História Da América
História Da América
História Da América
AMÉRICA
GRADUAÇÃO
Unicesumar
Reitor
Wilson de Matos Silva
Vice-Reitor
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de Administração
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de EAD
Willian Victor Kendrick de Matos Silva
Presidente da Mantenedora
Cláudio Ferdinandi
Impresso por:
Viver e trabalhar em uma sociedade global é um
grande desafio para todos os cidadãos. A busca
por tecnologia, informação, conhecimento de
qualidade, novas habilidades para liderança e so-
lução de problemas com eficiência tornou-se uma
questão de sobrevivência no mundo do trabalho.
Cada um de nós tem uma grande responsabilida-
de: as escolhas que fizermos por nós e pelos nos-
sos farão grande diferença no futuro.
Com essa visão, o Centro Universitário Cesumar
assume o compromisso de democratizar o conhe-
cimento por meio de alta tecnologia e contribuir
para o futuro dos brasileiros.
No cumprimento de sua missão – “promover a
educação de qualidade nas diferentes áreas do
conhecimento, formando profissionais cidadãos
que contribuam para o desenvolvimento de uma
sociedade justa e solidária” –, o Centro Universi-
tário Cesumar busca a integração do ensino-pes-
quisa-extensão com as demandas institucionais
e sociais; a realização de uma prática acadêmica
que contribua para o desenvolvimento da consci-
ência social e política e, por fim, a democratização
do conhecimento acadêmico com a articulação e
a integração com a sociedade.
Diante disso, o Centro Universitário Cesumar al-
meja ser reconhecido como uma instituição uni-
versitária de referência regional e nacional pela
qualidade e compromisso do corpo docente;
aquisição de competências institucionais para
o desenvolvimento de linhas de pesquisa; con-
solidação da extensão universitária; qualidade
da oferta dos ensinos presencial e a distância;
bem-estar e satisfação da comunidade interna;
qualidade da gestão acadêmica e administrati-
va; compromisso social de inclusão; processos de
cooperação e parceria com o mundo do trabalho,
como também pelo compromisso e relaciona-
mento permanente com os egressos, incentivan-
do a educação continuada.
Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está
iniciando um processo de transformação, pois quan-
do investimos em nossa formação, seja ela pessoal
ou profissional, nos transformamos e, consequente-
mente, transformamos também a sociedade na qual
estamos inseridos. De que forma o fazemos? Criando
oportunidades e/ou estabelecendo mudanças capa-
zes de alcançar um nível de desenvolvimento compa-
tível com os desafios que surgem no mundo contem-
porâneo.
O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de
Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo
este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens
se educam juntos, na transformação do mundo”.
Os materiais produzidos oferecem linguagem dialó-
gica e encontram-se integrados à proposta pedagó-
gica, contribuindo no processo educacional, comple-
mentando sua formação profissional, desenvolvendo
competências e habilidades, e aplicando conceitos
teóricos em situação de realidade, de maneira a inse-
ri-lo no mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais
têm como principal objetivo “provocar uma aproxi-
mação entre você e o conteúdo”, desta forma possi-
bilita o desenvolvimento da autonomia em busca dos
conhecimentos necessários para a sua formação pes-
soal e profissional.
Portanto, nossa distância nesse processo de cres-
cimento e construção do conhecimento deve ser
apenas geográfica. Utilize os diversos recursos peda-
gógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possi-
bilita. Ou seja, acesse regularmente o AVA – Ambiente
Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns e en-
quetes, assista às aulas ao vivo e participe das discus-
sões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe de
professores e tutores que se encontra disponível para
sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de
aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranqui-
lidade e segurança sua trajetória acadêmica.
AUTORA
HISTÓRIA DA AMÉRICA
SEJA BEM-VINDO(A)!
Caro(a) acadêmico(a), é com satisfação que apresentamos a você este livro, o qual ser-
virá de base e suporte para o desenvolvimento dos conteúdos da disciplina de “História
da América”, do curso de graduação em História. Apresentaremos uma série de con-
teúdos que visam fornecer a você uma abordagem holística e ampla sobre a história
do continente americano, desde as civilizações pré-colombianas até as transformações
sociais e a internacionalização da economia ocorrida ao longo do século XX.
O desafio que se apresenta é expor os conteúdos que compõem esta área do conheci-
mento de forma harmoniosa e coerente, versando sobre os temas de seu interesse e que
contribua para a formação e informação no interior do curso ora em desenvolvimento.
Foi realizado um esforço para trazer conteúdos atualizados, inseridos em debates histo-
riográficos recentes, discutidos pelos principais professores e pesquisadores da área, de
forma a confeccionar um texto moderno e completo.
Assim, começamos nosso trabalho com o estudo das civilizações pré-colombianas da
América Portuguesa, Hispânica e Saxônica. Esse tema permite aprofundar os conheci-
mentos dos povos nativos das Américas compreendendo-os como sujeitos históricos e
agentes sociais. O estudo desses povos é relevante, pois a partir deles é que teremos a
base para analisar as próximas unidades. Na sequência, analisaremos o Período Colonial
na América Hispânica e Saxônica de forma a conhecer os conflitos culturais entre nativos
e colonizadores, a organização econômica, política e social. Conduziremos nosso estudo
de modo a compreender a crise do sistema colonial que derivou nos processos de inde-
pendência da América Espanhola e Inglesa. Posteriormente, analisaremos a formação e
consolidação dos Estados Nacionais na América Latina e os fatores que transformaram
os Estados Unidos em uma potência industrial em fins do século XIX.
Para tornar o estudo mais interessante, abordaremos a internacionalização da economia
e as transformações sociais nas Américas durante o século XX, objetivando a compreen-
são de movimentos revolucionários, regimes de exceção e a influência estadunidense
nas relações continentais. Também será discutido o desenvolvimento da redemocratiza-
ção, globalização e do neoliberalismo na América Latina.
Esperamos que você tenha êxito nesta nova caminhada e que possa, de forma autôno-
ma e objetiva, fazer bom uso deste material.
Sucesso e vamos ao estudo!
09
SUMÁRIO
UNIDADE I
15 Introdução
42 Considerações Finais
UNIDADE II
51 Introdução
84 Considerações Finais
SUMÁRIO
UNIDADE III
93 Introdução
UNIDADE IV
135 Introdução
UNIDADE V
173 Introdução
209 CONCLUSÃO
211 REFERÊNCIAS
217 GABARITO
Professora Dra. Verônica Karina Ipólito
AS CIVILIZAÇÕES PRÉ-COLOMBIANAS
I
UNIDADE
DA AMÉRICA PORTUGUESA,
HISPÂNICA E SAXÔNICA
Objetivos de Aprendizagem
■■ Conhecer os povos nativos da América Portuguesa,
compreendendo-os como sujeitos históricos e agentes sociais.
■■ Entender a importância histórica dos incas, maias e astecas na
América Hispânica.
■■ Analisar as especificidades dos povos pré-colombianos da América
Saxônica.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ Os povos indígenas da América Portuguesa
■■ As civilizações pré-colombianas da América Hispânica: incas, maias e
astecas
■■ Os povos ameríndios da América Saxônica
15
INTRODUÇÃO
Introdução
16 UNIDADE I
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
©Wikimedia Commons
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
ocupando quase que integralmente a imensa costa brasileira, sobretudo a região
compreendida entre os atuais estados de São Paulo e do Ceará, ao passo que os
Guaranis estavam concentrados ao sul, nas regiões aproximadamente onde hoje
se localizam os litorais de São Paulo e Rio Grande do Sul. Além dos Tupis e dos
Guaranis, havia outros povos, dentre os quais podemos destacar os Jê, Karib,
Pano, Tukano e Aruák, situados mais no interior da América Portuguesa (con-
sultar o mapa 1). Todos esses povos possuíam costumes e cultura própria. Por
se diferenciarem dos Tupis, foram denominados por eles, genericamente, de
Tapuias. Entretanto, como você já deve ter notado, o primeiro contato dos por-
tugueses ocorreu com povos que residiam no litoral.
Os Tupis acreditavam que os povos que não falavam a sua língua (os Tapuias)
eram considerados “bárbaros”. Entre eles, era nutrida a percepção de que pos-
suíam uma cultura superior aos demais povos. A ideia de um cosmos dividido
entre “nós” e os “outros” estava relacionada ao espírito de guerra, pois os Tupis
consideravam os Tapuias seus inimigos congênitos. O conflito era algo relati-
vamente natural para os Tupis, tanto que era comum haver desentendimentos
entre os membros da mesma aldeia. Não raro, muitos desses se aliavam em torno
de um objetivo comum, mas, tempos depois, se desuniam e, em alguns casos,
lutavam entre si.
Entre os Tupis, a família era o centro da vida tribal e as atividades estavam,
geralmente, articuladas de acordo com o sexo e laços de parentesco. Desse modo,
os homens de uma mesma família caçavam, pescavam, guerreavam contra os
inimigos e construíam moradias. Às mulheres competia o cultivo da terra, a
preparação dos alimentos, a confecção de utensílios de cerâmica, bem como o
Em cada uma dessas ocas, havia um líder (principal), os quais se reuniam perio-
dicamente para tomar decisões conjuntas sobre assuntos pertinentes à aldeia.
Por mais que cada taba tivesse um chefe (morubixaba), podemos dizer que não
havia um poder centralizado, pois os principais (líderes das ocas) se reuniam
para discutir assuntos importantes das aldeias. Para se tornar um morubixaba,
o aspirante à função deveria ser forte, provar valentia e ser fisicamente robusto.
Você já deve ter notado que os habitantes do que se designou como América
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Portuguesa formavam uma população heterogênea, que variava entre 3 a 5
milhões de pessoas, distribuídas entre múltiplos povos, tais como: Tupi, Guarani,
Jê, Aruak, Karib, Pano, Tukano, Charrua, dentre outros, conforme podemos
conferir no mapa 1. Apesar de muitas vezes estarem localizados próximos uns
dos outros, tais povos falavam línguas diferentes e possuíam hábitos distintos.
Mapa 01: Distribuição aproximada dos povos indígenas à época da chegada dos europeus
Fonte: Arruda (1996).
plantas para a cura de determinadas doenças bem como o uso de algumas espécies
que tinham o poder de envenenamento. Era comum a aplicação dessas plan-
tas nos rios com o objetivo de intoxicar o peixe e facilitar a sua captura. Alguns
venenos também eram usados na caça, a exemplo do curare, o qual era colo-
cado na ponta da flecha e poderia paralisar e matar por asfixia o animal ferido.
No âmbito artístico, os diferentes povos indígenas da América Portuguesa
confeccionavam, em geral, objetos de uso cotidiano (como potes e urnas) e enfei-
tes para acompanhar os rituais (pinturas e plumas etc). Nas tribos, era comum a
fabricação de esteiras, redes e cestos dos mais variados formatos.
Algumas cores, como o preto do pó de carvão, o vermelho do urucum, azul-
-escuro do jenipapo e o branco do calcário eram utilizadas nas pinturas corporais.
As pinturas estavam, geralmente, associadas com o papel social do indivíduo ou
com o ritual a ser praticado. Os desenhos possuíam formas geométricas, as quais
também eram utilizadas em peças de cerâmica.
O conhecimento indígena bem como a sua familiaridade com a natureza
foram inclusos na cultura que formou a difusão portuguesa na América, prin-
cipalmente nas primeiras décadas da colonização.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Certamente você já ouviu falar das civilizações pré-colombianas, também
referenciadas como altas culturas americanas. Dentre essas, as que mais apre-
sentaram uma organização socioeconômica e política invejável foram os incas
e astecas, a ponto de alguns autores, a exemplo de Stuart B. Schwartz e James
Lockhart (2010, p. 59), denominarem essas estruturas de “povos imperiais”.
Tal designação se deve ao fato de que essas civilizações não se caracterizaram
somente por sua vida sedentária, mas por se organizarem em meio a um con-
junto de instituições cujas regras e valores próprios eram indeléveis. Criaram um
rígido sistema tributário e se alimentaram dele, além de suas fronteiras serem
bem delimitadas, fatores que os diferenciavam dos demais povos que se fixaram
na América antes da chegada dos espanhóis.
Os astecas ocupavam a região da Mesoamérica entre os séculos XIV e XVI
(conferir o mapa 03) e se constituíram em uma importante civilização guerreira
que consolidou o seu poderio mediante a submissão de diversos povos confede-
rados vizinhos. No século XIV, fundaram Tenochtitlán, atual Cidade do México
(capital do México), em uma área pantanosa, próxima ao lago Texcoco.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
o qual era composto por chefes das aldeias e que formava a base para a escolha
e sucessão do soberano. A partir do século XV, com o crescimento da influência
de Tenochtitlán, o Tlatoacán foi paulatinamente deixado para segundo plano. A
burocracia de Estado que cingia, ou seja, que rodeava o imperador, sofreu um
aumento significativo nesse momento e assumiu as funções de assessoria até
então designadas ao Tlatocán. De acordo com Vainfas (1984, p. 25), tal processo
estimulou o afastamento entre os dirigentes e a população aldeã.
Uma das fontes para compreender as divisões sociais da sociedade asteca é a
obra “Historia General de las Cosas de Nueva España”, escrita pelo frei Bernadino
de Sahagún. Nela, o clérigo afirma que os membros da nobreza estavam dispen-
sados de trabalhos, além de exibirem distintivos e vestuários que indicavam a
sua posição social. Estavam inclusos nesse grupo os cobradores de impostos, os
chefes administrativos, os sacerdotes do sol e da chuva, além de algumas agre-
miações militares de elite, como os guerreiros-jaguar e guerreiros-águia.
Ficou curioso sobre Bernadino de Sahagún? Saiba que ele era pertencente à
ordem dos franciscanos, chegou à região asteca em 1529 e permaneceu na
América até falecer, no ano de 1590. Sahagún escreveu um manual no qual
pretendia descrever o universo cultural pré-hispânico na Mesoamérica, no
intuito de que os demais missionários pudessem investigar a permanência
de resquícios da antiga religião, podendo pregar contra ela, quando fosse
necessário.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Fonte: a autora.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
rias sociais, contribuindo para tornar ainda mais complexa a compreensão dos
desníveis característicos dos trabalhadores dessa natureza. Como já demons-
trado anteriormente, os mayeques se distinguiam dos demais camponeses por
não possuírem terras e, para sobreviver, deveriam trabalhar nas propriedades
dos burocratas astecas. Em Tenochtitlán, havia ainda os trabalhadores urbanos
vinculados quase sempre a trabalhos artesanais, como tecelões, oleiros e ourives.
Como se tratava de uma função exercida no interior da cidade, esses trabalha-
dores estavam, geralmente, desvinculados de suas comunidades de origem e se
organizavam em corporações. Na configuração social asteca, os escravos (tla-
coili) eram utilizados como servos de altos funcionários e eram tratados como
criados, não sendo incumbida a missão de lavorar nas propriedades agrícolas.
Uma sociedade multifacetada e uma hierarquia rígida. Essas eram as característi-
cas sociais dos astecas às vésperas da conquista hispânica. A presença espanhola
não apenas causou forte impacto na estrutura social dos mesoamericanos como
aproveitou essa estrutura para estabelecer as bases do processo colonizador, um
assunto que trataremos adiante.
No âmbito religioso, os astecas adoravam vários deuses oriundos de tradições
mesoamericanas ancestrais, veneravam as forças naturais e dos astros, além de
praticarem cultos familiares. Acreditavam que a origem do universo se baseava
em um casal proveniente de uma força sobrenatural, sendo ambos os respon-
sáveis pela criação de todos os seres vivos e inclusive dos deuses! Esses, por sua
vez, teriam realizado uma de suas mais importantes atitudes ao terem criado o
sol, o qual, conforme reza a lenda, foi formado por uma casualidade dos deuses.
Nanauatzin, um deles, teria se lançado em uma fogueira durante uma reunião
história andina.
O representante supremo e também responsável pelo governo do impé-
rio era o Inca. De acordo com a tradição, o Inca era o governante máximo das
quatro regiões do império, denominadas suyos, além de ser considerado o filho
do sol. Normalmente, as alianças políticas eram construídas por meio do casa-
mento de soberanos Incas com filhas de confederações vizinhas (FAVRE, 1987).
Apesar disso, a sucessão do poder entre os incas não estava bem determinada.
Por isso, eram comuns as disputas entre os supostos herdeiros dos tronos (filhos,
irmãos, sobrinhos etc).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
O império inca (Tahuantinsuyo) estava subdividido em quatro regiões, quais
sejam: Chinchaysuyo (terra do norte), Antisuyo (terra do leste), Contisuyo (terra
do oeste), Collasuyu (terra do sol), como podemos observar no mapa a seguir:
Fonte: a autora.
ou seja, a representação de uma unidade local mínima que nos permite falar
em sedentarização do povo incaico. Tal organização foi de suma importância
no momento da conquista espanhola. A distribuição de vários ayllus e a forma
como estavam dispostos em aldeias locais em um imenso império facilitou a
manutenção da integridade territorial mesmo após a conquista. Os hispânicos
fizeram uso da estrutura do ayllu por este manter a unidade e se apropriaram
de sua composição para implantar os dispositivos que permitiram a concentra-
ção da influência e presença europeia.
As diferenças sociais do império podem ser mais bem compreendidas por
meio da obra “Comentarios Reales acerca de los Incas”, escrita pelo cronista
Garcilaso de la Vega e publicada em 1609. As funções próximas ao Inca, como
os burocratas, sacerdotes e guerreiros especiais, eram sustentadas pelo sobretra-
balho aldeão e formavam o topo da hierarquia. Durante o século XV, os Kuracas
(governantes dos ayllus) tiveram um reconhecimento diferenciado dos demais
aldeões e foram realocados para o grupo dos dirigentes do império (kapa). A
partir desse momento, foi atribuída aos Kuracas a função de administradores do
Inca na esfera local e regional. Semelhante aos astecas, essa camada social não
estava baseada na propriedade privada. Suas benesses, enquanto uma categoria
prestigiada socialmente, eram oriundas da coerção militar que intermediava: o
império concedia proteção aos aldeões e, em troca, realizava a redistribuição de
excedentes agrícolas em momentos de escassez de alimentos.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A sustentação social do império era formada pelos ayllus. Considerada a orga-
nização comunitária aldeã nos Andes, os ayllus eram formados por meio da
distribuição periódica de terras entre as famílias. Essa repartição era organizada
pelo kuraca, o qual concedia áreas para o plantio de culturas de subsistência, bem
como terras para o uso comum. Na produção, destacavam-se principalmente
o milho e a batata, dentre outras variedades de tubérculos. Mesmo utilizando
técnicas rudimentares no trato com a terra e com a presença de terrenos mon-
tanhosos que dificultavam ainda mais a prática agrícola, os incas desenvolveram
habilidades para o cultivo de produtos agrícolas em terrenos extremamente incli-
nados. Uma dessas práticas foi a implantação de canais de irrigação, construídos
por meio da colaboração aldeã.
No pastoreio, os incas se destacaram na criação da lhama, importante meio
de transporte, além de abastecer a população andina com sua carne, couro e lã.
Os camponeses trabalhavam nas terras que lhe foram distribuídas e, além disso,
deveriam fornecer sua mão-de-obra ao Estado, seja prestando serviços nas ter-
ras pertencentes aos chefes reais ou aos Incas bem como contribuindo com a
construção de obras de uso coletivo. A essa oferta de serviços periódicos dava-
-se o nome de mita. Conforme ressaltou Ciro F. Cardoso (1981), a vida agrícola
dos incas estava fundamentada na ajuda mútua, não havendo outras formas de
pagamentos de impostos in natura além do trabalho. O kuraka concentrava mais
riqueza do que qualquer outro integrante do ayllu por meio desses trabalhos for-
çados (mita). Em períodos de apuros, ele deveria fazer uma repartição de seus
bens. No entanto essa redistribuição era limitada, fator que confirmava a exis-
tência de um fosso social entre os homens comuns daqueles poderosos ou que
ocupavam uma posição de destaque.
Em consonância com Vainfas (1984), apesar de sua divisão em quatro grandes
províncias (Chinchaysuyo, Antisuyo, Contisuyo, Collasuyu), os incas consolidaram
um império integrado e coerente, características as quais os astecas não conse-
guiram atingir. Construíram um sistema de estradas que unia todo o território
(VAINFAS, 1984, p. 28-32). Havia o fornecimento de alguns serviços públicos,
como correios, depósitos de alimentos e armas. Implantaram um sistema de con-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
tabilidade registrado pelos quipos (cálculos com nós, feitos em cordas), por meio
do qual controlavam o pagamento de tributos e a população de cada aldeia. No
âmbito governamental, contavam com a chefia do Inca, filho do Sol e símbolo
máximo da burocracia imperial, mas essa era dependente da burocracia local,
representada pelos Kurakas regionais ou das aldeias (CARDOSO, 1981).
É importante enfatizar que os incas não se limitaram a cobrar o sobretrabalho
aldeão. Investiram no aplainamento de terrenos inclinados, típicos das regiões
montanhosas, contribuindo para a ampliação da área cultivável bem como para a
divulgação de certos produtos alimentícios em áreas onde eram pouco conheci-
dos, a exemplo do milho nas regiões mais altas e da batata na costa peruana. Esse
sistema agrícola funcionava por meio da mitmaq, ou seja, da mudança de aldeias
inteiras de uma região para a outra, muito embora alguns autores defendessem
que essa transmigração ocorria como punição para as comunidades aldeãs que
resistissem ao poder do Inca (VAINFAS, 1984, p. 30).
Ao que parece, na região andina, o objetivo era que cada ayllu tivesse um
conjunto de terras distribuídas em diversos microclimas. Em algumas áreas dos
Andes, as variações de altitudes possibilitavam a existência de áreas diferentes,
mas próximas umas das outras, cada qual com um clima propício para o cultivo
de determinados alimentos necessários para a subsistência da civilização incaica.
Como nos diz Schwartz e Lockhart (2010, p. 70), um grupo se fixava em terras
baixas, próximas ao Pacífico, “para plantar algodão, terras de altitude mediana
para o milho, terras ainda mais altas para batatas e produtos semelhantes, planal-
tos desolados para criar lhamas e alpacas e a terra úmida de encosta dos Andes
para plantar coca”. Tal sistema de integração configurou-se no que John V. Murra
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
cracia incaica (Kuraka, Inca etc) e camponeses aldeãos, além de artesãos. Entre
esses grupos, estavam, por exemplo, os yanacona, reduzidos a “servos hereditá-
rios” da nobreza inca e, ainda, as “virgens do Sol” (aclla) formadas por tecelagens
ligadas aos nobres e ao Inca. Não obstante, a essência da estrutura da civilização
incaica continuava fundamentada nos tributos firmados entre o Estado e os ayllus,
baseada no uso coletivo da terra e no aproveitamento de seus recursos naturais.
As regiões dominadas pelos incas tiveram de deixar de cultuar deuses locais
para render culto ao Sol (Inti), considerado o deus soberano. Enquanto os aste-
cas buscavam expandir o poder de atuação de Teotihuacán e se consideravam
legítimos herdeiros dele e, consequentemente, das áreas dominadas, os incas,
de modo distinto, eram vistos pelos povos subordinados como organizadores
do caos mundano. No testemunho de Garcilaso de la Vega, há indícios dessa
“missão” supostamente designada aos incas: “Nosso pai, Inti, ordena-nos que
fiquemos neste vale e aqui nos estabeleçamos e reinemos”. Nesse trecho, o cro-
nista transmite as palavras de Manco Capac, o primeiro inca, simbolizando a
tarefa do chefe Inca, filho do Sol, em levar a civilização para áreas distantes de
seus domínios. Como relata Vainfas (1984, p. 31), alguns estudiosos acreditam
que Viracocha seria a divindade incaica de maior projeção e lhe concediam a
função de criar os elementos da natureza, como a terra, o céu e, inclusive, o Sol.
“Pues soy indio, que en esta historia yo escriba como indio con las mismas
letras que aquellas tales dicciones se deben escribir.”
Fonte: Vega (1609, p. 17).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Mapa 03: Localização aproximada das altas civilizações pré-colombianas da América Hispânica
Fonte: a autora.
A unidade entre os maias nem sempre foi a sua característica principal. Eles, por
exemplo, não estavam unidos por um único idioma, tanto que os atuais remanes-
centes dos maias são identificados por falarem seis dialetos principais, os quais,
às vezes, são similares entre si, mas, em muitos casos, apresentam variações sig-
nificativas. Entre os seus registros, merecem destaque as inscrições estampadas
nas paredes de templos e palácios. Boa parte de tais textos já foi decifrada e des-
tacam, geralmente, a história das dinastias maias, as guerras e incursões contra
as cidades rivais, bem como o sacrifício de inimigos como forma de agradeci-
mento aos deuses.
As cidades maias eram consideravelmente grandes para a época, com algu-
mas abrigando até 50 mil habitantes. Mesmo sendo consideradas independentes,
algumas delas lideravam federações que tinham poder sobre vastos territórios.
Dentre as cidades de maior destaque, estavam Palenque, Tikal e Copán. Apesar
disso, havia diferenças sociais: os mais abastados residiam em palácios e tem-
plos construídos com pedras, enquanto os menos favorecidos moravam em
cabanas de madeira.
A base da economia maia era a agricultura, principalmente o milho, que era
considerado um alimento sagrado. Na prática agrícola, utilizavam instrumentos
esse povo acreditava que a maior parte dos deuses estava representada por ele-
mentos naturais, a exemplo do vento, da chuva ou do sol. Apesar disso, rendiam
culto a Hunab, considerado o deus criador do mundo.
De forma geral, os maias se destacaram ao desenvolverem avanços signi-
ficativos em cálculos matemáticos e observações astronômicas. Já sabiam, por
exemplo, o conceito do número zero, compreendido pelos europeus apenas
mais tarde. Além disso, organizaram o tempo por meio de um calendário com-
posto por 260 dias, orquestrados segundo os complexos movimentos de astros.
Na arquitetura, construíram obras monumentais e elaboradas, a exemplo de
cerca de 600 pirâmides edificadas na cidade de Teotihuacán. Em Tikal, outra
cidade maia, foi erigido um templo de mais de 70 metros, considerado o maior
da América pré-colombiana.
Mediante o que foi analisado até aqui, você deve ter notado que astecas e
incas protagonizaram as cenas dos mais significativos e sólidos impérios pré-co-
lombianos. Em ambos, a centralização político-administrativa é surpreendente.
Entretanto, entre os astecas, havia uma maior autonomia das cidades pertencen-
tes à confederação, fator que impossibilitou a unificação total da Mesoamérica. A
preocupação principal residia em cobrar tributos em gêneros das cidades, além
de fomentar o comércio a longas distâncias, fatores que deram certo prestígio à
propriedade privada e atenderam aos anseios dos grupos dirigentes. Muito pro-
vavelmente as exigências em relação ao trabalho foram menos intensas do que
no caso inca, o que facilitou a relativa liberdade das cidades que formavam a con-
federação asteca. De modo distinto, o império inca vivenciou a intensa presença
governamental a partir de Cusco. Essa característica facilitou ao poder central
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
trais entre as duas civilizações. Na Mesoamérica, havia a lenda de Quetzalcóatl,
enquanto que, nos Andes, reinava a figura mitológica de Viracocha. Em ambos,
havia a relação profunda do homem em sintonia com a natureza, algo distante
da pregação corpo/alma implantada pelo cristianismo no período da conquista.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
cerâmica e o tecido de algodão. Os navarros, assim como os pueblos, se fixaram
nas regiões desérticas do Texas e da Califórnia. Praticavam a caça e a agricul-
tura, além de confeccionarem vestimentas de couro e tecido de lã. Os navarros
construíam suas cabanas com barro e, no âmbito religioso, comungavam do ani-
mismo e do politeísmo.
Em consonância com Betty J. Maggers (1985), havia pelo menos três mode-
los diferentes de habitat na América Saxônica, quais sejam: a floresta, o deserto
e as grandes planícies. Apesar da distinção da oferta de recursos para a sobre-
vivência nesses ambientes, é imperativo reconhecer que em todos eles existe
uma multiplicidade notável de alimentos, compostos por animais selvagens e
plantas, além de proporcionar condições para o desenvolvimento da agricultura
intensiva. Segundo Meggers (1985), nos três tipos de habitats existem pressões
adaptativas que convergem no surgimento de configurações culturais, nas quais
o desenvolvimento histórico e atributos gerais são especialmente similares. A
exploração da potencialidade de cada um dos tipos ambientais está relacionada
aos vínculos estabelecidos com as áreas centrais, locais de onde vieram plantas
que se adaptaram aos mais diversos climas. Também são provenientes dessas
regiões algumas práticas e fundamentos religiosos bem como os mais diversos
traços culturais adotados.
As regiões de floresta na América Saxônica, localizadas no leste dos Estados
Unidos e Canadá, abrigavam dois dos principais sistemas fluviais do hemisfério.
Em tais zonas florestais, era comum a ocorrência de enchentes, as quais alagavam
as terras mais baixas. Quando a inundação recuava, deixava para trás lagos rasos,
algo que facilitou o encalhamento de peixes e a formação de pântanos. Havia a
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Sobre o tipo ambiental das Grandes Planícies, o pouco que se sabe é que,
neste período, o padrão de vida foi nômade, dada a existência de grupos caçado-
res e coletores. Com a introdução da cerâmica nas florestas do leste, aumentou
consideravelmente a quantidade de registros, fator que permitiu detalhar as for-
mas como esses grupos viviam. Dessa forma, os pesquisadores concluíram que a
caça e a pesca enriqueceram a alimentação desses povos, aliados à coleta de raí-
zes, sementes, amoras e frutos silvestres. Por volta de mil anos atrás, houve uma
mudança significativa, o que provavelmente resultou na formação da cultura mis-
sissipiana. Aldeias compostas por cabanas de terra multiplicaram-se, indicando
traços de uma comunidade mais sedentária, alicerçada no cultivo de feijão, milho
e abóbora em vales próximos. A concentração populacional em áreas específicas
ficou mais evidente há 15 mil anos atrás, quando algumas aldeias visivelmente
maiores cresceram, enquanto as aldeias menores desapareceram. Muito prova-
velmente, a intensificação da agricultura foi fator pujante para esse fenômeno.
Antes de conhecerem o cavalo, as caças eram realizadas em regiões circunvizi-
nhas e limitadas. Por esse motivo, os acampamentos eram mudados com certa
frequência, no intuito de manter o acesso à caça.
Anteriormente a vinda dos colonizadores, as caças eram realizadas com
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
em um conhecimento de causa.
Na realidade, os seres humanos sempre dependeram, em maior ou menor
grau, das organizações para a sua sobrevivência. Conforme analisamos ao longo
dessa unidade, as estruturas dos povos pré-colombianos variavam de acordo
com o tempo e espaço, adquirindo um nível de complexidade maior em algu-
mas regiões da América Hispânica. Nas demais regiões (América Portuguesa e
Saxônica), a convivência de diversos grupos nativos, cada qual com seus hábi-
tos, cultura e liderança, revelou um caráter descentralizado e, de certa forma,
independente de relações hierárquicas.
Evidentemente, os grupos humanos que compunham a América pré-colom-
biana eram múltiplos e cada qual possuía características próprias. De forma geral,
podemos dizer que, durante o processo de conquista e colonização, os europeus
concentraram suas ações de forma desproporcional e em áreas cuja população
nativa estava praticamente sedentarizada. Os povos semissedentários desperta-
ram um interesse secundário, sendo que a tentativa de negociação com grupos
móveis foi realizada apenas em últimos casos. Por isso, as terras ocupadas por
povos sedentários, em razão de toda a sua estrutura complexa e organizacional,
se constituíram em um terreno fértil para o crescimento da sociedade americana
no século XVI, momento de conquista e colonização dessas áreas.
Material Complementar
Professora Dra. Verônica Karina Ipólito
II
O PERÍODO COLONIAL NA
UNIDADE
AMÉRICA HISPÂNICA E
SAXÔNICA
Objetivos de Aprendizagem
■■ Compreender as relações e conflitos culturais entre Espanha e
América durante o Período Colonial.
■■ Conhecer a forma de organização econômica, política e social
durante o período de colonização da América Hispânica.
■■ Analisar a configuração da economia, do governo e da sociedade
durante a colonização da América Saxônica.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ O conflito de culturas entre Espanha e América durante o Período
Colonial
■■ A colonização da América Hispânica: economia, governo e sociedade
■■ A colonização da América Inglesa: economia, governo e sociedade
51
INTRODUÇÃO
Introdução
52 UNIDADE II
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
©Wikimedia Commons
materiais, como deixou claro Hernán Cortés, conquistador dos astecas, quando
canonizou sua ambição revelada na frase: “nós, espanhóis, sofremos de uma
doença do coração cujo remédio específico consiste no ouro”. Diante dessa mul-
tiplicidade de fatores que motivaram o estabelecimento de espanhóis no Novo
Mundo, podemos afirmar que a conquista não foi um hiato antes da coloniza-
ção, mas parte integrante e vital dela. Conquista e colonização foram processos
simultâneos e dependentes entre si. Nesse sentido, Elliot (1998) afirma que os
sentidos da conquista e colonização espanhola priorizavam a ocupação, explo-
ração da terra, concediam poder e riqueza (ouro, pilhagem de objetos fáceis de
transportar...), além de ser um prato cheio para as possibilidades de elevação
social, como o desejo de conquistar honras (títulos de fidalguia, nobreza...) e de
“valer más” em uma sociedade fortemente ligada a uma hierarquia de posições
e atenta a ideia de reputação. Tais anseios eram rapidamente conquistados com
a espada, já que toda a honraria e valor se originavam de atos e serviços ao rei.
No entanto os sentidos de conquistar e colonizar se incluem em um con-
texto muito mais amplo e complexo, que remonta ao processo de Reconquista
da Península Ibérica empreendida pelos cristãos contra os muçulmanos durante
os séculos VIII ao XV. Foi nesse último século, marcado por importantes avan-
ços dos espanhóis na expansão ultramarina, que houve a consolidação do que
Elliot (1998, p. 135) chamou de “Estado feudal renovado”, figurado na união entre
Isabel de Castela e Fernando de Aragão, em 1469. Essa junção entre reinos repre-
sentou não somente o esboço de formação do estado espanhol como fomentou
as expedições de exploração marítima em uma época em que acumular ouro e
prata consistia em um dos principais objetivos dos estadistas. Em consonância
com Elliot (1998), no caso específico da Espanha, essa questão vai ainda mais
além quando consideramos que a Reconquista dos Reinos Cristãos para o sul foi
uma guerra que ampliou os limites da fé e eliminou, durante séculos, a fronteira
que dividia o cristianismo do Islã. É isso que justifica, em parte, a caracterização
da Espanha como uma sociedade agressiva, sequiosa em expandir os limites de
sua influência. Nesses moldes, à medida que a expansão interna se consolidou,
as forças dinâmicas da sociedade ibérica medieval começaram a buscar novas
fronteiras no além-mar, dentre as quais figuraria a América.
Perry Anderson (1985) também considera que o absolutismo espanhol, às
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
vésperas da conquista e colonização da América, teve sua origem na união de
Castela e Aragão, efetivada pelo casamento de Isabel I e Fernando II. O Estado
tomou para si o controle dos benefícios eclesiásticos, separando o aparelho local
da Igreja da competência do papado. O suprimento de imensas quantidades de
prata das Américas tornou-se um importante meio para o enriquecimento do
Estado espanhol em ambos os sentidos do termo, pois provia o absolutismo his-
pânico com um rendimento extraordinário e abundante que se situava totalmente
fora do âmbito convencional das receitas estatais na Europa.
Ao tratar especificamente da concentração de poder espanhol entre os sécu-
los XIV e XV, Perry Anderson afirma que a monarquia hispânica tornou-se
poderosa principalmente com a apropriação de metais preciosos retirados das
colônias conquistadas. A pilhagem das Américas foi, para o autor, um dos atos
mais espetaculares de acumulação de capital primitivo durante a Renascença.
Assim, para Perry Anderson (1985), o absolutismo espanhol buscou forças tanto
no legado interno do engrandecimento com a aquisição de territórios e influ-
ências pela dinastia dos Habsburgos1 – que acarretou um artefato supremo dos
mecanismos feudais para a expansão política – como no saque ultramarino de
capital extrativo.
Fonte: a autora.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
ísmo social pautado nas honrarias e no enriquecimento fácil, não dispensando
uma leitura irônica do contexto espanhol dos séculos anteriores e apontando
diversos comportamentos, figuras representativas e relatos históricos, como a
guerra da Reconquista.
Na obra supracitada, o personagem Dom Quixote era um fidalgo, filho de
pais ricos. No entanto, durante sua vida, perdeu toda a riqueza, pagando dívidas
e comprando livros. Por isso, mergulha na literatura em busca da solução dessa
dificuldade. Além de perder sua riqueza, Dom Quixote começa a agir como um
cavaleiro em busca de uma mudança, uma nova vida. Ele já tinha uma idade
relativamente avançada e vivia muito só. Por isso, deixa-se levar pela imagina-
ção e passa a viver em um mundo ilusório. Todas essas atribulações vivenciadas
pelo personagem mostram que ele próprio é um retrato da época representado,
muitas vezes, pela nobreza decadente que vê na expansão ultramarina possibilida-
des de enriquecimento fácil e sonha em encontrar um “eldorado” por influência
das frequentes leituras das novelas de cavalaria. A ilusão está presente em Dom
Quixote, pois vê o mesmo mundo que todos, mas sob uma perspectiva muito pró-
pria e marcada pela medievalidade que se imprime nos contos de cavalaria que,
de tão lidos, teriam o levado à loucura (tanto que seus livros foram queimados
pelo padre, com apoio de sua família). Tais contos retratam de forma fantasiosa
heróis épicos e míticos medievais. Assim, Dom Quixote pode ser considerado
uma sátira à novela de cavalaria. Esse gênero literário foi mais desenvolvido na
Idade Média e não existia mais na época de Cervantes, mas estaria marcado na
subconsciência da sociedade, que não permitia avanços no pensamento crítico
e “atrasava” a mentalidade espanhola. Na verdade, Quixote vive entre o delírio
Sancho Pança, fiel escudeiro de Dom Quixote, era um trabalhador honesto que,
às vezes, tentava lhe mostrar outra visão que fugisse da fantasia, contudo acaba
acreditando em Quixote, que o convenceu a ser o governador de uma ilha ima-
ginária. A mentalidade frágil, porém honesta, representada na figura de Sancho
Pança, e o desejo de ascensão social a partir de títulos de nobreza proveniente
do domínio de terras, assim como a fama trazida por isso, também são, simbo-
licamente, aspirações essenciais do inconsciente coletivo do reino. Cervantes
explora muito esses aspectos para criticar também os costumes reais.
Esses “delírios queixotescos” eram comuns na época da conquista. Colombo,
por exemplo, teve grande êxito em suas navegações pelo fato de haver encon-
trado um novo continente, mesmo que inconscientemente, pois morre sem saber
do achado, acreditando apenas que tinha conseguido um novo caminho para
as Índias. Quando chegou à região caribenha, interpretava à sua maneira todos
os costumes e línguas dos indígenas, vendo só o que desejava ver e escutando
apenas o que queria, chegava até a achar que os índios falavam certas palavras
em sua língua.
Indo para além da crítica social, Sérgio Buarque de Holanda (1995) afirma
que a América, como um todo, é produto de uma conquista do “aventureiro”,
cabendo ao “trabalhador” papel muito limitado, “quase nulo”. Em se tratando
da diferença da colonização portuguesa na América espanhola, o autor escreve
o capítulo “O semeador e o ladrilhador”. Nessa parte do ensaio, Holanda critica
o desleixo dos portugueses para com a colônia, pois estes, tal como um seme-
ador, realizavam suas tarefas sem uma organização necessária. Somente após
encontrarem ouro no Brasil é que decidiram efetivar a colonização e explorar
ao máximo as matérias-primas e mão-de-obra, o que acabou gerando diversas
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
revoltas por exploração, seja por poder e/ou por reconhecimento social. Ainda
assim, segundo Holanda, as construções das vilas e cidades não seguem um
projeto colonizador, sendo formadas de acordo com a conveniência e, despro-
vidas de planejamento, seguem o curso dos rios e das minas. Mesmo com essa
maior presença do Estado, os colonizadores buscavam lucros imediatos sem
uma maior organização.
Como você deve ter notado até aqui, Holanda (1995) defende a tese de que
o processo de conquista e colonização na América orquestrada pela Espanha
foi mais organizado se comparado com Portugal. Tal como “ladrilhadores”,
os espanhóis costuraram a conquista e a colonização apoiando-se nas cidades
como centro administrativo sistemático. No Novo Mundo, os espanhóis tiveram
como meta transplantar e consolidar as estruturas que compunham a organi-
zação social na Espanha para a América, desenvolvendo uma espécie de “nova
Espanha”. Organizaram-se em cidades, construíram universidades e o ensino
era basicamente cristão.
Holanda (1995) argumenta ainda sobre a diferença da postura colonizadora
dos países ibéricos na América. O autor cita que os espanhóis adotaram um
método mais severo, possivelmente pelo fato de encontrarem rapidamente muita
prata e terem que organizar um sistema de controle mais rigoroso na extração.
Depararam-se também com sociedades portadoras de estruturas mais comple-
xas, que exigiram um maior controle e “mão forte” da Igreja com a Inquisição.
Já os portugueses eram conservadores e prezavam pelo desleixo, pelo ócio, não
pelo trabalho. Eram desprovidos de planejamento e não arquitetavam o futuro.
Holanda faz essa distinção tratando com certo desprezo a colonização lusitana,
pois, segundo ele, o que a sociedade brasileira tem de malefícios é devido às raí-
zes portuguesas perpetradas no país.
Em relação às altas culturas e o processo de conquista, podemos dizer que
as regiões do México e do Peru eram estratégicas, pois eram formadas por povos
centrais e completamente sedentários. Além do mais, essas áreas também abri-
gavam grandes depósitos de metais preciosos, mercadoria americana que tinha
maior demanda na Europa da época. Dessa forma, essas duas regiões receberam
a maior parte da imigração europeia do século XVI, seguidas da criação rápida
de redes sociais, econômicas e institucionais de estilo europeu, enquanto a imi-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
gração, para todas as outras áreas, era pequena e a mudança mais lenta até um
período posterior. Por isso, para Schwartz e Lockhart (2002, p. 155), os espanhóis
foram “os primeiros a levar a América a sério e, por isso, foram eles que ocupa-
ram o México e o Peru e que construíram estruturas complexas e de grande escala
que atingiram a maturidade precoce bem antes do final do século XVI”. Nesse
sentido, os autores concordam com Sérgio Buarque de Holanda, para quem os
espanhóis teriam instalado toda uma estrutura colonial eficaz e produtiva. No
entanto Schwartz e Lockhart (2002) vão ainda mais longe ao destacar que os
espanhóis se empenharam no processo de conquista e colonização em lugares
onde havia índios sedentários e riqueza mineral; todo o resto de seu território
permaneceu abandonado, ainda mais que a América portuguesa.
Em consonância com Schwartz e Lockhart (2002), por mais que a conquista
fosse um episódio espetacular, ela também contou com alguns componentes
importantes, como o estímulo ao capitalismo comercial e de colonização per-
manente. Os grupos de conquistadores transmitiram os costumes de sua área de
base para a nova área, onde se tornaram encomenderos mais antigos e podero-
sos, tendo o poder de impor sua vontade aos recém-chegados da Espanha. Ações
como a fundação de grandes cidades e a instalação de jurisdições foram reali-
zadas pelos conquistadores no curso normal de suas atividades. Por isso, para
Schwartz e Lockhart (2002, p. 156), “a conquista não foi um hiato antes da colo-
nização, mas parte integrante e vital da colonização”, pois, ao mesmo tempo em
que se descobriam e dominavam novos povos e terras, estabelecia-se toda uma
estrutura colonial, baseada no reconhecimento da soberania espanhola.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Gruzinski (2003) (ver a indicação de livros ao final desta unidade), para quem,
a conquista não deve ser vista como uma luta entre “perdedores” e “vencedo-
res”, mas como um processo de “trocas culturais”, em que houve contribuição e
participação tanto de indígenas quanto de espanhóis.
©Wikimedia Commons
o autor, esquece-se muito
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Figura 04: O encontro entre Cortés e Montezuma (Artista Desconhecido − século XVIII)
Além do mais, Romano (1973) pondera que a falência da religião indígena aju-
dou na disseminação do cristianismo. Alega ainda que a descrença da religião
indígena tornou-se um fato consumado e foi facilitada na medida em que, para
os nativos, a autoridade religiosa e a autoridade política estavam frequentemente
confundidas em uma mesma pessoa física, acarretando a queda do poder leigo, o
desmoronamento do poder religioso e dos valores que este representava, muito
embora o autor reconheça que a penetração da nova religião tenha ocorrido de
“maneira formal e superficial”. Muitas vezes, como apregoa ele, a religião resul-
tou em fracasso, pois, em vários casos, utilizou-se a violência na evangelização.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Portanto, na visão de Romano (1973), o que constituiu o quadro dos
elementos perturbadores da conquista foram a carga tributária, a desordem e
a injustiça. Concordando com Alonso de Zorita (pequeno colonizador fracas-
sado de fins do século XVI), esse autor diz que para uma melhor exploração
dos índios, teria sido preciso não quebrar a sua ordem: não os tirar de seu meio
natural, de seu ritmo de trabalho e de seus critérios de alimentação. Para o autor,
não podemos conceber aculturação como algo que fez parte da conquista, pois,
nesse caso, não houve um encontro, mas um choque entre dois mundos muito
diferentes. Quando as diferenças são grandes demais, ao nível da organização
política, social e econômica, no plano da “cultura material, ao nível cosmogô-
nico etc., não se dá aculturação, mas somente a predominância de uma cultura
sobre a outra” (ROMANO, 1973, p. 22). Nesse sentido, para Romano, a conquista
é na realidade um mecanismo extremamente complexo, no qual, em proporções
distintas, entraram em combinação alguns elementos (psicológicos, proféticos,
superioridade bélica, epidemias, sobrecarga de trabalho ao nativo etc).
O autor supracitado destaca também a herança negativa deixada pela con-
quista. Citando acontecimentos envolvendo brancos e índios no século XX
– quando, em 1969, três antropólogos escandinavos denunciavam inutilmente às
Nações Unidas a exterminação de índios do Peru, da Venezuela e da Colômbia
– ele quer mostrar que certas constantes que existem na América do século
XVI persistem até o momento em que ele escreve (década de 1970), inclusive
de maneira até mais enriquecida. Não se trata, segundo o autor, de identificar os
brancos como “malvados” e os índios como os “bons”. O problema para Romano
(1973) não é o da bondade ou da maldade, mas do contraste entre forças de dois
depois, a labutar praticamente sem salário, uma vez que as dívidas, em sua maio-
ria, se não em sua totalidade, jamais são contraídas em dinheiro, mas em gêneros
alimentícios. O endividamento se torna, assim, um instrumento de fixação a
terra para uma importante massa de homens. Não era permitido afastar-se de
uma zona determinada e nem mesmo prestar serviços a outro proprietário da
mesma zona enquanto o índio estivesse endividado. O endividamento acabou
por representar o caráter verdadeiro da economia imposta pelos descendentes
dos conquistadores. Em suma, para o autor, a conquista lançou premissas de
um sistema econômico do qual todos os defeitos, inconsistências e contradições
ainda são sentidas atualmente.
Em consonância com Marianne Mahn-Lot (1990, p. 11), três fatores favore-
ceram a conquista da América espanhola: 1) os “traumas biológicos” (em função
das doenças que os invasores trouxeram) e “mentais” (algumas civilizações,
como os astecas e incas, apreenderam inicialmente os “brancos” como mensa-
geiros de divindades, o que não tardou a ser desmistificado de modo violento);
2) a superioridade das armas (já que os espanhóis contavam com “espadas, lan-
ças, balestras, arcabuzes e cavalos”, e os nativos, por outro lado, não dispunham
montaria e combatiam com “flechas e frondas”); 3) as “cumplicidades indíge-
nas com o invasor”.
Indo mais além nessa questão, Héctor Bruit (1992), em seu capítulo intitu-
lado “O visível e o invisível na conquista hispânica da América”, publicado em
1992, por ocasião dos quinhentos anos da “descoberta” da América, afirma que
a conquista, no seu sentido mais amplo de dominação total, de substituição de
uma cultura por outra, de aculturação, de eliminação dos vencidos, não chegou
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
nas como obra dos conquistadores, segundo a ideia muito difundida de que só
se preocuparam em extrair o ouro e explorar os índios. Muito se deve também
a ação dos nativos, que opuseram diversas formas de resistência, como a militar
e até mesmo no boicote em relação à comunicação verbal.
Divergindo de Ruggiero Romano (1973), para Héctor Bruit (1992), o fator
mais importante não é discutir se a conquista foi positiva ou negativa, se o colo-
nialismo, em função da superioridade técnica, cultural, religiosa e política – o
que pode ser questionado – foi uma forma de integração e comunicação entre os
povos. É mais relevante, para o autor, mostrar que mesmo conquistados e colo-
nizados, os índios não perderam sua condição de agentes sociais ativos, capazes
de inibir os valores impostos pelos vencedores. Desse modo, retira-se da análise
a visão negativa projetada sob o indígena pela maior parte dos cronistas, a come-
çar por Bartolomé de Las Casas (1984). Assim, o eclesiástico espanhol Francisco
López de Gómara dizia que os índios eram preguiçosos e bêbados, visto que eles
estavam também revelando uma forma de resistência à conquista. Em contrapar-
tida, quando Las Casas (1984) afirmava que eram muito humildes e obedientes,
querendo impedir o massacre, no fundo sugere que essa postura não era mais
que um disfarce. Os índios, segundo Las Casas (1984), mentiam ao conquista-
dor para defenderem-se; para confundi-lo, simulavam obediência, ingenuidade
e passividade. Isso ilustra, de acordo com Bruit (1992), o processo invisível na
história da conquista, ou, parafraseando o autor, a “dialética do visível e do invi-
sível” praticada pelos indígenas.
Para Bruit (1992), os índios não foram tão pacíficos e obedientes, tal como
retratados por Las Casas (1984). Na verdade, a destruição e a mortandade foi
resultado, dentre outras causas, de uma relação de guerra que se desenvolveu
porque existiam combatentes de um lado e de outro. Porém, após essa fase de
confrontos, os índios praticaram o que Bruit denominou de uma “resistência
camuflada”. A primeira arma dessa resistência foi o silêncio. Desde a época do
governador Bobadilla, na Hispaniola, os índios se negavam a falar com os espa-
nhóis. A rainha Isabel ordenou ao governador que obrigasse os índios a conversar
com os espanhóis. Por seu lado, Las Casas (1984, p. 157) se mostrou partidário
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
do silêncio, alegando que “para viver, ser cristãos e de bons costumes, convi-
nha que não conversassem com os espanhóis, primeiro pelos vexames, roubos e
danos que sempre lhes fizeram (...); segundo, por suas obras más e desordeiras”.
Portanto, a conquista em seu sentido mais amplo, de dominação total, de
aculturação e de uma eliminação dos vencidos, de acordo com Bruit (1992), não
chegou a realizar-se. Mesmo derrotados, explorados, usurpados de suas terras,
os nativos tornaram, até certo ponto, o processo de colonização instável. Para o
autor, apesar da destruição e do genocídio, os índios ainda sobrevivem física e
culturalmente, e a sua presença é, de algum modo, marcante em quase todas as
sociedades do continente americano.
Partindo para as análises de documentos de época, representados inicial-
mente pelas cartas e relatos do navegador genovês Cristovão Colombo (1998),
principalmente os diários da segunda viagem (1493-1496), e pelos relatos do
chefe de expedição que dominou os astecas, Hernan Cortés (1985; 1996), escri-
tos na primeira metade do século XVI, podemos observar que ambos possuíam
um objetivo de conquista das terras do novo mundo e da difusão da fé cristã, no
entanto diferenciavam-se no modo, na escolha de prioridades e na competência
de execução de seus respectivos objetivos. Em Colombo (1998), evidencia-se o
deslumbramento diante das terras que encontrou e, desse modo, é compreen-
sível certo sentido de preservação dos lugares, como quando afirma que os reis
católicos não consentiam que naquelas terras viessem estrangeiros, salvo cató-
licos cristãos, com o objetivo de preservar a natureza e o índio, inserindo este
último, contudo, no projeto de cristianização.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Já Cortés pôde ser mais efetivo que Colombo, embora tenha se beneficiado
das descobertas anteriores. Dirigiu-se à América Espanhola determinado a sobre-
viver pela conquista e descoberta de ouro, metas ocultadas por uma suposta
evangelização daqueles povos, circunstâncias que nunca foram de seu interesse.
Nota-se que sua tentativa mais evidente de fazer prevalecer a fé cristã é questio-
nável: narrou, em sua segunda carta (de 30 de outubro de 1520), que, na visita
à grande mesquita, derrubou os ídolos astecas dos seus assentos e os fez des-
cer por escada abaixo, limpando o lugar do sangue dos sacrifícios e mandando
colocar imagens de Nossa Senhora e de outros santos (CORTÉS, 1985). Na ver-
dade, pelo relato de Bernal Dias de Castillo (1998, p. 46), conquistador e cronista
espanhol que o acompanhou durante a conquista dos astecas, Cortés apenas
insinuou a Montezuma que os deuses ali expostos eram “cosas malas que se lla-
man diablos...” e sugeriu fixar uma cruz e a imagem de Nossa Senhora em um
oratório do templo. Tais sugestões, aliás, foram logo rebatidas por Montezuma,
que afirmou que seus deuses eram bons e lhe davam saúde e boas colheitas.
Todo o episódio, a mentira relatada ao rei Carlos V (que governou a Espanha
de 1516 a 1556) é representativa da determinação de Cortés em vencer e con-
vencer a qualquer custo, pois o suposto ato de derrubar ídolos, limpar o sangue
dos sacrifícios humanos e cristianizar “bárbaros” demonstraria ao rei o quanto
era válida a sua empreitada por aquelas terras e o fato de ele ser o chefe militar
adequado para consumá-las.
Por fim, havia o convencimento pela beleza da cidade, e Cortés não deixou
de sugerir que a suntuosidade dos lugares era digna da realeza. Porém o aspecto
da beleza da cidade foi o menos considerado e não evitou a sua destruição,
embora Cortés (1985, p. 67), em alguns momentos, lamente a destruição, como
quando, na terceira carta, afirma que, para assustar os índios, “mandei pôr fogo
nas suas casas e templos, embora isto me causasse grande pesar, pois em algu-
mas dessas casas Montezuma cultivava todas as espécies de aves”. Cortés (1985)
caracteriza a capital dos astecas como uma rica cidade dominada por bárbaros.
Uma cidade com características idênticas aquelas dos idólatras muçulmanos e,
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
como estes últimos, deveria ser submetida à grandeza da Espanha e à fé cristã,
representadas na figura do rei espanhol que manifestava o seu poder mediante
o seu maior enviado, ou seja, o próprio Cortés.
A descrição apresentada por Cortés (1985) confirma, entre outras coisas, a
intenção da conquista pela desqualificação do nativo. A cultura asteca também
é vista sobre a ótica da dominação a ser praticada e, dentro desse aspecto, tor-
nou-se objeto de trama e questionamento. Um exemplo que ilustra essa questão
foi o uso da profecia que previa a volta do Deus Quetzalcóatl, um dos quatro
criadores do mundo. Cortés (1985), que foi confundido com o Deus, soube da
perspectiva criada e usou essa agitação em seu benefício. Por fim, a própria cidade
Tenochtilán foi pensada como uma forma de, mais do que legitimar, coroar o
projeto da conquista, que se efetivaria na derrubada da cidade.
A obra “Historia verdadera de la conquista de la Nueva España”, concluída
provavelmente em 1568, de Bernal Díaz Del Castillo (1998), testemunha os acon-
tecimentos e exalta a figura dos soldados de Hernan Cortés, que conquistaram o
México. Bernal Diaz Del Castillo escreveu seu livro como forma de reparar par-
cialidades publicadas na “Historia general de las Indias y conquista de México”, do
eclesiástico espanhol Francisco López de Gómara, em 1552. A obra de Gómara
enaltecia Cortés e deixava de lado os soldados que o ajudaram na empreitada.
Díaz del Castillo deu seu testemunho, desmentindo afirmações de Gómara, que
classificava de exageradas.
É importante ressaltar que tanto Cortés quanto Bernal Diaz del Castillo
(1998) – que o serviu e relatou a conquista espanhola no México liderada por
Cortés – acreditavam na predestinação para a conquista da região asteca, sem
Em contrapartida com Bernal Diaz Del Castillo (1998) e Hernan Cortés (1985),
podemos notar em Bartolomé de Las Casas (1984), um frade dominicano que
relatou em várias obras o processo de conquista, uma visão bastante diferenciada
entre índios e espanhóis. “Brevisima relación de la destruición de las Índias” foi
escrita por Las Casas, em 1542, provavelmente como reação ao fato de que nesse
mesmo ano foram publicadas as “Leis Novas”, as quais, embora determinassem
as restrições das encomiendas e a escravidão de índios, não agradaram plena-
mente o frade dominicano. Nessa obra, Las Casas (1984) descreve os espanhóis
como cruéis e ambiciosos e os índios como seres simples e sem maldades. As
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
conquistas do Novo Mundo são relatadas praticamente por um único prisma:
o da destruição. O religioso buscou, por meio disso, afastar qualquer relação
entre os indígenas dos bárbaros e escravos naturais, associando-os a exemplos
expressivos da perfeição divina. Essa crença permitiu com que Las Casas (1984)
relacionasse o novo continente ao paraíso terrestre, os indígenas aos inocentes
que habitavam as terras agradáveis e prazerosas e os espanhóis aos terríveis des-
truidores do paraíso descrito.
“Os espanhóis, esquecendo que eles eram homens, trataram essas inocen-
tes criaturas com crueldade digna de lobos, de tigres e de leões famintos.”
Fonte: Frei Bartolomeu de Las Casas, O Paraíso Destruído (1552).
Se compararmos Las Casas (1984) com Colombo (1998) notaremos que, para
ambos, o índio americano possuía uma docilidade para a fé, uma alma pura, sem
violência − nem armas conheciam, afirmou Colombo, logo que os encontrou.
No entanto, para Colombo (1998), o índio poderia ser inserido como escravo
em um projeto de exploração econômica das Índias, embora a hipótese devesse
ser aplicada apenas a supostos canibais (como os caraíbas). Essa possibilidade,
sugerida aos reis espanhóis em sua segunda viagem para a América, seria inad-
missível para Las Casas, não só pelo preceito cristão de respeito ao próximo, mas
também por julgar que a natureza do índio era outra: algo delicado, não desti-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
nado ao trabalho.
mais produzido na América Hispânica, desde meados do século XVI, foi a prata.
Os dois polos principais de extração foram o México e o Peru, regiões que se
tornaram essenciais na manutenção do sistema colonial hispano-americano.
É importante ressaltar que a economia colonial da América Hispânica não
ficou restrita à produção exportadora. Havia, internamente, a necessidade de
manutenção da população local. Nesse sentido, existiam núcleos subsidiários
ligados à produção de mantimentos e criação de gado. No caso da América
Espanhola, tal produção era facilmente encontrada em comunidades indígenas
localizadas na região andina e no México. Esses povoados se destacaram como
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
pelo poder régio a investidores mineiros. Estes, por sua vez, se localizavam em
diversos setores sociais, podendo ser o rei e funcionários do primeiro escalão
até grupos de colonos compostos por homens simples e índios. A partir de fins
do século XVI, a exploração mineradora exigiu uma tecnologia capaz de con-
centrar e aprofundar as escavações. Dentre os mecanismos que mais lograram
êxito no processo de extração da prata, está a introdução do amálgama de mer-
cúrio. Esse sistema, porém, resultou na hierarquização entre os mineradores, ou
seja, os pequenos e médios produtores de metais vendiam o minério explorado
de suas minas para os empresários de grande porte, os quais monopolizavam o
processo do amálgama.
A extração da prata era controlada de forma mais intensa pelo capital comer-
cial, isso significa que sua produção era, geralmente, direcionada para a Europa,
sobretudo Espanha e, posteriormente, drenada para outros centros financeiros
europeus. Além disso, a Coroa Hispânica cobrava, na forma de imposto, 20%
de toda a produção de prata (o quinto).
Apesar de a extração da prata ser um dos vetores da economia colonial his-
pano-americana, é importante ressaltar que não foi o único. No setor agrícola,
por exemplo, predominaram dois sistemas diferenciados: a hacienda e a comu-
nidade indígena. Apesar de coexistirem durante todo o período colonial, houve
a predominância da primeira em relação à segunda, sobretudo para manter o
abastecimento na medida em que as comunidades indígenas declinavam. A
agricultura nativa carregou o quanto pôde a dupla tarefa da economia colonial,
que exigia os mantimentos para o abastecimento interno. Sem trabalhadores, a
agricultura aldeã sucumbiu e se deslocou do mercado mantendo-se apenas para
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
diversas áreas, sobretudo em partes do Peru, Venezuela, Cuba, Colômbia, den-
tre outras regiões. De acordo com Ciro F. Cardoso (1975, p. 79), durante todo o
período em que vigorou o trabalho africano, a América Espanhola recebeu ape-
nas 1/15 dos escravos enviados para as colônias.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
ticulares e pelas Companhias de Comércio. Por isso, para Leandro Karnal, Sean
Purdy, Luiz Estevam Fernandes e Marcos Vinícius de Morais (KARNAL, 2007,
p. 35), ao contrário da América Ibérica, houve na América Inglesa “uma colo-
nização de empresa, não de Estado”.
Mas o que levou os ingleses a aceitarem abandonar sua terra de origem e se
aventurarem a ocupar regiões que mal conheciam? É importante destacar que,
nesse momento, a Inglaterra passava por crises conjunturais: por um lado, as per-
seguições políticas e religiosas e, de outro, as implicações da expropriação dos
camponeses, um processo que ficou conhecido como “cercamentos”.
Diante da intensificação das perseguições religiosas do século XVI e os
encalços políticos do século XVII, momento em que figuraram conflitos entre o
Parlamento e os reis Stuart, os ingleses viram o fato de migrarem para a América
como uma das alternativas. A prática dos cercamentos e a situação de miséria
instalada em razão desse processo apenas agravou o cenário caótico da Inglaterra
seiscentista. Tal fenômeno resultou na expulsão e confisco de terras do campe-
sinato inglês, fator que os levou a migrarem forçosamente para a América em
busca de melhores condições de vida. O processo de migração de ingleses para
o Novo Mundo serviu de combustível para fomentar a colonização na região
setentrional do continente. Quanto à organização do sistema colonial na América
Inglesa, existem divergências na literatura especializada sobre o assunto. Alguns
historiadores falam na organização de três áreas principais (as colônias do norte,
centro e sul), ao passo que outros insistem na existência de duas regiões colo-
nizadas de forma distinta (as colônias do norte e sul). Vamos aqui optar pela
segunda interpretação.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Ficou curioso para saber o que foi o comércio triangular? Saiba que esse tipo
de comércio interligava três pontos que envolviam um conjunto de interes-
ses e negociações entre África, América e Europa.
Fonte: a autora.
branca fosse muito utilizada no século XVII, é fato que o aumento da área de
tabaco exigiu um número significativo de mão de obra escrava (KARNAL, 2007,
p. 49). Como consequência, a sociedade ficou marcada por ampla desigualdade
e resistiu mais ao pensamento de independência por estar vinculada a interes-
ses externos, isso porque os latifundiários meridionais temiam que uma ruptura
com a Inglaterra significasse um corte com a sua estrutura econômica.
Era comum algumas pessoas reafirmarem a dependência das colônias do
sul com a Inglaterra, como no fato de que quase todas as roupas eram prove-
nientes de lá, mesmo o sul sendo o grande responsável por produzir linho e
algodão. Outras, por sua vez, não escondiam o espanto de que mesmo a região
sendo rica em madeira houvesse a importação de cadeiras, bancos e cômodas
(KARNAL, 2007, p. 49).
As colônias centrais estariam mais vinculadas à agricultura, com enfoque na
produção de cereais e, assim como o norte, desenvolveram pequenas proprieda-
des e manufaturas. Essas colônias surgiram posteriormente, já que, a princípio,
esse território era utilizado para separar as colônias do norte e do sul. Dentre
essas, podemos destacar a Pensilvânia, fundada pelos quackers, um grupo que
surgiu após a Reforma e que se baseava na igualdade entre homens e eram con-
trários a toda e qualquer forma de violência, sobretudo as guerras. Em função
dessa plêiade de ideias, os quackers sofreram perseguições diversas na Inglaterra
e viram na América uma forma de fugir da violência. Como um dos grupos que
surgiram após a Reforma, suas ideias estavam voltadas para a igualdade entre os
homens, se opondo a qualquer tipo de tratamento coercivo, fator que lhe rende-
ram inúmeras perseguições na Inglaterra.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Outra tentativa de inaugurar uma colônia francesa na América do Sul ocor-
reu no século XVII, quando implantaram a França Equinocial ou Equatorial, no
Maranhão, de onde foram expulsos. Foi somente nesse mesmo século, durante
o reinado de Luís XIII e de seu primeiro ministro Richelieu, que a colonização
da América pelos franceses assume um caráter mais incisivo. A ocupação do
Canadá e de algumas ilhas da América Central, a exemplo de Guadalupe, Haiti
e Martinica, sinaliza a fase decisiva da colonização francesa no Novo Mundo
(MORTON, 1989, p. 9). No Canadá, os franceses se dedicaram à prática de uma
agricultura de subsistência e ao comércio de peles, com ampla procura no mer-
cado europeu. Nas Antilhas, por sua vez, a produção açucareira tornou-se a base
da economia de exploração e gerou uma substancial acumulação de capitais,
principalmente por utilizarem a mão de obra escrava africana.
Tais conquistas, porém, não permaneceram por muito tempo nas mãos dos
franceses. A rivalidade com os ingleses aumentou de forma significativa e esse
fator conduziu os franceses a perderem Martinica, Guadalupe e o Canadá, em
função da Guerra dos Sete Anos (1756-1763), para os britânicos.
Das colônias francesas na América, restaram somente o Haiti, a Guiana
Francesa e a Luisiana (parte central da América do Norte, mas que foi vendida
aos norte-americanos no século XIX).
Você sabia que a Guerra dos Sete Anos foi uma série de conflitos interna-
cionais, ocorridos entre 1756 e 1763? Esses confrontos envolveram diversos
reinos europeus e também se estenderam para as colônias da Ásia, África e
América do Norte. O atrito que resultou nesse evento bélico foi liderado por
dois blocos: de um lado, os franceses e seus aliados (Reino da Suécia, Reino
da Saxônia, Reino da Espanha, Reino de Nápoles, Ducado de Württemberg,
Império Austríaco e Império Russo); por outro lado, liderados pela Inglater-
ra, estavam o Reino da Prússia, Reino de Portugal, Reino de Hanôner, Duca-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Pelo o que você viu até aqui, pôde notar que a colonização inglesa na América
desenvolveu-se à parte da Coroa britânica. As treze colônias gozavam de um
grau de independência considerável entre si, estando cada uma delas, também,
autônomas, em certa medida, da metrópole. Conforme salientamos, a coloni-
zação ocorreu a partir da iniciativa privada, o que explica o desenvolvimento
de um elevado grau administrativo, econômico e político, caracterizado, sobre-
tudo, pela ideia do autogoverno.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
necessário lançar um olhar crítico.
Foi possível notar que vários países americanos experimentaram, ao longo
de sua trajetória histórica, processos socioeconômicos e políticos semelhantes,
apesar das singularidades pertinentes a cada processo. A América se apresenta
dessa forma: terra de contrastes, contestações e antagonismos que se desenvol-
veram de norte a sul.
Você pôde conhecer as múltiplas versões da conquista e colonização da
América Espanhola, seja por meio da produção especializada mais recente ou
pela utilização de documentos de época. Posteriormente, trabalhamos a estru-
tura socioeconômica e política da América Hispânica, recorrendo-se, para isso,
a uma abordagem voltada para as diferentes formas de relações de trabalho
desenvolvidas entre espanhóis e nativos. Por fim, foi analisada a estrutura socio-
econômica e política da América Inglesa. Tais informações são relevantes para
compreendermos a formação socioeconômica e política atual dos países que
compreendem tais regiões.
As nações que formam, nos dias de hoje, as regiões conquistadas e coloni-
zadas pelos espanhóis e ingleses possuem uma singularidade própria, mas que
encontra raízes no passado. Tal fato nos permite compreender porque existem
diferenças culturais, sociais, econômicas e políticas tão gritantes no continente
americano. Em muitos casos, como o de algumas regiões da América Espanhola,
é possível notar que os laços de colonização não foram efetivamente apagados.
Bartolomé de las Casas e a simulação dos vencidos: ensaio sobre a conquista his-
pânica da América
(...) seria possível um comportamento tão passivo, tão destituído de caráter, tão servil,
por parte dos ameríndios, perante a invasão de seus territórios? (...)
Em outras palavras, a imagem acerca dos índios contém duas vertentes aparentemente
contraditórias, mas que se juntam numa concepção surpreendente do processo histó-
rico da conquista. Por um lado, os índios aparecem derrotados e conquistados com re-
lativa facilidade, e sua passividade lhes tira a condição de sujeitos ativos e centrais do
processo, ficando assim fundada a ideia de que o processo social do continente, já desde
o início de sua modernidade, foi feito pelas minorias. No entanto a ideia da simulação
nos apresenta uma maioria que age por vias diferentes das comuns, que resiste silencio-
samente à dominação e acaba distorcendo o processo como um todo. (...)
Dessa maneira, podemos recuperar, como formas históricas da resistência indígena à
invasão, fenômenos sociais como a embriaguez, a indolência, a mentira etc.
O que mais chama a atenção em todo esse processo da conquista americana é a atitude
dos indígenas em relação ao cristianismo. Documentos diversos atestam que os índios
simulavam ser cristãos por meio dos significados das formas, rituais e gestos da nova
religião, mas no fundo a simulação lhes permitia encobrir suas crenças idolátricas (...).
Como defensor dos índios e denunciante das atrocidades dos conquistadores, frei Bar-
tolomé de Las Casas desenvolveu a imagem da “destruição das Índias”, que era produto
da preocupação do frade com o futuro da sociedade que se organizava: a nova socie-
dade começava distorcida, prenhe de desequilíbrios e de injustiças, carente dos mais
elementares direitos.
Com exceção de Las Casas, no século XVI prevaleceu a visão otimista da conquista: acre-
ditava-se que a nova sociedade era inteiramente benéfica para os aborígenes, pois se
partia da premissa de que a civilização europeia era superior à civilização americana. O
importante era o resultado final, a propagação de valores cristãos e a organização de
uma sociedade alicerçada nesses valores.
Fonte: adaptado de BRUIT, H. H. Bartolomé de las Casas e a simulação dos vencidos:
ensaio sobre a conquista hispânica da América. Campinas, SP: Editora da Unicamp; São
Paulo: Iluminuras, 1995, p. 14-17, 55.
1. Durante o texto, você deve ter notado que existem múltiplas interpretações so-
bre a conquista da América Espanhola. Estabeleça uma comparação do olhar
da conquista feita por Hernan Cortés, Bartolomé de Las Casas e Cristóvão
Colombo.
2. Uma das principais estruturas socioeconômicas que se desenvolveram na Amé-
rica Hispânica foi a mineração, principalmente a extração da prata. A partir dessa
assertiva, descreva sobre a economia mineradora na América Espanhola.
3. A organização do sistema colonial da América inglesa estava baseada na exis-
tência de duas regiões colonizadas de forma distinta (as colônias do norte e sul).
Com base na leitura desta unidade, analise a estrutura socioeconômica de
cada uma dessas áreas.
4. A encomienda foi um dos sistemas de trabalho adotado pelos colonizadores es-
panhóis na América. De forma geral, a encomienda tinha como objetivo:
a) A divisão de cidades e vilas entre os conquistadores, os quais passaram a explo-
rar a mão de obra escrava do nativo. Normalmente, os encomendeiros exigiam
impostos em trabalhos pesados e, na maioria dos casos, tinham direito à terra
dos índios.
b) A divisão de grupos de indígenas entre os conquistadores, os quais passaram a
explorar o sobretrabalho dos nativos sem, entretanto, condicioná-los à escravi-
dão. Normalmente, os encomendeiros exigiam impostos em dinheiro e, na maio-
ria dos casos, tinham direito à terra dos índios.
c) A divisão de trabalhos entre os conquistadores, os quais deixaram os nativos li-
vres, sem submetê-los a qualquer contrato de trabalho ou servidão. Normalmen-
te, os encomendeiros trabalhavam por conta e tinham direito à terra dos índios.
d) A subtração das terras dos nativos e a sua distribuição aos colonizadores espa-
nhóis. Em relação aos nativos, os encomendeiros exigiam impostos em gêneros
ou em prestações de trabalho e tinham direito às suas terras.
e) A divisão das aldeias entre os conquistadores, os quais passaram a explorar o
sobretrabalho dos nativos sem, entretanto, condicioná-los à escravidão. Normal-
mente, os encomendeiros exigiam impostos em gêneros ou em prestações de
trabalho, mas, na maioria dos casos, não tinham direito à terra dos índios.
5. No processo de colonização da América Inglesa, a Coroa não foi responsável pela
colonização, pois esse trabalho foi articulado por particulares e pelas Compa-
nhias de Comércio. Dentre os fatores que levaram os ingleses a abandona-
rem sua terra de origem e se aventurarem a ocupar regiões do Novo Mundo
estão:
a) As perseguições políticas, religiosas e as implicações da expropriação dos cam-
poneses em um processo que ficou conhecido como “cercamentos”.
87
d) A lenda negra tinha como objetivo legitimar o poderio da Coroa espanhola entre
os nativos. Por isso, os adeptos desse pensamento eram favoráveis à implanta-
ção do trabalho forçado, bem como a cobrança de impostos, dentre eles, o “quin-
to”, tributo retirado de metais preciosos encontrados na América Espanhola.
e) A lenda negra tinha como objetivo construir aldeias para onde deveriam se re-
fugiar os nativos que sofressem com a atuação da colonização espanhola. O seu
objetivo, portanto, não era de denúncia das atrocidades acometidas em relação
aos índios, mas de efetivar, na prática, medidas que inibissem a exploração de-
corrente do processo de colonização.
MATERIAL COMPLEMENTAR
Material Complementar
Professora Dra. Verônica Karina Ipólito
III
AMÉRICA FRENTE À CRISE
UNIDADE
DO SISTEMA COLONIAL
E OS MOVIMENTOS DE
INDEPENDÊNCIA
Objetivos de Aprendizagem
■■ Compreender a crise do sistema colonial que derivou nos processos
de independência da América Espanhola.
■■ Analisar os acontecimentos que resultaram na emancipação política
da América Portuguesa.
■■ Conhecer os fatores que aceleraram a independência da América
Inglesa.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ A crise do sistema colonial espanhol e as alterações do século XVIII
■■ Os processos de emancipação política na América Espanhola
■■ A independência da América Portuguesa
■■ O processo de independência da América Inglesa
93
INTRODUÇÃO
Introdução
94 UNIDADE III
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
©Wikipédia
teve um efeito poderoso na mente dos colonos. Apesar disso, eles não eram con-
sultados sobre a política exterior espanhola, tendo que pagar na forma de taxas
os custos da guerra contra a Inglaterra. A partir de 1765, a resistência à taxação
imperial se tornou constante e, às vezes, violenta.
Politicamente, o império espanhol na América se baseava em uma balança de
poder entre grupos poderosos divididos na administração, igreja e elite local. Os
Bourbons centralizaram os mecanismos de controle e modernizaram a burocracia,
criando novos vice-reinos e outras unidades de administração (intendentes). O
que a metrópole achava que era um desenvolvimento racional, as elites coloniais
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
interpretavam como um ataque aos interesses locais. A ordenança de intenden-
tes foi um instrumento básico de reforma bourbônica, ocasionando mudanças
estruturais e uma nova legislação. Mesmo havendo essa reforma administrativa,
isso não necessariamente funcionou na América Espanhola. Os colonos acharam
essa nova política inibidora e resistiram à intervenção da metrópole.
Dessa forma, ficou explícito que a metrópole apenas se preocupava con-
sigo mesma e com o seu próprio crescimento. O papel da América permaneceu
o mesmo, consumindo exportações espanholas, produzindo minerais e alguns
produtos tropicais. Nessas condições, o comercio libre era o elo de dependência
entre a metrópole e a colônia. Todos esses fatores juntos, adicionados à profunda
crise de 1808, criaram na América uma crise de legitimidade política e poder.
Também houve a ausência do monarca espanhol durante determinado período,
o que agravou ainda mais a crise política. O progresso feito pela reforma bour-
bônica da Espanha regrediu devido a Revolução Francesa, dando às colônias
mais um motivo concreto para se tornarem independentes.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
mista liberal espanhol, por exemplo, elogiou o decreto de 1778, por dar maiores
oportunidades à agricultura e à indústria espanholas, em um mercado que jus-
tificava sua existência, mediante o consumo de produtos espanhóis, ao dizer que
“as colônias são úteis na medida em que oferecem um mercado seguro para a
produção excedente da metrópole”.
Ficou curioso para saber o que foi a fisiocracia? Saiba que os fisiocratas
afirmavam que toda a riqueza era proveniente da terra, da agricultura. São
considerados membros da primeira escola de economia científica, que sur-
giu antes até mesmo da teoria clássica de Adam Smith. Foi criada no século
XVIII, o seu idealizador foi François Quesnay, médico da corte do rei francês
Luís XV. Trata-se, portanto, de uma teoria econômica criada para fazer opo-
sição ao mercantilismo.
Fonte: a autora.
produção espanhola era essencialmente agrícola. Por isso, para Lynch, as dife-
renças entre a Espanha e suas colônias eram poucas ou praticamente nulas. Se,
em um primeiro momento, esse fator não causou insatisfações, posteriormente,
foi sendo um motivador para tensões coloniais que começam a insurgir. O novo
impulso dado ao comércio espanhol logo saturou esses mercados, de modo que
as colônias se defrontaram com um problema frequente: lucrar o suficiente para
pagar as crescentes importações. No entanto as falências no Novo Mundo se repe-
tiam: a indústria local declinou; mesmo os produtos agrícolas, como o vinho e
o conhaque, estavam sujeitos à concorrência das importações e os metais pre-
ciosos se escoaram nessa luta desigual.
Nesse sentido, segundo Lynch (2001), o comercio libre era favorável à Espanha
em todos os sentidos, em detrimento de uma América abandonada e cada vez
mais ciente da necessidade de ser independente. Essa autonomia pretendida se
via invadida pela ação espanhola contra, até mesmo, o desenvolvimento de indús-
trias na América. Existiam manufaturas já em Puebla, Quito e Querétaro, obrajes
em Cuzco e Tucumán. Todas entraram em decadência em razão das imposições
da metrópole que, não bastando, era incapaz de abastecer a América de produ-
tos industriais próprios.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Para a Espanha, era muito mais importante que a colônia se voltasse à pro-
dução agrícola e extração de minérios do que para o desenvolvimento de uma
indústria ou aperfeiçoamento do mercado. A guerra da Espanha com a Inglaterra
entre 1796 e 1802 favoreceu os têxteis americanos, já que isolou as colônias his-
pano-americanas da Espanha. O retorno das atividades dos manufatureiros
americanos se deu a partir de 1804, enfrentando a oposição dos manufaturei-
ros localizados na Espanha.
Os embates entre a Espanha e a Inglaterra demonstraram a superioridade
no comércio marítimo britânico, superando a Espanha no momento de seu
embate (a partir de 1796) no comércio com a América. O comércio da América
Espanhola com estrangeiros era impossível de ser evitado, já que a Marinha espa-
nhola encontrava-se completamente debilitada. Novos mercados se abriam para
a América espanhola no momento dos embates: Estados Unidos e outros países
neutros aproveitaram-se dessa oportunidade, reexportando até mesmo produtos
manufaturados na Inglaterra. A Paz de Amiens, em 1802, ofereceu uma opor-
tunidade de recuperação das exportações espanholas, mas 54% dos produtos
enviados à América eram de procedência estrangeira.
Para Lynch (2001), a situação se complicou ainda mais em 1804, quando
houve uma nova declaração de guerra por parte da Inglaterra contra a Espanha.
De acordo com o autor, a Grã-Bretanha estava sedenta pelo mercado ameri-
cano, principalmente após o fechamento dos portos europeus e o impedimento
da entrada de produtos britânicos ao mercado europeu por Napoleão. É nesse
ponto que, segundo Lynch (2001), o controle político espanhol entrava em crise.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Carlos III (que governou de 1759 a 1788) é o primeiro dos Bourbons a se
encarregar das políticas de modernização comercial e colonial da Espanha. O
comércio marítimo seria um essencial exportador do excedente agrícola da
Espanha (embora encontremos uma estruturação das manufaturas de Barcelona).
No governo de Carlos IV (1788-1808), a Revolução Francesa foi responsável por
gerar temor na Monarquia espanhola, ocasionando uma reação sem preceden-
tes na Espanha e, consequentemente, nas colônias americanas. A nomeação do
Primeiro-Secretário, Manuel Godoy, por Carlos IV, é um sintoma do retorno à
velha Casa dos Habsburgos: Godoy considerava a América Latina uma mera fonte
de metais preciosos e de pagamento de tributos. A prata da América Hispânica,
importante dizer, também interessava à Inglaterra, que vivia o auge da Revolução
Industrial (com exportação de 1/3 de sua produção).
A partir da receptividade dos colonos, nota-se o quanto a Espanha era frá-
gil perante à Inglaterra e seus produtos, além dos britânicos encontrarem um
campo propício para a disseminação de seus ideais de liberalismo econômico.
No período anterior às reformas bourbônicas, havia um equilíbrio de poder
na América entre a administração (que detinha o poder político, mas não o
poder militar), a Igreja (que possuía uma hegemonia econômica e jurídica)
e a elite local (formada de uma minoria de peninsulares e de uma maioria de
criollos). Porém essa organização não foi bem recebida pelos Bourbons, a quem
era comum a compra e troca de cargos. Sua política de reformas administra-
tivas pôs em xeque toda a estrutura oficial até então. O afastamento da classe
governante local fora uma das primeiras ações de Carlos III. Criaram-se Vice-
Reinados e novas ordenações administrativas, pois uma vigilância mais rigorosa
consumir). Esse fato, bem como a intervenção da metrópole, tal como veremos
na sequência, motivou a rebelião indígena de 1780, no Peru. Em 1784, no Peru,
e em 1786, no México, a Ordenação dos Intendentes põe fim aos repartimien-
tos, substituindo-se os corregidores por intendentes.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
laicas, aumento de impostos e das forças militares (BRADING, 1997).
À medida que a nova política, de cunho reformador e inspiração ilumi-
nista, ia sendo aplicada, aumentava o processo de enfrentamento com o clero,
que passava pela ruptura de privilégios e imunidades. A Coroa, interessada nos
bens da Igreja, passou a confiscar as riquezas que esta havia acumulado com as
doações dos fiéis e das autoridades. No reinado de Carlos III, os jesuítas tinham
seus privilégios suprimidos na Espanha e, em 1767, eram expulsos da América
Espanhola. Para os Bourbons, a Igreja tinha um poder que representava uma
força paralela ao governo imperial, representava um perigo iminente que a Coroa
precisava controlar (PEREIRA, 2007).
Muitos jesuítas nascidos na América e exilados na Europa tornaram-se pro-
pagandistas da América Espanhola, divagando em suas obras sobre as riquezas
de sua terra de origem. A posse de haciendas no Paraguai e diversas posses na
América conferiam aos jesuítas certa independência econômica. Suas vastas e
ricas terras, além de outras propriedades, foram vendidas (ou leiloadas) para os
grupos sociais mais ricos da colônia, como os criollos. Ainda assim, a expulsão
dos jesuítas foi vista por muitos hispano-americanos como a expulsão de com-
patriotas de seus próprios países.
Aos reformadores Bourbons não interessava uma reformulação da doutrina
Católica, mas a diminuição de seu poder econômico como fator essencial para
a sua política de centralização econômica. Esperavam pôr as mãos nos bens da
Igreja após seu enfraquecimento. Houve reações, pois muitos súditos “(...) opu-
seram-se à política da Coroa e em muitos casos receberam o apoio de leigos
devotos” (LYNCH, 2001, p. 27).
enviada ao litoral uma tropa real formada por peninsulares, índios leais, negros
e mulatos fiéis aos Bourbons. A partir de então, formou-se um Exército regu-
lar na América, barrando os criollos de promoções militares (a cargo dos fiéis
peninsulares), evitando-se rebeliões.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
meiros anos do século XIX influenciaram diretamente a situação na América
Hispânica. A ocupação do território espanhol pelas tropas de Napoleão Bonaparte
favoreceu o movimento de independência das colônias da América porque enfra-
queceu o poder da metrópole. Em 1808, Napoleão ocupou Madri, destronou o
rei espanhol Fernando VII e colocou em seu lugar o irmão José Bonaparte. Todo
esse contexto provocou reações não somente na Espanha como também em sua
colônia americana. Com a deposição de Fernando VII, os hispano-americanos
experimentaram uma nova fase política, que abriu caminhos para a construção
de novos conceitos, palavras e projetos.
Os movimentos de independência na América Espanhola se manifesta-
ram rapidamente e simultaneamente no ano de 1810, dois anos após a invasão
francesa ao território espanhol. Esses movimentos se propagaram do México
(vice-reino da Nova Espanha) a Buenos Aires (vice-reino do Rio da Prata), ape-
sar das distâncias geográficas e das anêmicas condições de comunicação. Essa
dinâmica não foi somente influenciada por acontecimentos internos e revelou
o surgimento de vários posicionamentos no interior da elite colonial que bus-
cava colocar em prática seus respectivos projetos políticos, visando administrar
o território espanhol na América.
Em fins do período colonial, a sociedade da América Hispânica contem-
plava uma divisão estamental: dos 18 milhões de habitantes em 1810, cerca de
oito milhões eram índios, um milhão de negros e cinco milhões de mestiços. Em
menor parte estavam os brancos, que contabilizavam cerca de quatro milhões
e se subdividiam em peninsulares e criollos. Ao contrário dos peninsulares, os
criollos estavam excluídos de plena participação no poder político e ocupavam
o escalão inferior no governo e na Igreja.
AMÉRICA FRENTE À CRISE DO SISTEMA COLONIAL E OS MOVIMENTOS DE INDEPENDÊNCIA
107
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A liberdade conquistada pelos haitianos foi ameaçada quando Napoleão Bonaparte
tomou o poder na França. Como consequência, o exército napoleônico invadiu
a ilha em 1802 e capturou Toussaint, o qual foi levado como prisioneiro para a
França, onde faleceu em 1803. A declaração de independência veio apenas em
1 de janeiro de 1804, sob a liderança do ex-escravo Jean-Jacques Dessalines, o
qual, após o processo de emancipação, tornou-se o primeiro chefe de Estado do
país. A França reconheceu a independência haitiana somente em 1825, mediante
o pagamento de uma alta indenização.
Os processos revolucionários que conduziram os processos de independên-
cia na América Hispânica se organizaram entre fins do século XVIII e início do
século XIX, em sua maioria influenciados pelos ideais oriundos da Revolução
Francesa e das emancipações políticas do Haiti e Estados Unidos. Geralmente, tais
processos foram comandados por setores dominantes, aborrecidos pela impos-
sibilidade de conseguirem desfrutar das regras do sistema colonial.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
para que o Haiti nutrisse índices alarmantes de pobreza e educação. De “joia
das Antilhas” durante o período colonial, o Haiti aparece hoje como o país
mais pobre da América Latina.
Fonte: a autora.
Como você já deve ter notado, nesse ponto os liberais e conservadores comunga-
vam de um mesmo objetivo: a continuidade da subordinação e dependência das
camadas mais pobres aos setores dominantes. Os grupos majoritários, compostos
pelos mais humildes, lutavam muitas vezes pela emancipação, pois acreditavam
que, por meio de sua consolidação, iriam conquistar o direito a terra e o tér-
mino do trabalho forçado. Para estes, o que importava era conseguir mudanças
substanciais em sua vida, mais do que implantar um projeto político que sepa-
rasse as colônias da metrópole.
A elite criolla, composta em sua maioria por grandes proprietários rurais,
ansiava por uma maior liberdade em relação ao comércio exterior, eliminando
a interferência das companhias de comércio metropolitanas. Entretanto, apesar
de empunharem a bandeira do liberalismo e incorporarem muitos dos ideais ilu-
ministas, ignoravam as reivindicações dos setores mais humildes.
Desde fins do século XVIII a princípios do século XIX, os criollos organiza-
vam várias manifestações contrárias ao regime colonial e, para isso, contavam
com o apoio irrestrito da Inglaterra. Interessados em ampliar o comércio com
a América para escoar as mercadorias produzidas durante a era industrial, os
britânicos não mediram esforços para incentivarem movimentos de caráter
emancipacionista.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
de Maipú. Dois anos mais tarde, San Martín se retirou do Chile para liberar o
território peruano do jugo espanhol. No Peru, conseguiu apoio popular e pro-
clamou a independência em 28 de julho de 1821.
A denominação Províncias Unidas do Rio da Prata foi utilizada até 1826, ano
em que a Argentina adotou o nome de República Argentina.
Fonte: a autora.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
pois houve um continuísmo do modelo colonial pactuado no abastecimento do
mercado externo com matérias primas provenientes dessas regiões.
Pombal administrou os domínios lusitanos até 1777, ano em que D. José I faleceu.
Mesmo com essas reformas, a economia portuguesa continuou frágil. A crise na
produção aurífera desacelerou a arrecadação das 100 arrobas anuais estipulada
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
pelo governo português. Além disso, a Coroa portuguesa decretou uma série de
medidas restritivas na colônia.
A crise se tornou ainda mais caótica em 1788, momento em que Luís Antônio
Furtado Mendonça, o Visconde de Barbacena, ocupou o cargo de governador
da capitania de Minas Gerais com a missão de ampliar a receita e aumentar o
controle da Coroa portuguesa na colônia. Competiria ao governador, ainda,
aplicar a derrama e a cobrança do quinto em atraso. Tais medidas soaram de
forma negativa entre os habitantes da capitania, gerando um clima propício para
um movimento insurgente, que ficou conhecido como Conjuração Mineira ou
Inconfidência Mineira.
Em grande parte, os conjurados eram membros da elite colonial. Entre os
rebeldes, havia mineradores, funcionários públicos, padres, fazendeiros, militares
de alta patente e advogados. Dentre os conjurados, podemos destacar os poetas
Inácio José de Alvarenga Peixoto, o jurista Claudio Manuel da Costa, os padres
José da Silva de Oliveira Rolim e Luís Vieira da Silva, o advogado José Alvares
Maciel, os contratadores João Rodrigues de Macedo e Joaquim Silvério dos Reis e
o alferes Joaquim José da Silva Xavier, popularmente conhecido como Tiradentes.
Tais revoltosos estavam influenciados pelos ideais iluministas e pretendiam
tirar a vida do governador e proclamar uma república na capitania de Minas
Gerais. No entanto Joaquim Silvério dos Reis delatou os seus companheiros em
troca do cancelamento de sua dívida com a Coroa e uma premiação por sua
lealdade. Denunciados por Silvério, os insurgentes foram presos e transferidos
para a capital da colônia (Rio de Janeiro), onde aguardaram seus julgamentos.
Com a estadia da família real no Rio de Janeiro, uma série de medidas foram
tomadas no intuito de substituir a máquina administrativa colonial por um ver-
dadeiro aparelho de Estado, uma vez que a sede da monarquia portuguesa havia
se estabelecido naquela cidade. Foi instalada, por exemplo, a Biblioteca Real,
com o material oriundo da Real Biblioteca de Lisboa, implantaram-se gráfica e
demais serviços até então inexistentes. Além disso, foi fundado o primeiro jor-
nal editado no Brasil, a Gazeta do Rio de Janeiro.
Tais transformações não resolveram os problemas da cidade carioca. A ausên-
cia de um planejamento urbano contribuía para o aumento do mau cheiro e a
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
proliferação de doenças, em razão da inexistência de um sistema de esgoto. Para
complicar ainda mais a situação, a falta de água e alimentos era recorrente, fator
que pode ser compreendido graças ao intenso aumento populacional.
A mudança da família real portuguesa para o Brasil e, consequentemente, a
transferência da sede administrativa do Império Lusitano de Lisboa para o Rio
de Janeiro trouxe insatisfações para os portugueses. Após a derrota do Exército
napoleônico pelas tropas luso-brasileiras, Portugal passou a ser administrado
por uma junta de governo britânico que prestava satisfações a D. João. A maior
parte dos portugueses não escondia o seu descontentamento, principalmente
pelo fato de eles terem sido relegados a um papel secundário no momento em
que o Brasil foi elevado, durante o Congresso de Viena (1814-1815), a categoria
de Reino Unido de Portugal e Algarves.
Diante desse clima, foi iniciado um movimento revolucionário na cidade do
Porto, por meio do qual se exigia a volta imediata do príncipe regente D. João
para a Europa e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, res-
ponsável por elaborar uma nova Constituição para Portugal e decretar o fim do
absolutismo monárquico.
Tal movimento ganhou forte apoio da sociedade lusitana a ponto de formar
um Governo Provisório disposto a convocar as Cortes para dar início à redação
da Carta Magna. Conhecido como a Revolução Liberal do Porto, essa insurrei-
ção possibilitou, de forma contraditória, a emancipação política do Brasil, isso
porque, ao dar início ao processo de redução do Brasil à categoria de colônia,
as Cortes iniciaram um projeto que pôs fim a dominação lusitana na América.
Mediante tanta pressão das Cortes e dos portugueses, D. João VI voltou para
©Wikimedia Commons
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Figura 06: Independência ou morte, de Pedro Américo (óleo sobre tela, 1888)
todavia as ações da Coroa britânica, para tentar controlar a sua possessão ameri-
cana, causaram discórdia, a exemplo do controle metropolitano sobre o comércio
colonial. Tal iniciativa foi adotada para subsidiar a Revolução Industrial inglesa,
a qual implantou um modelo de desenvolvimento capitalista cujo objetivo prin-
cipal era expandir o mercado consumidor. Diante desse cenário, as colônias
representavam um importante celeiro de venda de mercadorias manufaturadas.
Além do mencionado desgaste oriundo do controle comercial metropoli-
tano, a Guerra dos Sete Anos (1756-1763), responsável por envolver diversas
metrópoles europeias e suas colônias, também contribuiu para os processos de
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
a história como a Festa do Chá de Boston (Boston Tea Party).
Como reação, a metrópole optou por decretar as Leis Intoleráveis. Dentre
essas, destacavam-se o fechamento do Porto de Boston até o pagamento total
do chá lançado ao mar e a obrigação das autoridades de abrigarem os soldados
ingleses.
Essa plêiade de medidas fez com que as treze colônias da América Inglesa se
unissem contra o poderio colonial britânico, por mais que não compartilhassem
o mesmo modelo socioeconômico e nem defendessem o mesmo projeto político.
A primeira iniciativa dos colonos ocorreu em 1774, quando foi organizado
o Primeiro Congresso Continental da Filadélfia. Tal evento solicitou o término
das medidas que impediam o desenvolvimento das treze colônias. Nesse pri-
meiro momento, os colonos almejavam a ruptura com o Império Britânico, mas
tencionavam fazer um acordo para diminuir a exploração dos colonos ingleses.
Contrariando as visões mais otimistas, a metrópole aumentou a repressão e,
como forma de reagir a tal medida, os setores conservadores do sul, composto
geralmente de latifundiários e escravocratas, concordaram que a única saída era
apoiar a independência. Após esse ato de resistência da Coroa Britânica, ocor-
reu o Segundo Congresso Continental da Filadélfia, ocasião em que foi redigida
a Declaração de Independência. Sob a liderança de Thomas Jefferson, tal docu-
mento foi inspirado nos ideais iluministas de John Locke e foi finalizado em 4
de julho de 1776, data que simboliza historicamente a independência estaduni-
dense do jugo britânico.
“Não haverá (...) sossego na América enquanto o negro não tiver garantidos
os seus direitos de cidadão. A luta dos negros (...) ainda está longe do fim.”
Fonte: Martin Luther King, um século após o fim da escravidão (1963).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Você sabia que surgiram grupos especializados em exterminar os negros?
Saiba que o Ku Klux Klan foi uma dessas organizações. Criado em 1866, no
Tennessee (EUA), tal grupo se caracterizou por seu caráter racista e secreto.
Seus primeiros integrantes eram soldados que lutavam ao lado do Sul na
chamada Guerra Civil Americana (1861-1865), justamente o lado derrota-
do do conflito. O KKK, como ficou conhecido, empunhou uma bandeira de
resistência à política liberal, levada a cabo pelos representantes do Norte
após a Guerra Civil, a qual defendia, dentre outras coisas, o cumprimento da
abolição da escravatura. O grupo visava manter a supremacia branca no país
e, para isso, seus membros promoviam atos de violência, dentre os quais se
destacavam a perseguição e intimidação de negros libertos. A fim de atingir
esse objetivo, adotaram trajes fantasmagóricos, no intuito de esconder sua
identidade e amedrontar as vítimas.
Fonte: a autora.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerações Finais
‘Deem-me a liberdade ou deem-me a morte!’. Essa frase foi dita por um (...) americano
(...). Ela representa muito do crescente estado de espírito que as leis inglesas iam provo-
cando nas colônias.
(...) É importante lembrar que não havia na América do Norte, de forma alguma, uma
nação unificada contra a Inglaterra. Na verdade, as treze colônias não se uniram por
um sentimento nacional, mas por um sentimento antibritânico. Era o crescente ódio
à Inglaterra, não o amor aos Estados Unidos (...) que tornava forte o movimento pela
independência. Mesmo assim, esse sentimento a favor da independência não foi unâ-
nime desde o princípio. (...) O sul era mais resistente à ideia da separação. E tanto entre
as elites do norte como as do sul, outro medo era forte: O de que um movimento pela
independência acabasse virando um conflito interno incontrolável, em que negros ou
pobres interpretassem os ideais de liberdade como aplicáveis também a eles. (...)
As sociedades secretas foram uma das primeiras reações dos colonos contra as medidas
inglesas. A mais famosa delas foi Os Filhos da Liberdade, que estabeleceu uma grande
rede de comunicações, em muito facilitando a articulação entre os colonos. Os Filhos da
Liberdade também eram uma escola de política, pois seus membros liam as principais
obras políticas (...) para darem base intelectual ao movimento.
Houve também um grupo feminino intitulado Filhas da Liberdade, com o mesmo pro-
pósito. As mulheres também organizaram Ligas do Chá com o objetivo de boicotar a
importação de chá inglês. Nas grandes cidades como Nova York e Boston, mulheres en-
cabeçavam campanhas contra produtos elegantes importados da Inglaterra e incenti-
vavam produtos feitos em casa (...). Na Carolina do Norte, um grupo de mulheres chegou
a elaborar um documento chamado Proclamação Edenton, dizendo que o sexo femini-
no tinha todo o direito de participar da vida política. Mais tarde, quando a guerra entre
colônias e a Coroa britânica começou, as colonas demonstraram mais uma habilidade:
foram administradoras das fazendas e negócios enquanto os maridos lutavam.
Fonte: KARNAL, L. A formação da nação. In: KARNAL, L. et al. História dos Estados Uni-
dos: das origens ao século XXI. São Paulo: Contexto, 2008, p. 82-83.
127
Material Complementar
MATERIAL COMPLEMENTAR
Título: O Patriota
Ano: 2000
Sinopse: o filme retrata que, depois de muito sofrimento e
batalhas, os colonos recebem ajuda do exército francês impondo a
derrota aos ingleses. O conflito entre ingleses e colonos, liderados
por Benjamin Martin, ocorre dentro do contexto da guerra pela
independência das Treze Colônias, mostrando a participação da
região da Carolina do Sul na guerra de independência. O resultado
de todo esse fato histórico no qual está inserido o filme é o
surgimento dos Estados Unidos da América.
Comentário: este filme apresenta, de forma clara, um conflito
entre ingleses e os colonos que resultou no processo de
emancipação que deu origem aos Estados Unidos.
Material Complementar
Professora Dra. Verônica Karina Ipólito
IV
A FORMAÇÃO E
UNIDADE
CONSOLIDAÇÃO DOS
ESTADOS NACIONAIS
Objetivos de Aprendizagem
■■ Compreender a formação dos Estados Nacionais na América Latina
entre os anos de 1825 a 1860.
■■ Analisar a consolidação dos Estados Nacionais entre as décadas de
1860 a 1890.
■■ Conhecer os fatores que transformaram os Estados Unidos em uma
potência industrial, em fins do século XIX.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ A formação dos Estados Nacionais (1825-1860)
■■ A consolidação dos Estados Nacionais (1860-1890)
■■ Os Estados Unidos em fins do século XIX
135
INTRODUÇÃO
Introdução
136 UNIDADE IV
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
©Wikimedia Commons
Figura 07: Soldado paraguaio de sentinela durante a Guerra da Tríplice
Aliança, também chamada de Guerra do Paraguai (1864-1870)
A visão de união pintada por essa historiografia pode ser mais bem exempli-
ficada pelo escritor argentino Ricardo Rojas, o qual, em sua obra Blason de Plata
(1910), dissertou que “índios, negros, gaúchos e mulatos todos marcharam com
o criollo burguês contra a oligarquia exótica – fundidos em multidão, fundidos
em exército, fundido em povo, fundidos em nação, pelo fogo sagrado do india-
nismo” (ROJAS, 1946, p. 119). Os autores desse período consagraram a ideia de
“nação” como um dos elementos em construção no momento de confecção e
execução do projeto autonomista. Entretanto a noção de identidade embutida
no ideário emancipacionista deve ser vista de forma múltipla e diversa, muito
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Apesar de caótico, esse quadro estimulou debates a respeito de uma organiza-
ção formal no pós-independência. A princípio, defendeu-se um regime político
que pregava pela autonomia local (confederação). Tal modelo foi proposto nos
primeiros anos de pós-independência, atendendo, principalmente, às cidades e
províncias menores como forma de se defenderem do poderio das cidades maio-
res, a exemplo de Buenos Aires e Caracas. Em algumas regiões, como no Rio da
Prata, os delegados provinciais eram enviados mais como representantes de um
Estado do que propriamente como membro de uma “nação”; a “nação” em si era
um termo muito difícil de ser definido. Essa conjuntura explica a fragilidade das
tentativas de construção dos Estados nacionais sob os auspícios de um governo
central. As tentativas de organização de projetos federalistas encontravam grande
resistência provincial, pois tais planos eram associados a conspirações voltadas
para o domínio de cidades maiores.
Se o quadro era instável politicamente, o que dizer então da cultura naciona-
lista? Encontrar práticas e representações que se aproximassem do que se pode
chamar de “nacional” era uma tarefa árdua, baseada, geralmente, em histórias
compartilhadas. Por outro lado, encontrar esse elemento na trajetória histórica
de muitos desses países tornou-se uma tarefa complexa, sobretudo por parte
das elites culturais e políticas, principais interessados a desenvolver um movi-
mento dessa natureza.
Dentre os países recém-emancipados na América hispânica, podemos con-
siderar que o México tenha tido uma tarefa bem sucedida sobre esse assunto,
quando houve um resgate do passado indianista como forma de criar uma cul-
tura identitária singular, muito embora estivesse atrelada a retomada do passado
lições positivas dele para as futuras nações, opinião que contribuiu para semear
dúvidas sobre o papel das populações mestiças nos novos regimes políticos. Em
sua visão, era mais proveitoso inspirar-se no sistema republicano europeu do que
se espelhar no passado de opressão e colonização. O fosso gerado com as ten-
tativas de praticar algumas teorias importadas, muitas delas incoerentes com a
realidade social americana, dificultou ainda mais a construção de um imaginá-
rio nacionalista que se popularizasse.
O exemplo clássico da dificuldade de construir um ideário voltado para o
sentido de nação foi a Argentina. Os conflitos emancipacionistas foram mais
acirrados nessa região em virtude de disputas localizadas pela soberania, além
da população mestiça e dos índios nômades serem alijados de qualquer decisão,
prevalecendo a vontade das elites modernizadoras em primeiro plano. Alguns
autores revelam a frustração sobre a possibilidade de gaúchos e índios argentinos
construírem uma nação republicana. Dois dos mais conhecidos que comparti-
lhavam esse pensamento foram os escritores Domingo Sarmiento, cuja principal
obra foi “Facundo”, e Juan Bautista Alberdi. Ambos são considerados autores
clássicos do liberalismo platino e afirmavam, apesar de suas peculiaridades, o
homem interiorano (gaúcho), geralmente nômade, como incapaz de conviver
com regras e instituições, por ser classificado por tais escritores como indivi-
dualista e ameaçador a estabilidade de um projeto de nação. Para essa visão, o
gaúcho não tinha condições de assumir um papel representativo da nação, pois
não atendia às características idealizadas por essa perspectiva romântica de se
transformar em um típico personagem nacional.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
perspectiva acreditavam que populações transplantadas de países modernos tra-
riam energia e civilidade necessárias para a formação de uma nação saudável.
É importante ressaltar que os processos de independência tinham como
principal objetivo a libertação dos americanos e não de nações previamente cons-
tituídas. Diante dessa constatação, podemos considerar natural o processo árduo
de formação das nações com seus símbolos, práticas e representações. A propa-
gação de elementos que constituíram o imaginário social (hinos, bandeiras etc)
somente foi empregada após décadas de lutas contra a hegemonia espanhola.
Mesmo com a rápida delimitação fronteiriça, é fato que o reconhecimento
dos governos centralizados se configurou em um longo processo de aceitação, o
qual foi alcançado apenas no fim do século XIX em alguns casos. Buenos Aires,
por exemplo, somente foi definida como capital argentina em 1880. Durante anos
após as lutas emancipacionistas, muitos argentinos faziam referência ao local
onde nasceram em vez de relacionar o seu nascimento com a “nação” argentina.
Tal exemplo ilustra como a elite política nacionalista, de forma contraditória,
estruturou uma nação com base no projeto imigratório, em vez de valorizar as
particularidades da história local. Nesse cenário, o critério de nacionalidade
prevaleceu como um requisito forte na inclusão ou não de pessoas no projeto
político. Esses fatores devem ser levados em conta para melhor compreender-
mos o significado de Estado nacional após as lutas emancipacionistas.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
contou com uma disputa acirrada e conflituosa de distintas posições políticas.
Nessa área, os primeiros países a se libertarem do jugo metropolitano foram o
Paraguai e o Rio da Prata. Tal região contava com rios navegáveis e boa comuni-
cação, todavia esses rios desembocavam na Prata, onde estava localizada Buenos
Aires. Em função de sua localização, Buenos Aires controlava todo o comércio
exterior, gerando alguns conflitos.
No atual Paraguai, por exemplo, José Gaspar Rodriguez de Francia foi desig-
nado Ditador Perpétuo em 1814, optando pelo isolamento, implantação de uma
economia de subsistência e por uma política exterior direcionada apenas para
entrada e saída de estrangeiros.
Francia se dizia liberal, mas aplicava como método de governo o Catecismo
Pátrio. Nesse sistema, Francia aparecia como ditador, justificando seu poder
absoluto, pois acreditava que os paraguaios ainda não estavam prontos para um
governo participativo.
Em consequência, a economia estava sob controle quase exclusivo do Estado:
monopólio com propriedade de terra e dos escravos, quase inexistência de
comércio exterior, predominância do comércio regional de venda de erva-mate
e maiores gastos militares.
Províncias Rio-pratenses, próximas aos rios Paraná e Uruguai, reclamavam
pela abertura do comércio exterior, mas adotavam, ao mesmo tempo, práticas
protecionistas. No entanto a existência de chefes locais (caudilhos) acabaria com
as divergências de opinião existentes entre uma região e outra, tanto que, entre
1820 e 1862, a região da atual Argentina, formada por estados paralelos, se uni-
ram a partir de 1862. No Uruguai, ao contrário, os caudilhos marcaram disputas
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
uma verdadeira união dos interesses das elites regionais. Todo esse contexto foi
palco de disputas internas, marcadas principalmente pela oposição entre os dois
grupos: conservadores centralistas versus liberais federalistas.
Em 1839, houve a desintegração, em definitivo, da Confederação Centro-
americana em vários países: El Salvador, Guatemala, Nicarágua, Costa Rica e
Honduras. Com a pulverização da América Central, a presença inglesa tornou-
-se constante, o que não foi visto com bons olhos pelos Estados Unidos.
Durante o século XIX e início do XX, imperava nos Estados Unidos duas
noções básicas: primeiro, o Destino Manifesto, voltado para a expansão territorial;
segundo, a Doutrina Monroe, pautada na defesa dos Estados latino-americanos
contra a intromissão de forças extracontinentais.
©Wikipédia
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Figura 08: Tela de John Ghast conhecida como “Progresso Americano” (American Progress)
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
dão, por exemplo. Contrariando a proposta, os colonos entraram no território
mexicano em grande número, estabeleceram suas leis e implantaram o sistema
escravista.
Em 1830, o novo presidente do México, Anastásio Bustamante, quis impor
uma política nacionalista na economia e na sociedade. Para fazer isso, Bustamante
limitou a imigração de estadunidenses. Essa medida foi tomada porque os colonos
estrangeiros predominavam e seus hábitos estavam se sobrepondo aos costumes
dos nativos mexicanos. Entretanto, já em 1831, os colonos americanos nutriam
uma consciência separatista, arquitetando estratégias para a emancipação do
Texas. Como reação à imposição dos estadunidenses, o governo mexicano decre-
tou a abolição da escravidão, em 1835. Um ano depois, os mexicanos protestaram
contra a medida do governo e proclamaram a independência. Para a manutenção
da emancipação, os colonos texanos contaram com o apoio dos Estados Unidos,
o qual anexou o território do Texas. Como ônus da incorporação do Texas pelos
Estados Unidos, o México resolveu romper as relações diplomáticas com esse país,
o que resultou em uma declaração de guerra por parte dos norte-americanos.
Em 1848, o México reconheceu a perda do Texas e sua anexação aos Estados
Unidos. Como consequência da derrota, o México foi obrigado a vender parte
do seu território (do oeste do Texas até o Pacífico) para os estadunidenses, além
de ter que aceitar a proposta americana de estabelecimento das fronteiras, resul-
tando na perda de metade de seu território.
Conforme você pôde notar, durante a primeira metade do século XIX e logo
após os processos de emancipação política, a América Latina estava formando
os seus Estados nacionais, fator que trouxe uma série de instabilidades e indefi-
nições territoriais, bem como a precariedade nas relações econômicas e políticas
com o resto do mundo. Em contraste, na segunda metade do século XIX, a esta-
bilidade se instala aos poucos, ao passo que o controle das finanças vai sendo
retomado e as administrações vão se reestabelecendo.
Como você deve ter aprendido até aqui, as guerras pelas independências se
caracterizaram por serem longas e árduas. Além disso, as consequências para os
novos Estados foram lastimáveis e marcadas por grandes prejuízos, tais como:
economia instável, endividamento e desarticulação da produção agrícola. Vários
estudiosos sobre o assunto relataram as dificuldades da América Latina durante
o período de formação de seus Estados nacionais.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Sem dúvida, uma leitura considerada indispensável sobre o assunto são os
escritos de Maria Lígia Prado (1999), nos quais estão retratadas as desilusões do
período pós-emancipação.
Na concepção dos letrados liberais, a liberdade, a justiça, o progresso
e a riqueza deveriam florescer na América. Entretanto, a guerra nas
colônias espanholas foi longa e cruel, e o sofrimento e empobrecimento
visíveis. Assistia-se ao espetáculo da ruína econômica e da devastação
geral. Muitas das riquezas produzidas tinham sido destruídas: planta-
ções, criação de gado, minas. Os tesouros públicos encontravam-se es-
gotados, os líderes políticos disputavam o poder, divididos em facções.
De repente, tudo parecia ter sido em vão, especialmente para aqueles
que haviam se empenhado tanto nas lutas (PRADO, 1999, p. 68-69).
Ficou curioso para saber o que foi o voto de cabresto? Saiba que essa mo-
dalidade de voto recebeu esse nome por se tratar de um sistema no qual há
forte controle de poder político, seja por meio da compra de votos, do abu-
so de autoridade ou utilização do poder público para favorecimento pessoal
ou de simpatizantes.
Fonte: a autora.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
início do século XX. A região do Rio da Prata é um exemplo de conflitos dessa
natureza. Em 1825, os portenhos entraram em confronto com o Império bra-
sileiro disputando o controle sobre o Uruguai (mais conhecido como Província
Cisplatina ou Banda Oriental), em um episódio conhecido como Guerra Cisplatina
(1825-1828), o qual resultou na independência do Uruguai do poder imperial
brasileiro, em 1827.
Entre os anos de 1851 e 1852, novamente portenhos e brasileiros lutaram pelo
domínio na região. O fim do confronto coroou na vitória brasileira, a qual acabou
com os planos do caudilho Juan Manoel de Rosas de unir os países da área, com
o objetivo de reintegrar o antigo Vice-Reinado sob o controle de Buenos Aires.
Anos mais tarde, entre 1865-1870, ocorreu a Guerra da Tríplice Aliança,
na qual estiveram envolvidos três países (Brasil, Argentina e Uruguai) contra
o Paraguai. Tal acontecimento marcou para a história a Guerra do Paraguai,
responsável por aniquilar a população paraguaia e arrasar a economia do país,
destinando-o ao subdesenvolvimento.
Mapa 07: Conflitos ocorridos na América Latina durante os séculos XIX e XX: Guerra do Pacífico (1879 a
1883), Guerra do Chaco (1932-1935) e a Guerra do Paraguai ou Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870)
Fonte: Chasteen (2001, p. 145-146).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
América Latina em função de capitais excedentes adquiridos por meio da indús-
tria. Diante desse cenário, os liberais se tornaram a opção mais aceitável, fator
que proporcionou avanços econômicos durante a segunda metade do século
XIX e a primeira do século XX.
Podemos afirmar que, em fins do século XIX a início do século XX, houve na
América Latina o predomínio dos liberais, que haviam derrotado as forças
conservadoras (Igreja). Os liberais defendiam, dentre outras questões, a le-
gitimação da propriedade privada como direito do indivíduo.
Fonte: Hale (1991).
Paralelo a isso, alguns países haviam sido reduzidos a uma economia de subsis-
tência, o que gerou um quadro de empobrecimento. Tal desigualdade econômica,
em consonância com Aquino (2000, p. 296-297), era uma estratégia necessária
do capitalismo internacional, ao qual não interessava que os países latino-ame-
ricanos tivessem condições de um desenvolvimento capitalista autossustentado.
Essas características impediram a modernização e, consequentemente, o surgi-
mento de uma burguesia nacional nesses países. Os poucos grupos capitalistas
que surgiram eram muito frágeis e, por isso, não conseguiram impor domínio
político à região. De acordo com Aquino:
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
dos de vidas tradicionais, empobrecendo a população rural espiritual
e materialmente. E o progresso trouxe uma nova espécie de imperia-
lismo da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos. Os mesmos países que
serviriam de modelo para o Progresso da América Latina ajudaram a
estabelecê-lo ali e, às vezes, foram seus praticantes diretos. A influência
estrangeira foi tão disseminada e poderosa que os historiadores latino-
-americanos chamam os anos de 1880 a 1930 de seu período neocolo-
nial (CHASTEEN, 2001, p. 149).
Dessa forma, grandes centros, como Rio de Janeiro, Salvador, Buenos Aires,
Lima, Caracas, Cidade do México, Havana, para não citar outras, se desenvol-
veram e muitas delas adotaram traçados semelhantes aos das grandes cidades
europeias. Tal mudança urbana acompanhou os anseios das elites liberais, que
buscavam imitar a arquitetura europeia e norte-americana. Em contraste, o
interior não se desenvolveu, mesmo com a capitalização do campo, a qual, na
realidade, somente foi aplicada em áreas exportadoras. As linhas férreas ligavam
as regiões produtoras aos portos e não eram construídas para ligar uma cidade a
outra. Por isso, não houve integração nacional, já que a modernidade ficou res-
trita apenas a alguns núcleos centrais.
Se antes espanhóis e portugueses peninsulares desembarcavam com
seus ares irritantes de superioridade e suas nomeações reais firmemen-
te na mão, agora era um mister de língua inglesa que chegava com ares
semelhantes de superioridade e somas vultuosas para emprestar ou in-
vestir em bancos, ferrovias, ou instalações portuárias (...) Em última
instância, o próprio status e prosperidade das pessoas respeitáveis es-
tavam associados aos forasteiros e eles sabiam disso. Noventa por cen-
to de sua riqueza advinha do que vendiam nos mercados europeus e
norte-americanos, e suas próprias pretensões sociais, seu próprio ar de
superioridade em casa advinham da tez portuguesa, dos cristais austrí-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
O liberalismo político teve como base o discurso liberal clássico, mas foi
acrescido por debates entre o pensamento radical e reformista durante o sé-
culo XIX. As críticas resultantes dessas discussões destacavam a necessidade
de contemplar com direitos políticos todos os grupos sociais, rompendo,
assim, com o elitismo defendido pela tradição liberal clássica. O resultado
desse processo foi a formação da liberal-democracia, sistema político que
fundamentou os Estados democráticos ao longo do século XX. O liberalis-
mo econômico, por sua vez, visa a liberdade na aquisição de bens, garanti-
do pelo direito à propriedade privada.
Fonte: a autora.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
rios a adquirirem novos lotes, geralmente oriundos de camponeses, indígenas ou
pequenos proprietários, os quais se sentiam pressionados em razão da hipervalo-
rização das terras, ou sendo expulsos legal ou ilegalmente de suas propriedades.
Portanto, podemos afirmar que parte significativa dos latifúndios estava nas mãos
de estrangeiros ou de grandes companhias.
Não raro, os trabalhadores de monoculturas ou mineração ganhavam salá-
rios baixos, sem direitos e em péssimas condições. Não havia mais como viverem
independentes desse sistema, pois a concentração de terras nas mãos de poucos
impedia o acesso ao solo que antes era responsável por garantir-lhes a subsis-
tência. A associação das elites governamentais a fraudes ou por interesses fazia
com que as autoridades fechassem os olhos diante desse quadro de exploração
estrangeira.
Um exemplo foi a United Fruit Company, considerada a maior exportadora
latino-americana de bananas, concentrando suas atividades principalmente na
América Central. Sua grande projeção econômica deu margem para que atuasse
incisivamente na política, depondo ou nomeando governantes em consonância
com os seus próprios interesses. Agia subornando opositores para que derru-
bassem presidentes julgados inconvenientes pela exportadora.
Mapa 09: Economia de exportação e investimentos estrangeiros na América Latina (início do século XX)
Fonte: Atlas da História do Mundo (1995, p. 222).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
tava com generosos recursos para mantê-las em uma zona de conforto. Algumas
concessões foram feitas para grupos estrangeiros, como o consentimento dado
à empresa norte-americana Standart Oil de explorar o petróleo que abastecia a
industrialização nos EUA.
Os camponeses foram alijados desse processo. Estavam proibidos de participar
da política, pois havia restrições censitárias e a exigência de serem alfabetizados,
requisitos que a maioria esmagadora do campesinato não conseguia cumprir. A
corrupção e manipulação dos votos concedia ao Porfiriato uma imagem “demo-
crática” e simultaneamente auxiliava na sua perpetuação no poder.
Mesmo com essa estrutura, Porfirio Diaz não conseguiu industrializar o
México, o qual permaneceu atrelado aos laços de dependência característicos da
herança colonial e a reboque de uma economia dependente do exterior, sobre-
tudo dos grandes centros europeus e dos Estados Unidos.
Em alguns países, como o México, Argentina e o Brasil, o sistema embrio-
nário da industrialização ocorreu no início do século XX, principalmente pela
impossibilidade de grandes economias oferecerem seus produtos na época da
Primeira Guerra Mundial (1914-1918) pelo fato de esses países estarem envolvi-
dos no conflito. Tal contexto propiciou o surgimento da chamada industrialização
por substituições de importações, todavia esse processo já anunciava o des-
moronamento do sistema nacional ou pelo menos a criação de certa autonomia
das economias latino-americanas. Como nos diz Stein (1976, p. 106), “não será
assim, surpreendente constatar que a América Latina não logrou iniciar a moder-
nização de sua economia via industrialização um século após a independência”.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
gemonização econômica da “União”, seguindo o modelo socioeconômico e
político da burguesia industrializante do norte.
Fonte: a autora.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Também foi possível explorar os processos de consolidação dos Estados latino-a-
mericanos e como, na dinâmica internacional, figuravam os países exportadores
de matéria-prima e importadores de produtos manufaturados, comandados por
oligarquias locais. Por fim, apreciamos a estabilização dos Estados Unidos como
uma superpotência industrial em fins do século XIX. O objetivo foi compreen-
der que, apesar da conjuntura, cada país tem suas particularidades, mesmo pelo
fato de nutrirem pontos em comum.
A configuração da América atual, rica em diversidades, culturas, histórias,
ambientes, povos e línguas, é fruto de seu passado colonial, bem como está além
dos movimentos pela independência, da formação e consolidação dos territórios
nacionais, momentos nos quais cada país estruturou sua economia, governo e
sociedade. Em meio a esses processos, muitas nações obtiveram êxitos e outras
não foram tão bem sucedidas.
Como vimos, os processos de formação e consolidação dos Estados nacio-
nais nas Américas não trouxeram transformações profundas, pois se constatou
que, ao longo do século XX, novos mecanismos ideológicos, arquitetados pelos
Estados Unidos, possibilitaram o continuísmo do modelo colonial baseado no
abastecimento do mercado externo com matérias-primas provenientes do pró-
prio território americano.
Espero que você tenha gostado de aprender um pouco mais sobre a forma-
ção e consolidação dos Estados nacionais latino-americanos! Estude, pesquise,
questione e explore mais sobre o assunto!
Muitas das análises correntes sobre o imperialismo tendem a mostrá-lo como força ex-
tremamente poderosa, que a tudo domina e subordina. Para essas análises, o centro
econômico e determinante de todos os acontecimentos está fora da América Latina, e
esta, humilde e passiva, não tem outra opção senão ceder e obedecer.
Diversas e variadas críticas têm sido feitas a essa interpretação. Do ponto de vista his-
tórico, como entender então as revoluções cubana e nicaraguense? Como esses paí-
ses puderam ‘livrar-se’ do domínio do imperialismo norte-americano? Se existem forças
externas que tudo determinam, não há como fugir a seus efeitos. Se o imperialismo
norte-americano tomou e continua tomando posições claramente contrárias a essas re-
voluções, ‘eles’ não teriam ‘permitido’ nem mesmo que ‘elas’ acontecessem. É evidente
também que o imperialismo tem tentado por todos os meios derrubar os regimes que
lhes são contrários, mas o êxito não tem sido o único resultado.
Estou me referindo a essas revoluções – que não pretendo analisar aqui – como tendo
um evidente caráter anti-imperialista, porque nesses dois países, Cuba e Nicarágua, a
penetração dos interesses imperialistas e, mais que isso, a intervenção armada de forças
norte-americanas atingiu níveis raras vezes observados na América Latina. Uma aborda-
gem do tema da formação desses Estados nacionais pode trazer elementos interessan-
tes para a reflexão sobre a problemática das relações entre o imperialismo e as forças
sociais internas.
Ao analisar as relações entre as forças econômico-políticas externas e internas, não se
pode reduzi-las a uma simplificação mecânica ou a uma visão unilateral dos fenômenos.
De modo geral, durante o século XIX, os interesses ingleses foram os predominantes na
América Latina, enquanto, no século XX, os capitais norte-americanos suplantaram os
ingleses e tornaram-se hegemônicos. Mas esses predomínios não foram iguais em todos
os países, nem se fizeram sem oposições internas e sem divergências de interesses.
Um exemplo interessante é o do Brasil no começo do século XIX. Tendo em vista as rela-
ções econômicas entre a Inglaterra e Portugal, com a subordinação dos interesses por-
tugueses aos ingleses, estes obtiveram grande facilidade para estabelecer tratados de
comércio e ‘amizade’ com o Brasil antes mesmo da independência política. Com a Espa-
nha, a Inglaterra mantinha relações de inimizade secular, e as tentativas de invasão de
Buenos Aires em 1806 e 1807 mostraram esse antagonismo. Ainda que depois da inde-
pendência da América espanhola houvessem sido estabelecidos tratados de comércio e
‘amizade’ com os novos países independentes, esses tratados nunca tiveram as mesmas
facilidades que as encontradas no Brasil.
Passando a discutir a questão da formação do Estado Nacional e das forças econômicas
e políticas externas, temos algumas questões centrais a serem apresentadas. Os Estados
nacionais mais bem organizados, que traduziam assim interesses de grupos econômi-
cos homogêneos, puderam afirmar sua soberania sem fazer muitas concessões. Mas,
quando tomamos países como Cuba e Porto Rico, no Caribe, ou Nicarágua, na América
Central, a situação muda de figura.
Fonte: PRADO, M. L. A formação das nações latino-americanas. 11. ed. São Paulo: Atu-
al, 1994, p. 57-58.
1. A formação dos Estados nacionais na América Latina não trouxe consigo a ideia
de pertencimento a uma “nação”. A partir da leitura desta unidade, escreva so-
bre a fragilidade das tentativas de construção dos Estados nacionais sob os
cuidados de um governo central.
2. O período de consolidação dos Estados nacionais também ficou conhecido
como neocolonialismo latino-americano. A partir da leitura desta unidade, ca-
racterize esse período.
3. Durante todo o século XIX, os Estados Unidos assistiram a uma conjuntura fa-
vorável a seu desenvolvimento. A partir dessa assertiva, caracterize os Estados
Unidos de fins do século XIX.
4. Sobre o “catecismo pátrio”, método utilizado pelo ditador paraguaio José Gaspar
Rodriguez de Francia, é correto afirmar que:
a) Era um misto de poder divino com nuances de sentimentos de amor à pátria.
b) Era uma forma de o ditador justificar o seu poder absoluto, já que acreditava que
os paraguaios ainda não estavam prontos para um governo participativo.
c) Era uma forma de o ditador justificar o seu poder republicano, já que acreditava
que os paraguaios ainda estavam prontos para exercerem a democracia.
d) Era uma forma de o ditador justificar o seu poder monárquico, já que acreditava
que os paraguaios ainda não estavam prontos para um governo participativo.
e) Era uma forma de o ditador justificar o seu poder teocrático, já que acreditava
que os paraguaios ainda não estavam prontos para um governo participativo.
5. No período pós-independência, vários confrontos sacudiram a região sul-ameri-
cana. Tais conflitos ocorreram, geralmente, por questões territoriais. Assinale a
alternativa que contenha os confrontos dessa conjuntura:
a) Revolta dos Cravos, Guerra do Ópio e Revolução Cultural.
b) Revolução Mexicana, Guerra de Secessão e Guerra de Fronteiras.
c) Guerras Púnicas, Guerra do Peloponeso e Guerra dos Trinta Anos.
d) Revolução Mexicana, Guerra de Secessão e Revolução Chilena.
e) Guerra da Confederação Peruano-Boliviana, Guerra do Pacífico e Guerra do Cha-
co.
167
Neste site, está hospedado o documentário “A Saga dos EUA – Guerra Civil”, o qual
retrata o confronto entre nortistas e sulistas que sacudiu os Estados Unidos durante
os anos de 1861 a 1865. Convido você a prestigiar essa produção que mescla narrativa
histórica com cenas cinematográficas! Vamos assistir?!
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=TlW_mJcWTIw>. Acesso em: 02
out. 2015.
Material Complementar
Professora Dra. Verônica Karina Ipólito
V
SÉCULO XX:
UNIDADE
INTERNACIONALIZAÇÃO DA
ECONOMIA E TRANSFORMAÇÕES
SOCIAIS
Objetivos de Aprendizagem
■■ Compreender as mudanças que ocorreram nas nações americanas
em princípios do século XX.
■■ Analisar as transformações ocorridas entre o período conhecido
como Grande Depressão até a Segunda Guerra Mundial.
■■ Conhecer os movimentos revolucionários de primórdios da Guerra
Fria na América Latina.
■■ Entender a instalação de ditaduras militares na América Latina.
■■ Avaliar o poder de influência estadunidense e as relações
continentais.
■■ Compreender o período de redemocratização, globalização e o
neoliberalismo na América Latina.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ As nações americanas em princípios do século XX (1914-1929)
■■ As transformações ocorridas entre a Grande Depressão à Segunda
Guerra Mundial (1929-1945)
■■ Os movimentos revolucionários de primórdios da Guerra Fria na
América Latina (1945-1961)
■■ As transformações ocorridas com o fim da Guerra Fria na América
Latina (1961-1989)
■■ O poder de influência estadunidense e as relações continentais
■■ Redemocratização, globalização e neoliberalismo (1989-2000)
173
INTRODUÇÃO
Introdução
174 UNIDADE V
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
©Wikimedia Commons
Figura 09: Greve geral realizada em 1969 como forma de protesto contra as decisões
políticas e econômicas da ditadura militar em Córdoba, na Argentina
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
trabalhadores, o que demonstrou a pouca vontade das elites em dividir os lucros
obtidos com a expansão econômica.
Esse crescimento, no entanto, era dependente de países ricos, uma vez que
a economia argentina tinha como base de sustentação a agropecuária exporta-
dora. A quebra da Bolsa de Valores de Nova York, ocorrida em 1929, desencadeou
uma crise financeira sem precedentes, o que impediu de forma brusca o cres-
cimento da maioria dos países condicionados aos Estados Unidos. A redução
do mercado internacional,
por sua vez, afetou dire-
tamente a Argentina, que
sofreu com as bruscas que-
das na exportação, fator
que abalou profundamente
sua economia (GAGGERO;
MANTIÑAN; GARRO,
2004).
©Wikimedia Commons
baixa da história.
Fonte: a autora.
O México, por sua vez, sofreu com as disputas políticas entre liberais e conserva-
dores durante quase todo o século XIX. Por um lado, os conservadores, formados
por grandes proprietários rurais, representavam os interesses da Igreja. De outro
lado, estavam os liberais, defensores de um projeto que incluía a liberdade de
comércio, de expressão e igualdade jurídica. Além disso, se opunham aos lati-
fúndios, declarando-se favoráveis a uma extensa reforma agrária, bem como à
modernização no trabalho e na produção.
Tanto os liberais quanto os conservadores lutaram contra os Estados Unidos e
amargaram uma derrota que resultou na perda de 40% do México em 1848. Dois
anos mais tarde, os liberais chegaram ao poder e aprovaram uma Constituição
em 1857, que legitimava a laicidade do Estado mexicano, além de expropriar as
terras indígenas e da Igreja. O intuito era criar um grupo de pequenos proprie-
tários, objetivando inovar a agricultura e, desse modo, implantar o capitalismo
moderno.
Mesmo com essa iniciativa, a crise política de anos posteriores anulou a
Carta Magna e fez com que a Igreja preservasse a sua força e suas propriedades.
Em contraste, as aldeias indígenas foram paulatinamente eliminadas e suas ter-
ras, incorporadas aos latifúndios, ampliando o poderio político e econômico dos
grandes proprietários rurais.
No ano de 1876, Porfírio Diaz se tornou presidente, cargo que ocupou por 35
anos seguidos, em um período que ficou conhecido como porfiriato. Tal regime
destacou-se pela intensa concentração de terras, entrada de capitais estrangei-
ros e renovação dos meios de transportes e comunicação, além da inauguração
de ferrovias em grande parte do território.
O México de Porfírio integrava o quadro de divisão internacional do tra-
balho, processo pelo qual o país oferecia matérias-primas e comprava produtos
industrializados, conservando um modelo baseado na concentração agrária, na
articulação entre Igreja Católica e latifundiários, além da violência exercida con-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
tra os movimentos camponeses.
A abertura ao capital estadunidense, a ampliação do setor industrial e o
estímulo das atividades mineradoras concederam ao México setentrional carac-
terísticas que o distinguiu do restante do país, principalmente da região central,
onde os camponeses se mostravam mais ativos, e também do sul, área composta
por aldeias indígenas que ainda mantinham as propriedades coletivas como base
de sua subsistência.
Trabalhadores, indígenas e camponeses não eram muito receptivos às medi-
das de controle social e repressões adotadas por Porfírio Diaz. De forma geral,
os movimentos trabalhistas ao norte do país eram contidos por tropas federais.
No restante do país, explodiam insurreições camponesas e indígenas duramente
reprimidas pelos rurales, grupos que agiam nos campos de forma truculenta.
O sistema eleitoral fraudulento mexicano garantia a perpetuação de Porfírio
Diaz na presidência. Em 1910, Porfirio Diaz, então com 80 anos, se candida-
tou novamente às eleições. Francisco Madero, seu opositor político, conquistou
grande apoio popular, fator que o levou à prisão, pois foi acusado pelas forças
do porfiriato de incitação à rebelião. A prisão do opositor e um sistema eleito-
ral fraudulento deram a vitória a Porfírio.
©Wikimedia Commons
líderes da Revolução e se manteve ao
lado de Madero durante toda a luta.
Seu exército, organizado ao norte do
Figura 11: José de la Cruz Porfirio Díaz Mori (Oaxaca, 15
país, resistiu bravamente até 1915. de setembro de 1830 − Paris, 02 de julho de 1915)
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
©Wikimedia Commons
Figura 12: Os chefes da Divisão do Norte (Pancho Villa) e do Exército do Sul (Emiliano Zapata),
acompanhados do general Urbina, Rodolfo Fierro, Rafael Buelna e outros, em 06 de dezembro de 1914, na
Cidade do México.
No sul do país, outra frente insurrecional foi montada. Comandada por Emiliano
Zapata, um líder indígena, tal frente somou-se às forças oposicionistas da dita-
dura de Porfírio Diaz com o objetivo de retomar as terras indígenas que haviam
sido expropriadas. Essa questão trouxe para o núcleo da revolução um debate
sobre a terra e a importância de reorganizar as propriedades rurais no México,
algo que não aparecia como ponto relevante no Plano de San Luis Potosí. A mul-
tiplicação dos levantes em todo o país impossibilitou a ação das tropas porfiristas,
levando-o à renúncia e, posteriormente, ao exílio, em 1911.
Na sequência, foi instalado um governo provisório até a realização de nova
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
falcaram as forças de Villa. Outras derrotas aconteceram nos meses posteriores,
culminando com a rendição de Villa, em 1920. No sul, as tropas zapatistas resis-
tiram até 1919, momento em que Zapata foi assassinado.
Dois anos antes, uma Constituição havia sido implantada. Era o resultado das
demandas das revoluções populares de Villa e Zapata. Entre as suas principais
propostas, havia a expropriação de terras da Igreja e a restrição de seu exército.
Além disso, a Carta Magna de 1917 determinava que a utilização da terra devesse
considerar o interesse público e permitia a distribuição de terras às comuni-
dades e cidadãos. Tal Constituição garantiu ainda alguns direitos trabalhistas,
como o descanso semanal remunerado, a jornada máxima de trabalho, o direito
de greve, o salário mínimo e a regulamentação do trabalho feminino e infan-
til. Tais características demonstram que esse documento foi a concretização dos
anseios de setores populares em luta na Revolução Mexicana (CORREA, 1983).
Além das mudanças ocorridas no início do século XX, surgiu entre os latino-
-americanos um sentimento de pertencimento à nação. Esse pensamento deu
lugar às ideias que defendiam os elementos europeus como superiores. Desde
princípios do século XX, houve uma valorização do mestiço como parte inte-
grante da estrutura étnica regional. Esse discurso atraiu a maioria da população
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
parelhamento dos setores exportadores em consequência da queda dos preços e
da demanda por produtos latino-americanos no mercado mundial. Esse quadro
enfraqueceu as oligarquias que dependiam das exportações ao mesmo tempo
em que contribuiu para elevar o índice de desempregados. Por outro lado, essa
crise contribuiu para a implantação de sistemas industriais próprios, uma vez
que os latino-americanos não possuíam condições financeiras confortáveis para
ficarem importando produtos industrializados.
Nessas condições, podemos dizer que a década de 1930 já foi um período
relevante para a consolidação da industrialização na América Latina. A indus-
trialização deu origem a dois processos que ajudaram a eliminar os vestígios
neocoloniais ainda existentes: a ascensão política de setores da burguesia nacional
e a urbanização. Além disso, a onda nacionalista favoreceu a extensão de direitos
políticos e trabalhistas a outros setores. Entre as décadas de 1930 e 1940 (e em
alguns locais nos anos de 1950) foram inseridas cada vez mais pessoas na cena
política, principalmente com a inclusão do voto feminino. Tal processo ampliou
a quantidade de eleitores e trouxe vantagens aos nacionalistas e, posteriormente,
aos populistas, aos quais tinham nas populações citadinas suas áreas de influência.
O fim da Segunda Guerra Mundial (1930-1945) coroou, por sua vez, uma
mudança substancial. Os nacionalistas caíram na preferência das massas popu-
lares diante do triunfo do liberalismo incorporado na vitória dos aliados. Além
disso, um novo fluxo de pressão estadunidense abalou a região. Segundo o pre-
sidente estadunidense George Washington, os movimentos de viés nacionalista
na América Latina eram ameaçadores, pois necessitavam garantir para si a vei-
culação das políticas externas da região, assegurada como área de influência.
OS MOVIMENTOS REVOLUCIONÁRIOS DE
PRIMÓRDIOS DA GUERRA FRIA NA AMÉRICA LATINA
(1945-1961)
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Um exemplo claro de suspeitas de adoção às medidas socializantes ocor-
reu na Guatemala. Entre os anos de 1944 e 1954, o país vivenciou um período
democrático em que os governantes José Arévalo e Jacobo Arbenz adotaram
transformações de cunho social, como a melhoria salarial para os trabalhadores
e assistência social. Para as autoridades estadunidenses, um dos eleitos (Arbenz)
tomou medidas exageradas, tais como a reforma agrária, contato com comunis-
tas, expropriações de ferrovias e compra de armamentos da Tchecoslováquia.
Para os Estados Unidos, essas atitudes eram inaceitáveis, uma vez que a United
Fruit Company possuía muitas plantações de bananas no país. Como consequ-
ência, forças estadunidenses invadiram a Guatemala e orquestraram um golpe
militar que culminou na deposição de Arbenz do cargo de presidente. No caso
boliviano, a ingerência estadunidense foi mais flexível. O programa adotado pelo
Movimento Nacional Revolucionário (MNR), que assumiu o poder entre 1952
a 1964, não se inspirou efetivamente nos Estados Unidos, os quais continuaram
envolvidos com a política desenvolvida no país. Como o estanho era a principal
riqueza, tornou-se mais proveitoso aos Estados Unidos uma aproximação do que
uma intervenção direta (GAGGERO; MANTIÑAN; GARRO, 2004).
O caso mais emblemático ocorreu em Cuba. É fato que a vitória da Revolução
Cubana, em 1959, foi um divisor de águas. O exemplo cubano motivou os revo-
lucionários nacionalistas dissidentes do marxismo a organizarem movimentos
insurrecionais nos moldes da guerrilha vitoriosa em Cuba. Contudo, na dire-
ção oposta, o triunfo de Fidel Castro e seus companheiros marcou um avanço
substancial do apoio estadunidense a forças conservadoras de países da região,
objetivando podar a ação de grupos guerrilheiros.
O ideário que servia de combustível para grupos dessa natureza ficou res-
trito a um público geralmente jovem e universitário, que fomentaram grupos
revolucionários por toda a América Latina.
Um exemplo foram as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC)
e o Exército de Libertação Nacional (ELN) na Colômbia. As atividades desses
dois movimentos começaram nos anos de 1960, quando ambos inauguraram
suas ações guerrilheiras pelo interior ao definir territórios, porém sem sucesso.
É comum hoje em dia ouvir nos noticiários o enfrentamento entre guerrilhei-
ros e paramilitares de direita na Colômbia.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
©Wikimedia Commons
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Figura 13: Revolucionários durante a guerrilha em Cuba
O processo de luta armada foi de 1953 até 1959, iniciando-se com a iniciativa
de doze guerrilheiros, os quais, escondendo-se na selva, na região de Sierra
Maestra, se organizaram em um grupo armado conhecido como Exército Rebelde.
Ajudados pela população local composta em sua maioria por camponeses, os
rebeldes infundiram várias derrotas às forças governamentais, as quais tentaram
enfraquecer a coalizão revolucionária.
Batista renunciou ao governo em 1958 e Cuba vivenciou, a partir de então,
um período de reorganização do Estado, o qual não se definiu como comunista
nos primeiros meses. A princípio, reformas julgadas emergenciais foram aprova-
das pelos revolucionários, muito embora, em um primeiro momento, não fosse
definido quem ficaria no poder. Entre as leis aprovadas pelo governo revolucio-
nário estava a criação de empregos, a prisão de civis e militares que apoiaram a
ditadura de Batista, a diminuição dos preços de serviços básicos (aluguéis, ener-
gia elétrica etc) e o aumento dos salários.
Contudo a situação ficou crítica quando, em maio de 1959, mediante apro-
vação da lei da reforma agrária, as elites estadunidenses e cubanas decidiram
reagir. Diante desse cenário, os Estados Unidos optaram por cancelar a impor-
tação de açúcar cubano, o principal sustentáculo da economia nacional. Isso
tudo ocorreu em meio à Guerra Fria. Naturalmente, após os estadunidenses sus-
penderem a compra do açúcar cubano, os soviéticos se ofereceram como novos
compradores do produto.
©Wikimedia Commons
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Figura 14: Mobilização contra a ditadura argentina em 1982
Até então a região nunca havia sofrido qualquer tentativa de resistência à influ-
ência estadunidense. Porém, conforme analisamos anteriormente, a Revolução
Cubana de 1959 demonstrou o quanto essa área de influência norte-americana
poderia se tornar frágil. Fidel Castro, Che Guevara e Camilo Cienfuegos fortale-
ceram a capacidade de união das camadas populares historicamente desprezadas
da esfera do poder e, com essa atitude, ganharam aliados importantes na luta
contra o imperialismo estadunidense.
A fim de demonstrar o poderio estadunidense, o presidente John Kennedy
tornou público, em 1961, a Aliança para o Progresso. No entanto a morte do
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Com objetivos similares, surgiu, no início dos anos de 1960, a Doutrina de
Segurança Nacional (DSN). Em consonância com essa teoria, a luta em opo-
sição ao comunismo era extremamente necessária e deveria englobar todas as
esferas sociais. Dessa forma, o período em que golpes militares se multiplica-
ram foi acompanhado da perpetuação de ditaduras e marcado por tentativas de
contenção da União Soviética pelos Estados Unidos, além de eleger novos alvos:
os inimigos internos (subversivos, estudantes, líderes camponeses e sindicais).
ação de combate aos guerrilheiros. Bastava uma suspeita, muitas vezes infun-
dada, para confirmar a ligação ou participação com órgãos opositores ao regime
militar, fator suficiente para que um suspeito fosse condenado (MOREIRA;
QUINTEIROS, 2010).
RELAÇÕES CONTINENTAIS
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
É com esse pensamento carregado de “pré-conceitos” que os estadunidenses
vão atuar na América Latina. Essa estrutura mental (mind-set) político-cultural
vai assumindo tonalidades econômicas na medida em que a intervenção para
fins materiais vai se concretizando na região. Para se ter uma ideia, somente em
1929, torno de 40% dos investimentos estadunidenses no exterior se concentra-
vam na América Latina.
Para Octávio Ianni (1988), há um conjunto de interesses políticos e econô-
micos nas táticas estadunidenses e na forma de exercitar a sua hegemonia, fatores
que resultam em uma “diplomacia total” (IANNI, 1988, p. 23). Conforme vimos,
intervenções militares localizadas bem como as manifestações de apoio para quem
defendesse os negócios neocoloniais estadunidenses foram recorrentes nas pri-
meiras décadas do século XX. Porém, no período entre guerras, a probabilidade
de um grande confronto motivou o Presidente Franklin D. Roosevelt a anunciar,
em 1933, durante o seu discurso de posse, uma “Política de Boa Vizinhança”, por
meio do qual os Estados Unidos se comprometiam em não mais intervir mili-
tarmente nos demais países latino-americanos.
Após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos e a União Soviética
triunfaram como superpotências, fator que balizou as relações internacionais a
partir de então. A emersão da Guerra Fria exigiu uma nova abordagem chamada
de “Doutrina da Segurança Hemisférica”. Ianni (1988) listou uma série de rela-
ções exteriores americanas no pós-Segunda Guerra Mundial, são elas:
Ata de Chapultepec, sobre a agressão externa e problemas de pós-
-guerra das repúblicas americanas, México, março de 1945; Discurso
de Winston Churchill, em Fulton de 1946, sobre as tarefas mundiais
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
de cunho socialista no continente por meio de concessão financeira aos países
adeptos da política anticomunista.
As diversas frentes contrarrevolucionárias bem como a instalação de regi-
mes autoritários na América Latina durante as décadas de 1960 a 1980 receberam,
em grande parte, o apoio dos norte-americanos interessados em manter sua área
de influência e extirpar do solo americano qualquer ideologia exótica, tal como o
comunismo. Além disso, o desenvolvimento industrial estadunidense nesse perí-
odo era dependente, em parte, das matérias-primas latino-americanas, mais um
motivo para os Estados Unidos desejar manter uma presença constante nessa área.
Por isso, quando falamos ou ouvimos dizer algo a respeito da onda de instau-
ração de regimes militares, é necessário compreender o contexto internacional em
conjunto com os interesses internos das elites dominantes, afinadas não apenas
com o anticomunismo, mas contra, também, a aplicação do liberalismo político,
ou seja, o aumento da participação política nas eleições democráticas, condições
que ameaçavam os seus monopólios na condução das nações.
REDEMOCRATIZAÇÃO, GLOBALIZAÇÃO E
NEOLIBERALISMO
e sem o apoio popular, os militares optaram, na maioria das vezes, por devol-
ver o poder aos civis.
No Brasil, um “milagre econômico” de fins dos anos de 1970 deu apoio aos
militares, todavia a ausência do “perigo comunista” motivou os militares a inicia-
rem o processo de abertura em 1979, sendo este concretizado, em definitivo, no
ano de 1985. De forma geral, o movimento popular insistia em eleições diretas,
por meio da mobilização conhecida como “Diretas Já”, porém os militares e auto-
ridades conservadoras optaram por eleições indiretas neste primeiro momento.
No caso brasileiro, é importante ressaltar o papel fundamental dos movi-
mentos sociais no processo de redemocratização. O movimento das “Diretas Já”
teve início em 1983, durante o governo de João Batista Figueiredo. O movimento
ganhou amplitude e adesão da maioria da população, ao propor eleições dire-
tas para o cargo de presidente da República. Apesar da resistência de militares
e setores conservadores, a mobilização de cunho social ganhou força, contri-
buindo, de forma ímpar, para o fim da ditadura militar.
Na Argentina, os militares abandonaram o poder no mesmo ano em que
amargaram a derrota contra os ingleses na guerra das Malvinas (1983). Além
disso, o movimento “Mães da Praça de Maio” já denunciava as atrocidades come-
tidas pelo regime, contribuindo para torná-lo impopular.
No Paraguai, o ditador Alfredo Stroessner, há mais de 35 anos no poder,
renunciou ao governo em 1989 e exilou-se no Brasil.
O Chile, um dos países que vivenciou uma das mais fortes tendências auto-
ritárias da América Latina, assistiu uma abertura política lenta durante os anos
de 1990, acompanhada por reformas liberais no âmbito econômico.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
de Alberto Fujimori marcou o equilíbrio inflacionário, alegando, entretanto, a
existência de forças oposicionistas sufocantes, Fujimori dissolveu o Congresso
em abril de 1992 e instaurou uma ditadura até o ano 2000.
Apesar desses desequilíbrios, naturais em países inexperientes democrati-
camente, a América Latina deveria se preparar para a pressão do capitalismo
neoliberal.
A década de 1980, mais conhecida como “década perdida”, ficou marcada
por uma crise generalizada, resultante, basicamente, do endividamento externo
e do fracasso dos projetos de desenvolvimento independente.
No intuito de salvar suas economias, muitos países latino-americanos recor-
reram ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para amenizar seu saldo devedor.
Em troca, o FMI estipulou a subordinação das elites econômicas e políticas às
regras do neoliberalismo. Tal intervenção ficou conhecida como Consenso de
Washington (1989) e determinou que os países latino-americanos deveriam
equilibrar suas finanças cortando despesas com políticas sociais e investimen-
tos, abrir o comércio e liberar a atuação de capitais estrangeiros.
O neoliberalismo prevaleceu na década de 1990, pois o colapso da URSS e
dos regimes socialistas do Leste Europeu abriu margem para a manutenção de
apenas uma superpotência: os Estados Unidos. A fragilidade dos regimes socia-
listas europeus deu a impressão de que a única saída para o desenvolvimento
seria o capitalismo, a ponto de a ideologia neoliberal fundamentar o processo
de globalização.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Esse período marcou o revigoramento de movimentos sociais, tamanha
a pressão que exerceram por uma luta de igualdade social e desenvolvimento
autônomo. Todavia um novo período de instabilidades parece ter se instalado
nas esferas política e econômica da América Latina, contribuindo para o alas-
tramento de uma onda de insatisfações popular, pondo em risco uma década
de avanços sociais e econômicos (MOREIRA; QUINTEROS, 2010). O crescente
movimento, marcado, sobretudo, pela rejeição aos presidentes, deixou evidente
a sua intolerância com a corrupção e má governança. Resta-nos acompanhar os
próximos desdobramentos da crise que se arrasta pelos países latino-america-
nos a fim de fazermos uma avaliação consistente sobre esse período.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
temos acesso a temas relacionados a esse período, seja em razão das descobertas
científicas ou relacionado ao nosso cotidiano, o que torna necessário analisá-los
sobre um olhar crítico.
Você pôde conhecer alguns dos diversos movimentos revolucionários ou
ditatoriais que abalaram a América Latina durante o século XX. Analisamos as
mudanças ocorridas nos países latino-americanos durante o intervalo entre a
Grande Depressão até a Segunda Guerra Mundial.
Posteriormente, foram apresentados os movimentos revolucionários que
ocorreram entre princípios da Guerra Fria, as ditaduras militares, o poder de
influência dos Estados Unidos, bem como os processos de redemocratização e
liberalismo ocorridos na América Latina. Para isso, recorremos a uma aborda-
gem dialógica e de fácil compreensão, com o objetivo de facilitar a identificação
dos atores sociais envolvidos e de seus respectivos interesses. Tais informações
são relevantes para compreendermos as particularidades das nações que inte-
gram as Américas.
É claro que as transformações ocorridas ao longo do século XX no conti-
nente americano contribuíram para avanços significativos na esfera social, muito
embora tenha reafirmado o poder de liderança e influência dos Estados Unidos
nas relações que estabelece com a América Latina.
Espero que tenha gostado de nossa viagem! Até a próxima!
Considerações Finais
Fidel Castro, a Revolução Cubana e a América Latina
Quando o ditador Fulgêncio Batista, sem mais condições de manter-se no poder, renun-
ciou durante o reveillon de 1959 e, secretamente, fugiu de Cuba para a República Domi-
nicana, não foi só o seu governo que caiu. Todo o Estado cubano se havia desintegrado
e 1959 tornou-se um ano realmente novo. Dias depois, centenas de guerrilheiros bar-
budos, grande parte de guajiros (trabalhadores do campo), sujos, uniformes rasgados,
entraram em Havana, sob o comando de Fidel Castro, Ernesto Che Guevara e Camilo
Cienfuegos. Era o clímax de uma epopeia, iniciada por apenas 16 sobreviventes, dos 82
que desembarcaram do iate Granma, no litoral de Cuba, em 2 de dezembro de 1956 (...).
A revolução cubana foi o fato político mais poderoso e o que maior impacto causou na
América Latina, ao longo do século XX, não por causa do seu caráter heroico e romântico
ou porque o regime implantado por Fidel Castro evoluiu posteriormente para o comu-
nismo, mas porque ela exprimiu dramaticamente as contradições não resolvidas entre
os Estados Unidos e os demais países da região. Não foram os comunistas que promove-
ram a revolução cubana, no contexto da Guerra Fria. Conquanto alguns de seus líderes,
como Ernesto Che Guevara e o próprio Fidel Castro, em pequena medida, acolhessem
ideias marxistas, eles não pertenciam a nenhum partido comunista e não era inevitável
que a revolução cubana se desenvolvesse a tal ponto de identificar-se com a doutrina
comunista e instituísse a sua forma de governo (...). Com efeito, a revolução cubana foi
autóctone, teve um caráter nacional e democrático (...).
Em abril de 1960, quando estive em Havana, acompanhando Jânio Quadros, então can-
didato à presidência do Brasil, vi Fidel Castro mostrar-lhe um crucifixo que trazia pendu-
rado no pescoço, indicando que não era comunista e que respeitava a Igreja. Mas, um
ano depois, em 16 de abril de 1961, após o bombardeio dos aeroportos de San Antonio
de los Baños, Santiago e Havana pelos aviões da CIA, Fidel Castro, após compará-lo, com
justo motivo, ao ataque pérfido e traiçoeiro do Japão a Pearl Harbor, em 1941, declarou
que os Estados Unidos não perdoavam Cuba porque ‘esta es la revolución socialista y
democrática de los humildes, con los humildes y para los humildes’.
Ao fazer essa declaração, Fidel Castro buscou comprometer a União Soviética na defesa
de Cuba. Ele jogou com o conflito político e ideológico que então eclodira entre Moscou
e Pequim e dividira o Bloco Socialista, pois temia que Nikita Kruchev, na linha da coe-
xistência pacífica e em entendimento com John Kennedy, trocasse Cuba por Berlim Oci-
dental, em prol de melhores relações com os Estados Unidos. A proclamação do caráter
socialista da revolução cubana, porém, representou igualmente duro golpe nos dogmas
cristalizados por Joseph Stalin e outros líderes comunistas, sob o rótulo de marxismo-
-leninismo, uma vez que ela fora realizada não por um partido supostamente operário,
constituído sob as normas do chamado centralismo-democrático e rotulado de comu-
nista, mas pelo Movimento 26 de Julho, uma organização composta, sobretudo, por ele-
mentos das classes médias, que, no curso da guerra de guerrilhas, passaram a incorporar
camponeses e trabalhadores rurais, os guajiros, ao Exército Rebelde, em benefício dos
quais realizaram a reforma agrária.
203
De conformidade com a ortodoxia stalinista, Cuba não tinha condições materiais senão
para realizar uma revolução agrária e democrática, mediante a instalação de um ‘gover-
no patriótico’, de união com a burguesia progressista, que se propusesse a impulsionar
o processo de industrialização e, libertando o país do domínio imperialista, promover o
desenvolvimento econômico e a emancipação nacional. Os dirigentes comunistas, que
visitavam Havana, consideravam a revolução em Cuba estranha ao modelo, por eles re-
conhecido, dado lá não existir um operariado industrial, e julgavam Fidel Castro e seus
companheiros um ‘grupo inexperiente, com formações ideológicas diversas e pouco
definidas’, orientados pelo que qualificaram como ‘marxismo amador, ou melhor ainda,
como cubanismo’. Ouvi quando Luiz Carlos Prestes, então secretário-geral do PCB, qua-
lificou Fidel Castro como ‘aventureiro’, em entrevista à imprensa do Rio de Janeiro, em
1959.
A revolução cubana assim produziu profundas consequências na América Latina, onde
a tendência das Forças Armadas para intervir, como instituição, no processo político, a
partir de 1960, não decorreu apenas de fatores endógenos e constituiu muito mais um
fenômeno de política internacional continental do que de política nacional, argentina,
equatoriana, brasileira etc., uma vez que fora determinada, em larga medida, pela mu-
tação que os Estados Unidos estavam a promover na estratégia de segurança do he-
misfério, redefinindo as ameaças, com prioridade para o inimigo interno, e difundindo,
através, particularmente, da Junta Interamericana de Defesa, as doutrinas de contra-in-
surreição e da ação cívica. Tanto isto é certo que a intervenção das Forças Armadas, a
princípio, visou, sobretudo, a ditar decisões diplomáticas, a modificar diretrizes de polí-
tica exterior, e ocorreu, geralmente, nos países cujos governos se recusavam a romper
relações com Cuba. E daí o surto militarista, com a propagação dos golpes de Estado,
que tinham como principal fonte de inspiração a Junta Interamericana de Defesa, visan-
do a impedir que outro Fidel Castro surgisse na América Latina.
Fidel Castro foi o mais importante líder da América Latina, no século XX, e o fato de que
permaneceu quase meio século no poder, apesar do bloqueio e de todas as pressões,
inclusive dezenas tentativas de assassinato pela CIA, representou a maior derrota políti-
ca que os Estados Unidos sofreram, apesar de seu enorme poderio econômico e militar.
Fonte: BANDEIRA, L. A. M. Fidel Castro, a Revolução Cubana e a América Latina. Revista
Espaço Acadêmico, n. 82, mar. 2008.
1. Iniciada em 1910, a Revolução Mexicana foi responsável por grandes transfor-
mações no México, caracterizando-se por ser um movimento de cunho popular,
anti-imperialista e antilatifundiário. Diante disso, faça uma análise do processo
dessa Revolução, enquadrando-a no contexto nacionalista latino-america-
no da primeira metade do século XX.
2. Desde antes da doutrina Monroe (1823), posteriormente, pela Doutrina do Desti-
no Manifesto, no século XIX, até chegar ao término do século, os Estados Unidos
cristalizaram uma imagem não muito amistosa dos latino-americanos. A partir
dessa informação, analise a mentalidade norte-americana em relação aos la-
tino-americanos. Registre suas conclusões.
3. Após a Revolução Cubana de 1959, várias ditaduras militares surgiram nos países
latino-americanos. Diante dessa constatação, disserte sobre a influência dos
Estados Unidos na ocorrência de regimes militares na América Latina.
4. A partir dos anos de 1960, vários regimes militares instalaram-se pela América
Latina. Com relação à implantação da ditadura militar no Brasil, é correto
afirmar que o seu início foi marcado por:
a) Eleições democráticas que levaram ao poder os militares.
b) Um acordo ocorrido entre o presidente João Goulart e comandantes das forças
armadas brasileiras.
c) Uma sangrenta guerra civil em que os militares tomaram o poder a força, após a
morte de milhares de brasileiros.
d) Um plebiscito realizado após a saída de Getúlio Vargas do poder.
e) Um golpe militar, ocorrido em 31 de março de 1964, que tirou o presidente João
Goulart do poder.
5. A redemocratização dos países latino-americanos pode ser compreendida como
um conjunto de “aberturas políticas” que ocorreram entre os anos de 1979 até
o início da década de 1990. Após esse período, um novo modelo econômico foi
implantado na maioria dos países latino-americanos. Assinale a alternativa que
melhor indica a denominação desse sistema econômico:
a) Comunismo.
b) Ditadura militar.
c) Teocracia.
d) Neoliberalismo.
e) Balança Comercial.
205
6. No ano de 1876, Porfírio Diaz se tornou presidente, cargo que ocupou por 35
anos seguidos, em um período que ficou conhecido como porfiriato. Sobre esse
regime, é correto afirmar que:
a) Foi um período de intensa abertura democrática, distribuição de terras, intro-
dução de manufaturas e investimento em tecnologia, além da inauguração de
rodovias em grande parte do território.
b) Destacou-se pela intensa concentração de terras, a entrada de capitais estrangei-
ros e a renovação dos meios de transportes e comunicação, além da inauguração
de ferrovias em grande parte do território.
c) Caracterizou-se pela intensa publicação de direitos, a entrada de imigrantes e
a renovação dos meios de transportes e comunicação, além da inauguração de
aerovias em grande parte do território.
d) Diferenciou-se pela intensa concentração imobiliária, a entrada de empresas es-
trangeiras e a estabilização da economia, além da inauguração de hidrovias em
grande parte do território.
e) Identificou-se com o movimento anarco-sindicalista, promovendo movimentos
sociais e reivindicações de direitos trabalhistas em todo o território mexicano,
além de inaugurar sindicatos em grande parte do território.
MATERIAL COMPLEMENTAR
Material Complementar
MATERIAL COMPLEMENTAR
WIKIMEDIA Commons. File: Pancho Villa y Emiliano Zapata2.jpg. Disponível em: <ht-
tps://commons.wikimedia.org/wiki/File: Pancho_Villa_y_Emiliano_Zapata2.jpg?u-
selang=pt-br>. Acesso em: 08 set. 2015.
WIKIMEDIA Commons. File: Quetzalcoatl, a Major Deity of the Cholula People
WDL6756.png. Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Quet-
zalcoatl,_a_Major_Deity_of_the_Cholula_People_WDL6756.png?uselang=pt-br>.
Acesso em: 16 ago. 2015.
WIKIMEDIA Commons. Porfirio Díaz. Disponível em: <https://commons.wikimedia.
org/wiki/Porfirio_D%C3%ADaz#/media/File:Porfirio_diaz002.jpg>. Acesso em: 09
set. 2015.
WIKIMEDIA. Disponível em: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/com-
mons/8/84/13colonias.jpg>. Acesso em: 15 set. 2015.
WIKIPÉDIA. Declaração da Independência dos Estados Unidos. Disponível em: <ht-
tps://pt.wikipedia.org/wiki/Declara%C3%A7%C3%A3o_da_Independ%C3%AAn-
cia_dos_Estados_Unidos#/media/File:United_States_Declaration_of_Independen-
ce.jpg>. Acesso em: 23 ago. 2015.
WIKIPÉDIA. Doutrina do destino manifesto. Disponível em: <https://pt.wikipedia.
org/wiki/Doutrina_do_destino_manifesto#/media/File:American_progress.JPG>.
Acesso em: 02 set. 2015.
ZURITA, A. de. Breve y Sumaria relación de los señores y maneras y diferencias
que había de ellos em la Nueva España. 3. ed. México: Universidad Nacional Au-
tónoma de Mexico, 1993.
217
GABARITO
UNIDADE I
1. A opção correta é a C.
2. A opção correta é a E.
3. A opção correta é a C.
4. Espera-se que o(a) acadêmico(a) compreenda que os Tupis-Guaranis se carac-
terizavam por serem povos semi-sedentários, isso porque os locais de cultivo
não permaneciam os mesmos e as aldeias, consequentemente, mudavam com
frequência de local. Entre esses grupos, havia uma divisão: as mulheres eram as
principais responsáveis pela prática agrícola e os homens, muito embora tam-
bém pudessem contribuir na limpeza da terra, se destacavam como caçadores
e guerreiros. Os Tupis, por exemplo, quase sempre se deslocavam em busca de
locais que fornecessem caça e pesca em abundância, além de condições propí-
cias para a prática da agricultura. Entretanto também estavam à procura da tão
sonhada “Terra sem mal”, lugar ausente de sofrimento e onde os guerreiros que
demonstrassem bravura seriam automaticamente transportados após a morte.
5. Espera-se que o(a) acadêmico(a) compreenda que a sociedade asteca não estava
reduzida a uma divisão entre camponeses e burocratas. No circuito das elites
governantes, havia privilégios significativos, enquanto entre os camponeses sur-
giam novas categorias sociais, contribuindo para tornar ainda mais complexa a
compreensão dos desníveis característicos dos trabalhadores dessa natureza. Os
mayeques, por exemplo, se distinguiam dos demais camponeses por não possu-
írem terras e, para sobreviver, deveriam trabalhar nas propriedades dos burocra-
tas astecas. Em Tenochtitlán, havia ainda os trabalhadores urbanos vinculados
quase sempre a trabalhos artesanais, como tecelões, oleiros e ourives. Como se
tratava de uma função exercida no interior da cidade, esses trabalhadores esta-
vam, geralmente, desvinculados de suas comunidades de origem e se organiza-
vam em corporações. Na configuração social asteca, os escravos (tlacoili) eram
utilizados como servos de altos funcionários e eram tratados como criados, não
sendo incumbida a missão de lavorar nas propriedades agrícolas. Em razão des-
ses desníveis sociais, a sociedade asteca pode ser considerada multifacetada e
detentora de uma hierarquia rígida.
6. Espera-se que o(a) acadêmico(a) compreenda que os ayllus eram aldeias campo-
nesas compostas por famílias ligadas por laços de parentesco e gerenciadas pe-
los Kuracas. Em consonância com Schwartz e Lockhart (2010, p. 60), essas comu-
nidades eram consideradas entre os incas como o “microcosmo da vida social”,
ou seja, a representação de uma unidade local mínima que nos permite falar
em sedentarização do povo incaico. Tal organização foi de suma importância
no momento da conquista espanhola. A distribuição de vários ayllus e a forma
como estavam dispostos em aldeias locais em um imenso império facilitou a
manutenção da integridade territorial mesmo após a conquista. Os hispânicos
fizeram uso da estrutura do ayllu por este manter a unidade e se apropriaram de
GABARITO
UNIDADE II
1. O intuito é que o(a) aluno(a) compreenda que Hernan Cortés e Cristóvão Colom-
bo eram homens de sua época e que ansiavam por enriquecimento fácil. Para
ambos, o objetivo da conquista das terras do novo mundo estava concentrado
na obtenção de riquezas e na difusão da fé cristã. No entanto diferenciavam-se
no modo, na escolha de prioridades e na competência de execução de seus res-
pectivos objetivos.
Em Colombo, evidencia-se o deslumbramento diante das terras que encontrou
e desse modo é compreensível certo sentido de preservação dos lugares, como
quando afirma que os reis católicos não consentissem que naquelas terras vies-
sem estrangeiros, salvo católicos cristãos. Mesmo no contato com os índios, ha-
via um objetivo de cristianização. Colombo, porém, ao contrário de Cortés, não
lucrou em efetivar os seus objetivos. Prejudicou-se, talvez, pelo pioneirismo e
pelas inúmeras possibilidades que as terras americanas pareciam dispor (con-
siderando-a um “paraíso terrestre”), tornando sua administração um tanto so-
brecarregada. Tudo somado, não manteve o prestígio adquirido na primeira via-
gem. Isso também pode ser compreendido pelo fato de Colombo ser genovês.
Tendo em vista que a aversão ao estrangeiro na sociedade espanhola era uma
marca profunda (como na perseguição aos judeus e muçulmanos) e que ia além
da questão religiosa, é compreensível que, em um segundo momento, Colombo
tenha sido desprezado pela Coroa.
Em contrapartida, podemos notar em Bartolomé de Las Casas, um frade do-
minicano que relatou em várias obras o processo de conquista, uma distinção
bastante diferenciada entre índios e espanhóis. Las Casas descreve os espanhóis
como cruéis e ambiciosos e os índios como seres simples e sem maldades. As
conquistas do Novo Mundo são relatadas por Las Casas praticamente por um
único prisma: o da destruição. O religioso buscou, por meio disso, afastar qual-
quer relação entre os indígenas dos bárbaros e escravos naturais, associando-
-os a exemplos expressivos da perfeição divina. Essa crença permitiu com que
Las Casas relacionasse o novo continente ao paraíso terrestre, os indígenas aos
inocentes que habitavam as terras agradáveis e prazerosas e os espanhóis aos
terríveis destruidores do paraíso descrito.
2. É importante que o(a) aluno(a) perceba que, a princípio, a economia mineradora
da América Espanhola não estava baseada integralmente na propriedade priva-
da, pois todo o território era considerado domínio da Coroa hispânica. O sistema
de ocupação para fins produtivos dessas terras estava baseado em concessões
perpétuas realizadas pelo poder régio a investidores mineiros. Esses, por sua vez,
se localizavam em diversos setores sociais, podendo ser o rei e funcionários do
219
GABARITO
primeiro escalão até grupos de colonos compostos por homens simples e ín-
dios. A partir de fins do século XVI, a exploração mineratória exigiu uma tecno-
logia capaz de concentrar e aprofundar as escavações. Dentre os mecanismos
que mais lograram êxito no processo de extração da prata está a introdução do
amálgama de mercúrio. Esse sistema, porém, resultou na hierarquização entre
os mineradores, ou seja, os pequenos e médios produtores de metais vendiam o
minério explorado de suas minas para os empresários de grande porte, os quais
monopolizavam o processo do amálgama. A extração da prata era controlada de
forma mais intensa pelo capital comercial, isso significa que sua produção era,
geralmente, direcionada para a Europa, sobretudo Espanha, e, posteriormente,
drenada para outros centros financeiros europeus. Além disso, a Coroa Hispânica
cobrava, na forma de imposto, 20% de toda a produção de prata (o quinto). É
importante salientar que a mineração não foi o único vetor da economia hispa-
no-americana, mas foi, sem dúvida, o mais lucrativo segmento durante a coloni-
zação espanhola na América.
3. Pretende-se que o(a) acadêmico(a) compreenda que as colônias do norte foram
destinadas ao povoamento de refugiados, enquadrados nos casos citados no
parágrafo anterior. Essa região, banhada pelo Oceano Atlântico apresenta o cli-
ma temperado, similar ao europeu. Tais características facilitaram o desenvolvi-
mento de um núcleo de povoamento baseado na policultura de subsistência
e no mercado interno, já que não foram encontrados metais preciosos e nem
produtos agrícolas em abundância para o mercado europeu.
O trabalho familiar, concentrado em pequenas propriedades, foi predominante.
Alguns cereais, como o milho, foram cultivados por esses grupos. Além disso, a
região setentrional dessas colônias, mais conhecida como Nova Inglaterra, de-
senvolveu-se uma produção de navios significativa. Esses estaleiros foram bem
sucedidos em razão da abundância de madeiras existentes na região e confec-
cionavam embarcações destinadas aos mais diferentes fins, bem como para o
comércio triangular. No caso das colônias do norte, o comércio triangular era
muito utilizado na compra de cana e melado das Antilhas, os quais seriam trans-
formados em rum. Tal bebida era transportada para a África por meio de em-
barcações provenientes da Nova Inglaterra. Nesse continente, era usualmente
trocada por escravos. Tais cativos eram comercializados pelos proprietários de
terras das Antilhas e Colônias do Sul.
Seguido desse processo de venda de mão de obra escrava, novamente os navios
retornavam para a Nova Inglaterra, carregados de melado e cana para a produ-
ção de rum. Tal comércio envolvia geralmente a Europa para onde rumavam os
navios com açúcar das Antilhas, os quais retornavam com produtos manufatura-
dos para serem comercializados nas colônias inglesas na América. Além dessas
atividades, as Colônias do Norte adotaram a pesca para complementar a econo-
mia local. Localizadas próximo a um dos maiores pesqueiros do mundo (Terra
Nova), tais colônias tiveram condições de explorar fartamente as atividades pes-
GABARITO
queiras, bem como a venda de peles, as quais eram adornos fundamentais nos
vestuários da época, além de proteger do rigoroso inverno europeu. Em termos
políticos, a região da Nova Inglaterra se mostrou bastante organizada, apresen-
tando governos com larga participação popular.
Mesmo com as proibições da população, cada colônia possuía relativa autono-
mia e chegaram a construir pequenas manufaturas, além de realizarem o co-
mércio entre outras regiões que não fossem a metrópole e não possuíam o seu
aval. De forma distinta, as colônias do sul desenvolveram uma economia mais
condizente com os interesses europeus. Desde cedo, cultivaram o tabaco e o
fumo, sendo que o primeiro exigia uma expansão agrícola contínua, tamanha
a sua capacidade de esgotamento do solo. Muito embora a mão de obra servil
branca fosse muito utilizada no século XVII, é fato que o aumento da área de
tabaco exigiu um número significativo de mão de obra escrava.
Como consequência, a sociedade ficou marcada por ampla desigualdade e re-
sistiram mais ao pensamento de independência por estarem vinculadas a inte-
resses externos, isso porque os latifundiários meridionais temiam que uma rup-
tura com a Inglaterra significasse um corte com a sua estrutura econômica. Era
comum algumas pessoas reafirmarem a dependência das colônias do sul com
a Inglaterra, como no fato de que quase todas as roupas eram provenientes de
lá, mesmo o sul sendo o grande responsável por produzir linho e algodão. Ou-
tras, por sua vez, não escondiam o espanto de que mesmo a região sendo rica
em madeira houvesse a importação de cadeiras, bancos e cômodas. Em suma,
é relevante que o(a) aluno(a) perceba essas diferenças peculiares à colonização
da América Inglesa.
4. A opção correta é a E.
5. A opção correta é a A.
6. A opção correta é a B.
UNIDADE III
1. O objetivo é que o(a) aluno(a) compreenda que os acontecimentos na Espanha
da segunda metade do século XVIII e primeiros anos do século XIX influenciaram
diretamente a situação na América Hispânica. A ocupação do território espanhol
pelas tropas de Napoleão Bonaparte favoreceu o movimento de independência
das colônias da América porque enfraqueceu o poder da metrópole. Em 1808,
Napoleão ocupou Madri, destronou o rei espanhol Fernando VII e colocou em
seu lugar o irmão José Bonaparte. Todo esse contexto provocou reações não so-
mente na Espanha como também em sua colônia americana. Com a deposição
de Fernando VII, os hispano-americanos experimentaram uma nova fase política,
que abriu caminhos para a construção de novos conceitos, palavras e projetos.
Os movimentos de independência na América Espanhola se manifestaram rapi-
221
GABARITO
UNIDADE IV
1. É importante que o(a) aluno(a) compreenda que, após as lutas de independên-
cia na América Latina, instalou-se um ambiente de conflitos generalizados que
trouxe a tona as diversas limitações durante o processo de construção dos Esta-
dos nacionais, como: a ausência de tropas regulares; a formação de rivalidades
regionais; a persistência de velhas práticas e estruturas corporativas; a falta de
organização fiscal dos Estados ainda em fase de formação; dificuldades de aces-
so aos locais mais isolados; relutância quanto à institucionalização de práticas
políticas, mesmo com a elaboração de constituições em muitos casos; isolamen-
to de comunidades indígenas de participação política e a ausência de uma acei-
tação de autoridade política.
GABARITO
UNIDADE V
1. O intuito é que o(a) acadêmico(a) associe o movimento como uma busca ao
nacionalismo e valorização dos setores menos favorecidos, principalmente dos
trabalhadores do campo e das cidades. Trabalhadores, indígenas e camponeses
não eram muito receptivos às medidas de controle social e repressões adotadas
por Porfírio Diaz, ditador eleito de forma corrupta e com o apoio dos Estados
Unidos. De forma geral, os movimentos trabalhistas ao norte do país eram con-
tidos por tropas federais. No restante do país, explodiam insurreições campone-
sas e indígenas duramente reprimidos pelos rurales, grupos que agiam nos cam-
pos de forma truculenta. Apesar de sangrenta, a Revolução Mexicana resultou na
formulação da Constituição de 1917, uma das mais avançadas em reconhecer os
direitos sociais do período.
2. O objetivo é que o(a) aluno(a) explore a visão que Lars Schoultz (2000) tece so-
bre o mind-set. A crença na inferioridade latino-americana se construiu histori-
camente e se constituiu no núcleo essencial da política dos Estados Unidos em
relação à América Latina, porque ele determina os passos precisos que os Esta-
dos Unidos assume para proteger seus interesses na região. Desde o século XVIII,
os estadunidenses formularam um mind-set (estrutura mental que guia o olhar
estadunidense, a forma como pensar a América Latina e compreender a cultura
latino-americana), um pensamento carregado de “pré-conceitos” e que cultua
uma suposta superioridade dos estadunidenses em relação aos latino-america-
nos.
3. O objetivo é que o(a) acadêmico(a) compreenda que a vitória da Revolução
Cubana, em 1959, foi um divisor de águas. O caso cubano motivou os revolucio-
nários nacionalistas dissidentes do marxismo a organizarem movimentos insur-
recionais nos moldes da guerrilha vitoriosa em Cuba. Contudo o triunfo de Fidel
Castro e seus companheiros marcou um avanço substancial do apoio estadu-
nidense a forças conservadoras de países da região, objetivando podar a ação
de grupos guerrilheiros. A ampliação da presença estadunidense no combate a
movimentos ou governos divergentes intensificou a repressão a grupos arma-
dos com temor de que mais países latino-americanos seguissem o exemplo de
Cuba, dando margem para a implantação de regimes ditatoriais.
4. A opção correta é a E.
5. A opção correta é a D.
6. A opção correta é a B.