Tonet Ivo. Educacao Contra o Capital Vol II
Tonet Ivo. Educacao Contra o Capital Vol II
Tonet Ivo. Educacao Contra o Capital Vol II
EDUCAÇÃO
contra o capital
VOLUME II
Ivo Tonet
EDUCAÇÃO
contra o capital
VOLUME II
Projeto Gráfico
Alexandre W dos Santos Silva
Revisão
Francisco Raphael Cruz Maurício
2 • Ivo Tonet
SUMÁRIO
Prefácio.........................................................................................05
1. Educação de qualidade em perspectiva de classe......09
2. Educação e idealismo..........................................................21
3. Marxismo, educação e pedagogia socialista................45
4. A formação de professores e as possibilidades da eman-
cipação humana.........................................................................63
6 • Ivo Tonet
para a luta dos trabalhadores pela eliminação integral do capi-
talismo e pela construção de uma sociedade comunista? Exis-
tiria alguma alternativa tanto às propostas de caráter idealista
quanto ao reprodutivismo puro e simples?
Essas e outras questões serão abordadas nos textos que figu-
ram nesse livro: Educação contra o capital – v. II.
Introdução
“Educação pública, gratuita e de qualidade”! Esta demanda e
as lutas por uma educação com essas condições não são de hoje.
Infelizmente, nada nos autoriza a afirmar que, mesmo conside-
rando os limites a que a educação está sujeita nessa sociedade e
especialmente em um país periférico, estejamos avançando em
direção a essas metas. Pelo contrário, os acontecimentos atuais
evidenciam um brutal retrocesso.
Não pretendemos, nesse texto, referir-nos a essas três ques-
tões. Trataremos apenas da questão da qualidade. Mas, o que é
mesmo uma educação de qualidade? E, antes de mais nada, o
que é qualidade?
Qualidade é uma palavra meio mágica. Basta pronunciá-la
para que se suponha que todos entendam o que se quer dizer.
Não é preciso explicá-la, pois seu sentido parece óbvio e unívo-
co. Na ampla maioria das vezes, quando se fala em educação de
qualidade, tem-se por pressuposto imediato (deixemos de lado,
no momento, pressupostos mais profundos) que ela implica:
uma política educacional que permitisse boas condições mate-
riais (infraestrutura, instalações, acesso a tecnologias); suficien-
tes recursos financeiros; boa formação docente; boas condições
de trabalho para técnicos e docentes; valorização da profissão
com salários adequados, horas de trabalho que incluam tempo
1 Ontológico se refere à coisa em si, como ela é na sua natureza própria. Moral
se refere a algo que é bom ou mau.
10 • Ivo Tonet
Nossa intenção não é tratar essa questão de maneira geral,
mas apenas em relação à sociedade atual. Por isso mesmo, as
primeiras perguntas devem ser: quais os fins gerais e essenciais
da educação nessa sociedade? Quem estabelece esses fins? Na
maioria das vezes, a resposta a essas perguntas é buscada nos
textos, sejam eles oficiais (Constituição, leis, etc.) ou elaborados
por teóricos. Entendemos que esse não é o caminho correto. A
nosso ver, a resposta deve ser buscada, antes de mais nada, no
processo real, na estrutura e na dinâmica do processo histórico
e social. É de lá que brotam os fins essenciais de todas as dimen-
sões da atividade social. O que os textos, oficiais ou dos teóricos
fazem, conscientemente ou não, nada mais é do que dar forma
teórica àquilo que está posto na estrutura básica da sociedade.
Com isso, não estamos afirmando que essa forma teórica não
deve ser levada em conta. Todavia, ela não pode ser tomada
como o elemento explicativo fundamental. Ao fazer essa afir-
mação, não estamos expressando mais nada do que o princípio
fundamental do materialismo histórico: a prioridade ontológica
da realidade objetiva sobre o mundo das ideias. Na lapidar afir-
mação de Marx e Engels (2009, 32): “Não é a consciência que
determina a vida, é a vida que determina a consciência”.
Desse modo, para responder àquelas perguntas é necessário
começar por apreender os elementos mais essenciais que de-
marcam a estrutura da sociedade atual.
Qualidade na educação
Pressupondo que o trabalho, como produtor de valores-de-
-uso, é a categoria fundante do ser social2, partimos, para com-
preender a sociedade atual, da constatação de que o ato que
12 • Ivo Tonet
eliminarem, pela raiz e por completo, toda forma de exploração
de um ser humano pelo outro3.
Qual, então, o objetivo mais fundamental que nasce da natu-
reza da burguesia? Obviamente, enriquecer, manter a proprie-
dade privada, pois só assim continuará a gozar da sua boa vida.
Para isso, todas as dimensões da atividade social deverão, cada
uma a seu modo, estar subordinadas a esse fim. Que essa subor-
dinação não possa ser absoluta é uma decorrência da própria
existência de classes sociais antagônicas e da luta de classes.
Qual o objetivo mais essencial do proletariado? Deixar de
ser explorado; suprimir, pela raiz (forma do trabalho), todo o
processo de exploração; eliminar a propriedade privada, que
faz com que aqueles que verdadeiramente produzem a riqueza
se vejam privados dela e construir uma sociedade onde todos
tenham a possibilidade de ter acesso a ela. Enfim, ao proleta-
riado e aos outros trabalhadores interessa, essencialmente, a
emancipação humana.
Como se pode ver, os objetivos essenciais das duas classes
fundamentais dessa sociedade são absolutamente incompatíveis
entre si. É, pois, em relação a eles que se define o que é uma
educação de boa qualidade. É preciso, então, perguntar: quali-
dade para que e para quem? Não fazer essas perguntas é pres-
supor, consciente ou inconscientemente, que a atual sociedade
é uma autêntica comunidade, isto é, que os interesses funda-
mentais são comuns, que os fins essenciais atendem por igual à
totalidade da sociedade e que, portanto, todas as dimensões da
atividade humana devem estar voltadas para a efetivação desses
fins. Do mesmo modo, é pressupor que não existem classes so-
ciais, mas apenas indivíduos que se agrupam das mais diversas
14 • Ivo Tonet
mercadoria para ser vendida no mercado e, com isso, ser ex-
plorada. Educar para a cidadania/democracia significa preparar
ideologicamente as pessoas para que aceitem viver nessa so-
ciedade – com determinados direitos e deveres – acreditando
ser a melhor possível e onde existiriam oportunidades para
todos, dependendo apenas do seu esforço pessoal. Além disso,
também ter participação política, contribuindo para o aperfei-
çoamento da sociedade. Como a desigualdade social é conside-
rada algo natural, o exercício da cidadania e da democracia não
têm como objetivo superá-la, mas apenas minimizar os seus
efeitos mais perversos e, assim, permitir um constante aperfei-
çoamento. É importante observar que democracia e cidadania
são sempre realidades concretas que dependem do lugar e do
momento históricos. Desse modo, não são algo que interessa
sempre do mesmo modo à burguesia, ou seja, não são valores
que devam sempre ser preservados, defendidos e aperfeiçoados.
Em momentos de maior estabilidade, quando a reprodução dos
seus interesses é mais tranquila, há um apreço maior por essas
categorias. Em momentos de crise aguda, a ditadura se torna
o instrumento mais adequado. Além do mais, como a crise do
capital se torna cada vez mais intensa, o recurso à violência
também se faz sempre mais presente e, com isso, a democracia
e a cidadania são sempre mais restringidas5.
Desse modo, a qualidade da educação será medida de acordo
com a sua adequação, em cada lugar e momentos específicos,
ao atingimento desses objetivos. Basta ler as diretrizes atuais
dos organismos internacionais – FMI, Banco Mundial, etc –,
mas também os documentos normativos da educação brasilei-
ra, para se dar conta desse fato. Para além de todo o discurso
pretensamente humanista, o verdadeiro objetivo é adequar a
educação à reprodução do capital em crise e em transforma-
ções intensas.
16 • Ivo Tonet
educacionais. Tudo isso é certamente necessário, mas não sufi-
ciente. Em si mesma, uma educação com todos aqueles requisi-
tos pode perfeitamente formar para a reprodução da sociedade
burguesa. O exemplo da educação nos países mais desenvolvi-
dos ilustra isso muito bem. Para além desses requisitos, é de
fundamental importância levar em conta a conexão com os
interesses essenciais dos trabalhadores. E isto vale tanto para o
conhecimento acerca da natureza como para aquele a respeito
da sociedade, com as óbvias e devidas diferenças. Apenas para
exemplificar: certamente, não há uma física burguesa e outra
proletária. Porém, faz toda a diferença se um físico desenvolve
o seu trabalho articulado com uma perspectiva conservadora
ou revolucionária. Todavia, a concretude do processo educati-
vo e o domínio que a burguesia exerce sobre ele deixam claro
que é impossível uma educação, como forma predominante,
nessa sociedade, norteada pelos interesses dos trabalhadores.
Os espaços possíveis para a realização de atividades que contri-
buam para a emancipação humana são extremamente limitados
e, dada a intensificação cada vez maior da crise do capital, cada
vez mais restringidos7.
Não há dúvida de que há enormes diferenças, em termos de
qualidade da educação, mesmo no interior do sistema capita-
lista. Todas compreensíveis à luz do processo histórico e não
como simples expressão de uma administração mais lúcida e
adequada. Não obstante todas as diferenças, a sua qualidade é
sempre medida, em última instância, em relação à sua adequa-
ção, maior ou menor, à reprodução do próprio sistema. E este,
como vimos, não inclui, NUNCA, a superação da desigualdade
social. Pelo contrário, implica o seu constante agravamento.
Conclusão
Trata-se, pois, para quem está preocupado com a emancipa-
ção humana, de avaliar a qualidade da educação de um ponto
de vista dos interesses maiores dos trabalhadores. E essa ava-
liação deve ser guiada por três critérios: 1) Em que medida ela
permite compreender efetivamente a realidade do modo mais
integral e aprofundado hoje possível. 2) Em que medida ela per-
mite uma apropriação ampla e efetiva do patrimônio técnico,
científico e cultural que está hoje à disposição da humanidade.
3) Em que medida ela contribui para a transformação radical
do mundo e para a construção de uma sociedade humanamen-
te emancipada. Sem deixar de lutar por melhorias no âmbito
das políticas educacionais, de recursos financeiros e materiais
e técnicos, de qualificação dos professores, de condições de
trabalho e melhorias salariais, é preciso ter claro que tudo isto
deve estar articulado com a causa maior da superação integral
do sistema capitalista e da construção de uma sociedade comu-
nista. Ignorar essas questões é candidatar-se, independente da
intenção, a contribuir para reproduzir não apenas uma socie-
dade socialmente desigual, mas cada vez mais desigual.
18 • Ivo Tonet
Referências Bibliográficas
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Associados, 1993
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_____, O grande ausente e os problemas da educação. In:
ivotonet.xp3.biz
_____, Método científico – uma abordagem ontológica. São
Paulo, Coletivo Veredas, 2018
Introdução
Se perguntarmos a milhares de educadores qual o sentido
do seu trabalho a resposta terá, provavelmente, três aspectos
mais importantes. Primeiro: que se trata de um ganha-pão, um
emprego, um salário, que lhes permita adquirir bens necessá-
rios à satisfação das suas necessidades. Segundo: que se trata de
uma realização pessoal, uma atividade que lhe dá prazer, que
é exercida com amor e com a qual ele se sente satisfeito, não
obstante todas as dificuldades. Isto, pelo menos, para aqueles
que escolheram essa profissão com esse objetivo. Terceiro: que
se trata de uma contribuição social, isto é, de contribuir para
a formação – profissional, ética, cívica, participativa, crítica,
etc. – dos educandos e, com isso, para a construção de uma
sociedade melhor.
Se examinarmos a realidade cotidiana desses educadores,
constataremos que a ampla maioria trabalha em condições
muito difíceis. Baixos salários, condições de trabalho precá-
rias (transporte, infraestrutura, materiais, etc.) e estressantes,
muito tempo de trabalho, sem tempo para seu próprio aper-
feiçoamento e lazer, com muita possibilidade de adoecimento,
enfrentando, muitas vezes, situações adversas no desenvolvi-
mento do seu trabalho.
22 • Ivo Tonet
Desse modo, como não sentir uma certa satisfação ao reali-
zar uma tarefa com objetivos tão importantes? E isto, apesar de
todas as dificuldades enfrentadas!
A realidade, porém, é muito mais cruel.
Desenvolvimento pleno da pessoa, cidadania e qualificação
para o trabalho não são categorias óbvias e unívocas. Seu sen-
tido mais profundo não aparece à primeira vista. O que se
esconde por trás dessas belas palavras? E por que se esconde?
Vamos, então, refletir sobre o sentido delas e sobre o sentido
da atividade educativa na sociedade na qual nos encontramos,
buscando trazer à luz o sentido oculto, o solo social que o pro-
duz e os interesses sociais a ele conectados.
Antes disso, porém, vamos deixar claro que estamos nos
referindo à sociedade capitalista. Que ela é histórica, isto é, sur-
giu em determinado momento e poderá ser superada. Que nela
existem classes, entre as quais, as principais são a burguesia
e o proletariado. Que estas classes têm objetivos radicalmen-
te diferentes. Isto é um dado da realidade não uma invenção
malévola dos marxistas. Estes dados tem que ser levados em
conta, sob o risco de, em caso contrário, falsear toda a reflexão.
Nesse sentido, algumas perguntas iniciais são imperativas. Esta
forma de sociabilidade – capitalista – é a melhor possível? Há
alguma relação da atividade educativa com as classes sociais? Se
há, qual é? Qual a natureza específica e a função social da edu-
cação? Quem estabelece os fins essenciais da educação? Como
isto se efetiva na sociedade capitalista? Qual o papel do Estado
nesse processo? Qual o papel do educador? Essas e outras são
questões fundamentais, mas complexas. Elas comparecerão ao
longo do nosso texto, mas nem por sombra pretendemos tratar
qualquer uma delas com a devida profundidade. Adentrarão à
nossa exposição apenas na medida da necessidade de desvelar a
24 • Ivo Tonet
Todavia, embora o trabalho seja o fundamento da realida-
de social, não esgota essa realidade. Como exigência do pró-
prio trabalho ou como necessidade de enfrentamento de no-
vos problemas surgidos com a complexificação da sociedade,
surgem outras dimensões da atividade social. Cada uma delas
tem uma origem, uma natureza e uma função social diferentes.
Assim, surgiram a linguagem, a socialidade, a arte, a educação,
a religião, a ciência, o Direito, a política, a filosofia, etc. Todas
elas têm sua origem a partir do trabalho, mas sua função social
já não é transformar a natureza, mas mediar as relações entre
os próprios seres humanos. Daí porque todas elas têm uma
autonomia, embora relativa, em relação ao trabalho. E se, ago-
ra, considerarmos todas as dimensões da atividade humana,
aí incluído o trabalho, veremos que há, entre todas elas, uma
determinação recíproca, vale dizer, a concretude de cada uma
se faz em uma processualidade em que todas se influenciam
mutuamente.
O exame da natureza essencial do trabalho nos permite per-
ceber que o ser social se compõe de dois momentos essenciais:
o momento da singularidade – o indivíduo – e o momento da
universalidade – o gênero. Entre esses dois momentos sempre
haverá uma determinação recíproca, isto é, indivíduo e gênero
se constroem ao mesmo tempo. As produções dos indivíduos,
quer singulares, quer grupais, se tornarão patrimônio comum
e, ao mesmo tempo, os indivíduos se tornarão membros do
gênero humano ao apropriar-se desse patrimônio comum. Vale
esclarecer que não há uma simetria entre indivíduo e gêne-
ro, no seu desenvolvimento, pois o gênero, como momento da
totalidade, põe o campo de possibilidades dentro do qual e a
partir do qual se desenvolvem os indivíduos.
Isto nos mostra, em síntese, como se dá o desenvolvimento
humano. De um lado, a riqueza genérica é produzida pelos
1 Para uma noção sucinta, mas essencial, de alienação, ver A Ideologia Alemã,
de K. Marx, 2009, p. 48-49.
26 • Ivo Tonet
deformada por causa de seu viés idealista2. Esta deformação se
deveu, e ainda se deve, ao fato de que ela privilegia o espírito
sobre a matéria. Por sua vez, este privilégio se deve ao fato de
que a divisão social do trabalho – escravos e senhores, servos e
nobres, trabalhadores assalariados e capitalistas – leva a consi-
derar o espírito a parte verdadeiramente nobre do ser humano.
Desse modo, o verdadeiro desenvolvimento da pessoa humana
sempre privilegia a parte espiritual, mesmo quando faz alguma
referência à parte corporal.
Se examinarmos a sociedade na qual vivemos, veremos que
seu fundamento, a forma do trabalho (assalariado), implica a
exploração do trabalho pelo capital. Isso significa que quem
produz a riqueza material, da qual todos vivem, são os tra-
balhadores ao passo que quem é proprietário dos meios de
produção e, por isso, se apropria da maior parte dessa riqueza,
é aquele que nada produz. A riqueza espiritual, por sua vez,
ou é produzida por aqueles que, não precisando trabalhar, tem
tempo disponível para isso ou por aqueles que, vendendo sua
força de trabalho, encontram tempo para dedicar-se a essas
tarefas. Todavia, o acesso à riqueza, material e espiritual, que
hoje constitui o patrimônio da humanidade, é amplamente im-
pedido, para os trabalhadores, em última instância, exatamente
pela forma de trabalho que matriza essa sociedade3.
Como se pode ver, a maneira como isso é escrito na Cons-
tituição Brasileira pressupõe que a pessoa humana possa se de-
senvolver plenamente, mesmo que de modo processual, nessa
sociedade, capitalista, onde sua base material, o trabalho assa-
Cidadania e democracia
Para além do discurso mistificador, vejamos o que a realida-
de nos diz sobre o que são a cidadania e a democracia.
Essas são palavras mágicas, que parecem expressar não só a
melhor, mas também, a última forma de convivência social que
a humanidade já produziu. Para muitos educadores, cidadania e
democracia são simplesmente sinônimos de liberdade. Quando
muito, querendo diferenciar-se da concepção liberal, agregam a
esses substantivos, os adjetivos: crítica, ativa, participativa, etc.
Os indivíduos cidadãos e democratas, portadores desses últi-
mos adjetivos, seriam pessoas que percebem e criticam as mais
diversas expressões dos problemas dessa sociedade e buscam
uma participação ativa no sentido de contribuir para o aperfei-
çoamento dessa forma de sociabilidade. Aqui reside o fundo do
4 Uma breve introdução ao que é comunismo (socialismo) pode ser encontra-
da em: Sobre o socialismo, de I. Tonet. Também vale a leitura do cap. 3 do livro
Educação, cidadania e emancipação humana, do mesmo autor.
28 • Ivo Tonet
problema: assume-se, mesmo que implicitamente, que essa é a
melhor forma possível de sociedade, ainda que tenha inúmeros
defeitos e limitações. Trata-se, então, de aperfeiçoá-la através
de uma participação crítica, ativa e democrática em um proces-
so indefinidamente aberto.
Para além dessas idealizações, o que são, de fato, cidadania
e democracia?
Vale a pena começar com uma citação que expressa o con-
ceito mais comum de cidadania. Em seu livro, História da Ci-
dadania, Jaime e Carla Pinski afirmam (2003, p. 9):
30 • Ivo Tonet
Esta situação é um progresso em relação à situação do es-
cravismo e do feudalismo? Inegavelmente. Mas, por mais que
seja aperfeiçoada e ampliada, jamais levará à eliminação da de-
sigualdade social. Em síntese: a cidadania é uma expressão e, ao
mesmo tempo, uma condição de reprodução, e não de supera-
ção, da desigualdade social.
Vejamos agora o que é democracia.
Partindo do mesmo ato de trabalho anteriormente examina-
do, podemos perceber que ele dá origem a classes sociais cujos
interesses são ou radicalmente antagônicos ou profundamente
diferentes. As classes mais fundamentais são a burguesia e o
proletariado. É visível que há lutas entre essas duas classes.
Também é visível que há lutas entre os próprios capitalistas,
pois cada um busca os seus próprios interesses. Do mesmo
modo, também é visível que há lutas no seio dos trabalhadores,
pois o universo deles também é heterogêneo, implicando inte-
resses particulares de cada segmento. Isto significa que a socie-
dade burguesa implica, por sua própria natureza, a concorrên-
cia entre os vários grupos que a compõem. E implica a luta pela
satisfação de interesses particulares, como vimos antes.
Ora, para que essa sociedade possa funcionar, a concorrên-
cia geral precisa ser, de alguma forma, delimitada. Essa guerra
de todos contra todos, isenta de qualquer delimitação, impe-
diria o funcionamento da sociedade. Para estabelecer esses li-
mites é que surgiu o Estado moderno e, ao longo do processo,
o sistema democrático. Um conjunto de instituições e normas
jurídico-políticas, resultantes da luta entre capital e trabalho e
da concorrência generalizada e cuja função social essencial é
permitir a melhor reprodução possível dos interesses do capital
e, portanto, a continuidade da exploração dos trabalhadores.
Desse modo, a democracia burguesa pressupõe, por sua própria
natureza, a desigualdade social e a concorrência universal. E
32 • Ivo Tonet
Se não bastassem esses argumentos quanto à limitação es-
sencial da democracia, seria também oportuno observar o pro-
cesso histórico. Sabemos que as crises periódicas, cada vez mais
graves, fazem parte da natureza do sistema capitalista. Ora,
quanto mais grave a crise, mais a burguesia lançará mão de
todos os meios, inclusive os mais violentos, para preservar os
seus interesses. É exatamente o que está acontecendo nesse
momento e que tenderá a se agravar. Por isso mesmo, a demo-
cracia verá seu funcionamento cada vez mais restrito5.
Desse modo, a respeito da democracia burguesa, também
podemos afirmar o mesmo que expressamos acima acerca da
cidadania. A democracia é uma expressão e, ao mesmo tempo,
uma condição de reprodução da desigualdade social.
O que é trabalho
Mergulhados como estamos em um sistema que naturali-
za todas as relações sociais, tendemos a definir trabalho como
alguma forma de emprego. Mais ainda: tendemos a imaginar
que é natural que exista trabalho assalariado, que existam pro-
fissões, que alguns se ocupem diretamente do processo de pro-
dução e outros organizem e comandem esse processo.
Desde a mais tenra idade somos levados a introjetar a ideia
de que devemos nos preparar para ter uma profissão que nos
permita ganhar dinheiro e suprir o melhor possível as nossas
necessidades e desejos. Quando desconhecemos como funciona
essa sociedade, como se dá o processo de exploração, como são
produzidas a riqueza e a pobreza, tendemos a achar que, de
modo geral, riqueza e pobreza, sucesso ou insucesso dependem
do esforço e da dedicação de cada um.
34 • Ivo Tonet
Despido dessa aura especial, o educador não passa de uma
mercadoria a ser vendida no mercado, com todas as conse-
quências que isso acarreta. Em resumidas contas, isto é “qua-
lificar para o trabalho”. Que esta venda da força de trabalho
seja feita a alguma empresa privada de educação ou ao poder
público (Estado), faz muita diferença para uma análise concreta
da situação. Todavia, não invalida o fato de que todos os que
vendem a sua força de trabalho são explorados, embora de
formas diferentes.
É claro que é do maior interesse dos que enriquecem às
custas dessa exploração que os educadores acreditem na
nobreza e no caráter especial de sua atividade e não percebam
o processo de exploração a que estão submetidos.
36 • Ivo Tonet
considerando-se, antes, como alguém que faz parte de uma ca-
tegoria “especial”, os “educadores”, aqueles que, afinal, formam
todos os outros. Desse modo, incorporam a ideia de que formar
educadores é, essencialmente “contribuir para o pleno desen-
volvimento da pessoa”, “formar para o exercício da cidadania” e
“qualificar para o trabalho”.
Em quarto lugar, o rebaixamento, resultado de um comple-
xo e longo processo histórico – teórico e prático – da pers-
pectiva revolucionária, isto é, de uma superação radical do ca-
pitalismo e da instauração de um sistema social comunista e
a emergência de um horizonte conservador (esta é a melhor
forma de sociedade possível) ou reformista, vale dizer, a crença
de que o aperfeiçoamento desta ordem social a tornará cada
vez melhor. Juntamente com isso, um longo processo em que
a tônica das lutas sociais foi marcada pela obtenção de ganhos
imediatos e parciais. Acrescente-se a isso o desmoronamento
dos sistemas ditos socialistas, que, bem ou mal, colocavam no
horizonte o socialismo, a emergência do chamado neolibera-
lismo, as transformações econômicas no âmbito do processo
de trabalho, levando a enormes mudanças e à fragmentação
no interior do conjunto dos trabalhadores, a uma exacerbação
do individualismo e a inúmeras outras consequências danosas
para o universo do trabalho.
Como resultado de tudo isso, a ampla maioria dos educado-
res está em uma situação muito parecida com a famosa “Caver-
na de Platão”. Não vê o mundo real – o mundo da propriedade
privada, das classes sociais, das lutas de classes, da exploração
e da opressão, da desigualdade social, do processo concreto de
geração da riqueza e da pobreza, mas apenas o mundo que sua
formação lhes permite ver, isto é, o da sociedade em geral, da
educação em geral, da formação humana em geral, dos pro-
blemas imediatos, do Estado como responsável pelo bem co-
38 • Ivo Tonet
o trabalho (uma mercadoria para ser explorada), para a cidada-
nia/democracia (aceitação para viver nessa sociedade) e para a
direção da sociedade (os donos dos meios de produção e seus
servidores diretos).
Uma conclusão nada agradável emerge dessa análise. Toda
a dedicação, todo o esforço, toda uma vida devotada a uma
tarefa que é vista como uma contribuição para uma formação
realmente humana, para a construção de um mundo cada vez
melhor contribui, de maneira preponderante, para reproduzir
um sistema social cada vez mais perverso e desumano. Isto,
de modo nenhum inviabiliza o reconhecimento de que de um
ponto de vista geral, uma atividade educativa que permita aos
educandos o acesso, ainda que sob o signo da fragmentação e
de inúmeras distorções, ao atual patrimônio humano cogniti-
vo, tecnológico e estético constitui a base para a emancipação
humana. Esta base terá que ser, certamente, profundamente
criticada, reformulada e elevada a um novo patamar, mas não
se pode prescindir dela. Além disso, também não exclui o fato
de que, considerando as coisas do ponto de vista da vida de
indivíduos singulares, pode haver, e certamente houve e haverá,
contribuições positivas. Todavia, sabemos que a realização –
em termos efetivamente humanos – dos indivíduos singulares
encontra, nesse sistema social, barreiras insuperáveis.
Dentre os milhares de educandos que passarão pelas mãos
dos educadores, quantos se engajarão efetivamente nas lutas
não para a construção de um mundo simplesmente mais justo,
mais livre, mais humano, mas, por um mundo simples e verda-
deiramente livre, justo e humano, isto é, sem nenhum tipo de
exploração e de opressão de um ser humano pelo outro, onde
não haja desigualdade social nenhuma, onde se trabalhe para
viver e não se viva para trabalhar, onde se trabalhe pouco e
se tenha muito tempo realmente livre, onde TODOS tenham
40 • Ivo Tonet
O primeiro passo é o próprio educador tomar consciência
desse processo. Não bastam a boa vontade, o esforço, a dedica-
ção nas suas atividades educativas. Já sabemos que de boas in-
tenções...É necessário um conhecimento científico da realidade,
isto é, como ela de fato é. Isto implica, pelo menos em linhas
gerais e essenciais, o conhecimento do processo histórico desde
os seus primórdios e, de modo especial, o surgimento da pro-
priedade privada e do Estado. Este conhecimento é de funda-
mental importância para se poder fundamentar a convicção de
que somos nós, e exclusivamente nós, que fazemos a nossa his-
tória e que, por isso mesmo, este sistema – capitalista – nem é
resultado de uma natureza humana pretensamente egoísta, nem
é eterno e nem a melhor forma possível de convivência social;
ele pode ser superado. Este conhecimento também implica a
compreensão da natureza do capitalismo; de como se geram a
riqueza e a pobreza nessa sociedade; da radical oposição entre
trabalho e capital; da grave crise que a humanidade atravessa
por obra e graça do capital. Além disso, também implica o co-
nhecimento, sólida e racionalmente fundado, da possibilidade
e da necessidade de superação desse sistema social e da cons-
trução de uma sociedade comunista; da necessidade de que os
próprios trabalhadores assumam a tarefa da sua libertação e
que não a esperem de nenhum salvador e de nenhum Estado.
Todo este conhecimento, por sua vez, só pode ser adqui-
rido na medida em que haja uma apropriação da concepção
de mundo histórico-materialista e do método científico cujos
fundamentos foram elaborados por K. Marx. Esta concepção
de mundo e este método de produzir conhecimento nasceram
das demandas da própria classe trabalhadora e por isso mesmo
são o que melhor permite compreender a realidade social e
fundamentar e orientar as lutas dos trabalhadores pela trans-
formação radical da sociedade.
42 • Ivo Tonet
Observe-se que não basta a apropriação do patrimônio fi-
losófico, científico e tecnológico tradicional. Este, por mais
amplo e profundo que seja, está marcado pela perspectiva de
classe. Por isso, não produzirá, por si mesmo, mais do que
conservadores. Basta examinar o que acontece nos países onde
a educação é tida como de excelente qualidade, como nos paí-
ses nórdicos, especialmente na Finlândia. Não consta que lá
ela contribua para a formação de pessoas dispostas a mudar
o mundo. Isto, de modo nenhum quer dizer que ele deva ser
descartado. Ele é imprescindível. Faz-se necessária, porém, uma
apropriação radicalmente crítica de todo esse patrimônio tradi-
cional e essa só pode ser feita a partir da concepção de mundo
e do método científico-filosófico fundados por K. Marx1.
Concluindo: uma educação, geral ou mesmo predominante,
emancipadora, no sentido da emancipação humana não é, hoje,
possível, dado o seu controle pelo capital e pelo Estado. O
que é possível? Realizar atividades educativas emancipadoras,
isto é, que contribuam para a construção de uma sociedade
verdadeiramente livre e humana. Pode parecer pouco, mas é
preferível fazer o pouco que é possível do que buscar o impos-
sível (educação emancipadora em sentido geral) ou, até pior,
despender todas as suas energias para simplesmente reproduzir
esse perverso sistema social. E, apesar de as Atividades Educa-
tivas Emancipadoras parecerem simples, exigem muito esforço
e dedicação, até porque não é fácil remar contra a corrente.
Além do mais, elas contribuem para um objetivo muitíssimo
mais humano.
Referências bibliográficas
MARX, K. Trabalho assalariado e capital. São Paulo, Expres-
são Popular, 2010
_____. Manuscritos Econômico-Filosóficos, São Paulo, Boi-
tempo, 2004
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Hucitec, 1986
PINSKI, J e PINSKI, C. A História da Cidadania. São Paulo,
Contexto, 2003
TONET, I. Sobre o socialismo. São Paulo, Instituto Lukács,
2012
_____. Educação, cidadania e emancipação humana. Ma-
ceió, Edufal, 2013
_____. O fim da democracia burguesa. In: ivotonet.xp3.biz
_____. Método científico – uma abordagem ontológica. Ma-
ceió, Coletivo Veredas, 2016
_____. Atividades educativas emancipadoras. In: ivotonet.
xp3.biz
44 • Ivo Tonet
MARXISMO, EDUCAÇÃO E
PEDAGOGIA SOCIALISTA
Introdução
Se por pedagogia se entende não apenas uma teoria geral
da educação ou uma teoria da educação em determinada socie-
dade ou, ainda, um conjunto de princípios gerais que poderão
nortear uma prática educativa, mas uma teoria da educação
voltada a orientar praticamente a relação entre educadores e
educandos, então, a meu ver, do ponto de vista marxista, não
pode existir pedagogia socialista.
Sei que essa afirmação é extremamente polêmica e diverge
de muitos autores marxistas que se dedicaram a tratar des-
sa problemática. Procurarei, ao longo do texto, sustentar essa
afirmação, buscando deixar claro que ela não implica nenhum
reprodutivismo e nenhum imobilismo e que, pelo contrário,
é uma posição atenta à recomendação de Lenin que afirma a
necessidade de sempre fazer uma análise concreta da situação
concreta.
A afirmação inicial significaria que Marx e outros autores
marxistas não tem nada a dizer a respeito da problemática da
educação ou que eles estariam inteiramente equivocados? Ob-
viamente, diante das evidências dos textos deles, isso seria um
disparate. Veremos, ao longo do texto, como se resolve essa
interrogação.
46 • Ivo Tonet
No nosso século é impossível prescindir de um fato novo, o
socialismo, que não é somente mais uma ideologia emergente
de novas classes sociais suscitadas pelo desenvolvimento do
moderno industrialismo, mas já é, embora em crise como o
liberalismo durante a Restauração, a ideologia oficial domi-
nante de Estados baseados nessas classes novas. Quanto à
teoria pedagógica, o socialismo assumiu todas as instâncias
da burguesia progressista, censurando-a por não tê-las apli-
cado consequentemente; acrescentou-lhes de próprio uma
concepção nova da relação instrução-trabalho (o grande tema
da pedagogia moderna), que vai além do somatório de uma
instrução tradicional mais uma capacitação profissional e
tende a propor a formação de um homem omnilateral. Tudo
isso em hipótese, como proposição ideal.
48 • Ivo Tonet
análise concreta da situação concreta que, enfatize-se, é sempre
uma unidade de essência e aparência, impõe que se levem em
conta essas transformações. A meu ver, então, o caminho mais
apropriado seria partir dos fundamentos – histórico-ontoló-
gicos – elaborados por Marx e orientados por eles tratar da
problemática da educação. Procedimento, aliás, necessário para
abordar qualquer fenômeno social.
Já expus, em inúmeros textos, o que considero serem esses
fundamentos. Por isso, farei, aqui, apenas um breve resumo.
O cerne dos fundamentos histórico-ontológicos elaborados
por Marx radica na categoria do trabalho. Trabalho entendido
como o intercâmbio do homem com a natureza através do qual
o homem transforma a natureza para adequá-la à satisfação das
suas necessidades e, ao mesmo tempo, transforma a si mesmo.
Isto confere ao trabalho o estatuto de categoria fundante do ser
social. É a partir da análise dessa categoria que Marx responde
a pergunta: o que é o ser social. Por sua vez, a resposta a essa
pergunta permite fundamentar o caráter radicalmente históri-
co e social do ser social, seu caráter de totalidade, de unidade
entre essência e aparência (esta última de caráter histórico e
social e não metafísico). Também permite compreender o ser
social como uma peculiar síntese entre subjetividade e reali-
dade objetiva, a relação entre singular (indivíduo) e universal
(gênero), a existência de mediações e contradições no interior
dele. A resposta à pergunta a respeito da natureza do ser social
é conditio sine qua non para poder tratar de qualquer outro
fenômeno social, no caso em tela, da questão da educação.
A partir do trabalho é que surgem, desde o início ou mais
tarde, todas as outras dimensões da realidade social. Por isso,
repetimos o que já dissemos em outros textos: entre o trabalho
e as outras dimensões sociais existem três tipos de relação.
Primeira: uma relação de dependência – ontológica – de todas
50 • Ivo Tonet
consciência e realidade objetiva. A correta compreensão dessa
relação é da maior importância porque dela depende a ação
prática. As relações entre essas duas categorias tem três possi-
bilidades; regência da subjetividade; regência da objetividade3;
determinação recíproca entre subjetividade e objetividade com
a regência desta última.
No caso da regência da subjetividade temos o idealismo,
que afirma prioridade das ideias sobre a realidade objetiva. O
mundo é, em última análise, o resultado das nossas ideias. O
que significa que quanto melhores forem estas, melhor será
o mundo. No caso da regência da objetividade temos o ma-
terialismo mecanicista, que afirma a prioridade da realidade
objetiva sobre as ideias. Neste caso, a realidade objetiva segue
leis próprias nas quais as ideias não podem interferir. No caso
da determinação recíproca com regência da realidade objetiva
temos a dialética marxiana. Esta relação implica que tanto as
ideias quanto a realidade objetiva se influenciam mutuamente,
mas que esta última tem, em última instância, a prioridade.
Neste caso, as ideias jogam um papel ativo. Elas não têm um
caráter epifenomênico, mas sua intervenção ativa é essencial
para a efetivação do processo real. Todavia, a ação das ideias é
limitada pelo campo de possibilidades reais postas pela reali-
dade objetiva. Na ausência dessas possibilidades a ação prática
resvalará sempre para alguma forma de idealismo.
Como se pode ver, essa relação dialética marxiana entre
subjetividade e objetividade permite afastar tanto o idealismo
como o materialismo mecanicista. Isto é da maior importância
para sustentar minha tese inicial.
52 • Ivo Tonet
riado, por sua natureza, se encontra em uma situação de oposi-
ção radical ao capital. Por isso mesmo, ele estabelece um fim da
educação totalmente oposto àquele da burguesia. Seu objetivo
final é a emancipação humana, ou seja, uma forma de socia-
bilidade livre de toda exploração do homem pelo homem e
onde todos os indivíduos possam se realizar plenamente como
seres humanos. No entanto, o trabalho associado, por sua pró-
pria natureza, não pode, ao contrário do trabalho assalariado,
que surgiu no interior da sociedade feudal, encontrar expressão
concreta dentro da sociedade burguesa. Ele só pode emergir
após a revolução ou, pelo menos, após o primeiro momento
da revolução, isto é, após a quebra do poder político burguês,
concentrado no Estado4.
Isto nos remete a três consequências. Primeira: se tomarmos
o conceito de socialismo como sinônimo de comunismo, então
uma pedagogia socialista (comunista) só poderá existir em uma
sociedade comunista. Acerca desta, podemos, neste momento,
traçar os parâmetros essenciais, pois estes tem a sua base nas
categorias do trabalho, em sentido ontológico, e do trabalho
associado, cujos elementos nucleares podem ser abstraídos des-
de hoje do processo real. Não podemos, todavia, e nem faria
sentido, pretender explicitar como ela seria em sua concretude.
Só com a vigência efetiva do trabalho associado se poderá con-
cretizar uma pedagogia socialista. A meu ver, isso é compro-
vado até por todos aqueles teóricos da educação que tomaram
como pressuposto o trabalho nos países ditos socialistas. Foi
exatamente por pressuporem que aquela forma de trabalho era,
ainda que incipientemente e com muitas limitações, o embrião
do trabalho associado que eles desenvolveram uma pedagogia
que pretendiam que fosse socialista.
5 Ver, para isso, de Marx: Glosas críticas ao artigo O Rei da Prússia e a Reforma
Social. De um prussiano e A guerra civil na França.
54 • Ivo Tonet
Terceira: se levarmos em conta o momento atual, ou seja,
um momento em que ainda não se efetivou nem sequer o pri-
meiro passo da revolução socialista, então, a meu ver, é preciso
considerar com seriedade essa situação concreta. Ora, o que
ela nos diz? Em primeiro lugar, que a educação é organizada,
em sua forma e em seus conteúdos, para atender, prioritária
e majoritariamente, os interesses do capital. O papel princi-
pal nessa organização cabe ao Estado. Este, por sua vez, não
importa quantas e quais formas assuma é, em sua essência,
um instrumento a serviço do capital. O Estado tem uma de-
pendência ontológica em relação ao capital como já assevera-
va Marx, com toda clareza, nas Glosas críticas. Leis, normas,
organização, conteúdos gerais, currículos, procedimentos pe-
dagógicos tudo isso está sob a égide, direta ou indireta, do
Estado, mesmo quando, de alguma forma, como na chamada
“Pedagogia da Terra” e outras propostas progressistas, se pre-
tende fugir a esse controle.
Em segundo lugar: mesmo quando não há ingerência direta
do Estado, as concepções teóricas que predominam no inte-
rior da educação são concepções amplamente afinadas com os
interesses da burguesia, independentemente da intenção dos
seus defensores. Não me parece infundado afirmar que, hoje,
no meio intelectual geral e educativo predominam o conserva-
dorismo, o irracionalismo, o “pós-modernismo”, o pluralismo
metodológico, o idealismo, o reformismo e o politicismo. To-
dos esses “ismos” são formas diversas da concepção burguesa
de mundo.
Em terceiro lugar: há um componente adicional na situação
atual. Com a intensificação da crise do capital, o que implica na
diminuição dos lucros dos capitalistas, estes se veem obrigados
a tomar o Estado sob seu controle de maneira mais direta. A
interferência da economia na política é, pois, cada vez mais
56 • Ivo Tonet
Essa é a situação concreta. A perspectiva própria – revo-
lucionária – do proletariado, cujo objetivo fundamental é a
emancipação humana, está bloqueada tanto pelo recrudesci-
mento do conservadorismo como pelo reformismo que grassa
na esquerda. Qualquer elaboração teórica, no caso, educativa,
tem que levar em conta essa situação. Não me parece que esse
seja o caso entre os teóricos de esquerda da educação. A meu
ver, essa situação impede inteiramente a elaboração de uma
pedagogia socialista no sentido de uma teoria da educação vol-
tada a orientar a relação entre educadores e educandos com
vistas a uma sociedade comunista.
Permito-me, por isso, discordar, da proposta de Saviani. Re-
firo-me a ele porque o considero um teórico de extrema serie-
dade e compromisso com a classe trabalhadora e com contri-
buições muito significativas para a teoria da educação.
Em um alentado artigo, publicado no livro Marxismo e edu-
cação – debates contemporâneos, e em outros textos, Saviani
apresenta uma síntese de sua concepção acerca de uma educa-
ção socialista. Partindo do conceito de socialismo, na esteira
de Marx, passando pela “concepção marxista de homem” e pela
“concepção burguesa de educação: suas contradições”, expõe
a sua “concepção socialista de educação”. Trata-se, então, de
uma formulação tanto para a “educação de nível fundamental”
como para “uma educação de nível médio” e para uma “edu-
cação superior”. Sua proposta é, pois, algo para ser aplicado
ainda no interior da sociedade capitalista. Assim se expressa
ele (2005, p. 241):
58 • Ivo Tonet
conteúdos, outros currículos, outra organização, outras leis e
normas, outros procedimentos pedagógicos e didáticos diferen-
tes daqueles exigidos pela reprodução do capital. Assim como
não é possível instaurar já no interior do capitalismo o trabalho
associado, base do comunismo, também não é possível orga-
nizar, no interior dele, qualquer outra dimensão própria da
sociedade comunista, mesmo que ainda em germe. Qualquer
transformação substantiva em qualquer uma das dimensões
tem como pré-condições a efetivação do primeiro momento
da revolução, que é a destruição do Estado burguês, e a exis-
tência de uma base material que possibilite a entrada em cena
do trabalho associado. A segunda existe hoje, mas não a pri-
meira. Contudo, a inexistência da primeira condição não leva,
de maneira nenhuma, ao imobilismo. Simplesmente estabelece
o campo dentro do qual a ação prática pode se desenvolver. É
falso o dilema: ou educação socialista ou imobilismo à espera
da revolução. A questão a ser resolvida é: se não é possível
uma educação – como totalidade – socialista ainda no interior
da sociedade capitalista, o que é possível fazer nessa área que
possa contribuir para aquele objetivo?
O que nos diz a análise concreta da realidade? Primeiro: que
a oposição radical entre capital e trabalho existe e não deixará
de existir enquanto perdurar, sob qualquer forma, o sistema
capitalista. Segundo: que o proletariado, classe fundamental da
revolução, está, neste momento, ausente. Não fisicamente au-
sente, mas como classe organizada ideológica e politicamente
no sentido de dirigir a revolução. Terceiro: que isso configura
um momento profundamente contrarrevolucionário. É preciso
levar isso em conta ao buscar estabelecer o que é possível e o
que deve ser feito nesse momento. No caso da educação, a cons-
tatação dessa situação concreta pode, a meu ver, fundamentar
a elaboração de atividades educativas que contribuam para a
Conclusão
Uma teoria da educação pode ser apenas, e corretamente,
uma crítica geral da ou uma crítica de alguma forma de educa-
ção. Ou, ainda, a elaboração de princípios gerais que deveriam
nortear qualquer ação educativa. Isso implica uma concepção
de sociedade, de homem, de história, etc. etc. Nesse sentido,
penso que é possível elaborar uma teoria da educação. O tema
tratado nesse texto, no entanto, não dizia respeito a elaborar
apenas uma teoria da educação, mas uma teoria da educação
voltada à orientação prática das atividades educativas concre-
tas. Por isso, concordo com a necessidade de elaborar uma
60 • Ivo Tonet
teoria geral, marxista, da educação e também princípios gerais,
marxistas, que orientem a prática educativa. Mas, não concor-
do com a possibilidade de elaborar uma pedagogia socialista,
isto é, uma teoria da educação voltada para a aplicação prática
desses princípios em um sistema geral de educação durante a
vigência do capitalismo.
Referências bibliográficas
CLAUDÍN, F. A crise do movimento comunista. São Paulo,
Expressão Popular, 2013.
MANACORDA, M. História da educação. São Paulo, Cor-
tez/Autores Associados, 1989.
MARX. K. Glosas críticas ao artigo O Rei da Prússia e a Re-
forma Social. De um prussiano. São Paulo, Expressão Popular,
2010.
_____, A guerra civil na França. São Paulo, Boitempo, 2011.
SAVIANI, D. Educação Socialista, Pedagogia Histórico-Crí-
tica e os Desafios da Sociedade de Classes. In: LOMBARDI, J.C.
e SAVIANI, D. (orgs), Marxismo e Educação – debates contem-
porâneos. Campinas, Autores Associados/HISTEDBR, 2005.
_____, Marxismo e pedagogia. Campinas, HISTEDBR,
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TONET, I. Educação e ontologia marxiana. In: HISTEDBR
online, 04/2011.
_____, Trabalho associado e revolução proletária. In: Novos
Temas, 05/06. 2012.
_____, O grande ausente. In: O Viés, 05/2012.
_____, O grande ausente e os problemas da educação.
62 • Ivo Tonet
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES
E A POSSIBILIDADE DA
EMANCIPAÇÃO HUMANA
Introdução
É frequente ouvir-se a afirmação de que sem uma educação
de alta qualidade não pode haver desenvolvimento. E que,
para isso, a formação dos professores é elemento fundamental.
Citam-se, então, como exemplos positivos; Finlândia,
Cingapura, Japão e alguns outros, e como exemplos negativos:
a maioria dos países periféricos. Com isso fica implícito que
a culpa pelo não desenvolvimento é da falta de educação de
boa qualidade. Na grande maioria das vezes, nem se pergunta
o que é desenvolvimento, o que é qualidade e muito menos
se questiona a relação da educação com as outras dimensões
sociais e, de modo especial, com a economia. Infelizmente,
não é só no campo conservador que vicejam essas ideias, mas
também no campo dito progressista. Cabe, pois reexaminar
com cuidado essa problemática. Para isso, é preciso perguntar:
quais as finalidades da educação e da formação de professores?
Quem estabelece essas finalidades? A quem servem a educação
e a formação de professores? Essas perguntas são necessárias
porque sabemos que essa sociedade é dividida em classes de
modo que não se pode ser ingênuo e supor que é “a sociedade”
em geral que estabelece as finalidades da educação e da
formação dos professores.
64 • Ivo Tonet
Esse modo de pensar não é algo exclusivo dos conservado-
res. Também muitos que se pretendem progressistas pensam do
mesmo modo.
Para evitar esse tipo de pensamento é necessário começar
por mudar os pressupostos metodológicos. É por onde inicia-
remos a nossa exposição.
Nossos Pressupostos
Como já tratamos, em diversos textos, dessa problemática,
faremos, aqui, apenas um breve resumo.
Para entender o que é a sociedade é preciso começar pelo
ato fundante dela, vale dizer, pelo trabalho. Por trabalho, en-
tendemos o intercâmbio do homem com a natureza através do
qual o ser humano transforma a natureza e, ao mesmo tempo,
transforma a si mesmo. É a partir dele que se cria a riqueza
material sem a qual seria impossível a reprodução da socieda-
de. Desta forma, o modo como os seres humanos se organi-
zam para transformar a natureza sempre será o fundamento de
qualquer forma de sociabilidade.
O trabalho, porém, não esgota a realidade social. Junto com
ele ou a partir dele surgem inúmeras outras dimensões so-
ciais, tais como linguagem, socialidade, educação, arte, religião,
ciência, Direito, política, etc. Todas essas dimensões tem uma
dependência ontológica em relação ao trabalho, ou seja, ele é
a condição fundamental de sua existência. Do mesmo modo,
todas elas têm uma autonomia – relativa – em relação ao tra-
balho, uma vez que cada uma delas exerce uma função social
específica e diferente dele. E, por último, há uma determinação
recíproca entre todas elas, incluindo o próprio trabalho.
Isto nos permite afirmar que a dimensão que funda a so-
66 • Ivo Tonet
O que é qualidade?
Para compreendermos adequadamente o que é qualidade e
não cair em divagações subjetivas, nada melhor do que come-
çarmos pela análise do ato que funda a sociedade, o trabalho.
Entendemos, fundados na ontologia lukacsiana do ser social,
que o trabalho é o modelo de todas as atividades humanas. Em
sentido ontológico, trabalho é uma síntese entre o momento
subjetivo (consciência, prévia-ideação, estabelecimento de fins)
e o momento objetivo (natureza natural), através da qual os se-
res humanos transformam a natureza adequando-a ao atendi-
mento das suas necessidades e, ao mesmo tempo, transformam
si mesmos. Tudo isso pela mediação da atividade prática.
Como se pode ver ao analisar a estrutura básica de qual-
quer atividade humana, todas elas seguirão o mesmo modelo.
Todas implicam um momento subjetivo prévio e um momento
objetivo, qualquer que seja, articulados pela mediação de uma
determinada prática. Parte dessa atividade prática é dedicada
à busca e à articulação dos meios que permitam atingir o fim
colimado. Pode-se, a partir disso, compreender que a qualidade
dos meios é determinada pelos fins que se pretende atingir.
Exemplificando: se o objetivo for construir uma mesa, deverão
ser buscados os meios adequados a esse fim.
Quando, pois, se fala em qualidade, a primeira pergunta que
deve ser feita é: que fins se pretendem atingir? Que meios são
adequados para atingir tais fins? Quando nos referimos à socie-
dade, é sempre preciso perguntar também: quem estabelece os
fins? Eles podem ser postos tanto pelos indivíduos e/ou outros
por outros grupos sociais. Neste último caso, será preciso per-
guntar: qual(is) é(são) o(s) sujeito(s) ou o(s) mais importante(s)
na determinação dos fins? Como se articulam os fins indivi-
duais e os fins coletivos?
68 • Ivo Tonet
formação dos professores é o capital. Ele é o “sujeito” funda-
mental dessa sociedade e suas “personnae” são os burgueses.
Independente de qualquer discurso humanista ou idealista, o
objetivo fundamental da educação é a reprodução do próprio
capital. Expressando esses fins, diz a Constituição brasileira no
seu art. 205: “A educação, direito de todos e dever do Estado
e da família, será promovida e incentivada com a colaboração
da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho”. Mais claro, impossível. Os grandes fins da educação
são: qualificação para o trabalho, educação para a cidadania e
formação dos dirigentes da sociedade.
Já demonstramos em vários outros textos que qualificação
para o trabalho significa, em resumidas contas, formação de uma
mercadoria para ser vendida no mercado e para ser explorada.
Nesse sentido, nenhuma ilusão ou idealização é possível. Mas,
a qualificação para o trabalho também pode significar, embora
em muito menor número, a formação dos dirigentes do proces-
so de exploração, mesmo que o maior aprendizado destes se dê
nas próprias empresas. No caso da formação para a cidadania,
também já deixamos claro que cidadão, mesmo quando crítico
e participativo, não passa de um indivíduo genérico e abstrato
porque, independente das suas reais e importantes diferenças, é
tomado como igual a todos. Cidadão é o outro lado da moeda
do indivíduo privado (citoyen x bourgeois). A cidadania não
só não se opõe á propriedade privada, origem da desigualdade
social, como ela a pressupõe. Formar para cidadania significa,
pois, formar para viver na sociedade capitalista, aceitando-a
como a melhor forma possível da sociabilidade e da liberdade
humanas. Nada mais, nada menos! Que a cidadania seja mais
ou menos ampla, mais ou menos sólida faz muita diferença
para a vida concreta das pessoas, mas não tem a menor inci-
dência no nível de análise em que nos situamos.
70 • Ivo Tonet
Como já tratamos dessas questões em outros textos, faremos
aqui apenas um breve resumo10.
Emancipação humana, no sentido marxiano do termo, é
uma forma de sociabilidade na qual todos os indivíduos serão
plenamente livres, isto é, uma forma de sociedade em que os
homens serão, efetiva e o mais plenamente possível, senhores
da sua história. Vale lembrar que só se é livre em sociedade;
que indivíduo isolado, livre, nada mais é do que uma ficção.
Porém, para que os homens sejam efetivamente livres, faz-se
necessária uma base material que lhes propicie o acesso aos
bens – materiais e espirituais – necessários à satisfação das
suas necessidades e, com isso, à sua plena realização como
membros do gênero humano11. Essa base material tem um
nome: trabalho associado, isto é, uma forma de trabalho na
qual todos põem em comum a suas forças – físicas e mentais
-, na medida das suas possibilidades e capacidades. Esta forma
de trabalho, fundada em um amplo desenvolvimento das forças
produtivas propiciado pelo próprio capitalismo permite um
tempo de trabalho necessário muito pequeno e um enorme
tempo livre. Deste modo, como afirma Marx, uma sociedade
plenamente emancipada é a articulação entre tempo de traba-
lho necessário – sob a forma de trabalho associado – e tempo
livre – espaço de desenvolvimento das variadas potencialida-
des humanas. Resumindo: emancipação humana é igual a uma
sociedade comunista.
Respondendo a segunda questão: é possível a emancipação
humana? Resumindo uma resposta mais complexa: se entender-
mos que são exclusivamente os homens que fazem a história,
72 • Ivo Tonet
Obviamente, a efetivação desse processo que leve à eman-
cipação humana implica inúmeras outras condições. Trata-se,
porém, aí, da concreta efetivação dessa tarefa e isso não é ob-
jeto do nosso texto.
Para alcançar aquele objetivo, o proletariado deverá buscar
os meios – teóricos e práticos – adequados. Entre esses meios
se encontra a educação. Vale, porém, lembrar que “As ideias
dominantes são as ideias das classes dominantes”. Isso também
vale a para a educação. É, pois, necessário perguntar se é possí-
vel organizar a educação como totalidade ou, ao menos, como
sistema hegemônico, a serviço dos interesses do proletariado.
Se a resposta for positiva, será preciso demonstrar como isso
seria possível em um sistema controlado pelo Estado a serviço
do capital. Se a resposta for negativa, será preciso continuar
perguntando: o que fazer, então? Existe alguma alternativa?
Responderemos a isso mais adiante.
74 • Ivo Tonet
resultados desse processo13.
Toda essa situação não poderia deixar de ter enormes reper-
cussões para o processo educativo. Mais do que nunca, hoje a
educação está sendo posta, de maneira cada vez mais intensa,
a serviço da reprodução do capital em crise. Todas as conse-
quências perversas, apontadas acima, para os trabalhadores em
geral também valem para aqueles que se dedicam à atividade
educativa.
Adeus às ilusões
Diante disso, não há como pensar ser possível organizar a
educação, como conjunto, de modo a contribuir para a trans-
formação radical do mundo. Ela é hegemonizada pelo capital,
pela mediação do Estado, para servir os seus interesses. A luta
com o capital e com o Estado poderá conquistar algumas vi-
tórias parciais, vitórias essas, dada a crise atual, cada vez mais
escassas. Essas vitórias são, sem dúvida, importantes, mas não
apontam para além do capital, apenas para melhorias no inte-
rior desse sistema.
É urgente que se abandone a ilusão de uma “educação
emancipadora”. Essa pode ser uma intenção piedosa, mas é
absolutamente inviável. O que, a meu ver, se pode fazer, dada a
realidade concreta, são “atividades educativas emancipadoras”14.
76 • Ivo Tonet
sores só poderão realizar a contento essa tarefa se eles mesmos
tiverem esse domínio crítico dos fundamentos metodológicos,
do processo histórico, da sociedade capitalista, da crise vivida
hoje pela humanidade e da possibilidade de construir uma so-
ciedade comunista. Vale observar que os fundamentos meto-
dológicos dessa nova concepção de mundo e de conhecimento
foram elaborados por Marx respondendo aos interesses mais
profundos do proletariado. Elementos importantíssimos a res-
peito do processo histórico e da sociedade capitalista e que
também contribuem decisivamente para compreender a crise
atual foram também foram elaborados por Marx e outros au-
tores clássicos da teoria marxista, como Engels, Lenin, Rosa
Luxemburgo, Trotski, Gramsci, Lukacs, Mészáros e outros.
É meridianamente claro que não é exatamente a esse tipo
de formação que se faz referência quando se fala em “formação
de professores”.
Considerando os inúmeros obstáculos – políticos, ideo-
lógicos, burocráticos e organizativos – que a educação hege-
mônica cria para o desenvolvimento dessas “atividades edu-
cativas emancipadoras”, pode-se imaginar o esforço que deve
ser feito para adquirir essa formação. Em tempos de conser-
vadorismo, irracionalismo, pós-modernismo, reformismo,
produtivismo e até de ativismo, não será nada fácil realizar
aquelas atividades. Somente uma convicção muito solida e
racionalmente fundamentada, uma profunda indignação contra
todas as injustiças sociais e uma paixão pela construção de um
mundo novo poderá fazer frente a todos aqueles obstáculos.
Quando, pois, falamos em formação de professores a que
nos referimos? A uma formação para a reprodução do sistema
social capitalista ou para a emancipação humana? Não existe
meio termo! E não há neutralidade possível!
78 • Ivo Tonet
Educação contra o capital: vol II • 79
Este livro foi composto nas fontes Amiri, Tw
Cen MT e Adobe Garamond Pro em julho de
2020 nas oficinas gráficas da Editora Terra
sem Amos, em Parnaíba, Piauí, Brasil
80 • Ivo Tonet
A
opção é sua, educador: orien-
tar todo o seu esforço, a sua
dedicação, o seu empenho na
direção de uma causa superior
– a emancipação humana – ou gastar as
suas energias contribuindo para a repro-
dução desse sistema social cada vez mais
desumano. E não há neutralidade possí-
vel. A omissão, neste, como em outros
casos, já é uma tomada de posição e, in-
felizmente, em favor da pior causa.