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Omaterialismohistorico Livro

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SANDRA M. M.

SIQUEIRA
Professora da Faculdade de Educação da Universidade
Federal da Bahia (FACED/UFBA) e Coordenadora do
Laboratório de Estudos e Pesquisas Marxistas
(LEMARX/UFBA)

FRANCISCO PEREIRA
Professor e Membro do Laboratório de Estudos e
Pesquisas Marxistas (LEMARX/UFBA)

O MATERIALISMO HISTÓRICO

Salvador-BA, 2019
Laboratório de Estudos e Pesquisas Marxistas
(LeMarx/FACED/UFBA)
Título: O Materialismo Histórico
Autores: Sandra M. M. Siqueira e Francisco Pereira
LeMarx/FACED/UFBA
Salvador, novembro de 2019.
Capa: Dielson Costa
Em homenagem à Friedrich Engels, fundador do
socialismo científico, junto com Marx, e grande
combatente da causa do proletariado.
Dando-se conta de que o antigo materialismo era
inconsequente, incompleto e unilateral, Marx conclui que
era necessário “por a ciência da sociedade de acordo (...)
com a base materialista, e reconstruir esta ciência
apoiando-se nesta base”. Se, de um modo geral, o
materialismo explica a consciência pelo ser e não o
inverso, esta doutrina, aplicada à sociedade humana,
exigia que se explicasse a consciência social pelo ser
social. (V. I. Lênin, As três fontes e as três partes
constitutivas do marxismo).
SUMÁRIO

1. Apresentação ..............................................................................................08

2. O Materialismo Histórico ............................................................................10

2.1. Observação inicial ...........................................................................10


2.2. As formas de consciência são condicionadas e explicadas pelo
ser social .........................................................................................................12
2.3. O ser humano é um ser ativo, é condicionado pelas relações
sociais e as transforma ..................................................................................26
2.4. As condições materiais de produção são a base da sociedade,
das formas de consciência sociais e da superestrutura jurídico-
política .................................................................................................................
..........32
2.5. As formações sociais são transitórias: a transformação dos
modos de produção ........................................................................................46
2.6. A luta de classes como o motor da história .................................56
2.7. A literatura sobre o Materialismo Histórico e dialético após Marx
e Engels ...........................................................................................................61

3. Conclusões ..................................................................................................65
4. Bibliografia ..................................................................................................67
Criadores do Materialismo Histórico

Karl Marx (1818-1883)

Friedrich Engels (1820-1895)


8

1. Apresentação

O presente texto, elaborado pelos militantes e professores Sandra M. M.


Siqueira e Francisco Pereira, do Laboratório de Estudos e Pesquisas Marxistas
(LEMARX-UFBA), foi redigido originalmente para compor o Caderno LEMARX
n. 2, que teve como título Marx/Engels: O Materialismo Histórico. Depois foi
aproveitado como parte do Manual 1 da Formação Marxista, realizada pelo
LEMARX no segundo semestre de 2019.
Na apresentação que fizemos do texto original, dissemos basicamente o
seguinte:
“Seguimos o desenvolvimento da teoria marxista, desta vez, analisando
os passos dados pelos fundadores do marxismo no século XIX para elaborar a
concepção materialista da história, rompendo com as suas concepções
filosóficas idealistas iniciais e colocando as bases de uma nova concepção de
história e de sociedade, que se tornou um verdadeiro guia de compreensão
dos processos sociais, econômicos, políticos e culturais do passado e do
presente.
A primeira síntese mais ampla e sistemática do Materialismo Histórico
veio a lume com os manuscritos de A Ideologia Alemã, de 1845-1846, que,
inacabada, restou não publicada em vida por Marx e Engels. Como afirmou
Marx no Prefácio a Para a Crítica da Economia Política (1859), a publicação
dos manuscritos de A Ideologia Alemã ficou impossibilitada por circunstâncias
adversas, sendo abandonados pelos autores à crítica roedora dos ratos, tanto
mais que já haviam cumprido o objetivo de esclarecer as suas posições
teórico-políticas. Mesmo assim, os manuscritos foram encontrados e
publicados à integra em 1932, pelo Instituo Marx-Engels, na ex-União Soviética
(URSS).
Essa nova concepção de história e de sociedade, cujos embriões se
encontram nas obras de final de 1843 a 1845, que se plasmou em A Sagrada
Família (1845) e Teses dobre Feuerbach (1845) e que teve a sua síntese mais
ampla em A Ideologia Alemã, foi desenvolvida nas obras seguintes, como A
Miséria da Filosofia (1847) e O Manifesto do Partido Comunista (1848).
Nas décadas seguintes, até a morte dos fundadores do marxismo, essa
concepção foi aprofundada e aplicada à análise da origem, desenvolvimento e
9

contradições do capitalismo e às condições objetivas e subjetivas de sua


superação. Teve em O Capital (1867) a sua maior expressão teórica.
Procuramos analisar algumas teses:
1) o Materialismo Histórico é resultado de um processo de avanço do
conhecimento teórico-político de Marx e Engels e das experiências de
organização e luta do proletariado, movimento a qual os fundadores
do socialismo científico se integraram até o final de suas vidas;
2) Essa nova concepção é resultado da fusão entre o materialismo
filosófico e a dialética, numa nova síntese aplicada à análise dos
processos históricos e da sociedade burguesa;
3) O Materialismo Histórico, apesar de se apoiar no desenvolvimento
científico-filosófico anterior, incorporando os conhecimentos
acumulados pela humanidade, rompe com as concepções idealistas
da história e da sociedade;
4) Marx e Engels não desejam chegar a leis eternas e imutáveis, mas a
uma concepção que, partindo da materialidade histórica e social,
coloca-se como um guia para a compreensão dos processos
históricos e da sociedade capitalista atual, tendo em vista a sua
transformação”.
Publicamos o texto de acordo com o original, sem qualquer modificação.
Esperamos que sirva de incentivo ao estudo do tema do Materialismo Histórico
e que estimule também a militância da juventude e dos trabalhadores em suas
organizações e movimentos.
Salvador, novembro de 2019.

Comissão Editorial do LEMARX.


10

2. O Materialismo Histórico

2.1. Observação inicial

O objetivo principal da presente exposição é compreender a Concepção


Materialista da História, pelo menos em seus aspectos mais gerais, ficando os
seus aspectos específicos e os desdobramentos posteriores para outro
momento, quando tivermos analisando a sociedade capitalista, a
superestrutura jurídico-política (Estado, instituições, partidos etc.) e as formas
de consciência social correspondentes a essa formação social historicamente
determinada (filosofia, ciência, arte, direito, religião). 1
A síntese dessa nova concepção de história e de sociedade está exposta
em sua forma mais sistemática em A Ideologia Alemã (1845-1846), como
dissemos, mas, no decorrer da exposição de suas teses, recorreremos a
elementos imediatamente anteriores a esta obra de Marx e Engels – os
chamados elementos embrionários -, bem como às obras posteriores, nas

1
Para além das obras de Marx e Engels citadas neste ponto, sobre o Materialismo Histórico cf.
também: PLEKHANOV, Guiorgui. A concepção materialista da história. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1990; O papel do indivíduo na história. São Paulo: Expressão Popular, 2008; Os
princípios fundamentais do marxismo. São Paulo: Hucitec, 1989; MEHRING, Franz. Karl Marx:
a história de sua vida. São Paulo: Sundermann, 2013; O materialismo histórico. Lisboa:
Antídoto, 1977; LÊNIN, V.I. As três fontes e as três partes constitutivas do marxismo. São
Paulo: Global, 1979; Cadernos Filosóficos: Hegel. São Paulo: Boitempo, 2018; Materialismo e
Empiriocriticismo. Lisboa: Edições Avante, 1982; Sobre o significado do materialismo militante.
In: LUKÁCS, Gyorgy. Materialismo e dialética: crise teórica das ciências da natureza. Brasília:
Editora Kiron, 2011; TROTSKY, Leon. Em defesa do marxismo. São Paulo: Sundermann, 2011;
O ABC do materialismo dialético. In: Política. São Paulo: Ática, 1981; Noventa anos do
Manifesto Comunista. In: MARX, Karl e ENGELS, Friedich. Manifesto Comunista. São Paulo:
Boitempo,1998; O marxismo de nossa época. In: TROTSKY, Leon. O Imperialismo e a crise
econômica mundial. São Paulo: Sundermann, 2008; Questões do modo de vida. São Paulo:
Sundermann, 2009; Trotski e Darwin. Escritos de Trotski sobre a teoria da evolução, dialética e
marxismo. Brasília: Editora Kiron, 2012; BUKHARIN, Nicolai. Tratado de Materialismo Histórico.
Centro do Livro Brasileiro, s/d; RIAZANOV, David. Marx e Engels e a história do movimento
operário. São Paulo: Global, 1984; GRAMSCI, Antônio. Concepção dialética da história. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1991; LUKÁCS, Georg. O Jovem Marx e Outros Textos
Filosóficos. Rio de Janeiro: UFRJ, 2007; A falsa e a verdadeira ontologia de Hegel. São Paulo:
Ciências Humanas, 1979; Os princípios ontológicos fundamentais de Marx. São Paulo:
Ciências Humanas, 1979; Ensaios sobre literatura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965;
Introdução a uma estética marxista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968; Prolegômenos
para uma Ontologia do Ser Social. São Paulo: Boitempo, 2010; História e Consciência de
Classe: estudos de dialética marxista. Porto: Publicações Escorpião, 1974; Para uma ontologia
do ser social. São Paulo: Boitempo, 2012; KORCH, Karl. Marxismo e filosofia. Rio de Janeiro:
Ed. UFRJ, 2008; BOTTIGELLI, Émile. A gênese do socialismo científico. São Paulo:
Mandacaru, 1974; MACLELLAN, David. Karl Marx: vida e pensamento. Petrópolis: Vozes,
1990; As ideias de Engels. São Paulo: Editora Cultrix, 1977; LAPINE, Nicolai. O jovem Marx.
Lisboa: Caminho, 1983; CORNU, Auguste. Carlos Marx; Federico Engels: del idealismo al
materialismo historico. Buenos Aires: Editoriales Platina, 1965.
11

quais os fundadores do marxismo desenvolvem, em diversos aspectos, o


Materialismo Histórico e aplicam o método da dialética materialista à realidade
do capitalismo e da luta de classes do proletariado.
Lembramos que Marx, no Prefácio a Para a crítica da economia política
(1859), falando da sua trajetória até a elaboração da concepção materialista da
história, a propósito de A Ideologia Alemã, disse que ele e Engels, uma vez
chegando a resultados teóricos e políticos comuns, decidiram:

elaborar em comum nossa oposição contra o que há de


ideológico na filosofia alemã; tratava-se, de fato, de acertar as
contas com a nossa antiga consciência filosófica. O propósito
tomou corpo na forma de uma crítica da filosofia pós-hegeliana.
O manuscrito, dois grandes volumes in-octavo, já havia
chegado há muito tempo à editora em Westfália quando fomos
informados de que a impressão fora impedida por
circunstâncias adversas. Abandonamos o manuscrito à crítica
roedora dos ratos, tanto mais a gosto quando já havíamos
atingido o fim principal: a compreensão de si mesmo.2

Marx está falando evidentemente dos manuscritos de A Ideologia Alemã,


que acabaram sendo resgatado entre os diversos manuscritos deixados por
Marx, sendo publicados apenas no século XX, na Rússia soviética, em 1932,
pelo Instituto Marx-Engels. Junto com outros textos publicados apenas no
século XX, como os Manuscritos Econômico-Filosóficos (1932) e os
Grundrisse, cuja primeira edição completa data de 1853, na Alemanha, jogou
luzes sobre o caminho percorrido por Marx e Engels para a crítica da filosofia
idealista de Hegel e dos jovens hegelianos, do materialismo humanista de
Feuerbach e o processo de elaboração do Materialismo Histórico.
Portanto, para se compreender o Materialismo Histórico em todas a sua
complexidade, é preciso analisar o conjunto da obra de Marx e Engels e cotejar
as obras de síntese, escritas entre 1845 e 1848, com toda a produção teórica
posterior, nas quais, por exemplo, Engels retorna à questão da dialética e do
materialismo, e elabora sínteses igualmente importantes como em Anti-Dühring
(1877) – e seu resumo mais popular em Do socialismo utópico ao socialismo
científico (1880) -, além de Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica
alemã (1886), também de Engels.

2
MARX, Karl. Para a crítica da economia política. São Paulo: Abril Cultural, 1982, p. 26.
12

Não podemos também esquecer toda a produção teórica de Marx dos


anos 1860 até sua morte, em 1883. O que inclui os trabalhos econômicos,
como Para a crítica da economia política (1859), junto com sua Introdução e
Prefácio, além da sua obra magna, O Capital (1867). Fora isso, é preciso
também analisar firmemente as pesquisas de Marx sobre as sociedades
primitivas e as demais formações sociais pré-capitalistas, nos Grundrisse
(1857-1858), além de seus estudos sobre a Rússia e os esboços de resposta à
Vera Zasulich, datado de 1881. Passemos às principais teses dessa concepção
de história e de sociedade.

2.2. As formas de consciência são condicionadas e explicadas pelo


ser social

A primeira tese central da concepção materialista da história consiste em


que as formas de consciência sociais são determinadas e explicadas pelo ser
social.
Como dissemos nos pontos sobre a dialética e o desenvolvimento do
pensamento filosófico, até o começa da década de 1840, Marx e Engels eram
hegelianos e, portanto, adeptos da filosofia idealista do grande filósofo alemã,
G. W. F. Hegel. Seus primeiros escritos estão profundamente influenciados
pelas teses defendidas por Hegel.
Entretanto, por intermédio da filosofia materialista de Ludwig Feuerbach e
das experiências pessoais de ambos com problemas sociais, econômicos e
políticos, Marx e Engels chegaram à concepção materialista de mundo, a qual,
em síntese, procura compreender a realidade (natureza e sociedade) a partir
dela mesma, por elementos imanentes e contraditórios, sem a necessidade de
recorrer a quaisquer outros elementos externos produzidos pelas cabeças dos
indivíduos como, por exemplo, a uma suposta “natureza humana abstrata”, a
“princípios gerais a-históricos”, a uma “providência divina”, ao “espírito
absoluto” etc., como muitos dos pensadores do passado o fizeram.
Esta tese se opõe frontalmente a todas as concepções idealistas de
história e de sociedade produzidas ao longo da história do pensamento
filosófico. Desde a Antiguidade, vimos que a investigação filosófico-científica se
dividiu fundamentalmente – mas não exclusivamente -, em duas correntes
13

principais: o materialismo e o idealismo filosófico. Já explicamos anteriormente


o sentido e o alcance de cada uma dessas correntes de pensamento.
Tanto os filósofos idealistas quanto os materialistas deram grandes
contribuições ao avanço das ideais sobre a natureza, a sociedade, a história e
os indivíduos, bem como expuseram em suas obras elementos sociais,
políticos, econômicos e culturais sobre as épocas em que viveram e atuaram.
Cada um deles, a partir de sua própria perspectiva filosófica geral.
No entanto, é preciso realçar aqui que é parte da filosofia idealista de
mundo, de história e de sociedade elaborar a partir do pensamento
especulativo princípios abstratos, formas ideais ou modelos de sociedade,
relações sociais, comportamentos, regras e instituições com base nos quais
procura-se analisar a sociedade efetivamente existente ou moldar os
comportamentos dos indivíduos, de modo a encaixar a sociabilidade real,
concreta, em um modelo ideal abstratamente produzido, previamente criado
pela especulação teórica.
A tese central do idealismo filosófico é, em todas as suas formas de
manifestação, a de que as ideias, o conhecimento, o espírito ou a consciência
determinam e explicam o mundo (natureza, sociedade). Nesse sentido, cada
época histórica é expressão, para o idealismo, de um conjunto de princípios,
ideais, valores ou preconceitos, quando não da vontade de um ser
supraterreno, ou seja, de uma divindade, como nas concepções teológicas.
Essa forma idealista de conceber a relação entre a consciência (as ideais,
o conhecimento) e a realidade material (natureza, sociedade) não escapou à
pena de pensadores idealistas na Antiguidade Greco-romana, na Idade Média
e, ainda persiste na sociedade capitalista moderna, mesmo com todo o impulso
do desenvolvimento científico nas ciências naturais e sociais, desde o século
XVI até o século XXI.
Era assim, por exemplo, que Platão encarava a relação entre o mundo
das ideais (imutáveis, puras) e o mundo da matéria (a realidade mutável e
perecível). Na sua obra A República, como sabemos, procurou moldar uma
forma de sociedade ideal, preservando, essencialmente, as características da
sociedade escravista antiga, mas reformada a partir da sua concepção idealista
de mundo.
14

Não foi diferente a forma como os filósofos escolásticos (Agostinho,


Tomás de Aquino) estabeleceram a relação entre o mundo existente (natureza
e sociedade) e os desígnios da providência divina, expressos nas escrituras
sagradas e nos dogmas da Igreja, justificando ideologicamente as relações
sociais, políticas, econômicas e culturais do medievo. Plekhanov, numa
conferência sobre Da filosofia da História, realizada em 1901, em Genebra,
argumenta a respeito da concepção teológica de mundo e de história:

Que é a filosofia ou concepção teológica da História? É esta a


concepção mais primitiva e está intimamente ligada aos
primeiros esforços feitos pelo pensamento humano para
explicar o mundo exterior. (...) Em sociedades por vezes
bastante civilizadas era admitido que se explicasse o
movimento histórico da humanidade como manifestação da
vontade de uma ou de muitas divindades. Essa explicação da
História pela ação da divindade é o que chamamos de
concepção teológica da História”.3

No século XVI começa a grande revolução científica. A concepção


idealista de mundo, em particular da natureza, e os dogmas da Igreja passam a
ser questionados. Pensadores como Copérnico, Bruno, Kepler, Galileu e
Newton despontam como verdadeiros impulsionadores do conhecimento
científico sobre os fenômenos da natureza, a partir deles próprios, sem a
necessidade de um elemento exterior, em particular de uma providência divina.
Nos séculos XVII e XVIII, novos cientistas e filósofos aprofundam as teses
do materialismo filosófico, combatendo as teses do idealismo, como Bacon,
Locke, Helvétius e Holbach. Outros pensadores, como Voltaire, Diderot,
Rousseau, Kant, Hegel, no bojo do pensamento da Ilustração, deram profundas
contribuições ao desenvolvimento do pensamento crítico e, portanto, também
ajudaram firmemente a avançar o conhecimento em várias áreas das ciências
sociais e da história.4

3
Cf. PLEKHANOV, Guirgui. O papel do indivíduo na História. São Paulo: Expressão Popular,
2008.
4
A burguesia soube, é claro, apoiar-se nas críticas dos pensadores materialistas e dos
cientistas às concepções e dogmas da Igreja, para avançar na sua organização e combate ao
domínio da nobreza feudal e do clero e abrir, portanto, as portas para conquistas políticas e
econômicas, até criar as condições para dirigir as revoluções democrático-burguesas, como
foram as revoluções na Inglaterra e França, tomando o poder do Estado, amparada no
chamado Terceiro Estado (camponeses, artesãos, operários), consolidando o seu domínio de
classe, construindo o seu Estado burguês e desenvolvendo as relações econômicas
capitalistas.
15

Entretanto, do ponto de vista das ciências sociais, da visão sobre a


sociedade e os indivíduos, os pensadores burgueses do século XVII e XVIII –
e, podemos dizer até praticamente meados do século XIX -, ainda estavam
profundamente acorrentados a visões idealistas, ora concebendo a essência
humana como algo abstrato e imutável, as épocas históricas como produto de
ideias, opiniões, valores ou preconceitos – por exemplo, olhavam a Idade
Média como uma longa noite da humanidade, determinada pelas concepções
escolásticas, os dogmas e os preconceitos da Igreja -, a sociedade, como
produto de um acordo ou contrato entre indivíduos, que, em seu estado natural,
encontravam-se isolados uns dos outros. Quando admitiam as mudanças,
faziam-no no quadro da sociedade capitalista em desenvolvimento e
encaravam esta última como expressão das ideias de liberdade, igualdade e
fraternidade, como o reino da razão.
Na esteira de Plekhanov, podemos dizer que:

a concepção idealista – da qual Voltaire e seus amigos eram


partidários convictos – consiste em explicar esta mesma
evolução pela evolução dos costumes e das ideias ou da
opinião, como se dizia no século XVIII. (...) Uma vez que é a
opinião quem governa o mundo, é evidente que ela é a causa
fundamental, e não há razão de se estranhar que um
historiador recorra à opinião como a uma força que produz em
última instância os acontecimentos desta ou daquela época.
(...) Mas, entre os filósofos do século XVIII, havia muitos que
são conhecidos como materialistas. Tais eram, por exemplo,
Holbach, o autor do célebre Sistema da Natureza, e Helvétius,
autor do livro não menos célebre Do Espírito. É natural admitir-
se que pelo menos estes filósofos não aprovavam a concepção
idealista da História. Pois bem, tal suposição, por mais natural
que pareça, é erronia: Holbach e Helvétius, materialistas em
sua concepção da natureza, eram idealistas no que se refere à
História. Como todos os filósofos do século XVIII, como toda a
“sequela dos enciclopedistas”, os materialistas daquele tempo
acreditavam que a opinião governava o mundo e que a
evolução da opinião explica, em última instância, toda a
evolução histórica.5

Não se perguntavam, por exemplo, porque se pensava de um jeito numa


determinada forma de sociedade e, de outro, em outras formas. No mais das
vezes, procurava-se compreender as sociedades pelo que os filósofos
pensavam a seu respeito, pelas ideais, valores, preconceitos e opiniões de

5
Idem, pp. 23-24.
16

uma época. Esteja longe dessas perspectivas, buscar compreender as obras


de determinados pensadores e as opiniões de cada época a partir de uma
análise consistente e histórica das condições materiais de existência social,
das relações sociais estabelecidas entre os homens, das formas de
organização da produção e do trabalho, do nível de desenvolvimento das
forças produtivas, entre outros elementos histórico-sociais.
Deixemos de lado, por enquanto, as concepções de história e de
sociedade anteriores a Marx e Engels. Voltaremos a elas mais adiante. Aqui,
queremos deixar claro que, apesar dos autores materialistas do século XVIII
serem idealistas na sua explicação da história e da sociedade, de conjunto, foi
o materialismo filosófico que direcionou mais coerentemente o
desenvolvimento do conhecimento filosófico-científico de maneira rigorosa e
em sintonia com a realidade da natureza e da sociedade.
É, portanto, por meio do acúmulo do debate dos filósofos e cientistas
materialistas da Antiguidade Greco-romana a Feuerbach, que Marx e Engels
superam a sua forma idealista inicial de pensamento – de base hegeliana -, e
passam a compreender que o “ser” (natureza e sociedade) condiciona o
surgimento e o desenvolvimento da “consciência” (ideias, espírito,
conhecimento) e que a própria consciência é resultado de um longo e
complexo processo de mudança e transformação da matéria e do próprio ser
humano, com seu cérebro e a sua capacidade de pensar, de racionar, de
desenvolver as ideias, o pensamento.
Toda a elaboração da concepção materialista de mundo e de Marx e
Engels, a partir de então, assenta-se na posição filosófico-científico de que a
“consciência” deve ser explicada pelo “ser” e não o contrário, como sempre
defenderam os filósofos idealistas ao longo da história do pensamento.
Mas, há pensadores materialistas e materialistas. As formas de encarar a
relação entre o “ser” e a “consciência” foram marcadas por diversos traços, que
conformaram as particularidades de cada sistema filosófico. No século XVII e
XVIII, o que a ciência ganhou em termos de análise das particularidades dos
fenômenos, perdeu na compreensão de conjunto da realidade e, portanto,
tendeu ao materialismo mecanicista, não dialético.
Marx e Engels beberam na fonte do pensamento de Hegel e souberam
fundir numa única concepção de mundo, de história e de sociedade, o
17

materialismo e a dialética. Como dialéticos, desde cedo destacaram,


claramente, a recíproca influência do pensamento, das ideias, da consciência,
por meio da atividade humana, na realidade, na sua transformação. Daí porque
a sua concepção de mundo e de sociedade é ao mesmo tempo materialista -
fundada nas condições materiais de existência - e dialética - a realidade está
em movimento e transformação -, diferenciando-se marcadamente das
concepções materialistas vigentes no século XVIII – o materialismo mecânico –
que, em essência, permaneceram vigentes ainda na filosofia de Feuerbach.
Como dissemos também, a trajetória que leva os dois revolucionários
alemães do idealismo hegeliano (ou jovem hegeliano) ao materialismo – como
do democratismo ao comunismo – é muito complexa e conflituosa. O período
que vai de 1842-1843 (Gazeta Renana, Crítica da Filosofia do Direito de Hegel)
a 1844 (Introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel, A questão judaica,
Esboço de uma crítica da economia política, Manuscritos Econômico-
filosóficos, Glosas Críticas Marginais ao artigo “O rei da Prússia e a reforma
social”, de um prussiano) corresponde precisamente a esse período de
evolução rápida e de verdadeiros saltos dialéticos no pensamento e na atuação
política dos dois jovens revolucionários alemães.6
Marx e Engels haviam se tornado pensadores materialistas e comunistas.
Haviam também chegado a uma concepção comum de mundo, de história e de
sociedade, que criou os fundamentos teórico-políticos para a elaboração das
primeiras sínteses da nova concepção: o Materialismo Histórico.
Lênin destaca em As três fontes e as três partes constitutivas do
marxismo que, desde “1844-1845, época em que se formaram as suas ideias,
Marx era materialista”. Observa que em setembro de 1844, “Friedrich Engels
vai a Paris por alguns dias, e torna-se desde então amigo mais íntimo de Marx.
Ambos tomaram parte na vida intensa que na época tinham os grupos
revolucionários de Paris”.7

6
Uma vez mais, as seguintes obras: MARX, Karl. Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. São
Paulo: Boitempo, 2005; Introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel. In: MARX, Karl.
Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. São Paulo: Boitempo, 2005; A questão judaica. São
Paulo: Boitempo, 2010; Manuscritos Econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2006, Glosas
Críticas Marginais ao artigo “O rei da Prússia e a reforma social”, de um prussiano . São Paulo:
Expressão Popular, 2010; ENGELS, Friedrich. Esboço de uma crítica da economia política. In:
ENGELS, Friedrich. Política. São Paulo: Ática, 1981.
7
Cf. LENIN, V. I. As três fontes e as três partes constitutivas do marxismo. São Paulo: Global,
1979, p. 11-16.
18

Em Paris, Marx e Engels discutiram durante dias as suas concepções e


verificaram que haviam chegado às mesmas conclusões intelectuais e
políticas. Como produto dessa consonância de ideias, observa Lênin,
“escreveram em comum A Sagrada Família ou a Crítica da Crítica Crítica. Este
livro (...) do qual a maior parte foi escrita por Marx lançou as bases deste
socialismo materialista revolucionário”.8
Para Lênin, na medida em que deu conta de que o antigo materialismo
era

inconsequente e unilateral, Marx concluiu que era necessário


‘por a ciência da sociedade de acordo (...) com a base
materialista, e reconstruir esta ciência apoiando-se nesta base.
Se, de um modo geral, o materialismo explica a consciência
pelo ser e não o inverso, esta doutrina, aplicada à sociedade
humana, exigia que se explicasse a consciência social pelo ser
social.9

Como pensadores materialistas, Marx e Engels chegaram ao longo de


1843-1844 à essa conclusão e lançaram essas bases do socialismo científico
em A Sagrada Família, a partir da polêmica com os jovens hegelianos dirigidos
por Bauer, e, no essencial, os fundadores do marxismo concluíram desse
debate que, assim como a “consciência” (as ideias, o pensamento, o espírito)
deve ser explicada pelo “ser” (pelas condições materiais, natureza), as formas
de consciência sociais (filosofia, ciência, religião, arte, etc. e a superestrutura
jurídico-política) devem ser compreendidas e explicadas a partir das condições
materiais da existência humana, isto é, pelo “ser social” (sociedade).
Essa concepção foi exposta de maneira mais geral nos manuscritos de A
Ideologia Alemã (1845-1846). É preciso, portanto, compreender o processo que
levou a essa revolução filosófico-científica realizada por Marx e Engels.
Os embriões da concepção materialista de Marx sobre a sociedade e o
Estado aparecem na Crítica da Filosofia do Direito de Hegel (1843), quando
Marx, ao voltar a estudar o pensamento hegeliano, afirma que “Hegel, por toda
parte, faz da Ideia o sujeito e do sujeito propriamente dito, assim como da
‘disposição política’ faz o predicado” e que “Hegel quer, em toda parte,
apresentar o Estado como a realização do Espírito livre”. Ou quando diz, na
mesma obra, que na concepção hegeliana,
8
Idem, p. 61.
9
Idem, p. 21-22.
19

A Ideia é subjetivada e a relação real da família e da sociedade


civil com o Estado é apreendida como uma atividade interna
imaginária. Família e sociedade civil são os pressupostos do
Estado; eles são os elementos propriamente ativos; mas, na
especulação, isso se inverte.10

Essa intuição genial da relação entre o Estado e a sociedade, já sob a


influência do materialismo filosófico de Feuerbach, vai tomar formas mais
precisas nos anos seguintes, mediada não só pelo aprofundamento dos
conhecimentos de Marx e Engels sobre a história, a política e a sociedade
moderna, como pelo encontro e envolvimento dos jovens revolucionários com o
movimento operário e o proletariado. Essa exigência de explicar as formas de
consciência e as instituições jurídico-políticas pelas condições materiais de vida
vai se tornando ainda mais concreta.
Os estudos sobre o ser social – a sociedade – e, portanto, das suas
condições materiais de existência social - a “anatomia da sociedade
burguesia”, como dirá Marx mais adiante, principiam ainda em Paris, em 1843,
expressando-se, por exemplo, nos Cadernos de Paris e nos Manuscritos
Econômico-filosóficos, ambos de 1844, mas vão se desenvolvendo em
vastidão e profundidade ao longo da vida dos revolucionários alemães. Nesses
textos, o estudo materialista da sociedade capitalista resulta na primeira crítica
social e comunista da ordem do capital, da propriedade privada, das formas de
alienação dos homens na sociedade e do trabalho alienado no capitalismo. 11
Certamente, em Glosas Críticas (de Marx, 1844) e em A situação da
classe trabalhadora na Inglaterra (de Engels, 1845), os dois revolucionários vão
penetrando mais concretamente nas condições materiais da vida social, que
estão na base do desenvolvimento das formas de consciência social da
sociedade moderna capitalista e da superestrutura jurídico-política, das
condições de vida da classe operária e da classe dominante e do processo de
exploração da força de trabalho, como mola propulsora da produção de riqueza
social e dos conflitos de interesses e, portanto, da luta de classes que se
desenvolve sob essa base material.12

10
MARX, Karl. Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. São Paulo: Boitempo, 2005, p. 30-32 e
74.
11
Cf. MARX, Karl. Manuscritos Econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2006.
20

Em 1859, no Prefácio a Para a Crítica da Economia Política, a propósito


de sintetizar a sua trajetória teórica, Marx afirma que, a partir da crítica do
pensamento hegeliano e do idealismo filosófico em geral, juntamente com
Engels concluiu que as

relações jurídicas, tais como formas de Estado, não podem ser


explicadas nem a partir de si mesmas, nem a partir do assim
chamado desenvolvimento geral do espírito humano, mas, pelo
contrário, elas se enraízam nas relações materiais de vida.13

A explicação materialista dessa questão, observa Marx na mesma obra,


está na tese de que

O modo de produção da vida material condiciona o processo


em geral da vida social, política e espiritual. Não é a
consciência dos homens que determina o seu ser, mas, ao
contrário, é o ser social que determina sua consciência”.14

Marx resolveu, então, estudar mais detidamente a “anatomia da


sociedade burguesa”, isto é, a “ Economia Política”. O fato é que, do final de
1845 a 1847, Marx e Engels escreveram uma série de obras conjuntas ou
individuais que representam as primeiras sínteses da nova concepção. Além de
A Sagrada Família (1845), de ambos os autores, são desse período A situação
da classe trabalhadora na Inglaterra (1845, de Engels), Teses sobre Feuerbach
(1845, de Marx), A Ideologia Alemã (1845-1846, de Marx e Engels), Carta a
Anenkov (1846, de Marx) e A Miséria da Filosofia (1847, de Marx). É
precisamente nestas obras que a nova concepção de mundo e de sociedade
se expressa com mais força, em particular no âmbito de A Ideologia Alemã
(1846), sem dúvida a primeira grande síntese do Materialismo Histórico.
Passemos, então, ao essencial dessas obras.15

12
MARX, Karl. Glosas Críticas Marginais ao artigo “O rei da Prússia e a reforma social”, de um
prussiano. São Paulo: Expressão Popular, 2010; ENGELS, Friedrich. A situação da classe
trabalhadora na Inglaterra. São Paulo: Boitempo, 2007.
13
MARX, Karl. Prefácio à Para a Crítica da Economia Política. São Paulo: Abril Cultural, 1982,
p. 25.
14
Cf. MARX, Karl. Prefácio à Para a Crítica da Economia Política. São Paulo: Abril Cultural,
1982, p. 25.
15
Cf. MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A sagrada família. São Paulo: Boitempo, 2003; A
ideologia alemã. São Paulo: Expressão Popular, 2009; ENGELS, Friedrich. A situação da
classe trabalhadora na Inglaterra. São Paulo: Boitempo, 2007; MARX, Karl. Teses sobre
Feuerbach. In: MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo,
2002; Carta a Annenkov. In: MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Obras Escolhidas. Lisboa:
Edições Avante!, 1982; Miséria da Filosofia: resposta à filosofia da miséria do senhor
Proudhon. São Paulo: Centauro, 2003.
21

Em A Sagrada Família, em base à polêmica travada contra o grupo


dirigido por Bruno Bauer e consortes, que pretendiam analisar todas as coisas
do mundo a partir de sua categoria da “consciência de si” e que propunham
como redenção para os males sociais a reforma das consciências,
conformando uma concepção idealista e especulativa, adornada por uma
retórica vazia e pretensiosa, supostamente superior à ação das massas
populares, Marx e Engels não só realizam uma crítica intransigente e
revolucionária ao idealismo filosófico alemão, como defendem as bases do
materialismo e as posições comunistas.
Como observam os fundadores do marxismo, para os filósofos da “crítica
crítica”, “todo o mal reside apenas no modo de ‘pensar’ do trabalhador”. 16 Como
bons conselheiros, sua filosofia “crítica” adverte especulativamente às massas
pobres da população que basta eliminar a sua atual forma de consciência
dominada, que toda a realidade ao seu redor se modificará.
Em resposta, Marx e Engels ironizam: “A Crítica crítica, pelo contrário,
quer fazê-los crer que deixarão de ser trabalhadores assalariados na realidade
apenas com o fato de deixar de se considerarem trabalhadores assalariados
em pensamento”. E advertem: “Mas esses trabalhadores massivos e
comunistas, que atuam nos ateliers de Manchester e Lyon, por exemplo, não
creem que possam eliminar, mediante o ‘pensamento puro’, os seus senhores
industriais e a sua própria humilhação prática”. Os trabalhadores sabem “que
propriedade, capital, dinheiro, salário e coisas do tipo não são, de nenhuma
maneira, quimeras ideais de seu cérebro” e que, portanto, para mudar a sua
situação de exploração, é preciso “a mudança real de sua existência, quer
dizer, das condições reais de sua existência”.17
Nas Teses sobre Feuerbach, que só foram publicadas postumamente por
Engels, em 1888, Marx elabora em forma de 11 teses a sua nova concepção
materialista e dialética, desta vez contrapondo-se à concepção materialista de
Ludwig Feuerbach que, juntamente com Proudhon, havia defendido e poupado
de críticas em A Sagrada Família, na polêmica com o grupo de Bruno Bauer.
Dessa vez, porém, Marx investe contra os aspectos mecanicistas e as

16
Cf. MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A sagrada família. São Paulo: Boitempo, 2003, p. 65.
17
Idem, p. 65-66.
22

debilidades do materialismo de Feuerbach, delimitando a sua nova concepção


materialista de mundo, de história, de sociedade e dos indivíduos.
Para tanto, a realidade, a prática social, as condições materiais de vida
social comparecem como o critério objetivo de aferição da conformidade das
ideais, do conhecimento, da consciência com o movimento do mundo objetivo –
natureza e sociedade -, de modo que Marx reivindica dois elementos
essenciais: a unidade entre a teoria e a prática social e a importância desta
última como parâmetro para a produção e crítica do próprio conhecimento.
Aponta, portanto, para uma concepção materialista ativa e não puramente
contemplativa e metafísica, como no materialismo do século XVIII e do próprio
Feuerbach. Diz Marx:

A questão de saber se ao pensamento humano cabe


alguma verdade objetiva não é uma questão de teoria, mas
uma questão prática. É na prática que o homem tem de provar
a verdade, isto é, a realidade e o poder, a natureza citerior de
seu pensamento. A disputa acerca da realidade ou não
realidade do pensamento – que é isolada da prática – é uma
questão puramente escolástica.18

Como tal, a própria essência humana perde, com Marx, qualquer caráter
de imutabilidade, de algo dado de uma vez para sempre, e se converte em
produto das condições histórico-sociais de cada época do desenvolvimento da
humanidade. Para ele, “a essência humana não é uma abstração intrínseca ao
indivíduo isolado. Em sua realidade, ela é o conjunto das relações sociais”. 19
Nesse caso, não há qualquer coisa de imutável, de absoluto, de definitivo
na história, na sociedade e no conhecimento. Em se tratando das ideias, do
conhecimento, das formas de consciências sociais, estas não só têm como
base, fundamento, cimento, as condições materiais de existência social, como
devem ter a própria realidade histórico-social como critério de sua objetividade.
Em A Ideologia Alemã – obra escrita em 1845-1846, publicada somente
no século XX na Rússia soviética - o caráter histórico-social das ideias, do
conhecimento, das formas de consciência social e sua relação com as
condições materiais de existência social ganham uma formulação mais
sistemática. A nova concepção materialista da história não deduz a realidade

18
Idem, pp. 119-120.
19
Idem, p. 121.
23

da teoria, mas a teoria da realidade social. Ou, nas palavras dos fundadores do
marxismo, a teoria não “desce do céu à terra”, mas sobe

da terra ao céu. Isto é, não se parte daquilo que os homens


dizem, imaginam ou se representam, e também não dos
homens narrados, pensados, imaginados, representados, para
daí se chegar aos homens em carne e osso; parte-se dos
homens realmente ativos, e com base no seu processo real da
vida apresenta-se também o desenvolvimento dos reflexos e
ecos ideológicos desse processo de vida.20

Diferentemente das concepções idealistas elaboradas ao longo da história


do pensamento, que acabam por dar um caráter independente às ideais,
fazendo-as determinar a própria realidade (natureza e sociedade), como se
tivessem verdadeiramente uma autonomia absoluta em relação à base
material, o Materialismo Histórico defende exatamente o contrário. Apesar de
reconhecer uma certa autonomia relativa ao desenvolvimento do
conhecimento, das ideias, no curso do processo histórico, a concepção
marxista defende, mutatis mutandis, a tese de que a elaboração do
pensamento está

entrelaçado com a atividade material e o intercâmbio material


dos homens, linguagem da vida real. O representar, o pensar,
o intercâmbio espiritual dos homens aparece aqui como direta
exsudação do seu comportamento material. O mesmo se aplica
à produção espiritual como ela se apresenta na linguagem da
política, das leis, da moral, da religião, da metafísica etc., de
um povo. Os homens são os produtores das suas
representações, ideias etc., mas os homens reais, os homens
que realizam, tal como se encontram condicionados por um
determinado desenvolvimento das suas forças produtivas e
pelas relações que a estas corresponde até as suas formações
mais avançadas. A consciência nunca pode ser outra coisa
senão o ser consciente, e o ser dos homens é o seu processo
real de vida.21

Diferentemente do idealismo filosófico e das concepções especulativas da


história, para a concepção materialista da história “A consciência é, portanto,
de início, um produto social e o será enquanto existirem homens” 22. Dessa
forma,

20
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2002, p. 31.
21
Idem, p. 31.
22
Idem, p. 23-24.
24

Não é a consciência que determina a vida, é a vida que


determina a consciência. No primeiro modo de consideração,
parte-se da consciência como indivíduo vivo. No segundo, que
corresponde à vida real, parte-se dos próprios indivíduos vivos
reais e considera-se a consciência apenas como a sua
consciência.23

Na Carta a Annenkov, datada de 28 de dezembro de 1846, a propósito de


realizar uma síntese crítica do pensamento de Proudhon, Marx formula uma
posição acerca da produção do conhecimento e, portanto, do caráter das
categorias, que permanecerá em todo o curso de sua obra, inclusive em O
Capital (1867). É a ideia de que as categorias, os conceitos, exprimem
determinações da realidade (natureza e sociedade) e, como tal, são tão
mutáveis quanto a própria realidade cujos elementos expressam. Na visão de
Marx,

os homens, ao desenvolverem as suas faculdades produtivas,


isto é, ao viverem, desenvolvem certas relações entre eles, e
que o modo dessas relações muda necessariamente com as
modificações e o crescimento dessas faculdades produtivas.24

Daí que as categorias, os conceitos, têm uma base histórico-social e


expressem relações e fenômenos objetivamente existentes na realidade
(natureza e sociedade). Não são mera representação subjetiva da consciência
dos indivíduos ou uma invenção. Nem são algo construído a priori, ao qual se
deve encaixar e acorrentar a realidade. Mais tarde, em O Capital, Marx dirá: “as
categorias exprimem, portanto, formas de modos de ser, determinações de
existência”.25
Para Marx, além de exprimirem relações sociais reais, existentes na
natureza e na sociedade, as categorias também se transformam com o
desenvolvimento da vida social e das formas de sociedades. Nas palavras de
Marx, “as categorias são tão pouco eternas quanto as relações que
exprimem”.26 Criticando ainda Proudhon, Marx argumenta que um dos erros
cruciais daquele autor consiste em colocar, de um lado, “as ideias eternas, as

23
Idem, p. 32.
24
MARX, Karl. Carta a Annenkov. In: MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Obras Escolhidas.
Lisboa: Edições Avante!, 1982, p. 549.
25
MARX, Karl. Introdução. In: MARX, Karl. Para a Crítica da Economia Política. São Paulo:
Abril Cultural, 1982, p. 18.
26
MARX, Karl. Carta a Annenkov. In: MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Obras Escolhidas.
Lisboa: Edições Avante!, 1982, p. 551.
25

categorias da razão pura e, de outro lado, os homens e a sua vida prática, que
é, segundo ele, a aplicação dessas categorias”.27
Marx observa, que tal como acontece com os teóricos da Economia
Política burguesa, o pensador francês

não viu que as categorias econômicas são apenas abstrações


dessas relações reais, que só são verdades na medida em que
subsistam essas relações. Assim, ele cai no erro dos
economistas burgueses que veem nessas categorias
econômicas leis eternas e não leis históricas, as quais só são
leis para um certo desenvolvimento histórico, para um
desenvolvimento determinado das forças produtivas. Assim,
em vez de considerar as categorias político-econômicas como
abstrações feitas [a partir] das relações sociais reais,
transitórias, o Sr. Proudhon, por uma inversão mística, não vê
nas relações reais senão corporizações [incorporations] dessas
abstrações.28

Essa mesma linha de discussão é retomada, de forma mais profunda, em


A Miséria da Filosofia, de 1847, quando Marx, dando continuidade à crítica de
Proudhon, iniciada na Carta a Annenkov (1846), arremata:

Os mesmos homens que estabelecem as relações sociais de


acordo com a sua produtividade material produzem também os
princípios, as ideias, as categorias, de acordo com as suas
relações sociais. Por isso, essas ideias, essas categorias, são
tão pouco eternas como as relações sociais que exprimem.
São produtos históricos e transitórios.29

Durante todo o desenvolvimento do seu pensamento, Marx e Engels


procuraram aplicar rigorosamente esta tese do materialismo histórico. Isso não
significa que as ideias não tenham um papel fundamental para a vida social. É
exatamente o contrário: as ideias, o conhecimento, a consciência são decisivas
para toda a organização social e que, portanto, toda a batalha que se
desenrola em torno da luta de classes passa necessariamente pelo debate de
ideais, pelo avanço do conhecimento social, pelo desenvolvimento da
consciência.
Por meio da atividade humana concreta, as ideias reagem sobre a
realidade, jogando um papel de primeira linha no processo de transformação
dos indivíduos e da vida social. Lembramos que o processo da revolução social

27
Idem, p. 553.
28
Idem, p. 349-550.
29
Cf. MARX, Karl. A Miséria da Filosofia. São Paulo: Centauro, 2003, p. 98.
26

é também um processo de desenvolvimento da consciência de classe do


proletariado sobre a necessidade de por fim à dominação da burguesia e de
construir o domínio dos trabalhadores. Não obstante, contrariamente às
filosofias idealistas, o Materialismo Histórico rejeita qualquer tentativa de dar às
ideias um caráter autônomo absoluto em relação às condições matérias de
vida, como se fossem independentes dos indivíduos e das classes sociais e
regessem a vida social e a história, como uma força exterior.
As ideias têm, sem dúvida, uma certa autonomia relativa, mas não podem
ser compreendidas e explicadas sem igualmente o estudo das bases materiais
da existência social e da história. Também, para o Materialismo Histórico, as
ideias só podem intervir na realidade social por meio da ação humana, nas
condições sociais, econômicas, políticas e culturais de uma determinada
época. Fora desses termos, as concepções filosóficas tendem a recair no
idealismo e, portanto, abrem caminho à mistificação da realidade.

2.3. O ser humano é um ser ativo, é condicionado pelas relações


sociais e as transforma

Na medida em que Marx e Engels se apoiam na concepção materialista


de mundo, por meio de Feuerbach, e promovem a crítica da filosofia idealista
de Hegel e dos jovens hegelianos – e, por tabela, dos fundamentos do
idealismo filosófico como todo – fica cada vez mais evidente a necessidade de
estudar a fundo as diversas formações econômico-sociais vivenciadas pelos
indivíduos ao longo da história da humanidade, em particular a sociedade
burguesa moderna capitalista.
Ao mesmo tempo, ao se aproximarem cada vez mais das organizações
do movimento operário e estudarem a Economia Política, ficavam-lhes
evidentes as lacunas tanto das concepções idealistas quanto do materialismo
mecanicista anterior; as primeiras, por colocar as ideias, o conhecimento e a
consciência no panteão dos deuses, a reger a história e a sociedade,
encarando, muitas vezes, os homens - em particular, os trabalhadores -, como
uma massa passiva (receptiva) na história; as segundas, por encarar as ideias
como uma espécie de secreção do cérebro à moda como o fígado secreta a
bílis, e os próprios indivíduos como um produto passivo do ambiente natural e
social.
27

Na verdade, os indivíduos são seres ativos e, ao mesmo tempo em que


são condicionados pelas relações sociais, atuam sobre elas, transformando-as.
Também restava patente que os indivíduos, por meio da atividade do trabalho,
estabelecem um intercâmbio com a natureza, extraindo dela as condições
materiais para a existência social. Na há, na história do pensamento social,
uma corrente filosófico-científica que tenha reconhecido aos indivíduos - e, por
meio destes, às ideias -, uma importância tão crucial como o marxismo e sua
concepção sobre a história e a sociedade, o Materialismo Histórico.
Antes mesmo de elaborar as primeiras sínteses de sua concepção
materialista da história, Marx chamava a atenção dos seus leitores para a
necessidade das ideias se transformarem em força material, por meio da
atividade das massas trabalhadoras. Retomemos uma passagem citada no
início desta introdução. Na Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel
(1844), Marx reconhece a necessidade das ideias se transformarem em força
material: “É certo que a arma da crítica não pode substituir a crítica das armas,
que o poder material tem de ser derrubado pelo poder material, mas a teoria
converte-se em força material quando penetra nas massas”. 30
Embora no início de sua jornada como materialista e comunista, ainda
tenha uma visão um tanto filosófica do proletariado, enquanto classe social,
Marx vê precisamente nos trabalhadores a classe capaz de romper as cadeias
da exploração capitalista e transformar a sociedade em direção à humanidade
emancipada. Veja-se a resposta de Marx à pergunta “Onde existe então, na
Alemanha, a possibilidade positiva de emancipação”? “Eis a nossa resposta:
Na formação de uma classe que tenha cadeias radicais, (...) que não pode
emancipar-se a si mesma nem se emancipar de todas as outras esferas da
sociedade sem emancipá-las a todas”.31
Em obras como Glosas Críticas Marginais ao artigo “O rei da Prússia e a
reforma social”, de um prussiano i(1844), A situação da classe trabalhadora na
Inglaterra (1845) e A sagrada família (1845), Marx e Engels já encaram o

30
MARX, Karl. Introdução à Crítica da filosofia do direito de Hegel. In: MARX, Karl. Crítica da
Filosofia do Direito de Hegel. São Paulo: Boitempo, 2005, p. 151.
31
Idem, p. 155. É conhecida a seguinte passagem: “Assim como a filosofia encontra as armas
materiais no proletariado, assim o proletariado tem as suas armas intelectuais na filosofia”.
(Idem, p. 156).
28

proletariado como uma classe ativa, capaz de se organizar para lutar pelas
suas reivindicações e pela transformação radical da sociedade existente. 32
Engels diz em A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, a propósito
do estado de coisas vivenciado pelo proletariado, que os trabalhadores são
capazes de “sair dessa situação que os embrutece, criar para si uma existência
melhor e mais humana e, para isso, devem lutar contra os interesses da
burguesia enquanto tal, que consistem precisamente na exploração dos
operários”.33
Em A Sagrada Família, Marx e Engels argumentam:

O proletariado pode e deve libertar-se a si mesmo. Mas ele não


pode libertar-se a si mesmo sem suprassumir suas próprias
condições de vida. Ele não pode suprassumir suas condições
sem suprassumir todas as condições de vida desumana da
sociedade atual, que se resumem em sua própria situação.
Não é por acaso que ele passa pela escola do trabalho, que é
dura, mas forja resistência.34

Nas suas Teses sobre Feuerbach (1845-1846), Marx avança em direção


a uma concepção materialista e dialética inegavelmente superior, em todos os
aspectos, ao materialismo mecanicista do século XVIII e ao de Ludwig
Feuerbach, quanto ao aspecto da ação dos indivíduos e das classes sociais na
história e à capacidade do ser humano de transformar a realidade. Para tanto,
Marx estabelece uma linha de diferenciação entre o seu materialismo e a
concepção dos filósofos do século XVIII e de Feuerbach.
Criticando o caráter contemplativo e metafísico desse materialismo, bem
como o próprio idealismo filosófico na explicação da história e da vida social,
Marx reivindica a articulação dialética entre teoria e prática social:

O principal defeito de todo o materialismo existente até


agora (o de Feuerbach incluído) é que o objeto, a realidade, o
sensível, só é apreendido sob a forma do objeto ou da
contemplação, mas não como atividade humana sensível,
como prática; não subjetivamente. Daí o lado ativo, em
32
MARX, Karl. Glosas Críticas Marginais ao artigo “O rei da Prússia e a reforma social”, de um
prussiano. São Paulo: Expressão Popular, 2010; ENGELS, Friedrich. A situação da classe
trabalhadora na Inglaterra. São Paulo: Boitempo, 2007; MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A
sagrada família. São Paulo: Boitempo, 2003; A ideologia alemã. São Paulo: Expressão Popular,
2009.
33
ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. São Paulo: Boitempo,
2007, pp. 123-124.
34
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A sagrada família. São Paulo: Boitempo, 2003; A ideologia
alemã. São Paulo: Expressão Popular, 2009, p. 49.
29

oposição ao materialismo, [ter sido] abstratamente


desenvolvido pelo idealismo – que, naturalmente, não conhece
a atividade real, sensível, como tal. Feuerbach quer objetos
sensíveis, efetivamente, diferenciados dos objetos do
pensamento: mas ele não apreende a própria atividade
humana como atividade objetiva. (...) Ele não entende, por isso,
o significado da atividade “revolucionária”, “prático-social”.35

Marx estabelece, por outro lado, um critério mais objetivo para a aferição
da conformidade do pensamento com a realidade em movimento, ao dizer que
“Toda a vida real é essencialmente prática. Todos os mistérios que conduzem
a teoria ao misticismo encontram sua solução racional na prática humana e na
compreensão dessa prática”.36 Portanto,

A questão de saber se ao pensamento humano cabe alguma


verdade objetiva não é uma questão da teoria, mas uma
questão prática. É na prática que o homem tem de provar a
verdade, isto é, a realidade e o poder, a natureza citerior de
seu pensamento. A disputa acerca da realidade ou não-
realidade do pensamento – que é isolado da prática, é uma
questão puramente escolástica.37

Pela nova concepção materialista da história, os indivíduos não são


apenas um produto unilateral e mecânico das condições da natureza e meio
social. Eles são seres ativos, agentes da história, capazes de modificar e
transformar a realidade ao seu redor. Há visivelmente uma relação dialética
entre o meio natural e social e a atividade concreta dos indivíduos. Assim, “A
doutrina materialista [anterior a Marx] sobre a modificação das circunstâncias e
da educação esquece que as circunstâncias são modificadas pelos homens e
que o próprio educador tem de ser educado”.38
Para Marx, “os filósofos apenas interpretaram o mundo de diferentes
maneiras; o que importa é transformá-lo”.39 Essa é a nova perspectiva que se
abre com o Materialismo Histórico, aprofundado mais amplamente em A
Ideologia Alemã, pois, ao contrário do materialismo contemplativo anterior,
“para o materialista prático, isto é, para o comunista, trata-se de revolucionar o

35
Idem, p. 119.
36
Idem, p. 121.
37
Idem, p. 119-120.
38
Idem, p. 120.
39
MARX, Karl. Teses sobre Feuerbach. In: MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A ideologia
alemã. São Paulo: Boitempo, 2002, p. 126.
30

mundo existente, de atacar e transformar na prática as coisas que ele encontra


no mundo”.40
Há aqui uma contraposição clara do Materialismo Histórico, de Marx e
Engels, com certas concepções anteriores – e, mesmo, posteriores -, de
caráter mecanicista ou voluntarista. O determinismo mecanicista é uma
concepção de história, de sociedade e dos indivíduos, que elimina qualquer
possibilidade de encarar a ação humana como uma atividade criadora ativa,
capaz de transformar a natureza e o mundo social. Esse determinismo
mecanicista, presente em certo sentido nas concepções materialistas
anteriores, era um empecilho para a compreensão do papel do indivíduo e das
massas populares na história social.
Em outra perspectiva, mas não menos equivocada, encontra-se a
concepção voluntarista de história, sociedade e indivíduos, que, sob o
argumento de atacar o determinismo mecanicista, acaba por mistificar a
liberdade humana e o papel do indivíduo, encarando a história e a vida social
como mero produto da vontade humana, do livre arbítrio, sem qualquer tipo de
condicionamento da natureza, da sociedade e da história. É como se a história
e a vida social fossem um verdadeiro “caos”, um resultado da intervenção, sem
quaisquer condicionamentos, da vontade individual e espontânea dos
indivíduos e, como tal, desprovidas de processos e relações capazes de serem
compreendidos pelas ciências sociais.
Para Marx, ao contrário do determinismo mecanicista, os homens fazem a
história. São o demiurgo de todo esse processo complexo e contraditório, que é
a formação, desenvolvimento e substituição de uma formação social por outra,
ao longo da história da humanidade. Mas, diferentemente do voluntarismo, o
marxismo destaca que

Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como


querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha, e sim
sob todas aquelas com que se defrontam diretamente, legadas
e transmitidas pelo passado. A tradição de todas de todas as
gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos
vivos.41

40
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Expressão Popular, 2009,
p. 36.
41
MARX, Karl. O 18 Brumário e Cartas a Kugelmann. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, p. 17.
31

É preciso, pois, para compreender a forma como os indivíduos e as


classes sociais pensam e agem em cada etapa do movimento histórico, a
análise profunda das condições materias da vida social, construídas pelas
gerações anteriores, vivenciadas e transformadas pelas gerações atuais.
Significa, em última instância, que a ação e a própria liberdade humana de
decidir e intervir no processo histórico real estão condicionadas pelas relações
sociais, econômicas, políticas e culturais do seu tempo, que, por sua vez, foram
resultado de todo um processo histórico-social anterior.
A relação entre liberdade e necessidade, portanto, coloca-se do ponto de
vista marxista de forma completamente diferente, tanto no que se refere aos
seus aspectos filosóficos mais gerais, como da forma histórica concreta. A
história não é, para os fundadores do marxismo, o “caos” – ou algo
incompreensível -, nem muito menos um “destino”, cujo resultado já está dado
desde o início, de uma vez para sempre, ou imune à ação transformadora
humana. Ao mesmo tempo em que reconhecem as leis objetivas da natureza e
do processo histórico-social, Marx e Engels fundam a sua concepção
materialista da história na real capacidade humana de transformar a sociedade.
Lênin, em As três fontes e as três partes constitutivas do marxismo,
sintetiza essa relação entre necessidade e liberdade no quadro do Materialismo
Histórico:

Importa sobretudo reter a opinião de Marx sobre a relação


entre a liberdade e a necessidade: “a necessidade só é cega
na medida em que não é compreendida (...) a liberdade é a
inteligência da necessidade” (F. Engels no Antidühring); dito
doutro modo, consiste em reconhecer a existência de leis
objetivas da natureza e a transformação dialética da
necessidade em liberdade (do mesmo modo que a
transformação da “coisa em si”, não conhecida, mas
conhecível, numa “coisa para nós”, da “essência das coisas”
em “fenômenos”).42

Os indivíduos – que nas sociedades fundadas na propriedade privada dos


meios de produção fazem parte de classes sociais -, nas condições sociais,
econômicas, políticas e culturais existentes, por meio de incontáveis ações
individuais e coletivas, constroem a história, como parte de uma sociedade
historicamente determinada, produzindo, mediante o trabalho, as condições
42
LÊNIN, V. I. As três fontes e as três partes constitutivas do marxismo. São Paulo: Global,
1979, p. 18.
32

materiais de existência social, os seus meios de vida. E, ao agirem sobre a


natureza, nas condições de relações sociais constituídas entre eles, os
indivíduos transformam o meio natural e social em que vivem e transformam a
se próprios como indivíduos.

Capa da primeira edição de


O Manifesto do Partido Comunista (1848)
Fonte: http://www.pcp.pt/karlmarx

Décima primeira tese das Teses sobre Feuerbach (1845)


Fonte:
https://www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/arquivos_biblioteca/artigo284Artig
o%207.pdf

2.4. As condições materiais de produção são a base da sociedade,


das formas de consciência sociais e da superestrutura jurídico-
política

Marx e Engels elaboram a sua concepção materialista da história em


meados do século XIX, em debate com as concepções de história, sociedade e
indivíduos reinantes anteriormente, em particular nas décadas imediatamente
anteriores ao surgimento do Materialismo Histórico. Para tal, os fundadores do
marxismo procuraram se apropriar dos conhecimentos historicamente
produzidos pela humanidade, nas diferentes formações sociais e econômicas,
bem como dos avanços filosóficos e científicos da sociedade moderna, nos
campos das ciências naturais e sociais.
Resumamos às conclusões a que chegamos até aqui nas concepções de
história e de sociedade anteriores a Marx e Engels, para podermos avançar.
Como dissemos acima, o materialismo filosófico avançou muito no campo
das ciências sociais a partir do século XVI, no contexto da decadência do
feudalismo e de ascensão das relações de produção capitalistas e da
burguesia como classe social. A astronomia, as matemáticas, a física, a
33

química, a mecânica, enfim, as ciências deram um salto surpreendente na


investigação dos fenômenos da natureza em oposição aos dogmas da Igreja e
às explicações mistificadas da realidade. Portanto, neste plano, o materialismo
foi ganhando espaço e aplicando duros golpes às explicações idealistas da
natureza, incluindo, as explicações religiosas.
Entretanto, realçamos, no que se refere à análise científica da história e
da sociedade humana, prevaleceram até praticamente meados do século XIX
as mais variadas explicações idealistas, de modo que a história era ora
expressão da vontade de uma divindade exterior e superior ao mundo dos
homens, resultado da ação, decisão e vontade de grandes chefes e
personalidades, ora simples criação ou expressão de uma ideia ou espírito
absoluto, de verdades eternas e imutáveis ou de razão universal.
Na Idade Média, repetimos, prevaleceram concepções teológicas de
mundo e de sociedade baseadas fundamentalmente nos dogmas da Igreja, na
escolástica dos filósofos e doutrinados e nas “escrituras sagradas”, cuja tônica
é a existência de um destino previamente traçado pela providência divina, ou a
justificação e legitimação do poder terreno pela vontade do criador, de modo a
conformar o comportamento e a ação dos indivíduos às leis e costumes
dominantes em determinadas épocas históricas.
Na sociedade moderna, podemos destacar várias explicações idealistas
da história e da sociedade humana. No campo da história, prevaleciam
concepções baseadas em coleções de fatos e acontecimentos isolados uns
dos outros e as grandes façanhas de imperadores, monarcas, generais, entre
outras personalidades, sem uma visão de conjunto do processo histórico real,
nem das causas fundamentais das mudanças e transformações, que
resultaram na decadência de uma formação social e no surgimento de uma
nova sociedade.
No caso dos teóricos burgueses, apesar da crítica das relações sociais,
políticas e econômicas da sociedade feudal em decadência, e a defesa das
novas relações sociais de produção e de mudanças políticas, procuravam
realçar uma essência humana consistente na concorrência, no individualismo e
na competição. As características do indivíduo burguês, que se formavam e se
impunham com o avanço do capitalismo, eram universalizadas à essência geral
34

do homem. Aquilo que era característica do indivíduo na sociedade burguesa


era elevado à essência geral da humanidade.
As Teorias Contratualistas, de Thomas Hobbes a Rousseau, elaboravam
teses sobre a origem da sociedade política a partir de uma determinada visão
sobre um estágio anterior natural do homem, romantizando-o ou não, mas
sempre no sentido de justificar a emergência de uma nova condição, a da
sociedade civil e seu Estado, mediada pelo estabelecimento de um contrato
entre os indivíduos, para proteger os seus interesses e direitos, entre os quais
o sagrado e inviolável direito de propriedade.
O projeto teórico-político da Ilustração do século XVIII, na França,
reivindica submeter todas as questões da natureza e da sociedade ao tribunal
da razão. Filósofos enciclopedistas, como Diderot, Voltaire, entre outros,
aplicaram as novas ideias a todos os ramos do saber de sua época. Kant e
Hegel, na Alemanha, fizeram, a seu modo, avançar a crítica dos saberes por
meio de uma síntese do pensamento, em meio à influência do contexto
revolucionário na Europa, especialmente na França.
Há, cada vez mais, a substituição de formas de consciência social
(teológica, feudal) por outras formas de consciência (burguesa), como produto
de uma série de transformações econômicas, sociais, políticas e culturais, sob
a base do desenvolvimento das relações de produção capitalistas e do avanço
das forças produtivas. Engels analisou a nova forma de pensamento da
seguinte forma:

Os grandes homens que, na França, iluminaram os cérebros


para a revolução que se havia de desencadear, adotaram uma
atitude resolutamente revolucionária. Não reconheciam
autoridade exterior de nenhuma espécie. A religião, a
concepção da natureza, a sociedade, a ordem estatal: tudo
eles submetiam à crítica mais impiedosa; tudo quanto existia
devia justificar os títulos de sua existência ante o foro da razão,
ou renunciar a continuar existindo. A tudo se aplicava como
rasoura única a razão pensante. Era a época em que, segundo
Hegel, “o mundo girava sobre a cabeça”, primeiro no sentido de
que a cabeça humana e os princípios estabelecidos por sua
especulação reclamavam o direito de ser acatados como base
de todos os atos humanos e toda relação social, e logo
também, no sentido mais amplo de que a realidade que não se
ajustava a essas conclusões se via submetida, de fato, desde
os alicerces até à cumieira. Todas as formas anteriores de
sociedade e de Estado, todas as leis tradicionais, foram
atiradas no monturo como tradicionais; até então o mundo se
35

deixava governar por puros preconceitos; todo o passado não


merecia senão comiseração e desprezo. Só agora despontava
a aurora, o reino da razão; daqui por diante a superstição, a
injustiça, o privilégio e a opressão seriam substituídos pela
verdade eterna, pela eterna justiça, pela igualdade baseada na
natureza e pelos direitos inalienáveis do homem.43

A Economia Política burguesa, que surgiu com o objetivo de analisar os


processos que levavam ao aparecimento da nova forma de riqueza expressa
no capital, fundava as suas explicações na figura do indivíduo, na sua essência
individualista, numa visão liberal de Estado, tomando como base as
explicações contratualistas da origem da sociedade moderna, mas
fundamentalmente recoberta por uma visão idealista sobre a origem da
sociedade civil.
Marx, na Introdução a Para a Crítica da Economia Política (1859),
chamou as tentativas dos economistas burgueses de explicar a origem e o
desenvolvimento da sociedade capitalista moderna a partir de uma condição
natural do homem anterior ao próprio surgimento da sociedade civil e do
Estado de “robinsonadas”. 44
A respeito dos seus estudos de Economia Política, Marx diz que o seu
“objeto deste estudo é, em primeiro lugar, a produção material. Indivíduos
produzindo em sociedade, portanto a produção dos indivíduos determinada
socialmente, é por certo o ponto de partida”. E, criticando as “robinsonadas”
dos economistas burgueses, observando corretamente:

O caçador e o pescador, individuais e isolados, de que partem


Smith e Ricardo, pertencem às pobres ficções das
robinsonadas do século XVIII. Estas não expressam, de modo
algum – como se afigura aos historiadores da Civilização -,
uma simples reação contra os excessos do requinte e um
retorno mal compreendido a uma vida natural. Do mesmo
modo, o contrat social de Rousseau, que relaciona e liga
sujeitos independentes por natureza, por meio de um contrato,
tampouco repousa sobre tal naturalismo. Essa é a aparência,
aparência puramente estética, das pequenas e grandes
robinsonadas. Trata-se, ao contrário, de uma antecipação da
“sociedade” (bürgerlichen Gesellschaft), que se preparava
desde o século XVI, e no século XVIII deu larguíssimos passos
em direção à sua maturidade. Nessa sociedade de livre
43
Cf. ENGELS, Friedrich. Do socialismo utópico ao socialismo científico. In: MARX, Karl e
ENGELS, Friedrich. Textos. São Paulo: Edições Sociais, v. I, 1975, pp. 27-28.
44
Em referência à obra Robinson Crusoé, romance escrito por Daniel Defoe, publicada
originalmente em 1719, no Reino Unido, que trata da história de um indivíduo que sobreviveu a
um naufrágio e, isolado, consegue sobreviver em meio às condições da natureza.
36

concorrência, o indivíduo aparece desprendido dos laços


naturais que, em épocas históricas remotas, fizeram dele um
acessório de um conglomerado humano limitado e
determinado. Os profetas do século XVIII, sobre cujos ombros
se apoiam inteiramente Smith e Ricardo, imaginam esse
indivíduo do século XVIII – produto, por um lado, da
decomposição das formas feudais de sociedade e, por outro
lado, das novas forças de produção que se desenvolvem a
partir do século XVI – como um ideal, que teria existido no
passado. Veem-se não como um resultado histórico, mas como
ponto de partida da História, porque o consideravam como um
indivíduo conforme à natureza – dentro de representação que
tinham de natureza humana -, que não se originou
historicamente, mas foi posto como tal pela natureza. Essa
ilusão tem sido partilhada por todas as novas épocas, até o
presente.45

Conclui em seguida:

Quanto mais se recua na História, mais dependente aparece o


indivíduo, e portanto, também o indivíduo produtor, e mais
amplo é o conjunto a que pertence. De início, este aparece de
um modo ainda muito natural, numa família e numa tribo, que é
família ampliada; mais tarde, nas diversas formas de
comunidade resultantes do antagonismo e da fusão das tribos.
Só no século XVIII, na “sociedade burguesa”, as diversas
formas do conjunto social passaram a apresentar-se ao
indivíduo como simples meio de realizar seus fins privados,
como necessidade exterior. Todavia, a época que produz esse
ponto de vista, o do indivíduo isolado, é precisamente aquela
na qual as relações sociais (e, desse ponto de vista, gerais)
alcançaram o mais alto grau de desenvolvimento. O homem é
no sentido mais literal, um zoon politikon, não só animal social,
mas animal que só pode isolar-se em sociedade. A produção
do indivíduo isolado fora da sociedade – uma raridade, que
pode muito bem acontecer a um homem civilizado transportado
por acaso para um lugar selvagem, mas levando consigo já,
dinamicamente, as forças da sociedade – é uma coisa tão
absurda como o desenvolvimento da linguagem sem indivíduos
que vivam juntos e falem entre si.46

Pois bem, em meio às “robinsonadas” dos economistas burgueses –


Adam Smith, em A riqueza das nações (1776), mas também, em parte, os
Princípios de Economia Política e Tributação (1817), de David Ricardo -,
começa já a emergir uma análise da sociedade de mercado em que as classes
sociais e sua fatia de participação da riqueza material produzida passam a ser
consideradas em suas explicações da nova forma de riqueza capitalista.

45
Cf. MARX, Karl. Para a Crítica da Economia Política. São Paulo: Abril Cultural, 1982, pp. 3-4.
46
Idem, p. 4.
37

Uma virada não menos importante nas concepções de história e de


sociedade ocorre com o advento das Revoluções dos séculos XVII e XVIII, em
particular as revoluções Inglesa e Francesa. Os historiadores ingleses e
franceses começam a inaugurar uma perspectiva nova de análise desses
grandes acontecimentos históricos a partir da intervenção das classes sociais e
da luta de interesses entre elas. As classes sociais e seus interesses, antes
ausentes, começam a emergir na história, embora os historiadores não tenham
tirado todas as consequências da existência das classes sociais e da
diferenciação de interesses materiais entre elas na sociedade capitalista, em
processo de consolidação.
O desenvolvimento capitalista, a Revolução Industrial do final do século
XVIII e início do XIX, o surgimento do proletariado moderno, com todas as
decorrências sociais, econômicas e políticas, tais como a exploração da força
de trabalho, as condições de vida e de trabalho nas fábricas e bairros
populares, a desenfreada utilização da força de trabalho de mulheres, jovens e
crianças, sem regulamentações e direitos, enfim, a realidade social que se
forma a partir dessas transformações passam a ser objeto de crítica por parte
de um conjunto de pensadores, os socialistas utópicos, no bojo de projetos de
sociedades elaborados como contraposição às contradições e mazelas do
capitalismo.
É dessas condições teorias e históricas, que Marx e Engels partem para
realizar a críticas das concepções de história e de sociedade anteriores e
elaborar a concepção materialista de história, base do socialismo científico.
Concluindo que as ideias, o conhecimento, as formas de consciência social
devem ser explicadas pelo ser social, os fundadores do marxismo procuram
fundar o Materialismo História na base real da vida humana, nas condições
materiais de existência. Na obra A Ideologia Alemã (1845-1846), Marx e Engels
observam:

Toda a concepção de história até hoje ou deixou, pura e


simplesmente, por considerar essa base real da história, ou viu
nela apenas algo de secundário e sem qualquer conexão com
o curso histórico. A história tem, por isso, de ser sempre escrita
segundo um critério que lhe é extrínseco; a produção real da
vida aparece como pré-histórica primitiva, enquanto que o que
é histórico aparece como existindo separado da vida em
comum, como extrassupraterreno. A relação dos homens com
38

a natureza fica, desse modo, excluída da história, pelo que é


gerada a oposição entre matéria e história. Daí que tal
concepção só tenha podido ver na história ações políticas de
chefes e de Estados e lutas religiosas e teóricas em geral, e
tenha tido, em especial, em cada época histórica, de partilhar
da ilusão dessa época.47

Sem partilhar das ilusões de cada época, bem como das concepções
idealistas da história e da sociedade humana, a concepção materialista da
história não precisa partir de elementos ideais, forjados de maneira a priori,
mas da própria realidade social, econômica e política, em transformação e
eivada de contradições. Por isso, os fundadores do socialismo científico dizem
que o Materialismo Histórico parte

dos pressupostos reais e nem por um momento os abandona.


Os seus pressupostos são os homens, não em qualquer
isolamento e fixidez fantásticos, mas no seu processo,
perceptível empiricamente, de desenvolvimento real e sob
determinadas condições. Assim que esse processo de vida
ativo é apresentado, a história deixa de ser uma coleção de
fatos mortos – como é para os empiristas, eles próprios ainda
abstratos -, ou uma ação imaginada de sujeitos imaginados,
como para os idealistas.48

Os homens reais, concretos, historicamente determinados, com suas


necessidades construídas socialmente, os meios de que dispõem, tanto
encontrados na natureza como construídos pelos próprios indivíduos, para a
satisfação dessas necessidades, enfim a produção e a reprodução da vida
social. Nesse sentido, as premissas das quais partem Marx e Engels

Não são arbitrárias, não são dogmas, são premissas


reais, e delas só na imaginação se pode abstrair. São os
indivíduos reais, a sua ação e as suas condições materiais de
vida, tanto as que encontraram quanto as que produziram pela
sua própria ação. Essas premissas são, portanto, constatáveis
de um modo puramente empírico.49

Era comum nas teorias sobre os indivíduos e a vida social, procurar


diferenciar o ser humano dos demais seres vivos por alguma característica
especial: o fato de ter a razão, a capacidade de pensar, a consciência, de
cultivar a fé e a religião. O materialismo anterior fez derivar a consciência, as
47
Cf. MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. São Paulo: Expressão Popular,
2008, pp. 59-60.
48
Idem, p. 32.
49
Idem, pp. 23-24.
39

ideias, a razão, o conhecimento do cérebro, como matéria altamente


desenvolvida, mas de forma ainda claramente mecânica.
Marx e Engels, ao analisar o desenvolvimento dos homens ao longo da
história, concluíram que os mesmos começaram a se deslocar da sua condição
puramente animal e se diferenciar na medida em que começaram a produzir e
reproduzir os seus meios de vida, por intermédio da atividade de trabalho, na
relação metabólica com a natureza, criando instrumentos de produção cada
vez mais aperfeiçoados. Armados pelo conhecimento científico da história,
mesmo que ainda em caráter embrionário, chegaram à tese de que os homens

Começam a distinguir-se dos animais assim que começam a


produzir os seus meios de subsistência, passo esse que é
requerido pela sua organização corpórea. Ao produzirem os
seus meios de subsistência, os homens produzem
indiretamente a sua própria vida material.50

Chega-se, pois à tese fundamental do Materialismo Histórico de Marx e


Engels, que a diferencia de todas as concepções anteriores sobre a história, a
sociedade e os indivíduos, bem como da relação entre a consciência e a vida
social. Para Marx e Engels, a forma como os indivíduos se relacionam
socialmente para produzir e reproduzir os seus meios de vida, as condições
materiais de existência social, o modo de produção e reprodução é a base, o
fundamento, o cimento, a pilastra de toda a vida social e intelectual da
sociedade humana. A produção das condições matérias de existência
condiciona a forma como os indivíduos interpretam, pensam, conhecem e
compreendem a natureza e as relações sociais ao seu redor.
Para poderem viver em sociedade e construir a história, os indivíduos têm
de contrair determinadas relações sociais e desenvolver toda uma organização
do trabalho humano. Embora os indivíduos não tenham propriamente
consciência do caráter dessas relações sociais de produção, eles têm de
contraí-las continuamente, sob pena de não poderem produzir e reproduzir a
vida social.
Portanto, essas relações sociais são necessárias para o quadro de uma
determinada formação social e independem da vontade pessoal de cada
indivíduo. Como escrevem os fundadores do marxismo:

50
Idem, pp. 24.
40

os homens têm de estar em condições de viver para poderem


‘fazer história’. Mas da vida fazem parte sobretudo comer e
beber, habitação, vestuário e ainda algumas outras coisas. O
primeiro ato histórico é, portanto, a produção dos meios para a
satisfação dessas necessidades, a produção da própria vida
material, e a verdade é que esse é um ato histórico, uma
condição fundamental de toda a história, que ainda hoje, tal
como há milhares de anos, tem de ser realizado dia a dia, hora
a hora, para ao menos manter os homens vivos. Mesmo
quando o mundo sensível é reduzido ao mínimo, a um bastão,
como um sagrado Bruno, pressupõe a atividade de produção
desse bastão. Assim, a primeira coisa a fazer em qualquer
concepção da história é observar esse fato fundamental em
todo o seu significado e em toda a sua extensão, e atribuir-lhe
a importância que lhe é devida.51

Não se trata meramente da reprodução física dos indivíduos, mas da


reprodução da sociedade:

Esse modo da produção não deve ser considerado no seu


mero aspecto de reprodução da existência física dos
indivíduos. Trata-se já, isto sim, de uma forma determinada da
atividade desses indivíduos, de uma forma determinada de
exteriorizarem a sua vida, de um determinado modo de vida
dos mesmos. Como exteriorizam a sua vida, assim os
indivíduos o são. Aquilo que eles são coincide, portanto, com a
sua produção, com o que produzem e também com e como
produzem. Aquilo que os indivíduos são depende, portanto, das
condições materiais da sua produção.52

Os homens construíram diversas formações socioeconômicas ao longo


da história da humanidade. Em todas elas, o modo de produção é a base de
toda a sociedade. É evidente que as formações sociais são muito complexas e
nelas se articulam relações de produção as mais diversas, mas, em toda essa
diversidade, há um modo de produção dominante. Apesar dos resquícios de
modos de produção anteriores, há relações de produção dominantes que se
impõem ao conjunto da sociedade como o seu traço fundamental.
Por exemplo, na sociedade capitalista atual, é possível se verificar a
existência de relações de produção correspondentes a formações históricas
anteriores ao capitalismo (relações de escravidão, semiescravidão, semifeudais
etc.), entretanto o modo de produção capitalista, baseado na exploração do
trabalho assalariado e na extração de mais-valia (sobretrabalho, trabalho
excedente) é o fundamento de toda a vida social.

51
Idem, p. 40.
52
Idem, p. 24.
41

Se observarmos essas variadas formações sociais, verifica-se que os


indivíduos contraem relações sociais de produção que podem ser de
cooperação livre ou de exploração. Essas relações se expressam nas formas
de propriedade dos meios de produção. Por exemplo, nas comunidades
originárias, comunistas, a propriedade era coletiva, social. Nas sociedades de
classes (escravista, feudal, capitalista), a propriedade dos meios fundamentais
de produção é privada, pertencente a uma determinada classe social.
As relações de produção contraídas pelos indivíduos, sejam de
cooperação livre ou de exploração, correspondem a um determinado nível de
desenvolvimento das forças produtivas: meios de produção e organização do
trabalho. “O modo como os homens produzem os seus meios de subsistência
depende, em primeiro lugar, da natureza dos próprios meios de subsistência
encontrados e a reproduzir”.53 Em síntese, Marx observa que na produção
social da própria vida, “os homens contraem relações determinadas,
necessárias e independentes de sua vontade, relações de produção estas que
correspondem a uma etapa determinada de desenvolvimento das suas forças
produtivas materiais”.54 No quadro das formações sociais, há uma verdadeira
relação dialética entre as forças produtivas e as relações de produção.
A concepção materialista da história responde cientificamente não só à
pergunta sobre a relação entre a vida social – e o modo como os homens
produzem as suas condições matérias de existência social - e a consciência
social, mostrando que esta é determinada e explicada pela primeira, como
também demonstra que as condições matérias de produção são o fundamento
de toda estrutura social e intelectual da sociedade. As condições materiais de
existência social são, portanto, a base da superestrutura jurídico-política
(Estado e instituições políticas e jurídicas, como os tribunais, os partidos, a
justiça) e - certamente com as mediações necessárias - das formas de
consciência social (filosofia, arte, ciência, direito, religião).
Marx e Engels apresentam esta tese de maneira bem clara em A
Ideologia Alemã, quando trata da estrutura social e do Estado, afirmando que
os mesmos:

53
Idem, ibidem.
54
Cf. MARX, Karl. Para a Crítica da Economia Política. São Paulo: Abril Cultural, 1982, p. 46.
42

Decorrem constantemente do processo de vida de


determinados indivíduos; mas desses indivíduos, não como
eles poderão aparecer na sua própria representação ou na de
outros, mas como eles são realmente, ou seja, como agem,
como produzem material, realmente, como atuam, portanto, em
determinados limites, premissas e condições materiais que não
dependem da sua vontade.55

Numa carta a Pavel V. Annenkov, de 28 de dezembro de 1846, no âmbito


da qual tece considerações críticas sobre o pensamento de Proudhon,
pergunta Marx: que se pode entender por sociedade? Em seguida, esboça uma
resposta:

O produto da ação recíproca dos homens. São os homens


livres de escolher esta ou aquela forma social? De modo
algum. Considere-se um certo estado de desenvolvimento das
faculdades produtivas dos homens e ter-se-á tal forma de
comércio e de consumo. Considerem-se certos graus de
desenvolvimento da produção, do comércio, do consumo e ter-
se-á tal forma de constituição social, tal organização da família,
das ordens ou das classes, em uma palavra, tal sociedade civil.
Considere-se tal sociedade civil e ter-se-á tal Estado político,
que não é mais do que a expressão oficial da sociedade civil.
Eis o que o Sr. Proudhon nunca compreenderá.56

Em O Manifesto do Partido Comunista, Marx e Engels voltam a tema da


relação entre a base material da sociedade (a produção e reprodução da vida
social) e as formas de consciência social. Dizem, seria preciso grande
inteligência para compreender que

ao mudarem as relações de vida dos homens, as suas


relações sociais, a sua existência social, mudam também
as suas representações, as suas concepções e conceitos,
em uma palavra, muda a sua consciência? Que
demonstra a história das ideais senão que a produção
intelectual se transforma com a produção material? As
ideias dominantes de uma época sempre foram as ideias
da classe dominante. Quando se fala de ideias que
revolucionam uma sociedade inteira, isto quer dizer que
no seio da velha sociedade se formaram os elementos de
uma sociedade nova e que a dissolução das velhas ideias
acompanha a dissolução das antigas condições de
existência.57

55
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. São Paulo: Expressão Popular, 2008,
p. 30.
56
MARX, Karl. Carta a V. Annenkov. In: MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Obras Escolhidas.
Lisboa: Edições Avante, 1982, pp. 544-545.
43

Nas palavras de Marx, de Para a Crítica da Economia Política:

A totalidade dessas relações de produção forma a estrutura


econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta
uma superestrutura jurídica e política, e à qual correspondem
formas sociais determinadas de consciência. O modo de
produção da vida material condiciona o processo em geral de
vida social, política e espiritual.58

Significa dizer que a superestrutura jurídico-política e as formas de


consciência social são puramente uma criação mecânica da base material da
sociedade e da estrutura social? Que não reagem dialeticamente sobre a base
material? De maneira alguma. Marx e Engels nunca afirmaram que a base
econômica da sociedade é a única determinante, nem que a superestrutura
jurídico-política e as formas de consciência social são inertes e passivas.
Certamente, o fato dos seguidores de Marx e Engels buscarem popularizar as
teorias dos fundadores do marxismo, em certa medida, contribuiu para uma
série de reducionismos e questionamentos acerca da concepção materialista
da história. Também pesaram, sobretudo, as deformações e falsificações dos
teóricos e políticos burgueses em suas investidas contra o marxismo. 59
Engels, aliás, respondeu a estes e outros questionamentos sobre da
concepção materialista da história em uma série de cartas. Em uma carta
datada de 5 de agosto de 1890, encaminhada a Konrad Schmidt, Engels diz
que o Materialismo Histórico não é um dogma, mas uma ferramenta teórica
para o estudo da realidade em movimento, um guia para a compreensão da
história e da sociedade. Ao mesmo tempo, critica os que, apressadamente,
esquivam-se de estudar a fundo os problemas colocados pela história e pela
vida social:

Em geral, o termo ‘materialismo’ serve a muitos escritores


jovens, na Alemanha, de simples frase para classificar toda
espécie de coisas sem as estudar posteriormente; tais
escritores pensam que basta colar um rótulo para que o
57
Cf. MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. O Manifesto Comunista. São Paulo: Boitempo, 1998, p.
39.
58
Idem, ibidem.
59
Esses reducionismos e deformações de seus seguidores e de opositores do Materialismo
Histórico levaram, certa vez, Marx a afirmar ironicamente, como declarou Engels em carta a
Eduard Bernstein, datada de 2-3 de novembro de 1882: “Tudo o que sei é que não sou
marxista”. Cf. MUSTO, Marcello. O velho Marx: uma biografia de seus últimos anos (1881-
1883). São Paulo: Boitempo, 2018, p. 129. Essa afirmação nada tem a ver com uso que
fizeram dela seguidores e não seguidores de Marx e Engels, para negar o próprio marxismo.
44

assunto seja dado por encerrado. Porém, nossa concepção da


história é, acima de tudo, um guia para o estudo e não uma
alavanca para levantar construções à maneira dos hegelianos.
É preciso estudar de novo toda a história, investigar
detalhadamente as condições de vida das diversas formações
sociais, antes de se tentar deduzir delas as ideias políticas,
jurídicas, estéticas, filosóficas, religiosas, etc., que a elas
correspondem. A este respeito, fez-se bem pouco até hoje,
porque bem poucos a isto se entregaram seriamente. Neste
domínio precisamos de uma ajuda em massa; o campo é
infinitamente vasto e quem aí quiser trabalhar a sério poderá
fazer muitas coisas e destacar-se.60

Noutra carta endereçada a Joseph Bloch, de 21 de setembro de 1890,


Engels esclarece, sobretudo, que a relação entre a base econômica da
sociedade, a superestrutura jurídico-política e as formas de consciência social
não é unilateral, mas recíproca e dialética:

Segundo a concepção materialista da história, o elemento


determinante da história é, em última instância, a produção e a
reprodução da vida real. Nem Marx, nem eu dissemos outra
coisa a não ser isto. Portanto, se alguém distorce esta
afirmação para dizer que o elemento econômico é o único
determinante, transforma-a em uma frase sem sentido, abstrata
e absurda. A situação econômica é a base, mas os diversos
elementos da superestrutura – as formas políticas da luta de
classes e seus resultados, a saber, as constituições
estabelecidas uma vez ganha a batalha pela classe vitoriosa;
as formas jurídicas e mesmo os reflexos de todas essas lutas
reais no cérebro dos participantes, as teorias políticas,
jurídicas, filosóficas, as concepções religiosas e seu
desenvolvimento ulterior em sistemas dogmáticos – exercem
igualmente sua ação sobre o curso das lutas históricas e, em
muitos casos, determinam de maneira preponderante sua
forma. Há ação e reação de todos esses fatores, no seio das
quais o movimento econômico acaba por se impor como uma
necessidade através da infinita multidão de acidentes (ou seja,
de coisas e acontecimentos cujo vínculo interno é tão tênue ou
tal difícil de demonstrar que podemos considerá-lo como
inexistente e negligenciá-lo). Se assim não fosse, a aplicação
da teoria a qualquer período histórico determinado seria, creio,
mais fácil do que a resolução de uma simples equação de
primeiro grau.61

Posteriormente, numa carta datada de 25 de janeiro de 1894,


encaminhada a Heins Starkenburg, uma vez mais, Engels aproveita para
explicar o que ele e Marx entendiam por relações econômicas:

60
MARX, Karl e ENGELS. Friedrich. Cartas Filosóficas e Outros Escritos. São Paulo: Grijalbo,
1977, p. 32.
61
Idem, p. 34.
45

O que entendemos por relações econômicas – que


consideramos como a base determinante da história da
sociedade – é o modo pela qual os homens de uma dada
sociedade produzem seus meios de subsistência e trocam os
produtos (na medida em que exista divisão do trabalho).
Portanto, está aí incluída toda a técnica da produção e do
transporte. Segundo nossa concepção, esta técnica determina
igualmente todo o modo de troca como a distribuição dos
produtos e, por consequência, após a dissolução da sociedade
gentílica, também a divisão em classes e, portanto, as relações
de dominação e de servidão, e com esta o Estado, a política, o
direito, etc. As relações econômicas incluem, também, a base
geográfica sobre a qual elas se desenrolam, e os vestígios de
etapas anteriores do desenvolvimento econômico que
realmente foram transmitidos e que sobreviveram – muitas
vezes unicamente pela tradição ou vis inertiae (pela forma da
inércia); assim como incluem também, naturalmente, o meio
exterior que circunda esta forma social.62

Em seguida, na mesma carta, critica a visão mecânica de que a economia


é o único fator determinante e ativo da história das sociedades, situando como
a superestrutura jurídico-política e as formas de consciência social reagem
sobre a base material da sociedade:

Não é verdade, portanto, que a situação econômica seja a


causa, que só ela seja ativa e tudo o mais passivo. Pelo
contrário, existe um jogo de ações e reações sobre a base da
necessidade econômica, que acaba sempre por se impor em
última instância. O Estado, por exemplo, exerce uma influência
através do protecionismo, da liberdade de comércio, de um
bom ou mau sistema fiscal; (...) Não se trata, portanto, como
alguns imaginam por comodidade, de que a situação
econômica produz um efeito automático. Ao contrário, os
homens fazem eles mesmos sua história, mas em um meio
determinado que a condiciona sobre a base de condições reais
anteriores já existentes, entre as quais as relações econômicas
que, por muito que possam ser influenciadas pelas relações
políticas e ideológicas, continuam sendo, em última instância,
as relações determinantes, constituindo o fio condutor que as
une e que é o único que nos conduz à compreensão das
coisas.63

Não há, portanto, qualquer resquício de mecanicismo ou economicismo


na concepção materialista da história. Os pensadores burgueses posteriores a
Marx e Engels procuraram de todas as formas possíveis atacar os
fundamentos do Materialismo Histórico, não só falseando o seu conteúdo,
62
Idem, pp. 45-46.
63
Idem, p. 46-47.
46

como atribuindo aos fundadores do marxismo coisas que nunca disseram.


Mesmo entre seguidores de Marx e Engels, houve quem deformasse as suas
concepções ou procurasse revisá-las, produzindo teorias ecléticas, misturando-
as a teorias de outros autores, contrapostas ao Materialismo Histórico. Muitos
teóricos, burgueses ou oriundos das fileiras do marxismo, tentaram reabilitar
antigas concepções idealistas, com novas terminologias para atacar o
socialismo científico ou para, supostamente, completá-lo/atualizá-lo.
No fundamental, a tese da determinação da superestrutura e das formas
de consciência social pela base material da sociedade – produção e
reprodução da vida social – permanece atual e instigante e serve como guia de
estudo, como fio condutor das investigações e análises dos mais variados
aspectos da vida social. Mas, como afirmam Marx e Engels, o método do
Materialismo Histórico não pode servir como alegação para justificar o
improviso e as elaborações apressadas. É preciso ir a fundo na história social.

2.5. As formações sociais são transitórias: a transformação dos


modos de produção

O Materialismo Histórico mostra não só que os indivíduos construíram ao


longo da história diversas e complexas formações sociais. Mostra também que
nenhuma das formações da história da humanidade permaneceu para sempre
imutável. Foram todas transitórias e, assim como surgiram, entraram em
decadência e foram varridas por transformações profundas na estrutura
econômica e nas relações sociais. Movidas por contradições internas, foram
substituídas por outras formações sociais.
Essa concepção de história e de sociedade é completamente oposta à
tentativa dos teóricos da classe dominante de transformar as suas ideias e as
condições sociais, econômicas e políticas de dominação em condições
universais, imutáveis, insuperáveis.
Para tanto, as classes dominantes têm os recursos materiais disponíveis
(jornais, revistas, meios de comunicação em geral) para difundirem essas
ideias. Como Marx e Engels afirmam em A ideologia Alemã, as ideias “da
classe dominante são, em todas as épocas, as ideias dominantes, ou seja, a
47

classe que é o poder material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, o


seu poder espiritual”.64
Por disporem das condições materiais (os meios de produção), a classe
dominante faz prevalecer, nas sociedades de classes, as suas ideias como se
elas fossem representativas dos interesses de todas as classes sociais
existentes. Nas palavras de Marx e Engels: “a dar às suas ideias a forma de
universalidade, a apresentá-las como as únicas racionais e universalmente
válidas”.65 Quando essa sociedade se encontra em processo de ascensão,
quando suas relações sociais de produção (que se expressam nas relações de
propriedade) possibilitam o desenvolvimento das forças produtivas sociais,
essa suposta universalidade acaba ganhando espaço e adeptos.
Entretanto, no processo de decadência dessas formações, quando as
forças produtivas desenvolvidas no seio dessa sociedade se chocam cada vez
mais com os limites das relações de produção e as formas de propriedades –
que se tornam um sério obstáculo ao desenvolvimento da sociedade e da
humanidade -, e a própria sociedade é questionada em seus fundamentos, as
ideais dominantes mostram todo o seu caráter de classe e procuram, de todas
as formas, legitimar a dominação e a exploração.
Isso aconteceu claramente com a Economia Política burguesa. Em suas
origens e desenvolvimento, particularmente no final do século XVIII, com Adam
Smith, e início do XIX, com David Ricardo, apesar de suas origens de classe
burguesa, a Economia Política tratou de formular uma explicação mais próxima
da realidade nascente sobre a conformação da nova forma de riqueza social: o
capital. Evidentemente, com as devidas limitações do seu tempo histórico.
Entretanto, à medida que a burguesia toma o poder político, por meio de
suas revoluções, constrói o seu próprio Estado, consolidando as relações de

64
Não à toa, surgem no seio da classe dominante - ou são cooptados no seio de outras
classes – indivíduos não só identificados com as relações sociais, econômicas e políticas
dominante, mas que, por sua condição de representantes ideológicos da classe dominante,
“dominam também como pensadores, como produtores de ideias, regulam a produção e a
distribuição de ideias do seu tempo; que, portanto, as suas ideais são as ideias dominantes da
época”. Por força da divisão social do trabalho, em particular a divisão entre trabalho manual e
intelectual, no seio das sociedades divididas em classes sociais, foram se formando os
intelectuais da classe dominante, responsáveis pela produção de ideias e a legitimação
ideológica da sociedade existente. Como afiram Marx e Engels: “no seio dessa classe uma
parte surge como os pensadores dessa classe (os ativos ideólogos criadores de conceitos da
mesma, os quais fazem da elaboração da ilusão dessa classe sobre si própria a sua principal
fone de sustento)” (Idem, p. 67-68).
65
Idem, p. 69.
48

produção capitalistas, e desenvolve a produção industrial, as contradições da


sociedade burguesa se aprofundam, de modo que as classes sociais
fundamentais – a burguesia e o proletariado -, entram cada vez mais em
choque, ameaçando a ordem estabelecida.
As revoluções de 1848, que findaram com a traição da burguesia e suas
alianças com os setores financeiros e reacionários e com um banho de sangue
contra os levantes operários, foram o sinal de que a classe dominante
necessitava para por definitivamente um freio às suas antigas concepções
teóricas, econômicas, sociais e políticas revolucionárias, para lançar-se à
legitimação pura e simples do capitalismo e da sua dominação de classe.
A Economia Política burguesa deixa de lado o seu caráter científico e
assume, cada vez mais, a função de apologética da sociedade burguesa e da
dominação de classe. Marx explica essa transformação do pensamento
econômico burguês em O Capital (1867):

A economia política burguesa, isto é, a que vê na ordem


burguesa a configuração definitiva e última da produção social,
só pode assumir caráter científico enquanto a luta de classes
permaneça latente ou se revele apenas em manifestações
esporádicas.
Vejamos o exemplo da Inglaterra. Sua economia política
clássica aparece no período em que a luta de classes não
estava desenvolvida. Ricardo, seu último grande representante,
toma, por fim, conscientemente, como ponto de partida de suas
pesquisas, a oposição entre os interesses de classe, entre o
salário e o lucro, entre o lucro e a renda da terra, considerando,
ingenuamente, essa ocorrência uma lei perene e natural da
sociedade. Com isso, a ciência burguesa da economia atinge
um limite que não pode ultrapassar. Ainda no tempo de Ricardo
e em oposição a ele, aparece a crítica à economia burguesa,
na pessoa de Sismondi. (...)
A burguesia conquistara o poder político, na França e na
Inglaterra. Daí em diante, a luta de classes adquiriu, prática e
teoricamente, formas mais definidas e ameaçadoras. Soou o
dobre de finados da ciência econômica burguesa. Não
interessava mais saber se este ou aquele teorema era
verdadeiro ou não; mas importava saber o que, para o capital,
era útil ou prejudicial, conveniente ou inconveniente, o que
contrariava ou não a ordenação policial. Os pesquisadores
desinteressados foram substituídos por espadachins
mercenários, a investigação científica imparcial cedeu lugar à
consciência deformada e às intenções perversas da
apologética.66

66
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Civilização Brasileira, L. 1, v.
1, 2002, pp. 22-23.
49

Ocorre que uma coisa é a ideologia da classe dominante, que promove a


ideia de que a sua formação socioeconômica é insuperável e que as condições
de sua dominância são imutáveis. Outra coisa é a realidade mesma. O
Materialismo Histórico mostra, pela análise do processo histórico real das
formações sociais pré-capitalistas e da própria sociedade burguesa, que nada
há de permanente, imutável ou insuperável na história. Assim como as
sociedades escravistas e feudais foram varridas da história, por um conjunto de
transformações econômicas, sociais, políticas e culturais, também o
capitalismo é uma formação social transitória e será substituída por outra
formação social.
Desde A Ideologia Alemã, Marx e Engels apresentaram essa tese e
explicaram os fatores que levam um modo de produção a ser substituído por
outro. A primeira síntese dos processos históricos de formação e
transformação dos modos de produção, tomando por base os conhecimentos
historicamente acumulados até meados do século XIX, é formulada da seguinte
maneira:

No desenvolvimento das forças produtivas atinge-se um


estágio no qual se produzem forças de produção e meios de
intercâmbio que, sob as relações vigentes, só causam
desgraça, que já não são forças de produção, mas forças de
destruição (maquinaria, dinheiro) – e, em conexão com isso, é
produzida uma classe que tem de suportar todos os fardos da
sociedade sem gozar das vantagens desta e que, expulsa da
sociedade, é forçada ao mais decidido antagonismo a todas as
outras classes; uma classe que constitui a maioria de todos os
membros da sociedade e da qual deriva a consciência
comunista, a qual, evidentemente, também pode se formar no
seio das outras classes por meio da observação da posição
desta classe;
Que as condições, no seio das quais podem ser
aplicadas determinadas forças de produção, são as condições
do domínio de uma determinada classe da sociedade, cujo
poder, decorrente da sua propriedade, tem a sua expressão
prático-idealista na respectiva forma de Estado, e por isso toda
a luta revolucionária se dirige contra uma classe que até então
dominou;
Que em todas as revoluções anteriores o modo de
atividade permaneceu sempre intocado e foi só uma questão
de uma outra distribuição dessa atividade, ao passo que a
revolução comunista se dirige contra o modo da atividade até
os nossos dias, elimina o trabalho e supera o domínio de todas
as classes suprimindo as próprias classes, porque é realizada
pela classe que na sociedade não vale como uma classe; não
é reconhecida como uma classe, é a expressão da dissolução
50

de todas as classes, nacionalidades etc., no seio da sociedade


atual; e
Que, tanto para a produção massiva dessa consciência
comunista, quanto para a realização da própria causa, é
necessária uma transformação massiva dos homens que só
pode processar-se em um movimento prático, em uma
revolução; que, portanto, a revolução não é só necessária
porque a classe dominante de nenhum outro modo pode ser
derrubada, mas também porque a classe que a derruba só em
uma revolução consegue sacudir dos ombros toda a velha
porcaria e tornar-se capaz de uma nova fundação da
sociedade.67

Embora a formulação esteja contextualizada na parte do texto que trata


precisamente da formação da sociedade capitalista, do avanço das forças
produtivas, do choque com as relações sociais de produção, da forma como
essas contradições e conflitos se expressam na consciência das classes,
enfim, à explicação do processo de transformação da sociedade capitalista por
uma revolução socialista, podemos perceber que Marx e Engels ressaltam
elementos que possibilitam, na verdade, a compreensão de processos de
transformação dos modos de produção e sua substituição por outros.
Marx e Engels retomarão essa análise especialmente quanto ao modo de
produção capitalista em outras obras, como Princípios do Comunismo (1847,
de Engels), O Manifesto Comunista (1848, de Marx e Engels), Para a Crítica
da Economia Política (1859, de Marx) e na obra magna, O Capital (1867). Em
Princípios do Comunismo, Engels destaca o processo dialético entre as forças
produtivas e as relações de produção, que condiciona as transformações no
modo de produção capitalista e a criação das condições objetivas e subjetivas
para a sua substituição pelo socialismo, por meio da luta de classes dos
trabalhadores.
O desenvolvimento das forças produtivas numa escala sem precedentes
na história e o processo de socialização da produção social - embora a
apropriação permaneça privada - criam as condições para a superação da
sociedade burguesa e, portanto, do modo de produção capitalista. Engels
observa que toda “Transformação da ordem social, toda revolução das
relações de propriedade, sempre foi a consequência necessária do nascimento

67
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. São Paulo: Expressão Popular, 2008,
p. 56.
51

de novas forças produtivas, que já não correspondiam às velhas relações de


propriedade”.68
Em O Manifesto do Partido Comunista, Marx e Engels retomam essa
discussão, analisando o processo de transformações no seio da sociedade
feudal que levaram à sua decadência e substituição por um novo modo de
produção social, o capitalismo:

os meios de produção e de troca, sobre cuja base se ergue a


burguesia, foram gerados no seio da sociedade feudal. Em
uma certa etapa do desenvolvimento desses meios de
produção e de troca, as condições em que a sociedade feudal
produzia e trocava – a organização feudal de propriedade –
deixaram de corresponder às forças produtivas em pleno
desenvolvimento. Tolhiam a produção em lugar de impulsioná-
la. Transformaram em outros tantos grilhões que era preciso
despedaçar; e foram despedaçados.69

Referente à sociedade capitalista, os fundadores do marxismo afirmam


que a sociedade moderna, a sociedade do capital e da burguesia como classe
dominante, desenvolveu de tal modo as forças produtivas sociais, que estas
entram cada vez mais em choque com as relações de produção e sua
expressão jurídica, as relações de propriedade. Realçam que, na sua primeira
fase, as relações de produção capitalistas serviram de alavanca às forças
produtivas. Ou seja, os capitalistas não podem continuar existindo e dominando
sem “revolucionar os instrumentos de produção, por conseguinte, as relações
de produção e, com isso, todas as relações sociais”. 70
De fato, Engels já haviam comentado sobre os avanços nas forças
produtivas que determinaram o fim do sistema feudal e a passagem ao
capitalismo. Além de todo o processo de avanço nos conhecimentos científicos
do século XVI em diante, nos campos da física, mecânica, entre outras, das
grandes navegações, da expansão dos mercados, houve um aumento
considerável das forças produtivas:

A primeira invenção que transformou profundamente a situação


dos trabalhadores ingleses foi a jenny, construída em 1764
pelo tecelão James Hargreaves, de Stanhill, junto de
68
ENGELS, Friedrich. Princípios do comunismo. In: MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. O
Manifesto do Partido Comunista. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011, p. 87.
69
CF. MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. O Manifesto Comunista. São Paulo: Boitempo, 1998,
pp. 44-45.
70
Idem, p. 43.
52

Blackburn, no Lancashire do Norte. Essa máquina foi o


antepassado rudimentar da mule, inventada mais tarde;
funcionava manualmente, mas, ao invés de um só fuso, como
na roda comum de fiar à mão, tinha dezesseis ou dezoito,
acionados por um só operário. Dessa forma, tornou-se possível
produzir muito mais fio. (...) O movimento da indústria, porém,
não se deteve. Alguns capitalistas começaram a instalar jennys
em grandes prédios e a acioná-las por força hidráulica, o que
lhe permitiu reduzir o número de operários e vender o fio a
preço menor que os fiandeiros idolados, que movimentavam
manualmente suas máquinas. (...) O sistema fabril, que já
estava assim surgindo, recebeu um novo impulso com a
spinning throstle, inventada em 1767 por Richard Arkwright, um
barbeiro de Preston, no Lancashire do Norte. (...) Associando
as características da jenny e da Kenttenstuhl, Samuel
Crompton, de Firwood (Lancashire), criou em 1785 a mule e
como, no mesmo período, Arkwrigt inventou as máquinas de
cardar e fiar, o sistema fabril tornou-se o único vigente na
fiação do algodão. Gradativamente iniciou-se, com
modificações insignificantes, a adaptação dessas máquinas à
fiação de lã e, mais tarde, à de linho (...). Mas isso não foi tudo:
nos últimos anos do século passado, o doutor Cartwrigt, um
pároco rural, inventou o tear mecânico e já em 1804 o
aperfeiçoara a ponto de concorrer com sucesso com os
tecelões manuais. A importância de todas essas máquinas foi
duplicada com a máquina a vapor de James Watt, inventada
em 1764 e utilizada a partir de 1785, para acionar as máquinas
de fiar.71

A Revolução Industrial criou um conjunto de forças produtivas e uma


capacidade de produção que contribuíram definitivamente para varrer as
relações de produção feudais e consolidar o desenvolvimento das relações de
produção capitalistas. Mas, uma vez incrementadas ao longo do século XIX, as
forças produtivas irromperam a camisa de força das relações de produção e
desbordam em crises conjunturais. Mas essa contradição tende a desenvolver
os elementos de uma crise histórica, estrutural, do capitalismo, até ao ponto em
que é preciso um desenlace: o ajuste das forças produtivas altamente
desenvolvidas e a produção progressivamente socializada a novas relações de
produção. Por isso, avaliam Marx e Engels:

A sociedade burguesa, com suas relações de produção e


de troca, o regime burguês de propriedade, a sociedade
burguesa moderna, que conjurou gigantescos meios de
produção e de troca, assemelham-se ao feiticeiro que já não
pode controlar os poderes infernais que invocou. Há dezenas
de anos, a história da indústria e do comércio não é senão a

71
Cf. ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. São Paulo:
Boitempo, 2007, pp. 48-50.
53

história da revolta das forças produtivas modernas contra as


modernas relações de produção, contra as relações de
propriedade que condicionam a existência da burguesia e seu
domínio. Basta mencionar as crises comerciais que, repetindo-
se periodicamente, ameaçam cada vez mais a existência da
sociedade burguesa. Cada crise destrói regularmente não só
uma grande massa de produtos fabricados, mas também uma
grande parte das próprias forças produtivas já criadas.72

Como dizem os autores, as “armas que a burguesia utilizou para abater o


feudalismo voltam-se hoje contra a própria burguesia”, tendo em vista que as
forças produtivas da sociedade burguesa atual

não mais favorecem o desenvolvimento das relações


burguesas de propriedade; pelo contrário, tornaram-se
poderosas demais para estas condições, passam a ser tolhidas
por elas; e assim que se libertam desses entraves, lançam na
desordem a sociedade inteira e ameaçam a existência da
propriedade burguesa. O sistema burguês tornou-se
demasiado estreito para conter as riquezas criadas em seu
seio. E de que maneira consegue a burguesia vencer essas
crises? De um lado, pela destruição violenta de grande
quantidade de forças produtivas; de outro, pela conquista de
novos mercados e pela exploração mais intensa dos antigos. A
que leva isso? Ao preparo de crises mais extensas e mais
destruidoras e à diminuição dos meios de evitá-las.73

Em Para a Crítica da Economia Política (1859), Marx expõe o processo


de transformação dos modos de produção social de maneira ainda mais
completa:

Em uma certa etapa de seu desenvolvimento, as forças


produtivas materiais da sociedade entram em contradição com
as relações de produção existentes, ou, o que não é mais que
sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no
seio das quais elas se haviam desenvolvido até então. De
formas evolutivas das forças produtivas que eram, essas
relações convertem-se em entraves. Abre-se, então uma época
de revolução social. A transformação que se produziu na base
econômica transforma mais ou menos lenta ou rapidamente
toda a colossal superestrutura. Quando se consideram tais
transformações, convém distinguir sempre a transformação
material das condições econômicas de produção – que podem
ser verificadas fielmente com a ajuda das ciências físicas e
naturais – e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas e
filosóficas, em resumo, as formas ideológicas sob as quais os

72
CF. MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. O Manifesto Comunista. São Paulo: Boitempo, 1998,
p. 45.
73
Idem, ibidem.
54

homens adquirem consciência desse conflito e o levam até o


fim.74

E complementa que uma sociedade jamais desaparece,

antes que estejam desenvolvidas todas as forças produtivas


que possam conter, e as relações de produção novas e
superiores não tomam jamais seu lugar antes que as condições
materiais de existência dessas relações tenham sido incubadas
no próprio seio da velha sociedade. Eis porque a humanidade
não se propõe nunca senão os problemas que ela pode
resolver, pois, aprofundando a análise, ver-se-á sempre que o
próprio problema só se apresenta quando as condições
materiais para resolvê-lo existem ou estão em vias de existir.
Em grandes traços, podem ser os modos de produção asiático,
antigo, feudal e burguês moderno designados como outras
tantas épocas progressivas da formação da sociedade
econômica. As relações de produção burguesas são a última
forma antagônica do processo de produção social, antagônica
não no sentido de um antagonismo individual, mas de um
antagonismo que nasce das condições de existência sociais
dos indivíduos; as forças produtivas que se desenvolveram no
seio da sociedade burguesa criam, ao mesmo tempo, as
condições materiais para resolver esse antagonismo. Com
essa formação termina, pois, a pré-história da sociedade
humana.75

O que Marx afirma é que, ao longo da história da humanidade, os


indivíduos, para garantir a sua subsistência, no seio de determinadas relações
sociais de produção, têm de desenvolver as suas forças produtivas (a
organização do trabalho e os meios de produção). Nas diversas formações
sociais, as relações de produção se constituíram inicialmente em uma alavanca
para o avanço dessas forças produtivas, ou seja, contribuíram decisivamente
para o seu desenvolvimento.
Ocorre que, a partir de certa etapa dessas formações sociais, de formas
impulsionadoras das forças produtivas, as relações de produção acabaram por
se tornar um obstáculo a esse avanço. O choque histórico entre as forças
produtivas altamente desenvolvidas e as relações de produção – e sua
expressão nas relações de propriedade – abriu uma época de grandes conflitos
sociais, que se refletem nas formas de consciência sociais de cada época,
colocando a necessidade de um desenlace histórico, isto é, as relações de

74
MARX, Karl. Para a Crítica da Economia Política. São Paulo: Abril Cultural, 1982, pp. 45-46.
75
Idem, p. 451.
55

produção devem ser substituídas por outras, capazes de impulsionar


novamente o desenvolvimento das forças produtivas da sociedade.
Até capitalismo, o desenlace desses conflitos na história das formações
sociais levou à conformação de sociedades divididas em classes sociais
antagônicas e na constituição da propriedade privada, base da dominação de
classe sobre os produtores. Sob a base da propriedade privada e da
exploração da força de trabalho dos produtores pelas classes dominantes,
foram constituídas várias formações sociais. Marx, em Para a Crítica da
Economia Política cita os modos de produção asiático, antigo, feudal, nas quais
se desenvolveram as forças produtivas, mas não no nível que possibilitassem a
reconstrução da economia e da sociedade sob bases socialistas.
Apenas no âmbito da sociedade burguesa, com o amplo desenvolvimento
das forças produtivas numa escala jamais vista na história da humanidade, por
meio da grande indústria, dos meios de comunicação, da técnica moderna, do
processo de socialização do trabalho – ainda que a apropriação seja privada -,
criam-se as condições objetivas para a reconstrução da sociedade sob bases
socialistas, portanto, para a socialização da produção e a apropriação social,
coletiva, dos produtos do trabalho humano.
Engels explicou essa questão em seus Princípios do Comunismo, ao
observar que toda

É evidente que, até o presente, as forças produtivas ainda não


estavam desenvolvidas para produzir o suficiente para todos e
a propriedade privada ainda não era um entrave, um obstáculo
a essas forças produtivas. Mas hoje, quando, graças ao
desenvolvimento da grande indústria, em primeiro lugar,
produziram-se capitais e forças produtivas em proporções
jamais conhecidas antes e existem, além disso, os meios para
aumentar ao infinito e rapidamente essas forças produtivas;
quando, em segundo lugar, tais forças produtivas estão
concentradas nas mãos de um reduzido número de burgueses,
enquanto a grande massa do povo se proletariza cada vez
mais e sua situação torna-se cada vez mais miserável e
insustentável, na mesma proporção em que aumentam as
riquezas dos burgueses; quando, em terceiro lugar, essas
forças produtivas, poderosas e fáceis de serem incrementadas,
ultrapassam a tal ponto os marcos da propriedade privada e do
burguês que provocam a todo instante as mais violentas
perturbações da ordem social – hoje, então, a abolição da
56

propriedade privada tornou-se não só possível, como também


absolutamente necessária.76

Como arremata Marx, em O Capital (1867), tal como ocorreu com as


demais formações sociais ao longo da história, no âmbito do capitalismo em
decadência, “Soa a hora final da propriedade privada capitalista. Os
expropriadores são expropriados”.77
Mas, qual o sentido dado pelos fundadores do marxismo ao processo
histórico de transformação dos modos de produção e sua substituição por
outros? É possível que essa transformação se dê mecanicamente,
automaticamente, sem comoções sociais? O que os conhecimentos
historicamente acumulados pela humanidade sobre os modos de produção pré-
capitalistas demonstram quanto a isso? Eis algumas questões que se colocam
ao Materialismo Histórico.

2.6. A luta de classes como motor da história

A teoria da luta de classes é parte da concepção materialista da história e,


como tal, é um guia muito importante para a compreensão das formações
sociais ao longo da história. É verdade que Marx e Engels não descobriram as
classes sociais e a luta de classes. Foram os historiadores burgueses ingleses
e franceses que, analisando as revoluções democrático-burguesas na
Inglaterra e França, dos séculos XVII e XVIII, demonstraram que esses
grandes acontecimentos eram resultados da intervenção das classes sociais,
com interesses diferentes e contrapostos, e da luta de classes. Os economistas
burgueses também procuraram analisar o papel social de cada classe na
divisão da riqueza produzida no capitalismo (lucro, salários, juros, renda da
terra).
Apoiando-se nas análises de economistas e historiadores burgueses,
Marx demonstrou não só os processos que levaram à decadência das
sociedades comunistas primitivas e à formação das sociedades de classes,
como mostrou que a existência de classes sociais está condicionada a
determinadas épocas histórico-sociais, sendo que, no capitalismo, o

76
ENGELS, Friedrich. Princípios do comunismo. In: MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. O
Manifesto do Partido Comunista. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011, p. 87-88.
77
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Civilização Brasileira, L. 1, v.
I, 2002, p. 877.
57

desenvolvimento da luta de classes, em meio às condições objetivas, coloca a


necessidade da luta pelo domínio de classe do proletariado, isto é, pelo
socialismo.
Marx chegou a dizer numa carta a Weidemeyer, datada de 5 de março de
1852, o seguinte:

No que me diz respeito, não me cabe o mérito de ter


descoberto a existência das classes na sociedade moderna ou
a luta entre elas. Muito antes de mim, alguns historiadores
burgueses tinham exposto o desenvolvimento histórico desta
luta de classes e alguns economistas burgueses a anatomia
econômica das classes. O que eu fiz de novo foi demonstrar: 1
- que a existência das classes está ligada apenas a
determinadas fases históricas do desenvolvimento da
produção; 2 – que a luta de classes conduz necessariamente à
ditadura do proletariado; 3 – que essa mesma ditadura constitui
tão somente a transição para a abolição de todas as classes e
para uma sociedade sem classes. A formação de uma
sociedade sem classes.78

Desde que as sociedades comunistas antigas – ou sociedades originárias


– desapareceram, por força do desenvolvimento das forças produtivas, como a
descoberta da agricultura, a criação de animais e a crescente divisão do
trabalho, forçando a dissolução da constituição gentílica e abrindo as condições
para o aparecimento da sociedade patriarcal escravista, a nova sociedade,
fundada na propriedade privada dos meios de produção e na apropriação
privada dos produtos do trabalho dos produtores diretos explorados pela classe
dominante escravista, dividiu-se em classes sociais com interesses
antagônicos e inconciliáveis.
Toda a história da humanidade, a partir de então, tem sido a história da
luta de classes. Desde os escritos dos anos 1840, Marx e Engels fazem
frequentemente menção às classes sociais, em particular à burguesia e ao
proletariado. Em seu ensaio sobre A situação da classe trabalhadora na
Inglaterra, de 1845, Engels estuda minuciosamente a formação da sociedade
capitalista, a constituição das classes sociais modernas, os conflitos de
interesses entre elas, a sua ligação com as relações de produção e troca, além
do processo pelo qual a classe trabalhadora, em especial, toma consciência

78
Cf. MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Cartas Filosóficas e Outros Escritos. São Paulo:
Grijalbo, 1977, p. 25.
58

das contradições da sociedade capitalista, organiza-se em sindicatos,


movimentos e partidos, e elabora a sua perspectiva socialista. 79
Em A Ideologia Alemã, Marx e Engels, com base nos conhecimentos
históricos dessa época, expõem as principais formações econômico-sociais da
história e as classes sociais correspondentes. Mas é em O Manifesto do
Partido Comunista que a teoria da luta de classes é exposta de maneira mais
contundente:

A história de todas as sociedades até hoje existentes é a


história da luta de classes.80
Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor feudal e
servo, mestre de corporação e companheiro, em resumo,
opressores e oprimidos em constante oposição, têm vivido em
uma guerra ininterrupta, ora franca, ora dissimulada; uma
guerra que terminou sempre ou por uma transformação
revolucionária da sociedade inteira, ou pela destruição das
duas classes em conflito.
Nas mais remotas épocas da História, verificamos, quase
por toda parte, uma completa estrutura da sociedade em
classes distintas, uma múltipla gradação das posições sociais.
Na Roma antiga encontramos patrícios, cavaleiros, plebeus,
escravos; na Idade Média, senhores, vassalos, mestres das
corporações, aprendizes, companheiros, servos; e, em cada
uma destas classes, outras gradações particulares.81

O capitalismo, que nasceu das contradições criadas no seio da sociedade


feudal e sua decadência, é uma sociedade de classes, fundada na propriedade
privada dos meios de produção e na exploração do trabalho assalariado, a
partir do qual a burguesia extrai a mais-valia. Portanto, não extingue as classes
sociais, nem a luta entre elas, apenas cria novas classes sociais e novas
formas de luta. É precisamente isso que Marx e Engels descrevem na mesma
obra:

79
Cf. ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. São Paulo:
Boitempo, 2007.
80
Em 1888, Engels acrescentou a seguinte nota à edição inglesa de O Manifesto Comunista:
“Isto é toda história escrita. A pré-História, a organização social anterior à história escrita, era
desconhecida em 1847. Mais tarde, Haxthausen (August von, 1792-1866) descobriu a
propriedade comum da terra na Rússia, Maurer (Georg Ludwig von) mostrou ter sido essa a
base social da qual as tribos teutônicas derivaram historicamente e, pouco a pouco, verificou-
se que a comunidade rural era a forma primitiva da sociedade, desde a Índia até a Irlanda. A
organização interna dessa sociedade comunista primitiva foi desvendada, em sua forma típica,
pela descoberta de Morgan (Lewis Henry, 1818-81) da verdadeira natureza de gens e de sua
relação com a tribo. Após a dissolução dessas comunidades primitivas, a sociedade passou a
dividir-se em classes distintas”. Cf. MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. O Manifesto do Partido
Comunista. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011, p. 40.
81
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. O Manifesto do Partido Comunista. Petrópolis, RJ: Vozes,
2011, p. 40.
59

A sociedade burguesa moderna, que brotou das ruínas


da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos de classe.
Não fez mais que estabelecer novas classes, novas condições
de opressão, novas formas de luta em lugar das que existiram
no passado. (...) A sociedade divide-se cada vez mais em dois
campos opostos, em duas grandes classes em confronto
direto: a burguesia e o proletariado.82

O fundamental é que o Materialismo Histórico assentou em bases


histórico-sociais a tese de que o motor da história é a luta de classes. Ou,
como afirma Marx em A luta de classes na França: 1848-1850, “As revoluções
são os motores da história”.83
No Prefácio à edição alemã de 1883 de O Manifesto Comunista, Engels
esclarece a tese fundamental do Materialismo Histórico:

em cada época histórica, a produção econômica e a estrutura


social que dela necessariamente decorre, constituem a base da
história política e intelectual dessa época; que
consequentemente (desde a dissolução do regime primitivo da
propriedade comum da terra) toda a História tem sido a história
da luta de classes, da luta entre explorados e exploradores,
entre as classes dominadas e dominantes nos vários estágios
da evolução social; que essa luta, porém, atingiu um ponto em
que a classe oprimida e explorada (o proletariado) não pode
mais libertar-se da classe que a explora e oprime (a burguesia)
sem que, ao mesmo tempo, liberte para sempre toda
sociedade da exploração, da opressão e da luta de classes –
este pensamento pertence única e exclusivamente a Marx.84

O Materialismo Histórico demonstra que a destruição de um determinado


modo de produção e a sua substituição por outro não pode se dar sem grandes
conflitos sociais. É verdade também que nem sempre o choque entre as forças
produtivas e as velhas relações de produção, que se reflete nas formas de
consciência social, por meio das quais os indivíduos tomam conhecimento do
conflito e tentam resolvê-lo, buscando um desenlace histórico, deve levar à
transformação revolucionária da sociedade e a sua reconstrução de maneira
progressiva.
É o que demonstram Marx e Engels ao ressaltar a possibilidade desses
conflitos terminarem não pela transformação revolucionária da sociedade, mas

82
Idem, p. 39.
83
Cf. MARX, Karl. A luta de classes na França: 1848-1850. São Paulo: Centelha, 1975, p. 178.
84
Idem, p. 71-72.
60

pela “destruição das duas classes em conflitos”. É o que no século XX se


expressou na consigna “socialismo ou barbárie”. Pode ocorrer que a classe
social mais avançada da sociedade não seja capaz de abrir uma nova etapa de
desenvolvimento econômico e social por meios revolucionários e, ao contrário,
as classes sociais antagônicas em choque se degenerem mutuamente.
Toda a produção teórico-política posterior a O Manifesto do Partido
Comunista procura compreender as classes sociais a partir do papel que
cumprem nas relações de produção, troca e distribuição da riqueza social
produzida, as perspectivas teórico-políticas e as formas de organização, as
intervenções dessas classes nos processos revolucionários (jornadas de 1848,
Comuna de Paris, de 1871 etc.), as lutas dos trabalhadores por suas
reivindicações e por transformações sociais, políticas e econômicas, a
formação dos partidos operários, a construção da Primeira Internacional, enfim,
as expressões da luta de classes.
Em obras fundamentais como A luta de classes na França: 1848-1850 (de
Marx), Revolução e contrarrevolução na Alemanha (de Engels), O 18 Brumário
de Luís Bonaparte (1852, de Marx) e A guerra civil na França (1871, de Marx),
entre outras, os fundadores do marxismo analisam eventos históricos concretos
da luta de classes do proletariado, os seus interesses imediatos e históricos
diante da classe dominante, as suas formas de organizações políticas
(partidos, sindicatos, a Internacional) e os choques com os governos – nos
seus mais variados regimes políticos, do bonapartismo às repúblicas
democráticas - a frente do Estado burguês.85
Não é o caso de avançarmos agora nessas análises, que conformam a
teoria da luta de classes, da tática e da estratégia do proletariado
revolucionário. Serão desenvolvidos posteriormente, quando tratarmos dos
temas da luta de classes, do Estado, da organização política dos trabalhadores
e do socialismo.

85
Cf. especialmente, MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. O Manifesto Comunista. São Paulo:
Boitempo, 1998; Lutas de classes na Alemanha. São Paulo: Boitempo, 2010; Lutas de classes
na Rússia. São Paulo: Boitempo, 2010; MARX , Karl. A luta de classes na França: 1848-1850.
São Paulo: Centelha, 1975; O 18 Brumário e Cartas a Kugelmann. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1977; A guerra civil na França. São Paulo: Boitempo, 2011; ENGELS, Friedrich. .
61

2.7. A literatura sobre o Materialismo Histórico e dialético após Marx


e Engels

Os marxistas posteriores a Marx e Engels procuraram não só expor os


fundamentos da concepção materialista da história como aplicar o método da
dialética materialista ao estudo dos mais variados fenômenos da história e da
sociedade, como o direito, a arte, a política, a filosofia, a ciência, a religião,
educação, entre outros. Para tanto, tiveram de se colocar sempre a altura dos
avanços científicos de cada época e da discussão filosófica em torno desses
resultados. Citaremos apenas as obras relacionadas com a temática em foco,
qual seja, o Materialismo Histórico e a dialética materialista, de modo que não
citaremos obras sobre a sociedade capitalista e sobre os eventos políticos.
Na primeira geração, após a morte dos fundadores do marxismo, destaca-
se principalmente Guiorgui Plekhanov, que escreveu obras fundamentais para
a compreensão do Materialismo Histórico, como A concepção materialista da
história, O desenvolvimento da concepção monista da história, O papel do
indivíduo na história, A arte e a vida social, Os princípios fundamentais do
marxismo. Plekhanov procurou também analisar diversos fenômenos da vida
social e o desenvolvimento do conhecimento a partir do Materialismo Histórico.
Suas obras formaram teórica e politicamente as gerações posteriores, em
particular na Rússia da primeira metade do século XX. 86
No período da Segunda Internacional, destacam-se inicialmente as obras
de Karl Kautsky, pensador marxista, dirigente do Partido Socialdemocrata
Alemão, que estudou inúmeras questões da história e da sociedade a partir do
método da dialética materialista. Entre as suas obras mais importantes,
podemos citar A origem do cristianismo e A concepção materialista da história.
Também se destacou nesse período outro dirigente do Partido
Socialdemocrata Alemão, Franz Mehring, que escreveu uma biografia sobre
Karl Marx, expondo o seu pensamento, além da obra Sobre o materialismo
histórico. São fundamentais ainda nesse período as obras da revolucionária
polonesa Rosa Luxemburgo, entre as quais, Introdução à Economia Política,

86
Cf. PLEKHANOV, Guiorgui. A concepção materialista da história. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1990; O papel do indivíduo na história. São Paulo: Expressão Popular, 2008; Os
princípios fundamentais do marxismo. São Paulo: Hucitec, 1989.
62

que faz uma análise muito importante das sociedades pré-capitalistas à luz do
materialismo histórico, além de textos como O Socialismo e as Igrejas.87
Nos últimos anos da Segunda Internacional e primeiros da Terceira
Internacional, destacaram, sobretudo, as obras de V. I. Lênin, Leon Trotsky,
Nicolai Bukharin e David Riazanov, que deram grandes contribuições ao
debate sobre a dialética materialista e ao Materialismo Histórico. De Lênin,
podemos citar Materialismo e Empiriocriticismo, Cadernos Filosóficos, além da
síntese do pensamento de Marx e Engels presente em As três fontes e as três
partes constitutivas do marxismo.88 De Trotsky, podemos realçar as seguintes
obras: Em defesa do marxismo, O ABC do materialismo dialético, O marxismo
de nossa época, Noventa anos do Manifesto Comunista, Questões do modo de
vida, e os textos sobre filosofia e ciência publicados sob o título Trotski e
Darwin. Escritos de Trotski sobre a teoria da evolução, dialética e marxismo.
De Bukharin, podemos citar A Teoria do Materialismo Histórico e O Marxismo e
o Pensamento Moderno. De Riazanov, é preciso destacar Marx e Engels e a
história do movimento operário.89
Outros autores da maior relevância para o estudo da dialética materialista
e para o Materialismo Histórico foram Antônio Gramsci, Georg Lukács e Karl
Korch. De Gramsci podemos mencionar obras como Concepção dialética da
história; de Lukács, destacam-se O Jovem Marx e Outros Textos Filosóficos, A
falsa e a verdadeira ontologia de Hegel, Os princípios ontológicos
fundamentais de Marx, Ensaios sobre Literatura, Introdução a uma estética
marxista, Prolegômenos para uma Ontologia do Ser Social, História e

87
KAUTSKY, Karl. A origem do cristianismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010;
MEHRING, Franz. O materialismo histórico. Lisboa: Antídoto, 1977; Karl Marx: a história de sua
vida. São Paulo: Boitempo, 2013; LUXEMBURGO, Rosa. A sociedade comunista primitiva e
sua dissolução. São Paulo: Edições ISKRA, 2015.
88
Cf. LÊNIN, V.I. As três fontes e as três partes constitutivas do marxismo. São Paulo: Global,
1979; Cadernos Filosóficos: Hegel. São Paulo: Boitempo, 2018; Materialismo e
Empiriocriticismo. Lisboa: Edições Avante, 1982; Sobre o significado do materialismo militante.
In: LUKÁCS, Gyorgy. Materialismo e dialética: crise teórica das ciências da natureza. Brasília:
Editora Kiron, 2011.
89
TROTSKY, Leon. Em defesa do marxismo. São Paulo: Sundermann, 2011; O ABC do
materialismo dialético. In: Política. São Paulo: Ática, 1981; Noventa anos do Manifesto
Comunista. In: MARX, Karl e ENGELS, Friedich. Manifesto Comunista. São Paulo:
Boitempo,1998; O marxismo de nossa época. In: TROTSKY, Leon. O Imperialismo e a crise
econômica mundial. São Paulo: Sundermann, 2008; Questões do modo de vida. São Paulo:
Sundermann, 2009; Trotski e Darwin. Escritos de Trotski sobre a teoria da evolução, dialética e
marxismo. Brasília: Editora Kiron, 2012; BUKHARIN, Nicolai. Tratado de Materialismo Histórico.
Centro do Livro Brasileiro, s/d; RIAZANOV, David. Marx e Engels e a história do movimento
operário. São Paulo: Global, 1984.
63

Consciência de Classe: estudos de dialética marxista, Para uma ontologia do


ser social. De Korch, podemos citar Marxismo e Filosofia.90
Além desses autores clássicos do marxismo, podemos citar outros que
contribuíram com suas obras e textos para o debate sobre a dialética
materialista e o Materialismo Histórico, tais como Ernest Mandel e suas obras
A formação do pensamento econômico de Karl Marx (de 1843 até a redação
de O Capital), O lugar do marxismo na história, Introdução ao marxismo;
August Thalheimer e sua Introdução ao materialismo dialético; Louis Althusser
e sua Análise crítica da teoria marxista; Karel Kosik e sua Dialética do
Concreto; Henri Lefebvre e sua Lógica Formal/Lógica Dialetica e Para
compreender o pensamento de Karl Marx; Gyorgy Márkus e suas obras Teoria
do conhecimento no jovem Marx e Marxismo e Antropologia: o conceito de
“essência humana” na filosofia de Marx; István Mészáros em, entre outras,
Filosofia, ideologia e ciência social: ensaio de negação e afirmação e Estrutura
social e formas de consciência: a determinação social do método; George
Novack e os títulos As origens do materialismo, Introdução à Lógica Marxista e
O desenvolvimento desigual e combinado na História; Georges Politzer e seu
Princípios elementares de filosofia; Evelyn Reed e seu livro Sexo contra sexo
ou classe contra classe.91
90
GRAMSCI, Antônio. Concepção dialética da história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1991; LUKÁCS, Georg. O Jovem Marx e Outros Textos Filosóficos. Rio de Janeiro: UFRJ,
2007; A falsa e a verdadeira ontologia de Hegel. São Paulo: Ciências Humanas, 1979; Os
princípios ontológicos fundamentais de Marx. São Paulo: Ciências Humanas, 1979; Ensaios
sobre literatura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965; Introdução a uma estética
marxista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968; Prolegômenos para uma Ontologia do
Ser Social. São Paulo: Boitempo, 2010; História e Consciência de Classe: estudos de dialética
marxista. Porto: Publicações Escorpião, 1974; Para uma ontologia do ser social. São Paulo:
Boitempo, 2012; KORCH, Karl. Marxismo e filosofia. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2008.
91
MANDEL, Mandel. A formação do pensamento econômico de Karl Marx (de 1843 até a
redação de O Capital). Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1968; O lugar do marxismo na história.
São Paulo: Xamã, 2001; Introdução ao marxismo. Lisboa: Antídoto, 1978; THALHEIMER,
August. Introdução ao materialismo dialético. São Paulo: Cultura Brasileira, 1934;
ALTHUSSER, Louis. Análise crítica da teoria marxista. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967;
KOSIK, Karel. Dialética do Concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969; LEFEBVRE, Henri.
Lógica Formal/Lógica Dialética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975; Para compreender
o pensamento de Karl Marx. Lisboa: Edições 70, 1981; MÁRKUS, Gyorgy. Teoria do
conhecimento no jovem Marx. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974; Marxismo e Antropologia: o
conceito de “essência humana” na filosofia de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2015;
MÉSZÁROS, István. Filosofia, ideologia e ciência social: ensaio de negação e afirmação. São
Paulo: Boitempo, 2008; Estrutura social e formas de consciência: a determinação social do
método. São Paulo: Boitempo, 2009; NOVACK, George. As origens do materialismo. São
Paulo: Sundermann, 2015; Introdução à Lógica Marxista. São Paulo: Sundermann, 2005; O
desenvolvimento desigual e combinado na História. São Paulo: Sundemann, 2008; POLITZER,
Georges. Princípios elementares de filosofia. São Paulo: Centauro, 2007; REED, Evelyn. Sexo
contra sexo ou classe contra classe. São Paulo: Sundermann, 2011.
64

Há outras obras que podem ser igualmente consultadas sobre o


pensamento de Marx e Engels, em particular quanto à dialética materialista e
ao Materialismo Histórico. Também houve todo um esforço dos marxistas no
século XX – e, certamente, continuará no século XXI – de estudar a fundo os
diversos elementos da superestrutura jurídico-política (Estado, Direto,
instituições, partidos etc.) e as formas de consciência sociais (filosofia, ciência,
arte, direito, religião, entre outras).92
O fundamental é que a concepção materialista da história é um guia para
o estudo dos problemas fundamentais da história e da sociedade humana, um
método para avançarmos no desenvolvimento da teoria no século XXI.

92
Cf. LÖWY, Michael. A Teoria da Revolução no Jovem Marx. São Paulo: Boitempo, 2012; As
aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen: marxismo e positivismo na sociologia
do conhecimento. São Paulo: Cortez, 1994; Ideologias e Ciência Social: elementos para uma
análise marxista. São Paulo: Cortez, 1993; WOODS, Alan e GRANT, Ted. Razão e Revolução.
São Paulo: Luta de Classes, 2007; WOOD, Ellen Meiksins (org.). Em defesa da História:
marxismo e pós-modernismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999; FOSTER, John Bellamy. A
ecologia de Marx: materialismo e natureza. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005;
SHANIN, Teodor. Marx tardio e a via russa: Marx e as periferias do capitalismo. São Paulo:
Expressão Popular, 2017; COHEN, Gerald A. A teoria da história de Karl Marx. São Paulo:
Editora Unicamp, 2013; WOOD, Ellen Meiksins. Democracia contra capitalismo: a renovação
do materialismo histórico. São Paulo: Boitempo, 2010; THOMPSON, E. P. A miséria da teoria
ou Um Planetário de Erros: Uma crítica ao pensamento de Althusser. Rio de Janeiro. Zahar
Editores, 1981; HOBSBAWM, Eric. Sobre a história. São Paulo: Companhia das Letras, 2013;
ANDERSON, Perry. Considerações sobre o marxismo ocidental/Nas trilhas do materialismo
histórico. São Paulo: Boitempo, 2004; CHEPTULIN, A. A dialética materialista: categorias e leis
da dialética. São Paulo: Alfa-Ômega, 1982; KOPNIN, Pável Vassilievith. A dialética como lógica
e teoria do conhecimento. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
65

3. Conclusões

No presente texto prcuramos sintetizar a teoria e o método do


Materialismo Histórico, elaborado por Marx e Engels, que teve a sua primeira
síntese geral nos manuscritos de A Ideologia Alemã (1845-1846), cujos
manuscritos não chegaram a ser publicadas em vida pelos fundadores do
marxismo, vindo a lume somente no século XX, na ex-União Soviética.
Como vimos, os primeiros embriões dessa nova concepção de história e
de sociedade se forjaram do final de 1843 a 1845, sendo, por fim, exposto de
maneira ampla e sistemática em A Ideologia Alemã e desenvolvida em obras
posteriores de Marx, como a A Miséria da Filosofia (1847) e, em sua forma
político-programática, em O Manifesto do Partido Comunista (1848).
Nas obras seguintes, Marx e Engels aperfeiçoaram a nova concepção e
aplicaram o método da dialética materialista ao estudo de numerosos temas e
problemas da história e da vida social. Nas suas obras sobre Economia Política
e, particularmente, em O Capital, Marx aplica o método do materialismo
dialético à análise das condições que originaram o modo de produção
capitalista, além do seu desenvolvimento, dinâmica, contradições e condições
objetivas e subjetivas de sua superação.
O Materialismo Histórico se tornou um guia de estudo da realidade social
não só para os fundadores do marxismo, como também para seus
continuadores, ao longo do século XX. Essa concepção de sociedade e de
histórica representa uma ruptura com relação às concepções idealistas e
mecanicistas anteriores, estabelecendo um novo método de análise da
realidade, com implicações políticas marcantes na luta de classes.
Ao contrário das concepções que defendem a determinação de ideias
autônomas e independentes sobre a vida social, seja sob a forma de uma
“essência humana abstrata”, “das opiniões e preconceitos de uma época” ou de
um “espírito absoluto”, que se manifestaria na história humana, o fato é que a
concepção materialista da história demonstra que as raízes das ideias, do
conhecimento, da consciência e do que chamam de espírito, encontram-se na
vida social, no desenvolvimento histórico real, nas atividades dos homens
concretos, como vivem e produzem as condições de sua vida social.
66

Para o Materialismo Histórico, a produção e a reprodução da vida material


dos homens é a base, o fundamento, o cimento de toda a estrutura social, e,
como tal, da superestrutura jurídico-política e das formas de consciência
sociais. Por isso, para compreender as instituições políticas e as ideias de uma
época, é preciso ir fundo na análise desses processos materiais da vida social
e econômica. Mas, o Materialismo Histórico também demonstra o caráter ativo
das ideias, que reagem, por meio das ações dos indivíduos, na História e,
como tal, têm um impacto dialético sobre a vida social e econômica.
Certamente, no século XXI continuará sendo uma ferramenta fundamental
para a compreensão das transformações no seio do capitalismo decadente,
bem como da realidade econômica, social, política e cultural em movimento.
Como sempre advertiram Marx e Engels, a realidade é muito complexa, de
modo que há toda uma porta aberta para aqueles que desejam investigá-la
para transformá-la.
Porém, é preciso deixar claro que o Materialismo Histórico e a dialética
materialista nunca foram um dogma, como alguns tentaram mostrar, para
desmoralizar o marxismo e a luta revolucionária da classe trabalhadora. É
verdade, também, que, muitas vezes, ocorreram deformações no campo
mesmo dos seguidores de Marx e Engels.
No entanto, o marxismo continua plenamente atual. E continuará sendo a
teoria do proletariado e da revolução socialista, enquanto o capitalismo estiver
vigente e não for superado. Por isso, o Materialismo Histórico deve ser
estudado a fundo, juntamente com o acompanhamento dos avanços nas
ciências naturais e sociais, como guia para analisarmos a origem, o
desenvolvimento, as contradições e as tendências objetivas e subjetivas para a
superação do capitalismo, por meio da revolução socialista.
67

4. Bibliografia

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