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Apostila AT 1 - Completa
Apostila AT 1 - Completa
Apostila AT 1 - Completa
Período: 2º Semestre/2015
APOSTILA
Curitiba - PR
BACHARELADO EM TEOLOGIA 2
Disciplina: Estudos no Antigo Testamento 1 – Pentateuco e Livros Históricos
Período: 2º Semestre/2015
Professor Responsável: Prof. Dr. Gelci A. Colli
PARTE I – PENTATEUCO
Um Programa Teológico
A Torah/Pentateuco é o bloco mais volumoso da Bíblia, quase tão volumoso quanto o Novo
Testamento. O Pentateuco, por seu processo de formação complexo, por vezes intimida o
estudante quando este se depara com o assunto relativo a seu surgimento em muitas camadas.
Mas o processo de formação em camadas redacionais não implica que o Pentateuco seja
constituído de narrativas desconexas de um plano editorial-teológico. Pelo contrário, em sua
edição final, pode-se perceber uma composição bem planejada que parece obedecer a um
programa teológico.
O Surgimento do Pentateuco
Com a promulgação da Torah/Pentateuco por meio de Esdras, foi concluído com uma fixação
literária o processo vivo de elaboração da tradição desde as origens de Israel. Ele precisa ser
deduzido pela pesquisa a partir da forma textual de que se dispõe, usando a combinação de
métodos de inferência e analogia. Nesse trabalho indaga-se como pode ter sido o processo em
que se chegou ao Pentateuco em sua forma atual. Recorrer a evoluções comparativas na
literatura e história das religiões, em Israel e no seu meio é importantíssimo para a resposta a
esta indagação.
Ele transfere seu leito e traz às vezes mais, às vezes menos água. Há textos que são
relegados ao esquecimento, outros são acrescentados. Os textos são ampliados,
cortados, reescritos e colecionados em combinações variáveis. Aos poucos perfilam-se
estruturas de centro e periferia. Determinados textos, por causa de uma importância
singular, alcançam uma posição central, são copiados e citados com maior frequência
que outros e, finalmente, tornam-se a essência de obras normativas e formadoras.1
Há um consenso entre os pesquisadores do Pentateuco de que ele não pode ter surgido por meio
de um único autor, num único processo de formação e como uma obra redigida
consistentemente do começo ao fim. Valendo-se de métodos críticos literários verifica-se a
uniformidade e a consistência literária dos textos. Se a pesquisa identificar tensões ou
contradições de conteúdo e terminologia, repetições e duplicações, quebras sintáticas e
concepções concorrentes entre si, poder-se-á concluir que os textos são distintos em sua
origem. As observações clássicas da crítica do Pentateuco podem ser vistas a partir dos
exemplos padrões que seguem:
O autor
A tradição judaica, seguida pela tradição cristã, sempre considerou Moisés o autor dos cinco
livros. Os rabinos entendiam que Moisés era o autor não só da Torah escrita, mas também da
Torah oral, isto é, de todo o comentário da Lei codificada na Mishnah. O próprio A.T. atribui a
Moisés somente alguns textos: o código da aliança Ex 24,4; o decálogo cultual Ex 34,27; o
discurso legislativo Dt 1,1-5; 4,45; 31,9-24; outras perícopes menores Ex 17,14; Nm 33,2; Dt
1
ASSMANN, J. apud, ZENGER, E. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Loyola, 2003, p. 62.
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31,30; etc. Nota-se nestes textos que antes de tudo a Lei estava associada a Moisés, e só a partir
do período pós-bíblico o Pentateuco como um todo lhe foi atribuído, concepção que
predominou até o século XVIII d.C. De acordo com os historiadores judeus, Josefo e Fílon, o
problema da narrativa da morte de Moisés em Dt 34,5-12 resolvia-se com a proposta de que
Moisés havia sido inspirado a tal ponto de descrever sua própria morte previamente. No
Talmud sugere-se que Josué foi quem escreveu estes últimos 8 versículos do Pentateuco.
No século XII d.C. Ebn Ezra apontou a possibilidade de outros textos serem de tempos pós-
mosaicos. Isto se deu devido a alguns anacronismos: “naquele tempo os cananeus ainda viviam
na terra” (Gn 12,6; 13,7). Porque a lembrança do passado se Moisés escrevera antes da
conquista de Canaã? A. B. Karlstadt (1486-1541 d.C.) foi o primeiro protestante a demonstrar
que Moisés não foi escritor dos cinco livros. Andréas Masius (1516-1573), católico jurista
apontou Esdras e sua escola como os compiladores e redatores finais do Pentateuco e os livros
históricos sob o uso de documentos colecionados. Richard Simon (1638-1712) mostrou que
Moisés não podia ser o autor de todos os livros que lhe eram atribuídos postulando uma “cadeia
de tradição” que vai de Moisés a Esdras, sendo Esdras o compilador final.
Alguns anos depois, Jean Lê Clerc após uma reflexão sobre a noção de “tradição” e de um
melhoramento do método crítico considerou que Esdras não poderia ser o autor do Pentateuco,
já que os samaritanos2 conservaram um Pentateuco muito parecido ao dos judeus. Para Lê Clerc
o autor poderia ser, por exemplo, aquele sacerdote mencionado em 2Rs 17,28, que foi chamado
do exílio para ensinar o temor de Javé aos habitantes do antigo reino de Israel. J. G. Eichhorn
(1752-1825) representa o grupo dos que ainda sustentavam a autenticidade de Moisés sob o
seguinte argumento: só mesmo um homem da envergadura de Moisés podia ser capaz de
compor uma obra tão monumental como o Pentateuco. A partir do século XIX d.C. a ideia de
que Moisés era o autor de todo o Pentateuco já estava anulada no meio crítico. Para Wilhelm
M. L. de Wette (1780-1849), Moisés não passa de uma figura mítica, uma espécie de nome
coletivo que serve para agrupar uma pluralidade de escritos heterogêneos. O problema seguinte
surgido neste século seria então o das fontes.
Contradições e Duplicações
Todos que se aventurarem a ler o Pentateuco, logo no primeiro volume, Gênesis, perceberão
que não um relato harmônico e coerente, pois, histórias parecidas são contadas duas ou até três
vezes de maneira que apresentam contradições parciais, e parecem não dar conta de que a
história já foi contada. Alguns exemplos:
Contradições:
- quantos pares de animais de cada espécie Noé levou na arca? Um (Gn 7,15) ou sete (7,2)?
- quantos dias durou o dilúvio? 40 (Gn 8,6) ou 150 (7,24), ou um ano (7,11; 8,14)?
- porque Jacó foi para a Mesopotâmia? Para escapar de Esaú (Gn 27,41-45) ou para encontra
uma esposa (27,46-28,5)?
- por qual grupo José foi levado ao Egito? Por uma caravana de ismaelitas (Gn 37,27) ou de
madianitas (37,28)?
Duplicações:
- dois relatos da criação: Gn 1,1-2,4a e 2,4b-25;
- duas alianças com Abraão: Gn 15 e 17;
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Lê Clerc situa o cisma samaritano no final do século VIII a.C., portanto quase quatro séculos antes de Esdras.
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Até aqui a motivação do uso destes recursos literários tinha a finalidade de explicar as
discrepâncias que incomodavam os estudantes/leitores do Pentateuco. Mas desde Spinoza e
Simon que colocaram a edição ou redação final na época de Esdras tornou-se necessário
explicar o desenvolvimento da literatura do Pentateuco desde seu terminus a quo até o terminus
ad quem. Esta proposta significava que iniciando com Moisés, passando pelas escolas de
escribas, todos os eventos e doutrinas da história de Israel foram anotadas, e, após o exílio,
todos esses documentos teriam sido colecionados e reunidos formando o Pentateuco e os livros
históricos. Surgiu, pois, o problema da história da transmissão do texto. Durante os dois séculos
seguintes, XVIII e XIX d.C., foram desenvolvidas hipóteses teóricas que tentavam explicar as
origens diversas do mesmo relato contínuo. Três delas foram amplamente aceitas e estudadas
por grupos de estudiosos: hipótese documentária; dos fragmentos; dos complementos.
a) A hipótese documentária percebe na base do Pentateuco duas, três ou até quatro tramas
narrativas contínuas, que redigidas em épocas e ambientes diferentes, teriam sido
justapostas ou imbricadas umas às outras por redatores sucessivos. Karl-David Ilgen
(1763-1834) foi o primeiro a provar que existem duas fontes “eloístas”, as conhecidas
fonte sacerdotal P e a fonte E, cujos textos foram armazenados no templo de Jerusalém,
e depois misturados e alterados conforme a história de Israel. A questão foi colocada,
mas careceu de solução.
b) A hipótese dos fragmentos supõe que originalmente havia um número indeterminado
de relatos esparsos e de textos isolados que teriam sido reunidos ulteriormente por um
ou vários redatores-compiladores. Alexander Geddes (1737-1802) e Johann Severin
Vater (1771-1826) viram a dificuldade se encontrar fontes paralelas fora do Gênesis e
propuseram a renuncia a hipótese documentária e a admissão de um certo número de
fragmentos esparsos e sem relação. Esta hipótese não conseguiu explicar as duplicações
paralelísticas nem a familiaridade entre alguns fragmentos.
c) A hipótese dos complementos admite a existência de uma única trama narrativa
contínua e no decorrer da história esta trama recebeu vários acréscimos e
complementos. Heinrich Ewald (1803-1875), um dos primeiros a considerar o
“Hexateuco” (Pentateuco + Josué), propôs que na base deste conjunto há uma trama
narrativa que se estende desde a criação do mundo até a conquista de Canaã. Esta trama
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As Fontes
A Crítica Literária. Julius Welhausen (1844-1918) publicou entre 1876-1878 sob a forma de
quatro artigos, um sistema que vigorou por quase cem anos. Welhausen distinguiu três
camadas no Pentateuco. Em ordem cronológica, são estas: o Javista (J/E), o Deuteronômio (D)
e s fonte sacerdotal (P, chamada Q por Welhausen). As camadas J/E e P se estenderiam até o
livro de Josué, e considerou-se o Hexateuco até a contestação de Martin Noth. Por Welhausen
chega-se a distinguir três períodos principais da história religiosa de Israel: a época monárquica
(J/E); a reforma Josiânica em 622 a.C. (D); e o pós-exílio (P ou Q). No começo do século XX a
exegese crítica parecia ter encontrado um modelo coerente para explicar as origens e a
composição do Hexateuco. Muitas questões continuavam em suspeita, as pesquisas das
primeiras décadas do séc. XX algumas modificações foram feitas no sistema welhausiano,
porém sem colocá-lo em xeque. Como consequência o sistema ficou ampliado e alienado
historicamente da seguinte forma:
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fonte J (javista – séc. X – Salomão, antes da separação dos reinos em 926 a.C.)
fonte E (Eloísta – séc. VIII – pré-profetismo literário)
fonte D (Deuteronomista – séc. VII – a partir de Josias)
fonte P (Sacerdotal – séc. VI - a partir do exílio)
Gunkel conseguiu transpor as instituições da escola da história das religiões para o plano da
exegese do A.T. Para ele, a história da literatura israelita deve ser abordada antes de tudo por
meio da história dos gêneros literários contestando a pretensão da crítica literária de Welhausen
de ser o método exclusivo com enfoques científicos. Nos seus estudos sobre o Gênesis e os
Salmos, Gunkel fundou “a história das formas” (crítica da forma). São algumas de suas
afirmações:
- o Gênesis é uma coleção de Lendas que não tem sua origem nos autores das fontes, mas
nos relatos populares, ciclos de lendas e tradições orais;
- originalmente a unidade primitiva sempre é a lenda autônoma, um pequeno relato
independente, geralmente de natureza etiológica, para explicar a origem de um rito, de
um lugar ou de um determinado grupo de pessoas;
- todas as lendas foram transmitidas por via oral até chegar ao seu último estágio na
forma do texto atual.
- toda lenda está originalmente enraizada num contexto sociológico particular e até numa
situação precisa;
Na maioria das lendas dos Gênesis, segundo Gunkel é preciso pensar em:
...lazeres das tardinhas de inverno quando a família está sentada em volta da lareira; os
adultos reunidos, e principalmente as crianças, escutam atentamente as antigas e
3
Para compreender o enraizamento e a função sociológica de um texto devem ser feitas as seguintes perguntas:
Quem fala? A quem se dirige? Em que circunstâncias (culturais, históricas, sociológicas) ele fala? O que pressupõe
em seus ouvintes e o que tem em vista ao dizer o que diz?
4
Este trabalho se tornou possível pelas descobertas dos textos literários e mitológicos vindos do mundo
mesopotâmico. Pretendeu-se com isso colocar em evidência as particularidades da experiência religiosa dos
hebreus comparando-as com outras experiências do mundo ambiente, e não fazer com que a religião dos hebreus
fosse simplesmente um subproduto inferior da civilização babilônica.
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admiráveis histórias do começo do mundo... Nós nos aproximamos e tentamos ouvir o que
contam.5
Gerhard von Rad (1901-1971) salientou a vitalidade das diferentes tradições para serem
ouvidas e postas em práticas como palavra de Javé para cada nova geração israelita. Na opinião
de von Rad, o núcleo do Hexateuco foi preservado nos credos históricos de Dt 26,5b-9; 6,20-24
e Js 24,2b-13, sob a forma mais antiga sem dúvida no primeiro dos três, o que ele denominou o
“pequeno credo histórico”. No centro deste credo, encontramos o êxodo e a dádiva da terra.
Para von Rad o Javista não narrou uma simples historiografia, mas sim, uma obra com um
propósito teológico definido. Este propósito seria o querigma do Javista, o qual se constituía da
intenção de demonstrar que a monarquia davídica constituía exatamente o coroamento querido
por Javé da história “já” canônica do Israel pré-monárquico. Segundo ele, o Javista é também a
testemunha de um período esclarecido que chega a denominar de um “século das luzes
salomônico”.
Enfim, podemos ver entre os herdeiros de Welhausen, constatamos que cada um encontrou seu
próprio caminho no campo conquistado por Welhausen que delimitando as fontes e fixando-
lhes uma ordem cronológica traçou as fronteiras do território. Gunkel, remontando às origens
da narração oral recolocou os relatos de Gênesis em seu quadro de vida original. Seguindo o
curso da tradição, Noth traçou o mapa dos afluentes do rio principal, e, voltando a uma exegese
atenta à história das redações, von Rad interessou-se pelos ideólogos do reino. Até o ano de
1970 as introduções ao Antigo Testamento davam a impressão de um consenso fundamental
sobre as questões principais relativas à formação do Pentateuco. Porém, se olharmos com
atenção, veremos que na prática o consenso dos adeptos ao modelo de Welhausen era muito
superficial. O material atribuído às fontes J, E e P diferia muito, nos pormenores, de exegeta
para exegeta. Da mesma forma havia diferenças sobre o tempo do surgimento, local de origem
e programa teológico das fontes. Com tantas divergências entre os pesquisadores questionou-se
então que o problema devia residir no próprio modelo.
d) abandono do modelo das fontes e retomada do modelo dos círculos narrativos, pois
cada livro do Pentateuco possui um perfil linguístico e teológico próprios: por exemplo, o
livro de Gênesis é intensamente determinado por uma teologia da promessa, ênfase que
não pode ser vista no livro do Êxodo. Isso que dizer que os livros coexistiram
independentes uns dos outros até que foram agrupados no Pentateuco.
e) combinação do modelo de círculos narrativos + modelo de fontes reduzido. O
Pentateuco surgiu de três correntes da tradição (textos não sacerdotais, textos sacerdotais,
textos deuteronômicos). Duas formas literárias básicas, narração e formulação de leis. A
primeira descrição histórica surgiu em Jerusalém sob a influência dos profetas Amós-
Oséias-Isaías, por volta do ano 690 a.C., após a ruína do reino do Norte e da salvação de
Jerusalém diante da ameaça dos assírios em 701 a.C. No tempo do exílio esta obra foi
revisada e ampliada como reflexo dos acontecimentos de 586 a.C. por uma nuança
teológico-profética. A segunda descrição histórica surgiu por volta de 520 a.C. após o
exílio na Babilônia, uma espécie de contra-projeto à obra historiográfica exílica que
continha uma teologia não-sacerdotal. O Deuteronômio que em sua parte mais expressiva
surgiu no tempo do rei Ezequias (+/- 700 a.C.), foi ampliado no tempo de Josias e
constituindo finalmente no tempo do exílio uma parte da obra deuteronomista (Dtr) que
vai de Dt 1 a 2Rs 25, o que fez com que a lei deuteronômica passasse a ter um contexto
histórico-teológico.
Substancialmente é por meio de duas alternativas que se tenta explicar como as três fontes
formaram o Pentateuco:
1 – por volta de 450 a.C. foram juntadas primeiramente as correntes não-sacerdotal (JG
deuteronomista) e sacerdotal (PS) até que (sob a supervisão de Esdras) por volta de 400
a.C. surgiu o Pentateuco pela inclusão de Dt, que na ocasião sofreu mais uma pequena
revisão.
2 – diferente da primeira, aqui a fase final da formação não se dá com a inclusão de Dt,
mas de PS, quando da introdução da obra historiográfica deuteronomista criada por volte
de 550 a.C.
Conclusão
Ao final desta pequena história o estudante do Pentateuco perceberá que muita coisa
mencionada jamais imaginou que seria possível existir, e mais, certamente terá a suspeita de
que aventurar-se na crítica do Pentateuco é trabalho para pessoas específicas por quase toda
uma vida devido a sua tamanha dificuldade. Perceberá também que só o tempo e o avançar da
pesquisa é que vai separar o que se pode tomar por proveitoso e o que se pode descartar.
Perceberá também que antes e acima da crítica o Pentateuco é Palavra de Deus a despeito do
grau do conhecimento que se tem do assunto.
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I. Gênesis (Bereshit)
1. O Nome
O nome hebraico deste primeiro livro do Pentateuco é Bereshit (tyviareB.) que significa “em
princípio” e vem da primeira palavra do livro. Em português o livro se chama Gênesis e
provém do título grego da LXX, Gênesis (Genesij) que significa “fonte, origem”.
2. A Estrutura
O livro apresenta duas partes bem distintas: 1-11, a história primitiva; 12-50, a história dos
patriarcas. Gênesis 1-11 trata da origem do mundo, da humanidade, do pecado. Gênesis 12-50
reconta as origens da historia da redenção no ato de Deus escolher os patriarcas, juntamente
com as promessas da terra, posteridade e aliança. Em sua estrutura narrativa o livro divide-se
em dez seções. O ponto em comum dessas seções é a fórmula “toledot” (tdol.AT) que aparece
13 vezes e que significa: são estas as gerações, ou, história de ... (2.4b, 5.1, 5.6, 6.9, 10.1,
11.10, 11.27, 25.12, 13, 25.19, 36.1, 36.9, 37.2). Toledot não é apenas um marco literário que
divide as partes do livro; é também um sinal da sobrevivência e da continuidade do plano de
Deus para a criação.
Esses capítulos são solidamente caracterizados por dois tipos bem distintos de artifícios
literários: um se apresenta em caráter esquemático e arranjo lógico cuidadoso (a ordem da
criação em 1.1-2.4a, as genealogias cap. 5 e 11.10-32, a lista etnogeográfica no cap. 10; o outro,
em forma de história, o drama em 2-3 com seus antropomorfismos para Deus, nomes que
correspondem a função desempenhada pelo personagem ( Adão significa “humanidade”, Eva é
“aquela que dá vida, Caim “forjador de metais”, Enoque “dedicação, consagração”, Caim
condenado a ser nad, “peregrino”, passa a viver na terra de Node “a terra da peregrinação”.
O autor falou das origens valendo-se da maneira como suas tradições culturais e literárias
falavam delas. O capítulo 1 deve ser lido à luz dos relatos mesopotâmicos da criação. Apesar de
comparações detalhadas serem bem poucas, os paralelos básicos são os seguintes: o estado
primitivo da criação como um caos de água, a ordem básica da criação e o descanso divino ao
final da criação. Embora o enredo do primeiro pecado não tenha nenhum paralelo no Oriente
Próximo, há elementos isolados, símbolos e concepções paralelas na literatura mesopotâmica.
Os paralelos também se estendem até a terminologia técnica: a palavra ’ed em 2.6 traduzida por
neblina pode ser compreendida como um empréstimo do acadiano que significa “fluxo de água
proveniente do subsolo”; o termo geográfico “no Éden” (2.8) pode ter sido tomado do sumério
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edinu “planície” que se ajusta muito bem aos contexto; o significado literal destes termos não é
nativo da Palestina.
A identificação do gênero literário de Gênesis 1-11 é difícil por causa de sua singularidade.
Nenhum desses relatos podem ser chamados mitos “puros”, nem mesmo “história” no sentido
moderno de testemunho ocular, relato objetivo. Antes transmitem verdades teológicas acerca de
eventos retratados principalmente em estilo literário simbólico e pictórico. Isso não significa
que Gn 1-11 contenha inverdades históricas, pois o material não reivindica tal papel. Reivindica
sim, a sua base objetiva em suas verdades fundamentais: criação de Deus, intervenção divina
especial na criação da humanidade, a bondade prístina do mundo criado, a entrada do pecado na
história pela desobediência do homem. Essas são verdades todas baseadas em fatos.
Pode-se supor que o autor tenha empregado as tradições literárias da época para ensinar o
verdadeiro conteúdo teológico da história primeva da humanidade. O propósito do livro não era
fornecer uma descrição biológica e geológica das origens. Antes, seu propósito era explicar a
natureza e a dignidade singular dos seres humanos, em virtude de sua origem divina. Eles são
feitos pelo criador à imagem divina, ainda que desfigurada pelo pecado.
3.3 A Estrutura
A estrutura de 1-11 é bem definida como pode ser observada a seguir:
I - A historia da criação: 1.1-2.4ª
II - Prova e reprovação da humanidade: 2.4b-3.24
III - A humanidade e as conseqüências da reprovação: 4.1-6.8
IV - A criação sob julgamento: 6.9-8.14
V - Um novo Povoamento: 8.15-10.32
VI - Um fim e um começo: 11.1-32
3.4 A Teologia
Desde o inicio Gênesis apresenta um Deus vivo, pessoal. Os verbos empregados para Deus
expressam uma atividade mental, de vontade e de julgamento, características da personalidade
que busca se relacionar com a sua criação. Aqui, Deus é a única divindade, o Criador, o Senhor
e Soberano. A questão de outras divindades não aparece em Gn 1-11. Deus é perfeito e não
suporta o pecado, é o que declaram as expulsões, cataclismos e julgamentos em 1-11. Contudo,
é misericordioso, por isso seus juízos são suavizados, não levam a cabo a destruição, a graça de
Deus é sustentadora da criação, há sempre um meio de redenção, sua exigência moral. Deus é
quem se revela, não é simplesmente encontrado por quem o buscou, mas por que se deixou
achar. É Deus quem vem à criação, à humanidade.
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4.1 Conteúdo
A História dos Patriarcas também é divida em cinco seções, todas marcadas pela fórmula
toledot. A estrutura literária corresponde a divisões importantes baseadas no conteúdo: histórias
acerca de Abraão (11.27-25.18), acerca de Jacó (25.19-37.1) e a longa acerca de José (37.2-
50.26). As outras vezes que aprece a fórmula toledot, introduzem seções genealógicas curtas
depois das duas primeiras divisões principais: Ismael no final do ciclo de Abraão (25.12, 18) e
Esaú no final do ciclo de Jacó (36.1, 43). Nessa estrutura, Isaque tem importância secundaria.
Esses fatos só são problemáticos se interpretados como história no sentido moderno. Seu
propósito primário é mostrar os desdobramentos do chamado de Abraão. Com esse chamado,
Deus faz promessas definitivas a Abraão (12.1-3). A sequência da narrativa mostra como Deus
cumpriu essas promessas. Esse tipo de historiografia deve ser reconhecido como um “passado
rememorado” – a memória de um povo. Aqui os séculos foram condensados pela tradição oral.
A cultura patriarcal oferecia um ambiente ideal para a transmissão precisa da tradição: era
caracterizada por uma esfera social fechada selada por laços familiares de sangue e religião.
Essas narrativas, portanto, são tradições vitais mantidas vivas pela memória coletiva da tribo.
4.3 A Estrutura
A estrutura de 12-50 é bem definida como pode ser observada a seguir:
I – Abraão, sua vocação e promessa: 12-20
II – Isaque e provas da fé: 21-26
III – Jacó e o surgimento de Israel: 27-36
IV – José e a migração para o Egito: 37-50
4.4 A Teologia
A história patriarcal começa com a eleição de Abraão em 12.1-3. Este chamado tem caráter
definitivo, atinge Abraão no meio do caminho. Este recomeço súbito realça o próprio chamado
e fornece um modelo pelo qual se deve interpretar toda a história patriarcal. A escolha de
Abraão e as promessas incondicionais de terra e descendência tem como alvo maior a benção
de todas as comunidades da terra. O início da história da redenção oferece uma palavra acerca
de seu final. Deus age em direção a humanidade para redimir esta e o mundo. As promessas são
reafirmadas a cada um dos patriarcas: a Isaque (26.2-4); a Jacó (28.13; 35.11); e a José e seus
filhos (48.1-6). A história de José prove o primeiro estagio na transição de uma família
patriarcal para um povo independente, em harmonia com a promessa divina.
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A aliança que Deus faz com Abraão (15 e 17) é o tema central em toda a Escritura. Trata-se do
estabelecimento de um relacionamento particular ou o compromisso de seguir determinado
curso de ação, que não subsiste por via natural, sancionado por um voto em geral selado numa
cerimônia solene de ratificação (15.7-17). É Deus que faz o voto; nada exige de Abraão (exceto
o rito da circuncisão – cap. 17). Nesse aspecto a aliança com Abraão difere da aliança com
Moisés. Aqui em Gênesis a aliança de promessa depende apenas do caráter imutável daquele
que a assume. Em Gênesis 12-50 são apresentados os elementos básicos do início da história da
redenção. Deus escolheu livremente um homem e seus descendentes por meio de quem “serão
benditas todas as famílias da terra”. É preciso, porém, aguardar para saber como essa promessa
será cumprida e em que sentido isso ocorrerá. Fica claro, porém, que os que vivem sob a
aliança devem viver uma vida de confiança e fé naquele que os chama.
Deus é chamado pelo nome, recebe o apelo, pune, abençoa, faz aliança (15), é um deus pessoal
que busca relacionar-se com as pessoas. Ao contrário dos deuses cananeus que associavam-se
com as localidades. Os patriarcas em seus cultos, oravam (25.21), faziam altares e sacrifícios
(12.7; 22.9; 35.1). Não havia lugares especiais para o culto, nem sacerdócio oficial. A adoração
era entendida como um relacionamento entre Deus e seres humanos. A peculiaridade da fé dos
patriarcas residia em sua concepção de Deus e em seu íntimo relacionamento pessoal com ele.
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2. Conteúdo
Êxodo trata-se de um conjunto de relatos e de normas intimamente entrelaçados que transmitem
a história dos filhos de Israel, desde o Egito até sua prolongada parada na região do monte
Sinai. Nesta etapa ocorreram os acontecimentos mais importantes da história do povo de Israel:
seu tempo de escravidão, o nascimento de Moisés, os prodígios e maravilhas que Deus fez para
libertá-los da opressão egípcia, instituição e o estabelecimento da Páscoa (Passagem -
“Pessach”), o recebimento da Lei, a passagem pelo mar vermelho, o maná, o monte Sião, a
peregrinação pelo deserto, a construção do Tabernáculo, etc. Os acontecimentos narrados neste
livro fazem com que seja aquele que dá significado à fé, ao apresentar ao leitor, um Deus que
liberta as pessoas e que escolheu um povo para relacionar-se e iniciar sua obra redentora no
mundo. O Deus apresentado no Êxodo é aquele que escuta o clamor do seu povo oprimido e o
liberta. Ele está no deserto, na montanha e nos reinos, agindo no meio de seu povo, pobre,
necessitado de justiça e carente de misericórdia. É o Deus que fez uma aliança com o povo. Ele
é o Deus da Libertação pela promessa de sua palavra.
Antes de entrar em Canaã, o povo peregrinou pelo deserto. Mesmo sabendo das dificuldades
que se tem para saber o que é exato no itinerário, uma vez que as tradições são diversas, mesmo
assim, é possível perceber alguns traços marcantes que se tornaram fundamentais na história do
povo de Deus. No Egito a sobrevivência era difícil, mas pelo menos havia comida. No deserto o
grupo de Moisés experimentou a fome e a seca. A convivência ajudou o povo a se unir em
torno da sobrevivência. As provações do povo no deserto provocaram uma atitude de pensar
mais no coletivo, a partir da crença no Deus único que foi se formando lentamente. A vida no
deserto trouxe muitas experiências novas. Houve solidariedade autêntica para resolver os
problemas. No deserto, o povo estava longe das sociedades divididas em classes e pode
aprender a viver em comunidade. As leis surgiram como uma maneira para manter o grupo
unido e sobreviver no deserto. Esses mandamentos nasceram como obra de Deus ao povo. Elas
serviam também para lembrar a aliança que Deus fez com o povo.
Assim, o livro do Êxodo, na Bíblia, constitui-se na grande proeza de Deus: a saída do país da
escravidão até a terra prometida. Deus libertou o seu povo “com grande poder, mão forte e
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braço estendido”, abrindo um caminho pelo mar. O Êxodo pode ser considerado o ponto central
do Antigo Testamento, nele o povo de Deus teve seu marco histórico inicial. E, do meio dele,
surgiu Moisés, que recebeu a missão da parte de Deus a contribuir para a sua libertação. Assim,
sob a liderança de Moisés, tendo como agente libertador, o próprio Deus, o povo fez a
experiência do êxodo, saindo da servidão, o que aconteceu provavelmente em meados do século
XIII a.C.
3. A Estrutura
A estrutura de Êxodo pode ser resumida da seguinte forma:
I – Livramento do Egito e jornada até o Sinai: 1.1-18.27
II – Aliança no Sinai: 19.1-24.18
III – O Tabernáculo e os cultos: 25.1-31.18
IV – Violação e Renovação da Aliança: 32.1-34.35
V – Construção do Tabernáculo: 35.1-40.38
4. A Mensagem
No livro de Gênesis, o povo de Deus estabelecido no Egito pela influencia de José experimenta
um tempo de prosperidade e segurança. Em Êxodo há um salto no tempo e já no seu início
relata que o povo de Deus sofre duras penas no Egito devido a ascensão de um Faraó que não
havia conhecido José (Ex 1.8-22). Pode-se descrever a mensagem de êxodo sob dois aspectos:
O homem de Deus (1-18); e a mensagem de Deus (19-40).
O Homem de Deus
Assim como Deus levantou José para a missão de prover segurança e paz no Egito, agora, Deus
novamente levanta um homem, mas para outra tarefa, libertar o povo da escravidão do Egito. O
povo precisava de um líder para organizá-los e empreender a saída libertadora rumo a terra
prometida. Deus escolheu Moisés e o protegeu desde seu nascimento (2.1-10). Após ser
instruído em toda ciência egípcia, uma trágica atitude, o assassinato de um guarda egípcio,
colocou a vida de Moisés em perigo e ele teve que fugir (2.16-25). O período nas terras de
Midiã em que Moisés trabalhou como pastor, provavelmente também proveu parte da
preparação de Moisés. Ali ele experimentou a vivência numa comunidade diferente daquela
conhecida por ele no Egito. O grupo liderado pelo seu sogro Jetro, tinha características tribais
de igualitarismo sob uma organização patriarcal. Jetro, era o sacerdote do clã, o chefe legal.
Possivelmente todos a sua volta desfrutavam de tudo numa forma que chegava ao equilíbrio
social. Jetro pode instruir Moisés durante os primeiros passos da empreitada aconselhando-o
(18.1-27). Toda a trajetória de Moisés fez dele um dos personagens mais importantes do
Pentateuco, e da história de Israel. Por sua instrumentalidade nas mãos de Deus é considerado o
fundador da religião de Israel, o promulgador da Lei e um líder carismático.
A mensagem de Deus
A segunda parte do livro tem como eixo central a entrega da Lei a Moisés. Em direção a terra
prometida o povo precisaria de direção clara e regras firmes para seguir sua caminhada. O
Decálogo formava a base, era o seu código de conduta para a vida reservada na terra da
promessa (20.1-17). Os primeiros quatro mandamentos dão ênfase ao relacionamento do
homem com Deus, e os outros seis dizem respeito a vida com seus semelhantes. Deus mostrou
a Moisés e o povo que o amor, a honestidade e a justiça, eram elementos vitais na
administração de qualquer comunidade organizada (20.18-24.18). Deus também instituiu uma
maneira básica para direcionar o relacionamento do homem com seu Deus. O templo móvel “o
tabernáculo” foi projetado para ser um lugar de adoração a Deus se tornando o ponto central da
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III. LEVÍTICO
Versão grega: Levítico (Vulgata) Bíblia Hebraica o livro é denominado pela primeira palavra:
ar'q.YIw: (wayqera‘) “e chamou”.
O Livro trata de leis relacionadas com os ritos, sacrifícios e serviço do sacerdócio levítico e
muitos ensinamentos para toda a nação de Israel. O Senhor queria ensinar os hebreus a
santificar-se.
SIGNIFICADO E VALOR
Torna compreensível outros livros da Bíblia;
Apresenta princípios permanentes sobre a religião;
Prepara a mente humana para alguns conceitos importantes no Novo Testamento:
pecado, graça, perdão, obra do redentor, nova aliança, etc;
SACRIFÍCIOS
Era o meio pelo qual o povo se aproximava de Deus;
Alcança a expiação do pecado mediante um sacrifício substitutivo;
Animais: somente vaca, ovelha, cabra, pomba e a rola;
FORMA DE SACRIFICAR:
O ofertante levava o animal ao altar e colocava a mão sobre ele para indicar que este era seu
substituto, transferindo seus pecados para o animal e o degolava.
TIPOS DE OFERTAS
O HOLOCAUSTO: consumido inteiramente pelo fogo do altar oferecida todas as
manhas e tardes no tabernáculo, (Ex.29.38-42);
A OBLAÇÃO: significa “aproximação”. Não eram animais, mas produtos da terra.
Consagração a Deus dos frutos do trabalho humano;
SACRIFÍCIO DE PAZ: oferta voluntária. Maior parte do corpo do animal comida pelo
ofertante e seus convidados em um banquete;
SACRIFÍCIO PELO PECADO: expiar pecados cometidos por ignorância e erro;
SACRIFÍCIO PELA CULPA: violação dos direitos de Deus ou do próximo tais como
descuido no dízimo e furto;
O SACERDÓCIO
Deus nomeou Arão e seus filhos para o sacerdócio (Ex 19.6), os levitas eram seus
ajudantes;
Serviam como mediadores entre o povo e Deus e ministravam nas coisas sagradas do
tabernáculo;
Deveria ser homem sem defeito físico, casar-se com mulher idônea, não contaminar-se
com costumes pagãos nem tocar coisas imundas;
Nem os levitas ou os sacerdotes receberam terra de Josué quando distribuiu Canaã. Os
levitas recebiam dízimo de outras tribos;
AS FESTAS SOLENES
Denominadas “santas convocações”. Foram instituídas como parte do pacto do Sinai (Ex 23.14-
19)
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PROPÓSITOS:
As festas davam aos Israelitas a oportunidades de refletir sobre a bondade de Deus;
Fazer com que os Israelitas não esquecessem que eram o povo de Deus;
O DIA DO DESCANSO (23.3) Israel lembrava seu criador e o fato de que Ele
descansou de sua obra criadora no 7º dia;
A PÁSCOA (23.5-8) Todos os hebreus deveriam ir a Jerusalém participar. Celebrava a
saída do Egito e a redenção efetuada pelo cordeiro pascoal (12.1 – 13.10);
PENTESCOSTES (23.15-21) esta festividade marcava o fim da colheita do trigo e se
ofereciam a Deus as primícias do sustento básico dos Israelitas;
A LUA NOVA E A FESTA DAS TROMBETAS (23.23-25) Comemorava-se no
primeiro dia de cada ano com toque de trombetas e sacrifícios;
O DIA DA EXPIAÇÃO (16 e 23.26-32) dia mais importante do calendário judeu. O
sumo sacerdote reunia todos os pecados de Israel e acumulados por um ano e os
confessava a Deus pedindo perdão.
FESTA DOS TABERNÁCULOS (23.33-43) Era a última festa do ano e durava 8 dias.
Comemorava-se o fim da colheita e a peregrinação do deserto;
O ANO SABÁTICO (25.1-7) ao entrar na terra prometida, os israelitas deveriam
passar um ano em cada sete sem semear nem colher. A terra devia descansar;
O ANO DO JUBILEU (25.8-22) Dois anos seguidos de descanso a cada cinquenta
anos: liberdade aos escravos, devolver a terra que haviam adquirido e perdoar as dívidas
dos outros.
Algumas Leis
Ano do Jubileu (Lv 25.8-22): a cada 50 anos os escravos deviam ser libertos, a terra
devolvida a seu dono original, as dividas perdoadas.
Go’el (Lv 25.25, 47-49): o resgatador era o parente mais próximo que devia resgatar o
parente ou as posses dele.
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O Livro de Números, ganhou este título no fato de que várias passagens do livro se ocupam
com listas numéricas de um tipo ou outro. Os acontecimentos importantes no deserto podem ser
constatados neste livro. Na Bíblia Hebraica é chamado de bemidebar (rB;d.miB.) que significa no
deserto (Nm1.1). Números registra um enredo comovente. Contém vários detalhes sobre o
itinerário dos filhos de Israel, descreve suas andanças pelo deserto, registra sua idolatria e
imoralidade em intervalos frequentes demais e nos conta do juízo de Deus sobre eles, por causa
dos seus pecados. Tudo isso soa muito deprimente, mas é preciso lembrar que não é mera
história. Há várias lições profundas para nós neste livro. Este, como outros livros bíblicos, foi
“escrito para nossa instrução” (Rm 15.4). Portanto, ao lermos esta história do povo hebreu e sua
peregrinação, devemos pensar sobre nós mesmos e nosso caminho com Deus. À luz deste livro,
devemos perguntar se estamos andando no ritmo do Senhor. Só podemos ser realmente felizes,
se trilharmos o caminho que lhe agrada. Na Bíblia, a vida muitas vezes é retratada de forma
análoga como uma viagem. A Palavra de Deus mostra que é fácil pegar uma curva na direção
errada, e é esse o assunto de Números. Os Filhos de Israel cometeram vários erros graves e
estes erros estão abertamente registrados nesta história.
Números começa com uma série de orientações para organizar o povo a fim de marchar do
Sinai para a terra prometida. As tribos são contadas, a sua ordem no acampamento e na marcha
é especificada, os impuros são expulsos da comunidade, o altar e os levitas são dedicados ao
serviço de Deus, e celebra-se uma segunda Páscoa. Agora a nação está pronta para começar a
marcha em direção a Canaã (1.1-10.10). Vinte dias depois começa a jornada, encontram-se
dificuldades no caminho, mas chega-se em segurança a Cades, nos limites de Canaã (10.11-
12.16). De Cades são enviados doze espias para inspecionar a terra. O seu relatório é tão
desanimador que o povo propõe que se volte do Egito (13.1-14.4). Então Deus ameaça
aniquilar a nação, mas é persuadido pela intercessão de Moisés a comutar a sentença para
quarenta anos de perambulação no deserto.
PROPÓSITOS
Um propósito obvio do livro é registrar o período desde o encontro com o Sinai até a
preparação em Moabe para a entrada na terra prometida. Entretanto, há muito mais do que isso.
A jornada entre o Sinai e Cades- Barnéia, passando pelo golfo da Acaba, levaria apenas 11 dias
(Dt. 1.2). A rota direta consumiria poucos dias a menos e, passando por Edom e Moabe,
dificilmente mais que duas semanas. A narrativa deixa claro que o período de trinta e oito anos
foi uma punição pela falta de fé: ninguém da geração incrédula teve permissão para entrar na
terra (Nm 14.20-45). Números portanto, não é só o trecho de história antiga, mas outra lista de
atos de Javé. Trata-se de uma história complexa de infidelidade, rebelião, apostasia e frustração,
em contraposição com fidelidade, presença, provisão e paciência de Deus.
ESTRUTURA
O material de Números não pode ser entendido separadamente daquele que procede em Êxodo
e Levítico. Os três livros que ficam no meio do Pentateuco estão intimamente ligados,
formando Gênesis o prólogo e Deuteronômio o epílogo desta coleção.
Números, portanto, parece o produto final de um amplo processo de composição. Fazemos bem
em examiná-lo segundo os três horizontes de interpretação. Em primeiro lugar, o livro falava
aos judeus acerca de sua história passada. Explicava por que Moisés, Arão e seus descendentes,
remidos no Êxodo e comissionados por Deus no Sinai, não herdaram pessoalmente a terra
prometida. Ao mesmo tempo, testificava a paciência de Deus e sua presença junto a seu povo
peregrino. Em segundo lugar falava de sua história presente durante o exílio e imediatamente
depois dele. Aliás, é provável que Números tenha sido recomposto em sua forma final durante
esse período turbulento de desorientação. O terceiro horizonte falava aos judeus sobre sua
história futura. Há uma forte palavra de alerta: “Não desobedeçais aos mandamentos da aliança
divina nem vos esqueçais de sua promessa de fidelidade. Por duas vezes Deus vos conduziu
pelo deserto à terra da abundância. Permanecei fiéis ao longo das gerações, e continuareis a
gozar da terra que é dádiva de Deus”
DATA E AUTORIA
Tradicionalmente afirma-se que Moisés foi o autor de todo o Pentateuco, exceto a narrativa de
sua morte, em Deuteronômio 34. Isto significa que ele foi composto em meados do século XIII
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a.C. ou no fim do século XV a.C. Os principais argumentos em favor deste ponto de vista são
as declarações constantes do Pentateuco, dizendo que Moisés escreveu pessoalmente algumas
partes deles (Ex 24.4; Nm 33.2; Dt 31.9,22) a reivindicação constante de que as leis lhe foram
reveladas (Ex 25.1; Lv 1.1) e a pressuposição de autoria mosaica, expressa pelo Novo
Testamento (Mt 8.4; 19.7; Lc 24.44; Jo1.45). Porém, com o desenvolvimento da análise
histórica e literária da Bíblia, surgiu uma variedade de ressalvas a essa teoria, com alguns
estudiosos negando toda e qualquer validade histórica do livro. Hoje, pelo contrário, existe
apoio considerável para a ideia de que Números incorpora muito material histórico, embora
transmitido em várias formas e editado e revisado substancialmente. Alguns elementos do
problema são o fato de que não se faz menção do autor no livro. A única referencia a atividade
literária de Moisés está em Nm 33.2 e todo o resto do livro é escrito na terceira pessoa. Outro
problema é o material consideravelmente antigo é encontrado em Números. Ao mesmo tempo,
existem alguns problemas na harmonização do material, em especial, certas leis, ordenanças e
práticas cultuais. Em alguns casos, estudiosos concluem que há reflexos de práticas posteriores.
O material antigo demonstra conhecimento antigo do deserto, do povo israelita e de suas
constantes reclamações e demonstrações de desprezo para com Moisés, bem como muito
material descritivo sobre o próprio Moisés.
TEOLOGIA
Números é um livro que pode confundir o leitor em certo sentido. Listas de tribos são seguidas
de relatos de eventos históricos, regulamentos sobre sacrifício são dados ao lado de detalhes de
controvérsias jurídicas complexas. É tudo muito importante como história, porque queremos
conhecer o roteiro do povo de Deus em seu caminhar à Terra Prometida. Mas quais são as
lições principais deste livro para o cristão hoje? Ele nos faz lembrar que Deus se preocupa com
os detalhes práticos da vida cotidiana. Alguns cristãos pensam que ele só está interessado em
religião. A saúde física de seu povo era tão importante para Deus como comunhão espiritual. E
mais, o livro nos ensina que Deus usa toda sorte de pessoas, com vários dons, para seus
propósitos.
Conquanto seja verdade que pessoas especialmente nomeadas tinham responsabilidades bem
definidas, todo mundo tinha trabalho a fazer. O culto do tabernáculo dependia tanto daqueles
que levavam os móveis como dos sacerdotes que ministravam ali. Na obra de Deus há trabalho
para todos. Diz-nos também que quando nosso Deus gracioso faz uma promessa, ele sempre a
cumpre (23.19). E ainda o livro nos faz lembrar da seriedade do pecado e, especialmente, da
impossibilidade de nós escondermos nossos pecados de Deus (32.23). Finalmente, Números
ilustra o fato de que eles seguiram o Senhor com integridade (14.24, 32.12) trazem deleite ao
coração dele e alegria imensa ao seu próprio coração.
- Paciência. O Senhor é longânimo. Números está repleto de relatos sobre as queixas dos
israelitas. Eles pediam peixes, pepinos, melões, alho-porós, cebolas e alhos do Egisto (v.
5) como se tivessem esquecido das dificuldades da escravidão. Quando os espias voltam
de Canaã com histórias de gigantes e cidades muradas, o povo estava prestes a escolher
um capitão para voltar ao Egito (14.4) a paciência de Deus se esgota e Ele declara que
nenhuma daquela geração entraria na terra (exceto Calebe e Josué).
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2. ESBOÇO
Geralmente as análises do livro de Deuteronômio se estabelecem no nível de suas divisões
básicas – os três discursos de Moisés. Fica claro o tamanho desproporcional dos discursos
comparados entre si. Então, isto pode significar que tanto o 1º discurso (1.6-4.43) quanto o 3º
(29.1-30.20), que são pequenos, são como que molduras para o bloco maior e principal, o 2º
discurso (4.44-26.19).
Um esboço básico pode ser o seguinte:
Introdução: 1.1-5
Primeiro Discurso – Atos de Yahweh: 1.6-4.43
De Horeb até Bet-Pegor: 1.6-3.29
Possibilidades e Perigos na terra da Promessa: 4.1-43
Segundo Discurso – Lei de Yahweh: 4.44-26.19
Leis litúrgicas: 12.1-16.17
Leis legislativas: 16.18-18.22
Leis Diversas: 19.1-25.19
Apêndice litúrgico: 26.1-19
Depois da Travessia – Cerimônia em Siquém: 27.1-28.68
Incumbências: 27.1-26
Bênçãos e maldições: 28.1-68
Terceiro Discurso – Aliança com Yahweh: 29.1-30.20
Propósito da revelação de Yahweh: 29.1-29
A Aliança Firmada: 30.1-20
Palavras Finais de Moisés: 31.1-32.47
Morte de Moisés: 32.48-34.12
também à tradição da aliança com Abraão e os patriarcas (cf. Gn 15.18; 17), onde a aliança por
parte de Yahweh não depende da obediência de Israel (4.31; 7.9; 9.5; 30.6). Acima de tudo está
a graça. Por isso, pensou-se a respeito da nova vida na futura reconquista da terra. Para isso
levou-se em consideração as necessidades concretas das comunidades exílicas e pós-exílicas
que acabaram gerando uma volumosa ampliação do material legislativo nos capítulos 19-25.
Essas leis correspondem em sua forma à sequência dos mandamentos do Decálogo como segue
o esquema abaixo:
1º Mandamento: 12.2-13.19 6º Mandamento: 22.13-23.15
2º Mandamento: 14.1-21 7º Mandamento: 23.16-24.7
3º Mandamento: 14.22-16.17 8º Mandamento: 24.8-25.4
4º Mandamento: 16.18-18.22 9º Mandamento: 25.5-12
5º Mandamento: 19-21; 22.1-12 10º Mandamento: 25.13-16
4. ÊNFASES TEOLÓGICAS
O Deuteronômio representa a primeira grande síntese teológica em Israel. Ela sistematizou pela
primeira vez as diversas tradições sob as linhas mestras do compromisso exclusivo de Israel
com seu Deus Yahweh, e da relação Deus-povo segundo o modelo de uma relação pactual entre
o vassalo e o Senhor firmada com um contrato – “aliança – berit”. O Deuteronômio projeta uma
sociedade em que todas as esferas da vida são abarcadas por essa relação com Deus. A teologia
do Deuteronômio reflete temas tão centrais quanto “monoteísmo”, “lei e Evangelho”, “terra”,
“juramento de destruição” e “promessa aos antepassados”. Nele o povo de Deus se concretiza
sobretudo por meio de um aprendizado conjunto da fé. Os textos 6.6-9 e 11.18-21 exortam para
que o povo decore a lei com métodos mnemônicos. O povo que surge da palavra de Deus
encontra sua auto representação na “festa” e na “celebração”. Quando as famílias de Israel
trazem seus sacrifícios (p. ex. 12) e contribuições (p. ex. 14.22-27) ao único santuário ou ali
festejam a Festa das Semanas os das Tendas (16.9-12 e 13-15), alcançam a alegria perfeita
diante de seu Deus na oração e refeição comunitárias. Este povo é um povo santificado 7.6;
14.2; 26.19.
À estas duas festas contrapõem-se um outro tipo de liturgia, a “celebração” da Páscoa. Ela
compreende a memória do sofrimento na forma de dramatização cultual, a angustia da saída do
Egito. Pelo consumo dos pães ázimos, a comida da aflição e da caminhada, o Israel que já vive
na terra da promessa também volta a ser o povo de Êxodo. Um ideal de “fraternidade” é
desenvolvido em Deuteronômio conectando-se com a sociedade tribal pré-monárquica de
Israel, mantida por uma elevada consciência igualitária. A fraternidade ultrapassa qualquer
“direito” e transforma todo o Israel num espaço em que vigora o comportamento que reside
apenas no interior de uma família. Esse amor ao “irmão”, que abrange todo o povo, é possível
porque Deus se deu como dom a esse Israel como seu único Deus e o convoca a amá-lo de todo
o coração, como podemos ver em Dt 6.4-5, a chamada – Shema’.
5. A RELEVÂNCIA
A sociedade idealizada no Deuteronômio faz parte da pré-história da Igreja do Novo
Testamento. As diferentes teologias dos escritos do NT coincidem na circunstância de que em
suas afirmações centrais recorrem justamente ao Deuteronômio. A comunidade primitiva de
Jerusalém é caracterizada em At 2-5 especialmente a partir do modelo do povo de Deus do
Deuteronômio. At 3.22 comprova com Dt 18.15, 18 que Jesus Cristo é o “profeta” anunciado
por Moisés e que somente quem lhe der ouvidos permanecerá no povo de Deus. Além disso, em
At 4.34 concretiza-se o programa de ordem social deuteronômica de Dt 15.4: no Israel
messiânico congregado por Jesus não existem mais diferenças sociais.
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O Shemá Israel (Dt 6.4-5) é a norma fundamental da fé em Yahweh. Israel deve amar seu
Deus pela prática em que concretiza sua ordem social, a lei deuteronômica. O amor de Israel
para com seu “Único” e sua consequente “civilização do amor” origina-se do ouvir (amor ex
auditu). João acentua esse mandamento principal do “amor a Deus” (Jo 5.42) ou a Jesus (Jo
8.42), bem como a ligação dele com o cumprimento dos mandamentos (Jo 14.15, 21, 23; cf. 1Jo
5.2). A Toráh enquanto configuração concreta da salvação, sobretudo enquanto projeto da
dimensão social da salvação, continua sendo o coração da “nova aliança” (ver Jr 31.33 como
pano de fundo de Dt 30.1-14). No Sermão do Monte (Mt 5-7) tampouco proclama uma nova
Torah, e sim radicaliza a do Sinai. Seu cumprimento perfeito (cf. 5.48) – a justiça maior (5.20)
– realiza-se no seguimento de Jesus (Mt 5.17-20). A teologia da lei e a doutrina da justificação
em Paulo encontram suas premissas sobretudo no Deuteronômio, que já desenvolve a dialética
entre “lei e graça”. A novidade é que Paulo introduz nela o evento de Cristo como figura do
agir redentor de Deus e inclui também as nações na dimensão do povo de Deus da justificação.
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1. JOSUÉ
1.1 O General
O primeiro versículo do livro de Josué apresenta algumas informações a respeito deste homem
que empresta o seu nome ao livro. Josué era filho de Num, que primeiramente chamava-se
Oséias - Hoshea‘ - ([;veAh) que quer dizer “salvação” (Dt 32.44; Nm 13.8) e após a morte de
Moisés deu continuidade à procissão com destino à terra prometida. Parece que foi Moisés
quem adicionou o nome divino ao nome Oséias e passou a chamar este de Josué - Yehoshua‘ -
([;vuAhy>) que significa “salvação de Yahweh” ou “Yahweh é salvação”. O termo grego ’Iesous
(VIhsou/j), em português Jesus, deriva da contração aramaica Yeshua‘ ([;WvyE) conforme pode ser
verificado em Ne 3.19. Josué foi escolhido por Moisés para ser seu assistente pessoal. Logo no
início recebeu a incumbência de comandar um destacamento com a função de defender o povo
dos ataques amalequitas (Ex 17). Josué como representante da tribo de Efraim participou do
grupo dos doze que espionaram as terras de Canaã (Nm 13.8). Junto com Calebe foram os
únicos da geração do Egito que puderam entrar na terra prometida (Nm 14.30).
Josué foi consagrado sucessor de Moisés para liderar em instâncias políticas e militares o povo
paralelamente à atuação religiosa do sacerdote Eleazar (Nm 27.18-23). Josué já devia ter pelo
menos 70 anos e era mais novo que Calebe quando liderou os hebreus na conquista de Canaã.
Não foi um homem executivo burocrático, antes foi à frente de batalha e liderou o povo na
prática doando-se totalmente à sua missão, conquistar.6 O caráter de Josué faz parte da
mensagem teológica do livro. Sua atuação é retratada como um tipo de um reinado ideal, de
justiça, sabedoria, liberdade e lealdade a Yahweh em Israel. É o único personagem que como
herói político e militar no Antigo Testamento não tem sua biografia manchada por
desobediência e rebeldia contra o Senhor.7
O Livro de Josué descreve a conquista de Canaã pelas tribos de Israel sob a liderança do
general Josué e também a distribuição da terra entre as tribos. Este processo de tomada é
descrito como uma grande marcha de conquista militar. O conteúdo do livro consiste no
comprometimento de Josué e o povo hebreu com a Torah que observada garantia a posse da
terra. O livro pode ser dividido em três partes: 1º bloco → Js 1.1-12.24; 2º bloco → Js 13.1-
22.34; 3º apêndice → Js 23.1-24.33. Nos dois blocos principais do livro mostra-se como sob a
liderança de Josué, fiel a Yahweh, a terra é conquistada e distribuída entre as tribos. O apêndice
coloca em evidência a questão do relacionamento entre Deus e os hebreus sob a seguinte
alternativa: servir a Yahweh, ou aos deuses da terra, ou deuses estrangeiros. A seguir um
esboço do livro:
6
HOFF, Paul. Os Livros Históricos. São Paulo: Ed. Vida, 1996, p. 24.
7
LASOR, William S. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2002, p. 153.
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Apêndice – 23.1-24.33
Exortação à aliança com Yahweh: cap. 23
Firmando a aliança: 24.1-28
Notas finais: 24.29-33
A tradição atribui a autoria da maior parte do livro ao próprio Josué e a finalização da obra ao
sacerdote Finéias (24.33). É claro que Josué não pode ter composto todo o livro, pois há no
livro o relato de sua morte (24.29). A arqueologia não tem ajudado a esclarecer as dúvidas
quanto a conquista da terra ter ocorrido tal qual está no livro de Josué. Os dados arqueológicos
não podem servir como evidência decisiva para negar um núcleo histórico no livro de Josué
com relação, por exemplo, a conquista de Jericó. Em outros sítios da região de Jerusalém a
evidência não contradiz explicitamente o relato bíblico. Já as evidências de Ai mostram que o
relato da conquista desta cidade não tem natureza histórica, e explica-se esta contradição bíblica
como sendo uma lenda etiológica.8 No século XIX, a alta crítica considerava o livro de Josué
como uma extensão do Pentateuco através da busca das fontes literárias J (Javista), E (Eloísta),
P (Sacerdotal) e D (Deuteronomista) também em Josué. Na época recente, é a ligação entre
Josué e a obra Deuteronomista que tem sido objeto de atenção em detrimento da pesquisa das
fontes. Disto tem resultado que o material mais antigo encontra-se nos capítulos 1-12 que foi
compilado por um editor deuteronomista que deve ter acrescentado informações posteriores
8
Os hebreus que se instalaram no local das ruínas chamadas de ‘Ay (y[;), que em hebraico significa ruínas, destas
ruínas os colonos formaram a lenda da conquista de uma cidade cananéia naquele local pelo grupo de Josué. Ver:
MAZAR, Amihai. Arqueologia na Terra da Bíblia: 10.000 a 586 a.C. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 325-327.
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Devido à temática da terra em relação a Israel é possível defender que a redação essencial do
livro de Josué na forma como nos é apresentada tenha sido feita na época do exílio. Isto porque
depois de 586 a.C. Judá sem a condição de estado autônomo, surgiu a pergunta pela relação de
Judá e Israel com sua terra. Numa visão retrospectiva por meio de uma narrativa da conquista
da terra através de Josué propôs-se que a terra foi dada por Yahweh e devido Israel ter se
voltado a outros deuses, conseqüentemente a terra foi perdida. Seguindo as teorias de Martin
Noth, alguns chegam a dizer que esta narrativa da conquista sob o comando do sucessor de
Moisés, Josué, é fictícia.10 Porém, o que se pode dizer com certeza é que é muito difícil
estabelecer como se deu a formação de Israel tanto considerando o livro como histórico ou
fictício. Assim, não se pode separar a revelação de Deus da história real e de seu registro em
textos.11 É possível perceber que enquanto estudamos história podemos detectar grandes
verdades sobre experiência.
Não se trata de um simples relato de como Israel perdeu a terra, mas especialmente um plano de
como Israel pode reaver a terra que Yahweh havia dado. Assim, os sucessos das campanhas de
Josué são explicados pela sua fidelidade a Yahweh é e observância da Torah. Josué descrito
como servo de Yahweh e comprometido com a Torah é uma antítese que dispensa a figura de
um rei para a libertar Israel.
A data da entrada na terra e início da invasão pode variar segundo os dados bíblicos entre os
anos de 1408 a 1250 a.C. Dentro deste período a poderosa XVIII dinastia do Egito que
dominou por muito tempo as cidades-estado cananeias havia chegado ao fim e a dinastia
seguinte continuou a enfraquecer-se. Este arrefecimento do poder Egípcio pode ser visto nas
Cartas de Amarna onde os reis cananeus pedem ajuda a Faraó contra exércitos que estavam
devastando as terras no século XIV a.C. Estes invasores mencionados podem ser exatamente o
grupo de Josué se adotarmos a data mais antiga para o êxodo em 1446 a.C. e a entrada na terra
em 1408 a.C. As Cartas de Amarna também mencionam os ’apirus, um povo ou sujeito social
que eram conhecidos por suas ações mercenárias no Antigo Oriente Médio. Embora seja
interessante identificar os ’apirus com os hebreus, não é possível encontrar na maioria das
referências elementos que indiquem alusões aos hebreus. O que se pode dizer é que a lacuna
imperial neste período deixou as cidades cananeias sem a ajuda egípcia, e assim a conquista
seria bem mais possível.
9
Alguns exemplos podem ser fornecidos para indicar uma redação antiga: a principal cidade fenícia era Sidom
(13.4-7) mas depois era Tiro; o santuário ainda não tinha localização permanente (9.27); os gibeonitas ainda eram
servos inferiores no santuário (9.27, cfr. II Sm 21.1-6); os jebuseus ainda ocupavam Jerusalém (15.8, cfr II Sm 5.6-
10); topônimos antigos são usados e necessitam de interpretação (15.9).
10
ZENGER, E. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Loyola, 2003, p. 174-175.
11
LASOR, William S. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2002, p. 156.
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18 e Dt 9.4, essas práticas eram passíveis do julgamento de Yahweh e este poderia usar vários
meios para efetuar o seu julgamento, quer fosse semelhante ao de Sodoma e Gomorra, quer
fosse usando os hebreus. Estes aspectos da cultura e religião cananeia certamente não deveriam
ser assimilados pelo povo hebreu. Isto talvez explique a violência contra os cananeus contida
no livro, pois a limpeza étnica-cultural-religiosa poderia propiciar um ambiente ideal para a
formação do povo de Deus. Apesar de ainda assim ser constrangedora, esta explicação encontra
eco no resultado da história. Israel acabou por não cumprir a aniquilação, fez alianças com reis
cananeus e acabou por aderir às práticas religiosas pagãs e recorrendo a divindades cananeias,
que de acordo com a mensagem dos profetas ocasionou o julgamento de Yahweh através do
exílio.
Muito tempo antes Yahweh havia prometido a Abraão que sua descendência herdaria uma terra.
A promessa foi transmitida até chegar em Josué que iniciou a tomada da terra. O conceito de
promessa e cumprimento tem lugar de destaque na história de fé de Israel. Desde a libertação da
escravidão do Egito, Deus cumpriu o que prometeu aos hebreus. Isto era sempre lembrado
pelos profetas quando exortavam o povo a voltar para o seu Deus. O monoteísmo é uma
proposta evidente no livro de Josué. Israel deve adorar somente uma divindade e nem qualquer
uma, só Yahweh, o Deus da dádiva da terra. Se caso optasse por cultuar outros deuses perderia
direito a terra. Alienado à promessa da terra estava o comprometimento com a Torah de
Yahweh que regulava não só a relação entre a divindade e o povo, mas entre o próprio povo. A
igualdade e solidariedade oriundas da justiça e misericórdia era o propósito antitético à
sociedade de classes tributária do Antigo Oriente Médio. A fidelidade aos estatutos javistas
proporcionaria o Descanso na terra. Este descanso consistia no fim da opressão, das angústias
do deserto, da violência da guerra. Como povo de Deus, Israel deveria experimentar a shalom.
Esta perspectiva do descanso desenvolveu-se como símbolo profético do descanso que Jesus
Cristo dá aos seus discípulos (Hb 4.1-11).
A promessa, o monoteísmo, o descanso, a terra, e as vitórias na guerra podem ser vistas sob
uma perspectiva de esperança para o povo que é fiel a Deus, a saber: contra qualquer estimativa
de poder humano, não há poderes terrenos capazes de resistirem a Yahweh e por conseguinte ao
povo fiel.
No cap. 2 os espiões que Josué enviou a Jericó entraram na casa da prostituta Raabe que
morava nos muros. Porque estes homens foram para a casa de uma prostituta? Provavelmente
porque sua identidade poderia ficar oculta num lugar de comum parada de viajantes. Todavia,
os espiões foram logo descobertos, cabendo a Raabe protegê-los.
A proteção de Raabe se deu com uma mentira, e pode ser intrigante o fato de que ela e sua
família foram poupadas na destruição de Jericó. O texto não diz que Deus aprovou sua mentira,
mas que ela foi abençoada por sua profissão de fé no Deus de Israel (v. 9-13) e poupada por ter
dado segurança aos espiões. Pode-se dizer que todos os cidadãos de Jericó que confessassem o
Deus de Israel como fez Raabe também seriam poupados. Quanto à mentira de Raabe, não foi
ela quem causou a destruição da cidade. A cidade já estava condenada por Deus, e Raabe
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demonstrou sua fé entregando a cidade para a destruição. A mentira em alguns textos do Antigo
Testamento tem sentido diferente de hoje.12
Na teofania em 5.13-15 o comandante do exército do Senhor mostra que a vitória não será de
Josué nem do povo, mas do próprio Deus que se empenha em realizar sua obra. Sem Deus,
Josué e o povo não poderiam ter conquistado Jericó. O general Josué age como servo ao
reconhecer a presença de Deus.
Na guerra entre os gibeonitas e os reis amorreus no cap. 10, Josué orou ao Senhor e o sol e a lua
se detiveram até que a vitória ocorresse v.12-15. É um evento literal ou figurado? Certo é que
naturalmente o sol não deve ter parado, pois este não gira em torno da terra e sim o contrário.
Mas para o hebreu era o sol que girava. Há vários relatos folclóricos sobre um dia em que o sol
não se pôs. Não é possível saber se estas lendas se reportam ao mesmo evento narrado aqui. O
que o texto deixa claro é que a vitória foi executada pelo Senhor que: os feriu e os perseguiu,
fez cair uma chuva de pedras tão devastadora que o número de mortos foi muito maior que os
que morreram pela espada v.10-11. O que pode ser defendido pela tradução literal do texto e
análise da poesia como sentido figurado é que o pedido era que o calor do sol não castigasse ou
sua luz fosse suave para garantir a vitória.
12
Para um estudo mais aprofundado sobre a mentira no Antigo Testamento, ver: GUSSO, Antonio Renato. A
Mentira no Antigo Testamento. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro, STBSB, 2003.
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em Siquém não é, pois, se querem optar por este ou por aquele Deus; e sim se querem decidir-
se entre os deuses imóveis e sujeitos a um determinado território, ou o Deus que está sobre
todos os pontos geográficos. Esta exposição recorda o Decálogo e sobre tudo o primeiro
mandamento.
Esboço
1. Uma decisão fundamental.
2. Uma decisão interior.
3. Uma decisão responsiva.
Uma renovação total e urgente é necessária no mundo para o fim da exclusão social e violência
causada por pessoas sem Deus. Mas toda renovação começa com uma tomada de posição e
uma clara decisão: o que devemos fazer, o que queremos fazer. Com a avalanche de idolatria,
de falsos líderes e movimento de secularização dos valores sagrados, a igreja, o povo de Deus,
está diante da alternativa de optar novamente pelo Deus da história, da vida e da salvação, ou
deixar-se arrastar por pelo secularismo idólatra que destrói e exclui.
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2. JUÍZES
2.1 Os Libertadores
Após a morte de Josué, o período subseqüente foi marcado por grande desorganização,
desavenças e derrotas. Mas, no livro de Juízes quando o povo clamava ao Senhor, ele levantava
juízes – líderes – capazes de livrar o povo das mãos dos opressores (Jz 2.16). Estes juízes são
pessoas especiais, revestidos do poder de Deus, líderes carismáticos, fazem algo extraordinário.
A liderança dos juízes não era transmitida para os filhos. Para que alguém pudesse ser
considerado um líder, Deus tinha que deixar claro que estava com ele. A palavra shofet (jp.vo)
designa alguém que dispensa justiça, que pune o malfeitor e vindica o justo. Este heróis tribais
foram chamados de shofetym (~yjip.vo) que significa juízes, mas devido à sua principal atuação
foram algumas vezes chamados de moshya‘ ([;yviAm) que significa “libertador”. Considerando
que nem todos os juízes julgaram, mas que todos atuaram livrando o povo dos inimigos,
libertadores seria a melhor tradução para o nome deste livro.
O livro dos Juízes descreve o período posterior à ocupação da terra de Canaã pelas tribos de
Israel e anterior ao surgimento da monarquia. Este tempo é comumente denominado de a época
dos “juízes”, ou seja, dos líderes das tribos.O conteúdo do livro apresenta uma divisão de três
partes: Introdução → Jz 1.1-3.6; Os Juízes → Js 3.7-16.31; Relatos → Jz 17.1-21.25. A seguir
um esboço do livro:
Relatos – 17.1-21.25
Mica e seu sacerdote: 17.1-13
A migração da tribo de Dã: 18.1-31
O ultraje em Gibeá: 19.1-30
Guerra entre Benjamin e Israel: 20.1-48
A reconciliação das tribos: 21.1-25
A tradição judaica atribui a autoria do livro a Samuel. Porém nada há no livro que indique
claramente esta atribuição. É mais correto entender que a autoria é anônima. A data da
composição da maior parte do livro deve ser o período da monarquia. É claro que há textos
contemporâneos aos juízes, por exemplo, o cântico de Débora 5.2-31. Mas o livro só poderia ter
sido finalizado pelo menos duzentos anos depois. Alguns acham que se deu no início da
monarquia, na época de Saul e disto sustenta-se a hipótese tradicional da autoria de Samuel. A
expressão “Naqueles dias não havia rei em Israel” encontrada em Jz 17.6; 18.1; 21.25 indica
com certeza a composição da maior parte do livro durante a monarquia.
Canaã era uma terra formada principalmente por montanhas e vales e conseqüência disto é que
esta região favorecia o assentamento de um grande número de cidades estados e não a
integração de um povo. A geografia da região produzia isolamento ao invés de comunicação.
Diante destas dificuldades, não foi possível aos hebreus conquistarem de uma vez e nem
totalmente a terra de Canaã. Alguns povos permaneceram na terra durante este período, e a
explicação teológica para isto é que eles foram deixados na terra a fim de provar a fidelidade
dos hebreus a Deus (3.1). Os povos deixados na terra de Canaã não eram somente cananeus,
mas também havia heteus, amorreus, ferezeus, heveus, jebuseus.
A geografia, as lutas contínuas com os outros habitantes e as tensões internas entre as tribos são
elementos que compunham o quadro do povo hebreu no tempo dos juízes. As tribos eram
formadas por agrupamentos de vilas ocupadas por clãs que eram compostos por várias famílias.
A estrutura social era igualitária e não hierárquica. A associação das doze tribos tinha como
fator unificador a aliança que Deus havia feito com seu povo.
Durante e depois do exílio babilônico surgiu a pergunta de como a terra poderia continuar
sendo governada sem a instituição da monarquia. Os deuteronomistas mostram como o Espírito
de Yavé agiu sobre determinados homens e mulheres capacitando-os a dirigir e livrar o povo
em tempo de crise. A era dos juízes representa para os deuteronomistas o modelo contrário
ideal ao tempo da monarquia, que para eles tinha conotação negativa.
O livro de Juízes mostra como Yahweh, pela mediação de pessoas por ele incumbidas, interfere
na história em tempos de crise e reverte a crise em benefício do seu povo. Estas crises na
história do povo de Deus são provocadas pela rebeldia deste contra Yahweh e sua adoração a
outras divindades. A paz e a salvação no livro de Juízes pressupõe uma radical monolatria a
Yahweh. Ao longo de todas as histórias isoladas do livro sempre se retoma a salvação do povo
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de Deus. Aos que renegam a idolatria e retornam a Yahweh, ele não nega sua salvação. Apesar
de os juízes livrarem o povo é obvio na mente dos autores que Deus é quem salvava o povo.
Todas as pessoas que se dispuserem a servir Deus podem ser usadas por ele. Embora alguns
juízes não têm um comportamento adequado ao cristianismo, a revelação gradual da pessoa e
da vontade de Deus pode esclarecer estas dificuldades.
2.6 Os Juízes
Otniel – parente de Calebe, livrou os hebreus de Cusã-Risataim da Mesopotâmia;
Eúde – homem de confiança em Israel, muito corajoso e de muita fé;
Sangar – um nome estrangeiro;
Débora e Baraque – juíza e profetiza, mulher de Lapidote (4.4) que significa relâmpagos,
provavelmente o soldado Baraque era seu marido, pois a palavra lapidote parece referir-se
ao temperamento de Débora e equivocamente considerado o nome de um homem.
Gideão – livrou Israel dos midianitas; o perigo neste tempo era tão grande que encontramos
Gideão batendo o trigo no lugar chamado lagar. No lagar pisava-se uvas e o trigo era
batido ao vento.
Abimeleque – “meu pai é rei”, um aventureiro, matou 70 de seus irmãos, governou uma parte
de Israel, machista ao extremo que foi morto por uma mulher.
Jefté – um renegado, filho ilegítimo de Gileade, criado no meio de povo estrangeiro, foi
incumbido de defender o povo por se um líder.
Sansão – o mais espetacular dos juízes, seu nome tem relação com o “sol” e deve ter sua
origem em outra língua que não a hebraica, atuou durante 20 anos, matou muitos filisteus,
nazireu não podia cortar o cabelo, nem comer uvas e seus derivados, e nem tocar em
corpo morto.
3. 1 e 2 SAMUEL
Os livros de I e II Samuel originalmente eram somente um, e a divisão atual talvez seja do
início da era cristã. A LXX (Septuaginta) também apresenta uma divisão, mas trata os livros de
Samuel e Reis como partes de uma única obra chamada o livro dos Reinos. Na Vulgata são
denominados I, II, III e IV Livro dos Reis. Nesta disciplina estudaremos os livros conforme a
divisão cristã atual, ou seja, os livros de I e II Samuel serão estudados separadamente de I e II
Reis. Estes livros têm como propósito registrar o início da monarquia, mostrando as carreiras de
Samuel, Saul, Davi e Salomão.
3.1 Os Personagens
Em I e II Samuel três personagens são tratados como os protagonistas dos relatos. Os três têm
ligação entre si devido ao tempo a que se refere o relato. Estes personagens são: o próprio
profeta Samuel que dá nome ao livro, Saul que se tornou o primeiro rei de Israel e Davi, o
maior e mais emblemático rei de Israel. Samuel pode ser considerado o fundador da monarquia,
Saul, o tirano infiel, enquanto Davi, o rei ideal, ou seja, um rei verdadeiramente teocrático.
As histórias dos eventos da vida de Samuel, de Saul e de Davi, bem como os relatos que
destacam a Arca da Aliança foram tecidos em círculos ou seções que levam adiante a narrativa
desde o tempo dos juízes até o estabelecimento do reino de Davi. A variedade de círculos
narrativos pode ser exemplificada através das várias fontes usada pelo autor: Narrativas de
Samuel, Natã e Gade (I Cr 29,29); as Crônicas de Davi (I Cr 27,24); Livro dos Justos (II Sm
1,18); e também pela tradição oral.
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É possível destacarmos alguns temas teológicos recorrentes nos livros de Samuel a partir da
perspectiva do exílio, que propõe que a monarquia não havia feito bem para Israel devido a seu
afastamento de Deus e de suas mudanças sociais. Por outro lado, se considerarmos as narrativas
sobre Davi que são perfeitamente favoráveis ao reinado davídico, será possível tratar o texto
como uma apologia à monarquia sob a dinastia de Davi. Com o fim da monarquia em 586 a.C.
as esperanças foram orientadas para um rei salvador prometido por Deus que deveria ascender
da casa da Davi, porque a dinastia davídica jamais desapareceria (II Sm 7). Na dinâmica da
história deuteronomista fica evidente sua noção de que a história transcorre sob a direção de
Deus, a tal ponto que até mesmo os poderosos devem se submeter a esta realidade. Se Saul,
Davi ou Samuel não reconhecerem que Deus governa tudo e todos, certamente perderão suas
posições de poder. Isto fica claro no exemplo de Saul. A decadência do reinado de Saul parece
preparar a idéia do grande reinado de Davi e Salomão. Em decorrência disto, Jerusalém ganha
lugar de destaque em relação ao Norte (Shilóh).
4. 1 e 2Reis
Os livros dos Reis na realidade constituem um único livro. A subdivisão em dois livros,
mediante o corte após 1Rs 22:54, não se justifica sob o aspecto do fluxo narrativo, porque por
meio dela se interrompe a história de Acazias de Israel nas partes 1Rs 22:52-54 e 2Rs 1:1-18.
Essa subdivisão é encontrada pela primeira vez na LXX, motivada pela extensão do livro, e
foram denominados 3º e 4º livro dos Reinos. A partir da LXX a bipartição foi adotada pela
Vulgata e somente depois introduzida nas Bíblia hebraicas nos séculos XV e XVI. O conteúdo
geral deste bloco são relatórios das carreiras dos reis de Judá e Israel, desde Salomão até a
invasão babilônica.
4.1 Tema/Mensagem
Nos Livros dos Reis o sucesso esta relacionado diretamente com a fidelidade a aliança com
Deus. Pode-se tirar quatro princípios que são ilustrados nas narrativas de Salomão, Jeroboão,
Elias e Josafá.
A ambição egoísta afeta os outros: Salomão é o modelo de fracasso por ter agido por
iniciativa própria e para sua própria vantagem. A nação foi espiritualmente afetada,
moralmente degradada e dividida politicamente.
Conduta ímpia corrompe a outros: Jeroboão é o modelo do fracasso real que atinge o povo.
Um profeta disse a esposa de Jeroboão que Deus desistiria de Israel por causa dos pecados
de seu esposo, que ele “cometeu e tem feito Israel cometer” (1Rs 14:16, 15:26,30,34). Se o
rei peca, ele leva seu povo a pecar da mesma forma.
Testemunho corajoso inspira outros: Elias e sua coragem ao enfrentar os profetas de Baal é
uma ilustração vívida da confiança em Deus que deve ter o povo de Deus.
Santidade pessoal enriquece a outros: Josafá, um rei piedoso de Judá, que buscava
glorificar a Deus, certa vez ajudou a Jeorão, rei de Israel que estava em guerra com os
moabitas. O profeta Eliseu deixou claro que a fidelidade de Josafá seria honrada por Deus
apesar da infidelidade de Jeorão (2Rs 3:14).13
4.2 Fontes
Livros dos Atos de Salomão: 1Rs 11:41
Livros das Crônicas dos Reis de Judá: 2Rs 20:20
Livros das Crônicas dos Reis de Israel: 2Rs 13:8
Isaías 36-39: 2Rs 18-20
4.3 Estrutura
Os livros dos Reis iniciam a narrativa nos últimos dias de Davi (1Rs 1) e delineiam, passando
pela sucessão no trono e pela subdivisão do reino depois da morte de Salomão, um quadro dos
dois reinos, agora divididos, Israel e Judá, até a ruína de cada um deles (ruína de Samaria: 2Rs
17; ruína de Judá: 2Rs 25). Os livros dos Reis podem ser desmembrados em três partes
13
BROWN, Raymond. Entendendo o Antigo Testamento: esboço, mensagem e aplicação livro por livro. São
Paulo: Shedd Publicações, 2004, p. 71-82.
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principais: o reinado de Salomão (1Rs 1-11), a história dos reinos divididos (1Rs 12-2Rs 17) e
a história dos reis de Judá (2Rs 18-25).
4.4 Formas
As narrativas reais em sua maioria obedecem a uma moldura padrão característica para a
historiografia dos reis de Judá e Israel:
Reis de Judá Reis de Israel
Introdução: Introdução:
Datação sincrônica Datação sincrônica
Idade ao assumir o trono
Duração do governo Duração do governo
Nome da mãe do rei
Avaliação teológica Avaliação teológica
Conclusão: Conclusão:
Localização de fontes Localização de fontes
Nota de falecimento Nota de falecimento
Local de sepultamento
Sucessor Sucessor
4.5 Os Profetas
Uma segunda característica dos Livros dos Reinos é a apresentação de profetas e suas atuações,
dentre os quais podemos destacar alguns: Aías de Siló (1Rs 11:29-40; 14:1-18), Miquéias,
filho de Imlá (1Rs 22:5-28), Elias (1Rs 17-19, 21, 2Rs 1:1-2:18), Eliseu (1Rs 19:19-21, 2Rs 2-
9, 13:14-21), Isaías (2Rs 18-20 = Is 36-39). Os profetas nestes livros são especialmente as
pessoas enviadas por Deus aos reis, que anunciam a destruição do rei e da terra.
5. 1 e 2Crônicas
Os livros das Crônicas na realidade constituem um único livro. A subdivisão em dois livros é
encontrada pela primeira vez na LXX, talvez motivada pela extensão do livro. O título hebraico
divrey hayamim (~ymiy;h; yrEEb.d)i que significa “assuntos dos dias, cosias dos dias, coisas que
aconteceram no passado, eventos do tempo” caracteriza a obra como descrição histórica. A
LXX designou o seguinte título paraleipomena (paraleipomena) que indica “coisas deixadas de
lado, omitidas, ocultas” com o sentido de “coisas acrescentadas.” A Vulgata denominou o livro
pelo termo “crônicas” através de uma sugestão de Jerônimo. O tempo descrito nos livros das
Crônicas estende-se do início da história humana à viabilização do recomeço após o exílio
babilônico. Apesar de ter como base os livros de Samuel e Reis, as Crônicas não são simples
comentários destes. Antes, constitui-se numa obra independente que utiliza fontes bíblicas e
extra-bíblicas.
5.1 Tema/Mensagem
O templo constitui o centro gravitacional da exposição cronista e da sua teologia. A mensagem
desta obra pode ser reduzida a dois versículos que a sintetizam: 1Cr 17.12 e 2Cr 7.14. Cada um
é colocado num contexto de revelação divina a Davi e Salomão. Davi leva o povo de Israel a
adorar a Deus. Observando a atuação do próprio Davi, deve-se procurar meios de melhorar a
sua adoração. O êxodo está direcionado para a construção do templo (2Cr 6.5-11). As
conquistas de Davi estabelecem Jerusalém como o local do templo lugar sagrado. Salomão é
eleito o construtor do tempo e organizador do culto. Uma lição da história é inicia-se na
narrativa de Salomão “o povo que honra o Senhor terá sucesso”, porém ao fim do livro
percebe-se que a queda do povo é resultante de governantes e um povo que se desviam do
Senhor.
5.2 Fontes
Livros das Crônicas de Samuel: 1Cr 29:29
Livros das Crônicas de Natã: 1Cr 29:29
Livros das Crônicas Gade: 1Cr 29:29
Livros da História de Natã: 2Cr 9:29
Profecias de Aías: 2Cr 9:29
Visões de Ido: 2Cr 9:29, 12:15, 13:22
Relatos de Semaías: 2Cr 12:15
Relatos de Jeú: 2Cr 20:34
Livro dos Reis de Israel e Judá: 2Cr 27:7
Livro das Histórias dos Reis de Israel e Judá: 2Cr 24:24
Profecias de Isaías: 2Cr 26:22
o livro foi composto entre 450 a 425 a.C. Se não, deve-se considerar o tempo entre o fim do
século VI até o século II a.C. como possibilidade para a data da composição.
5.4 Estrutura
O livros das Crônicas pode ser apresentado por um esquema bem simples, porém bastante
relevante:
Em relação ao reino do Norte, as Crônicas parecem assumir uma atitude de abertura, pois
parece preservar o ideal das doze tribos, mesmo que centralizadas em Jerusalém. Isso pode
indicar que não há neste momento a luta contra os samaritanos, e sim advertência contra o
perigo da influência helênica predominante no IV século a.C.
6. Rute
O livro de Rute está na divisão canônica dos Escritos na bíblia Hebraica, era lido no dia de
Pentecostes, no culto judaico, a festa da colheita e da entrega da Lei (Torah). A defesa da
leitura deste livro durante a festa de Pentecostes se dá desta forma: o livro de Rute fala de
colheita, da cevada e do trigo (1:22; 2:23); Davi, o bisneto de Rute faleceu numa festa de
Pentecostes; a conversão de Rute ao judaísmo é apropriada à festa que celebra a dádiva da
Torah; a fidelidade de Rute simboliza a fidelidade de Israel para com a Torah; o verdadeiro
cumprimento da Torah está na prática do amor ao próximo (Lv 23:19-22).
Nos nomes, os seu significados tem relação com cada momento do livro:
Belém (betlehem - ~x,l, tyBe): Casa de Pão região muito produtiva;
Elimeleque (%l,m,ylia/): meu Deus é rei;
Noemi (ymi[\n"): agradável, amável, prazer, doçura, deleitável;
Malom (!AlÜx.m;): alegria, canção, a raiz significa enfraquecer, doente, franzino;
Quiliom (!Ayl.ki): pereceu, da raiz: definhamento, ser destruído;
Orfa (hP'r>['): nuca;
Rute (tWr): graciosa, amizade
Mara (ar'm'): amargura;
Boaz (z[;Bo): há força nele;
Obed (dbeA[): servo;
Na geografia, os movimentos dos personagens do livro sempre revelam a volta para casa, para a
família, para a terra. A conclusão mostra que a casa é o centro da história.
Nas palavras, há uma determinada repetição em cada seção que indica o tema predominante: a
palavra “voltar” ocorre doze vezes em 1:6-22. A frase “catar a sobra da colheita” ocorre doze
vezes em 2:2-23. A palavra “resgatar” ocorre sete vezes em 3:9-13, e a seguir, em 4.1-8 ocorre
quatorze vezes. A palavra “nome” sete vezes em 4:5-17.
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6.3 Estrutura
O livro de Rute pode ser apresentado por um esquema bem simples, porém bastante relevante.
Começa com a descrição da opressão em que vive o povo e termina com a descrição do final
feliz que o povo espera realizar. Entre os dois pólos está a caminhada da reconstrução do povo:
Se partirmos da perspectiva de Noemi, que perdeu seus filhos e está ameaçada pela “morte no
meio da vida”, é uma ilustração do povo de Deus no exílio e/ou imediatamente posterior ao
exílio, que alcança a plenitude da vida pela solidariedade de Rute, a novela tenciona ser uma
história de esperança para Israel. Ou seja, o Deus doador da vida tem o objetivo de se revelar
em pessoas doadoras da vida. A estrangeira Rute, que age com coragem e sensibilidade, é
modelo dessa verdade de Deus.
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Em outra perspectiva, a genealogia no final do livro pontua Davi, e nesse sentido Rute entra
para a galeria das mães de Israel. O livro pode então ser uma elaboração de como chega o
nascimento do messias: pela prática da solidariedade cotidiana, de acordo com o exemplo de
Rute. No momento e lugar em que isto acontece, Israel pode ter esperança de que está nascendo
o go‘el (laeg)O “o resgatador” que realiza o direito dos injustiçados e traz vida aos pobres.
Apesar do primeiro versículo do livro de Rute indicar que a história se passa no tempo dos
juízes, não quer dizer que o livro foi escrito neste período. Muito já se discutiu sobre a época da
escrita do livro e as hipóteses variam desde o tempo de Samuel até depois do exílio. Todavia,
devido as comparações feitas entre as afirmações do livro com as épocas da história de Israel,
os pesquisadores recentes tem concluído que o livro foi escrito durante o século V a.C., mais ou
menos 100 anos após o fim do exílio babilônico. Para esta afirmação seguem os argumentos
principais:
● Os problemas que marcaram a situação do povo no livro de Rute são os mesmos do
povo da Palestina no V século a.C.: desapropriação das terras dos pobres pelos ricos (Ne
5:1-5); problemas com a observância da lei do resgate (Ne 5:8-11); problemas com
casamento com estrangeiras (Ed 9:1-2; 10:2-10); Ne 13: 23-27); problema da
desintegração das famílias, dos clãs (Ne 7:4-5).
● O pensamento do livro de Rute é o tem o mesmo delineamento de outros livros do
período exílico e pós-exílico (Jô, Jonas e Isaías 40-66): o universalismo da fé em Deus; a
esperança do novo Davi; o sofrimento e a retribuição; o “servo sofredor”.
● A forma de escrita do livro, na opinião de muitos hebraístas, é característica da época
pós-exílica.
A época do procedente do exílio babilônico tinha deixado os que retornaram para a terra com a
esperança de reconstruir o povo, já que os que ficaram não conseguiram reconstruir Jerusalém,
mesmo morando nos arredores. A esperança não se concretizou, os conflitos aumentaram (Ne
5:1-5). A pobreza era cada vez maior (Ag 1:6). Na busca de resolver os problemas, houve três
propostas diferentes, cada qual com sua própria maneira de ver a situação, a missão e a
organização do povo.
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Zorobabel e o sacerdote Josué (Ed 3:1-3) tentaram reconstruir o altar e o templo de Jerusalém
com o apoio dos profetas Ageu e Zacarias (Ag 1:12-15; Zc 4:6-10). Para eles o sofrimento do
povo era devido ao abandono do povo em relação ao altar e ao templo em ruínas (Ag 1:3-11).
Esdras, um escriba de muita capacidade, atribuía a causa dos males do povo à influência dos
costumes pagãos inseridos no meio judeus por causa do casamento com mulheres estrangeiras
(Ed 9:1-2; 10:2-10). Para resolver o problema era necessário a observância da Lei (Ne 8:1-8) e
o fim dos casamentos mistos (Ed 10:3-11).
Neemias, sensível aos problemas do povo, exigiu que os ricos devolvessem aos pobres as terras
roubadas e perdoassem as dívidas acumuladas (Ne 5:7-13). Além disso, tentou reconstituir as
famílias, os clãs, e cuidou da segurança reconstruindo as muralhas de Jerusalém (Ne 2:11-3:38;
5:16). Tudo indica que Neemias observava a reconstrução do povo através da lei do ano jubilar.
Esta lei mandava que a cada 50 anos, se desfizessem todas as dívidas e todas as compras e
vendas de terras (Dt 15:1-11; Lv 25:1-34). Neemias queria que os ricos andassem no temor de
Deus, observando a sua lei (Ne 5:9).
Estas três propostas ou tendências, muitas vezes misturadas entre si, são o contexto e o quadro
referencial mais amplo, dentro do qual surge o livro de Rute.
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7. Esdras-Neemias
Esdras e Neemias formavam inicialmente um único livro. A separação se deu num segundo
momento e foi motivada pela incisão em Ne 1:1 que trás o título de “memórias de Neemias” até
7:73 e os capítulos 11-13. Nesse caso, as memórias de Esdras iniciam em Esdras 7-10 e
terminam em Neemias 8-10. O Cânon Hebraico provavelmente considerava os dois livros como
uma única obra, pois, Esdras é encerrado sem as devidas notas massoréticas finais, e a
contagem do total dos versículos aparecem somente no fim de Neemias e se refere aos dois
volumes. A divisão não deve ter ocorrido antes do século XV d.C., e provavelmente os círculos
cristãos.
Os nomes dos livros e o número dos escritos atribuídos a Esdras são diferentes na Bíblia
hebraica e nas tradições antigas:
Bíblia Hebraica Septuaginta Vulgata Edições Modernas
Esdras Esdrasb 1Esdras Esdras
Neemias Esdrasg 2Esdras Neemias
Esdrasa 3Esdras 3Esdras*
Esdras 4Esdras 4Esdras*
* Estes textos não estão incluídos nas bíblias católicas e protestantes.
a) a primeira parte do livro, os caps. 1-6 têm Zorobabel (Semente da Babilônia), o governador –
Pehah: termo persa para governador – que comandou o primeiro grupo dos que voltaram para
Judá após o exilo babilônico. Como descendente da linhagem real de Davi (1Cr 3:16-19) foi
símbolo de esperança para os judeus e lançou os fundamentos do novo templo, ainda,
baseando-se em Zc 4:9 pode-se dizer que também completou a edificação deste. Zorobabel e
seu grupo tiveram que enfrentar o grande desafio de iniciar a reconstrução da cidade e do
templo. Estes capítulos compreendem cerca de 20 anos.
b) nos caps. 7-10, porém com um intervalo de 60 anos após o cap. 6, ou seja, 80 anos após o
retorno do primeiro grupo, agora com o segundo grupo que retorna, temos um sacerdote e
especialista na lei judaica chamado Esdras (Ed 7:1-6), cujo nome dá título ao livro e parece
significar “Deus é auxílio” ou “Aquele a quem Yahweh ajuda”.14 Esdras e seu grupo
enfrentaram decididamente o problema dos casamentos mistos no meio de todo o povo, apesar
das duras conseqüências sociais disto.
“Estes dois líderes enfrentaram problemas humanamente insolúveis mas foram bem sucedidos
porque tratavam de fazer aquilo que era a vontade de Deus. Com certeza, também nos dias
14
GASS, Ildo Bohn. Uma Introdução à Bíblia: Exilo Babilônico e Dominação Persa – vol. 5. São Leopoldo/São
Paulo: CEBI/Paulus, 2004, p. 119.
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atuais, a boa mão do Senhor continua sobre aqueles que estão prontos para obedecer às suas
ordens.”15
Não há consenso a respeito da segunda questão. De acordo com Ed 7.7, Esdras vem a
Jerusalém no 7º ano do rei Artaxerxes. Presume-se que seja Artaxerxes I Longimano (465-425).
Nesse caso, a missão de Esdras teria iniciado em 458 a.C. Segundo Ne 2.1, a missão de
Neemias ocorreu no 20º ano presumivelmente do mesmo rei Artaxerxes, ou seja, em 445. Há
muitas dúvidas sobre a precedência de Esdras, das quais as mais importantes são:
1 – Esdras veio para implantar a lei entre o povo judaíta (Ed 7), mas Neemias teve que
investir muita energia para impor diversos preceitos da lei (Ne 13).
2 – Os casamentos mistos dissolvidos sob Esdras (Ed 9-10) continuam existindo na época
de Neemias (Ne 13).
3 – Esdras encontrou a cidade de Jerusalém já populosa (Ed 10.1), enquanto que, de acordo
com Ne 7.14, ainda havia poucos habitantes.
4 – Ed 9.9 parece pressupor o final da construção dos muros.
5 – Para seu projeto de repovoamento de Jerusalém, Neemias toma por base uma lista de
repatriados (Ne 7) que ainda não inclui os que retornaram sob Esdras (Ed 8); também na
reconstrução dos muros (Ne 3) estes não teriam participado.
6 – Conforme Ne 11.16; 13.13, Neemias designou tesoureiros para o templo, no tempo de
Esdras, eles já existiram (Ed 8.33).
Estes argumentos levaram muitos a pensar que Esdras veio a Jerusalém no 7º ano de Artaxerxes
II (404-359), ou seja, em 398. Contra essa hipótese levantou-se o argumento de que, conforme
os papiros de Elefantina, a páscoa estava regulada já em 419 a.C. pressupondo, portanto, a
implantação de lei de Esdras. Além disso, deve-se perguntar por que o cronista teria colocado a
15
GUSSO, Antonio Renato. O Livro de Esdras. Apostila do Autor.
16
KILPP, Nelson. Esdras e Neemias. em: RIBLA (Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana), nº 52, vol.
3, 2005, pp. 178-179 [562-563].
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missão de Esdras antes da de Neemias, uma vez que, em sua época, ele ainda podia ser
facilmente questionado pelos seus leitores, pois certamente perceberiam o erro.
Há os que admitem que Esdras e Neemias atuaram simultaneamente como se pode deduzir dos
três textos nos quais estão juntos: Ne 8.9; 12.26; 12.36. Porém nenhum nem outro refere-se a
atuação do outro, eles nem tomam conhecimento um do outro. Além disso, mesmo com
atribuições distintas, os poderes de ambos são muito semelhantes, de modo que uma
simultaneidade teria provavelmente redundando em conflito.
7.1.5 A Mensagem:
Seguindo o modelo estrutural Raymond Brown também dividiu a mensagem em duas partes
correspondentes a cada bloco estrutural:
I – Nos caps. 1-6 três princípios relativos ao trabalho para nosso Deus podem ser lembrados:
a) o trabalho de Deus exige pureza: referente à recusa da ajuda dos samaritanos da
parte dos exilados que voltaram;
b) o trabalho de Deus provoca oposição: referente aos artifícios criados com o
intuito de atrapalhar a reconstrução do Templo por grupos avessos ao projeto de
reconstrução;
II – Nos caps. 7-10 algumas qualidades do servo de Deus, o sacerdote e escriba chamado
Esdras:
a) um homem de fé: referente à recusa da escolta militar persa para a viagem até
Jerusalém (8:22,31;
7.2.1 O Personagem
7.2.4 A Mensagem:
Visto que o livro narra um período em que a reconstrução dos muros da cidade de Jerusalém
era de primordial importância, é no que se há para fazer, ou, na missão a ser realizada, que o
livro se concentra. O livro de Neemias indica que devemos fazer o trabalho de Deus por
completo, para servirmos alegremente ao lado de outros cristãos, para sermos fortes e resolutos
quando há oposição, para nos entregarmos a ele em obediência amorosa e constantemente
conservarmos nossas vidas limpas, para que ele as use.19
17
BROWN, Raymond. Entendendo o Antigo Testamento: esboço, mensagem e aplicação livro por livro. São
Paulo: Shedd Publicações, 2004, p. 91-96.
18
GASS, Ildo Bohn. Uma Introdução à Bíblia: Exilo Babilônico e Dominação Persa – vol. 5. São Leopoldo/São
Paulo: CEBI/Paulus, 2004, p. 81-82.
19
BROWN, Raymond. Entendendo o Antigo Testamento: esboço, mensagem e aplicação livro por livro. São
Paulo: Shedd Publicações, 2004, p. 100.
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Período: 2º Semestre/2015
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8. Ester
O livro de Ester é pouco conhecido no meio cristão, mas tem alta consideração entre os judeus.
A narrativa do livro é patriótica. Mostra como os judeus sofreram injustiça por todo o império
Persa chegando a ponto de quase terem sido exterminados. Uma das características mais
singulares do livro é que não nenhuma referência direta a ação de Deus, nem mesmo utiliza-se
de um dos seus antigos nomes ou epítetos. A outra é que o livro serve de história etiológica, ou
seja, explica a origem da festa de Purim. O livro foi transmitido em três tipos de texto: um
hebraico; dois gregos, um longo e um curto. As bíblias protestantes apresentam a tradução do
texto hebraico e os acréscimos oriundos das versões gregas são tidos como “fragmentos
dêutero-canônicos” do livro de Ester.
8.2 Estrutura
O livro de Ester pode ser dividido em quatro partes: uma história introdutória, os relatos
principais e a conclusão que institui a festa de Purim (Mudança da sorte):
20
LASOR, William. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 588.