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Texto de Apoio Lalpii. S.t.principe Ead2019

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Síntese da Literatura de São Tomé e Príncipe/2019

III. LITERATURA DE SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE

SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE é um arquipélago constituído pela ilha de São Tomé e a ilha do
Príncipe. Tal como Cabo Verde, estas ilhas equatoriais (São Tomé e Príncipe) estavam
desabitadas quando chegaram os europeus (portugueses). À semelhança de C. Vede, as ilhas
equatoriais também favoreceram os processos de crioulização social, cultural e linguística. No
entanto, contrariamente a Cabo Verde, que nunca recuperou do seu declínio económico, São
Tomé e Príncipe, depois da subida e queda da indústria açucareira (1530 a 1700), realizaram uma
nova prosperidade, no começo do século XIX, com a introdução do café e do cacau
(HAMILTON, 1984: pp.237).

Segundo ainda HAMILTON (1984), Este período de ressurgimento económico coincidiu com o
declínio do tráfico de escravos, e quando (em 1869) se decretou a abolição da escravatura, surgiu
a crise laboral, derivada da ausência da mão-de-obra escrava. Para fazer face à crise instalada,
em 1876 começou a importação de trabalhadores contratados, dando assim inicio a era do
serviçal caracterizada por abusos para milhares de angolanos, moçambicanos e caboverdianos.

 Descobrimento e Povoamento do território

O povoamento do arquipélago de S. Tomé e Príncipe ocorreu por volta de 1486, isto é, quinze
nos depois do descobrimento das ilhas.

Os primeiros habitantes deste arquipélago, pelo menos até 1554, eram constituídos por
portugueses da Metrópole e da região insular da Madeira, espanhóis, genoveses, sobreviventes
de 2000 crianças luso-judaicas deportadas para S.T. e Príncipe em 1492, para serem doutrinadas
em cristianismo, escravos oriundos da costa ocidental da África.

 Grupos Sociais de São Tomé e Príncipe

De acordo com Francisco Tenreiro citado por HAMILTON (1984: P.237) “ A palavra ‘crioulo’
não é corrente em São Tomé; a ela corresponde, por vezes, a designação vaga de ‘filho de terra’.
Quer dizer, o termo ‘crioulo’ refere-se a descendentes das relações entre europeus e negros
escravos do período inicial da cana-de açúcar, de que existem hoje muitas famílias… eles
constituem a aristocracia sociológica dos ‘filhos da terra’ e que representam um passado de
relações humanas que levaram à aculturação”.

Outra palavra que mereceu a atenção explicativa de Tenreiro é ‘tonga’, a designa o natural de S.
Tomé, independentemente da sua origem étnica ou racial. Tenreiro define cada um dos termos
enquadrando no seu devido contexto histórico e socioeconómico. Assim, ‘tonga’ representa o
inicio da fase moderna de reocupação das terras em novas bases económicas e sociais.

A palavra ‘forro’ surge da convulsão provocada pela abolição do trabalho escravo e corresponde
a gente livre que, permanecendo na ilha, veio engrossar subsequentemente e através de gerações,
o grupo de ‘filhos da terra’. Na ilha do Príncipe o ‘forro’ se chamava ‘moncó’.
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MA Cristiano Adalberto Mavangu


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Os ‘angolares’, descendentes de sobreviventes do naufrágio (séc. XV) de um negreiro é um


grupo que através de séculos tem vivido de pesca no Sul da ilha, e que sempre evitou contactos
com outros grupos.

Referindo ao tipo de relações intergrupais ou interétnicas neste arquipélago, HAMILTON (1984:


P.238) explica que “embora houvesse uma tendência entre os diversos grupos para adoptar o
modo de vida dos “filhos da terra”, intensificando assim os processos aculturativos, as
estratificações sociais e as justaposições por vezes conflituosas entre o grupo dominante e os
grupos dominados impossibilitavam o tipo de homogeneidade real ou imaginada que deu
origem, entre membros da elite cabo-verdiana, a um senso de um ethos crioulo que atravessava
os estratos socio-económicos.” Mais adiante Tenreiro observa que “Nem angolares, nem tongas
participam das manifestações culturais dos chamados ‘filhos da terra’, embora uns e outros, com
o decorrer dos anos, tendam a aproximar-se deles”.

Contrariamente ao se observa em Cabo Verde, nas ilhas do Golfo da Guiné, devido ao fluxo
humano, a língua crioula, chamada forro, tem tendido a cair em desuso entre os vários grupos.
Por exemplo, os contratados “semi-assimilados” provindos de Angola e Moçambique
contribuíam para a heterogeneidade étnica e para uma espécie de separação entre duas
sociedades, uma mais puramente africana e a outra crioula. E os serviçais caboverdianos por
serem legalmente “civilizados”, constituíam a elite dos contratados. Neste quadro de
heterogeneidade social e cultural, não é de menosprezar a elite europeia, que forçada a manter
contactos com a população “de cor” pelas circunstâncias contextuais, este pequeno grupo de
proprietários e administradores europeus desejoso de manter a sua hegemonia, promovia as
estratificações sociais (HAMILTON, 1984: p.239).

 A Roça como tema da literatura colonia

A roça ou fazenda de café e cacau constituiu em um elemento central da dinâmica da vida nas
ilhas equatoriais. No âmbito eminentemente literário o tema da roça permeia a poesia e a
narrativa de S. T. e Príncipe.

Na literatura de Cabo Verde o tema da roça foi cultivado pelos autores como:

Onésimo Silveira – Toda gente fala: Sim, senhor;

Terêncio Anahory – Canção da Roça.

No que se refere a S.T. e Príncipe, especificamente, em contos e romances enquadráveis na


literatura colonial, o tema da roça constitui quase um “ciclo-da-roça”.

A ideia de uma literatura de ciclos socio-económicos tem a sua origem no romance do Nordeste
brasileiro nos anos 30 do século XX, com os romances do ciclo-da-cana-de-açúcar, de José Lins
do Rego e os do ciclo-do-cacau, de Jorge Amado. Estes autores faziam uma abordagem
memorialista-fictício do tema da roça, nos moldes do regionalismo sociológico, de mudanças
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provocadas por oscilações no mercado mundial. Assim, nos romances de Lins do Rego observa-
se uma trajectória que parte do velho engenho de açúcar até à usina mecanizada que trata entre
outras mudanças cataclísmicas, a decadência da oligarquia rural.

Diferentemente do que ficou descrito, na Narrativa da roça em S. Tomé, a visão é mais idílica e o
ciclo mais um círculo estático do que uma trajectória; nas obras transparece uma ideologia do
regionalismo romântico-realista novecentista do que o neo-realismo que predomina no romance
do Nordeste brasileiro.

Onésimo Silveira acentua a relação conflituosa entre patrão e serviçal na sua novela, mas na
narrativa formulada de uma perspectiva ultramarina, os conflitos tornam-se apenas justaposições
positivistas a serem resolvidas por meio de uma compaixão paternalista que nada altera as bases
do sistema social vigente (quer dizer, a descrição das relações conflituosas na sociedade colonial
não visa revolucionar a sociedade, nem eliminar os males sociais pela raiz).

Viana de Almeida é um dos três “filhos da terra” a cultivar o ciclo-da-roça, através da sua obra
ultramarina Maiá Póçon: contos africanos (1937), apresenta a visão do narrador determinado
pela perspectiva de um autor implícito que se vê entre dois mundos (europeu e africanos), por
isso incapaz de remover a principal causa dos conflitos sociais. Note-se que o título Maiá Póçon
significa em crioulo de S. Tomé Maria da cidade. De acordo com as relações do narrador Maiá
era da roça Água-Izé. Esta especificação do espaço originário da Maiá retoma a clássica
dicotomia entre a cidade e o campo que ganha um relevo romântico e idealizante à volta da vida
rural.

Fernando Reis, português do Ribatejo, mas com longos anos em S. Tomé é o outro autor do
ciclo-da-roça. Com o romance Roça (1960) e Histórias da Roça (1970) exalta a macro-etnicidade
lusitana e a crioulidade são-tomense a fim de suavizar e quase obliterar as linhas divisórias entre
o colonizador e o colonizado.

O terceiro autor do ciclo-da-roça é o metropolitano que viveu uns anos no arquipélago, Luís
Cajão, que com o seu romance A Estufa (1964), retrata a vida dos contratados na Ilha do
Príncipe.

A importância da narrativa do ciclo-da-roça de visão eminentemente ultramarina reside no facto


de ser esta narrativa um exercício que prepara o terreno para o entendimento das condições em
que surgiu uma literatura de São Tomé e Príncipe forjada na intersecção entre o mundo agrícola
e tropical das ilhas e uma perspectiva desse mundo ganha fora dele.

Como bem sublinha Hamilton (1984: p.240) “É questão de um ethos crioulo interdito pela
própria importância económica das ilhas e pelo deslocamento daqueles “filhos da terra” que
primeiro estavam em condições de dar forma e conteúdo a um movimento cultural-literário
autóctone.”

MA Cristiano Adalberto Mavangu


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