LITERATURA CABOVERDIANA Claridade
LITERATURA CABOVERDIANA Claridade
LITERATURA CABOVERDIANA Claridade
O desenvolvimento sociocultural de Cabo Verde, nos finais de século XIX e durante o século XX,
deve-se fundamentalmente a:
- tradição escolar local – recorda-se que durante o século XIX temos a criação de instituição de ensino
primário, secundário e, mais tarde, seminário liceu de S. Nicolau, em 1866
- introdução da imprensa no arquipélago. Com isso, temos uma multiplicação local de actividades
ligadas: à imprensa, (publicação de vários periódicos, como: O Independente (1877), foi o
primeiro jornal publicado em Cabo Verde; depois seguiram-se outras publicações, ainda no decorrer do
século XIX, exemplo: Echo de Cabo Verde (1880), Imprensa (1880-81), A Justiça (1881) Revista de
Cabo Verde (1899); e continuou no século XX, A Esperança (1901); A Liberdade (1902-1903) etc.).
- Também temos actividades ligadas à literatura, que consequentemente traz o aparecimento de
movimentos literários, como o movimento claridoso, entre outros.
O percurso literário de Cabo Verde foi construído através de revistas que fomentavam a difusão
cultural e o conhecimento geral sobre literatura. Ocorria a publicação de algumas obras, mas em número
menor, sendo as revistas o veículo que une diversos escritores com os diferentes expoentes linguísticos.
Algumas revistas: Claridade (1936), Certeza (1944), Suplemento Cultural (1958), Raízes (1977),
Ponto & Vírgula (1983), …
MOVIMENTO CLARIDOSO
Revista CLARIDADE
1ª publicação – 1936 - cidade de Mindelo, S. Vicente. Publicações entre 1936 e 1960 - total de 9
números divididos em 3 fases:
1ª: a fase inicial - 1936 à 1937 - 3 números;
2ª - 1947 à 1949 - 4 números;
3ª - e último período - 1958 à 1960 - 2 números.
* Obs.: Apenas a primeira fase contou com a colaboração de todos os elementos, sendo que os
restantes números foram elaborados e publicados à responsabilidade de Baltazar Lopes. Isto dado ao
facto de os outros elementos do grupo se encontrarem ausentes e dispersos por motivos profissionais.
Nesse período Jorge Barbosa tinha sido exilado para a Ilha do Sal e Manuel Lopes encontrava-se na Ilha
de Faial, Açores, para onde tinha sido transferido por motivos profissionais, como telegrafista na
Western Telegraph.
FUNDADORES: Baltasar Lopes (que usou o pseudónimo poético de Osvaldo Alcântara), Jorge
Barbosa e Manuel Lopes. Respectivamente oriundos das ilhas São Vicente, São Nicolau e Santiago.
Colaboradores: Teixeira de Sousa, António Pedro, José Osório de Oliveira, Corsino Azevedo, João
Lopes, Jaime de Figueiredo, João Lopes, Sérgio Frusoni, entre outros.
Durante a vigência da revista, publicaram inúmeros artigos, focados sempre na tradição local, como
por exemplo nos primeiros números deram grande relevo a tradição Oral:
- Nº 1: Lantuna & motivos de finaçom - batuque da Ilha de Santiago;
- Nº 2: Vénus – morna de Xavier;
- Nº3: Poema de quem ficou de Manuel Lopes;
- os restantes números deram igualmente grande destaque a cultura cabo-verdiana, em particular a
língua cabo-verdiana, publicando artigos sobre a música do arquipélago, em particular da Ilha de
Santiago, como dos géneros musicais “Finaçon” e “Batuque”.
- Similarmente, o “Batuque” teve na revista nº 6 e 7 artigos de carácter científicos sobre a sua origem e
evolução, ainda publicaram vários outros artigos de carácter etnográfico e sociológico sobre a realidade
social e cultural cabo-verdiana.
Perante a penosa situação vivida em Cabo Verde, o grupo afirmou que tinha de intervir e a arma seria
a imprensa.
A deia inicial - criar um jornal com a finalidade de:
- pôr cobro a lacuna existente no arquipélago da imprensa;
- debruçar-se sobre a situação social e política que se vivia em Cabo Verde.
Porém, perante o preço do depósito prévio que rondava os 50 mil escudos e tendo em conta,
sobretudo, a época em questão, década de 30, e os problemas financeiros existentes localmente,
desistiram da ideia do jornal, canalizando assim os esforços para a criação de uma Revista, que
vieram a dar o nome de CLARIDADE, influenciados pela existência na Argentina de uma revista
chamada CLARIDDAD e também da França, através da revista e do movimento pacifista CLARTÉ, de
Henri Barbusse, que era do conhecimento de todos.
Claridade (referência à luz do dia)
Clar = Luz (iluminação, entendimento) idade = Idade clara (opõe-se a obscuridade, idade obscura)
Claridade surge para trazer à luz do dia os problemas de Cabo Verde. A relação do nome da
revista com a luz mostra a negação da escuridão que antes existia na literatura cabo-verdiana, escuridão
sobre a abordagem de temáticas relacionadas ao contexto social do arquipélago.
O conteúdo temático da revista é «fincar os pés na terra», por outras palavras, um olhar atento sobre
os problemas vitais de Cabo Verde e as condições de vida do seu povo.
IDEOLOGIA: cabo-verdianidade
Atentos à realidade do quotidiano do povo das ilhas na década de 1930, os claridosos preocuparam-se
com a precária situação vivenciada pelo povo. Estes filhos esclarecidos de Cabo Verde resolveram
assumir no arquipélago a causa do povo na sua luta pela afirmação de uma identidade cultural autónoma
baseada na criação da “cabo-verdianidade” e na análise das preocupantes condições sócio-económicas
e políticas das Ilhas de Cabo Verde.
A voz do Poeta, agora, é a voz da própria terra, do próprio povo, da própria realidade Cabo-verdiana.
OBJECTIVOS:
• “fincar os pés na terra cabo-verdiana”;
• pensar nos problemas que afectavam o homem cabo-verdiano como: as estiagens, a decadência do
Porto Grande, o encerramento da emigração para os Estados Unidos de América, a abertura do contrato
para as roças de São Tomé;
• apontar as raízes crioulas.
Laranjeira, ao citar António Aurélio Gonçalves, acrescenta que:
“ [...] intervieram outras determinantes mais poderosas e de raízes mais fundas, como, por exemplo, a
convicção de uma originalidade regional cabo-verdiana, a necessidade de protestar e de dar o alarme
perante uma crise económica, causada pela estiagem, pelo abandono do porto de S. Vicente, pela
sufocação proveniente do encerramento da emigração para a América do Norte” - (Pires
LARANJEIRA).
Essa revista deu oportunidade ao estudo do folclore cabo-verdiano, da língua crioula, das
especificações culturais do arquipélago, dando luz às problemáticas políticas, sociais e geográficas
de Cabo Verde.
CARACTERÍSTICAS da Claridade:
Rompe com os arquétipos linguísticos e estéticos de influência europeia - formas clássicas (quanto à
rima, a métrica e aos géneros);
Centra-se no plurismo da língua;
Discurso de rotura;
Cria uma nova consciência sobre a linguagem, valorizando traços da regionalidade, da raíz cabo-
verdiana e do crioulo, ou seja reelaborara a linguagem num hibridismo (mistura do português falado
com o crioulo)
Ex: - UÁ? Só se for uma lasca de pedra…É o que digo ocê. (Manuel Lopes, Chuva Brava)
SÍNTESE
Esta revista constitui a primeira mudança importante no panorama da literatura insular, pelo seu
carácter grupal e de cabo-verdianidade.
Teve um grande impacto social, fundamentalmente a nível literário, publicando inúmeros artigos
literários dos jovens autores cabo-verdianos, dando a conhecer através da literatura: poemas, contos,
romances etc., apresentando sempre como “pano de fundo”, a realidade social, política, cultura e
quiçá religiosa do arquipélago.
Todavia, tendo em conta o regime que vigorava na altura baseado na censura, através dos seus
agentes, designadamente da PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado), tiveram de ser
discretos, caso contrário corriam o risco de serem alvos de processos polícias, do referido órgão e
encarcerados no temido campo de concentração de Tarrafal, onde foram presos e torturados várias vozes
contra o regime.
Porém, mesmo assim alguns artigos foram apontados pela censura, como por exemplo o artigo da
página 9, da revista nº 2, Um galo que cantou na Baía…, um excerto do conto de Manuel Lopes.
Podemos dizer que o movimento claridoso:
- teve um papel preponderante na afirmação e emancipação da cultura cabo-verdiana face a cultura
dominante na época da metrópole;
- representa um ponto de viragem da literatura moderna cabo-verdiana, com uma vertente
rigorosamente nacional, lutando pela afirmação de uma identidade cultural nacional própria,
preocupando-se, como aludimos anteriormente, com a situação social, política e económica do
arquipélago;
- despertou e iluminou ainda mais a intelectualidade cabo-verdiana.
Os vestígios dessa repercussão podem ser verificados nas obras primas lançadas pelos escritores
"claridosos", que marcaram a literatura cabo-verdiana, como: Arquipélago, Chiquinho, Chuva Braba,
Os Flagelados do Vento Leste…
Do mesmo modo, a revista lançou sementes literárias que germinariam em outras importantes
publicações cabo-verdianas, tais como: Certeza, Suplemento Cultural, Raízes e Ponto & Vírgula, em
que se se destacaram os escritores: Gabriel Mariano, Ovídio Martins, Aguinaldo Fonseca, Terêncio
Anahory, Yolanda Morazzo, Leão Lopes e Germano de Almeida.
O romance “Flagelados do Vento Leste” de Manuel Lopes de certo modo é um hino telúrico entoado
numa mensagem de celebração e resignação, cuja tensão dramática advém do dilema de “partir / ficar”.
José da Cruz, o lavrador e rendeiro depois de ter resistido estoicamente na terra ressequida, junta-se à
multidão de refugiados que enche a estrada rumo è cidade. E o velho proprietário Nhô Lourencinho, ao
interceptar José da Cruz na estrada, repreende-o por ter perdido a sua dignidade no acto de ter
abandonado a terra sagrada.
Na verdade, esse romance transmite uma mensagem central baseada na ficção da ideia de um povo
capaz de lidar com os caprichos da natureza. Com a sugestão do horrífico na referência ao “harmatan”
soprando do continente africano – é uma representação da força indomável da natureza volúvel.
Flagelados desenrola-se contra o pano de fundo de uma orquestração trementista entrecortada por
cânticos fúnebres e macabros a uma terra amaldiçoada.
Flagelados contém cenas arrepiantes de tragédias, crimes hediondos e sortilégios contados num estilo
supra-realista e operático.
Esse romance tem figuras simbólicas, por exemplo: Nhô Lourencinho, a voz cava e ameaçadora da
terra sagrada e, mais além, da consciência colectiva dum grupo do qual o autor implícito é o porta-voz.
O “Flagelados” termina com a proposição que o cabo-verdiano, como o Sísifo do mito grego, tem de
resignar-se ao seu destino. E a metáfora de constantemente tornar a empurrar uma rocha encostada
acima, depois de ela constantemente rolar para baixo serve para reflectir as configurações que ordenam
as estruturas estético – ideológicas da narrativa de Manuel Lopes.
“Caracterizar Flagelados como evasionista é ignorar que a forma e o conteúdo convergem duma
maneira totalizadora, como o ponto de vista do autor implícito.” – Manuel Lopes
NIO
o pouquíssimo que ficou
Linhas de análise:
Relacionar o título com o poema
Estado de espírito do sujeito poético
A problemática apontada no poema
Enquadrar a poesia na sua revista literária
Revista CERTEZA
A definição do terreno em que se move o grupo (claridoso) é de clareza, a que o grupo seguinte
acrescentará um novo dado, a Certeza, nome do grupo e da nova revista.
O sufixo - eza (clareza da claridade) - torna objectivas e passíveis de precisão as qualidades, que assim
passam de estados a objectos. Ou seja, Certeza vem dar clareza às intenções e as mensagens dos claridosos.
Aparece em 1944 vai até 1945 marcando, também, o período claridoso. Essa revista é, infelizmente,
efémera, somente dois números foram publicados, porque o terceiro foi destruído por ordem do governo
português. Foi fundada por estudantes do liceu. Nela, Arnaldo França, Nuno Miranda, Tomás Martins,
António Nunes, Teixeira de Sousa, Guilherme Rocheteau e outros jovens, ensaiam uma nova mensagem e
mostram que compreenderam a dos poetas da Claridade. O impulsionador foi o militar em serviço no
Arquipélago Manuel Ferreira, tornado escritor cabo-verdiano por direito e por opção.
Estes jovens ensaiam uma nova mensagem, e mostram que compreenderam a dos Poetas da Claridade. Mas
a Certeza não é apenas uma compreensão da Claridade.
Os seus poetas têm cada vez mais contacto com o mundo. Sentem e sabem que para além da realidade
cabo-verdiana existe uma realidade humana, de que não podem alhear-se. Sentem e sabem que não é apenas
em Cabo Verde que “há gritos lancinantes pela noite silenciosa” e “homens vagabundos” que “fitam estrelas
que a madrugada esculpiu”. E dizem, querem dizer “um canto… que cruze nos mares mais distantes e entre
nos corações dos homens…um canto com contornos de paz e relevos de esperança”.
Assim, tinham por objectivo traduzir bem ou mal as angústias e as esperanças dos cabo-verdianos.
Trataram temas relacionados com a terra dura e seca, a destruição dos falsos mitos, a evasão, entre outros.
Ideologias eram a consciencialização da terra dura e seca e a orgulhosa descoberta dos falsos mitos.
Ela é de carácter neo-realista. Marcou de forma mais nítida o caminho da Cabo-verdianidade.
“É bom não esquecer que por altura do seu aparecimento se desenvolva – já no horizonte o triunfo das
forças aliadas no campo da guerra europeia, e, mais pressentidos que conscientemente esperado,
desenhavam-se os fecundos tempos em que ainda vivemos.” (Arnaldo França)
O ideário da revista está definido no poema “Poema de amanhã” 1945 de António Nunes.
A poesia de António Nunes destaca-se pelo sopro protestário e reivindicativo que o seu sempre citado
“Poema de amanhã” simboliza e se fez bandeira da geração que lutou pela independência do país.
POEMA DE AMANHÃ
- Mamãi! - Mamãi!
sonho que, um dia, sonho que, um dia,
em vez dos campos sem nada, estas leiras de terra que se estendem
do êxodo das gentes nos anos de estiagem quer sejam Mato Engenho, Dacabalaio ou Santana,
deixando terras, deixando enxadas, deixando tudo, filhas do nosso esforço, frutos do nosso suor,
das casas de pedra solta fumegando do alto, serão nossas.
dos meninos espantalhos atirando fundas,
das lágrimas vertidas por aqueles que partem, E, então,
e dos sonhos, aflorando, quando um barco passa, o barulho das máquinas cortando,
dos gritos e maldições, dos ódios e vinganças, águas correndo por levadas enormes,
dos braços musculados que se quedam inertes, plantas a apontar,
dos que estendem as mãos, trapiches pilando,
cheiro de melaço estonteando, quente,
dos que olham sem esperança o dia que há-de vir, novas seivas brotando da terra dura e seca,
dos que estendem as mãos, vivificando os sonhos, vivificando as ânsias vivificando a Vida!...
dos que olham sem esperanças o dia que há-de vir,
António Nunes
Enquadrada no período Cabo-verdianitude (1958 - 1965) a revista literária, Suplemento Cultural, teve
apenas um único número, pois foi proibida pela Censura. Foi organizada em Lisboa e, posteriormente,
publicada na cidade da Praia, ilha de Santiago em 1958.
Indagar, conhecer e interpretar as expressões mais originais, mais sinceras e sólidas da cultura cabo-
verdiana constituem os principais objectivos desta revista.
Fazem parte desta geração de Suplemento Cultural nomes como: Gabriel Mariano, Ovídio Martins,
Aguinaldo Fonseca, Terêncio Anahory, Carlos Leite, Onésimo Silveira, Francisco Lopes, José Augusto
Monteiro e Yolanda Morazzo. Tendo a maioria formação universitária, convivendo de perto com outros
africanos da Casa dos Estudantes do Império.
Estes jovens retomam os temas iniciais da Claridade, ou seja, os temas da cabo-verdianidade, integrando,
contudo, os problemas de Cabo Verde na problemática geral africana. Por outro lado, o avanço ideológico
desses jovens escritores leva-os a utilizar um discurso declaradamente de revolta, com o consequente
enriquecimento formal das novas correntes da lírica portuguesa. Ou seja, o discurso dos jovens que o
lançaram era já de frontalidade anticolonialista, ao mesmo tempo que de consciencialização da componente
africana da sua cultura.
Em suma, protesto é o tema, predominante, nesta geração. A cabo-verdianidade, maior consciência do ser e
do estar e ainda, uma maior reflexão crítica representavam as suas ideologias.
Só com o Suplemento Cultural do Boletim de Cabo Verde é que se assume, a par da cabo-verdianidade, a
negritude. É de Gabriel Mariano um curto artigo sobre “Negritude e caboverdianidade” (in: Cabo Verde, 104,
Maio de 1958) e de Onésimo Silveira um vigoroso e polémico ensaio: Consciencialização na literatura cabo-
verdiana (Lisboa, CEI, 1963).
Onésimo Silveira vinha com essa publicação dar travejamento crítico ao ideário poético da geração que na
retaguarda apoiou o movimento militar na luta da libertação. O ensaio é uma desenvolvida diatribe contra os
escritores da Claridade. Em síntese, afirmava Onésimo Silveira:
- a literatura claridosa podia caracterizar-se como “realismo paisagístico”;
- os romances Chiquinho e os Flagelados do vento leste era criticáveis, respectivamente, o primeiro por ter
“escassas páginas” sobre as crises originadas pela morte de milhares de pessoas, devido à seca e o segundo,
por se enquadrar num “realismo puramente descritivo de que está ausente uma intenção social reformista”, era
criticável também a narrativa de António Aurélio Gonçalves;
- salvava-se a Chuva Braba, de Manuel Lopes, “romance de intenção social clara, tanto pelo criticismo
pertinente, como pela luz que seu epílago traz à decantada questão evasionista”;
- os claridosos tinham aproveitado dos mestres brasileiros apenas o “realismo pinturesco ou paisagístico e
não o realismo profundo ou de estrutura”;
- mostravam uma “nítida fuga aos componentes negróides da cultura cabo-verdiana”;
Era preciso, portanto, “tornar o homem caboverdiano consciente do seu destino africano”, invertendo os
termos de proposição claridosa e, ao invés de considerar Cabo Verde um caso de regionalismo europeu, passar
a considerá-lo um caso de regionalismo africano, por via do “influxo de renascimento africano, quer revitaliza
todos os campos de actividade e, todos os momentos de espiritualidade do homem negro ou negrificado”...
Ovídio Martins
Poeta bilingue, ou melhor, com incursões na linguagem crioula. Este autor faz suceder a uma fase
socialmente inconformista, mas impregnada de um suave lirismo, uma temática directamente intervencionista,
militante e de denunciadora da situação de dependência colonial e fortemente protestatória contra a passiva ou
renúncia a um activismo imediato, justificativos da generosidade do seu sacrifício em adiar o tempo para o seu
amor. Este autor estudou em Lisboa, a partir de 1947, mas, face às persegições da política, demandou a
Holanda, onde publicou o seu livro de poemas mais importante, Gritarei berrarei matarei – não vou para
Pasárgada (1973). Numa primeira fase, os poemas detêm-se nos campos semânticos da seca, do apelar ao
mar, do desespero, do amor inalcançado, de uma ambígua nostalgia das origens, não explicitadas; dois
poemas, no entanto, exprimem a retomada intertextual dos laços com a Claridade, ao citar os seus textos, e
uma crítica acerada ao chamado evasionismo, tomando uma posição explícita contra esse evasionismo
claridoso.
ANTIEVASÃO
Pedirei
Suplicarei
Chorarei
Atirar.me-ei ao chão
E prenderei nas mãos convulsas
Ervas e pedras de sangue
Gritarei
Berrarei
Matarei
Ovídio Martins
Esta palavra-tema foi introduzida em Cabo Verde nos anos 30, emergindo com o movimento da revista Claridade com conotação
positiva e com função de “fincar os pés na terra” denunciado a situação de abandono a que o arquipélago tinha sido votado:
Saudade fina de Pasárgada...
Em Pasárgada eu saberia
Onde é que Deus tinha depositado
O meu destino...
Osvaldo Alcântara, in Atlântico, 1946
Já em Suplemento Cultural e com Seló, altera-se a conotação e “Pasárgada” passa a ter uma função de mobilização para a
resistência:
Não vou para Pasárgada (Ovídio Martins)
e para o combate contra a dominação colonial e contra uma certa mística cabo-verdiana, simbolizada, po exemplo, pela música e
pelo grogue.