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História Da América

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HISTÓRIA DA

AMÉRICA

Professora Dra. Verônica Karina Ipólito

GRADUAÇÃO

Unicesumar
Reitor
Wilson de Matos Silva
Vice-Reitor
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de Administração
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de EAD
Willian Victor Kendrick de Matos Silva
Presidente da Mantenedora
Cláudio Ferdinandi

NEAD - Núcleo de Educação a Distância


Direção Operacional de Ensino
Kátia Coelho
Direção de Planejamento de Ensino
Fabrício Lazilha
Direção de Operações
Chrystiano Mincoff
Direção de Mercado
Hilton Pereira
Direção de Polos Próprios
James Prestes
Direção de Desenvolvimento
Dayane Almeida
Direção de Relacionamento
Alessandra Baron
Head de Produção de Conteúdos
Rodolfo Encinas de Encarnação Pinelli
Gerência de Produção de Conteúdos
Gabriel Araújo
Supervisão do Núcleo de Produção de
Materiais
Nádila de Almeida Toledo
Supervisão de Projetos Especiais
Daniel F. Hey
Coordenador de Conteúdo
Priscilla Campiolo Manesco
Design Educacional
C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a
Distância; IPÓLITO, Verônica Karina. Yasminn Zagonel
Projeto Gráfico
História da América. Verônica Karina Ipólito. Jaime de Marchi Junior
Maringá-Pr.: UniCesumar, 2016. Reimpresso em 2019.
223 p. José Jhonny Coelho
“Graduação - EaD”. Arte Capa
Arthur Cantareli Silva
1. História. 2. América. EaD. I. Título.
Editoração
ISBN 978-85-459-0204-1 Robson Yuiti Saito
CDD - 22 ed. 980
CIP - NBR 12899 - AACR/2 Revisão Textual
Ana Caroline de Abreu
Ilustração
André Luís Onishi
Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário
João Vivaldo de Souza - CRB-8 - 6828

Impresso por:
Viver e trabalhar em uma sociedade global é um
grande desafio para todos os cidadãos. A busca
por tecnologia, informação, conhecimento de
qualidade, novas habilidades para liderança e so-
lução de problemas com eficiência tornou-se uma
questão de sobrevivência no mundo do trabalho.
Cada um de nós tem uma grande responsabilida-
de: as escolhas que fizermos por nós e pelos nos-
sos farão grande diferença no futuro.
Com essa visão, o Centro Universitário Cesumar
assume o compromisso de democratizar o conhe-
cimento por meio de alta tecnologia e contribuir
para o futuro dos brasileiros.
No cumprimento de sua missão – “promover a
educação de qualidade nas diferentes áreas do
conhecimento, formando profissionais cidadãos
que contribuam para o desenvolvimento de uma
sociedade justa e solidária” –, o Centro Universi-
tário Cesumar busca a integração do ensino-pes-
quisa-extensão com as demandas institucionais
e sociais; a realização de uma prática acadêmica
que contribua para o desenvolvimento da consci-
ência social e política e, por fim, a democratização
do conhecimento acadêmico com a articulação e
a integração com a sociedade.
Diante disso, o Centro Universitário Cesumar al-
meja ser reconhecido como uma instituição uni-
versitária de referência regional e nacional pela
qualidade e compromisso do corpo docente;
aquisição de competências institucionais para
o desenvolvimento de linhas de pesquisa; con-
solidação da extensão universitária; qualidade
da oferta dos ensinos presencial e a distância;
bem-estar e satisfação da comunidade interna;
qualidade da gestão acadêmica e administrati-
va; compromisso social de inclusão; processos de
cooperação e parceria com o mundo do trabalho,
como também pelo compromisso e relaciona-
mento permanente com os egressos, incentivan-
do a educação continuada.
Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está
iniciando um processo de transformação, pois quan-
do investimos em nossa formação, seja ela pessoal
ou profissional, nos transformamos e, consequente-
mente, transformamos também a sociedade na qual
estamos inseridos. De que forma o fazemos? Criando
oportunidades e/ou estabelecendo mudanças capa-
zes de alcançar um nível de desenvolvimento compa-
tível com os desafios que surgem no mundo contem-
porâneo.
O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de
Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo
este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens
se educam juntos, na transformação do mundo”.
Os materiais produzidos oferecem linguagem dialó-
gica e encontram-se integrados à proposta pedagó-
gica, contribuindo no processo educacional, comple-
mentando sua formação profissional, desenvolvendo
competências e habilidades, e aplicando conceitos
teóricos em situação de realidade, de maneira a inse-
ri-lo no mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais
têm como principal objetivo “provocar uma aproxi-
mação entre você e o conteúdo”, desta forma possi-
bilita o desenvolvimento da autonomia em busca dos
conhecimentos necessários para a sua formação pes-
soal e profissional.
Portanto, nossa distância nesse processo de cres-
cimento e construção do conhecimento deve ser
apenas geográfica. Utilize os diversos recursos peda-
gógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possi-
bilita. Ou seja, acesse regularmente o AVA – Ambiente
Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns e en-
quetes, assista às aulas ao vivo e participe das discus-
sões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe de
professores e tutores que se encontra disponível para
sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de
aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranqui-
lidade e segurança sua trajetória acadêmica.
AUTORA

Professora Dra. Verônica Karina Ipólito


Possui graduação em História e Pedagogia pela Universidade Estadual de
Maringá. Mestre em História pelo Programa de Pós-Graduação em História
da Universidade Estadual de Maringá (2009). Especialista em Concepções em
Ética e Política pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Mandaguari
(2010). Especialista em Gestão Escolar pela Universidade Estadual do Centro-
Oeste (2010). Trabalhou como professora colaboradora da Universidade
Estadual de Maringá (UEM) entre os anos de 2010 e 2012. Atuou como docente
em alguns cursos de especialização na Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras de Mandaguari (Fafiman) e no Instituto Dimensão. Tutora presencial
do curso de Pedagogia (EaD/UEM) entre os anos de 2014 e 2015. Doutora
em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp-Assis). Possui experiência
nos seguintes temas: DOPS, PCB, movimentos sociais e políticos.
APRESENTAÇÃO

HISTÓRIA DA AMÉRICA

SEJA BEM-VINDO(A)!
Caro(a) acadêmico(a), é com satisfação que apresentamos a você este livro, o qual ser-
virá de base e suporte para o desenvolvimento dos conteúdos da disciplina de “História
da América”, do curso de graduação em História. Apresentaremos uma série de con-
teúdos que visam fornecer a você uma abordagem holística e ampla sobre a história
do continente americano, desde as civilizações pré-colombianas até as transformações
sociais e a internacionalização da economia ocorrida ao longo do século XX.
O desafio que se apresenta é expor os conteúdos que compõem esta área do conheci-
mento de forma harmoniosa e coerente, versando sobre os temas de seu interesse e que
contribua para a formação e informação no interior do curso ora em desenvolvimento.
Foi realizado um esforço para trazer conteúdos atualizados, inseridos em debates histo-
riográficos recentes, discutidos pelos principais professores e pesquisadores da área, de
forma a confeccionar um texto moderno e completo.
Assim, começamos nosso trabalho com o estudo das civilizações pré-colombianas da
América Portuguesa, Hispânica e Saxônica. Esse tema permite aprofundar os conheci-
mentos dos povos nativos das Américas compreendendo-os como sujeitos históricos e
agentes sociais. O estudo desses povos é relevante, pois a partir deles é que teremos a
base para analisar as próximas unidades. Na sequência, analisaremos o Período Colonial
na América Hispânica e Saxônica de forma a conhecer os conflitos culturais entre nativos
e colonizadores, a organização econômica, política e social. Conduziremos nosso estudo
de modo a compreender a crise do sistema colonial que derivou nos processos de inde-
pendência da América Espanhola e Inglesa. Posteriormente, analisaremos a formação e
consolidação dos Estados Nacionais na América Latina e os fatores que transformaram
os Estados Unidos em uma potência industrial em fins do século XIX.
Para tornar o estudo mais interessante, abordaremos a internacionalização da economia
e as transformações sociais nas Américas durante o século XX, objetivando a compreen-
são de movimentos revolucionários, regimes de exceção e a influência estadunidense
nas relações continentais. Também será discutido o desenvolvimento da redemocratiza-
ção, globalização e do neoliberalismo na América Latina.
Esperamos que você tenha êxito nesta nova caminhada e que possa, de forma autôno-
ma e objetiva, fazer bom uso deste material.
Sucesso e vamos ao estudo!
09
SUMÁRIO

UNIDADE I

AS CIVILIZAÇÕES PRÉ-COLOMBIANAS DA AMÉRICA PORTUGUESA,


HISPÂNICA E SAXÔNICA

15 Introdução

16 Os Povos Indígenas da América Portuguesa

22 As Civilizações Pré-Colombianas da América Hispânica: Astecas, Incas e


Maias

36 Os Povos Ameríndios da América Saxônica

42 Considerações Finais

UNIDADE II

O PERÍODO COLONIAL NA AMÉRICA HISPÂNICA E SAXÔNICA

51 Introdução

52 O Conflito de Culturas Entre Espanha e América Durante o Período


Colonial

72 A Colonização da América Hispânica: Economia, Governo e Sociedade

78 A Colonização da América Inglesa: Economia, Governo e Sociedade

84 Considerações Finais
SUMÁRIO

UNIDADE III

AMÉRICA FRENTE À CRISE DO SISTEMA COLONIAL E OS


MOVIMENTOS DE INDEPENDÊNCIA

93 Introdução

95 A Crise do Sistema Colonial Espanhol e as Alterações do Século XVIII

106 Os Processos de Emancipação Política na América Espanhola

114 A Independência da América Portuguesa

120 O Processo de Independência da América Inglesa

125 Considerações Finais

UNIDADE IV

A FORMAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DOS ESTADOS NACIONAIS

135 Introdução

136 A Formação dos Estados Nacionais (1825-1860)

148 A Consolidação dos Estados Nacionais (1860-1890)

161 Os Estados Unidos em Fins do Século XIX

164 Considerações Finais


11
SUMÁRIO

UNIDADE V

SÉCULO XX: INTERNACIONALIZAÇÃO DA ECONOMIA E


TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS

173 Introdução

174 As Nações Americanas em Princípios do Século XX (1914-1929)

183 As Transformações Ocorridas entre a Grande Depressão à Segunda Guerra


Mundial (1929-1945)

185 Os Movimentos Revolucionários de Primórdios da Guerra Fria na América


Latina (1945-1961)

190 As Transformações Ocorridas com o Fim da Guerra Fria na América Latina


(1961-1989)

193 O Poder de Influência Estadunidense e as Relações Continentais

197 Redemocratização, Globalização e Neoliberalismo

201 Considerações Finais

209 CONCLUSÃO
211 REFERÊNCIAS
217 GABARITO
Professora Dra. Verônica Karina Ipólito

AS CIVILIZAÇÕES PRÉ-COLOMBIANAS

I
UNIDADE
DA AMÉRICA PORTUGUESA,
HISPÂNICA E SAXÔNICA

Objetivos de Aprendizagem
■■ Conhecer os povos nativos da América Portuguesa,
compreendendo-os como sujeitos históricos e agentes sociais.
■■ Entender a importância histórica dos incas, maias e astecas na
América Hispânica.
■■ Analisar as especificidades dos povos pré-colombianos da América
Saxônica.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ Os povos indígenas da América Portuguesa
■■ As civilizações pré-colombianas da América Hispânica: incas, maias e
astecas
■■ Os povos ameríndios da América Saxônica
15

INTRODUÇÃO

Iniciamos a primeira unidade do livro apresentando as civilizações pré-colom-


bianas da América Portuguesa, Hispânica e Saxônica. Você irá notar que não
houve a intenção de abordar todos os grupos nativos da América antes da con-
quista e colonização europeia.
A primeira finalidade é levá-lo(a) a refletir sobre os modos de vida e as dis-
tintas formas culturais existentes no continente americano. Em seguida, será
detalhada a estrutura sociocultural dos povos ameríndios da América Portuguesa,
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

recorrendo-se, para isso, a uma abordagem que compreenda o indígena como


um sujeito histórico e agente social. Na sequência, analisaremos as chamadas
altas culturas da América Hispânica (incas, astecas e maias), assim conhecidas
por seu grau de complexidade. O objetivo é compreender a singularidade desses
povos bem como o conjunto de instituições, regras e valores capazes de diferen-
ciá-los dos demais grupos ameríndios do continente.
Por fim, apreciaremos os povos pré-colombianos da América Saxônica, de
maneira a conhecer suas formas de adaptação a diferentes tipos ambientais,
muitas vezes inóspitos à presença humana. Acredito que, se você compreender
a organização dos povos nativos localizados na América Portuguesa, Hispânica
e Saxônica no período pré-conquista e colonização, poderá acompanhar melhor
as outras unidades, cujas temáticas estão vinculadas a desdobramentos ocorri-
dos nessas regiões e estreitamente relacionados a tais grupos nativos abordados
nesta unidade.
A intenção do conteúdo abordado nesta unidade é prepará-lo(a) de forma
que entenda e contemple a História da América. Apesar disso, certamente haverá
momentos nos quais você precise de materiais extras para auxiliá-lo(a). Isso é
natural, uma vez que você está iniciando os estudos nessa disciplina!
Convido-o(a) a viajar pela América Pré-colombiana!
Uma excelente leitura!

Introdução
16 UNIDADE I

AS CIVILIZAÇÕES PRÉ-COLOMBIANAS DA AMÉRICA


PORTUGUESA, HISPÂNICA E SAXÔNICA

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
©Wikimedia Commons

Figura 01: Índios Tupinambás no Brasil. Gravura do século XVI

OS POVOS INDÍGENAS DA AMÉRICA PORTUGUESA

Você sabia que os grupos indígenas, independente da conjuntura, foram de


suma importância para a implantação e manutenção do sistema colonial? Ainda
assim, a sua participação não foi legitimamente considerada pela historiografia
que versa sobre a América Portuguesa. Na maioria dos casos, prevaleceu a visão
circunscrita da presença dos índios e o seu primeiro contato com os lusitanos
e, na medida em que a colonização se tornava uma realidade concreta, explo-
rou-se a interpretação de indígenas vitimados por guerras, doenças variadas,
excesso de trabalho e miscigenação com outras categorias sociais. Entretanto,

AS CIVILIZAÇÕES PRÉ-COLOMBIANAS DA AMÉRICA PORTUGUESA, HISPÂNICA E SAXÔNICA


17

nas últimas décadas, a influência de conceitos teóricos provenientes, sobretudo


da antropologia, sociologia e etno-história, contribuiu para que os pesquisado-
res do assunto deixassem para trás a ótica, até então predominante, da extinção
física e cultural dos nativos e adotasse um olhar que compreendesse o indígena
como um agente social e sujeito histórico.
Em 1500, quando os portugueses chegaram à América, havia uma imensi-
dão de povos nativos, alguns dos quais testemunharam a vinda dos lusitanos e
estabeleceram os primeiros contatos com eles. De forma especial, o litoral, de
onde hoje se encontra o Brasil, era ocupado por “povos semissedentários”, os
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

quais sobreviviam da caça, da coleta, da pesca e da agricultura. Possuíam aldeias


e campos cultiváveis, algo fundamental para a sua manutenção. No entanto os
locais de cultivo não permaneciam os mesmos e as aldeias, consequentemente,
mudavam com frequência de local. Enquanto os indivíduos inclusos em gru-
pos sedentários, independente do sexo, dedicavam sua vida à agricultura, entre
os povos semissedentários havia uma divisão: as mulheres eram as principais
responsáveis pela prática agrícola e os homens, muito embora também pudes-
sem contribuir na limpeza da terra, se destacavam como caçadores e guerreiros.
Outras características apontadas por Stuart B. Schwartz e James Lockhart (2010,
p. 75) dão maiores detalhes da organização desses povos semissedentários:
Mesmo no nível da aldeia, o pagamento de tributos e o trabalho co-
munitário rotativo não eram conhecidos, nem havia um chefe forte
encarregado de exigir impostos; pode ter havido um líder em alguns
casos, mas ele estava mais preocupado com cerimônias ou com a guer-
ra. Classes sociais especializadas não costumavam existir, nem nobres,
plebeus ou dependentes, embora alguns povos tivessem cativos tem-
porários tomados dos inimigos, nem havia altos sacerdotes e templos
especiais. Embora o senso de etnia fosse forte, a organização da aldeia
era frouxa e instável; não só sua localização mudava de tempos em tem-
pos como, em muitos casos, as linhagens individuais constituintes iam
e vinham à vontade. As confederações de aldeias eram efêmeras, para
fins defensivos ou ofensivos específicos. Acima de tudo, não havia uma
unidade provincial de bom tamanho com forte coesão, permanência e
identificação com um território nuclear compacto e específico, ou seja,
não havia base potencial para encomendas no sentido usual. Não só
havia pouco excedente de produção como não existiam mecanismos
capazes de entregar produção e mão-de-obra a um grupo conquistador,
nem intermediários para canalizá-las.

Os Povos Indígenas da América Portuguesa


18 UNIDADE I

No caso da América Portuguesa, sobretudo no que diz respeito ao litoral do que


atualmente é o Brasil, e onde se iniciou o processo de colonização, estava locali-
zado o grupo cuja língua pertencia ao tronco linguístico Tupi-Guarani. Alguns
estudiosos acreditam que os tupis-guaranis são oriundos da região amazônica.
Inicialmente, os Tupis-Guaranis abandonaram as terras onde moravam para se
fixarem em direção ao litoral. Esse deslocamento ocorreu em função do aumento
populacional e da escassez da caça. Tal processo provocou a divisão em dois gran-
des grupos: os Tupis e os Guaranis.
Quando chegaram à América, os portugueses se depararam com os Tupis,

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
ocupando quase que integralmente a imensa costa brasileira, sobretudo a região
compreendida entre os atuais estados de São Paulo e do Ceará, ao passo que os
Guaranis estavam concentrados ao sul, nas regiões aproximadamente onde hoje
se localizam os litorais de São Paulo e Rio Grande do Sul. Além dos Tupis e dos
Guaranis, havia outros povos, dentre os quais podemos destacar os Jê, Karib,
Pano, Tukano e Aruák, situados mais no interior da América Portuguesa (con-
sultar o mapa 1). Todos esses povos possuíam costumes e cultura própria. Por
se diferenciarem dos Tupis, foram denominados por eles, genericamente, de
Tapuias. Entretanto, como você já deve ter notado, o primeiro contato dos por-
tugueses ocorreu com povos que residiam no litoral.
Os Tupis acreditavam que os povos que não falavam a sua língua (os Tapuias)
eram considerados “bárbaros”. Entre eles, era nutrida a percepção de que pos-
suíam uma cultura superior aos demais povos. A ideia de um cosmos dividido
entre “nós” e os “outros” estava relacionada ao espírito de guerra, pois os Tupis
consideravam os Tapuias seus inimigos congênitos. O conflito era algo relati-
vamente natural para os Tupis, tanto que era comum haver desentendimentos
entre os membros da mesma aldeia. Não raro, muitos desses se aliavam em torno
de um objetivo comum, mas, tempos depois, se desuniam e, em alguns casos,
lutavam entre si.
Entre os Tupis, a família era o centro da vida tribal e as atividades estavam,
geralmente, articuladas de acordo com o sexo e laços de parentesco. Desse modo,
os homens de uma mesma família caçavam, pescavam, guerreavam contra os
inimigos e construíam moradias. Às mulheres competia o cultivo da terra, a
preparação dos alimentos, a confecção de utensílios de cerâmica, bem como o

AS CIVILIZAÇÕES PRÉ-COLOMBIANAS DA AMÉRICA PORTUGUESA, HISPÂNICA E SAXÔNICA


19

cuidado com as crianças. A produção era de subsistência, sendo dividida para


os membros da tribo de acordo com as suas necessidades.
As aldeias tupis, conhecidas como tabas, estavam estruturadas de forma a
proteger seus moradores em caso de guerra. Habitualmente eram cercadas por
troncos de árvores e construídas de forma circular, disposição que oferecia maior
segurança a seus membros. As ocas, edificadas por fibras vegetais e apoiadas por
uma armação em madeira, possuíam o chão de terra batido, além de abrigarem
dezenas de pessoas. Seu formato variava muito segundo a tradição e cultura de
um povo. Os Tupis, por exemplo, construíam suas ocas em formato cilíndrico.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Em cada uma dessas ocas, havia um líder (principal), os quais se reuniam perio-
dicamente para tomar decisões conjuntas sobre assuntos pertinentes à aldeia.
Por mais que cada taba tivesse um chefe (morubixaba), podemos dizer que não
havia um poder centralizado, pois os principais (líderes das ocas) se reuniam
para discutir assuntos importantes das aldeias. Para se tornar um morubixaba,
o aspirante à função deveria ser forte, provar valentia e ser fisicamente robusto.

Morubixaba vem do tupi-guarani e significa “grande líder”, ou seja, aquele


que exerce a liderança “política” em uma taba (aldeia tupi).
Fonte: a autora.

As guerras Tupis estavam relacionadas a sentimentos como vingança e honra, não


havendo registros de sua manutenção, estritamente por bens materiais. Depois
de capturados, os inimigos eram, geralmente, mortos, esquartejados e devo-
rados pelos guerreiros. Tal ritual antropofágico era necessário na sua cultura,
pois acreditavam que a intrepidez e bravura do devorado seriam incorporadas
a quem o consumiu.

Os Povos Indígenas da América Portuguesa


20 UNIDADE I

Os Tupis quase sempre se deslocavam em busca de locais que fornecessem


caça e pesca em abundância, além de condições propícias para a prática da
agricultura. Entretanto também estavam à procura da tão sonhada “Terra
sem mal”, lugar ausente de sofrimento e onde os guerreiros que demons-
trassem bravura seriam automaticamente transportados após a morte.
Fonte: a autora.

Você já deve ter notado que os habitantes do que se designou como América

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Portuguesa formavam uma população heterogênea, que variava entre 3 a 5
milhões de pessoas, distribuídas entre múltiplos povos, tais como: Tupi, Guarani,
Jê, Aruak, Karib, Pano, Tukano, Charrua, dentre outros, conforme podemos
conferir no mapa 1. Apesar de muitas vezes estarem localizados próximos uns
dos outros, tais povos falavam línguas diferentes e possuíam hábitos distintos.

Mapa 01: Distribuição aproximada dos povos indígenas à época da chegada dos europeus
Fonte: Arruda (1996).

AS CIVILIZAÇÕES PRÉ-COLOMBIANAS DA AMÉRICA PORTUGUESA, HISPÂNICA E SAXÔNICA


21

Os europeus souberam da existência desses povos bem como a forma como


viviam, por meio de relatos do século XVI. Missionários, náufragos e viajantes,
os quais tiveram contato com as tribos litorâneas, sobretudo os Tupis, registraram
os traços culturais de forma generalizada, fator que contribuiu para que durante
muito tempo os indígenas fossem considerados todos semelhantes. Entretanto
sabemos atualmente que os povos nativos não poderiam ser configurados como
homogêneos, muito embora compartilhassem várias características entre si.
Residentes em locais hostis por conta de densas florestas, os indígenas pos-
suíam o conhecimento e domínio da natureza. Não era rara a utilização de várias
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

plantas para a cura de determinadas doenças bem como o uso de algumas espécies
que tinham o poder de envenenamento. Era comum a aplicação dessas plan-
tas nos rios com o objetivo de intoxicar o peixe e facilitar a sua captura. Alguns
venenos também eram usados na caça, a exemplo do curare, o qual era colo-
cado na ponta da flecha e poderia paralisar e matar por asfixia o animal ferido.
No âmbito artístico, os diferentes povos indígenas da América Portuguesa
confeccionavam, em geral, objetos de uso cotidiano (como potes e urnas) e enfei-
tes para acompanhar os rituais (pinturas e plumas etc). Nas tribos, era comum a
fabricação de esteiras, redes e cestos dos mais variados formatos.
Algumas cores, como o preto do pó de carvão, o vermelho do urucum, azul-
-escuro do jenipapo e o branco do calcário eram utilizadas nas pinturas corporais.
As pinturas estavam, geralmente, associadas com o papel social do indivíduo ou
com o ritual a ser praticado. Os desenhos possuíam formas geométricas, as quais
também eram utilizadas em peças de cerâmica.
O conhecimento indígena bem como a sua familiaridade com a natureza
foram inclusos na cultura que formou a difusão portuguesa na América, prin-
cipalmente nas primeiras décadas da colonização.

Os Povos Indígenas da América Portuguesa


22 UNIDADE I

AS CIVILIZAÇÕES PRÉ-COLOMBIANAS DA AMÉRICA


HISPÂNICA: ASTECAS, INCAS E MAIAS

A rica variedade de povos que ocuparam o que chamamos de América Espanhola


chama a atenção por seus modos distintos de convivência: costumes, línguas, eco-
nomias, meio ambiente e sistemas sociopolíticos. Entretanto devemos suprimir a
nossa análise ao momento do contato com os espanhóis de forma a compreender
como alguns elementos que marcaram o encontro entre espanhóis e ameríndios
tiveram desdobramentos em acontecimentos futuros.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Certamente você já ouviu falar das civilizações pré-colombianas, também
referenciadas como altas culturas americanas. Dentre essas, as que mais apre-
sentaram uma organização socioeconômica e política invejável foram os incas
e astecas, a ponto de alguns autores, a exemplo de Stuart B. Schwartz e James
Lockhart (2010, p. 59), denominarem essas estruturas de “povos imperiais”.
Tal designação se deve ao fato de que essas civilizações não se caracterizaram
somente por sua vida sedentária, mas por se organizarem em meio a um con-
junto de instituições cujas regras e valores próprios eram indeléveis. Criaram um
rígido sistema tributário e se alimentaram dele, além de suas fronteiras serem
bem delimitadas, fatores que os diferenciavam dos demais povos que se fixaram
na América antes da chegada dos espanhóis.
Os astecas ocupavam a região da Mesoamérica entre os séculos XIV e XVI
(conferir o mapa 03) e se constituíram em uma importante civilização guerreira
que consolidou o seu poderio mediante a submissão de diversos povos confede-
rados vizinhos. No século XIV, fundaram Tenochtitlán, atual Cidade do México
(capital do México), em uma área pantanosa, próxima ao lago Texcoco.

AS CIVILIZAÇÕES PRÉ-COLOMBIANAS DA AMÉRICA PORTUGUESA, HISPÂNICA E SAXÔNICA


23

Desde princípios do século XV, a área do México Central apresentava-


-se reunida por uma confederação de cidades-estados. Entre elas, destacava-se
Tenochtitlán, território pertencente aos astecas, povo de língua nahuatl. Os aste-
cas, também conhecidos como mexicas, estabeleceram a hegemonia na região
por volta de 1425, momento em que submeteram a cidade de Atzcapotzalco sob
o seu domínio. A rígida hierarquização social entre os astecas é uma herança
proveniente dos séculos I a VIII, período em que a região era controlada por
Teotihuacán, outra cidade-estado e berço das grandes civilizações que se desen-
volveram no México pré-colombiano.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

De forma geral, pode-se dizer que o tributo é o elemento central para a


compreensão do império asteca bem como o sustentáculo de todo o aparato
socioeconômico empregado na Mesoamérica (BARTRA, 1975, p. 214). Em cada
uma das cidades-estados havia uma elite composta por burocratas, sacerdotes e
guerreiros, os quais sobreviviam em função do sobretrabalho aldeão. Conforme
Vainfas (1984, p. 24), a civilização asteca organizou-se por meio de uma rede de
cidades-estados dominadas por Tenochtitlán. Para essa última, eram canalizados
os impostos cobrados de camponeses e demais contribuições de outras cidades
que estavam sob o seu poder. Em consonância com Schwartz e Lockhart (2010),
havia um sistema de trabalho rotativo denominado de coatequitl (veremos que
entre os incas havia uma prática similar chamada de mita). Essa obrigação “pas-
sava de distrito a distrito e de aldeia a aldeia, e os plebeus trabalhavam em suas
unidades familiares sob a supervisão conjunta de seus próprios líderes e dos
homens do governo” (SCHWART; LOCKHART, 2010, p. 61).
A região do México Central era uma das mais povoadas da América pré-co-
lombiana. Por meio da análise de fontes diversificadas, sobretudo de listagens
relacionadas às cobranças de tributo, é possível estimar que a concentração
demográfica dessa região fosse de 25 milhões de pessoas em 1519, momento
em que o conquistador espanhol Hernán Cortez organizou a primeira expedi-
ção rumo a essa área. De forma significativa, Tenochtitlán concentrava 300 mil
habitantes nesse mesmo ano, se configurando como uma cidade maior do que
muitas da Europa.

As Civilizações Pré-Colombianas da América Hispânica: Astecas, Incas e Maias


24 UNIDADE I

Incas e astecas estavam representados não somente por governantes como


também por uma nobreza, a qual pode ser definida como uma linhagem em
que seus membros estavam acima da plebe. Entre seus privilégios, podemos
destacar a vestimenta diferenciada, os deveres mais amenos, o desfrute de altos
cargos governamentais e religiosos, bem como o controle de terras e seguido-
res. No caso específico do México pré-colombiano, onde o centro sociopolítico
estava concentrado em Tenochtitlán, havia uma monarquia eletiva liderada por
um soberano (Tlatoani) proveniente dos mais destacados guerreiros de origem
asteca. O Tlatoani era auxiliado por um conselho tribal, denominado de Tlatocán,

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o qual era composto por chefes das aldeias e que formava a base para a escolha
e sucessão do soberano. A partir do século XV, com o crescimento da influência
de Tenochtitlán, o Tlatoacán foi paulatinamente deixado para segundo plano. A
burocracia de Estado que cingia, ou seja, que rodeava o imperador, sofreu um
aumento significativo nesse momento e assumiu as funções de assessoria até
então designadas ao Tlatocán. De acordo com Vainfas (1984, p. 25), tal processo
estimulou o afastamento entre os dirigentes e a população aldeã.
Uma das fontes para compreender as divisões sociais da sociedade asteca é a
obra “Historia General de las Cosas de Nueva España”, escrita pelo frei Bernadino
de Sahagún. Nela, o clérigo afirma que os membros da nobreza estavam dispen-
sados de trabalhos, além de exibirem distintivos e vestuários que indicavam a
sua posição social. Estavam inclusos nesse grupo os cobradores de impostos, os
chefes administrativos, os sacerdotes do sol e da chuva, além de algumas agre-
miações militares de elite, como os guerreiros-jaguar e guerreiros-águia.

AS CIVILIZAÇÕES PRÉ-COLOMBIANAS DA AMÉRICA PORTUGUESA, HISPÂNICA E SAXÔNICA


25

Ficou curioso sobre Bernadino de Sahagún? Saiba que ele era pertencente à
ordem dos franciscanos, chegou à região asteca em 1529 e permaneceu na
América até falecer, no ano de 1590. Sahagún escreveu um manual no qual
pretendia descrever o universo cultural pré-hispânico na Mesoamérica, no
intuito de que os demais missionários pudessem investigar a permanência
de resquícios da antiga religião, podendo pregar contra ela, quando fosse
necessário.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Fonte: a autora.

Em sua “Breve y Sumaria relación de los señores y maneras y diferencias que


había de ellos em la Nueva España” (1993), Alonso de Zurita, advogado e escri-
tor que se destacou pelas crônicas que produziu sobre o Novo Mundo, explica
que a elite asteca era sustentada pelos camponeses que trabalhavam em certas
propriedades diante dos olhos fiscalizadores do império. Eram terras do palácio,
do templo, da guerra e do próprio soberano. Havia casos em que o imperador
concedia terras, em caráter vitalício ou hereditário, a funcionários ou guerrei-
ros que se destacavam em suas funções. Nos casos de concessões hereditárias, o
trabalho era, geralmente, executado por camponeses que não possuíam direito
a terra de subsistência, denominados de mayeques. Entretanto, em épocas de
carestia, o império realizava a redistribuição de alimentos excedentes às popu-
lações camponesas.
Havia, ainda, os camponeses (macehualtin) que estavam organizados em
comunidades conhecidas como calpullis. Considerado por alguns autores
(CARDOSO, 1981; VAINFAS, 1984; SCHWARTZ; LOCKHART, 2010) como a
unidade social básica dos astecas, o calpulli pode ser definido como um territó-
rio compartilhado com direitos comuns sobre a terra, além de contar com uma
organização administrativa, militar, judiciária e fiscal própria. Em cada calpulli
havia um chefe (calpullec), normalmente eleito pelos membros da comunidade,
mas que nutria estreitos laços com o soberano asteca. O calpulli era formado por
terras repartidas entre as famílias para o usufruto hereditário. Tais propriedades
eram coletivas e utilizadas para a subsistência aldeã. Nelas, cultivavam os mais

As Civilizações Pré-Colombianas da América Hispânica: Astecas, Incas e Maias


26 UNIDADE I

diversos produtos alimentícios, como o milho, o feijão e legumes. Entre as téc-


nicas rudimentares de cultivo desses alimentos, estão a coivara, a irrigação por
canais e as ilhas flutuantes (chinampas), as quais eram muito comuns no lago
Texcoco. Além de darem conta de suas funções, os camponeses deveriam tra-
balhar nas terras do Estado e executar serviços públicos, como o recrutamento
militar (cuatéquil) realizado periodicamente.
A sociedade asteca dos primeiros anos do século XVI não se reduzia a uma
divisão entre camponeses e burocratas. No circuito das elites governantes, havia
privilégios significativos, enquanto entre os camponeses surgiam novas catego-

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rias sociais, contribuindo para tornar ainda mais complexa a compreensão dos
desníveis característicos dos trabalhadores dessa natureza. Como já demons-
trado anteriormente, os mayeques se distinguiam dos demais camponeses por
não possuírem terras e, para sobreviver, deveriam trabalhar nas propriedades
dos burocratas astecas. Em Tenochtitlán, havia ainda os trabalhadores urbanos
vinculados quase sempre a trabalhos artesanais, como tecelões, oleiros e ourives.
Como se tratava de uma função exercida no interior da cidade, esses trabalha-
dores estavam, geralmente, desvinculados de suas comunidades de origem e se
organizavam em corporações. Na configuração social asteca, os escravos (tla-
coili) eram utilizados como servos de altos funcionários e eram tratados como
criados, não sendo incumbida a missão de lavorar nas propriedades agrícolas.
Uma sociedade multifacetada e uma hierarquia rígida. Essas eram as característi-
cas sociais dos astecas às vésperas da conquista hispânica. A presença espanhola
não apenas causou forte impacto na estrutura social dos mesoamericanos como
aproveitou essa estrutura para estabelecer as bases do processo colonizador, um
assunto que trataremos adiante.
No âmbito religioso, os astecas adoravam vários deuses oriundos de tradições
mesoamericanas ancestrais, veneravam as forças naturais e dos astros, além de
praticarem cultos familiares. Acreditavam que a origem do universo se baseava
em um casal proveniente de uma força sobrenatural, sendo ambos os respon-
sáveis pela criação de todos os seres vivos e inclusive dos deuses! Esses, por sua
vez, teriam realizado uma de suas mais importantes atitudes ao terem criado o
sol, o qual, conforme reza a lenda, foi formado por uma casualidade dos deuses.
Nanauatzin, um deles, teria se lançado em uma fogueira durante uma reunião

AS CIVILIZAÇÕES PRÉ-COLOMBIANAS DA AMÉRICA PORTUGUESA, HISPÂNICA E SAXÔNICA


27

de divindades realizada em Teotihuacán, ação que lhe rendeu a sua transforma-


ção em sol. Criou-se a ideia de que tal astro deveria se alimentar de sangue a
fim de manter o seu fluxo contínuo. Diante dessa concepção, os próprios deuses
teriam se sacrificado e ofertado o seu coração ao astro recém-nascido. A partir
desse mito, os astecas acreditavam na necessidade de uma oferta sequencial de
sacrifícios envolvendo sangue (VAINFAS, 1984, p. 27).
No panteão asteca, se destacava Huitzilopochtli, o deus sol, também con-
siderado a divindade dos guerreiros. Para estender seu manto protetor sobre a
agricultura e, sequencialmente, sobre a fertilidade e os camponeses, os astecas
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renderam culto a Tláloc, o deus da chuva. Havia, ainda, o culto a Quetzalcóatl,


serpente emplumada dos toltecas, povo ancestral dos astecas. Essa divindade
era considerada o “herói civilizador”, a quem se atribuíam os costumes, a arte
e a criação do calendário. Os astecas acreditavam no mito de que Quetzalcóatl
retornaria pelo oeste e traria o fim dos tempos e o encerramento do império do
Sol. Tal lenda coincidiu com a vinda dos conquistadores, os quais vieram pelo
oeste, fator que, como veremos na unidade II, acelerou as instabilidades da civi-
lização asteca e provocou o seu declínio.
Diferente dos astecas que estavam concentrados na Mesoamérica, os incas
localizavam-se na região andina e, embora não dispomos de estudos confiáveis
sobre a concentração demográfica em seu império, é possível, de acordo com
Vainfas (1984, p. 28), que a população estivesse estimada nos 20 milhões de habi-
tantes, dispersa pelas regiões que hoje compreendem o Equador, Bolívia, Peru,
sul da Colômbia, parte do Chile e da Argentina. Em 1530, essas áreas estavam
dominadas pelo Tahuantinsuyo, denominação também utilizada para se refe-
rir ao império inca, um dos mais centralizados da América Hispânica. Os incas
falavam a língua quíchua e se expandiram significativamente por volta de 1438,
portanto, antes da conquista espanhola, ocorrida na transição dos séculos XV ao
XVI. Apesar disso, os incas não apresentavam uma organização urbana e esta-
tal de base sólida, como pudemos observar com os astecas na Mesoamérica.
Tais condições facilitaram a unificação, promovida por Cusco, a qual se desta-
cou pela absorção de reinos, como o Tiahuanaco, Huari e Chimus. Entretanto é
inegável que a ampliação territorial, bem como a significativa centralização polí-
tica e administrativa, rendeu ao império incaico uma singularidade especial na

As Civilizações Pré-Colombianas da América Hispânica: Astecas, Incas e Maias


28 UNIDADE I

história andina.
O representante supremo e também responsável pelo governo do impé-
rio era o Inca. De acordo com a tradição, o Inca era o governante máximo das
quatro regiões do império, denominadas suyos, além de ser considerado o filho
do sol. Normalmente, as alianças políticas eram construídas por meio do casa-
mento de soberanos Incas com filhas de confederações vizinhas (FAVRE, 1987).
Apesar disso, a sucessão do poder entre os incas não estava bem determinada.
Por isso, eram comuns as disputas entre os supostos herdeiros dos tronos (filhos,
irmãos, sobrinhos etc).

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O império inca (Tahuantinsuyo) estava subdividido em quatro regiões, quais
sejam: Chinchaysuyo (terra do norte), Antisuyo (terra do leste), Contisuyo (terra
do oeste), Collasuyu (terra do sol), como podemos observar no mapa a seguir:

Mapa 02: As quatro regiões do Tahuantinsuyo (Império Inca)

AS CIVILIZAÇÕES PRÉ-COLOMBIANAS DA AMÉRICA PORTUGUESA, HISPÂNICA E SAXÔNICA


29

Fonte: a autora.

Segundo alguns pesquisadores (VAINFAS, 1984; FAVRE, 1987), essas regiões


eram governadas por parentes próximos ao Inca, os quais residiam em Cusco.
A expansão de cada uma dessas regiões dependia da quantidade de reinos ou
confederações anexadas. Tais territórios tinham como base da administração
os ayllus, os quais podem, de forma geral, ser definidos como aldeias campone-
sas compostas por famílias ligadas por laços de parentesco e gerenciadas pelos
Kuracas. Em consonância com Schwartz e Lockhart (2010, p. 60), essas comu-
nidades eram consideradas entre os incas como o “microcosmo da vida social”,
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ou seja, a representação de uma unidade local mínima que nos permite falar
em sedentarização do povo incaico. Tal organização foi de suma importância
no momento da conquista espanhola. A distribuição de vários ayllus e a forma
como estavam dispostos em aldeias locais em um imenso império facilitou a
manutenção da integridade territorial mesmo após a conquista. Os hispânicos
fizeram uso da estrutura do ayllu por este manter a unidade e se apropriaram
de sua composição para implantar os dispositivos que permitiram a concentra-
ção da influência e presença europeia.
As diferenças sociais do império podem ser mais bem compreendidas por
meio da obra “Comentarios Reales acerca de los Incas”, escrita pelo cronista
Garcilaso de la Vega e publicada em 1609. As funções próximas ao Inca, como
os burocratas, sacerdotes e guerreiros especiais, eram sustentadas pelo sobretra-
balho aldeão e formavam o topo da hierarquia. Durante o século XV, os Kuracas
(governantes dos ayllus) tiveram um reconhecimento diferenciado dos demais
aldeões e foram realocados para o grupo dos dirigentes do império (kapa). A
partir desse momento, foi atribuída aos Kuracas a função de administradores do
Inca na esfera local e regional. Semelhante aos astecas, essa camada social não
estava baseada na propriedade privada. Suas benesses, enquanto uma categoria
prestigiada socialmente, eram oriundas da coerção militar que intermediava: o
império concedia proteção aos aldeões e, em troca, realizava a redistribuição de
excedentes agrícolas em momentos de escassez de alimentos.

As Civilizações Pré-Colombianas da América Hispânica: Astecas, Incas e Maias


30 UNIDADE I

Garcilaso de la Vega era um escritor de origem inca. Nasceu em 1539, na re-


gião do atual Peru e faleceu na Espanha, em 1616. Era filho do conquistador
espanhol Sebastián Garcilaso de la Veja e da princesa inca Chimpo Ocllo,
por isso recebeu a alcunha de “O Inca”. No século XVII, lançou um projeto
historiográfico ambicioso que se baseava no passado americano, sobretudo
da região andina. Entre os seus trabalhos mais relevantes está “Comentarios
Reales acerca de los Incas”, cuja primeira parte foi publicada em Lisboa, no
ano de 1609, e a segunda, definida como “História Geral do Peru”, foi publi-
cada postumamente na Espanha (1617).
Fonte: a autora.

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A sustentação social do império era formada pelos ayllus. Considerada a orga-
nização comunitária aldeã nos Andes, os ayllus eram formados por meio da
distribuição periódica de terras entre as famílias. Essa repartição era organizada
pelo kuraca, o qual concedia áreas para o plantio de culturas de subsistência, bem
como terras para o uso comum. Na produção, destacavam-se principalmente
o milho e a batata, dentre outras variedades de tubérculos. Mesmo utilizando
técnicas rudimentares no trato com a terra e com a presença de terrenos mon-
tanhosos que dificultavam ainda mais a prática agrícola, os incas desenvolveram
habilidades para o cultivo de produtos agrícolas em terrenos extremamente incli-
nados. Uma dessas práticas foi a implantação de canais de irrigação, construídos
por meio da colaboração aldeã.
No pastoreio, os incas se destacaram na criação da lhama, importante meio
de transporte, além de abastecer a população andina com sua carne, couro e lã.
Os camponeses trabalhavam nas terras que lhe foram distribuídas e, além disso,
deveriam fornecer sua mão-de-obra ao Estado, seja prestando serviços nas ter-
ras pertencentes aos chefes reais ou aos Incas bem como contribuindo com a
construção de obras de uso coletivo. A essa oferta de serviços periódicos dava-
-se o nome de mita. Conforme ressaltou Ciro F. Cardoso (1981), a vida agrícola
dos incas estava fundamentada na ajuda mútua, não havendo outras formas de
pagamentos de impostos in natura além do trabalho. O kuraka concentrava mais
riqueza do que qualquer outro integrante do ayllu por meio desses trabalhos for-
çados (mita). Em períodos de apuros, ele deveria fazer uma repartição de seus

AS CIVILIZAÇÕES PRÉ-COLOMBIANAS DA AMÉRICA PORTUGUESA, HISPÂNICA E SAXÔNICA


31

bens. No entanto essa redistribuição era limitada, fator que confirmava a exis-
tência de um fosso social entre os homens comuns daqueles poderosos ou que
ocupavam uma posição de destaque.
Em consonância com Vainfas (1984), apesar de sua divisão em quatro grandes
províncias (Chinchaysuyo, Antisuyo, Contisuyo, Collasuyu), os incas consolidaram
um império integrado e coerente, características as quais os astecas não conse-
guiram atingir. Construíram um sistema de estradas que unia todo o território
(VAINFAS, 1984, p. 28-32). Havia o fornecimento de alguns serviços públicos,
como correios, depósitos de alimentos e armas. Implantaram um sistema de con-
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tabilidade registrado pelos quipos (cálculos com nós, feitos em cordas), por meio
do qual controlavam o pagamento de tributos e a população de cada aldeia. No
âmbito governamental, contavam com a chefia do Inca, filho do Sol e símbolo
máximo da burocracia imperial, mas essa era dependente da burocracia local,
representada pelos Kurakas regionais ou das aldeias (CARDOSO, 1981).
É importante enfatizar que os incas não se limitaram a cobrar o sobretrabalho
aldeão. Investiram no aplainamento de terrenos inclinados, típicos das regiões
montanhosas, contribuindo para a ampliação da área cultivável bem como para a
divulgação de certos produtos alimentícios em áreas onde eram pouco conheci-
dos, a exemplo do milho nas regiões mais altas e da batata na costa peruana. Esse
sistema agrícola funcionava por meio da mitmaq, ou seja, da mudança de aldeias
inteiras de uma região para a outra, muito embora alguns autores defendessem
que essa transmigração ocorria como punição para as comunidades aldeãs que
resistissem ao poder do Inca (VAINFAS, 1984, p. 30).
Ao que parece, na região andina, o objetivo era que cada ayllu tivesse um
conjunto de terras distribuídas em diversos microclimas. Em algumas áreas dos
Andes, as variações de altitudes possibilitavam a existência de áreas diferentes,
mas próximas umas das outras, cada qual com um clima propício para o cultivo
de determinados alimentos necessários para a subsistência da civilização incaica.
Como nos diz Schwartz e Lockhart (2010, p. 70), um grupo se fixava em terras
baixas, próximas ao Pacífico, “para plantar algodão, terras de altitude mediana
para o milho, terras ainda mais altas para batatas e produtos semelhantes, planal-
tos desolados para criar lhamas e alpacas e a terra úmida de encosta dos Andes
para plantar coca”. Tal sistema de integração configurou-se no que John V. Murra

As Civilizações Pré-Colombianas da América Hispânica: Astecas, Incas e Maias


32 UNIDADE I

(1978, p. 135-259) denominou de “andares ecológicos” e fazia parte da tradição


andina de rotatividade e colonização. Mesmo com a sedentarização dos povos
andinos e com a confirmação de sua territorialidade, as migrações não deixaram
de ser uma prática usual diante do enorme desafio ambiental que assumiram e
da aplicação de práticas agrícolas em áreas tão íngremes.
Segundo Vainfas (1984, p. 30-31), em princípios do século XVI, às véspe-
ras da conquista espanhola, a composição da sociedade incaica se tornou ainda
mais complexa. Isso porque surgiram grupos ligados por relações pessoais de
servidão, nos quais se incluíam indivíduos desligados das relações entre a buro-

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cracia incaica (Kuraka, Inca etc) e camponeses aldeãos, além de artesãos. Entre
esses grupos, estavam, por exemplo, os yanacona, reduzidos a “servos hereditá-
rios” da nobreza inca e, ainda, as “virgens do Sol” (aclla) formadas por tecelagens
ligadas aos nobres e ao Inca. Não obstante, a essência da estrutura da civilização
incaica continuava fundamentada nos tributos firmados entre o Estado e os ayllus,
baseada no uso coletivo da terra e no aproveitamento de seus recursos naturais.
As regiões dominadas pelos incas tiveram de deixar de cultuar deuses locais
para render culto ao Sol (Inti), considerado o deus soberano. Enquanto os aste-
cas buscavam expandir o poder de atuação de Teotihuacán e se consideravam
legítimos herdeiros dele e, consequentemente, das áreas dominadas, os incas,
de modo distinto, eram vistos pelos povos subordinados como organizadores
do caos mundano. No testemunho de Garcilaso de la Vega, há indícios dessa
“missão” supostamente designada aos incas: “Nosso pai, Inti, ordena-nos que
fiquemos neste vale e aqui nos estabeleçamos e reinemos”. Nesse trecho, o cro-
nista transmite as palavras de Manco Capac, o primeiro inca, simbolizando a
tarefa do chefe Inca, filho do Sol, em levar a civilização para áreas distantes de
seus domínios. Como relata Vainfas (1984, p. 31), alguns estudiosos acreditam
que Viracocha seria a divindade incaica de maior projeção e lhe concediam a
função de criar os elementos da natureza, como a terra, o céu e, inclusive, o Sol.

AS CIVILIZAÇÕES PRÉ-COLOMBIANAS DA AMÉRICA PORTUGUESA, HISPÂNICA E SAXÔNICA


33

“Pues soy indio, que en esta historia yo escriba como indio con las mismas
letras que aquellas tales dicciones se deben escribir.”
Fonte: Vega (1609, p. 17).

A sobreposição do culto ao Sol em relação às divindades locais não eliminou o


antigo hábito de cultuá-las. Os wakas ou huacas eram considerados uma força
sobrenatural capaz de encarnar em um determinado objeto ou local. Sua adora-
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ção continuou frequente e era, normalmente, realizada em locais considerados


sagrados, como grutas, riachos, pedras, dentre outros. Os incas não viam essas
divindades como concorrentes ao culto solar, muito pelo contrário, de forma geral,
aceitaram a continuação dessas práticas em relação aos wakas a ponto de leva-
rem objetos que representassem essas crenças ancestrais para Cusco, centro do
império. Tal prática era compreendida como uma submissão dessas divindades
locais ao deus Sol. Toda essa organização fez com que as crenças dos antepassa-
dos, cultivadas desde antes da dominação incaica, não se perdessem no tempo,
de modo que a sua força marcasse presença mesmo após a conquista hispânica,
a ponto de se constituir como uma das formas de resistência cultural à coloni-
zação espanhola.
Os maias, por sua vez, era um povo pré-colombiano que habitou as regiões
do atual sul do México, Guatemala, leste de Honduras, El Salvador, Belize e nor-
deste da Nicarágua. Algumas partes do território pertencente a esse povo viveram
seu período áureo o século VII até aproximadamente o ano 1000. Alguns auto-
res, como Paul Gendrop (2005), por exemplo, defendem a ideia de que quando
os espanhóis vieram para a América encontraram apenas vestígios dessa grande
civilização, a qual teria finalizado o seu apogeu no século IX. Muitos arqueólo-
gos corroboram com essa ideia, pois acreditam que, no século XVI, momento da
vinda de espanhóis para a América, os resquícios dos maias eram representados
por singelos agricultores ligados por rituais religiosos ancestrais. Enquanto os
maias entravam em decadência, por volta do século XII, os astecas, localizados
mais ao norte do atual México (conferir o mapa 03), começavam a despontar
como uma rica e promissora civilização.

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Mapa 03: Localização aproximada das altas civilizações pré-colombianas da América Hispânica
Fonte: a autora.

A unidade entre os maias nem sempre foi a sua característica principal. Eles, por
exemplo, não estavam unidos por um único idioma, tanto que os atuais remanes-
centes dos maias são identificados por falarem seis dialetos principais, os quais,
às vezes, são similares entre si, mas, em muitos casos, apresentam variações sig-
nificativas. Entre os seus registros, merecem destaque as inscrições estampadas
nas paredes de templos e palácios. Boa parte de tais textos já foi decifrada e des-
tacam, geralmente, a história das dinastias maias, as guerras e incursões contra
as cidades rivais, bem como o sacrifício de inimigos como forma de agradeci-
mento aos deuses.
As cidades maias eram consideravelmente grandes para a época, com algu-
mas abrigando até 50 mil habitantes. Mesmo sendo consideradas independentes,
algumas delas lideravam federações que tinham poder sobre vastos territórios.
Dentre as cidades de maior destaque, estavam Palenque, Tikal e Copán. Apesar
disso, havia diferenças sociais: os mais abastados residiam em palácios e tem-
plos construídos com pedras, enquanto os menos favorecidos moravam em
cabanas de madeira.
A base da economia maia era a agricultura, principalmente o milho, que era
considerado um alimento sagrado. Na prática agrícola, utilizavam instrumentos

AS CIVILIZAÇÕES PRÉ-COLOMBIANAS DA AMÉRICA PORTUGUESA, HISPÂNICA E SAXÔNICA


35

rústicos, sobretudo a queimada para limpar o terreno e torná-lo próprio para


o cultivo.
Grande parte da população era composta de trabalhadores agrícolas, deno-
minados de mazehualob. Em termos políticos, a sociedade maia era representada
por um monarca, o qual contava com vários auxiliares nas funções administra-
tivas, militares e religiosas. Tal monarquia tinha caráter hereditário e possuía
forte apelo religioso.
Os maias acreditavam que a vida era gerida por deuses, os quais eram cul-
tuados em templos suntuosos. O pouco que se sabe sobre a religião maia é que
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esse povo acreditava que a maior parte dos deuses estava representada por ele-
mentos naturais, a exemplo do vento, da chuva ou do sol. Apesar disso, rendiam
culto a Hunab, considerado o deus criador do mundo.
De forma geral, os maias se destacaram ao desenvolverem avanços signi-
ficativos em cálculos matemáticos e observações astronômicas. Já sabiam, por
exemplo, o conceito do número zero, compreendido pelos europeus apenas
mais tarde. Além disso, organizaram o tempo por meio de um calendário com-
posto por 260 dias, orquestrados segundo os complexos movimentos de astros.
Na arquitetura, construíram obras monumentais e elaboradas, a exemplo de
cerca de 600 pirâmides edificadas na cidade de Teotihuacán. Em Tikal, outra
cidade maia, foi erigido um templo de mais de 70 metros, considerado o maior
da América pré-colombiana.
Mediante o que foi analisado até aqui, você deve ter notado que astecas e
incas protagonizaram as cenas dos mais significativos e sólidos impérios pré-co-
lombianos. Em ambos, a centralização político-administrativa é surpreendente.
Entretanto, entre os astecas, havia uma maior autonomia das cidades pertencen-
tes à confederação, fator que impossibilitou a unificação total da Mesoamérica. A
preocupação principal residia em cobrar tributos em gêneros das cidades, além
de fomentar o comércio a longas distâncias, fatores que deram certo prestígio à
propriedade privada e atenderam aos anseios dos grupos dirigentes. Muito pro-
vavelmente as exigências em relação ao trabalho foram menos intensas do que
no caso inca, o que facilitou a relativa liberdade das cidades que formavam a con-
federação asteca. De modo distinto, o império inca vivenciou a intensa presença
governamental a partir de Cusco. Essa característica facilitou ao poder central

As Civilizações Pré-Colombianas da América Hispânica: Astecas, Incas e Maias


36 UNIDADE I

expandir o trabalho coletivo sobre as comunidades aldeãs existentes em seu


território de atuação, além de restringir o comércio em prol das práticas de redis-
tribuição e, consequentemente, obstruir a formação de propriedades particulares.
O culto ao sol era algo recorrente em ambas as civilizações e era represen-
tado por divindades, o que realçava ainda mais o poder atribuído a esse astro.
Entre os astecas, Huitzilopochtli alimentava a sede pela guerra em nome de novas
conquistas e do triunfo desse povo em relação às demais cidades da confede-
ração. No império inca, Inti era a sustentação do poder e base da autoridade e
integração política. Ainda assim, é possível verificar a presença de tradições ances-

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trais entre as duas civilizações. Na Mesoamérica, havia a lenda de Quetzalcóatl,
enquanto que, nos Andes, reinava a figura mitológica de Viracocha. Em ambos,
havia a relação profunda do homem em sintonia com a natureza, algo distante
da pregação corpo/alma implantada pelo cristianismo no período da conquista.

OS POVOS AMERÍNDIOS DA AMÉRICA SAXÔNICA

Os povos pré-colombianos da América Saxônica (região compreendida onde,


hoje, se localizam o Canadá e os Estados Unidos) também se destacaram por sua
imensa diversidade cultural. Tal variedade se sobressai no âmbito da arte, da con-
fecção de instrumentos e utensílios, da religiosidade e dos padrões de alimentação.
Essa multiplicidade ganhou conotação em períodos consideravelmente adja-
centes, pois, de acordo com Cardoso (1981), durante os anos de 8.000 e 5.000 a.
C., momento em que as geleiras retrocederam para o extremo norte da América,
a região era ocupada tão somente por esquimós. Tais grupos residiam em uma
área que se estendia do Alasca à Groenlândia. A sua subsistência era feita por
meio da caça e pesca. Utilizavam como vestimenta materiais como o couro e a
pele, os quais ajudavam a suportar as baixas temperaturas a que eram expostos.
Residiam em habitações chamadas iglus e no campo religioso eram adeptos do
animismo.

AS CIVILIZAÇÕES PRÉ-COLOMBIANAS DA AMÉRICA PORTUGUESA, HISPÂNICA E SAXÔNICA


37

De forma geral, considera-se animismo toda a manifestação religiosa que


atribui aos elementos dos cosmos (sol, lua, estrelas), a determinados seres
vivos (como os animais, as árvores e as plantas) e aos fenômenos naturais (a
exemplo da chuva, do dia e da noite) uma causa primária de característica
vital e pessoal, chamada de “anima”. Esta, por sua vez, simboliza a energia
que movimenta o cosmos, o qual, em uma visão antropológica, significa es-
pírito e, na teocêntrica, é associado à alma.
Fonte: a autora.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Durante os séculos XVI e XVII, momento em que os europeus colonizaram de


forma mais sistemática a América, houve ampla utilização do cavalo e de armas
de fogo, fator esse que contribuiu para a modificação das formas de subsistência
dos índios que habitavam a região das pradarias localizadas na Grande Planície
da América do Norte. Alguns povos nativos, a exemplo dos sioux, consumiam
a carne do búfalo, capturado geralmente por meio da caça, além de cultivarem
alguns alimentos, como o feijão, o milho e a abóbora.
A vegetação também sofreu alterações consideráveis. Em alguns locais,
os campos deram lugar às florestas, ao passo que certas regiões bem irrigadas
deram lugar a terrenos semidesérticos. O processo de sedentarização ganhou
força com a exploração de moluscos no litoral e o recolhimento de sementes em
locais semiáridos, atividades essas que se somaram com as já existentes (caça e
coletas primitivas). O trabalho mais cuidadoso na confecção de instrumentos
de pedra permitiu o aperfeiçoamento dessas ferramentas bem como a adoção
do método de polimento.
Nas regiões cobertas por florestas, predominava a caça e a coleta. Era comum
o consumo de carne de animais silvestres, a exemplo do veado e do coelho. O
recolhimento da abóbora, do milho selvagem, dentre outros, era uma prática
adotada na alimentação de povos nativos que habitavam essas áreas. Residentes
nas florestas Orientais da América do Norte (atual Península do Labrador e
Rio São Francisco), os iroqueses era um desses grupos da floresta. Suas vesti-
mentas eram confeccionadas com tecidos a base de lã, moravam em casas de
madeira localizadas em aldeias fortificadas, viviam da agricultura, da caça e da
pesca e, no âmbito religioso, combinavam o animismo com práticas politeístas.

Os Povos Ameríndios da América Saxônica


38 UNIDADE I

Migraram para os Apalaches até chegarem ao litoral, onde praticavam a caça, a


pesca e a horticultura.
A irrigação, por sua vez, foi o elemento primordial para a difusão da agri-
cultura e indicou um perfilhamento mais complexo da organização social, como
dos pueblos, grupo que habitava a região dos rios Colorado e Grande. Residiam
em cavernas rochosas e em habitações semissubterrâneas, apoiadas por adobe
ou pedra. De forma geral, tais abrigos possuíam um formato semicircular, em
cujo centro havia uma praça na qual eram realizadas as cerimônias religiosas.
Utilizavam técnicas de irrigação no cultivo do milho, além de confeccionarem a

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
cerâmica e o tecido de algodão. Os navarros, assim como os pueblos, se fixaram
nas regiões desérticas do Texas e da Califórnia. Praticavam a caça e a agricul-
tura, além de confeccionarem vestimentas de couro e tecido de lã. Os navarros
construíam suas cabanas com barro e, no âmbito religioso, comungavam do ani-
mismo e do politeísmo.
Em consonância com Betty J. Maggers (1985), havia pelo menos três mode-
los diferentes de habitat na América Saxônica, quais sejam: a floresta, o deserto
e as grandes planícies. Apesar da distinção da oferta de recursos para a sobre-
vivência nesses ambientes, é imperativo reconhecer que em todos eles existe
uma multiplicidade notável de alimentos, compostos por animais selvagens e
plantas, além de proporcionar condições para o desenvolvimento da agricultura
intensiva. Segundo Meggers (1985), nos três tipos de habitats existem pressões
adaptativas que convergem no surgimento de configurações culturais, nas quais
o desenvolvimento histórico e atributos gerais são especialmente similares. A
exploração da potencialidade de cada um dos tipos ambientais está relacionada
aos vínculos estabelecidos com as áreas centrais, locais de onde vieram plantas
que se adaptaram aos mais diversos climas. Também são provenientes dessas
regiões algumas práticas e fundamentos religiosos bem como os mais diversos
traços culturais adotados.
As regiões de floresta na América Saxônica, localizadas no leste dos Estados
Unidos e Canadá, abrigavam dois dos principais sistemas fluviais do hemisfério.
Em tais zonas florestais, era comum a ocorrência de enchentes, as quais alagavam
as terras mais baixas. Quando a inundação recuava, deixava para trás lagos rasos,
algo que facilitou o encalhamento de peixes e a formação de pântanos. Havia a

AS CIVILIZAÇÕES PRÉ-COLOMBIANAS DA AMÉRICA PORTUGUESA, HISPÂNICA E SAXÔNICA


39

predominância do clima temperado, caracterizado por invernos frios e verões


quentes. Nesse ambiente, o solo era drenado e produtivo, não sendo necessária a
utilização da irrigação. Nas florestas orientais, houve uma adaptação significativa
à alimentação selvagem, fator que reforçou a segurança de grupos nativos depen-
dentes do cultivo agrícola. Há cerca de 10 mil a. C., a sobrevivência era garantida,
sobretudo, com o cultivo do milho, da abóbora e do feijão. Além disso, as popu-
lações nativas já faziam uso de uma estrutura urbanizada embrionária e de uma
política centralizada, fatores que evidenciavam uma clara organização social,
muito provavelmente com a execução de práticas religiosas. Exemplo disso são
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

os funerais: em cadáveres supostamente pertencentes a grupos abastados foram


encontrados ornamentos de luxo, ao passo que, em outros, provavelmente per-
tencentes a grupos comuns, não há indícios de objetos dessa natureza.
Nesse universo, a difusão da cultura mississipiana representava o desba-
ratamento de um grupo cujas técnicas agrícolas eram consideradas superiores
a de outras populações que habitavam as zonas florestais. De forma geral, nas
florestas, a caça e a coleta eram práticas dominantes, principalmente com o
consumo de carne de veado e coelho, a fartura de milho e abóboras selvagens.
Dentre os grupos florestais, podemos destacar os iroqueses, os quais se fixaram
nos Apalaches e região litorânea após se deslocarem de sua região de origem, ao
oeste do Mississipi. Em suas terras, cultivavam práticas rudimentares de horti-
cultura, a pesca e a caça.
As regiões de desertos da América Saxônica apresentavam uma variedade
considerável de áreas ecológicas, o que motivou o surgimento de uma multipli-
cidade de culturas. Os mongollon, por exemplo, residiam nas encostas e vales
localizados a mais de 2.000 metros de altura. Onde atualmente se encontram os
estados de Utah, Arizona, Novo México e Colorado era o habitat natural dos ana-
sazi. Os honokam, por sua vez, ocuparam o deserto do sul do Arizona e Novo
México. É notável que o processo de sedentarização tenha ocorrido por volta de
500 a. C., por meio do cultivo agrícola, mediante a irrigação. As concentrações
populacionais somente se sedimentaram em razão desses avanços na tecnolo-
gia agrícola. Outras inovações incrementaram esse refinamento tecnológico,
tais como a edificação de barragens de retenção, as quais canalizavam a água
da chuva e dos rios para serem aproveitadas no processo de irrigação. Segundo

Os Povos Ameríndios da América Saxônica


40 UNIDADE I

alguns arqueólogos, esses indícios simbolizam a existência de uma organização


sócio-política estratificada. Apesar da influência das altas culturas mesoameri-
canas, pode-se dizer que os grupos que habitavam as regiões dos rios Colorado
e Grande desenvolveram uma sociedade e cultura próprias. Residiam em locais
apoiados sobre rochas e em abrigos semissubterrâneos sustentados por cons-
truções de adobe e pedra. Era comum a existência de uma praça central, local
onde se realizavam os cultos religiosos. Além de cultivarem o milho de forma
intensiva, tais populações também confeccionavam tecidos, algodão e utiliza-
vam o sistema de irrigação.

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Sobre o tipo ambiental das Grandes Planícies, o pouco que se sabe é que,
neste período, o padrão de vida foi nômade, dada a existência de grupos caçado-
res e coletores. Com a introdução da cerâmica nas florestas do leste, aumentou
consideravelmente a quantidade de registros, fator que permitiu detalhar as for-
mas como esses grupos viviam. Dessa forma, os pesquisadores concluíram que a
caça e a pesca enriqueceram a alimentação desses povos, aliados à coleta de raí-
zes, sementes, amoras e frutos silvestres. Por volta de mil anos atrás, houve uma
mudança significativa, o que provavelmente resultou na formação da cultura mis-
sissipiana. Aldeias compostas por cabanas de terra multiplicaram-se, indicando
traços de uma comunidade mais sedentária, alicerçada no cultivo de feijão, milho
e abóbora em vales próximos. A concentração populacional em áreas específicas
ficou mais evidente há 15 mil anos atrás, quando algumas aldeias visivelmente
maiores cresceram, enquanto as aldeias menores desapareceram. Muito prova-
velmente, a intensificação da agricultura foi fator pujante para esse fenômeno.
Antes de conhecerem o cavalo, as caças eram realizadas em regiões circunvizi-
nhas e limitadas. Por esse motivo, os acampamentos eram mudados com certa
frequência, no intuito de manter o acesso à caça.
Anteriormente a vinda dos colonizadores, as caças eram realizadas com

AS CIVILIZAÇÕES PRÉ-COLOMBIANAS DA AMÉRICA PORTUGUESA, HISPÂNICA E SAXÔNICA


41

instrumentos rústicos, a exemplo das pontas de projétil. Entretanto, nos séculos


XVI e XVII, os europeus introduziram as armas de fogo e os cavalos, fatores que
facilitaram a subsistência dos índios. Além de caçarem animais como os búfalos,
esses grupos nativos se dedicavam ao plantio de abóbora, do milho e feijão. No
século XIX, doenças europeias atingiram fatalmente essas populações e devas-
taram comunidades inteiras do oeste e norte da América Saxônica.
Pelo o que você aprendeu anteriormente, pode notar que os diversos povos
que habitavam a América Saxônica eram semelhantes em seus modos de vida,
apesar de se localizarem, muitas vezes, em tipos ambientais distintos (florestas,
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

desertos e grandes planícies). As atividades mais recorrentes e executadas pela


maioria dos grupos que habitavam essa região eram a agricultura, com o cultivo
de milho principalmente, além da utilização da caça e pesca bem como a coleta
de sementes para a manutenção das aldeias.
Muito embora tais grupos não tenham se estruturado de forma tão com-
plexa quanto às altas culturas que se desenvolveram na Mesoamérica e região
andina, compartilhavam entre si uma organização sociopolítica e religiosa pare-
cida. Partilharam mudanças significativas, como a assimilação de técnicas, a
exemplo do uso de irrigação, que favoreceram e aperfeiçoaram a agricultura.
Com o que você conheceu até aqui, pode-se afirmar que cada cultura vivenciou
momentos de adaptação a um meio ambiente específico e com um pensamento
próprio. De todas essas transformações, podemos compreender que as trocas
culturais resultantes do contato entre os grupos sejam por meios amistosos ou
das conquistas de um povo por outro, significam que tradições sociais distintas
podem-se desdobrar em uma cultura mista, na qual possivelmente coexistem
princípios das antigas e novas sociedades.

Os Povos Ameríndios da América Saxônica


42 UNIDADE I

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na primeira unidade, conhecemos os povos pré-colombianos da América


Portuguesa, Hispânica e Saxônica, os quais talvez você já tenha ouvido falar ou
conhecido em sua formação. É importante lembrá-lo(a) que os conteúdos que
vimos não tem como finalidade apenas a confecção de trabalhos acadêmicos,
visto que em vários momentos do nosso cotidiano nos deparamos com notí-
cias relacionadas a remanescentes desses povos ou a descobertas científicas,
mediante as quais se torna necessário analisá-las sobre um viés crítico baseado

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
em um conhecimento de causa.
Na realidade, os seres humanos sempre dependeram, em maior ou menor
grau, das organizações para a sua sobrevivência. Conforme analisamos ao longo
dessa unidade, as estruturas dos povos pré-colombianos variavam de acordo
com o tempo e espaço, adquirindo um nível de complexidade maior em algu-
mas regiões da América Hispânica. Nas demais regiões (América Portuguesa e
Saxônica), a convivência de diversos grupos nativos, cada qual com seus hábi-
tos, cultura e liderança, revelou um caráter descentralizado e, de certa forma,
independente de relações hierárquicas.
Evidentemente, os grupos humanos que compunham a América pré-colom-
biana eram múltiplos e cada qual possuía características próprias. De forma geral,
podemos dizer que, durante o processo de conquista e colonização, os europeus
concentraram suas ações de forma desproporcional e em áreas cuja população
nativa estava praticamente sedentarizada. Os povos semissedentários desperta-
ram um interesse secundário, sendo que a tentativa de negociação com grupos
móveis foi realizada apenas em últimos casos. Por isso, as terras ocupadas por
povos sedentários, em razão de toda a sua estrutura complexa e organizacional,
se constituíram em um terreno fértil para o crescimento da sociedade americana
no século XVI, momento de conquista e colonização dessas áreas.

AS CIVILIZAÇÕES PRÉ-COLOMBIANAS DA AMÉRICA PORTUGUESA, HISPÂNICA E SAXÔNICA


43

A UNIDADE DAS ALTAS CULTURAS PRÉ-COLOMBIANAS


Entendemos por Altas Culturas Pré-colombianas as civilizações americanas localizadas
no México atual, na região norte da América Central e na faixa que se estende desde a
Colômbia até o Chile, acompanhando a orla marítima do Oceano Pacífico.
Um observador atento poderá perceber de imediato que as regiões acima assinaladas
como Altas Culturas, compreendendo respectivamente a Confederação Asteca, as Cida-
des-Estado maias e o Império Inca, são zonas onde hoje impera o “subdesenvolvimento”,
enquanto a América de língua inglesa, localizada fora desse mapa, parece ter-se “desen-
volvido”. Por que o norte se desenvolveu e o sul se subdesenvolveu? Por que as regiões
outrora “ricas” são hoje as mais pobres? Ou, por que as regiões antes mais “pobres” são
hoje as mais poderosas economicamente?
A ideologia colonialista resolveu aparentemente o problema, remetendo-o ao estigma
da inferioridade racial do índio americano e do negro escravo, à miscigenação racial,
aos impedimentos geográficos e a outras teorias mais ou menos exóticas. Essas teorias
têm em comum a premissa de que o continente americano necessitou da presença do
branco europeu para penetrar na história dos povos civilizados, e afirmam que quanto
mais nos aproximamos desse modelo capitalista mais seremos “felizes”. Como os colo-
nos ingleses construíram na América do Norte uma sociedade “à imagem e semelhança”
da europeia, seu desenvolvimento foi muito mais rápido do que o das regiões da Con-
federação Asteca, das Cidades-Estado maias e do Império Inca, reafirmam tais teorias.
Essa explicação leva a um raciocínio formal assustador: se no passado os povos america-
nos não foram capazes de se desenvolverem sem a tutela dos europeus, hoje, continu-
am precisando da tutela dos mais desenvolvidos para mostrarem o caminho da supera-
ção do subdesenvolvimento.
Mas a ciência moderna tem sido incapaz de provar efetivamente a suposta inferioridade
americana, ou ainda de demonstrar que o fator geográfico é determinante para o desen-
volvimento econômico. Não podemos aceitar a existência de povos inferiores ou povos
sem história (nós, latino-americanos) e povos com história (as sociedades capitalistas
avançadas). Esse dualismo é artificioso e não explica a realidade.
A história tem demonstrado que o desenvolvimento de uns está condicionado ao sub-
desenvolvimento de outros (...).
Está claro para a história que todos os povos são potencialmente iguais, mas não bas-
ta dizer simplesmente isso. Para abandonar explicações metafísicas, devemos inserir os
povos nas estruturas socioeconômicas, no terreno das particularidades regionais, nas
diferentes formas de desenvolvimento, nas formações sociais.
Fonte: PEREGALLI, E. A unidade das altas culturas Pré-Colombianas. In: PINSKY, J. et al.
História da América através de textos. 11. ed. São Paulo: Contexto, 2013, p. 9-11.
1. Em 1500, quando os portugueses chegaram à América, havia uma imensidão
de povos nativos, alguns dos quais testemunharam a vinda dos lusitanos e esta-
beleceram os primeiros contatos com eles. De forma especial, o litoral de onde,
hoje, se encontra o Brasil era ocupado por “povos semissedentários”, os quais
sobreviviam da caça, da coleta, da pesca e da agricultura. Faça uma reflexão
desse tema e assinale a alternativa correta sobre os povos pré-colombianos
que habitavam a América Portuguesa:
a) Os únicos povos indígenas à época da chegada dos europeus eram os Tupis-
-Guaranis.
b) Quando chegaram à América, os portugueses se depararam com os Tupis, ocu-
pando quase que integralmente a região próxima à Linha do Equador, sobretu-
do a área compreendida entre os atuais estados de Amazonas, Roraima, Pará e
Amapá.
c) Além dos Tupis e dos Guaranis, havia outros povos, dentre os quais podemos
destacar, os Jê, Karib, Pano, Tukano e Aruák, situados no interior da América Por-
tuguesa.
d) Os Tapuias acreditavam que os povos que não falavam sua língua (os Tupis) eram
considerados “bárbaros”.
e) Entre os Tupis, a hierarquia era o centro da vida tribal e as atividades estavam,
geralmente, articuladas de acordo com a classe social que ocupavam.
2. Os maias estavam organizados de forma descentralizada, dividindo o poder polí-
tico entre várias cidades-estados. Além disso, são lembrados por diversas inova-
ções consideradas avançadas para a época. Sobre os maias, é correto afirmar
que:
a) Era um povo pré-colombiano que habitou as regiões desérticas da América
Saxônica.
b) Assim como os astecas e os incas, a unidade foi a característica principal dos
maias.
c) Segundo informações recentes, fornecidas por arqueólogos, o topo da hierar-
quia da sociedade maia era ocupado por grupos de sacerdotes pacifistas e ob-
servadores de astros, sustentados por camponeses.
d) A organização militar era feita de acordo com a necessidade e por meio de recru-
tamentos. Os armamentos utilizados eram sofisticados para a época, compostos
por canhões e armas de fogo.
e) Destacaram-se nos cálculos matemáticos e em observações astronômicas. Além
disso, já sabiam o conceito do número zero, organizaram o tempo por meio de
um calendário e construíram obras monumentais e elaboradas.
45

3. Os povos pré-colombianos da América Saxônica (região compreendida onde,


hoje, se localizam o Canadá e os Estados Unidos) se destacaram por sua imensa
diversidade cultural. Tal variedade se sobressai no âmbito da arte, da confecção
de instrumentos e utensílios, da religiosidade e dos padrões de alimentação.
Sendo assim, analise as afirmações abaixo e assinale V para as opções verdadei-
ras e F para as falsas:
( ) Grande parte desses povos eram adeptos do animismo.
( ) Nas regiões cobertas por florestas, predominava a caça e a coleta. A irrigação,
entretanto, foi o elemento principal para a difusão da agricultura.
( ) Entre os principais povos nativos que ocupavam a América Saxônica, podemos
destacar: os Sioux, os Iroqueses, os Navarros, os Pueblos, os Mongollon, os Incas, os
Anasazi e os Honokam.
( ) A pesquisadora Betty J. Maggers (1985) classificou os povos pré-colombianos da
América Saxônica de acordo com os seus habitats, quais sejam: a floresta, o deserto
e as grandes planícies.
( ) As atividades mais recorrentes entre esses grupos eram a agricultura, a caça, a
pesca e a coleta de sementes para a manutenção das aldeias.
A sequência correta é:
a) V, V, V, F e V.
b) V, V, F, F e V.
c) V, V, F, V e V.
d) F, V, F, V e V.
e) V, V, V, F e F.
4. É correto afirmar que os Tupis-Guaranis exploravam o mesmo pedaço de terra
por muitos anos? Analise e confronte as atitudes dos nativos no cultivo da terra
com os seus hábitos de moradia.
5. Os astecas possuíam uma organização social vinculada pela posição política e
econômica, mas que ao mesmo tempo se caracterizou por sua complexidade.
Diante disso, explique por que, às vésperas da conquista hispânica, a sociedade
asteca era considerada multifacetada e com uma hierarquia rígida.
6. A sustentação social do império inca era formada pelos ayllus, considerada a or-
ganização comunitária aldeã nos Andes. Assim sendo, reflita: por que, entre os
incas, os ayllus eram considerados o “microcosmo da vida social”?
MATERIAL COMPLEMENTAR

Título: História dos índios no Brasil


Autor: Manuela Carneiro da Cunha (organizadora)
Editora: Companhia das Letras
Sinopse: A obra reúne 27 pesquisadores que atuam nas mais distintas
áreas, como Antropologia, História, Linguística e Arqueologia. Trata-se
de um esforço para divulgar os mais recentes conhecimentos sobre
a história dos índios, com ênfase para a população indígena da
Amazônia. Oferece, ainda, informações vinculadas à presença de
povos indígenas no Brasil, a exemplo das novas teorias relacionadas
à origem do homem americano.

Título: A conquista da América Latina vista pelos índios: relatos


astecas, maias e incas
Autor: Miguel León-Portilla
Editora: Vozes
Sinopse: Trata-se de um clássico da historiografia sobre o assunto.
A obra privilegia o ponto de vista dos povos pré-colombianos da
América Hispânica, que foram conquistados e dizimados pelos
europeus.

Título: Enterrem meu coração na curva do rio


Autor: Dee Brown
Editora: L&PM Editores
Sinopse: Trata-se de um clássico dos anos de 1970 que chocou
a opinião pública nos Estados Unidos. A obra relata de forma
sistemática a destruição dos índios na América do Norte. O
autor fez uma pesquisa minuciosa e utilizou autobiografias,
depoimentos, documentos oficiais e descrições para
fundamentar a sua pesquisa.
MATERIAL COMPLEMENTAR

Título: Aguirre, a cólera dos deuses


Ano: 1972
Sinopse: O filme relata a busca desenfreada de ouro por uma
expedição espanhola no século XVI. A história se passa na região
andina e mostra as dificuldades em enfrentar a floresta e como os
europeus eram vulneráveis a ela.
Comentário: Trata-se de um filme importante para compreender a saga
dos primeiros conquistadores espanhóis desejosos por encontrar ouro
em terras americanas.

Título: A conquista do paraíso


Ano: 1992
Sinopse: O filme retrata vinte anos da vida de Colombo,
perpassando as suas pesquisas que constataram que o mundo era
redondo bem como a sua luta para conseguir convencer a Coroa
Espanhola a financiar a sua expedição para a América. Além disso,
é retratado o encontro de Colombo e seus acompanhantes com
os nativos do Novo Mundo, sua luta pela colonização, até encerrar
com sua decadência e velhice.

No documentário indicado a seguir, o líder indígena Ailton Krenak apresenta como


vivem e pensam os índios de nove grupos dispersos pelo território brasileiro. Vale a
pena assistir!
Índios do Brasil: quem são eles?
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=QQA9wuGgZjI>. Acesso em: 28
set. 2015.

Material Complementar
Professora Dra. Verônica Karina Ipólito

II
O PERÍODO COLONIAL NA

UNIDADE
AMÉRICA HISPÂNICA E
SAXÔNICA

Objetivos de Aprendizagem
■■ Compreender as relações e conflitos culturais entre Espanha e
América durante o Período Colonial.
■■ Conhecer a forma de organização econômica, política e social
durante o período de colonização da América Hispânica.
■■ Analisar a configuração da economia, do governo e da sociedade
durante a colonização da América Saxônica.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ O conflito de culturas entre Espanha e América durante o Período
Colonial
■■ A colonização da América Hispânica: economia, governo e sociedade
■■ A colonização da América Inglesa: economia, governo e sociedade
51

INTRODUÇÃO

A segunda unidade do livro apresenta a conquista e colonização da América


Hispânica e Inglesa. Você irá notar que não houve a intenção de abordar minu-
ciosamente os detalhes de tais processos em razão da quantidade limitada de
páginas. No entanto houve um esforço para concentrar informações, bem como
um debate historiográfico e indicações de leitura, filmes e materiais diversos
sobre esse assunto.
O primeiro objetivo é conduzi-lo(a) a refletir sobre as versões da conquista e
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

colonização da América Espanhola, seja na produção especializada mais recente


ou por meio da utilização de documentos de época. Em seguida, será apresen-
tada a estrutura socioeconômica e política da América Hispânica, recorrendo-se,
para isso, a uma abordagem voltada para as diferentes formas de relações de tra-
balho desenvolvidas entre espanhóis e nativos. Posteriormente, analisaremos
a estrutura socioeconômica e política da América Inglesa. O objetivo é com-
preender as diferenças desses modelos de colonização: de um lado, a América
Hispânica estava amarrada à burocracia da Coroa; por outro lado, a coloni-
zação da América Inglesa foi um trabalho articulado por particulares e pelas
Companhias de Comércio, quase não havendo participação da Coroa. Acredito
que, se você compreender o sistema de colonização da América Espanhola e
Inglesa, poderá acompanhar melhor as outras unidades, cujas temáticas estão
voltadas às crises do sistema colonial e aos movimentos de emancipação polí-
tica de suas metrópoles.
O objetivo dos temas trabalhados nesta unidade é conduzi-lo(a) a uma melhor
compreensão sobre o período colonial na América Hispânica e Saxônica, muito
embora seja imprescindível a pesquisa e leitura sobre o conteúdo proposto, bem
como o acesso ao material. Espero que a viagem sobre esse conteúdo seja enri-
quecedora e prazerosa!
Vamos lá?!
Uma excelente leitura a você!

Introdução
52 UNIDADE II

O PERÍODO COLONIAL NA AMÉRICA HISPÂNICA E SAXÔNICA

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
©Wikimedia Commons

Figura 02: Quetzalcoatl, divindade das culturas mesoamericanas

O CONFLITO DE CULTURAS ENTRE ESPANHA E


AMÉRICA DURANTE O PERÍODO COLONIAL

Você sabia que antes de iniciarmos o período colonial na América Hispânica e


Saxônica tivemos, na maior parte dos casos, um processo de conquista de deter-
minados povos? Entretanto é importante lembrar que os colonizadores europeus
traziam em sua bagagem anseios que faziam parte do contexto de expansão terri-
torial vigente na Europa dos séculos XIV, XV e XVI. Em suma, podemos dizer que
conquista e colonização eram fenômenos que se completavam, pois, na medida
em que os europeus iam conquistando determinada região, já eram implanta-
das ou reaproveitadas as bases para a materialização do sistema colonizador.

O PERÍODO COLONIAL NA AMÉRICA HISPÂNICA E SAXÔNICA


53

Para compreendermos o processo de conquista e colonização da América


Hispânica, devemos refletir, inicialmente, sobre o que John H. Elliot (1998, p.
135) chamou de “antecedentes”. O sentido da colonização e conquista da América
Espanhola em fins do século XV pode ser visto como sinônimo de expansão da
fé, tal como ressaltou Francisco López de Gómara, um dos primeiros relatores
da conquista, ao afirmar que: “sem colonização não há uma boa conquista e se
a terra não é conquistada, as pessoas não serão convertidas. Portanto, o lema do
colonizador deve ser colonizar” (apud ELLIOT, 1998, p. 135).
O sentido da colonização também pode estar vinculado à obtenção de riquezas
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

materiais, como deixou claro Hernán Cortés, conquistador dos astecas, quando
canonizou sua ambição revelada na frase: “nós, espanhóis, sofremos de uma
doença do coração cujo remédio específico consiste no ouro”. Diante dessa mul-
tiplicidade de fatores que motivaram o estabelecimento de espanhóis no Novo
Mundo, podemos afirmar que a conquista não foi um hiato antes da coloniza-
ção, mas parte integrante e vital dela. Conquista e colonização foram processos
simultâneos e dependentes entre si. Nesse sentido, Elliot (1998) afirma que os
sentidos da conquista e colonização espanhola priorizavam a ocupação, explo-
ração da terra, concediam poder e riqueza (ouro, pilhagem de objetos fáceis de
transportar...), além de ser um prato cheio para as possibilidades de elevação
social, como o desejo de conquistar honras (títulos de fidalguia, nobreza...) e de
“valer más” em uma sociedade fortemente ligada a uma hierarquia de posições
e atenta a ideia de reputação. Tais anseios eram rapidamente conquistados com
a espada, já que toda a honraria e valor se originavam de atos e serviços ao rei.
No entanto os sentidos de conquistar e colonizar se incluem em um con-
texto muito mais amplo e complexo, que remonta ao processo de Reconquista
da Península Ibérica empreendida pelos cristãos contra os muçulmanos durante
os séculos VIII ao XV. Foi nesse último século, marcado por importantes avan-
ços dos espanhóis na expansão ultramarina, que houve a consolidação do que
Elliot (1998, p. 135) chamou de “Estado feudal renovado”, figurado na união entre
Isabel de Castela e Fernando de Aragão, em 1469. Essa junção entre reinos repre-
sentou não somente o esboço de formação do estado espanhol como fomentou
as expedições de exploração marítima em uma época em que acumular ouro e
prata consistia em um dos principais objetivos dos estadistas. Em consonância

O Conflito de Culturas Entre Espanha e América Durante o Período Colonial


54 UNIDADE II

com Elliot (1998), no caso específico da Espanha, essa questão vai ainda mais
além quando consideramos que a Reconquista dos Reinos Cristãos para o sul foi
uma guerra que ampliou os limites da fé e eliminou, durante séculos, a fronteira
que dividia o cristianismo do Islã. É isso que justifica, em parte, a caracterização
da Espanha como uma sociedade agressiva, sequiosa em expandir os limites de
sua influência. Nesses moldes, à medida que a expansão interna se consolidou,
as forças dinâmicas da sociedade ibérica medieval começaram a buscar novas
fronteiras no além-mar, dentre as quais figuraria a América.
Perry Anderson (1985) também considera que o absolutismo espanhol, às

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vésperas da conquista e colonização da América, teve sua origem na união de
Castela e Aragão, efetivada pelo casamento de Isabel I e Fernando II. O Estado
tomou para si o controle dos benefícios eclesiásticos, separando o aparelho local
da Igreja da competência do papado. O suprimento de imensas quantidades de
prata das Américas tornou-se um importante meio para o enriquecimento do
Estado espanhol em ambos os sentidos do termo, pois provia o absolutismo his-
pânico com um rendimento extraordinário e abundante que se situava totalmente
fora do âmbito convencional das receitas estatais na Europa.
Ao tratar especificamente da concentração de poder espanhol entre os sécu-
los XIV e XV, Perry Anderson afirma que a monarquia hispânica tornou-se
poderosa principalmente com a apropriação de metais preciosos retirados das
colônias conquistadas. A pilhagem das Américas foi, para o autor, um dos atos
mais espetaculares de acumulação de capital primitivo durante a Renascença.
Assim, para Perry Anderson (1985), o absolutismo espanhol buscou forças tanto
no legado interno do engrandecimento com a aquisição de territórios e influ-
ências pela dinastia dos Habsburgos1 – que acarretou um artefato supremo dos
mecanismos feudais para a expansão política – como no saque ultramarino de
capital extrativo.

Que governou a Espanha de 1516 até 1700.


1

O PERÍODO COLONIAL NA AMÉRICA HISPÂNICA E SAXÔNICA


55

A dinastia dos Habsburgos governou a Espanha de 1516 a 1700, porém sua


origem é alemã e comandou a Áustria em fins do século XIII, até 1918. O po-
derio dos Habsburgos teve o seu momento áureo no século XVI, com Carlos
V, então imperador do Sacro Império Romano-Germânico e rei da Espanha.
Suas terras incluíam toda a Europa, exceto a Inglaterra, a França e a Rússia.
Os soldados de Carlos V conquistaram ricos impérios na América (Incas e As-
tecas). Antes de falecer, Carlos repartiu seus domínios entre o irmão e o filho,
criando-se dois ramos dos Habsburgos. Um deles governou a Espanha até
1700, o outro comandou o restante do império. Em 1804, os domínios co-
mandados pelos Habsburgos ficaram conhecidos como Império Austríaco.
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Fonte: a autora.

Em sintonia com as práticas mercantilistas, a monarquia espanhola tinha inte-


resse em concentrar tesouro em seu território (metalismo) e incentivar o comércio
nacional, por meio do investimento nas manufaturas como uma forma de com-
petir com outras nações. Assim, a concentração econômica, o protecionismo e
a expansão comercial engrandeceram o Estado feudal tardio, ao mesmo tempo
em que beneficiaram a burguesia emergente. Por isso, Perry Anderson (1985)
afirma que, a partir de 1560, o Novo Mundo passou cada vez mais a determi-
nar o futuro do absolutismo espanhol. Mas, apesar dessa circunstância, o caráter
irredutivelmente feudal do absolutismo permanecia.
Em resumo, para Perry Anderson (1985), a Espanha era um estado funda-
mentado na supremacia social da aristocracia e que buscava todas as formas para
garantir os privilégios das classes tradicionais. Portanto, o absolutismo espanhol
na época da conquista (fins do século XV a início do XVI) era, segundo Perry
Anderson (1985), um estado feudal “reformado”, “recolocado”, pois teria surgido
em substituição ao feudalismo com o objetivo de continuar garantindo que a
aristocracia permanecesse no poder e submetesse aos seus interesses tanto cam-
poneses quanto a recém emergente burguesia. Foi esse “estado feudal renovado”,
segundo Elliot, ou “reformulado”, na visão de Perry Anderson, que impôs con-
ceitos medievais à nova terra, como a afirmação da soberania, o estabelecimento
da fé e pretensões de domínio amplo da terra e do povo.

O Conflito de Culturas Entre Espanha e América Durante o Período Colonial


56 UNIDADE II

A caracterização da sociedade hispânica como “feudal renovada” pode ser


muito bem exemplificada na literatura da época, com destaque especial para as
novelas de cavalarias, prosas típicas da Idade Média e presentes da Península
Ibérica desde o século XI. As narrativas lendárias e de aventura expressas nesse
estilo literário motivaram muitos homens no século XV e XVI a se lançarem
na navegação marítima. Na Espanha, Miguel de Cervantes fez uma sátira bem
humorada das novelas de cavalaria e criou o personagem Dom Quixote e seu
escudeiro, Sancho Pança, na famosa obra Dom Quixote de La Mancha. Embora
tenha sido escrita em princípios do século XVII, Cervantes denuncia o continu-

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ísmo social pautado nas honrarias e no enriquecimento fácil, não dispensando
uma leitura irônica do contexto espanhol dos séculos anteriores e apontando
diversos comportamentos, figuras representativas e relatos históricos, como a
guerra da Reconquista.
Na obra supracitada, o personagem Dom Quixote era um fidalgo, filho de
pais ricos. No entanto, durante sua vida, perdeu toda a riqueza, pagando dívidas
e comprando livros. Por isso, mergulha na literatura em busca da solução dessa
dificuldade. Além de perder sua riqueza, Dom Quixote começa a agir como um
cavaleiro em busca de uma mudança, uma nova vida. Ele já tinha uma idade
relativamente avançada e vivia muito só. Por isso, deixa-se levar pela imagina-
ção e passa a viver em um mundo ilusório. Todas essas atribulações vivenciadas
pelo personagem mostram que ele próprio é um retrato da época representado,
muitas vezes, pela nobreza decadente que vê na expansão ultramarina possibilida-
des de enriquecimento fácil e sonha em encontrar um “eldorado” por influência
das frequentes leituras das novelas de cavalaria. A ilusão está presente em Dom
Quixote, pois vê o mesmo mundo que todos, mas sob uma perspectiva muito pró-
pria e marcada pela medievalidade que se imprime nos contos de cavalaria que,
de tão lidos, teriam o levado à loucura (tanto que seus livros foram queimados
pelo padre, com apoio de sua família). Tais contos retratam de forma fantasiosa
heróis épicos e míticos medievais. Assim, Dom Quixote pode ser considerado
uma sátira à novela de cavalaria. Esse gênero literário foi mais desenvolvido na
Idade Média e não existia mais na época de Cervantes, mas estaria marcado na
subconsciência da sociedade, que não permitia avanços no pensamento crítico
e “atrasava” a mentalidade espanhola. Na verdade, Quixote vive entre o delírio

O PERÍODO COLONIAL NA AMÉRICA HISPÂNICA E SAXÔNICA


57

e sensatez e encarna em seus discursos a voz crítica de Cervantes e sua ironia,


como, ao inventar nomes espetaculosos, ridicularizando muitos sobrenomes
da fidalguia.

“À força de tanto ler e imaginar, fui me distanciando da realidade ao ponto


de já não poder distinguir em que dimensão vivo”.
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Fonte: Dom Quixote (1605).

Sancho Pança, fiel escudeiro de Dom Quixote, era um trabalhador honesto que,
às vezes, tentava lhe mostrar outra visão que fugisse da fantasia, contudo acaba
acreditando em Quixote, que o convenceu a ser o governador de uma ilha ima-
ginária. A mentalidade frágil, porém honesta, representada na figura de Sancho
Pança, e o desejo de ascensão social a partir de títulos de nobreza proveniente
do domínio de terras, assim como a fama trazida por isso, também são, simbo-
licamente, aspirações essenciais do inconsciente coletivo do reino. Cervantes
explora muito esses aspectos para criticar também os costumes reais.
Esses “delírios queixotescos” eram comuns na época da conquista. Colombo,
por exemplo, teve grande êxito em suas navegações pelo fato de haver encon-
trado um novo continente, mesmo que inconscientemente, pois morre sem saber
do achado, acreditando apenas que tinha conseguido um novo caminho para
as Índias. Quando chegou à região caribenha, interpretava à sua maneira todos
os costumes e línguas dos indígenas, vendo só o que desejava ver e escutando
apenas o que queria, chegava até a achar que os índios falavam certas palavras
em sua língua.

O Conflito de Culturas Entre Espanha e América Durante o Período Colonial


58 UNIDADE II

Indo para além da crítica social, Sérgio Buarque de Holanda (1995) afirma
que a América, como um todo, é produto de uma conquista do “aventureiro”,
cabendo ao “trabalhador” papel muito limitado, “quase nulo”. Em se tratando
da diferença da colonização portuguesa na América espanhola, o autor escreve
o capítulo “O semeador e o ladrilhador”. Nessa parte do ensaio, Holanda critica
o desleixo dos portugueses para com a colônia, pois estes, tal como um seme-
ador, realizavam suas tarefas sem uma organização necessária. Somente após
encontrarem ouro no Brasil é que decidiram efetivar a colonização e explorar
ao máximo as matérias-primas e mão-de-obra, o que acabou gerando diversas

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revoltas por exploração, seja por poder e/ou por reconhecimento social. Ainda
assim, segundo Holanda, as construções das vilas e cidades não seguem um
projeto colonizador, sendo formadas de acordo com a conveniência e, despro-
vidas de planejamento, seguem o curso dos rios e das minas. Mesmo com essa
maior presença do Estado, os colonizadores buscavam lucros imediatos sem
uma maior organização.
Como você deve ter notado até aqui, Holanda (1995) defende a tese de que
o processo de conquista e colonização na América orquestrada pela Espanha
foi mais organizado se comparado com Portugal. Tal como “ladrilhadores”,
os espanhóis costuraram a conquista e a colonização apoiando-se nas cidades
como centro administrativo sistemático. No Novo Mundo, os espanhóis tiveram
como meta transplantar e consolidar as estruturas que compunham a organi-
zação social na Espanha para a América, desenvolvendo uma espécie de “nova
Espanha”. Organizaram-se em cidades, construíram universidades e o ensino
era basicamente cristão.
Holanda (1995) argumenta ainda sobre a diferença da postura colonizadora
dos países ibéricos na América. O autor cita que os espanhóis adotaram um
método mais severo, possivelmente pelo fato de encontrarem rapidamente muita
prata e terem que organizar um sistema de controle mais rigoroso na extração.
Depararam-se também com sociedades portadoras de estruturas mais comple-
xas, que exigiram um maior controle e “mão forte” da Igreja com a Inquisição.
Já os portugueses eram conservadores e prezavam pelo desleixo, pelo ócio, não
pelo trabalho. Eram desprovidos de planejamento e não arquitetavam o futuro.
Holanda faz essa distinção tratando com certo desprezo a colonização lusitana,

O PERÍODO COLONIAL NA AMÉRICA HISPÂNICA E SAXÔNICA


59

pois, segundo ele, o que a sociedade brasileira tem de malefícios é devido às raí-
zes portuguesas perpetradas no país.
Em relação às altas culturas e o processo de conquista, podemos dizer que
as regiões do México e do Peru eram estratégicas, pois eram formadas por povos
centrais e completamente sedentários. Além do mais, essas áreas também abri-
gavam grandes depósitos de metais preciosos, mercadoria americana que tinha
maior demanda na Europa da época. Dessa forma, essas duas regiões receberam
a maior parte da imigração europeia do século XVI, seguidas da criação rápida
de redes sociais, econômicas e institucionais de estilo europeu, enquanto a imi-
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gração, para todas as outras áreas, era pequena e a mudança mais lenta até um
período posterior. Por isso, para Schwartz e Lockhart (2002, p. 155), os espanhóis
foram “os primeiros a levar a América a sério e, por isso, foram eles que ocupa-
ram o México e o Peru e que construíram estruturas complexas e de grande escala
que atingiram a maturidade precoce bem antes do final do século XVI”. Nesse
sentido, os autores concordam com Sérgio Buarque de Holanda, para quem os
espanhóis teriam instalado toda uma estrutura colonial eficaz e produtiva. No
entanto Schwartz e Lockhart (2002) vão ainda mais longe ao destacar que os
espanhóis se empenharam no processo de conquista e colonização em lugares
onde havia índios sedentários e riqueza mineral; todo o resto de seu território
permaneceu abandonado, ainda mais que a América portuguesa.
Em consonância com Schwartz e Lockhart (2002), por mais que a conquista
fosse um episódio espetacular, ela também contou com alguns componentes
importantes, como o estímulo ao capitalismo comercial e de colonização per-
manente. Os grupos de conquistadores transmitiram os costumes de sua área de
base para a nova área, onde se tornaram encomenderos mais antigos e podero-
sos, tendo o poder de impor sua vontade aos recém-chegados da Espanha. Ações
como a fundação de grandes cidades e a instalação de jurisdições foram reali-
zadas pelos conquistadores no curso normal de suas atividades. Por isso, para
Schwartz e Lockhart (2002, p. 156), “a conquista não foi um hiato antes da colo-
nização, mas parte integrante e vital da colonização”, pois, ao mesmo tempo em
que se descobriam e dominavam novos povos e terras, estabelecia-se toda uma
estrutura colonial, baseada no reconhecimento da soberania espanhola.

O Conflito de Culturas Entre Espanha e América Durante o Período Colonial


60 UNIDADE II

Em “Os mecanismos da conquista colonial: os conquistadores” (1973), o


historiador Ruggiero Romano trabalha com as formas, a evolução e a herança
da conquista hispanoamericana, se preocupando em demonstrar as estruturas
segundo as quais tais acontecimentos se desenvolveram, se inter-relacionaram e
que choques provocaram. Sem querer abraçar a “lenda negra”, o autor afirma com
precisão que as formas, os métodos, as maneiras da conquista “não continham em
si nenhum germe de desenvolvimento positivo, pois estavam destinados a mais
completa involução” (ROMANO, 1973, p. 12), cujas consequências teriam afe-
tado tanto vencidos quanto vencedores. Nesse sentido, Romano difere de Serge

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Gruzinski (2003) (ver a indicação de livros ao final desta unidade), para quem,
a conquista não deve ser vista como uma luta entre “perdedores” e “vencedo-
res”, mas como um processo de “trocas culturais”, em que houve contribuição e
participação tanto de indígenas quanto de espanhóis.

A “leyenda negra” (lenda negra) da conquista da América Hispânica foi inau-


gurada pelo Frei Bartolomé de Las Casas, que, na primeira metade do século
XVI, lutou contra o modo pelo qual os indígenas estavam sendo tratados
pela administração colonial. Os escritos de Las Casas denunciavam as atroci-
dades dos conquistadores contra os índios e encontraram grande eco entre
os opositores do colonialismo praticado pela Espanha no continente ame-
ricano.
Fonte: a autora.

O PERÍODO COLONIAL NA AMÉRICA HISPÂNICA E SAXÔNICA


61

Para Romano (1973, p. 79),


a vitória dos espanhóis em
relação aos indígenas vai
além de explicações psicoló-
gicas, de superioridade bélica
e até mesmo do uso de cães
especialmente treinados para
eliminar o inimigo. Segundo

©Wikimedia Commons
o autor, esquece-se muito
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facilmente o fato de que os


espanhóis ao se baterem con-
tra grandes exércitos puderam Figura 03: Pintura de Theodor de Bry (1528-1598) inspirada nos
relatos de Bartolomé de Las Casas
contar com a ajuda de numerosos “colaboradores”. Assim, por exemplo, a vitó-
ria de Cortés sobre Montezuma (e o “império” mexica (como também eram
chamados os astecas)) só pode ser compreendida se lembrarmos da aliança do
conquistador com o chefe dos Tlaxtaltecas, inimigos tradicionais dos mexicas.

©LOC − Library Of Congress

Figura 04: O encontro entre Cortés e Montezuma (Artista Desconhecido − século XVIII)

O Conflito de Culturas Entre Espanha e América Durante o Período Colonial


62 UNIDADE II

Além do mais, Romano (1973) pondera que a falência da religião indígena aju-
dou na disseminação do cristianismo. Alega ainda que a descrença da religião
indígena tornou-se um fato consumado e foi facilitada na medida em que, para
os nativos, a autoridade religiosa e a autoridade política estavam frequentemente
confundidas em uma mesma pessoa física, acarretando a queda do poder leigo, o
desmoronamento do poder religioso e dos valores que este representava, muito
embora o autor reconheça que a penetração da nova religião tenha ocorrido de
“maneira formal e superficial”. Muitas vezes, como apregoa ele, a religião resul-
tou em fracasso, pois, em vários casos, utilizou-se a violência na evangelização.

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Portanto, na visão de Romano (1973), o que constituiu o quadro dos
elementos perturbadores da conquista foram a carga tributária, a desordem e
a injustiça. Concordando com Alonso de Zorita (pequeno colonizador fracas-
sado de fins do século XVI), esse autor diz que para uma melhor exploração
dos índios, teria sido preciso não quebrar a sua ordem: não os tirar de seu meio
natural, de seu ritmo de trabalho e de seus critérios de alimentação. Para o autor,
não podemos conceber aculturação como algo que fez parte da conquista, pois,
nesse caso, não houve um encontro, mas um choque entre dois mundos muito
diferentes. Quando as diferenças são grandes demais, ao nível da organização
política, social e econômica, no plano da “cultura material, ao nível cosmogô-
nico etc., não se dá aculturação, mas somente a predominância de uma cultura
sobre a outra” (ROMANO, 1973, p. 22). Nesse sentido, para Romano, a conquista
é na realidade um mecanismo extremamente complexo, no qual, em proporções
distintas, entraram em combinação alguns elementos (psicológicos, proféticos,
superioridade bélica, epidemias, sobrecarga de trabalho ao nativo etc).
O autor supracitado destaca também a herança negativa deixada pela con-
quista. Citando acontecimentos envolvendo brancos e índios no século XX
– quando, em 1969, três antropólogos escandinavos denunciavam inutilmente às
Nações Unidas a exterminação de índios do Peru, da Venezuela e da Colômbia
– ele quer mostrar que certas constantes que existem na América do século
XVI persistem até o momento em que ele escreve (década de 1970), inclusive
de maneira até mais enriquecida. Não se trata, segundo o autor, de identificar os
brancos como “malvados” e os índios como os “bons”. O problema para Romano
(1973) não é o da bondade ou da maldade, mas do contraste entre forças de dois

O PERÍODO COLONIAL NA AMÉRICA HISPÂNICA E SAXÔNICA


63

tipos de economia e, portanto, de sociedades estruturalmente distintas.


A primeira falha no sistema de conquista, segundo o autor, foi forçar rude-
mente os índios ao trabalho. Como consequência, o índio se recusa a trabalhar
mais porque acha que não tem necessidade de produzir um esforço superior ao
que está habituado a produzir “no quadro de sua civilização ancestral” (ROMANO,
1973, p. 24). O Estado, por sua vez, com o desejo exclusivo de satisfazer os inte-
resses privados, oferece a possibilidade de reequilibrar a situação obrigando os
índios a trabalhar. Outro mecanismo particular, portanto, o do endividamento,
foi posto em ação. Primeiro, para obrigar os índios a continuar a trabalhar, e
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depois, a labutar praticamente sem salário, uma vez que as dívidas, em sua maio-
ria, se não em sua totalidade, jamais são contraídas em dinheiro, mas em gêneros
alimentícios. O endividamento se torna, assim, um instrumento de fixação a
terra para uma importante massa de homens. Não era permitido afastar-se de
uma zona determinada e nem mesmo prestar serviços a outro proprietário da
mesma zona enquanto o índio estivesse endividado. O endividamento acabou
por representar o caráter verdadeiro da economia imposta pelos descendentes
dos conquistadores. Em suma, para o autor, a conquista lançou premissas de
um sistema econômico do qual todos os defeitos, inconsistências e contradições
ainda são sentidas atualmente.
Em consonância com Marianne Mahn-Lot (1990, p. 11), três fatores favore-
ceram a conquista da América espanhola: 1) os “traumas biológicos” (em função
das doenças que os invasores trouxeram) e “mentais” (algumas civilizações,
como os astecas e incas, apreenderam inicialmente os “brancos” como mensa-
geiros de divindades, o que não tardou a ser desmistificado de modo violento);
2) a superioridade das armas (já que os espanhóis contavam com “espadas, lan-
ças, balestras, arcabuzes e cavalos”, e os nativos, por outro lado, não dispunham
montaria e combatiam com “flechas e frondas”); 3) as “cumplicidades indíge-
nas com o invasor”.
Indo mais além nessa questão, Héctor Bruit (1992), em seu capítulo intitu-
lado “O visível e o invisível na conquista hispânica da América”, publicado em
1992, por ocasião dos quinhentos anos da “descoberta” da América, afirma que
a conquista, no seu sentido mais amplo de dominação total, de substituição de
uma cultura por outra, de aculturação, de eliminação dos vencidos, não chegou

O Conflito de Culturas Entre Espanha e América Durante o Período Colonial


64 UNIDADE II

a realizar-se. Esse fracasso do vencedor, o qual Bruit chama de “o processo invi-


sível da conquista”, é representado pela questão da miscigenação, que permitiu
o nascimento de uma nova sociedade, o que significa repensar que a conquista
hispânica concretizou-se plenamente. Dentre os objetivos dos colonizadores do
século XVI, como civilizar os índios de acordo com os padrões peninsulares;
evangelizá-los a fim de extinguir as religiões americanas; transformá-los em ver-
dadeiros vassalos do rei e conseguir todo o metal precioso possível. De acordo
com Bruit (1992), na prática, só o último objetivo foi alcançado, pois os outros
se realizaram de forma precária. Esse relativo fracasso não pode ser visto ape-

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nas como obra dos conquistadores, segundo a ideia muito difundida de que só
se preocuparam em extrair o ouro e explorar os índios. Muito se deve também
a ação dos nativos, que opuseram diversas formas de resistência, como a militar
e até mesmo no boicote em relação à comunicação verbal.
Divergindo de Ruggiero Romano (1973), para Héctor Bruit (1992), o fator
mais importante não é discutir se a conquista foi positiva ou negativa, se o colo-
nialismo, em função da superioridade técnica, cultural, religiosa e política – o
que pode ser questionado – foi uma forma de integração e comunicação entre os
povos. É mais relevante, para o autor, mostrar que mesmo conquistados e colo-
nizados, os índios não perderam sua condição de agentes sociais ativos, capazes
de inibir os valores impostos pelos vencedores. Desse modo, retira-se da análise
a visão negativa projetada sob o indígena pela maior parte dos cronistas, a come-
çar por Bartolomé de Las Casas (1984). Assim, o eclesiástico espanhol Francisco
López de Gómara dizia que os índios eram preguiçosos e bêbados, visto que eles
estavam também revelando uma forma de resistência à conquista. Em contrapar-
tida, quando Las Casas (1984) afirmava que eram muito humildes e obedientes,
querendo impedir o massacre, no fundo sugere que essa postura não era mais
que um disfarce. Os índios, segundo Las Casas (1984), mentiam ao conquista-
dor para defenderem-se; para confundi-lo, simulavam obediência, ingenuidade
e passividade. Isso ilustra, de acordo com Bruit (1992), o processo invisível na
história da conquista, ou, parafraseando o autor, a “dialética do visível e do invi-
sível” praticada pelos indígenas.

O PERÍODO COLONIAL NA AMÉRICA HISPÂNICA E SAXÔNICA


65

Para Bruit (1992), os índios não foram tão pacíficos e obedientes, tal como
retratados por Las Casas (1984). Na verdade, a destruição e a mortandade foi
resultado, dentre outras causas, de uma relação de guerra que se desenvolveu
porque existiam combatentes de um lado e de outro. Porém, após essa fase de
confrontos, os índios praticaram o que Bruit denominou de uma “resistência
camuflada”. A primeira arma dessa resistência foi o silêncio. Desde a época do
governador Bobadilla, na Hispaniola, os índios se negavam a falar com os espa-
nhóis. A rainha Isabel ordenou ao governador que obrigasse os índios a conversar
com os espanhóis. Por seu lado, Las Casas (1984, p. 157) se mostrou partidário
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

do silêncio, alegando que “para viver, ser cristãos e de bons costumes, convi-
nha que não conversassem com os espanhóis, primeiro pelos vexames, roubos e
danos que sempre lhes fizeram (...); segundo, por suas obras más e desordeiras”.
Portanto, a conquista em seu sentido mais amplo, de dominação total, de
aculturação e de uma eliminação dos vencidos, de acordo com Bruit (1992), não
chegou a realizar-se. Mesmo derrotados, explorados, usurpados de suas terras,
os nativos tornaram, até certo ponto, o processo de colonização instável. Para o
autor, apesar da destruição e do genocídio, os índios ainda sobrevivem física e
culturalmente, e a sua presença é, de algum modo, marcante em quase todas as
sociedades do continente americano.
Partindo para as análises de documentos de época, representados inicial-
mente pelas cartas e relatos do navegador genovês Cristovão Colombo (1998),
principalmente os diários da segunda viagem (1493-1496), e pelos relatos do
chefe de expedição que dominou os astecas, Hernan Cortés (1985; 1996), escri-
tos na primeira metade do século XVI, podemos observar que ambos possuíam
um objetivo de conquista das terras do novo mundo e da difusão da fé cristã, no
entanto diferenciavam-se no modo, na escolha de prioridades e na competência
de execução de seus respectivos objetivos. Em Colombo (1998), evidencia-se o
deslumbramento diante das terras que encontrou e, desse modo, é compreen-
sível certo sentido de preservação dos lugares, como quando afirma que os reis
católicos não consentiam que naquelas terras viessem estrangeiros, salvo cató-
licos cristãos, com o objetivo de preservar a natureza e o índio, inserindo este
último, contudo, no projeto de cristianização.

O Conflito de Culturas Entre Espanha e América Durante o Período Colonial


66 UNIDADE II

Colombo, ao contrário de Cortés, não lucrou em efetivar os seus objetivos.


Prejudicou-se talvez pelo pioneirismo e pelas inúmeras possibilidades que as
terras americanas pareciam dispor (considerando-as um “paraíso terrestre”), tor-
nando sua administração um tanto sobrecarregada. Tudo somado, não manteve
o prestígio adquirido na primeira viagem. Isso também pode ser compreendido
pelo fato de Colombo ser genovês. Tendo em vista que a aversão ao estrangeiro na
sociedade espanhola era uma marca profunda (como na perseguição aos judeus
e muçulmanos) e que ia além da questão religiosa, é compreensível que, em um
segundo momento, Colombo tenha sido desprezado pela Coroa.

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Já Cortés pôde ser mais efetivo que Colombo, embora tenha se beneficiado
das descobertas anteriores. Dirigiu-se à América Espanhola determinado a sobre-
viver pela conquista e descoberta de ouro, metas ocultadas por uma suposta
evangelização daqueles povos, circunstâncias que nunca foram de seu interesse.
Nota-se que sua tentativa mais evidente de fazer prevalecer a fé cristã é questio-
nável: narrou, em sua segunda carta (de 30 de outubro de 1520), que, na visita
à grande mesquita, derrubou os ídolos astecas dos seus assentos e os fez des-
cer por escada abaixo, limpando o lugar do sangue dos sacrifícios e mandando
colocar imagens de Nossa Senhora e de outros santos (CORTÉS, 1985). Na ver-
dade, pelo relato de Bernal Dias de Castillo (1998, p. 46), conquistador e cronista
espanhol que o acompanhou durante a conquista dos astecas, Cortés apenas
insinuou a Montezuma que os deuses ali expostos eram “cosas malas que se lla-
man diablos...” e sugeriu fixar uma cruz e a imagem de Nossa Senhora em um
oratório do templo. Tais sugestões, aliás, foram logo rebatidas por Montezuma,
que afirmou que seus deuses eram bons e lhe davam saúde e boas colheitas.
Todo o episódio, a mentira relatada ao rei Carlos V (que governou a Espanha
de 1516 a 1556) é representativa da determinação de Cortés em vencer e con-
vencer a qualquer custo, pois o suposto ato de derrubar ídolos, limpar o sangue
dos sacrifícios humanos e cristianizar “bárbaros” demonstraria ao rei o quanto
era válida a sua empreitada por aquelas terras e o fato de ele ser o chefe militar
adequado para consumá-las.

O PERÍODO COLONIAL NA AMÉRICA HISPÂNICA E SAXÔNICA


67

“Primeiro, porque estávamos lutando contra um povo bárbaro para espalhar


nossa fé; segundo, para servir a Vossa Majestade; terceiro, nós tínhamos que
proteger nossas vidas; e por último, muitos dos nativos eram nossos aliados
e nos auxiliaram”.
Fonte: Hernan Cortés (1985).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Se observarmos a descrição feita de Tenochtitlán, antiga cidade asteca, por Cortés


(1985), veremos que sua visão de mundo traz, em essência, uma mentalidade de
poder, ligada a então recente formação da Espanha como país representante da fé
cristã e baseada na expulsão dos mouros do território espanhol, que deixam evi-
dentes dois objetivos principais, os quais estão presentes em todas as suas cartas:
a conquista das terras americanas e a legalização desse feito pelo rei espanhol.
É explícita em seus relatos a descrição das conquistas das terras, visando
o convencimento e, sobretudo, o apoio do rei nessa empreitada. Isso pode ser
exemplificado quando Cortés (1985) fala dos templos astecas, chegando mesmo
a compará-los às mesquitas muçulmanas e os deuses daqueles povos, à ídolos
desencadeadores da barbárie e sacrifícios humanos. No pensamento de Cortés,
as descrições de templos e ídolos, deslocadas para o universo das guerras santas
medievais, promoveriam uma reação, um impulso, por uma nova expansão da
fé cristã empreitada pela Espanha.
O convencimento do rei pode ser captado também nas comparações que
Cortés (1985) fez da cidade asteca com cidades espanholas: Tenochtilán era tão
grande como Sevilha e Córdoba; a mesquita principal possuía uma torre maior
que a torre da igreja principal de Sevilha. Essas comparações provocariam talvez
um medo pelo estranho, uma ameaça contra a grandeza da Espanha e a qual o
rei Carlos V certamente deveria combater. Ainda havia o ouro, a disponibilidade
do metal e joias, prata e cobre também tinha a intenção de firmar o convenci-
mento do rei pela facilidade e abundância de riquezas.

O Conflito de Culturas Entre Espanha e América Durante o Período Colonial


68 UNIDADE II

Por fim, havia o convencimento pela beleza da cidade, e Cortés não deixou
de sugerir que a suntuosidade dos lugares era digna da realeza. Porém o aspecto
da beleza da cidade foi o menos considerado e não evitou a sua destruição,
embora Cortés (1985, p. 67), em alguns momentos, lamente a destruição, como
quando, na terceira carta, afirma que, para assustar os índios, “mandei pôr fogo
nas suas casas e templos, embora isto me causasse grande pesar, pois em algu-
mas dessas casas Montezuma cultivava todas as espécies de aves”. Cortés (1985)
caracteriza a capital dos astecas como uma rica cidade dominada por bárbaros.
Uma cidade com características idênticas aquelas dos idólatras muçulmanos e,

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
como estes últimos, deveria ser submetida à grandeza da Espanha e à fé cristã,
representadas na figura do rei espanhol que manifestava o seu poder mediante
o seu maior enviado, ou seja, o próprio Cortés.
A descrição apresentada por Cortés (1985) confirma, entre outras coisas, a
intenção da conquista pela desqualificação do nativo. A cultura asteca também
é vista sobre a ótica da dominação a ser praticada e, dentro desse aspecto, tor-
nou-se objeto de trama e questionamento. Um exemplo que ilustra essa questão
foi o uso da profecia que previa a volta do Deus Quetzalcóatl, um dos quatro
criadores do mundo. Cortés (1985), que foi confundido com o Deus, soube da
perspectiva criada e usou essa agitação em seu benefício. Por fim, a própria cidade
Tenochtilán foi pensada como uma forma de, mais do que legitimar, coroar o
projeto da conquista, que se efetivaria na derrubada da cidade.
A obra “Historia verdadera de la conquista de la Nueva España”, concluída
provavelmente em 1568, de Bernal Díaz Del Castillo (1998), testemunha os acon-
tecimentos e exalta a figura dos soldados de Hernan Cortés, que conquistaram o
México. Bernal Diaz Del Castillo escreveu seu livro como forma de reparar par-
cialidades publicadas na “Historia general de las Indias y conquista de México”, do
eclesiástico espanhol Francisco López de Gómara, em 1552. A obra de Gómara
enaltecia Cortés e deixava de lado os soldados que o ajudaram na empreitada.
Díaz del Castillo deu seu testemunho, desmentindo afirmações de Gómara, que
classificava de exageradas.
É importante ressaltar que tanto Cortés quanto Bernal Diaz del Castillo
(1998) – que o serviu e relatou a conquista espanhola no México liderada por
Cortés – acreditavam na predestinação para a conquista da região asteca, sem

O PERÍODO COLONIAL NA AMÉRICA HISPÂNICA E SAXÔNICA


69

descartar o sentimento de heroísmo nesse empreendimento. Mesmo servindo


Cortés, Del Castillo (1998) diverge em vários pontos em relação às descrições
feitas pelo chefe da expedição que dominou os astecas.
Del Castillo (1998) apresenta a lógica das reações humanas diante de situa-
ções limites, expondo que a ação dos espanhóis não foi tomada sem perplexidade.
Essa reação, aliás, foi sentida até mesmo por Cortés (1985), como no episódio
da decisão sobre a prisão de Montezuma, momento em que percebeu o tama-
nho do atrevimento ao aprisionar o imperador asteca. Na realidade, segundo
Del Castillo (1998), Cortés teria sido convencido da necessidade do enclausu-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

ramento do líder asteca por pressão de outros capitães que o acompanhavam.


O relato de Bernal Diaz Del Castillo (1998) demonstra que Cortés não deter-
minou sozinho o rumo da guerra e que algumas passagens, narradas nas cartas
do conquistador, foram inventadas, como a derrubada dos ídolos astecas na mes-
quita maior. Aborda ainda que os espanhóis, inclusive Cortés, tinham simpatia
por Montezuma, como descrito no trecho “esto digo que em aquel tiempo todos
nosotros e aun el mismo Cortés, cuando parábamos delante del gran Montezuma
le hacíamos reverencia com los bonestes de armas” (CASTILLO, 1998, p. 134),
o que torna mais incompreensível a destruição da cidade de Tenochtilán, ocor-
rida nos meses seguintes. Na verdade, o relato de Bernal Dias Del Castillo (1998)
termina por comprovar que o caminho da história não é feito, muitas vezes, por
atos conscientes. A história se manifesta pelo imprevisível (como a varíola, que
eliminou grande parte dos astecas), sendo questionável atribuir a alguém o papel
de protagonista de qualquer acontecimento.

“Essa doença era desconhecida (...) e quando as varíolas atingiram os índios,


foi tamanha a moléstia e tal a pestilência em toda a terra que, na maioria das
províncias, metade da população morreu (...).”
Fonte: Toríbio de Motolínia (1540).

O Conflito de Culturas Entre Espanha e América Durante o Período Colonial


70 UNIDADE II

Em contrapartida com Bernal Diaz Del Castillo (1998) e Hernan Cortés (1985),
podemos notar em Bartolomé de Las Casas (1984), um frade dominicano que
relatou em várias obras o processo de conquista, uma visão bastante diferenciada
entre índios e espanhóis. “Brevisima relación de la destruición de las Índias” foi
escrita por Las Casas, em 1542, provavelmente como reação ao fato de que nesse
mesmo ano foram publicadas as “Leis Novas”, as quais, embora determinassem
as restrições das encomiendas e a escravidão de índios, não agradaram plena-
mente o frade dominicano. Nessa obra, Las Casas (1984) descreve os espanhóis
como cruéis e ambiciosos e os índios como seres simples e sem maldades. As

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conquistas do Novo Mundo são relatadas praticamente por um único prisma:
o da destruição. O religioso buscou, por meio disso, afastar qualquer relação
entre os indígenas dos bárbaros e escravos naturais, associando-os a exemplos
expressivos da perfeição divina. Essa crença permitiu com que Las Casas (1984)
relacionasse o novo continente ao paraíso terrestre, os indígenas aos inocentes
que habitavam as terras agradáveis e prazerosas e os espanhóis aos terríveis des-
truidores do paraíso descrito.

A encomienda era, em síntese, uma forma de trabalho compulsório indíge-


na, realizado nas zonas rurais, no qual a força de trabalho era trocada pela
evangelização. Devemos lembrar que naquela época a forma de trabalho
escravo era proibida pela Igreja (para os não-negros). Ao receberem ensina-
mentos religiosos, a Igreja se contentava e dizia que eles estariam ganhando
a cristianização em troca de seu trabalho.
Fonte: SlidePlayer (online).

O PERÍODO COLONIAL NA AMÉRICA HISPÂNICA E SAXÔNICA


71

Nos relatos da “Brevíssima relação da destruição das Índias”, frei Bartolomé de


Las Casas (1984) imprime certa homogeneidade nas descrições das novas terras,
dos indígenas, com destaque aos astecas e seus conquistadores. Os indígenas,
independentemente da região em que vivem, apresentam sempre as mesmas
características: não conhecem a guerra, recebem os espanhóis com muita felici-
dade, vivem em grande pobreza e não dão valor ao ouro nem aos bens materiais.
As descrições paradisíacas das novas terras repetem-se ao longo da narrativa,
estas sempre são descritas como férteis, com abundância de frutas, sempre muito
prósperas, além de clima ameno. Já os conquistadores são apresentados como
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

cruéis, sem piedade e gananciosos pelo ouro.


Diferentemente do objetivo de Las Casas (1984) de exaltar os nativos ameri-
canos, Cortés (1985) pretendia convencer o rei Carlos V a validar a sua investida
militar no México, convencendo-o ainda de que ele, Cortés, era o homem ade-
quado para completá-la. Assim, para que seu objetivo fosse aceito pelo rei, os
relatos precisavam esconder a crueldade dos atos do conquistador (muito embora,
em alguns momentos, ela tenha sido exposta) e ressaltar não o lado guerreiro,
mas a possível glória da coroa espanhola em sua tentativa de expandir a fé cristã.
Las Casas (1984), embora deixe claro nos relatos de horror e desumanidade em
seus escritos, ao denunciar o extermínio dos índios, também acreditava na pos-
sibilidade de cristianização daqueles nativos como uma saída possível para a
salvação daquelas almas.

“Os espanhóis, esquecendo que eles eram homens, trataram essas inocen-
tes criaturas com crueldade digna de lobos, de tigres e de leões famintos.”
Fonte: Frei Bartolomeu de Las Casas, O Paraíso Destruído (1552).

O Conflito de Culturas Entre Espanha e América Durante o Período Colonial


72 UNIDADE II

Se compararmos Las Casas (1984) com Colombo (1998) notaremos que, para
ambos, o índio americano possuía uma docilidade para a fé, uma alma pura, sem
violência − nem armas conheciam, afirmou Colombo, logo que os encontrou.
No entanto, para Colombo (1998), o índio poderia ser inserido como escravo
em um projeto de exploração econômica das Índias, embora a hipótese devesse
ser aplicada apenas a supostos canibais (como os caraíbas). Essa possibilidade,
sugerida aos reis espanhóis em sua segunda viagem para a América, seria inad-
missível para Las Casas, não só pelo preceito cristão de respeito ao próximo, mas
também por julgar que a natureza do índio era outra: algo delicado, não desti-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
nado ao trabalho.

A COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA HISPÂNICA:


ECONOMIA, GOVERNO E SOCIEDADE

O sistema colonial implantado na América Espanhola estava vinculado a uma


economia de exportação. Os principais produtos comercializados estavam restri-
tos à produção de gêneros tropicais ou metais preciosos, mercadorias de procura
intensa no mercado europeu.
Cada região da América Hispânica destacava-se por fornecer produtos tro-
picais diversos. O México, por exemplo, fornecia a cochonilha e o açúcar a partir
do século XVI. A América Central, sobretudo a região de El Salvador, disponi-
bilizava o anil. Desde fins do século XVI, o algodão passou a ser cultivado na
costa peruana e em algumas áreas do continente. No século XVIII, as Antilhas,
principalmente Cuba, especializaram-se na produção açucareira. Durante esse
mesmo período, aumentaram as exportações do cacau da Venezuela e do tabaco
da Colômbia para os portos espanhóis.
Um fator de peso durante o período colonial foram os metais preciosos oriun-
dos de diversas regiões da América Hispânica. O ouro foi extraído das Antilhas
até 1530, em partes da Venezuela, no Peru, no Chile e em algumas minas da
Colômbia. Muito embora o ouro tivesse um valor de mercado maior, o metal

O PERÍODO COLONIAL NA AMÉRICA HISPÂNICA E SAXÔNICA


73

mais produzido na América Hispânica, desde meados do século XVI, foi a prata.
Os dois polos principais de extração foram o México e o Peru, regiões que se
tornaram essenciais na manutenção do sistema colonial hispano-americano.
É importante ressaltar que a economia colonial da América Hispânica não
ficou restrita à produção exportadora. Havia, internamente, a necessidade de
manutenção da população local. Nesse sentido, existiam núcleos subsidiários
ligados à produção de mantimentos e criação de gado. No caso da América
Espanhola, tal produção era facilmente encontrada em comunidades indígenas
localizadas na região andina e no México. Esses povoados se destacaram como
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

núcleos de abastecimento, sobretudo durante o século XVI.


O emprego da mão-de-obra perpassava diferentes modalidades, quais sejam:
servidão pessoal, escravidão plena e, em menor medida, o trabalho livre. As
diferentes formas de trabalho compulsório (servidão pessoal, escravidão plena,
dentre outras) foram as mais utilizadas por conta da própria logística do sis-
tema colonial. Assim, uma das principais atitudes dos espanhóis, ao submeter as
populações autóctones aos seus interesses, foi explorar o trabalho desses nativos.
Nas Antilhas e em outras áreas cujos habitantes pertenciam a grupos nôma-
des ou seminômades, a providência tomada foi a escravização dos índios. Nas
regiões centrais (Andes e Meso-América), houve a adaptação à economia de
mercado de tributos praticados até então, já que, nessas áreas, o nível de organi-
zação das comunidades agrícolas se apresentava de forma mais elaborada. Nos
locais onde a população nativa foi praticamente dizimada ou a densidade demo-
gráfica era menor antes da conquista, os colonizadores espanhóis implantaram
a escravidão africana, caso a região apresentasse atributos comerciais.
Você deve ter notado, conforme exposto anteriormente, que a organização
socioeconômica da América Hispânica variou de acordo com os recursos natu-
rais disponíveis em cada região e em consonância com os grupos populacionais
que foram acometidos pela conquista. Em razão dessa diversidade, iremos nos
concentrar nas áreas mais complexas e que se configuraram como centros do
império colonial espanhol: a Meso-América e os Andes centrais.

A Colonização da América Hispânica: Economia, Governo e Sociedade


74 UNIDADE II

Dentre as estruturas socioeconômicas que se desenvolveram na América


Hispânica, é inegável que a mais relevante e, portanto, lucrativa, foi a minera-
ção, principalmente a extração da prata. Tal atividade impulsionou a colonização
de forma a expandi-la no espaço, seja por meio da construção de cidades ou da
diversificação da economia colonial.
Pode-se dizer que, a princípio, a economia mineradora da América Espanhola
não estava baseada integralmente na propriedade privada, pois todo o territó-
rio era considerado domínio da Coroa hispânica. O sistema de ocupação para
fins produtivos dessas terras estava baseado em concessões perpétuas realizadas

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
pelo poder régio a investidores mineiros. Estes, por sua vez, se localizavam em
diversos setores sociais, podendo ser o rei e funcionários do primeiro escalão
até grupos de colonos compostos por homens simples e índios. A partir de fins
do século XVI, a exploração mineradora exigiu uma tecnologia capaz de con-
centrar e aprofundar as escavações. Dentre os mecanismos que mais lograram
êxito no processo de extração da prata, está a introdução do amálgama de mer-
cúrio. Esse sistema, porém, resultou na hierarquização entre os mineradores, ou
seja, os pequenos e médios produtores de metais vendiam o minério explorado
de suas minas para os empresários de grande porte, os quais monopolizavam o
processo do amálgama.
A extração da prata era controlada de forma mais intensa pelo capital comer-
cial, isso significa que sua produção era, geralmente, direcionada para a Europa,
sobretudo Espanha e, posteriormente, drenada para outros centros financeiros
europeus. Além disso, a Coroa Hispânica cobrava, na forma de imposto, 20%
de toda a produção de prata (o quinto).
Apesar de a extração da prata ser um dos vetores da economia colonial his-
pano-americana, é importante ressaltar que não foi o único. No setor agrícola,
por exemplo, predominaram dois sistemas diferenciados: a hacienda e a comu-
nidade indígena. Apesar de coexistirem durante todo o período colonial, houve
a predominância da primeira em relação à segunda, sobretudo para manter o
abastecimento na medida em que as comunidades indígenas declinavam. A
agricultura nativa carregou o quanto pôde a dupla tarefa da economia colonial,
que exigia os mantimentos para o abastecimento interno. Sem trabalhadores, a
agricultura aldeã sucumbiu e se deslocou do mercado mantendo-se apenas para

O PERÍODO COLONIAL NA AMÉRICA HISPÂNICA E SAXÔNICA


75

a subsistência. Em meio a esse processo, a hacienda assumiu a função de abas-


tecedora monopolizando a unidade de produção da colônia. De forma geral,
pode-se dizer que a hacienda abrigava diversos tipos de produção, desde uma
agricultura de subsistência até um subsistema de agricultura/criação vincula-
dos a mercados locais.
Em síntese, podemos dizer que a hacienda foi uma unidade produtiva que
atendia aos interesses do mercado. Dessa forma, era responsável pela produção
de mercadorias para o consumo local. Algumas vezes sua produção destinava-
-se a produtos exportáveis, como o açúcar. Em consonância com Vainfas (1984,
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

p. 60), a hacienda foi uma importante ferramenta de “monopolização fundiária”


e simbolizou “uma solução socioeconômica para o desequilíbrio entre a oferta
de terras (abundante) e a oferta de trabalho (escassa) capaz de garantir a dispo-
nibilidade de mão-de-obra para o conjunto da economia colonial”. Além disso,
convém frisar que a mineração foi responsável pelo surgimento de relevantes
núcleos de produção artesanal e manufatureira.
A economia colonial hispano-americana era composta por várias formas
de trabalho, dentre as quais: o trabalho compulsório na maioria dos casos e, de
forma reduzida, o trabalho livre e assalariado, caso aplicado a alguns setores
especializados (a exemplo dos mestres do açúcar e técnicos do amálgama), e a
certos núcleos artesanais urbanos, e a atribuições intermediárias de administra-
dor ou feitor (mayordomo).
No que se refere ao trabalho escravo, é importante frisar que essa moda-
lidade não foi utilizada por longos períodos, sendo adotada apenas durante o
“ensaio antilhano”, em princípios do século XVI. A escravidão indígena foi um
recurso utilizado em regiões habitadas por “índios bravos” (a exemplo dos arau-
canos e chichimecas) que eram reduzidos à escravidão quando eram capturados.

A Colonização da América Hispânica: Economia, Governo e Sociedade


76 UNIDADE II

Em outro caso, a escravização do gentio era utilizada quando este revelava um


comportamento rebelde, não aceitando, por exemplo, a doutrina cristã imposta
pelos colonizadores. Nesse caso, o índio era submetido à escravidão por meio
da “guerra justa”, uma das únicas maneiras de legitimar a escravidão indígena, já
que desde cedo a Coroa e a Igreja optaram pela condenação de tal modalidade
de trabalho aplicada aos nativos. Entretanto é importante ressaltar que tal polí-
tica obteve êxito pelo fato de já existirem sistemas de extração do sobretrabalho
aldeão sem recurso a escravidão nos núcleos centrais (região do México, América
Central e Andes). A escravidão africana, por sua vez, se manteve presente em

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
diversas áreas, sobretudo em partes do Peru, Venezuela, Cuba, Colômbia, den-
tre outras regiões. De acordo com Ciro F. Cardoso (1975, p. 79), durante todo o
período em que vigorou o trabalho africano, a América Espanhola recebeu ape-
nas 1/15 dos escravos enviados para as colônias.

“Ensaio antilhano” é um termo que se refere ao modelo espanhol implanta-


do por Cristóvão Colombo, em 1492.
Fonte: a autora.

Um dos sistemas de trabalho adotado pelos colonizadores espanhóis foi a enco-


mienda. Criada no período da Reconquista Ibérica, a encomienda é genuinamente
uma instituição hispânica que sofreu mudanças ao ser implantada nas colônias. No
caso da América Espanhola, tal prática foi regulamentada no século XVI entre os
povos sedentários. De forma geral, a encomienda consistia no processo de divisão
das aldeias entre os conquistadores, os quais passaram a explorar o sobretraba-
lho dos nativos sem, entretanto, condicioná-los à escravidão. Normalmente, os
encomendeiros exigiam impostos em gêneros ou em prestações de trabalho, mas,
na maioria dos casos, não tinham direito à terra dos índios. Essa relação entre
os encomendeiros e as aldeias era estabelecida graças à intermediação das chefias
comunitárias. Todavia, durante o século XVI, a Igreja e a Coroa se posicionaram

O PERÍODO COLONIAL NA AMÉRICA HISPÂNICA E SAXÔNICA


77

contra a encomienda, impedindo as prestações de trabalho e submetendo as


aldeias ao controle da administração colonial.
A decadência da encomienda, na segunda metade do século XVI, foi acom-
panhada pela alteração das aldeias indígenas, colocando-as na condição de
“corregimientos de índios”, situados próximos às minas e cidades. Tais comuni-
dades passaram a ofertar mão-de-obra por meio de outro sistema, denominado
repartimiento. De acordo com essa metodologia de trabalho, cada comunidade
iria ofertar, de tempos em tempos, uma quantidade de trabalhadores para se
dedicarem a atividades coloniais. Em consonância com Vainfas (1984, p. 62),
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

“pelo trabalho no repartimiento, cujo tempo variava de semanas a meses, os


índios deveriam receber um salário, parte do qual obrigatoriamente em moeda
(ou metal) a fim de que pudessem pagar o tributo régio” (VAINFAS, 1984, p.
62-63, grifo nosso).
Embora variasse de uma região a outra, pode-se afirmar que o repartimiento
transformou-se na forma de trabalho predominante na América Hispânica até
meados do século XVII, principalmente na mineração.
Outra prática utilizada, sobretudo na hacienda, foi a peonaje, sistema pelo
qual os trabalhadores criavam uma dívida no armazém da propriedade a fim
de retê-los nela. As contas eram controladas de forma a torná-las iliquidáveis,
ficando o trabalhador obrigado a pagar com o seu trabalho.
Assim, as relações de trabalho atuantes na América Hispânica eram múlti-
plas e complexas, agregando formas tributárias, práticas frágeis de assalariamento
no sentido de sujeitar pessoalmente os trabalhadores, criando, em alguns casos,
vínculos que mais se aproximavam da “servidão”.

A Colonização da América Hispânica: Economia, Governo e Sociedade


78 UNIDADE II

A COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA INGLESA: ECONOMIA,


GOVERNO E SOCIEDADE

A América Inglesa, composta pelo Canadá e Estados Unidos, foi colonizada


pelos ingleses em princípios do século XVII, muito provavelmente com a fun-
dação da colônia de Virgínia. Com essa informação, você pode refletir sobre a
premissa de que os ingleses não foram os pioneiros na América. Além disso, de
modo distinto da colonização portuguesa e espanhola no Novo Mundo, a Coroa
não foi responsável pela colonização, pois esse trabalho foi articulado por par-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
ticulares e pelas Companhias de Comércio. Por isso, para Leandro Karnal, Sean
Purdy, Luiz Estevam Fernandes e Marcos Vinícius de Morais (KARNAL, 2007,
p. 35), ao contrário da América Ibérica, houve na América Inglesa “uma colo-
nização de empresa, não de Estado”.
Mas o que levou os ingleses a aceitarem abandonar sua terra de origem e se
aventurarem a ocupar regiões que mal conheciam? É importante destacar que,
nesse momento, a Inglaterra passava por crises conjunturais: por um lado, as per-
seguições políticas e religiosas e, de outro, as implicações da expropriação dos
camponeses, um processo que ficou conhecido como “cercamentos”.
Diante da intensificação das perseguições religiosas do século XVI e os
encalços políticos do século XVII, momento em que figuraram conflitos entre o
Parlamento e os reis Stuart, os ingleses viram o fato de migrarem para a América
como uma das alternativas. A prática dos cercamentos e a situação de miséria
instalada em razão desse processo apenas agravou o cenário caótico da Inglaterra
seiscentista. Tal fenômeno resultou na expulsão e confisco de terras do campe-
sinato inglês, fator que os levou a migrarem forçosamente para a América em
busca de melhores condições de vida. O processo de migração de ingleses para
o Novo Mundo serviu de combustível para fomentar a colonização na região
setentrional do continente. Quanto à organização do sistema colonial na América
Inglesa, existem divergências na literatura especializada sobre o assunto. Alguns
historiadores falam na organização de três áreas principais (as colônias do norte,
centro e sul), ao passo que outros insistem na existência de duas regiões colo-
nizadas de forma distinta (as colônias do norte e sul). Vamos aqui optar pela
segunda interpretação.

O PERÍODO COLONIAL NA AMÉRICA HISPÂNICA E SAXÔNICA


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Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Mapa 04: Distribuição geográfica das treze colônias inglesas na América


Fonte: Wikimedia Commons (online).

As colônias do norte são: Pensilvânia, Nova Jersey, Nova York, Delaware,


Connecticut, Rhode Island, Massachussets e Nova Hampshire. As colônias do
sul, por sua vez, são classificadas na seguinte ordem: Maryland, Virginia, Carolina
do Norte, Carolina do Sul e Geórgia.
As colônias do norte foram destinadas ao povoamento de refugiados enqua-
drados nos casos citados anteriormente. Essa região, banhada pelo Oceano
Atlântico, apresenta o clima temperado, similar ao europeu. Tais características
facilitaram o desenvolvimento de um núcleo de povoamento baseado na policul-
tura de subsistência e no mercado interno, já que não foram encontrados metais
preciosos e nem produtos agrícolas em abundância para o mercado europeu.

A Colonização da América Inglesa: Economia, Governo e Sociedade


80 UNIDADE II

O trabalho familiar, concentrado em pequenas propriedades, foi predo-


minante. Alguns cereais, como o milho, foram cultivados por esses grupos.
Além disso, na região setentrional dessas colônias, mais conhecida como Nova
Inglaterra, desenvolveu-se uma produção de navios significativa. Esses estalei-
ros foram bem sucedidos em razão da abundância de madeiras existentes na
região e tais grupos familiares confeccionavam embarcações destinadas aos mais
diferentes fins, bem como para o comércio triangular (KARNAL, 2007, p. 47).

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Ficou curioso para saber o que foi o comércio triangular? Saiba que esse tipo
de comércio interligava três pontos que envolviam um conjunto de interes-
ses e negociações entre África, América e Europa.
Fonte: a autora.

No caso das colônias do norte, o comércio triangular era muito utilizado na


compra de cana e melado das Antilhas, os quais seriam transformados em rum.
Tal bebida era transportada para a África por meio de embarcações provenien-
tes da Nova Inglaterra. Nesse continente, era usualmente trocada por escravos.
Esses cativos eram comercializados pelos proprietários de terras das Antilhas e
Colônias do Sul. Seguido desse processo de venda de mão de obra escrava, nova-
mente os navios retornavam para a Nova Inglaterra carregados de melado e cana
para a produção de rum. Tal comércio envolvia geralmente a Europa para onde
rumavam os navios com açúcar das Antilhas, os quais retornavam com produ-
tos manufaturados para serem comercializados nas colônias inglesas na América
(KARNAL, 2007, p. 47).
Além dessas atividades, as Colônias do Norte adotaram a pesca para comple-
mentar a economia local. Localizadas próximas a um dos maiores pesqueiros do
mundo (Terra Nova), tais colônias tiveram condições de explorar fartamente as
atividades pesqueiras bem como a venda de peles, as quais eram adornos funda-
mentais nos vestuários da época, além de proteger do rigoroso inverno europeu.

O PERÍODO COLONIAL NA AMÉRICA HISPÂNICA E SAXÔNICA


81

Em termos políticos, a região da Nova Inglaterra se mostrou bastante orga-


nizada, apresentando governos com larga participação popular. Mesmo com as
proibições da população, cada colônia possuía relativa autonomia e chegaram
a construir pequenas manufaturas, além de realizarem o comércio entre outras
regiões que não fossem a metrópole e não possuíam o seu aval.
De forma distinta, as colônias do sul desenvolveram uma economia mais
condizente com os interesses europeus. Desde cedo, cultivaram o tabaco e o
fumo, sendo que o primeiro exigia uma expansão agrícola contínua, tamanha
a sua capacidade de esgotamento do solo. Muito embora a mão de obra servil
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

branca fosse muito utilizada no século XVII, é fato que o aumento da área de
tabaco exigiu um número significativo de mão de obra escrava (KARNAL, 2007,
p. 49). Como consequência, a sociedade ficou marcada por ampla desigualdade
e resistiu mais ao pensamento de independência por estar vinculada a interes-
ses externos, isso porque os latifundiários meridionais temiam que uma ruptura
com a Inglaterra significasse um corte com a sua estrutura econômica.
Era comum algumas pessoas reafirmarem a dependência das colônias do
sul com a Inglaterra, como no fato de que quase todas as roupas eram prove-
nientes de lá, mesmo o sul sendo o grande responsável por produzir linho e
algodão. Outras, por sua vez, não escondiam o espanto de que mesmo a região
sendo rica em madeira houvesse a importação de cadeiras, bancos e cômodas
(KARNAL, 2007, p. 49).
As colônias centrais estariam mais vinculadas à agricultura, com enfoque na
produção de cereais e, assim como o norte, desenvolveram pequenas proprieda-
des e manufaturas. Essas colônias surgiram posteriormente, já que, a princípio,
esse território era utilizado para separar as colônias do norte e do sul. Dentre
essas, podemos destacar a Pensilvânia, fundada pelos quackers, um grupo que
surgiu após a Reforma e que se baseava na igualdade entre homens e eram con-
trários a toda e qualquer forma de violência, sobretudo as guerras. Em função
dessa plêiade de ideias, os quackers sofreram perseguições diversas na Inglaterra
e viram na América uma forma de fugir da violência. Como um dos grupos que
surgiram após a Reforma, suas ideias estavam voltadas para a igualdade entre os
homens, se opondo a qualquer tipo de tratamento coercivo, fator que lhe rende-
ram inúmeras perseguições na Inglaterra.

A Colonização da América Inglesa: Economia, Governo e Sociedade


82 UNIDADE II

De forma distinta dos ingleses, a colonização francesa na América ocorreu de


forma tardia, ficando restrita, em um primeiro momento, a viagens e conquistas.
Apesar de os franceses se fazerem presentes na América ao longo do século XVI,
tal ação não significou uma atitude sistemática e precisa desenvolvida pela Coroa.
A sua atuação no Novo Mundo estava mais restrita à participação de corsários
e aventureiros, como em incursões na América do Norte e em outras regiões ao
sul da América, a exemplo de ocupações de parte do litoral brasileiro no intuito
de encontrar pau-brasil e em algumas visitas mais ousadas, como quando ten-
taram fundar a chamada França Antártica, no Rio de Janeiro, em 1555.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Outra tentativa de inaugurar uma colônia francesa na América do Sul ocor-
reu no século XVII, quando implantaram a França Equinocial ou Equatorial, no
Maranhão, de onde foram expulsos. Foi somente nesse mesmo século, durante
o reinado de Luís XIII e de seu primeiro ministro Richelieu, que a colonização
da América pelos franceses assume um caráter mais incisivo. A ocupação do
Canadá e de algumas ilhas da América Central, a exemplo de Guadalupe, Haiti
e Martinica, sinaliza a fase decisiva da colonização francesa no Novo Mundo
(MORTON, 1989, p. 9). No Canadá, os franceses se dedicaram à prática de uma
agricultura de subsistência e ao comércio de peles, com ampla procura no mer-
cado europeu. Nas Antilhas, por sua vez, a produção açucareira tornou-se a base
da economia de exploração e gerou uma substancial acumulação de capitais,
principalmente por utilizarem a mão de obra escrava africana.
Tais conquistas, porém, não permaneceram por muito tempo nas mãos dos
franceses. A rivalidade com os ingleses aumentou de forma significativa e esse
fator conduziu os franceses a perderem Martinica, Guadalupe e o Canadá, em
função da Guerra dos Sete Anos (1756-1763), para os britânicos.
Das colônias francesas na América, restaram somente o Haiti, a Guiana
Francesa e a Luisiana (parte central da América do Norte, mas que foi vendida
aos norte-americanos no século XIX).

O PERÍODO COLONIAL NA AMÉRICA HISPÂNICA E SAXÔNICA


83

Você sabia que a Guerra dos Sete Anos foi uma série de conflitos interna-
cionais, ocorridos entre 1756 e 1763? Esses confrontos envolveram diversos
reinos europeus e também se estenderam para as colônias da Ásia, África e
América do Norte. O atrito que resultou nesse evento bélico foi liderado por
dois blocos: de um lado, os franceses e seus aliados (Reino da Suécia, Reino
da Saxônia, Reino da Espanha, Reino de Nápoles, Ducado de Württemberg,
Império Austríaco e Império Russo); por outro lado, liderados pela Inglater-
ra, estavam o Reino da Prússia, Reino de Portugal, Reino de Hanôner, Duca-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

do de Brunsvique e Estado de Hesse-Cassel.


Fonte: a autora.

Pelo o que você viu até aqui, pôde notar que a colonização inglesa na América
desenvolveu-se à parte da Coroa britânica. As treze colônias gozavam de um
grau de independência considerável entre si, estando cada uma delas, também,
autônomas, em certa medida, da metrópole. Conforme salientamos, a coloni-
zação ocorreu a partir da iniciativa privada, o que explica o desenvolvimento
de um elevado grau administrativo, econômico e político, caracterizado, sobre-
tudo, pela ideia do autogoverno.

A Colonização da América Inglesa: Economia, Governo e Sociedade


84 UNIDADE II

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na segunda unidade, estudamos a conquista e a colonização da América Hispânica


e Saxônica durante o período compreendido, “grosso modo”, entre os séculos
XVI e XVIII. O assunto analisado teve como objetivo a conscientização dos pro-
cessos de conquistas e da formação de estruturas coloniais que se firmaram na
América. Quase sempre ouvimos ou lemos em noticiários e periódicos diversos
temas vinculados a esse período, seja no âmbito de descobertas científicas ou
nos mais diversos setores de atuação da vida social, mediante as quais se torna

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
necessário lançar um olhar crítico.
Foi possível notar que vários países americanos experimentaram, ao longo
de sua trajetória histórica, processos socioeconômicos e políticos semelhantes,
apesar das singularidades pertinentes a cada processo. A América se apresenta
dessa forma: terra de contrastes, contestações e antagonismos que se desenvol-
veram de norte a sul.
Você pôde conhecer as múltiplas versões da conquista e colonização da
América Espanhola, seja por meio da produção especializada mais recente ou
pela utilização de documentos de época. Posteriormente, trabalhamos a estru-
tura socioeconômica e política da América Hispânica, recorrendo-se, para isso,
a uma abordagem voltada para as diferentes formas de relações de trabalho
desenvolvidas entre espanhóis e nativos. Por fim, foi analisada a estrutura socio-
econômica e política da América Inglesa. Tais informações são relevantes para
compreendermos a formação socioeconômica e política atual dos países que
compreendem tais regiões.
As nações que formam, nos dias de hoje, as regiões conquistadas e coloni-
zadas pelos espanhóis e ingleses possuem uma singularidade própria, mas que
encontra raízes no passado. Tal fato nos permite compreender porque existem
diferenças culturais, sociais, econômicas e políticas tão gritantes no continente
americano. Em muitos casos, como o de algumas regiões da América Espanhola,
é possível notar que os laços de colonização não foram efetivamente apagados.

O PERÍODO COLONIAL NA AMÉRICA HISPÂNICA E SAXÔNICA


85

Bartolomé de las Casas e a simulação dos vencidos: ensaio sobre a conquista his-
pânica da América
(...) seria possível um comportamento tão passivo, tão destituído de caráter, tão servil,
por parte dos ameríndios, perante a invasão de seus territórios? (...)
Em outras palavras, a imagem acerca dos índios contém duas vertentes aparentemente
contraditórias, mas que se juntam numa concepção surpreendente do processo histó-
rico da conquista. Por um lado, os índios aparecem derrotados e conquistados com re-
lativa facilidade, e sua passividade lhes tira a condição de sujeitos ativos e centrais do
processo, ficando assim fundada a ideia de que o processo social do continente, já desde
o início de sua modernidade, foi feito pelas minorias. No entanto a ideia da simulação
nos apresenta uma maioria que age por vias diferentes das comuns, que resiste silencio-
samente à dominação e acaba distorcendo o processo como um todo. (...)
Dessa maneira, podemos recuperar, como formas históricas da resistência indígena à
invasão, fenômenos sociais como a embriaguez, a indolência, a mentira etc.
O que mais chama a atenção em todo esse processo da conquista americana é a atitude
dos indígenas em relação ao cristianismo. Documentos diversos atestam que os índios
simulavam ser cristãos por meio dos significados das formas, rituais e gestos da nova
religião, mas no fundo a simulação lhes permitia encobrir suas crenças idolátricas (...).
Como defensor dos índios e denunciante das atrocidades dos conquistadores, frei Bar-
tolomé de Las Casas desenvolveu a imagem da “destruição das Índias”, que era produto
da preocupação do frade com o futuro da sociedade que se organizava: a nova socie-
dade começava distorcida, prenhe de desequilíbrios e de injustiças, carente dos mais
elementares direitos.
Com exceção de Las Casas, no século XVI prevaleceu a visão otimista da conquista: acre-
ditava-se que a nova sociedade era inteiramente benéfica para os aborígenes, pois se
partia da premissa de que a civilização europeia era superior à civilização americana. O
importante era o resultado final, a propagação de valores cristãos e a organização de
uma sociedade alicerçada nesses valores.
Fonte: adaptado de BRUIT, H. H. Bartolomé de las Casas e a simulação dos vencidos:
ensaio sobre a conquista hispânica da América. Campinas, SP: Editora da Unicamp; São
Paulo: Iluminuras, 1995, p. 14-17, 55.
1. Durante o texto, você deve ter notado que existem múltiplas interpretações so-
bre a conquista da América Espanhola. Estabeleça uma comparação do olhar
da conquista feita por Hernan Cortés, Bartolomé de Las Casas e Cristóvão
Colombo.
2. Uma das principais estruturas socioeconômicas que se desenvolveram na Amé-
rica Hispânica foi a mineração, principalmente a extração da prata. A partir dessa
assertiva, descreva sobre a economia mineradora na América Espanhola.
3. A organização do sistema colonial da América inglesa estava baseada na exis-
tência de duas regiões colonizadas de forma distinta (as colônias do norte e sul).
Com base na leitura desta unidade, analise a estrutura socioeconômica de
cada uma dessas áreas.
4. A encomienda foi um dos sistemas de trabalho adotado pelos colonizadores es-
panhóis na América. De forma geral, a encomienda tinha como objetivo:
a) A divisão de cidades e vilas entre os conquistadores, os quais passaram a explo-
rar a mão de obra escrava do nativo. Normalmente, os encomendeiros exigiam
impostos em trabalhos pesados e, na maioria dos casos, tinham direito à terra
dos índios.
b) A divisão de grupos de indígenas entre os conquistadores, os quais passaram a
explorar o sobretrabalho dos nativos sem, entretanto, condicioná-los à escravi-
dão. Normalmente, os encomendeiros exigiam impostos em dinheiro e, na maio-
ria dos casos, tinham direito à terra dos índios.
c) A divisão de trabalhos entre os conquistadores, os quais deixaram os nativos li-
vres, sem submetê-los a qualquer contrato de trabalho ou servidão. Normalmen-
te, os encomendeiros trabalhavam por conta e tinham direito à terra dos índios.
d) A subtração das terras dos nativos e a sua distribuição aos colonizadores espa-
nhóis. Em relação aos nativos, os encomendeiros exigiam impostos em gêneros
ou em prestações de trabalho e tinham direito às suas terras.
e) A divisão das aldeias entre os conquistadores, os quais passaram a explorar o
sobretrabalho dos nativos sem, entretanto, condicioná-los à escravidão. Normal-
mente, os encomendeiros exigiam impostos em gêneros ou em prestações de
trabalho, mas, na maioria dos casos, não tinham direito à terra dos índios.
5. No processo de colonização da América Inglesa, a Coroa não foi responsável pela
colonização, pois esse trabalho foi articulado por particulares e pelas Compa-
nhias de Comércio. Dentre os fatores que levaram os ingleses a abandona-
rem sua terra de origem e se aventurarem a ocupar regiões do Novo Mundo
estão:
a) As perseguições políticas, religiosas e as implicações da expropriação dos cam-
poneses em um processo que ficou conhecido como “cercamentos”.
87

b) As perseguições culturais, religiosas e as implicações da expropriação dos bur-


gueses em um processo que ficou conhecido como “aburguesamento”.
c) As batalhas políticas, econômicas e as implicações das mortes de mulheres e
crianças no episódio conhecido como Noite dos Cristais.
d) O genocídio decorrente de perseguições políticas, econômicas e a expropriação
de bens da nobreza.
e) As batalhas religiosas em busca de novas terras e a mortandade de ingleses nas
guerras travadas com o Oriente.
6. A “leyenda negra” (lenda negra) da conquista da América Hispânica foi inaugura-
da pelo frei Bartolomé de Las Casas na primeira metade do século XVI. Assinale
a alternativa correta com relação a esse tipo de pensamento:
a) Hernan Cortés e Cristóvão Colombo podem ser considerados adeptos desse tipo
de pensamento, pois criticavam a colonização desenfreada em busca do ouro e
tinham como objetivo proteger os nativos.
b) Os escritos do frei Bartolomé de Las Casas denunciavam as atrocidades dos con-
quistadores contra os índios e encontraram grande eco entre os opositores do
colonialismo praticado pela Espanha no continente americano.
c) Similar à lenda rosa, a lenda negra afirmava a importância da colonização espa-
nhola como base para a instalação do cristianismo na América a qualquer custo.

d) A lenda negra tinha como objetivo legitimar o poderio da Coroa espanhola entre
os nativos. Por isso, os adeptos desse pensamento eram favoráveis à implanta-
ção do trabalho forçado, bem como a cobrança de impostos, dentre eles, o “quin-
to”, tributo retirado de metais preciosos encontrados na América Espanhola.

e) A lenda negra tinha como objetivo construir aldeias para onde deveriam se re-
fugiar os nativos que sofressem com a atuação da colonização espanhola. O seu
objetivo, portanto, não era de denúncia das atrocidades acometidas em relação
aos índios, mas de efetivar, na prática, medidas que inibissem a exploração de-
corrente do processo de colonização.
MATERIAL COMPLEMENTAR

Título: A conquista da América: a questão do outro


Autor: Tzvetan Todorov
Editora: Litoral Edições
Sinopse: o autor toma como exemplo o encontro entre os europeus e os
nativos americanos desde 1492, procurando analisar a influência cultural
entre as duas sociedades, e também minimizar a ideia de que somente
os nativos foram aculturados. Todorov retrata momentos históricos
vivenciados por essas sociedades, como, as dificuldades encontradas por
Colombo durante a viagem (a partir da análise do seu diário de bordo)
e o primeiro contato com os nativos, a visão que cada um constrói do
outro etc. O choque do exótico com o convencionalmente determinado
padrão tradicional do viver, ver e conviver.

Título: A colonização do imaginário: sociedades indígenas e


ocidentalização do México espanhol (séculos XVI-XVIII)
Autor: Serge Gruzinski
Editora: Companhia das Letras
Sinopse: a proposta do livro não se concentra em relatar a
destruição, nem resistência, mas apreender os variados processos de
transformação cultural que caracterizam o mundo colonial. O autor
buscou, portanto, ressaltar o México colonial no que considera como
“aspectos positivos”. Gruzinski parte do princípio de que, no momento
histórico de mudanças espetaculares e violentas, a conquista da
América hispânica não pode ser sintetizada apenas como ruína de ricas
culturas pré-colombianas, nem como o embrião de sociedades europeias muito menos
decadentes e de difícil localização, pelo contrário, o mundo colonial mexicano aparece
como “mesclado” ou “mestiço”, palavra usualmente empregada pelo autor.

Título: Uma nova história dos Estados Unidos: a era colonial


Autor: Herbert Aptheker
Editora: Civilização brasileira
Sinopse: a obra faz uma análise a respeito da hegemonia comercial
britânica e o choque de interesses com as colônias americanas. Além
disso, é abordado o momento de transição do capitalismo mercantil ao
industrial e o que essas mudanças trouxeram na esfera política.
MATERIAL COMPLEMENTAR

Título: A conquista do oeste


Ano: 1962
Sinopse: o filme descreve os perigos e aventuras vividos pelos
desbravadores pioneiros do Oeste americano. Esta saga é contada
por intermédio da história de três gerações da família Prescott.
Comentário: um filme relevante para compreendermos os anos
de expansão americana em direção ao Oeste, entre 1830 e 1880,
a corrida pelo ouro, a guerra civil americana e a construção de
ferrovias.

Título: A letra escarlate


Ano: 1995
Sinopse: o filme descreve a busca pela liberdade das pessoas que
fugiam da perseguição religiosa na Inglaterra durante o domínio do rei
Carlos II. Mostra principalmente os detalhes da situação da mulher na
sociedade vigente.
Comentário: um material importante para auxiliar na compreensão da
perseguição religiosa ocorrida na Inglaterra durante o século XVII.

Neste documentário, é retratada a conquista dos astecas pelos espanhóis, com


destaque para a vida pessoal de Hernan Cortés e Montezuma. O trabalho foi baseado
nas cartas escritas por Cortés e enviadas à Coroa espanhola. Vale a pena conferir!
Hernan Cortés: a crônica de uma conquista
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=aOx6j5jv-h8>. Acesso em: 29 set.
2015.

Material Complementar
Professora Dra. Verônica Karina Ipólito

III
AMÉRICA FRENTE À CRISE

UNIDADE
DO SISTEMA COLONIAL
E OS MOVIMENTOS DE
INDEPENDÊNCIA

Objetivos de Aprendizagem
■■ Compreender a crise do sistema colonial que derivou nos processos
de independência da América Espanhola.
■■ Analisar os acontecimentos que resultaram na emancipação política
da América Portuguesa.
■■ Conhecer os fatores que aceleraram a independência da América
Inglesa.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ A crise do sistema colonial espanhol e as alterações do século XVIII
■■ Os processos de emancipação política na América Espanhola
■■ A independência da América Portuguesa
■■ O processo de independência da América Inglesa
93

INTRODUÇÃO

Caro(a) leitor(a), a terceira unidade do livro aborda os processos de indepen-


dência das Américas Hispânica, Portuguesa e Inglesa do jugo dos domínios
metropolitanos. Não foi nossa intenção trabalhar minuciosamente os detalhes
que resultaram nas emancipações políticas no Novo Mundo, em razão da quanti-
dade limitada de páginas. Entretanto procuramos filtrar as informações e elencar
o que julgamos imprescindível para o conhecimento desse tema.
O primeiro objetivo é conduzi-lo(a) a refletir sobre a crise no sistema colo-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

nial da América Espanhola no contexto de transição do século XVIII para o XIX.


Em seguida, serão apresentados os múltiplos e variados processos de indepen-
dência hispano-americanos. Posteriormente, analisaremos a conjuntura social,
política e econômica que resultou na emancipação da América Portuguesa. Na
sequência, serão exploradas as mudanças contextuais que aceleraram a indepen-
dência dos Estados Unidos.
O objetivo é compreender que, salvo exceções, o domínio metropolitano
foi substituído pelo domínio da elite colonial, quase sempre atrelada ao capital
estrangeiro e a interesses próprios, sendo a principal responsável ao fornecimento
de matérias-primas para o mercado mundial e consumidora de produtos manu-
faturados, provenientes da Grã-Bretanha. Acredito que, se você compreender o
contexto de fins do século XVIII e início do XIX, que resultou nos processos de
independência das Américas Hispânica, Portuguesa e Inglesa, poderá acompa-
nhar melhor a próxima unidade, cujas temáticas estão voltadas para a formação
e consolidação dos Estados Nacionais entre os séculos XIX e XX.
A intenção do conteúdo abordado nesta unidade é prepará-lo(a) de forma
que entenda e aprecie a História da América. Convido-o(a) a conhecer as inde-
pendências da América!
Pronto(a) para mais uma viagem rumo ao conhecimento?!
Desejo-lhe uma leitura prazerosa!

Introdução
94 UNIDADE III

AMÉRICA FRENTE À CRISE DO SISTEMA COLONIAL E OS


MOVIMENTOS DE INDEPENDÊNCIA

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
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Figura 05: Documento da Declaração de Independência dos Estados Unidos

AMÉRICA FRENTE À CRISE DO SISTEMA COLONIAL E OS MOVIMENTOS DE INDEPENDÊNCIA


95

A CRISE DO SISTEMA COLONIAL ESPANHOL E AS


ALTERAÇÕES DO SÉCULO XVIII

Durante os séculos XVII e XVIII, a Europa sofreu mudanças significativas que


resultaram em transformações nas mais distintas áreas e influências substanciais
em todo o mundo ocidental.
John Lynch (2001) retrata as causas que propiciaram a independência da
América Hispânica, atribuindo um papel especial às reformas bourbônicas e
suas consequências como uma das forças propulsoras que incentivou o pro-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

cesso de independência na América Hispânica. Assim, analisaremos agora esse


assunto em questão.
Na segunda metade do século XVIII, a Espanha bourbônica pretendia refor-
mular as estruturas existentes ao invés de criar outras novas. Inicialmente, as
colônias eram praticamente um reflexo da metrópole, porém as duas economias
diferenciavam-se em uma atividade fundamental: a produção de metais preciosos
pela colônia. Houve um grande crescimento populacional, que, somado a uma
demanda crescente por produtos agrícolas – na Espanha e mercado internacio-
nal –, aumentou a procura por terra nas colônias. Era vital melhorar as técnicas,
comercializar a produção e remover os obstáculos ao crescimento. Foram fei-
tas leis – por exemplo, a Lei do Milho de 1765 –, uma limitada distribuição de
terras e regulamentação do comercio libre. Tais medidas contribuíram para um
crescimento econômico, o que não significou mudança social, de forma que o
próprio comercio libre foi questionado sobre quais benefícios realmente traziam
as colônias – ele realmente estimulava uns poucos setores da produção colonial,
porém deixava o monopólio legalmente intacto, de forma que as barreiras ao
comércio internacional permaneciam as mesmas.
Enquanto a Espanha permanecia com uma economia essencialmente agrá-
ria, a economia inglesa passava por mudanças revolucionárias devido à revolução
industrial. A principal consequência desse processo foi que o comércio inglês com
as colônias aumentou muito. O mercado da América espanhola era importante
de ser expandido sempre que possível, porém não era tão vital a ponto de ser
incorporado ao Império Britânico. De qualquer forma, o visível contraste entre
Inglaterra e Espanha, representado pelas antíteses de crescimento e estagnação,

A Crise do Sistema Colonial Espanhol e as Alterações do Século XVIII


96 UNIDADE III

teve um efeito poderoso na mente dos colonos. Apesar disso, eles não eram con-
sultados sobre a política exterior espanhola, tendo que pagar na forma de taxas
os custos da guerra contra a Inglaterra. A partir de 1765, a resistência à taxação
imperial se tornou constante e, às vezes, violenta.
Politicamente, o império espanhol na América se baseava em uma balança de
poder entre grupos poderosos divididos na administração, igreja e elite local. Os
Bourbons centralizaram os mecanismos de controle e modernizaram a burocracia,
criando novos vice-reinos e outras unidades de administração (intendentes). O
que a metrópole achava que era um desenvolvimento racional, as elites coloniais

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
interpretavam como um ataque aos interesses locais. A ordenança de intenden-
tes foi um instrumento básico de reforma bourbônica, ocasionando mudanças
estruturais e uma nova legislação. Mesmo havendo essa reforma administrativa,
isso não necessariamente funcionou na América Espanhola. Os colonos acharam
essa nova política inibidora e resistiram à intervenção da metrópole.
Dessa forma, ficou explícito que a metrópole apenas se preocupava con-
sigo mesma e com o seu próprio crescimento. O papel da América permaneceu
o mesmo, consumindo exportações espanholas, produzindo minerais e alguns
produtos tropicais. Nessas condições, o comercio libre era o elo de dependência
entre a metrópole e a colônia. Todos esses fatores juntos, adicionados à profunda
crise de 1808, criaram na América uma crise de legitimidade política e poder.
Também houve a ausência do monarca espanhol durante determinado período,
o que agravou ainda mais a crise política. O progresso feito pela reforma bour-
bônica da Espanha regrediu devido a Revolução Francesa, dando às colônias
mais um motivo concreto para se tornarem independentes.

AMÉRICA FRENTE À CRISE DO SISTEMA COLONIAL E OS MOVIMENTOS DE INDEPENDÊNCIA


97

A crise de 1808 advém da invasão das tropas napoleônicas a alguns paí-


ses europeus, como Portugal e Espanha, em virtude da guerra que ocorria
naquele continente, durante a qual a França decretou o Bloqueio Conti-
nental contra a Inglaterra. A ocupação do território espanhol pelas tropas
de Napoleão Bonaparte favoreceu o movimento de independência das
colônias da América porque enfraqueceu o poder da metrópole. Em 1808,
Napoleão ocupou Madri, destronou o rei espanhol Fernando VII e colocou
em seu lugar o irmão José Bonaparte. Com a deposição de Fernando VII,
os hispano-americanos experimentaram uma nova fase política, que abriu
caminhos para os movimentos de independência na América Espanhola.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Também em 1808, a família real portuguesa precisou fugir da Europa em


virtude das ameaças de invasão das forças napoleônicas. Os lusitanos não
poderiam aderir ao Bloqueio por causa de suas relações econômicas com o
reino britânico.
Fonte: a autora.

Na opinião de Lynch (2001), era claro o subdesenvolvimento da Espanha em uma


Europa cada vez mais ciente da Revolução Industrial. Além disso, novas ideias
mercantilistas e político-filosóficas fermentavam na Europa, fazendo com que os
Bourbons resolvessem revitalizar suas colônias na América a partir de meados
do século XVIII, seguindo seus próprios preceitos, ou seja, invocando as ideias
dos fisiocratas para reafirmar o papel do Estado e garantir a agricultura como
base econômica, recorrendo-se ao mercantilismo para justificar uma explora-
ção mais eficiente dos recursos coloniais e buscando no liberalismo econômico
uma base para eliminar as restrições ao comércio e à indústria.

A Crise do Sistema Colonial Espanhol e as Alterações do Século XVIII


98 UNIDADE III

Em consonância com Lynch (2001), o alto crescimento demográfico na


Espanha gerou uma nova procura por terras. As taxas de arrendamento da terra
na Espanha subiram muito mais que o preço dos produtos, em razão da alta
taxa de natalidade. A resolução bourbônica foi criar as regras do comercio libre
y protegido, em 1778, em Buenos Aires, Chile e Peru e, em 1789, na Venezuela e
México, acabando com muitas das restrições do comércio da própria Espanha
com a América Hispânica em favorecimento dos primeiros. Isto é, para Lynch
(2001), o principal intuito do comercio libre era o de desenvolver a Espanha e
não a América. Gaspar de Jovellanos (apud LYNCH, 2001, p. 33), um econo-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
mista liberal espanhol, por exemplo, elogiou o decreto de 1778, por dar maiores
oportunidades à agricultura e à indústria espanholas, em um mercado que jus-
tificava sua existência, mediante o consumo de produtos espanhóis, ao dizer que
“as colônias são úteis na medida em que oferecem um mercado seguro para a
produção excedente da metrópole”.

Ficou curioso para saber o que foi a fisiocracia? Saiba que os fisiocratas
afirmavam que toda a riqueza era proveniente da terra, da agricultura. São
considerados membros da primeira escola de economia científica, que sur-
giu antes até mesmo da teoria clássica de Adam Smith. Foi criada no século
XVIII, o seu idealizador foi François Quesnay, médico da corte do rei francês
Luís XV. Trata-se, portanto, de uma teoria econômica criada para fazer opo-
sição ao mercantilismo.
Fonte: a autora.

AMÉRICA FRENTE À CRISE DO SISTEMA COLONIAL E OS MOVIMENTOS DE INDEPENDÊNCIA


99

Conforme Lynch (2001), foram feitas muitas restrições e exigências à América


espanhola, muitas impossíveis de serem realizadas, contudo, inicialmente, não
geraram qualquer tipo de insatisfação. Isso porque, na visão de Lynch (2001), a
América hispânica era semelhante à sua metrópole. Assim, os produtos expor-
tados pela Espanha, muitas vezes, já competiam com os próprios produtos
existentes na América, por serem, em sua maioria, de procedência agrícola. Em
outras palavras, os dois mercados já competiam entre si e a influência do comer-
cio libre tardou a ser percebida.
Embora encontremos o desenvolvimento de manufaturas em Barcelona, a
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produção espanhola era essencialmente agrícola. Por isso, para Lynch, as dife-
renças entre a Espanha e suas colônias eram poucas ou praticamente nulas. Se,
em um primeiro momento, esse fator não causou insatisfações, posteriormente,
foi sendo um motivador para tensões coloniais que começam a insurgir. O novo
impulso dado ao comércio espanhol logo saturou esses mercados, de modo que
as colônias se defrontaram com um problema frequente: lucrar o suficiente para
pagar as crescentes importações. No entanto as falências no Novo Mundo se repe-
tiam: a indústria local declinou; mesmo os produtos agrícolas, como o vinho e
o conhaque, estavam sujeitos à concorrência das importações e os metais pre-
ciosos se escoaram nessa luta desigual.
Nesse sentido, segundo Lynch (2001), o comercio libre era favorável à Espanha
em todos os sentidos, em detrimento de uma América abandonada e cada vez
mais ciente da necessidade de ser independente. Essa autonomia pretendida se
via invadida pela ação espanhola contra, até mesmo, o desenvolvimento de indús-
trias na América. Existiam manufaturas já em Puebla, Quito e Querétaro, obrajes
em Cuzco e Tucumán. Todas entraram em decadência em razão das imposições
da metrópole que, não bastando, era incapaz de abastecer a América de produ-
tos industriais próprios.

A Crise do Sistema Colonial Espanhol e as Alterações do Século XVIII


100 UNIDADE III

A Espanha, mesmo adotando uma política de reexportação de produtos


industriais, enfrentava alguns dilemas. Um exemplo seria o caso das oficinas
têxteis do México e de Puebla, que produziam o suficiente para pôr em alerta
os manufatureiros de Barcelona, os quais, frequentemente se queixavam dos
efeitos da concorrência local sobre suas exportações e tentavam, junto a Coroa,
ordens mais rigorosas para a imediata destruição das fábricas têxteis instala-
das nessas colônias. Cedendo às pressões, foram lançados os decretos reais de
novembro de 1800 e outubro de 1801, que proibiam a constituição de fábricas
na América espanhola.

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Para a Espanha, era muito mais importante que a colônia se voltasse à pro-
dução agrícola e extração de minérios do que para o desenvolvimento de uma
indústria ou aperfeiçoamento do mercado. A guerra da Espanha com a Inglaterra
entre 1796 e 1802 favoreceu os têxteis americanos, já que isolou as colônias his-
pano-americanas da Espanha. O retorno das atividades dos manufatureiros
americanos se deu a partir de 1804, enfrentando a oposição dos manufaturei-
ros localizados na Espanha.
Os embates entre a Espanha e a Inglaterra demonstraram a superioridade
no comércio marítimo britânico, superando a Espanha no momento de seu
embate (a partir de 1796) no comércio com a América. O comércio da América
Espanhola com estrangeiros era impossível de ser evitado, já que a Marinha espa-
nhola encontrava-se completamente debilitada. Novos mercados se abriam para
a América espanhola no momento dos embates: Estados Unidos e outros países
neutros aproveitaram-se dessa oportunidade, reexportando até mesmo produtos
manufaturados na Inglaterra. A Paz de Amiens, em 1802, ofereceu uma opor-
tunidade de recuperação das exportações espanholas, mas 54% dos produtos
enviados à América eram de procedência estrangeira.
Para Lynch (2001), a situação se complicou ainda mais em 1804, quando
houve uma nova declaração de guerra por parte da Inglaterra contra a Espanha.
De acordo com o autor, a Grã-Bretanha estava sedenta pelo mercado ameri-
cano, principalmente após o fechamento dos portos europeus e o impedimento
da entrada de produtos britânicos ao mercado europeu por Napoleão. É nesse
ponto que, segundo Lynch (2001), o controle político espanhol entrava em crise.

AMÉRICA FRENTE À CRISE DO SISTEMA COLONIAL E OS MOVIMENTOS DE INDEPENDÊNCIA


101

Os dados demográficos eram favoráveis aos criollos, em detrimento dos penin-


sulares. Lynch (2001) suscita dúvidas com relação à igualdade legal entre esses
dois grupos, mas é certo que nas colônias a Espanha desconfiava dos americanos
enquanto seus administradores. Em razão disso, os excluiu dos postos de respon-
sabilidade, da ocupação dos mais altos cargos ou do comércio transatlântico na
América. O objetivo espanhol era o de desamericanizar a América, com medo
de perdê-la e, ao mesmo tempo, garantir lucro aos cofres reais. Daí a nomeação
dos peninsulares para todos os cargos de confiança em que se exige liderança.
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Criollos eram descendentes de espanhóis nascidos na América. Peninsula-


res, por sua vez, eram espanhóis nascidos na metrópole e viviam tempora-
riamente nas colônias. Também eram conhecidos como chapetones.
Fonte: a autora.

Os peninsulares se consideravam superiores aos brancos (descendentes de euro-


peus) nascidos na América, como podemos observar na análise de Alexander
von Humboldt (apud LYNCH, 2001, p. 46): “O europeu mais baixo e com menos
educação e cultura acredita ser superior ao branco nascido no Novo Mundo.”
Mas, de certa forma, a moderna historiografia em muitos momentos encontra
alianças entre peninsulares e criollos em torno de interesses, funções e paren-
tesco, diminuindo em certos aspectos a dicotomia apontada por Humboldt.
Os problemas enfrentados pela Espanha eram muitos. Não havia uma estrutu-
ração com relação ao desenvolvimento industrial tardio, nem mesmo motivação.
Não havia interesse em acumular capital para se implantar na indústria. O obje-
tivo maior era o de adquirir mais terras e artigos luxuosos importados. Não
havia um mercado nacional para a indústria: o sistema de transportes em fins
do século XVII na Espanha não comportava a demanda populacional nem tam-
pouco a transferência de produtos de um lado a outro do país. Por mar, era muito
mais simples adquirir-se um produto (ultramarino) do que por terra, como nas

A Crise do Sistema Colonial Espanhol e as Alterações do Século XVIII


102 UNIDADE III

cidades do interior da Espanha. Isso deixava cidades litorâneas, como Barcelona


e Cádiz, mais estruturadas e receptivas ao comércio do que Castela, localizada
no interior da Espanha.
Com isso, a Espanha perdia inúmeras oportunidades comerciais de expor-
tação em razão dessa limitação estrutural. Apesar de o interior espanhol ser
autossuficiente no gênero alimentício, muitas das cidades do litoral tinham que
importar seus cereais e alimentos em geral. Cuba é um exemplo de colônia que
se volta aos EUA em razão da deficiência espanhola em abastecê-los com fari-
nha de trigo.

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Carlos III (que governou de 1759 a 1788) é o primeiro dos Bourbons a se
encarregar das políticas de modernização comercial e colonial da Espanha. O
comércio marítimo seria um essencial exportador do excedente agrícola da
Espanha (embora encontremos uma estruturação das manufaturas de Barcelona).
No governo de Carlos IV (1788-1808), a Revolução Francesa foi responsável por
gerar temor na Monarquia espanhola, ocasionando uma reação sem preceden-
tes na Espanha e, consequentemente, nas colônias americanas. A nomeação do
Primeiro-Secretário, Manuel Godoy, por Carlos IV, é um sintoma do retorno à
velha Casa dos Habsburgos: Godoy considerava a América Latina uma mera fonte
de metais preciosos e de pagamento de tributos. A prata da América Hispânica,
importante dizer, também interessava à Inglaterra, que vivia o auge da Revolução
Industrial (com exportação de 1/3 de sua produção).
A partir da receptividade dos colonos, nota-se o quanto a Espanha era frá-
gil perante à Inglaterra e seus produtos, além dos britânicos encontrarem um
campo propício para a disseminação de seus ideais de liberalismo econômico.
No período anterior às reformas bourbônicas, havia um equilíbrio de poder
na América entre a administração (que detinha o poder político, mas não o
poder militar), a Igreja (que possuía uma hegemonia econômica e jurídica)
e a elite local (formada de uma minoria de peninsulares e de uma maioria de
criollos). Porém essa organização não foi bem recebida pelos Bourbons, a quem
era comum a compra e troca de cargos. Sua política de reformas administra-
tivas pôs em xeque toda a estrutura oficial até então. O afastamento da classe
governante local fora uma das primeiras ações de Carlos III. Criaram-se Vice-
Reinados e novas ordenações administrativas, pois uma vigilância mais rigorosa

AMÉRICA FRENTE À CRISE DO SISTEMA COLONIAL E OS MOVIMENTOS DE INDEPENDÊNCIA


103

sobre os hispano-americanos era fundamental nessa nova política. A partir de


tal modificação, os intendentes substituíram os corregidores. Os corregidores se
viram prejudicados, pois apesar de se dedicarem por anos a conciliar diversos
setores na América, se viram alijados, de uma hora para a outra, de todo o pro-
cesso administrativo.
Por meio do repartimiento de comercio, pretendia-se atender diversos grupos
de interesse na América Latina, principalmente a comerciantes e governadores
locais. Os índios foram libertos, mas incentivados a pegarem dinheiro empres-
tado com tais repartimientos, no intuito de plantar para exportação (ou apenas
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

consumir). Esse fato, bem como a intervenção da metrópole, tal como veremos
na sequência, motivou a rebelião indígena de 1780, no Peru. Em 1784, no Peru,
e em 1786, no México, a Ordenação dos Intendentes põe fim aos repartimien-
tos, substituindo-se os corregidores por intendentes.

O repartimiento de comercio, também conhecido como o reparto de mer-


cancías, foi uma das práticas mais abusivas do colonialismo espanhol nos
Andes. Governadores provinciais (corregedores) forçavam os índios a com-
prar bens de qualidade duvidosa a preços abusivos.
Fonte: a autora.

Conforme dito anteriormente, a intervenção direta da metrópole na administra-


ção colonial, por meio das reformas bourbônicas, gerou grandiosa insatisfação
entre muitos criollos e peninsulares na América Latina. Breves períodos de agi-
tação na América geraram sabotagens à política dos Bourbons em suas colônias.
Emergiram insatisfações de todos os setores sociais.

A Crise do Sistema Colonial Espanhol e as Alterações do Século XVIII


104 UNIDADE III

Após quase duzentos anos de restrições espanholas sob a dinastia dos


Habsburgos (que governou a Espanha de 1516 a 1700), as colônias america-
nas adentraram o século XVIII em um novo período da sua história, que viria
se estruturar a partir do “absolutismo ilustrado” implantado com a ascensão da
dinastia dos Bourbons ao trono espanhol. Por isso, os Bourbons realizaram uma
série de reformas, entre as quais podemos destacar: criação de companhias de
comércio para monopolizarem certos produtos coloniais, intervenção maior da
metrópole nos assuntos coloniais, criação das intendências para tornar a adminis-
tração colonial eficiente, expulsão dos jesuítas para tornar o Estado e a educação

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laicas, aumento de impostos e das forças militares (BRADING, 1997).
À medida que a nova política, de cunho reformador e inspiração ilumi-
nista, ia sendo aplicada, aumentava o processo de enfrentamento com o clero,
que passava pela ruptura de privilégios e imunidades. A Coroa, interessada nos
bens da Igreja, passou a confiscar as riquezas que esta havia acumulado com as
doações dos fiéis e das autoridades. No reinado de Carlos III, os jesuítas tinham
seus privilégios suprimidos na Espanha e, em 1767, eram expulsos da América
Espanhola. Para os Bourbons, a Igreja tinha um poder que representava uma
força paralela ao governo imperial, representava um perigo iminente que a Coroa
precisava controlar (PEREIRA, 2007).
Muitos jesuítas nascidos na América e exilados na Europa tornaram-se pro-
pagandistas da América Espanhola, divagando em suas obras sobre as riquezas
de sua terra de origem. A posse de haciendas no Paraguai e diversas posses na
América conferiam aos jesuítas certa independência econômica. Suas vastas e
ricas terras, além de outras propriedades, foram vendidas (ou leiloadas) para os
grupos sociais mais ricos da colônia, como os criollos. Ainda assim, a expulsão
dos jesuítas foi vista por muitos hispano-americanos como a expulsão de com-
patriotas de seus próprios países.
Aos reformadores Bourbons não interessava uma reformulação da doutrina
Católica, mas a diminuição de seu poder econômico como fator essencial para
a sua política de centralização econômica. Esperavam pôr as mãos nos bens da
Igreja após seu enfraquecimento. Houve reações, pois muitos súditos “(...) opu-
seram-se à política da Coroa e em muitos casos receberam o apoio de leigos
devotos” (LYNCH, 2001, p. 27).

AMÉRICA FRENTE À CRISE DO SISTEMA COLONIAL E OS MOVIMENTOS DE INDEPENDÊNCIA


105

O Exército era outro exemplo de desarticulação espanhola na América. As


milícias coloniais eram formadas por americanos, sendo reforçadas por peninsu-
lares. A partir de 1760, com a instituição do fuero militar, muitos criollos e mesmo
mestiços que estavam a procura dos benefícios fornecidos a um militar torna-
ram-se a maioria entre a milícia e geraram futuros problemas à Espanha. Em
janeiro de 1780, quando eclodiu a rebelião indígena no Peru, a milícia não ofe-
receu nenhum tipo de resistência, gerando críticas à sua ação. A Espanha notou,
a partir desse episódio, o risco que representava incluir entre os combatentes
grupos insatisfeitos de criollos e mestiços. Para arrefecer os rebeldes índios, foi
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enviada ao litoral uma tropa real formada por peninsulares, índios leais, negros
e mulatos fiéis aos Bourbons. A partir de então, formou-se um Exército regu-
lar na América, barrando os criollos de promoções militares (a cargo dos fiéis
peninsulares), evitando-se rebeliões.

Fuero militar eram privilégios corporativos, com tribunais especiais, adquiri-


dos pelos militares.
Fonte: a autora.

A Crise do Sistema Colonial Espanhol e as Alterações do Século XVIII


106 UNIDADE III

OS PROCESSOS DE EMANCIPAÇÃO POLÍTICA NA


AMÉRICA ESPANHOLA

Os séculos XV e XVI foram marcados pela conquista e colonização de nações


europeias em solo americano. A Espanha, principalmente, foi responsável por
essas ações na maior parte da América, seguida por Portugal. A França, Inglaterra
e Holanda chegaram anos mais tarde, ocupando áreas da América do Norte ou
disputando pontos de ações táticas na região do Caribe.
Os acontecimentos na Espanha da segunda metade do século XVIII e pri-

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meiros anos do século XIX influenciaram diretamente a situação na América
Hispânica. A ocupação do território espanhol pelas tropas de Napoleão Bonaparte
favoreceu o movimento de independência das colônias da América porque enfra-
queceu o poder da metrópole. Em 1808, Napoleão ocupou Madri, destronou o
rei espanhol Fernando VII e colocou em seu lugar o irmão José Bonaparte. Todo
esse contexto provocou reações não somente na Espanha como também em sua
colônia americana. Com a deposição de Fernando VII, os hispano-americanos
experimentaram uma nova fase política, que abriu caminhos para a construção
de novos conceitos, palavras e projetos.
Os movimentos de independência na América Espanhola se manifesta-
ram rapidamente e simultaneamente no ano de 1810, dois anos após a invasão
francesa ao território espanhol. Esses movimentos se propagaram do México
(vice-reino da Nova Espanha) a Buenos Aires (vice-reino do Rio da Prata), ape-
sar das distâncias geográficas e das anêmicas condições de comunicação. Essa
dinâmica não foi somente influenciada por acontecimentos internos e revelou
o surgimento de vários posicionamentos no interior da elite colonial que bus-
cava colocar em prática seus respectivos projetos políticos, visando administrar
o território espanhol na América.
Em fins do período colonial, a sociedade da América Hispânica contem-
plava uma divisão estamental: dos 18 milhões de habitantes em 1810, cerca de
oito milhões eram índios, um milhão de negros e cinco milhões de mestiços. Em
menor parte estavam os brancos, que contabilizavam cerca de quatro milhões
e se subdividiam em peninsulares e criollos. Ao contrário dos peninsulares, os
criollos estavam excluídos de plena participação no poder político e ocupavam
o escalão inferior no governo e na Igreja.
AMÉRICA FRENTE À CRISE DO SISTEMA COLONIAL E OS MOVIMENTOS DE INDEPENDÊNCIA
107

Após vivenciar um período considerável de gestação de um projeto polí-


tico, ilustrado durante a segunda metade do século XVIII e os primeiros anos
do século XIX, como a liberdade de pensamento, igualdade e representação
constitucional, o que se via na colônia era justamente o contrário. A prática de
monopólios, controle econômico e restrições administrativas e sociais exercidas
pelos espanhóis representava as fontes de queixas, principalmente dos criollos.
Estes ainda estavam descontentes com a ausência de mobilidade social e reivin-
dicavam a abolição da diferença existente entre eles e os peninsulares.
A abdicação forçada de Fernando VII fez com que americanos e peninsulares
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assumissem o poder, dando oportunidade a esses de discutirem conceitos como


soberania, concepção de nação, representatividade e a possibilidade de redação
a uma nova constituição de punho liberal. Logo, esses homens redefiniram o
ideário monárquico ao darem corpo a uma nova modernidade política que resul-
taria em ideias e ações empregadas em uma nova prática política nas colônias.
Entre os processos de emancipação política que ocorreram na América
durante os séculos XVII e XIX, um particularmente chamou a atenção: o Haiti,
um pequeno país do Caribe. Inicialmente, a região foi colonizada pelos espa-
nhóis e, posteriormente, pelos franceses, os quais fundaram na área a Colônia
de São Domingos.
O Haiti contou com a influência do Iluminismo e dos ideais de Revolução
Francesa (liberdade, igualdade e fraternidade) para ser o primeiro país latino-a-
mericano a se tornar independente. No final do século XVIII, a região abrigava
cerca de 80% de negros, os quais, em sua maioria, trabalhavam como escravos.
Muitos desses lideraram a rebelião que pôs fim ao jugo francês na ilha.
A insurreição iniciou-se em São Domingos, no ano de 1791, no mesmo
momento em que a França debatia a possibilidade de abolição da escravidão em
suas colônias. O ex-escravo Toussaint Louverture comandou os rebeldes e liderou
várias ações arquitetadas pelos revoltosos, como a destruição de plantações, os
saques a engenhos e assassinatos de colonos. O conflito se pulverizou em outras
partes da ilha, principalmente após a decisão de abolir a escravidão das colônias
francesas, por meio de uma resolução decretada pelo governo jacobino durante
o episódio conhecido como Terror da Revolução Francesa.

Os Processos de Emancipação Política na América Espanhola


108 UNIDADE III

O Terror da Revolução Francesa ou, simplesmente, O Terror foi uma fase


compreendida entre os anos de 1792 a 1794. Durante esse período, o go-
verno revolucionário dos jacobinos suspendeu as garantias civis, além de
perseguir e assassinar muitos de seus opositores. Apesar da imprecisão dos
números, estima-se que foram guilhotinadas entre 16 a 40 mil pessoas.
Fonte: a autora.

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A liberdade conquistada pelos haitianos foi ameaçada quando Napoleão Bonaparte
tomou o poder na França. Como consequência, o exército napoleônico invadiu
a ilha em 1802 e capturou Toussaint, o qual foi levado como prisioneiro para a
França, onde faleceu em 1803. A declaração de independência veio apenas em
1 de janeiro de 1804, sob a liderança do ex-escravo Jean-Jacques Dessalines, o
qual, após o processo de emancipação, tornou-se o primeiro chefe de Estado do
país. A França reconheceu a independência haitiana somente em 1825, mediante
o pagamento de uma alta indenização.
Os processos revolucionários que conduziram os processos de independên-
cia na América Hispânica se organizaram entre fins do século XVIII e início do
século XIX, em sua maioria influenciados pelos ideais oriundos da Revolução
Francesa e das emancipações políticas do Haiti e Estados Unidos. Geralmente, tais
processos foram comandados por setores dominantes, aborrecidos pela impos-
sibilidade de conseguirem desfrutar das regras do sistema colonial.

AMÉRICA FRENTE À CRISE DO SISTEMA COLONIAL E OS MOVIMENTOS DE INDEPENDÊNCIA


109
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Mapa 05: Independências dos países latino-americanos


Fonte: Wikimedia Commons (online).

No caso da América Espanhola, a figura protagonista dos processos de inde-


pendência foi a elite criolla, influenciada pelo pensamento liberal importado da
Europa. Entretanto, de forma distinta do Velho Mundo, o projeto adotado pela
elite criolla não previa alterações profundas na sociedade. Salvo alguns casos
raros, o intuito era conseguir a autonomia em relação à metrópole e solidificar
o poder da elite política e econômica nos países recém-libertos.

Os Processos de Emancipação Política na América Espanhola


110 UNIDADE III

“O Haiti saiu do mercado mundial do açúcar (...). De colônia mais produtiva


das Américas passou a país independente pauperizado e fora de um inter-
câmbio favorável na economia internacional” (JACOB GORENDER, 2004, p.
300). A revolução de escravos ocorrida no Haiti em 1804 e que culminou
com a independência deste do jugo francês parecia sorrir aos haitianos. En-
tretanto as nações do mundo todo boicotaram a nova república, alegando
não concordar com esse modelo revolucionário. O país ficou impedido de
importar e exportar. De 1915 a 1938, o Haiti ficou sob o domínio estaduni-
dense, os quais, mesmo tendo abandonado o território na década de 1930,
financiaram governos violentos e corruptos. Estes estavam mais preocupa-
dos em reprimir do que em investir em indicadores sociais. Isso contribuiu

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para que o Haiti nutrisse índices alarmantes de pobreza e educação. De “joia
das Antilhas” durante o período colonial, o Haiti aparece hoje como o país
mais pobre da América Latina.
Fonte: a autora.

Como você já deve ter notado, nesse ponto os liberais e conservadores comunga-
vam de um mesmo objetivo: a continuidade da subordinação e dependência das
camadas mais pobres aos setores dominantes. Os grupos majoritários, compostos
pelos mais humildes, lutavam muitas vezes pela emancipação, pois acreditavam
que, por meio de sua consolidação, iriam conquistar o direito a terra e o tér-
mino do trabalho forçado. Para estes, o que importava era conseguir mudanças
substanciais em sua vida, mais do que implantar um projeto político que sepa-
rasse as colônias da metrópole.
A elite criolla, composta em sua maioria por grandes proprietários rurais,
ansiava por uma maior liberdade em relação ao comércio exterior, eliminando
a interferência das companhias de comércio metropolitanas. Entretanto, apesar
de empunharem a bandeira do liberalismo e incorporarem muitos dos ideais ilu-
ministas, ignoravam as reivindicações dos setores mais humildes.
Desde fins do século XVIII a princípios do século XIX, os criollos organiza-
vam várias manifestações contrárias ao regime colonial e, para isso, contavam
com o apoio irrestrito da Inglaterra. Interessados em ampliar o comércio com
a América para escoar as mercadorias produzidas durante a era industrial, os
britânicos não mediram esforços para incentivarem movimentos de caráter
emancipacionista.

AMÉRICA FRENTE À CRISE DO SISTEMA COLONIAL E OS MOVIMENTOS DE INDEPENDÊNCIA


111

A resistência da Coroa espanhola à proliferação dos ideais de liberdade indivi-


dual e política nas colônias sofreu um golpe em 1808, quando Napoleão Bonaparte
confiscou o trono espanhol, até então pertencente à dinastia dos Bourbons, e
entregou-o aos cuidados de seu irmão, José Bonaparte. Como forma de resisti-
rem a essa usurpação de poder, as autoridades hispano-americanas se negaram
a acatar as ordens provenientes do governo espanhol. Tal cenário foi utilizado
pelos criollos como justificativa para se rebelarem contra a metrópole. Por isso,
os processos de emancipação da América Espanhola ocorreram quase ao mesmo
tempo e contaram com ampla participação dos cabildos, unidades administrati-
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vas similares às câmaras municipais de hoje.


Na região que compreende o atual México, o movimento de independência
assumiu, a princípio, um caráter popular, fator que o diferenciou dos processos
de emancipação das demais colônias espanholas na América (ANNA, 2001).
A independência foi liderada pelos padres Miguel Hidalgo e José Maria
Morelos, a partir de 1810. Inicialmente, Hidalgo formou um Exército de rebel-
des, composto por homens livres, pobres, mestiços e indígenas. Entretanto os
revoltosos foram derrotados por tropas a serviço da Coroa e o seu líder (Hidalgo)
foi preso e executado.
Assumindo a liderança do movimento, o padre Morelos declarou a indepen-
dência do México e implantou um governo popular. Meses mais tarde, forças
em nome da Coroa e de colonos abastados retiraram Morelos do poder e deter-
minaram sua execução. Por isso, alguns historiadores classificam essa fase mais
como revolução social do que uma luta anticolonial.
A luta contra o domínio espanhol foi retomada uma década mais tarde e
passou a ser liderada pela elite colonial. O militar Augustín de Iturbide assumiu
a liderança do movimento quando, em 1821, apresentou o Plano de Iguala aos
setores mais ricos da sociedade mexicana. O projeto propôs a criação de uma
monarquia católica independente, fator que agradou tanto a Igreja quanto a elite
criolla. Nesse mesmo ano, o México conseguiu sua independência e Iturbide foi
nomeado imperador, permanecendo nesse cargo por dois anos, momento em
que foi deposto por uma república proclamada no país.

Os Processos de Emancipação Política na América Espanhola


112 UNIDADE III

As independências na América do Sul, por sua vez, contaram com o prota-


gonismo de duas lideranças militares: José de San Martín (1778-1850) e Simón
Bolívar (1783-1830). O primeiro, apesar de prestar serviços à Coroa espanhola,
foi responsável pelos processos emancipacionistas dos territórios que hoje com-
preendem a Argentina, o Chile e o Peru.
A independência do que se convencionou chamar de Províncias Unidas
do Rio da Prata foi decretada em 9 de julho de 1816, por um Congresso reu-
nido em Tucumán (Argentina). Aproveitando a ocasião, San Martín arrebanhou
apoio para a independência do Chile, ocorrida em abril de 1818, após a Batalha

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de Maipú. Dois anos mais tarde, San Martín se retirou do Chile para liberar o
território peruano do jugo espanhol. No Peru, conseguiu apoio popular e pro-
clamou a independência em 28 de julho de 1821.

A denominação Províncias Unidas do Rio da Prata foi utilizada até 1826, ano
em que a Argentina adotou o nome de República Argentina.
Fonte: a autora.

Simón Bolívar, como representante da elite criolla, concentrou suas ações na


região setentrional da América do Sul. Em dezembro de 1819, conseguiu procla-
mar a independência da República da Colômbia (Grã-Colômbia) após a vitória
de suas tropas na fronteira da atual Colômbia com a Venezuela. A Grã-Colômbia
permaneceu coesa até 1830, quando houve o desmembramento em três países:
a Venezuela, o Equador e a Colômbia.
Bolívar e seu exército ainda lutaram no Peru, em 1824, a fim de assegurar a
independência peruana, e se dirigiram para a Bolívia, contribuindo para o seu
processo de emancipação que ocorreu em 1825. Como reconhecimento de suas
ações, Bolívar se tornou o líder político das repúblicas da Grã-Colômbia e do
Peru, além de ser considerado, após a sua morte, um símbolo nacional da eman-
cipação política, sobretudo na Venezuela, onde até hoje é tratado pela alcunha

AMÉRICA FRENTE À CRISE DO SISTEMA COLONIAL E OS MOVIMENTOS DE INDEPENDÊNCIA


113

de “libertador”. Seu legado inclui a defesa de uma América livre e unificada em


uma confederação que compreendia os atuais territórios que se estendem da
Bolívia ao Panamá.
A independência cubana, por sua vez, pode ser considerada mais traumá-
tica, pois se iniciou efetivamente em 1868 e somente se concretizou após duas
guerras estabelecidas contra a Espanha. A primeira durou dez anos e encontrou
forte resistência da metrópole, disposta a lutar para evitar a emancipação de sua
última colônia americana. Com o triunfo espanhol nesse primeiro momento, a
retomada pela independência ocorreu somente na década de 1890 e contou com
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

o apoio de José Martí. Enrijecidos pelas ideias de autonomia, amplos setores da


sociedade cubana (negros libertos, profissionais liberais e trabalhadores rurais)
saíram às ruas em prol da independência. O confronto com as forças hispâni-
cas contou com várias baixas, dentre as quais temos a de José Martí, morto em
combate, em 19 de maio de 1895.
O movimento pela emancipação política ganhou novo fôlego com a interfe-
rência estadunidense a partir de 1898. O motivo para essa ação seria o naufrágio,
por forças hispânicas, de um navio de guerra norte-americano ancorado no porto
de Havana, em Cuba. Após um curto período de conflitos, as forças beligerantes
assinavam um tratado de paz em Paris, por meio do qual os espanhóis reconhe-
ceram a independência de Cuba ao mesmo tempo em que cederam algumas
possessões aos Estados Unidos.

No acordo assinado em Paris, os espanhóis cederam Porto Rico (América


Central) e Guam (Micronésia), além do controle das Filipinas aos Estados
Unidos.
Fonte: a autora.

Os Processos de Emancipação Política na América Espanhola


114 UNIDADE III

A maioria dos países recém-independentes da América Espanhola adotou o


regime republicano, com exceção do México, que conviveu com um curto perí-
odo de regime monárquico (1821-1823).
De forma geral, o domínio metropolitano foi substituído pelo jugo da elite
criolla, aliada ao capital estrangeiro e principal responsável pelo fornecimento
de matérias-primas ao mercado mundial e consumidora dos produtos manufa-
turados oriundos da Inglaterra.
Em síntese, os processos de independência da América Espanhola não trou-
xeram, no seu bojo, mudanças profundas na esfera social, política e econômica,

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
pois houve um continuísmo do modelo colonial pactuado no abastecimento do
mercado externo com matérias primas provenientes dessas regiões.

A INDEPENDÊNCIA DA AMÉRICA PORTUGUESA

O século XVIII pode ser caracterizado como um período de grandes dificuldades


econômicas para Portugal. A descoberta de ouro e diamantes não foi suficiente
para contornar essa situação, uma vez que parte substancial desse produto era
destinada a quitar dívidas que a Coroa lusitana havia contraído com a Inglaterra.
O ouro restante era gasto na manutenção do luxo e opulência da nobreza ou era
guardado em cofres particulares. Assim, o ouro escorria pelas mãos da Coroa
portuguesa sem ao menos ser investido na metrópole, fato que caracterizava o
quanto o reino lusitano era muito dependente de suas colônias.
O quadro caótico da economia portuguesa pode ser mais bem compreen-
dido quando, no século XVII, os portugueses perderam o monopólio comercial
das Índias e várias possessões coloniais no Oriente. Como se isso não bastasse,
o preço do açúcar sofreu quedas drásticas no mercado internacional em função
da concorrência com o açúcar produzido nas Antilhas.
A fim de engordar seus cofres, a Coroa portuguesa adotou, na segunda
metade do século XVIII, uma série de medidas, dentre as quais estavam inclu-
sas a ampliação da fiscalização e controle de sua colônia na América. Para isso

AMÉRICA FRENTE À CRISE DO SISTEMA COLONIAL E OS MOVIMENTOS DE INDEPENDÊNCIA


115

foi estipulado um conjunto de medidas que visavam combater o contrabando,


ampliar os lucros por meio do comércio e mineração e conseguir aumentar a
receita do governo português.
Em 1750, o rei D. José I nomeou Sebastião José de Carvalho e Melo, his-
toricamente conhecido como Marquês de Pombal, ao cargo de Ministro dos
Negócios Estrangeiros e da Guerra. Tal nomeação veio reforçar, de forma rigo-
rosa, o controle da política colonial portuguesa. As reformas de Pombal tiveram
como pressuposto a modernização da economia portuguesa. Dentre as medi-
das tomadas, estavam a criação das companhias de comércio, a execução de
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

mudanças educacionais a fim de retirar o ensino do controle do clero, o estí-


mulo a implantação de fábricas no reino bem como a articulação de uma classe
manufatureira e mercantil por todo o Império Português.
A queda na produção de ouro na América Portuguesa ocorreu em meio à
administração pombalina. Em função disso, Pombal dedicou total atenção à
região mineira. A maioria de suas medidas desagradou os colonos portugueses,
tais como a derrama e a cobrança de 100 arrobas anuais de ouro em 1750. Além
disso, em 1759, o ministro expulsou os jesuítas de todo o Império Português e
optou, em 1763, por transferir a capital da América Portuguesa de Salvador para
Rio de Janeiro.

A derrama foi um imposto colonial criado em meados do século XVIII. “Cada


região deveria pagar 100 arrobas de ouro por ano para a corte portuguesa”.
No caso de alguma região não conseguir “arrecadar essa quantidade, solda-
dos entravam nas casas das pessoas que moravam na região e retiravam a
força, objetos de valor até completar o imposto devido”.
Fonte: Melo (online).

A Independência da América Portuguesa


116 UNIDADE III

A expulsão dos jesuítas dos domínios portugueses em 1759 garantiu, de


fato, a laicização do Estado tal como almejavam as reformas pombalinas?
Fonte: a autora.

Pombal administrou os domínios lusitanos até 1777, ano em que D. José I faleceu.
Mesmo com essas reformas, a economia portuguesa continuou frágil. A crise na
produção aurífera desacelerou a arrecadação das 100 arrobas anuais estipulada

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
pelo governo português. Além disso, a Coroa portuguesa decretou uma série de
medidas restritivas na colônia.
A crise se tornou ainda mais caótica em 1788, momento em que Luís Antônio
Furtado Mendonça, o Visconde de Barbacena, ocupou o cargo de governador
da capitania de Minas Gerais com a missão de ampliar a receita e aumentar o
controle da Coroa portuguesa na colônia. Competiria ao governador, ainda,
aplicar a derrama e a cobrança do quinto em atraso. Tais medidas soaram de
forma negativa entre os habitantes da capitania, gerando um clima propício para
um movimento insurgente, que ficou conhecido como Conjuração Mineira ou
Inconfidência Mineira.
Em grande parte, os conjurados eram membros da elite colonial. Entre os
rebeldes, havia mineradores, funcionários públicos, padres, fazendeiros, militares
de alta patente e advogados. Dentre os conjurados, podemos destacar os poetas
Inácio José de Alvarenga Peixoto, o jurista Claudio Manuel da Costa, os padres
José da Silva de Oliveira Rolim e Luís Vieira da Silva, o advogado José Alvares
Maciel, os contratadores João Rodrigues de Macedo e Joaquim Silvério dos Reis e
o alferes Joaquim José da Silva Xavier, popularmente conhecido como Tiradentes.
Tais revoltosos estavam influenciados pelos ideais iluministas e pretendiam
tirar a vida do governador e proclamar uma república na capitania de Minas
Gerais. No entanto Joaquim Silvério dos Reis delatou os seus companheiros em
troca do cancelamento de sua dívida com a Coroa e uma premiação por sua
lealdade. Denunciados por Silvério, os insurgentes foram presos e transferidos
para a capital da colônia (Rio de Janeiro), onde aguardaram seus julgamentos.

AMÉRICA FRENTE À CRISE DO SISTEMA COLONIAL E OS MOVIMENTOS DE INDEPENDÊNCIA


117

Em 1790, o processo contra os conspiradores foi aberto. Os acusados foram


considerados culpados pelo crime de lesa-majestade e onze dos réus foram sen-
tenciados à morte. Somente Tiradentes foi executado e esquartejado. Partes do
seu corpo ficaram expostas pela região como uma forma de intimidação. Os
outros condenados obtiveram a conversão de pena para o exílio perpétuo para
o continente africano, além do confisco temporário dos bens.
Além da Inconfidência Mineira, destacaram-se outros movimentos sepa-
ratistas, como a Conjuração Baiana, também conhecida por Conjuração dos
Alfaiates (Bahia, 1798), e a Insurreição Pernambucana (1817).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Apesar dessas agitações, costuma-se atribuir o início do processo de inde-


pendência do Brasil a chegada da família real portuguesa ao Rio de Janeiro, em
1808. Essa mudança atribuiu ao Brasil uma transferência de papéis: de simples
colônia ao principal centro de decisões da Coroa portuguesa.
Embora preparada, a vinda da família real portuguesa para o Brasil foi ante-
cipada em função da invasão do exército napoleônico no território português. D.
João não aceitou o Bloqueio Continental à Inglaterra, proposto por Napoleão, o
qual, como forma de se vingar, ordenou a invasão do território lusitano.
Protegido pela marinha britânica, o príncipe regente D. João, a corte por-
tuguesa e a família real deixaram Lisboa em novembro de 1807 e chegaram ao
Rio de Janeiro em 1808, após uma escala em Salvador.
No Brasil, D. João adotou algumas medidas que mudaram radicalmente
a política e a economia da colônia. Dias depois ao chegar à Bahia, D. João
decretou a abertura dos portos às nações amigas, pondo fim ao pacto colonial.
Posteriormente, já no Rio de Janeiro, o príncipe cancelou o Alvará de 1785, o qual
impedia a instalação de manufaturas na colônia, e em 1810 aprovou dois acordos
com a Grã-Bretanha: o de Aliança de Amizade e o de Comércio e Navegação.
Esses tratados davam aos comerciantes ingleses tarifas alfandegárias em
condições especiais. Dessa forma, a taxa de importação aos produtos ingleses
seria de 15%, 16% para os produtos portugueses e 24% de mercadorias de outras
nações. Além disso, a Coroa portuguesa se comprometia a extinguir paulatina-
mente o tráfico de escravos para o Brasil, em conformidade com as exigências
feitas pelos britânicos.

A Independência da América Portuguesa


118 UNIDADE III

Com a estadia da família real no Rio de Janeiro, uma série de medidas foram
tomadas no intuito de substituir a máquina administrativa colonial por um ver-
dadeiro aparelho de Estado, uma vez que a sede da monarquia portuguesa havia
se estabelecido naquela cidade. Foi instalada, por exemplo, a Biblioteca Real,
com o material oriundo da Real Biblioteca de Lisboa, implantaram-se gráfica e
demais serviços até então inexistentes. Além disso, foi fundado o primeiro jor-
nal editado no Brasil, a Gazeta do Rio de Janeiro.
Tais transformações não resolveram os problemas da cidade carioca. A ausên-
cia de um planejamento urbano contribuía para o aumento do mau cheiro e a

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proliferação de doenças, em razão da inexistência de um sistema de esgoto. Para
complicar ainda mais a situação, a falta de água e alimentos era recorrente, fator
que pode ser compreendido graças ao intenso aumento populacional.
A mudança da família real portuguesa para o Brasil e, consequentemente, a
transferência da sede administrativa do Império Lusitano de Lisboa para o Rio
de Janeiro trouxe insatisfações para os portugueses. Após a derrota do Exército
napoleônico pelas tropas luso-brasileiras, Portugal passou a ser administrado
por uma junta de governo britânico que prestava satisfações a D. João. A maior
parte dos portugueses não escondia o seu descontentamento, principalmente
pelo fato de eles terem sido relegados a um papel secundário no momento em
que o Brasil foi elevado, durante o Congresso de Viena (1814-1815), a categoria
de Reino Unido de Portugal e Algarves.
Diante desse clima, foi iniciado um movimento revolucionário na cidade do
Porto, por meio do qual se exigia a volta imediata do príncipe regente D. João
para a Europa e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, res-
ponsável por elaborar uma nova Constituição para Portugal e decretar o fim do
absolutismo monárquico.
Tal movimento ganhou forte apoio da sociedade lusitana a ponto de formar
um Governo Provisório disposto a convocar as Cortes para dar início à redação
da Carta Magna. Conhecido como a Revolução Liberal do Porto, essa insurrei-
ção possibilitou, de forma contraditória, a emancipação política do Brasil, isso
porque, ao dar início ao processo de redução do Brasil à categoria de colônia,
as Cortes iniciaram um projeto que pôs fim a dominação lusitana na América.
Mediante tanta pressão das Cortes e dos portugueses, D. João VI voltou para

AMÉRICA FRENTE À CRISE DO SISTEMA COLONIAL E OS MOVIMENTOS DE INDEPENDÊNCIA


119

Portugal em 25 de abril de 1821, deixando o seu filho D. Pedro como príncipe


regente do Brasil. Contudo, assim que chegou a Portugal, D. João foi cada vez
mais pressionado pelas Cortes para tomar providências enérgicas em relação ao
Brasil. Dentre outras coisas, determinou-se o encerramento das atividades de
importantes órgãos públicos, além do retorno imediato de D. Pedro a Portugal.
Temerosos em perder muitos dos privilégios conquistados em 1808, a aristo-
cracia brasileira manifestou a sua opinião, sendo contrária às ordens provenientes
de Lisboa. Nesse cenário, formaram-se, no Brasil, dois grupos com ideários dis-
tintos, os quais não podem ser considerados partidos políticos da forma como
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

entendemos uma organização como essa nos dias de hoje.


Por um lado, havia o Partido Português, formado por comerciantes lusita-
nos e demais pessoas interessadas nos privilégios garantidos pela manutenção da
estrutura colonial. Dentre os adeptos dessa vertente, havia aqueles que defendiam
a volta de D. Pedro a Portugal e a reimplantação de práticas colonizadoras. Por
outro lado, organizou-se o Partido Brasileiro, o qual reunia comerciantes pro-
prietários de terras, investidores urbanos, advogados e burocratas, nascidos no
Brasil ou em Portugal. Tal grupo era composto, no geral, por pessoas que usu-
fruíam de privilégios com a vinda da família real portuguesa ao Brasil. Além da
redução de impostos e liberdade de comércio, os adeptos a essa tendência luta-
vam pela manutenção da igualdade jurídica e políticas, conquistadas em 1815,
por ocasião da elevação do Brasil a Reino Unido. Posteriormente, alguns aderen-
tes a esse grupo fundaram o Partido Liberal Radical, defensor da ruptura com
Portugal e a implantação de uma república em terras tupiniquins.
Os interesses dos liberais brasileiros confrontariam com a intenção das
Cortes portuguesas. De início, os primeiros tinham considerado a Revolução do
Porto como um movimento em defesa de maior liberdade econômica e política.

A Independência da América Portuguesa


120 UNIDADE III

©Wikimedia Commons

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Figura 06: Independência ou morte, de Pedro Américo (óleo sobre tela, 1888)

Diante desse quadro de interesses conflitantes, D. Pedro recebeu, em 9 de janeiro


de 1822, uma petição pública composta por 8 mil assinaturas. O objetivo do docu-
mento era pedir para que o príncipe regente permanecesse no Brasil e fizesse
parte do projeto de independência. Firmando um compromisso com os brasilei-
ros, D. Pedro determinou que nenhuma ordem proveniente das Cortes lusitanas
fosse cumprida sem a sua autorização. Mediante a agitação crescente no Rio de
Janeiro, D. Pedro finalmente oficializou a emancipação política do Brasil em 7 de
setembro de 1822, sendo Coroado em dezembro desse mesmo ano como impe-
rador do país recém-independente.

O PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA DA AMÉRICA


INGLESA

Na segunda metade do século XVIII, as treze colônias inglesas iniciaram um


movimento que resultou na sua emancipação em relação à Coroa britânica. Tal
processo se multiplicou por toda a América, segundo as especificidades de cada
local. A crise nas treze colônias iniciou-se principalmente por conta de medidas
coercitivas adotadas pela Inglaterra. Os colonos gozavam de certa autonomia,

AMÉRICA FRENTE À CRISE DO SISTEMA COLONIAL E OS MOVIMENTOS DE INDEPENDÊNCIA


121

todavia as ações da Coroa britânica, para tentar controlar a sua possessão ameri-
cana, causaram discórdia, a exemplo do controle metropolitano sobre o comércio
colonial. Tal iniciativa foi adotada para subsidiar a Revolução Industrial inglesa,
a qual implantou um modelo de desenvolvimento capitalista cujo objetivo prin-
cipal era expandir o mercado consumidor. Diante desse cenário, as colônias
representavam um importante celeiro de venda de mercadorias manufaturadas.
Além do mencionado desgaste oriundo do controle comercial metropoli-
tano, a Guerra dos Sete Anos (1756-1763), responsável por envolver diversas
metrópoles europeias e suas colônias, também contribuiu para os processos de
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

emancipação ocorridos no Novo Mundo.


Na América, o reflexo substancial da Guerra dos Sete Anos ocorreu por meio
da concorrência entre os colonos franceses residentes no Canadá e os colonos
ingleses das treze colônias, ambos dependentes do mercado de peles e pesca.
O conflito cessou com a vitória dos britânicos. Entretanto, mesmo tendo sido
beneficiada pelo resultado do confronto, sobretudo com a anexação de territó-
rios franceses, a Inglaterra saiu desse episódio enfraquecida financeiramente.
Em razão dos gastos com a guerra, os cofres ingleses se esvaziaram e a recu-
peração das finanças dependia do aumento da arrecadação tributária, medida
tomada na época.
De forma geral, as treze colônias foram uma das que mais se beneficiaram
com a Guerra dos Sete Anos, pois, além de anexarem o Canadá, até então per-
tencente aos franceses, conseguiram se armar, adquirir munição e experiência
bélica. A assinatura do Tratado de Paris, em 1763, entre os britânicos e france-
ses, transformou esses últimos em aliados, na causa separatista norte-americana,
fator que foi visto como uma revanche contra os britânicos.
A fim de repor os gastos com a Guerra dos Sete Anos, o governo inglês impôs
uma série de tributos para ampliar sua receita. Dentre os mais conhecidos estão:
a Lei do Açúcar (Sugar Act) – destinado a aumentar a taxa em relação ao café,
açúcar e outros produtos – e a Lei do Selo (Stamp Act) – o qual estabelecia que
as correspondências, sobretudo os documentos legais e oficiais, fossem obriga-
das a ser seladas. Tal cobrança gerou tensão entre os colonos, que alegavam ser
cidadãos ingleses, mas sem representatividade.

O Processo de Independência da América Inglesa


122 UNIDADE III

Em 1767, a carga tributária inglesa aumentou significativamente com o lan-


çamento dos Atos Townshend, um conjunto de leis que objetivava aumentar as
taxas de importação do vidro, papel, chumbo e chá. Essa medida não tardou para
se tornar impopular, a ponto de a Coroa ter de invalidar a aplicação desses novos
tributos, com exceção dos impostos destinados ao chá. Para complicar ainda
mais a situação, o governo inglês concedeu à Companhia das Índias Orientais
o monopólio da venda de chá para as colônias, em 1773. Ao fim desse mesmo
ano, um grupo de colonos, disfarçados de índios, despejaram no mar cargas de
chá trazidas pela Companhia das Índias Orientais, um episódio que passou para

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a história como a Festa do Chá de Boston (Boston Tea Party).
Como reação, a metrópole optou por decretar as Leis Intoleráveis. Dentre
essas, destacavam-se o fechamento do Porto de Boston até o pagamento total
do chá lançado ao mar e a obrigação das autoridades de abrigarem os soldados
ingleses.
Essa plêiade de medidas fez com que as treze colônias da América Inglesa se
unissem contra o poderio colonial britânico, por mais que não compartilhassem
o mesmo modelo socioeconômico e nem defendessem o mesmo projeto político.
A primeira iniciativa dos colonos ocorreu em 1774, quando foi organizado
o Primeiro Congresso Continental da Filadélfia. Tal evento solicitou o término
das medidas que impediam o desenvolvimento das treze colônias. Nesse pri-
meiro momento, os colonos almejavam a ruptura com o Império Britânico, mas
tencionavam fazer um acordo para diminuir a exploração dos colonos ingleses.
Contrariando as visões mais otimistas, a metrópole aumentou a repressão e,
como forma de reagir a tal medida, os setores conservadores do sul, composto
geralmente de latifundiários e escravocratas, concordaram que a única saída era
apoiar a independência. Após esse ato de resistência da Coroa Britânica, ocor-
reu o Segundo Congresso Continental da Filadélfia, ocasião em que foi redigida
a Declaração de Independência. Sob a liderança de Thomas Jefferson, tal docu-
mento foi inspirado nos ideais iluministas de John Locke e foi finalizado em 4
de julho de 1776, data que simboliza historicamente a independência estaduni-
dense do jugo britânico.

AMÉRICA FRENTE À CRISE DO SISTEMA COLONIAL E OS MOVIMENTOS DE INDEPENDÊNCIA


123

George Washington foi designado ao cargo de comandante das tropas insur-


gentes. Para não perder as treze colônias, a resistência britânica resultou em lutas
que se estenderam até 1783, momento em que a Coroa reconheceu a indepen-
dência dos Estados Unidos da América por meio do Tratado de Paris.
Mesmo com a emancipação, as lutas continuaram, mas dessa vez estavam
restritas a projetos políticos a serem implantados pelo Estado recém-fundado.
As propostas estavam divididas basicamente em duas: a federalista e a antife-
deralista. Os federalistas defendiam um executivo forte e centralizado, capaz de
representar diplomaticamente os anseios do povo e responsável pela criação e a
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prática de leis. Em oposição, os antifederalistas defendiam a atuação do governo


somente como administrador, sem interferir na criação de leis ou nas relações
comerciais de cada região.
O dilema sobre essas duas propostas foi encerrado em 1787, por meio da
aprovação da Constituição dos Estados Unidos, ocasião em que o projeto fede-
ralista foi eleito como a melhor opção, permanecendo até hoje na organização
política dos Estados Unidos. Além disso, a Carta Magna de 1787 garantia a divi-
são do Estado em três poderes (legislativo, judiciário e executivo) e estabeleceu
a república presidencialista como regime governamental, além de primar pelas
liberdades individuais. Porém, apesar de incluir o ideário iluminista na organi-
zação do Estado, optou-se pela continuidade do trabalho escravo no país, o qual
somente foi abolido em 1 de janeiro de 1863, apesar de ter sido oficialmente proi-
bido por meio da 13ª Emenda Constitucional, de dezembro de 1865.

O Processo de Independência da América Inglesa


124 UNIDADE III

“Não haverá (...) sossego na América enquanto o negro não tiver garantidos
os seus direitos de cidadão. A luta dos negros (...) ainda está longe do fim.”
Fonte: Martin Luther King, um século após o fim da escravidão (1963).

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Você sabia que surgiram grupos especializados em exterminar os negros?
Saiba que o Ku Klux Klan foi uma dessas organizações. Criado em 1866, no
Tennessee (EUA), tal grupo se caracterizou por seu caráter racista e secreto.
Seus primeiros integrantes eram soldados que lutavam ao lado do Sul na
chamada Guerra Civil Americana (1861-1865), justamente o lado derrota-
do do conflito. O KKK, como ficou conhecido, empunhou uma bandeira de
resistência à política liberal, levada a cabo pelos representantes do Norte
após a Guerra Civil, a qual defendia, dentre outras coisas, o cumprimento da
abolição da escravatura. O grupo visava manter a supremacia branca no país
e, para isso, seus membros promoviam atos de violência, dentre os quais se
destacavam a perseguição e intimidação de negros libertos. A fim de atingir
esse objetivo, adotaram trajes fantasmagóricos, no intuito de esconder sua
identidade e amedrontar as vítimas.
Fonte: a autora.

AMÉRICA FRENTE À CRISE DO SISTEMA COLONIAL E OS MOVIMENTOS DE INDEPENDÊNCIA


125

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegamos ao fim de mais uma jornada!


Nesta unidade, conhecemos os processos de independência das Américas
Hispânica, Portuguesa e Inglesa, ocorridos, em sua maioria, durante o século
XIX, como resultado de crises coloniais que se multiplicaram ao longo do século
XVIII por todo o continente. O assunto analisado não teve como objetivo somente
a conclusão de uma unidade do livro da disciplina, mas a conscientização dos
processos de emancipação política e o estabelecimento de estruturas que resul-
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taram na formação e consolidação dos Estados Nacionais entre os séculos XIX


e XX, assuntos tratados na próxima unidade.
Você teve a oportunidade de conhecer os variados processos de independência
das Américas Hispânica, Portuguesa e Inglesa, cada qual com sua particulari-
dade e vinculado a sua conjuntura. Analisamos a crise do sistema colonial que
resultou na emancipação política da América Espanhola, bem como as pecu-
liaridades de inúmeros casos que compunham essa região. Posteriormente, foi
apresentado o complexo processo que resultou na independência do Brasil e
dos Estados Unidos, recorrendo-se, para isso, a uma abordagem dialógica e de
fácil compreensão, com o objetivo de facilitar a identificação dos atores sociais
envolvidos e de seus respectivos interesses. Tais informações são relevantes para
compreendermos a formação e consolidação dos Estados Nacionais entre os
séculos XIX e XX, que será tema de nossa próxima unidade.
Evidentemente, as emancipações políticas nas Américas não trouxeram trans-
formações profundas na esfera social, política e econômica, pois se constatou
que, na maioria dos casos, houve um continuísmo do modelo colonial baseado
no abastecimento do mercado externo com matérias-primas provenientes do
próprio território americano.
Espero que tenha gostado de nossa viagem!
Até a próxima!

Considerações Finais
‘Deem-me a liberdade ou deem-me a morte!’. Essa frase foi dita por um (...) americano
(...). Ela representa muito do crescente estado de espírito que as leis inglesas iam provo-
cando nas colônias.
(...) É importante lembrar que não havia na América do Norte, de forma alguma, uma
nação unificada contra a Inglaterra. Na verdade, as treze colônias não se uniram por
um sentimento nacional, mas por um sentimento antibritânico. Era o crescente ódio
à Inglaterra, não o amor aos Estados Unidos (...) que tornava forte o movimento pela
independência. Mesmo assim, esse sentimento a favor da independência não foi unâ-
nime desde o princípio. (...) O sul era mais resistente à ideia da separação. E tanto entre
as elites do norte como as do sul, outro medo era forte: O de que um movimento pela
independência acabasse virando um conflito interno incontrolável, em que negros ou
pobres interpretassem os ideais de liberdade como aplicáveis também a eles. (...)
As sociedades secretas foram uma das primeiras reações dos colonos contra as medidas
inglesas. A mais famosa delas foi Os Filhos da Liberdade, que estabeleceu uma grande
rede de comunicações, em muito facilitando a articulação entre os colonos. Os Filhos da
Liberdade também eram uma escola de política, pois seus membros liam as principais
obras políticas (...) para darem base intelectual ao movimento.
Houve também um grupo feminino intitulado Filhas da Liberdade, com o mesmo pro-
pósito. As mulheres também organizaram Ligas do Chá com o objetivo de boicotar a
importação de chá inglês. Nas grandes cidades como Nova York e Boston, mulheres en-
cabeçavam campanhas contra produtos elegantes importados da Inglaterra e incenti-
vavam produtos feitos em casa (...). Na Carolina do Norte, um grupo de mulheres chegou
a elaborar um documento chamado Proclamação Edenton, dizendo que o sexo femini-
no tinha todo o direito de participar da vida política. Mais tarde, quando a guerra entre
colônias e a Coroa britânica começou, as colonas demonstraram mais uma habilidade:
foram administradoras das fazendas e negócios enquanto os maridos lutavam.
Fonte: KARNAL, L. A formação da nação. In: KARNAL, L. et al. História dos Estados Uni-
dos: das origens ao século XXI. São Paulo: Contexto, 2008, p. 82-83.
127

1. A conjuntura espanhola da segunda metade do século XVIII para os primeiros


anos do século XIX influenciou os processos de emancipação política na Améri-
ca Hispânica. A partir dessa informação, produza um texto dissertativo apon-
tando as mudanças desse contexto e relacionando-as com os processos de
emancipação política na América Espanhola.
2. Alguns historiadores costumam atribuir o início do processo de independência
do Brasil a chegada da família real portuguesa ao Rio de Janeiro, em 1808. Diante
dessa constatação, explique a conjuntura que resultou na elevação do Brasil
em simples colônia para o centro de decisões da Coroa portuguesa.
3. Mesmo com a emancipação das Treze Colônias inglesas, as lutas não cessaram,
mas dessa vez estavam restritas a projetos políticos divergentes que disputavam
a preferência como alternativa a ser adotada pelo Estado recém-fundado. Com
base na leitura desta unidade, apresente e explique as duas propostas políti-
cas que surgiram após a independência das colônias britânicas na América.
4. Alguns ideários estimularam os processos de independência na América. De for-
ma geral, os pensamentos que instigaram a emancipação política no Novo
Mundo estão vinculados:
a) Aos ideais da Guerra do Vietnã e Revolução Praieira.
b) Aos ideais iluministas e da Revolução Francesa.
c) Aos ideais da Revolução Científica e da Primavera Árabe.
d) Aos ideais do Stalinismo e das Revoluções Comunistas.
e) Aos ideais da Revolução Bolivariana e Revolução Hoplítica.
5. Na segunda metade do século XVIII, as treze colônias inglesas iniciaram um mo-
vimento que resultou na sua emancipação em relação à Coroa britânica. Sobre a
independência dos Estados Unidos, em 1776, é correto afirmar:
a) Ampliou os direitos políticos de índios e mulheres, que se igualaram aos grandes
proprietários de terras.
b) Caracterizou-se por ser uma revolução política e econômica que alterou profun-
damente as bases da sociedade.
c) Simbolizou a liberdade para toda a população, incluindo a abolição da escravi-
dão africana.
d) Resultou no genocídio decorrente de perseguições políticas, econômicas e a ex-
propriação de bens da nobreza.
e) Processou-se como a primeira revolução que acabou com a dominação colonial
na América.
6. Mesmo se valendo de um discurso que proclamava a libertação dos povos ame-
ricanos da dominação espanhola, salientando que haveria melhoria nas condi-
ções de vida e liberdade, os líderes das independências ocorridas na América His-
pânica defendiam, na realidade, a manutenção das antigas estruturas coloniais
de modo a beneficiar apenas as elites coloniais. Qual das alternativas abaixo
indica, de forma correta, o nome pelo qual ficaram conhecidas essas elites?
a) Peninsulares.
b) Chapetones.
c) Índios.
d) Criollos.
e) Burgueses.
MATERIAL COMPLEMENTAR

Título: Estados Unidos: a formação da nação. Da colônia à


independência
Autor: Leandro Karnal
Editora: Contexto
Sinopse: trata-se de uma obra com linguagem acessível que aborda
desde a formação dos Estados Unidos durante o período colonial até o
processo de independência.

Título: A formação das nações latino-americanas


Autora: Maria Lígia Prado
Editora: Atual
Sinopse: a obra aborda a formação dos Estados nacionais da América
Latina, englobando o seu processo de independência.

Título: A viagem marítima da família real: a transferência da corte


portuguesa para o Brasil
Autor: Kenneth Light
Editora: Zahar
Sinopse: resultado de dez anos de pesquisa, a obra em tela retrata a
transferência da corte portuguesa para o Brasil, detalhando os fatos
corriqueiros, embarcações, os alimentos e o cotidiano da viagem.

Material Complementar
MATERIAL COMPLEMENTAR

Título: O Patriota
Ano: 2000
Sinopse: o filme retrata que, depois de muito sofrimento e
batalhas, os colonos recebem ajuda do exército francês impondo a
derrota aos ingleses. O conflito entre ingleses e colonos, liderados
por Benjamin Martin, ocorre dentro do contexto da guerra pela
independência das Treze Colônias, mostrando a participação da
região da Carolina do Sul na guerra de independência. O resultado
de todo esse fato histórico no qual está inserido o filme é o
surgimento dos Estados Unidos da América.
Comentário: este filme apresenta, de forma clara, um conflito
entre ingleses e os colonos que resultou no processo de
emancipação que deu origem aos Estados Unidos.

Título: Independência ou Morte


Ano: 1972
Sinopse: o filme inicia com a fuga da corte portuguesa para o Brasil
provocada pela invasão das tropas de Napoleão Bonaparte, depois que
Portugal aliou-se a Inglaterra. O povo, não satisfeito com tudo o que
Portugal estava fazendo, pediu a independência. Este filme traz uma
visão heroica do processo de emancipação política do Brasil.
Comentário: apesar de importante para a compreensão de mudanças
que ocorreram durante o século XIX, o filme atribui a apenas um
homem (D. Pedro I) o feito da independência do Brasil. Ainda assim, é
um clássico relacionado ao tema da emancipação brasileira.
MATERIAL COMPLEMENTAR

Título: Carlota Joaquina, princesa do Brasil


Ano: 1995
Sinopse: retrata, de forma irônica e humorada, os
acontecimentos que resultaram na vinda da família real
portuguesa ao Brasil, enfatizando o comportamento e
costumes da princesa e de seu marido D. João durante sua
estadia na América.
Comentário: apesar dos exageros relacionados aos hábitos
da família real portuguesa, este filme é importante para
compreender o processo que resultou na vinda da família real
portuguesa no Brasil, em 1808.

Neste portal, há várias informações culturais sobre a América Latina. O internauta


possui acesso às publicações do site, como a Revista “Nossa América”, a qual traz
uma coletânea de artigos sobre arte, economia, política e história dos países latino-
americanos. Venha conferir você também!
Memorial da América Latina
Disponível em: <https://www.memorial.org.br>. Acesso em: 01 out. 2015.

Material Complementar
Professora Dra. Verônica Karina Ipólito

IV
A FORMAÇÃO E

UNIDADE
CONSOLIDAÇÃO DOS
ESTADOS NACIONAIS

Objetivos de Aprendizagem
■■ Compreender a formação dos Estados Nacionais na América Latina
entre os anos de 1825 a 1860.
■■ Analisar a consolidação dos Estados Nacionais entre as décadas de
1860 a 1890.
■■ Conhecer os fatores que transformaram os Estados Unidos em uma
potência industrial, em fins do século XIX.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ A formação dos Estados Nacionais (1825-1860)
■■ A consolidação dos Estados Nacionais (1860-1890)
■■ Os Estados Unidos em fins do século XIX
135

INTRODUÇÃO

A quarta unidade do livro apresenta a formação e consolidação dos Estados


nacionais latino-americanos bem como os Estados Unidos, em fins do século
XIX. Não foi nosso objetivo abordar todos os inúmeros casos dos países latino-
-americanos, contudo houve um esforço para concentrar informações e reflexões
sobre tal assunto.
O primeiro objetivo é levá-lo(a) a refletir sobre o processo de definição dos
territórios e da soberania dos países recém-emancipados, bem como de suas
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

relações com o mundo exterior, outorgando-lhes uma identidade nacional que


foi construída ao longo desse processo histórico. Além disso, é necessário com-
preender que as primeiras décadas foram marcadas pela disputa interna entre
diferentes elites regionais, econômicas, sociais e políticas (exemplos: caudilhos
no Rio da Prata, disputas regionais na América Central...), incluindo a onipre-
sença de várias potências estrangeiras, como Inglaterra, Estados Unidos e, em
menor medida, França. Em seguida, analisaremos os processos de consolidação
dos Estados latino-americanos, os quais, como na dinâmica internacional, figu-
ravam como países exportadores de matéria-prima e importadores de produtos
manufaturados, comandados por oligarquias locais. Por fim, conheceremos a
estabilização dos Estados Unidos como uma superpotência industrial em fins
do século XIX. O objetivo é compreender que, apesar da conjuntura, cada país
tem suas particularidades, mesmo pelo fato de nutrirem pontos em comum.
Penso que se você compreender a formação e consolidação dos Estados
Nacionais melhor entenderá a hegemonia exercida até os dias de hoje por alguns
países.
O intuito é contribuir no entendimento do período pós-independência até
fins do século XIX. Para contribuir com os seus estudos, é necessária a consulta
de materiais (livros e filmes) recomendados ao fim desta unidade.
Vamos visitar o século XIX latino-americano? Aguardo a sua visita!
Uma excelente leitura a você!

Introdução
136 UNIDADE IV

A FORMAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DOS ESTADOS NACIONAIS

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
©Wikimedia Commons
Figura 07: Soldado paraguaio de sentinela durante a Guerra da Tríplice
Aliança, também chamada de Guerra do Paraguai (1864-1870)

A FORMAÇÃO DOS ESTADOS NACIONAIS (1825-


1860)

A formação estrutural dos Estados nacionais na América Latina foi um pro-


cesso espinhoso e violento. A derrota empunhada aos países metropolitanos na
primeira metade do século XIX não foi suficiente para limitar as fronteiras dos
territórios recém-independentes, muito menos foi capaz de estabelecer e legi-
timar regimes políticos duradouros. Muitos escritores de caráter nacionalista
espalhados pelo continente buscaram ignorar tais problemas e reforçaram o pen-
samento de que a identificação das nacionalidades já era consistente no final do
período colonial. Essas interpretações representam um olhar dos processos de
independência, vinculando-o à sua realidade.

A FORMAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DOS ESTADOS NACIONAIS


137

A visão de união pintada por essa historiografia pode ser mais bem exempli-
ficada pelo escritor argentino Ricardo Rojas, o qual, em sua obra Blason de Plata
(1910), dissertou que “índios, negros, gaúchos e mulatos todos marcharam com
o criollo burguês contra a oligarquia exótica – fundidos em multidão, fundidos
em exército, fundido em povo, fundidos em nação, pelo fogo sagrado do india-
nismo” (ROJAS, 1946, p. 119). Os autores desse período consagraram a ideia de
“nação” como um dos elementos em construção no momento de confecção e
execução do projeto autonomista. Entretanto a noção de identidade embutida
no ideário emancipacionista deve ser vista de forma múltipla e diversa, muito
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

distinta, portanto, da unanimidade pregada por Rojas e em conformidade com


a citação supracitada.
A pluralidade da América Hispânica era visível desde a sua organização polí-
tica. A colônia americana devia, teoricamente, obediência à Coroa espanhola.
Tal confiança foi abalada por meio da crise gerada com a prisão de Fernando VII
pelas tropas napoleônicas. Diante desse cenário, os governos locais da América
argumentaram que mediante a ausência de uma soberania política legítima,
como no caso do governo monárquico, o poder retroagia aos súditos, no caso,
aos representantes municipais da América Hispânica. A reclusão de Fernando
VII pode ser considerada, portanto, como uma primeira ação que resultou nas
declarações de autonomia. No entanto a ausência de um governo centralizado,
ainda que sediado na metrópole, resultou em outro problema: a fragmentação
sem fim da legitimidade política, pois cada cidade tinha autorização, na falta de
um poder legal, de se declarar como um organismo político soberano, uma vez
que o pacto estabelecido com a coroa espanhola havia se rompido mediante a
captura do rei. Cidades menores e algumas províncias não concordavam com a
autoridade delegada às antigas capitais vice-reinais (cabeceras) quando da ausên-
cia do poder imperial e, como consequência, esses fatores abriram espaço para
a pulverização da guerra entre cidades e províncias durante processos de inde-
pendência e mesmo após o seu encerramento.

A Formação dos Estados Nacionais (1825-1860)


138 UNIDADE IV

Esse ambiente de conflitos generalizados perdurou durante quase todo o


século XIX, trazendo a tona diversas limitações durante o processo de cons-
trução dos Estados nacionais, como: a ausência de tropas regulares na América
hispânica; a formação de rivalidades regionais; a persistência de velhas práticas
e estruturas corporativas; a falta de organização fiscal dos Estados ainda em fase
de formação; dificuldades de acesso aos locais mais isolados; relutância quanto
à institucionalização de práticas políticas, mesmo com a elaboração de consti-
tuições em muitos casos; isolamento de comunidades indígenas de participação
política e a ausência de uma aceitação de autoridade política.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Apesar de caótico, esse quadro estimulou debates a respeito de uma organiza-
ção formal no pós-independência. A princípio, defendeu-se um regime político
que pregava pela autonomia local (confederação). Tal modelo foi proposto nos
primeiros anos de pós-independência, atendendo, principalmente, às cidades e
províncias menores como forma de se defenderem do poderio das cidades maio-
res, a exemplo de Buenos Aires e Caracas. Em algumas regiões, como no Rio da
Prata, os delegados provinciais eram enviados mais como representantes de um
Estado do que propriamente como membro de uma “nação”; a “nação” em si era
um termo muito difícil de ser definido. Essa conjuntura explica a fragilidade das
tentativas de construção dos Estados nacionais sob os auspícios de um governo
central. As tentativas de organização de projetos federalistas encontravam grande
resistência provincial, pois tais planos eram associados a conspirações voltadas
para o domínio de cidades maiores.
Se o quadro era instável politicamente, o que dizer então da cultura naciona-
lista? Encontrar práticas e representações que se aproximassem do que se pode
chamar de “nacional” era uma tarefa árdua, baseada, geralmente, em histórias
compartilhadas. Por outro lado, encontrar esse elemento na trajetória histórica
de muitos desses países tornou-se uma tarefa complexa, sobretudo por parte
das elites culturais e políticas, principais interessados a desenvolver um movi-
mento dessa natureza.
Dentre os países recém-emancipados na América hispânica, podemos con-
siderar que o México tenha tido uma tarefa bem sucedida sobre esse assunto,
quando houve um resgate do passado indianista como forma de criar uma cul-
tura identitária singular, muito embora estivesse atrelada a retomada do passado

A FORMAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DOS ESTADOS NACIONAIS


139

pré-colombiano para reforçar os valores do cristianismo em terras mexicanas.


Talvez, com exceção do México, os outros países não possuíam lideranças locais
que se sentissem atraídos pela utilização da memória indígena como forma de
embasar um projeto de nação. Muitos desses líderes estavam alinhados ao pen-
samento iluminista e, como tal, defendiam um projeto de nação em sintonia
com os ditames do progresso e da modernidade, enxergando o passado ameri-
cano como obsoleto e turbulento.
Um dos líderes com maior participação nas lutas emancipacionistas, Simón
Bolívar, por exemplo, condenava o passado pré-colombiano e não conseguia filtrar
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

lições positivas dele para as futuras nações, opinião que contribuiu para semear
dúvidas sobre o papel das populações mestiças nos novos regimes políticos. Em
sua visão, era mais proveitoso inspirar-se no sistema republicano europeu do que
se espelhar no passado de opressão e colonização. O fosso gerado com as ten-
tativas de praticar algumas teorias importadas, muitas delas incoerentes com a
realidade social americana, dificultou ainda mais a construção de um imaginá-
rio nacionalista que se popularizasse.
O exemplo clássico da dificuldade de construir um ideário voltado para o
sentido de nação foi a Argentina. Os conflitos emancipacionistas foram mais
acirrados nessa região em virtude de disputas localizadas pela soberania, além
da população mestiça e dos índios nômades serem alijados de qualquer decisão,
prevalecendo a vontade das elites modernizadoras em primeiro plano. Alguns
autores revelam a frustração sobre a possibilidade de gaúchos e índios argentinos
construírem uma nação republicana. Dois dos mais conhecidos que comparti-
lhavam esse pensamento foram os escritores Domingo Sarmiento, cuja principal
obra foi “Facundo”, e Juan Bautista Alberdi. Ambos são considerados autores
clássicos do liberalismo platino e afirmavam, apesar de suas peculiaridades, o
homem interiorano (gaúcho), geralmente nômade, como incapaz de conviver
com regras e instituições, por ser classificado por tais escritores como indivi-
dualista e ameaçador a estabilidade de um projeto de nação. Para essa visão, o
gaúcho não tinha condições de assumir um papel representativo da nação, pois
não atendia às características idealizadas por essa perspectiva romântica de se
transformar em um típico personagem nacional.

A Formação dos Estados Nacionais (1825-1860)


140 UNIDADE IV

Apesar de atualmente associarmos o homem dos pampas com a representa-


ção nacional argentina, torna-se relevante compreender como foi árdua a decisão
de sua aceitação como componente simbólico da paisagem portenha. A produ-
ção cultural platina do século XIX, entre as quais se incluem “Facundo” e diversas
obras de arte de pintores itinerantes, censura a figura do gaúcho, retratando-o,
muitas vezes, como um nômade das planícies árabes, de forma a transmitir a
ideia de que ele não era integrante do que consideravam como modelo irrefu-
tável de nação. O fato de ignorarem o gaúcho levou a solução imigratória como
um requisito para edificarem uma nação nos moldes europeus. Os adeptos a essa

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
perspectiva acreditavam que populações transplantadas de países modernos tra-
riam energia e civilidade necessárias para a formação de uma nação saudável.
É importante ressaltar que os processos de independência tinham como
principal objetivo a libertação dos americanos e não de nações previamente cons-
tituídas. Diante dessa constatação, podemos considerar natural o processo árduo
de formação das nações com seus símbolos, práticas e representações. A propa-
gação de elementos que constituíram o imaginário social (hinos, bandeiras etc)
somente foi empregada após décadas de lutas contra a hegemonia espanhola.
Mesmo com a rápida delimitação fronteiriça, é fato que o reconhecimento
dos governos centralizados se configurou em um longo processo de aceitação, o
qual foi alcançado apenas no fim do século XIX em alguns casos. Buenos Aires,
por exemplo, somente foi definida como capital argentina em 1880. Durante anos
após as lutas emancipacionistas, muitos argentinos faziam referência ao local
onde nasceram em vez de relacionar o seu nascimento com a “nação” argentina.
Tal exemplo ilustra como a elite política nacionalista, de forma contraditória,
estruturou uma nação com base no projeto imigratório, em vez de valorizar as
particularidades da história local. Nesse cenário, o critério de nacionalidade
prevaleceu como um requisito forte na inclusão ou não de pessoas no projeto
político. Esses fatores devem ser levados em conta para melhor compreender-
mos o significado de Estado nacional após as lutas emancipacionistas.

A FORMAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DOS ESTADOS NACIONAIS


141

O processo de formação dos Estados nacionais na América Latina, salvo suas


peculiaridades, é acompanhado pela aparição do sentimento de pertenci-
mento a uma “nação”?
Fonte: a autora.

Os movimentos de independência trouxeram a necessidade de reconhecimento.


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Em alguns casos, foram enviados representantes à Europa no intuito de pressio-


nar a Espanha a reconhecer a emancipação de suas colônias americanas. Além
disso, fazia-se necessário conseguir ajuda econômica e reestruturar as relações
produtivas e comerciais que foram abaladas com a guerra. No plano interno, os
novos países tiveram que escolher seus sistemas de governo, estabilizar a produ-
ção, reestabelecer o comércio local e externo, bem como resolver conflitos para
definir suas fronteiras.
O período caracterizado pela formação dos Estados nacionais (1825-1860)
foi marcado por constantes lutas civis, resultado de distintos projetos políticos
que não lograram êxito. O cenário que se desnudou nos recém-formados Estados
nacionais americanos estava ilustrado por uma série de instabilidades políticas.
Uma dessas posições políticas antagônicas foi o chamado projeto bolivariano.
Após a independência da Bolívia e do Peru, Simón Bolívar se preocupou em
concretizar um sonho que nutria desde 1821: o de formar uma aliança defen-
siva. Em 1824, convocou todas as nações para um Congresso com o objetivo de
unir os territórios em confederações. A Grã-Bretanha foi convidada, pois dela
dependia a sustentabilidade política e econômica desses países. Tal evento, conhe-
cido como o Congresso do Panamá (1826), contou com a ausência da maioria
dos países latino-americanos, como Argentina, Chile, o Paraguai, a Bolívia, o
Brasil e o Uruguai. Compareceram a esse evento a Grã-Colômbia, Peru, México
e América Central.

A Formação dos Estados Nacionais (1825-1860)


142 UNIDADE IV

Menos de quinze dias após o início do Congresso foi emitido um Tratado


de União, Liga e Confederação Perpétua, por meio do qual os países assinantes
se comprometiam a oferecer ajuda mútua. No entanto o Congresso teve mais
efeito simbólico do que prático, tendo em vista a difícil e quase impossível mis-
são de unir esses países em um momento em que nem eles próprios conseguiam
manter a unidade interna de seus territórios. Contudo o projeto de defesa de
seus interesses econômicos mantém-se até os dias de hoje e considerou o ano de
1810 como referência do reconhecimento das independências.
O processo de formação dos Estados nacionais no Rio da Prata, por sua vez,

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contou com uma disputa acirrada e conflituosa de distintas posições políticas.
Nessa área, os primeiros países a se libertarem do jugo metropolitano foram o
Paraguai e o Rio da Prata. Tal região contava com rios navegáveis e boa comuni-
cação, todavia esses rios desembocavam na Prata, onde estava localizada Buenos
Aires. Em função de sua localização, Buenos Aires controlava todo o comércio
exterior, gerando alguns conflitos.
No atual Paraguai, por exemplo, José Gaspar Rodriguez de Francia foi desig-
nado Ditador Perpétuo em 1814, optando pelo isolamento, implantação de uma
economia de subsistência e por uma política exterior direcionada apenas para
entrada e saída de estrangeiros.
Francia se dizia liberal, mas aplicava como método de governo o Catecismo
Pátrio. Nesse sistema, Francia aparecia como ditador, justificando seu poder
absoluto, pois acreditava que os paraguaios ainda não estavam prontos para um
governo participativo.
Em consequência, a economia estava sob controle quase exclusivo do Estado:
monopólio com propriedade de terra e dos escravos, quase inexistência de
comércio exterior, predominância do comércio regional de venda de erva-mate
e maiores gastos militares.
Províncias Rio-pratenses, próximas aos rios Paraná e Uruguai, reclamavam
pela abertura do comércio exterior, mas adotavam, ao mesmo tempo, práticas
protecionistas. No entanto a existência de chefes locais (caudilhos) acabaria com
as divergências de opinião existentes entre uma região e outra, tanto que, entre
1820 e 1862, a região da atual Argentina, formada por estados paralelos, se uni-
ram a partir de 1862. No Uruguai, ao contrário, os caudilhos marcaram disputas

A FORMAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DOS ESTADOS NACIONAIS


143

que dividiram historicamente o país entre dois partidos: Branco e Colorado.


De forma geral, após as lutas de independência, os países da América Latina
buscaram incentivar a produção de matérias-primas para a exploração, sobretudo
para a Inglaterra. O Brasil, por exemplo, continuou a tradicional aliança com os
britânicos e a monarquia viu-se diante de diversas manifestações de desconten-
tamento. Surgiram vários movimentos separatistas, dos quais o mais intenso foi
a Revolução Farroupilha (1835-1845).
Na região andina, além das instabilidades políticas, o período entre os anos de
1825 a 1860 foi marcado pela tentativa de reuniões de diferentes Estados, os quais
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

visavam se unir para se tornarem mais fortes no âmbito político e econômico.


Diante desse quadro, o Peru, logo após a independência, em 1824, destacou-se
por brigas sucessivas, evidenciando a instabilidade existente (conservadores ver-
sus liberais/ monarquistas versus republicanos). Após a sua independência em
1825, a Bolívia, por sua vez, se declarou autônoma tanto do Peru quanto do Rio da
Prata, adotando um ano mais tarde o sistema republicano como regime político.
Entre os anos de 1836 a 1839, foi firmada a Confederação Peruano-Boliviana,
uma iniciativa de Santa Cruz, então presidente da Bolívia. O objetivo era con-
cretizar a unidade política de uma grande região andina, que compreendia os
atuais Estados do Peru, Bolívia e norte do Chile. Apesar da existência efêmera,
a Confederação fundou bases administrativas e jurídicas de seus territórios,
superando em parte a anarquia administrativa consequente da guerra da inde-
pendência e substituindo a legislação espanhola por novos códigos.
O Chile, por sua vez, via a união entre a Bolívia e o Peru como uma forte
ameaça a seus interesses econômicos e políticos. Por esse motivo, declarou guerra,
em 1836, alegando incidentes fronteiriços e acusações de interferências, mas aca-
bou sendo derrotado. Três anos antes desse incidente, o Chile promulgou sua
Constituição, o que lhe garantiu estabilidade capaz de solidificar as bases polí-
ticas, econômicas e militares, que transformaram o Chile no país mais forte da
região andina.
Situação contrária estava ocorrendo na Grã-Colômbia, Venezuela e Nova
Granada, onde houve, em 1830, um período de desintegração definitiva. Os moti-
vos para essa fragmentação foram as guerras de independência e desencontros
entre as propostas centralistas e federalistas.

A Formação dos Estados Nacionais (1825-1860)


144 UNIDADE IV

Em 1847, o governo peruano convocou vários países sul-americanos para


um Congresso de Lima. Na ocasião, apenas Brasil, Argentina e Venezuela não
compareceram. Os países andinos assinaram um Tratado de Confederação e
Navegação, com o propósito de formar uma liga defensivo-ofensiva dos países
do Pacífico, mas a proposta não passou de lei morta.
A América Central, por sua vez, sofreu um processo de fragmentação após
a independência, em 1821. No ano seguinte, uniu-se ao México, mas optou pela
separação em 1823. Em 1824, foi iniciada a Constituição Federal da Confederação
Centro-Americana, porém a inexistência de comunicações internas dificultava

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
uma verdadeira união dos interesses das elites regionais. Todo esse contexto foi
palco de disputas internas, marcadas principalmente pela oposição entre os dois
grupos: conservadores centralistas versus liberais federalistas.
Em 1839, houve a desintegração, em definitivo, da Confederação Centro-
americana em vários países: El Salvador, Guatemala, Nicarágua, Costa Rica e
Honduras. Com a pulverização da América Central, a presença inglesa tornou-
-se constante, o que não foi visto com bons olhos pelos Estados Unidos.
Durante o século XIX e início do XX, imperava nos Estados Unidos duas
noções básicas: primeiro, o Destino Manifesto, voltado para a expansão territorial;
segundo, a Doutrina Monroe, pautada na defesa dos Estados latino-americanos
contra a intromissão de forças extracontinentais.

A Doutrina Monroe foi promovida pelo presidente James Monroe (1817-


1825) por meio de uma mensagem enviada ao Congresso, no dia 2 de de-
zembro de 1823. A síntese do documento está baseada na famosa frase “A
América para os americanos”. Seu pensamento estava fundamentado em
três aspectos principais: primeiro, o impedimento de criação de novas co-
lônias nas Américas; segundo, a não intervenção em assuntos internos dos
países americanos e, por fim, a proibição da interferência dos Estados Uni-
dos em confrontos relacionados aos países europeus, como guerras entre
suas colônias e países.
Fonte: a autora.

A FORMAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DOS ESTADOS NACIONAIS


145

©Wikipédia
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Figura 08: Tela de John Ghast conhecida como “Progresso Americano” (American Progress)

A imagem de número 08 retrata alegoricamente o Destino Manifesto. O progresso


representado pela mulher angelical (identificada por alguns como “Colúmbia”,
uma referência aos Estados Unidos do século XIX) segura um livro e suposta-
mente conduz a “civilização” até o oeste, acompanhada de colonos americanos
e instalando fios telegráficos. Em contraste, animais e indígenas fogem, como se
estivessem sendo expulsos de um lugar que era deles.
As interferências internacionais e disputas por territórios da América Central
entre Estados Unidos e Inglaterra resultaram no Tratado Clayton-Bulwer. Assinado
em 1850 entre os dois países em tela, esse documento firmou o comprometi-
mento e a convivência com o equilíbrio de forças na região.
A América Central em meados do século XIX encontrava-se dividida em
vários Estados, disputados pela Inglaterra e os Estados Unidos para a constru-
ção de uma passagem que comunicasse os oceanos com o comércio de ultramar.
De modo semelhante, o Caribe também sofreu disputas pelas potências
mundiais. Cuba era um dos alvos perfeitos para esses países por ser uma região
de posição estratégica e também pelo fato de se tornar um importante centro de
produção açucareira. Alguns expansionistas estadunidenses viam no Caribe uma
extensão natural dos Estados Unidos, tanto que em duas oportunidades (1848
e 1854) os norte-americanos ofereceram à Espanha a compra da ilha. Os sulis-
tas estadunidenses visavam incorporar Cuba como reduto escravista, ao passo
que os nortistas norte-americanos preferiram manter as negociações diplomá-
ticas com a Espanha.

A Formação dos Estados Nacionais (1825-1860)


146 UNIDADE IV

A presença constante dos Estados Unidos na formação dos Estados nacio-


nais também atingiu o México. Esse país tornou-se independente em 1821,
momento em que os Estados Unidos atravessavam um período de estabilidade
político-econômica. Aproveitando a inexperiência das autoridades mexicanas,
os estadunidenses reconheceram a independência do México em 1822, mas com
o intuito de expandir os seus territórios. Foi realizada uma política de migração
de cidadãos norte-americanos para o estado mexicano do Texas.
O México ratificou esse acordo no qual eram dadas terras aos colonos e em
troca estes deveriam respeitar as leis mexicanas, como a proibição da escravi-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
dão, por exemplo. Contrariando a proposta, os colonos entraram no território
mexicano em grande número, estabeleceram suas leis e implantaram o sistema
escravista.
Em 1830, o novo presidente do México, Anastásio Bustamante, quis impor
uma política nacionalista na economia e na sociedade. Para fazer isso, Bustamante
limitou a imigração de estadunidenses. Essa medida foi tomada porque os colonos
estrangeiros predominavam e seus hábitos estavam se sobrepondo aos costumes
dos nativos mexicanos. Entretanto, já em 1831, os colonos americanos nutriam
uma consciência separatista, arquitetando estratégias para a emancipação do
Texas. Como reação à imposição dos estadunidenses, o governo mexicano decre-
tou a abolição da escravidão, em 1835. Um ano depois, os mexicanos protestaram
contra a medida do governo e proclamaram a independência. Para a manutenção
da emancipação, os colonos texanos contaram com o apoio dos Estados Unidos,
o qual anexou o território do Texas. Como ônus da incorporação do Texas pelos
Estados Unidos, o México resolveu romper as relações diplomáticas com esse país,
o que resultou em uma declaração de guerra por parte dos norte-americanos.
Em 1848, o México reconheceu a perda do Texas e sua anexação aos Estados
Unidos. Como consequência da derrota, o México foi obrigado a vender parte
do seu território (do oeste do Texas até o Pacífico) para os estadunidenses, além
de ter que aceitar a proposta americana de estabelecimento das fronteiras, resul-
tando na perda de metade de seu território.

A FORMAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DOS ESTADOS NACIONAIS


147
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Mapa 06: Perda do Texas para os Estados Unidos


Fonte: Mexican History (online).

Conforme você pôde notar, durante a primeira metade do século XIX e logo
após os processos de emancipação política, a América Latina estava formando
os seus Estados nacionais, fator que trouxe uma série de instabilidades e indefi-
nições territoriais, bem como a precariedade nas relações econômicas e políticas
com o resto do mundo. Em contraste, na segunda metade do século XIX, a esta-
bilidade se instala aos poucos, ao passo que o controle das finanças vai sendo
retomado e as administrações vão se reestabelecendo.

A Formação dos Estados Nacionais (1825-1860)


148 UNIDADE IV

A CONSOLIDAÇÃO DOS ESTADOS NACIONAIS


(1860-1890)

Como você deve ter aprendido até aqui, as guerras pelas independências se
caracterizaram por serem longas e árduas. Além disso, as consequências para os
novos Estados foram lastimáveis e marcadas por grandes prejuízos, tais como:
economia instável, endividamento e desarticulação da produção agrícola. Vários
estudiosos sobre o assunto relataram as dificuldades da América Latina durante
o período de formação de seus Estados nacionais.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Sem dúvida, uma leitura considerada indispensável sobre o assunto são os
escritos de Maria Lígia Prado (1999), nos quais estão retratadas as desilusões do
período pós-emancipação.
Na concepção dos letrados liberais, a liberdade, a justiça, o progresso
e a riqueza deveriam florescer na América. Entretanto, a guerra nas
colônias espanholas foi longa e cruel, e o sofrimento e empobrecimento
visíveis. Assistia-se ao espetáculo da ruína econômica e da devastação
geral. Muitas das riquezas produzidas tinham sido destruídas: planta-
ções, criação de gado, minas. Os tesouros públicos encontravam-se es-
gotados, os líderes políticos disputavam o poder, divididos em facções.
De repente, tudo parecia ter sido em vão, especialmente para aqueles
que haviam se empenhado tanto nas lutas (PRADO, 1999, p. 68-69).

Além disso, a militarização da sociedade e do poder político constituiu-se como


uma herança das guerras de emancipação. Túlio Halperin Donghi (1975) afirma
que essa militarização não é resultado de poder e prestígios oriundos de líderes
militares, mas das elites civis que não dispensaram o apoio dos militares para a
preservação da ordem que era mais conveniente e atendia aos ditames desse grupo.
O peso das forças das armas (...) é inicialmente um aspecto do proces-
so de democratização, mas, bem cedo, transforma-se numa garantia
contra uma extensão excessiva desse processo. Por isso (e não porque
pareça inevitável) é que mesmo os que deploram algumas de suas ma-
nifestações fazem pouco para acabar com eles (DONGHI, 1975, p. 99).

A FORMAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DOS ESTADOS NACIONAIS


149

Muitos daqueles que se diziam liberais e que estavam encabeçando o movimento


pela emancipação política foram designados como líderes das recém-criadas
repúblicas da América Latina. A exclusão das massas no processo econômico
social de seus governos contribuiu para a instalação da desordem infraestrutu-
ral, sobretudo após séculos de colonização e do destrutivo período das guerras
de independência. Na visão de John Charles Chasteen (2001), a herança colo-
nial inviabilizou a implantação de governos liberais.
Os sonhos liberais de novos países prósperos e progressivos logo se
dissolveram em frustração e fracasso econômico. Esperanças de verda-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

deira democracia foram esmagadas pelos velhos hábitos da hierarquia


conservadora. Padrões recorrentes de violência política e corrupção
alienaram a maioria do povo dos governos que supostamente o repre-
sentavam. A política tornou-se, acima de tudo, uma busca dos benefí-
cios pessoais dos cargos públicos. Em suma, a primeira geração pós-co-
lonial (1825-1850) não viu a América Latina progredir em nenhuma
direção (CHASTEEN, 2001, p. 101-102).

De forma geral, os liberais, normalmente compostos por membros das elites


crioulas, vinculados ao comércio exterior, foram golpeados por caudilhos mili-
tares. Esses caudilhos eram, grosso modo, proprietários rurais que haviam posto
à disposição suas corporações privadas para engrossarem as fileiras dos exérci-
tos de libertação. Por essa atitude, foram designados a assumir os altos cargos
da hierarquia militar. No período da pós-independência, adotaram medidas que
tornaram evidentes suas manobras para permanecerem no poder. Em alguns
casos, optaram pela usurpação do trono de governos eleitos e a revogação de
constituições liberais, quando não tiravam vantagens da fragilidade institucio-
nal que os novos regimes republicanos possuíam, utilizando, para isso, o “voto
de cabresto” para se eleger. Tais ações demonstram como o personalismo foi (e
ainda é) uma das marcas centrais da cultura dessas sociedades.

A Consolidação dos Estados Nacionais (1860-1890)


150 UNIDADE IV

Ficou curioso para saber o que foi o voto de cabresto? Saiba que essa mo-
dalidade de voto recebeu esse nome por se tratar de um sistema no qual há
forte controle de poder político, seja por meio da compra de votos, do abu-
so de autoridade ou utilização do poder público para favorecimento pessoal
ou de simpatizantes.
Fonte: a autora.

De forma semelhante, multiplicaram-se as guerras ao longo do século XIX e no

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início do século XX. A região do Rio da Prata é um exemplo de conflitos dessa
natureza. Em 1825, os portenhos entraram em confronto com o Império bra-
sileiro disputando o controle sobre o Uruguai (mais conhecido como Província
Cisplatina ou Banda Oriental), em um episódio conhecido como Guerra Cisplatina
(1825-1828), o qual resultou na independência do Uruguai do poder imperial
brasileiro, em 1827.
Entre os anos de 1851 e 1852, novamente portenhos e brasileiros lutaram pelo
domínio na região. O fim do confronto coroou na vitória brasileira, a qual acabou
com os planos do caudilho Juan Manoel de Rosas de unir os países da área, com
o objetivo de reintegrar o antigo Vice-Reinado sob o controle de Buenos Aires.
Anos mais tarde, entre 1865-1870, ocorreu a Guerra da Tríplice Aliança,
na qual estiveram envolvidos três países (Brasil, Argentina e Uruguai) contra
o Paraguai. Tal acontecimento marcou para a história a Guerra do Paraguai,
responsável por aniquilar a população paraguaia e arrasar a economia do país,
destinando-o ao subdesenvolvimento.

Portenhas são pessoas nascidas ou originárias de Buenos Aires, capital da


Argentina.
Fonte: a autora.

A FORMAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DOS ESTADOS NACIONAIS


151

Além desses, outros confrontos agitaram a região sul-americana, a exemplo da


Guerra da Confederação Peruano-Boliviana (1836-1839), marcada pelo fato de
o Chile não aceitar a união do Peru com a Bolívia, os quais voltaram a se separar
após o episódio; e a Guerra do Pacífico (1879-1883), por meio da qual o Chile
derrotou o Peru e a Bolívia, que disputavam uma área ao norte do Chile, resul-
tando na vitória deste último; por fim, a Guerra do Chaco (1932-1935), a qual
envolveu o Paraguai e a Bolívia, sendo este último derrotado e forçado a ceder
a região do Chaco.
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Mapa 07: Conflitos ocorridos na América Latina durante os séculos XIX e XX: Guerra do Pacífico (1879 a
1883), Guerra do Chaco (1932-1935) e a Guerra do Paraguai ou Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870)
Fonte: Chasteen (2001, p. 145-146).

A Consolidação dos Estados Nacionais (1860-1890)


152 UNIDADE IV

Passado o período de instabilidade do pós-independência, houve algumas trans-


formações nos países latino-americanos. Os sonhos que apregoava o pensamento
liberal não pareciam estar mais tão distantes. De forma geral, os governos con-
servadores não encontravam mais argumentos convincentes que os mantivessem
no poder. A esfera social caracterizou-se pela ascensão dos mestiços aos setores
médios quase sempre atraídos pelas promessas dos liberais. No âmbito econômico,
constatou-se certo crescimento em razão da reorganização das atividades econô-
micas, bem como de oportunidades que surgiram por meio de laços comerciais
abertos pelos investidores estrangeiros. A Inglaterra estava disposta a investir na

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América Latina em função de capitais excedentes adquiridos por meio da indús-
tria. Diante desse cenário, os liberais se tornaram a opção mais aceitável, fator
que proporcionou avanços econômicos durante a segunda metade do século
XIX e a primeira do século XX.

Podemos afirmar que, em fins do século XIX a início do século XX, houve na
América Latina o predomínio dos liberais, que haviam derrotado as forças
conservadoras (Igreja). Os liberais defendiam, dentre outras questões, a le-
gitimação da propriedade privada como direito do indivíduo.
Fonte: Hale (1991).

Em conformidade com Rubim Aquino (2000, p. 296-297), houve a persistên-


cia da herança colonial no sentido econômico, ou seja, manteve-se na América
Latina uma economia produtora de gêneros alimentícios e matérias primas para
o mercado externo. A divisão de mercados mundiais entre os países capitalistas
desenvolvidos (Estados Unidos, França e Inglaterra) resultou na formação de
economias periféricas e/ou dependentes na América Latina. Esse quadro esti-
mulou a criação de grupos capitalistas, responsáveis por instigar a agricultura
de exportação e a exploração de recursos minerais, fator que ativou o comércio
de exportação e importação, criação de companhias de seguros, redes ferrovi-
árias, bancos etc.
A FORMAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DOS ESTADOS NACIONAIS
153

Paralelo a isso, alguns países haviam sido reduzidos a uma economia de subsis-
tência, o que gerou um quadro de empobrecimento. Tal desigualdade econômica,
em consonância com Aquino (2000, p. 296-297), era uma estratégia necessária
do capitalismo internacional, ao qual não interessava que os países latino-ame-
ricanos tivessem condições de um desenvolvimento capitalista autossustentado.
Essas características impediram a modernização e, consequentemente, o surgi-
mento de uma burguesia nacional nesses países. Os poucos grupos capitalistas
que surgiram eram muito frágeis e, por isso, não conseguiram impor domínio
político à região. De acordo com Aquino:
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A massa da população, majoritariamente camponesa e analfabeta, vivia


sob um sistema de relações pré-capitalistas, uma espécie de semi-ser-
vidão, e não constituía mercado consumidor apreciável para artigos in-
dustrializados. As classes dominantes eram formadas pelas oligarquias
agroexportadoras cada vez mais dependentes da aliança com o impe-
rialismo – e pela burguesia mercantil – esta localizada em centros bem
definidos, como as cidades portuárias de Montevidéu, Buenos Aires,
Valparaíso (AQUINO, 2000, p. 297).

De acordo com esta citação, as contradições do liberalismo latino-americano


eram moldadas e estavam destinadas a alimentar o capitalismo central. A con-
centração de terras era evidente. O século XIX evidenciou avanços sobre as terras
da Igreja e das comunidades agrícolas. A princípio, os liberais viam nas comu-
nidades um símbolo de atraso, o que os levou a dividir as terras comunais em
pequenas propriedades familiares, as quais foram incorporadas pelos latifúndios,
fator que levava o indígena a um quadro de servidão por dívidas. Os latifúndios
que exploravam essa mão de obra estavam vinculados a uma produção para o
mercado externo. Por essas características, podemos dizer que o neocolonialismo
encontrou, na América Latina, um campo propício para o seu desenvolvimento.
O período de consolidação dos Estados nacionais, também conhecido como
neocolonialismo latino-americano, foi marcado pela incorporação da região ao
capitalismo mundial. Caracterizou-se ainda por transformações que, de forma
mais intensa ou não, modernizaram a infraestrutura e inauguraram os pilares
da industrialização na primeira metade do século XX. Algumas dessas mudan-
ças foram retratadas por Chasteen:

A Consolidação dos Estados Nacionais (1860-1890)


154 UNIDADE IV

Ocorreram mudanças verdadeiras e maciças, que afetaram a vida de


todos, ricos e pobres, urbanos e rurais. As grandes cidades latino-ame-
ricanas perderam as pedras de cantaria coloniais, as paredes do embo-
ço branco e os telhados de telhas vermelhas, tornando-se metrópoles
modernas, comparáveis aos gigantes urbanos de qualquer parte (...).
As ferrovias multiplicaram-se fabulosamente, assim como as exporta-
ções de açúcar, café, cobre, cereais, nitrato, estanho, cacau, borracha,
bananas, carne, lã e tabaco. As instalações portuárias totalmente ina-
dequadas de Buenos Aires e outras partes foram substituídas. Os pro-
prietários rurais e a classe média urbana prosperaram, mas a vida da
maioria rural latino americana melhorou pouco, se é que melhorou.
Pelo contrário, o capitalismo agrário devastou o interior e destruiu mo-

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dos de vidas tradicionais, empobrecendo a população rural espiritual
e materialmente. E o progresso trouxe uma nova espécie de imperia-
lismo da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos. Os mesmos países que
serviriam de modelo para o Progresso da América Latina ajudaram a
estabelecê-lo ali e, às vezes, foram seus praticantes diretos. A influência
estrangeira foi tão disseminada e poderosa que os historiadores latino-
-americanos chamam os anos de 1880 a 1930 de seu período neocolo-
nial (CHASTEEN, 2001, p. 149).

Dessa forma, grandes centros, como Rio de Janeiro, Salvador, Buenos Aires,
Lima, Caracas, Cidade do México, Havana, para não citar outras, se desenvol-
veram e muitas delas adotaram traçados semelhantes aos das grandes cidades
europeias. Tal mudança urbana acompanhou os anseios das elites liberais, que
buscavam imitar a arquitetura europeia e norte-americana. Em contraste, o
interior não se desenvolveu, mesmo com a capitalização do campo, a qual, na
realidade, somente foi aplicada em áreas exportadoras. As linhas férreas ligavam
as regiões produtoras aos portos e não eram construídas para ligar uma cidade a
outra. Por isso, não houve integração nacional, já que a modernidade ficou res-
trita apenas a alguns núcleos centrais.
Se antes espanhóis e portugueses peninsulares desembarcavam com
seus ares irritantes de superioridade e suas nomeações reais firmemen-
te na mão, agora era um mister de língua inglesa que chegava com ares
semelhantes de superioridade e somas vultuosas para emprestar ou in-
vestir em bancos, ferrovias, ou instalações portuárias (...) Em última
instância, o próprio status e prosperidade das pessoas respeitáveis es-
tavam associados aos forasteiros e eles sabiam disso. Noventa por cen-
to de sua riqueza advinha do que vendiam nos mercados europeus e
norte-americanos, e suas próprias pretensões sociais, seu próprio ar de
superioridade em casa advinham da tez portuguesa, dos cristais austrí-

A FORMAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DOS ESTADOS NACIONAIS


155

acos, da familiaridade dos filhos com Paris. O neocolonialismo, além


de uma relação entre países, também era um fenômeno interno e fami-
liar, na América Latina (CHASTEEN, 2001, p. 150).

A imigração de europeus empobrecidos para o novo mundo tornou-se uma prá-


tica recorrente. Como afirma Chaunu (1983), tal movimento acontecia porque
esses imigrantes tinham esperanças de construir uma vida próspera no conti-
nente americano.
A América Latina foi profundamente modificada na sua estrutura hu-
mana. Era um continente índio e negro até o meio do século XIX. De-
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pois, o fluxo da imigração branca submergiu a sua zona temperada: a


Argentina, o Uruguai e o Brasil receberam uma massa de imigrantes
que modificou a natureza das suas populações. O fluxo de imigrantes
que deixou a Europa a partir de 1850 dirigiu-se sobretudo para os Es-
tados Unidos (26.180.000 fixam-se aí entre 1820 e 1930) e depois para
a América Latina (cerca de 6.000.000). Diferentemente da ida para os
Estados Unidos, esta imigração é essencialmente proveniente dos paí-
ses latinos do sul da Europa, menos da Espanha e Portugal que da Itália,
a qual forneceu os maiores batalhões. Esta segunda conquista humana
da América Latina pela Europa afeta em cheio os países temperados:
a Argentina, o Uruguai, o Sul do Brasil e, em menos escala, o Chile,
precisamente a fração do Continente que a conquista ibérica, ávida de
metais e de especulações agrícolas, negligenciara (CHAUNU, 1983, p.
101).

A Consolidação dos Estados Nacionais (1860-1890)


156 UNIDADE IV

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Mapa 08: Mapa da imigração na América Latina


Fonte: Chaunu (1983, p. 102).

A FORMAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DOS ESTADOS NACIONAIS


157

Os regimes liberais, em sua maioria, comemoram essas ondas migratórias de


fins do século XIX, pois acreditavam que esse movimento teria forças suficien-
tes para “embranquecer” os países. Aliás, os discursos pregados pelo liberalismo
político se esvaíram, mantendo apenas o seu conteúdo econômico por intermédio
da implantação de governos corruptos e mesmo ditatoriais. Tais elites usavam a
estrutura estatal no intuito de defender os seus interesses, já que o patrimonia-
lismo foi uma das marcas deixadas pela herança colonial ibérica.
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O liberalismo político teve como base o discurso liberal clássico, mas foi
acrescido por debates entre o pensamento radical e reformista durante o sé-
culo XIX. As críticas resultantes dessas discussões destacavam a necessidade
de contemplar com direitos políticos todos os grupos sociais, rompendo,
assim, com o elitismo defendido pela tradição liberal clássica. O resultado
desse processo foi a formação da liberal-democracia, sistema político que
fundamentou os Estados democráticos ao longo do século XX. O liberalis-
mo econômico, por sua vez, visa a liberdade na aquisição de bens, garanti-
do pelo direito à propriedade privada.
Fonte: a autora.

A exportação de matérias-primas realizadas por grande parte das economias


latino-americanas propiciou a ampliação da burocracia e do setor de serviços:
funcionários públicos bem como profissionais liberais (médicos, advogados,
engenheiros etc) se resguardavam para usufruir de parte da riqueza oriunda do
solo de seus países.

A Consolidação dos Estados Nacionais (1860-1890)


158 UNIDADE IV

A grande demanda de exportações de fins do século XIX e primeiras déca-


das do XX fez com que os países se dedicassem a produtos específicos: no Brasil,
principalmente o café, a borracha e o cacau; no México, prata, açúcar, café e
petróleo; no Peru, o guano ; em Cuba, o açúcar; na Bolívia, o estanho; no Chile,
o nitrato, o cobre e o ferro; na Bolívia, o estanho; na Argentina, trigo, carne e
couros; na América Central, as bananas e o café e assim por diante. Sem exce-
ção, todos os países experimentaram, cada qual com o seu sabor, o grande fluxo
de exportações do período.
O crescimento das exportações levou cada vez mais os grandes proprietá-

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rios a adquirirem novos lotes, geralmente oriundos de camponeses, indígenas ou
pequenos proprietários, os quais se sentiam pressionados em razão da hipervalo-
rização das terras, ou sendo expulsos legal ou ilegalmente de suas propriedades.
Portanto, podemos afirmar que parte significativa dos latifúndios estava nas mãos
de estrangeiros ou de grandes companhias.
Não raro, os trabalhadores de monoculturas ou mineração ganhavam salá-
rios baixos, sem direitos e em péssimas condições. Não havia mais como viverem
independentes desse sistema, pois a concentração de terras nas mãos de poucos
impedia o acesso ao solo que antes era responsável por garantir-lhes a subsis-
tência. A associação das elites governamentais a fraudes ou por interesses fazia
com que as autoridades fechassem os olhos diante desse quadro de exploração
estrangeira.
Um exemplo foi a United Fruit Company, considerada a maior exportadora
latino-americana de bananas, concentrando suas atividades principalmente na
América Central. Sua grande projeção econômica deu margem para que atuasse
incisivamente na política, depondo ou nomeando governantes em consonância
com os seus próprios interesses. Agia subornando opositores para que derru-
bassem presidentes julgados inconvenientes pela exportadora.

A FORMAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DOS ESTADOS NACIONAIS


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Mapa 09: Economia de exportação e investimentos estrangeiros na América Latina (início do século XX)
Fonte: Atlas da História do Mundo (1995, p. 222).

A Consolidação dos Estados Nacionais (1860-1890)


160 UNIDADE IV

Apesar disso, podemos dizer que a política latino-americana na transição do


século XIX para o XX caracterizou-se por momentos estáveis que contrastavam
com um conjunto de golpes e mandonismos locais. Alimentados pelo comércio
exterior, muitos países equiparam forças armadas que mantiveram os oposito-
res afastados do cenário de disputas políticas.
Um exemplo foi a ditadura de Porfírio Diaz (1876-1911), no México. Seu
governo, mais conhecido como Porfiriato, sustentava um conselho técnico res-
ponsável por administrar e estimular a economia exportadora. As classes médias
foram inclusas no projeto socioeconômico do Estado, uma vez que o governo con-

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tava com generosos recursos para mantê-las em uma zona de conforto. Algumas
concessões foram feitas para grupos estrangeiros, como o consentimento dado
à empresa norte-americana Standart Oil de explorar o petróleo que abastecia a
industrialização nos EUA.
Os camponeses foram alijados desse processo. Estavam proibidos de participar
da política, pois havia restrições censitárias e a exigência de serem alfabetizados,
requisitos que a maioria esmagadora do campesinato não conseguia cumprir. A
corrupção e manipulação dos votos concedia ao Porfiriato uma imagem “demo-
crática” e simultaneamente auxiliava na sua perpetuação no poder.
Mesmo com essa estrutura, Porfirio Diaz não conseguiu industrializar o
México, o qual permaneceu atrelado aos laços de dependência característicos da
herança colonial e a reboque de uma economia dependente do exterior, sobre-
tudo dos grandes centros europeus e dos Estados Unidos.
Em alguns países, como o México, Argentina e o Brasil, o sistema embrio-
nário da industrialização ocorreu no início do século XX, principalmente pela
impossibilidade de grandes economias oferecerem seus produtos na época da
Primeira Guerra Mundial (1914-1918) pelo fato de esses países estarem envolvi-
dos no conflito. Tal contexto propiciou o surgimento da chamada industrialização
por substituições de importações, todavia esse processo já anunciava o des-
moronamento do sistema nacional ou pelo menos a criação de certa autonomia
das economias latino-americanas. Como nos diz Stein (1976, p. 106), “não será
assim, surpreendente constatar que a América Latina não logrou iniciar a moder-
nização de sua economia via industrialização um século após a independência”.

A FORMAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DOS ESTADOS NACIONAIS


161

A formação bem como a consolidação dos Estados nacionais latino-ameri-


canos, durante os séculos XIX e XX, trouxeram, no seu bojo, traços de exclusão
e dependência em meio a um cenário que prometia o oposto dessas caracterís-
ticas. Esse quadro de contradições dará suporte para a eclosão de insurreições
nacionalistas e anti-imperialistas que sacudiram a América Latina durante todo
o século XX.
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OS ESTADOS UNIDOS EM FINS DO SÉCULO XIX

A primeira metade do século XIX marcou para os Estados Unidos um momento


de prosperidade econômica, expansão territorial e crescimento populacional, em
razão dos fluxos migratórios ao longo do século XIX e das taxas crescentes de
natalidade. Todos esses aspectos contribuíram para formar uma cultura estadu-
nidense diversa, vista como símbolo do progresso, da expansão de oportunidades
e do local onde o espírito capitalista protestante conseguiu transformar a socie-
dade agrária do século XVIII em uma potência industrial durante o século XIX.
O período posterior à Guerra de Secessão (1861-1865) foi marcado por
amplo desenvolvimento econômico. O término do conflito acelerou a industria-
lização e estimulou a necessidade de interligar as novas terras ao Oeste por meio
de linhas férreas. Para se ter uma ideia, durante a década de 1860, foi constru-
ída uma imensa ferrovia que ia da costa do Atlântico a do Pacífico. Tal fator era
de suma importância para o escoamento da produção, bem como para a expan-
são fabril, sobretudo nos setores de metalurgia e siderurgia.

Os Estados Unidos em Fins do Século XIX


162 UNIDADE IV

A Guerra de Secessão (1861-1865) foi um confronto entre os estados do nor-


te e do sul dos Estados Unidos. Conforme analisamos anteriormente, ambas
as regiões possuíam características socioeconômicas distintas. De um lado,
os sulistas defendiam a permanência do latifúndio como unidade de produ-
ção e a continuidade da mão de obra escrava. Por outro, os habitantes do
norte, cuja principal função econômica era o desenvolvimento industrial,
descartavam a escravidão como caminho para o crescimento econômico.
A divergência de projetos para orientar o progresso econômico no país foi
fundamental para a eclosão do conflito. O término da guerra civil foi mar-
cado pela vitória do norte, garantindo a emancipação dos escravos e a he-

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gemonização econômica da “União”, seguindo o modelo socioeconômico e
político da burguesia industrializante do norte.
Fonte: a autora.

O fim da Guerra de Secessão incentivou a mecanização fabril, fator que bene-


ficiou economicamente os industriais que dispunham de capitais. Também se
tornou recorrente a fusão de empresas, elemento que fortaleceu a expansão de
grandes grupos industriais, dispostos a reconstruírem as áreas destruídas pela
guerra e a adquirirem pequenas empresas, estimulando investimentos em tec-
nologia e a procura por mercados externos.
Do quinto lugar como potência industrial, em 1840, os EUA, que até
a Guerra de Secessão foram um país de pequenos negócios, saltaram
para o quarto em 1860 e para o segundo em 1870, quando o processo
de concentração e centralização da economia, impulsionado pelo crack
de 1873, começou a produzir novas formas de associação empresarial
– pools, trustes, cartéis e sindicatos – com o objetivo de monopolizar
mercados e fontes de matérias-primas, bem como controlar preços e
exportar capitais. Em tais circunstâncias, com as forças produtivas do
capitalismo desbordando os limites do estado nacional, a América Lati-
na, agrícola e atrasada, se configurava como a continuidade natural do
seu espaço econômico (BANDEIRA, 1998, p. 24).

A FORMAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DOS ESTADOS NACIONAIS


163

“Ao eclodir a Guerra de Secessão, o crescimento econômico dos Estados


Unidos havia sido estimulado (...) a Guerra de Secessão abrira o caminho
para a industrialização norte-americana”.
Fonte: Stein (1976, p. 101).

Desse modo, a ampliação do capitalismo nacional estadunidense estava intima-


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mente vinculada à expansão territorial. Quanto mais terras fossem incorporadas,


mais matérias-primas iriam abastecer o setor industrial norte-americano, mais
empregos seriam gerados e mais imigrantes seriam atraídos para fornecerem sua
mão de obra e, assim, contribuir com o crescimento desse segmento.
Conscientes de seu desenvolvimento, os estadunidenses assistiram a uma
conjuntura favorável ao seu crescimento durante o século XIX. Por isso, ini-
ciaram o século XX como uma das superpotências mundiais e utilizaram esse
rótulo para exercer hegemonia política e econômica em grande parte do conti-
nente americano.

Os Estados Unidos em Fins do Século XIX


164 UNIDADE IV

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta unidade, foi possível conhecer o processo de definição dos territórios e


da soberania dos países recém-emancipados, bem como de suas relações com o
mundo exterior, de modo a outorgar-lhes uma identidade nacional que foi cons-
truída ao longo desse processo histórico.
Além disso, compreendemos que as primeiras décadas foram marcadas pela
disputa interna entre diferentes elites regionais, econômicas e políticas, incluindo
a onipresença de algumas potências estrangeiras, como os Estados Unidos.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Também foi possível explorar os processos de consolidação dos Estados latino-a-
mericanos e como, na dinâmica internacional, figuravam os países exportadores
de matéria-prima e importadores de produtos manufaturados, comandados por
oligarquias locais. Por fim, apreciamos a estabilização dos Estados Unidos como
uma superpotência industrial em fins do século XIX. O objetivo foi compreen-
der que, apesar da conjuntura, cada país tem suas particularidades, mesmo pelo
fato de nutrirem pontos em comum.
A configuração da América atual, rica em diversidades, culturas, histórias,
ambientes, povos e línguas, é fruto de seu passado colonial, bem como está além
dos movimentos pela independência, da formação e consolidação dos territórios
nacionais, momentos nos quais cada país estruturou sua economia, governo e
sociedade. Em meio a esses processos, muitas nações obtiveram êxitos e outras
não foram tão bem sucedidas.
Como vimos, os processos de formação e consolidação dos Estados nacio-
nais nas Américas não trouxeram transformações profundas, pois se constatou
que, ao longo do século XX, novos mecanismos ideológicos, arquitetados pelos
Estados Unidos, possibilitaram o continuísmo do modelo colonial baseado no
abastecimento do mercado externo com matérias-primas provenientes do pró-
prio território americano.
Espero que você tenha gostado de aprender um pouco mais sobre a forma-
ção e consolidação dos Estados nacionais latino-americanos! Estude, pesquise,
questione e explore mais sobre o assunto!

A FORMAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DOS ESTADOS NACIONAIS


165

Muitas das análises correntes sobre o imperialismo tendem a mostrá-lo como força ex-
tremamente poderosa, que a tudo domina e subordina. Para essas análises, o centro
econômico e determinante de todos os acontecimentos está fora da América Latina, e
esta, humilde e passiva, não tem outra opção senão ceder e obedecer.
Diversas e variadas críticas têm sido feitas a essa interpretação. Do ponto de vista his-
tórico, como entender então as revoluções cubana e nicaraguense? Como esses paí-
ses puderam ‘livrar-se’ do domínio do imperialismo norte-americano? Se existem forças
externas que tudo determinam, não há como fugir a seus efeitos. Se o imperialismo
norte-americano tomou e continua tomando posições claramente contrárias a essas re-
voluções, ‘eles’ não teriam ‘permitido’ nem mesmo que ‘elas’ acontecessem. É evidente
também que o imperialismo tem tentado por todos os meios derrubar os regimes que
lhes são contrários, mas o êxito não tem sido o único resultado.
Estou me referindo a essas revoluções – que não pretendo analisar aqui – como tendo
um evidente caráter anti-imperialista, porque nesses dois países, Cuba e Nicarágua, a
penetração dos interesses imperialistas e, mais que isso, a intervenção armada de forças
norte-americanas atingiu níveis raras vezes observados na América Latina. Uma aborda-
gem do tema da formação desses Estados nacionais pode trazer elementos interessan-
tes para a reflexão sobre a problemática das relações entre o imperialismo e as forças
sociais internas.
Ao analisar as relações entre as forças econômico-políticas externas e internas, não se
pode reduzi-las a uma simplificação mecânica ou a uma visão unilateral dos fenômenos.
De modo geral, durante o século XIX, os interesses ingleses foram os predominantes na
América Latina, enquanto, no século XX, os capitais norte-americanos suplantaram os
ingleses e tornaram-se hegemônicos. Mas esses predomínios não foram iguais em todos
os países, nem se fizeram sem oposições internas e sem divergências de interesses.
Um exemplo interessante é o do Brasil no começo do século XIX. Tendo em vista as rela-
ções econômicas entre a Inglaterra e Portugal, com a subordinação dos interesses por-
tugueses aos ingleses, estes obtiveram grande facilidade para estabelecer tratados de
comércio e ‘amizade’ com o Brasil antes mesmo da independência política. Com a Espa-
nha, a Inglaterra mantinha relações de inimizade secular, e as tentativas de invasão de
Buenos Aires em 1806 e 1807 mostraram esse antagonismo. Ainda que depois da inde-
pendência da América espanhola houvessem sido estabelecidos tratados de comércio e
‘amizade’ com os novos países independentes, esses tratados nunca tiveram as mesmas
facilidades que as encontradas no Brasil.
Passando a discutir a questão da formação do Estado Nacional e das forças econômicas
e políticas externas, temos algumas questões centrais a serem apresentadas. Os Estados
nacionais mais bem organizados, que traduziam assim interesses de grupos econômi-
cos homogêneos, puderam afirmar sua soberania sem fazer muitas concessões. Mas,
quando tomamos países como Cuba e Porto Rico, no Caribe, ou Nicarágua, na América
Central, a situação muda de figura.
Fonte: PRADO, M. L. A formação das nações latino-americanas. 11. ed. São Paulo: Atu-
al, 1994, p. 57-58.
1. A formação dos Estados nacionais na América Latina não trouxe consigo a ideia
de pertencimento a uma “nação”. A partir da leitura desta unidade, escreva so-
bre a fragilidade das tentativas de construção dos Estados nacionais sob os
cuidados de um governo central.
2. O período de consolidação dos Estados nacionais também ficou conhecido
como neocolonialismo latino-americano. A partir da leitura desta unidade, ca-
racterize esse período.
3. Durante todo o século XIX, os Estados Unidos assistiram a uma conjuntura fa-
vorável a seu desenvolvimento. A partir dessa assertiva, caracterize os Estados
Unidos de fins do século XIX.
4. Sobre o “catecismo pátrio”, método utilizado pelo ditador paraguaio José Gaspar
Rodriguez de Francia, é correto afirmar que:
a) Era um misto de poder divino com nuances de sentimentos de amor à pátria.
b) Era uma forma de o ditador justificar o seu poder absoluto, já que acreditava que
os paraguaios ainda não estavam prontos para um governo participativo.
c) Era uma forma de o ditador justificar o seu poder republicano, já que acreditava
que os paraguaios ainda estavam prontos para exercerem a democracia.
d) Era uma forma de o ditador justificar o seu poder monárquico, já que acreditava
que os paraguaios ainda não estavam prontos para um governo participativo.
e) Era uma forma de o ditador justificar o seu poder teocrático, já que acreditava
que os paraguaios ainda não estavam prontos para um governo participativo.
5. No período pós-independência, vários confrontos sacudiram a região sul-ameri-
cana. Tais conflitos ocorreram, geralmente, por questões territoriais. Assinale a
alternativa que contenha os confrontos dessa conjuntura:
a) Revolta dos Cravos, Guerra do Ópio e Revolução Cultural.
b) Revolução Mexicana, Guerra de Secessão e Guerra de Fronteiras.
c) Guerras Púnicas, Guerra do Peloponeso e Guerra dos Trinta Anos.
d) Revolução Mexicana, Guerra de Secessão e Revolução Chilena.
e) Guerra da Confederação Peruano-Boliviana, Guerra do Pacífico e Guerra do Cha-
co.
167

6. A Guerra de Secessão (1861-1865) foi um confronto entre os estados do norte e


os do sul dos Estados Unidos. Sobre esse conflito, é corretor afirmar que:
a) Os sulistas defendiam a permanência do latifúndio como unidade de produção
e a continuidade da mão de obra escrava.
b) Os nortistas defendiam a permanência do latifúndio como unidade de produção
e a continuidade da mão de obra escrava.
c) Os sulistas, cuja principal função econômica era o desenvolvimento industrial,
descartavam a escravidão como caminho para o crescimento econômico.
d) Os nortistas, cuja principal função econômica era agroexportadora, apoiavam a
escravidão como caminho para o crescimento econômico.
e) Os nortistas, cuja principal função econômica era alimentar os mercados de es-
cravos, apoiavam a escravidão como caminho para o crescimento econômico.
MATERIAL COMPLEMENTAR

Título: Maldita Guerra: nova história da Guerra do Paraguai


Autor: Francisco Doratioto
Editora: Companhia das Letras
Sinopse: trata-se de uma obra que desvenda muitos mitos da Guerra do
Paraguai, além de defender que a guerra seria essencialmente produto da
formação e definição do caráter dos Estados nacionais.

Título: A Guerra de Secessão (1861-1865)


Autora: Farid Ameur
Editora: Edições 70
Sinopse: retrata a guerra civil norte-americana, destacando a formação
da nação americana na segunda metade do século XIX, bem como as
divergências existentes entre nortistas e sulistas.

Título: Marcha dos Heróis


Ano: 1959
Sinopse: filme inspirado em fatos reais com base na Guerra de
Secessão. O longa-metragem conta a história de uma tropa de
soldados da União que vai até o território sulista para destruir a
fortaleza de Newton Station.
Comentário: apesar da narração heroica, o filme retrata o contexto
da Guerra de Secessão (1861-1865), conflito ocorrido entre os
estados do norte e estados do sul dos Estados Unidos.
MATERIAL COMPLEMENTAR

Título: Conspiração Americana


Ano: 2010
Sinopse: o filme traz como pano de fundo a Guerra de Secessão e o
assassinato de Abraham Lincoln em 1865, por meio do qual sete homens
e uma mulher foram presos e acusados de conspiração para matar o
presidente.
Comentário: um material importante para compreender o assassinato
do então presidente Abraham Lincoln logo após o fim da Guerra de
Secessão, em 1865.

Neste site, está hospedado o documentário “A Saga dos EUA – Guerra Civil”, o qual
retrata o confronto entre nortistas e sulistas que sacudiu os Estados Unidos durante
os anos de 1861 a 1865. Convido você a prestigiar essa produção que mescla narrativa
histórica com cenas cinematográficas! Vamos assistir?!
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=TlW_mJcWTIw>. Acesso em: 02
out. 2015.

Material Complementar
Professora Dra. Verônica Karina Ipólito

V
SÉCULO XX:

UNIDADE
INTERNACIONALIZAÇÃO DA
ECONOMIA E TRANSFORMAÇÕES
SOCIAIS

Objetivos de Aprendizagem
■■ Compreender as mudanças que ocorreram nas nações americanas
em princípios do século XX.
■■ Analisar as transformações ocorridas entre o período conhecido
como Grande Depressão até a Segunda Guerra Mundial.
■■ Conhecer os movimentos revolucionários de primórdios da Guerra
Fria na América Latina.
■■ Entender a instalação de ditaduras militares na América Latina.
■■ Avaliar o poder de influência estadunidense e as relações
continentais.
■■ Compreender o período de redemocratização, globalização e o
neoliberalismo na América Latina.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ As nações americanas em princípios do século XX (1914-1929)
■■ As transformações ocorridas entre a Grande Depressão à Segunda
Guerra Mundial (1929-1945)
■■ Os movimentos revolucionários de primórdios da Guerra Fria na
América Latina (1945-1961)
■■ As transformações ocorridas com o fim da Guerra Fria na América
Latina (1961-1989)
■■ O poder de influência estadunidense e as relações continentais
■■ Redemocratização, globalização e neoliberalismo (1989-2000)
173

INTRODUÇÃO

A quinta e última unidade do livro explora as transformações ocorridas nas


Américas durante o século XX. Infelizmente, não temos condições de abordar
a história de todos os países ao longo desse período, contudo foi realizado um
esforço para concentrar informações e reflexões sobre esse conteúdo.
O primeiro objetivo é levá-lo(a) a refletir sobre as mudanças que ocorreram
nas nações americanas em princípios do século XX. Em seguida, analisaremos
as transformações ocorridas entre o período conhecido como Grande Depressão
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

até o término da Segunda Guerra Mundial. Posteriormente, conheceremos os


movimentos revolucionários que ocorreram em princípios da Guerra Fria na
América Latina. Na sequência, entenderemos a instalação e o enraizamento de
ditaduras militares no continente americano. Após isso, serão avaliados o poder
de influência estadunidense e as relações continentais.
Subsequentemente, você será convidado(a) a analisar o período de rede-
mocratização, de globalização e desenvolvimento do neoliberalismo na América
Latina. O objetivo é compreender a ingerência direta ou indireta dos Estados
Unidos sobre a América Latina na maior parte do século XX. Entretanto as décadas
finais desse século assistiram um revigoramento de movimentos sociais, tama-
nha a pressão que exerceram por uma luta pelo desenvolvimento autônomo e
contra a desigualdade social. Penso que, se você compreender as transformações
ocorridas nas Américas ao longo do século XX, poderá acompanhar melhor as
discussões sócio-políticas ocorridas atualmente.
A intenção do conteúdo abordado nesta unidade é de conduzi-lo(a) a uma
melhor compreensão e entendimento da História da América. Apesar disso,
certamente haverá momentos nos quais você precise de materiais extras para
auxiliá-lo(a). Por isso, a consulta de materiais diversos, tais como filmes e livros,
é de extrema relevância para enriquecer ainda mais os seus conhecimentos.
Vamos lá?!
Uma excelente leitura a você!

Introdução
174 UNIDADE V

SÉCULO XX: INTERNACIONALIZAÇÃO DA ECONOMIA E


TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
©Wikimedia Commons
Figura 09: Greve geral realizada em 1969 como forma de protesto contra as decisões
políticas e econômicas da ditadura militar em Córdoba, na Argentina

AS NAÇÕES AMERICANAS EM PRINCÍPIOS DO


SÉCULO XX (1914-1929)

O regime de exceção na Argentina foi implantado em 1966 e permaneceu até


1973, se configurando em um dos mais violentos da América Latina, com a esti-
mativa de 30 mil civis mortos.
Conforme analisamos na unidade anterior, os recém-formados Estados
latino-americanos foram marcados por duas características: a permanência das
relações de trabalho herdadas do período colonial e o ajustamento das econo-
mias desses países aos interesses e determinações da lógica de circulação de
produtos do capitalismo no final do século XIX. Nesse contexto, novos vínculos
de dependência se formaram, sobretudo com os Estados Unidos, e em menor
medida com a Inglaterra.

SÉCULO XX: INTERNACIONALIZAÇÃO DA ECONOMIA E TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS


175

Pelo fato de não haver mais a intervenção da Espanha, as elites locais se


mobilizaram de forma a buscarem mais espaço no mercado mundial. As condi-
ções eram propícias para atingir esse objetivo: mão de obra abundante e barata,
fartas terras próprias para o cultivo, produtos agrícolas de grande aceitação e ins-
tituições políticas anêmicas. Nessas condições, as novas economias atendiam às
necessidades dos principais centros do Ocidente: a Inglaterra e os Estados Unidos.
Empresas das duas potências instalaram-se na América Latina, a qual fornecia
matérias-primas e consumia os produtos industrializados, porém esse conjunto
de regras e princípios não impediu que alguns países conhecessem um robusto
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

crescimento econômico no período.


Um dos casos mais extremos de expansão econômica, entre fins do século
XIX até as primeiras décadas do século XX, ocorreu na Argentina. Composta
de comerciantes e criadores de gado, a elite de Buenos Aires desejava ampliar as
exportações, expandir o mercado interno e a oferta de mão de obra. Empregou,
com esse objetivo, uma prática econômica de incentivo à produção e firmou acor-
dos internacionais que ampliavam a sua participação no mercado de grãos e no
fornecimento de carne dos pampas argentinos para o mercado internacional.
Tal política econômica foi bem sucedida. Assegurou o fortalecimento da pro-
dução nacional de cereais (trigo e milho, principalmente) e o aprimoramento da
pecuária (ovinos e bovinos), ainda entre as décadas de 1870 e 1880. Ao mesmo
tempo, a Argentina acolhia um fluxo significativo de imigrantes, especialmente
italianos, os quais aumentaram em quatro vezes a população entre os anos de
1869 e 1914. Esse cenário possibilitou à Argentina tornar-se uma das maiores
economias do mundo, no início do século XX, a ponto de ser considerada como
uma das fortes candidatas ao cargo de futura potência internacional.
O processamento de matérias-primas e a mecanização da agricultura fez
progredir a capacidade de produção e estimular a entrada de recursos e tecno-
logia estrangeira no país. A intensificação e disponibilidade de capitais tornaram
possível a criação de fábricas e um avanço significativo no setor industrial, na
primeira década do século XX.

As Nações Americanas em Princípios do Século XX (1914-1929)


176 UNIDADE V

Mudanças foram sentidas também no âmbito social. A modernização eco-


nômica deu condições para o crescimento do operariado, o qual se organizou
em federações e sindicatos que contavam com influência anarquista, socialista
e sindicalista revolucionária. Tais instituições lutavam basicamente pela amplia-
ção de salários e melhores condições de trabalho.
A modernização, contudo, era limitada, uma vez que se concentrava na
intensificação da produção e movimentação de mercadorias as quais não eram
acompanhadas por renovação tecnológica ou melhorias sociais. A legislação tra-
balhista criada nesse período não foi suficiente para garantir estabilidade aos

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
trabalhadores, o que demonstrou a pouca vontade das elites em dividir os lucros
obtidos com a expansão econômica.
Esse crescimento, no entanto, era dependente de países ricos, uma vez que
a economia argentina tinha como base de sustentação a agropecuária exporta-
dora. A quebra da Bolsa de Valores de Nova York, ocorrida em 1929, desencadeou
uma crise financeira sem precedentes, o que impediu de forma brusca o cres-
cimento da maioria dos países condicionados aos Estados Unidos. A redução
do mercado internacional,
por sua vez, afetou dire-
tamente a Argentina, que
sofreu com as bruscas que-
das na exportação, fator
que abalou profundamente
sua economia (GAGGERO;
MANTIÑAN; GARRO,
2004).
©Wikimedia Commons

Figura 10: Multidão reunida em Wall Street após a crise no mercado


de ações em outubro de 1929

SÉCULO XX: INTERNACIONALIZAÇÃO DA ECONOMIA E TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS


177

A queda da Bolsa de Valores de Nova York é parte integrante da Crise de


1929 ou Grande Depressão e causou muitos prejuízos tanto para investi-
dores como para pessoas que dependiam direta ou indiretamente da eco-
nomia. Durante a década de 1920, os americanos compraram muitas ações
de empresas. Repentinamente, essas ações começaram a declinar, gerando
desespero nos investidores que queriam vendê-las, sem, no entanto, não ter
ninguém para comprá-las. Esse cenário caótico desembocou na chamada
“Quinta-feira negra” (24/10/1929), momento em que a bolsa sofreu a maior
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

baixa da história.
Fonte: a autora.

O México, por sua vez, sofreu com as disputas políticas entre liberais e conserva-
dores durante quase todo o século XIX. Por um lado, os conservadores, formados
por grandes proprietários rurais, representavam os interesses da Igreja. De outro
lado, estavam os liberais, defensores de um projeto que incluía a liberdade de
comércio, de expressão e igualdade jurídica. Além disso, se opunham aos lati-
fúndios, declarando-se favoráveis a uma extensa reforma agrária, bem como à
modernização no trabalho e na produção.
Tanto os liberais quanto os conservadores lutaram contra os Estados Unidos e
amargaram uma derrota que resultou na perda de 40% do México em 1848. Dois
anos mais tarde, os liberais chegaram ao poder e aprovaram uma Constituição
em 1857, que legitimava a laicidade do Estado mexicano, além de expropriar as
terras indígenas e da Igreja. O intuito era criar um grupo de pequenos proprie-
tários, objetivando inovar a agricultura e, desse modo, implantar o capitalismo
moderno.
Mesmo com essa iniciativa, a crise política de anos posteriores anulou a
Carta Magna e fez com que a Igreja preservasse a sua força e suas propriedades.
Em contraste, as aldeias indígenas foram paulatinamente eliminadas e suas ter-
ras, incorporadas aos latifúndios, ampliando o poderio político e econômico dos
grandes proprietários rurais.

As Nações Americanas em Princípios do Século XX (1914-1929)


178 UNIDADE V

No ano de 1876, Porfírio Diaz se tornou presidente, cargo que ocupou por 35
anos seguidos, em um período que ficou conhecido como porfiriato. Tal regime
destacou-se pela intensa concentração de terras, entrada de capitais estrangei-
ros e renovação dos meios de transportes e comunicação, além da inauguração
de ferrovias em grande parte do território.
O México de Porfírio integrava o quadro de divisão internacional do tra-
balho, processo pelo qual o país oferecia matérias-primas e comprava produtos
industrializados, conservando um modelo baseado na concentração agrária, na
articulação entre Igreja Católica e latifundiários, além da violência exercida con-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
tra os movimentos camponeses.
A abertura ao capital estadunidense, a ampliação do setor industrial e o
estímulo das atividades mineradoras concederam ao México setentrional carac-
terísticas que o distinguiu do restante do país, principalmente da região central,
onde os camponeses se mostravam mais ativos, e também do sul, área composta
por aldeias indígenas que ainda mantinham as propriedades coletivas como base
de sua subsistência.
Trabalhadores, indígenas e camponeses não eram muito receptivos às medi-
das de controle social e repressões adotadas por Porfírio Diaz. De forma geral,
os movimentos trabalhistas ao norte do país eram contidos por tropas federais.
No restante do país, explodiam insurreições camponesas e indígenas duramente
reprimidas pelos rurales, grupos que agiam nos campos de forma truculenta.
O sistema eleitoral fraudulento mexicano garantia a perpetuação de Porfírio
Diaz na presidência. Em 1910, Porfirio Diaz, então com 80 anos, se candida-
tou novamente às eleições. Francisco Madero, seu opositor político, conquistou
grande apoio popular, fator que o levou à prisão, pois foi acusado pelas forças
do porfiriato de incitação à rebelião. A prisão do opositor e um sistema eleito-
ral fraudulento deram a vitória a Porfírio.

SÉCULO XX: INTERNACIONALIZAÇÃO DA ECONOMIA E TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS


179

Na imagem, Porfírio, que


Governou o México em 1876-1911.
A pintura em tela não foi bem suce-
dida, pois as honras militares estão
no lado errado do uniforme.
Após a eleição, Madero foi liber-
tado e decidiu exilar-se nos Estados
Unidos, local em que escreveu o
Plano de San Luis Potosí, documento
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

em que conclamava os mexicanos a


se rebelarem contra o governo porfi-
rista. Em 1910, uma série de levantes
estourou por todo o país. Ao norte,
uniram-se à causa madeirista o líder
camponês Pancho Villa e o general
Pacual Orozco.
Villa se tornou um dos principais

©Wikimedia Commons
líderes da Revolução e se manteve ao
lado de Madero durante toda a luta.
Seu exército, organizado ao norte do
Figura 11: José de la Cruz Porfirio Díaz Mori (Oaxaca, 15
país, resistiu bravamente até 1915. de setembro de 1830 − Paris, 02 de julho de 1915)

As Nações Americanas em Princípios do Século XX (1914-1929)


180 UNIDADE V

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
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Figura 12: Os chefes da Divisão do Norte (Pancho Villa) e do Exército do Sul (Emiliano Zapata),
acompanhados do general Urbina, Rodolfo Fierro, Rafael Buelna e outros, em 06 de dezembro de 1914, na
Cidade do México.

O grande Pancho Villa foi recrutado pelos homens de Madero durante a


Revolução Mexicana, tornando-se um temido general dos exércitos revo-
lucionários (...). Quando os emissários de Madero o visitaram, ele se deixou
persuadir prontamente, principalmente porque era o único bandido local
que desejavam recrutar para a causa (...). Sendo o próprio Pancho Villa um
homem do povo, um homem honrado, e cuja posição no banditismo era
exaltada com aquele convite, como poderia hesitar em colocar seus homens
e suas armas a serviço da revolução? Bandidos menos eminentes podem
ter aderido à causa da revolução por motivos muito semelhantes. Não por-
que compreendessem as complexidades da teoria democrática, socialista
ou mesmo anarquista (...), mas porque a causa do povo e dos pobres era
obviamente justa e porque os revolucionários demonstravam serem dignos
de confiança através (...) do sacrifício e da devoção.
Fonte: Hobsbawm (2010, p. 137).

SÉCULO XX: INTERNACIONALIZAÇÃO DA ECONOMIA E TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS


181

No sul do país, outra frente insurrecional foi montada. Comandada por Emiliano
Zapata, um líder indígena, tal frente somou-se às forças oposicionistas da dita-
dura de Porfírio Diaz com o objetivo de retomar as terras indígenas que haviam
sido expropriadas. Essa questão trouxe para o núcleo da revolução um debate
sobre a terra e a importância de reorganizar as propriedades rurais no México,
algo que não aparecia como ponto relevante no Plano de San Luis Potosí. A mul-
tiplicação dos levantes em todo o país impossibilitou a ação das tropas porfiristas,
levando-o à renúncia e, posteriormente, ao exílio, em 1911.
Na sequência, foi instalado um governo provisório até a realização de nova
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

eleição. Madero saiu vitorioso no pleito, entretanto divergências conflitantes


sobre a terra não agradavam a massa camponesa. O então presidente mostrava-
-se favorável a reforma agrária, mas não estava disposto a realizá-la de forma tão
ampla como almejavam os setores insurgentes camponeses e indígenas.
Alguns desentendimentos entre Zapata e Madero ficaram evidentes. Em 1911,
Zapata difundiu o Plano Ayala, no qual afirmava que Madero não se importava
com a reforma agrária e fomentava o prolongamento da luta. No norte do país,
alguns anarquistas e grupos camponeses se reorganizaram e entraram em con-
fronto com as tropas federais.
Apesar desse cenário, os levantes não contribuíram para a deposição de
Madero. O então presidente do México foi destituído e fuzilado por porfiris-
tas em 1913, os quais contavam com o apoio dos Estados Unidos. O retorno
dos representantes de Porfírio ao poder marcou a existência de duas revoluções
simultâneas: de um lado, a Revolução dos Liberais, comandada, nesse momento,
por Venustiano Carranza, defendia a diversificação econômica e a aceleração do
capitalismo no México; por outro, havia a Revolução Popular, sob a liderança
de Villa e Zapata, a qual ambicionava a reforma agrária, a reorganização de alde-
amentos indígenas e a reelaboração nas relações trabalhistas.

As Nações Americanas em Princípios do Século XX (1914-1929)


182 UNIDADE V

Em 1914, o novo porfirismo foi desbaratado, ou seja, dissipado, pela forte


participação das massas trabalhadoras, tanto camponesas quanto operárias, des-
contentes com o regime político de então. Carranza passou a comandar as forças
federais e deu início a um processo de constitucionalização do país. Com essa
atitude, objetivava finalizar as lutas armadas e delegar à Assembleia Constituinte
a responsabilidade pelos rumos que o país tomaria. Villa e Zapata entenderam
que essa manobra iria derrotar as suas propostas, por isso, recusaram e perma-
neceram na luta.
Um ano depois, as forças de Carranza derrotaram as tropas do norte e des-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
falcaram as forças de Villa. Outras derrotas aconteceram nos meses posteriores,
culminando com a rendição de Villa, em 1920. No sul, as tropas zapatistas resis-
tiram até 1919, momento em que Zapata foi assassinado.
Dois anos antes, uma Constituição havia sido implantada. Era o resultado das
demandas das revoluções populares de Villa e Zapata. Entre as suas principais
propostas, havia a expropriação de terras da Igreja e a restrição de seu exército.
Além disso, a Carta Magna de 1917 determinava que a utilização da terra devesse
considerar o interesse público e permitia a distribuição de terras às comuni-
dades e cidadãos. Tal Constituição garantiu ainda alguns direitos trabalhistas,
como o descanso semanal remunerado, a jornada máxima de trabalho, o direito
de greve, o salário mínimo e a regulamentação do trabalho feminino e infan-
til. Tais características demonstram que esse documento foi a concretização dos
anseios de setores populares em luta na Revolução Mexicana (CORREA, 1983).

SÉCULO XX: INTERNACIONALIZAÇÃO DA ECONOMIA E TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS


183

AS TRANSFORMAÇÕES OCORRIDAS ENTRE


A GRANDE DEPRESSÃO À SEGUNDA GUERRA
MUNDIAL (1929-1945)

Além das mudanças ocorridas no início do século XX, surgiu entre os latino-
-americanos um sentimento de pertencimento à nação. Esse pensamento deu
lugar às ideias que defendiam os elementos europeus como superiores. Desde
princípios do século XX, houve uma valorização do mestiço como parte inte-
grante da estrutura étnica regional. Esse discurso atraiu a maioria da população
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como nunca o neocolonialismo havia feito.


A apreciação do nacionalismo incentivou a formação de um discurso anti-
-imperialista, o qual tinha a capacidade de emocionar os latino-americanos
diante do ressentimento à dominação estrangeira, sobretudo em relação às inter-
venções militares, às dívidas contraídas e à exploração trabalhista realizada por
proprietários ou empresas estrangeiras. A luta em comum contra o imperialismo
resultou em um senso de unidade, de integração a uma comunidade, ou seja, a
uma nação. Tal identidade foi gestada como reação a invasões, humilhações e
agressões empregadas por forças externas.
Conforme analisamos anteriormente, a Revolução Mexicana adotou um
viés nacionalista, já que a força exercida pelos Estados Unidos forçou os mexi-
canos a adotarem a postura da luta armada, uma vez que os interesses do povo
somente poderiam ser atendidos se os estrangeiros fossem contrariados, o que
acabou ocorrendo. No entanto esse não foi o único caso:
No final da década de 1920, fuzileiros navais norte-americanos trava-
ram uma guerra quente contra os guerrilheiros patriotas nicaraguen-
ses. O líder dos guerrilheiros, César Augusto Sandino, acusou os Es-
tados Unidos de “imperialismo”. Ele se tornou um herói para muitos
latino-americanos (como Fidel Castro mais tarde) precisamente por
resistir os Estados Unidos. Várias intervenções norte-americanas insta-
laram líderes que se tornaram ditadores por longos períodos, tiranetes
corruptos, famosos pela cobiça e obediência à política norte-americana
(CHASSTEEN, 2001, p. 69).

As Transformações Ocorridas entre a Grande Depressão à Segunda Guerra Mundial (1929-1945)


184 UNIDADE V

Muitas vezes, tal como na Nicarágua, as forças estadunidenses interpunham sua


autoridade de forma direta. Entretanto essa intervenção militar ianque não podia
ser levada a cabo em países maiores ou distantes, a exemplo do Brasil, Argentina
e Uruguai, os quais experimentaram movimentos de cunho nacionalista que
pregavam a autodeterminação dos povos, como foi o caso do Getulismo (1930-
1945) no Brasil. Esses movimentos eram encabeçados, geralmente, por setores
urbanos, os quais passaram a quebrar a hegemonia neocolonial das oligarquias.
Nesse sentido, a Grande Depressão de 1929 colaborou para a ruína do
liberalismo neocolonial na América Latina. Os anos de 1930 sofreram um desa-

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parelhamento dos setores exportadores em consequência da queda dos preços e
da demanda por produtos latino-americanos no mercado mundial. Esse quadro
enfraqueceu as oligarquias que dependiam das exportações ao mesmo tempo
em que contribuiu para elevar o índice de desempregados. Por outro lado, essa
crise contribuiu para a implantação de sistemas industriais próprios, uma vez
que os latino-americanos não possuíam condições financeiras confortáveis para
ficarem importando produtos industrializados.
Nessas condições, podemos dizer que a década de 1930 já foi um período
relevante para a consolidação da industrialização na América Latina. A indus-
trialização deu origem a dois processos que ajudaram a eliminar os vestígios
neocoloniais ainda existentes: a ascensão política de setores da burguesia nacional
e a urbanização. Além disso, a onda nacionalista favoreceu a extensão de direitos
políticos e trabalhistas a outros setores. Entre as décadas de 1930 e 1940 (e em
alguns locais nos anos de 1950) foram inseridas cada vez mais pessoas na cena
política, principalmente com a inclusão do voto feminino. Tal processo ampliou
a quantidade de eleitores e trouxe vantagens aos nacionalistas e, posteriormente,
aos populistas, aos quais tinham nas populações citadinas suas áreas de influência.
O fim da Segunda Guerra Mundial (1930-1945) coroou, por sua vez, uma
mudança substancial. Os nacionalistas caíram na preferência das massas popu-
lares diante do triunfo do liberalismo incorporado na vitória dos aliados. Além
disso, um novo fluxo de pressão estadunidense abalou a região. Segundo o pre-
sidente estadunidense George Washington, os movimentos de viés nacionalista
na América Latina eram ameaçadores, pois necessitavam garantir para si a vei-
culação das políticas externas da região, assegurada como área de influência.

SÉCULO XX: INTERNACIONALIZAÇÃO DA ECONOMIA E TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS


185

Dessa forma, as transformações ocorridas entre a Grande Depressão (1929) até


o término da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) na América Latina impul-
sionaram a industrialização e o nacionalismo. Contudo este último sofreu uma
crise a partir de meados dos anos de 1940, fator que dará margem a nova onda
de pressão e intervenções estadunidenses, conforme analisaremos em profun-
didade a seguir.
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OS MOVIMENTOS REVOLUCIONÁRIOS DE
PRIMÓRDIOS DA GUERRA FRIA NA AMÉRICA LATINA
(1945-1961)

As ingerências dos Estados Unidos na América Latina impossibilitaram, mui-


tas vezes, que movimentos nacionalistas continuassem na liderança política de
muitos países no momento posterior a 1945. Em alguns casos, os nacionalistas
abraçaram o socialismo como forma de implantar a nacionalização de sua eco-
nomia. Tal guinada visava avançar na luta anti-imperialista, bem como garantir
igualdades sociais, buscando superar séculos de exploração, bem como comba-
ter as desigualdades herdadas desse processo. Durante os anos marcados pela
Guerra Fria, muitos líderes buscavam fugir das investidas estadunidenses a fim
de encontrar alguma alternativa que estivesse em concordância com seus anseios
e os mantivessem livres do imperialismo ianque. Diante desse quadro, os lati-
no-americanos tornaram-se cada vez mais atraídos por outra potência: a União
Soviética.
A presença marcante das propostas soviéticas na América Latina visava
não somente combater o imperialismo ianque, mas seguir o modelo de desen-
volvimento levado a cabo pelos soviéticos. A rápida industrialização da União
Soviética, a qual saiu de um quadro de declínio socioeconômico nos anos 1920
para uma potência industrial, vinte anos mais tarde impressionou muitos lati-
no-americanos inspirados pelo modelo soviético. Alguns partidos comunistas
foram fundados a partir da década de 1920 (como o Partido Comunista do

Os Movimentos Revolucionários de Primórdios da Guerra Fria na América Latina (1945-1961)


186 UNIDADE V

Brasil, criado em 1922), mas sua composição e representatividade eram peque-


nas. Divulgar os ideais do comunismo em área cuja maioria da população era
católica, residentes no campo e analfabetos, era um desafio nem sempre muito
bem sucedido. Cultivar o nacionalismo não era sinônimo de ser esquerdista,
tal como evidenciou muitos movimentos reacionários dos anos de 1960 e 1970.
A fim de manter o ideal nacionalista, muitos grupos políticos utilizaram
duas táticas distintas: o populismo e o socialismo (ou algo semelhante a este, já
que nem todas as coisas que o Departamento de Estado estadunidense enxer-
gava como comunista o era de fato).

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Um exemplo claro de suspeitas de adoção às medidas socializantes ocor-
reu na Guatemala. Entre os anos de 1944 e 1954, o país vivenciou um período
democrático em que os governantes José Arévalo e Jacobo Arbenz adotaram
transformações de cunho social, como a melhoria salarial para os trabalhadores
e assistência social. Para as autoridades estadunidenses, um dos eleitos (Arbenz)
tomou medidas exageradas, tais como a reforma agrária, contato com comunis-
tas, expropriações de ferrovias e compra de armamentos da Tchecoslováquia.
Para os Estados Unidos, essas atitudes eram inaceitáveis, uma vez que a United
Fruit Company possuía muitas plantações de bananas no país. Como consequ-
ência, forças estadunidenses invadiram a Guatemala e orquestraram um golpe
militar que culminou na deposição de Arbenz do cargo de presidente. No caso
boliviano, a ingerência estadunidense foi mais flexível. O programa adotado pelo
Movimento Nacional Revolucionário (MNR), que assumiu o poder entre 1952
a 1964, não se inspirou efetivamente nos Estados Unidos, os quais continuaram
envolvidos com a política desenvolvida no país. Como o estanho era a principal
riqueza, tornou-se mais proveitoso aos Estados Unidos uma aproximação do que
uma intervenção direta (GAGGERO; MANTIÑAN; GARRO, 2004).
O caso mais emblemático ocorreu em Cuba. É fato que a vitória da Revolução
Cubana, em 1959, foi um divisor de águas. O exemplo cubano motivou os revo-
lucionários nacionalistas dissidentes do marxismo a organizarem movimentos
insurrecionais nos moldes da guerrilha vitoriosa em Cuba. Contudo, na dire-
ção oposta, o triunfo de Fidel Castro e seus companheiros marcou um avanço
substancial do apoio estadunidense a forças conservadoras de países da região,
objetivando podar a ação de grupos guerrilheiros.

SÉCULO XX: INTERNACIONALIZAÇÃO DA ECONOMIA E TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS


187

O ideário que servia de combustível para grupos dessa natureza ficou res-
trito a um público geralmente jovem e universitário, que fomentaram grupos
revolucionários por toda a América Latina.
Um exemplo foram as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC)
e o Exército de Libertação Nacional (ELN) na Colômbia. As atividades desses
dois movimentos começaram nos anos de 1960, quando ambos inauguraram
suas ações guerrilheiras pelo interior ao definir territórios, porém sem sucesso.
É comum hoje em dia ouvir nos noticiários o enfrentamento entre guerrilhei-
ros e paramilitares de direita na Colômbia.
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Outro caso de movimento revolucionário foi a Frente Sandinista de Libertação


Nacional (FSLN), ocorrida no Nicarágua, em 1961. Formado em Havana, tal
grupo objetivou derrotar os ditadores nicaraguenses, oriundos, em sua maioria,
da família Somoza, aliada aos Estados Unidos. Por duas décadas os sandinistas
combateram os Somoza, mas foi somente em 1978, diante da comoção gerada
com o assassinato do jornalista Joaquim Chamorro, que direita e esquerda se
uniram contra a ditadura e, um ano depois, derrubaram os Somoza, em 1979.
É fato que a ampliação da presença estadunidense no combate a movimentos
ou governos divergentes intensificou a repressão a grupos armados com temor
de que mais países latino-americanos seguissem o exemplo de Cuba.
Antes de 1959, Cuba vivia uma excessiva exploração das camadas mais pobres,
comandada pelas elites nacionais em conjunto com o capital estrangeiro. O fatí-
dico período dos anos de 1920 e a década de 1950 representou, para a maioria
dos cubanos, um período de retrocesso que culminou com a revolução de 1959.
A ditadura do General Gerardo Machado (1925-1933) foi marcada pela
intensificação de ações populares, como greves e a ampliação dos grupos de
esquerda. Todo esse cenário preocupou os Estados Unidos, o qual decidiu inter-
vir. Machado foi derrubado e Fulgencio Batista tornou-se uma figura de destaque
no novo governo.
O movimento de cunho popular e de resistência à ditadura e ao capital
americano cresceu nos anos de 1950 com a articulação de três notórios líderes
guerrilheiros: Fidel Castro, Ernesto Guevara (Che Guevara) e Camilo Cienfuegos.
Tais lideranças reuniram na luta armada para depor Fulgêncio Batista.

Os Movimentos Revolucionários de Primórdios da Guerra Fria na América Latina (1945-1961)


188 UNIDADE V

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Figura 13: Revolucionários durante a guerrilha em Cuba

O processo de luta armada foi de 1953 até 1959, iniciando-se com a iniciativa
de doze guerrilheiros, os quais, escondendo-se na selva, na região de Sierra
Maestra, se organizaram em um grupo armado conhecido como Exército Rebelde.
Ajudados pela população local composta em sua maioria por camponeses, os
rebeldes infundiram várias derrotas às forças governamentais, as quais tentaram
enfraquecer a coalizão revolucionária.
Batista renunciou ao governo em 1958 e Cuba vivenciou, a partir de então,
um período de reorganização do Estado, o qual não se definiu como comunista
nos primeiros meses. A princípio, reformas julgadas emergenciais foram aprova-
das pelos revolucionários, muito embora, em um primeiro momento, não fosse
definido quem ficaria no poder. Entre as leis aprovadas pelo governo revolucio-
nário estava a criação de empregos, a prisão de civis e militares que apoiaram a
ditadura de Batista, a diminuição dos preços de serviços básicos (aluguéis, ener-
gia elétrica etc) e o aumento dos salários.
Contudo a situação ficou crítica quando, em maio de 1959, mediante apro-
vação da lei da reforma agrária, as elites estadunidenses e cubanas decidiram
reagir. Diante desse cenário, os Estados Unidos optaram por cancelar a impor-
tação de açúcar cubano, o principal sustentáculo da economia nacional. Isso
tudo ocorreu em meio à Guerra Fria. Naturalmente, após os estadunidenses sus-
penderem a compra do açúcar cubano, os soviéticos se ofereceram como novos
compradores do produto.

SÉCULO XX: INTERNACIONALIZAÇÃO DA ECONOMIA E TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS


189

Assustados com a ousadia soviética em influenciar um país tão próximo do


seu território, os Estados Unidos decidiu romper as relações diplomáticas com
Cuba, em 1961. Em abril desse mesmo ano, uma força militar composta por sol-
dados estadunidenses e contrarrevolucionários cubanos desembarcou na Baía
dos Porcos, no intuito de ocupar a Ilha e depor Fidel Castro. Os Estados Unidos
afirmava que a União Soviética estava instalando, em Cuba, mísseis voltados
para o solo estadunidense.
A ingerência americana não foi bem sucedida a ponto de a população local
apoiar o seu governo. Esse fracasso coroou na Revolução Cubana e consolidou
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o prestígio de Fidel Castro como governante de Cuba (HOBSBAWM, 1995).

“Os mexicanos e os argentinos que saem de seus países são chamados de


imigrantes. Todos os que saem de Cuba são exilados”.
Fonte: Fidel Castro (2004).

Desafiando ainda mais os estadunidenses, o governo de Havana promoveu uma


ampla nacionalização da economia e concretizou a reforma agrária. Em 1962,
Cuba foi expulsa da Organização dos Estados Americanos (OEA) e os Estados
Unidos decretaram o bloqueio econômico ao governo de Fidel. Após esses acon-
tecimentos, Cuba declarou-se socialista e aliada dos soviéticos, aos poucos, a
conjuntura da América Latina começava a mudar.

Os Movimentos Revolucionários de Primórdios da Guerra Fria na América Latina (1945-1961)


190 UNIDADE V

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Figura 14: Mobilização contra a ditadura argentina em 1982

AS TRANSFORMAÇÕES OCORRIDAS COM O FIM DA


GUERRA FRIA NA AMÉRICA LATINA (1961-1989)

As décadas de 1960 e 1970 foram marcadas por mudanças radicais na estrutura


política da América Latina. Os chamados regimes populistas entraram em crise
e foram sucedidos por sistemas articulados por forças reacionárias e conservado-
ras, multiplicando os governos de exceção por toda a América Latina. Observe a
série de golpes militares executados a partir de 1964 em solo latino americano:
■■ 1964: militares depõem João Goulart, no Brasil.
■■ 1968: na Bolívia, o General Juan Jorres assume a liderança; no Peru, os
militares usurpam o poder; no Panamá, assume o poder o General Omar
Herrera Torrijos.
■■ 1973: o General Augusto Pinochet comanda o Golpe Militar sobre o
governo eleito de Salvador Allende, no Chile.
■■ 1976: militares ocupam o cargo do presidente Juan Bordaberry, o qual
mantinha um regime ditatorial no Uruguai desde 1973; na Argentina, o
General Rafael Videla comandou o grupo militar que depôs a então pre-
sidente Isabelita Perón.

SÉCULO XX: INTERNACIONALIZAÇÃO DA ECONOMIA E TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS


191

Até então a região nunca havia sofrido qualquer tentativa de resistência à influ-
ência estadunidense. Porém, conforme analisamos anteriormente, a Revolução
Cubana de 1959 demonstrou o quanto essa área de influência norte-americana
poderia se tornar frágil. Fidel Castro, Che Guevara e Camilo Cienfuegos fortale-
ceram a capacidade de união das camadas populares historicamente desprezadas
da esfera do poder e, com essa atitude, ganharam aliados importantes na luta
contra o imperialismo estadunidense.
A fim de demonstrar o poderio estadunidense, o presidente John Kennedy
tornou público, em 1961, a Aliança para o Progresso. No entanto a morte do
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presidente e a ruína da Aliança deram margem para o início de uma série de


ditaduras e repressões na América Latina.

A Aliança para o Progresso foi um projeto político elaborado pelos Estados


Unidos durante o governo de John F. Kennedy (1961-1963). O intuito era
integrar os países da América Latina nos aspectos político, econômico, cul-
tural e social contra a ameaça soviética no continente.
Fonte: a autora.

“O governo Kennedy preparou o caminho para o golpe militar no Brasil em


1964, ajudando a derrubar a democracia brasileira, que se estava tornando
independente demais.”
Fonte: Noam Chomsky (1999, p. 14).

As Transformações Ocorridas com o Fim da Guerra Fria na América Latina (1961-1989)


192 UNIDADE V

Se você, leitor(a), olhar para a história da América Latina, certamente não


encontrará um modelo de continuidade democrática. As emancipações políticas,
ocorridas no século XIX, fomentaram o surgimento dos caudilhos (conforme
analisamos na unidade IV), protagonistas políticos aliados ao poder militar.
Seguindo essa tradição militar, o Pentágono criou a escola das Américas em
1949, na região do Canal do Panamá. O propósito dessa iniciativa era treinar
e doutrinar militares latino-americanos no pensamento favorável aos Estados
Unidos. Entre as táticas usadas no treinamento estavam a guerra psicológica, a
repressão antiguerrilha e o combate à subversão.

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Com objetivos similares, surgiu, no início dos anos de 1960, a Doutrina de
Segurança Nacional (DSN). Em consonância com essa teoria, a luta em opo-
sição ao comunismo era extremamente necessária e deveria englobar todas as
esferas sociais. Dessa forma, o período em que golpes militares se multiplica-
ram foi acompanhado da perpetuação de ditaduras e marcado por tentativas de
contenção da União Soviética pelos Estados Unidos, além de eleger novos alvos:
os inimigos internos (subversivos, estudantes, líderes camponeses e sindicais).

A Doutrina de Segurança Nacional foi confeccionada nos Estados Unidos


durante o pós-Segunda Guerra Mundial, momento em que a União Soviéti-
ca passou a ser considerada como rival irreconciliável. Seus teóricos afirma-
vam que o marxismo partia de dogmas messiânicos e objetivava dominar
todos os povos da terra. Essa concepção fundamentou várias intervenções
militares na América Latina como forma de frear os movimentos de esquer-
da, acusados de propagandear o socialismo.
Fonte: a autora.

Os países que sofreram processos ditatoriais considerados mais truculentos (tais


como Chile, Argentina, Uruguai e Brasil) tiveram prejuízos irreparáveis: um
número elevado de pessoas presas, torturadas, mortas ou desaparecidas pelo
Estado. O argumento mais usual para justificar tamanha violência era a de uma

SÉCULO XX: INTERNACIONALIZAÇÃO DA ECONOMIA E TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS


193

ação de combate aos guerrilheiros. Bastava uma suspeita, muitas vezes infun-
dada, para confirmar a ligação ou participação com órgãos opositores ao regime
militar, fator suficiente para que um suspeito fosse condenado (MOREIRA;
QUINTEIROS, 2010).

O PODER DE INFLUÊNCIA ESTADUNIDENSE E AS


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RELAÇÕES CONTINENTAIS

Conforme analisamos anteriormente, as intervenções da cultura imperialista


estadunidense empregada em solo latino-americano levam a crer que os Estados
Unidos consideravam sua investida como natural e objetivavam ampliar sua pre-
sença nos vários países que compunham a América Latina.
Podemos identificar várias formas de intervenção estadunidense ao longo da
história. Desde antes da doutrina Monroe (1823), posteriormente pela Doutrina
do Destino Manifesto, no século XIX, até chegar ao término do século, os Estados
Unidos cristalizaram uma imagem não muito amistosa dos latino-americanos:
A crença na inferioridade latino-americana é o núcleo essencial da
política dos Estados Unidos em relação à América Latina, porque ele
determina os passos precisos que os Estados Unidos assumem para
proteger seus interesses na região. Uma vez que existiu desde o início,
uma maneira de entender a política atual e suas suposições subjacentes
é voltar ao século XVIII e examinar como o pensamento hegemônico
de hoje começou a evoluir como corolário lógico de crenças sobre o
caráter dos latino-americanos (...) procurando provas de um sutil mais
poderoso mind-set [estrutura mental que guia o olhar estadunidense, a
forma como pensar a América Latina e compreender a cultura latino-
-americana] que impediu uma política baseada no respeito mútuo (...).
Despido de nuanças, o processo é razoavelmente simples. Por exemplo,
quando um funcionário do Departamento de Estado abre uma reunião
com o comentário “temos um problema com o governo do Peru”, em
menos de um segundo é evocada uma imagem mental de um Estado
estrangeiro que é completamente diferente daquela que teria sido lem-
brada se o funcionário em questão tivesse dito, em contraste, “temos
um problema com o governo da França” (SCHOULTZ, 2000, p. 13-14).

O Poder de Influência Estadunidense e as Relações Continentais


194 UNIDADE V

Criada no século XIX, a Doutrina do Destino Manifesto parte do pressuposto


de que os estadunidenses foram eleitos por Deus para civilizar a América.
Nesse sentido, o expansionismo americano seria o resultado de uma von-
tade divina.
Fonte: a autora.

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É com esse pensamento carregado de “pré-conceitos” que os estadunidenses
vão atuar na América Latina. Essa estrutura mental (mind-set) político-cultural
vai assumindo tonalidades econômicas na medida em que a intervenção para
fins materiais vai se concretizando na região. Para se ter uma ideia, somente em
1929, torno de 40% dos investimentos estadunidenses no exterior se concentra-
vam na América Latina.
Para Octávio Ianni (1988), há um conjunto de interesses políticos e econô-
micos nas táticas estadunidenses e na forma de exercitar a sua hegemonia, fatores
que resultam em uma “diplomacia total” (IANNI, 1988, p. 23). Conforme vimos,
intervenções militares localizadas bem como as manifestações de apoio para quem
defendesse os negócios neocoloniais estadunidenses foram recorrentes nas pri-
meiras décadas do século XX. Porém, no período entre guerras, a probabilidade
de um grande confronto motivou o Presidente Franklin D. Roosevelt a anunciar,
em 1933, durante o seu discurso de posse, uma “Política de Boa Vizinhança”, por
meio do qual os Estados Unidos se comprometiam em não mais intervir mili-
tarmente nos demais países latino-americanos.
Após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos e a União Soviética
triunfaram como superpotências, fator que balizou as relações internacionais a
partir de então. A emersão da Guerra Fria exigiu uma nova abordagem chamada
de “Doutrina da Segurança Hemisférica”. Ianni (1988) listou uma série de rela-
ções exteriores americanas no pós-Segunda Guerra Mundial, são elas:
Ata de Chapultepec, sobre a agressão externa e problemas de pós-
-guerra das repúblicas americanas, México, março de 1945; Discurso
de Winston Churchill, em Fulton de 1946, sobre as tarefas mundiais

SÉCULO XX: INTERNACIONALIZAÇÃO DA ECONOMIA E TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS


195

dos Estados Unidos; Doutrina Truman, Washington, março de 1947,


sobre as responsabilidades políticas econômicas e militares dos Estados
Unidos para com os povos que esse país considerasse ameaçados pelo
comunismo; Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, ou De-
fesa Hemisférica, Rio de Janeiro, setembro de 1947; Carta da Organi-
zação dos Estados Americanos (OEA), Bogotá, maio de 1848; Tratados
Americanos de Soluções Pacíficas (Pacto de Bogotá), Bogotá, maio de
1948; Ponto IV, para assistência aos povos das áreas subdesenvolvidas,
Washington, janeiro de 1949; Declaração de Solidariedade pela Pre-
servação da Integridade Política das Américas, contra a Intervenção
do Comunismo Internacional, Caracas, março de 1954; Deposição do
governo Jacobo Arbenz Guzmán, Guatemala, 1954; Deposição do go-
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verno de Perón, Argentina, 1955; Vitória da Revolução liderada por


Fidel Castro, Cuba, 1959; Criação do Banco Interamericano de Desen-
volvimento (BID), 1959; Criação da Associação Latino-Americana de
Livre Comércio (ALALC), 1960; Criação do Mercado Comum Centro
Americano (MCCA), 1960; Invasão da Baía dos Porcos, Cuba, abril
de 1961; Carta de Punta Del Este, agosto de 1961; Expulsão de Cuba
socialista da Organização dos Estados Americanos (OEA), janeiro de
1962; Deposição do presidente João Goulart, Brasil, 1964; Deposição
do presidente Víctor Paz Estenssoro, Bolívia, 1946; Intervenção Militar
na República Dominicana, liderada pelo governo dos Estados Unidos,
1965; Declaração dos Presidentes da América, Punta Del Este, abril de
1967; Deposição do presidente Balaúnde e início do governo de Velas-
co Alvarado, Peru, 1968; Consenso Latino-Americano de Viña del Mar,
Chile, maio de 1969; Relatório Rockefeller sobre “A qualidade de vida
nas Américas”, agosto de 1969; O presidente Nixon anuncia a política
de seu governo para o hemisfério, Washington, outubro de 1969; Vitó-
ria de Salvador Allende, candidato socialista da Unidade Popular nas
eleições presidenciais chilenas de setembro de 1970; Golpe de Estado
contra o governo Allende, 1973; invasão de Granada em 1983; e a con-
tra-revolução [sic] em marcha na América Central, em 1906 (IANNI,
1988, p. 28-29).

Essa citação retrata os episódios que marcaram as relações interamericanas e


cuja maioria deles ocorreu por intervenção dos Estados Unidos em oposição à
soberania dos povos latino-americanos.
Os Estados Unidos atuou interferindo nas questões internas dos países lati-
no-americanos na chamada Doutrina de Segurança Hemisférica, por meio da
qual também conseguiram institucionalizar órgãos que possibilitassem o seu
domínio. Dentre esses, a Organização dos Estados Americanos (1948) foi a que
ganhou maior notoriedade, pois sua missão era organizar o anticomunismo.

O Poder de Influência Estadunidense e as Relações Continentais


196 UNIDADE V

Um coro de ditadores objetos como Rafael Trujillo na República Domi-


nicana, “Papa Doc” Duvalier no Haiti e Anastásio Somoza na Nicará-
gua seguiam a linha norte-americana na OEA, sobrepujando qualquer
oposição (em um sistema de cada país, um voto) de nações maiores
como o México, Brasil e Argentina. Em 1954, a OEA emitiu a Decla-
ração de Caracas, sustentando que toda ideologia revolucionária mar-
xista era necessariamente “antiamericana” (CHASTEEN, 2001, p. 211).

A vitória da Revolução Cubana evidenciou a fragilidade das políticas estaduni-


denses. Por esse motivo, o governo de Washington implantou o plano de ajuda
aos países latino-americanos, com o objetivo de barrar o avanço de revoluções

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de cunho socialista no continente por meio de concessão financeira aos países
adeptos da política anticomunista.
As diversas frentes contrarrevolucionárias bem como a instalação de regi-
mes autoritários na América Latina durante as décadas de 1960 a 1980 receberam,
em grande parte, o apoio dos norte-americanos interessados em manter sua área
de influência e extirpar do solo americano qualquer ideologia exótica, tal como o
comunismo. Além disso, o desenvolvimento industrial estadunidense nesse perí-
odo era dependente, em parte, das matérias-primas latino-americanas, mais um
motivo para os Estados Unidos desejar manter uma presença constante nessa área.
Por isso, quando falamos ou ouvimos dizer algo a respeito da onda de instau-
ração de regimes militares, é necessário compreender o contexto internacional em
conjunto com os interesses internos das elites dominantes, afinadas não apenas
com o anticomunismo, mas contra, também, a aplicação do liberalismo político,
ou seja, o aumento da participação política nas eleições democráticas, condições
que ameaçavam os seus monopólios na condução das nações.

SÉCULO XX: INTERNACIONALIZAÇÃO DA ECONOMIA E TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS


197

REDEMOCRATIZAÇÃO, GLOBALIZAÇÃO E
NEOLIBERALISMO

A redemocratização dos países latino-americanos pode ser compreendida como


um conjunto de “aberturas políticas” que ocorreu entre os fins dos anos 1970 até
o início da década de 1990. Nesse período, o temor ao comunismo bem como as
ameaças provenientes da “anarquia trabalhista” deixaram de existir. Tais elemen-
tos se consagraram como os principais fatores que justificaram a instalação de
regimes autoritários por toda a América Latina. Com a extinção dessas ameaças
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

e sem o apoio popular, os militares optaram, na maioria das vezes, por devol-
ver o poder aos civis.
No Brasil, um “milagre econômico” de fins dos anos de 1970 deu apoio aos
militares, todavia a ausência do “perigo comunista” motivou os militares a inicia-
rem o processo de abertura em 1979, sendo este concretizado, em definitivo, no
ano de 1985. De forma geral, o movimento popular insistia em eleições diretas,
por meio da mobilização conhecida como “Diretas Já”, porém os militares e auto-
ridades conservadoras optaram por eleições indiretas neste primeiro momento.
No caso brasileiro, é importante ressaltar o papel fundamental dos movi-
mentos sociais no processo de redemocratização. O movimento das “Diretas Já”
teve início em 1983, durante o governo de João Batista Figueiredo. O movimento
ganhou amplitude e adesão da maioria da população, ao propor eleições dire-
tas para o cargo de presidente da República. Apesar da resistência de militares
e setores conservadores, a mobilização de cunho social ganhou força, contri-
buindo, de forma ímpar, para o fim da ditadura militar.
Na Argentina, os militares abandonaram o poder no mesmo ano em que
amargaram a derrota contra os ingleses na guerra das Malvinas (1983). Além
disso, o movimento “Mães da Praça de Maio” já denunciava as atrocidades come-
tidas pelo regime, contribuindo para torná-lo impopular.
No Paraguai, o ditador Alfredo Stroessner, há mais de 35 anos no poder,
renunciou ao governo em 1989 e exilou-se no Brasil.
O Chile, um dos países que vivenciou uma das mais fortes tendências auto-
ritárias da América Latina, assistiu uma abertura política lenta durante os anos
de 1990, acompanhada por reformas liberais no âmbito econômico.

Redemocratização, Globalização e Neoliberalismo


198 UNIDADE V

Entre os anos de 1980 a 1990, vários regimes militares latino-americanos


foram perdendo legitimidade e passaram a ser substituídos por sistemas democrá-
ticos, com a possibilidade de participação dos civis no poder. Contudo o retorno
à democracia decepcionou a muitos que haviam lutado por ela. Marcadas pela
imaturidade democrática, muitas nações padeceram com presidentes corruptos
ou que sofriam forte pressão por parte de seus opositores.
No Brasil, por exemplo, a eleição para presidente de Fernando Collor de
Mello foi sucedida pelo impedimento de continuar no governo, em 1992, em
razão da corrupção empreendida por ele e seus comparsas. Já no Peru, a eleição

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
de Alberto Fujimori marcou o equilíbrio inflacionário, alegando, entretanto, a
existência de forças oposicionistas sufocantes, Fujimori dissolveu o Congresso
em abril de 1992 e instaurou uma ditadura até o ano 2000.
Apesar desses desequilíbrios, naturais em países inexperientes democrati-
camente, a América Latina deveria se preparar para a pressão do capitalismo
neoliberal.
A década de 1980, mais conhecida como “década perdida”, ficou marcada
por uma crise generalizada, resultante, basicamente, do endividamento externo
e do fracasso dos projetos de desenvolvimento independente.
No intuito de salvar suas economias, muitos países latino-americanos recor-
reram ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para amenizar seu saldo devedor.
Em troca, o FMI estipulou a subordinação das elites econômicas e políticas às
regras do neoliberalismo. Tal intervenção ficou conhecida como Consenso de
Washington (1989) e determinou que os países latino-americanos deveriam
equilibrar suas finanças cortando despesas com políticas sociais e investimen-
tos, abrir o comércio e liberar a atuação de capitais estrangeiros.
O neoliberalismo prevaleceu na década de 1990, pois o colapso da URSS e
dos regimes socialistas do Leste Europeu abriu margem para a manutenção de
apenas uma superpotência: os Estados Unidos. A fragilidade dos regimes socia-
listas europeus deu a impressão de que a única saída para o desenvolvimento
seria o capitalismo, a ponto de a ideologia neoliberal fundamentar o processo
de globalização.

SÉCULO XX: INTERNACIONALIZAÇÃO DA ECONOMIA E TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS


199

A modernização dos países latino-americanos dependia de sua inserção, a


qualquer custo, no quadro da nova economia globalizada, ainda que em uma
condição periférica.
Seguindo o Consenso de Washington, tais países concordavam em abrir suas
economias ao comércio mundial, principalmente por meio da supressão de suas
barreiras alfandegárias. Como consequência, a abertura dos mercados oportuni-
zou a uma miríade de investimentos internacionais na América Latina, ao sabor
das circunstâncias e em consonância com a disponibilidade de capitais no mer-
cado mundial. Esse processo de abertura da economia latino-americana, mais
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

conhecido como liberalismo, coloca fim na participação do Estado em privati-


zações de empresas, aumenta os índices de informalidade dos trabalhos, além
de desestabilizar os sindicatos.
Inclusos nas tendências neoliberais, muitos governos assumiram a direção
em países latino-americanos. Na Argentina, Carlos Menem (1989-2001) abriu
a economia e privatizou algumas estatais, como a YPF, responsável pela explo-
ração de petróleo.
Seguindo os mesmos passos de Menem, no Brasil, o governo de Fernando
Henrique Cardoso (1994-2002) controlou a inflação mantendo a equivalência
do dólar ou real (moeda nacional) até 1998, manobra que por pouco não levou
a economia brasileira à falência. Como forma de salvar o Brasil dessa situação, o
presidente solicitou ajuda financeira ao FMI, o qual, em troca, exigiu a inserção
do país na lógica neoliberal. De forma semelhante ao caso argentino, o governo
brasileiro privatizou a maior parte das empresas estatais, vendendo-as a grupos
econômicos de outros países.
No âmbito do comércio internacional, formaram-se blocos comerciais na
América, tais como: o MERCOSUL (Mercado Livre do Cone Sul), o NAFTA (North
America Free Trade Agreement ou Tratado de Livre Comércio da América do
Norte) e a proposta de criação da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas).

Redemocratização, Globalização e Neoliberalismo


200 UNIDADE V

Em razão do aumento dos índices de desemprego, crescimento econômico


pífio e endividamento dos Estados que a fragilidade das políticas neoliberais, na
América Latina, durante os anos de 1990, ocasionou, os Estados latino-ameri-
canos vieram a buscar novos projetos políticos para amenizar essa crise. Como
resposta, elegeram governantes declaradamente oposicionistas do projeto neoli-
beral, como: Nestor Kirchner, na Argentina (2003); Hugo Chaves, na Venezuela
(1998); Luís Inácio Lula da Silva, no Brasil (2002); Tabaré Vasquez, no Uruguai
(2004) e Evo Morales, na Bolívia (2005). Apesar de suas particularidades, tais
governos deram novos rumos para a região.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Esse período marcou o revigoramento de movimentos sociais, tamanha
a pressão que exerceram por uma luta de igualdade social e desenvolvimento
autônomo. Todavia um novo período de instabilidades parece ter se instalado
nas esferas política e econômica da América Latina, contribuindo para o alas-
tramento de uma onda de insatisfações popular, pondo em risco uma década
de avanços sociais e econômicos (MOREIRA; QUINTEROS, 2010). O crescente
movimento, marcado, sobretudo, pela rejeição aos presidentes, deixou evidente
a sua intolerância com a corrupção e má governança. Resta-nos acompanhar os
próximos desdobramentos da crise que se arrasta pelos países latino-america-
nos a fim de fazermos uma avaliação consistente sobre esse período.

SÉCULO XX: INTERNACIONALIZAÇÃO DA ECONOMIA E TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS


201

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegamos ao fim da última unidade!


Nesta unidade, pudemos explorar as transformações ocorridas nas Américas
ao longo do século XX. O assunto analisado não teve como objetivo somente a
conclusão de uma etapa, mas a conscientização sobre as instabilidades políti-
cas, movimentos sociais, ditaduras militares, a interferência estadunidense nos
países latino-americanos, bem como os processos de redemocratização, globa-
lização e desenvolvimento do neoliberalismo na América Latina. Muitas vezes,
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

temos acesso a temas relacionados a esse período, seja em razão das descobertas
científicas ou relacionado ao nosso cotidiano, o que torna necessário analisá-los
sobre um olhar crítico.
Você pôde conhecer alguns dos diversos movimentos revolucionários ou
ditatoriais que abalaram a América Latina durante o século XX. Analisamos as
mudanças ocorridas nos países latino-americanos durante o intervalo entre a
Grande Depressão até a Segunda Guerra Mundial.
Posteriormente, foram apresentados os movimentos revolucionários que
ocorreram entre princípios da Guerra Fria, as ditaduras militares, o poder de
influência dos Estados Unidos, bem como os processos de redemocratização e
liberalismo ocorridos na América Latina. Para isso, recorremos a uma aborda-
gem dialógica e de fácil compreensão, com o objetivo de facilitar a identificação
dos atores sociais envolvidos e de seus respectivos interesses. Tais informações
são relevantes para compreendermos as particularidades das nações que inte-
gram as Américas.
É claro que as transformações ocorridas ao longo do século XX no conti-
nente americano contribuíram para avanços significativos na esfera social, muito
embora tenha reafirmado o poder de liderança e influência dos Estados Unidos
nas relações que estabelece com a América Latina.
Espero que tenha gostado de nossa viagem! Até a próxima!

Considerações Finais
Fidel Castro, a Revolução Cubana e a América Latina
Quando o ditador Fulgêncio Batista, sem mais condições de manter-se no poder, renun-
ciou durante o reveillon de 1959 e, secretamente, fugiu de Cuba para a República Domi-
nicana, não foi só o seu governo que caiu. Todo o Estado cubano se havia desintegrado
e 1959 tornou-se um ano realmente novo. Dias depois, centenas de guerrilheiros bar-
budos, grande parte de guajiros (trabalhadores do campo), sujos, uniformes rasgados,
entraram em Havana, sob o comando de Fidel Castro, Ernesto Che Guevara e Camilo
Cienfuegos. Era o clímax de uma epopeia, iniciada por apenas 16 sobreviventes, dos 82
que desembarcaram do iate Granma, no litoral de Cuba, em 2 de dezembro de 1956 (...).
A revolução cubana foi o fato político mais poderoso e o que maior impacto causou na
América Latina, ao longo do século XX, não por causa do seu caráter heroico e romântico
ou porque o regime implantado por Fidel Castro evoluiu posteriormente para o comu-
nismo, mas porque ela exprimiu dramaticamente as contradições não resolvidas entre
os Estados Unidos e os demais países da região. Não foram os comunistas que promove-
ram a revolução cubana, no contexto da Guerra Fria. Conquanto alguns de seus líderes,
como Ernesto Che Guevara e o próprio Fidel Castro, em pequena medida, acolhessem
ideias marxistas, eles não pertenciam a nenhum partido comunista e não era inevitável
que a revolução cubana se desenvolvesse a tal ponto de identificar-se com a doutrina
comunista e instituísse a sua forma de governo (...). Com efeito, a revolução cubana foi
autóctone, teve um caráter nacional e democrático (...).
Em abril de 1960, quando estive em Havana, acompanhando Jânio Quadros, então can-
didato à presidência do Brasil, vi Fidel Castro mostrar-lhe um crucifixo que trazia pendu-
rado no pescoço, indicando que não era comunista e que respeitava a Igreja. Mas, um
ano depois, em 16 de abril de 1961, após o bombardeio dos aeroportos de San Antonio
de los Baños, Santiago e Havana pelos aviões da CIA, Fidel Castro, após compará-lo, com
justo motivo, ao ataque pérfido e traiçoeiro do Japão a Pearl Harbor, em 1941, declarou
que os Estados Unidos não perdoavam Cuba porque ‘esta es la revolución socialista y
democrática de los humildes, con los humildes y para los humildes’.
Ao fazer essa declaração, Fidel Castro buscou comprometer a União Soviética na defesa
de Cuba. Ele jogou com o conflito político e ideológico que então eclodira entre Moscou
e Pequim e dividira o Bloco Socialista, pois temia que Nikita Kruchev, na linha da coe-
xistência pacífica e em entendimento com John Kennedy, trocasse Cuba por Berlim Oci-
dental, em prol de melhores relações com os Estados Unidos. A proclamação do caráter
socialista da revolução cubana, porém, representou igualmente duro golpe nos dogmas
cristalizados por Joseph Stalin e outros líderes comunistas, sob o rótulo de marxismo-
-leninismo, uma vez que ela fora realizada não por um partido supostamente operário,
constituído sob as normas do chamado centralismo-democrático e rotulado de comu-
nista, mas pelo Movimento 26 de Julho, uma organização composta, sobretudo, por ele-
mentos das classes médias, que, no curso da guerra de guerrilhas, passaram a incorporar
camponeses e trabalhadores rurais, os guajiros, ao Exército Rebelde, em benefício dos
quais realizaram a reforma agrária.
203

De conformidade com a ortodoxia stalinista, Cuba não tinha condições materiais senão
para realizar uma revolução agrária e democrática, mediante a instalação de um ‘gover-
no patriótico’, de união com a burguesia progressista, que se propusesse a impulsionar
o processo de industrialização e, libertando o país do domínio imperialista, promover o
desenvolvimento econômico e a emancipação nacional. Os dirigentes comunistas, que
visitavam Havana, consideravam a revolução em Cuba estranha ao modelo, por eles re-
conhecido, dado lá não existir um operariado industrial, e julgavam Fidel Castro e seus
companheiros um ‘grupo inexperiente, com formações ideológicas diversas e pouco
definidas’, orientados pelo que qualificaram como ‘marxismo amador, ou melhor ainda,
como cubanismo’. Ouvi quando Luiz Carlos Prestes, então secretário-geral do PCB, qua-
lificou Fidel Castro como ‘aventureiro’, em entrevista à imprensa do Rio de Janeiro, em
1959.
A revolução cubana assim produziu profundas consequências na América Latina, onde
a tendência das Forças Armadas para intervir, como instituição, no processo político, a
partir de 1960, não decorreu apenas de fatores endógenos e constituiu muito mais um
fenômeno de política internacional continental do que de política nacional, argentina,
equatoriana, brasileira etc., uma vez que fora determinada, em larga medida, pela mu-
tação que os Estados Unidos estavam a promover na estratégia de segurança do he-
misfério, redefinindo as ameaças, com prioridade para o inimigo interno, e difundindo,
através, particularmente, da Junta Interamericana de Defesa, as doutrinas de contra-in-
surreição e da ação cívica. Tanto isto é certo que a intervenção das Forças Armadas, a
princípio, visou, sobretudo, a ditar decisões diplomáticas, a modificar diretrizes de polí-
tica exterior, e ocorreu, geralmente, nos países cujos governos se recusavam a romper
relações com Cuba. E daí o surto militarista, com a propagação dos golpes de Estado,
que tinham como principal fonte de inspiração a Junta Interamericana de Defesa, visan-
do a impedir que outro Fidel Castro surgisse na América Latina.
Fidel Castro foi o mais importante líder da América Latina, no século XX, e o fato de que
permaneceu quase meio século no poder, apesar do bloqueio e de todas as pressões,
inclusive dezenas tentativas de assassinato pela CIA, representou a maior derrota políti-
ca que os Estados Unidos sofreram, apesar de seu enorme poderio econômico e militar.
Fonte: BANDEIRA, L. A. M. Fidel Castro, a Revolução Cubana e a América Latina. Revista
Espaço Acadêmico, n. 82, mar. 2008.
1. Iniciada em 1910, a Revolução Mexicana foi responsável por grandes transfor-
mações no México, caracterizando-se por ser um movimento de cunho popular,
anti-imperialista e antilatifundiário. Diante disso, faça uma análise do processo
dessa Revolução, enquadrando-a no contexto nacionalista latino-america-
no da primeira metade do século XX.
2. Desde antes da doutrina Monroe (1823), posteriormente, pela Doutrina do Desti-
no Manifesto, no século XIX, até chegar ao término do século, os Estados Unidos
cristalizaram uma imagem não muito amistosa dos latino-americanos. A partir
dessa informação, analise a mentalidade norte-americana em relação aos la-
tino-americanos. Registre suas conclusões.
3. Após a Revolução Cubana de 1959, várias ditaduras militares surgiram nos países
latino-americanos. Diante dessa constatação, disserte sobre a influência dos
Estados Unidos na ocorrência de regimes militares na América Latina.
4. A partir dos anos de 1960, vários regimes militares instalaram-se pela América
Latina. Com relação à implantação da ditadura militar no Brasil, é correto
afirmar que o seu início foi marcado por:
a) Eleições democráticas que levaram ao poder os militares.
b) Um acordo ocorrido entre o presidente João Goulart e comandantes das forças
armadas brasileiras.
c) Uma sangrenta guerra civil em que os militares tomaram o poder a força, após a
morte de milhares de brasileiros.
d) Um plebiscito realizado após a saída de Getúlio Vargas do poder.
e) Um golpe militar, ocorrido em 31 de março de 1964, que tirou o presidente João
Goulart do poder.
5. A redemocratização dos países latino-americanos pode ser compreendida como
um conjunto de “aberturas políticas” que ocorreram entre os anos de 1979 até
o início da década de 1990. Após esse período, um novo modelo econômico foi
implantado na maioria dos países latino-americanos. Assinale a alternativa que
melhor indica a denominação desse sistema econômico:
a) Comunismo.
b) Ditadura militar.
c) Teocracia.
d) Neoliberalismo.
e) Balança Comercial.
205

6. No ano de 1876, Porfírio Diaz se tornou presidente, cargo que ocupou por 35
anos seguidos, em um período que ficou conhecido como porfiriato. Sobre esse
regime, é correto afirmar que:
a) Foi um período de intensa abertura democrática, distribuição de terras, intro-
dução de manufaturas e investimento em tecnologia, além da inauguração de
rodovias em grande parte do território.
b) Destacou-se pela intensa concentração de terras, a entrada de capitais estrangei-
ros e a renovação dos meios de transportes e comunicação, além da inauguração
de ferrovias em grande parte do território.
c) Caracterizou-se pela intensa publicação de direitos, a entrada de imigrantes e
a renovação dos meios de transportes e comunicação, além da inauguração de
aerovias em grande parte do território.
d) Diferenciou-se pela intensa concentração imobiliária, a entrada de empresas es-
trangeiras e a estabilização da economia, além da inauguração de hidrovias em
grande parte do território.
e) Identificou-se com o movimento anarco-sindicalista, promovendo movimentos
sociais e reivindicações de direitos trabalhistas em todo o território mexicano,
além de inaugurar sindicatos em grande parte do território.
MATERIAL COMPLEMENTAR

Título: Breve História de Cuba


Autor: Julio Le Riverend
Editora: Editorial de Ciencias Sociales
Sinopse: trata-se de uma obra que explica o processo
de formação de Cuba. O autor procura relatar a história
de Cuba, inserindo-a em um contexto mundial.

Título: A Revolução Mexicana


Autora: Mariza de Carvalho Soares
Editora: FTD
Sinopse: a obra faz uma breve análise da Revolução
Mexicana, uma das insurreições mais violentas e de
maior amplitude ocorrida nas Américas no início do
século XX. Tal conflito contou com a adesão maciça
da população, principalmente dos camponeses.

Título: Brasil: nunca mais


Autor: Paulo Evaristo Arns e Jaime Wright
Editora: Vozes
Sinopse: é uma das principais obras que fala sobre
a ditadura militar no Brasil. Nela são abordadas as
formas de atuação do sistema repressor durante
esse período, bem como são apresentados os nomes
dos principais torturadores dos porões da ditadura.
MATERIAL COMPLEMENTAR

Título: Manhã Cinzenta


Ano: 1968
Sinopse: o filme foi lançado no ano em que vigorava o
Ato Institucional n. 5 (AI-5). O longa-metragem mostra
de forma clara o que se passava em uma fictícia ditadura
latino-americana. Um casal de estudantes que participou
de uma passeata é preso, torturado e interrogado por um
robô. O filme chegou a sair de circulação por determinação
do regime ditatorial então em vigor no Brasil, porém uma
cópia foi salva e permaneceu escondida por 25 anos.
Comentário: trata-se de um filme rico em detalhes sobre
a ditadura militar no Brasil, porém pouco conhecido.

Título: Pra frente Brasil


Ano: 1982
Sinopse: o filme mostra um homem comum que, ao
voltar para casa, é confundido com um “subversivo”
e submetido a sessões de tortura para confessar seus
supostos crimes.
Comentário: este filme retrata as torturas a que
presos políticos eram submetidos. Em razão desse
tratamento, muitos confessavam crimes que não
haviam cometido.

Título: Desaparecido: um grande mistério


Ano: 1982
Sinopse: retrata a história de um jovem idealista que
desaparece de sua casa em Santiago após o golpe
de estado de Augusto Pinochet. Sua família, que
se mudou dos Estados Unidos para o Chile, tenta
descobrir seu paradeiro e vive uma verdadeira odisseia,
visitando instituições e se deparando com burocracias
incontroláveis.
Comentário: o filme retrata a ditadura chilena de
Augusto Pinochet (1973-1990) e revela como esse
regime de exceção ocultava informações sobre mortos
e desaparecidos.

Material Complementar
MATERIAL COMPLEMENTAR

Título: O segredo dos seus olhos


Ano: 2009
Sinopse: o filme tem como objetivo mostrar a
ditadura militar na Argentina e seus métodos
cruéis e fraudulentos, como o de conceder
liberdade a brutais assassinos e condenados
por crimes altamente violentos em troca de que
torturassem os presos políticos.
Comentário: este filme apresenta a intolerância
da ditadura argentina (1966-1973) e os métodos
duvidosos e bárbaros utilizados pelos militares
para se manterem no poder.

O portal indicado a seguir oferece um acervo riquíssimo (depoimentos, documentos


etc) sobre as descobertas recentes relacionadas à ditadura militar no Brasil (1964-
1985). Faça uma visita!
Comissão Nacional da Verdade
Disponível em: <http://www.cnv.gov.br/todos-volume-1.html>. Acesso em: 02 out.
2015.
209
CONCLUSÃO

Chegamos ao final de mais uma disciplina!


Juntamente com esta unidade, encerramos o conteúdo de História da América. Es-
pero que você tenha aprofundado os seus conhecimentos com os temas abordados
neste material.
Nossa preocupação foi ofertar instrumentos teóricos que contribuíssem com sua
formação e aperfeiçoamento. Apresentamos, neste livro, conhecimentos que po-
dem ser adaptados à sua realidade escolar ou combinados com outros para o seu
enriquecimento pessoal.
Discutimos sobre a História da América desde as civilizações pré-colombianas, per-
passando pela análise do Período Colonial na América Hispânica e Saxônica, bem
como a crise do sistema colonial que derivou nos processos de independência das
Américas. Além disso, discorremos sobre a formação e consolidação dos Estados
Nacionais na América Latina e os fatores que transformaram os Estados Unidos em
uma potência industrial em fins do século XX. Por fim, conhecemos sobre a interna-
cionalização da economia e as transformações sociais nas Américas durante o sécu-
lo XX. Certamente, esses conteúdos possuem reflexos até os dias de hoje em meio
ao contexto de mudanças atuais que inundam o continente americano.
Você deve ter notado que utilizamos de vasta discussão historiográfica e trechos
de documentos de época para orientar as nossas discussões. Essa escolha é funda-
mental para a formação do profissional da área de História, uma vez que permite o
confronto e a contextualização de ideias.
Para os futuros professores apaixonados por história fica como sugestão a leitura
dos livros mencionados e dos filmes recomendados ao longo da obra, os quais serão
úteis se adaptados e utilizados em sala de aula.
Espero que você tenha apreciado a nossa viagem pela História da América e que os
conteúdos analisados contribuam para a sua formação no curso de graduação em
História!
Sucesso em sua trajetória acadêmica e profissional!
211
REFERÊNCIAS

A CONQUISTA Espanhola e a colonização Espanhola na América e as atividades eco-


nômicas na colônia Cortés. SlidePlayer. Disponível em: <http://slideplayer.com.br/
slide/298456/>. Acesso em: 22 set. 2015.
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217
GABARITO

UNIDADE I
1. A opção correta é a C.
2. A opção correta é a E.
3. A opção correta é a C.
4. Espera-se que o(a) acadêmico(a) compreenda que os Tupis-Guaranis se carac-
terizavam por serem povos semi-sedentários, isso porque os locais de cultivo
não permaneciam os mesmos e as aldeias, consequentemente, mudavam com
frequência de local. Entre esses grupos, havia uma divisão: as mulheres eram as
principais responsáveis pela prática agrícola e os homens, muito embora tam-
bém pudessem contribuir na limpeza da terra, se destacavam como caçadores
e guerreiros. Os Tupis, por exemplo, quase sempre se deslocavam em busca de
locais que fornecessem caça e pesca em abundância, além de condições propí-
cias para a prática da agricultura. Entretanto também estavam à procura da tão
sonhada “Terra sem mal”, lugar ausente de sofrimento e onde os guerreiros que
demonstrassem bravura seriam automaticamente transportados após a morte.
5. Espera-se que o(a) acadêmico(a) compreenda que a sociedade asteca não estava
reduzida a uma divisão entre camponeses e burocratas. No circuito das elites
governantes, havia privilégios significativos, enquanto entre os camponeses sur-
giam novas categorias sociais, contribuindo para tornar ainda mais complexa a
compreensão dos desníveis característicos dos trabalhadores dessa natureza. Os
mayeques, por exemplo, se distinguiam dos demais camponeses por não possu-
írem terras e, para sobreviver, deveriam trabalhar nas propriedades dos burocra-
tas astecas. Em Tenochtitlán, havia ainda os trabalhadores urbanos vinculados
quase sempre a trabalhos artesanais, como tecelões, oleiros e ourives. Como se
tratava de uma função exercida no interior da cidade, esses trabalhadores esta-
vam, geralmente, desvinculados de suas comunidades de origem e se organiza-
vam em corporações. Na configuração social asteca, os escravos (tlacoili) eram
utilizados como servos de altos funcionários e eram tratados como criados, não
sendo incumbida a missão de lavorar nas propriedades agrícolas. Em razão des-
ses desníveis sociais, a sociedade asteca pode ser considerada multifacetada e
detentora de uma hierarquia rígida.
6. Espera-se que o(a) acadêmico(a) compreenda que os ayllus eram aldeias campo-
nesas compostas por famílias ligadas por laços de parentesco e gerenciadas pe-
los Kuracas. Em consonância com Schwartz e Lockhart (2010, p. 60), essas comu-
nidades eram consideradas entre os incas como o “microcosmo da vida social”,
ou seja, a representação de uma unidade local mínima que nos permite falar
em sedentarização do povo incaico. Tal organização foi de suma importância
no momento da conquista espanhola. A distribuição de vários ayllus e a forma
como estavam dispostos em aldeias locais em um imenso império facilitou a
manutenção da integridade territorial mesmo após a conquista. Os hispânicos
fizeram uso da estrutura do ayllu por este manter a unidade e se apropriaram de
GABARITO

sua composição para implantar os dispositivos que permitiram a concentração


da influência e presença europeia.

UNIDADE II
1. O intuito é que o(a) aluno(a) compreenda que Hernan Cortés e Cristóvão Colom-
bo eram homens de sua época e que ansiavam por enriquecimento fácil. Para
ambos, o objetivo da conquista das terras do novo mundo estava concentrado
na obtenção de riquezas e na difusão da fé cristã. No entanto diferenciavam-se
no modo, na escolha de prioridades e na competência de execução de seus res-
pectivos objetivos.
Em Colombo, evidencia-se o deslumbramento diante das terras que encontrou
e desse modo é compreensível certo sentido de preservação dos lugares, como
quando afirma que os reis católicos não consentissem que naquelas terras vies-
sem estrangeiros, salvo católicos cristãos. Mesmo no contato com os índios, ha-
via um objetivo de cristianização. Colombo, porém, ao contrário de Cortés, não
lucrou em efetivar os seus objetivos. Prejudicou-se, talvez, pelo pioneirismo e
pelas inúmeras possibilidades que as terras americanas pareciam dispor (con-
siderando-a um “paraíso terrestre”), tornando sua administração um tanto so-
brecarregada. Tudo somado, não manteve o prestígio adquirido na primeira via-
gem. Isso também pode ser compreendido pelo fato de Colombo ser genovês.
Tendo em vista que a aversão ao estrangeiro na sociedade espanhola era uma
marca profunda (como na perseguição aos judeus e muçulmanos) e que ia além
da questão religiosa, é compreensível que, em um segundo momento, Colombo
tenha sido desprezado pela Coroa.
Em contrapartida, podemos notar em Bartolomé de Las Casas, um frade do-
minicano que relatou em várias obras o processo de conquista, uma distinção
bastante diferenciada entre índios e espanhóis. Las Casas descreve os espanhóis
como cruéis e ambiciosos e os índios como seres simples e sem maldades. As
conquistas do Novo Mundo são relatadas por Las Casas praticamente por um
único prisma: o da destruição. O religioso buscou, por meio disso, afastar qual-
quer relação entre os indígenas dos bárbaros e escravos naturais, associando-
-os a exemplos expressivos da perfeição divina. Essa crença permitiu com que
Las Casas relacionasse o novo continente ao paraíso terrestre, os indígenas aos
inocentes que habitavam as terras agradáveis e prazerosas e os espanhóis aos
terríveis destruidores do paraíso descrito.
2. É importante que o(a) aluno(a) perceba que, a princípio, a economia mineradora
da América Espanhola não estava baseada integralmente na propriedade priva-
da, pois todo o território era considerado domínio da Coroa hispânica. O sistema
de ocupação para fins produtivos dessas terras estava baseado em concessões
perpétuas realizadas pelo poder régio a investidores mineiros. Esses, por sua vez,
se localizavam em diversos setores sociais, podendo ser o rei e funcionários do
219
GABARITO

primeiro escalão até grupos de colonos compostos por homens simples e ín-
dios. A partir de fins do século XVI, a exploração mineratória exigiu uma tecno-
logia capaz de concentrar e aprofundar as escavações. Dentre os mecanismos
que mais lograram êxito no processo de extração da prata está a introdução do
amálgama de mercúrio. Esse sistema, porém, resultou na hierarquização entre
os mineradores, ou seja, os pequenos e médios produtores de metais vendiam o
minério explorado de suas minas para os empresários de grande porte, os quais
monopolizavam o processo do amálgama. A extração da prata era controlada de
forma mais intensa pelo capital comercial, isso significa que sua produção era,
geralmente, direcionada para a Europa, sobretudo Espanha, e, posteriormente,
drenada para outros centros financeiros europeus. Além disso, a Coroa Hispânica
cobrava, na forma de imposto, 20% de toda a produção de prata (o quinto). É
importante salientar que a mineração não foi o único vetor da economia hispa-
no-americana, mas foi, sem dúvida, o mais lucrativo segmento durante a coloni-
zação espanhola na América.
3. Pretende-se que o(a) acadêmico(a) compreenda que as colônias do norte foram
destinadas ao povoamento de refugiados, enquadrados nos casos citados no
parágrafo anterior. Essa região, banhada pelo Oceano Atlântico apresenta o cli-
ma temperado, similar ao europeu. Tais características facilitaram o desenvolvi-
mento de um núcleo de povoamento baseado na policultura de subsistência
e no mercado interno, já que não foram encontrados metais preciosos e nem
produtos agrícolas em abundância para o mercado europeu.
O trabalho familiar, concentrado em pequenas propriedades, foi predominante.
Alguns cereais, como o milho, foram cultivados por esses grupos. Além disso, a
região setentrional dessas colônias, mais conhecida como Nova Inglaterra, de-
senvolveu-se uma produção de navios significativa. Esses estaleiros foram bem
sucedidos em razão da abundância de madeiras existentes na região e confec-
cionavam embarcações destinadas aos mais diferentes fins, bem como para o
comércio triangular. No caso das colônias do norte, o comércio triangular era
muito utilizado na compra de cana e melado das Antilhas, os quais seriam trans-
formados em rum. Tal bebida era transportada para a África por meio de em-
barcações provenientes da Nova Inglaterra. Nesse continente, era usualmente
trocada por escravos. Tais cativos eram comercializados pelos proprietários de
terras das Antilhas e Colônias do Sul.
Seguido desse processo de venda de mão de obra escrava, novamente os navios
retornavam para a Nova Inglaterra, carregados de melado e cana para a produ-
ção de rum. Tal comércio envolvia geralmente a Europa para onde rumavam os
navios com açúcar das Antilhas, os quais retornavam com produtos manufatura-
dos para serem comercializados nas colônias inglesas na América. Além dessas
atividades, as Colônias do Norte adotaram a pesca para complementar a econo-
mia local. Localizadas próximo a um dos maiores pesqueiros do mundo (Terra
Nova), tais colônias tiveram condições de explorar fartamente as atividades pes-
GABARITO

queiras, bem como a venda de peles, as quais eram adornos fundamentais nos
vestuários da época, além de proteger do rigoroso inverno europeu. Em termos
políticos, a região da Nova Inglaterra se mostrou bastante organizada, apresen-
tando governos com larga participação popular.
Mesmo com as proibições da população, cada colônia possuía relativa autono-
mia e chegaram a construir pequenas manufaturas, além de realizarem o co-
mércio entre outras regiões que não fossem a metrópole e não possuíam o seu
aval. De forma distinta, as colônias do sul desenvolveram uma economia mais
condizente com os interesses europeus. Desde cedo, cultivaram o tabaco e o
fumo, sendo que o primeiro exigia uma expansão agrícola contínua, tamanha
a sua capacidade de esgotamento do solo. Muito embora a mão de obra servil
branca fosse muito utilizada no século XVII, é fato que o aumento da área de
tabaco exigiu um número significativo de mão de obra escrava.
Como consequência, a sociedade ficou marcada por ampla desigualdade e re-
sistiram mais ao pensamento de independência por estarem vinculadas a inte-
resses externos, isso porque os latifundiários meridionais temiam que uma rup-
tura com a Inglaterra significasse um corte com a sua estrutura econômica. Era
comum algumas pessoas reafirmarem a dependência das colônias do sul com
a Inglaterra, como no fato de que quase todas as roupas eram provenientes de
lá, mesmo o sul sendo o grande responsável por produzir linho e algodão. Ou-
tras, por sua vez, não escondiam o espanto de que mesmo a região sendo rica
em madeira houvesse a importação de cadeiras, bancos e cômodas. Em suma,
é relevante que o(a) aluno(a) perceba essas diferenças peculiares à colonização
da América Inglesa.
4. A opção correta é a E.
5. A opção correta é a A.
6. A opção correta é a B.

UNIDADE III
1. O objetivo é que o(a) aluno(a) compreenda que os acontecimentos na Espanha
da segunda metade do século XVIII e primeiros anos do século XIX influenciaram
diretamente a situação na América Hispânica. A ocupação do território espanhol
pelas tropas de Napoleão Bonaparte favoreceu o movimento de independência
das colônias da América porque enfraqueceu o poder da metrópole. Em 1808,
Napoleão ocupou Madri, destronou o rei espanhol Fernando VII e colocou em
seu lugar o irmão José Bonaparte. Todo esse contexto provocou reações não so-
mente na Espanha como também em sua colônia americana. Com a deposição
de Fernando VII, os hispano-americanos experimentaram uma nova fase política,
que abriu caminhos para a construção de novos conceitos, palavras e projetos.
Os movimentos de independência na América Espanhola se manifestaram rapi-
221
GABARITO

damente e simultaneamente no ano de 1810, dois anos após a invasão francesa


ao território espanhol. Esses movimentos se propagaram do México (vice-reino
da Nova Espanha), a Buenos Aires (vice-reino do Rio da Prata), apesar das distân-
cias geográficas e das anêmicas condições de comunicação. Essa dinâmica não
foi somente influenciada por acontecimentos internos e revelou o surgimento
de vários posicionamentos no interior da elite colonial que buscava colocar em
prática seus respectivos projetos políticos, visando administrar o território espa-
nhol na América.
2. O objetivo é que o(a) acadêmico(a) retrate a conjuntura que provocou a vinda
da Coroa portuguesa para o Brasil bem como os acontecimentos posteriores,
que resultaram no descontentamento dos súditos metropolitanos, nas exigên-
cias das Cortes lusitanas, que resultaram na Revolução do Porto bem como os
demais acontecimentos que se desdobraram no processo de emancipação da
América Portuguesa.
3. O intuito é fazer com que o(a) aluno(a) compreenda que as propostas estavam
divididas basicamente em duas: a federalista e a antifederalista. Os federalis-
tas defendiam um executivo forte e centralizado, capaz de representar diploma-
ticamente os anseios do povo e responsável pela criação e a prática de leis. Em
oposição, os antifederalistas defendiam a atuação do governo somente como
administrador, sem interferir na criação de leis ou nas relações comerciais de
cada região. O dilema sobre essas duas propostas foi encerrado em 1787, por
meio da aprovação da Constituição dos Estados Unidos, ocasião em que o proje-
to federalista foi eleito como a melhor opção, permanecendo até hoje na organi-
zação política dos Estados Unidos.
4. A opção correta é a B.
5. A opção correta é a E.
6. A opção correta é a D.

UNIDADE IV
1. É importante que o(a) aluno(a) compreenda que, após as lutas de independên-
cia na América Latina, instalou-se um ambiente de conflitos generalizados que
trouxe a tona as diversas limitações durante o processo de construção dos Esta-
dos nacionais, como: a ausência de tropas regulares; a formação de rivalidades
regionais; a persistência de velhas práticas e estruturas corporativas; a falta de
organização fiscal dos Estados ainda em fase de formação; dificuldades de aces-
so aos locais mais isolados; relutância quanto à institucionalização de práticas
políticas, mesmo com a elaboração de constituições em muitos casos; isolamen-
to de comunidades indígenas de participação política e a ausência de uma acei-
tação de autoridade política.
GABARITO

Apesar de caótico, esse quadro estimulou debates a respeito de uma organiza-


ção formal no pós-independência. A princípio, defendeu-se um regime político
que pregava pela autonomia local (confederação). Tal modelo foi proposto nos
primeiros anos de pós-independência, atendendo, principalmente, às cidades
e províncias menores como forma de se defenderem do poderio das cidades
maiores, a exemplo de Buenos Aires e Caracas. Em algumas regiões, como no Rio
da Prata, os delegados provinciais eram enviados mais como representantes de
um Estado do que propriamente como membro de uma “nação”. A “nação” em
si era um termo muito difícil de ser definido. Essa conjuntura explica a fragilida-
de das tentativas de construção dos Estados nacionais sob os auspícios de um
governo central. As tentativas de organização de projetos federalistas encontra-
vam grande resistência provincial, pois tais planos eram associados a conspira-
ções voltadas para o domínio de cidades maiores.
2. É importante que o(a) aluno(a) compreenda que o período de consolidação dos
Estados nacionais, também conhecido como neocolonialismo latino-americano,
foi marcado pela incorporação da região ao capitalismo mundial. Caracterizou-
-se ainda por transformações que, de forma mais intensa ou não, modernizaram
a infraestrutura e inauguraram os pilares da industrialização na primeira metade
do século XX.
3. O objetivo é que o(a) aluno(a) compreenda que a primeira metade do século
XIX marcou para os Estados Unidos um momento de prosperidade econômica,
expansão territorial e crescimento populacional em razão dos fluxos migratórios
ao longo do século XIX e das taxas crescentes de natalidade. Todos esses as-
pectos contribuíram para formar uma cultura estadunidense diversa, vista como
símbolo do progresso, da expansão de oportunidades e do local onde o espírito
capitalista protestante conseguiu transformar a sociedade agrária do século XVIII
em uma potência industrial durante o século XIX. O período posterior à Guerra
de Secessão (1861-1865) foi marcado por amplo desenvolvimento econômico.
O término do conflito acelerou a industrialização e estimulou a necessidade de
interligar as novas terras ao Oeste por meio de linhas férreas.
4. A opção correta é a B.
5. A opção correta é a E.
6. A opção correta é a A.
223
GABARITO

UNIDADE V
1. O intuito é que o(a) acadêmico(a) associe o movimento como uma busca ao
nacionalismo e valorização dos setores menos favorecidos, principalmente dos
trabalhadores do campo e das cidades. Trabalhadores, indígenas e camponeses
não eram muito receptivos às medidas de controle social e repressões adotadas
por Porfírio Diaz, ditador eleito de forma corrupta e com o apoio dos Estados
Unidos. De forma geral, os movimentos trabalhistas ao norte do país eram con-
tidos por tropas federais. No restante do país, explodiam insurreições campone-
sas e indígenas duramente reprimidos pelos rurales, grupos que agiam nos cam-
pos de forma truculenta. Apesar de sangrenta, a Revolução Mexicana resultou na
formulação da Constituição de 1917, uma das mais avançadas em reconhecer os
direitos sociais do período.
2. O objetivo é que o(a) aluno(a) explore a visão que Lars Schoultz (2000) tece so-
bre o mind-set. A crença na inferioridade latino-americana se construiu histori-
camente e se constituiu no núcleo essencial da política dos Estados Unidos em
relação à América Latina, porque ele determina os passos precisos que os Esta-
dos Unidos assume para proteger seus interesses na região. Desde o século XVIII,
os estadunidenses formularam um mind-set (estrutura mental que guia o olhar
estadunidense, a forma como pensar a América Latina e compreender a cultura
latino-americana), um pensamento carregado de “pré-conceitos” e que cultua
uma suposta superioridade dos estadunidenses em relação aos latino-america-
nos.
3. O objetivo é que o(a) acadêmico(a) compreenda que a vitória da Revolução
Cubana, em 1959, foi um divisor de águas. O caso cubano motivou os revolucio-
nários nacionalistas dissidentes do marxismo a organizarem movimentos insur-
recionais nos moldes da guerrilha vitoriosa em Cuba. Contudo o triunfo de Fidel
Castro e seus companheiros marcou um avanço substancial do apoio estadu-
nidense a forças conservadoras de países da região, objetivando podar a ação
de grupos guerrilheiros. A ampliação da presença estadunidense no combate a
movimentos ou governos divergentes intensificou a repressão a grupos arma-
dos com temor de que mais países latino-americanos seguissem o exemplo de
Cuba, dando margem para a implantação de regimes ditatoriais.
4. A opção correta é a E.
5. A opção correta é a D.
6. A opção correta é a B.

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