de los
procesos de evaluación de pruebas en Brasil y en el mundo, propongo posibilidades de certificación
y fiscalización de forma que sea posibilitado el uso de instrumentos a quienes tenga formación y
calificación para ello, no sólo un registro profesional en el Consejo Federal de Psicología.
Palabras clave: Uso de Pruebas Psicológicas, Formación en Psicología, Evaluación de Pruebas
Psicológicas.

Disponível em www.scielo.br/pcp
Psicologia: Ciência e Profissão 2018 v. 38 (núm. esp.), 159-166.

Quem é que pode utilizar os chamados testes cologia da Personalidade, Psicopatologia, Avaliação Psi-
psicológicos? Uma resposta simples a essa pergunta cológica, Psicometria, Técnicas de Entrevista, Pesquisa
seria: se são testes psicológicos, somente os psicó- em Psicologia, Psicologia Clínica, Neuropsicologia, entre
logos. Para isso, precisamos então definir o que são outras (Bandeira, Trentini, & Krug, 2016). Ainda, se consi-
testes psicológicos. Resposta superficial: aqueles que derarmos áreas específicas tais como Forense ou Organi-
avaliam construtos psicológicos, tais como inteligên- zacional, por exemplo, mais disciplinas são necessárias.
cia, personalidade, memória, atenção e tantos outros. Ainda, numa avaliação psicológica, o psicólogo
A questão é que esses mesmos construtos são estu- precisará se preocupar com o contexto do sujeito.
dados e avaliados por outras áreas, cada uma com Necessitará também conhecer os testes que utilizará,
sua “lente”. Os testes são somente instrumentos que ou melhor, possuir treinamento específico. Quando não
trazem dados sobre pessoas; e os profissionais, de possuir, que tenha condições, a partir de seu conheci-
acordo com sua formação, vão entender esses dados mento prévio sobre o construto avaliado e de noções de
do ponto de vista dos conhecimentos construídos na Psicometria, aprender o teste por meio do seu manual.
sua formação. O que devemos objetivar é um uso ético Com tudo isso quero dizer que o questionamento a ser
e responsável dos instrumentos de avaliação. tratado neste artigo não recai sobre o quanto a avaliação
Para contribuir de modo mais profundo nessa psicológica é de uso exclusivo do psicólogo. Para esta,
controvérsia e tentar responder à questão de quem não há dúvida! E, sim, sobre o quanto os testes psicoló-
pode usar testes psicológicos, entendo que são vários gicos devem ser de uso exclusivo do psicólogo.
os fatores que devem ser considerados. Vou elencar Com relação aos testes psicológicos, atualmente
alguns sobre os quais pretendo discorrer neste artigo: no Brasil, todo psicólogo formado em cinco anos de
formação, avaliação dos instrumentos, certificação curso pode usar testes psicológicos. Independente-
para uso dos testes e fiscalização. mente do curso que ele fez, das disciplinas que cur-
sou, ele está autorizado pelo Conselho Federal de Psi-
cologia (CFP) a utilizar testes. Então me pergunto, o
Formação quanto todo psicólogo pode usar os testes? O quanto
Antes de iniciar essa discussão, é importante que todo psicólogo fez uma formação que o capacite para
fiquem claros os conceitos de teste e de avaliação. tanto? Ou mesmo, o quanto está capacitado para rea-
Conforme Urbina (2014), teste psicológico é um pro- lizar uma avaliação? Então, precisamos falar sobre
cedimento sistemático que tem como objetivo coletar formação. Iniciarei com algumas ideias já escritas
amostras de comportamento de um indivíduo, que e pensadas que questionam como é a formação em
podem ser de caráter cognitivo, afetivo ou interpes- Psicologia em nosso país (Alchieri & Bandeira, 2002;
soal. Caracteriza-se como um instrumento que avalia Bandeira, 2011; Hutz & Bandeira, 2003). No Brasil, o
construtos não observados diretamente (Hutz, 2015). estudante de Psicologia, após a Resolução nº 5 (2011),
O seu uso implica treinamento específico, com conhe- que instituiu as diretrizes curriculares para os cursos
cimento a respeito do construto avaliado. Avaliação, de graduação em Psicologia, passou a ter que escolher
conforme Resolução CFP nº 09/2018 (p. 2), é uma (ou duas) ênfases em seu curso. Isso significa
que se o aluno não escolhe uma ênfase na qual tenha
um processo estruturado de investigação de conhecimentos aprofundados para o trabalho com
fenômenos psicológicos, composto de métodos, instrumentos de avaliação psicológica, sua formação
técnicas e instrumentos, com o objetivo de pro- será muito básica, por vezes até pífia, para essa área.
ver informações à tomada de decisão, no âmbito Essa resolução estabeleceu uma série de compe-
individual, grupal ou institucional, com base em tências e habilidades esperadas na formação em Psi-
demandas, condições e finalidades específicas. cologia, a serem adquiridas durante o núcleo básico
do curso, ou seja, em três anos. Listo aqui algumas das
Portanto, para se realizar uma avaliação (e aqui quais são mais ligadas à área de avaliação psicológica
focando em avaliação psicológica de pessoas), pressu- (Resolução nº 05/2011):
põe-se que o profissional tenha conhecimentos gerais
obtidos durante uma formação ideal em cursos de Psi- [...] III - identificar e analisar necessidades de natu-
cologia, tais como Psicologia do Desenvolvimento, Psi- reza psicológica, diagnosticar, elaborar projetos,

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planejar e agir de forma coerente com referenciais cológica. Lembrando, a Lei no 4.119, que regulamenta
teóricos e características da população-alvo; IV - a profissão do psicólogo diz que:
identificar, definir e formular questões de investi-
gação científica no campo da Psicologia, vinculan- § 1º - Constitui função privativa do Psicólogo a
do-as a decisões metodológicas quanto à escolha, utilização de métodos e técnicas psicológicas
coleta e análise de dados em projetos de pesquisa; V com os seguintes objetivos: a) diagnóstico psi-
- escolher e utilizar instrumentos e procedimentos cológico; b) orientação e seleção profissional; c)
de coleta de dados em Psicologia, tendo em vista a orientação psicopedagógica; d) solução de pro-
sua pertinência; VI - avaliar fenômenos humanos blemas de ajustamento.
de ordem cognitiva, comportamental e afetiva, em
diferentes contextos; VII - realizar diagnóstico e Portanto, entendo que aqui temos o primeiro pro-
avaliação de processos psicológicos de indivíduos, blema. Quando a lei foi instituída, os cursos tinham
de grupos e de organizações; [...] IX - atuar inter e uma grande dedicação para o ensino de métodos
multiprofissionalmente, sempre que a compreen- e técnicas psicológicas para estes quatro objetivos.
são dos processos e fenômenos envolvidos assim o Após a Resolução nº 5 de 2011, o aluno passou a esco-
recomendar; X - relacionar-se com o outro de modo lher sua ênfase e não necessariamente sua formação
a propiciar o desenvolvimento de vínculos inter- abrange tudo isso. Ora, se os testes psicológicos são de
pessoais requeridos na sua atuação profissional; uso exclusivo do psicólogo e somente ele é autorizado
[...] XIII - elaborar relatos científicos, pareceres téc- a utilizá-los, não teria que ser a maior parte do curso
nicos, laudos e outras comunicações profissionais, destinada a esses conhecimentos? Só que não é essa a
inclusive materiais de divulgação; [...] XV - saber realidade, nem é isso que queremos da Psicologia no
buscar e usar o conhecimento científico necessário Brasil. Seria resumi-la a muito pouco. Podemos pen-
à atuação profissional, assim como gerar conheci- sar que a criação do título de especialista em avaliação
mento a partir da prática profissional (p. 3). psicológica pelo CFP seria uma saída, e que somente
as pessoas que fizessem uma formação focada nesta
Quem é professor de graduação em Psicologia área, receberiam essa possibilidade de atuação, de
no Brasil, sabe muito bem que essas competências e uso exclusivo do psicólogo.
habilidades podem ser adquiridas, em parte, durante
o núcleo básico do curso, mas que devem ser apro-
fundadas na ênfase. Então, quando um aluno escolhe Avaliação dos instrumentos
uma ênfase na qual ele poderá conhecer de forma Na controvérsia do uso de instrumentos psicoló-
mais aprofundada e crítica alguns instrumentos de gicos por não psicólogos, outro aspecto a ser conside-
avaliação e formar um conceito mais completo para rado é o quanto a avaliação de instrumentos psicoló-
poder avaliar melhor os instrumentos, ele terá con- gicos deve ser realizada por psicólogos. Considerando
dições de escolher com maior grau de certeza o que que para isso são necessários conhecimentos de Psi-
deve ou não utilizar em seus processos de avaliação cometria e Avaliação Psicológica, é muito coerente
(lendo e entendendo manuais e artigos científicos que que essa seja uma atividade de psicólogos que obtive-
mostram os avanços da área). Além disso, terá cons- ram uma formação aprofundada na área.
ciência da necessidade de se manter atualizado, pois Na avaliação de instrumentos, entendo que nossa
não se consegue aprender todos os instrumentos dis- área está se saindo muito bem pois nossos instrumen-
poníveis no mercado (atualmente, junho de 2016, o tos são avaliados com critérios rigorosos. O processo
Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos – Satepsi de revisão e avaliação dos instrumentos teve início em
– conta com 169 testes favoráveis na sua lista, ver em 1997, com a instituição da Câmara Interinstitucional de
http://satepsi.cfp.org.br/). Avaliação Psicológica, pelo CFP. Um pouco dessa histó-
Porém, quando um aluno não se interessa pela ria pode ser conhecido em publicações do CFP, a saber,
área de avaliação, a tendência é que ele não forme Avaliação Psicológica: Diretrizes na Regulamentação
essa base de conhecimento. Contudo, sendo ele um da Profissão (CFP, 2010), no texto de Anache e Corrêa
psicólogo, ele está autorizado pelo CFP a utilizar tes- (2010) e Ano da Avaliação Psicológica – Textos Gerado-
tes psicológicos e realizar processos de avaliação psi- res (CFP, 2011), em especial, o texto de Santos (2011).

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Desde lá, muitos foram os avanços e tropeços, mentos de educação continuada), ou seja, o profissional,
mas hoje podemos dizer que nosso processo avalia- ao adquirir um instrumento, deve comprovar qual é a
tivo é de qualidade, representado pelo Satepsi (ver sua formação ou treinamento. Por exemplo, para o nível
em http://satepsi.cfp.org.br/). Os testes submetidos A, não há qualquer exigência. Para o nível B, exige-se
ao Satepsi são avaliados por pelo menos dois experts que pelo menos o profissional possua treinamento em
na área do teste e posteriormente suas avaliações são administração ética do instrumento, assim como levan-
discutidas na Comissão Consultiva em Avaliação Psi- tamento e interpretação dos seus resultados, podendo
cológica (CCAP) formada por pesquisadores de dife- ser de diferentes áreas (Psicologia, Educação, Terapia
rentes partes do Brasil, especialistas na área. Ocupacional e outras). Já para o nível C, exige-se uma
Já internacionalmente, alguns países também formação qualificada em interpretação de testes relacio-
realizam avaliações dos seus instrumentos. Uma edi- nados a sua área de formação. Quem faz o controle da
ção especial da revista da International Test Comis- venda são as editoras, orientadas pelas regras estabele-
sion, International Journal of Testing em 2012 (volume cidas nos Standards for Educational and Psychological
12) publicou vários artigos sobre esta temática, apre- Testing (American Educational Research Association,
sentando a forma como é feita a avaliação em diversos American Psychological Association, & National Council
países. Evers (2012) apresenta uma descrição breve on Measurement in Education, 2014).
sobre esses modelos. A seguir, abordarei algumas des- Outro país que avalia seus testes é a Espanha,
sas formas de avaliação de acordo com buscas que por meio do Consejo General de Colegios Oficiales de
realizei nos sites das diversas instituições. Psicologos. Uma comissão de oito membros (um do
Nos Estados Unidos, essa atividade é realizada conselho, um coordenador, um de cada uma das qua-
pelo Buros Center for Testing, organização fundada por tro editoras de testes reconhecidas pelo Conselho no
Oscar Buros, a partir da publicação do 1938 Mental país e dois de universidade) avaliam os instrumentos
Measurements Yearbook (disponível em https://buros. publicados no país. Essa avaliação ocorre desde 2012,
org/history). Nesse livro, Buros descreveu a análise que e no total já foram avaliados 64 testes psicológicos.
fez a partir da avaliação de diversos especialistas a res- Uma rápida visão mostra que os instrumentos têm,
peito de vários testes de inteligência. Depois da morte em geral, notas altas. No site, não há referência a res-
de Buros em 1974, sua esposa continuou apoiando a trições de uso para os testes mal avaliados.
organização até o momento em que, após uma disputa Na Espanha, os testes também são divididos em
por diferentes universidades norte-americanas, o con- três níveis, tal como nos Estados Unidos. Para o nível
trole passou para as mãos da Universidade de Nebraska. A, espera-se formação e experiência em aplicação do
Hoje seu diretor é o Prof. Kurt Geisinger, também presi- instrumento de interesse. Para o nível B, conhecimen-
dente eleito da International Test Comission. tos sobre Psicometria e formação acadêmica corres-
O Mental Measurements Yearbook foi sendo publi- pondente ao instrumento de interesse. Somente para o
cado em intervalos variados entre dois até nove anos e nível C exige-se titulação em Psicologia, Psiquiatria ou
hoje está em sua vigésima edição. A cada edição, novos Psicopedagogia (exemplo disso pode ser encontrado
testes são avaliados por avaliadores ad-hoc. Foram ava- em: http://www.teaediciones.net/portal/recursos/dis-
liados 3.829 testes pelo Buros Center for Testing, entre os claimer/index.html?seccion=normas&header=1).
anos de 1985 e 2017 (da nona à vigésima edição), em uma Na Grã-Bretanha, a British Psychological Society
média aproximada de 116 novos testes avaliados por ano (BPS, disponível em www.psychtesting.org.uk) tam-
(dados retirados do site http://buros.org/). A organização bém avalia testes, os quais são submetidos de forma
também possui uma nova publicação chamada Puebras voluntária pelas editoras (em princípio, elas têm inte-
Publicadas em Espanol, que revisou 583 testes em língua resse nesse processo para demonstrar que seus testes
espanhola e que está na fase de editoração da segunda são qualificados). Cento e sessenta testes já foram ava-
edição, da qual parecem muito orgulhosos (percepção liados, por uma equipe de dois revisores independen-
que tive em recente visita ao Buros Center for Testing). tes e duas editoras, utilizando os critérios criados pelo
Nessa avaliação, os testes são distribuídos em níveis Grupo de Trabalho em Avaliação da Federação Euro-
A, B e C, sendo que para cada nível é exigido um tipo de peia de Associações de Psicólogos, recentemente revi-
formação (aqui não me refiro somente ao curso de gra- sados (Evers et al., 2013). Os critérios são muito pareci-
duação, mas outras qualificações, como cursos e treina- dos com os nossos do Satepsi.

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Além de avaliar os testes, a BPS possui um manual www.hpcsa.co.za/PBPsychology/RegulatingTestSA).


que explica quais são os requisitos que um profissio- Existe uma taxa de avaliação que é cobrada dos edi-
nal deve ter para utilizar testes psicológicos. Além tores de testes quando os submetem para avaliação.
disso, certifica profissionais por meio de três níveis Eles publicam uma lista com três categorias de testes:
diferentes de certificado: assistente de testagem, usu- aqueles avaliados e certificados para uso por pro-
ário de teste e especialista em uso do teste (só neste fissionais de Psicologia (total de 74 testes), aqueles
caso há referência ao profissional psicólogo, no qual liberados para uso por psicólogos, mas não avaliados
afirmam que em geral é um psicólogo experiente, que (133) e aqueles que estão em processo de desenvolvi-
fez já muitos cursos sobre testes e psicometria). mento ou adaptação (92) e que não devem ser utili-
Na Holanda, os testes são avaliados pelo Comitê zados para uso profissional (com intuito financeiro).
Holandês de Teste e Testagem do Instituto Holandês Somente neste país ficou claro que alguns testes não
de Psicólogos desde 2009 (disponível em: https:// são recomendados para uso profissional e que outros
www.psynip.nl/en/dutch-association-psychologists/ podem ser utilizados, mas somente por psicólogos.
activities-nip/psychological-testing-cotan/), chamado Para eles, usar uma medida, um teste, um questioná-
de Sistema Cotan. Os testes são avaliados com três rio que avalie habilidades cognitivas ou intelectuais,
objetivos: informar a qualidade do instrumento aos atitudes, interesses, personalidade é considerado um
usuários, oferecer um feedback aos seus desenvol- ato psicológico a ser executado somente por um psi-
vedores e informar sobre a qualidade dos testes aos cólogo registrado no conselho.
que estão sendo submetidos a ele. A avaliação não é Como pode ser visto, a avaliação de instrumen-
cobrada nem dos autores do teste nem das editoras tos no mundo em geral é realizada por profissionais
e os resultados de 841 testes já avaliados estão publi- da área de Psicologia, pois é sempre realizada por
cados online em holandês (https://www.cotando- profissionais vinculados a uma associação ou a um
cumentatie.nl/). Eles possuem guias muito recentes conselho profissional de Psicologia. Além disso, é
(2017) de uso de testes, baseados em parte nas discus- uma atividade relativamente recente (com exceção
sões da Federação Europeia de Associações de Psicó- dos Estados Unidos).
logos (EFPA). Essa sociedade também oferece um selo Quanto aos resultados da avaliação dos testes,
de Psicólogo NIP (ou seja, é reconhecido como um podemos perceber que os mesmos são publicados de
psicólogo especialista em alguma área). forma online em praticamente todos os países (por
Na Alemanha, existe uma norma chamada DIN no vezes, é cobrada uma taxa extra para um parecer mais
33.430 (Deutsches Institut fur Normung – Instituto Ale- detalhado). Essa atitude deixa o processo mais trans-
mão de Padronização), que estabelece critérios para parente, tentando evitar influência das editoras/auto-
processos avaliativos das mais diversas áreas, assim res dos testes nesse processo ou mesmo interesses
como requisitos para um bom teste e uma boa testa- financeiros ou de outra ordem.
gem. É ressaltado que esta normatização não é somente Não foi possível obter a informação de que pro-
voltada para testes psicológicos, mas sim qualquer fissionais podem utilizar os instrumentos de dois
forma de avaliação (mais detalhes em Hagemeister, países, Holanda e Alemanha. Porém, tendo em vista
Kersting, & Stemmler, 2012). Os testes são revisados que se baseiam nas regulamentações da EFPA, tanto
por um Conselho de Avaliação e Testagem da Associa- quanto a Sociedade Britânica, é de se entender que
ção Profissional de Psicólogos Alemães, chamado Sis- o que importa no uso é a formação do profissional, o
tema TBS-TK. As revisões são baseadas nas decisões da conhecimento adquirido para o uso do instrumento.
EFPA e do sistema Cotan (da Holanda) e são publicadas A África do Sul, assim como o Brasil, são os únicos
online. Até o momento (desde 2006), foram avaliados países que restringem o uso dos testes somente para
38 testes (disponível em: http://www.bdp-verband.de/ psicólogos registrados no conselho profissional.
psychologie/testrezensionen/index.html).
Na África do Sul, os testes são avaliados desde Certificação para o uso de testes e
2015. Há um Comitê de Psicometria no Conselho fiscalização
dos Profissionais de Saúde da África do Sul que ava- A partir do exposto, entendo que para o uso de
lia os testes assim como estabelece normas de uso testes psicológicos, o que importa é o profissional ter
e construção dos mesmos (disponível em: http:// uma formação adequada para cada o tipo de teste que

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Psicologia: Ciência e Profissão 2018 v. 38 (núm. esp.), 159-166.

ele queira utilizar. Essa formação deveria envolver CFP nº 25/2001), ou seja, as editoras continuariam
aspectos básicos de psicometria, conhecimento teó- a ser reguladas.
rico sobre o construto em questão e curso para aplica-
ção, levantamento e interpretação, quando for o caso,
Considerações finais
seja ele psicólogo ou não.
Tendo em vista o apontado, entendo que pre-
Contudo, ainda assim continuaremos preci-
cisamos avançar mais um pouco nesse processo
sando que algum órgão faça a certificação e a fisca-
de qualificar os profissionais para o uso de ins-
lização para uso dos testes. No meu entender, o CFP
trumentos e realização de avaliações psicológicas
poderia seguir com esse papel, já que comparando
com qualidade. Precisamos de psicólogos “válidos”
o Satepsi com os modelos de avaliação de testes (Bandeira, 2015), capazes de utilizar com proprie-
em outros países, estamos realizando um processo dade os instrumentos que estão disponíveis para
muito completo e bem qualificado. Talvez precisás- uso. Portanto, ou modificamos o curso e voltamos a
semos reforçar dois aspectos. Um seria investirmos dar total ênfase à avaliação psicológica ou criamos a
na publicação dessas avaliações, tornando esse especialidade em avaliação psicológica, dando mais
processo mais transparente, protegendo e apoiando qualidade a este trabalho.
avaliadores e avaliados. O outro, termos regras cla- Entendo, também, que os testes não são pro-
ras de formação da equipe do Satepsi. Como ele priedades de um conselho ou de uma instituição.
está vinculado ao CFP, órgão que de dois em dois São de propriedade de uma editora ou de um autor,
anos exige que os psicólogos votem para eleger sua que pode ou não ser psicólogo. Acredito que se o
diretoria, pode ser erroneamente utilizado com autor foi capaz de construir um instrumento bem
intenções políticas. A avaliação dos testes é uma ati- avaliado pelo Satepsi, possuindo ou não um cons-
vidade puramente técnica, jamais política. Por isso, truto psicológico, é capaz de o utilizar, mesmo não
deve haver uma legislação clara no sentido de que sendo um psicólogo. Ele é quem tem autoridade de
a comissão do Satepsi seja composta necessaria- afirmar que tipo de formação se espera da pessoa
mente por representantes das diversas entidades de que usará seu teste.
avaliação psicológica no Brasil (Instituto Brasileiro Atualmente, há um contexto de formação pro-
de Avaliação Psicológica – IBAP, Associação Brasi- fissional dinâmico, com fronteiras permeáveis e
leira de Rorschach e Métodos Projetivos – Asbro, e conhecimentos disponíveis na internet, de amplo
Grupos de Trabalho da área de Avaliação Psicoló- acesso, totalmente diferente de alguns anos atrás.
gica da Anpepp). Com isso digo que, se não tomarmos a frente, sere-
Assim como em outros países, penso que no mos atropelados por essas questões, correndo o
Brasil os testes também poderiam ser classificados risco de perder a possibilidade que já temos de ava-
em níveis, exigindo diferentes tipos de formação. liar esses instrumentos.
Esse nivelamento poderia ser realizado pelo próprio Por meio de algumas ideias, tentei contribuir para
Satepsi. Poderia haver órgãos externos ao CFP, inclu- a discussão sobre quem pode utilizar testes psicológi-
sive autorizados pelo CFP, tais como IBAP, Asbro, cur- cos. Concluo que para isso, o que importa mesmo é a
sos de especialização reconhecidos, a emitir certifi- formação do profissional, tendo ou não feito a gradu-
cação para uso de instrumentos que exigissem maior ação em Psicologia. Afirmo mais uma vez, nem todo o
formação, inclusive treinamento específico. Os pro- psicólogo no Brasil, só por possuir o número de regis-
fissionais teriam que comprovar seu conhecimento tro no CFP, tem condições de utilizar testes psicológi-
por meio de certificados de cursos realizados e com cos. E estamos permitindo isso!
isso adquiririam esses selos. As editoras, por sua vez, Porém, como afirmei, são várias as questões
poderiam vender seus instrumentos somente para envolvidas na pergunta pela qual inicio este artigo e
aqueles que tivessem o selo. vários desafios que precisam encarados para que pos-
A fiscalização seria, então, sobre a venda dos samos implementar mudanças com objetivo de quali-
instrumentos aos profissionais com a formação ade- ficar nossa atuação na área de avaliação psicológica. Se
quada e/ou certificados por órgãos devidamente tanto avançamos desde a criação da Câmara Interinsti-
identificados pelo CFP. Atualmente, esse controle já tucional de Avaliação Psicológica, pelo CFP, é porque a
é realizado pelo próprio CFP (conforme Resolução área já está madura para continuar avançando.

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Bandeira, D. R. (2018). Uso dos Testes por Psicólogos e Não Psicólogos.

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Resolução Nº 009, de 25 de abril de 2018. Estabelece diretrizes para a realização de Avaliação Psicológica no exercí-
cio profissional da psicóloga e do psicólogo, regulamenta o Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos - SATEPSI
e revoga as Resoluções n° 002/2003, nº 006/2004 e n° 005/2012 e Notas Técnicas n° 01/2017 e 02/2017. Brasília,
DF: Conselho Federal de Psicologia.
Resolução N º 025, de 30 de novembro de 2001. Define teste psicológico como método de avaliação priva-
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Psicologia: Ciência e Profissão 2018 v. 38 (núm. esp.), 159-166.

Denise Ruschel Bandeira


Professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre – RS. Brasil.
E-mail: bandeira@ufrgs.br

Endereço para envio de correspondência:


Instituto de Psicologia
Rua Ramiro Barcelos, 2600/120. CEP: 90035-003.
Porto Alegre – RS. Brasil.

Recebido: 20/07/2018
Aprovado: 07/08/2018

Received: 07/20/2018
Approved: 08/07/2018

Recibido: 20/07/2018
Aceptado: 07/08/2018

Como citar: Bandeira, D. R. (2018). A controvérsia do uso dos testes psicológicos por psicólogos e não psicólogos.
Psicologia: Ciência e Profissão, 38(n.spe), 159-166.. https://doi.org/10.1590/1982-3703000208860

How to cite: Bandeira, D. R.. (2018). The controversy of the use of psychological tests by psychologists and non
psychologists. Psicologia: Ciência e Profissão, 38(n.spe), 159-166.. https://doi.org/10.1590/1982-3703000208860

Cómo citar: Bandeira, D. R. (2018). La controversia del uso de las pruebas psicológicas por psicólogos y no
psicólogos. Psicologia: Ciência e Profissão, 38(n.spe), 159-166.. https://doi.org/10.1590/1982-3703000208860

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