Foods">
Nothing Special   »   [go: up one dir, main page]

TCC TEA Seletividade Alimentar e TPS - (Versão Final)

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 37

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TRANSTORNO DO ESPECTRO DO


AUTISMO

Bruna Ferreira de Paula Almeida

AUTISMO, SELETIVIDADE ALIMENTAR E TRANSTORNO DO


PROCESSAMENTO SENSORIAL:
Revisão de Literatura.

Belo Horizonte
2020
Bruna Ferreira de Paula Almeida

AUTISMO, SELETIVIDADE ALIMENTAR E TRANSTORNO DO


PROCESSAMENTO SENSORIAL:
Revisão de Literatura.

Monografia de Especialização em
Transtornos do Espectro do Autismo,
apresentada ao Programa de Pós-
graduação, como requisito parcial à
obtenção de título de Especialista em
Transtornos do Espectro do Autismo
na Universidade Federal de Minas
Gerais – UFMG

Orientadora: Prof. Dra. Ana Amélia


Cardoso

Belo Horizonte
2020
AGRADECIMENTO

Agradeço à Deus, pela vida e oportunidades nas profissões que tenho


seguido, bem como pelas pessoas que tenho encontrado em meu caminho.
Agradeço aos meus pais pelo amor, criação e formação pessoal.
Agradeço ao meu esposo, amor, amigo e companheiro, Emerson, que
sempre me apoia e cuja parceria foi fundamental para realizar essa pós-
graduação.
Agradeço aos meus filhos Vinícius e Mariana por compreenderam minhas
ausências, sempre me receberem com carinho no retorno, serem inspiração e
motivação para estudar o Autismo e buscar ser uma mãe melhor.
À minha orientadora Prof. Dra. Ana Amélia Cardoso pelo auxílio nesse
trabalho, exemplo profissional e apoio para finalizar o curso.
Aos colegas de turma com os quais pude conviver e trocar muitas
experiências.
Aos professores que contribuíram para a minha formação.
RESUMO

O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é um transtorno do


neurodesenvolvimento que afeta a comunicação social e os padrões de
comportamentos, atividades e interesses, que são restritos, repetitivos ou
estereotipados, incluindo aumento ou redução da reatividade a estímulos
sensoriais, bem como interesses incomuns em aspectos sensoriais do ambiente.
As alterações sensoriais em crianças com TEA podem levar a problemas nas
atividades diárias, incluindo a alimentação. Problemas alimentares são descritos
como comuns em crianças com TEA e podem interferir na saúde, crescimento e
desenvolvimento além de terem impacto para as famílias e no convívio social.

Esse trabalho realizou uma revisão de literatura de artigos que tratavam


de dificuldades alimentares e alterações sensoriais em crianças com TEA, para
observar a relação entre esses sintomas, se a detecção desses problemas é
mais comum nesse público alvo, bem como relatar abordagens de intervenção
que considerassem ambos.

A maioria dos estudos encontraram relação entre seletividade alimentar e


transtorno de processamento sensorial, especialmente hipersensilidade, em
crianças com TEA. Ambos problemas foram mais comuns em crianças com TEA
do que em outros grupos comparativos. Poucos estudos foram encontrados com
abordagens que utilizavam estratégias sensoriais, e apenas um mostrou bom
resultado para tratamento da seletividade alimentar em crianças com TEA, que
usava educação parental, abordagens sensoriais entre outras, para lidar com as
preferências alimentares dos filhos.

Os resultados demonstram a importância de intervenção multiprofissional


e a necessidade de mais estudos sobre esses assuntos.

Palavras-chave: Transtorno do Espectro do Autismo, Seletividade


Alimentar, Processamento Sensorial.
ABSTRACT

Autism Spectrum Disorder (ASD) is a neurodevelopmental disorder that


affects social communication and patterns of behavior, activities and interests,
which are restricted, repetitive or stereotyped, including increased or reduced
reactivity to sensory stimuli, as well as interests unusual in sensory aspects of
the environment. Sensory changes in children with ASD can lead to problems in
daily activities, including eating. Eating problems are described as common in
children with ASD and can interfere with health, growth and development, in
addition to having an impact on families and social life.
This work carried out a literature review of articles dealing with eating
difficulties and sensory changes in children with ASD, to observe the relationship
between these symptoms, if the detection of these problems is more common in
this target audience, as well as to report intervention approaches that they
considered both.
Most studies have found a relationship between food selectivity and
sensory processing disorder, especially hypersensitivity, in children with ASD.
Both problems were more common in children with ASD than in other
comparative groups. Few studies have been found with approaches that used
sensory strategies, and only one has shown good results for treating food
selectivity in children with ASD, who used parental education, sensory
approaches, among others, to deal with their children's food preferences.
The results demonstrate the importance of multiprofessional intervention
and the need for further studies about these issues.
Keywords: Autism Spectrum Disorder, Food Selectivity, Sensory
Processing.
SUMÁRIO

1 – INTRODUÇÃO ............................................................................................. 6

2 - OBJETIVOS GERAL E ESPECÍFICOS ........................................................ 9

3 – METODOLOGIA .......................................................................................... 9

4 – RESULTADOS ........................................................................................... 10

4.1 – Seletividade Alimentar, Problemas Alimentares e Autismo .................... 10

4.1.1 – Instrumentos de Avaliação dos Problemas Alimentares ...................... 13

4.2 – Transtornos de Processamento Sensorial e Autismo: ............................ 15

4.3 – Seletividade Alimentar e Transtornos do Processamento Sensorial em


Crianças com TEA ........................................................................................... 18

4.3.1 – Estudos apenas com crianças com TEA ............................................. 19

4.3.2 – Estudos comparativos de crianças com TEA e outro grupo ................ 20

4.4 – Intervenção em seletividade alimentar em crianças com TEA


considerando problemas sensoriais nas abordagens ..................................... 24

5 – DISCUSSÃO .............................................................................................. 27

6 – CONCLUSÃO ............................................................................................ 30

7 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................... 31


6

1. INTRODUÇÃO:

O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é classificado pelo DSM-V


como um transtorno do neurodesenvolvimento, que apresenta como sintomas
déficits persistentes em duas áreas: na comunicação, verbal e não verbal, com
prejuízos na interação social em diversos contextos; e padrões de
comportamentos, atividades e interesses restritos, repetitivos ou estereotipados.
(APA, 2013 citado por MIYAJIMA & COLS., 2017) As alterações sensoriais foram
incluídas na sintomatologia dessa última área, como critério diagnóstico,
considerando aumento ou redução da reatividade a estímulos sensoriais, bem
como interesses incomuns em aspectos sensoriais do ambiente. (AUSDERAU &
COLS., 2014; MCCORMICK & COLS., 2016; MIYAJIMA & COLS., 2017)
Transtorno de processamento sensorial ou disfunção de Integração
Sensorial é definido como a inabilidade do sistema nervoso central em modular,
discriminar, organizar e coordenar as sensações do corpo e do ambiente
adequadamente, segundo Jean Ayres, Terapeuta Ocupacional e Neurocientista
que desenvolveu a Teoria de Integração Sensorial. (SOUZA e NUNES, 2019)
De acordo com Souza e Nunes, (2019) em uma revisão de literatura sobre
o Transtorno de Processamento Sensorial no autismo existem três grandes
categorias: (1) Transtornos Motores de Base Sensorial, que se caracterizam pela
dificuldade em usar o corpo de forma eficiente no ambiente, seja por transtorno
postural ou por dificuldade de planejamento motor; (2) Transtornos de
Discriminação Sensorial, que envolvem déficits em perceber e interpretar
qualidade dos estímulos sensoriais que provoca uma imprecisão de
discriminação; (3) Transtornos de Modulação Sensorial, que envolvem a
dificuldade do sistema nervoso de regular de forma adaptada a intensidade,
duração e frequência da resposta aos estímulos sensoriais, sendo classificados
como hiper-resposta, hiporesposta e procura sensorial.
No DSM-V (APA, 2013) não são descritos todos os padrões sensoriais
discorridos na literatura, mas somente os Transtornos de Modulação Sensorial,
talvez pela prevalência de estudos em crianças com TEA que tratam exatamente
desses transtornos. (SOUZA e NUNES, 2019)
As alterações sensoriais em crianças com TEA influenciam as
experiências corporais e ambientais podendo afetar o comportamento adaptativo
7

dessas crianças, levando a problemas nas atividades diárias, com impacto


negativo sobre as rotinas, incluindo dormir, comer e participar de eventos sociais.
(KIRBY, WHITE E BARANEK, 2015) Alguns estudos e relatos autobiográficos de
indivíduos com TEA sugerem que os comportamentos relacionados à
alimentação costumam ser de rejeição de alimentos pelas suas características
sensoriais como cheiro, textura, cor e temperatura. (CERMAK, CURTIN E
BANDINI, 2010; MARSHALL & COLS., 2014)
Crianças que apresentam características de maior responsividade a
estímulos sensoriais podem apresentar defensividade sensorial, que é uma
reação exagerada a experiências sensoriais, como por exemplo a aversão ou
resposta comportamental negativa ao toque ou contato com texturas. Essa
percepção inadequada, quando ocorre, especialmente na sensibilidade oral e
tátil, mas também no olfato, paladar, visão ou audição, pode resultar em
dificuldades alimentares graves, levando ao comportamento de seleção e
restrição. (CERMAK, CURTIN E BANDINI, 2010)
Em revisão de literatura (MARSHAL & COLS. 2014) sobre as
características de dificuldade alimentar em crianças com TEA, problemas
comportamentais durante as refeições são descritos como motivo de
preocupação frequente para os pais e envolvem tanto a recusa de alimentos, às
vezes com respostas agressivas ou extremas, como jogar a comida, gritar ou
vomitar, quanto exigência de rotinas rígidas quanto a forma de apresentação ou
características dos alimentos, utensílios, pratos e talheres, e ainda rituais ou
obsessões para se alimentar.
Problemas alimentares são descritos como mais comuns em crianças
com TEA do que em crianças com desenvolvimento típico e podem interferir na
nutrição e na saúde dessas crianças, em consequência afetar o crescimento e
desenvolvimento. Além disso, problemas comportamentais durante as refeições
trazem estresse às famílias, levam a uma preparação mais extensa e cuidadosa
das atividades de rotina, têm impacto na participação de atividades de convívio
social e na qualidade de vida, sendo em geral mais pronunciados, começarem
mais precocemente e persistirem por longo período. (NADON & COLS., 2010;
SUAREZ, NELSON E CURTIS, 2012; JOHNSON & COLS., 2014; TANNER &
COLS., 2015; LÁZARO E PONDÉ, 2017; MIYAJIMA & COLS., 2017)
8

Alguns estudos propõem que existem vários fatores relacionados ou


causadores de seletividade alimentar em crianças com TEA, entre eles a
sensibilidade sensorial, que inclui problemas com texturas dos alimentos,
aparência, sabor, cheiro e temperatura; as alterações musculares e funcionais
orais, dificuldades para mastigar, engolir; disfunções fisiológicas, como alergias,
refluxo gastrointestinal e constipação; problemas emocionais como ansiedade e
depressão; inflexibilidade, rigidez de comportamento ou rituais em torno da
alimentação, como usar os mesmos utensílios ou talheres, ter preferências
quanto a forma de preparação e apresentação dos alimentos, não gostar que os
alimentos se toquem no prato; atitudes familiares que envolvem desde os hábitos
e as preferências alimentares até as posturas de incentivo, paciência, insistência
e permissividade dos pais; e questões comportamentais que envolvem ganhos
secundários da criança com a recusa alimentar e comportamentos
perturbadores, como atenção da mãe ou comer apenas o que mais gosta.
(NADON & COLS., 2010; NADON & COLS., 2011; SUAREZ, NELSON E
CURTIS, 2012; HUBBARD & COLS., 2014; JOHNSON & COLS., 2014; LÁZARO
& PONDÉ, 2017; MIYAJIMA & COLS., 2017; SUAREZ, 2O17; CHISTOL &
COLS., 2018; SEIVERLING & COLS., 2018)
A seletividade alimentar em crianças com TEA é um assunto frequente e
que necessita de cuidados terapêuticos. Por isso, é importante que os sintomas
sejam compreendidos pelos profissionais que atendem essas crianças, bem
como as causas e abordagens possíveis para melhorar os problemas.
O conceito de seletividade alimentar ainda não tem uma definição única e
específica e existem poucos trabalhos a respeito do assunto, especialmente em
crianças com TEA e que relatem sobre questões sensoriais tanto como causa
quanto como abordagem de tratamento.
Esse trabalho se propõe a realizar busca na literatura de artigos que
tratem desses temas para esclarecer e discutir a relação entre as dificuldades
alimentares e as alterações sensoriais em crianças com TEA, se a detecção
desses problemas é mais comum nesse público alvo, bem como relatar
abordagens de intervenção que considerem esses dois sintomas ao mesmo
tempo para esse público.
9

2. OBJETIVOS GERAL E ESPECÍFICOS

O objetivo geral desse trabalho é realizar uma revisão narrativa, pesquisar


e analisar artigos que relatem estudos de grupo ou casos clínicos sobre
ocorrência e/ou intervenção quanto a comportamentos de recusa ou seletividade
alimentar e transtorno ou alteração do processamento sensorial em crianças
com Transtorno do Espectro do Autismo.
Os objetivos específicos são responder às questões: 1) Existe relação
entre seletividade alimentar e transtorno de processamento sensorial em
crianças com TEA? 2) A seletividade alimentar é mais comum em crianças com
TEA do que em outros grupos? 3) As abordagens que utilizam estratégias ou
recursos sensoriais mostram bons resultados para tratar a seletividade alimentar
em crianças com TEA?

3. METODOLOGIA

Foi realizada busca de artigos no período de setembro a novembro de


2019 nas seguintes bases eletrônicas de dados: Literatura Latino Americana e
do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Scielo, Pubmed e Cochrane. Esta
busca priorizou estudos publicados sobre seletividade alimentar e alterações
sensoriais em crianças com Transtorno do Espectro do Autismo.
Foram usados como descritores: autismo ou “transtorno do espectro do
autismo”, “transtorno do processamento sensorial” ou “disfunções de integração
sensorial” ou “alterações sensoriais”, “dificuldades alimentares” ou “problemas
alimentares” ou “seletividade alimentar” e seus correspondentes em inglês
combinados. Os idiomas selecionados foram português e inglês. O período de
publicação dos textos estabelecido foi até 10 anos atrás, de setembro de 2009 a
novembro de 2019.
Os critérios de exclusão foram: assuntos que não incluíam questões
sensoriais e/ou alimentares em pessoas com TEA; relacionados à Síndrome de
Rett (por não pertencer ao TEA segundo o DSM-V) ou outros diagnósticos; sobre
achados neurobiológicos; sobre questões apenas nutricionais dos problemas
alimentares; sobre abordagens que não considerassem questões sensoriais no
tratamento da seletividade alimentar de crianças com TEA e não foram usadas
10

revisões bibliográficas nem estudos que não estavam disponíveis na íntegra na


Internet.
Foram selecionados 18 artigos: 7 estudos que incluíram apenas um grupo
de crianças com TEA, 9 estudos comparativos entre grupos e 2 estudos de
intervenções com casos clínicos. Desses, 3 artigos abordavam apenas
alterações sensoriais e autismo, 1 apenas seletividade alimentar e autismo e os
14 restantes abordavam os três temas em conjunto, sendo 3 sobre intervenção.

4. RESULTADOS:

4.1. SELETIVIDADE ALIMENTAR, PROBLEMAS ALIMENTARES E


AUTISMO

O conceito de seletividade alimentar não foi operacionalmente definido de


maneira consistente, nem existem muitos estudos que exploram o padrão
alimentar de crianças com TEA. (BANDINI & COLS., 2010; HUBBARD & COLS.,
2014; TANNER & COLS., 2015) Nadon e cols. (2010 e 2011) usaram como
definição de alimentação seletiva ou exigente problemas alimentares
relacionados à ingestão de variedade limitada de alimentos e recusa em comer
ou saborear novos alimentos. Bandini e cols. (2010) definiram seletividade
alimentar considerando três características: recusa de alimentos, repertório de
dieta limitado e ingestão alimentar única de alta frequência.
Tanner e cols. (2015) questionaram que estudos sobre alimentação
seletiva não apresentam definição objetivamente medida, quantificável e
estabeleceram como definição de pessoa seletiva aquela que consome um total
de 50 alimentos ou menos em um ano, com base em estudo de pesquisa
nacional americana sobre exame de saúde e nutrição que usou um Questionário
Nacional de História da Dieta. A maioria dos estudos não quantifica esse
conceito, mas se baseia na opinião dos pais de que os filhos são exigentes para
comer em questionários e entrevistas.
Marshall e cols. (2016) definiram dificuldades alimentares como o
consumo de variedade alimentar limitada entre grupos de alimentos, como
menos de dez itens por categoria, que eram frutas/ vegetais, alimentos ricos em
proteínas e ricos em carboidratos, ou consumo de uma faixa limitada de texturas
11

apropriadas para a idade, ainda com durações prolongadas das refeições (mais
de 30 minutos), e comportamentos indesejáveis nas refeições.
Em crianças com TEA, os problemas alimentares foram descritos por
Johnson e cols. (2014) como seletividade alimentar, recusa de alimentos e
comportamentos perturbadores nas refeições.
Nadon e cols. (2010) descreveram que as crianças com autismo
apresentam como características: seleção de alimentos pela textura, variedade
limitada, recusa de alimentos, falta de comer a dieta habitual familiar, taxa
inadequada de alimentação, padrões alimentares obsessivos, falha em aceitar
novos alimentos e rotina inadequada para as refeições, que interferem na rotina
diária ou limitam a integração da criança no ambiente social.
Crasta e cols. (2014) descreveram que esse público tem preferências e
práticas alimentares idiossincráticas, menos opções de alimentos por causa de
textura, seletividade de categoria de alimentos e disfagia, que resultam em
recusa alimentar.
Lázaro e Pondé (2017) realizaram estudo utilizando entrevistas
semiestruturadas com dezoito mães de indivíduos com autismo entre 5 e 28
anos, em que descreveram o comportamento alimentar do grupo. Seus
resultados mostraram características comuns a esses indivíduos, tanto no que
se refere a padrões alimentares, quanto a atitudes das famílias e
comportamentos relacionados a alimentação. Os autores encontraram
semelhanças quanto a relatos de dificuldades de amamentação e de
mastigação, mudanças nos hábitos alimentares, preferências restritas a
determinados alimentos, rejeição a temperos, legumes, verduras e frutas,
relação das escolhas com cheiro e textura dos alimentos, mas sem padrão
comum a todos os indivíduos com TEA (alguns gostavam de comida seca,
crocante, outros macia ou amassada).
As preferências e os hábitos alimentares da família, segundo Lázaro e
Pondé (2017) eram semelhantes aos dos indivíduos com TEA, mas alguns se
alimentavam separadamente. A aceitação da recusa alimentar dos filhos, pela
mãe, favorecia a seletividade. Houve relatos de que alguns alimentos afetavam
o comportamento dos indivíduos, como os que continham glúten, leite, chocolate
e café, podendo haver reações de irritação, agitação, aumento das estereotipias,
dificuldades para dormir ou alterações orgânicas como constipação intestinal,
12

gazes, inchaço abdominal. Os alimentos eram usados como moeda de troca,


sendo considerados prêmios aqueles preferidos. O comportamento às vezes
era percebido como estratégia das crianças com TEA para comer apenas
determinados alimentos que gostavam, acontecendo reações exageradas aos
alimentos novos ou que não gostavam, como náusea e vômito, atitudes de
resistência e recusa às vezes agressivas. (LÁZARO E PONDÉ, 2017)
Fazendo um resumo das características das dificuldades alimentares
citadas em crianças com Autismo, temos como resultados: comportamentos
indesejáveis durante as refeições, neofobia alimentar ou medo de experimentar
novos alimentos, rotinas rígidas durante a alimentação, como usar mesmos
utensílios ou talheres, exigências com a comida quanto a forma de fazer ou
apresentação, maneira de comer ritualística ou obsessiva, gama estreita de
alimentos e recusa baseada em características sensoriais (textura, cor, cheiro,
temperatura), preferências por marcas ou embalagens e alimentos ricos em
energia e pobres em nutrientes (em geral evitam frutas e vegetais e preferem
alimentos processados) e ainda falta de prazer em comer na companhia de
outras pessoas por dificuldades de socialização ou falta de motivação social.
(BANDINI & COLS., 2010; NADON & COLS., 2011; SUAREZ, NELSON E
CURTIZ, 2012; HUBBARD & COLS., 2014 JOHNSON & COLS., 2014)
Dificuldades motoras orais foram percebidas por Nadon e cols. (2010) em
quase 15% das crianças com TEA que foram avaliadas em seu estudo, incluindo
dificuldades para mastigar, mover a língua, engolir, babar e apresentar reflexo
de gag, vômito, tosse ou engasgo durante as refeições, assim como Lázaro e
Pondé (2017) na descrição acima.
Miyajima e cols. (2017) ressaltaram que os pais podem ter sentimentos
de menor auto-eficácia e confiança para lidar com os problemas alimentares dos
filhos, não sabendo usar abordagens para mudar o quadro. Nadon e cols. (2010)
relataram que os pais de crianças com TEA dão mais atenção, suporte ou
supervisão a seus filhos com diagnóstico e usam estratégias como recompensas
e distrações para lidar com os problemas alimentares. Lázaro e Pondé (2017)
observaram que a atitude das mães, sendo mais permissivas em aceitar a recusa
alimentar dos filhos, influenciava os seus hábitos alimentares e agravava os
problemas de comportamento durante as refeições, como birras, gritos, choros,
agressões e negociações para ganhar um lanche preferido.
13

4.1.1. INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO DAS DIFICULDADES


ALIMENTARES

Entre os 18 artigos selecionados para o presente estudo, foram


observados seis instrumentos de avaliação padronizados ou validados dos
problemas alimentares.
O instrumento mais frequente nos artigos apareceu em quatro estudos,
de Bandini e cols. (2010), Hubbard e cols. (2014), Tanner e cols. (2015) e Chistol
e cols. (2018), chamado Food Frequency Questionnaire ou Questionário de
Frequência Alimentar modificado para relato dos pais, já que o instrumento
original é usado com crianças e adolescentes entre 9 e 18 anos. Ele contém 126
ou 131 itens alimentares, dependendo do estudo, para os pais marcarem o
consumo regular de alimentos pela criança no último ano (pelo menos uma vez
por semana), bem como os alimentos não oferecidos e os que a criança não
comia, ou seja, era possível saber aqueles que ela recusava entre os que eram
oferecidos. Os pais poderiam citar alimentos que não apareciam no instrumento.
Quatro estudos também, de Bandini e cols. (2010), Johnson e cols.
(2014), Marshall e cols. (2016) e Chistol e cols. (2018), usaram o registro da dieta
alimentar durante três dias consecutivos ou alternados, alguns incluindo um dia
de fim de semana, que é uma medida comum para avaliar dados nutricionais, ou
de ingestão diária de nutrientes, especialmente em crianças com dificuldades
alimentares que tendem a variar pouco a dieta no dia a dia. Índices
antropométricos, como peso, altura e índice de massa corporal (IMC) foram
usados em dois estudos, de Tanner e cols. (2015) e Marshall e cols. (2016).
Três estudos, de Bandini e cols. (2010), Hubbard e cols. (2014) e Chistol
e cols. (2018) usaram o mesmo instrumento, o Children´s Activity and Meal
Patterns Study (CHAMPS), ou Estudo de Padrões de Alimentação e Atividade
das Crianças, que foi desenvolvido em estudo transversal realizado em 2007-
2008, que incluiu crianças com TEA e desenvolvimento típico com idades entre
3 e 11 anos. (BANDINI E COLS., 2010) Esse estudo de atividades e padrões de
refeição das crianças foi realizado com participantes recrutados via Internet,
divulgação em programas da comunidade local, bancos de dados de centros de
atendimento e organizações de apoio ao autismo, que tivessem boa saúde e não
14

usassem medicamentos. Foram avaliados padrões alimentares, horários de


refeições e padrões de atividades físicas.
Dois estudos, de Crasta e cols. (2014) e Johnson e cols. (2014), usaram
o Brief Autism Mealtime Behavior Inventory (BAMBI) ou Inventário Breve do
Comportamento nas Refeições para o Autismo (LUKENS E LINSCHEID 2008,
citado por JOHNSON E COLS., 2014), que é um questionário de 18 itens que
classifica comportamentos comuns às refeições em crianças com TEA (por
exemplo, ''É perturbador durante as refeições'', ''Prefere ter comida servida de
uma maneira particular''). A pontuação total é calculada considerando a
frequência desses comportamentos, sendo que valores mais altos refletem mais
comportamentos problemáticos. O BAMBI foi padronizado com cuidadores de 40
crianças com desenvolvimento típico e 68 crianças com TEA.
Tanner e cols. (2015) usaram um instrumento derivado do BAMBI, o Brief
Assessment of Mealtime Behavior in Children (BAMBIC) ou Avaliação Breve do
Comportamento nas Refeições em Crianças (HENDY, SEIVERLING, LUKENS
E WILLIAMS, 2013 citado por TANNER E COLS., 2015). Trata-se de um
questionário com 10 itens derivados do instrumento anterior para o relato dos
pais sobre o comportamento das crianças nas refeições. Nadon e cols (2010) e
Nadon e cols (2011) usaram um instrumento clínico modificado, desenvolvido
por médicos, chamado Eating Profile ou Perfil Alimentar, que passou por poucos
testes preliminares. Ele tem 145 itens e cobre onze domínios: (1) história
dietética da criança (16 itens) sobre alimentação e comportamentos orais
durante a infância, mudanças na quantidade de ingestão e a percepção dos pais
sobre a adequação da ingestão; (2) saúde infantil (8 itens), com questões sobre
a saúde geral e ganho de peso nos últimos 3, 6 e 12 meses; (3) histórico
alimentar da família (7 itens), sobre a existência de intolerâncias / alergias
alimentares ou seletividade em outros membros da família; (4) comportamentos
da criança nas refeições (23 itens), que se concentram nas habilidades motoras
orais como mastigar, engolir, babar, engasgar, tossir, asfixia e habilidades
sociais de comer com a família e ficar à mesa durante o tempo da refeição; (5)
preferências alimentares (19 itens), que tratam da apresentação, características
e aparência de alimentos; (6) autonomia alimentar (11 itens), que avalia apoio
(utensílios, assentos) e assistência necessária para comer independentemente;
(7) comportamentos fora do horário das refeições (12 itens), que examina o
15

comportamento geral e a integração no meio; (8) impacto na vida diária (8 itens),


que analisa a facilidade /esforço nas refeições; (9) estratégias utilizadas para
resolver as dificuldades encontradas nas refeições (31 itens), que examina
abordagens comportamentais e nutricionais adotadas; (10) habilidades de
comunicação da criança (8 itens), que avalia se as necessidades e intenções
podem ser comunicadas; (11) fatores socioeconômicos da família (2 itens).
As respostas para algumas perguntas do Perfil Alimentar são
dicotomizadas (sim/ não), outras usam uma escala Likert de três, quatro ou cinco
níveis (por exemplo, sempre / frequentemente / raramente / nunca / não
aplicável). Uma página de identificação (12 itens) documenta informações
demográficas como data de nascimento, diagnóstico, comorbidades,
medicamento(s) e etnia. Os autores justificam o uso deste instrumento pelo fato
de que essa ferramenta fornece informações amplas sobre os problemas nas
refeições, especialmente histórico alimentar, autonomia nas refeições e
estratégias usadas pelos pais, sendo importante para planejamento da
intervenção. (NADON E COLS., 2010; e NADON E COLS., 2011)
Marshall e cols. (2016) utilizaram um instrumento chamado Behavior
Pediatrics Feeding Assessment Scale (BPFAS) ou Escala de Avaliação do
Comportamento Alimentar Pediátrica, uma medida de relato do pai / mãe que
contém 35 itens, 25 relacionados a comportamentos alimentares da criança, e
10 que se relacionam com estratégias usadas pelos pais. Os itens foram
apresentados como declaração descritiva (por exemplo, ''come frutas''), que os
pais classificavam pela frequência de comportamento em uma escala Likert de
5 pontos (onde 1 era nunca e 5 era sempre). No estudo, os pais também
indicavam se consideravam cada comportamento específico um problema (sim/
não). Esta ferramenta foi validada com crianças com e sem dificuldades de
alimentação.

4.2 – TRANSTORNOS DE PROCESSAMENTO SENSORIAL E


AUTISMO:

McCormick e cols. (2016) descreveram os sintomas sensoriais de


crianças com TEA de acordo com Miller e cols. (2007) como três padrões: (1)
16

hiperresponsividade, que envolve reações exageradas ao ambiente sensorial,


como cobrir os ouvidos em resposta a sons, sentir desconforto em atividades de
higiene; (2) hiporresponsividade, que são as sub-reações, respostas tardias ou
mesmo falta de resposta a estímulos sensoriais, como não se orientar a sons,
baixa percepção de dor; e (3) busca sensorial que se caracteriza por desejo ou
fascínio por estímulos sensoriais que pode ser de maneira intensa e repetitiva,
como olhar luzes ou objetos de maneira prolongada ou tocar objetos, colocá-los
na boca frequentemente.
Ausderau e cols. (2014) definiram quatro categorias de características
sensoriais em crianças com TEA, além das três anteriores incluíram a percepção
aprimorada, que seria uma acuidade superior na consciência de estímulos
sensoriais específicos como percepção auditiva (de afinação perfeita, por
exemplo) ou visual (percepção de pequenos detalhes).
Os instrumentos mais utilizados nos estudos pesquisados para avaliar as
características sensoriais em crianças foram o Sensory Profile (Perfil Sensorial)
e o Short Sensory Profile (Perfil Sensorial Curto) criados por Dunn em 1999.
(NADON & COLS, 2011; AUSDERAU & COLS., 2014; JOHNSON & COLS.,
2014; TANNER & COLS., 2015; MCCORMICK, 2016; SUAREZ, 2017; CHISTOL
& COLS., 2018) Ambos são questionários respondidos pelos pais sobre as
características de seus filhos em uma escala Likert de 5 pontos que varia do
sempre ao nunca, considerando a frequência de respostas a estímulos
sensoriais em situações da vida diária. O primeiro contém 125 itens sobre nove
fatores de dificuldades de processamento sensorial incluindo: busca sensorial,
reação emocional, baixa resistência / tônus, sensibilidade oral, desatenção /
distração, registro insatisfatório, sensibilidade, sedentarismo, motor fino /
perceptivo. O segundo é composto por apenas 38 itens retirados desse primeiro
instrumento e organizados em sete subescalas que incluem sensibilidade tátil,
sensibilidade ao paladar / olfato, sensibilidade ao movimento, resposta
insuficiente / busca de sensação, filtragem auditiva, baixa energia / fraqueza e
sensibilidade visual / auditiva. A pontuação das respostas é somada e
classificada como padrão típico, diferença provável ou diferença definitiva, de
acordo com a média de uma amostra de crianças com desenvolvimento típico,
testada para validar o instrumento.
17

McCormick e cols. (2016) estudaram os sintomas sensoriais


predominantes entre 2 e 8 anos de idade em três grupos: 29 crianças com TEA,
26 crianças com atraso de desenvolvimento de etiologia mista ou desconhecida
e 24 crianças com desenvolvimento típico, pareando idade cronológica e mental.
Crianças com TEA apresentaram mais sintomas sensoriais gerais e na maioria
das subescalas do Perfil Sensorial Curto (Dunn, 1999 citado por MCCORMICK
E COLS., 2016) do que crianças com desenvolvimento típico. Mas em relação
às crianças com atraso no desenvolvimento, os sintomas foram semelhantes no
geral e na maioria das subescalas, com exceção da sensibilidade ao paladar /
olfato e filtragem auditiva, em que demonstraram sintomas mais graves, o que
os autores associaram aos problemas alimentares frequentes e aos déficits
sociais, como resposta ao nome e outros aspectos do discurso.
Quanto à trajetória dos sintomas sensoriais, McCormick e cols. (2016) não
encontraram, ao longo das faixas etárias testadas, alteração significativa dos
escores sensoriais totais e de subescalas nas crianças com TEA, sugerindo
estabilidade dos sintomas, mas mantendo escores elevados durante todo o
período da infância.
Ausderau e cols. (2014) fizeram um estudo para validar uma avaliação
projetada especificamente para medir respostas comportamentais a estímulos
sensoriais que ocorrem em situações cotidianas em crianças com TEA. O
Sensory Experiences Questionnaire 3.0 (SEQ-3.0), questionário de experiências
sensoriais, é uma ferramenta de 105 itens de relato dos pais que apresenta
experiências em contexto predominantemente social e não social, para crianças
de 2 a 12 anos, incluindo os quatro padrões de características sensoriais e cinco
modalidades: auditiva, visual, tátil, gustativo / olfativo, vestibular / proprioceptivo.
Os primeiros 97 itens são de escala Likert de 5 pontos de nunca a sempre e 8
itens são de questões mais amplas, que permitem resposta qualitativa.
O resultado desse estudo foi de uma amostra de 1307 crianças com
diagnóstico de TEA cujos pais responderam ao questionário on-line SEQ-3.0 e
esse forneceu validação para os quatro padrões sensoriais. Apareceram nos
achados correlações de padrões sensoriais coexistentes como
hiperresponsividade e percepção aprimorada e entre hiporresponsividade e
busca sensorial. Os resultados demonstraram ainda que padrões sensoriais
contribuíram para a gravidade do autismo através de interações bidirecionais.
18

Por exemplo, a medida que o efeito hiperresponsividade aumentou a gravidade


do autismo, o efeito hiporresponsividade diminuiu. As correlações entre os
padrões sensoriais pareceram se relacionar ao diagnóstico, como por exemplo
a hiperresponsividade com percepção aprimorada serem comuns em crianças
com diagnóstico de Transtorno de Asperger relacionadas a um quoeficiente
intelectual mais elevado. Porém o estudo revelou também a heterogeneidade
nessa população. (AUSDERAU & COLS., 2014)
Kirby, White e Baranek (2015) estudaram a relação das características
sensoriais e a tensão dos cuidadores de crianças com TEA e atraso de
desenvolvimento. Eles usaram a primeira versão do Sensory Experiences
Questionnaire com 43 itens, que considerava apenas três padrões de resposta
sensorial. Nesse estudo encontraram, em cuidadores de crianças com TEA,
maiores taxas de tensão objetiva, relacionada a ocorrências negativas
observáveis na prestação de cuidados (falta de tempo, interrupção de trabalho,
dificuldades na rotina, tensão financeira, efeitos físicos e mentais a saúde) e de
tensão subjetiva internalizada que seriam sentimentos negativos (tristeza,
preocupação, pesar). Outro tipo de tensão avaliada no estudo chamada subjetiva
externalizada, que seriam os sentimentos negativos em relação à criança, como
raiva, ressentimento ou constrangimento, foram relatados em baixas taxas,
talvez pela dificuldade dos cuidadores em admitir esses sentimentos em relação
aos filhos.
Nesse estudo, as crianças com TEA que apresentaram os níveis mais
altos tanto de hiper quanto hiporresponsividade se relacionaram a maior nível de
tensão objetiva dos cuidadores e a hiperresponsividade também elevou a tensão
subjetiva internalizada, especialmente sentimentos de preocupação e tristeza.
Enquanto os comportamentos de busca sensorial se relacionaram com a
diminuição do nível de tensão objetiva, explicado pelos autores possivelmente
pelo engajamento das crianças em atividades sensoriais prazerosas facilitando
para os cuidadores a realização da rotina já que as crianças não demandariam
tanta atenção. (KIRBY, WHITE E BARANEK, 2015)

4.3. SELETIVIDADE ALIMENTAR E TRANSTORNOS DO


PROCESSAMENTO SENSORIAL EM CRIANÇAS COM TEA
19

4.3.1. ESTUDOS APENAS COM CRIANÇAS COM TEA

Quatro estudos encontrados estudaram grupos apenas de crianças com


autismo para investigar os problemas alimentares e os fatores relacionados. Em
três estudos (NADON & COLS., 2011; SUAREZ, NELSON E CURTIS, 2012;
JOHNSON & COLS., 2014) que investigaram a relação entre processamento
sensorial e as dificuldades alimentares, todos encontraram relação entre
seletividade alimentar e hipersensibilidade. Um estudo (TANNER & COLS.,
2015) encontrou no grupo de crianças com TEA e seletividade alimentar
pontuações mais altas apenas na sensibilidade de paladar e olfato.
Nadon e cols. (2011) realizaram um estudo para estabelecer relação entre o
processamento sensorial e os problemas alimentares em 95 crianças com TEA
entre 3 e 10 anos, usando perfil alimentar e o perfil sensorial curto. O estudo
associou a alimentação a uma experiência sensorial complexa, pois a criança
precisa lidar com a aparência, os odores, as texturas e sabores dos alimentos,
além do componente auditivo do ambiente, da presença de outras pessoas, da
própria mastigação, e o planejamento motor e controle postural para pegar e
utilizar os alimentos e utensílios. As crianças com problemas sensoriais definidos
apresentaram mais problemas alimentares, tanto no escore total quanto nas
categorias de sensibilidade tátil, sensibilidade ao paladar / olfato, sensibilidade
visual / auditiva e filtragem auditiva. Crianças com defensividade ou
hiperresponsividade apresentaram problemas como babar, falta de apetite,
comportamentos difíceis nas refeições, preferências alimentares incomuns com
marcas, receitas, cor, textura e temperatura da comida, além de afetar a
aceitação e a exploração dos alimentos e dos utensílios com as mãos.
Suarez, Nelson e Curtiz (2012) investigaram a relação da seletividade
alimentar com a hiperresponsividade sensorial e também com fatores fisiológicos
e idade em 141 crianças com TEA entre 3 e 9 anos, usando um questionário
criado para o estudo com 72 itens sobre os fatores pesquisados. Da amostra,
45% ingeriam menos de 20 alimentos e esses apresentavam significativa
hiperresponsividade sensorial, especialmente tátil. Não foi encontrada relação
entre seletividade alimentar e idade ou problemas fisiológicos, como refluxo
20

gastroesofágico, prisão de ventre, alergias alimentares, necessidade de dieta


especializada.
Johnson e cols. (2014) examinaram a relação entre problemas
alimentares e os comportamentos sensoriais, sociais, de comunicação,
repetitivos e ritualísticos, de internalização e externalização e níveis cognitivos
em 256 crianças com TEA entre 2 e 11 anos, usando seis instrumentos com
dados preenchidos pelos pais. Os problemas alimentares foram relacionados a
hiperresponsividade sensorial e a comportamentos repetitivos e ritualísticos
altos, além de problemas de comportamento nas refeições de externalização
como disruptivos, agressividade, e de internalização como ansiedade. Não foi
observada relação entre comportamentos alimentares e níveis cognitivos ou
gravidade dos sintomas de autismo, comunicação e comportamentos sociais.
Tanner e cols. (2015) compararam 35 crianças com TEA entre 4 e 10 anos
em dois grupos, um com seletividade alimentar e outro não. Avaliaram a relação
entre a seletividade e os comportamentos nas refeições, a reatividade sensorial,
os comportamentos desafiadores, de ansiedade, compulsivos e ritualísticos. A
seletividade mostrou relação com comportamento compulsivo geral e repetitivo
nas refeições, mas não houve correlação com problemas sócio-emocionais,
comportamentos desafiadores ou transtorno de processamento sensorial.
Todos os estudos ressaltaram a importância de se avaliar os aspectos
sensoriais em crianças com TEA e seletividade alimentar, além de uma
intervenção multidisciplinar.

4.3.2. ESTUDOS COMPARATIVOS DE CRIANÇAS COM TEA E OUTRO


GRUPO

Seis estudos (BANDINI & COLS., 2010; NADON & COLS., 2010;
HUBBARD & COLS., 2014; MARSHALL & COLS., 2016; SUAREZ, 2017;
CHISTOL & COLS., 2018) compararam um grupo de crianças com TEA com
outro de crianças com desenvolvimento típico (DT), sendo que um deles
(MARSHALL & COLS., 2016) comparou em ambos grupos crianças que tinham
problemas alimentares. Um estudo (CRASTA & COLS., 2014) comparou
crianças com TEA com crianças com deficiência intelectual. Em todos os artigos,
os problemas alimentares foram mais frequentes ou graves nas crianças com
21

TEA. Em seis artigos, os problemas de processamento sensorial também foram


mais comuns nesse grupo, demonstrando relação entre os sintomas.
Nadon e cols. (2010) examinaram os problemas alimentares de crianças
com TEA e seus irmãos de desenvolvimento típico, entre 3 e 12 anos, em 48
famílias, usando o perfil alimentar. As crianças com TEA tiveram mais problemas
alimentares que os irmãos, especialmente as mais novas. Maior número delas
ingeria menos de 20 alimentos diferentes, não ficava assentada durante as
refeições, tinha dificuldades motoras orais, precisava de supervisão ou
assistência para se alimentar, era seletiva com relação a textura, temperatura e
tipo de receita, apresentando sinais precoces dessa dificuldade desde a
transição de comida pastosa para texturizada. As crianças com TEA também
apresentavam mais condições médicas associadas como transtorno do déficit
de atenção, hiperatividade, comprometimento intelectual e tomavam mais
medicamentos. Os problemas alimentares relatados tiveram impacto sobre a
rotina da família e foram causa de estresse.
Bandini e cols. (2010) realizaram um estudo com objetivo de definir
seletividade e comparar índices de 53 crianças com TEA e 58 crianças com DT
entre 3 e 11 anos, avaliando o impacto na adequação de nutrientes, com uso de
5 instrumentos sobre comportamento nas refeições, hábitos alimentares,
confirmação de diagnóstico de TEA, habilidades adaptativas e cognitivas. Esse
estudo não avaliou diretamente alterações sensoriais. A definição de
seletividade considerou três fatores: recusa de alimentos, repertório limitado de
dieta e ingestão alimentar única de alta frequência. As crianças com TEA
recusaram mais alimentos no geral e entre os vegetais e em porcentagem dos
oferecidos, tinham repertório alimentar mais limitado, mas poucos relataram
consumo frequente de um único alimento, talvez pela frequência ter sido definida
como mais de 4 vezes ao dia. A recusa e o repertório limitado foram associados.
Foi observado também que entre as crianças com TEA, especialmente aquelas
com dieta especial, muitos alimentos não foram oferecidos, talvez pela história
de recusa da criança. A exigência alimentar não foi superada nos dois grupos
com a idade, sendo que as crianças com DT demonstraram níveis de recusa e
repertório alimentar semelhantes por idade e as com TEA mais velhas tiveram
menos recusa, mas repertório limitado da mesma forma. A seletividade alimentar
foi associada a maior risco de inadequação nutricional.
22

Hubbard e cols. (2014) também realizaram um estudo comparando recusa


alimentar baseada nas características dos alimentos em 53 crianças com TEA e
58 crianças com DT entre 3 e 11 anos. Eles avaliaram se a recusa foi maior em
crianças com TEA, se houve maior porcentagem de alimentos recusados entre
os oferecidos e a ingestão de frutas e vegetais. Foram usados quatro
instrumentos para avaliar comportamento na refeição, processamento sensorial,
hábitos alimentares, questões médicas e demográficas. A consistência, textura
foi relatada com mais frequência como motivo de recusa de alimentos tanto em
crianças com TEA quanto crianças com DT, mas a prevalência foi maior nas
primeiras. Alimentos misturados foi outro motivo de recusa em crianças com
TEA, assim como gosto e cheiro. A recusa por causa de temperatura, porque os
alimentos se tocavam no prato ou por causa da cor foi pequena e não diferiu nos
dois grupos. A recusa por marca e forma foi incomum, mas ocorreu mais entre
crianças com TEA. O grupo TEA relatou mais características para recusar
alimentos (mais de 3) e a intensidade desses relatos foi associada com níveis
mais altos de recusa. O consumo de frutas e vegetais foi associado ao paladar
e olfato e a cor em baixa frequência, o que diminuiu a variedade de frutas e
legumes, mas em quantidades semelhantes. Os principais motivos de recusa
dos alimentos foram associados a dificuldades de sensibilidade oral ou tátil e
rigidez comportamental. O estudo menciona a importância da equipe
interdisciplinar (médico, nutricionista, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo,
psicólogo e assistente social) para tratar os problemas alimentares nesse
público, devido a sua complexidade.
Chistol e cols. (2018) fizeram um novo estudo com dois grupos de 53
crianças com TEA e 58 crianças com DT entre 3 e 11 anos, para examinar
processamento sensorial oral atípico, relacionar com seletividade alimentar nas
crianças com autismo e com o consumo de frutas e vegetais, usando seis
instrumentos sobre comportamento nas refeições, hábitos alimentares,
confirmação de diagnóstico de TEA, habilidades adaptativas e cognitivas. As
crianças com TEA apresentaram pontuações mais baixas no teste de perfil
sensorial indicando processamento sensorial atípico em sete das nove
subescalas. A maioria foi classificada como atípica ou hipersensível quanto a
sensibilidade oral. Essa característica foi associada a níveis mais altos de recusa
alimentar e menor variedade de repertório geral e de frutas e vegetais. O estudo
23

também ressaltou a importância de equipe multidisciplinar no tratamento desses


problemas, bem como um plano individualizado, de acordo com as
características sensoriais únicas de cada criança.
Suarez (2017) comparou a aceitação de alimentos em laboratório entre
um grupo de 31 crianças com TEA e 21 crianças com DT, entre 4 e 14 anos, e
avaliou a relação entre aceitação, idade da criança, padrão de processamento
sensorial e gravidade do autismo, usando dois instrumentos sobre
responsividade social e processamento sensorial, um questionário com dados
pessoais e um registro da observação da aceitação de frutas, vegetais, laticínios,
proteínas e lanches em ambiente controlado. As crianças com TEA aceitaram
menos alimentos em cada categoria, com exceção dos lanches, sendo que
crianças mais novas apresentaram maior recusa, talvez por ter que lidar com
ambiente e pessoas desconhecidas. As diferenças no processamento sensorial
em todas as áreas do Perfil Sensorial se relacionaram à menor aceitação de
alimentos, com exceção da categoria baixa energia / fraqueza. Não foi observada
relação entre alimentos aceitos e gravidade dos sintomas de autismo. O estudo
destacou a importância de se avaliar o processamento sensorial em crianças
com seletividade alimentar, com ou sem TEA.
Marshall e cols. (2016) avaliaram dois grupos com dificuldades
alimentares, entre 2 e 6 anos, sendo um de 33 crianças com TEA e outro de 35
crianças com história alimentar complexa, mas sem diagnóstico clínico, ou seja,
sem causas orgânicas, para descrever e comparar as características dos
problemas alimentares, as habilidades motoras orais, o processamento sensorial
oral e o estresse dos pais. Foram usados como instrumentos de avaliação o
registro da dieta de três dias, avaliação de habilidades motoras orais, perfil
sensorial, medidas de peso e estatura, uma avaliação de comportamento
alimentar, avaliação do desenvolvimento, do comportamento geral e avaliação
de estresse dos pais. As características dos dois grupos foram muito
semelhantes, exibindo alta proporção de dificuldades motoras orais e
hipersensibilidade oral, baixo consumo de frutas e legumes não processados,
mas com ingestão calórica adequada. Porém foram observadas diferenças: as
crianças com TEA apresentavam maior peso, altura e IMC (talvez por busca de
intervenção alimentar mais precoce), apresentaram menor variedade alimentar,
mais atraso global de desenvolvimento, os pais relataram mais estresse geral e
24

mais comportamentos difíceis fora do horário das refeições, que poderiam ser
características mais relacionadas ao autismo do que às dificuldades alimentares.
Por sua vez, os pais das crianças do outro grupo relataram mais
comportamentos difíceis durante as refeições. As semelhanças entre os dois
grupos fizeram os autores sugerirem abordagens semelhantes de intervenção,
bem como equipe multidisciplinar. Problemas alimentares foram associados com
hipersensibilidade oral que podem levar à recusa, tendência a comer os mesmos
alimentos, engasgos e comportamentos difíceis nas refeições.
Crasta e cols. (2014) compararam problemas alimentares e
processamento sensorial em 41 crianças com autismo e 56 crianças com
deficiência intelectual entre 3 e 10 anos, usando avaliação de comportamento
alimentar, medida de processamento sensorial, avaliação de autismo, de
inteligência, de desenvolvimento e maturidade social. Os problemas alimentares
em crianças com TEA foram mais graves e mais frequentes, especialmente em
crianças pequenas, e elas apresentaram mais comportamentos disruptivos nas
refeições e seletividade excessiva. Os problemas alimentares foram associados
a dificuldades sensoriais, tanto oral quanto multissensorial, e também a níveis
mais graves de autismo. Algumas características do TEA foram relacionadas a
esses quadros alimentares mais graves e restritos, como concentração nos
detalhes, perseverança, impulsividade, medo de novidade, dificuldades
sensoriais, funcionais, como falta de planejamento e flexibilidade mental para
realizar as tarefas alimentares. Os autores sugerem que estes aspectos
precisam ser abordados na terapia.

4.4. INTERVENÇÃO EM SELETIVIDADE SENSORIAL EM CRIANÇAS


COM TEA CONSIDERANDO PROBLEMAS SENSORIAIS NAS
ABORDAGENS

Foram encontrados apenas três artigos com relato de intervenção de


problemas alimentares em crianças com TEA utilizando abordagens que
consideravam as questões sensoriais.
Dois deles relataram tratamentos com uma abordagem baseada na
Análise Aplicada do Comportamento, conhecida como ABA, que tem apoio
empírico na literatura científica, um deles combinando o uso de abordagem
25

sensorial com alguns pacientes e outro comparando com uma abordagem


sensorial oral sequencial.
Seiverling e cols. (2018) realizaram estudo com dois meninos com TEA e
seletividade alimentar severa usando intervenção alimentar comportamental,
combinada em alguns momentos com terapia de Integração Sensorial pré-
refeição de tratamento e em outros momentos sem, para comparar se os
estímulos sensoriais tinham efeito de aprimoramento da intervenção. Kenny, um
menino de 5 anos e 2 meses, tinha uma dieta basicamente de fórmula pediátrica
na mamadeira, e Evan, um menino de 6 anos e 1 mês, tinha dieta de iogurte,
cereal quente, um tipo de biscoito e água numa garrafa específica. Ambos foram
avaliados por Terapeuta Ocupacional e os cuidadores preencheram o Child
Sensory Profile 2 ou Perfil Sensorial da Criança 2 para diagnosticar
comprometimento de processamento sensorial e estabelecer quais atividades de
Integração Sensorial seriam realizadas com cada criança. Os resultados não
mostraram efeito de aprimoramento dessa abordagem na intervenção
comportamental com nenhum dos meninos. Ambos exibiram melhoras no
consumo de alimentos e diminuição de comportamentos inapropriados nas
refeições com ou sem as atividades sensoriais. Os pais de Evan relataram
melhora no comportamento de transição para a cadeira de refeição após as
atividades de Integração Sensorial, mas esse resultado não foi medido pelo
estudo.
Petterson, Piazza e Volkert (2016) fizeram estudo comparativo entre um
tratamento com abordagem ABA e uma abordagem sensorial oral sequencial,
conhecido como procedimento SOS, que é ensinado e treinado nos Estados
Unidos em cursos para tratamento de problemas alimentares. O terapeuta que
administrou esse tipo de terapia fez o curso básico e o avançado no método.
Três participantes foram acompanhados pelo tratamento ABA pareados com
outros três pelo procedimento chamado M-SOS, devido a algumas modificações.
Todos consumiam menos de 20 alimentos no total inicialmente. Eles
participaram de sessões de 1 hora e meia, três vezes por semana, até que a
aceitação dos alimentos-alvo, três para cada, fosse superior a 80% em um dos
métodos. Todas as crianças no tratamento da ABA tiveram resultados melhores
e mais rápidos, em 9, 12 e 16 consultas, enquanto no M-SOS as crianças haviam
26

conseguido apenas alcançar a etapa de tolerância visual, dois tocaram em


alimentos e apenas uma criança mordeu, mas cuspiu um alimento-alvo.
Depois de alcançar os resultados, todas as crianças continuaram o estudo
recebendo o tratamento ABA. Duas crianças que participaram primeiro do
procedimento M-SOS mostraram generalização do tratamento, aceitando
inclusive alimentos que não foram apresentados anteriormente. Esse dado
sugeriu que a abordagem sensorial produziu um efeito de dessensibilização que
favoreceu a aceitação de alimentos, mesmo na ausência do tratamento ABA,
reduzindo também o pedido de remoção da colher ou recusa. Esse resultado,
como o estudo conclui, precisa de mais pesquisas para avaliar se esse efeito se
repetiria. (PETTERSON, PIAZZA E VOLKERT, 2016)
O tratamento M-SOS utilizava seis etapas com subetapas na
apresentação dos alimentos: (1) tolerância visual, para a criança aceitar ver os
alimentos em distâncias maiores até se aproximarem; (2) interação indireta, que
envolvia ajudar no preparo da comida, tocar com utensílios ou pegar com
guardanapo; (3) etapa do olfato, em que a criança cheira os alimentos; (4) etapa
do toque com partes do corpo, dedos até lábios e dentes; (5) etapa da
degustação, que envolve tocar a língua, lamber, morder, colocar na boca,
mastigar, mas ainda cuspir; (6) alimentar-se, mastigar e engolir ainda que
pequena parte ou com bebida, inicialmente. Essas etapas que ajudariam a
criança a melhorar a recusa ou aversão a determinados alimentos ou texturas,
ou seja, uma dessensibilização. O terapeuta também ajudava com instruções
verbais, modelo, ajuda física parcial e total se preciso. (PETTERSON, PIAZZA E
VOLKERT, 2016)
Uma característica do tratamento sensorial oral M-SOS foi que os
alimentos eram alterados constantemente quanto a suas características
sensoriais ou eram substituídos por outros se a criança interagisse com três
alimentos ou comesse um ou mais e se ela não interagisse por três sessões
consecutivas, o que variava ou tornava muito flexível a lista de alimentos
apresentados. Os comportamentos inapropriados eram motivos para encerrar a
sessão, enquanto no ABA eles eram ignorados e os alimentos continuavam a
ser apresentados. Os autores relatam que muitas vezes a análise funcional do
comportamento mostra que ele é mantido por escape. Esses fatores podem ter
contribuído para os resultados piores da abordagem M-SOS, já que os
27

comportamentos inapropriados aumentaram e a aceitação dos alimentos não


melhorou.
Miyajima e cols. (2017) apresentaram um programa de intervenção com
educação dos pais e dinâmicas de grupo para identificar os fatores que
influenciavam nas preferências alimentares, incluindo funções sensoriais (sabor,
textura, aparência, cor, cheiro, som, temperatura), orais (habilidades de
mastigação e deglutição), cognitivas (habituação, previsibilidade e obsessão ou
rigidez) e ambientais (assistência, encorajamento, clima agradável e sem
tensão, lugar ou companhia), para discutir e melhorar suas abordagens e sua
auto-eficácia para lidar com a alimentação seletiva dos filhos com TEA. Os
resultados mostraram que os pais passaram a implementar novas abordagens,
melhoraram sua percepção de auto-eficácia e do grau de desequilíbrio alimentar
e as crianças melhoraram o número de itens alimentares aceitos.
Esse último estudo mostra a importância de usar o conhecimento de
fatores relacionados a seletividade alimentar para engajar os pais na
estimulação em casa para melhorar a aceitação de alimentos. As características
sensoriais das crianças, assim como a relação que têm com a preferência e
recusa da comida, podem favorecer a aceitação em casa pela mudança na forma
de preparo ou apresentação dos alimentos em textura, cor, cheiro, temperatura,
misturas ou separação de itens. A evolução das intervenções em geral é
potencializada quando existe a participação da família na condução em ambiente
domiciliar e social também.

5. DISCUSSÃO

Como dito anteriormente, esse trabalho se propôs a realizar um


levantamento de artigos que abordassem as dificuldades alimentares e as
alterações sensoriais em crianças com TEA, fazendo uma revisão de literatura
narrativa da relação entre esses problemas e das abordagens de intervenção
com esse público que considerassem ambos sintomas.
Respondendo às questões, onze estudos (NADON & COLS., 2010;
NADON & COLS., 2011; SUAREZ, NELSON E CURTIS, 2012; CRASTA &
COLS., 2014; HUBBARD & COLS., 2014; JOHNSON & COLS., 2014; TANNER
& COLS., 2015; MARSHALL & COLS., 2016; LÁZARO E PONDÉ, 2017;
28

SUAREZ, 2017; CHISTOL & COLS., 2018) que abordavam os três temas
centrais, autismo, problema alimentar e alteração sensorial, encontraram relação
entre seletividade alimentar e transtorno de processamento sensorial em
crianças com TEA. A seletividade alimentar foi mais comum em crianças com
TEA do que em outros grupos em todos os sete estudos comparativos (BANDINI
& COLS., 2010; NADON & COLS., 2010; CRASTA & COLS., 2014; HUBBARD
& COLS., 2014; MARSHALL & COLS., 2016; SUAREZ, 2017; CHISTOL &
COLS., 2018). Poucos estudos (PETTERSON, PIAZZA E VOLKERT, 2016;
MIYAJIMA & COLS.; 2017 SEIVERLING & COLS.; 2018) foram encontrados com
abordagens que utilizavam estratégias sensoriais, apenas três, sendo que
somente um (MIYAJIMA E COLS.; 2017) mostrou bom resultado para tratar a
seletividade alimentar em crianças com TEA, que foi o de educação parental que
discutiu diversas estratégias, não só sensoriais, para os pais lidarem com as
preferências alimentares dos filhos.
Os três estudos (AUSDERAU & COLS., 2014; KIRBY, WHITE E
BARANEK, 2015; MCCORMICK E COLS., 2016) que abordavam
exclusivamente de aspectos sensoriais em crianças com TEA apresentaram os
padrões sensoriais nessa população. McCormick e Cols, (2016) ressaltaram
mais sintomas na sensibilidade ao paladar / olfato e filtragem auditiva, o que foi
associado aos problemas alimentares e aos déficits sociais. Ausderau e cols.,
(2014) destacaram quatro categorias comportamentais de resposta sensorial,
hiporresponsividade, hiperresponsividade, busca sensorial e percepção
apromorada, mas em padrões heterogêneos e associaram a
hiperresponsividade a maior gravidade do autismo. Kirby, White e Baranek,
(2015), correlacionaram o aumento da tensão objetiva, de impacto observável
na vida do cuidador, e da tensão subjetiva internalizada, ou seja, sentimentos
negativos, com a hiperresponsividade também.
Esses achados apontam que a relação entre seletividade alimentar e
alterações de processamento sensorial, especialmente a hiperresponsividade
oral, tem sido percebida e documentada em crianças com TEA, mas ainda em
poucos estudos. Alguns achados recorrentes nos artigos demonstram
dificuldades nessa área, que seriam: a falta de definição consistente da
seletividade alimentar; a heterogeneidade da população com TEA; poucos
instrumentos que avaliam problemas alimentares, não havendo ainda nenhum
29

considerado padrão ouro; a maioria dos estudos serem baseados em relato dos
pais e poucos em observação direta; e com amostras pequenas.
Não foi observado o uso de um instrumento de avaliação preferencial ou
que tenha sido usado frequentemente na área de problemas alimentares, o que
provavelmente está relacionado a poucas pesquisas nessa área, percebida pela
própria dificuldade em definir a seletividade alimentar em critérios qualitativos e
quantitativos.
A associação encontrada nos estudos entre seletividade alimentar e
transtornos do processamento sensorial foi relacionada à necessidade de uma
equipe de intervenção multiprofissional, que avalie amplamente as questões
complexas envolvidas nos problemas alimentares, em geral acompanhados de
transtornos do processamento sensorial, especialmente a hipersensibilidade. O
Terapeuta Ocupacional para avaliar e intervir nas questões sensoriais,
comportamentais e de autonomia da criança nas refeições. O Fonoaudiólogo
para avaliar e favorecer as habilidades motoras orais, relacionadas a estratégias
alimentares. O Nutricionista para avaliar e tratar a adequação da ingestão de
nutrientes na dieta restrita. O Psicólogo para acompanhar os problemas
comportamentais, disruptivos ou de ansiedade da criança, bem como o estresse
familiar. O Médico para acompanhar a saúde geral e efeitos adversos da
alimentação restritiva. O Assistente Social para acompanhar os efeitos que a
restrição alimentar pode provocar na família.
Ainda são necessários mais estudos, principalmente sobre intervenção
usando abordagens sensoriais, para que se possa esclarecer como os
problemas de processamento sensorial podem influenciar nas questões
alimentares e o tratamento desses sintomas podem ser associados. A
dessensibilização de alguns pacientes e generalização da aceitação de
alimentos que não foram usados durante o tratamento ABA, após uma
abordagem sensorial, foram percebidos em um dos estudos (PETTERSON,
PIAZZA E VOLKERT, 2016), o que mostra que a associação de procedimentos
de aceitação dos alimentos em etapas sensoriais pode favorecer resultados mais
rápidos e amplos nas abordagens comportamentais que já tem documentados
bons resultados de intervenção. Esse seria um assunto para um novo estudo.
Os achados desse estudo corroboram com outras duas revisões de
literatura sobre o mesmo assunto (MARSHALL & COLS., 2014; CERMAK,
30

CURTIN E BANDINI, 20100). A seletividade alimentar em crianças com TEA


costuma ser maior do que em outros grupos; apresenta relação com as
características sensoriais dos alimentos, especialmente texturas, o que indica
que alterações sensoriais são comuns; são relatados comportamentos difíceis
durante as refeições e dificuldades oro-motoras em alguns casos também.

6. CONCLUSÃO

Essa revisão bibliográfica mostrou resultados expressivos sobre a relação


entre problemas alimentares e distúrbios de processamento sensorial, bem
como na prevalência de seletividade alimentar em crianças com TEA, apesar de
abordar poucos artigos.
Pode-se perceber que esse campo precisa ser mais estudado e
esclarecido, especialmente no que diz respeito à intervenção nessa área e com
esse público. Ainda é preciso desenvolver mais estudos, com amostras mais
amplas, com desenho longitudinal, para que as avaliações sobre problemas
alimentares também se tornem mais sólidas e o conhecimento nessa área se
torne mais empírico.
Apesar da forte relação entre os três assuntos abordados, a consequência
desse fato ainda não foi estudada. É preciso considerar as questões sensoriais
ao se abordar os problemas alimentares, especialmente nas crianças com TEA,
papel de uma equipe de intervenção, necessária para abordar um problema tão
complexo, conforme abordado nos artigos pesquisados.
31

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA): DSM-V. Associação


Americana de Psiquitaria. DSM-5 Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais, 2013

AUSDERAU, Karla; SIDERIS, John; FURLONG, Melissa; LITTLE, Lauren M.;


BULLUCK, John e BARANEK, Grace T. National Survey of Sensory Features
in children with ASD: Factor Structure of the Sensory Experience
Questionnaire (3.0). Journal Autism and Developmental Disorders, 2014 April;
44 (4): 915-925.

BANDINI, Linda G.; ANDERSON, Sarah E.; CURTIN, Carol; CERMAK, Sharon;
EVANS, E. Whitney; SCAMPINI, Renee; MASLIN, Melissa; MUST, Aviva. Food
selectivity in children with autism spectrum disorder and typically
developing children. The Journal of Pediatrics, 2010 August; 157(2): 259–264.

CHISTOL, Liem T.; BANDINI, Linda G.; MUST, Aviva; PHILLIPS, Sarah;
CERMAK, Sharon A.; CURTIN, Carol. Sensory sensitivity and food selectivity
in children with autism spectrum disorder. Journal of Autism and
Developmental Disorders, 2018 February; 48(2): 583–591.

CRASTA, Josias E.; BENJAMIN, Tanya E. SURESH, Ann Patricia C.; THANKA,
Merlin; ALWINESH, Jemi; KANNIAPPAN, Gomathi; PADANKATTI, Sanjeev M.;
RUSSELL, Paul S. S.; NAIR, MKC. Feeding Problems Among Children with
Autism in a Clinical Population in India. The Indian Journal of Pediatrics, 2014
November.

CERMAK, Sharon A, CURTIN, Carol, BANDINI, Linda G. Food selectivity and


sensory sensitivity in children with autism spectrum disorders. Journal of
the American Dietetic Association, 2010 February; 110 (2): 238-246.
32

HUBBARD, Kristie L.; ANDERSON, Sarah E.; CURTIN, Carol; MUST, Aviva;
BANDINI, Linda G. A comparison of food refusal related to characteristics
of food in children with autism spectrum disorder and typically developing
children. Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics. 2014 December;
114(12): 1981–1987.

JOHNSON, Cynthia R.; TUMER, Kylan; STEWART, Patricia A.; SCHMIDT,


Brianne; SHUI, Amy; MACKLIN, Eric; REYNOLDS, Anne; JAMES, Jill;
JOHNSON, Susan L.; COURTNEY, Patty M.; HYMAN, Susan L. Relationships
Between Feeding Problems, Behavioral Characteristics and Nutritional
Quality in Children with ASD. Journal of Autism and Developmental Disorders,
2014 March.

KIRBY, Anne V.; WHITE, Tamira J. e BARANEK, Grace T. Caregiver Strain and
Sensory Features in Children with Autism Spectrum Disorder and other
Developmental Disabilities. American Journal Intellect Developmental
Disabilities, 2015 January; 120 (1):32-45.

LÁZARO, Cristiane P. e PONDÉ, Milena. Narratives of mothers of children


with autism spectrum disorders: focus on eating behavior. Trends
Psychiatry Psychother, 2017; 39 (3): 180-187.

MARSHALL, Jeanne; HILL, Rebecca ; ZIVIANI, Jenny; DODRILL, Pamela.


Features of feeding difficulty in children with Autism Spectrum Disorder.
International Journal of Speech-Language Pathology, 2014; 16(2):151-158.

MARSHALL, Jeanne; HILL, Rebecca J.; WARE, Robert S.; ZIVIANI, Jenny;
DODRILL, Pamela. Clinical characteristics of 2 groups of children with
feeding difficulties. Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition, volume
62, n.1, 2016 January.

MCCORMICK, Carolyn; HEPBURN, Susan; YOUNG, Gregory S.; ROGERS,


Sally J. Sensory Symtoms in children with Autism Spectrum Disorder, other
33

developmental disorders and typical development: A longitudinal study.


Autism. 2016 July; 20(5): 572–579

MIYAJIMA, Ayumi; TATEYAMA, Kiyomi; FUJI, Shiori; NAKAOKA, Kazuyo;


HIRAO, Kazuhisa; HIGAKI, Kazuo. Development of an intervention
programme for selective eating in children with autism spectrum disorder.
Hong Kong Journal of Occupational Therapy, 2017; 30, 22-32, 2010.

NADON, Genevi`eve; FELDMAN, Debbie E.; DUNN, Winnie e GISEL, Erika.


Mealtime problems in children with autism spectrum disorder and their
typically developing siblings: a comparison study. Autism OnlineFirst, 2010
May 18.

NADON, Genevi`eve; FELDMAN, Debbie E.; DUNN, Winnie e GISEL, Erika.


Association of sensory processing and eating problems in children with
autism spectrum disorders. Hindawi Publishing Corporation, Autism Research
and Treatment, volume 2011.

PETTERSON, Kathryn M.; PIAZZA, Catleta C. e VOLKERT, Valerie M. A


comparison of a modified sequential oral sensory approach to an applied
behavior-analytic approach in the treatment of food selectivity in children
with autism spectrum disorder. Journal of Applied Behavior Analysis, 2016, 49
n.3, 485-511.

SOUZA, Renata F.; NUNES, Débora R. P.. Transtornos do processamento


sensorial no autismo: algumas considerações. Revista Educação Especial,
v. 32, 2019, Santa Maria.

SUAREZ, Michelle A. Laboratory food acceptance in children with autism


spectrum disorder compared with children with typical development.
American Journal of Occupational Therapy, 71, 7106220020, 2017.

SUAREZ, Michelle A.; NELSON, Nickola W. e CURTIS, Amy. Associations of


psysiological factors, age, sensory over-responsivity with food selectivity
34

in children with autism spectrum disorders. The open Journal of Occupational


Therapy, 1 (1), 2012.

TANNER, Kelly; CASE-SMITH, Jane Marcia; NAHIKIAN-NELMS, Karen;


RATLIFF-SCHAUB, Karen; SPEES, Colleen; DARRAGH, Amy R. Behavioral
and physiological factors associated with selective eating in children with
autism spectrum disorder. American Journal of Occupational Therapy, 69,
6906180030, 2015.

SEIVERLING, Laura; ANDERSON, Kisha; ROGAN, Christine; ALAIM, Christina;


ARGOTT, Paul; PANORA, Julio. A comparison of a behavioral feeding
intervention with and without pre-meal sensory integration therapy. Journal
of Autism and Developmental Disorders. 48 (10), 2018 October, 3344-53.

Você também pode gostar