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Laços de Compadrio

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

ANTÔNIA DE CASTRO ANDRADE

LAÇOS DE COMPADRIO ENTRE ESCRAVIZADOS NO SUL DO


MARANHÃO (1854-1888)

São Luís/MA
2017
ANTÔNIA DE CASTRO ANDRADE

LAÇOS DE COMPADRIO ENTRE ESCRAVIZADOS NO SUL DO


MARANHÃO (1854-1888)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em História- Curso de Mestrado, da
Universidade Federal do Maranhão, como requisito
à obtenção do grau de mestre em história Social

Orientador: Profº Dr. Ítalo Domingos Santirocchi


Co-orientadora: ProfªDrª. Regina H. M. de Faria
Linha de Pesquisa: Poder e Sociabilidade

São Luís/MA
2017
Ficha gerada por meio do SIGAA/Biblioteca com dados fornecidos pelo(a) autor(a).
Núcleo Integrado de Bibliotecas/UFMA

ANDRADE, ANTÔNIA DE CASTRO.


LAÇOS DE COMPADRIO ENTRE ESCRAVIZADOS NO SUL DO
MARANHÃO 1854-1888 / ANTÔNIA DE CASTRO ANDRADE. - 2017.
134 p.

Coorientador(a): Regina H. M. de Faria.


Orientador(a): Ítalo Domingos Santirocchi.
Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em
História/cch, Universidade Federal do Maranhão, UFMA,
2017.

1. Escravidão. 2. Sertão. 3. Sul do Maranhão. I.


Faria, Regina H. M. de. II. Santirocchi, Ítalo Domingos.
III. Título.
ANTÔNIA DE CASTRO ANDRADE

LAÇOS DE COMPADRIO ENTRE ESCRAVIZADOS NO SUL DO


MARANHÃO (1854-1888).

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em História- Curso de Mestrado, da
Universidade Federal do Maranhão, como requisito
à obtenção do grau de mestre em história Social

Orientador: Prof. Dr. Ítalo Domingos Santirocchi

Aprovada em _________/___________/_________

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________
Prof. Dr Ítalo Domingos Santirocchi (PPGHIS/UFMA, Orientador)

________________________________________________________
Profª Drª Regina Helena Martins de Faria (UFMA, co-orientadora)

___________________________________________________________
ProfªDrªPollyannaGouveia Mendonça Muniz (PPGHIS/ UFMA)

______________________________________________________________
Prof. Dr Luiz Alberto Alves Couceiro (PPGCSOC/UFMA)
Aos meus pais Luiza e Adilon Andrade (In
memorian), ainda é por e para vocês. Saudades!
AGRADECIMENTOS

Trabalho feito com a ajuda de tanta gente, pessoas generosas e amigas que fui
cultivando ao longo de minha vida e dessa escrita.

A Deus, por tudo.

Aos meus irmãos e irmãs, meu porto seguro, refúgio nas horas de angústia e em quem
me espelho.

A Hortência de Souza Viegas, por trazer cores para a minha vida, obrigada minha flor!

As “tulipas”: Renata Cristina, Milena Carvalho, Áurea Brandão e Daisy Damasceno,por


todos os momentos compartilhados, pelo companheirismo e amizade ao longo desses
anos...Amo vocês.

A Ione Marly Arouche, pela amizade e por despertar em mima vontade de me tornar a
cada dia um ser humano melhor, você é linda!

A Dona Edite Mendes, minha mãe-postiça, pelo carinho, atenção e afeto, obrigada por
estar sempre de braços abertos para receber essa sua “amiga do interior” para uma
xícara de café!

Aos “amigos viajantes”: Lúcio Castro, Niobel Bessa, Vinícius Guimarães e Jacqueline
Mendes, melhores companhias de viagens não há....Amigos queridos.

As “meninas do mestrado”: Yanne Botelho, Alessandra Monteiro e Isa Prazeres, pelas


conversas, angústias, almoços, cafés e muitas gargalhadas compartilhadas... a amizade
de vocês foi uma das melhores coisas que me aconteceu nesses 2 anos.

A Inácio Araújo, amigo-irmão, pela paciência, pelas palavras de incentivo e por sempre
me ajudar a encontrar um norte quando me encontrava perdida nas leituras e escritas
desse trabalho...sem sua generosidade, meu amigo, não teria conseguido, muito
obrigada!

A Josy Cantanhede, amiga querida, que sempre me socorre nas minhas inúmeras
dúvidas sobre as regras da ABNT, obrigada pela paciência!

A Marcos Fernandes, por sua amizade e companheirismo, obrigada por tornar possível
algumas reflexões nesse trabalho.

A meu amigo Carlos Reis, pelo empréstimo de alguns materiais, valeu companheiro!

À Terezinha de Jesus, pelas horas de muitas conversas e orientações que tivemos ao


longo desse trabalho, obrigada amiga!

A Professora Drª Regina Faria, por aceitar enfrentar comigo esse terceiro round,
obrigada pela generosidade e elegância com que orientou esse trabalho, suas
ponderações foram importantíssimas para melhorar várias questões e lançar meu olhar
sobre outras....a ti todo meu respeito e admiração pela profissional que és. Obrigada!
A Professora Drª Antônia Motta, minha primeira orientadora, por me mostrar que era
possível falar sobre a escravidão no sul do Maranhão, obrigada!

Ao Professor Manoel de Jesus Martins (Manoelzinho) pelas conversas, ou melhor, pelas


aulas de corredores, é sempre bom ouvi-lo mestre!

Ao Josenildo Pereira, pela atenção, carinho e ideias compartilhadas, obrigada querido


pelas primeiras “orientações”.

Aos colegas de turma do mestrado 2015-2017, pelas manhãs e tardes cheias de muitas
discussões e café!

Aos professores do PPGHis pelos ensinamentos, de uma forma bem especial a


professora Drª Pollyanna Muniz, pela leveza com que conduziu suas aulas; pela atenção
e orientação que deu a cada projeto apresentado, foi uma felicidade reencontrá-la!E ao
professor Dr. Ítalo Santirocchi pelas discussões e observações feitas a esse trabalho e
pelo envio das tabelas, elaboradas pelo Professor Roberto Guedes da UFRRJ, que me
ajudaram bastante no momento na análise dos dados coletados dos registros de
batismos, obrigada!

Aos companheiros de trabalho, IFMA- Campus São Raimundo das Mangabeiras, pela
compreensão e ajuda, sem vocês não teria chegado até aqui, obrigada!

Aos meus novos companheiros de trabalho, IFMA- Campus Itapecuru-Mirim, por ter
me liberado nesses últimos dias para terminar esse trabalho, meus sinceros
agradecimentos.

A Nila Micheles, pelas trocas de materiais e a Arlin Silveira, pela ajuda na leitura dos
documentos.

Ao senhor Gentil e Alexssandra Dias, pela gentileza de ter me recebido em sua casa no
período que andava coletando material em Carolina-MA.

Ao Pe. Cícero Cirqueira e a Fábia de Jesus Santos, por permitirem o meu acesso aos
livros de registros de batismos da Freguesia de São Pedro de Alcântara, obrigada!

Aos funcionários do Fórum de Jústica de Carolina-MA, em especial a Renata Costa de


Oliveira, por facilitarem o meu acesso a documentação que precisava, muito obrigada!

Ao Pe. Egon Schuster da paróquia de São Bento em Pastos Bons, por ter gentilmente
cedido os livros de registros de batismos da Freguesia de São Bento de Postos Bons,
obrigada!

Às funcionárias do cartório 2º Ofício de Registro Civil das Pessoas Naturais, pela


atenção e disponibilidade em ajudar na coleta dos dados dos inventários post mortem
sob sua guarda, muito obrigada!

À Professora Drª Tatiana Silva, pelas observações e sugestões feitas, obrigada!


“[...] Portanto, vão e façam com que todos
os povos se tornem meus discípulos,
batizando-os em nome do Pai, e do Filho,
e do Espírito Santo, e ensinando-os a
observar tudo o que ordenei a vocês [...]”
(Bíblia Sagrada, Mateus 28:19).
RESUMO

Estudo que tem por finalidade discutir como a escravidão negra foi vivenciada pela
sociedade sertaneja na região sul-maranhense, analisando, através de inventários e
registros de batismos, quais as estratégias que os escravizados utilizaram para criar
espaços de sociabilidade e solidariedade em um meio que lhe era tão hostil. É preciso se
(re) pensar as relações que foram gestadas dentro e fora das fazendo de gado no sertão
do Sul do Maranhão. Mais do que isso, é necessário construir uma narrativa que possa
dar visibilidade e mesmo dizibilidade a todos os agentes históricos que compunham
aquele espaço social.

Palavras – chave: Escravidão – Sertão – Sul do Maranhão.


Abstract

A study that aims to discuss how black slavery was experienced by the Sertanean
society in the south of Maranhão, analyzing, through inventories and records of
baptisms, which strategies the enslaved used to create spaces of sociability and
solidarity in a medium which was so hostile to him. It is necessary to (re) think the
relationships that were born in and out of cattle ranching in the backlands of the south
of Maranhão. More than that, it is necessary to construct a narrative that can give
visibility and even readability to all the historical agents that composed that social
space.

Key words: Slavery – Backlads - South of Maranhão.


LISTA DE ILUSTRAÇÃO

Figura 1- Localização geográfica do sul do Maranhão_________________________11


Tabela1– Rebanhos listados no inventário de Justino Antonio Medeiros (1877)___ _53
Tabela 2 – Bens deixados por Maria Benedita do Nascimento – 1874____________ 55
Tabela 3 – População das freguesias do sul do Maranhão: 1872_______________ _57
Tabela 4 – Cor e sexo da população escravizada_____________________________58
Tabela 5 – Profissão dos homens escravizados______________________________ 58
Tabela 6 – Profissão das mulheres escravizadas______________________________59
Tabela 7 – População escravizada, por sexo________________________________ 59
Tabela 8 – População escravizada por sexo e idade__________________________ 59
Tabela 9-Registros de batismo analisados (1854-1888) _______________________87
Tabela10- Identificação dos padrinhos e madrinhas de ingênuos (1871-1888)______88
Tabela 11- Identificação dos padrinhos e madrinhas de crianças escravizadas (1854-
1888)_______________________________________________________________92
Figura 2- Raimunda (liberta) e seus filhos (escravizados)____________________ 108
Figura 3- Paulina escravizada e seus filhos (escravizados)____________________ 109
Figura 4- Mãe, filha e neto (todos escravizados)____________________________ 109
Figura 5 - Theodozia e seus filhos (escravizados)___________________________ 109
Figura 6-Lourença e seus três filhos (escravizados) e um ingênuo______________110
Figura 1- Localização geográfica do sul do Maranhão

Fonte: HTTP//maranhaodosul.blogspot.com/
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO______________________________________________________14

1 O SERTÃO DE PASTOS BONS: UM ESPAÇO MÚLTIPLO______________28

1.1 O sertão de Pastos Bons: um construto historiográfico____________________ 28


1.2 Sertão de Pastos Bons: um sertão de senhores de bois, terras e de gente_______35
1.3 Relações entre senhores e escravizados: fugas e “afeto”___________________38
1.3.1 Cartas de alforrias: o sonho da liberdade_______________________________ 43
1.4 Sertão de Pastos Bons: nascer livre não era garantia de liberdade____________ 44
1.4.1 Pecúlio: um direito conquistado______________________________________ 48
1.5 O trabalho dos sujeitos escravizados nas fazendas sul-
maranhenses_________________________________________________________49
1.6 Estrutura demográfica da população escravizada das fazendas de gado do
sertão maranhense____________________________________________________57

2 DIANTE DA PIA: O RITO E SEUS SIGNIFICADOS____________________61

2.1 Padrinhos e madrinhas: presença necessária na cerimônia batismal__________ 62


2.2 Os registros de batismo: registros paroquiais e civis_______________________63
2.3 Padrões e tendências de escolhas de padrinhos__________________________65
2.3.1 Laços de compadrio: possibilidades possíveis___________________________ 66
2.3.2 Vínculos de compadrio entre livres, libertos e escravos: expectativas e
realidades____________________________________________________________69
2.3.3 Padrinhos e madrinhas: ausências e seus significados_____________________ 74
2.3.4 A escolha de padrinhos: critérios e limites______________________________ 75
2.3.5 O batismo e o tamanho da propriedade escravista________________________ 78
2.3.6 Filhos legítimos ou naturais_________________________________________ 82
2.3.7 Outras variáveis para a escolha dos padrinhos e madrinhas_________________ 83
3 O COMPADRIO ENTRE A POPULAÇÃO ESCRAVIZADA DO SUL DO
MARANHÃO: SEGUNDA METADE DO OITOCENTOS__________________86

3.1 Condição jurídica dos padrinhos_____________________________________87


3.1.1 As “alianças para cima”: padrinhos livres_____________________________ 87
3.1.2 Senhores também apadrinhavam?___________________________________ 93
3.1.3 “Viver e morrer no meio dos seus”: as alianças horizontais_______________ 97
3.1.4 Escravizados(as) batizam crianças livres: fugindo do padrão_____________ 101
3. 1.5 Condição de cor como critério de escolha____________________________ 103
3.2 Quebrando o protocolo: presenças e ausências no ritual batismal__________ 104
3.2.1 No cerrado há família de escravizados?_______________________________ 107

CONSIDERAÇÕES FINAIS__________________________________________ 113

REFERÊNCIAS_____________________________________________________ 116
14

INTRODUÇÃO

“São três os elementos que explicam a História do Sul do Maranhão: o indígena,


o vaqueiro e as pessoas que exerciam o comércio por essas regiões”. Ouvi essa
afirmação do padre João Batista R. Araújo da cidade de Loreto-MA, numa das viagens
que fiz à procura de documentação. Perguntei ao referido pároco sobre a importância da
presença do escravizado1 na composição social, que se formou por aquelas paragens a
partir da chegada dos primeiros “desbravadores”. Ele foi categórico: “aqui o negro não
chegou a representar um elemento tão importante quanto os que eu acabei de citar”.2
Tal “certeza” está assentada em leituras de autores como Francisco de Paula
Ribeiro (2007), Carlota Carvalho (2011) e Socorro Cabral (2008), referências para os
que possuem interesse em conhecer um pouco da história da região sul do Maranhão.
Leituras que também fiz à procura de algumas pistas que pudessem nortear minha
pesquisa. Vi, a partir delas, uma narrativa que sempre destacava o reduzido emprego do
escravizado como mão de obra nas fazendas de gado; estas determinariam “[...] não só a
organização produtiva, mas a forma de povoamento e de ocupação do território”, assim
como as relações que foram sendo construídas envolvendo índios, vaqueiros baianos e
pernambucanos, que também foram responsáveis pela colonização desse território
(CABRAL, 2008, p.114).
Entendo que a História é construída não só pela ação de grupos sociais
numericamente superiores. Isso significa que, mesmo constatando que o emprego da
mão de obra escravizada não teve tanto impacto na organização produtiva das fazendas
sul-maranhenses, disso não decorre que os africanos e os afrodescendentes não tenham
participado das relações sociais que homens e mulheres construíram naqueles rincões do
Maranhão no século XIX.
Nos textos produzidos sobre as relações sociais tecidas dentro e fora das
fazendas de gado daquela região, há um silêncio gritante no que diz respeito à presença
do escravizado, o que acabou criando a ilusão da não existência do preconceito racial
referente aos negros, entre as classes sociais dali.
Minha inquietação era saber, por exemplo, quem eram as mulheres e os homens
escravizados que aparecem nos registros de batismos e nos inventários deixados pelos

1
Termo utilizado pelas novas tendências historiográficas sobre a escravidão para designar os africanos e
seus descendentes que viviam sob o regime escravista.
2
Entrevista realizada em 7 de maio de 2014, na casa paroquial na cidade de Loreto-Maranhão.
15

fazendeiros da região em estudo. Quais as estratégia 3 que esses agentes históricos


criaram e recriaram em seu cotidiano para estabelecer laços de sociabilidade e
solidariedade.
Falar sobre o Sul do Maranhão ainda é um desafio muito grande, pois não temos
tantas referências bibliográficas disponíveis, além das dificuldades na coleta da
documentação. Esse desafio é ainda maior no que diz respeito à escravidão. Tinha
consciência disso, mas também da importância e da necessidade de se dar voz a atores
sociais que eram e ainda estão relativamente excluídos da produção historiográfica
sobre aquela região. É preciso construir uma narrativa que possa dar visibilidade e
mesmo dizibilidade a todos os agentes históricos que juntos deram o tom às relações
que foram construídas naquelas paragens.
Para conseguir tal objetivo, comecei minha busca pelos cartórios, fóruns e casas
paroquiais das cidades de Pastos Bons-MA e de Carolina-MA. Esses locais tiveram um
papel importante na região no período em estudo. Tive acesso a um conjunto
considerável e variado de documentos, a saber: registros de compra e venda de
escravizados; registros de casamento; testamentos; processos crimes; inventários e
registros de batismos. Aqui cabe registrar o estado em que se encontra toda essa
documentação. Parte dela já se perdeu ou está em lugares totalmente impróprios, sujeita
a todo o tipo de intempéries.
Sabemos que, em muitos casos, “[...] O historiador, [...] está condenado a
trabalhar com as fontes que encontra, não com as que deseja[...]”(REIS;SILVA, 1989,
p.14). Assim tentei, através dos vestígios presentes nos documentos disponíveis,
compreender a realidade social criada no sertão dos Pastos Bons pelas relações, nem
sempre harmoniosas, entre livres, libertos e escravizados na segunda metade do
dezenove. Dentre essas possibilidades apresentadas, escolhi trabalhar com os
inventários post mortem e os registros de batismos das Freguesias de São Bento de
Pastos Bons e de São Pedro d’Alcântara. Guiada por esses corpus documentais também
delimitei o período em que situei meu estudo, qual seja, as décadas de 1850 à de 1880.
A demarcação de tal período pareceu-me bastante sugestiva, época decisiva que
foi para a história da escravidão no Brasil e, particularmente, no Maranhão. Em 1831,
foi aprovada a primeira lei que proibia oficialmente o tráfico de escravizados. A partir
da década de 1840, o tráfico interno de mão de obra cativa se intensificou, o nordeste e,

Estratégia nesse trabalho será usada com o sentido de estratagema, tática; (fig.) ardil; astúcia; manha.
3
16

por extensão, o Maranhão tornaram-se uma nova costa d`África, isto é, passaram de
mercado consumidor para mercado abastecedor de força de trabalho. Em 1850, o
governo brasileiro aprovou outra lei que colocou fim ao tráfico internacional de
escravizados, e cuidou que essa fosse cumprida, diferente do que ocorreu com a de
1831. Sem o abastecimento externo e vendendo parte de seu contingente de
trabalhadores escravizados para outras províncias, o Maranhão vivenciou a diminuição
dessa força de trabalho. O período foi marcado também pela aprovação de várias leis
que tinham como objetivo acabar de forma lenta e gradual com tão vergonhosa situação
no país. Em 1871, foi aprovada a conhecida Lei do Ventre Livre, que a partir daquela
data determinava que, todos os filhos de escravizadas nasceriam “livres”. Tais medidas
acabaram provocando alterações significativas nas relações sociais entre os próprios
cativos e entre estes e os libertos e os livres.
Diante da multiplicidade de caminhos teóricos e metodológicos que hoje se
apresenta ao fazer historiográfico, situei meu objeto de estudo nas trilhas sugeridas pela
Micro-História e pela História Social Inglesa, orientando-me especificamente pelos
trabalhos de Edward Palmer Thompson. Giovani Levi diz que a Micro-História e o que
ela propunha como método de análise, a variação de escala, vieram para dar respostas a
determinadas situações sociais que eram concretas. Tal perspectiva nos convida a fazer
uma nova leitura do social, a qual, até então, “tinha dificuldades para apreender as
durações médias ou curtas, e com mais razão ainda os acontecimentos; não sabia muito
o que fazer com os grupos restritos, recusava-se por definição a levar em conta o
indivíduo” (LEVI, 2000, p. 16).
É uma nova maneira de se compreender e de se fazer a história, que possibilitou
“[...] identificar não só o indivíduo, mas [...] a complexa rede de relações, a
multiplicidade dos espaços e dos tempos nos quais se inscreve” (LEVI, 2000, p. 17).
Tais relações ou inter-relações não estão determinadas por uma estrutura rígida que a
engessem, pelo contrário, são móveis e inseridas em um determinado contexto que está
em constante mutação e adaptação, possibilitando uma variedade de possíveis
abordagens de um único objeto.
Essa aproximação com o objeto ajuda a adensá-lo e a complexificá-lo, na
medida em que, para compreender um determinado acontecimento, é necessário inseri-
lo “[...] aos diferentes níveis de uma dinâmica histórica” (LEVI, 2000, p. 35). Para
tanto, é preciso que o historiador assuma uma postura de um verdadeiro detetive, atrás
de pistas e de indícios “[...] pouco notados ou desapercebidos dos detritos ou ‘refugos’
17

da nossa observação” (GINZBURG, 1989, p. 147). É preciso ter consciência, ao analisar a


documentação, que nenhum texto é neutro, por trazer em seu corpo códigos que
precisamos decifrar (GINZBURG, 2010, p. 288).
Esse talvez seja um dos maiores desafios. Como compreender não só o dito, mas
o não dito, o não escrito. Ler o que está presente, mas também atentar para o ausente. É
necessário não perder de vista o lugar de produção dessa documentação. Quem
escreveu? Em que circunstância foi escrito? Historicizar a própria documentação.
É com esse olhar que analisei os registros de batismos e os inventários de
pessoas que viveram no sul do Maranhão, na segunda metade do século XIX. Busquei
perceber, através dos indícios encontrados nesse corpus documental, quais eram as
redes de relações que esses indivíduos teceram em seu cotidiano e como o contexto no
qual se encontravam pode ter influenciado ou não nesse processo. Através dos vestígios
presentes na documentação cotejada, pude compreender algumas das estratégias
utilizadas por eles para ressignificarem às relações lá construídas.
Ainda na tentativa de compreender as relações que foram sendo gestadas pela
população escravizada dentro e fora das fazendas daquela região, no Dezenove, busquei
apoio em alguns conceitos trabalhados por Edward Palmer Thompson. E aqui cabe
destacar os “desvios” que a História vem tomando no processo de construção do
conhecimento. Tais desvios são marcados pelo encontro e diálogo, nem sempre
harmonioso, com outras disciplinas.
Thompson, a partir de uma perspectiva antropológica, introduz o termo cultura
no conjunto das análises que seriam realizadas em um determinado contexto,
compreendendo-o como um “[...] sistema de atitudes, valores e significados
compartilhados, as formas simbólicas (desempenhos e artefatos) em que se acham
incorporados [...]”, mas não só isso, seria “[...] também um conjunto de diferentes
recursos, em que há sempre uma troca entre escrita e o oral, o dominante e o
subordinado, a aldeia e a metrópole; é uma arena de elementos conflitivos [...]”
(THOMPSON, 1998, p. 17).
Tem-se, então, novos temas ou a renovação do olhar sobre temas há muito
debatidos em estudos que requereram novas abordagens, novas perspectivas de análise.
E é com esse novo olhar que homens e mulheres, segundo Thompson, passam a ser
vistos como sujeitos constituintes de sua própria história. Tem-se que buscar
compreendê-los, por exemplo, a partir das experiências que vão sendo tecidas e
18

vivenciadas cotidianamente dentro de um grupo. Nessa perspectiva, homens e mulheres,


não seriam vistos (as) como

[...] sujeitos autônomos, ‘indivíduos livres’, mas como pessoas que


experimentam suas situações e relações produtivas determinadas como
necessidades e interesses e como antagonismo, e em seguida ‘tratam’ essa
experiência em sua consciência e sua cultura [...] das mais complexas
maneiras (sim, ‘relativamente autônomas’) e em seguida [...] agem, por sua
vez, sobre sua situação determinada (THOMPSON, 1981, p. 182).

Dentre as possibilidades possíveis enveredei por um caminho já por mim traçado


há algum tempo, a saber: análise dos registros de batismos, busquei entender quais as
representações sociais que os laços criados diante da pia batismal assumiriam para
livres, libertos e pessoas escravizadas em um determinado contexto.
Prática milenar, o batismo cristão representa, doutrinariamente, para aqueles que
o praticam, a purificação e o perdão dos pecados, como está prescrito na Bíblia Sagrada.
O rito do batismo, portanto, torna-se condição necessária para aqueles que desejam
alcançar a salvação. É o primeiro passo para alguém tornar-se herdeiro da Glória e do
Reino do céu (VIDE, 1853, p. 13).
Com o batismo cria-se um vínculo espiritual entre o afilhado e seus padrinhos,
relação que se materializa e passa a ligar também os pais do batizado e aqueles que estes
escolheram para apadrinhar seus filhos (VIDE, 1853, p. 27). Socialmente, fundamenta-
se em vínculos de solidariedade, se possível, mútuos.
Os assentos de batismo não contêm informações apenas de teor religioso; falam
também da vida social das pessoas envolvidas. O pároco, por exemplo, registrava a
idade e filiação do batizando, inclusive se era filho natural ou legítimo. Quanto aos pais
e padrinhos, constava a condição legal (escravizado, forro/liberto), o local de residência,
o estado civil, a origem e, às vezes, a cor/raça. Se não havia indicação de serem
escravizados ou libertos, considerei que se tratava de livres. São essas informações que
nos dão subsídios para analisar as relações estabelecidas entre, pelo menos, cinco atores
sociais: o batizando, o pai, a mãe, o padrinho e a madrinha. Os laços, criados dentro da
Igreja, conseguem transpor seus muros e estendem-se pela vida secular (SCHWARTZ,
1988, p. 331).
As explicações sobre as práticas batismais encontram-se em dois campos de
análise: o funcionalista, cuja preocupação centra-se em saber quais os significados que
tal instituição teria dentro de um determinado contexto; e uma outra, que se preocupa
mais com “a forma e o significado” que os laços criados diante da pia assumiriam para
19

as pessoas neles envolvidas, uma vez que “as relações sociais são códigos ou idiomas
construídos por pessoas e constituindo uma realidade para elas” (GUDEMAN;
SCHWARTZ, 1988, p. 35-36).
Diante desses campos de análises, procuro identificar as possíveis
representações que o batismo cristão teria para os indivíduos que formavam o cotidiano
nas campinas do sertão de Pastos Bons, na segunda metade do século XIX; assim como
vislumbrar, através dos indícios encontrados na documentação disponível, aspectos que
pudessem dizer algo sobre as relações sociais que formaram aquela realidade.
Entendo que os laços que foram criados diante da pia batismal entre
escravizados, livres e libertos representassem um desses espaços, onde poderiam ser
relativizadas as regras existentes, senhores e escravizados estabelecendo relações que
foram para além das determinadas por suas condições jurídico-sociais.
Outro corpus documental utilizado por mim, como já citei, foram os inventários
post mortem. Estes constituem-se em uma importante fonte de pesquisa. De caráter
jurídico-civil, neles encontramos indícios que nos dão pistas sobre a vida econômica,
social e cultural das pessoas que viveram em um determinado contexto. Ajudam a
compreender como estava organizada a vida material e cultural de alguns indivíduos e
grupos sociais, pois contêm

[...] além da relação de herdeiros, a avaliação dos bens móveis e imóveis – ou


de raiz –, com suas devidas avaliações, relações de dívidas, partilhas, termos
de curadoria e tutoria, petições de várias naturezas, despachos de juízes,
mandados, precatórias, certidões, notificações, custos, etc.(FLEXOR, 2005,
p.1).

Estes documentos eram produzidos após a morte do inventariado, daí serem


chamados de inventários post-mortem. Por meio deles “os bens dos mortos são
distribuídos conforme as disposições legais e sua última vontade, no caso de haver
testamentos” (FURTADO, 2009, p.93).
Para Magalhões; Silva; Pereira e Cheble (2002, p. 2), o inventário post-mortem
é[o] registro oficial do patrimônio deixado por pessoa falecida, do qual
consta o tipo e o valor monetário dos bens acumulados ao longo da vida, bem
como lista de créditos e débitos pendentes. Este registro é feito por
autoridade pública e o documento assim produzido tem valor para definir, em
caráter final, o que caberá, por partilha, aos herdeiros, após honrados os
débitos com o Estado e com credores particulares.

Segundo Furtado (2009, p. 105), tendo por base as disposições contidas no Livro
de Provimento dos Órfãos e nas Ordenações Filipinas, os inventários eram formados
pelas seguintes partes:
20

1) o termo de abertura, em que, entre outros dados, informa-se o local, a data,


o juiz responsável e a data do óbito;
2) a transcrição do testamento, quando há;
3) a designação de tutor, quando há herdeiros menores e o cônjuge
sobrevivente é mulher, sendo obrigatória quando o espólio é de valor
elevado;
4) a inventariação e avaliação dos bens por avaliador designado (bens
móveis, destacando-se prata e ouro; bens imóveis; bens semoventes, animais
e escravos; dívidas ativas e passivas);
5) partilha dos bens entre os herdeiros;
6) codicilo, quando houver.

Teixeira (2012) chama a atenção para as possibilidades de análise que os dados


contidos nessa documentação nos apresentam. Não é apenas ao historiador interessado
nos aspectos econômicos de uma determinada realidade que o inventário post-mortem
interessa. Hoje, segundo o mesmo autor,

A historiografia contemporânea o tem utilizado em uma gama variadíssima


de possibilidades como, por exemplo, no estudo da transmissão do
patrimônio familiar de uma geração para outra, por meio de dotes, terça e
legítima; nas análises genealógicas; na percepção da evolução da composição
do patrimônio ao longo dos séculos, diferenciando os níveis de riqueza; na
análise dos mecanismos de mercado e de crédito por meio da observação das
dívidas ativas e passivas, assim como podem ser usados para se estudar a
escravidão sob os mais variados aspectos(TEIXEIRA, 2012, p.65).

Para aqueles que estudam a escravidão no Brasil, Furtado (2009, p.111-112)


ressalta:

Os inventários se revelam instrumentos preciosos, pois o conjunto do plantel


escravista do falecido é nomeado, listado e avaliado entre os bens
semoventes. Os inventários registram idades, preços, condições de saúde,
origem e por vezes ofícios, oferecendo interessantes e instigantes
informações sobre o conjunto de cativos do falecido.

Mas é preciso ter cautela ao trabalhar com esse corpus documental. Os


inventários são “baseados em declarações que, muitas vezes, não condizem com o real
valor da riqueza do falecido (FERREIRA; OLIVEIRA, 2016, p.7). E, em alguns casos,
“retratam a riqueza de um momento da vida do inventariado, de seu falecimento. Dessa
forma, os bens presentes na estrutura da riqueza alguns anos antes da morte podem não
ter sido contabilizados” (FERREIRA;OLIVEIRA, 2016, p.11). E, de acordo com os
interesses em jogo, “muitos bens são omitidos e vários outros são super ou
subavaliados” (FURTADO, 2009, p.106). Daí a necessidade de fazer o cruzamento das
informações contidas nos inventários com os dados presentes em outros documentos,
como por exemplo, registros de batismos, testamentos e mesmo os livros de notas
cartoriais, para se ter uma melhor compreensão sobre a sociedade estudada.
21

Ao trabalhar com os batismos dos filhos(as) de escravizados, falo de homens e


mulheres imersos em uma rede de relações “[...] tecidas através de lutas, conflitos,
resistências e acomodações cheias de ambiguidades [...]” (LARA, 1995, p.46). A teoria
do “escravo coisa” já não basta para se compreender os vínculos que cotidianamente
eram estabelecidos entre senhores e escravizados. Estes viviam em um mundo pautado
pela exploração e dominação, que aqueles os submetiam, mas não se pode esquecer que
todos eram agentes históricos, partícipes e negociadores das relações sociais que eram
construídas no cotidiano.
É intenso o debate teórico metodológico que tem sido travado, nas últimas
décadas, sobre a escravidão. Muito se tem dito sobre a vivência cotidiana dos agentes
sociais submetidos a esse tipo de exploração, os escravizados. E mesmo que o discurso
jurídico-cristão insistisse em negar, os escravizados do campo ou da cidade não eram
única e exclusivamente as “mãos e pés do senhor”, eram antes, homens e mulheres que
através de uma enorme gama de estratégias conseguiam dar visibilidade à sua condição
humana.
Houve o surgimento de novas abordagens, novas metodologias e novos temas
que descortinaram um mundo sociocultural permeado de complexidade, que vai para
além da relação estabelecida apenas entre senhor e escravizado ou entre proprietário e
sua propriedade.
Nessa nova perspectiva não posso deixar de citar o clássico Casa-grande e
Senzala, de Gilberto Freyre (2001). Apesar das várias críticas que tem sofrido, por
trazer uma visão idílica sobre as relações escravistas em solo tupiniquim, é inegável a
importância dessa obra para que as contribuições socioculturais que o negro legou à
sociedade brasileira fossem colocadas na pauta de discussão e de pesquisa dos
intelectuais que se dedicavam a estudar a escravidão no país.
Schwartz (1988), em seu Segredos Internos: Engenhos e escravos na sociedade
colonial, apesar de destacar as dificuldades que o sistema escravista impunha para a
existência de laços familiares entre a população cativa, não lhes nega a existência.
Mattoso (2001, p. 123) nos diz que, para o escravizado, encontrar estratégias para
vivenciar suas subjetividades, tornava-se urgente, porque

[...] o escravo tem fome de solidariedade [...]. E ele busca e a encontra em


uma prática social extremamente complicada [que passaria] por tudo aquilo
que interessa à vida de relação, de associação. Vida familiar, de grupo,
religiosa [...].
22

Mattoso (2001) entende que, mesmo sob o jugo da escravidão, homens e


mulheres não deixaram de construir espaços nos quais pudessem exercer suas
subjetividades e reafirmaram sua condição humana de sujeitos historicamente
constituídos. Espaços onde forjaram laços de solidariedades, por meio do compadrio, do
cotidiano de trabalho ou ainda pela formação de laços familiares.
Sobre o Maranhão, Pereira (2001) não nega o processo de coisificação do
escravizado no Brasil, pregado e defendido por um discurso jurídico-cristão. No
entanto, o autor considera que privilegiar apenas este olhar é ter uma visão por demais
simplista daquele universo social. Também não aceita que as relações entre senhor e
escravizados tenham sido embaladas apenas por um ranger gostoso de uma rede, como
sugerem alguns.4 Para ele, a análise do cotidiano, em que aqueles atores sociais estavam
inseridos carece de uma perspectiva teórica que vá além das já mencionadas.
Existiam, segundo Pereira, várias maneiras de o escravizado dizer não àquele
estado de coisas. Pequenas rebeldias, como furtos, embriaguez, jogos, transgressões de
posturas urbanas são citadas como exemplo. Para mim, o batismo cristão – imposto,
mas também aceito pela população cativa – representaria mais um espaço onde os
escravizados exerceriam sua autonomia, sua subjetividade. Este novo olhar permite que
o escravizado seja visto como sujeito, como uma pessoa “que, também, construiu e
desconstruiu”, seus espaços de sociabilidade (PEREIRA, 2001, p.24). Na São Luís do
século XIX foi em meio ao burburinho das ruas, dos becos, das praças, do porto... que
esses homens e mulheres criaram estratégias que lhes possibilitaram a inserção na vida
social (PEREIRA, 2001, p.74).
Ao revisitar a sociedade maranhense da segunda metade do século XVIII, Silva
(2002) também percebe a relação entre senhor e escravizados como sendo fruto de
negociações e de conflitos. A autora trabalha com três tipos de documentos:
testamentos, divórcios e justificações de sevícias. Nos primeiros, afloram relações que
aparentemente eram pautadas em laços de solidariedade, de afeto e, no limite, de amor.
Em tais documentos aparecem, com frequência “escravos e escravas jovens, adultos e
velhos que recebem alforria e bens por amor do seu senhor ou [expressam] uma relativa
preocupação por parte deste em garantir-lhes uma sobrevivência menos dolorosa, e
talvez mais digna [...]”, tratamento que costumava a ser dispensado às “crias da casa”.
Aqui aparecem relações e convivências pautadas na negociação (SILVA, 2002, p.16).

4
Ver: FREYRE, 2001.
23

No entanto, quando essa autora faz a análise de alguns pedidos de divórcios e de


justificações de sevícias, aquela cordialidade cede espaço para a existência de relações
sustentadas na violência, no conflito. Vejamos o que ela nos diz:

Em alguns documentos maridos chegam a dizer que a esposa ‘he a mais vil
negra que tinha na sua cozinha’ [Há ainda] queixas de esposas que dizem que
o marido tratava-a como [...] sua vil escrava, dando-lhe muitos coyses [...]
não tratava como Sua Companheira e igual senão como peyor e vil escrava,
tratando-a de palavras indecentes e indecorozas (SILVA , 2002, p.34).

Para aquela sociedade, ser escravizado não significa ser apenas um fiel serviçal,
é também sinônimo de baixeza, de algo desprezível. Ser chamada de “escrava” ou
receber o mesmo tratamento dado a esta era inadmissível para aquelas que tinham um
nome ou/e uma posição a zelar.
A autora ainda destaca a preocupação de alguns testadores em “mandar rezar
várias capelas de missas pelas almas dos escravos falecidos” (SILVA, 2002, p.19).
Descortina-se, dessa forma, um mundo cheio de relações complexas; pois ao admitir
que o escravizado tinha uma alma, implicitamente, também se reconhecia a humanidade
desse indivíduo, o qual no inventário dos bens podia aparecer apenas como mais uma
propriedade que compunha a herança de seu senhor. O escravizado era a um só tempo
coisa e pessoa.
A consciência desse fato não se restringe ao olhar sobre os homens e as
mulheres do século XVIII. A elite maranhense da primeira metade do século XIX
também percebeu essa dupla e contraditória face daqueles(as) encarregados(as) de seu
sustento (escravizados). Em seus escritos, Garcia de Abranches, segundo Faria R.(2001,
p.82), “deixa perceber que não vê os escravos como máquinas para o trabalho agrícola
ou seres bestiais capazes de suportar o trabalho sob o rigor do clima equatorial. Tem
deles outra representação: são seres humanos submetidos a péssimas condições de vida
e de trabalho”.
Pensando as relações escravistas nessa perspectiva teórico-metodológica, Souza
(2002) ressalta a importância das práticas familiares como elemento definidor não só da
identidade do escravizado, mas também como lugares onde o cativo pudesse formar
laços de solidariedades, de afetividades. Lugares de autonomia, de liberdade, como diria
Pereira (2001).
24

Para Souza (2002, p.67)

ser pai ou mãe, filho ou filha, tio, sobrinho, primo, marido ou mulher,
afilhado ou afilhada, são os diversos tipos de parentesco que representava a
possibilidade de construção dessa identidade [...] passando a ser também
associado/identificado por meio de seus parentes, entes queridos e não
somente através da figura maior da condição jurídica a que lhe era imposta,
o seu senhor.

Em trabalho anterior, ao analisar os registros de batismos da Freguesia de Nossa


Senhora da Vitória da São Luís nos séculos XVIII e XIX,5 ressaltei que a formação de
laços de compadrio entre a população cativa não se restringiu ao seu grupo. Esses
vínculos também foram buscados com outros segmentos sociais, ou seja, com livres e
forros. Os motivos que levaram a maioria dos escravizados a escolherem pessoas livres
como compadres, podem estar relacionados ao fato de procurarem dar a seus filhos uma
maior proteção. Estar ligado a alguém que era juridicamente livre, naquela sociedade
poderia ter não só um significado social, mas também cultural e econômico. Pois, não
esqueçamos, para a realidade da época, o “ter” influenciava sobremaneira na
constituição do “ser”, enquanto um sujeito socialmente constituído.
A importância de trabalhos como os de Pereira, Sousa, Silva e Andrade está no
fato de terem destacado a existência de uma sociedade dinâmica, cuja mobilidade era
representada, entre outros indícios, pela rede de complexas relações tecidas por aqueles
atores sociais. Pensar a escravidão no Maranhão é, acima de tudo, vê-la como uma
realidade construída por pessoas, imbuídas de subjetividade, e que, inseridas naquele
contexto social, criaram estratégias de luta, resistência e acomodação cheias de
ambiguidades, as quais, dentro do conjunto, contribuíram para a formação daquela
sociedade. Essas novas abordagens demonstram que aqueles escravizados construíam
laços de afetividade, saindo da condição de “coisa” que lhe era imposta pelo aparato
jurídico em vigor.
Com essa perspectiva de análise, questiono-me como os escravizados que foram
batizados na ampla região de Pastos Bons vivenciaram essa experiência. Quais os
significados que esse rito teria para pessoas como Francisca, Feliciana, Raimunda,
Senhorinha, Jozefa e tantas outras mães escravizadas que puderam sentir ou mesmo
reelaborar o significado do batismo cristão, a partir do lugar que ocupavam naquela
sociedade?

5
Ver: ANDRADE 2003 e 2005.
25

Busquei realizar uma análise micro, mas sem perder de vista uma gama de
outras relações que juntas constituíram aquela realidade social, pois, como assinala
Ginzburg, “[...] toda configuração social é o resultado da interação de incontáveis
estratégias individuais, um emaranhado do que somente a observação próxima
possibilite reconstruir” (GINZGURG, 2010, p. 277). Assim, tentei fazer uma história do
“revés do chão” (LEVI, 2000), dando visibilidade e dizibilidade à população
escravizada do Sul do Maranhão, ausente e silenciada da produção historiográfica local,
cujas relações podem ter sido construídas em vínculos pautados na coação cotidiana,
mas também podem ter surgido “[...] do desejo e do afeto [...]” (MOTA, 2004, p. 72).
Na tentativa de pensar nas várias formas que aqueles sujeitos históricos teriam
para construir suas relações, cito o batismo da menina Petronila, que teve como
padrinho Antonio [ileg] Costa Lima, dono de sua mãe, Sebastiana (LRB,6 1875-78, fl.
47v). Com o rito, o senhor se tornou “compadre de alma” de sua escravizada. Com
certeza houve expectativas bem particulares de ambas as partes desse contrato místico.
Antonio poderia estar reforçando uma relação de caráter paternalista com suas cativas;
Sebastiana talvez estivesse buscando um possível amparo para si e para sua filha.
Com práticas iguais a essa, escravizados e senhores criaram “espaços de
sociabilidade e construíram formas de visibilidade e dizibilidade”, as quais
ultrapassavam a imagem que por muito tempo pautou as discussões sobre o tema: de um
lado estava o escravizado (propriedade) e do outro o senhor (proprietário), imersos e
determinados por um sistema de produção (ANDRADE, 2005, p. 10). Lembro,
novamente com Thompson (1981, p. 126), que
A experiência humana, portanto, expressa o que há de mais vivo na história.
É a presença de homens e mulheres retomados como sujeitos. Construtores
do devir e do presente. Não são as estruturas que constroem a história. São as
pessoas carregadas de experiência.

Apresentando os resultados desse estudo, estruturei esta dissertação em três


capítulos. Inicialmente, fiz uma discussão sobre o sertão. Para isso, utilizei os trabalhos
de autores como Francisco de Paula Ribeiro (2007), Carlota Carvalho (2011),
Raimundo Lopes (1970), Maria do Socorro Cabral (2008) e Irisnete Melo (2010); o
censo populacional de 1872; e os inventários deixados pelos fazendeiros da região em
foco. A partir dessas leituras pude descortinar um sertão múltiplo, onde os sujeitos
escravizados foram parte relevante. Estavam presentes nos trabalhos diários das

6
Doravante utilizarei as iniciais LRB para referir-me aos Livros de Registro de Batismo das Freguesias de
São Bento de Pastos Bons e de São Pedro de Alcântara
26

fazendas espalhadas pelas margens dos diversos rios que cortavam o Sul da província
do Maranhão. Eram homens, mulheres e crianças que se moveram, se misturaram,
lutaram e negociaram cotidianamente para sobreviver a um meio que insistia em torná-
los invisíveis e mudos. Mas eles teimosamente resistiram.
No segundo capítulo, apoiada em artigos, monografias, dissertações e livros, fiz
um balanço historiográfico sobre as relações de compadrio que envolviam pessoas
escravizadas, libertas e livres. Utilizei trabalhos que fazem também uma análise
funcional do rito e mostram como o compadrio funcionava como um meio para criar ou
mesmo ampliar redes de clientelismo, bem como para atender a necessidade de se criar
“aliança para cima”, tendo os padrinhos uma posição socioeconômica superior ao da
família de seu afilhado. Recorri a textos como o de Arantes (1994), o qual destaca como
o verdadeiro significado do rito, o seu sentido místico. Para esse autor, os laços criados
diante da pia batismal poderiam ser utilizados para ressignificar relações sociais já
existentes, mas o que melhor o definia era seu sentido religioso. Abordei, ainda, estudos
que seguem a linha de análise de Gudeman e Schwartz, já citados anteriormente.
Nesse capítulo procurei ainda, identificar as tendências de escolhas de padrinhos
entre a população escravizada, em estudos sobre diferentes regiões e períodos históricos
(nos tempos Colonial e no Império) e as influências internas e externas à propriedade
escravista, que estariam por trás dessas escolhas. Tais estudos permitem-nos
compreender de que forma homens e mulheres escravizados foram criando, por meio do
batismo cristão, estratégias de resistência e também de adaptação ao meio tão hostil em
que viviam.
No terceiro e último capítulo, analisei as informações coletadas nos livros de
registros de batismos das Freguesias de São Bento de Pastos Bons e São Pedro de
Alcântara, entre os anos de 1854 e 1888. Analisei batismos tanto de crianças
escravizadas, quanto de filhos de escravizados nascidos após a Lei do Ventre Livre
(1871), os chamados ingênuos, e também dos filhos de livres que tinham escravizados
como padrinhos e madrinhas.Tais análises foram feitas no intuito de dizer algo sobre as
relações construídas pelos sujeitos escravizados com os livres e os libertos, dentro e fora
das fazendas espalhadas no cerrado do sul do Maranhão, no Dezenove. Dialogando com
a documentação e a bibliografia disponíveis, teci algumas considerações sobre os
significados que o batismo teria para os indivíduos que dele participavam. Buscando
ainda, compreender quais os fatores que poderiam influenciar na hora da escolha dos
27

padrinhos e madrinhas das crianças que eram levadas à pia batismal das freguesias em
foco.
28

1 O SERTÃO DE PASTOS BONS: UM ESPAÇO MÚLTIPLO

Sabemos que as práticas sociais ocorrem dentro de um espaço, o qual “[...] surge
como elemento crucial da estrutura da sociedade” (ROCHA, 2014, p. 28). Precisamos
atentar que a noção de espaço é bem mais abstrata que a de lugar. Sena Filho (2009,
p.52) nos diz que o lugar seria “o espaço preenchido por valores/relações sociais”.
Partindo dessa compreensão, lanço meu olhar para as relações de compadrio
envolvendo sujeitos escravizados, ocorridas na região Sul da província do Maranhão, o
chamado sertão de Pastos Bons. Cenário preenchido e (re)significado pelas ações
socioculturais dos sujeitos que lá viveram, constituindo-o como um espaço vivo e
pulsante, caracterizado“[...] pelas operações que o orienta[vam], o circunstancia[vam], o
temporaliza[vam] e o leva[vam] a funcionar em unidade polivalente de programas
conflituais ou de proximidades contratuais (CERTEAU, 1998, p.202)”.
Segundo Santos (2010, p.32), a palavra sertão já era utilizada tanto na África
quanto em Portugal para identificar lugares que estavam localizados “no centro ou no
meio da terra”, longe da margem, do litoral. Morais (1823, p.673) o define como sendo
não só “o interior, o coração das terras”, mas como algo que se opõe “ao marítimo, e a
costa”. Castanheira (2012, p.2) analisa a categoria sertão por meio da dicotomia entre
dois opostos; a primeira seria o sertão, que representaria a parte do Brasil
“desconhecida, bárbara e atrasada”, aquela que ficava dentro, nas matas do território
brasileiro; e a segunda, representada pelo litoral, tido como o lugar da civilização, do
conhecido e do moderno.
Partindo da ideia de que os lugares e espaços são resultados também dos relatos
que se fazem sobre eles (CERTEAU, 1998, p.207), perguntei-me: como esse lugar
chamado de sertão de Pastos Bons tem sido visto na literatura que se volta para essa
temática?

1.1 O sertão de Pastos Bons: um construto historiográfico

Para responder a essa questão, comecei com os escritos deixados pelo militar
português Francisco de Paula Ribeiro, que viveu na Capitania do Maranhão nas
primeiras décadas do Oitocentos, e assim, delimitou o espaço geográfico que
denominou sertão dos Pastos Bons como o que compreenderia
29

[...]todo aquele terreno que desde a fazenda e riacho Serra, na extremidade


sul dos limites de Caxias, cotada da beira do rio Paranaíba na povoação das
Queimadas, à barra do riacho do Corrente no rio Itapecuru, se estende por
entre o mesmo rio Parnaíba e o Tocantins até as margens do rio Manoel
Alves Grande, como já fica relatado, limitando-se por entre as cabeceiras dos
ditos Parnaíba e Manoel Alves Grande com a serra chamada do Piauí, e com
a capitania deste nome por uma parte das margens deste e por uma parte
também das do Turi até defronte da foz do rio Araguaia(RIBEIRO, 2007b,
p.146).

Atendendo aos objetivos traçados pelo governo português para colonizar áreas
ainda fora de seu alcance, esse militar, na apreciação de Martins (2002, p. 10),
esteve envolvido no processo de fundação de muitas das povoações do
centro-sul da Maranhão (hoje sedes municipais), de abertura de estradas para
facilitar o contato entre o litoral e o sertão, além de estudar sistematicamente
a Capitania, especialmente a região sertaneja, de modo a identificar-lhe as
potencialidades e indicar possibilidades de aproveitamento racional de suas
riquezas.

Seus relatos eram referência para quem quisesse desbravar aquela região e para
quem a estudou e a estuda ainda hoje. Neles há descrições de elementos que
compunham a paisagem geográfica e social do sertão maranhense porque, ao percorrê-
lo,
[...] registrava as condições geográficas do território, sua ocupação,
condições e modo de vida dos habitantes-colonos e índios- avaliava as
potencialidades da região. A cada dia anotava distância e local percorridos,
especificando localização e aspecto dos terrenos, rios, riachos, serras, morros,
fazendas e povoações, que ficaram posteriormente registrados em seu Roteiro
(FRANKLIN; CARVALHO, 2007, p. 61).

Sobre o processo de colonização do sul maranhense vejamos o relato pioneiro de


Ribeiro (2007b, p. 148):
Domingos Afonso Sertão e outros seus companheiros que do rio São
Francisco, nos sertões da Bahia, vieram atravessando e povoando todo o
Piauí, por eles verdadeiramente então descoberto, foram os primeiros que,
passando aquém do Parnaíba, estabeleceram as primeiras povoações de
Pastos Bons, sacudindo para o sudoeste e para oeste o referido gentilismo.
Seus progressos de população foram bastantemente rápidos: lançaram-se as
primeiras fazendas de gado nas cabeceiras do rio Piauí, e como em um
momento apareceu a capitania deste nome, a sua capital, as suas vilas e até os
estabelecimentos de Pastos Bons, aquém do dito rio Parnaíba, chegando logo
a sessenta léguas de extensão, montaram no ano 1810, às margens do
Tocantins, mais de cento e vinte distantes das primeiras povoações do
distrito, no riacho e fazenda Serra.

Nesse processo, um pólo ganhou maior visibilidade:


[...] durante aquele movimentado período de fixação de fronteiras e de
fundações de cidades, uma espécie de capital do sul do Estado, o centro de
distribuição dos primeiros povoadores, vindos dalém e daquém Parnaíba à
procura de um pedaço de terra em que se pudessem radicar, com suas
famílias e seus rebanhos (CARDOSO,1947,p.8).
30

Essa “espécie de capital do sul” do Maranhão foi denominada, inicialmente,


Freguesia de São Bento das Balsas dos Pastos Bons, criada no ano de 1741, embora seu
primeiro pároco, o padre José Aires, tenha chegado à região somente dois anos depois.
Antes, seus habitantes estavam sob a jurisdição da Freguesia de N. S. da Vitória da
Mocha, da Capitania do Piauí (SANTOS NETO, 2006, p. 42). A demora na vinda do
pároco para cuidar do rebanho da Igreja Católica, ministrar os sacramentos e propagar a
fé cristã, reflete a ausência do clero em boa parte do interior do Brasil, durante a
colonização. Por isso, Carvalho (2015, p. 40) afirma que:

Até o ano de 1750 (250 anos após a descoberta do Brasil) o imenso território
colonial brasileiro só contava com oito dioceses. Isso mostra que a escassez
de unidades episcopais no Brasil e o precário controle do Estado sobre as
Paróquias dispersas em razão do isolamento dessas células religiosas fizeram
da Igreja Colonial uma instituição muito solta e de débil controle das
hierarquias eclesiásticas existentes. Tudo era longe e de difícil acesso. É
dentro desse contexto histórico que surgem também as Igrejas do Norte do
Brasil, nas Capitanias do Maranhão e do Pará no século XVII, marco
temporal de um estilo especial de ser Igreja no Norte.

Aquela primeira freguesia tornou-se, portanto, um dos principais espaços no


qual laços de sociabilidade e solidariedade eram construídos entre a população que lá
vivia e sua vizinhança, como relatou o mencionado militar português que percorreu a
região no início do século dezenove: "junta-se ali pelas principais festas do ano a maior
parte dos moradores de todo o território, com a qual concorrência fica nessa ocasião
parecendo a Feira da Luz” (RIBEIRO, 2007b, p.150). Se as festas religiosas
proporcionavam a criação de vínculos espirituais, sem dúvida, eram também momentos
de encontros e de reencontros quando alianças sociais podiam ser criadas ou
confirmadas.
Em 1770, a povoação de Pastos Bons foi elevada à categoria de vila, ficando sob
a jurisdição da vila de Oeiras, “devido as suas ligações com o Piauí e não com o
Maranhão” (CABRAL, 2008, p. 83). Outras povoações foram se formando naquela
ampla região de bons pastos, como São Felix de Balsas, Riachão e São Pedro de
Alcântara.7 A gênese da terceira povoação é descrita por Ribeiro (2007b, p. 124):

[...] o motivo provinha de ter vindo ali parar em 1810 um tal Francisco José
Pinto de Magalhães, que com seu negócio de tabaco de fumo e solas
costumava navegar em um pequeno barco do Porto Real do Pontal para a
cidade do Pará, e vendo nestas margens ditas, em que até então nunca

7
São, respectivamente, as atuais cidades de Balsas, Riachão e Carolina. Novas povoações continuaram
surgindo. A denominação Carolina coube, no início do século XIX, a uma povoação situada na antiga
Capitania / Província / Estado de Goiás. Por isso, a que pertence ao Maranhão foi chamada durante
algum tempo como a nova Carolina. A disputa pelo nome é parte da disputa territorial entre as então
províncias do Maranhão e de Goiás, resolvida em 1854. Ver MARQUES, 2008, p. 307.
31

desembarcara por lhe parecerem desertas e por temer os selvagens daqueles


territórios, sinais de haver dali descido ao Pará o capitão Elias Ferreira
Barros, morador na ribeira da Lapa, desembarcou, e erigiu com os da sua
comitiva algumas cabanas de palha, a que chamou de São Pedro de
Alcântara, e as ofereceu, pela sua Memória, [...] ao governador e capitão-
general do Goiás, autoridade a que ele pertencia como habitante de Porto
Real do Pontal, distante ainda dali oitenta e oito léguas.

Pelos cálculos desse militar, essa povoação ficava a uma distância de


aproximadamente 108 léguas de São Bento de Pastos Bons (RIBEIRO apud
FRANKLIN; CARVALHO, 2007, p. 129). Ele considera que, em seus primeiros anos
de vida, São Pedro de Alcântara não representou grande ameaça ao lugar de destaque
que São Bento de Pastos Bons ocupava na política e na economia da região. Só mais
tarde, como nos fala Cabral (2008, p. 87), é que “Carolina, antiga São Pedro de
Alcântara, tornou-se [...] uma das mais importantes vilas do alto sertão, exercendo
influência comercial e cultural sobre toda a zona maranhense e goiana do médio
Tocantins”.
Ainda sobre o processo de formação do sertão de Pastos Bons uma referência
necessária é o livro de Carlota Carvalho (2011), O sertão: subsídio para a História e a
Geografia do Brasil, cuja primeira edição é de 1924. A despeito das controvérsias sobre
ser o livro de autoria dela ou de seu irmão Parsonas de Carvalho, 8 é o relato de alguém
que viveu e era apaixonado pela região, pelas “coisas do sertão”. O sertão de Carvalho
era um lugar onde se encontravam as melhores terras, ares e rios, onde havia homens
patrióticos, flora e fauna abundantes. Lá, “[...] o bom sucedia o melhor”, diz Carvalho
(2011, p.97), num elogio que lembra o feito por um integrante do primeiro Senado da
Câmara constituído no Maranhão, bem no início da colonização portuguesa. Refiro-me
à conhecida fala de Simão Estácio da Silveira propagandeando o Maranhão, visando
atrair colonos. Diz ele: “esta é a melhor terra do mundo, donde os naturais são muito
fortes e vivem muitos anos, e consta-nos que, do que correram os portugueses, o melhor
é o Brasil, e o Maranhão é o Brasil melhor [...]” (SILVEIRA, 2001, p.63). Para
Carvalho, o sertão era o Maranhão melhor.
Para essa autora, foram vaqueiros vindos da Bahia e Pernambuco, que
atravessaram o rio Parnaíba e formaram as primeiras fazendas de gado naquelas
paragens. Ao se depararem com a “[...] beleza dos campos, a suavidade do clima, a
superabundância de nascentes de água corrente e perene, e a grande quantidade de frutas
naturais do país, saborosas como bacuri, nutritivas como o pequi e a bacaba”, batizaram

8
Ver: MELO, 2010.
32

a região de Pastos Bons. O termo “foi então uma expressão geográfica, uma
denominação regional geral, dada pelos ocupantes à imensa extensão de campos abertos
para o ocidente [...]” (CARVALHO, 2011, p. 96-97).
Ela descreve o processo de ocupação e suas consequências para a população
autóctone, classificando de cruéis os métodos empregados na conquista do território.
Sobre os amanajós, entre outros povos, afirma que foram dizimados para dar espaço às
pastagens para a criação do gado: “[...] desapareceram da face da terra sem nela
deixarem mais que ossos – quando não carbonizados nos incêndios das ocas, e a
recordação da sua ingênita bondade” (CARVALHO, 2011, p.98).
Não foi só contra a sanha do conquistador em relação aos indígenas que a autora
se voltou. Denunciou, também, o tratamento que os senhores/fazendeiros do sul
maranhense davam aos seus escravizados,
Para esse lugar escuso, escondido pela mata - onde o negro morria dilacerado
pelo açoite ou quebrada a cabeça sem se ouvir fora um grito de dor e dentro
uma palavra de clemência ou de justiça- afluiu muita gente timorata em
1839-40, tempo da revolta dos bem-te-vis ou liberais do Maranhão
(CARVALHO, 2011, p. 138).

O sertão de Carlota Carvalho teve, portanto, a presença de sujeitos escravizados,


de africanos e/ou afrodescendentes, aos quais ela se refere como negros. Francisco de
Paula Ribeiro, nos desperta atenção por um aspecto peculiar de sua narrativa construída
no início do Oitocentos, que apesar de ser rica em detalhes, traz um silêncio em relação
à população negra escravizada que pudesse existir na região. Faz referências, mas muito
sucintas, nas quais ele diz que “os senhores das fazendas ou criadores de gados exigem
poucos assalariados, e ainda muito menos escravos, suprindo com seus próprios filhos,
os cuidados daquele maneio [...]”. Ao informar a quantidade de pessoas que habitavam
os sertões, ressalta que “não passava de cinco mil habitantes brancos e menos de mil
escravos negros [...]”(RIBEIRO, 2007b, p. 117; 142).
Em busca dessa população escravizada fui às fontes documentais cartoriais e
eclesiásticas. Nos inventários de pessoas que ali viveram, encontrei menção a
escravizados exercendo diversas atividades relacionadas direta ou indiretamente à
criação de gado. Nos registros de batismo, eles estão como pais e padrinhos. Ainda que
silenciados e quase invisibilizados, participaram ativamente das relações socioculturais
no sertão de Pastos Bons.
Analisando os inventários de alguns/algumas proprietários(as) dessa região,
identifiquei que, entre os que possuíam escravizados, estes constituíam o “bem” mais
33

valioso de seus espólios. Provavelmente existiram os açoites e mesmo as cabeças


quebradas, mencionados por Carvalho, mas possivelmente não foram a regra, pois ao
fazer isso aqueles senhores lesariam não só um bem, mas também uma fonte de renda,
visto haver escravizados(as) alugados(as) por seus senhores(as) para prestarem serviço
para outras pessoas.
Raimundo Lopes, em seus escritos, caracterizou a vida da população que vivia
no que ele chamou de alto sertão maranhense, como “essencialmente rural” e assim
caracterizou a habitação do sertanejo:
A choça isolada do ‘baiano’ é o tipo elementar; pouso encontrado entre léguas
de estrada despovoadas, posto perdido no mato ou num desvão de savana, ela
resulta do nomadismo e da escassez demográfica. Na larga vida pastoril das
fazendas serranas os mesmos caracteres se fazem sentir, mas há, no caso,
convergência de um ciclo maior de interesses (LOPES, 1970, p.174).

E descreve as vilas que surgiram naquela região como: “Gregários quase


puramente comerciais. A sua situação é expressiva: ficam diretamente sobre os rios a
estrada que vai da Barra ao Tocantins, Pastos Bons, entre o Itapecuru e o Parnaíba [...]
São ‘vilas-arraias’” (LOPES, 1970, p.174).
Faltava à região, segundo o olhar desse autor, elementos sedimentados que
pudessem dar àquela sociedade feições mais urbanas. Ressaltava ainda o isolamento que
essa parte da província sofria em relação sua capital, São Luís, as relações estabelecidas
com regiões como o Pará seriam, por isso, muito mais eficientes.
Outra obra de grande importância é a de Maria do Socorro Coelho Cabral (2008,
p.15), que estuda o processo de formação social e econômica da região Sul do
Maranhão, a partir do século XVIII, com a chegada das frentes de colonização vindas de
Pernambuco, Bahia e também Goiás. Seguindo o rastro da boiada, homens e mulheres
se estabeleceram às margens do Tocantins e do Parnaíba e lá construíram os primeiros
currais. É inegável que foi em torno da atividade criatória que a vida sertaneja sul-
maranhense girou. A introdução do gado na região determinou a mudança não só na
paisagem – com o gado criado à solta nos campos, abrindo caminhos e sendo seguido
pelos vaqueiros – mas também deu o tom das relações sociais. Foi dentro e a partir das
porteiras das fazendas que as pessoas construíram espaços de solidariedade e
sociabilidade.
A interiorização da pecuária bovina pelas frentes de expansão baiana e
pernambucana e a proliferação das fazendas de gado estão associadas à dinâmica da
economia açucareira. O gado era o alimento básico da população livre e escravizada dos
34

engenhos, sendo usado também como transporte e força motriz. Atendia “à crescente
demanda de carne por parte da região aurífera de Minas Gerais” (CABRAL, 2008, p.
24). Era, portanto, uma atividade econômica subsidiária à produção de açúcar.
Retomo, pois à questão, sobre como é visto o sertão. Muitos autores têm
buscado identificar que parte do território brasileiro é assim denominada, o que a
caracteriza, mas, principalmente, que relações sociais foram constituídas nesse espaço.
Os estudos costumam apresentá-lo polissêmico, multiforme, com uma variedade de
sentidos e formas, algo móvel, mutável, real e também imaginário, que define e também
é definido pelas pessoas que com ele entram em contato. Não há um conceito fechado
para a categoria sertão; há relatos, há experiências socioculturais que o
constroem/definem/dizem (CERTEAU,1998, p. 199).
Melo (2010, p.42), em estudo sobre o sertão do Maranhão no começo do século
XX, sugere que ele deve ser pensado
[...] a partir de suas múltiplas dimensões simbólicas e culturais, desfiando as
redes de poder que configuram um cenário marcado por disputas, confrontos
e negociações. Trata-se de retratar o sertão como um grande caleidoscópio,
agenciador de falas, de memórias, de textos, de leituras, de vozes que
gravitam em linhas de fuga, e como tal estão em constante permutação e
transitoriedade.

Um sertão múltiplo, que se desenha pelas ações sociais e culturais de múltiplos


agentes históricos, que juntos construíram aquela realidade social. Assim, pensar o
sertão maranhense é pensar em um conceito móvel que é “[...] simultaneamente singular
e plural, é um e é muito, é grande e específico, é um lugar e um tempo, um modo de ser
e um modo de viver [...]” (SENA, 1998, p. 23). Compreender essa categoria é pensá-la
não só indicando um espaço geográfico, mas também uma realidade social, no qual a
identidade do sertanejo é construída, sem dúvida, por fazendeiros, comerciantes,
soldados, jagunços, vaqueiros, camponeses, mas também pelos escravizados que
viveram naquelas paragens. Um espaço em que as relações cotidianas, apesar de serem
marcadas por disputas e confrontos, eram permeadas também por negociações. A
diversidade ali existente não era apenas físico-geográfica, mas também sociocultural.
Por meio das informações contidas na documentação analisada, podemos
conhecer fragmentos das histórias de vida de alguns homens e mulheres que ali
viveram. Dos fazendeiros, os que utilizaram e os que não utilizaram o trabalho de mão
de obra cativa em suas fazendas espalhadas pelas margens dos rios. Dos escravizados
que, usando as brechas deixadas pelo próprio sistema escravista, conseguiram fazer-se
ouvir através de suas lutas (as fugas, por exemplo) e negociações (as alforrias
35

“gratuitas”, as relações de compadrio) travadas diariamente para sobreviverem. E tantos


outros agentes sociais que (re)formaram e (re)significaram suas vidas e o espaço em que
viviam.

1.2Sertão de Pastos Bons: um sertão de senhores de bois, terras e de gente

Durante algum tempo se acreditou que o trabalho escravo fora incompatível com
as tarefas realizadas nas fazendas de gado espalhadas de norte a sul do Brasil durante o
Período Colonial e o Império. Tal certeza passou a ser questionada por historiadores
como Mott (2010) e Gorender (1985), entre outros. O primeiro, a partir de dados
levantados em duas listas nominais de habitantes feitas no Brasil, em 1697 e em 1762,
concluiu que

[...] desde o início e ao menos durante todo os setecentos, a pecuária


piauiense dependeu substantivamente da mão de obra escrava negra e
mestiça. Embora existindo lugar para o trabalho livre, inclusive indígena, o
escravo negro sempre foi uma presença importante e indispensável nas
fazendas de criatório, superior ao braço indígena, quiçá mesmo ao braço livre
(MOTT, 2010, p. 107).

Gorender, em seu livro O escravismo colonial, não só confirma a assertiva


levantada por Mott, mas também destaca que não foi só na pecuária nordestina que a
mão de obra escravizada foi utilizada, mas que

[...] de norte a sul, coexistiram na pecuária o trabalho escravo e o trabalho


livre. O primeiro teve significação acentuada, e mesmo básica em certas
regiões, durante longo período. De modo geral, a evolução associou o
trabalho escravo em termos alternativos ao trabalho livre, cujo emprego a
pecuária absorveu mais cedo e mais amplamente do que a economia
plantacionista. O insofismável é que, por toda a parte, embora em grau
variável no tempo e no espaço, as fontes históricas demonstram a incidência
de características escravistas na pecuária brasileira (GORENDER, 1985,
p.422).

A também historiadora Ribeiro (1990, p. 62), ao lanchar um breve olhar sobre a


economia da região de Pastos Bons, ressalta: “Nessas áreas do Maranhão, onde as
atividades econômicas foram predominantemente a agricultura de subsistência e a
pastoril, o número de escravos, no seu total, foi inferior às grandes áreas de grande
lavoura. Sua presença, entretanto, é inquestionável”. Essa hipótese já havia sido
36

levantada por Gorender em 1985. 9 Faria R.(1998) em seu trabalho também havia
identificado indícios que apontavam para certo ‘engajamento’ de trabalhadores
escravizados nas atividades ligadas à pecuária no Maranhão. Essa autora nos diz que

Revendo o Censo de 1872 destacamos novamente dois dados: os escravos


representavam 20,8% da população, e 29,6% das pessoas em atividades
agrícolas no Maranhão. Do total dos 74.939 escravos então existentes, 49%
(36.694) eram agrícolas. A Matrícula de 1872 praticamente confirma o total
de escravos indicado no Censo, mas diverge bastante quanto ao número
daqueles empregados na agricultura. Por este segundo registro eram 49.011,
ou seja, 65,4% dos escravos. Indica também que 84,4% deles tinham
residência rural. Tal fato amplia ainda mais as possibilidades de engajamento
deste segmento na agricultura, pois além daqueles com atividades agrícolas
declaradas, os classificados como jornaleiros, artistas, costureiras e até
vaqueiros, eventualmente podiam ser utilizados nos trabalhos da agricultura,
nos momentos de maior demanda de força de trabalho, como na época de
colheita e do beneficiamento(Idem, p.222 - 223).

Na maioria dos inventários analisados por mim, os inventariados aparecem como


donos de gado, terras e escravizados. Tais dados também apontam para a existência de
uma pecuária no sul do Maranhão marcada pelo emprego da mão de obra escravizada.
Assim, a “civilização do couro” mencionada por Cabral (2008, p.51), que se forja
naquelas campinas, contou com a presença e com o trabalho de homens e mulheres
escravizados nas labutas diárias e na tessitura das relações dentro e fora das fazendas.
A presença desses sujeitos desempenhando diversas funções dentro das fazendas
de gado, espalhadas por todo o interior da América Portuguesa e do Império do Brasil,
indica quão diversificadas e complexas eram as relações sociais constituídas nos lugares
em que ocorreram.
Os indícios presentes nos inventários sugerem que não era só seguindo as
boiadas que se movimentavam os indivíduos que habitavam a vasta região do sul do
Maranhão. Apesar de seu relativo isolamento em relação à capitania/província (São
Luís, no litoral), aquele sertão mantinha relações comerciais com algumas regiões de
Pernambuco, Bahia, Pará, Ceará e Piauí. O comércio de gêneros alimentícios, gado e
pessoas (compra e venda de escravizados) e as trocas culturais daí decorrentes,
integravam e davam os matizes da dinâmica de sua vida.
Havia um trânsito de gente e de mercadorias. Os sete sujeitos escravizados
pertencentes ao casal Joaquim José da Silva e Anna Rodrigues da Conceição, por
exemplo, estavam sob a posse de uma das herdeiras, que residia “no termo da Villa de

9
Analisando os escritos deixados por Francisco de Paula Ribeiro esse autor, concluiu que, no sertão do sul
do Maranhão, “o caráter escravista da pecuária já aparece atenuado, mas, ainda sim, persistente no regime
de trabalho” (Apud GORENDER, 1985. p. 417).
37

Pilão Arcado da Província de Pernambuco” (Inventário post-mortem de Joaquim José da


Silva e Anna Rodrigues da Conceição, 1878, fl. 68). Para os padrões da região e da
época em estudo, possuir essa quantidade de escravizados colocava esses proprietários
entre os grandes senhores escravistas dali. A amplitude espacial das relações sociais do
casal aparece também no local de nascimento dos seus cativos. Damiana, “preta, com
doze annos de idade, solteira, [era] natural da Bahia” (Inventário post-mortem de
Joaquim José da Silva e Anna Rodrigues da Conceição, 1878, fl. 65v). E a escravizada
Leonor, identificada como “preta, de quarenta e seis annos de idade, solteira, roceira”,
era natural do Piauí (Inventário post-mortem de Joaquim José da Silva e Anna
Rodrigues da Conceição, 1878, fl. 63v). Enquanto outros escravizados pertencentes ao
mesmo casal eram da própria região em que o casal inventariado residia.
A escravizada Joanna, era natural do Ceará, tinha 36 anos quando foi feito o
inventário de sua proprietária, Raimunda Pereira de Britto, no ano de 1885. Esta
proprietária residia e era natural da cidade de Carolina. (Inventário post-mortem de
Raimunda Pereira de Brito, 1885, fls. 10-11).
A escravizada Leonor, mencionada há pouco, teve oito filhos. Assim como
ocorreu com Joanna, seus laços familiares foram colocados em segundo plano. A
herdeira a quem Leonor coubera na partilha dos bens, comunicou à Justiça que em 1861
havia vendido a menina Raimunda, então com nove anos de idade, uma dos oito filhos
dessa mulher. Os trabalhadores escravizados constituíram-se em um bem raro e caro.
Durante quase todo o tempo em que houve um regime escravista nas terras que
formaram o Brasil, era legal e legítima a separação de membros das famílias compostas
por sujeitos submetidos à escravidão. Somente com a Lei Imperial de 15 de setembro de
1869 foi proibida a separação de casais e de pais e seus filhos escravizados (FREIRE,
2011, p. 25).

1.3Relações entre senhores e escravizados: fugas e “afeto”

Os homens e mulheres escravizados do sertão do Maranhão, como ocorria em


outros lugares, buscavam reescrever cotidianamente suas vidas e as relações sociais que
tinham com os demais atores sociais com quem conviviam, particularmente com
aqueles a quem estavam subordinados pela dominação senhorial. Embora nessa região a
população escravizada não fosse tão numerosa e tão representativa como nas áreas de
38

agricultura mercantil, indícios de resistência escrava aparecem nos documentos


cotejados, cujo teor não trata especificamente dessa questão, como o fazem os anúncios
de fuga, publicados nos jornais, os processos crimes sobre casos de assassinatos ou
tentativas de assassinatos cometidos por sujeitos escravizados contra seus opressores,
entre outras fontes históricas.
Muitas estratégias foram utilizadas pelos escravizados para burlarem a realidade
de opressão que lhes era imposta. Luiza, outra das sete pessoas escravizadas,
relacionadas entre as posses do casal Joaquim José da Silva e Anna Rodrigues da
Conceição, é descrita como “criola de quarenta annos de idade pouco mais ou menos”,
que tinha fugido para a Vila e Comarca da Barra do Corda. Ela não afrontou a sociedade
apenas com essa atitude considerada reprovável pela lógica senhorial; em sua nova
morada estava se intitulando “de pessoa livre” (Inventário post-mortem do casal
Joaquim José da Silva e Anna Rodrigues da Conceição, 1878, fls. 77-78).
O que motivara Luiza a fugir? Apenas o desejo de romper o jugo da escravidão
ou também a busca de reencontrar familiares? No inventário no qual ela é mencionada
consta que tivera um filho vendido. O inventariante informava que “Vendeu em mil
oitocentos e sessenta, um escravinho deste cazal, de nome Eufrasio, pardo filho de
Luiza, com cinco annos de idade, natural deste termo, pela quantia de cem mil reis [...]
(Inventário post-mortem do casal Joaquim José da Silva e Anna Rodrigues da
Conceição, 1878, fl.66 v). É possível que sua fuga fosse uma resposta à ação do senhor,
que a havia separado do filho. Silva (1989) lembra que as relações escravistas eram
regidas por um “paradigma ideológico colonial”, por meio do qual se estabelecera uma
espécie de contrato entre ambas as partes – os senhores e os sujeitos escravizados.
Quando as regras desse contrato eram rompidas, uma das reações eram as fugas.
Vejamos como o autor explica esse entendimento,

Dos primórdios da colonização até a década de 1870 mais ou menos, isto é,


sob a vigência do paradigma ideológico colonial, a principal motivação para
fugas e revoltas parece ter sido a quebra de compromissos e acordos
anteriormente acertados. Existia em cada escravo ideias claras, baseadas nos
costumes e em conquistas individuais, do que seria, digamos, uma dominação
aceitável (SILVA apud REIS;SILVA,1989, p. 67).

Tomando como pano de fundo o contexto da época, permito-me conjecturar


sobre possíveis motivos que levaram Luiza à fuga. Inspiro-me em Natalie Zemon Davis
(1987, p. 21), quando narra sua busca por pistas para contar a história de Martin Guerre.
Ela nos diz:
39

Quando não consegui encontrar meu homem (ou minha mulher) em


Hendaye, Sajas, Artigat ou Burgos, fiz o máximo para descobrir, através de
outras fontes da época e do local, o mundo que devem ter visto, as reações
que podem ter tido. O que aqui ofereço ao leitor é, em parte, uma invenção
minha, mas uma invenção construída pela atenta escuta das vozes do
passado.

Assim, um campo de possibilidades é aberto. Luiza fugiu talvez com a esperança


de ficar perto de seu filho ou para trabalhar, juntar um pecúlio e comprar a liberdade
dele ou a dela e, quem sabe, a de ambos. Para Pereira (2001, p.109):

As fugas, tal como os suicídios possuíram diversas motivações, entre essas,


podemos salientar: a reação imediata do escravo ao regime de trabalho e aos
castigos físicos – esta era a causa mais comum; a fuga como o último recurso
do escravo face ao autoritarismo de um senhor, em se tratando de alguma
solicitação do escravo [...].

As cidades representariam um espaço onde aqueles sujeitos encontrariam várias


oportunidades, desde um trabalho até mesmo a liberdade (PEREIRA, 2001, p.101). Fico
a imaginar como viveria essa Luiza “livre”. Como seus donos haviam descoberto que
ela vivia, “como se livre fosse”, em Barra do Corda? Machado de Assis, no conto
intitulado “Pai contra mãe” dá pistas de como os escravizados fujões eram identificados
e, muitas vezes, recapturados.Vejamos um trecho:

Quem perdia um escravo por fuga dava algum dinheiro a quem lho levasse.
Punha anúncios nas folhas públicas, com os sinais do fugido, o nome, a
roupa, o defeito físico, se o tinha o bairro por onde andava e a gratificação.
Quando não vinha a quantia, vinha a promessa: “gratificar-se-á
generosamente”, ou “receberá uma boa gratificação”. Muita vez o anuncio
trazia em cima ou ao lado uma vinheta, figura de preto, descalço, correndo,
vara ao ombro, e na ponta uma trouxa. Protestava-se com todo o rigor da lei
contra a quem o acoutasse (ASSIS, 1906, p.2).

Se os donos de Luzia sabiam que ela estava em Barra do Corda, teriam


contratado um capitão do mato para capturá-la, como fizera o senhor da escravizada
Arminda, no conto de Machado de Assis? Essas e tantas outras questões ficam sem
resposta e aguçam nossa imaginação.
Outras modalidades de resistência aparecem sob signos considerados
reprováveis para as pessoas escravizadas à luz das normas da sociedade imperial. Outra
escravizada com o nome de Luiza, “cabra, de vinte treis annos de idade, solteira” é
descrita como “fujona e caxaceira” (Inventário post-mortem de João Damasceno de
Vasconcelos, 1885, fl. 22). Essa parcela da população resistia não só por atos que
visavam romper o vínculo de dominação – como as fugas, as insurreições, a formação
de quilombos, os assassinatos e os suicídios etc. –, mas também pela embriaguez, a
40

morosidade na realização das tarefas e outros comportamentos, que aos olhos da classe
senhorial eram exemplos de “péssima conduta”. Tais comportamentos, para Pereira
(2011, p.74), representariam “[...] em última instância frações de tempo de liberdade,
que do ponto de vista das autoridades poderiam significar vadiagem ou rebeldia em
potencial [...]”.
As relações entre senhores e escravizados eram marcadas por conflitos, é certo,
mas também por negociações cotidianas, como defendem Reis e Silva (1989). No caso
da liberdade, esta poderia ser conseguida com ações extremas como a fuga, mas outros
meios foram utilizados. No sertão do Maranhão houve escravizados que conseguiram
obter de seus senhores a alforria. As cartas de alforrias eram obtidas, segundo
Ribeiro(1990, p.112),de quatro maneiras:

[...] gratuitas, concedidas sem condições limitadas para a mudança de ‘status’


do escravo; compradas ou onerosas, quando adquirida através de pagamento
pelo próprio escravo ou, ainda, por libertos que pagavam pela liberdade de
parentes próximos; condicionais, que tanto podiam ser gratuitas quanto
compradas, mas o proprietário condicionava o liberto à prestação de serviços,
posterior ao ato legalmente formalizado; por disposição testamentária, que,
como a anterior, podia ser tanto gratuita e onerosa; e, finalmente, por ação
judicial, casos raros e encontrados a partir de 1871, quando, em caso de
recusa, a lei assegurava ao escravo a compra de sua liberdade, através de um
pecúlio por ele adquirido.

O co-herdeiro Joaquim de Souza Medrado, alforriou gratuitamente a escravizada


Jacimaria, descrita como parda, de dezessete anos de idade, solteira e roceira (Inventário
post-mortem do casal Joaquim José da Silva e Anna Rodrigues da Conceição, 1878,
fl.65). Novamente, levanto conjecturas, indagando que estratégias e pequenas
negociações cotidianas Jacimaria teria buscado na relação com seu senhor, para que este
lhe concedesse a tão sonhada liberdade. Provavelmente, foram pequenos enfretamentos,
dissimulações e / ou a representação de ser uma escravizada passiva, subserviente. Ela
pode ter sido o que era chamado “cria da casa” e cultivado o afeto do senhor; ou ainda,
se portado como uma serva fiel, possuidora de um bom comportamento ou mesmo de
uma boa figura. Atributos que para seus donos significavam:

[...] que os escravos fossem obedientes, não fugissem, não respondessem aos
maus tratos e aos abusos de seus senhores, não furtassem, não bebessem e
não brigassem na rua, ou com brancos, ou com outros escravos, ou libertos,
para resolverem seus problemas, quer fossem rixas amorosas ou questões de
outra ordem. E que não andassem [pelas ruas] fora de horário permitido, não
portassem armas sem a devida autorização, e além do mais, não falassem
alterado com as crianças brancas [...](PEREIRA, 2001, p.69).
41

De certo modo, havia particularidades na relação de Jaciaria e seu senhor


demonstradas na carta de liberdade passada de forma “gratuita”; Jaciaria poderia ser
ainda, filha de seu senhor e um acordo poderia ter sido feito com a mãe. Outros
escravizados que estavam sob o domínio desse senhor não gozaram da mesma
liberalidade, como aconteceu com “Francisco, preto, que tinha trinta annos, solteiro,
natural da Bahia em mil oitocentos e trinta e oito foi alforriado pelo mesmo co-herdeiro
Joaquim de Souza Medrado pela quantia de um conto de reis” (Inventário post-mortem
do casal Joaquim José da Silva e Anna Rodrigues da Conceição, 1878, fl. 54v). E
também com Florinda, “parda, sessenta e oito annos pouco mais ou menos, solteira, sem
filhos”, o qual, segundo o inventariante de sua senhora, Virgílio M. da Motta, teria uma
economia de “quarenta mil reis” e lhe “foi ordenado que aprezentasse em juizo para em
tempo lhe ser passada sua carta de liberdade” (Inventário post-mortem de Maria da
Motta e Silva, 1876, fl. 31). Esses casos corroboram a afirmação feita por Ribeiro
(1990, p.119), que constatou em seus estudos ter sido a maioria das manumissões paga
pelos próprios escravizados. Esses atos demonstram que aqueles escravizados não eram
tão passivos, ao contrário, foram, em muitos casos, condutores de sua própria história,
dentro dos limites que a condição de cativo lhes impunha.
Por outro lado, a gratuidade na concessão de uma alforria também poderia
expressar sentimentos que iam além das razões mais comuns para os afetos cultivados
entre os senhores e seus escravizados. João José Noleto co-herdeiro de Tomás de
Aquino Pereira deixou registrado no inventário, feito no cartório de Carolina em 1873, o
desejo de alforriar gratuitamente Sebastião, “de idade de vinte um annos, solteiro, cor
parda, sem profissão, [...], pardo, roceiro, natural deste termo, filho de Paulina”.
Surpreende a razão apresentada por João José Noleto: a deficiência física do
escravizado. Sebastião tinha “a perna direita quebrada desde pequeno, do que fizer com
o pé da mesma perna um pouco torno”, por isso, o senhor diz tê-lo alforriado
gratuitamente, “por desgosto que tem dele” (Inventário post-mortem de Tomás de
Aquino Pereira, 1873, fl. 58v, grifo meu).
As relações entre senhores e escravizados sempre foram muito complexas,
inclusive no sertão do Sul do Maranhão, onde a população escravizada não era tão
numerosa. Havia conflito, sem dúvida, mas também havia espaços construídos
cotidianamente, que permitiram àqueles homens e mulheres formarem laços que iam
além de suas condições jurídicas e das polarizações livre/opressor x
escravizado/oprimido. Laços inusitados, como os que ligaram Maria Alexandrina
42

Pereira e a escravizada Venância. Ao morrer, Maria Alexandrina deixou “um filho


menor do primeiro matrimônio [...] em poder da escrava Venancia de D. Juliana Marim
Pereira [...] sendo notório que a finada possuia não pequena quantidade de dinheiro que
deixou em sua casa nesta cidade e cujas chaves se achão em poder da referida escrava
[...]” (Inventário post-mortem de Maria Alexandrina Pereira, 1880, fl.2).

1.3.1 Cartas de alforrias: o sonho da liberdade

Em alguns casos, ao conseguir a tão sonhada liberdade, pagando por ela ou


recebendo-a gratuitamente, os escravizados ainda corriam o risco de vê-la contestada.
Em 1882, Dona Maria Theresa de Souza contestou as cartas de alforria que seu marido,
o tenente coronel Clemente Procópio de Souza, havia passado aos seus escravizados.
Dona Maria alegava que tais cartas foram passadas “sem sua sciencia”, assim, seu
procurador Thiago Pereira de Araujo Britto entrou com uma “ação de nullidade contra o
mencionado testamento, se fôr verdade que elle exista, visto ser elle nulo” (Inventário
post-mortem de Clemente Procópio de Souza, 1882, fls. 17v-18).
Assim, ter conseguido a carta de alforria, para alguns escravizados não era
garantia de ter conquistado a liberdade. Era preciso recorrer a outras estratégias de lutas.
Foi o que fez Vicência, em 1880, ao ver sua liberdade ameaçada: “desapareceu no dia
da morte de seu senhor” (Inventário post-mortem de Eufrasio Pinheiro Noleto, 1880, fls.
19-19v).
Foi aberto um processo para verificar se Vicência era liberta ou não, ouvindo-se
quatro testemunhas, a quem foi perguntado: se sabiam da existência da tal carta de
liberdade; se Eufrasio, antes de morrer, havia demonstrado desejo de revogar a carta,
caso essa existisse. Um dos depoimentos foi bastante esclarecedor, devido à riqueza de
detalhes. Foi a testemunha Agostinho Alves Rodrigues, de 36 anos de idade, “cazado,
natural desta província, residente no lugar Raposa deste termo [Carolina]”, onde vivia
da agricultura. Ele disse que, em conversa com Eufrasio, este tinha confessado que
[...] sua mulher lhe havia pedido para passar a carta de liberdade a Vicencia, e
como a mais tempo não tinha saptisfeito esse pedido, e que Vicencia era
quem tinha criado todos os seus filhos, já a tinha alforriado, entrando para o
interior da caza, quando voltou trouxe a carta de liberdade de Vicencia,
[...]escripta e assignada pelo próprio Eufrasio que elle testemunha leu,
[também] tem ouvido dizer, e é público na vizinhança do logar, que Eufrasio
constantemente dizia que Vicencia estava forra (Inventário post-mortem de
Eufrásio Pinheiro Noleto, 1880,fls. 39v-40).
43

Eis o veredito do juiz: “A escrava Vicencia, foi alforriada por seu senõr, o
inventariado; proceda-se a partilha dos bens do cazal. Com exclusão da referida liberta a
quem se expedirá nova carta, visto ter desaparecido a que lhe foi passada por seu senõr”
(Inventário post-mortem de Eufrásio Pinheiro Noleto, 1880, fl. 48). Não foi possível
saber se Vicencia voltou depois de ter sido proferida a sentença que a protegia da
reescravização. O certo é que preferiu aguardar o desfecho longe das garras de sua ex-
senhora, fugindo tão logo foi divulgada a morte do seu ex-senhor. O fato de ter criado
todos os filhos dos seus proprietários não lhe garantira que sua liberdade estivesse
assegurada.
Era uma liberdade precarizada que vários libertos viviam; o medo de uma
reescravização era constante. Estratégias eram criadas cotidianamente pelos libertos
para livrarem-se desse perigo que lhes rondava. Chalhoub, no livro A força da
escravidão: ilegalidade e costume no Brasil oitocentista, narra a história de vários ex-
escravizados que tiveram sua condição jurídica contestada e viram-se ameaçados a
voltarem à condição anterior. Nas palavras desse autor,

[...] os dados provenientes dos livros da casa de detenção da corte oferecem


um panorama da situação, sugerem o quanto a experiência da liberdade dos
negros no Brasil do século XIX permaneceu constrangida pela força da
escravidão. Não se pode subestimar o quanto o risco de ser empurrado de
volta à escravidão, ou de ser reduzido ilegalmente ao cativeiro pautava o
pensamento, a conduta e as estratégias de vida dos negros brasileiros naquele
tempo (CHALHOUB, 2012, p.233).

Mesmo tendo sua carta de alforria nas mãos, vários libertos lutaram para ter a
liberdade reconhecida. A luta era cotidiana, agora não mais para conseguir ser livre, mas
para assegurar sua liberdade diante de uma sociedade marcada pela ideologia da
escravidão.10

1.4Sertão de Pastos Bons: nascer livre não era garantia de liberdade

Ao analisar os inventários das pessoas que viveram nas cidades de Carolina, de


Pastos Bons e adjacências, salta aos olhos como os homens e as mulheres que viviam
naquela região – mesmo com a distância geográfica que estavam de São Luís, a capital
do Maranhão, e de outros pólos com quem mantinham contato –11sabiam das mudanças

10
Ver: VAINFAS, 1986.
11
Ver: CABRAL, 2008.
44

que estavam ocorrendo na legislação que disciplinava o regime escravista no país. O


conhecimento dos grandes acontecimentos que se davam fora das porteiras das
propriedades demorava a chegar naquelas paragens tão longínquas, mas chegava e
possibilitava que os escravizados agissem como condutores de suas histórias.
A partir dos anos de 1860, aumentaram no Brasil as vozes que pediam pelo fim
da escravidão. Segundo Conrad (1978), uma série de acontecimentos que ocorreram
fora do país influenciaram as ações antiescravistas que se espalharam de norte a sul do
Império brasileiro. Nesse período, a

[...] libertação dos escravos nos impérios português, francês e dinamarquês, a


dos servos russos [...] e a Guerra Civil nos Estados Unidos deram à questão
da escravatura do Brasil uma urgência que não se verificara desde o final da
luta, em 1851, para acabar com o tráfico africano de escravos” (CONRAD,
1978, p. 88-89).

À época, o reinado de D. Pedro II, imperador que se dizia e queria ser um


homem do progresso, carregava o vergonhoso título de ser um dos poucos lugares do
mundo onde ainda existia legalmente tão vil e degradante situação. Na tentativa de se
mudar a imagem do Brasil era necessário atacar o problema de frente, ou seja, procurar
uma forma segura de promover a transição do trabalho escravo para o livre (CONRAD,
1978, p. 89).
Diante das pressões externas e internas que pediam pelo fim do regime
escravista no Brasil, o parlamento brasileiro, na tentativa de assegurar os interesses da
classe proprietária, decidiu que a abolição da escravatura deveria ser feita de forma
lenta, gradual e guiada pelo governo. Só assim o país poderia se livrar do caos. Foi
nesse ambiente que, em 1871, foi aprovada a lei que libertou os filhos recém-nascidos
de mulheres escravizadas. Não era algo novo, em ouros países, isso já havia sido feito:
“Colômbia 1821, Chile 1811, Portugal 1859, Espanha e suas colônias em 1870, EUA
em 1861 [...] (CONRAD, 1978, p. 112)”.

A Lei de Ventre Livre ou Lei Rio Branco, como também ficou conhecida, não
versava apenas sobre a liberdade dos filhos das escravizadas, nascidos depois de sua
promulgação. Era mais complexa. Conrad a resume.

Aprovada sob a administração conservadora de Rio Branco, a legislação


libertava as crianças recém-nascidas das mulheres escravas, obrigando seus
senhores a cuidar delas até a idade de oito anos. Em troca de qualquer gasto
ou inconveniente envolvido em tais responsabilidades, os donos dos escravos
puderam escolher entre receberem do Estado uma indenização de 600 mil-
réis em títulos de trinta anos a 6 por cento ou usarem o trabalho dos menores
(ingênuos) até eles alcançarem a idade de vinte e um anos. A lei criou um
45

fundo de emancipação para ser usado na manumissão de escravos em todas


as províncias. Pela primeira vez na história do Império, o escravo teve
concedido o direito legal de guardar as economias (pecúlio) que tivesse
reunido através de presentes e heranças e, além disso, com o consentimento
do seu dono, do produto de seu próprio trabalho. Com suas economias assim
garantidas, o escravo viu-se assegurado o privilégio de comprar sua própria
liberdade quando tivesse uma quantia em dinheiro igual a seu ‘valor’. A lei
também libertou os escravos de propriedade do Estado, incluindo aqueles
mantidos em usufruto pela Família Imperial. Libertava, ainda, pessoas
incluídas em heranças não reclamadas ou abandonadas por seus donos.
Colocava os escravos libertados sob a supervisão governamental durante
cinco anos, com a obrigação de contratar seus serviços ou, se viessem como
vagabundos, de fazê-los trabalhar em estabelecimentos públicos. Finalmente,
a nova lei ordenava um registro nacional de todos os escravos, incluindo seus
nomes, idade, estado civil, aptidão para trabalho e ascendência, se conhecida.
Os escravos cujos senhores não os registrassem dentro do prazo de um ano
seriam considerados livres (Idem, 1989, p.113-114).

Para Mendonça (1999) a Lei de 28 de setembro de 1871 não tinha como única
finalidade acabar com a escravidão. Nas palavras do autor, “Ao contrário, essa lei, de
forma bastante marcante, procurava também delimitar e compor as relações sociais na
‘sociedade livre’ (p. 45)”.
Para Fraga Filho (2006, p.49),

[...] a lei do ventre livre representou o reconhecimento legal de vários direitos


que os escravos vinham adquirindo pelo costume. Como observa Chalhoub, o
texto final da lei de 28 de setembro de 1871 foi o reconhecimento legal de
uma série de direitos que os escravos haviam adquirido pelo costume e a
aceitação de alguns objetivos das lutas dos negros. Isso é verdade em relação
tanto ao pecúlio e à indenização forçada como à liberdade do ventre.

Este autor destaca, portanto, o papel ativo que os escravizados tiveram nas ações
que o governo brasileiro tomou para pôr fim à escravidão, demonstrando que eles não
eram passivos e que lutavam cotidianamente para mudarem sua situação. Segundo
Albuquerque e Fraga Filho (2006, p.175)

As duas últimas décadas que antecederam a abolição foram marcadas pelo


aumento das fugas e do número de quilombos em todo o Brasil. [...] nesses
atos de rebeldia, escravos e escravas agiram avaliando as possibilidades do
momento, tirando proveito da crescente desmoralização da escravidão e do
sentimento antiescravista que crescia entre a população livre. Procuraram
também explorar as possibilidades abertas pela legislação imperial
disputando na justiça o direito à liberdade.

Mesmo historiadores que privilegiam a abordagem das ações do governo no


processo de abolição da escravidão, não deixam de reconhecer o protagonismo dos
cativos, como o faz Conrad (1978, p.130) ao dizer:
difícil, naturalmente, determinar até que ponto os escravos estavam
conscientes do debate Rio Branco e de seus resultados, mas um aumento na
46

rebelião, no suicídio e no crime, depois de 1871, sugere que muitos estavam,


de fato, informados sobre o que estava acontecendo.

Voltando a questão da liberdade dos filhos das escravizadas, a Lei de 1871 dava
ao senhor a opção de receber uma indenização do Estado em troca da liberdade do
recém-nascido ou de ficar com ele até que alcance a maioridade. Muitos, se não a
maioria, ficaram com a segunda opção. Por isso, para Conrad (1989, p.129), essa Lei

[...] não trouxe qualquer mudança imediata nas vidas da maioria dos escravos
e nem mesmo as crianças cuja liberdade fora garantida podiam obter
qualquer benefício prático de seu status até alcançarem sua maioridade legal.
Quando esse dia chegasse, conforme os defensores da lei tinham
argumentado, criados e treinados num ambiente de escravidão, os ingênuos
seriam autênticos escravos por disposição; mesmo se não pela lei
encontrando-se mal preparados e pouco motivados por muito mais do que
uma vida de trabalho e de servidão nas lavouras dos donos de suas mães.

Os proprietários maranhenses, como todos aqueles que dependiam da mão de


obra escravizada em suas fazendas, já sabiam que o fim da escravidão se aproximava,
em decorrência da Lei de 1850, que determinou o fim ao tráfico legal de africanos para
as terras brasileiras. Portanto, seria preciso procurar outra força de trabalho, de
preferência uma que pudesse ser explorada em moldes semelhantes aos dos homens e
mulheres escravizados. Nos debates acerca do assunto, os filhos dos escravizados, quer
na condição de libertos, quer na de ingênuos (após a Lei de 1871) eram apontados como
uma das soluções possíveis. Em tese, uma pedagogia senhorial agia no sentido de inserir
a criança escrava nas regras do bem servir. Tal ensinamento tinha como objetivo

[...]obter êxito no ofício para o qual, por especial privilégio, foi escolhido,
dessa maneira aspirar à elevação da hierarquia dos escravos e, um dia, talvez,
comprar sua liberdade, ou fracassar e ser repelido para o meio dos
trabalhadores braçais sem qualificação, obrigados a uma vida de trabalho
extremamente dura (MATTOSO, 2001, p.131).

Também tratando sobre a condição das “crianças escravas, e das crianças dos
escravos” na cidade do Rio de Janeiro, Florentino e Góes (2010) descrevem como se
dava o aprendizado delas para a condição de trabalhadores. Nos primeiros anos de vida,
começavam a ser inseridas em atividades moderadas que se intensificavam depois.
O aprendizado da criança se refletia no preço que alcançava. Por volta dos
quatro anos, o mercado ainda pagava uma aposta contra a altíssima
mortalidade infantil. Mas ao iniciar-se no servir, lavar, passar, engomar,
remendar roupas, reparar sapatos, trabalhar em madeira, pastorear e mesmo
em tarefas próprias do eito, o preço crescia. O mercado valorava as
habilidades que aos poucos se afirmavam [...] Aprendia um ofício e a ser
escravo: o trabalho era o campo privilegiado da pedagogia senhorial
[...](FLORENTINO; GÓES, 2010, p. 184).
47

Não se nascia sabendo o que era ser escravizado, aprendia-se. E a lida diária
junto com seus genitores era a melhor escola, onde se aprendia a pedagogia de como
servir. A vida dos ingênuos parece não ter sido tão diferente das crianças nascidas
escravizadas. Teixeira (2010, p.59), em seu estudo sobre os filhos de escravizadas em
propriedade, cuja produção era destinada à subsistência, em Mariana (MG), entre os
anos de 1850-1888, ressalta que os ingênuos nascidos e criados dentro das senzalas,
junto com suas mães, “foram mantidos em quase sua totalidade na mesma condição
servil dos cativos de fato”. Nessas áreas, assim como nas propriedades criatórias do Sul
do Maranhão, distantes dos grandes centros produtores que exigiam um número cada
vez maior de trabalhadores escravizados, os filhos de escravizadas nascidos após a Lei
de 1871 devem ter sido aproveitados compulsoriamente como mão de obra.
Numa obra publicada a primeira vez em 1883, Nabuco (2012, p.61-62)
comentou os efeitos práticos dessa Lei sobre a vida daquelas crianças. Para ele, a
única parte definitiva e final [foi o] princípio: ‘Ninguém mais nasce escravo’.
Tudo o mais, ou foi necessariamente transitório, como a entrega desses
mesmos ingênuos ao cativeiro até aos vinte e um anos; ou incompleto, como
o sistema de resgate forçado; ou absurdo, como o direito do senhor da
escrava à indenização de uma apólice de 600$000 pela criança de oito anos
que não deixou morrer; ou injusto, como a separação do menor e da mãe, em
caso de alienação desta [...].

Com a Lei do Ventre livre, segundo Mattoso (1988, p. 54), criou-se “escravos de
um estilo novo”. Em estudo sobre crianças tuteladas, mecanismo de controle social e
econômico que alguns proprietários utilizaram para manter o domínio sobre os filhos de
suas escravizadas, Zero (2005) afirma que os ingênuos nada mais eram do que
escravizados disfarçados e que teriam o mesmo tratamento dado às suas mães e demais
companheiros de cativeiro. Analisando a situação dos ingênuos no Maranhão, Jacinto
(2005, p.139) localizou somente 7 menores sendo entregues aos cuidados do Estado
imperial brasileiro, apesar de haver no Maranhão “uma população estimada em 12.314
ingênuos, no ano de 1878”. Ferreira (2016, p. 26), em estudo sobre a aplicação da Lei
de 1871 no Maranhão (1871-1888), conclui que essa Lei fora criada “com a finalidade
de manter inalterada a estrutura de nossa sociedade em suas mesmas bases oligárquicas,
latifundiárias, racistas e afeiçoadas ao trabalho escravo”.
48

1.4.1 Pecúlio: um direito conquistado

Do inventário de Vicente Ayres da Silva se sobressaia a história de Antônio. Em


1881, era descrito como um homem escravizado, de “cor cabra, com idade hoje de
cincoenta e trez annos de idade pouco mais ou menos, solteiro, roceiro, doentio, que foi
avaliado pela quantia de cento e cincoenta mil reis” (Inventário post-mortem de Vicente
Ayres da Silva, 1881, fl. 23). Antonio quis aproveitar o disposto no art. 4, da Lei do
Ventre Livre, que permitia aos escravizados a “formação de um pecúlio com o que lhe
provier de doações, legados e heranças, e com o que, por consentimento do senhor,
obtiver do seu trabalho e economias” (BRASIL, Lei de nº 2040 de 28.09.1871). Para
tanto, ele
Apresentava a quantia de cento e vinte e seis mil reis que tem em poder do
herdeiro Joaquim Alves Lima, que com a de vinte e quatro mil reis de trez
vezes que o casal inventariado lhe é devedor, perfaz a somma de cento e
cincoenta mil reis, por quanto foi avaliado; e pedia houvesse de mandar
expedir sua carta de liberdade. Avista do que, o juis consultando a respeito o
procurador do inventariante aos herdeiros maiores, todas as declarações dou
verdade desse cazal as trez vezes do que trata o escravo Antonio e pelo
herdeiro Joaquim Alves Lima foi dito [ileg.] que era verdade também ter em
seu poder pertencente ao dito escravo a quantia de cento e vinte e cinco mil
reis que requeria fosse lançado em seu quinhão. Em vista dessa resposta, o
juiz declarou ao escravo Antonio, que a tempo competente seria attendido o
seu requerimento (Inventário post-mortem de Vicente Ayres da Silva, 1881,
fl. 23).

Não esqueçamos também que à época desse inventário estava em curso o


movimento abolicionista, no interior do qual ganharam destaque as ações de promoção
de alforrias por meio da formação de poupanças. Escravizados, como Antonio,
economizavam, constituíam pecúlio, negociavam e, quem sabe, tinham suas causas
adotadas por abolicionistas.
O mesmo ocorreu em 1877, com o escravizado Elias, de “trinta e um annos,
solteiro, cabra”, a quem o inventariante de Dona Thomasia Fernandes de Sousa,
moradora da Vila de Mirador, Comarca de Pastos Bons, avaliou “por um conto de reis”
(Inventário post-mortem de Thomasia Fernandes de Sousa, 1877, fl. 17v). Vejamos:

Declarou o tenedor inventariante que os escravos descritos, a exceção do de


nome Elias nenhum tem partes [?] para suas libertações e que o dito Elias
declarou seos bens para aplicar ao fundo de sua libertação os seguintes bens.
Quatro novilhos dois bois tres garrotes onze bezerros, nove éguas, duas
[ileg.] dois potros, dois cavalos no total de seiscentos e quarenta e hum mil
reis – 641$000. (Inventário post-mortem de Thomasia Fernandes de Sousa,
1877, fl. 21v ).
49

Chama atenção a diversidade e a quantidade de itens elencados por Elias,


indicando o que representava a posse de um sujeito escravizado naquela sociedade que
tinha a pecuária como a principal atividade: o valor dos trinta e cinco animais listados
não equivalia ao preço de um homem escravizado adulto.
O valor acumulado por Elias para formar seu pecúlio, 610$000, também salta
aos olhos. Ferreira (2016, p.90) em estudo sobre essa prática em várias regiões do
Maranhão, com vista à liberdade pelo Fundo de Emancipação,12 destaca que “A média
de pecúlio oscilou entre 50$000 réis e 120$000 valores acima desses são considerados
excepcionais”. Infelizmente não dá pra saber que atividade Elias exercia que o
possibilitou poupar tamanha quantia; sequer saber por que ele teve sua alforria
avaliada por uma soma tão alta, um conto de reis. Posso supor que, pelos valores
citados, Elias teria uma importância econômica significativa dentro do espaço social
que vivia.

1.5 O trabalho dos sujeitos escravizados nas fazendas sul-maranhenses

Ao comentar sobre a administração das fazendas de gado surgidas no sertão


maranhense, Cabral (2008, p. 109) afirma não ter identificado ali o absenteísmo tão
característico de outras regiões: 13 “o fazendeiro do sul do Maranhão encontrava-se à
frente da administração de sua fazenda”. 14 A autora defende que: era ele quem
organizava diretamente as atividades desenvolvidas dentro e fora da propriedade. A
população das fazendas era formada, basicamente, “pelo casal (fazendeiro e mulher),
seus filhos, parentes e pelos outros dependentes do fazendeiro – vaqueiros, fábricas,
agregados e aventureiros”. Sobre a participação dos escravizados nessas unidades
produtivas, diz a autora:
O trabalho escravo e o livre foram utilizados com frequência. Ao que parece,
os escravos desempenhavam função subalterna atribuída aos fábricas. Em
nenhuma fonte consultada encontramos referência a vaqueiros escravos,
o que nos leva a sugerir que os vaqueiros eram sempre recrutados entre
os trabalhadores livres (CABRAL, 2008, p.106, grifo meu).

12
Foi criado pelo Art.3º da Lei 2.040 de 28 de setembro de 1871, era um subsídio do Governo Imperial às
províncias e aos Municípios, destinado à libertação de escravizados e utilizado para indenizar os
senhores.
13
Ver: FALCI, 1995.
14
Realidade que também fez parte da administração das fazendas do Piauí estudada por Mott (2010, p.
134).
50

Francisco de Paula Ribeiro, o mencionado militar português que percorreu a


região no início do século dezenove, já expressava o mesmo entendimento, como aponta
um de seus comentadores: “O texto de Paula Ribeiro registra em São Felix de Balsas
[...] a presença de pacíficos índios Acroá em ‘mais de sessenta fogos’(sessenta famílias)
convivendo com o homem branco vaqueiro” (CARVALHO, 2007, p.138).
Ele descreveu as atividades que eram de responsabilidade dos vaqueiros das
fazendas de gado do sul da província.
Vaqueiro é aquele homem encarregado da criação dos bezerros, e de amansá-
los ao mesmo tempo de três meses no curral, para que quando criados
novilhos não fiquem touros bravos, sem deixar conduzir-se, nem conduzir o
gado aos currais; [...] É também encarregado de os curar das grandes chagas
que em pequenos geralmente adquirem por intervenção da mosca ou inseto a
que chamam varejeira, e que infalivelmente os mata quando se lhes não
aplica um pronto e escrupuloso curativo. O vaqueiro queima os campos em
tempo próprio, e não todos de uma vez, para que no entanto que estas
queimadas, como ali se chama, produzam novos pastos tenros e viçosos,
tenham em partes os gados capins secos de que sustentar-se. Ele é o que
procura extinguir as onças ou tigres que aparecem nas fazendas, matar os
morcegos e cobras venenosas, que vivem nas tocas ou buracos das pedras e
das árvores. É o que ajunta e aquieta os gados nas malhadas são certos
lugares escolhidos, nos quais se costumam os gados pernoitar, não faltando
ali ao pôr-se o sol uma só vez, embora tenha pastado nesse dia a uma légua
distante (RIBEIRO, 2007b, p. 178-179).

Ao analisar as relações escravistas a partir das falas dos presidentes da província


do Piauí, na segunda metade do século XIX, Falci (1971, p.360-61) ressalta que
“convém não esquecermos que o escravo trabalhava nas fazendas de criar [...] no
trabalho de charqueadas, na ferragem do gado, na pilagem do arrôs, na colheita do
algodão, na matança do gado, na extirpagem do seu couro, no preparo de sola e da
“carne de sol”.
Assim, homens e mulheres escravizados podiam ser empregados em todos os
serviços das fazendas. Lara (1988, p.184) nos diz que até mesmo “os serviços de alguns
inúteis deveriam ser aproveitados para vários misteres, como de criar galinhas e
porcos”. Acrescento que até aqueles apontados como “sem profissão alguma e de
péssima conduta”, geravam algum ganho para os seus senhores, como é o caso de
Joanna, que permaneceu com o senhor até a morte dele. Talvez a vantagem em mantê-la
estivesse nos três filhos ingênuos que ela tinha em sua companhia: “Jesuína, parda,
nascida em mil oitocentos oitenta e um, Maria, mulata nascida em mil oitocentos e
oitenta e três: e Theotonia, mulata, nascida em novembro de mil oitocentos e oitenta e
quatro” (Inventário post-mortem de Pedro Gomes da Silveira,1885,fls. 10-11).
51

Lamentavelmente, poucos escravizados listados nos inventários trazem um


maior detalhamento da profissão ou profissões que desempenhavam. A indicação mais
frequente é de homens e mulheres empregados como roceiros. Knox (1995, p.187), em
seu trabalho sobre as chamadas Fazendas Nacionais do sertão do Piauí, destaca que lá
“homens e mulheres [escravizados] eram trabalhadores ‘do serviço’, ou seja,
trabalhavam, indistintamente, na roça ou em outras atividades”. E continua explicando
que lá “coube aos homens serem os vaqueiros, os ‘oficiais’, e em pouquíssima escala
serem roceiros”.
Nas fazendas do sul do Maranhão, na mesma época, os escravizados
desempenhavam estas e outras atividades relativas à lida diária nessas propriedades. É o
caso de Francisco, “crioulo, com trinta e um annos, pouco mais ou menos, solteiro,
vaqueiro, natural desta província [...]”, arrolado entre os bens semoventes de um
proprietário falecido (Inventário post-mortem de Justino Antônio de Medeiros,1877,
fl.58v, grifo meu). E também do escravizado Cacimiro, “de cor parda, com idade de
quinse annos, solteiro, vaqueiro, natural deste termo [...]”, que administrava uma
fazenda, cujos bens foram inventariados em 1879 (Inventário post-mortem de Manoel
Pedro de Brito, 1879, fl.7v, grifo meu).
Vejamos outra descrição sobre o que significava ser vaqueiro de uma fazenda.
Para Falci (1995, p. 162)
Vaqueiro era e é uma atividade especializada, que confere a quem a exerce
dignidade e prestígio, mas que exige do seu dignitário uma força de vontade,
um treino e uma habilidade específica (principalmente destreza física) só
comparada às atividades dos oficiais de algum mister. E é por isso que o
matuto, até hoje, se designa, ‘tenho o ofício de vaqueiro’, demonstrando um
aprendizado e uma capacidade operacional superiores àquele que trabalha
com a enxada. É por isso que o preço do escravo-vaqueiro era igual ao de um
mestre de ofício, um carpinteiro [...].

E ser um escravizado vaqueiro? Mott (2010, p. 116) explica:


A vida do escravo vaqueiro, montado a cavalo, vagueando e vaquejando
longe do curral de seu senhor, livre do olho e da chibata do feitor, recebendo
como alimentação diária em média 1kg de carne e ½ kg farinha por certo que
em pouca coisa diferiam tais escravos dos demais trabalhadores livres,
camaradas, agregados e vaqueiros, companheiros no mesmo labutar.

Ao assumir a função de vaqueiro, o escravizado relativizava a ordem das coisas.


Não era mais controlado e vigiado da mesma forma que os demais trabalhadores
escravizados. E podia ter funções partilhadas com o senhor, além de ter maior acesso à
casa deste, para organizarem as tarefas a serem realizadas. Competia ao vaqueiro
52

delegar as funções cotidianas realizadas na fazenda e, na ausência do fazendeiro/seu


senhor, cabia-lhe o gerenciamento das atividades.
Dadas as particularidades dessa função, não era qualquer escravizado que
poderia se tornar um vaqueiro. Para ocupar tão importante cargo, teria que ser pessoa da
confiança do proprietário e com quem este tivesse uma relação cordial. Segundo
Andrade (1964, p. 197), era grande a labuta de um vaqueiro, pois além de passar boa
parte do dia sobre a sela de um cavalo, fiscalizando e cuidando das pastagens e dos bois
que eram criados à solta, era ele que conduzia
[...] o gado a lugares distantes na ida e no regresso, visitando-o algumas
vezes durante o ‘refrigério’ para informar-se do estado do rebanho. No
‘inverno’, com o gado recolhido às ‘mangas’, reúne os bezerros à tarde para
que durmam presos, e ordenha as vacas pela manhã [...] Cabe ainda ao
vaqueiro, auxiliado pelos companheiros das fazendas da redondeza, reunir o
gado nos currais e assiná-lo com a marca do dono, com ferro e brasa.
Também [era] trabalho seu a doma dos potros [...].

Em troca de tamanho esforço, recebia como “remuneração a ‘quarta’ dos


bezerros e potros” nascidos nos rebanhos sob sua responsabilidade (ANDRADE, 1964,
p.180). Assim, a profissão de vaqueiro dava ao escravizado uma posição de destaque no
grupo ao qual pertencia. Talvez o tornasse uma boa opção para quem procurava, por
meio dos laços de compadrio, formar alianças com alguém que pudesse dar assistência
aos filhos. Por outro lado, ser vaqueiro poderia facilitar ao escravizado a formação de
um pecúlio para a compra da carta de alforria.
Ao que parece, ter habilidade e treino para ser vaqueiro aumentava,
minimamente que fosse, o preço do escravizado, como podemos perceber na descrição
da escravaria de um inventariado.
Deu o inventariante a discrever a parteque o cazal inventariado tem um
escravo de nome Luiz, mulato com quinze annos de idade, solteiro, natural
desta província, de serviços domésticos [...] em cujo inventário o mesmo
escravo foi avaliado por seiscentos, digo, por quinhentos mil reis [...]//Um
escravo de nome Francisco, crioulo, com trinta e um annos de idade, pouco
mais ou menos, solteiro, vaqueiro, natural desta província que foi avaliado
por seiscentos mil reis [...]//Uma escrava de nome Izodora, mulata, com des
e seis annos de idade, solteira, rendeira, natural desta província que foi
avaliado por quinhentos mil reis [...]//Uma escrava de nome Roza, crioula,
com doze annos de idade, solteira, de serviços domésticos, natural desta
província [...] a qual foi avaliada por tresentos e cinquento mil reis [...]//Uma
escrava de nome Joanna, cabra, com des annos de idade, serviços
domésticos, natural desta província [...] foi avaliada pela quantia de tresentos
mil reis [...](Inventário post-mortem de Justino Antonio Medeiros,1877, fls.
58-59, grifo meu).

Os rebanhos desse senhor estavam distribuídos em duas fazendas. Apesar de não


ter sido possível conhecer o modo como era organizada a administração desses bens,
53

percebe-se que o escravizado Francisco, na função de vaqueiro, deveria trabalhar


arduamente para cuidar dos numerosos animais listados entre os bens, que podem ser
vistos na tabela a seguir.

Tabela1– Rebanhos listados no inventário de Justino Antonio Medeiros (1877)


BENS QUANTIDADE LOCAL VALOR TOTAL (em
UNITÁRIO réis)
(em réis)
Gado vacum 110 Fazenda Bonito 8$000 880$000

Bois bons 15 Fazenda Bonito 12$000 180$000


Gado vacum 12 Fazenda Bonito 12$000 24$000
Cavalos 3 Fazenda Bonito 15$000 45$000
velhos
Burro velho 1 Fazenda Bonito 80$000 80$000
Cavalos novos 9 Fazenda Bonito 30$000 270$000
Cavalo de sela 1 Fazenda Bonito 50$000 50$000

Éguas velhas 2 Fazenda Bonito 10$000 20$000


Poldro 1 Fazenda Bonito 12$000 12$000
Poldros 3 Fazenda Bonito 8$000 24$000
Poldras 2 Fazenda Bonito 12$000 24$000
Poldra 1 Fazenda Bonito 8$000 8$000
Poldro 1 Fazenda Bonito 20$000 20$000
Bois de carro 6 Fazenda Bonito 15$000 90$000
Bois 15 Fazenda Santo Antonio 12$000 80$000
Cavalos 6 Fazenda Santo Antonio 15$000 90$000
Éguas 18 Fazenda Santo Antonio 15$000 270$000
Poldros 3 Fazenda Santo Antonio 8$000 24$000
Poldros 2 Fazenda Santo Antonio 12$000 24$000
Poldrinhos 4 Fazenda Santo Antonio 5$000 20$000
Gado vacum 210 Fazenda Santo Antonio 8$000 1:680$000
TOTAL 2:212$680
Fonte: Inventário post-mortem de Justino Antonio Medeiros, 1877, fs. 57-60v. Fórum de Vara Única da
Cidade de Carolina-MA.

Ao comparar os valores dos 5 sujeitos que pertenciam a Justino Antonio


Medeiros com os valor total de seu rebanho, percebi que os primeiros constituíam os
bens de maior valor (2:300$000). Realidade presentes na maioria dos inventários que
analisei.
54

O trabalho dos vaqueiros deveria ser conduzido com muito zelo. Ao exercer essa
profissão, em sua lida diária o escravizado Francisco talvez precisasse se deslocar de
uma fazenda a outra, para, assim, conseguir administrar os animais que constituíam o
patrimônio de seu senhor, pois não há referências a outros vaqueiros ou ajudantes no
inventário. Se existiram, a hipótese coloca Francisco numa situação bem mais peculiar,
seriam trabalhadores livres, comandados por um escravizado.
O trabalho do escravizado Cassimiro como vaqueiro parece ter-lhe exigido
esforço menor, considerando que os bens do seu senhor eram menores do que os do
senhor de Francisco. Constituíam-se de
[...] cento e vinte cabeças de gado vacum de toda a sorte, na fazenda
Chapadinha, que forão avaliadas a oito mil reis cada uma e todos por
novecentos e sessenta mil reis [...]//Cinco cavallos novos na mesma fazenda,
que forão avaliados por trinta mil reis cada uma e todos por cento e cincoenta
mil reis [...]//Duas egoas novas na mesma fazenda avaliadas a quinze mil reis,
por trinta mil reis [...](Inventário post-mortem de Manoel Pedro de Brito,
1879, fl.8).

Decerto, o trabalho confiado a ambos os escravizados lhes dava algum destaque


dentro de seu grupo social. Cassimiro tinha apenas “quinse annos de idade” quando seu
preço foi definido como semelhante ao da escravizada “Raymunda, de cor preta,com
idade de vinte annos, solteira, roceira, natural deste termo, [...] avaliada por seiscentos
mil reis”. Raymunda tinha uma característica que certamente a tornava mais valorizada
como trabalhadora escravizada, era mãe de dois ingênuos, “João de cor parda, nascido a
cinco de janeiro de mil oitocentos setenta e sete [...]: e Benedicto, de cor preta, nascido
a três de janeiro deste ano” (Idem, fls.7v-8). Embora a chamada Lei do Ventre Livre
previsse a entrega ao Estado dos filhos de escravizadas tornados livres por esse
instrumento legal, já disse anteriormente, foi muito baixo o número dos que foram
confiados à guarda estatal, indicando que os senhores preferiam continuar a utilizá-los
com mão de obra.15
É interessante observar como a literatura e os discursos produzidos sobre o
espaço chamado sertão maranhense também forjaram a ideia de uma identidade regional
a partir da figura do vaqueiro, visto como homem livre. Criou-se um mito fundador para
diferenciar o sertanejo do habitante do litoral, do que morava na capital da
capitania/província. O sul sertanejo seria rural, boiadeiro, levado e determinado pelos
aboios dos berrantes, pelas práticas sociais gestadas no interior e no entorno das

15
Ver: CONRAD, 1989; JACINTO, 2005; TEIXEIRA, 2010.
55

fazendas de gado, dialogando cotidianamente com as realizadas nos poucos e espaçados


pequenos centros urbanos ali existentes.
Nos inventários analisados, os trabalhadores escravizados avaliados na faixa de
preço mais alta eram, além dos vaqueiros, os identificados como roceiro/a e oficial de
carpina. Em geral, os escravizados constituíam um dos bens de maior valor arrolados
em cada inventário. Não pude identificar se havia uma relação direta entre a idade e o
valor do escravizado, percebi sim que quando a profissão foi registrada, quem possuía
alguma daquelas citadas acima, tinha um acréscimo em seu preço, em relação aos
demais. Vejamos um exemplo na tabela a seguir.

Tabela 2 – Bens deixados por Maria Benedita do Nascimento - 1874


BENS SEMOVENTES QUANTIDADE VALOR VALOR
UNITÁRIO TOTAL
Escravizado Tertuliano, 32 anos, casado 1 700$000 700$000
Escravizada Afra, 50 anos, casada, costureira, 1 400$000 400$000
estava doente
Escravizada Bonifacia, 54 anos, cozinheira 1 100$000 100$000
Escravizado Diogo, preto, solteiro, 28 anos, 1 1:000$000 1:000$000
roceiro e solteiro
Escravizado João, 24 anos, oficial de carpina 1 1:100$000 1:100$000
Escravizada Joana, 24 anos, costureira 1 600$000 600$000
Escravizada Mauricia, 9 anos 1 300$000 300$000
Cabeças de gado vacum 350 8$000 2:800$000
Bois mansos para carro 3 20$000 60$000
Cavalos de sela 3 100$000 300$000
Cavalos quartões 11 40$000 440$000
Cavalos quartões velhos 3 20$000 60$000
Bestas novas 7 20$000 140$000
Poldros 4 20$000 80$000
Poldrinhas 2 8$000 16$000
Mula nova 1 100$000 100$000
TOTAL 8:476$000

BENS DE RAIZ QUANTIDADE VALOR VALOR


UNITÁRIO TOTAL
Posse de terra na Fazenda Estrema 1 100$000 100$000
Posse de terra no lugar morro alegre 1 60$000 60$000
Posse de terra na Fazenda Santa Izabel 1 100$000 100$000
Posse de terra no lugar chamado Sant`Anna 1 20$000 20$000
TOTAL 280$000
TOTAL GERAL 8:476$000
Fonte: Inventário post-mortem, de Maria Benedita do Nascimento, 1874, fls.13-16. Fórum Vara Única da
cidade de Carolina-MA.
56

Além de empregarem a mão de obra escravizada em suas fazendas, alguns


senhores alugavam os cativos, reproduzindo uma prática comum em outras sociedades
escravistas, inclusive no Brasil. A escravizada Úrsula,“parda”, de vinte e quatro anos de
idade, “ainda era alugada pra Eufrazia Pinheiro Noleto”, na época da feitura do
inventário de seu senhor (Inventário post-mortem de Ricardo Pinheiro Noleto, 1871, fls.
12;17). A semelhança dos sobrenomes do senhor de Úrsula e da pessoa a quem ela
estava alugada, sugere que a transação comercial se dava entre membros de uma mesma
família. Parentes, parentes, negócios a parte, foi o que pensei.
O aluguel de escravizados também foi usado por outros senhores escravistas do
sertão como uma estratégia de obtenção de renda. Uma mulher apresentada como Dona
Josina Ayres Mascarenhas alugou, em1881, uma casa e um trabalhador escravizado. O
tratamento de dona a uma mulher indica ser esta alguém a quem se atribui ser
pertencente aos extratos sociais mais altos daquela sociedade. O referido escravizado
havia falecido no ano de 1884, ainda na vigência do aluguel, mas o senhor dele não
ficou no prejuízo. Quando foi feito o inventário desse proprietário, Dona Josina devia
aos herdeiros o valor do trabalhador escravizado que morrera enquanto estava a seu
serviço (Inventário post-mortem de Aniceto Ayres da Silva, 1885, fl. 14v).
E aqui cabe uma referência ao instigante trabalho de Marize Helena de Campos
(2010), Senhoras Donas: economia, povoamento e vida material em terras maranhense
(1755-1822). De posse de uma massa documental rica e variada, a referida autora
descortina uma dimensão da vida social pouco explorada pela historiografia
maranhense, a saber, a participação ativa das mulheres na vida sócio-econômica do
Maranhão no período citado acima. Identificou que aquelas “senhoras donas” “não
eram, necessariamente, proprietárias de bens e escravos ligados à cultura do algodão,
mas eram também proprietárias de gados vacuns e cavalares, lavouras de mandioca,
engenhos etc.” (p. 21). Essas mulheres apareceram na documentação cotejada não só
como possuidoras, mas, também, como transmissoras de bens, o que, para Campos,
representaria uma “clara demonstração de autoridade e poder” (p.185). Na região
estudada por mim, dos 59 inventários analisados em 25 deles aparecem mulheres
possuidoras de terras, gados, escravizados etc, constituindo assim, de certo modo, as
“senhoras donas” do sertão maranhense.
Mott (2010), ao analisar as relações escravistas nas fazendas de gado do Piauí,
constatou que “[...] As categorias ‘escravo de ganho’ e ‘escravo doméstico’ tão
freqüentes nas maiores cidades do Brasil-Colonial neste idêntico período, devem ser
57

muito raras nesta sociedade com organização econômica e social tão rústica” (p.111).
Penso que a mesma dedução se poderia aplicar para a categoria de “escravo de aluguel”
para o sul do Maranhão, no período em estudo. A prática existia, de forma esporádica.
Os homens e mulheres daquela região, que vislumbrei nos inventários e nos
registros de batismo, são fazendeiros, seus familiares, outros livres, além dos
escravizados e dos libertos. Dos livres e dos libertos poucas vezes consegui identificar a
atividade econômica a que se dedicavam na luta pela sobrevivência.

1.5 Estrutura demográfica da população escravizada das fazendas de gado do


sertão maranhense

A população livre registrada pelo censo de 1872 para aquela região, realmente
era a maioria, no entanto, isso não significa a inexistência de cativos naquela sociedade.
Havia espaços nos quais os escravizados se moviam e até mesmo exerciam atividades
que antes se acreditava serem de exclusividade do homem livre e branco.

Tabela 3 – População das freguesias do sul do Maranhão: 1872


FREGUESIA POPULAÇÃO % POPULAÇÃO % TOTAL
LIVRE ESCRAVIZADA
São Bento de 10. 940 93.16 804 6.83 11. 744
Pastos Bons
São Felix de 9.622 93.01 723 6.99 10.345
Balsas
São Pedro de 9.732 96.23 382 3.77 10.114
Alcântara
Nossa Senhora 3.877 88.64 497 11.36 4.374
de Nazareth do
Riachão
FONTES: Recenseamento de 1872. Disponível em: <www.brasil.gov.br>. Acesso
em: 13/11/2016.

Parte dos sujeitos escravizados listados na documentação cotejada, era registrada


com outros elementos de informação, além do nome: idade, profissão, filiação, condição
física, estado civil e cor. Não posso afirmar quem dava as informações, se o próprio
escravizado, os inventariantes, ou se era o senhor quem os havia registrado daquela
forma nas matrículas de escravizados realizadas por determinação da Lei do Ventre
Livre e da Lei dos Sexagenários. Para FARIA S. (1998, p. 311), “o vocabulário
classificatório transcendia as informações dadas pelos cativos”, sendo, em muitos casos,
filtrado pelo olhar social de quem as forneciam. Nos inventários analisados, os
58

escravizados são classificados como cabras, pardos, mulatos, cafuzos, mestiços e até
como negrinhas. Entre as classificações branco e preto existia, portanto, um gradiente
de cores. A cor também era usada como elemento de distinção e classificação social
(PEREIRA; VENÂNCIO; SOUSA, 2006).

Tabela4 – Cor e sexo da população escravizada


HOMENS MULHERES TOTAL
COR QUANTIDAD QUANTIDAD
% % GERAL %
E E
Cabra 40 38,2 8 12,3 51 28,6
Parda 16 15,0 12 18, 4 28 15,7
Crioulo 16 15,0 16 24, 6 32 18
Mulato 8 8,1 9 13,8 18 10,1
Cafuso 6 5,7 2 3,0 12 6,7
Mestiço 2 1,9 - - 2 1,2
Preto 17 16,2 17 26,1 34 19,1
“Negrinha” - - 1 1,5 1 0,6
Total 105 100 65 100 178 100
Fonte: Inventários post-mortem. Fórum de Justiça da cidade de Carolina-MA;cartório do 2º
ofício de Pastos Bons-MA. Período: 1860 a 1887.

Guedes (2014, p.185) ressalta que as pesquisas hoje realizadas sobre essa
temática vêm mostrando a necessidade que se tem de “dissociar escravidão e qualidade
de cor”, pois também, “entre livres e senhores, [havia] gente de todas as matizes entre
branco e negro”.
Para o referido autor:

De qualquer modo, pelo estágio atual da pesquisa, e sem esquecer que se lida
aqui com a denominação costumeira e cotidiana das cores, nos livros
paroquiais pesquisados a crescente escravidão foi (re) definindo a todos.
Como tendência, e não regra, escravos ficaram pretos; forros empardeceram;
e brancos assim o eram pelo silêncio. A escravidão criou as qualidades de
cor, inclusive a familiar herança mestiça; não o contrário. Branco era o bem
nascido, e nem todos os livres o eram, o que ajuda a compreender o silêncio,
até certo ponto. Basta não nascer escravo para, potencialmente, não receber
cor nos batismos de brancos e forros (GUEDES, 2014, p.185).

Da população submetida ao regime de escravidão na região objeto deste estudo,


foram identificados 300 indivíduos nessa condição na documentação analisada. Destes,
apenas 58 tiveram as profissões especificadas.
59

Tabela 5 – Profissão dos homens escravizados


ESCRAVIZADOS
PROFISSÃO QUANTIDADE %
Roceiro 32 88,9
Vaqueiro 2 5,5
Oficial de carpina 1 2,3
Alfaiate 1 2,3
Total 36 100
Fonte: Inventários post-mortem. Fórum de Justiça de
Carolina-MA;cartório do 2º ofício de Pastos Bons-MA.
Período: 1860 a 1887.

Tabela 6 – Profissão das mulheres escravizadas


ESCRAVIZADAS
PROFISSÃO
QUANTIDADE %
Costureira 6 27,2
Roceira 10 45,4
Cozinheira 4 18,2
Rendeira 1 4,6
Lavadeira 1 4,6
Total 22 100
Fonte: Inventários post-mortem. Fórum de Justiça de
Carolina-MA; cartório do 2º ofício de Pastos Bons -
MA.Período: 1860 a 1887.

Dos 300 sujeitos escravizados localizados, 12 não tinham informações sobre o


sexo. Foram registrados apenas como “escravos”.

Tabela 7 – População escravizada, por sexo

SEXO QUANTIDADE %

Homens 158 54, 8


Mulheres 130 45, 2
Total 288 100
Fonte: Inventários post-mortem. Fórum de
Justiça de Carolina-MA; cartório do 2º ofício
de Pastos Bons- MA.Período: 1860 a 1887.

E 268 tiveram suas idades registradas, permitindo-me constatar que a maioria da


escravaria era composta de sujeitos jovens, em pleno vigor físico, produtivo e
reprodutivo.
60

Tabela 8 – População escravizada por sexo e idade


HOMENS MULHERES TOTAL
IDADE QUANTIDADE % QUANTIDADE % QUANTIDADE %
0-15 anos 66 42,3 38 33,9 104 38,8
16-30 anos 57 36,5 42 37,6 99 36,9
31-45 anos 15 9,6 20 17,8 35 13,1
46-60 anos 15 9,6 11 9,8 26 9,7
61-75 anos 1 0,7 - - 1 0,4
Acima de 75 anos 2 1,3 1 0,9 3 1,1
Total 156 100 112 100 268 100
Fonte: Inventários post-mortem. Fórum de Justiça de Carolina-MA; cartório do 2º ofício de Pastos
Bons - MA. Período: 1860 a 1887.

Mott (2010, p.113) tem uma hipótese para a predominância de homens nas
regiões dedicadas à pecuária. Segundo ele, “[...] explica-se tão alta relação de
masculinidade pelo fato de a pecuária, atividade econômica dominante, ocupar
exclusivamente mão de obra masculina”. Quanto às mulheres escravizadas, segundo
o mesmo autor, dedicavam-se as tarefas agrícolas (Idem, 2010, p.113).
Em média, o tamanho das escravarias no sul-maranhense era menor (de apenas 5
escravizados para cada proprietário), se comparado às regiões de agricultura mercantil.
Algumas eram formadas apenas por mulheres escravizadas, como a das duas senhoras
citadas a seguir. Uma tinha três escravizadas: Maria, Leoncia e Francisca, de 24, 21 e 20
anos, respectivamente (Inventário post-mortem de Maria da Motta e Silva, 1876, f. 31-
32). A outra, duas escravizadas: Conrada, de 42 anos e Tereza de apenas 17 anos
(Inventário post-mortem de Alsiria de Assis Mascarenhas, 1868, fl.7). No entanto, os
homens escravizados eram mais numerosos que as mulheres submetidas ao cativeiro,16
como podemos ver na tabela 7.
Assim, os vestígios presentes nos inventários deixados por senhores(as) da
região sul do Maranhão me possibilitaram perceber a existência de um sertão
caracterizado por vínculos sociais múltiplos e variados, no qual, livres, libertos e
escravizados se encontravam e estabeleciam relações, nem sempre harmoniosas. O
conflito era latente, mas houve espaços para as negociações cotidianas, nas quais os
agentes históricos iam construindo espaços de sociabilidade e de solidariedade no dia a
dia das fazendas. A relação de compadrio dentro desse contexto se apresenta como uma
estratégia usada pelos escravizados na construção de espaços de autonomia. Várias
leituras são feitas sobre os significados do rito para as pessoas nele envolvidas. Como os

16
Ver: MATTOSO, 2001.
61

escravizados, por exemplo, escolhiam seus compadres? Quais influências, externas e


internas a seu grupo, poderiam influenciar no momento da escolha? Quem escolhia os
padrinhos? Senhores apadrinhavam filhos de suas escravizadas? São questionamentos
como esses que deram origem a uma série de estudos envolvendo o batismo de
escravizados em várias regiões do Brasil. Trabalhos que lançam uma nova luz sobre o
escravismo brasileiro, os quais poderão ser vistos aqui, alguns deles.
62

2 DIANTE DA PIA: O RITO E SEUS SIGNIFICADOS

Pelas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia (CPAB), o batismo seria


“o primeiro de todos os Sacramentos, e a porta por onde se entra na Igreja Catholica, e
se faz, o que o recebe capaz dos mais Sacramentos, sem o qual nenhum dos mais fará
nelle seu effeito”. É somente a partir dele que o indivíduo, de fato, nasce para a
comunidade cristã. Sem ele, não tem como iniciar sua caminhada rumo à salvação
(VIDE, 1853, p. 12). É por ele, segundo um dicionário da língua portuguesa do
oitocentos, que também “se dá o nome, e se alista entre os cristãos [...]” (MORAIS,
1824, p. 273).
Com a água e as palavras ditas pelo pároco, o batizando teria seus pecados
perdoados, inclusive o pecado original ocasionado pela desobediência de Adão e Eva,
tornando-se “filho de Deos, [sendo] feito herdeiro da Glória e do reino do Ceo” (VIDE,
1853, p. 13). A essência e o que define o batismo cristão estão na relação que os sujeitos
nele envolvidos estabeleciam com a dimensão espiritual. Eram vínculos religiosos que
se construíam diante da pia. Receber e aceitar os santos óleos significava, para a Igreja
Católica, uma decisão totalmente necessária para aqueles que queriam alcançar a
salvação. Assim, as CPAB recomendavam que fosse ensinado a todos como se deveria
realizar o rito diante de uma necessidade. Orientavam:
Ainda que tenhamos mandado que o baptismo se administre pelo próprio
paracho na Igreja Parochial, e por immessão nem por isso deixa de se poder
administrar licitamente fora da Igreja em qualquer lugar e por effusão, ou
aspersão e por qualquer pessoa nos casos de necessidade, e todas as vezes
que houver justa e racionável causa que obrigue a que assim se faça como são
se alguma criança, ou adulto estiver em perigo, antes de poder receber o
Baptismo na Igreja, póde e deve receber fora della, em qualquer lugar, por
effusão ou aspersão, e por qualquer pessoa, posto que seja leigo, ou
excomungado, herege, ou infiel, tendo intenção de baptizar como manda a
Santa Madre Igreja (VIDE, 1853, p. 17).

O importante era garantir que nenhum indivíduo chegado ou nascido em terras


da América portuguesa morresse pagão. Aos escravizados adultos, os párocos deveriam
verificar se tinham consciência da importância e do significado que tal rito teria no seu
processo de transformação em um bom e obediente escravizado-cristão. Dever-lhes-iam
fazer as seguintes perguntas:
Queres lavar tua alma com agoa Santa?
Queres comer o sal de Deos?
Botas fora de tua alma todos os teus pecados?
Não hás de fazer mais pecados?
Queres ser filho de Deos?
Botas fora da tua alma o demônio? (VIDE, 1853, p. 20).
63

Não se sabe o que esses homens e mulheres respondiam diante dessa “consulta-
prévia” antes de adentrarem no seio da sociedade cristã/escravocrata na América
portuguesa. Aos senhores, segundo as CPAB, caberia a tarefa de garantir a
conversão/salvação daquelas almas. Aos párocos competia ficarem vigilantes sobre essa
questão. Era dever dos representantes da Santa Sé garantir que o batismo cristão fosse
realizado em um maior número possível de pessoas, fossem livres ou escravizadas
(VIDE, 1853, p. 21-22).
Havia um tempo determinado para que as crianças fossem batizadas. Até oito
dias após o nascimento, era obrigação dos pais ou responsáveis levá-las para receber os
santos óleos. Caso não cumprissem essa orientação, pagariam “dez tostões para a
fabricada nossa Sé e Igreja Parochial” e se a negligência permanecesse seriam mais
gravemente castigados (VIDE, 1853, p. 14). Tal orientação era difícil de ser cumprida
em algumas regiões, a exemplo do sertão de Pastos Bons. A dificuldade de acesso e
mesmo as longas distâncias que algumas localidades ficavam da sede das freguesias
poderiam influenciar na demora em levar as crianças a receberem os santos óleos. Na
região objeto do meu estudo, a maioria dos batismos foi feita em ato de desobriga.17 As
crianças eram batizadas depois de meses ou mesmo anos de nascidas.

2.1 Padrinhos e madrinhas: presença necessária na cerimônia batismal

De acordo com as CPAB, as cerimônias batismais deveriam ser assistidas por


um homem e uma mulher. Estes, a partir daquele momento, construiriam dois tipos de
relações com a família do batizando. Primeiro, formavam com a criança laços de
apadrinhamento, tornando-se padrinho e madrinha, seus pais espirituais. Eles seriam
“fiadores para com Deos pela perseverança do batizado na fé [com a] obrigação de lhes
ensinar a Doutrina Christã, e bons costumes”. O segundo vínculo era estabelecido com
os pais do batizando, os laços de compadrio. Para o dicionarista Morais e Silva, “Estar
compadre de alguém” era estar ao mesmo tempo “padrinho de um menino”, mas
também estar, “em boa amizade” com os pais dele; eram relações cordiais que se

17
Desobriga: incursão da Igreja católica a regiões de difícil acesso, praticando a catequese e oferecendo o
sacramento do batismo aos pagãos. Cf. MOTA, 2015.
64

formavam/confirmavam diante da pia. Esses vínculos assumiam um significado tão


forte e relevante para quem dele participava, que, na sociedade colonial, houve “registro
de parentes consangüíneos preferirem se intitular de compadre, dado o prestígio desta
relação” (MORAIS;SILVA 1789 apud VAINFAS, 2001, p. 126).
Firmava-se ou confirmava-se, com o batismo, relações de cordialidade e de
amizade, pois estar ligado a alguém pelos laços de compadrio, a princípio, era de algum
modo reforçar vínculos já existentes. Assim, a escolha dos parentes em Cristo era
determinada pela qualidade das relações que antes existiam entre as partes envolvidas
no rito. E se lembrarmos que, na sociedade brasileira, desde os tempos coloniais, as
relações públicas e privadas eram pautadas pelos vínculos pessoais, ser
padrinho/madrinha, afilhado/afilhada, compadre/comadre de alguém era algo que,
certamente, tinha uma representatividade social significativa.
Mas, para a Igreja, nem todos estavam habilitados a assumir o importante papel
de pais espirituais. As CPAB colocavam alguns critérios. Somente
[...] pessoas já baptizadas, e o padrinho não será menor de quatorze annos, e a
madrinha de doze, salvo de especial licença nossa, não poderão ser padrinhos
o pai, ou a mai do baptizado, nem também os infieis, hereges, ou públicos
excomungados, os interdictos, os surdos, ou mudos, e os que ignorão os
principios de nossa Santa Fé, nem Frade, Freira, Conego Regrante, ou outro
qualquer religioso professo de Religião approvada, (excepto o das Ordens
Militares) por si, nem por procurador (VIDE, 1853. p. 26).

Tornar-se padrinho e madrinha era também assumir o compromisso de iniciar na


vida religiosa seus agora filhos em Cristo, de ensinar-lhes os princípios cristãos. Para
tanto, era preciso não só conhecer tais princípios, mas saber transmiti-los com
ensinamentos que deveriam orientar a vida social daqueles recém-nascidos para a fé
cristã.

2.2 Os registros de batismo: registros paroquiais e civis

Na tentativa de padronizar as informações dos assentos batismais, as CPAB


recomendavam um modelo de registro que tinha a seguinte forma:
Aos tantos de tal mez e de tal anno batptizei, ou baptizou de minha licença o
Padre N. nesta ou em tal Igreja o N filho de N e de sua mulher N. e lhe puz os
Santos Oleos forão padrinhos N e N casados, viúvos ou solteiros, fregueses
de tal Igreja e moradores em tal parte (VIDE, 1853, p. 29).
65

Apesar de ter havido essa tentativa de padronização, os dados contidos nos


registros variavam muito de região para região. A presença ou ausência de algumas
informações dependia da disposição do pároco responsável por cada freguesia. Nos
registros das Freguesias de São Bento de Pastos Bons e São Pedro de Alcântara, de uma
forma geral, aparecem a data, o local do batismo, o nome do batizando, se era filho
natural ou legítimo, a data de nascimento, o nome do pai e da mãe, o nome dos
padrinhos (e suas condições jurídicas) e a assinatura do pároco que realizou ou registrou
o batismo.Em alguns foi registrada a cor. Outras informações poderiam ser colocadas,
como: indicações de distinção social que pais ou padrinhos possuíam (coronel, dona,
doutor...), se a criança foi batizada em perigo de vida, por quem e o lugar de morada das
pessoas envolvidas no rito. Após a Lei de 28 de setembro de 1871 no batismo de
crianças nascidas de mães escravizadas, era colocado o nome do senhor e uma
observação ao lado dizendo que eram ingênuos(as).
Analisando documentos relativos à população escravizada, como os registros de
batismos, Faria S. (1998) julga que uma dificuldade enfrentada pelo historiador é saber
quem dava as informações, se o senhor, o feitor, o próprio escravizado ou a comunidade
em que vivia. Os párocos, responsáveis pela freguesia, tinham entre suas obrigações
vários tipos de registros civis. Foi pela pena/olhar religioso/social desses representantes
da Igreja, inseridos em um determinado contexto, que algumas informações sobre
aqueles sujeitos chegaram até nós. Os registros de batismos têm, portanto, um lugar de
produção e é a partir dele que iremos encontrar, ou não, indícios que nos levem a
compreender as relações sociais construídas entre livres, libertos e escravizados, em um
determinado lugar e período (FARIA S, 1998, p. 311-312).
Para Bassanezi (2013, p.147), a maneira como eram feitos esses registros reflete
uma sociedade extremamente hierarquizada e preconceituosa, na medida em que,

no Brasil, os registros para as pessoas livres e de camadas sociais mais


elevadas, consideradas ‘gente mais importante’, eram mais cuidados,
completos e precisos que os relativos aos cativos ou pessoas livres das
camadas mais inferiores, demonstrando preconceitos e valores de uma
sociedade que hierarquizava as pessoas de acordo com sua condição social.

Os registros de batismo não continham apenas informações sobre a vida


religiosa dos envolvidos no rito. Numa época em que não havia registro civil, também
cumpriam esse papel. As informações neles encontradas permitem ao pesquisador traçar
um perfil social daqueles sujeitos. Dão pistas para compreender como as redes de
sociabilidades e solidariedades foram tecidas em um determinado contexto histórico. A
66

criança levada à pia batismal não só deixava de ser pagã, ela era também iniciada na
vida daquela comunidade cristã-católica. Era um nascimento cristão e social
(BASSANEZI, 2013, p.143).18 E são esses dados que me ajudaram a pensar algumas
questões na tentativa de compreender a realidade sociocultural sul-maranhense na
segunda metade do século XIX.

2.3 Padrões e tendências de escolhas de padrinhos

É interessante e instigante pensar as múltiplas estratégias que os escravizados


construíram cotidianamente para burlar e resistir ao sistema dominante que lhes era
imposto. Lutas diárias pautadas no conflito, sem dúvida, mas também na negociação, na
barganha, na teatralização da vida, pois, com De Certeau (1998, p.79), lembramos que
há/havia
Mil maneiras de jogar/desfazer o jogo do outro, ou seja, o espaço instituído
por outros, caracterizam a atividade, sutil, tenaz resistente, de grupos que, por
não ter um próprio, devem desembaraçar-se em uma rede de forças e de
representações estabelecidas. Tem que ‘fazer com’. Nesses estratagemas de
combatentes existe uma parte dos golpes, dos lances, um prazer em alterar as
regras de espaço opressor.

Entendo que os laços criados diante da pia batismal entre livres e escravizados
representassem um desses espaços. Eles estabeleceram relações que foram para além
das determinadas por sua condição jurídico-social.
A sociedade escravista brasileira não era formada por um só grupo social, o do
senhor. Sequer podemos tentar pensar esse sujeito sem pensar a posição social de outros
sujeitos que a ele estavam ligados, como os homens e as mulheres escravizados. Não há
como compreender a ação do opressor sem também compreender a ação do oprimido.
Um não vivia sem o outro. É o que nos lembra Thompson (1998, p. 57) ao analisar as
relações socioculturais existentes na Inglaterra do século XVIII. Para ele,

Num certo sentido, os governantes e a multidão precisavam um do outro,


vigiavam-se mutuamente, representavam o teatro e o contrateatro um no
auditório do outro, moderavam o comportamento político mútuo. É uma
relação mais ativa do que normalmente lembrada sob a fórmula
‘paternalismo’ e deferência.

18
Os registros de batismo, no caso dos escravizados, eram o principal documento que comprovava que
eles pertenciam a alguém. Os batismos dos ingênuos eram utilizados como documentos para o senhor
pedir indenização ao Estado, caso quisesse entregar-lhe a criança. Ver GOLDSCHMIST, 1998.
67

O olhar que a recente historiografia lança sobre as relações construídas entre os


proprietários e seus cativos desce das varandas da casa-grande. Insere em suas análises
o cotidiano das senzalas, que em muitos casos constituíram-se em espaços de
autonomia, de resistência e sobrevivência. As ações ou reações dos moradores dessas
senzalas poderiam estar presas a uma estrutura que aparentemente os paralisavam, mas
eles teimosamente se moviam e resistiam.
As relações tecidas cotidianamente permitiram aos cativos “formas próprias de
integração no mundo da escravidão, procurando espaços de autonomia e de liberdade,
por meio não só de fuga, da rebelião ou do quilombo, mas também, negociando,
barganhando” (PEREIRRA, 2001, p.20). Tendo por base essa compreensão, defendo
que o batismo cristão construiu um dos principais espaços onde esses escravizados
puderam vivenciar suas subjetividades.
Assim, propus-me a fazer algumas reflexões sobre a produção historiográfica
produzida a respeito das relações de compadrio que envolviam livres, libertos e
escravizados no Brasil Colonial e Imperial. Destaco trabalhos que discutem os
significados que tais laços teriam para os indivíduos neles envolvidos e buscam
identificar quais fatores poderiam ter influenciado pais e padrinhos a aceitarem formar
vínculos parentais através do batismo.

2.3.1 Laços de compadrio: possibilidades possíveis

O trabalho de Gudeman e Schwartz (1988) sobre a relação de compadrio entre a


população escravizada no Recôncavo Baiano, entre os anos de 1780-1789, é
considerado o ponto de partida para os pesquisadores do tema. Os autores falam de um
lugar específico: freguesias que se dedicavam à produção de açúcar para exportação e
cujas fazendas tinham um grande número de escravizados. Esse dado foi importante
para perceberem alguns padrões de escolhas de padrinhos/madrinhas, que apareceram
nos registros por eles analisados. Por exemplo, não ser uma prática os senhores
19
apadrinharem seus escravizados (GUDEMAN; SCHWARTZ, 1988, p.42-43).
Possivelmente isso seria decorrente de uma incompatibilidade entre os princípios
cristãos do batismo (regidos por vínculos de solidariedade) e os da escravidão (pautados

19
Ver também: OLIVEIRA, 1995-1996; SCHWARTZ, 2001; ANDRADE, 2003; ANDRADE, 2005
MOTA, 2015.
68

em relações de dominação e subserviência). Como escravidão e cristianismo


coexistiram, para os dois autores, a saída encontrada foi dar “as costas” a essa questão.
Concluem que, o parentesco espiritual não costumou ser usado na população por eles
estudada, para formar ou reforçar laços paternalistas entre o proprietário de escravizados
e os sujeitos que formavam sua escravaria.
Cascudo (2001, p.2) reproduz a fala e o pensamento que seu avô materno, o
capitão Manuel Fernandes Pimenta, tinha sobre o apadrinhamento de escravizados por
seus senhores. Quando um escravizado o convidava para formar laços de compadrio, o
capitão respondia: “Não posso não. Tome dois mil réis e continue a ser sério e
trabalhador”. Sua recusa, justificava o capitão, devia-se ao fato de que: “Todo escravo
meu compadre dá para beber e dançar”. A relação de compadrio levaria os cativos a
uma “infalível crise de preguiça e cachaça”, na apreciação desse senhor.
Assim, o compadrio entre escravizados e seus senhores parece não ter sido um
elemento de sustentação da extensa família patriarcal, na qual os membros estavam
ligados e eram dependentes ao dono não só da casa-grande, mas de tudo que estava
dentro e fora dela. A fome de solidariedade, que Mattoso (2001, p.123) dizia existir nos
escravizados, seria saciada mediante outras estratégias. A ideia de que as primeiras
experiências de convívio social das crianças-escravizadas teriam sido conduzidas pelas
mãos de seus senhores ou das famílias destes não se concretizou na pia batismal, como
o atestam estudos sobre algumas regiões, sejam relativos ao Período Colonial, sejam
sobre o Império.
A Igreja usou outras estratégias para garantir a prática do batismo em um
ambiente que, a princípio, não oferecia condições para a sua existência. Para Schwartz
(1988, p. 331), “A Igreja conseguiu conciliar-se com a escravidão [...] o renascimento
do cativeiro através do batismo não se dava por intermédio de seu próprio senhor.
Outros escravos, livres ou proprietários de outros cativos, serviam-lhe de padrinhos”.
Se o senhor recusava-se a formar vínculos compadrescos20 com membros de sua
escravaria – como ocorreu no caso já mencionado, do avô de Câmara Cascudo –, é
possível que, em alguns casos, escravizados também não quisessem ter como
compadres seus senhores, por terem a mesma visão da incompatibilidade entre os laços

20
Termo utilizado por Ferreira (1999)para se referir aos laços de compadrio entre as populações
escravizadas, livres e libertas na Freguesia de São José do Rio de Janeiro, na primeira metade do século
XIX.
69

de ajuda/igualdade criados com o batismo e os de sujeição que caracterizavam a relação


senhor e escravizado.21
Machado (2006), ao estudar as relações de compadrio entre a população cativa
batizada na Freguesia de São José dos Pinhais (SP), no período de transição do século
XVIII para o XIX, amplia as discussões presentes na historiografia sobre o tema. Em
sua pesquisa, pôde identificar um número significativo de padrinhos pertencentes à elite
local e que também eram membros da parentela senhorial, abençoando a entrada na vida
cristã e social naquela freguesia de muitas crianças nascidas nas senzalas. Tais dados
deram margem para que se pudesse relativizar a ideia de que os laços criados diante da
pia batismal não serviram para estabelecer relações paternalistas entre senhores e
escravizados.22
Os laços de compadrio e apadrinhamento assumiram várias faces, na medida em
que se tornaram um “[...] instrumento efetivo na formação e consolidação de uma
comunidade23 de escravos e livres de cor, mas também ligava essa população com a
sociedade branca de todos os estratos sociais, e ao menos em São José dos Pinhais, com
a parentela senhorial” (MACHADO, 2006, p.16). Pensar uma sociedade por meio
desses vínculos é pensar uma realidade constituída por teias que ligavam indivíduos de
diferentes posições sociais/jurídicas, teias que acabaram dando uma complexidade às
relações gestadas por esses agentes históricos.24Através dos indícios encontrados nos
registros de batismos das Freguesias de São Bento dos Pastos Bons e São Pedro de
Alcântara compreendo que, naquela parte do Maranhão, os laços criados com o batismo
cristão formaram uma comunidade aberta, onde podemos encontrar livres e
escravizados em constante relação, ora de harmonia, ora de conflito.25

21
Sobre essa questão específica, ver CRUZ, 2006.
22
Sobre o tema ver: KRAUSE, 2014; OLIVEIRA, 2014; BRUGGER, 2002; OLIVEIRA, 2014.
23
Não existe uma definição consensual sobre o que seria a comunidade escravista formada em terras
brasileiras. Slenes (2011) diz que, pelo menos no sudeste, a noção da existência de uma comunidade
constituída pela população cativa era caracterizada pela construção de uma identidade comum, chegando
mesmo a existir uma “proto-nação banto”, devido à grande predominância de indivíduos desse grupo
linguísticos. Já para Florentino e Goés (1997), as relações que se formaram no interior das senzalas eram
muito mais marcadas pelo conflito do que pela formação de uma identidade comum. Castro (1995)
ressalta que havia, sim, diferenças entre os grupos que formavam aquelas comunidades; por exemplo,
entre africanos e crioulos, que, em determinados momentos, eram “esquecidas”. Para Brugger (2004), é
interessante destacar que viver ou estar em uma comunidade não quer dizer que o conflito não vá existir.
24
Ver também: RAMOS, 2004.
25
Ver: LAGO, 2012.
70

2.3.2 Vínculos de compadrio entre livres, libertos e escravos: expectativas e realidades

No estudo sobre o compadrio em São José Del Rei, nos séculos XVIII e XIX,
Brugger (2003, p.8) afirma que “ninguém em princípio teria motivo para recusar um
apadrinhamento. Pelo contrário, ter afilhados era um ‘capital’ político importante”. O
apadrinhamento constituía-se em uma relação de mão dupla, uma troca entre afilhados /
sua família e os padrinhos. Estes, oferecendo proteção e alguns benefícios materiais,
aqueles, prestando lealdade e obediência. As relações compadrescas, segundo a autora,
tornaram-se um importante mecanismo para a formação e ampliação de redes
clientelistas. Burker (2002, p. 104) diz que essas solidariedades verticais eram
fundamentais para que alguns líderes transformassem suas riquezas em poder, uma vez
que “Os afilhados proporcionam apoio político aos padrinhos, bem como deferência,
expressa em várias formas simbólicas (gestos de submissão, linguagem respeitosa,
presentes, entre outras manifestações). Já os padrinhos oferecem hospitalidade,
empregos e proteção aos afilhados”.
Na população cativa baiana estudada por Gudernam e Schwartz (1988), os
padrinhos/madrinhas eram, em sua maioria, homens e mulheres livres ou libertos. 26
Essa tendência de “alianças para cima” também foi identificada por Brugger (2003), na
São João Del Rei, dos séculos XVIII e XIX. Homens livres brancos de status social
superior (padres, capitães, alferes, tenentes ou coronéis) foram os preferidos em todos
os segmentos sociais (livres, libertos e escravizados).
Era a esperança de verem seus filhos assistidos que levava pais e mães a
procurarem seus parentes espirituais em meio à população de status social superior ao
deles. Expectativa que devia ser atendida, em menor ou maior proporção, para gerar a
tendência mencionada linhas atrás. Eram laços de apoio e de ajuda, se possível mútuos,
que se buscava estabelecer com o batismo. Krause (2014) fala das “vantagens” que um
escravizado teria ao estabelecer relações de compadrio com um livre, ganhos que iam
desde a alforria para seu filho, as conhecidas alforrias na pia, até alcançar certo destaque
social. Nos casos estudados por ele, identificou que “mais do que a cor da pele, eram as
relações sociais estabelecidas com os livres que distinguiam esses cativos do restante da
escravaria, facultando-lhes, por exemplo, o acesso a ofícios especializados ou ao serviço
doméstico” (KRAUSE, 2014, p.295). É importante ressaltar que tais vínculos não

26
Padrão de escolha também encontrado em outras regiões: SILVA,2004; MACHADO, 2006;SIQUEIRA,
2008; BOTELHO, 2010; GOMES, 2013; OLIVEIRA, 2014.
71

estavam assentados apenas na perspectiva de haver um possível apoio financeiro, era


mais que isso. O compadre era o indivíduo a quem se podia recorrer diante de querelas,
de situações imprevistas e mesmo angustiantes.
Segundo Slenes (1997), as expectativas de se encontrar no outro algum conforto
nem sempre eram atendidas. Os vínculos criados ou confirmados diante da pia, em
alguns casos, resultaram em relações pautadas no conflito. Vejamos o exemplo da
escravizada Ana,
Entre julho de 1863 e dezembro de 1865 ela fugiu duas vezes de um dos
locatários de seus serviços, o padrinho de batismo de outra filha dela,
nascida em 1852 e não liberta. [...] Quando Ana fugiu pela segunda vez do
compadre ‘reaparecendo’ somente um mês depois, conseguiu ser transferida
para outro empregador (SLENES, p.259, grifei).

Não havia nenhuma garantia de que o compromisso firmado diante do pároco,


por via do batismo, viesse a ser colocado em prática. Não havia uma obrigatoriedade
formal para que fossem cumpridos os “acordos” de solidariedade que o batismo cristão
pressupunha.
Uma hipótese levantada por Fragoso (2014, p.67) e comprovada na análise por
ele realizada, em relação à escolha de pessoas livres como padrinhos de escravizados, é
que, pelo menos no Rio de Janeiro, muitos desses rebentos fossem filhos de homens que
pertenciam à “nobreza da terra”. 27 Daí a frequência com que homens livres/nobres
apareceram como padrinhos de crianças escravizadas que tinham apenas o nome da mãe
em seus registros. Nesses casos, o rito reforçaria relações preexistentes.
Em relação ao maior número de mães solteiras com compadres homens livres,
Faria S.(1998, p.320), ao estudar os registros de batismos da Freguesia de São Gonçalo
do Recôncavo da Guanabara, de 1648 a 1668, chama atenção para o fato de que,
possivelmente, os homens registrados como padrinhos eram os “pais incógnitos” ou
parentes deles. Diz, ainda,
A mãe, provavelmente, via-se impedida, de alguma forma, de indicar a
paternidade. Parentes, muitas vezes, colocavam-se como ‘padrinhos’ destes
familiares não projetados. Foram nos registros de batismo de filhos das mães
solteiras que mais apareceram padrinhos livres, designados por ‘sargento-
mor’, ‘alferes’, ‘capitão’ e mulheres, indicadas como ‘dona’.

27
Fragoso nos explica, através de uma pesquisa intensa sob um vasto e variado corpus documental, o que
seria essa nobreza da terra. Para esse autor: “Em outras palavras, não era o ser senhor de engenho,
escravos e terras, o que garantia a um sujeito ingressar no mando da república; na verdade, era o
contrário. Filhos e netos dos conquistadores mesmo sem engenhos e mesmo sem terras conseguiam ter
acesso àqueles postos e ainda casarem-se com integrantes do grupo detentor de engenhos e terras. Desse
modo, eles voltavam a ter o domínio formal de fábricas e terras. Nesse processo, pude ver que o eixo
central do pertencimento à nobreza da terra estava nas práticas maritais e, mais ainda, pude verificar o
domínio do grupo sobre o território da capitania, que era vista como conquista daquela nobreza
costumeira” (2010, p.40).
72

Outras leituras foram feitas dos vínculos que escravizados estabeleciam com
livres através do compadrio. Slenes (1997, p.23), por exemplo, ressalta a posição um
pouco desconfortável para alguns cativos, no meio do seu grupo, ao assumirem relações
tão estreitas com o mundo extra-senzala. Eles passariam, em certos casos, a serem vistos
como alguém não muito confiável, em situações que envolviam e contrapunham
interesses de escravizados e livres, propriedades e proprietários.
Eram livres, em sua maioria, os padrinhos e as madrinhas que levaram os
ingênuos à pia batismal em Santa Maria do Sacramento, na Chapada dos Guimarães, em
Mato Grosso, após a Lei de 1871, estudados por Crivelente (2009). A autora aventa
algumas hipóteses para essa tendência. Em uma delas, as mães veriam no batismo uma
forma de conseguirem um embranquecimento social, pois o compadrio garantiria às
suas crianças uma ascensão social mais segura. No universo que pesquisou, os
pais/mães espirituais eram “[...] agregados, trabalhadores livres, moradores do mesmo
engenho, além dos casos em que o próprio senhor tornava-se compadre [...]”
(CRIVELENTE, 2009, p. 10).
Um aspecto relevante para pensarmos as relações entre escravizados e senhores
é a mudança de comportamento destes últimos em relação à sua participação efetiva nas
cerimônias batismais dos ingênuos, filhos de seus cativos, após a Lei do Ventre Livre.
Dos 257 registros de batismos analisados por Crivelente, em 54 deles senhores ou
membros de sua família (filho, filha, genro ou nora) aparecem apadrinhando filhos de
escravizados. Para a autora, essas escolhas eram totalmente compreensíveis, na medida
em que o compadrio seria usado como uma estratégia de inserção desse recém-nascido
em Cristo no mundo dos homens livres ou libertos (CRIVELENTE, 2009, p. 10).28
Também era livre a maioria dos padrinhos dos ingênuos batizados em Curitiba
na segunda metade do século XIX, estudada por Schwartz. O referido autor levanta
algumas hipóteses para essas escolhas, que sinalizam as mudanças ocorridas no período
final da existência da escravidão como uma instituição legal no Brasil, ao afirmar: “É
claro que simplesmente havia menos escravos para escolher. Ademais, as crianças
batizadas nesse período eram reconhecidas como ingênuas, legalmente livres, embora
ainda sob o controle do senhor da mãe e, provavelmente, lhe parecia inconveniente ter
padrinhos escravos” (SCHWARTZ, 2001, p. 282).

28
Mudança de comportamento que também foi encontrada nos registros de batismos da Zona da Mata
mineira para o mesmo período, estudados por Andrade (2008).
73

Parece-me que a tendência de escolha dos padrinhos dos ingênuos seguia o


mesmo padrão dos batismos das crianças escravizadas: foram mulheres e homens livres,
preferencialmente, os escolhidos como seus protetores espirituais.
Mesmo sendo um rito essencialmente religioso, os laços criados diante do
pároco transpõem os muros da Santa Madre Igreja e se estendem para a vida secular
(GUDEMAN; SCHWARTZ, 1988, p.37). Todos os envolvidos tinham consciência dos
significados religioso e social que o rito carregava e do uso do batismo cristão para criar
ou confirmar vínculos já existentes: “É inegável que o contexto influenciasse na hora da
escolha. A sociedade escravocrata na qual viviam acabava exercendo influência na hora
de se escolher seus parentes em Cristo” (GUDEMAN; SCHWARTZ, 1988, p. 40).
Sobre esse ponto, Schwartz (2001, p. 289), ao revisitar a história da Bahia, em outro
momento (1835), identifica, de acordo com a situação social e política da época,
mudanças no padrão de escolha dos padrinhos por parte da população cativa da
Freguesia de Santiago de Iguape, quando “os escravos queriam outros escravos para
padrinho”.
As escolhas dos padrinhos dos filhos de escravizados poderiam, desse modo, ser
resultantes das alianças políticas existentes entre proprietários, escravizados e sua
vizinhança, o que, para Rocha (2004, p. 243), facilitaria “a formação de alianças entre
os cativos de diferentes unidades produtivas e também a formação de redes sociais entre
escravos e pessoas livres”.29
Mesmo que homens e mulheres escravizados tenham conseguido, via batismo,
ampliar seu espaço de convívio para além das cercas das propriedades de seus donos, é
preciso relativizar essa mobilidade e os espaços onde ocorria. Schwartz (1988, p. 334),
ao tratar as relações que se formaram em terras baianas, traz uma reflexão interessante
sobre essa questão.
Mesmo quando o padrinho ou madrinha não residia no mesmo local,
geralmente vivia em uma propriedade ou povoado nas imediações ou,
raramente, na paróquia mais próxima. Embora entre a elite dos senhores de
engenho os padrinhos pudessem percorrer grandes distâncias [...] entre os
escravos isso não ocorria. As fronteiras da propriedade podiam ser
transpostas, mas as distâncias além delas permaneciam limitadas.

A ampliação de espaço era aproveitada pelos senhores, que indiretamente tinham


sua rede de influência expandida nesse tipo de vínculos. Foi o que provavelmente

29
Sobre essa questão, ver: BARROSO, 2013; GOMES, 2013.
74

pensou o senhor de engenho Francisco Barreto de Faria, do Rio de Janeiro, no século


XVII, estudado por Fragoso e Guedes (2003, p. 2); Esse proprietário,

pretendendo manter-se como senhor da governança ‘facilitava’ o contato de


seus cativos com os de outros senhores e com lavradores pobres. Esta
circulação, não raro, se traduzia em uniões conjugais (sancionadas ou não
pela Igreja). Obviamente estas facilidades tinham seus limites: tanto os donos
de cativos como os lavradores eram clientes ou aliados de Barreto e somente
suas escravas participavam daquelas uniões, ou seja, as crianças nascidas lhe
pertenciam, mesmo se os pais fossem livres, já que era a filiação materna que
determinava o ser escravo. Desse modo, Barreto conseguia estender seu
poder sobre diferentes grupos sociais, poder que ia para além de seu engenho.

Esses contatos poderiam ter se dado de forma direta, construídos na lida diária
daqueles indivíduos, mas também poderiam ter sido intermediados por terceiros que, no
vai e vem de suas atividades costumeiras, podiam atuar como construtores de vínculos
interpessoais. Engermann (apud BACELAR, 2011, p.9) chama-os de
“conectores”,30pois
Faziam contatos entre diversas senzalas, e que uma melhor identificação
poderia nos permitir discernir como possíveis condutores de tropas – livres
ou cativos – ou mascates, responsáveis por levar mensagens, mercadorias e
quem sabe, laços espirituais de mais longo alcance.

Oliveira (1995), discorrendo sobre a prática do compadrio em solo baiano no


século XIX, diz que a relação criada via batismo foi utilizada pela população cativa
como meio de recriar laços que teriam sido desfeitos ao desembarcarem em terras
brasileiras. É uma reeleitura/ressignificação do rito católico, o qual ao inserir esses
africanos em uma sociedade cristã, também dava a eles elementos para reconstruir suas
identidades. Com o compadrio, teriam a possibilidade de “[...] organizarem seus
sistemas de diferenciação social e cultural, contrapondo-se aos demais grupos com os
quais coexistiam no novo sistema: os brancos, as populações autóctones, os mestiços, os
demais africanos e seus descendentes (no Brasil, os crioulos)” (OLIVEIRA, 1995, p. 2).
Para os africanos arrancados do meio dos seus e lançados dentro de um ambiente
que lhes era totalmente hostil, o compadrio não representaria apenas um meio de
encontrar e estabelecer relação de ajuda mútua, mas também de recompor laços
familiares, formando assim, uma rede de apoio e proteção para seus filhos (OLIVEIRA,
1995, p.15).31

30
Ver: BARROSO (2012) fala da existência de “intermediários sociais”.
31
Ver: RAMOS, 2004.
75

2.3.3 Padrinhos e madrinhas: ausências e seus significados

Nos registros de batismos na Bahia, estudados por Gudeman e Schwartz (1988),


parece ter havido uma constância da presença do padrinho na cerimônia; pois as
ausências, quando houve, foram das madrinhas. Essa tendência também foi identificada
por Guedes (2014), para o Rio de Janeiro, a partir de 1710, intensificando-se nos anos
finais daquele século. Paralelo a esse fenômeno, Guedes (2014, p. 172) constatou um
aumento expressivo no número de santas amadrinhando escravizados; tal prática foi tão
significativa que, no limiar do século XIX, correspondeu a 70% dos batismos analisados
por esse autor, que a atribui à forte presença da religião cristã naquela sociedade.
Ramos (2004, p.66) também vê essas “substituições” como algo que
representaria a devoção religiosa de algumas famílias, pois, assim, haveria uma tentativa
de se introduzir o sagrado no meio familiar, com as santas/madrinhas como uma
“ponte” que ligaria o afilhado e seus pais ao Deus-pai ou ao Cristo. Andrade (2008, p.
5) considera que muitas mulheres deram seus filhos para santas amadrinharem em busca
de proteção espiritual na hora do parto. Na região por ele estudada, Freguesia de Nossa
Senhora da Conceição do Bananal (1847-1857), no Rio de Janeiro, Nossa Senhora foi
escolhida como madrinha de um representativo número de crianças. Tal prática, para
esse autor,
[...] embutia uma permuta: Nossa Senhora ganhava afilhado e em troca
protegia a mãe na hora do parto, livrando-a de uma possível morte, numa
sociedade que antecedia a época das modernas técnicas de higiene e
obstetrícia e em que o parto era um intensificador de óbitos de mulheres em
idade fértil.

Vasconcelos (2004), em estudo sobre a família formada por escravizados em


Angra dos Reis (1801-1888), entende que a prática de ter uma santa como protetora
estaria muito mais ligada à necessidade de preencher um “vazio” do que
necessariamente a aspectos devocionais.
Dissertando sobre o compadrio em algumas freguesias na Paraíba oitocentista,
Rocha (2009, p. 230) sugere que a ausência da madrinha em regiões caracterizadas por
pequenos plantéis e com pouca mão de obra escravizada, poderia estar associada
às dificuldades de mães escravas em estabelecer alianças com outras
mulheres no momento do primeiro sacramento católico [...] O impedimento
também poderia ser em virtude de residirem numa freguesia rural, na qual os
limites da condição de escrava e a possibilidade de conviver com outras
pessoas eram menores, reduzindo o estabelecimento de redes sociais com
outras mulheres. [Em relação] aos padrinhos, a maior presença deles pode
76

[...] aventar que, em razão de os escravos estarem fortemente ligados ao


mundo do trabalho, teriam mais chances de estabelecer contato com homens
e convidá-los para apadrinhar seus bebês.

Pensando ainda sobre a importância da presença de padrinhos e madrinhas nas


cerimônias batismais, Gudeman e Schwartz (1988, p. 52) identificaram que, quando os
dois compareciam diante da pia, houve uma tendência da madrinha em ocupar uma
posição jurídica e social inferior (era escravizada ou forra, por exemplo, enquanto o
padrinho era livre). O homem, naquele contexto, representaria um porto seguro, no qual
aquelas famílias ancoravam os sonhos de um futuro melhor para os seus filhos.32 Tais
escolhas, para Gomes (2013, p. 11), pareciam ser mais sensatas ao se pensar no mundo
perigoso em que aqueles sujeitos históricos viviam. Assim, na busca de alguma
proteção para seus filhos talvez fosse melhor “conjugar o apoio de um homem livre com
maiores recursos com auxílio quotidiano prestado pelas companheiras de labuta”.33
Lembro, com Schwartz e Gudeman (1988, p.35), que “o compadrio é uma
construção, um sistema de signos”. As escolhas dos padrinhos poderiam, então, estar
associadas à questões afetivas, a vínculos de amizade e de companheirismo construídos
ao longo do tempo, mas também a questões de necessidades materiais, fruto do
cotidiano que viviam. Isto porque, como destaca Schwartz (2001, p.11), “Na escravidão,
as alianças não se davam ao acaso, não se verificavam ao descompasso de regras
culturalmente aceitas”.

2.3.4 A escolha de padrinhos: critérios e limites

Ao estudar os registros de batismos da Freguesia da Candelária, dos anos de


1718 a 1841, Sampaio (2014) afirma que é necessário pensar o compadrio e o
apadrinhamento como relações estabelecidas entre desiguais. Na população que
analisou, foi frequente o par de padrinhos formado por homens livres e mulheres
escravizadas. Apesar de concordar com a análise que vê nessa associação a formação de
laços verticais e horizontais (estes, entre iguais),34 o autor não entende que tais relações
foram construídas de maneira simplista, como aparentemente sugerem os vestígios
encontrados nos registros. Argumenta que escolher

32
Ver: SCHWARTZ, 1988.
33
Ver, também, KRAUSE, 2014; FRAGOSO, 2014.
34
Ver sobre o tema: BRUGGER, 2002; GOMES, 2013.
77

outra escrava como madrinha de seu filho não pode ser considerado, ao
menos de forma automática, uma aliança horizontal, ou seja, entre iguais.
Mesmo na senzala havia uma hierarquia e a mesma tinha que ser
devidamente ponderada quando da escolha dos padrinhos (Idem, p. 201).

Entre as famílias constituídas por sujeitos escravizados, como naquelas formadas


por sujeitos livres, também houve a preferência em estabelecer vínculos com quem
estava em uma situação social igual ou melhor que a sua.
No que diz respeito às relações de compadrio entre escravos do mesmo
senhor, fica patente que em ambas as propriedades os pais escolhiam mais
compadres qualificados ou empregados no trabalho doméstico (e menos
compadres de “roça/lavoura”) do que seria de se esperar em vista da
distribuição dessas ocupações entre adultos nas respectivas senzalas. Numa
dessas propriedades, é possível estudar a escolha de compadres de acordo
com a ocupação dos pais; verifica-se, então, que os pais
domésticos/qualificados tinham proporcionalmente mais compadres com
essas mesmas ocupações do que trabalhavam no setor agrário (SLENES,
1997, p. 270).

Stein destaca a importância que tinha para os cativos a venda dos produtos de
suas roças, proporcionando-lhes ganhar algum destaque em meio aos companheiros e,
com isso, poderem ser escolhidos como protetores espirituais por terem a possibilidade
de oferecer algum benefício material ao seu afilhado e à sua família.
Os padrinhos escravos davam ao neném [escravizado] recém-batizado uma
toalha, sabonete, camisola de dormir e touca, comprados de caixeiros
viajantes com os trocados ganhos pela venda de seus produtos agrícolas ou
aves domésticas. Quando o afilhado chegava à idade “de fazer a barba” pela
primeira vez, seu padrinho presenteava-o com uma navalha de barba, e sua
madrinha comprava ou fazia uma toalha (apud SLENES, 2011, p.201).

Não era, portanto, somente o desejo de conquistar a liberdade de seus filhos, por
meio de uma carta de alforria, que motivava homens e mulheres escravizados a
buscarem “alianças para cima”, quando iam criar os laços de parentesco espiritual. Era
nas coisas “miúdas” do cotidiano, na labuta do dia a dia, nas necessidades diárias, que
esses laços provavelmente teriam maior representatividade e importância.35
Existiam nas senzalas aqueles que seriam os preferidos, os que sempre eram
convidados a apadrinhar/amadrinhar um escravizado. Homens e mulheres que, por
terem mais recursos materiais ou simbólicos, destacavam-se diante dos demais sujeitos
escravizados. Slenes (1997, p. 270) cita o caso de Balbina, escravizada no mosteiro de
São Bento, que entregou seu filho Fortunato, ingênuo, aos cuidados do padrinho,
“Porfílio, escravo do Exmo. Barão de Iguape, fosse, como ainda o é sujeito por [sua]
condição [de escravizado], tinha, contudo, mais meios do que ela”. Ferinatti (2012)

Ver: SLENES, 2011.


35
78

também fala da existência de uma hierarquia no interior das senzalas, que exerceria uma
forte influencia na hora da escolha dos padrinhos/madrinhas.
Fragoso (2014) coloca, como fazendo parte de uma elite na senzala, cativas que
adquiriam prestígio em relação às demais por estabelecerem relações amorosas/sexuais
com livres/nobres locais. Os filhos delas, ao serem apresentados à sociedade cristã
através do batismo, recebiam como protetores espirituais “outros nobres da terra”.
Slenes (1997, p.272) chama a atenção para o fato de que, se havia o grupo dos
preferidos, também criava-se o grupo dos excluídos, àqueles que nunca eram chamados
a apadrinhar/amadrinhar filhos de companheiros de cativeiro.
Para Vasconcelos (2002, p.154-57), a repetição de padrinhos e madrinhas
poderia ter várias interpretações, tanto em relação aos senhores como aos escravizados.
Para os senhores, o batismo poderia ser a aceitação de uma mera formalidade daquela
sociedade cristã, mas também poderiam ver nos padrinhos e madrinhas dos seus
escravizados – quem sabe se até escolhidos por eles – aliados no processo de conversão
do africano recém-chegado em cativo-cristão, principalmente nas cerimônias de batismo
coletivo. Para os senhores, o rito representaria ainda a possibilidade de formarem uma
ampla e complexa rede de alianças, de relações clientelistas. Para os escravizados, como
já enfatizei, tal prática poderia representar a construção de aliança com companheiros
que tivessem destaque dentro de seu grupo ou a consolidação de solidariedades
firmadas.
Fragoso (2014) narra um caso bem sugestivo, que serve para ajudar a pensar os
significados que esses vínculos, confirmados ou criados com a bênção dos santos óleos,
poderiam assumir para os escravizados e também para os senhores. Trata-se da relação
que havia entre a escravizada Helena, uma “super madrinha”,36 e seu senhor Inácio. Nas
palavras desse autor:
Sobre Helena, ela fora convidada como madrinha por cinco das 46 famílias
cativas de seu senhor. Fenômeno que demonstrava o respeito das senzalas a
ela e ainda a sua importância para a boa disciplina senhorial, portanto, ao
bom funcionamento do Engenho de Fora. As relações de reciprocidade entre
ela e Vilas Boas transparecem no testamento deste último, já que nele Helena
surge como escrava forra e beneficiada em 200$000 (FRAGOSO, 2014,
p.81).

Esse pesquisador, de posse de uma massa documental extensa e variada, destaca


a complexidade das redes relacionais que foram criadas pelo compadrio no Rio de

36
Expressão utilizada por SILVA (2004) para designar homens ou mulheres (livres ou escravizados) que
aparecem mais de cinco vezes apadrinhando ou amadrinhando escravos.
79

Janeiro, nos séculos XVII e XVIII. Através do cruzamento de indícios encontrados nos
registros de batismos, óbitos e testamentos, define a sociedade carioca da época como
um complexo relacional. As relações de sociabilidades formadas dentro das senzalas
foram pautadas pelas normas impostas pelas camadas mais altas daquela sociedade
extremamente hierarquizada:

O batizado entre os escravos levava tal disciplina para o interior das senzalas
e transformava os cativos em patrões e clientes [...] Assim os aludidos nobres
da terra e seus escravos, ambos como sujeitos, compartilhavam a mesma
sociedade e eram cúmplices em sua produção (FRAGOSO, 2014, p. 35).

Bacelar (2011, p.8) vê, na repetição de alguns sujeitos como padrinhos, não só a
possibilidade que a família do batizando tinha para formar vínculos com alguém de
prestígio diante de seus pares, como, também, se considerada a alta taxa de mortalidade
entre a população escravizada, o fato de possivelmente algumas pessoas participarem de
vários ritos como padrinhos, por terem tido os laços formados anteriormente desfeitos
pela morte da pessoa que dera sentido ao vínculo, a outra criança/afilhado(a) que havia
falecido.

2.3.5 O batismo e o tamanho da propriedade escravista

Sobre a escolha de companheiros para criar vínculos parentais, Gil e Sirtori


(2012) dizem que devemos atentar para a ocorrência de um mercado de
padrinhos/madrinhas deficitário, em algumas regiões. Hameister (2012. p.113) aponta
algumas condicionantes que influenciariam a oferta de compadres e comadres:

Primeiro: devem ser cristãos. Segundo: não deve estar dentre as


possibilidades de matrimônio futuro. Terceiro: deve-se evitar pessoas de
muita idade. Quarta: que preferencialmente não figurem entre os desafetos e
rivais. [...] o grupo de padrinhos e madrinhas possíveis dentro dos desejáveis
já se torna muito mais restrito [...] se levarmos em consideração o costume de
ser o padrinho e a madrinha escolhidos entre aqueles que compartilham de
mesma posição social da família do batizando ou de posição social superior.

Gil e Sirtori (2012, p.124) também tentam compreender as relações de


compadrio a partir da influência que o contexto e as expectativas que as pessoas nele
envolvidas teriam na hora da escolha, “tais como as relações pretéritas entre os cativos,
as expectativas futuras, a relação senhor-escravo e a geografia”. Esta assumiria um
papel determinante na qualidade dos laços parentais que seriam criados, tornava-se “um
80

elemento possibilitador ou impedidor de relações sociais e, em consequência, das


escolhas dos agentes do passado”. Assim, propriedades com grande escravaria
ofereceriam um farto mercado de possíveis padrinhos; enquanto “aquele casal isolado
na casa de um senhor ‘ermitão’ teria menor facilidade de realizar compadrios
especialmente endógenos” (GIL; SIRTORI, 2012, p. 132).37
Alguns autores confirmam essa assertiva. Vários trabalhos têm mostrado que a
dimensão da escravaria exerceria um papel importante na escolha de padrinhos e
madrinhas das crianças levadas para receber os santos óleos. Nas maiores, destaca-se
um número bem significativo de escravizados que estabeleciam vínculos de compadrio
com companheiros de cativeiro. Para aqueles que integram médios e pequenos planteis,
tais laços, tendencialmente, foram firmados com indivíduos que se encontravam para
além dos limites das propriedades de seus senhores, em sua maioria livres, libertos ou
escravizados pertencentes a outros senhores eram os padrinhos e madrinhas.38
Tais indícios, no entanto, não reduzem a escolha dos padrinhos apenas a
questões estruturais e situacionais de cada plantel. A subjetividade dos indivíduos
envolvidos no rito também era um elemento definidor da qualidade dos laços que se
formaram diante da pia. Faria S. (1998, p.321) chega a dizer, que o batismo seria uma
das situações em que se poderia identificar a efetivação da autonomia dos escravizados,
diante das possíveis determinações senhoriais. Para ela, “seria um absurdo supor
senhores indicando como padrinhos de seus cativos escravos de outros donos”. É certo
que poderia haver alguns limites impostos por seus proprietários, mas é certo, também,
que os escravizados conseguiram elaborar uma série de estratégias para fazer com que
suas vontades fossem atendidas. A negociação e a barganha foram formas de luta e
resistência presentes nas relações travadas cotidianamente entre a casa-grande e a
senzala.39
Ao pensar a relação entre o tamanho da propriedade e a influência que os
senhores poderiam exercer no momento da escolha dos parentes espirituais e sociais de
seus cativos, Schwartz (1988, p.319) advoga que, quanto maior fosse o plantel e mais
distante o senhor se mantivesse de sua escravaria, maior seria a autonomia que seus

37
Sobre o tema: SCHWARTZ, 2001; BRUGGER, 2003; MACHADO, 2006; MARTINS, 2009;
FERINATTI, 2012; GUTERRES, 2013; MOTTA, 2014; VALENTIN, 2014.
38
Ver também: VASCONCELLOS, 2002; BRUGGER, 2004; MACHADO, 2006; ANDRADE, 2008;
BOTELHO, 2010; MOTA, 2015.
39
Sobre o tema: REIS; SILVA, 1989.
81

cativos possuiriam se comparados com aqueles das escravarias médias e pequenas. Nos
grandes planteis,
mais liberdade tinham os escravos de tomar suas próprias decisões e fazer
seus próprios arranjos. Assim, os escravos do campo teriam estado menos
sujeitos a interferência que os cativos domésticos, e os de unidades maiores
teriam tido mais sorte a esse respeito do que os escravos urbanos ou os de
propriedade de lavradores e pequenos agricultores.

Mas não esqueçamos que homens e mulheres escravizados, que viviam em


grandes, médias ou pequenas propriedades, perceberam desde cedo a necessidade de
encontrar outras armas, além da fuga, para poderem negociar e fazer com que algumas
de suas vontades fossem atendidas. Dessa forma, “bajulavam, barganhavam ou
simplesmente recusavam-se a cooperar [...]. Os senhores às vezes achavam mais fácil ou
mais prático anuir aos desejos dos escravos do que ignorá-los” (SCHWARTZ, 1988, p.
318).
A região estudada por Machado (2006), por exemplo, caracterizava-se pela
existência de pequenas escravarias, cuja economia era voltada para a pecuária e a
produção de subsistência destinada a atender às necessidades do mercado local. Nessa
região, os laços de compadrio foram utilizados também pra criar uma comunidade de
cativos e de livres pobres. Krause (2014, p. 297) traz uma discussão sobre as escolhas
dos padrinhos e madrinhas numa sociedade com esse perfil. Segundo o autor, elas eram
motivadas “primeiramente em razão da proximidade entre cativos e livres pobres
aproximados pelo cotidiano da labuta e pobreza rural”. 40 Os escravizados, quando
aparecem como padrinhos, em sua maioria, pertenciam a outra propriedade. Com essa
prática, os cativos alargavam seu campo de ação e atuação, na medida em que
conseguiam “formar laços além dos limites da propriedade” (MACHADO, 2006, p.
4).41Criavam, assim, uma rede extensa e diversa de possíveis ajudas e auxílios mútuos.
Os cativos encontravam desse modo, brechas para exercer sua autonomia. E as
qualidades e quantidades de relações criadas por eles diante da pia, com todos os
segmentos sociais (livres, libertos e escravizados), é um exemplo de como construíram
espaços próprios de sociabilidade e solidariedade.42 Repito, não eram apenas questões
materiais e estruturais que levaram os pais dos batizandos a escolher seus
compadres/comadres. O afeto, a amizade e a consideração construídas nas práticas

40
Acabavam assim “abrindo a roda da família.” (expressão utilizada por SCHWARTZ, 2001).
41
Ver, também, SCHWARTZ, 2001; FERINATTI (2012); VASCONCELLOS, 2004; ANDRADE, 2008;
ROMULO, 2008; CRIVELENTE, 2009.
42
Ver: GOMES, 2013.
82

cotidianas entre aqueles sujeitos históricos também influenciariam no momento de


eleger os protetores espirituais de seus filhos. 43 Também nessas circunstâncias, o
compadrio reforçaria laços já existentes.
Era no batismo de escravizados adultos recém-chegados à América portuguesa
ou ao Império do Brasil que o senhor exercia uma maior influência na determinação de
quem seriam os padrinhos.44 Os senhores, ao longo da existência da escravidão nessa
parte do novo mundo, sempre procuraram formas de manter suas “propriedades” sob
vigilância. Saber com que qualidade de gente seus escravizados estavam estabelecendo
laços tão fortes e significativos, como o compadrio, era importante na medida em que
deles também resultaria, ou não, a paz em suas senzalas.45
Oliveira (1995-1996, p.17) ressalta que, nos batismos de adultos “escolhia-se
libertos ou escravos adultos para instruir os ‘escravos novos’, tanto nos ‘assuntos da fé’,
quanto em relação aos comportamentos socialmente desejáveis aos escravos”. Vainfas
(2001, p.127), ainda sobre esse tema, destaca que nos batismos coletivos de adultos, “as
relações de compadrio [...] não apresentavam a mesma importância do batismo de
crianças. Inúmeras vezes, uma mesma pessoa servia de padrinho para um grande grupo
de africanos, o que despersonalizava a relação”. Debret, atento às práticas sociais
presentes no cotidiano do Rio de Janeiro da primeira metade do XIX, observou que
mesmo entre os padrinhos de adultos eram selecionados os que se destacavam entre os
demais: “É em geral o escravo mais antigo que serve de padrinho, e nas casas mais ricas
concede-se essa honra aos mais virtuosos”(apud GUEDES, 1999, p.194).
Para Bacelar (2011), mesmo nos batismos dos “escravinhos das senzalas”, de
alguma maneira havia a influência dos senhores na hora da escolha dos
padrinhos.46Barroso (2014) não nega essa influência, mas considera relevante que, nesse
momento tão importante para a vida daqueles indivíduos, eles tivessem consciência de

43
Sobre o assunto, ver OLIVEIRA, 1995-1996; GUEDES, 1999; CRIVELENTE, 2009; SCHWARTZ,
2001.
44
Ver: RAMOS, 2004.
45
É conhecida a recomendação que o Conde de Assumar deu aos párocos baianos, em 1719, sobre esse
assunto. Ele sugeriu que escravizados não fossem apadrinhados por cativos, mas a recomendação não foi
seguida e os escravizados continuaram apadrinhando seus irmãos de infortúnio. Ver: SCHWARTZ,
2001;BRUGGER,2004; RAMOS, 2004; CRIVELENTE, 2009. Gudeman e Schwartz (1988, p. 49)
também destacam exemplos nos quais os agentes que representavam as vontades dos senhores tentaram
limitar as escolhas dos parentes espirituais de suas escravarias, como ocorreu em 1699, quando “O corpo
de instruções emitido para o administrador jesuíta do engenho Sergipe [...] proibia a seleção tanto de
padrinhos escravos como livres de fora do engenho, e também proibia os escravos do engenho de se
tornarem padrinhos”. Ali, também, a intervenção não surtiu efeito e os escravizados continuaram
estabelecendo relações compadrescas extra-propriedade.
46
Ver ainda, FARIA S, 1998;VASCONCELLOS, 2002.
83

quem poderia ou não ser chamado para tornar-se os seus parentes espirituais, sem com
isso sofrer uma interdição de seu senhor. Um desafeto deste, por exemplo, não estaria
na lista de possíveis compadres ou comadres.
Nessa influência exercida pelo senhor na formação dos laços de compadrio de
seus escravizados, Barroso (2014, p. 212) vê não apenas uma ação limitadora, pois,
“não seria de todo irreal supor que seus senhores interferiam, até para facilitar as coisas,
abrindo as portas, fazendo de seu compadre um compadre de seu cativo implementando
redes de solidariedade mais complexas”. Fragoso; Guedes (2003, p. 2) trazem um
exemplo de como essas relações poderiam se dar e o tamanho da complexidade que elas
tinham: “Francisco Barreto de Faria, senhor de engenho do Rio de Janeiro do século
XVII, pretendendo manter-se como senhor da governância ‘facilitava’ o contato de seus
cativos com os de outros senhores e com lavradores pobres”.

2.3.6 Filhos legítimos ou naturais

A legitimidade ou não das crianças é outro elemento que poderia ter um peso na
hora da escolha dos seus pais espirituais. Para alguns autores, como Faria S. (1998), a
quantidade de famílias legítimas dentro dos plantéis pode estar relacionada ao tamanho
da escravaria. Nas maiores, como haveria um grande número de escravizados, isso
possivelmente representaria uma maior oferta no mercado de matrimônio legalizado
pela Igreja, assim, as crianças-escravizadas levadas para receber o batismo teriam o
nome do pai e da mãe registrados. Nas médias e pequenas escravarias, onde a oferta de
indivíduos casadouros não era tão grande, a maioria dos batizandos foi registrada como
filhos naturais e não constava o nome do pai nos registros, indicando que as relações
familiares não oficializadas pela Igreja não eram reconhecidas pelos párocos,
responsáveis pelos registros (Idem, p. 324-5).
A partir dessa perspectiva, quanto maior a escravaria, maior seria o número de
casamentos legalizados e reconhecidos pela Igreja Católica, é compreensível a maior
frequência de escravizados apadrinhando filhos registrados como legítimos, ou seja,
aqueles que teriam o nome do pai e da mãe registrados em seus assentos de batismos. O
inverso acontecia com os filhos naturais, que eram, em sua maioria, apadrinhados por
livres, libertos e escravizados pertencentes a outras propriedades.47 A legitimidade ou a

47
Sobre o tema, ver: FARIA S., 1998; FALCI, 1999; BRUGGER, 2004; MACHADO, 2006; GOMES,
2013; MOTA, 2015.
84

naturalidade dos batizandos por si só não era um elemento que pudesse definir os
padrinhos das crianças escravizadas. Ter ou não o nome de seus pais registrados era,
algumas vezes, influenciada pela falta de pessoas disponíveis ou interessadas em
oficializar sua união.
A combinação de padrinhos livres e madrinhas escravizadas aparece com mais
constância em algumas regiões. Na análise de alguns autores, tal escolha foi motivada
tanto por questões materiais quanto por questões afetivas, pois, “Em um mundo novo e
perigoso, talvez a escolha mais sensata para obter alguma proteção aos próprios filhos
fosse conjugar o apoio de um homem livre com maiores recursos com auxílio
quoditiano prestado pelas companheiras de labuta” (GOMES, 2013, p.11).48

2.3.7 Outras variáveis para a escolha dos padrinhos e madrinhas

No já referido estudo sobre os assentos de batismos das crianças levadas a pia


batismal na Freguesia de São José dos Pinhais, Machado (2006) sugere que a idade dos
pais espirituais daqueles batizandos seria um dos elementos que também influenciaria a
escolha dos mesmos. Identifica que havia uma tendência em estabelecer vínculos com
pessoas mais jovens, talvez pensando que compadres e comadres jovens pudessem ter
um tempo maior para assistir seus filhos. Tais indícios levam a autora a afirmar que,
nesses casos, teria havido uma maior participação dos pais biológicos na escolha dos
padrinhos.49
Gudeman e Schwartz (1988, p.52), analisando o sexo dos batizandos, como
variável possível para se determinar a condição jurídica de seus pais em Cristo, chegam
à conclusão que, para os meninos escravizados, houve uma maior probabilidade de ter
padrinhos livres do que as meninas de mesma condição jurídica. Tal prática, segundo os
autores, pode ser explicada pelo próprio contexto social: uma sociedade, onde “os
homens livres tinham o comando dos meios de produção, e o mais importante dos meios
era o trabalho dos escravos homens”. Entendem, também, que naquele ambiente tão
hostil, “eram os meninos escravos quem mais necessitavam dessa proteção”.50
Schwartz (1988, p.332) em seu estudo sobre as relações de compadrio entre a
população escravizada de Rio Fundo e Monte no Recôncavo Baiano no século XVIII,

48
Ver: VASCONCELOS, 2002; CRIVELENTE, 2009; KRAUSE, 2014.
49
Ver, também: BACELAR, 2011; BARROSO, 2012.
50
Ver: SCHWARTZ, 2001; BARROSO, 2012.
85

constatou que, diante da pia batismal, “[...] a hierarquização segundo a cor na sociedade
escravista [também] teve seus efeitos”. Vejamos o que ele nos diz:
Dos 32 pardos livres que serviram de padrinhos, quase 70% apadrinharam
crianças negras. Crianças pardas livres eram mais propensas a ter padrinhos
brancos do que pardos, e quase nunca negros. A cor, portanto, era uma
característica adicional que influía, juntamente com a condição social de livre
ou escravo, na escolha dos padrinhos. As preferências eram ascendentes na
escala somática de preto a branco. Em uma amostra de trinta batizados de
crianças pardas, dos sessenta padrinhos e madrinhas quase 90% eram
brancos. Escravos negros tendiam a procurar padrinhos de cor mais clara,
mas também havia uma grande proporção de padrinhos negros (idem, 1988,
p. 333).

Nesse processo de valorização do “embranquecimento” nas relações criadas ou


confirmadas diante da pia, o batismo estaria representando os padrões de hierarquias
sociais que pautavam as relações extramuros das paróquias e da Igreja, no Brasil. Não
bastava ser livre para se ter uma respeitabilidade social, era preciso ser ou estar ligado
aos “brancos”. Esse processo fica mais intenso no século XIX, sendo a condição de
cor51 uma referência de pertencimento a um determinado grupo social. Faria S. (1998)
tem relevantes explicações sobre como estava se dando esse processo. Para a autora,
Os “pardos” tiveram maiores possibilidades de se incorporar aos padrões do
mundo livre, em particular no que se referia a práticas católicas [...] Esta
terceira geração, portanto, poderia, aos olhos dos grupos dominantes, fazer
parte do universo livre [...] O termo “pardo” representava uma espécie de
condição social. Paulatinamente, no decorrer da segunda metade do século
XIX, passou a indicar uma cor, resultado da mestiçagem. Entre escravos, no
século XVIII, “pardo” era a terceira geração de africanos. Pais “pretos”,
indicativos de origem africana, tinham “crioulos”, que se tornavam, por sua
vez, pais de “pardos”. Quando libertos, africanos, designados “pretos forros”,
tinham filhos (nascidos livres) indicados já como “pardos”, muitas vezes
seguidos de “forro”, apesar de nunca terem sido escravos, (Idem, p.306-
307).52

Motta e Valentim (2014, p.152), por sua vez, estudando as relações de


compadrio entre escravizados em Iguape em São Paulo (1811-1850), região onde a
economia era fortemente influenciada pelo cultivo do arroz, observaram que as
cerimônias de batismos ocorriam em datas específicas. Era em agosto, mês das festas
em comemoração à padroeira, a maior concentração de batismos. Coincidentemente foi
nesse mês que, no ano 1840, registrou-se pelo porto daquela vila, a maior exportação de
arroz até então alcançada. Assim, para esses autores, “parece claro que o proprietário
morador na zona rural, de uma tacada, transportava o arroz colhido, levava sua família

51
Ao me referir à cor da pele de algumas mães e crianças levadas às pias batismais, utilizo a expressão
“condição de cor”, pois acredito ser mais abrangente e engloba as representações e apropriações da cor.
52
Sobre o tema, ver também: MARTINS, 2010.
86

para a festa e as crias de suas escravas para o batismo”. Em tais eventos, uma pessoa
poderia batizar tanto os filhos dos senhores, quanto os filhos de suas cativas.
Falci (1999) identificou as mesmas tendências em regiões piauienses. Constatou
uma grande concentração de batismos em determinados meses do ano e em outros um
número reduzido ou quase nenhum. A autora aventa alguns fatores que poderiam levar a
tanta desproporção.
A distância da paróquia e consequentemente a viagem ser precedida de
preparos custosos, inexistência de padres que permanecessem por todo o ano
na Paróquia (algumas Igrejas do interior chegavam mesmo a fechar,
aguardando a chegada de padres, em ocasiões específicas), épocas litúrgicas
pré-determinadas ou adversidade das condições locais em função do meio
rural [...](FALCI, 1999, p. 86).

Defende que, nessas circunstâncias, haveria uma maior participação do senhor


no ato do batismo dos filhos de mulheres escravizadas.53
As múltiplas abordagens expostas neste capítulo são indicativas da riqueza da
temática em tela. Estudar o rito do batismo de pessoas escravizadas ou de filhos e filhas
destas, com todas as suas implicações e especificidades – da escolha dos padrinhos e
madrinhas, às consequências dessa escolha na vida dos envolvidos – abre um amplo
leque de possibilidades para melhor compreendermos a sociedade escravista constituída
na América portuguesa, mantida praticamente durante todo o Império brasileiro. Em
especial, permite compreender de que forma homens e mulheres escravizados foram
criando, por meio do batismo cristão, estratégias de resistência e também de adaptação
ao meio tão hostil em que viviam.Agora, veremos como esse rito foi utilizadoe quais os
significados que assumiu para os indivíduos que compunham o cenário social do sertão
de Pastos Bons, na segunda metade do século XIX.

Ver: BACELAR, 2011; BARROSO, 2012.


53
87

3 O COMPADRIO ENTRE A POPULAÇÃO ESCRAVIZADA DO SUL DO


MARANHÃO: SEGUNDA METADE DO OITOCENTOS

O nascimento espiritual do indivíduo através do sacramento do batismo, já disse


anteriormente, representaria um momento de extrema importância para todos aqueles
que desejassem alcançar a salvação eterna. No Brasil Colonial e ainda no Oitocentos,
receber tal sacramento significava, também, a inserção desse recém-nascido em Cristo
em uma sociedade escravista-cristã (VAINFAS, 1986, p.62). Para o escravizado
africano recém-chegado ou aquele nascido em terras brasílicas, o início de seu processo
de integração à nova sociedade dar-se-ia quando ele se visse forçado a adotar um nome
cristão (Maria, João, Pedro, Ana, Paulo...), identificando-se, assim, como membro
daquela organização social.
Vários fatores poderiam influenciar na escolha dos padrinhos. Apesar das leis
canônicas estabelecerem que competia aos pais ou responsáveis a tarefa de escolher
seus “parentes em Cristo”, nessas normas aconselhava-se aos párocos que os padrinhos
deviam ser “pessoas já baptizadas [...]” (VIDE, 1853, p.26). Em relação à população
escravizada, talvez a escolha passasse também pela aceitação ou mesmo imposição do
senhor.
No capítulo anterior, destaquei alguns trabalhos que versam sobre as relações de
compadrio entre livres, libertos e escravizados. Esses trabalhos discutem sobre os
fatores internos e/ou externos às senzalas, que influenciaram os escravizados na hora da
escolha dos protetores espirituais de seus filhos. Algumas tendências foram apontadas.
Práticas, como a não presença dos senhores apadrinhando os rebentos da sua escravaria,
foram encontradas em diversos lugares e períodos da história do Brasil (Colonial e
Imperial).
Eram laços de ajuda e solidariedade, se possível mútuos, que se confirmavam no
momento do batismo. Momento em que também eram tecidas redes de sociabilidades
que uniram diferentes grupos sociais (livres, libertos e escravizados). Pelos vestígios
encontrados nos registros de batismos descortina-se diante do olhar dos pesquisadores
uma sociedade dinâmica e múltipla.
Nesse último capítulo, a partir da documentação disponível, faço algumas
considerações sobre as relações de compadrio que foram estabelecidas entre a
população escravizada, liberta e livre do sertão de Pastos Bons. Trabalho com registros
de batismos e com inventários post mortem das duas freguesias, já tantas vezes
88

mencionadas ao longo da minha escrita, documentos que, infelizmente, não estão


seriados: há períodos como a década de 1860, em que não encontrei nenhum batismo.
Os registros, em sua maioria, são de batismos de filhos de escravizadas, nascidos após a
Lei de 1871. Crianças nascidas livres, mas que, de acordo com a historiografia sobre o
tema, viviam e recebiam o mesmo tratamento dado a qualquer outro escravizado.54Na
tentativa de ter uma maior compreensão sobre as relações socioculturais que
caracterizaram aquela realidade, analiso os registros de escravizados encontrados e
apresento também os de livres que foram levados às pias batismais nas freguesias em
foco, sendo apadrinhados/amadrinhados por escravizados.

Tabela 9-Registros de batismo analisados (1854-1888)


BATISMO QUANTIDADE
Ingênuos 178
Escravizados 34
Forros 3
Livres 21
TOTAL 236
Fonte: Livros de registros de batismos das Freguesias de São Bento
de Pastos Bons e São Pedro de Alcântara (1854-1888). Casas
Paroquiais de Pastos Bons-MA e de Carolina-MA.

Vejamos, agora, como esses batismos se configuram.

3.1 Condição jurídica dos padrinhos

3.1.1 As “alianças para cima”:55 padrinhos livres

Pelos indícios encontrados nos registros de batismos de ingênuos das Freguesias


de São Bento de Pastos Bons e de São Pedro de Alcântara, posso sugerir que os pais das
crianças levadas à pia, por escolha própria ou influenciados pelos limites impostos pelo
lugar que eles ocupavam, estabeleceram alianças com pessoas que não tinham sua
mesma condição jurídica, ou seja, os laços criados pelo rito, em sua maioria, foram
“verticalmente ascendentes”.56

54
Sobre essa temática ver o tópico: “Sertão de Pastos Bons: nascer livre, não era garantia de liberdade”,
dessa dissertação.
55
Ver: BRUGGER, 2003.
56
Sobre o tema, ver: GUDEMAN; SCHWARTZ, 1988, p. 50.
89

Tabela10- Identificação dos padrinhos e madrinhas de ingênuos (1871-1888)


PADRINHOS MADRINHAS
Livres 160 148
Escravizados(as) 13 19
Libertos(as)
5 2
Santos(as) 1
Não identificados(as)
8
TOTAL 178 178
Fonte: Livros de registros de batismos das Freguesias de São Bento de Pastos
Bonse São Pedro de Alcântara (1871-1888). Casas Paroquiais das cidades de
Pastos Bons- MA e Carolina-MA.

Entre padrinhos e madrinhas havia uma simetria jurídica, com predominância de


pessoas livres. Eis um exemplo:

Aos seis dias do mês de Outubro de mil oitocentos e setenta e cinco, no logar
denominado Lagôa Seca desta Freguesia, em acto de desobriga, baptizei
solemnemente a Mamedia, nascida em dez de Agosto de setenta e quatro,
filha natural de Victoria, escrava de Victoriano Rubenes de Souza, forão
padrinhos Manoel Martins da Cunha e Verissima Maria de Jesus. Para
constar mandei (ileg.) este assento e assigno. O Vigário Encomendado P.
Candido Marinho d’Oliveira (LRB, 1875-78, fl. 13, grifo meu).

Também eram livres o compadre e a comadre de Joana, escravizada, que “Aos


vinte e sete de junho de mil oitocentos e setenta e seis, no lugar denominado Santa
Maria desta Freguesia de Pastos Bons” fez batizar sua filha “Raimunda nascida vinte e
seis de maio do mesmo anno [...] sendo padrinhos Torquato Coêlho de Sousa e
Jardelena Fernandes de Souza Coelho (LRB, 1875-78, fl. 40, grifo meu).” A menção
ao nome dos padrinhos sem qualquer qualificativo, conforme já foi explicado
anteriormente, indica que eram pessoas juridicamente livres.
O mesmo padrão de escolha foi seguido pela escravizada Candida, que, em
primeiro de setembro de 1877, levou à presença do Padre José Lopes Teixeira sua filha
Maximiniana, para que recebesse os santos óleos. A pequena teve como padrinhos Luiz
de França Silva e Dona Roza Alves da Silva (LRB, 1875-78, fl.89v). Não era só com
sua afilhada que esse par de padrinhos estabelecia vínculos. O rito também os ligava à
sua comadre Cândida, a qual, talvez, visse nesses laços criados na pia batismal uma
possibilidade de sua filha ter alguém que a assistisse e ela pudesse ser identificada não
apenas como “filha da escravizada Cândida”, mas também como afilhada de “Dona
Roza Alves da Silva”.
As relações, ou melhor, “a qualidade” das relações exerce um papel importante
no processo de construção das identidades dos sujeitos pertencentes a um determinado
90

grupo social. Assim, ao tornar-se comadre de Dona Roza, é possível que Cândida
passasse a ter outro status no universo social a que pertencia. É possível até que
recebesse alguma ajuda material (eventual ou permanente) da comadre Dona, a qual, o
tratamento assim o indica, pertencia à elite pastosbonense e tornava-se, agora, parente
em Cristo daquela escravizada.
Uma série de expectativas girava em torno desses laços formados ou
confirmados diante da pia batismal entre livres, libertos e escravizados. Apontei no
capítulo anterior algumas delas. Essas “alianças para cima” 57 pressupunham, no
mínimo, que as relações entre as partes envolvidas passariam a ser pautadas no apoio e
na ajuda, se possível de ambas as partes. Um auxílio não só espiritual, pois essas
relações, como já disse, transpunham os muros das igrejas e se estendiam pela vida
secular.58
Cândida, como tantas outras mães, ao firmar laços com pessoas que tinham certo
prestígio talvez acalentasse o desejo de ver sua filha tornar-se beneficiária no testamento
de sua madrinha. Não era raro afilhados estarem presentes em testamentos como
recebedores de bens deixados por seus pais espirituais. Também não era tão incomum
que padrinhos abastados proporcionassem carta de alforria no momento do batismo para
seus afilhados escravizados. Foi o que ocorreu com o menino Pachoal.59 Estes exemplos
mostram os benefícios que os vínculos criados na pia batismal, com alguém de condição
social e jurídica mais elevada, podiam trazer para os batizandos.
Em relação a maior incidência de livres apadrinhando os filhos da Lei do Ventre
Livre (1871), Crivelente (2009) nos diz que, se levarmos em consideração o contexto da
época tal prática é totalmente compreensível, pois provavelmente as mães daqueles
ingênuos viam nos vínculos criados com pessoas de condição jurídica superior que a
delas, via batismo, um meio para que suas crianças entrassem, de forma segura, no
mundo dos livres. Schwartz (2001, p.182), também atento ao contexto em que os
ingênuos foram levados às pias batismais, sugere que o maior número de pais espirituais
de condição jurídica superior a das mães dos batizandos estaria ligado ao momento
histórico que o país estava passando, caracterizado pela crise do sistema escravista que,
por sua vez, causava a redução do número de escravizados e consequentemente
diminuia a disponibilidade deste segmento social no mercado de compadrio. Para o

57
Ver: BRUGGER, 2003.
58
Sobre o tema, ver: GUDEMAN; SCHWARTZ, 1988.
59
Ver: MOTA, 2001.
91

mesmo autor, tal fato se agravaria ainda mais se levarmos em conta o tamanho das
escravarias, as médias e pequenas, por exemplo, teriam sentido de forma mais
acentuada aquelas mudanças.
Ainda sobre o grande número de pessoas livres como padrinhos, Fragoso (2014)
é um dos autores que levantam a hipótese de que algumas crianças escravizadas levadas
diante da pia poderiam ser filhas de homens que pertenciam a chamada nobreza da terra.
Homens que teriam laços de afetividade com as mães e com as crianças levadas a
receber os santos óleos. Não assumiriam a paternidade, mas as colocariam sob a
proteção de pessoas de sua confiança: um irmão(ã) ou primo(a). Dos registros
analisados, em 50 deles pude observar que os padrinhos e as madrinhas possuíam
vínculos de parentesco com os senhores das mães dos batizandos. Cito dois casos. O
primeiro é o registro da pequena Raimunda, filha natural de Joana, “escrava de
Trajano Coelho de Sousa, sendo padrinhos Torquato Coelho de Sousa e Jardilena
Fernandes de Sousa Coelho [...] (LRB, 1875-1878, fl.40, grifo meu)”. O segundo é o
batismo de Maria, cuja mãe, a escravizada Catharina, pertencia a Pedro Pereira de Britto
e os padrinhos foram “Luiz Pereira de Britto e Anna Pereira de Britto [...]” (LRB,
1886-1888, fl. 2v, grifo meu).
Em casos como os citados acima, é possível que fossem um meio de “pais
incógnitos” colocarem “seus familiares não projetados” sob a proteção e auxílio de seus
parentes, como sugere Faria S. (1998, p.320).
Presumo que as relações de compadrio e apadrinhamento também servissem
como um meio para o senhor estender seu domínio sobre a vida dos ingênuos. Gerariam
laços indiretos de paternalismo,60mas deles talvez surgissem laços de ajuda mútua, de
cooperação e até mesmo de proteção no grupo ao qual o afilhado e sua família faziam
parte. Ser aparentado “em Cristo” de um membro da família de seu senhor poderia ter lá
suas vantagens, dentro das relações que cotidianamente aqueles indivíduos iam tecendo.
Pelas informações constantes nos registros de batismos não é possível identificar
o grau de parentesco que havia entre os padrinhos. Em apenas um caso foi especificado
o vínculo que ligava o padrinho e a madrinha. Foi no batizado do pardo Sipriano,
ocorrido
Aos trese de junho de mil oitocentos e setenta e oito em desobriga no sitio
vão-azul [...] filho natural de Francisca, escrava de Maria Francisca Pereira
de Sá, nascido a quinse de Março do mesmo anno: [teve como] seus

60
Ver: MACHADO, 2006.
92

padrinhos Joaquim José de Carvalho e sua mulher Domitilla da Silva


Raposo [...] (LRB, 1875-78, fl.110v, grifo meu).

A informação que a madrinha era “mulher” do padrinho fez-me atentar que os


párocos daquela região e no período em estudo não anotavam o estado civil dos
padrinhos e também não costumavam registrar o grau de parentesco que poderia haver
entre eles. Em 25 registros há indícios de que os padrinhos tinham algum parentesco
familiar. Foi o que ocorreu no registro citado a seguir.

Aos quatorse dias do mês de junho de mil oitocentos e oitenta e cinco


baptisei solemnemente a Victor, filho natural de Josefa escrava de Joaquim
Leão da Silva, nascido a onze de Abril de mil oitocentos e oitenta e cinco:
forão padrinhos Luis Gonzaga Soares Gil e Rufina Soares Gil [...] (LRB,
1884-86, fl.70v, grifo meu).

No documento não foi registrado qual grau de parentesco existia entre o


padrinho e a madrinha de Victor, mas pelos sobrenomes é possível sugerir que havia
entre ambos algum vínculo familiar. O sentido que o batismo assumia para aqueles que
dele participavam, como afirmado anteriormente, decorria da expectativa de criar ou
confirmar relações que gerassem laços espirituais, sem dúvida, mas também sociais. Na
hora da escolha de seus parentes em Cristo, os pais dos batizandos buscavam compadres
que fossem ambos de condição jurídica semelhante; se também possuíssem algum
parentesco, isso facilitaria a existência de um contato maior entre si, podendo haver uma
melhor assistência ao(à) “filho(a) em Cristo”.
Os indícios nos registros de batismos de filhos de escravizadas sugerem que, ao
contrário de outros lugares,61 no cerrado maranhense os vínculos criados pelo batismo
serviram para estabelecer relações com pessoas que não pertenciam ao seu grupo. Os
laços criados diante da pia batismal apontam uma sociedade bastante mestiça na
construção dos laços religiosos e sociais, tal qual observou Fragoso para o Rio de
Janeiro dos séculos XVII e XVIII (2014, p.56). No sul do Maranhão eram livres que
predominantemente batizavam os filhos ingênuos ou escravizados de mães cativas.
Quanto à frequência com que aqueles homens e mulheres livres apareceram
diante da pia, nos anos de 1871 a 1888, identifiquei que a maioria só foi registrada
como padrinho ou madrinha uma única vez. Não houve nos batismos dos ingênuos do
sul do Maranhão o fenômeno que alguns autores chamam de um super padrinho ou

61
Ver: OLIVEIRA, 1995-96; MOTA, 2014.
93

madrinha, 62 indivíduos que tinham uma grande e extensa rede de relações formada
através dos diversos laços criados com o batismo cristão. O máximo que encontrei foi
uma pessoa apadrinhando 3 crianças diferentes: Maximo Pereira Bispo, homem livre e
dono de terras e gados, que em 1874 e 1875 apadrinhou os ingênuos Francisca, Angelo
e Paula (LRB, 1873-81, fls.12v, 21v e 31v, respectivamente).
Na construção dessa dissertação segui as pistas que encontrei nos documentos
disponíveis, pistas que nem sempre foram as desejáveis, mas as possíveis.63Na tentativa
de compreender as relações que foram construídas entre as populações livre, liberta e
escravizada do sertão maranhense – lugar que chamei em páginas atrás de sertão
múltiplo e mestiço em suas cores e relações–, decidi fazer algumas considerações sobre
os poucos batismos de escravizados que encontrei. Dos 34 batismos de crianças
escravizadas, 32 deles foram realizados entre 1854 a 1859, e apenas dois em 1875. A
amostra é reduzida, mas que sugere a confirmação de tendência de escolhas encontradas
em outros lugares e épocas entre a população escravizada, 64 livres continuaram
aparecendo como os preferidos para formarem o casal de padrinhos que abençoaram as
crianças escravizadas.

Tabela 11- Identificação dos padrinhos e madrinhas de crianças escravizadas (1854-1888)


PADRINHOS MADRINHAS
Livres 28 24
Escravizados 2 5
Não 4 5
identificados
Fonte: Livro de registros de batismos da Freguesia de São Pedro de Alcântara (1854-1859).
Casa Paroquial da cidade de Carolina-MA.

Cito o batismo do menino Manoel para ilustrar:

A 25 de Debr. de 57 nesta F. de Car. O Pe. Igno. Joaqm. Ctes. Batisou


solenemte. E pos os santos óleos o innocente Manoel filho natural de
Joaquina escrava de Franca. Mª de Jezus, nascida a 25 de Debr. de 57 P.P.
Antonio dos Santos Sousa e Izabel Maria [...](LRB, 1858-1859, fl.96).

Considerando a formação da população e as relações sociais do lugar onde


Manoel e sua família viviam, defendo que a esperança de criar redes de auxílio tenha
determinado a escolha deles e de tantos outros escravizados que procuravam na escolha
dos padrinhos em um setor social superior aos seus, estratégias de negociação com um

62
Sobre essa temática, ver: VASCONCELOS, 2002; FRAGOSO, 2014.
63
Ver: REIS; SILVA, 1989.
64
Ver: ANDRADE, 2003 e 2005.
94

meio que lhes era tão opressor. Eram alianças “verticalmente ascendentes”65 que, via de
regra, se formavam nas pias batismais do sertão sul-maranhense.

3.1.2 Senhores também apadrinhavam?

Da análise dos 178 batismos de ingênuos que receberam os santos óleos nas
Freguesias de São Bento de Pastos Bons e São Pedro de Alcântara, em apenas 9 deles os
senhores(as) aparecem como padrinhos ou madrinhas de filhos de suas escravizadas.
Victoriano Ribeiro de Souza compareceu à cerimônia de batismo realizada no dia 14 de
junho de1878, no Sítio Lagôa Secca, não só como senhor de suas duas escravizadas,
Theodora e Anna, mas também como padrinho dos filhos destas, os pequenos
Bernardino e Fabricio. Angelina Thereza da Silva foi a madrinha deste último e
Raimunda Francisca da Silva do primeiro (LRB, 1875-78, fl.111).
O mesmo ocorreu no batismo do menino João, vejamos:

Aos quinze dias do mez de agosto de mil oitocentos e oitenta e quatro


baptisei solennemente a João, filho natural de Sebastiana, escrava de José
Antonio de Noronha, nascido a vinte e tres de outubro de mil oitocentos e
oitenta e tres: forão padrinhos José Antonio Noronha e Marcia Pereira de
Arruda [...] (LRB, 1884-1885, fl.11).

O batismo, mais uma vez, acabou contribuindo para o alargamento das redes de
relações de sociabilidade e de solidariedade que eram gestadas à época. Escravizado e
senhor se encontravam e se misturavam, ao mesmo tempo em que podiam se chocar, se
contrapor. Isso ajuda a pensar em uma sociedade formada por relações não só de
conflitos, mas também de negociações, de barganhas, de concessões e, por que não
dizer, também de afeto?.66
Tudo indica que no sertão sul-maranhense também não era uma prática muito
difundida que senhores e senhoras de escravizados(as) apadrinhassem e amadrinhassem
filhos de escravizadas de outros proprietários. Cruzando os nomes dos padrinhos e
madrinhas com o dos proprietários(as) de escravizados(as) encontrei apenas 8 assentos
em que senhores aparecem como padrinhos de ingênuos filhos de cativas. Foi o caso de
Victorino, “[...] com trese mezes de idade, filho natural de Maria, escrava de Tollecto
Coelho de Souza [...]”, batizado no dia 4 de outubro de 1877, que teve como padrinhos

65
Sobre o tema, ver: GUDEMAN; SCHWARTZ, 1988.
66
Sobre o tema: REIS; SILVA, 1989; PEREIRA, 2001; MOTA, 2004.
95

João Coelho de Souza e D. Marianna Francisca de Souza (LRB, 1875-78, fl.97 v, grifo
meu). Este padrinho consta como dono da escravizada Helena, a qual, em 15 de outubro
de 1877, no lugar Santo Antonio, na Freguesia de Pastos Bons, levou seu filho Casimiro
de sete anos de idade para receber os santos óleos das mãos do Padre José Lopes, que ali
realizava uma desobriga (LRB, 1875-78, fl. 97). Esses senhores padrinhos, através dos
laços de compadrio, deram uma maior complexidade as relações gestadas no interior
daquela sociedade.
Se compararmos esses dados com os levantados para a São Luís dos séculos
XVIII e XIX, 67 percebemos que a tendência de não escolha, ou de uma recusa dos
senhores em constituir laços de parentesco religioso com sua escravaria ainda
permanecia. Muda-se o tempo e o cenário, mas a mentalidade era a mesma. É a “força
da escravidão”, na feliz definição de Chalhoub (20012). Parece que para aqueles
68
senhores sul-maranhenses, de poucos escravizados, como também observaram
Gudeman e Schwartz (1988) para a Bahia do século XVIII, os princípios que regiam o
ato cristão do batismo eram inconciliáveis com as práticas de subserviência que
pautavam as relações existentes entre eles e sua escravaria: a consequência foi que os
senhores não costumavam apadrinhar seus cativos, nem os filhos destes.
Crivelente (2009) constatou, em seus estudos, que após a Lei do Ventre Livre
(1871) houve um aumento na participação de senhores apadrinhando os filhos de suas
escravizadas. Essa prática, segundo a autora, era compreensível, pois as crianças, pelo
menos na teoria, já não eram mais suas propriedades. No sertão de Pastos Bons, para o
mesmo período estudado por Crivelente, os senhores, em sua maioria, continuaram
distantes da pia batismal nas cerimônias que envolviam os ingênuos de suas
propriedades.
Tive acesso ao inventário de alguns desses senhores, não encontrando nesse corpus
documental referências sobre seus afilhados ou comadres. Mesmo não encontrando
indícios que demonstrassem “recompensas” em ser apadrinhado por alguém de posses,
há a possibilidade de que elas existissem e fossem buscadas nas práticas cotidianas, nas
coisas miúdas, no dia a dia do trabalho nas fazendas de gados, nas plantações, no
trabalho doméstico, ambientes permeados de relações cheias de conflitos, onde a
negociação diária se tornava importante. O compadrio com um senhor poderia funcionar
como estratégia de barganha para algumas pequenas vitórias na luta diária pela

67
Ver: ANDRADE, 2003 e 2005.
68
Ver: FERREIRA, 2005.
96

sobrevivência. Lembramos com Burker (2002) que essas relações não eram
estabelecidas apenas na perspectiva de uma recompensa material. Muitas pessoas de
posses viam, nessas práticas, sua riqueza transformar-se em poder, na medida em que
seus compadres e afilhados passavam a tratá-las com deferência e subserviência.
Relações clientelistas eram também consagradas pelos santos óleos.
Em alguns registros, os senhores e as senhoras aparecem com títulos que os
diferenciavam. Eram coronéis, tenentes, doutores e donas. Ser escravizado do Doutor
Severiano Dias Carneiro, possivelmente teria uma representatividade social maior, do
que ser escravizado de um Severiano qualquer. Indago se, de certa forma, criar laços
com alguém que pertencia ao Doutor Severiano era também estabelecer alguma relação
com ele?Aqueles indivíduos que, na cerimônia de batismo ocorrida entre os dias
primeiro e 2 de julho de 1876 no Sitio do Meio, ao estabelecerem laços de parentesco
espiritual com Benta, Escolástica, Izabel, Leocadia e Filomena, todas escravizadas do
Doutor Severiano Dias Carneiro, obteriam alguma proximidade com o proprietário de
suas comadres? Lucio Francisco da Costa, padrinho do pequeno Virgilio, por exemplo,
passou a ser compadre de Leocadia, cativa do Doutor Severiano (LRB, 1875-78, fls.43-
43v). São perguntas que, nesta pesquisa, não consegui responder.
É conhecido, entretanto, que os escravizados sabiam manejar essas distinções
sociais adequadamente. Santos (2015), ao estudar o cotidiano da resistência escrava na
década de 1830, em São Luís do Maranhão, dá um exemplo de como essas relações
entre o escravizado e seu senhor eram tão complexas que o cativo podia se valer do
prestígio do seu dono. Um fragmento de um registro de polícia trazido pela autora
parece-me bem oportuno:
[...] perguntou o dito preto aos Guardas se não conheciam sua Senhora e
respondendo a Patrulha q’ não, disse o mesmo q’ ele era de D. Anna
Jancem aquela q’ já tinha posto dois Guardas na cadeia por dar em um
preto seu, e que o mesmo havia acontecer-lhes se bolissem com ele.
(SANTOS, 2015, p.123, grifo meu).

Assim, ser propriedade de alguém considerado importante no seu meio social


ajudava esses homens e mulheres escravizados a criarem brechas na estrutura opressiva
em que viviam. Segundo outro “boletim de ocorrência” citado por essa autora, as
patrulhas responsáveis pela “ordem” nas ruas de São Luís reclamavam do
comportamento de alguns escravizados que pertenceriam a senhores “tolerantes”.
Em todas as reuniões que acima se mencionam, por ora transluz outro fim
mais do que folgarem nos dias que lhe ficam livres do serviço, as escravas
salvas algumas exceções, conservam-se em humildade, e temem a polícia, e
observa-se que aqueles para quem seus Senhores são numiamente
97

tolerantes são os mais atrevidos, e entre estes tem o distinto lugar os


escravos do Doutor Joze Antonio Soares de Souza, D. Anna Jansem
Pereira, e de mais alguns que por sua representação, ou opulência não é
difícil os mesmos escravos depararem com o patrocínio [...]. (SANTOS,
2015, p.123, grifo meu).

Fico a imaginar que tipo de “atrevimento” poderia ser cometido pelo ingênuo
Ciriaco e sua mãe Francisca (escravizada de “Dona Maria Gonçalves Lima”), depois de
serem afilhado e comadre, respectivamente, de “Dona Amancia Izabel de Arruda”,
situação sacramentada pelo batismo ocorrido na freguesia de Carolina, em 25 de
dezembro de 1874(LRB, 1873-81, fl.20). Talvez fossem permitidos a Ciriaco
comportamentos vedados a outros que estivessem no seu mesmo grupo social.
Analisando os registros de batismos das freguesias em foco pude observar que a
cerimônia batismal também foi utilizada para alguns senhores demonstrarem “sua
caridade”. Em 3 registros, junto com os santos óleos, as crianças também receberam a
tão desejada liberdade, sendo-lhes concedidas as conhecidas alforrias na pia. 69
Tornaram-se, a partir daquele momento, não só cristãs, mas também pessoas
juridicamente livres. Foi o que ocorreu com a menina Maria, batizada e alforriada em 25
de dezembro de 1857. Vejamos o que o padre registrou:

A 25 de desº de 1857 nest fregª de Carª o Rdº Ignacio Joaqm. Cortes batisou
solenemte e pos os santos óleos a innocente Maria filha natural de Marcelina
escrava do capm. Manoel Alves da Silva, nascida a 12 de maio de 57 cuja foi
forra no bastisterio por acto de caridade, e forão P.P. Manoel Soares de
Olivrª. e D. Carlota [ileg.] das Neves e pª. Constar fasço este assento(LRB,
1858-59, fl.74v, grifo meu).

Da expressão “por acto de caridade” podemos aventar algumas possibilidades


em relação aos vínculos preexistentes entre a mãe, a criança e o dono das duas, o
Capitão Manoel Alves da Silva. Este poderia ser o “pai incógnito”, que não aparece no
registro e aproveitou a ocasião para libertar, por ato de caridade, a filha bastarda. O
Capitão parece ter tido uma atenção a mais na hora de escolher (ou aceitar a escolha da
mãe) de convidar Manoel Soares de Oliveira e Dona Carlota [ileg.] das Neves para
serem os guias espirituais de sua possível rebenta. Ambos os padrinhos eram livres. E
como a madrinha foi registrada com o título de Dona,70 isso sugere que teria um papel
de destaque naquela sociedade. A mãe e o senhor (pai, talvez) de Maria provavelmente
acalentavam o desejo de ter compadres que fossem futuramente de alguma valia para a

69
Ver: KRAUSE, 2014.
Sobre o papel e importância que as “sonharas donas” exerceram no Maranhão dos séculos XVIII e XIX
70

ver: CAMPOS(2010), já mencionada no primeiro capítulo dessa dissertação.


98

menina. Assim, pelo que está dito nesse registro e tendo uma sociedade escravista como
pano de fundo, mais uma vez ousei conjecturar sobre o não-dito, os silêncios
audíveis.71A data de batismo da pequena Maria é bastante sugestiva, 25 de dezembro. É
Natal, e os sentimentos de caridade que a data desperta nas pessoas, podem também ter
contagiado o capitão Manoel Alves da Silva em “seu ato de caridade”.

3.1.3 “Viver e morrer no meio dos seus”:72 as alianças horizontais

Ao contrário de Catharina (LRB,1875-1878, fl.40) e Joana (LRB, 1875-78,


fl.40), que formaram laços com pessoas que não pertenciam ao seu grupo sócio-jurídico,
o rito do batismo para Escolástica e Valentina, escravizadas e mães, serviu para que elas
criassem ou recriassem laços com pessoas que viviam sob o mesmo sistema que o delas.
Preferiram consolidar laços com companheiros submetidos às suas mesmas lidas
diárias. Vejamos:

Aos trese de junho de mil oitocentos e setenta e oito em desobriga no sitio


vão-azul baptizeisolenemmente com santos óleos Bazilio, prêto, filho natural
de Escolastica escrava de Maria Francisca Pereira de Sá, nascido em
vinte e seis de maio do mesmo anno: forãoseus padrinhos Alexandre
escravo da mesma e Catharina escrava, e para que conste mandei fazer e
presente, que assigno. O parachoEncommendadoPe. Antonio de Almeida
(LRB, 1875-78, fl.110 v, grifo meu).

Olhando esse registro, fico pensando que tipo de relação existia entre esses
sujeitos que, ligados pela mesma condição jurídica, agora também passavam a ter um
vínculo sociorreligioso tão forte e importante, como o criado diante da pia.
Em outra situação, o batismo da parda Joana criou laços entre sujeitos que
pertenciam a vários senhores. Sua mãe, Rita, pertencia a LudugerioTexeira de Carvalho
e seus padrinhos foram Procópio, “escravo de José de Carvalho e Roberta, escrava de
Joanna Texeira de Carvalho” (LRB, 1875-78, fl.107). Olhando os sobrenomes dos/as
senhores/as conjecturo que eram parentes e talvez até partilhassem a mesma residência.
Assim, provavelmente seus cativos deviam se encontrar com frequência ou até conviver
diariamente, possibilitando a Roberta, Rita e Procópio estabelecerem vínculos de
sociabilidade e ajuda mútua que foram confirmados pelo rito do batismo. Tornaram-se

71
Ver: DAVIS, 1987.
72
Referência ao trabalho de Oliveira (1995-1996). A autora sugere que os laços de compadrio foram
utilizados pelos escravizados baianos para reconstruírem laços que teriam sido desfeitos com o tráfico
transatlântico
99

compadres e comadres, irmãos em Cristo. O processo de socialização de cada


escravizado não estava pautado apenas nos vínculos criados dentro de seu próprio grupo
de cativos. Podemos imaginar as inúmeras estratégias de convívio social que
possibilitaram, por exemplo, a Procópio e Roberta, ter um maior contato com sua
afilhada Joana, que apesar de nascida de ventre livre, provavelmente vivia com a mãe,
Rita, cativa de outro senhor.
Rocha (2004) discorrendo sobre essa prática, como já havia destacado no
segundo capítulo desse trabalho, nos chama a atenção para as relações que poderiam
existir entre os senhores, uma aliança política, por exemplo, que teria facilitado o
contato e mesmo o surgimento de vínculos tão importantes quanto o batismo, entre suas
escravarias. Tais contatos poderiam ter sido facilitados pelas ações dos “conectores”
como sugere Engermann (apud BACELAR, 2011). As redes de relações que foram
ampliadas com tal prática também atendiam aos interesses dos senhores.
Nessas relações, os laços de compadrio ligavam pessoas iguais do ponto de vista
jurídico, mas provavelmente com experiências cotidianas diversas; os compadrese
comadres talvez não tivessem apenas senhores diferentes, como podiam ter também
papéis sociais distintos (escravizados empregados em trabalhos domésticos, roceiros,
escravizados de aluguel...). Sampaio (2014), mencionado no capítulo anterior dessa
dissertação, relativiza a ideia da existência das “alianças horizontais” estabelecidas entre
a população escravizada diante da pia batismal. As relações de compadrio, segundo o
autor, teriam que ser pensadas como vínculos criados entre desiguais, se não
juridicamente, mas nas práticas cotidianas que acabavam diferenciando aqueles tidos
como “iguais”.
A prática de se buscar em outros plantéis seus parentes espirituais é
compreensível se atentarmos para o contexto da época. Estou falando de um lugar
formado por propriedades destinadas à criação de gado e à pequena produção destinada
ao mercado interno, que empregavam um número pequeno de escravizados. E de um
momento em que, há décadas, o emprego da mão de obra escravizada passava por uma
crise em seu abastecimento e manutenção. Esses fatores por si só influenciariam no
“mercado de compadrio” local, tornando-o deficitário.
Por outro lado, tal prática também demonstra quão complexa e variada eram as
relações formadas com o batismo cristão, que transpunham não só os muros da Igreja,
mas também os limites das propriedades dos senhores, alargando os espaços de
autonomia, de barganha e negociação dos escravizados. É possível que questões de
100

afeto e amizade, construídas na dura labuta cotidiana das fazendas sul-maranhenses,


tivesse um peso maior na escolha dos protetores espirituais de seus filhos. Suas ações
enquanto agentes históricos, não eram determinados apenas por questões estruturais.73
Analisando os registros em que os padrinhos eram escravizados constatei que
nem todos tinham a indicação dos senhores a que pertenciam. Naqueles que contêm essa
informação verifiquei que a maioria pertencia a proprietários diferentes da mãe do
batizando, mostrando como podiam ser amplas e complexas as relações parentais
estabelecidas pelos escravizados no sertão sul-maranhense. Não posso precisar o espaço
exato de mobilidade que o rito acabou possibilitando para aqueles sujeitos, mas posso
constatar que ele “abriu a roda da família”74 de cada indivíduo envolvido no rito.
Valentina, cativa de Antonio Maciel de Araújo, também buscou entre “os seus”
os pais espirituais de seus filhos ingênuos, registrados como naturais, os pequenos
Raymundo, de apenas sete meses de vida, e Joanna, de dois anos. Os batismos
ocorreram no dia 16 de junho de 1878, no sítio Lagoa Seca. Foram padrinhos de
Raymundo os escravizados Matheus e Marcolina, porém, não sendo informado quem
eram seus proprietários (LRB, 1875-78, fls.112v-113). Os padrinhos da menina Joana
foram Marcolina, novamente, e o escravizado Martyno (LRB, 1875-78, fl.113). Tudo
indica que Marcolina ocupava um lugar de destaque no afeto de Valentina e (ou) no seu
grupo o que a fez ser convidada a ser madrinha dos dois irmãos.
Farinatti (2012, p.144) diz que há relativamente alguns consensos sobre os
estudos do compadrio entre a população escravizada, tais como:

o reconhecimento da importância dos vínculos familiares, não apenas de


sangue, mas também de rituais, para os cativos; e também a noção de efetiva
importância do compadrio no contexto da formação e reiteração de grupos de
convívio formados pelos laços sociais significativos [...].

Os laços de compadrio criados por aqueles atores sociais podem ter esse sentido.
Escolastica, Alexandre, Cataharina, Rita, Procópio, Roberta, Valentina, Raymundo e
Marcolina estariam assim reforçando, através do batismo, vínculos sociais criados no
cotidiano, ou consagrando uma relação que há tempos vinha sendo construída, como
uma longa amizade, pois ninguém chamaria um desafeto para apadrinhar seu filho.75

73
Era nesses momentos, para autores como Faria S. (1998), que aqueles escravizados exerciam sua
subjetividade, sua autonomia. Ver, também: OLIVEIRA, 1995-96; GUEDES, 1999.
74
Expressão utilizada por Schwartz (2001) para explicar como os laços de compadrio expandiam os
vínculos familiares das pessoas que dele participavam.
75
Sobre esse tema, ver: GIL; SIRTORI, 2012; HAMEISTER, 2012.
101

Padrinhos e madrinhas foram presenças constantes nas cerimônias batismais das


crianças escravizadas realizadas na matriz de Carolina. Quanto aos escravizados que
preferiram ligar-se aos seus companheiros de infortúnio por via do batismo dos filhos,
só encontrei 2 padrinhos e 5 madrinhas nessa condição. Vejamos um caso:

Ao 1º de março de 1854 na Fazª [Ileg.] desta Fregª de Carª baptisei


solemnemente e pus os Stos. Oleos o Rdº Coadjuntor Ignacio Joaqm. Cortes
(com licença) ao innocente Gabriel filho natural de Praxedes escrava de
Antonio Per.ª Mar.º nascido a 14 de Debr.º de 1852, forão padrs. Zacarias
Ferra. De Araujo e Maria escrava do Major Norberto Soares Mascarenhas
[...] (LRB, 1858-1859, fl. 40v).

Nesses registros, os escravizados que aparecem como padrinhos pertenciam a


senhores diferentes daqueles dos pais das crianças. Dessa forma, o rito do batismo
representaria para aqueles sujeitos, como já disse, uma possibilidade de formar ou
mesmo reforçar laços com pessoas que, necessariamente, não estavam dentro dos
limites impostos pelas propriedades de seu senhor. Praxedes buscou estabelecer
vínculos mútuos de solidariedade com Maria, escolhendo-a como sua comadre. O que
teria motivado o convite? Maria poderia ocupar uma posição de destaque dentro do
grupo, que lhe possibilitaria assistir seus parentes espirituais, caso eles necessitassem.76
Poderia ser parente ou apenas uma grande amiga de Praxedes. As distâncias entre as
propriedades rurais e mesmo entre estas e os núcleos urbanos existentes naquela região
não provocaram isolamentos entre eles. As pessoas se movimentavam, se encontravam
e estabeleciam vínculos de sociabilidade e solidariedade.
Mesmo havendo essas exceções, os indícios permitem afirmar que no sertão de
Pastos Bons a maioria dos laços criados ou reafirmados diante da pia batismal não
estabeleceram relações horizontais, predominando as verticais. Ali, o rito representou
uma oportunidade para a população cativa formar laços extra-grupo, extra-comunidade.
“Viver e morrer no meio dos seus”, tendência que Maria Ines Oliveira (1995-1996)
identificou entre os libertos de Salvador, e que Mota também encontrou para a
população cativa da Freguesia de Nossa Senhora das Dores do Itapecuru (2015), parece
não ter sido a opção escolhida por muitas mães na hora de convidar os pais espirituais
de seus rebentos, nas Freguesias de São Bento de Pastos Bons e de São Pedro de
Alcântara, no período estudado.

76
Casos que não eram tão difíceis de ocorrer, se pensarmos o contexto da época. Sobre o tema, ver:
SLENES, 1997 e 2011; FRAGOSO, (2014).
102

3.1.4 Escravizados(as) batizam crianças livres: fugindo do padrão

Nos registros de batismos do sertão de Pastos Bons, como já informado, não


havia um livro específico para a anotação do batismo das pessoas livres e outro para o
dos escravizados, libertos ou ingênuos. Todos eram registrados em um só livro. Assim,
na medida em que meu olhar buscou os batismos de ingênuos e escravizados realizados
naquelas freguesias, fui observando os batismos da população livre. Entretanto, como
tal temática não é objeto desse estudo, me ative a alguns casos que despertaram maior
atenção. São 21 registros em que os batizandos são livres juridicamente, nos quais pude
observar relações que envolviam pessoas de distintos grupos sociais. Registros
inusitados não só pelas informações neles contidos, mas também pela forma como essas
aparecem. Destaco dois. O primeiro:

Aos quatorze dias de junho de mil oitocentos setenta e oito em desobriga no


sítio Lagôa Sêcca, baptisei solemnemente com Santos Oleos Ricardina,
branca, filha legítima de Raymundo da Costa Ramos e Francisca
Rodrigues de Oliveira nascida a quinse de fevereiro de mil oitocentos
setenta e sete, forão seus padrinhos Antonio Maciel de Araujo e Anna
escrava, e para que conste mandei fazer o presente, que assigno. Pe. Antonio
de Almeida, Parocho encomendado (LRB, 1875-78, fl.111v, grifo meu).

O segundo:
Aos trinta de junho de mil oitocentos setenta oito em desobriga no sitio Aldêa
baptisei solemnemente com Santos Oleos a Maria, branca, filha legítima de
Raymundo Pereira dos Santos e Francisca Gomes da Costa moradores
no Burityzal, nascida a dezesette de setembro de mil oitocentos setenta e
quatro: forão seus padrinhos Gonçalo José Ferreira e Anna escrava, e
para que conste mandei fazer este, que assigno. O Vigário Encomendado Pe.
Antonio de Almeida (LRB, 1875-78, fl. 120, grifo meu).

Nos dois casos, seria a mesma Anna?


Entre os registros de batismo da Freguesia de Pastos Bons outra escravizada,
Clemencia, aparece como madrinha de duas crianças filhas de pais livres (LRB, 1882,
fls.104-168).
Nesses documentos não consta quem eram os proprietários das madrinhas,
tampouco sugere o tipo de vínculo que teriam com os batizandos, agora, seus parentes
em Cristo. Suponho que Clemencia e a(s) Anna(s) deveriam exercer um papel
importante junto às famílias de suas afilhadas. Talvez fosse uma cativa responsável
pelos afazeres domésticos ou uma ama de leite, situações que lhe permitiu estabelecer
uma relação bem próxima com a família de um senhor. Ou seria uma respeitada
benzedeira? Ou, quem sabe, naquela sociedade rural que se formou nas campinas sul-
103

maranhenses, o convívio entre escravizados e a população livre pobre talvez fosse mais
constante e, desses contatos, vínculos de ajuda mútua e de amizade se constituíram,
77
confirmados na cerimônia do batismo? Também é possível conjecturar se as
convenções sociais daquele contexto, fortemente marcado pelo preconceito racial/social,
não perturbavam as escolhas daqueles casais de homens e mulheres livres naquela
localidade e tempo específico. O que é possível saber é que Anna e Clemencia, de
alguma forma tornaram-se exceções dentro dos padrões de escolhas de madrinhas de
crianças juridicamente livres.
Exceções que também encontrei na escolha do padrinho de Geraldina, filha
natural de Dionisia Noronha. Esta escolheu Jacob “escravo de Maria Gonçalves Lima e
Maria escrava de Joanna [ileg.] Franco” para abençoarem o batismo de sua filha,
ocorrido em 22 de setembro de 1885 e registrado no livro de batismo da Matriz de
Carolina (LRB, 1884-1886, fl.102). E no batismo do Menino Antonio, que transcrevo
abaixo:

Aos quatro dias do mez de Outubro de mil oitocentos oitenta e cinco batisei
solennemente a Antonio, filho natural de Joanna Bomfim; nascido a cinco de
junho de mil oitocentos e oitenta e cinco forão padrinhos Eugenio escravo
de Maria Gonçalves Lima e Ignacia liberta [...] (LRB, 1884-1886, fl.103,
grifo meu).

Que lugar social era ocupado pelos padrinhos Jacob e Eugenio, ambos
escravizados? Eram roceiros, ou vaqueiros? Que tipo de relações existiam entre esses
escravizados e as mães desses inocentes para que elas, no momento de suas escolhas
compadrescas, fugissem do padrão existente?. Não consigo, no momento atual da
pesquisa, responder a essas indagações, mas tais indícios apontam, mais uma vez, para
a existência de uma sociedade marcada por relações complexas cheias de
ambiguidades. Dando origem assim, a uma sociedade com um “complexo relacional” diria
Fragoso (2014).
Quanto aos demais sujeitos sociais que formavam aquela realidade, os índios e
os libertos, na documentação analisada pouco foi registrado sobre eles. Apenas um
registro menciona o batismo da filha de uma índia.
No dia 22 de agosto de 1880 o Rer. Pe. Franco. Casemiro de Souza p. mª
autorização baptizou solennemente em desobriga na fazenda chapadinha a
innocente Jacintha, filha natural de Antonia: índia, nascida em 4 de agosto
d’este mmo. anno tendo sido padre. Tiburcio, escrª de Mel. Je. Nolleto e
Candida, escrava do mesmo senhor [...] (LRB, 1873-1881, fl. 122).

77
Ver: KRAUSE, 2014.
104

Já as mães libertas, de número bem reduzido nos casos analisadas (apenas 4),
preferiram estabelecer relações ascendentes, formando laços de compadrio com sujeitos
de condição jurídica superior à sua. O significado social que o rito assumia
possivelmente determinou essa tendência, como explica Samara(1998, p.32): ter
padrinhos em melhores condições socioeconômicas poderia ser “[...] uma forma de ser
bem aceito socialmente [...]”.

3. 1.5 Condição de cor como critério de escolha

Foi colocada, em alguns registros de batismos, a condição de cor das crianças


batizadas. Dos documentos analisados, em trinta e seis deles os ingênuos foram
registrados como sendo pardos ou pretos. Como no exemplo a seguir:

Ao primeiro dia do mez de Setembro de Mil oitocentos setenta e sete em


desobriga no logar São Paulo de Pastos Bons baptizei com imposição dos
Santos Oleos a Maximiana parda, nascida a vinte e um de Fevereiro deste
anno, filha natural de Candida, escrava do casal de finado Tenente Coronel
João Alves da Silva Barros: padrinhos Luiz de França Alves da Silva e dona
Roza Alves da Silva. O Vigário José Lopes Teixeira. Encarregado da freg.ª
(LRB, 1875-78, fl. 89 v, grifo meu).

Em apenas três registros consta há referencias sobre a condição de cor das mães
dos ingênuos, que levaram seus filhos para receber os santos óleos. Anna, cativa de
Severino Dias Carneiro, foi classificada como preta, no assento de batismo de sua filha
Ursula (LRB, 1875-78, fl.103). E também Izidia, pertencente ao Coronel Antonio
Carneiro da Silva Oliveira, mãe do ingênuo Raimundo, classificado como pardo,
batizado no dia 3 de junho de 1878, na capela de Mirador (LRB, 1875-78, fl.110 v).
Não há indícios, na documentação estudada, de haver relação entre a condição
de cor dos batizandos ou das mães destes e a escolha dos padrinhos.78Pessoas livres –
condição que, por si só, já as colocava numa situação de vantagem diante dos libertos e
escravizados – apadrinhavam ingênuos, quer estes fossem apontados como pardos,
pretos, filhos de mulheres identificadas como pretas ou pardas.

78
Ver: GUDEMAN; SCHWARTZ, 1988; FARIA S., 1998.
105

3.2 Quebrando o protocolo: presenças e ausências no ritual batismal

Ao ler sobre as relações de compadrio entre a população escravizada em


diversos períodos e lugares, deparei-me com algumas tendências que foram delineando
o cenário que se formava diante da pia, na ocasião do batismo. Os estudos que se
debruçam sobre esse assunto se atêm principalmente aos laços que eram criados ou
confirmados entre os padrinhos e a família dos batizandos, assim como aos significados
religiosos e sociais que tais laços assumiam para ambas as partes. Seguindo essa linha
de análise busquei, a partir dos indícios na documentação disponível, compreender as
similaridades e também as particularidades que caracterizaram a prática desse rito no
lugar e período em foco, em relação aos demais estudos.
Percebi que o rito possuía grande importância na vida daqueles que dele eram
convidados a participar. Praticamente não houve ausências de padrinhos nas cerimônias
registradas nos livros de batismos das duas freguesias em foco (São Pedro de Alcântara
e São Bento dos Pastos Bons). Apenas duas ausências foram identificadas. Os
escolhidos para abençoar em Cristo uma criança, em sua maioria, cumpriram o papel
religioso e social esperado e estavam presentes na hora da unção dos santos óleos
naqueles que passaram a ser, seus filhos em Cristo.
Segundo Brugger (2003), nenhuma pessoa, em um primeiro momento, teria
motivos para recusar um convite para formar laços de compadrio com alguém. Pelo
contrário, os vínculos batismais possibilitariam a formação ou mesmo a extensão de
redes de clientelismo, pois, não esqueçamos, eram compromissos de auxílio mútuo que
se firmavam diante da pia. Talvez, por ter consciência disso, alguns padrinhos e
madrinhas que por algum motivo não puderam estar presentes no dia do batizado
fizeram-se representar por outras pessoas. Nas pias das Igrejas de São Pedro de
Alcântara e São Bento de Pastos Bons essa prática foi realizada 11 vezes, considerando
os documentos analisados. Foi o que aconteceu com Rosilda Machado da Silva, que não
compareceu ao batismo de sua afilhada, a pequenina Anna, filha da escravizada
Francisca, mas foi representada por “sua procuradora Sabina da Silva Nolleto”, na
cerimônia realizada em 19 de junho de 1885 (LRB, 1884-1886, fl.112).
Pedro Pereira de Miranda e Carolina Roza do Espirito Santo também não
puderam estar presentes ao batismo da menina Custodia, mas pelo visto queriam manter
106

com ela e sua família os vínculos de parentesco espiritual, pois mandaram


representantes. Vejamos:
Aos desenove dias do mes de fevereiro de mil oitocentos e oitenta e sete,
baptisei solenemmente e pus os santos óleos na innocente Custodia filha
legitima de Justino Alberto de Lima e Amancia escrava de Antonio dos
Santos Lopes, nascida 3/10/1886: forão seus padrinhos Pedro Pereira de
Miranda por seu procurador Job da Costa Figueira e Carolina Roza do
Espirito Santo por sua procuradora, Quintiliana Pereira de Miranda [...]
(LRB, 1887- 1888, fl.11, grifo meu).

Não esqueçamos que, no batismo de uma criança, a influência e importância dos


padrinhos, não se restringem ao afilhado, mas se estendem a toda sua família.79
É a busca por uma proteção (divina, terrena) que norteia o processo de escolha
dos padrinhos; proteção não só para o batizando, mas para toda sua família, como
destaca Mattoso (2001, p.132):

Os laços do compadrio são o próprio fundamento da vida de relação. Eles se


harmonizam perfeitamente com as regras dessa sociedade brasileira baseada
na família extensiva, ampliada, patriarcal. E os laços não prendem apenas
padrinho e afilhado, ligam o padrinho, sua família e os pais da criança
batizada [...]

Pelas CPAB (VIDE, 1853, p.27), “[...] quando alguem é padrinho em nome de
outrem, e toca como seu procurador, não contrahe parentesco senão aquelle, em cujo
nome toca [...].” Assim, os procuradores dos padrinhos faltosos não contraíam vínculos
com o batizando ou com sua família.
Gudeman e Schwartz (1988, p.35-36) nos dizem que dentro dos estudos sobre o
batismo cristão há várias correntes de interpretação. Uma delas seria o que esses autores
chamam de “funcionalista”, que teria como principal objetivo compreender os sentidos
político-econômicos e sociais que esse rito assumiria em um determinado contexto.
Seria uma leitura, digamos, mais terrena, dessa prática eminentemente religiosa. Leitura
que provavelmente também era feita pelos sujeitos que dele participavam e que estaria
80
por trás das suas escolhas no momento de formar laços compadrescos. Foi
provavelmente por isso que, na maioria das vezes, os padrinhos e madrinhas
compareceram diante das pias batismais de São Bento de Pastos Bons e São Pedro de
Alcântara.

79
Ver: BRUGGER, 2003.
80
Ver: GUEDES, 1999.
107

Na Freguesia de Carolina, em 12 de janeiro de 1875, foi registrado um caso


curioso. O “innocente Joze filho natural da escrava Raimunda pertencente ao Snr
Francisco Antonio da Silva” teve seu batismo abençoado não por uma madrinha e um
padrinho, como orientava a Santa Madre Igreja, 81 mas por dois padrinhos: “Silvano
Ferreira Passos e Luiz Pereira Passos” (LRB, 1873-1881, fl.23). Na historiografia não
encontrei qualquer referência sobre caso semelhante. O registro expressa o que
aconteceu ou é fruto de um equívoco do pároco?.
Em tudo mais, parece-me que as orientações das CPAB costumavam ser
seguidas, com raras exceções. Por exemplo, era proibido a “[...] Frade, Freira, Conego
Regente, ou outro qualquer religioso professo de Religião approvada, (excepto os das
Ordens Militares) por si, nem por procurador”, participarem do rito como padrinhos,
embora não fosse explicado o motivo de tal impedimento (VIDE, 1853, p.26). Na
documentação analisada, referente às paróquias das cidades de Carolina e de Pastos
Bons, só há um registro em que um padre apadrinha uma criança. O padre Balduino
Pereira da Maya, em 25 de outubro de 1876, apadrinhou a “innocente Casimira filha
natural da escrava Jozefa pertencente ao Snr João da Matta Texeira [...]”(LRB, 1873-
1881, fl.57).
Os estudos indicam que a prática de se ter santas amadrinhando crianças cativas
ou filhas de escravizadas foi mais comum em várias regiões do Brasil.82 Rocha (2009,
p.230) sugere que a explicação para tal prática em regiões formadas por pequenas
propriedades e com um pequeno número de escravizadas, poderia estar no fato de haver
nessas áreas um reduzido número de mulheres, vivendo em certo isolamento, o que
dificultaria a formação de laços sociais com outras mulheres. Outros autores vêem essas
substituições mais ligadas a aspectos devocionais do que a questões terrenas
(ANDRADE, 2008; GUEDES, 2014).
Dos registros analisados, em apenas um aparece uma santa amadrinhando uma
ingênua. Vejamos:

Aos vinte dias do mês de janeiro de um mil e oitocentos e setenta e sete


baptisei solennemente a Maria, nascida a sete de junho de um mil e
oitocentos e setenta e sete filha natural de Filomena escrava do Padre
Feliciano José de Abrêo forão padrinhos Luis Carlos Fernando Lima e
invocada N.S. como espiritual protetora [...] (LRB, 1873-1881, fl.72v).

81
Ver: VIDE, 1853.
82
Sobre o tema, ver: RAMOS, 2004; VASCONCELOS, 2004; ROCHA, 2009; GUEDES, 2014.
108

Assim, parece-me que a população escravizada do cerrado maranhense estava


mais preocupada em garantir uma inserção segura aos seus rebentos no mundo dos
homens e mulheres livres do que, necessariamente em assegurar-lhes uma proteção
espiritual, via batismo. O fato de Filomena ter evocado Nossa Senhora como madrinha
de sua filha Maria pode estar relacionado a uma promessa feita na hora de uma
necessidade, talvez dificuldades no momento do parto, situação possível se
imaginarmos a época e as condições de saúde então existentes. E Nossa Senhora
costuma ser lembrada em momentos de grandes tribulações.
Batismos de filhos de escravizadas correndo risco de vida não foram
encontrados na documentação analisada, tampouco de escravizados adultos. Em dois
registros, os párocos destacaram que os nomes das crianças batizadas não eram os
mesmos registrados em suas matrículas. Foi o que ocorreu com a pequena Eduarda,
batizada no dia 1º de setembro de 1877, que fora matriculada como Dionisia (LRB,
1875-78, fl.90) e de Esther, que antes de receber o batismo fora matriculada como
Esterlina (LRB, 1875-78, fl.94). Tais retificações me alertaram para ficar ainda mais
atenta com o que é “dito” na documentação analisada. A maior parte dos batismos foi
realizada em ato de desobriga, ou seja, os dados da cerimônia em alguns casos só depois
iriam para os livros de registro de batismos e alguns nomes poderiam ser escritos de
formas diferentes ou mesmo ser subtraídos na hora do registro final.

3.2.1No cerrado há família de escravizados?

A maioria das crianças libertas pela Lei de 1871 que receberam os santos óleos,
na região analisada, não tiveram o nome do pai registrado nos assentos de batismos.
Consta apenas o nome da mãe e a indicação de serem filhos(as) naturais. Entre os vários
exemplos, destaco os registros de Casimiro e Victorino:

No mesmo acto baptisei solemnemente e puz os santos óleos ao innocente


Casimiro filho natural de Dionizia escrava de D. Maria Gonçalves Lima
nascido a 21 de Setembro de 1874, depois da lei de 28 de Setembro de 1871:
forão P.P. Francisco Ribeiro dos Santos e D. Anna Mariana Belem [...](LRB,
1873-1881, fl.20v, grifo meu).

Aos quatro dias do mez de Outurbro de mil oitocentos setenta e sete em


desobriga no lugar Santo Antonio de Pastos Bons baptisei com em posição
dos Santos Oleosa Victorino com trese mezes de idade, filho natural de
Maria escrava de Tholledo Carvalho de Souza: forão seus padrinhos João
109

Coelho de Sousa e Dona Marianna Francisca de Sousa [...](LRB, 1875-1878,


fl.97v, grifo meu).

Mesmo não havendo o nome do pai registrado, não significa que essas crianças
não possam ter convivido com seus genitores. Arranjos familiares que fugiam do
modelo nuclear (pai, mãe e filhos) não eram raros entre a população que formava aquela
realidade social, fossem escravizados, libertos ou livres. Nas relações que não eram
abençoadas pela Santa Madre Igreja, as crianças não poderiam ter o nome do pai no
assento batismal. Assim, concordo com Jacinto (2005), que, ao analisar as relações
familiares da população escravizada na São Luís do século XIX, preferiu relativizar a
existência de famílias matrifocais, apenas pelo não registro do nome da figura paterna
nesses documentos produzidos pela Igreja.
Nos inventários analisados também foram registrados vários núcleos familiares
formados apenas pela mãe e sua prole. Em 17 deles, há referências a mães (escravizadas
ou libertas) com seus respectivos filhos (forros, escravizados ou ingênuos) constituindo
parte significativa dos espólios. Cito como exemplo o inventário de Tomás de Aquino
Pereira(1873, fls.23- 36), mostrando as figuras 2, 3, 4, 5 e 6 a seguir:

Figura 2- Raimunda (liberta) e seus filhos (escravizados)

Raimunda (40
e tantos anos)

Eduardo
Manoel (15 anos)
(12anos) Paulino Emigdio
(10anos)
(7anos)

Fonte: Inventários post-mortem. Fórum de Justiça de Carolina-MA.


110

Figura 3- Paulina escravizada e seus filhos (escravizados)

Paulina
Cyriaco
Pedro (32 anos)
(21 anos) (6 anos)

Maria Ignacio
Zeferino
(8 anos) (3 anos)
(11 anos)

Fonte: Inventários post-mortem. Fórum de Justiça de Carolina-MA.

Figura 4- Mãe, filha e neto (todos escravizados)

Mauricia

(55 anos)

Sebastianna

(18 anos)

Sebastianno

(2 anos)

Fonte: Inventários post-mortem. Fórum de Justiça de Carolina-MA.

Figura 5 - Theodozia e seus filhos (escravizados)

Theodozia

30 anos

Domingos Pedro
16 anos
14 anos

Fonte: Inventários post-mortem. Fórum de Justiça de Carolina-MA.


111

Figura 6-Lourença e seus três filhos (escravizados) e um ingênuo

Lourença
Criança do sexo
(25 anos) feminino/ ingênua

Lino (1 mês)

(8 anos) Domingos
Sebastianna
(4 anos)
(6 anos)

Fonte: Inventários post-mortem. Fórum de Justiça de Carolina-MA.

Nesse inventário aparecem três gerações de escravizados: Mauricia, sua filha


Sebastianna e o filho desta, o “escravinho Sebastianno”, mostrando como tais laços
eram reconhecidos, mas não impediram a venda da mãe e avó Maurícia, ocorrida em
1870 (inventário post-mortem de Tomás de Aquino Pereira, 1868, fl.31). Florentino e
Góes (2010) chamam a atenção para a necessidade de se relativizar os efeitos da venda
ou da alforria de um dos membros sobre os laços existentes nesses núcleos parentais
criados por escravizados. Defendem que, em alguns casos, as quebras “não
significavam, por isso, forçosamente, o definitivo rompimento da convivência entre pais
[mães] e filho [as] (inventário post-mortem de Tomás de Aquino Pereira, 1868, p. 180).
No inventário citado há pouco, não consta o nome do novo proprietário de Maurícia,
mas é possível que ela tivesse ficado com alguém da mesma família do antigo senhor,
ou com alguém da vizinhança e eventualmente encontrasse a filha e o neto, ou até
continuasse a conviver cotidianamente com eles.
Jacinto (2005, p.125), em seu estudo sobre relações familiares de escravizados
no Maranhão, no século XIX, nos conta a história de Antero. Logo após ser vendido, ele
foge da propriedade do novo senhor e passa a ser “frequentemente visto na área em que
habitava seu antigo senhor, onde tinha ‘mãe e parentes’ e costumava também estar nas
imediações de Bacabal e Jacuibe, ‘por haver ali um preto velho de nome Izidio, que
dizem ser pai delle”. Os laços familiares podiam não ser desfeitos de todo com a venda
de um membro da família, pois esta procurava estratégias que possibilitassem aos seus
membros manterem-se por perto, resistindo.
112

Como a hereditariedade da escravidão levada a efeito nos tempos modernos era


dada pelo ventre materno, 83 fica mais fácil identificar as relações entre a mãe
escravizada (ou já liberta) e os filhos que ela teve, mesmo que estes já tivessem nascido
após a Lei do Ventre Livre, pois era obrigado o registro e o acompanhamento das
crianças nascidas nestas circunstâncias, os ingênuos e as ingênuas. Na população
escravizada analisada nesta dissertação, há vários casos de mães e filhos vivendo sob o
domínio senhorial. Das três escravizadas de propriedade de Maria da Mota e Silva,
citadas anteriormente, Leôncia, “mulata, de vinte e um annos, pouco mais ou menos”,
no momento da feitura do inventário, em 1876, tinha com ela dois filhos ingênuos:
Feliciano, de dois anos, e Luz, com idade de um ano (Inventário post-mortem de Maria
da Motta e Silva, 1876, fl.31v).
Vejamos outro caso. A escravizada Antonia (parda, solteira, de 29 anos em
1882), seu filho José (ingênuo, nascido em 1880) e mais o escravizado Raimundo
(mulato, também de 29 anos na época do inventário, filho de Eufrasia) integravam uma
pequena escravaria, entre as muitas existentes na região de Pastos Bons (Inventário
post-mortem de Maria Pereira da Silva, 1882, fl.16v). É possível que constituíssem uma
família.
Apesar de Ribeiro (1990, p. 96) afirmar não ter “havido, no Maranhão, qualquer
ensaio sobre a reprodução sistemática de escravos”, entendo que essa autora quis dizer
que não houve nessa capitania/província fazendas voltadas para a reprodução de
escravizados, como chegou a ser discutido não só no Maranhão, mas em outros lugares
(FERREIRA, 2007). Porém os casos aqui citados são bastante elucidativos, para
demostrarem que havia procriação e relações familiares no seio da população
escravizada.
Os indícios encontrados nos inventários post-mortem realizados no sertão de
Pastos Bons sugerem que os arranjos familiares dos escravizados daquela região
estivessem fora das recomendações da Igreja Católica. Mattoso (2001, p.126), em
célebre estudo, já alertou para a existência de poucos casamentos sacramentados pela
Igreja Católica entre a população escravizada nas zonas rurais. Estes aconteceriam ainda
em menor número no pós 1850. Diante do fim do tráfico transatlântico, algumas
províncias, como o Maranhão, transformaram-se em fontes abastecedoras de mão de
obra escravizada para as regiões cafeeiras do Sudeste, para onde eram vendidos os mais

Ver: GORENDER, 1985, p.47.


83
113

jovens e especializados trabalhadores. Contudo, segundo Jacinto (2005, p.112), “isso


não exclui a possibilidade de que, ao lado da mãe e do filho, o pai também estivesse
presente, compondo uma família nuclear”.
Apenas dois casais de escravizados recebem a classificação de casados, na
população escravizada aqui analisada. Tertuliano e Afra são mencionados a primeira
vez integrando os bens de uma senhora, quando é dito que o referido casal foi utilizado
para pagar uma dívida com o Major Pedro Pereira Jacoma Bezerra (Inventário post-
mortem de Maria Benedita do Nascimento, 1874, fl.67v). Dois anos depois, o casal
aparece como espólio do marido da referida Maria Benedita (Inventário post-mortem de
Arnaldo Ferreira de Britto, 1876, fl.3v). Os inventariantes do casal não deixaram
registrado o motivo que levou Tertuliano e Afra a ficarem com o viúvo Arnaldo
Ferreira. Após a morte deste, Tertuliano passou a pertencer a um dos herdeiros do casal,
o órfão Epifanio Ferreira de Britto (Inventário post-mortem de Arnaldo Ferreira de
Britto, 1876, fl.39). Quanto à sua esposa, Afra, não consegui identificar seu paradeiro
após a morte de seu senhor. No inventário deste era especificado apenas que cada
herdeiro ficou com uma parte do valor total de Afra.
O segundo casal é formado pela escravizada Jesuína (de 40 anos de idade,
aleijada) e o índio Antonio (Inventário post-mortem de Raimunda Gomes Pereira, 1872,
fl.14). Esse casal aponta para a existência de vínculos socioculturais muito mais
complexos do que aqueles formados entre índios e vaqueiros colonizadores, estes
muitas vezes apontados como brancos. Essa família reflete relações entre grupos
heterogêneos de convívio e alianças. Reflete um sertão múltiplo, nas cores, nos hábitos
e nos costumes. E nesse cenário os sujeitos escravizados, conforme já afirmei, eram
parte relevante nesse processo. Estavam presentes na lida diária das fazendas espalhadas
pelas margens dos diversos rios que cortavam a região sul da província do Maranhão.
Eram homens, mulheres e crianças que se moveram, se misturaram, lutaram e
negociaram cotidianamente para sobrevivera um meio que insistia em torná-los
invisíveis e mudos. Mas eles teimosamente resistiram.
114

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreendo que as relações entre livres, libertos e escravizados pautaram-se em


suas experiências cotidianas. Suas ações/reações não foram conduzidas ou determinadas
apenas por interesses mercantis e senhoriais. A sociedade que se formou, por exemplo,
nas campinas do sul da província do Maranhão na segunda metade do século XIX,
contou com a participação ativa de todos os indivíduos que lá viveram.
Nessa perspectiva, o batismo cristão representou um importante espaço de
constituição de múltiplas relações sociais, que foram muito além dos lugares
previamente definidos pelos status jurídico ou pela condição econômica das pessoas
nele envolvidas. Como um rito cristão, o ato de levar alguém diante da pia batismal,
representaria um momento em que se poderia conseguir o perdão de todos os pecados.
De acordo com as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, o batismo era o
primeiro de todos os sacramentos e condição necessária para àqueles que desejasse
alcançar a salvação eterna.
Socialmente, o batismo adquiriu significados que ultrapassaram os muros da
Igreja. Os indivíduos que dele participaram deram-lhe um sentido mais terreno. Foi
utilizado para criar ou confirmar relações entre pessoas que pareciam irremediavelmente
separadas. Livres, libertos e escravizados aparecem ligados pelos laços de compadrio,
dando assim uma maior complexidade nas relações sociais criadas em um determinado
contexto. O desejo de ter seus filhos assistidos materialmente possivelmente levou
muitos escravizados a buscarem nas camadas mais abastadas da sociedade seus parentes
em Cristo.
Para compreender o lugar conhecido como sertão de Pastos Bons, recorri não só
à bibliografia disponível sobre o tema, que a definia como um espaço marcado pela
ação das patas dos bois e do branco desbravador que conquistou aquele território. Na
análise dos inventários deixados pelos proprietários sul-maranhenses, fui descortinando
pouco a pouco um sertão marcado pelo gado, o curral, o vaqueiro, mas também pelo
trabalho e presença de mulheres e homens escravizados. Os indícios apontam para a
existência de uma sociedade rural muito mais complexa que a simples imagem de um
vaqueiro, livre e branco, sobre seu cavalo, cuidando dos gados de seu patrão.
Na análise dessa documentação emergiram-se algumas histórias. A do
escravizado Elias, que conseguiu acumular uma soma significativa, formar seu pecúlio
para poder conseguir a tão sonhada liberdade. A de Venância, recém-liberta, que diante
115

da morte de seu senhor fugiu, com medo de uma possível reescravização. A de Luiza,
“outra fujona”, que passou a viver como livre em Barra do Corda. A de Jaciaria, que
diferente de outros companheiros de cativeiro conseguiu sua liberdade “gratuitamente”.
E tantas outras histórias, que nos dão pistas sobre a complexidade da dinâmica cotidiana
que marcou as relações de sociabilidade daqueles indivíduos escravizados convivendo
com a população livre e liberta do sul do Maranhão do século XIX. Relações que foram
marcadas ora pelo conflito, ora por ações cordiais. Desenhou-se uma sociedade na qual
os escravizados criaram em seu cotidiano estratégias de luta e resistência para
sobreviverem em um meio que lhes era hostil.
Vi como foi frequente a presença de escravizados arrolados entre os bens dos
proprietários sul-maranhenses, sugerindo a existência de uma pecuária onde a mão de
obra escravizada convivia com a livre. Em alguns casos, escravizados como os
vaqueiros Francisco e Manoel, exercendo atividades que se acreditava serem exclusivas
dos livres.
Expus a abordagem de alguns autores que procuram compreender as relações de
compadrio e as motivações dos compadres no momento de firmarem tais laços.
Apresentei estudos que apontam as principais tendências de escolhas dos padrinhos
entre a população escravizada. Concordei com eles quanto ao fato de os senhores não
costumarem ser padrinhos de seus escravizados. Assim considero que o batismo cristão
não tenha sido utilizado para fortalecer relações paternalistas nas propriedades
escravistas. Tratei também de estudos que analisam ser o tamanho da propriedade
influencia tanto na quantidade como na qualidade dos laços de compadrio formados
entre a população escravizada. Estudos que verificaram ter sido, na maioria das vezes,
libertos e livres que apadrinharam os filhos dos escravizados; os laços de compadrio,
desse modo, seguiram uma tendência jurídica e economicamente ascendente.
Nas análises dos registros de batismos das Freguesias de São Bento de Pastos
Bons e São Pedro de Alcântara, pude concluir que, no sertão sul maranhense, o batismo
cristão contribuiu para a formação de uma realidade constituída por teias que ligavam
indivíduos de diferentes posições sociais/jurídicas, vínculos que acabaram dando uma
complexidade às relações gestadas por aqueles agentes históricos.
A tendência de escolha dos padrinhos dos ingênuos seguiu o mesmo padrão dos
batismos das crianças escravizadas nesta e outras regiões, pois foram mulheres e
homens livres, preferencialmente, os escolhidos como seus protetores espirituais. O
apadrinhamento constituía-se em uma relação de mão dupla, uma troca entre afilhados /
116

sua família e os padrinhos. Estes, oferecendo proteção e alguns benefícios materiais e


aqueles, prestando lealdade e obediência. Diante das pias batismais, as famílias de
escravizados preferiram estabelecer alianças verticais. Escolhas que muitas vezes foram
influenciadas pelo contexto histórico onde viviam, mas isso não quer dizer que eram
exclusivamente determinadas por ele. Havia espaços em que aqueles indivíduos
negociavam, barganhavam e construíam lugares de autonomia, onde suas vontades eram
ouvidas.
Tenho consciência de que este trabalho é mais um passo de um caminho que
ainda tem muito a ser percorrido: o conhecimento da população escravizada no Sul do
Maranhão. Muito ainda precisa ser pesquisado sobre a História dessa parte do
Maranhão. Algumas das conclusões que aqui cheguei podem ser revistas e/ou
aprofundadas com a ampliação das fontes de pesquisa (registros de compra e venda de
escravizados, testamentos, entre outros) poder-se-a ampliar o olhar e continuar a
dialogar com o que já se produziu na tentativa de se construir uma maior compreensão
sobre o cotidiano da escravidão no Maranhão e sobre as relações de sociabilidade que a
população escravizada do sertão maranhense construiu em sua vivência com os livres e
libertos daquelas paragens.
117

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VASCONCELOS, Sylvana Maria Brandão de. Ventre livre, mãe escrava: a reforma
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Censo populacional de 1872. Disponível em: <www.brasil.gov.br >. Acesso em: 12


mar. 2016.

DOCUMENTOS :

-Inventário post-mortem de Alexandre Gomes da Silveira (1886). Fórum Vara Única da


Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Alsiria de Assis Mascarenhas (1868). Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Ana Gertrudes Ayres da Silva (1865). Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
132

-Inventário post-mortem de Aniceto Ayres da Silva (1885). Fórum Vara Única da


Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Aniceto Ferreira de Britto (1868). Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Antônia Joanna da Silva (1868). Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Antonio Pereira Marinho (1887). Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Arnaldo Ferreira de Britto (1876). Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Aureliano Eusebio da Silva Vergolino (1866). Fórum Vara
Única da Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Balbino Pereira Marinho (1868). Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Carolina AngelicaNoleto(1868). Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Deodoroda Motae Silva (1869). Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Estanislau Ayres da Silva (1872). Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Estevão Luiz Tavares- (1897).Fórum Vara Única da Cidade
de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Eufrasio PinheiroNoleto (1880). Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Eugenia Pereira dos Santos (1882).Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Eusebio da Silva Aguiar (1871). Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Felipa Ribeiro da Silva (1868). Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Felix Vieira da Silva (1863). Fórum Vara Única da Cidade
de Carolina- MA.
- Inventáriopost-mortem de Floriana Maria de Britto (1885). Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Francisco da Silva Virgulino (1869). Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Geraldo Rodrigues da Silva (1879). Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Henrique Pereira de Brittos (1863). Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Honorato Lopesde Sousa (1885). Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Isabel Maria da Conceição (1869). Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Isadora da Mota e Silva (1869). Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Joana Francisca da Gama (1863). Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Joana Rodrigues da Costa (1886). Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
133

-Inventário post-mortem de Januaria [ILEG.] (1860). Fórum Vara Única da Cidade de


Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Januario Antonio de Noronha (1867). Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de João Damaceno de Vasconsellos (1886). Fórum Vara Única
da Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de João Joaquim das Neves (1865). Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de João Tomás de Contuaria (1870). Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Joaquim Edvirges França (1868). Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Joaquim José da Silva e sua mulher (1878). Fórum Vara
Única da Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Josina Aires da Silva (1886). Fórum Vara Única da Cidade
de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de José Francisco da Silva e Ignacia Correia (1868). Fórum
Vara Única da Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Josefa Lopes Ferreira (1864). Fórum Vara Única da Cidade
de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Jozefa Lopes Ferreira (1863). Fórum Vara Única da Cidade
de Carolina- MA.
38-Inventário post-mortem de Justino Antonio de Medeiros (1877). Fórum Vara Única
da Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Macaria de Freitas Menezes (1884). Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
- Inventário post-mortem de Malaquias Gomes de Gouveia (1894).Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
- Inventário post-mortem de Manoel de Moraes Brito (1886). Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Manoel Joaquim Pereira (1872). Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Maria Alexandrina Pereira (1880). Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Maria Benedita do Nascimento (1874). Fórum Vara Única
da Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Maria da Motta e Silva (1876). Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Maria Luiza Pereira Marinho (1885). Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Maria Pereira da Silva (1882). Fórum Vara Única da Cidade
de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Maria Senna das Mercês (1871). Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Manoel José Noleto (1885). Fórum Vara Única da Cidade
de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Manoel Pedro de Brito (1879). Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Maximo Pereira Bispo (1878). Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
134

-Inventário post-mortem de Pedro Gomes da Silveira (1878). Fórum Vara Única da


Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Raimunda Gomes Pereira (1872). Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Raimunda Pereyra Britto (1885). Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Ricardo Pinheiro Noleto (1871). Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Teodoro Pereira Marinho (1869). Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Theodoro da Mota e Silva (1869). Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Thomasia Fernandes de Sousa (1877). Cartório do 2º ofício
de Pastos Bons- MA.
-Inventário post-mortem de Tomas de Aquino Pereira (1873). Fórum Vara Única da
Cidade de Carolina- MA.
-Inventário post-mortem de Vicente Ayres e Silva (1881). Fórum Vara Única da Cidade
de Carolina- MA.
-LIVRO DE REGISTRO DE BATISTO da Freguesia de São Pedro de Alcântara e
Pastos Bons do século XIX. (Casa Paroquial da cidade de Carolina-MA e Pastos Bons-
MA).

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