A Construção Do Sujeito Narrador Linguagem Organização Do Pensamento Discursivo e A Imaginação
A Construção Do Sujeito Narrador Linguagem Organização Do Pensamento Discursivo e A Imaginação
A Construção Do Sujeito Narrador Linguagem Organização Do Pensamento Discursivo e A Imaginação
Página
CAPÍTULO I
INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 17
1.1. Linguagem e a gênese social do pensamento discursivo ................................... 20
1.2. Narrativa e cultura ............................................................................................. 22
1.3. Construção do “eu psicológico” e o pensamento discursivo sincrético ............ 24
1.4. As insuficiências do narrar ................................................................................ 27
1.5. A construção da narrativa e do sujeito narrador ................................................ 28
1.6. Brincar, linguagem, narrativa e a imaginação ................................................... 33
1.7 Problema e objetivos da pesquisa ....................................................................... 39
CAPÍTULO II
ESTUDO 1: CONTEXTOS E TEXTOS DO NARRAR DA CRIANÇA
NA ESCOLA INFANTIL ......................................................................................... 42
INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 42
MÉTODO ................................................................................................................. 50
CAPÍTULO III
ESTUDO 2: A CRIAÇÃO DE UM CONTEXTO PARA A PRODUÇÃO E
ESCUTA DE NARRATIVAS .................................................................................. 95
INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 95
CAPÍTULO IV
ESTUDO 3: A CONSTRUÇÃO DO INDIVÍDUO NA NARRATIVA:
CRIANÇAS NARRADORAS ................................................................................. 162
CAPÍTULO V
10
LISTA DE TABELAS
11
LISTA DE FIGURAS
14
RESUMO
Com base na teoria de Wallon, este trabalho tem o objetivo de compreender, a partir
de narrativas produzidas por crianças entre cinco e seis anos no contexto da educação
infantil várias dimensões e processos afetivos e cognitivos envolvidos na construção
do conhecimento e da identidade. A narrativa é concebida como um instrumento
mediador que atua no âmbito imaginativo. Foram investigados os momentos e modos
com que as crianças se expressavam narrativamente na rotina escolar e criou-se um
contexto de intervenção para oportunizar a construção de histórias. Participaram 14
crianças de uma turma de uma escola municipal e seus educadores. Dezoito sessões
de observação participante e seis de intervenção foram realizadas e registradas em
diário de campo, com filmagem transcrita parcial das primeiras e integral das
segundas. Constatou-se que a eliciação de narrativas ocorria de forma restrita e
esporádica na rodinha, e que muitas histórias pessoais eram contadas informalmente.
Planejou-se um contexto e atividades eliciadoras de narrativas pessoais e fictícias,
propostas pela pesquisadora e conduzidas com apoio da professora titular.
Comparado à rodinha, este contexto produziu narrativas em maior número, extensão,
sofisticação e variedade de temas e gêneros, além de propiciar a participação maior
dos pares na sua construção. Foi possível identificar nas narrativas pessoais e fictícias
importantes aspectos da organização do pensamento discursivo, da estabilização e
ampliação do sentido de eu psicológico a partir da construção de um sujeito narrador.
Palavras-chave: Linguagem; narrativa de crianças; Wallon; identidade; educação
infantil.
15
ABSTRACT
Based on Wallon’s theory, this study aims to understand, through narratives brought
by five to six year-old children in the preschool context, a number of dimensions and
affective and cognitive processes involved in the construction of knowledge and
identity. Narrative is conceived as a mediator that acts in the imaginative scenario.
The moments and ways children expressed themselves in narrative form were
investigated and in addition an intervention context to promote children’s
construction of stories was created. Participants were fourteen children enrolled in a
public school and their teachers. Eighteen sessions of participant observation and six
of intervention were carried out and further registered in a field diary. Partial filming
transcriptions were made for the participant observations and complete for the
intervention sessions. It was observed that the generation of narratives in the circle
time was limited and sporadic and that a significant number of personal stories were
informally told. A context and several activities aimed at generating personal and
fictional narratives were designed, and was conducted by the researcher together with
the teacher. This context, when compared to circle time, generated a larger number of
narratives, more extension, sophistication and variety of themes and genres, as well
as a greater participation of peers in narrative construction. Important aspects of the
organization of the discursive thought and of the stabilization and amplification of the
self sense were made possible to identify in the process of construction of a narrator
subject.
Key-words: language; children’s narratives; Wallon; identity; preschool education
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CAPÍTULO I
INTRODUÇÃO
17
18
aceitação e adaptação a regras, de motivação para conhecer e lidar com a vida e seus
dramas inevitáveis. Qual o lugar e papel da linguagem nesse processo?
Perspectivas sociointeracionistas têm destacado a importância da apropriação
da linguagem para a organização e reorganização de significados, e a amplitude desta
tarefa para a criança pequena. Ao tentar explicar as coisas e narrá-las, a criança tem
de lidar ao mesmo tempo com a multiplicidade e complexidade (da experiência, da
cultura e da língua) e manter um sentido mais ou menos integrado e estável de si
mesma. Este sentido de si mesma constrói-se a partir das diferenciações e
identificações que a criança estabelece em relação às pessoas disponíveis, os seus
“outros”, o que ocorre em grande parte na brincadeira de faz-de-conta e na linguagem
oral, no contexto das interações cotidianas com adultos e outras crianças. Envolvida
tanto nas brincadeiras infantis como nas conversas, a narrativa tem sido considerada
atualmente por autores, como Bruner (1997; 1998), Dunn (1988) e Nelson (2000),
como um instrumento privilegiado e precoce de organização desta experiência
multidimensional, ao proporcionar-lhe sentido e continuidade. Abarca o plano
subjetivo, interpessoal e as contínuas negociações de significados e padrões culturais,
além da temporalidade e espacialidade. Permite também a elaboração de temas
complexos e dramáticos da experiência humana, não necessariamente resolvendo os
dramas, mas conferindo aos acontecimentos um sentido e uma ordem temporal que
podem ser organizados e reorganizados (Ricoeur, 1980). Além disso, de acordo com
pesquisadores como Heath (s.d.), Dickinson (1991) e Griffin, Hemphill, Camp e Wolf
(2004), por auxiliar a criança a falar sobre coisas não imediatas e mais distantes, a
narrativa favorece a descontextualização e abstração da linguagem, aspectos
envolvidos em habilidades ligadas ao letramento e a toda a futura escolarização.
Pretende-se neste trabalho promover um encontro entre duas vertentes de
contribuição para a teoria e pesquisa em psicologia: a teoria walloniana sobre o
desenvolvimento da pessoa completa, com foco na idade pré-escolar, e os estudos
contemporâneos sobre narrativa.
A abordagem de Wallon (1934/1995, 1941/2000, 1942/1947, 1945/1989)
resulta já de várias perspectivas: a filosófica, que permite compreender o aspecto
intelectual e cultural do desenvolvimento humano; a biológica, que envolve a
dimensão orgânica, bem como a afetiva, no que se refere à gênese, manifestação e
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efeito das emoções. Além disso, abarca uma visão antropológica e sociológica, ao
contextualizar culturalmente o desenvolvimento. Esta concepção permite
compreender a construção dinâmica e conflitiva do sujeito psicológico nas dimensões
psicomotora, afetiva e cognitiva, a partir da imersão e mistura com seu ambiente
sociocultural, incorporando aspectos dos seus “outros” e se diferenciando
progressivamente como indivíduo. A apropriação da linguagem tem papel
objetivante, estabilizador e organizador em todo este processo, e possibilita o
desenvolvimento do pensamento discursivo.
Os estudos contemporâneos sobre narrativa emergem a partir dos anos oitenta
da convergência entre contribuições de pensadores provenientes de vários campos do
conhecimento. Cria-se o campo da narratologia. É no contexto das contribuições de
abordagens psicológicas sociointeracionistas e da sociolingüística que será situada a
possível articulação dos estudos sobre narrativa com a teoria de desenvolvimento de
Wallon.
A abordagem sociolingüística mostra a narrativa como texto produzido em
interação com um contexto, dirigida a interlocutores (Labov & Waletsky, 1967),
construída em colaboração com eles nos seus aspectos estruturais e avaliativos
(Dickinson, 1991, Fivush & Haden, 1997, McCabe, 1996, Umiker-Sebeok, 1979) e
sendo profundamente influenciada por fatores culturais (Heath, s.d., Melzi, 2000,
Michaels, 2002, Ochs, 1993, Shiro, 2003). Entretanto, parece faltar uma estrutura
conceitual fortemente sustentada sobre uma epistemologia sociointeracionista, e que
descreva as várias dimensões do desenvolvimento, para integrar e articular todo este
corpo de idéias e dados de pesquisa. Isso talvez possa ser encontrado na teoria
walloniana. Wallon (1942/1947, 1945/1989) investigou o desenvolvimento do
pensamento discursivo tomando como parâmetro a lógica categorial. Considera as
narrativas infantis ora como formas lúdicas, ora como maneiras precárias e
provisórias de explicar relações temporais e causais, mas sempre do ponto de vista
das insuficiências de um pensamento ainda instável e confuso. Embora tenha chegado
a considerar a possibilidade de que o pensamento da criança pré-escolar seja narrativo
(Wallon, 1941/2000), não chegou a desenvolver esta idéia em investigações, nem
supôs um desenvolvimento para este tipo específico de pensamento discursivo. É
possível considerar que os estudos sobre narrativa contribuam para o entendimento
tanto dos processos de diferenciação do indivíduo como de incorporação de aspectos
20
do outro e da cultura. Estes processos são expressos e constituídos pela linguagem, e
podem ser especialmente observados em sua gênese na criança pré-escolar, como tem
sido demonstrado em estudos da sociolingüística (Perroni, 1992, Guimarães, 2000,
Costa Silva, 2000). Tais estudos mostram na narrativa de crianças entre quatro e seis
anos a emergência de um sujeito narrador ou locutor, progressivamente mais
autônomo em relação aos interlocutores, mas capaz de fornecer a eles referências
sobre personagens, tempo e espaço, e de organizar nas suas histórias diferentes vozes.
Por tudo isso, o presente trabalho focaliza o desenvolvimento da narrativa de
uma turma de crianças de cinco a seis anos durante as atividades cotidianas da escola
infantil. Verifica os contextos onde as suas histórias são produzidas, como se
apresentam estas histórias em termos temáticos e estruturais, e como se dá a
participação dos interlocutores. A partir deste mapeamento, foi planejada e conduzida
uma oficina voltada para a promoção do desenvolvimento narrativo das crianças,
coordenada pela pesquisadora e com a participação da professora titular. O objetivo
disso foi criar um contexto favorável à investigação dos processos de individuação e
socialização envolvidos no desenvolvimento desta habilidade.
Para organizar o diálogo entre a perspectiva walloniana e a teoria e pesquisa
sobre narrativa, são definidos três diferentes planos envolvidos na construção
narrativa e no desenvolvimento desta habilidade pela criança: o plano da realidade
social e suas convenções, o plano lógico da construção de relações de tempo, espaço
e causalidade, e o plano lúdico do afastamento e reorganização mais livre dos
elementos da realidade. A construção da pessoa que conhece, sente e se expressa nas
suas interações permeia tudo isso.
São focalizados inicialmente os conceitos de Wallon sobre linguagem e o
pensamento discursivo, e sua origem nas práticas e convenções sociais.
1
Tradução livre de encultured self.
30
narrativos (Heath, s.d., Michaels, 2002). A crescente evidência da associação entre
competência narrativa de crianças pré-escolares e habilidades envolvidas no
letramento (Griffin et al., 2004) tem gerado estudos de intervenção, seja sobre o apoio
familiar, num sentido compensatório de preparação para a escolarização (Peterson,
Jesso & McCabe, 1999), ou sobre o contexto escolar (McGregor, 2000), e mesmo em
ambos os contextos (Zevenbergen, Whitehurst & Zevenbergen, 2003). As
intervenções em escolas consistem na promoção da competência narrativa infantil,
avaliada conforme o padrão dominante descrito, mesmo quando são utilizados
recursos expressivos como a dramatização de histórias (Baumer, Ferholt, & Lecusay,
2005). Mas às vezes oportunizam formas culturalmente alternativas de produção e
expressão narrativa (Champion et al., 1999; Zaccur, 1997).
Como se dá então a evolução das narrativas das crianças no padrão desejável à
escolarização, descrito pela literatura? Pode-se pensar que este padrão propicia o
desenvolvimento da lógica categorial focalizada por Wallon, uma vez que envolve o
aumento na organização, na coesão e complexidade da articulação entre as
proposições, e na sofisticação e explicitação das referências e da avaliação nas
histórias contadas ou recontadas pela criança.
Dunn (1988) mostra que crianças pequenas, antes dos três anos, além de já
demonstrarem um vivo interesse em histórias infantis e nos relatos dos outros sobre
“o que aconteceu”, já começam a brincar narrativamente, tanto sozinhas como com
outras pessoas.
As narrativas de experiências pessoais geralmente se desenvolvem mais
precocemente, no contexto das conversas cotidianas (Peterson, 1990; Shiro, 2003), e
nelas a criança começa a enumerar eventos rotineiros, e depois introduz
acontecimentos excepcionais e estabelece seqüencialidade. As narrativas pessoais
parecem ser mais sofisticadas quando são relatadas experiências não-compartilhadas
com interlocutor adulto (McCabe, 1996). Entre dois e três anos, a criança começa a
usar referência espacial, especialmente quando se refere a um contexto diferente do
presente. Este tipo de orientação aparece antes das referências de tempo, que
envolvem múltiplas dimensões e são mais abstratas. Peterson (1990) constatou que o
“eu” era a principal referência das histórias, ou então um genérico “nós”, sendo
também mencionados nomes sem especificação do contexto. Este dado é coerente
com a ênfase personalista desta etapa do desenvolvimento, segundo Wallon
31
(1934/1995). Além disso, embora os elementos de orientação ainda apareçam de
forma irregular e confusa, as crianças já manifestam formas de avaliação do que
contam: aos dois anos, isso pode ser visto mais nos gestos e expressões faciais e
vocais (Fivush & Haden, 1997), e aos três anos em comparações aqui/na minha casa
(Umiker-Sebeok, 1979). Peterson (1990) diz que crianças entre dois e três anos não
fornecem espontaneamente elementos de orientação (Quem? Onde? Quando?), e que
o auxílio de adultos ensina a elas o que devem incluir na narrativa, e isso é
progressivamente internalizado. Como refere McCabe (1996), é na conversação
dialógica das crianças com seus pais e pessoas próximas que elas começam a
produzir suas narrativas monológicas. O apoio dos adultos e de outras crianças
completa e dá contornos à narrativa verbal infantil, pela atenção dispensada, pelas
perguntas e comentários que são feitos, pelos olhares e expressões trocados. Os
resultados dessas pesquisas parecem confirmar a tese walloniana fundamental de que
o desenvolvimento parte do sincretismo para uma progressiva diferenciação e
individuação.
Pesquisas longitudinais (Fivush & Haden, 1997; Perroni, 1992) e transversais
(Costa Silva, 2000; Ilgaz & Aksu-Koç, 2005; Umiker-Sebeok, 1979) têm mostrado de
forma consistente avanços significativos na narrativa de crianças entre três e cinco
anos de idade. As histórias pessoais vão se tornando mais longas e organizadas, e
proporcionam ao interlocutor informações sobre lugar e personagens. Estas
informações tendem a se concentrar no início da narrativa, perto dos cinco anos. Para
criar e recontar histórias de ficção, as crianças costumam necessitar por mais tempo
do auxílio de parceiros e material de apoio, como livros, gravuras e brinquedos. Este
tipo de habilidade é associado à experiência familiar de socialização, que envolve a
familiaridade com histórias ficcionais (Heath, s.d.), ligada freqüentemente à condição
socioeconômica (Shiro, 2003). As crianças aprendem progressivamente a usar
narrativas em suas múltiplas funções, para manter a atenção do outro, enganá-lo,
convencê-lo a fazer o que desejam, negociar regras. Além de uma narrativa mais
completa com relação à estrutura, e de utilizar uma maior variedade dos tipos de
elementos estruturais, começam a fazer comentários avaliativos e reflexões sobre as
coisas que contam, principalmente após os cinco anos. Isto é, a avaliação começa a
ser explicitada verbalmente, seja pela criança ao falar do seu ponto de vista, ou
através de personagens das histórias. Outro aspecto fundamental é a performance
32
narrativa que se desenvolve, a capacidade de utilizar recursos expressivos corporais,
afetivos e verbais para manter a atenção da platéia e envolvê-la no que está sendo
contado. Tudo isso representa uma expansão significativa dos meios de que a criança
dispõe para a auto-afirmação e negociação social, fundamentais na etapa personalista.
Entretanto, é importante frisar que cada aspecto do desenvolvimento da narrativa
(estrutura, seqüencialidade, avaliação e performance) é profundamente influenciado
pela cultura imediata que envolve a criança, a família e comunidade, por suas
maneiras de narrar e de oportunizar as narrativas das crianças, o conteúdo e forma de
suas histórias, os valores transmitidos através delas.
Entre os quatro e os cinco anos, com o surgimento de uma “voz narrativa”
(Perroni, 1992), o interlocutor adulto passa a ter um papel menos ativo, e a criança
começa a evidenciar maior autonomia2 para narrar. Conforme Costa Silva (2000), a
criança está em processo de constituir-se como ser do discurso (locutor ou narrador) e
como autor, ao responsabilizar-se pela organização do discurso narrativo e avaliar o
que é narrado. Um pouco antes dos seis anos observou-se (Guimarães, 2000) uma
utilização plurifuncional da voz da criança, que organiza a narrativa em torno de três
vozes: autor (sujeito da experiência, que comenta e reflete), narrador (aquele que
conta o que se passou) e personagens (múltiplas vozes distintamente apresentadas na
narrativa). Todo esse processo, conforme Wallon (1934/1995), pode ser entendido
como a manifestação de uma certa estabilização do sentido de si mesmo pela criança,
em que ela se diferencia das demais pessoas e personagens envolvidos em sua vida e
pode, então, lançar-se às tarefas de definir e explicar.
Entretanto, como constatou Perroni (1992), na medida em que a criança revela
maior autonomia para narrar e um uso mais amplo da narrativa, os adultos tendem a
exigir dela maior adaptação do seu discurso e ação à realidade verificável, à lógica,
enfim, às regras do mundo adulto, que são, com freqüência, ambíguas e
contraditórias. É interessante ressaltar que McCabe (1996) aponta o período entre seis
e nove anos de idade como rico para investigar a narrativa apoiada nos padrões
canônicos da cultura onde a criança se insere, refletida na estrutura usada por ela. Não
deve ser coincidência o fato de que Wallon (1945/1989) estudou a mesma faixa etária
2
O termo autonomia é usado aqui conforme a literatura de base lingüística, e se refere à possibilidade
da criança construir sozinha uma narrativa para o interlocutor, e não somente com o interlocutor
(Perroni, 1992).
33
para compreender a gênese do pensamento discursivo categorial, que possui uma
matriz social.
O discurso narrativo pode ser então entendido como um contexto onde a
criança consegue realizar o trabalho intelectual envolvido no sincretismo da etapa
personalista com maior espontaneidade; organiza a experiência em perspectiva e
coloca a realidade em diferentes dimensões, conforme uma necessidade narrativa,
antes de conseguir fazê-lo a partir de uma necessidade lógica. Embora certamente não
seja uma condição suficiente para que a criança desenvolva o pensamento categorial,
seria uma condição anterior e necessária para ele.
Ao mesmo tempo em que é adquirida e estruturada a partir de convenções
culturais, a narrativa é um instrumento especialmente rico para a diferenciação da
criança como um indivíduo, na etapa personalista, por muitas razões. A criança
escuta e gradativamente produz histórias sobre personagens com suas intenções e
desejos, que se confrontam com circunstâncias e têm de negociar com elas, o que
proporciona elementos de identificação e uma relação entre pessoas e seus contextos.
Como instrumento de negociação cultural, a narrativa possibilita à criança lidar
melhor com o conflito entre precisar do outro e diferenciar-se dele, desenvolve meios
de sedução e persuasão, e aprende a situar e envolver o outro naquilo que conta.
Além disso, ocorre na narrativa a organização de várias dimensões do “eu”: o eu que
experimenta, sente e avalia aqui e agora, o que relata os eventos e ações, e o que
empresta sua voz aos personagens. Tudo isso age simultaneamente para o
fortalecimento do sentido de si mesmo da criança e para o enriquecimento das suas
possibilidades expressivas e identificatórias.
É nesta dimensão da negociação entre os desejos individuais e as
circunstâncias e convenções de uma realidade interpessoal, entre a diferenciação e a
necessidade de identificação com os outros, entre a fantasia, a experiência e a lógica
incipiente, que se situa o conceito walloniano de jogo. Este é abordado a seguir para
depois focalizar a narrativa no plano da imaginação.
Para nós, razão e imaginação não se constroem uma contra a outra, mas, ao contrário,
uma pela outra. Não é tentando extirpar da infância as raízes da imaginação criadora que
vamos torná-la racional. Pelo contrário, é auxiliando-a a manipular essa imaginação
criadora cada vez com mais habilidade, distância. O que supõe, quase sempre possível,
mediação do adulto, diálogo. (p.48).
Dar à criança o gosto pelo conto e alimentá-la com narrações fantásticas, se escolhidas
com discernimento, é acelerar essa maturação com manipulação flexível e lúcida da
relação real-imaginário. É fornecer-lhe não apenas (...) materiais para a construção de
sua brincadeira e para a invenção de regras internas dessa brincadeira, mas também
materiais para suas construções de histórias. (Held, 1980, p.53).
INTRODUÇÃO
E que, para as (crianças) dos 4 aos 6 anos, haja uma progressiva e prazerosa articulação
das atividades de comunicação e ludicidade, com o ambiente escolarizado, no qual
desenvolvimento, socialização e constituição de identidades singulares, afirmativas,
protagonistas das próprias ações, possam relacionar-se, gradualmente, com ambientes
distintos dos da família, na transição para a Educação Fundamental (Brasil, 1998, p.8).
MÉTODO
2.1 Objetivo
Este estudo tem o objetivo de verificar em que contextos da rotina escolar são
produzidas narrativas intraconversacionais ou eliciadas, completas ou incompletas,
com diferentes configurações de interlocutores. Avalia também os temas e os
elementos estruturais presentes nas narrativas, e o tipo de participação dos
interlocutores na sua construção.
51
2.2 Participantes e contexto da pesquisa
Participaram deste estudo 14 crianças de uma turma de A-10 do turno da
manhã – correspondente ao Jardim B, e primeiro ano do primeiro ciclo - de uma
escola municipal de ensino fundamental. Também participaram a professora titular e
outras pessoas que interagem com a turma em suas atividades cotidianas, como a
professora itinerante, a bibliotecária, a professora de Artes, de Educação Física, e um
monitor do laboratório de informática.
A escola está situada num bairro tradicionalmente de classe média baixa, mas
circundado por muitas vilas, sendo algumas delas de ocupação irregular e sujeitas a
periódicos alagamentos. Fica nas proximidades do hipódromo e do rio por um lado e,
pelo outro, de um morro bastante conhecido pelo tráfico de drogas. Trata-se de uma
escola antiga, de quase cinqüenta anos, situada desde 1964 no atual terreno, tendo
passado por total reconstrução e modernização nas suas instalações entre 1996 e
1997, com verba do orçamento participativo da prefeitura. A diretora desta época era
bastante ligada ao partido que ocupava a prefeitura, e assim obteve apoio e promoveu
mudanças drásticas na organização administrativa e pedagógica. Em 1997, a escola
foi uma das primeiras do município a passar do sistema de ensino seriado ao ciclado,
tornando-se uma espécie de modelo para outras que foram posteriormente obrigadas
por lei a fazer essa mudança. Segundo o secretário da escola, funcionário antigo e
engajado em sua função, essa transição foi bem assessorada pela Secretaria da
Educação. Conforme a supervisora, esta ocorreu precocemente, sendo uma decisão
mais política do que pedagógica. Hoje, a escola possui 75 professores e 16
funcionários (guardas, funcionários administrativos e da cozinha), sendo a limpeza
um serviço terceirizado. Atende a uma população de 950 alunos, nos três turnos,
incluindo a Educação para Jovens e Adultos (EJA) que funciona à noite. A escola
conta com o apoio de um grande centro de saúde de uma vila próxima, para
encaminhamento a diferentes profissionais. Muitas campanhas de arrecadação de
roupas, calçados e donativos para as comunidades atendidas são realizadas
internamente na escola, e, segundo a supervisora informante, a maior parte dos pais
costuma vir às reuniões e eventos ali promovidos. As instalações da escola ocupam
três construções: a principal, de dois pavimentos, abriga salas de aula, sala dos
professores, biblioteca (com elogiado acervo), salas de supervisão e orientação
educacional, sala de multimídia e laboratório de informática. Outro prédio de dois
52
pisos contém o refeitório e cozinha, o laboratório de ciências, laboratório de
aprendizagem e mais salas de aula. O pátio é relativamente grande, com três
pracinhas (uma delas exclusiva para a educação infantil) e uma quadra poliesportiva
recém-inaugurada. Ao fundo está localizada uma construção de um pavimento,
contendo três salas com banheiro, onde ficam as turmas de educação infantil, uma de
Jardim A e duas de Jardim B. Todas as salas são amplas, agradáveis e bem
iluminadas, com piso lavável, e contêm a mesa da professora e mesinhas que se
encaixam formando hexágonos, com cadeiras adequadas ao tamanho das crianças. Há
um grande armário embutido restrito ao material da professora e estantes de ferro
com material disponível às crianças, o que inclui papel e vários tipos de lápis colorido
e canetas hidrográficas, jogos e brinquedos. Há murais e desenhos expostos nas
paredes, um quadro-negro e um mural com os nomes das crianças em cartões.
Como é o critério adotado pela Secretaria Municipal da Educação, a turma
estudada situava-se no início do ano letivo na faixa etária entre 5 anos e 10 meses e 6
anos e 10 meses. A Tabela 1 exibe alguns dados extraídos de fichas preenchidas pela
professora nas entrevistas com os pais no início das aulas.
Tabela 1
Dados Demográficos da Turma Investigada
Dados demográficos Especificação Freqüência
Gênero das crianças Masculino 5
Feminino 9
Escolarização anterior Jardim A feito na escola 10
Creche particular 1
Sem escolarização anterior 3
Escolarização simultânea Creche comunitária no turno oposto 4
Tipo de residência Casa em vilas 8
Casa em ruas urbanizadas 4
Apartamento 2
53
Localização da No bairro onde se situa a escola 14
residência Pais 11
Adultos com quem a
criança reside
Mãe e Padrasto 1
Pai e avós paternos 1
Família amiga do pai (mulher e filhos 1
adultos)
Número de irmãos Nenhum 6
1a2 5
3a4 4
Ocupação do pai Segurança (BM, PM, Privada) 3
Serviços gerais 2
Transporte coletivo (condutor, cobrador) 2
Comerciante (Padaria, bar) 2
Marceneiro 1
Cavaleiro 1
Gari 1
Supervisor 1
Professor 1
Ocupação da mãe Dona de casa 7
Serviços domésticos externos (faxina, 3
babá)
Comerciante 1
Manicure 1
Atendente de telefonia 1
Tradutora de espanhol 1
A professora titular está na faixa dos trinta e cinco anos, leciona há dezessete,
desde que concluiu o magistério, e atualmente cursa pedagogia numa faculdade
privada. Está gostando muito de estudar novamente, mas diz que não é fácil, já que,
embora participasse antes de grupos de estudo sobre teorias construtivistas, depara-se
hoje com muitas idéias e conceitos novos. Sua experiência pedagógica é basicamente
na educação infantil, durante onze anos em escola particular e há seis nesta escola.
54
Hoje se dedica somente ao município, tendo uma turma de Jardim A em escola de
outro bairro, à tarde. Elogia o currículo e a infra-estrutura das escolas municipais, em
comparação com a escola privada onde lecionou. Acha positivo o fato de que as
crianças têm contato com outros educadores nas aulas especializadas, não se
restringindo a uma só professora. A supervisora apresentou-a como “uma verdadeira
professora jardineira, que canta para as crianças e faz um monte de brincadeiras
ótimas”. Quanto à sua rotina com as crianças, a professora diz que “não tem nada
muito pré-estabelecido, não que não organize as coisas”, mas que tenta diversificar as
atividades conforme a turma, o momento. Observa-se na tabela 2 que se segue que as
crianças passam pouco tempo com a professora titular, na verdade somente duas
manhãs inteiras e alguns períodos de outras duas manhãs: nas segundas, esta tem
reunião com a supervisora pedagógica, nas quartas está de folga e nas quintas todas
as crianças da escola são dispensadas às 10:00, devido às reuniões pedagógicas. As
aulas de Artes, Educação Física e a Hora do Conto são coordenadas por outros
professores. Quinzenalmente a turma tem aula na sala de informática com um
monitor, mas a professora as acompanha. Neste dia, as crianças tomam café mais
cedo ou já chegam alimentadas de casa. Dados sobre formação e experiência dos
outros educadores não chegaram a ser recolhidos. A professora itinerante só esteve
presente a uma das sessões de observação, pois estava quase constantemente em
licença-saúde, sendo substituída por funcionárias que estivessem disponíveis.
Tabela 2
Horário Semanal da Turma Observada
HORÁRIO SEGUNDA TERÇA QUARTA QUINTA SEXTA
7:30-8:00 Sala- Sala- Sala- Artes Sala-
Informática
Prof.titular Prof.titular Prof.titular
(quinzenal)
8:00-8:20 Refeitório Refeitório Refeitório Refeitório Informática
8:20-9:10 Sala-Prof. Sala- Sala- Educação Sala-
itinerante Prof.titular Prof.itinerante Física Prof.titular
9:10-10:00 Sala-Artes Sala- Sala- Biblioteca- Sala-
Prof.titular Prof.itinerante H. do Conto Prof.titular
10:00-10:20 Pracinha Pracinha Pracinha Almoço Pracinha
55
10:20-11:10 Sala- Sala- Sala- Crianças Sala-
Prof.titular Prof.titular Prof.itinerante dispensadas Prof.titular
11:10-11:20 Higiene Higiene Higiene Cr. dispens. Higiene
11:20-11:50 Refeitório Refeitório Refeitório Cr.dispens. Refeitório
2.3.2 Filmagem
A partir da 12a sessão de observação, quando as crianças e educadores já
estavam familiarizados com a presença das pesquisadoras, introduziu-se a filmadora
para registro em áudio e vídeo de alguns momentos da rotina, exceto nas aulas de
Artes e de Educação Física, já que as professoras destas atividades não autorizaram o
registro. Cinco sessões tiveram então alguns de seus momentos filmados, com
posterior transcrição.
2.4.2 Procedimento
Como propõe Corsaro (1981), realizou-se uma gradativa aproximação do
campo a ser observado. A escola foi indicada por uma assessora da Secretaria
Municipal da Educação (SMED). No início do mês de março de 2004, contatou-se a
SMED para obter uma carta de permissão para desenvolver o estudo (Anexo B) na
escola indicada. O projeto e os resultados do estudo-piloto foram apresentados pela
pesquisadora em uma das reuniões de estudo da equipe, a que os assessores da
secretaria mostraram interesse. A partir daí, a aproximação do campo pode ser
dividida em três etapas: a) inserção na escola; b) aproximação com a professora e
observação oculta das crianças; c) inserção na rotina da turma.
a) Inserção na escola: No início de abril de 2004, foi marcada a primeira visita à
escola para conversar com as supervisoras pedagógicas, com o fim de apresentar e
discutir o plano de pesquisa, buscar permissão para a sua consecução, e obter
sugestões e informações. Apresentou-se, então, o termo de consentimento informado
para ser assinado pela direção (Anexo C). Para obter informações sobre a história e a
organização da escola, número de funcionários, professores e alunos, entrevistou-se o
secretário da escola. As informações dadas foram checadas e corrigidas pela
supervisora que havia, anteriormente, pedido à pesquisadora que passasse na sua sala.
Aproveitaram-se as conversas informais com as pessoas envolvidas no cotidiano da
escola, na sala dos professores e em outros espaços acessíveis, como fontes de
informação. As pesquisadoras tiveram oportunidade também de circular entre as
crianças das três turmas de educação infantil enquanto estas brincavam na pracinha,
57
na hora do recreio. Várias tomaram a iniciativa de conversar, perguntando o nome, e
se eram professoras.
b) Aproximação com a professora e observação oculta das crianças: Alguns dias
depois, a supervisora explicou numa reunião com as professoras de A-10 o tema e os
objetivos da pesquisa: uma delas dispôs-se a participar do projeto com sua turma.
Apresentada pela supervisora à pesquisadora e à auxiliar de pesquisa, a professora
ouviu com atenção as explicações sobre o projeto, considerando-o “bem
interessante”. Mostrou preocupação com a entrada simultânea de duas observadoras
na sala, já que isso poderia interferir no comportamento das crianças. Explicou-se que
a entrada de ambas só aconteceria nas primeiras sessões, para checar dados e
comparar os relatos, e nas últimas sessões, para possibilitar a filmagem por uma das
pesquisadoras e o registro escrito pela outra. A princípio a professora concordou,
assinou o termo de consentimento informado (Anexo D), e forneceu informações
sobre a rotina das crianças (horários de chegada, ida ao refeitório, aulas
especializadas e períodos em que ficam com a professora itinerante, atividades
preferidas e alguns problemas funcionais que busca resolver). Antes do contato direto
com a turma, planejou-se uma maior aproximação com a professora titular para
diminuir possíveis sentimentos de intrusão e ameaça referentes à situação de
observação, e para possibilitar a discussão conjunta do projeto de pesquisa. Previa-se
também uma observação oculta das crianças, enquanto tinham aula de Educação
Física ou brincavam no pátio. Assim, poderiam ser obtidas junto à professora
algumas informações sobre as crianças, sua adaptação ao contexto e rotina escolar, e
sobre suas famílias. Isso foi explicado à professora, e marcou-se um dia para a
conversa com ela enquanto as crianças faziam Educação Física. Nesse dia, entretanto,
as crianças permaneceram na sala devido ao mau tempo. A professora comunicou
isso às pesquisadoras, e introduziu-as na sala, onde a professora de Educação Física
iniciava sua aula, dizendo: “Estas são pesquisadoras que vão observar as aulas”. Ao
dizer isso, retirou-se. Evidenciou-se, assim, a necessidade de um novo encontro com
a supervisora e a professora para retomar os pontos que geravam resistência nas
professoras, como a participação simultânea das duas pesquisadoras, a filmagem e o
temor de que o trabalho das professoras pudesse ser avaliado. Esclareceu-se que o
foco da pesquisa era a linguagem oral e as narrativas das crianças para diversos
interlocutores, e não o trabalho dos professores. Repetiu-se que a necessidade de
58
participação das duas observadoras era limitada a duas sessões, no início e em
algumas que seriam filmadas, e que haveria um período de familiarização das
crianças com a observação e também com a filmadora. A professora disse que sua
resistência devia-se a que não estava acostumada a ser observada. A partir daí
assumiu uma postura mais colaboradora: mostrou as fichas individuais das crianças,
comentando-as, e dispôs-se a emprestá-las. Compartilhou sua preocupação com
brigas, uso de palavrões e falta de limites, além da saída de algumas crianças da
turma e da escola já no início do ano.
c) Inserção na rotina da turma: a pesquisadora e a auxiliar entraram, então, de forma
abrupta, na sala de atividades, acompanhando a turma numa aula de Educação Física
e na Hora do Conto na Biblioteca. Embora a professora tenha relatado que avisou as
crianças sobre o trabalho de pesquisa, isso não foi feito na presença das
pesquisadoras. A segunda sessão foi realizada após uma semana, com a participação
das duas observadoras; na terceira e quarta sessões a pesquisadora e a auxiliar
alternaram-se, e na quinta novamente as duas pesquisadoras estiveram presentes. Da
sexta à décima-primeira sessão houve alternância entre as observadoras, e a partir da
décima-segunda foi introduzida a filmadora. Um termo de consentimento informado
sobre a pesquisa e a filmagem havia sido enviado aos pais (Anexo E) na agenda de
cada criança, e devolvido assinado. Inicialmente, as crianças interessaram-se mais em
filmar do que em ser filmadas. Olhavam pelo visor e seguravam a câmera junto com a
pesquisadora, mas logo deixaram de se preocupar com a filmagem. A décima-terceira
sessão não pôde ser filmada por problemas técnicos. Registraram-se em vídeo 3
horas, 7 minutos e 36 segundos, sendo cada sessão filmada por aproximadamente 37
minutos durante as atividades mais livres, na hora do conto e principalmente na hora
da rodinha. Neste momento, as crianças ficavam reunidas num mesmo espaço com a
professora, e a pesquisadora podia mais livremente filmar as conversas. O refeitório
mostrou problemas acústicos (eco) que dificultaram o registro, especialmente quando
mais de uma turma se encontrava lá. As meninas receberam as pesquisadoras desde o
início com grande interesse, tomando a iniciativa de conversar, e disputando a
vantagem de dar a mão a elas enquanto a turma se deslocava de um espaço da escola
para outro, ou de sentar ao seu lado no refeitório. Os meninos interagiam
principalmente entre eles. Em algumas ocasiões as crianças solicitavam alguma
explicação sobre o papel das pesquisadoras, querendo saber o que estavam anotando.
59
Explicava-se que as pesquisadoras estavam ali para estudar o que as crianças fazem
na escola, do que brincam, como conversam e o que contam, e que anotavam para
não esquecer.
No total, foram realizadas 18 sessões (com um total de 44 horas e 10 minutos)
de observação, distribuídos em seis segundas-feiras, seis quintas, três sextas, duas
terças e uma quarta-feira. Procurou-se ir à escola em dias diferentes para conseguir
uma amostra variada das atividades semanais da rotina escolar, mas a disponibilidade
de horário das pesquisadoras acabou criando uma concentração maior em dois dias da
semana. Duas sessões ocorreram no mês de abril, onze delas em maio, cinco em
junho e uma em julho.
2.6 Resultados
Os resultados são apresentados em duas partes: na parte 1 serão apresentados
os resultados gerais. Esta parte mostra a proporção de narrativas intraconversacionais
(NIs) e eliciadas (NEs), os contextos da sua produção, a completude de sua estrutura
em cada contexto, a extensão e número de turnos conversacionais, as diferentes
configurações de interlocutores, a função que tinham as narrativas e os tipos de
conteúdo abordado; na parte 2 serão mostrados os resultados específicos: os temas e
elementos estruturais das histórias, e a qualidade e tipos de participação dos
interlocutores na sua construção.
Parte 1
2.6.1 Resultados gerais
Foi registrado um total de 74 narrativas. A Figura1 ilustra a percentagem de cada tipo
de narrativa produzido em relação ao total.
61
74,30%
percentagens
25,70%
Intraconversacionais Eliciadas
100
90
80
70
percentagens
60 49,1 contextos %
50
40
30 20
14,5 16,4
20
10
0
Atividades Percursos Refeitório Outras
Não- salas
Dirigidas
100
90
78,9
80
70
percentagens
60
50 contextos %
40
30
20 15,8
10 5,3
0
Hora da Trabalho Combinações
Novidade temático
100
87,5
90 81,8
80
70
60
percentagens
60 51,9
completas %
50 48,1
40 incompletas %
40
30
20 18,2
12,5
10
0
Ativ. não Percursos Refeitório Outras
dirigidas salas
100 100
90
80
70 66,7
percentagens
60 53,3
46,6 completas %
50
incompletas %
40 33,3
30
20
10
0
0
Hora da Trabalho Combinações
Novidade temático
10,78
7,44
médias
Eliciadas Intraconversacionais
A extensão média das narrativas foi maior nas NEs (10,79 proposições por
narrativa) do que nas NIs (7,75 proposições por narrativa). Entretanto, isso ocorreu
devido a quatro narrativas de uma única menina, que constituem quase a metade
(48,29%)do total de proposições das NEs. Esta menina foi quem de fato aproveitou
mais este espaço de eliciação.
A Figura 7 ilustra a média dos turnos conversacionais em cada um dos tipos
de narrativa.
65
4,78
médias
3,05
Eliciadas Intraconversacionais
2,43
2,25
Eliciadas Intraconversacionais
O número médio de proposições por turno foi um pouco superior nas NIs do
que nas NEs.
66
Quanto à configuração de interlocutores, 37 das NIs foram construídas no
contexto da díade (67,3%), com uma menor proporção nos contextos triádico (8
narrativas, ou 14,54%) e poliádico (10 narrativas, ou 18,2%).
A Figura 9 apresenta a percentagem das diferentes configurações de
interlocutores nas N.I. As NEs na rodinha foram consideradas todas poliádicas, já que
este contexto por definição inclui a professora e todas as crianças como participantes
do mesmo campo de interlocução.
80 75,0
74
70 67
60 54,5
Diádicas %
percentagens
50 45,5 Triádicas %
40 Poliádicas %
30 26 25,0
22
20
11
10
0 0 0
0
Ativ. não- Percursos Refeitório Outras
dirigidas Salas
100
90 Comunicar %
80 Atender à solicitação %
70,3
70 63,1
Justificar mudança ou
percentagens
60 quebra de padrão %
50 Competir %
36,9
40
Fantasiar %
30
Mostrar conhecimento de
20
11 história infantil %
7,8
10 6,2 4,7
0 0 0 0 0
0
Intraconversacionais Eliciadas
Foram identificadas seis diferentes funções nas NIs e duas nas NEs. Em
ambas predominou a função comunicativa, em que as crianças se dispunham
espontaneamente a compartilhar alguma experiência pessoal com o ouvinte. Mesmo
no contexto eliciador, as crianças geralmente se ofereciam para contar algo, e um
menor número de narrativas teve a função de somente atender à solicitação da
professora por ter chegado o turno da criança. As narrativas intraconversacionais
mostraram algumas vezes mais de uma função. Por exemplo, ao justificar sua
ausência no dia anterior, a criança já comunicava alguma coisa que havia feito; ou, ao
mesmo tempo em que comunicava uma experiência pessoal, a criança competia com
outra que havia contado uma experiência semelhante.
O conteúdo das NIs e das NEs aparece a seguir na Figura 11, em suas três
dimensões.
68
100 100
100 94,7
89,3
90 84 82
80
70
percentagens
60
50
40
30
20
10,7 10,7 10,7
7,2
10 5,3 5,3
0 0 0 0
0
Pessoal Ficcional Pessoal Interno Externo Interno e Imediato Não-
e Externo Imediato
Ficcional
Intraconversacionais Eliciadas
1.1.2.7 Na sala de atividades, momento de desenho livre. Depois de estranhar o modo como
Flávio3 olha para a flor que ela está desenhando, Mariele diz: “Que bom que hoje eu vim para
o colégio, senão tem que ficar aturando meus irmãos...”
3
Todos os nomes que aparecem nos relatos são fictícios.
69
Mariele: “Ontem eu fiquei sozinha, meu pai saiu e eu fiquei estressada.”
2.1.1.3 Na rodinha, a professora, depois de advertências e avisos, pergunta como foi o fim de
semana, o Dia das Mães, para um e outro. Alguém começa a falar sobre cachorro, o que
desencadeia uma série de relatos sobre o assunto.
Juliana conta: “Um dia eu fui com a minha mãe na feira de animais, e a minha mãe viu um
poodle que ela ficou com muita vontade de comprar, mas daí não comprou. Mas ela não
parava de olhar o poodle”.
Professora: “Tua mãe ficou só namorando o poodle... Então devia ser muito caro, né?”
Juliana concorda com a cabeça: “E depois ela só falava nele, ficou um tempão falando.”
Parte 2
2.6.2 Resultados específicos
2.6.2.1 Análise dos temas
As temáticas abordadas nas narrativas foram organizadas em duas categorias
baseadas em conceitos wallonianos sobre o desenvolvimento (Wallon, 1975a): Temas
ligados à autodefinição e construção de sentido de si mesma pela criança (como o
nome, a imagem, qualidades e falhas pessoais, aquisições e aprendizagens), e temas
70
ligados à definição e à construção de sentido de diferentes meios sociais onde a vida
da criança se desenvolve.
A Figura 12 mostra a percentagem dos dois tipos de temáticas nas NIs e nas
NEs.
100 92
90
80
70
70 ligados à auto-
percentagens
60 definição %
50
ligados à definição
40 de diferentes
30 meios %
30
20
8
10
0
Intraconversacionais Eliciadas
Figura 13. Percentagens dos diferentes meios sociais abordados pelas crianças nos
temas das narrativas intraconversacionais (NIs) e eliciadas (NEs).
Dina: “Que nojo, eu fiz tudo errado! Sabia que eu babei na cama? É porque eu passei a
noite tossindo.”
Marilize: “Não se baba aqui na escola, hein, que não é lugar de se babar!” (Depois
72
canta) “Baba Baby, Baby Baba, Baba, Baby Baba...”
Todos riem.
2.1.1.6 Após os relatos de outros colegas, onde eram abordados novidades e passeios do
fim-de-semana e o assunto mudou para animais domésticos, Marilize quer falar
novamente: “O sora, eu vou contar outra. Sora! Eu tenho outra pra contar!”
Marilize: “Um dia né, eu tava com uma cadelinha chamada Rosinha, né...”
Marilize: “Ela era chamada Rosinha. Daí, quando ela tava morta lá na...Quando ela
tava morta na casinha, daí eu tava mexendo...”
Marilize: “Eu tava fazendo carinho nela, daí ela começou a ‘reinar’ e daí ela morreu.
Daí, eu tava brincando com ela né, e daí ela não acordava, daí eu chamei o meu pai e
ela não acordou. Daí o meu pai disse que ela tava morta, daí depois eu chorei, fiquei
chorando, daí, daí, daí, amanhã, faz tempo né, daí ele pegou um cachorro chamado
Rochinha...”
Professora: “Ãh...”
Marilize: “E daí...”
Marilize: “Eu coloquei o nome dele de Rochinha, tem um cavalo chamado Rochinha e
eu coloquei o nome dele de Rochinha.”
Professora: “Tá, e esse cachorro que tem na tua casa é aquele que a tua mãe me disse
73
que morde, que avança, que é muito brabo?”
Marilize: “Não.”
Professora: “Que a tua mãe disse que tem um cachorro na tua casa que é muito brabo.”
Professora: “Ah...”
Marilize: “Daí o Rochinha, ele cagava em casa, a minha mãe não agüentava mais ele
cagar em casa né, daí meu pai levava um dia, deixava até, até, deixava um dia, né,
deixava um dia lá no pátio, né, daí um dia ele soltou o cachorro né, daí ele, daí a tia Lu
me deu um cachorro ‘pa’ mim. Daí chegou primeiro do que o Rochinha, né. Daí ele deu
‘quia’ (cria) nela e daí depois o meu pai disse que ele, que ela ia dá ‘quia’ né, daí eu
achei que era mentira, daí deu ‘quia’.”
Marilize aborda o tema da morte que ela presenciou, do seu próprio processo
até tomar consciência do que havia acontecido, sua reação emocional e a posterior
substituição da cadela morta, a rejeição e possível abandono ou fuga do novo
cachorro, a nova substituição e por fim o retorno do fujão e a procriação. Os
cachorros são parte da sua constelação familiar, e a menina expõe também a
participação dos pais nas situações contadas: o que o pai diz e faz, a atitude da mãe
em relação ao cachorro, o presente da tia, e também as suas próprias reações ao que o
pai diz. Aborda assim um drama pessoal e familiar de forma multidimensional.
Tabela 3
Quantidade de Tipos e Média do Uso de Introdução nas Narrativas
Intraconversacionais (NIs) e nas Eliciadas (NEs).
Intraconversacionais Eliciadas
(NIs) (NEs)
Elemento Estrutural Média Média
Tipos (/narrativa) Tipos (/narrativa)
1-Introdução 7 0,62 2 0,26
Tabela 4
Quantidade de Tipos e Média do Uso de Elementos de Orientação nas narrativas
intraconversacionais (NIs) e nas eliciadas (NEs).
Intraconversacionais Eliciadas (NEs)
(NIs)
Elemento Média Média
Estrutural Tipos (/narrativa) Tipos (/narrativa)
2-Orientação:
2.1- Social 16 2,55 9 3,47
2.2-Espacial 19 1,21 14 1,37
2.3-Temporal 8 0,91 7 1,05
Continuidade (aí, daí) 0,18 Continuidade 2,95
(aí, daí)
1.1.2.9. Na sala, Mariele conta a Flávio, Cristiano e Luca: “Teve churrasco na minha
casa ontem”. Luca retruca: “Na minha casa também, com doce.” Como os meninos não
deram muita bola para o que contava, Mariele. voltou-se para V., que filmava a cena.
V: “Na tua casa?” (interrompe a filmagem, já que a menina se dirigia a ela por trás da
câmera).
Mariele: “É.”
Mariele:” Não tinha muita gente, tava a M., o namorado da M., o meu pai, a minha
mãe, meu irmão..., e só. Outros não foram convidados.”
Ma: “O namorado da M., meu pai, meu irmão, e só. Minha mãe trabalha numa clínica
76
veterinária, a M. é a chefa dela, que atende os cachorros.”
Ma: “Ah, ela limpa tudo, quando ela tem que limpar as gaiolas ela tem que tirar todos
os cachorros, botar noutras gaiolas, limpar e depois botar todos de volta.”
2.1.1.8 Marilize: “Eu, sabe a minha cadela né, sabe a minha cadela que eu ganhei né,
tava numa caixa né...”
Professora: Hu-hum.
Marilize: “Tava lá perto do... da ‘famácia’, né, que tem perto da minha casa e peguei né
e daí tinha uns outros cachorrinhos, filhotinhos, bem pequenininhos, só que eu quis
pegar, aí eu chamei o meu pai e meu pai disse pra mim deixar lá pra eles cuidarem bem
por causa que os outros cuidam bem dele e ele tem uma casinha, um monte de casinha.”
Marilize: “E daí, daí eu sei que ela cuidou dos cachorrinhos meu pai deixou, daí eu
chamei meu pai, né, minha mãe e daí eles quiseram ficar lá e eu não quis né. Daí eu
deixei um pouquinho em casa e daí ele foi. Quando eles cresceram um pouquinho né, eu
deixei no campo, daí quando eles cresceram um pouquinho em casa eu soltei eles. E daí
eu fiquei brincando com eles, daí eu dei pra minha amiga cuidar deles e daí eu queria
muito ficar com eles e a minha amiga só saía com eles no colo né e daí eu ia visitar os
cachorrinhos todos os dias e ele, e cada vez que eu ia eles tavam grandinho e cada vez
que eu ia eles tavam grande e viraram “rotivaili’ e eu não quis chegar perto e minha
amiga soltou todos os cachorro.”
77
Professora: “Tá. Flávio, tem novidade?”
Tabela 5
Quantidade de Tipos e Média do Uso de Elementos de Complicação e Resultados nas
Narrativas Intraconversacionais (NIs) e nas Eliciadas (NEs)
Intraconversacionais Eliciadas (NEs)
(NIs)
Elementos Média Média
Estruturais Tipos (/narrativa) Tipos (/narrativa)
3-
Complicação 18 1,25 12 1,37
4- Resultado
4.1- 7 0,59 4 0,42
Resolução
4.2-
Conseqüência 3 0,28 3 0,26
A: “Sim.”
Natália: “Mas é segredo mesmo, hein?! Não vai contar!” Então cochicha ao ouvido de
A.: “Sabia que pegou fogo na casa?.”
A: “É?”
Natália: “É, e daí o Caio entrou lá para ver, mas ninguém se machucou. Só que o
chão... O chão era piso e derreteu tudo. Queimou mesa, cadeira...Mas ninguém
morreu.”
Natália: “Eram dois velhinhos. Todo mundo da vila saiu pra ver o fogo. Eu também saí,
mas os dois velhinhos não se machucaram”.
A: “Ainda bem!”
2.1.1.7 Professora: “Carlos pode falar.”(O menino era o próximo na roda, em que as
crianças contam alguma novidade.)
Carlos: “Eu, lá, eu saí lá com o meu tio, aí tinha um cachorrinho, o meu tio tava de
bicicleta e o meu primo foi, aí o cachorro, aí, o cachorro, tava de bicicleta e o meu
primo foi, aí o cachorro, aí bateram no meu pai ali na rua, na minha, na rua, ele pegou
a lomba de bicicleta e ele lá...”
Professora: “Hu-hum.”
Professora: “Mas!”
Carlos: “O cachorrinho dum tamanho assim (faz gesto de pequeno). Eu, e... (não é
possível compreender) e deu um soco!”
Carlos acena a cabeça afirmativamente. “Uma marca assim...Na boca. Aqui.” (mostra
na sua boca).
Professora: “Da Restinga? Ah... Já. (a seguinte na roda), pode contar uma novidade
pra gente?”
1.1.1.9 As crianças estão pintando um desenho relacionado a “coisas que são amigas
dos dentes” (legumes, frutas). As meninas discutem, repreendendo-se entre si,
criticando suas produções e comportamento.
Natália, vendo que A. está anotando, diz a ela: “Anota tudo e conta pra sora! Anota que
eu me comportei”. Então, diz para Dina: “Ela vai mostrar tudo pra sora. Anotou que tu
mandou a Ma. calar a boca”. D. se defende: “Eu não mandei ela calar a boca! É
mentira!”, e então fica emburrada e se vira de costas para as outras colegas.
Natália: “Não! É coisa que criança não pode dizer!” Diz no ouvido de A.: “É
maconha!”
Janaína pede que Natália conte o que disse: “Conta! Eu não vou fofocar!”
Mas Natália não conta: “Né sora que é feio o que eu te disse? “
A: “É feio. “
Natália: “Sabe quando eu sei? O meu pai fuma. Ontem eu tava chegando e ele tava com
dois cigarros na mão. Escondeu rápido pra minha mãe não ver! Eu tenho nojo... Ele
tava bêbado, mas não caindo. Conseguia enxergar e andar, mas a minha mãe teve que
posar na minha vó pra ele não trazer ela. Por isso que eles brigam.”
100
90 85,9
80
70
percentagens
60 professora %
50 43,6 colegas %
38 pesquisadoras %
40
30
18,4
20 14,1
10
0
Intraconversacionais Eliciadas
Observa-se que a professora teve nas NIs uma participação registrada bem
inferior à das outras crianças ou das pesquisadoras. Em compensação, nas NEs ela
assumia a coordenação das interações verbais, dominando a interlocução das
narrativas das crianças.
As Figuras 15 e 16 mostram a qualidade geral da participação dos
interlocutores em cada um dos tipos de narrativa.
83
100 95,8
90
80 72,6
70 63,3
percentagens
60
50 encorajadora
36,7 não encorajadora
40
27,4
30
20
10 4,2
0
professora colegas pesquisadora
100
90 84,6
80 73,3
70
percentagens
60
50 encorajadora
40 não encorajadora
30 26,7
20 15,4
10
0
professora colegas
Figura 16. Percentagem dos modos de interlocução nas narrativas eliciadas (NEs).
84
No geral, verifica-se que todos os interlocutores envolvidos tiveram uma
participação mais encorajadora do que não-encorajadora nas narrativas produzidas. A
professora foi significativamente mais encorajadora nas NEs, os colegas mostraram-
se igualmente encorajadores e desencorajadores nas NIs e nas NEs, e as
pesquisadoras desempenharam um papel altamente encorajador nas NIs.
As Figuras 17, 18, 19, 20 e 21 apresentam mais detalhadamente os tipos de
participação encorajadora e não-encorajadora dos interlocutores nos tipos de narrativa
em que foram participantes.
100
90
80
70
percentagens
60
50
40 33,4 33
30
30
20
10 0 3 0
0
Do ato de Do conteúdo Da ludicidade Do ato de Do conteúdo Da ludicidade
narrar e texto narrar e texto
narrativo narrativo
Encorajadora Não-Encorajadora
Intraconversacionais
percentagens
60 52
50
40 33
30
20 11
10 4
0 0
0
Do ato de Do conteúdo Da ludicidade Do ato de Do conteúdo Da ludicidade
narrar e texto narrar e texto
narrativo narrativo
Encorajadora Não-Encorajadora
Eliciadas
Professora: “E aí?”
Juliana: “Ãhã.”
Professora:” Ah...”
Professora:”Tava bom?”
percentagens
60
50
40 33,9
30 21
17,7 17,7
20
8
10 1,6
0
Do ato de Do conteúdo Da ludicidade Do ato de Do conteúdo Da ludicidade
narrar e texto narrar e texto
narrativo narrativo
Encorajadora Não-Encorajadora
Intraconversacionais
Figura 19. Percentagem dos modos de participação dos colegas nas narrativas
intraconversacionais (NIs).
Luciane: “O quê?”
Luciane: “Sexta-feira?”
Encorajadora Não-Encorajadora
Eliciadas
Figura 20. Percentagem dos modos de participação dos colegas nas narrativas
eliciadas (NEs).
Nas NEs a participação dos colegas foi mínima (Figura 20), e teve efeito
encorajador ao solicitar que o colega falasse mais alto, ao manifestar reações “em
eco” às da professora (rir quando esta ria, concordar com a avaliação que ela fazia), e
ao contar alguma experiência relacionada ao tópico. Mas a participação deles foi
também não-encorajadora, ao debochar ou duvidar do que era contado.
90
100
90
80
69
70
percentagens
60
50
40
30 25,3
20
10 2 4,2
0 0
0
Do ato de Do conteúdo Da ludicidade Do ato de Do conteúdo Da ludicidade
narrar e texto narrar e texto
narrativo narrativo
Encorajadora Não-Encorajadora
Intraconversacionais
Figura 21. Percentagem dos modos de participação das pesquisadoras nas narrativas
intraconversacionais (NIs).
1.1.1.11 A partir da conversa das colegas sobre coisas que sabem cozinhar, Marilize
conta à pesquisadora V: “Eu vou contar uma coisa pra ti.” Chega perto e cochicha no
ouvido de V: “Eu tava fazendo um bolo com a minha mãe, e aí, tem aquela coisa na
batedeira que gira, sabe? O meu cabelo enrolou ali...”
91
V: “Enrolou nas pás da batedeira???”
Marilize: “É! E aí elas foram pra minha cabeça e ficaram girando girando, e depois
caiu no chão, bem no meu pé.”
Ela riu.
V conta: “A Marilize. tinha me contado antes que um dia tava ajudando a mãe a fazer
um bolo e o cabelo dela enrolou nas pás da batedeira, que ficaram girando na cabeça
dela. Depois caíram no chão. Não foi assim?” V. olha para a menina, pedindo
confirmação da fidelidade do relato.
Professora: “Báaa!”.
2.7 Discussão
As crianças apresentaram grande necessidade de narrar no cotidiano escolar, e
utilizaram as conversas nos espaços informais como o principal contexto para isso.
92
Especialmente durante as atividades não-dirigidas na sala, as crianças endereçavam
suas narrativas diretamente a alguém sentado nas proximidades, mais freqüentemente
a alguma das pesquisadoras, mas também à outra criança ou à professora. Esta ficava
geralmente sentada na sua mesa nesses momentos para preparar material para futuros
trabalhos, organizar pastas, e circular às vezes entre os grupos para supervisionar ou
sugerir atividades, e distribuir material. Como a turma tem um número reduzido de
crianças, a professora podia controlar e acompanhar da sua mesa o que ocorria, e
introduzir-se em algumas conversas. Os momentos de deslocamento da turma entre
um espaço e outro da escola e o café da manhã no refeitório oportunizaram narrativas
completas de algumas meninas, que disputavam a atenção mais individualizada das
pesquisadoras para conversar sem interrupções. Por outro lado, constata-se que as
crianças aproveitaram ativamente também as poucas oportunidades em que houve um
contexto eliciador: algumas narrativas foram então mais extensas, com maior número
de turnos conversacionais. Mesmo falando baixinho, ou não sabendo às vezes o que
contar, a maior parte das crianças da turma utilizou esse espaço de expressão
discursiva individualizada. A participação da professora foi estruturante, no sentido
de garantir a cada um a oportunidade de contar algo, de apoiar a continuidade e fazer
perguntas e comentários sobre o que era relatado. A fala descontextualizada
predominou nos dois contextos, trazendo uma riqueza de dimensões espaciais e
temporais organizadas discursivamente pelas crianças. Entretanto, as NIs abordaram
conteúdos ficcionais, o que não ocorreu nas NEs, que trataram apenas de experiências
pessoais. As NIs abarcaram também uma proporção muito superior de temas ligados
à autodefinição e de referências ao “eu”, o que é fundamental para o desenvolvimento
nesta etapa e contexto de transição. Os temas abordados nas conversas informais
foram mais diversificados - incluindo alguns de natureza dramática - e abrangeram
mais dimensões do meio onde as crianças se situam e do qual se diferenciam.
Assuntos dramáticos (morte, conflitos, uso de álcool e drogas, crime, situações
emergenciais), ligados à família ou à comunidade, foram trazidos apenas nas NIs, em
díades ou tríades, muitas vezes relatados num tom mais baixo de voz, e até no ouvido.
Tais temáticas encontraram espaço de expressão na rodinha apenas quando se
referiram a cachorros: nascimento de filhotes, cachorros encontrados, desejados,
rejeitados, cachorros que morreram. Em termos estruturais, as NIs também
apresentaram maior complexidade, com maior variedade de personagens, um número
93
superior de referências temporais objetivas e de marcações de mudanças temporais no
decorrer dos eventos relatados. A presença bem maior do “aí” e “daí” nas NEs do que
nas NIs faz supor que no contexto da rodinha as crianças utilizem este recurso de
continuidade para manter a atenção dos interlocutores, ganhando tempo para
organizar o que contarão a seguir, ou para vencer o constrangimento e paralisia
gerada pela situação de falar para um grupo. As resoluções das situações
complicadoras das NIs ocorreram em maior número e foram atribuídas a um leque
maior de personagens, incluindo a própria criança. Pode-se pensar que este seja
também um indicador de sofisticação das narrativas, embora ainda não se encontre tal
diferenciação na literatura disponível. Nas NIs houve um uso superior de avaliações
do tipo cognitivo e moral, em que as crianças tentam explicar e qualificar as
situações, estabelecer comparações, formular regras e julgamentos. Isso representa
um acréscimo importante em relação à avaliação expressiva (pela entonação,
repetição, intensificação) e afetiva (verbalização de estados internos) que estão
igualmente presentes nos dois tipos de narrativa, já que mostram a reflexão da criança
sobre a experiência, a construção de definições e relações necessárias à organização
do pensamento discursivo.
A presença das pesquisadoras, sua receptividade e auxílio às narrativas foram
fatores encorajadores para que as crianças – especialmente as meninas - contassem
suas histórias em contextos informais da sua rotina escolar. Tal escuta individual não
parece ser priorizada pela professora nestas situações. Deve-se considerar que a
restrição do campo de observação, quando as pesquisadoras eram as interlocutoras
em díades ou tríades, pode ter ocasionado perda na captação de narrativas diádicas
entre professora e crianças. Mas a baixa participação da professora nas NIs também
pode ser explicada pela priorização de uma atenção global à turma e da concentração
da ação pedagógica no controle e funcionalidade. Desde que as crianças estivessem
ocupadas e mais ou menos tranqüilas, a professora não interferia muito. Os colegas
mostraram algumas vezes atitudes de competição, desvalorização e descrédito pelo
que crianças narradoras traziam, o que é característico da auto-afirmação envolvida
na diferenciação do eu. Por outro lado, a participação deles foi freqüentemente
encorajadora, e envolveu também o aspecto lúdico e experimental das NIs, ao brincar
com palavras e significados. Isso foi feito quase somente pelas crianças, o que
evidencia a ludicidade espontânea presente nas atividades das crianças nos momentos
94
informais.
Alguns dos fatores apontados pela literatura como restritivos à expressão
discursiva e à produção de narrativas pelas crianças na rotina da escola infantil, como
o desconhecimento da importância das conversas informais e da participação do
educador nestes momentos, foram observados. Por outro lado, a rodinha apresentou-
se como contexto com grande potencial para eliciar narrativas infantis, apesar de
pouco utilizado para esta função. A Hora da Novidade ocorre esporadicamente no
retorno do fim-de-semana, o que possivelmente limita os temas trazidos ao lazer
familiar, passeios e visitas. O trabalho com a linguagem oral não contempla
dimensões mais amplas e conflitivas da existência. Embora os educadores contem
rotineiramente histórias de boa qualidade às crianças, não oportunizam que elas as
recontem ou inventem as suas próprias. Trata-se ficção e experiência real como
âmbitos separados, o que não estimula que as crianças usem a imaginação como
recurso para a construção da linguagem e do conhecimento. Os depoimentos trazidos
nos Trabalhos Temáticos são pouco explorados como narrativas, e as Combinações
sobre regras não possibilitam que as crianças tragam a riqueza da sua experiência
para comparar padrões e refletir sobre normas sociais. Para atender às necessidades
de comunicação e ludicidade, de socialização e de individuação ligadas à própria
função transicional da escola infantil, seria fundamental a criação de um contexto
eliciador de narrativas tanto pessoais como ficcionais, tanto de histórias já conhecidas
como de histórias inventadas, recriadas. Trata-se de um contexto que possibilite a
interlocução da professora e uma maior participação dos colegas, e que contemple
múltiplas dimensões e gêneros da experiência.
CAPÍTULO III
INTRODUÇÃO
MÉTODO
3.1 Objetivo
O objetivo deste estudo foi investigar aspectos estruturais, temáticos,
avaliativos e lúdicos das narrativas produzidas em seis sessões, de em média
27’40”minutos, pelas crianças de uma turma de educação infantil num contexto de
intervenção. Para estabelecer um parâmetro de comparação, essas narrativas são
comparadas qualitativamente às construídas pelas crianças em seis sessões de, em
média 18’19” minutos, que ocorreram no contexto da rodinha, parte da rotina escolar.
Compara-se também a participação dos interlocutores nos dois contextos.
3.6 Resultados
Os resultados são apresentados em duas partes: na parte 1 são apresentados o
planejamento e resumo do que aconteceu em cada uma das sessões do contexto de
intervenção; na parte 2 são apresentados os resultados da análise das narrativas
produzidas nas seis sessões do contexto de intervenção. Para oportunizar um
parâmetro de comparação apresentam-se também os resultados produzidos nas seis
sessões do contexto da rodinha. Analisa-se a extensão e número de turnos, os temas e
elementos estruturais das histórias, e a qualidade e tipos de participação dos
interlocutores na construção narrativa.
Parte 1
b) Atividade proposta:
108
Fazer um levantamento inicial com a turma sobre as histórias infantis
conhecidas (de filmes, da escola ou de outros lugares) e apreciadas pelas crianças, e
propor que escolham uma delas para contar. A orientação é de que cada um conte a
história do seu jeito, mas cada criança poderá depois acrescentar algo que perceba
como importante, que não foi contado pelo colega. A auxiliar de pesquisa lê
posteriormente a história, tal como foi contada. As crianças são então estimuladas a
contar novamente a história, procurando expressá-la de uma maneira completa,
bonita e fácil de entender. Pode-se propor também que contem a história de forma
engraçada, apavorante, ou triste. Depois se comentam as histórias contadas.
b) Atividade proposta:
Cada criança escolhe uma imagem entre os 20 livrinhos em branco para
inventar uma história sobre cachorro. Depois, pode-se explorar com cada criança os
seguintes aspectos: Por que escolheu sua Figura, quem era este personagem, onde
vivia e com quem, o que acontecia com ele, o que este fazia, e como terminava a
história. Depois que três ou quatro crianças inventarem sua história, se propõe que
cada uma desenhe no livrinho a sua história de cachorro, como se fossem os
ilustradores. Feito isso, todos voltam à rodinha para que as crianças contem a história
do seu livro.
b) Atividade proposta:
Retomar as histórias inventadas pelas crianças na última sessão, que elas
devem ter desenhado nos “livros” fornecidos a cada uma, como combinado com a
professora. Cada uma contará agora a sua história, e mostrará as ilustrações que
produziu.
b) Atividade proposta:
“Jogo do Curioso” (Zaslawsky, 2003), a partir do relato de experiências
pessoais. Cada criança voluntária conta algo que aconteceu, que pode ser alguma
coisa triste, assustadora ou engraçada. Os outros (colegas, a professora e
pesquisadora) serão os curiosos. É importante esclarecer primeiro o que as crianças
entendem por “curioso”, isto é, o que faz uma pessoa curiosa. Depois de explora isso,
a pesquisadora explica que os “curiosos” vão fazer perguntas à pessoa que está
contando algo, como: “Onde foi?”, “Quando?”, “Por quê?”, “Quem estava lá?”, “O
que mais aconteceu?”, “Como terminou?”. Deve-se possibilitar que as crianças
contem vários tipos de experiências, estimulando-as conforme a necessidade.
Parte 2
100%
89,70%
percentagens
individuais
coletivas
10,30%
100
90 82,76
80
70
percentagens
60 52,63
47,47 completas%
50
incompletas%
40
30
17,24
20
10
0
N. Eliciadas na N. Eliciadas na
intervenção rodinha
42,33
médias
individuais
18,46 coletivas
10,78
Figura 24. Extensão média das NEIs (individuais e coletivas) e das NERs
5,19
4,78
médias
5,19
médias
2,25
p e rc e n ta g e n s
60
50
40
31
30
20
7 5,3
10
0 0 0 0 0 0 0
0
Pessoal Ficcional Pessoal Interno Externo Interno e Imediato Não-
e Externo Imediato
Ficcional
Figura 27. Percentagem dos tipos de conteúdo das NEIs e das NERs
Professora: “Hum?”
Carina: “Comemos churrasquinho, depois a gente foi lá na pracinha, depois a gente foi
no parque de diversão e a gente ‘voltô’, a gente ‘voltô’, aí a gente ‘voltô’ pro lugar que
a gente tava, depois a gente foi pra casa da minha tia.”
Professora: “Hu-hum.”
M: “Eu não!”
Professora: “Fogos.”
Carina: “Fogos coloridos por causa que tavam fazendo uma festa.”
Carina: “Não.”
Carina: “Não.”
Professora: “Não? Ai, quase que a D. cai da cadeira! Senta direito D.!”
Professora: “Ah...”
V: “Parece que vocês estão a fim de contar uma história de terror, hein?”
Mariele: “Eu quero contar uma história de terror que apareceu pra mim na minha
cama e eu fiquei com medo...” (faz expressão de pavor).
Flávio (segue a história como se fosse sua): “Tinha uma casa assombrada lá...”
Flávio: “Eu sonhei que tava lá, mas era minha casa e daí eu se mudei dela...Bah, daí a
minha mãe botava uma bruxinha ali, daí eu via uma bruxa bem grande sentada aqui,
mas era uma bruxinha que a minha mãe botava e ela sentou...”
Flávio: “Não era, era de verdade. Daí ela sentou aqui né...Foi assim.”
Flávio: “É. E eu fiquei com medo. Chamava os meus irmãos, ela tinha um chapéu
assim. Aí eu chamei a minha mãe e o meu pai e eu botava a mão na bruxa...”
C: “Tu tá mentindo... “
Professora: “Não é que ele está mentindo, ele está imaginando. No mundo da
imaginação pode, mas na verdade, na verdade não.”
M: “Tá sonhando!”
Flávio: “Não.”
V: “Aonde então?”
Flávio: “Bati no olho da bruxa e daí na minha cabeça ficou um galo...Bah doeu! Eu fui
ver, eu botei a mão no nariz da bruxa, a bruxa quase me pegou...”
100 92,3
90 81,82
80
70
ligados à auto-
percentagens
60 definição %
50
40 ligados à definição
de diferentes
30 meios %
18,18
20
7,7
10
0
N. Eliciadas na N. Eliciadas na rodinha
intervenção
60
50
40 29,1 32,73
30
18,18 16,37
20 11,5
7,7 7,7
10 0 0 0 0
0
auto-definição constelação comunidade escola serviços de mundo mais
familiar saúde amplo
Figura 29. Percentagem dos diferentes meios sociais abordados pelas crianças nos
temas das NEIs e das NERs
Professora: “E aí?”
Juliana: “Ãhã.”
Professora: “Ah...”
Carina (muito séria, mostra a foto de dois filhotes de cocker): “A minha história é da Mina e
da Nina.” Carina abriu o “livro” para seguir contando, como se estivesse “vendo” nele a sua
história.
Carina: “Os donos deles sempre deixavam eles dormirem dentro da casa. Só que no dia
seguinte elas fizeram... O gato do dono fez muita bagunça e o dono pensou que foi as
cachorras. Ele botou elas pra fora e ele fez então uma casinha de cachorro pra elas. Duas:
uma pra Mima, (corrige-se) uma pra Mina e outra pra Nina. E um dia choveu muito...”
Professora: “E aí Carina? Talita, fica quietinha pra ouvir a história da amiga!” (Ta está se
mexendo na cadeira).
Carina: “Aí começou a chover muito forte. Aí elas pensavam que não precisava chover muito
e então saíram. Assim, no outro dia seguinte, o dono foi sair para levar o seu filho para a
escola e daí as cachorras, elas queriam porque queriam ir junto, mas o dono não deixava,
assim elas desobedeceram e aí o seu dono, ele deixou o portão aberto e aí as cachorras
fugiram e tanto elas andaram e andaram que acabaram se perdendo no mato. Elas sentiram
muito medo, mas no outro dia aconteceu um final muito feliz por causa que a dona e a filha
encontraram as cachorras!”
100
90
80
70 61,82
percentagens
60 temas
eliciadores%
50
38,18 outros
40 temas%
30
20
10
0
N. Eliciadas na intervenção
Figura 30. Percentagem dos temas eliciadores e dos demais temas nas NEIs.
Narrativa 5.3
Professora: “Luca, tu quer contar a tua história? Então vamos lá. Vem Carina, senta
pra ouvir o Luca.“
Luca: “Ele não tinha dono e não tinha nada pra comer. Ele morria de frio na rua e veio
um menino que pegou ele e deu comida pra ele.”
V: “E ele?”
Ci: “Menino.”
Luca: O cachorro tava na rua e depois se encontram o menino que pegou ele.
L: “Deu carinho?”
Luca: “Deu.”
Professora: “Essa é tua história? Parabéns!Vamos bater palmas pro Luca.” Batem
palmas.” Olha Luca, adorei a tua história, tô muito feliz.”
Tabela 8
Ocorrência de Tipos e Média do Uso de Elementos de Orientação nas Narrativas
Eliciadas na Intervenção (NEIs) e nas Eliciadas na Rodinha (NERs)
Narrativas Eliciadas na Narrativas
Intervenção (NEIs) Eliciadas na
Rodinha(NERs)
Elemento Média Média
Estrutural Tipos (/narrativa) Tipos (/narrativa)
2-Orientação:
2.1- Social 20 5,34 9 3,47
2.2-Espacial 18 3,72 14 1,37
2.3-Temporal 9 2,1 7 1,05
Continuidade (aí, daí) 5,1 Continuidade (aí, 2,95
daí)
Professora: “Flávio.”
Professora: “Senta direito, Flávio, pra conversar? E aí? Senta mais aqui pra eu ver o
Flávio (diz à C.). E aí? Onde é que tu foste?”
Flávio: “Eu fui na mãe duma amiga da minha mãe. Daí a amiga da minha mãe me
ensinou a brincar com um brinquedo, tinha um monte de brinquedo.”
Professora: “É?”
Flávio: “E daí eu fui na Redenção e fui ver os pato. Daí a minha mãe comprou um pato
pra mim.”
136
Professora: “Um pato?”
Professora: “Onde?”
Flávio: “Tenho.”
Professora: “Ah!!!”
Flávio: “É um ganso.”
Flávio: “É eu mesmo.”
Professora: “Hum...”
Flávio: “É, e daí a minha mãe cuida. Não dá pra mim trazer ele.”
C. levanta o dedo.
Professora: “C.!”
C: “A minha casa, lá na casa, a minha, tem três gansos, a minha vó tem três gansos, um
cachorro, um gato e uma galinha!”
Ju: “Aí ela deu banho, deu comida, botou ‘tope’. Ela podia levar ela pra passear na
hora que ela quisesse, ela tinha um motorista que levava, era rica mesmo. Aí um dia ela
tava sentada de noite e apareceu uma estrela, e tava de noite, e a estrela falou que,
falou assim pra ela que, falou assim pra ela que ela não podia mais ficar doente, que ela
sempre ficava. Ela tava doente e ficou assustada porque ela tava doente e não podia
ficar. O céu era muito longe e ela não conseguiu ouvir muito bem, mas ela conseguiu
ouvir isso que ela falou... Ela falou isso pra ela por causa que ela tava doente. Aí um dia
a Bruna que é essa a dona, que é essa que eu tô falando, o motorista dela levava só que
um dia ela levou ela na Redenção e ela começou a correr, correr, correr, correr, correr,
correr, aí a Bruna não sabia o que fazer. Aí ela chorou, chorou, aí ela ligou pra prima
dela e perguntou se ela podia ir na casa dela. Ela tava, ela tava, não sabia onde ela
tava. Aí a Bruna, a dona dela, procurou em toda a cidade, ela tinha assistido uma
história, ela tinha assistido um...”
Outras crianças falam ao mesmo tempo o que dificulta a transcrição do que Ju. diz.
Ju: “Mas um dia o pai apareceu prá guriazinha, né, a Bruna, e disse que eles não
podiam mais ficar com a Lili morando ali, que ela ia embora. Aí ela ficou triste. Só que
daí entraram ladrões e mataram o pai dela e ela ficou sozinha na casa, um...
(castelo???) desse tamanho assim, lá em cima, aí ela ficou sozinha e os dois viveram
felizes para sempre.”
Professora: “Bah, que história. Bem grandona essa história né? Quem é o próximo?”
Juliana usa a tradicional introdução “Era uma vez...” para começar sua
história, demarcando o contexto da fantasia, e ela realmente fala de dentro deste
contexto, como indicam sua expressão física e a riqueza de detalhes da narrativa.
Muitos personagens entram em cena: a cachorrinha Lili, a menina Bruna, o motorista,
a estrela, a prima, o pai, os ladrões. Todos são apresentados com clareza aos
interlocutores, e a menina mostra preocupação em frisar em dois momentos de quem
está falando (a Bruna que é essa a dona, que é essa que eu tô falando; a Bruna, a dona
dela). Os elementos de orientação espacial são também muito variados e marcados
com clareza (na rua, pra casa / num castelo muito grande, tava muito longe, na
Redenção). Expressa também deslocamento espacial (começou a correr, correr,
correr, correr, correr, correr; procurou em toda a cidade, nos lugares, em todos os
lugares), deixando vago onde a menina por fim encontrou a cachorra (num lugar que
ela não tinha procurado, no lugar tal). Marca bem o fato de que a menina dormia com
a cachorra na cama, o que parece importante, pois é então que surge a interferência do
pai. Destaca-se ainda a expressão “lá em cima”, onde ficou morando sozinha com a
cachorra, como mostrando algo inatingível. Os elementos de orientação temporal
mostram diferenciação entre coisas que acontecem sempre - tanto se referindo a
possibilidades ilimitadas (na hora que ela quisesse), como a limitações (ela sempre
ficava doente) – e coisas que ocorriam no momento (um dia de noite; porque tava
doente e não podia estar; o motorista levava, só que um dia ela levou na Redenção).
139
A menina usa 14 vezes o elemento de continuidade “aí”, e termina sua história com o
também tradicional “Viveram felizes para sempre”.
Tabela 9
Ocorrência de Tipos e Média do Uso de Elementos de Complicação e Resultados nas
Narrativas Eliciadas na Intervenção (NEIs) e nas Eliciadas na Rodinha (NERs)
Narrativas Eliciadas Narrativas
na Intervenção Eliciadas na
(NEIs) Rodinha(NERs)
Elementos Média Média
Estruturais Tipos (/narrativa) Tipos (/narrativa)
3-
Complicação 19 1,83 12 1,37
4- Resultado
4.1- 5 1,27 4 0,42
Resolução
4.2-
Conseqüência 2 0,48 3 0,26
Tabela 10
Ocorrência de Tipos e Média do Uso de Elementos de Avaliação nas Narrativas
Eliciadas na Intervenção (NEIs) e nas Eliciadas na Rodinha (NERs)
Narrativas Eliciadas Narrativas
na Intervenção Eliciadas na
(NEIs) Rodinha(NERs)
Após os relatos de outros colegas, onde eram abordados novidades e passeios do fim-
de-semana e o assunto mudou para animais domésticos, Marilize quer falar novamente:
“Ô sora, eu vou contar outra. Sora! Eu tenho outra pra contar!”
Marilize: “Um dia né, eu tava com uma cadelinha chamada Rosinha, né...”
Marilize: “Ela era chamada Rosinha. Daí, quando ela tava morta lá na...Quando ela
tava morta na casinha, daí eu tava mexendo...”
Marilize: “Eu tava fazendo carinho nela, daí ela começou a ‘reinar’ e daí ela morreu.
Daí, eu tava brincando com ela né, e daí ela não acordava, daí eu chamei o meu pai e
ela não acordou. Daí o meu pai disse que ela tava morta, daí depois eu chorei, fiquei
chorando, daí, daí, daí, amanhã, faz tempo né, daí ele pegou um cachorro chamado
Rochinha...”
A professora faz algumas perguntas que a menina responde, mas sem acrescentar nada
ao que ela conta, depois ela segue:
Marilize: “Daí o Rochinha, ele cagava em casa, a minha mãe não agüentava mais ele
cagar em casa né, daí meu pai levava um dia, deixava até, até, deixava um dia, né,
deixava um dia lá no pátio, né, daí um dia ele soltou o cachorro né, daí ele, daí a tia Lu
me deu um cachorro ‘pa’ mim. Daí chegou primeiro do que o Rochinha, né. Daí ele deu
‘quia’ (cria) nela e daí depois o meu pai disse que ele, que ela ia dá ‘quia’ né, daí eu
achei que era mentira, daí deu ‘quia’.”
Narrativa 5.1
Carina: É a história da Mina e da Nina. Era uma vez... Duas cachorrinhas muito
bonitinhas. Elas gostavam muito de morar com o dono delas, num apartamento, ele
dava pra elas ração e muito carinho. Um dia o dono saiu pra comprar ração e não viu
que deixou a porta do apartamento aberta. As duas, que eram muito safadinhas, saíram.
O porteiro do prédio não viu também elas passando e elas acabaram saindo do prédio,
e foram pruma floresta bem grande. Não conseguiram voltar pra casa, se perderam. Até
que um dia a Gabriela saiu com a sua mãe Juliana, e foram fazer um piquenique, e
sentaram perto de uma árvore. De repente ouviram um latido.
Em seguida Carina. termina a história: E então ela achou os cachorrinhos e ficou muito
alegre: “Mamãe, olha aqui a Mina e a Nina! Eu não sei como...!” Então elas pegaram a
guia e colocaram nas duas, depois em casa os outros viram e acharam que era mesmo a
Mina e a Nina. Aí eles viveram feliiizes para sempre.
100
90 85,9
80
70
percentagens
60 professora %
50 colegas %
41,23
40 pesquisadora %
32,16
30 26,6
20 14,1
10
0
N. Eliciadas na rodinha N. Eliciadas na
intervenção
100
90 84,6
80 73,3
70
percentagens
60
50 encorajadora
40 não encorajadora
30 26,7
20 15,4
10
0
professora colegas
97,8
100
87,23
90
80
70 66,36
percentagens 60
encorajadora
50
não encorajadora
40 33,63
30
20 12,76
10
2,19
0
professora colegas pesquisadora
percentagens
60 52
50
40 33
30
20 11
10 4
0 0
0
Do ato de Do conteúdo Da ludicidade Do ato de Do conteúdo Da ludicidade
narrar e texto narrar e texto
narrativo narrativo
Encorajadora Não-Encorajadora
Eliciadas
60
48,93
50
40 33,33
30
20
10 4,96 5,68 4,27 2,8
0
Do ato de Do conteúdo Da ludicidade Do ato de Do conteúdo Da ludicidade
narrar e texto narrar e texto
narrativo narrativo
Encorajadora Não-Encorajadora
N. Eliciadas na intervenção
100
90
80
70
percentagens
60 53,3
50
40
26,7
30
20
20
10
0 0 0
0
Do ato de Do conteúdo Da ludicidade Do ato de Do conteúdo Da ludicidade
narrar e texto narrar e texto
narrativo narrativo
Encorajadora Não-Encorajadora
Eliciadas
Figura 36. Percentagem dos modos de participação dos colegas nas narrativas
148
eliciadas na rodinha (NERs).
100
90
80
70
percentagens
60
50
37,27
40
30
15,45 17,27
20 13,63 11,81
10 4,54
0
Do ato de Do conteúdo Da ludicidade Do ato de Do conteúdo Da ludicidade
narrar e texto narrar e texto
narrativo narrativo
Encorajadora Não-Encorajadora
N. Eliciadas na intervenção
Figura 37. Percentagem dos modos de participação dos colegas nas narrativas
eliciadas na intervenção (NEIs).
Observa-se que, além da participação geral das crianças ter aumentado nas
NEIs (Figuras 32 e 33), os modos e direções da sua interlocução foram mais variados
(Figura 37), em relação às NERs (Figura 36). Enquanto no contexto eliciador da
rodinha a dimensão lúdica da narrativa não chegou a se expressar, o contexto de
intervenção pareceu oportunizar que as crianças encorajassem mutuamente a
ludicidade (13,63%), principalmente ao sugerir elementos para narrativas coletivas ou
individuais e ao integrar contribuições diferentes. O não-encorajamento a esta
dimensão apareceu também (4,54%), quando as crianças duvidavam do realismo da
história contada ou da fidelidade desta à fonte conhecida, como um livro. O ato de
narrar individualmente foi tanto encorajado (15,45%) como desencorajado (11,81%)
pelas crianças. O desencorajamento ocorreu basicamente por competição (responder
no lugar do outro, tomar o lugar do outro como narrador) ou por impaciência
(reclamar da demora) e cansaço (pedir para interromper a tarefa). Mas as crianças
também contribuíram para a abertura e manutenção do espaço para colegas narrarem,
e fizeram importantes sugestões para organizar a participação de todos. O conteúdo e
texto das histórias foram mais auxiliados (37,27%) do que desencorajados (17,27%)
149
pelas crianças. Principalmente nas narrativas coletivas, elas ajudavam os colegas a
nomear personagens e acrescentavam informações às histórias. Por outro lado,
desestimulavam a narrativa ao rejeitar a nomeação dada, ao corrigir, debochar ou
duvidar do que o colega dizia.
A Figura 38 mostra os modos com que a pesquisadora participou como
interlocutora nas narrativas eliciadas no contexto de intervenção.
100
90
80
70
percentagens
60 53,84
50
40 36,26
30
20
7,7
10 2,1
0 0
0
Do ato de Do conteúdo Da ludicidade Do ato de Do conteúdo Da ludicidade
narrar e texto narrar e texto
narrativo narrativo
Encorajadora Não-Encorajadora
N. Eliciadas na intervenção
Narrativa 1.4
Carina (pensativa): “Assim:No primeiro dia que a Bela Adormecida...Teve um dia que a
Bela Adormecida nasceu. Aí no dia do... no dia do batizado dela veio três fadinhas. Aí
uma fadinha disse...deu boa sorte, a outra fadinha disse...deu muita beleza e a outra
fadinha deu muita saúde. Aí o rei e a rainha convidaram todos menos uma fada que era
do mal e aí aquela fada chegou lá e (muda para voz áspera) ‘vocês não me convidaram
então quando ela fizer quinze anos vai espetar o dedo numa roca e morrerá para
sempre’.”
Carina: “Aí ela fez quinze anos. Aí ela pediu (voz delicada, suave) “ a senhora pode por
favor me ensinar a fazer crochê?”. Aí ela espetou o dedo na roca, aí chegou o príncipe
e toda floresta cresceu de espinhos e aí todo mundo desmaiou.”
Luciane: “Dormiu.”
V: “Gente, alguém reparou em alguma coisa que a Carina não contou dessa história?
Quem conhece essa história?”
Marilize: “Ficou faltando que não foi isso porque tinha três fadas.”
151
Professora: “Ela falou três.”
Professora: “Marilize, tu lembrou de uma parte tão bonita dessa história né? O
príncipe nem sabia que ela era uma princesa, ele achava que ela era uma moça do
campo né?”
Marilize: “E aí...”
Marilize: “E aí as fada começaram a estragar o vestido assim. Primeiro uma fada tava
arrumando, aí outra fada já começou a arrumar...”
Luciane: “Com a varinha! Uma botava uma cor, outra botava outra cor, outra botava
outra cor...”
Marilize: “Uma botava uma cor rosa, aí outra botava uma cor...”
Luciane: “Azul.”
Marilize: “Aí a outra fadinha pegou a agulha e estragou o vestido, botaram as duas
cores misturadas e estragou o vestido, ficou branco.”
Ma: “Não!!!”
V: “Flávio, lembra?”
Flávio: “No final a bruxa virou um dragão e caiu no fogo e daí terminou.”
Je: “Depois o príncipe luta com o dragão, que solta fogo, é bem grande.” (faz
movimentos e expressão de quem luta)
Je: “É a bruxa que não quer deixar ele passar pra encontrar a princesa.”
Flávio: “E enfia a espada dele cravada nas costas da bruxa, do dragão. Daí acabou.”
Narrativa 5.5
Professora pega o livro e mostra a turma: “Boa pergunta.Ó, são dois cachorros. Quem
é a Princesinha e quem é a Borboleta?” Mariele fala baixinho e Professora repete para
a turma. “A Borboleta é a pretinha ó gente, e a menorzinha e é a Princesinha, tá.”
Mariele: “Era uma vez a Borboleta e a Princesinha. Elas moravam numa casa muito
grande e ficavam no pátio de baixo. Aí ela deixou o portão aberto e o cachorro fugiu e
ficou louco de fome.”
155
V: “Os dois fugiram, Ma?”
V: “Qual?“
Mariele: “A Borboleta...Ela tentou achar uma casa. Ficou com sede e com fome e sem
casa.”
Mariele: “A vizinha pegou ela, era má, batia, não dava comida. Ela ficava com fome,
ficou doente e morreu.”
Batem palmas.
3.7 Discussão
Antes de avaliar os resultados da análise das narrativas e interlocuções, é
importante discutir a inserção da intervenção na rotina da turma com sua professora
titular. Esta se mostrou difícil em função de alguns fatores complexos, mas
identificáveis: aspectos estruturais (a descontinuidade da rotina escolar, bem
característica de escolas públicas) e políticos (eleições municipais e da nova diretoria
da escola), a não-priorização do espaço da intervenção pela professora, e talvez uma
certa confusão quanto ao novo papel da pesquisadora junto à turma. Tais fatores estão
inter-relacionados: por exemplo, o fato (estrutural e político) de que não
permaneceria na educação infantil no ano seguinte pode ter reduzido a motivação da
professora para novas propostas, gerando ansiedade e impaciência em cumprir suas
tarefas pré-estabelecidas (no contexto da própria escola e no da faculdade que
cursava). Isso provavelmente manifestou-se em sua relação com as crianças e destas
entre si, no final do ano. As sessões II e IV - as mais produtivas e satisfatórias da
oficina realizada - não foram antecipadas de discussões sobre problemas de disciplina
e se caracterizaram pela maior disponibilidade da professora em participar.
Por outro lado, a situação de intervenção e de investigação simultâneas é em
si mesma desconfortável e de difícil assimilação. Como as pesquisadoras passaram
um tempo prolongado como observadoras participantes, sua presença foi aceita com
mais facilidade nesse papel. Assim, a professora parece ter assimilado a intervenção
como mais uma atividade a ser “encaixada” em qualquer momento da rodinha,
utilizando-a até mesmo para manter as crianças ocupadas enquanto ela se retirava
para resolver problemas. Vale ressaltar que tal concepção de dividir com outros
professores, monitores e volantes a responsabilidade pela turma também parece ser
parte da cultura da escola pública. A preocupação da pesquisadora em realizar um
estudo contextualizado e interferir minimamente na rotina da turma pode ter também
prejudicado a clareza da definição e a manutenção do espaço da intervenção. Porém,
tais problemas decorrem tanto do contexto investigado como da própria opção teórica
e metodológica realizada. Peterson, Jesso & McCabe (1999) escolheram intervir no
estilo conversacional de pais e professores num treinamento extraclasse, justamente
157
pela dificuldade de fazê-lo na rotina escolar. E talvez o uso de instrumentos
específicos para avaliar a habilidade narrativa antes e depois da intervenção sirva
também para validar e formalizar mais fortemente o papel do pesquisador,
diferenciando-o do educador, o que não foi feito no contexto criado para a presente
pesquisa.
Ao se fazer uma análise geral dos resultados, observa-se que houve bom
aproveitamento pelas crianças do espaço e das atividades do contexto de intervenção
para o desenvolvimento narrativo: elas construíram individualmente as suas histórias,
e participaram de narrativas coletivas ou das de outras crianças. Neste contexto as
crianças narraram mais vezes, suas histórias foram mais longas e apresentaram, com
maior freqüência, uma estrutura completa. A autonomia para narrar aumentou, e um
número maior de crianças teve a oportunidade de desenvolver mais extensamente
suas histórias – o que apenas uma menina fizera na rodinha. O conteúdo foi além das
experiências pessoais, abrangendo também a mistura entre experiência vivida e
ficção, e principalmente o universo ficcional de histórias de livros e filmes, histórias
recriadas ou inventadas.
Os temas e personagens eliciadores, selecionados a partir do estudo de
observação, parecem ter proporcionado um contexto transicional que oportunizou que
as crianças expandissem suas temáticas ligadas à constelação familiar (predominantes
nas narrativas na rodinha) para outras ligadas ao mundo mais amplo. Este ir-e-vir
entre um ambiente familiar e protegido e um mundo desconhecido (a rua, a floresta, a
cidade), às vezes hostil ou indiferente, às vezes atraente, ficou bem marcado nas
histórias inventadas pelas crianças, variando o ponto de partida. Temáticas ligadas à
autodefinição também apareceram em maior número nas narrativas da intervenção, e
a mais freqüente partiu também de um tema eliciador: Assustar os outros (geralmente
adultos), ao disfarçar-se (enganar o outro) ou chegar de repente (surpreender). Este é
um tema importante nesta etapa da vida, com sentido simultâneo de brincadeira e de
exercício de poder, que está a serviço da auto-afirmação. Wallon (1945/1989,
1941/2000) ressalta bem o prazer que as crianças sentem em ludibriar os adultos para
escapar da sua coerência lógica e realismo, para vingar-se da sua superioridade. As
crianças referiram-se na intervenção também a temas ligados à comunidade, que
envolviam a relação com amigos, inimigos e vizinhos. Estes resultados parecem
mostrar a expansão dos meios sociais que a criança vai progressivamente conhecendo
158
e diferenciando, dentro dos quais vai experimentando seu próprio poder e
estabelecendo alianças.
As crianças apresentaram um avanço importante na utilização de todos os
elementos estruturais nas narrativas construídas no contexto da intervenção, tanto na
quantidade como na variedade. A oportunidade de recontar, recriar ou inventar
histórias parece ter sido aproveitada por algumas crianças para expressar sua
apropriação de formas convencionais de narrar, presentes nas histórias que escutam
cotidianamente na escola, ou talvez em casa. A introdução “Era uma vez”, por
exemplo, foi a predominante. Nas histórias fictícias as crianças experimentavam uma
narrativa mais sofisticada, ao expressar características e relações entre personagens,
ao especificar diferentes dimensões de tempo e espaço. As narrativas na rodinha,
restritas a experiências pessoais, mantinham as crianças “presas” ao vivido e
lembrado. Embora se referissem a coisas não-imediatas e externas, esses relatos eram
mais contextualizados. Ao imaginar uma história, a criança tem de organizar as
referências internas desse universo ficcional e tentar explicitá-las para que o
interlocutor também possa participar e compreender. Isso liberta as crianças de sua
experiência pessoal, das limitações da sua própria identidade, como aponta Held
(1980), e favorece a descontextualização. Na verdade, criam-se novos contextos, ou
mundos possíveis (Bruner, 1998; Feldman, 2005). Outro indicador de sofisticação das
narrativas e de apropriação de formas canônicas de narrar nas NEIs foi a maior
explicitação da complicação, acompanhada do aumento da referência a resultados. Os
protagonistas são mostrados freqüentemente ativos diante das circunstâncias, ao
procurar um apoio (“ele tava sempre xeretando, pulando, procurando um dono”), ao
fugir de situações adversas, ao escapar para explorar o mundo mais amplo. Mas
muitas vezes eles sucumbem à força das circunstâncias, feridos ou mortos. Com
apoio ou sorte, alguns terminam felizes para sempre. No espaço transicional da
ficção, as crianças vão construindo a consciência de limitações e problemas humanos,
como a pobreza, o desamparo, a crueldade e a mortalidade, mas também a
possibilidade de desenvolver recursos de sedução, negociação e enfrentamento, de
buscar maior autonomia.
A avaliação, mais que um elemento estrutural, consiste numa importante
dimensão que permeia toda a narrativa, dando-lhe expressividade e definindo padrões
e significados. No contexto da intervenção as histórias contadas apresentaram um
159
aumento relevante no uso de elementos de avaliação afetiva e expressiva, e também
de avaliação cognitiva e moral. O uso de uma avaliação mais explícita verbalmente,
especialmente sobre estados internos (afetivos e cognitivos) dos personagens é
considerado na literatura um aspecto bastante evoluído da construção de narrativas,
que algumas crianças da turma puderam expressar e desenvolver, mesmo nas poucas
sessões do contexto de intervenção.
Outro aspecto importante favorecido pela intervenção foi a maior participação
das crianças como interlocutoras, distribuindo a colaboração na construção de
narrativas de uma maneira mais horizontal do que na tradicional hegemonia do adulto
como auxiliar neste processo. Embora o percentual de participações não-
encorajadoras tenha crescido em relação às narrativas na rodinha, pode-se
compreender que, aumentando a sua participação geral, as crianças também tenham
se sentido mais livres para corrigir, discordar dos colegas, questionar a veracidade do
que eles diziam e competir com eles pelo espaço de narrar. Isso é positivo, já que é do
conflito e confronto de opiniões que pode surgir o debate, instrumento básico de
reflexão compartilhada necessária à escolarização numa sociedade democrática.
Partiu também das crianças o maior encorajamento à ludicidade, especialmente nas
narrativas coletivas. Algumas crianças assumiram por vezes papéis semelhantes aos
da professora e da pesquisadora, ao preservar o espaço para um colega contar sua
história, ao sugerir maneiras de organizar a tarefa para que cada um tivesse sua vez de
falar, ao propor que atividades longas fossem divididas em “um pouco por dia”, e até
mesmo na co-coordenação da encenação realizada.
Quanto à professora, constata-se o aumento de participação encorajadora,
especialmente ao ato de narrar das crianças. Embora algumas vezes mostrasse
dificuldade em abrir espaço à sessão ou permanecer nela, cumpriu geralmente o ritual
de dar a palavra a cada criança, estimular um pouco a continuidade e encerrar a
história com um elogio. Ela parece ter compreendido desta maneira o seu papel na
oficina realizada. Isso tem relação, por um lado, com convenções típicas da prática
pedagógica; por outro, isso é consistente com a definição de papel estipulada pela
própria pesquisadora ao discutir o projeto com a professora: ajudar a manter a
organização e estrutura da turma durante as atividades. Mesmo de forma descontínua,
pode se dizer que a professora aproveitou alguns momentos do contexto de
intervenção, ao abrir mais espaço para a expressão oral experimental, ao ajudar as
160
crianças a desenvolver um pouco os tópicos da narrativa e, para surpresa dela mesma,
ao utilizar as histórias nos livrinhos no seu trabalho de letramento.
A intervenção realizada mostra a possibilidade de promover e investigar
simultaneamente a narrativa de crianças de forma contextualizada na rotina escolar. O
conhecimento prévio do cotidiano e dos interesses espontâneos das crianças facilitou
a escolha de atividades e temas eliciadores significativos para elas. O contato
informal prolongado das crianças com a pesquisadora favoreceu a aceitação e o
engajamento nas tarefas propostas. A inclusão da pesquisadora num contexto análogo
ao da rodinha gerou não apenas os problemas antes apontados, mas também a
possibilidade de introduzir novidades em um espaço conhecido, e a quebra de
algumas convenções já estabelecidas na rotina. Nesta etapa do desenvolvimento as
crianças já manifestam a necessidade de definições mais objetivas e realistas,
envolvidas na construção do pensamento categorial (Wallon, 1945/1989). Como esta
possibilidade é ainda instável e pouco integrada ao conjunto da atividade das
crianças, elas podem utilizar rigidamente categorias lógicas e convencionais que são
pouco problematizadas no âmbito escolar. A intervenção oportunizou o
questionamento e ampliação do conceito de história, quanto às suas fontes (livros,
filmes, gravuras e experiências pessoais), gêneros (de criança, de menino, triste, de
terror, engraçada), e quanto à separação entre ficção e realidade. As fontes foram
usadas como ponto de partida para a construção de histórias de qualquer tipo, sem
necessidade de compromisso com a veracidade e fidedignidade. A abertura para
novas versões e improvisações retirou o caráter “definitivo” e formal que marca
muitas vezes as produções escolares, oportunizando em vários momentos a
experimentação e ludicidade ao narrar, e criando uma continuidade com as
brincadeiras de faz-de-conta. Tal continuidade é fundamental nesta etapa de
transição, já que a construção dos mundos possíveis e da linguagem
descontextualizada da narrativa consiste na base de todo o pensamento discursivo que
a escola pretende promover posteriormente.
Entretanto, para compreender mais profundamente os processos de
individuação e socialização envolvidos no desenvolvimento da narrativa, é
insuficiente analisar apenas a turma de crianças no seu conjunto. Torna-se necessário
focalizar a particularidade de crianças que ao narrar definem progressivamente a si
mesmas, conhecem e organizam as várias dimensões do mundo em que vivem. Não
161
teria sentido investigar a construção de um “eu psicológico” sem estudar esse
processo em crianças corpóreas, concretas e contextualizadas, como defende Wallon
(1941/2000).
CAPÍTULO IV
INTRODUÇÃO
162
163
uma hierarquia pré-estabelecida. O lugar dela no grupo de pares será definido
principalmente pelo seu comportamento e preferências, com possibilidade de escolha,
aproximação ou afastamento. Poderá também contar com aliados para se defender ou
se opor ao mundo adulto, e criar laços de solidariedade (Werebe, 1986). Entretanto,
sua relação com os pares não é livre de conflitos, e exige que a criança se identifique
com os interesses e objetivos do grupo como um todo, ao mesmo tempo em que se
diferencia como um indivíduo com um papel específico dentro dele. Ela deve ser
vista como membro do grupo e respeitar as regras e códigos grupais, mas
simultaneamente deve se fazer respeitar como um indivíduo singular. Isso é
fundamental para que a criança tome consciência da sua própria personalidade, ao se
ver como sujeito e como objeto, como “ela própria” e como “outro” (Wallon, 1975b,
p.176). Pelos sucessivos encontros e contradições com os companheiros, no
confronto, na rivalidade e na cooperação, a criança aprende a levar em conta o ponto
de vista dos outros para considerar o seu (Zaouche-Gaudron, 2002).
Simultaneamente, a escola introduz suas próprias exigências e padrões de
socialização, que podem ser diferentes e até contraditórios em relação aos da
constelação familiar, ou aos que se desenvolvem nos grupos de pares.
A linguagem é fundamental em todo esse processo de construção do eu por
identificação e diferenciação. O uso dialógico do pronome “eu” organiza a
apropriação lingüística e as relações temporais e espaciais expressas no discurso em
torno do sujeito, tomado como ponto de referência (Benveniste,1976). Isso possibilita
a estabilização e fortalecimento do sentido de si mesma pela criança, que pode usar a
linguagem tanto para se contrapor às pessoas como para imitar e recriar a fala delas
(Vasconcellos, 1996).
A narrativa é uma forma discursiva fundamental para a construção da
identidade tanto individual como coletiva. Permite a organização da experiência
numa sucessão de eventos em que se situam personagens, seus estados internos e
ações num cenário de circunstâncias físicas e sociais. Funciona como uma estrutura
aberta e maleável (Brockmeier & Harré, 2003) que possibilita conceber uma
realidade (e indivíduos) em contínua transformação e reconstrução. Inclui a
continuidade e a descontinuidade, os padrões e suas rupturas, mostra o surgimento de
novas ordens e configurações nos indivíduos e nas circunstâncias. Bruner (1987,
2000) diz que as histórias proporcionam uma espécie de mapa de mundos possíveis
164
nos quais são situados as ações e pensamentos dos indivíduos, e possibilitam, assim, a
construção de um self particular numa cultura particular.
Imersa num mundo de histórias reais e fictícias, a criança pequena escuta e
gradativamente produz narrativas nas suas brincadeiras e conversas (Dunn, 1988). Ao
mesmo tempo em que é adquirida e estruturada a partir de práticas e convenções
culturais compartilhadas, a narrativa é um instrumento especialmente rico para a
autodefinição, entre os três e seis anos de idade: fornece à criança meios de
identificação, de ação sobre o outro e de organização discursiva de várias dimensões
do eu. Proporciona a identificação com personagens (humanos ou não) dotados de
intenções e desejos, que interagem com outros personagens, com diferentes
características e objetivos, o que define um campo de confronto, negociação e
alianças. Além disso, a narrativa é em si mesma um instrumento de negociação
cultural que a criança vai aprendendo a utilizar cotidianamente para seduzir e
persuadir o interlocutor, ao tentar envolvê-lo nas histórias pessoais ou ficcionais que
conta (Perroni, 1982). Conforme Costa Silva (2000) e Guimarães (2000), perto dos
seis anos a criança começa a apresentar uma utilização plurifuncional da sua voz para
narrar, em que aparecem distintas vozes: a do autor (sujeito da experiência, que
comenta e reflete), a do narrador ou locutor (que relata o que se passou), e a dos
personagens (com a fala referida ou imitada). Este desdobramento de perspectivas só
é possível na narrativa, e simultaneamente reflete e possibilita uma integração
diferenciada da personalidade da criança.
A criança começa a produzir suas narrativas pessoais geralmente no contexto
da sua vida familiar, por imersão cotidiana nas interações narrativas que presencia,
com o auxílio direto ou indireto de adultos e pares às suas tentativas de contar algo
(McCabe, 1996; Nelson, 2000; Peterson, 1990; Shiro, 2003). Escuta histórias sobre
ações e intenções de pessoas, em lugares, épocas, e situações distintas, com
determinados resultados, e aprende a identificar a avaliação implícita ou explícita
sobre o que é contado (Ochs, 1993). Escuta também histórias recentes e remotas em
que ela mesma é personagem principal ou coadjuvante, em que seus atos, reações e
características são nomeados, julgados e comparados. Assim, a criança toma
consciência sobre sua existência e história pessoal, no contexto de padrões e
expectativas do seu grupo social. É no narrar compartilhado com as pessoas
significativas que a criança começa a construir suas narrativas autobiográficas. Ao
165
compartilhar suas histórias pessoais na escola, a criança se dá a conhecer: numa busca
de proximidade e aceitação, expõe discursivamente a parte da sua vida que ocorre em
um contexto com o qual sua personalidade ainda está misturada. Com isso, a criança
submete o que ela conta à compreensão e avaliação por pessoas externas à situação, o
que pode lhe fornecer novas maneiras e recursos para considerar e organizar a sua
experiência e o seu sentido de si mesma. As narrativas pessoais parecem ser mais
sofisticadas quando são relatadas experiências não-compartilhadas com interlocutor
adulto (McCabe, 1996). Nas narrativas pessoais as crianças podem progressivamente
introduzir seus próprios comentários e reflexões sobre a experiência contada
(Guimarães, 2000; Shiro, 2003). Se, entretanto, as narrativas pessoais da criança não
forem acolhidas na escola (Dickinson, 1991; Sperb & Smith, 2005), se não houver
compreensão do estilo narrativo que a criança já desenvolveu (Heath, s.d., Michaels,
2002), se ocorrer desvalorização ou rejeição dos temas e pontos de vista trazidos por
ela como referência, este processo pode ser dificultado. Ao invés de integrar e
ampliar seu sentido de identidade a partir do que já construiu, a criança tem de
restringi-lo, dividi-lo em identidades parciais, contraditórias e incompatíveis. Neste
sentido, Bruner (2000, p. 46) é enfático:
Um sistema de educação deve ajudar aqueles que estão crescendo em uma cultura a
encontrar uma identidade dentro dela mesma. Sem ela, eles tropeçam em seu esforço em
busca de significado. É apenas no modo narrativo que um indivíduo pode construir uma
identidade e encontrar um lugar em sua cultura. As escolas devem cultivá-lo, alimentá-lo
e parar de desconsiderá-lo.
4.1 Objetivo
O objetivo deste estudo foi investigar aspectos relacionados à construção do
eu psicológico nas histórias pessoais e ficcionais de crianças em torno dos seis anos
de idade, com a finalidade de compreender como esse processo ocorre narrativamente
na interação com o contexto escolar. Este procedimento pode contribuir para
aprofundar conceitos socioconstrutivistas sobre o desenvolvimento e as narrativas.
4.6 Resultados
Cada caso será apresentado separadamente, conforme as seguintes etapas:
1) Impressões gerais sobre a criança e sua relação com o contexto escolar;
2) Dados quantitativos relevantes sobre a produção de narrativas pela
criança, no Estudo 1 e Estudo 2;
170
3) Aspectos indicadores da construção do eu psicológico na narrativa.
Marilize: “Eu, sabe a minha cadela né, sabe a minha cadela que eu ganhei né, tava
numa caixa né...”
Professora: “Hu-hum.”
Marilize: “Tava lá perto do... da ‘famácia’, né, que tem perto da minha casa e peguei né
e daí tinha uns outros cachorrinhos, filhotinhos, bem pequenininhos, só que eu quis
172
pegar, aí eu chamei o meu pai e meu pai disse pra mim deixar lá pra eles cuidarem bem
por causa que os outros cuidam bem dele e ele tem uma casinha, um monte de casinha.”
Marilize: “E daí, daí eu sei que ela cuidou dos cachorrinho meu pai deixou, daí eu
chamei meu pai, né, minha mãe e daí eles quiseram ficar lá e eu não quis né. Daí eu
deixei um pouquinho em casa e daí ele foi. Quando eles cresceram um pouquinho né, eu
deixei no campo, daí quando eles cresceram um pouquinho em casa eu soltei eles. E daí
eu fiquei brincando com eles, daí eu dei pra minha amiga cuidar deles e daí eu queria
muito ficar com eles e a minha amiga só saía com eles no colo né e daí eu ia visitar os
cachorrinhos todos os dias e ele, e cada vez que eu ia eles tavam grandinho e cada vez
que eu ia eles tavam grande e viraram “rotivaili’ e eu não quis chegar perto e minha
amiga soltou todos os cachorro.”
Professora: “Mas esse Marilise com “s” não fui eu que escrevi!”
Professora: “Ela não tem que ficar braba, as professoras também se enganam! Mas
esse Marilise com “s” nem fui eu que escrevi!” (encerra)
Marilize fala à colega: “Sabia que eu vou tacar fogo no meu trabalho?”
Marilize: “É porque uma vez a gente foi visitar o meu irmão, sabe, um que é casado, ele
mora lá no morro, tem uma filha. Ele saiu de bicicleta com uma mochila preta nas
costas. Quando a gente chegou lá, disseram: ‘Não, ele não tá.’ A minha mãe não me
acreditou, eu disse que vi o meu irmão quando a gente tava dentro do ônibus, ela não
acreditou.”
Narrativa 4.5
Marilize (mostra a figura escolhida, um bassê brincando com um pedaço de pau): “Era
uma vez o Tobby. Ele, ele vivia na rua, e ele xeretava e só ficava pulando pra conseguir
um dono, aí até que ele conseguiu porque uma guriazinha foi lá, foi ver ele, daí a
guriazinha gostou, falou com o pai dela e o pai dela deixou ela ficar com o cachorrinho.
Daí ela foi lá pegou e deu uma casinha pra ele. E daí um dia...Daí um homem, que era
amigo do pai dela, aí o homem falou assim ó “me dá esse cachorrinho”. Daí o homem
veio falá com a guriazinha...E daí o pai dela... Daí o homem não deu água e nem
comida daí o cachorrinho ficou triste na casinha, ficou numa jaula, daí ele fugiu, daí
eles tavam no outro pátio, daí o portão abriu e ele fugiu pra casa de volta e depois ele
comeu água e comida e ficou cansado e dormiu. Daí até que ele morreu por causa que
o cara aquele tinha dado um pro pai dela, matou o cachorrinho e daí ele morreu e daí
todo mundo queria pegar outro cachorro.”
Marilize: “É que ele tinha fugido e daí ele não gostou muito.”
V: “Uh-hum.”
177
Em histórias ficcionais é mais comum a utilização exclusiva da voz de
narrador e de personagem, já que a partir do “Era uma vez” a narrativa estabelece seu
próprio quadro de referências internas e a voz de autor não aparece. É o que acontece
nesta história, em que a voz de narrador é usada predominantemente, ao contar em
tempo passado ações (xeretava e pulava, deu uma casinha, fugiu, comeu, dormiu,
morreu) ou omissões (não deu água nem comida) e estados internos (sentimentos e
intenções) dos personagens, e ao fornecer informações referenciais (vivia na rua, que
era amigo do pai dela). A voz de personagem aparece de forma indireta e referida
(“falou com o pai dela e o pai dela deixou ela ficar com o cachorrinho”, “veio falá
com a guriazinha”) e também direta e claramente introduzida (“o homem falou assim
ó ‘me dá esse cachorrinho’”), marcando o tom imperativo do personagem.
As duas narrativas apresentadas caracterizam-se pela sofisticação da sua
construção, ao incluir elementos referenciais que situam o interlocutor, ao estabelecer
relações entre personagens e explicitar ações e estados internos destes. Estes são
indicadores claros de uma personalidade que se organiza e integra narrativamente,
capaz de relatar e avaliar sua experiência e de criar mundos possíveis, em que pode
expressar situações dramáticas que fazem parte da sua vida real e imaginária.
Narrativa 4.8 A partir do relato de uma colega sobre a morte por atropelamento de um
cachorrinho, Carina conta:
Carina: “Sora! A minha teve quatro cachorrinhos né? Tinha três cachorrinhas e um
cachorrinho né. Aí como eu moro em apartamento eu só posso ter um ou dois. Aí eu tive
que dar a Mina e o Pitt. O Pitt ele ficou bem só que daí teve um dia que o outro
cachorrinho né, ele pegou, saiu e morreu atropelado.”
Professora: “Que pena. Tá.” (passa a palavra à menina que falava antes).
Narrativa 4.3 Carina (muito séria, mostra a foto de dois filhotes de cocker): “A minha
história é da Mina e da Nina.” Carina abriu o “livro” para seguir contando, como se
estivesse “vendo” nele a sua história.
Carina: “Não guri! Era uma vez duas cachorrinhas...ãh... que estavam...que estavam
brincando no pátio de seus donos. Daí...”
Carlos levanta.
Carina: “Os donos deles sempre deixavam eles dormirem dentro da casa. Só que no dia
seguinte elas fizeram... O gato do dono fez muita bagunça e o dono pensou que foi as
cachorras. Ele botou elas pra fora e ele fez então uma casinha de cachorro pra elas.
Duas: uma pra Mima, (corrige-se) uma pra Mina e outra pra Nina. E um dia choveu
muito...”
Professora: “E aí Carina? Talita, fica quietinha pra ouvir a história da amiga! (Ta está
se mexendo na cadeira).”
Carina: “Aí começou a chover muito forte. Aí elas pensavam que não precisava chover
muito e então saíram. Assim, no outro dia seguinte, o dono foi sair para levar o seu filho
para a escola e daí as cachorras, elas queriam porque queriam ir junto, mas o dono não
deixava, assim elas desobedeceram e aí o seu dono, ele deixou o portão aberto e aí as
cachorras fugiram e tanto elas andaram e andaram que acabaram se perdendo no mato.
Elas sentiram muito medo, mas no outro dia aconteceu um final muito feliz por causa
que a dona e a filha encontraram as cachorras!”
Narrativa 5.1 Carina: “É a história da Mina e da Nina. Era uma vez... Duas
cachorrinhas muito bonitinhas. Elas gostavam muito de morar com o dono delas, num
apartamento, ele dava pra elas ração e muito carinho. Um dia o dono saiu pra comprar
ração e não viu que deixou a porta do apartamento aberta. As duas, que eram muito
safadinhas, saíram. O porteiro do prédio não viu também elas passando e elas
acabaram saindo do prédio, e foram pruma floresta bem grande. Não conseguiram
voltar pra casa, se perderam. Até que um dia a Gabriela saiu com a sua mãe Juliana, e
foram fazer um piquenique, e sentaram perto de uma árvore. De repente ouviram um
latido. E então ela achou os cachorrinhos e ficou muito alegre: ‘Mamãe, olha aqui a
Mina e a Nina! Eu não sei como...!’ Então elas pegaram a guia e colocaram nas duas,
depois em casa os outros viram e acharam que era mesmo a Mina e a Nina. Aí eles
viveram feliiizes para sempre.”
Luciane: “O quê?”
Luciane: “Sexta-feira?”
Carina levanta o dedo: “Ontem eu tava falando com a minha tia. Daí...”
Carina: “É.”
Carina: “Aí eu tava ??? Tava conversando com a minha prima. Aí veio a minha amiga
e nem sabia do que a gente tava falando...Ah, a minha prima veio aqui e ela assim.”
Carina levanta-se e se abaixa num pulo como quem escuta uma conversa: ‘Quê?’”
4.7 Discussão
Carina e Marilize vivenciam a descontinuidade do processo de transição entre
etapas do desenvolvimento (da personalista para a categorial) e entre contextos de
vida (do contexto familiar e comunitário para a escola e um mundo mais amplo de
relações e informações), o que coloca a elas novas possibilidades e exigências.
Decorre daí a necessidade de que ampliem e reorganizem seus recursos de
identificação e negociação com as pessoas e de compreensão das coisas. Para isso,
precisam fortalecer, integrar e estabilizar o sentido de si mesmas.
As duas meninas pertencem a distintos contextos e configurações familiares, e
estão inseridas em comunidades com diferentes práticas e valores. Marilize é a caçula
de uma família numerosa, que se sustenta em uma situação econômica provavelmente
185
instável. Moradora de uma vila, movimenta-se com familiaridade num raio próximo à
sua casa, atenta a tudo o que se passa em volta e acostumada possivelmente a
conversar e fazer pequenos favores às pessoas conhecidas. Ela obtém desta forma
alianças e reconhecimento que constituem e fortalecem seu sentido de si como
indivíduo. Alianças extrafamiliares são importantes para ela, pois a consciência
crítica que revela sobre as insuficiências da mãe (no controle, nas demonstrações de
afeto) cria a necessidade de buscar este apoio em outras pessoas. O reconhecimento
dos outros é também importante, tanto para diferenciar-se da mãe (cujo nome
carrega) como da irmã um pouco mais velha que ela. Sua posição familiar de caçula
possivelmente contribui para seu modo espontâneo e competitivo de buscar
reconhecimento na escola. No processo de individuação predominam a auto-
afirmação e oposição, e ela não consegue estabelecer uma relação de cumplicidade
com os pares. Sua fala espontânea chamou logo a atenção da professora (“uma
tagarela”), que passou progressivamente a estimulá-la menos, ignorá-la no seu
conteúdo e a interromper seu fluxo. Talvez por isso Marilize tenha sido quem mais
aproveitou a disponibilidade das pesquisadoras durante o período de observação, já
que estava sempre por perto a contar algo sobre sua vida e chegava a “roubar a cena”
quando outra criança narrava. Foi ela quem melhor compreendeu que a pesquisa
preocupava-se com a produção e escuta de narrativas, quando solicitou à
pesquisadora que recontasse à professora uma história pessoal engraçada que ela
contara algumas horas antes. Utilizou assim a pesquisadora como mediadora para
levar senso de humor à sua relação tensa com a professora.
Carina, por sua vez, é proveniente de um contexto familiar mais restrito e
privativo. O salário do pai, embora provavelmente baixo, garante uma renda fixa e a
mãe dedica-se às tarefas de casa e à educação de Carina. O comportamento e as
relações da menina parecem ser bem acompanhados e monitorados pela mãe, que
trazia Carina diariamente até a porta da sala de aula. Talvez houvesse reservas quanto
à filha freqüentar uma escola pública e conviver com crianças de vila, o que pode
justificar o excesso de faltas, a desmotivação da menina em participar das atividades
e em fazer novas amizades, no primeiro semestre. Foi na aliança com Luciane e na
identificação com o modelo de socialização escolar valorizado pela professora que
Carina encontrou mais segurança para participar e expressar-se. Mostrar-se uma
menina exemplar e madura era a sua forma de auto-afirmação na escola, assim como
186
era provavelmente em casa. Ela usou as sessões de intervenção para mostrar e
desenvolver uma habilidade narrativa que parecia não ter sido ainda oportunizada no
contexto escolar. Embora inicialmente resistisse à imprevisibilidade de uma narrativa
coletiva e ficasse mais “presa” à ordem e fidelidade da história ao livro, ela logo
entrou na ludicidade e improvisação da proposta. As histórias que inventou
funcionaram como um laboratório, onde ela experimentou a possibilidade da
desobediência e exploração do desconhecido, para além de um ambiente doméstico e
protegido. Paralelamente, suas narrativas pessoais tornaram-se mais expressivas,
espontaneamente dramatizadas, extensas e detalhadas. Desenvolver a narrativa em
seus aspectos imaginativos e performáticos parece ter dado a ela um meio de
expandir seu mundo e sua identidade para além dos limites da sua situação de vida, e
dos papéis sérios e exemplares que ela tende a assumir.
Pode-se concluir que nos dois casos estudados as narrativas serviram como
meio para expressar e organizar aspectos ligados à construção do eu psicológico no
contexto escolar, tanto no âmbito da experiência pessoal como no fictício. Entretanto,
Carina parece ter encontrado uma maneira mais “escolarizável” de fazer isso, dentro
da ordem de uma tarefa compartilhada. Marilize sentiu-se à vontade para fazê-lo
informalmente, mas sua conduta exuberante e auto-afirmativa teve o efeito de reduzir
a disponibilidade da professora e dos pares para escutar o que ela contava. Com isso a
insatisfação da menina aumentava, e ela passava a se expressar mais pela turbulência
da conduta do que pela linguagem oral. Compreender este processo que tantas vezes
culmina em transtornos de conduta e de aprendizagem é fundamental, para que se
possa reconhecer a importância da narrativa na construção da identidade, que é a base
de qualquer relação significativa da criança com sua escolarização.
CAPÍTULO V
CONSIDERAÇÕES FINAIS
198
ANEXO B
199
As observações serão registradas por escrito pelas pesquisadoras, e também
através de gravação em áudio e vídeo, cumprindo uma etapa inicial de familiarização
com o equipamento para que a situação de filmagem seja melhor assimilada pelas
crianças e educadores. Os dados obtidos serão mantidos em sigilo e utilizados apenas
para fins de pesquisa. As fitas gravadas serão mantidas na universidade, após o
término da pesquisa. Os participantes não serão identificados, sendo mantido o
caráter confidencial das informações registradas.
Os pesquisadores responsáveis por este projeto de pesquisa são a Prof. Dra.
Tânia Mara Sperb, do programa de pós-graduação em Psicologia do
Desenvolvimento da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e a doutoranda
Vivian Hamann Smith.
Pelo presente consentimento, declaro que fui informado de forma clara e
detalhada dos objetivos e justificativa do presente projeto de pesquisa.
Autorizamos a realização desta pesquisa em escola da rede municipal de
ensino.
________________________________
Supervisor de Educação
________________________________ ________________________
Professora Orientadora Pesquisadora
200
ANEXO C
201
As observações serão registradas por escrito pelas pesquisadoras, e também
em gravações em áudio e vídeo, cumprindo uma etapa inicial de familiarização com o
equipamento para que a situação de filmagem seja bem assimilada pelas crianças e
educadores. Os dados obtidos serão mantidos em sigilo e utilizados apenas para fins
de pesquisa. As fitas gravadas serão mantidas na universidade após o término da
pesquisa. Os participantes não serão identificados, sendo mantido o caráter
confidencial das informações registradas.
Os pesquisadores responsáveis por este projeto de pesquisa são a Prof. Dra.
Tânia Mara Sperb, do programa de pós-graduação em Psicologia do
Desenvolvimento da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e a doutoranda
Vivian Hamann Smith.
Pelo presente consentimento, declaro que fui informado de forma clara e
detalhada dos objetivos e justificativa do presente projeto de pesquisa.
Autorizamos a realização desta pesquisa na nossa escola.
________________________________
Direção da Escola
________________________________ ________________________
Professora Orientadora Pesquisadora
202
ANEXO D
203
As observações serão registradas por escrito pelas pesquisadoras, e também
através de gravações em áudio e vídeo, cumprindo uma etapa inicial de familiarização
com o equipamento para que a situação de filmagem seja melhor assimilada pelas
crianças e educadores. Os dados obtidos serão mantidos em sigilo e utilizados apenas
para fins de pesquisa. As fitas gravadas serão mantidas na universidade após o
término da pesquisa. Os participantes não serão identificados, sendo mantido o
caráter confidencial das informações registradas.
Os pesquisadores responsáveis por este projeto de pesquisa são a Prof. Dra.
Tânia Mara Sperb, do programa de pós-graduação em Psicologia do
Desenvolvimento da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e a doutoranda
Vivian Hamann Smith.
Pelo presente consentimento, declaro que fui informada de forma clara e
detalhada dos objetivos e justificativa do presente projeto de pesquisa.
Autorizo a realização desta pesquisa na minha turma de Jardim B.
________________________________
Professora Titular
________________________________ ________________________
Professora Orientadora Pesquisadora
204
ANEXO E
______________________________________________
Pai ou responsável – Turma A-11- Escola ...
205
ANEXO F
Após algumas propostas que não “vingaram”, Dina inicia uma brincadeira
dirigindo-se a Marilize: Vamos colocar nosso casaco, irmã, para ir no shopping. Vou
pegar a minha bolsa que hoje eu tenho um compromisso. As duas vão para um canto
da sala. Depois se dirigem à pesquisadora A. que está sentada em uma mesinha,
colocando sobre esta muitos brinquedos relativos a cozinha (panelinha, xícara,
pratinho, bandeja, etc).
M. entrega a A. uma bolsinha com cartões (peças de um jogo), pedindo a ela: Cuida
do meu dinheiro. Então pega o papel e a caneta que A. havia deixado em cima da
mesa e pergunta: O que você vai querer?.
A.: O que vocês tem?
M.: Hambúrguer, batatinha, e isso, e isso (apontando para um brinquedo que tem um
206
Em seguida, D. vem com um brinquedo do “Show do Milhão” e diz a A.: Tu ganhou
mil reais na tele-sena. Agora não precisa mais do dinheiro”.(pegando os cartões sob
protesto de M.). Enquanto isso, J. serve a A.suco, bolo de uva, Miojo, que ela finge
comer. Brincam por algum tempo, mas já está na hora de irem para o refeitório,
então P. pede que arrumem a sala.
Análise da narrativa
Conteúdo: ficcional, externo, não-imediato
Tema: Exercício de papéis adultos - trabalho envolvendo atendimento ao público e
venda de alimentos, e depois corte de cabelo.Ligado à cultura mais ampla (serviços,
dinheiro)
Proposições: 11 (“Vamos colocar nosso casaco, irmã, para ir no shopping” + “Vou
pegar a minha bolsa que hoje eu tenho um compromisso”.+ Cuida do meu dinheiro”+
“O que você vai querer?”.?+ “Hambúrguer, batatinha, e isso, e isso ,bolo de chocolate
e merengue”+ “Dois reais”+”Não precisa pagar” +“Tu quer cortar o cabelo?+ “Ele
está roubando meu dinheiro!”+ “Tu ganhou mil reais na tele-sena + Agora não
precisa mais do dinheiro”)
Elementos estruturais
-Introdução: Vamos colocar nosso casaco, irmã, para ir no shopping. (Define papéis
e espaço)
-Orientação: Social (garçonetes, cliente, cabeleireira); Temporal (Agora);
Espacial(dois contextos, no mesmo espaço: lanchonete e salão de beleza); Apoio
(comida e artefatos de comer, dinheiro,representados por objetos disponíveis);
-Complicação: M. dá o seu dinheiro para que A.o guarde e pague o que come, mas
não abre mão da propriedade do dinheiro. D.diz a A. que não precisa pagar. Joel vem
“roubar o dinheiro”.(Propriedade dos recursos. Consumidora X Trabalhadora DarX
Vender; Roubo; Divergência no encaminhamento da brincadeira).
-Resolução: D., que não deseja que A.pague, fornece a ela um dinheiro ganho
repentinamente, levando dali o dinheiro de M. Acréscimo de elementos de apoio por
uma das meninas. (Pela sorte - loteria)
Análise do contexto e do interlocutor
O início da brincadeira foi desencadeado pela observação da pesquisadora A.e talvez
pela proposta de “Ir ao shopping” de uma das meninas. M. então inicialmente
preocupou-se em ter seu próprio dinheiro, dando-o à pesquisadora para que o
207
guardasse. Feito isso, mudou seu papel para o de atendente, que queria receber
dinheiro pelo serviço. A. guardou o dinheiro e entrou no papel de cliente, fazendo o
pedido entre o que era ofertado e depois perguntando o preço.
Sua função é lúdica, tendo como participantes três meninas e um menino que pega os
cartões que representam dinheiro, sendo acusado de roubo. A interlocutora da
situação narrativa construída pelas três meninas é a pesquisadora A., que assume os
papéis solicitados de guardadora do dinheiro, cliente de lanchonete e de salão de
beleza.
Elementos estruturais
211
-Orientação: Social ( eu, meu vô, cavalo); Espacial (lá prá minha vó);
-Complicação: meu vô morreu e me deixou um cavalo. Aquisição inusitada para sua
idade.(Aquisição)
-Resolução: vou lá prá minha vó (ver, apropriar-se do cavalo).Pela criança, por ação
futura.
Análise do contexto e participação do interlocutor
Narrativa diádica (entre pares) com ouvintes, e individual.
Desencadeada por uma provocação da colega, a narrativa, em dois turnos
conversacionais, teve a função de justificar a mudança na rotina do menino. Tendo
colegas como interlocutores, a participação da colega D. foi avaliativa, enfatizando o
inusitado do que o colega conta.
212
M. constata, contrariada: Só porque eu falei a C. qué a massinha! Diz a J.: Eu vi um
monte igual a tua lá no Centro.
Análise da narrativa
Conteúdo: pessoal, externo e não imediato
Tema: experiência pessoal envolvendo compra de brinquedo (Auto-afirmação pela
aquisição de algo valorizado)
Proposições: 9 (Ô J., sabia que eu comprei uma massinha igual a tua?+ só que a
minha é geléca+ ela gruda na roupa+ Sabia que eu fiquei um tempão ontem no
Centro+ pra comprar a minha geléca+ Sábado que vem eu vou trazer a minha geléca
pra gente brincar!+ Só porque eu falei +a C. qué a massinha+ Eu vi um monte igual a
tua lá no Centro)
Elementos estruturais
-Introdução: Ô, J., sabia que...(Dar a conhecer)
-Orientação: Social ( eu ); Espacial(no Centro); Temporal (ontem,um tempão,
-Complicação: é implícita e anterior à situação narrada: ela não tinha a massinha que
a colega possuía. Impedimento de fazer (ter) o desejado X necessidade de ter
(Necessidade pessoal dificultada pelas circunstâncias)
-Resolução: ficou um tempão no centro, comprou a massinha, faz planos de trazê-la
na escola e ainda viu muitas iguais à da colega, o que retira desta o status de
exclusividade na posse de uma novidade (Por ação prática da menina).
Análise do contexto e participação do interlocutor
Narrativa poliádica (entre pares), individual.
Desencadeada pela chegada da colega, a narrativa se deu em seis turnos
conversacionais (No que se refere à conversa de M. respondida pelas colegas,já que
em certo ponto ela fica se dirigindo às outras, que entretanto não lhe respondem e
conversam entre si). Teve a função competitiva de relatar uma aquisição valorizada
pelas colegas. Teve algumas colegas e a pesquisadora A.como interlocutoras. J. a
interrompeu logo, diferenciando a sua massinha, em atitude defensiva, sem escutar o
que M. diria. N. apoiou a narrativa, acrescentando uma característica da massinha
(“É mole”) e depois que M. concordou, assinalando que “gruda na roupa”, disse que
sabe pois também tinha uma, o que retira a importância do que está sendo relatado,
213
parece uma conclusão a um tema já esgotado. Quando M. retoma a demora para
comprar a massinha, é só a pesquisadora que dá atenção (“Que legal!”), parece que de
forma meio distraída. N. traz outro assunto (dentista), apoiado pela colega J. (“É, tem
uma cadeira que reclina”). M. se opõe a essa aliança: “Não reclina, não”, ao que elas
respondem: “Reclina, sim.” Quando M. quer dar continuidade ao assunto da
massinha (“Sábado vou trazer pra gente brincar”), C. pergunta pela massinha de J., ao
que M. reage (“Só porque eu falei a c. quer a massinha”) e acrescenta, desvalorizando
a massinha de J. (“Eu vi um monte igual à tua lá no Centro”). Há uma clara oposição
e competição de M. em relação à J., o que provoca a aliança de J., N. e por fim de C.,
para fazer frente a M.
214
Análise da narrativa
Conteúdo: Nas três é pessoal, externo e não imediato
Tema:a) Experiência de destaque – ser filmada (Auto-definição e auto-afirmação);
b)saúde pessoal (Serviços de saúde);
c)saúde pessoal (Serviços de saúde);
Proposições: a) 8 (Já fui filmada uma vez com a minha irmã+tinha uma coisa lá na
escola da minha irmã+eu fui filmada junto com ela e com o meu irmão+eu tenho uma
fita,+ é para colocar na televisão+mas não dá pra ver,+ é da minha irmã+que nem o
cd que ela tem das Rouge);
b) 8 (Tô com dor de garganta e de ouvido + Eu fui lá no postinho ontem +e
ganhei um monte de remédio+ Adiantou, sim,+ mas deu de novo. +Ele coloca a
luzinha prá ver o ouvido + Coloca um algodão+ Na cama, né?)
c) 5(Ontem eu nem vim à aula,+ sabe por que?+ Porque eu tava com dor de
ouvido+ Eu fui no postinho ganhar remédio + É, tive que dormir a noite toda com
algodão no ouvido)
Elementos estruturais
a) -Resumo: Já fui filmada uma vez com minha irmã.
-Orientação: Social (eu, minha irmã, meu irmão); Espacial( escola da minha
irmã);Apoio (fita, televisão, cd)
-Complicação: não pode ver a fita. (Necessidade pessoal dificultada pelo outro)
-Avaliação: é propriedade da irmã, como o cd (comparação) Cognitiva: assinala
padrão – formula regra.
-Resolução: Resigna-se à regra (não dá pra ver, é da minha irmã).Pela própria
criança, através de ação afetiva e cognitiva sobre si mesma(aceitação e compreensão
de regra)
b)-Orientação: Social (eu, ele); Espacial (lá no postinho, na cama); Temporal
(ontem); Apoio (luzinha, algodão).
-Complicação: Tô com dor de garganta e de ouvido. (Problema de saúde próprio)
-Resolução: ganhei um monte de remédio(tomou), dormi com algodão no ouvido,
adiantou. Pela criança, seguindo orientação de personagens adultos (mãe, médico) e
com elementos de apoio (remédio).
- Complicação: deu de novo. (Problema de saúde próprio)
-Avaliação: Intensifica (Um monte de remédio).
215
c)-Introdução(mudando de interlocutora)Ontem eu nem vim, sabe por quê?(Dar a
conhecer)
-Orientação: Social (Eu); Temporal(ontem); Espacial (no postinho).
-Complicação: tava com dor de ouvido.( Problema de saúde próprio).
-Resolução: fui no postinho ganhar remédio, tive que dormir a noite toda com
algodão no ouvido. (Pela criança, seguindo orientação de personagens adultos, e com
elementos de apoio = algodão, remédio).
Análise do contexto e participação do interlocutor
a) Narrativa diádica (com professora) com ouvintes, individual.Desencadeada pela
visão da pesquisadora preparando-se para filmar, a narrativa, em dois turnos
conversacionais, teve uma função comunicativa, de compartilhar experiência pessoal
relacionada com o assunto. A participação da professora consistiu em repetir o que
M. disse, estimulando a narrativa.
b) Narrativa diádica (com colega) com ouvintes, individual. Desencadeada pela
pergunta da colega, que notou que sua voz estava diferente, esta narrativa tem 3
turnos, tendo a colega como interlocutora. A colega, além de desencadear a narrativa,
participa com um comentário sobre o resultado (nem adiantou), e com sugestão de
elemento de apoio à narrativa (coloca uma gotinha, né?)
c) Narrativa diádica (com professora e pesquisadora). A narrativa ocorreu em dois
turnos, endereçada à pesquisadora, mas a professora estava próxima e participa
perguntando sobre a ação da menina para resolução do problema (Tomou remédio?).
Análise da narrativa
Conteúdo: pessoal, externo, não-imediato.
217
Tema: perda familiar (morte) e a própria reação emocional;
Proposições: 8 (a mãe do meu pai morreu+ mas eu não chorei+ eu tava lá +e chegou
meu pai+ eu queria contar prá ele que a mãe dele tinha morrido+mas ele já sabia+aí
eu saí correndo +prá chorar lá em casa)
Elementos estruturais:
-Orientações: Sociais (mãe do meu pai, eu, meu pai); Espacial (lá; lá em casa).
-Complicação: não chorou, queria contar ao pai que a sua mãe tinha morrido; desejo
de dar a notícia ao pai X ele já tinha conhecimento do ocorrido. (Necessidade pessoal
dificultada pelas circunstâncias).
- Resolução: Ela foi chorar sozinha.- pela própria criança, através de ação expressiva
da emoção.
-Avaliação: Comparação: a colega chorou, ela não. Expressão emocional vista como
fraqueza que não deve ser exposta em público.
Análise do contexto e participação do interlocutor
Narrativa diádica (com pesquisadora) com ouvinte.Desencadeada pelo tema da
narrativa da colega, teve função comunicativa, de compartilhar uma experiência
pessoal semelhante à relatada, mas também competitiva, já que a menina queria
mostrar-se mais forte do que a outra para a perda. Num total de 3 turnos
conversacionais, teve como interlocutoras a pesquisadora e a colega. Quanto à
participação das interlocutoras, a pesquisadora estimula o relato da situação, com a
pergunta "como foi isso?", solicitando informação sobre seu estado subjetivo na
ocasião narrada e situando melhor sua reação emocional. A colega apenas escuta e
continua abalada pelas lembranças relatadas.
1.1.1.6b) (Continuação)
Janaína não responde à pergunta e comentário de Marilize (Tá chorando? Também!
não devia ter contado!)
V. (Para Ja.): Tu parece que ficou bem chateada, devia gostar muito dele...
Ja. (retoma, baixinho): Ele fazia um monte de brincadeiras, ia lá em casa. Ele era o
único que gostava de mim. Era o único tio que ia lá em casa. Os outros não vão,
então não gostam, porque não vão... Ele brincava com a gente de escola.
Depois de uma pausa: A minha vó bisa também morreu.
V. balança a cabeça afirmativamente, em sinal de compreensão.
Depois a professora chama para a Rodinha, percebe que Janaína está triste e pergunta
218
o que tem. Marilize revela: “É que ela contou uma coisa”, e Janaína conta que o tio e
a irmã pequena morreram, sem dar mais detalhes. Conta novamente à pesquisadora
A. no percurso da sala para a biblioteca: “Eu vou te contar a minha história. A minha
vó bisa, o meu tio e a minha irmã morreram.”
Análise das narrativas
Conteúdo: em ambas é pessoal, externo, não-imediato.
Tema: Ambas abordam experiência pessoal e familiar envolvendo relações e perdas
familiares por morte (Ligada à constelação familiar – morte);
1.1.1.6a) Proposições: 6 (eu tinha uma irmã, a Jo. + ela era assim pequeninha+ a Jé.
também era pequeninha+ quando uma vomitava a outra também+quando uma
chorava a outra também+a Jô. morreu)
1.1.1.6b) Proposições: 15 (Meu dindo ia lá em casa+Ele fazia um monte de
brincadeiras+ele brincava com a gente de escola+era o único que gostava de mim+
era o único tio que ia lá em casa+os outros não vão+então não gostam+porque não
vão(lá em casa)meu dindo tava com muita dor de barriga+daí ele foi pro hospital+daí
ele fingiu que desmaiou+ e (ele)morreu+eu não pude ir no enterro dele+eu cheguei
no final+e comecei a gritar)
Elementos estruturais
-Orientações: Sociais (Narrativa a: eu, irmã Jo, Jé; Narrativa b:Dindo,a gente, eu,
outros tios); Temporal: (Narrativa a: quando uma...a outra...; Narrativa b: no
final);Espacial (Narrativa b: no Hospital); Situação comportamental (Narrativa b:
único tio que ia visitar, brincava, gostava delas)
-Complicação: Narrativa a: não aparece; na narrativa b, o tio tem forte dor de barriga
e vai para o hospital (doença de outro- familiar)
- Resultado: Narrativa a: a irmã morreu; Narrativa b: o dindo morreu; a vó bisa
também morreu. (Pelo desenrolar das circunstâncias, sem intervenção eficaz).
-Resolução: aparece somente mais tarde, quando conta sobre a morte do tio e da irmã
na rodinha, escutando uma história do passarinho e começando a cantar, e relatando
depois à A. a "sua história" (de suas perdas familiares), de forma mais objetiva.
-Avaliação: a gravidade das situações relatadas é mostrada pelo falar baixinho da
menina, pelo abalo emocional(Expressiva e afetiva), nas duas narrativas. Qualifica
(pequenininha); Intensifica (fazia um monte de brincadeiras, o único que gostava de
mim, muita dor de barriga); Compara (o único que gostava de mim, que ia lá em
219
casa, os outros não gostam, porque não vão).
Análise do contexto e da participação dos interlocutores
Ambas são diádicas (com a pesquisadora), a partir de certo momento com ouvinte
(Marilize, que procura participar, mas Janaína não se dirige a ela, não responde aos
seus comentários) e individuais. As narrativas tiveram como desencadeante um jogo
espontâneo com nomes, entre a menina e a pesquisadora, sua função foi
comunicativa, no sentido de compartilhar experiências pessoais. Houve um total de 6
turnos conversacionais. As interlocutoras foram a pesquisadora, e num segundo
momento também uma colega. Quanto à Participação das interlocutoras, na
Narrativa a, a pesquisadora estimula a referência aos nomes das irmãs
(desencadeante), a nomeação da situação das irmãs (Gêmeas); na Narrativa b,
participa solicitando informações sobre orientação temporal (Quando foi?) e espacial
(onde começou a gritar?), e na continuação da Narrativa b, com referência à
subjetividade da menina, seus sentimentos, e com a escuta. A colega M. "estranha" a
causa da morte referida, participando da Narrativa b com uma avaliação da situação,
depois chama atenção sobre o estado subjetivo da narradora, e o atribui à narração,
"repreendendo-a".
O tema abordado é tão forte que é retomado outras duas vezes. Numa delas de forma
forçada pela pergunta da professora e resposta geradora de suspense de Marilize,
durante a Rodinha. Na outra Janaína traz um relato resumido das suas mortes
familiares à pesquisadora A., enumerando as pessoas perdidas por ordem decrescente
de idade. Mostra mais leveza e objetividade para falar no assunto.
Marilize conta à pesquisadora V.: Sabe, a minha mãe me disse que eu tenho olho de
vidro.
M.: É porque uma vez a gente foi visitar o meu irmão, sabe, um que é casado, ele
mora lá no morro, tem uma filha. Ele saiu de bicicleta com uma mochila preta nas
costas. Quando a gente chegou lá, disseram: ‘Não, ele não tá.’ A minha mãe não me
acreditou, eu disse que vi o meu irmão quando a gente tava dentro do ônibus, ela não
acreditou.
V. e M. estavam indo para a mesa, N. com V. pela mão, puxando-a, com um jogo na
225
Análise da narrativa
Conteúdo: pessoal, externo, não-imediato.
Tema: Auto-definição de qualidade pessoal (observadora= “olho de vidro”)por
reconhecimento do outro.
Proposições: 10 (Sabe, a minha mãe me disse que eu tenho olho de vidro + uma vez a
gente foi visitar o meu irmão + um que é casado,+ ele mora lá no morro,+ tem uma
filha + Ele saiu de bicicleta com uma mochila preta nas costas + eu disse que vi o
meu irmão quando a gente tava dentro do ônibus + ela (mãe) não acreditou + Quando
a gente chegou lá, disseram: ‘Não, ele não tá.’)
Elementos estruturais:
-Introdução: Sabe, uma vez.
-Resumo: “A minha mãe me disse que eu tenho ‘olho de vidro’(Olho vivo, pelo
sentido)”.
-Orientações: Sociais (eu, mãe, irmão); Temporal (uma vez) ; Espacial (no morro,
dentro do ônibus, lá) ; Situação comportamental (de bicicleta, com mochila preta
nas costas).
-Complicação: A mãe não acreditou que M. tinha visto o irmão (foi subestimada em
sua percepção)
-Resultado: Perderam a viagem, pois ele não estava em casa. Mas parece que a mãe
reconheceu a capacidade de observação da menina (“Olho de vidro”, segundo ela), o
que parece que deixou M. orgulhosa de si mesma.
-Avaliação: Presente na avaliação da mãe de que é observadora, já trazida no resumo
e que pode ser entendida também como resultado.
Análise do contexto e participação dos interlocutores
Narrativa diádica (com pesquisadora) e individual, não teve desencadeante
observado. Sua função é comunicativa, compartilhando uma experiência pessoal.
Com 2 turnos conversacionais, a narrativa de M. teve a pesquisadora como
interlocutora, que estimulou a narrativa com pergunta dirigida à complicação, como
justificativa da afirmação insólita da menina (tenho olho de vidro). Depois que foram
interrompidas pela colega que puxou a pesquisadora pela mão, V. retoma a conclusão
da história, o reconhecimento da capacidade de observação da menina (“Então tu
tinha razão, ele tinha mesmo saído de bicicleta.”)
226
1.1.1.11.(Observação XVIII, 16/07/2004)
A partir da conversa das colegas sobre coisas que sabem cozinhar, M. conta à
pesquisadora V.: Eu vou contar uma coisa pra ti. Chega perto e cochicha no ouvido
de V.: Eu tava fazendo um bolo com a minha mãe, e aí, tem aquela coisa na batedeira
que gira, sabe? O meu cabelo enrolou ali...
V.: Enrolou nas pás da batedeira???
M.: “É! E aí elas foram pra minha cabeça e ficaram girando girando, e depois caiu
Ela riu.
V. conta: “A M. tinha me contado antes que um dia tava ajudando a mãe a fazer um
bolo e o cabelo dela enrolou nas pás da batedeira, que ficaram girando na cabeça
dela. Depois caíram no chão. Não foi assim?” V. olha para a menina, pedindo
P.: “Báaa!”
Análise da narrativa
Conteúdo: pessoal, externo, não- imediato
227
Tema: Falha pessoal (auto-definição)
Proposições: Primeiro contexto: 7 (Eu vou contar uma coisa pra ti+ Eu tava
fazendo um bolo com a minha mãe+ tem aquela coisa na batedeira que gira, sabe?+
O meu cabelo enrolou ali + aí elas foram pra minha cabeça + ficaram girando
girando + depois caiu no chão, bem no meu pé). Segundo contexto(só a fala de M.):
Elementos estruturais
-Introdução: Eu vou contar uma coisa prá ti (Direta).
-Orientações: Sociais (eu, mãe); Espaciais(ali, no chão); Temporais (depois) ; Apoio
(batedeira, bolo, cabelo, cabeça, pé);Situação comportamental (fazendo bolo com a
mãe).
-Complicação: cabelo enrolou nas pás da batedeira (Acidente, falha pessoal).
-Resultado: Bateram na cabeça e no pé da menina, caindo no chão(Possível ferimento
ou sujeira).
Análise do contexto e participação do interlocutor
Narrativa diádica com pesquisadora, depois retomada pela menina no contexto de
uma tríade.Tendo como desencadeante a conversa das colegas sobre coisas que
sabem cozinhar, a narrativa tem função comunicativa, de compartilhar experiência
pessoal; se dá em três turnos, tendo como interlocutora a pesquisadora V., que a
ajuda a nomear o referente (pás da batedeira), sintetizando o que ela conta de forma
surpresa (“Enrolou nas pás da batedeira?”) e fazendo a mesma coisa após (“Elas
ficaram girando na tua cabeça?”). Por fim, a pesquisadora propõe um resultado
fictício cômico: Saiu um “bolo de M.”. A menina riu, e deve ter se impressionado
com o caráter lúdico da conversa, pois quis mais tarde que a pesquisadora relatasse a
história à professora. Utilizou assim a pesquisadora como mediadora entre sua
história engraçada e a professora (com quem tem uma relação muitas vezes tensa), e
desafiou a pesquisadora a contar a sua história, observando a fidelidade do relato. É
uma espécie de inversão de papéis, uma vez que a pesquisadora está ali observando
as narrativas que as crianças contam. A professora reage mostrando-se curiosa e
depois fazendo uma exclamação de espanto.
228
1.1.2.Narrativas incompletas
1.1.2.1.(Observação III,4/5/2004)
Na sala, jogando memória com os dois colegas presentes neste dia (a professora
havia saído da mesa e V. estava junto),
Janaína diz: O meu pai quando bebe muito fica brigando com a minha mãe e
dizendo pra ela que ela tem que parar de beber, mas é ele que bebe, não ela.
C.: Ele é que bebe e diz pra ela não beber?
Ja (meio risonha, meio interrogativa) É!
P. (da sua mesa, em pé): Ele bebe muitas vezes, Ja?
Ja balança afirmativamente a cabeça.
C.: Tem um tio meu que bebe muito também... (baixa os olhos e continua a jogar,
sem que ninguém comente nada).
Análise da narrativa
Conteúdo: pessoal, externo, recorrente (não-imediato).
Tema: Ligado à constelação familiar (alcoolismo, conflito entre os pais).
Proposições: 4 (O meu pai quando bebe muito + fica brigando com a minha mãe +
diz prá ela que ela tem que parar de beber + mas é ele que bebe, não ela).
Elementos estruturais
-Orientações: Sociais (pai e mãe); Temporal (quando bebe muito); Situação
comportamental (pai bebe e briga com a mãe, acusando-a)
-Complicação: Briga e acusação infundada. (uso de álcool, conflito interpessoal,
quebra de padrão esperado)
-Avaliação: Aponta para a contradição (pai acusa a mãe por algo que é ele quem faz)
Análise do contexto e participação dos interlocutores
Narrativa poliádica, com função comunicativa, de compartilhar drama pessoal. Em
dois turnos conversacionais,os interlocutores foram a pesquisadora, colegas e
professora. A colega estimula a narrativa com pergunta que mostra compreensão da
contradição relatada. Objetiva assim a avaliação que Janaína expressa sobre a
situação.Depois conta experiência semelhante. A professora faz uma pergunta
dirigida à avaliação sobre a freqüência do comportamento do pai de beber.
231
Elementos estruturais
-Introdução (Sabia= dar a conhecer)
-Orientação: Social(Eu); Espacial (na cama); Temporal (passei a noite)
-Complicação: Babei na cama, eu se mijava também (falhas pessoais no controle)
-Avaliação: mostra repugnância pelas suas falhas (Que nojo, eu fiz tudo errado!)
Análise do contexto e participação dos interlocutores
Narrativa diádica (com colega) com ouvintes, em dois turnos. Desencadeada pela
observação da colega sobre comportamento que infringia regra da sala, a função da
narrativa foi comunicativa, compartilhando uma experiência pessoal e avaliação de si
mesma . A colega participa com uma repreensão lúdica,(como se ela fosse a
professora ou a mãe de D.) ironizando o comportamento da narradora com referência
à sua idade e às regras da escola. Tom de ironia com as próprias regras, lembradas
com freqüência pela professora. Os outros colegas riem, reforçando o tom de
brincadeira. A piada é compreendida.
236
estressada só com o meu irmão )
Elementos estruturais
-Introdução ( É uma avaliação): Que bom que hoje eu vim para o colégio
(comentário).
-Orientação: Social(Eu, meu pai,meus irmãos, meu irmão); temporal (hoje, ontem);
espacial(colégio)
-Complicação: Algum conflito não explicitado por ela, provavelmente envolvido na
responsabilidade em ter de ficar com o irmão, se este for menor que ela, ou em tolerar
alguma provocação ou arbitrariedade, se for maior. Fiquei sozinha (desamparo)
aturando meus irmãos (conflito)
-Resultado: Fiquei estressada só com o meu irmão(mudança no estado afetivo).
Análise do contexto e participação do interlocutor
Desencadeada pelo fato do colega observar seu desenho,o que a deve ter levado a
pensar que em casa é pior (por alguma razão), a narrativa é poliádica e teve função
comunicativa, compartilhando o sentimento de alívio em vir à escola. Em Três
turnos, a interlocutora é a professora, que pede que repita o que disse ( para prestar
mais atenção), e depois a estimula a falar mais (E daí, Ma.?), mas esta só focaliza o
resultado subjetivo do acontecido. Para Ana a pergunta já se dirige ao resultado.
Marilize se dirige à professora: Sabia, sôra, que a minha mãe quando foi a avaliação
lá prá casa, ela rasgou todo o papel e jogou tudo fora?
Prof. P.: É?
M.: É, ela é louca, já foi até internada. Quando eu era pequena ela foi internada.
P. parece estranhar o comentário, mas não responde.
No mesmo dia, Marilize conta na rodinha, a partir do relato da morte de familiares
pela colega: Eu não tenho foto de quando era pequena porque a minha mãe tava
internada.
Análise da narrativa
Conteúdo: pessoal,familiar, externo e não imediato
237
Tema: Ligado à constelação familiar, mas também à escola. Na verdade expressa um
conflito entre meios da vida da menina, mas enfatizando o descontrole da mãe
(Loucura).
Proposições: 7 (Sabia, sôra,+ que a minha mãe quando foi a avaliação lá prá casa,+
ela rasgou todo o papel +e jogou tudo fora+ É, ela é louca,+ já foi até internada.+
Quando eu era pequena ela foi internada).
Elementos estruturais
-Introdução (Sabia, sôra= dar a conhecer)
-Orientação: Social (minha mãe, eu); Temporal(quando foi a avaliação, quando eu era
pequena) ; Espacial (lá prá casa)
-Complicação: Mãe furiosa rasgou a avaliação. (Quebra do padrão esperado,
descontrole).
-Avaliação: Julgamento- “Ela é louca”
Análise do contexto e participação do interlocutor
Desencadeada pela perspectiva de entrega das avaliações neste dia, a narrativa de M.
ocorreu em dois turnos conversacionais. Tem função comunicativa, explicitando o
quanto esta situação é conflitiva em seu contexto familiar, o quanto teme as reações
emocionais imprevisíveis da mãe. Busca talvez a compreensão da professora com
reações que já tenha presenciado da mãe, justificando sua conduta como “louca”,
mostrando-se crítica e procurando uma aliança com a professora. A professora, sua
interlocutora, estranha o relatado (É?)- Vocalização de apoio, mas mantém silêncio
(por cautela ou aversão?)
1.2. PERCURSOS
242
Carina: Eu tenho uma tia que mora no centro que uma vez choveu tanto que quase
encheu a casa dela de água.
V: É? E o que aconteceu?
C. (impaciente): Ah, aí parou de chover, e não entrou água lá.
Análise da narrativa
Conteúdo: pessoal, externo, não-imediato
Tema: Meio físico/natureza (fenômeno natural: chuva).
Proposições: 5 (a tia mora no centro + muita chuva + quase encheu a casa de
água+parou de chover+não entrou água lá)
Elementos estruturais
-Introdução: Uma vez (Particularização).
-Orientações: Sociais (tia); Espaciais (no centro da cidade);
-Complicação: Choveu muito.
-Resolução: Parou a chuva, não entrou água. Interrupção do fenômeno natural.
-Avaliação: A impaciência mostra que ela não achava importante desenvolver a
narrativa sobre a iminência de um desastre que acabou não acontecendo.Para esta
menina de classe média, que mora em edifício, a possibilidade deste tipo de
adversidade é remota (Uma tia no centro), ela deve se dar conta de que seus colegas
correm riscos bem maiores.
Análise do contexto e participação do interlocutor
Tendo por desencadeante um comentário da pesquisadora, a narrativa teve função
comunicativa, compartilhando exemplo pessoal, em dois turnos conversacionais. A
pesquisadora foi a interlocutora, participando com uma pergunta dirigida à
complicação.
1.2.1.3.(Observação X, 25/5/2004)
Indo do refeitório para a sala, Marilize comenta baixinho com Natália:
M.: Aquela Ma. cara de banana! Vou chamar ela assim agora. A gente tava saindo da
escola ontem e ela ficou me chamando de Maricota. Eu não gosto disso. Queria que
ela tivesse na classe da professora M.
N.: Da professora M. não, da professora Ve.
O assunto foi depois retomado na rodinha, quando a professora perguntou por que
M. e Ma. estavam tão sérias, se olhando, nem sequer cantaram...
244
M. diz: A gente tava indo embora pra casa e ela me chamou de Maricota!
P.: Ah, mas isso deve ser brincadeira da Ma., M. Eu mesma já te chamei de
Maricota, lembra? A Ma. deve ter falado isso de brincadeira, mas se tu não quiser ela
não fala mais, né Ma.?
Ma. concorda com a cabeça.
Análise da narrativa
Conteúdo: pessoal, coletivo, interno e não imediato
Tema: Ligado à escola(conflito com colega), mas também à auto-definição (apelido
ofensivo)
Proposições: 6 (Aquela Mariana cara de banana+vou chamar ela assim agora+a gente
tava saindo da escola ontem+ e ela ficou me chamando de Maricota+eu não gosto
disso+queria que ela tivesse na classe da professora Mara).
Elementos estruturais
-Introdução: “Aquela Mariana cara de banana” funciona como frase de impacto para
atrair a atenção da colega e depois contar o que houve(Comentário).
-Orientação: Social(a gente, Ma., eu); Temporal(agora, ontem); espacial (saindo da
escola,pra casa, na classe da professora Mara)
-Complicação: a colega a chamou por um apelido de que não gosta. Sentimento de
ofensa pessoal (Conflito interpessoal).
-Avaliação: Afetiva, consciência do seu sentimento(Eu não gosto disso)e desejo
(queria que tivesse na classe da prof.M.)
-Resolução/Resultado: Decide passar a chamá-la por um apelido que considera
ofensivo e fica desejando que a colega pertencesse à outra turma. (Por ação da
menina sobre seu estado interno).
Análise do contexto e participação do interlocutor
Desencadeada pela visão da colega que caminhava na frente, a narrativa teve função
comunicativa, compartilhando experiência pessoal envolvendo conflito com colega, e
procurando uma aliança com a interlocutora, a colega N. Esta, porém, (cautelosa) faz
uma correção sobre um tópico menos relevante do que foi dito, não se referindo ao
conflito em si.
Análise do segundo contexto onde a narrativa aparece: Desencadeada pela
pergunta da professora, dirigida ao estado subjetivo das duas meninas e à interação
entre elas, a narrativa teve função de justificativa pela quebra no comportamento
245
habitual (cantar) . A Professora, interlocutora principal, apressa-se em avaliar a
situação como uma brincadeira , inferindo o motivo da outra menina, e defendendo-se
de conduta anterior semelhante (ter brincado com o nome dela, dando-lhe um apelido
engraçado). Por fim, decide pela outra menina o término deste tipo de brincadeira que
desagrada M. Parece haver pressa em resolver logo o conflito . Não é trabalhada a
questão da importância do nome para cada um, o que seria bastante adequado, uma
vez que uma das atividades básicas do letramento (que se procura trabalhar com as
crianças) é a escrita do nome. Por que só a escrita? O valor, a seriedade do nome, a
construção da identidade, não são temas abordados pedagogicamente.
248
1.2.1.6. (Observação XIII, 3/6/2004)
A caminho do refeitório, Marilize conta à A.: Aconteceu um 'desaste' lá no meu beco.
O irmão dela, ela, a moça que tinha um irmão... Um martelo escapou da mão dela e
caiu na cabeça dele. Ele teve que levar ponto. Agora ele qué matar ela, mas o pai dela
podia jogar ela na parede e encher de soco.
Análise da narrativa
Conteúdo: pessoal, externo, não-imediato
Tema: Ligado à comunidade (acidente).
Proposições: 7 (aconteceu um desastre lá no meu beco + a moça tinha um irmão + o
martelo escapou da mão dela + caiu na cabeça dele (irmão)+ele teve que levar
ponto+agora ele quer matar ela+o pai dela podia jogar ela na parede e encher de soco)
Elementos estruturais
-Resumo: aconteceu um desastre lá no meu beco.
-Orientações: Sociais – moça, irmão dela, pai dela; Espacial: lá no meu beco;
Temporal: agora; Apoio: martelo;
-Complicação: o martelo caiu na cabeça do irmão, agora ele quer matar ela (Acidente
e conflito interpessoal).
-Resultado: ferimento.
-Resolução: teve que levar ponto (Ação de profissional).
-Resolução(que ela sugere) o pai dela podia jogar ela na parede e encher de
soco(Ação punitiva de autoridade familiar).
-Avaliação: define a situação como um desastre e sugere uma solução menos drástica
que o assassinato da moça imprudente pelo irmão: uma surra do pai.
Análise do contexto e participação do interlocutor
A narrativa ocorreu espontaneamente, sem um desencadeante observado, com função
comunicativa de compartilhar experiência pessoal, em um único turno
conversacional, tendo a pesquisadora como interlocutora, que apenas escuta, e uma
colega, que reage com outra narrativa pessoal sobre o mesmo tema.
1.2.2.Narrativas incompletas
1.2.2.1(Observação VI, 14/5/2004)
Indo com Mariele do refeitório (ela chegara atrasada) à sala de informática, onde a
turma se encontrava.
Mariele: Sempre que eu chego na aula eu peço pra professora pra desenhar. Agora até
em casa, também, a minha mãe comprou pra mim lápis e papel e eu só fico fazendo
isso. (Faz expressão de quem está surpresa consigo mesma).
V.: Antes não era assim?
Ma.: Não, antes eu não dava muita bola pra isso.
Análise da narrativa
Conteúdo: pessoal, externo e interno, não-imediato -comparação entre padrões
antes/depois
Tema: Ligado à auto-definição (Aquisição de interesse e habilidade)
250
Proposições: 4 (Sempre que chego na aula+peço pra professora pra desenhar+em
casa, a minha mãe comprou lápis e papel+agora só fico fazendo isso+antes não dava
bola pra isso)
Elementos estruturais
-Orientações: Sociais (eu, professora, mãe); Espaciais (na aula, em casa); temporais
(Sempre que eu chego, agora, antes); Apoio (lápis, papel).
-Complicação implícita(o que aconteceu): Mudança a partir da escolarização.
-Avaliação: Expressão de surpresa consigo mesma: antes eu não dava muita bola pra
isso
-Coda: Agora só fico fazendo isso.
Análise do contexto e participação do interlocutor
Desencadeada pelo ato de ir para a sala (planejando o que fazer), a narrativa possui
função comunicativa, informando, em dois turnos, a mudança proporcionada pela
escolarização na sua vida. A interlocutora é a pesquisadora, que solicita informação
temporal (Antes).
1.3. REFEITÓRIO
251
-Resolução: Devolução à dona. – Pela própria criança, cognitivamente (eu sei quem é
a dona) e por uma ação (devolução).
Análise do contexto e participação do interlocutor
Nenhum desencadeante foi observado; em um único turno, a narrativa teve uma
função comunicativa, compartilhando uma experiência pessoal, buscando
provavelmente agradar a interlocutora (professora) com relato de comportamento
altruísta. A participação da professora consistiu em balançar afirmativamente a
cabeça, sem dizer nada.
253
1.3.1.4. (Observação V, 10/5/2004)
Carina e Luciane conversam.
C.: Eu não tô braba contigo, Tô braba com outra coisa...
L.: O quê?
C.: Sabe a S. (Refere-se a uma menina da outra turma)?
L. balança negativamente a cabeça.
C. aponta: Aquela lá
L.: Ah, sei. O que tem ela?
C.: É que naquele dia, antes de ontem...
L.: Sexta-feira?
C.: É, sexta-feira, a S. me deu um soco...aqui no olho.
L.: Mas por que, por nada?
C.: É, por nada. (esfregando os olhos)
L.: Ah, é por isso que tu tá assim...
C. balança a cabeça concordando.
Análise da narrativa
Conteúdo: pessoal, interno, não- imediato
Tema: Ligado ao contexto escolar (conflito com colega)
Proposições: 2 (naquele dia, antes de ontem, sexta-feira, a Sandra me deu um soco
no olho+ Por nada=Ela não havia provocado a agressão)
Elementos estruturais
-Introdução: Tô braba com outra coisa(Comentário).
-Orientações: Sociais (Sandra, ela própria); Temporais (naquele dia antes de ontem,
sexta-feira)
-Complicação: A menina deu-lhe um soco no olho(Conflito interpessoal).
-Resultado: expressa de forma não-verbal, esfregando os olhos (lugar do soco), o que
é inferido pela colega: “Ah, é por isso que tu tá assim”(braba). Se confunde com
Coda. Incômodo físico e alteração emocional.
-Avaliação: Expressiva: baixa a voz, em tom confidencial, mostrando a gravidade do
que conta.
Análise do contexto e participação do interlocutor
Pode-se inferir que o desencadeante foi provavelmente uma pergunta da colega
indagando se ela estava braba com ela; a narrativa em seis turnos tem função
254
comunicativa, de explicar seu estado subjetivo à colega, sua interlocutora. Esta
participa ativamente da construção da narrativa, solicitando informações sobre a
complicação(o que tem ela?), ajudando na orientação temporal(Sexta-feira?), e
perguntando sobre a motivação do personagem (Mas por que, por nada?) e
expressando compreensão da importância do fato narrado para justificar o estado
subjetivo da narradora,o que se refere ao elemento avaliativo - e também o seu gesto
de esfregar os olhos.
1.3.1.7.(Observação X, 25/5/2004)
Natália senta-se na ponta do banco e da mesa, fazendo um sinal para a pesquisadora
V. sentar ao seu lado. Parece querer contar algo, e começa com ar grave.
N.: A vila que eu moro não é legal... Um cara lá, o Rafael... Esse cara subiu numa
casa. Subiu lá em cima e pegou uma arma. Ficou botando o cachorro pra cima do
filho dele, pro cachorro morder. Subiu lá na creche, daí ele atirou na véia (talvez
queira dizer veia, de sangue, o que é comum na linguagem de camadas populares).
Aí o cara ficou se arrastando, subiu até lá em cima se arrastando. A amiga da minha
mãe chegou e viu sangue no portão. Quando chegou a ambulância, o cara já tava
morto.
V.: Quem atirou nele?
N.: O outro cara, o Rafael, eu não conheço, não vi. Meu irmão é que viu.
Janaína (sentada do outro lado de V., tenta participar) Eu vi o teu irmão lá no jogo
de futebol, outro dia.
N. prossegue: O cara se arrastava, se arrastava, depois morreu. Tu pode ver no jornal.
V.: Ah, saiu no jornal?
N.: É. (Obs.: No dia seguinte, vi no jornal que havia sido morto numa região
259
próxima à escola um rapaz provavelmente ligado ao tráfico, chamado Rafael, mas
que foi encontrado na rua)
J.: O meu vô sempre ganha o jornal, e fica lá lendo.
N.: Minha mãe tem um monte de taças, tem que ver que bonitas!
V. (sem entender a relação): Taças de quê?
N.: É assim: ela pega os papelzinho que tem no Diário Gaúcho, e vai juntando. Aí
ganha as taças.
Análise da narrativa
Conteúdo: pessoal, externo e não imediato
Tema: experiência pessoal envolvendo violência na comunidade-Experiência na
comunidade – evento dramático: homicídio.
Proposições: 21 (A vila que eu moro não é legal+um cara lá, o Rafael, subiu numa
casa+ subiu lá em cima+Pegou uma arma+ficou botando o cachorro para cima do
filho dele, pra morder+subiu lá na creche+atirou na véia+aí o cara ficou se
arrastando+subiu lá em cima se arrastando+a amiga da minha mãe chegou+ viu
sangue no portão+a ambulância chegou+o cara já tava morto+ (quem atirou foi) o
outro cara, o Rafael + eu não conheço+ (eu) não vi+ meu irmão é que viu+o cara se
arrastava, se arrastava+depois (ele) morreu+Tu pode ver no jornal )
Elementos estruturais
-Introdução(e Avaliação do tipo moral): A vila que eu moro não é legal.
-Orientação: Social(um cara lá,o Rafael, filho dele, amiga da mãe, outro cara, eu, meu
irmão); Temporal (depois), Espacial (vila que eu moro, lá em cima, na creche, no
portão, lá, prá cima), Apoio(arma,veia, sangue, ambulância, jornal, cachorro)
-Complicação: Um homem armado subiu numa casa e atirou em outro homem,
matando-o. Crime na comunidade.
- Resultado: morte (auxílio profissional não chegou a tempo).
-Coda: tu pode ver no jornal;
-Avaliação: tu pode ver no jornal (expressa a gravidade da situação). A vila que eu
moro não é legal.
O relato da menina é muito confuso, sendo difícil distinguir quem é o Rafael, se o
matador ou o homem morto. Atirou na “véia” parece ser na veia, pela referência
posterior ao sangue. Quem botou o cachorro para cima de quem? A amiga da mãe
quase é colocada como personagem atuante, mas parece ter sido apenas testemunha,
260
ou provavelmente viu o sangue da vítima depois. Parece que a menina tenta organizar
narrativamente o que escutou de várias pessoas - que por sua vez se referiam a várias
fontes de informação-, ou o que entendeu do que escutou.
Análise do contexto e participação do interlocutor
O desencadeante não foi observado, e a narrativa teve uma função comunicativa, de
compartilhar experiência pessoal, com 6 turnos conversacionais. As interlocutoras
foram a pesquisadora e uma colega. A pesquisadora participa solicitando informação
sobre personagem, e depois enfatiza a gravidade do evento relatado(avaliação), a
ponto de ter saído no jornal A colega faz digressões a partir de elementos menos
relevantes presentes na narrativa, trazendo outros relatos (Eu vi o teu irmão no jogo
outro dia, meu vô sempre ganha o jornal), possivelmente para amenizar o impacto
emocional do que é contado, o que acaba propiciando que a própria narradora desvie
para um aspecto positivo (prêmios) relacionado com o jornal.
263
Aula de EF dentro da sala: “Pagando uma prenda” numa brincadeira, Mariele imita
um cachorro brabo, latindo furiosamente. Duas meninas começam a contar sobre
seus cachorros, que já tinham sido mordidas.
Marilize: Meu cachorro já me mordeu uma vez, porque eu botei a mão na boca dele.
Ninguém respondeu e a brincadeira seguiu adiante.
Análise da narrativa
Conteúdo: Pessoal, externo, não-imediato
Tema: Ligado à constelação familiar – animal doméstico (cachorro)e seu instinto.
Proposições: 2 (Botei a mão na boca do cachorro+ele me mordeu).
Elementos estruturais:
-Orientação: Social (eu, meu cachorro); Temporal (uma vez).
-Complicação: Colocou a mão na boca do cachorro (Exposição ao risco).
- Resultado: cachorro a mordeu (ferimento).
Análise do contexto e participação do interlocutor
A imitação de latido de cachorro foi o desencadeante da narrativa, em um só turno,
que teve função comunicativa, de compartilhar exemplo pessoal relacionado à
situação. Nem a professora nem os colegas presentes responderam.
1.4.1.2.(Observação I, 22/4/2004)
Antes da “Hora do Conto” na biblioteca, Mariele conta à bibliotecária o que a prof.
de EF fizera antes (para encerrar sua aula, entregando a turma à professora titular):
Ma: A bruxa deu uma maçã envenenada pra nós e aí todo mundo dormiu, mas
acordou porque a sôra cantou uma música pra nós.
A bibliotecária não respondeu, parece não ter entendido o que a aluna contava.
Análise da narrativa
Conteúdo: coletivo (aconteceu com ela e o grupo), ficcional(personificação de
personagens de história infantil), interno, imediato.
Tema: Ligado ao contexto escolar (poder do professor sobre a turma).
Proposições: 4 (A bruxa deu uma maçã envenenada pra nós+ e aí todo mundo
dormiu,+ mas acordou + porque a sôra cantou uma música pra nós.)
Elementos estruturais
-Orientações: Sociais - bruxa, nós, professora; Apoio(objeto que apóia a ação
264
narrativa) - maçã envenenada;
-Complicação: todo mundo dormiu ao aceitar a maçã envenenada da bruxa. Mudança
de estado de consciência (“Envenenamento”)
-Avaliação: Expressiva - presente apenas no tom afetivo divertido com que Mariele
contava o acontecido.
-Resolução: Professora cantou uma música e todos acordaram- ação de personagem
adulto (professora)
Análise do contexto e participação do interlocutor
Tendo como desencadeante uma atividade dirigida anterior, que estimulou a fantasia,
a narrativa ocorre em um só turno,com uma função comunicativa, de compartilhar
uma experiência imediata da turma da qual a interlocutora (bibliotecária) estava
ausente. Esta, entretanto, não responde, pois parece não ter entendido.
280
coisa: quando o colega estiver falando, os outros vão ficar bem quietinhos escutando,
tá?
Marilize é a primeira a falar, retomando um tópico já abordado durante atividade
não-dirigida no início da aula: Eu fui na Redenção. Andei de trenzinho, fui na
‘pacinha’.
P: Com quem tu foi na Redenção?
M: eu fui ‘ca’ minha irmã e ‘ca’ minha mãe. E daí eu fui vê os macaquinhos e mais
os papagaio, a tartaruga e o mais o pato. Daí eu peguei uma pena do pato, né, e daí o
macaquinho roubou de mim!
P: Hummm....É mesmo? Que macaco danado esse!
Carina ri.
P: O teu irmão não tava junto?
M: Não.
P: Por quê?
M: Por causa que ele tava trabalhando com o meu pai.
P: Ah, muito bem!
M: Daí, quando, daí, eles compraram uma bota nova, né, no ‘Cento’, né, e daí eu, daí,
daí eu fiz um ‘tabalhinho’ de serragem.
P: Fez um trabalhinho aonde? Lá na Redenção?
M: Ãhã. Daí, primeiro a gente fazia uns negócio, a natureza né, e daí a gente, ãh, a
gente fazia os desenho, daí, daí, colocava a cola em volta, contornava, daí depois
colocava serragem assim, daí depois bate, daí depois fica com a serragem em volta.
P: Legal esse trabalho. A gente podia fazer na aula, né?
F: É, sora.
P: Colar serragem.
M: Mas e a serragem?
P: Tá, agora a Janaína vai contar que ela também fez um passeio muito legal esse fim
de semana.
M: Eu não contei uma novidade!
P: Ah, desculpa. Termina então, Marilize.
M: É, daí eu fui no ‘Cento’ e ‘compei’ uma bota de chuva.
P: Que cor?
281
M: É rosa e tem um adesivo. Amanhã eu ‘vim’ com ela, porque amanhã a minha mãe
vai lavar todos os tênis, aí não tem calçado pra ‘vim’.
P: Mas essa bota não é pra usar só quando tá chovendo?
M: É, mas amanhã, mas ela tá limpa e a minha mãe vai ter que limpar os outros que
tá “xujo”.
P (sorrindo): Tu quer vir de bota nova amanhã, né?
M. balança a cabeça em negação.
Fábio: É sim!
Análise da narrativa
Conteúdo: pessoal, externo, não- imediato
Tema: experiência familiar e pessoal, envolvendo lazer, nova aprendizagem e compra
Proposições: 23 (Eu fui na Redenção’ca’ minha irmã e ‘ca’ minha mãe+(meu irmão
não estava junto) por causa que ele tava trabalhando com meu pai+ andei de
trenzinho+fui na ’pacinha’+ e daí eu fui vê os macaquinhos e mais os papagaio, a
tartaruga e o mais o pato + Daí eu peguei uma pena do pato, né, + daí o macaquinho
roubou de mim!+ daí eu, daí, daí eu fiz um ‘tabalhinho’ de serragem+ daí, primeiro a
gente fazia uns negócio, a natureza né + daí a gente, ãh, a gente fazia os desenho +
daí, daí, colocava a cola em volta, contornava + daí depois colocava serragem assim
+ daí depois bate + daí depois fica com a serragem em volta+ Eu não contei uma
novidade+ daí eu fui no ‘cento’ + ‘compei’ uma bota de chuva+ é rosa e tem um
adesivo+ amanhã eu ‘vim’ com ela +porque amanhã a minha mãe vai lavar todos os
tênis + aí não tem calçado pra ‘vim’ + ela tá limpa + a minha mãe vai ter que limpar
os outros que tá ‘xujo’).
Elementos estruturais
-Introdução: Eu não contei uma novidade (para manter a atenção da audiência, não no
início, quando a palavra foi dada pela professora, mas no decorrer dela). É uma
introdução direta.
-Orientações: Sociais (eu, irmã, mãe, irmão, pai, macaquinho); Espaciais(na
Redenção, pracinha, no centro); Temporais (fica implícito que a experiência relatada
ocorreu no último fim de semana, porque a proposta da rodinha era contar sobre ele;
amanhã, depois); Apoio (trenzinho,papagaio, tartaruga, pato, pena do pato, trabalho
de serragem, bota de chuva, adesivo, tênis, calçado, macaquinho);
-Complicação: a- macaquinho rouba a pena- comportamento inusitado de animal ; b-
282
aquisição de botas;
-Resultado: Novas aquisições, por aprendizagem (trabalho de serragem) e aquisição
(bota).
-Avaliação: Expressiva: Ênfase na frase “Daí o macaquinho roubou de mim!” e
depois qualifica:“Eu não contei uma novidade”, que é uma nova introdução, antes
que a prof. passe a palavra a outra colega.
Análise do contexto e participação do interlocutor
Tendo como desencadeante a proposta de contar uma novidade, a narrativa tem
função comunicativa, de compartilhar experiência pessoal; se dá em dez turnos, tendo
como interlocutores a professora e colegas ; a participação da professora consiste em
perguntas que solicitam informações sobre personagens- Orientação social (Com
quem?, O teu irmão não tava junto? Por que?) , sobre espaço (Fez um trabalhinho
onde? Na Redenção) em que realmente ajuda a menina a situar a experiência, já que
ela antecipava a situação ocorrida no centro, provavelmente ao retornarem para casa,
misturando com o relato sobre coisas que se passaram no parque. Além disso, a
professora faz um comentário de reconhecimento da situação como engraçada
(Hummm....É mesmo? Que macaco danado esse!)vocalização de apoio, que funciona
como avaliação, desencadeando o riso de outra aluna. Outras avaliações que
aparecem são: a aprovação ao fato do irmão ter ficado trabalhando com o pai (Ah,
muito bem!); a aprovação ao trabalho de serragem, propondo que usem a idéia no
contexto da sala de aula; a pergunta sobre a função da bota comprada (Essa bota não
é prá usar só quando tá chovendo?) e o comentário sobre o desejo da menina de usar
a bota nova (tendo como desculpa os calçados lavados), o que é negado pela menina.
Outra pergunta da professora é sobre característica do objeto comprado(Que cor?). A
participação dos colegas é como que “orquestrada” pela participação avaliativa da
professora, que desencadeia o riso de uma menina ao fato engraçado, e a
concordância de F. em dois momentos: com a proposta de fazerem o trabalho descrito
por M., e com o comentário “interpretativo” de que ela quer usar a bota nova.
284
M: Ãhã. Deu um monte de cachorrinho ‘banco’, uma cadelinha, só uma cadelinha,
deu um monte de cachorrinho, né.
P: Tá legal. Bom, agora a professora C...
F: Meu cachorro é Huke.
Análise da narrativa
Conteúdo: pessoal, externo, não- imediato
Tema: Ligado à constelação familiar - animal doméstico ( morte, substituição e
nascimento de cachorros).
Proposições: 31 (Ô sora, eu vou contar outra.+ Sora! Eu tenho outra pra contar! +
Um dia né, eu tava com uma cadelinha chamada Rosinha, né... + Ela era chamada
Rosinha + daí, quando ela tava morta lá na...Quando ela tava morta na casinha + daí
eu tava mexendo...+ eu tava fazendo carinho nela + daí ela começou a ‘reinar’ + daí
ela morreu + daí, eu tava brincando com ela né, + daí ela não acordava + daí eu
chamei o meu pai + ela não acordou + daí o meu pai disse que ela tava morta+ daí
depois eu chorei, fiquei chorando + daí, daí, daí, amanhã, faz tempo né, daí ele pegou
um cachorro chamado Rochinha... + eu coloquei o nome dele de Rochinha + tem um
cavalo chamado Rochinha + eu coloquei o nome dele de Rochinha +daí o Rochinha,
ele cagava em casa + a minha mãe não agüentava mais ele cagar em casa né + daí
meu pai levava um dia, deixava até, até, deixava um dia, né, deixava um dia lá no
pátio, né + daí um dia ele soltou o cachorro né + daí ele, daí a tia Lu me deu um
cachorro ‘pa’ mim, a Shakira + daí chegou primeiro do que o Rochinha, né + Daí ele
deu ‘quia’ (cria) nela + daí depois o meu pai disse que ele, que ela ia dá ‘quia’ né+
daí eu achei que era mentira + daí deu ‘quia’ + deu um monte de cachorrinho ‘banco’,
+ só uma cadelinha +deu um monte de cachorrinho, né)
Elementos estruturais
-Introdução: Ô sora, eu vou contar outra, ô sora eu tenho outra pra contar (Apelo e
introdução direta).
-Orientações: Sociais (eu, cadela Rosinha, cachorro Rochinha, Shakira - cadela que
deu cria, filhotes, pai, mãe, tia Lu); Temporais (um dia,quando ela tava morta,
primeiro, amanhã=após a morte da Rosinha, faz tempo, depois); Espaciais (lá, na
casinha, no pátio); Apoio (cachorrinhos, cadelinha).
-Complicação:A- a cachorra Rosinha morre nas suas mãos (Morte).
-Resolução: A- pai pegou um cachorro para ela, que ela chamou de Rochinha (Por
285
personagem adulto - pai)
-Complicação:B- A mãe não agüentava mais o Rochinha cagar em casa e o pai soltou
o cachorro (que parece ter desaparecido por um tempo) Rejeição e abandono de
animal.
-Resolução:B- a tia Lu deu a ela uma cadela, o Rochinha parece ter voltado e “deu
cria” nela, tendo nascido muitos cachorrinhos. (por personagem adulto: tia, e
-Avaliação: Minha mãe não agüentava mais ele cagar em casa (Refere estado interno
veracidade)
286
a lomba de bicicleta e ele lá...
P: Hu-hum.
Co.: O cachorro quase furou o pneu!
P: Mas!
Co.: O cachorrinho dum tamanho assim(faz gesto de pequeno). Eu, e (não é possível
compreender, mas parece ser relacionado a alguém que fez algo ao seu irmão) e deu
um soco!
P: Meu Deus!
Co.:Na boca dele!
P: Teu irmão tá bem, Carlos?
Co. acena a cabeça afirmativamente. Uma marca assim...Na boca. Aqui (mostra na
sua boca).
P: Bah...Da onde que é esse cachorro?
Co.: É, é de lá da...
P: Da Restinga? Ah... Ja. (a seguinte na roda), pode contar uma novidade pra gente?
Análise da narrativa
Conteúdo: pessoal, externo, não- imediato
Tema: Ligado à constelação familiar (conflito com vizinhança e animal doméstico).
Proposições: 12 (Eu, lá, eu saí lá com meu tio+aí tinha um cachorrinho+o meu tio
tava de bicicleta e o meu primo foi+aí o cachorro, aí o cachorro...+ tava de bicicleta e
o meu primo foi+aí o cachorro...+aí bateram no meu pai ali na rua, na minha, na
rua+ele pegou a lomba de bicicleta e ele lá...+o cachorro quase furou o pneu+o
cachorrinho dum tamanho assim+ eu...e deu um soco...na boca dele+(ficou)uma
marca assim na boca, aqui).
Elementos estruturais
-Orientação: Social (eu, tio, primo, cachorrinho, pai); Espacial(lá, na minha, na rua);
Apoio (bicicleta, pneu);
-Complicação: Bateram no pai, o cachorro mordeu o pneu da bicicleta e quase o
furou, alguém (irmão?) levou um soco na boca. (Comportamento inusitado de animal
– briga).
-Resultado: quase furou o pneu (ação de personagem animal), e marca do soco (ação
de adulto, provavelmente).
-Avaliação: Afetiva (pelo tom de voz e excitação) e cognitiva (enfatizando a
287
desproporção: cachorro pequeno/ grande ousadia e força)
Análise do contexto e participação do interlocutor
Tendo como desencadeante a proposta de contar uma novidade, a narrativa tem
função comunicativa, de compartilhar experiência pessoal inusitada; se dá em seis
turnos, tendo como interlocutores a professora e colegas; a participação da
professora consiste em concordar (Hãn, hãn), estimulando a continuidade, e fazendo
três exclamações de espanto (Mas..., Meu Deus!, Bah!), além de perguntar pelo
estado do irmão (que deve ter sido quem levou o soco) e solicitar informação espacial
(de onde é o cachorro, da Restinga?). Ela parece ter ajudado na continuidade, mas não
na organização do que era narrado, que resultou muito confuso.
M: E daí, daí eu sei que ela cuidou dos cachorrinho meu pai deixou, daí eu chamei
meu pai, né, minha mãe e daí eles quiseram ficar lá e eu não quis né. Daí eu deixei
um pouquinho em casa e daí ele foi. Quando eles cresceram um pouquinho né, eu
deixei no campo, daí quando eles cresceram um pouquinho em casa eu soltei eles. E
daí eu fiquei brincando com eles, daí eu dei pra minha amiga cuidar deles e daí eu
queria muito ficar com eles e a minha amiga só saía com eles no colo né e daí eu ia
visitar os cachorrinhos todos os dias e ele, e cada vez que eu ia eles tavam grandinho
e cada vez que eu ia eles tavam grande e viraram “rotivaili’ e eu não quis chegar perto
e minha amiga soltou todos os cachorro.
P: Tá. Flávio, tem novidade?
Análise da narrativa
Conteúdo: pessoal, externo, não- imediato
288
Tema: Ligado à constelação familiar - animal doméstico (filhotes de cachorro e seu
crescimento, cuidar/soltar).
Proposições: 21 (sabe a minha cadela que eu ganhei né, tava numa caixa né...+tava lá
perto do... da ‘famácia’, né, que tem perto da minha casa + peguei né + daí tinha uns
outros cachorrinhos, filhotinhos, bem pequenininhos, só que eu quis pegar+ aí eu
chamei o meu pai + meu pai disse pra mim deixar lá pra eles cuidarem bem por causa
que os outros cuidam bem dele e ele tem uma casinha, um monte de casinha + daí,
daí eu sei que ela cuidou dos cachorrinho meu pai deixou + daí eu chamei meu pai,
né, minha mãe + daí eles quiseram ficar lá e eu não quis né + daí eu deixei um
pouquinho em casa e daí ele foi + Quando eles cresceram um pouquinho né, eu deixei
no campo+ daí quando eles cresceram um pouquinho em casa eu soltei eles + daí eu
fiquei brincando com eles + daí eu dei pra minha amiga cuidar deles + daí eu queria
muito ficar com eles + a minha amiga só saía com eles no colo né + daí eu ia visitar
os cachorrinhos todos os dias e ele + cada vez que eu ia eles tavam grandinho + cada
vez que eu ia eles tavam grande e viraram “rotivaili’ + eu não quis chegar perto +
minha amiga soltou todos os cachorro).
Elementos estruturais
-Introdução: Sabe a minha cadela que eu ganhei... (Dar a conhecer)
-Orientação: Social (eu, cadela , filhotinhos, pai, mãe, amiga); Temporal (deixei um
pouquinho, quando cresceram um pouquinho, todos os dias); Espacial (lá, perto da
farmácia que tem perto da minha casa, lá, em casa, no campo, perto);
-Complicação:A-A cadela que ganhou tinha filhotes pequenos; dificuldade prática –
desejo da criança de ficar com eles era conflitante com o dos pais (necessidade
pessoal dificultada pelos outros).
-Resolução: A- Parece que após muita insistência o pai permitiu que eles ficassem na
casa um pouco para serem cuidados pela cadela (Ação da meina sobre o pai-
persuasão).
-Complicação: B-queria muito ficar com os filhotes, mas teve que dá-los.
(necessidade pessoal dificultada pelas circunstâncias)
-Resolução: B-deu à amiga, que cuidou deles até ficarem grandes (Obtenção de
auxílio alheio pela criança).
-Complicação:C- Eles viraram “rotiváili”e ela ficou assustada. Mudança no próprio
sentimento pelos cachorros crescidos (de compaixão a medo)
289
-Resultado:C- a amiga soltou todos os cachorros. Não sendo mais seres frágeis e
dono).
-Avaliação: Afetiva e cognitiva- consciência sobre seus estados internos (“Eu queria
290
M: Eu não!
P: Fecha a porta, M., por favor.
C: A gente viu um monte de fogos...
P: Fogos.
C: Fogos coloridos por causa que tavam fazendo uma festa.
P: Festa de São João?
C: Não.
P: Festa junina?
C: Não.
P: Não? Ai, quase que a D. cai da cadeira! Senta direito D.!
C: Festa de aniversário.
P: Ah...
Análise da narrativa
Conteúdo: pessoal e familiar, externo e não imediato.
Tema:Ligado à constelação familiar (Lazer).
Proposições:12 (Esse fim de semana+ minha tia foi lá, foi lá, ver a minha vó no
hospital+ daí eu e a minha prima fomos pra casa dela+ Depois a minha prima, depois
a gente foi, aí a gente foi... Comeu pastel+ Comemos churrasquinho+ depois a gente
foi lá na pracinha+ depois a gente foi no parque de diversão+ a gente ‘voltô’, a gente
‘voltô’, aí a gente ‘voltô’ pro lugar que a gente tava+ depois a gente foi pra casa da
minha tia+ E a gente viu um monte de fogos bonitos+ Fogos coloridos por causa que
tavam fazendo uma festa+ Festa de aniversário)
Elementos estruturais
-Orientação: Social (eu, minha tia, vó, minha prima); Temporal (esse fim-de-semana)
Espacial(no hospital, casa da minha tia, lá na pracinha, no parque de diversão, pro
lugar que a gente tava) Apoio (pastel, churrasquinho, fogos bonitos, coloridos, festa
de aniversário)
-Complicação: Foi passar o fim-de-semana na casa da tia, com a prima (Experiência
diferente - passeio).
-Avaliação: Qualifica(fogos bonitos); estabelece causalidade (por causa que tavam
fazendo uma festa).
Análise do contexto e participação do interlocutor
Tendo como desencadeante o atendimento da solicitação da professora, com função
291
comunicativa, a narrativa foi construída em 9 turnos. Os interlocutores participantes
são a professora e a colega M. M. reclama duas vezes não estar escutando, o que
mostra interesse na escuta. A professora faz vocalizações de apoio (Hum, Hum-hum,
fogos), e referências à voz baixa, que não permite a escuta.Chama também a atenção
de uma aluna. Além disso, tenta adivinhar o tipo de festa que tinha fogos coloridos
(de São João? Junina?-ajuda a nomear a situação), o que tinha sentido, uma vez que
este relato ocorreu no mês de junho.
295
2.1.2.5. (mesma observação acima)
P:Quem mais quer contar o seu fim de semana?
Flávio: Eu!Que não!
P: Flávio.
F: Não quero.
P: Não quer?
F: Eu quero, eu quero, sora!
P: Então conta.
F: Sabia, sora, que eu fui na mãe, lá na mãe...
P: Senta direito, F., pra conversar? E aí? Senta mais aqui pra eu ver o F. (diz à C.). E
aí? Onde é que tu foste?
F: Eu fui na mãe duma amiga da minha mãe. Daí a amiga da minha mãe me ensinou a
brincar com um brinquedo, tinha um monte de brinquedo.
P: É?
F: E daí eu fui na Redenção e fui ver os pato. Daí a minha mãe comprou um pato pra
mim.
P: Um pato?
M(indignada): Não dá ‘pa compá, não dá ‘pa compá’!
F: Não na Redenção.
P: Eu não sabia que vendia pato na Redenção.
F: Não na Redenção.
P: Onde?
F: Lá no, lá no coisa que tem bicho.
P: Tu tens um pato na tua casa?
F: Tenho.
P: Ah!!!
Ci.: Eu também tenho.
M: Ninguém tem pato na casa de ninguém.
F: Eu tenho sim.
P: Um ganso. É um pato ou é um ganso?
F: É um ganso.
296
P: Quem é que cuida do ganso?
F: É eu mesmo.
P: Hum...
Todos começam a falar ao mesmo tempo.
Ma: Quando tu tá na escola quem cuida?
F.: A minha... a minha mãe...
P: É que a mãe do Fábio fica em casa.
F: É, e daí a minha mãe cuida. Não dá pra mim trazer ele.
M: Ô sora, o ganso (fala algo incompreensível)...mas ele come toda a comida!
C. levanta o dedo.
P: C.!
C: A minha casa, lá na casa, a minha, tem três gansos, a minha vó tem três gansos,
297
Análise do contexto e participação do interlocutor
Tendo como desencadeante o atendimento da solicitação da professora, embora
mostra desejo de olhá-lo falando, pedindo que um colega mude de posição. Pergunta
sobre orientação espacial (Onde é que tu foste?) Faz vocalização de apoio (É?) e
essa impossibilidade, comentando”não sabia que vendia pato na Redenção”. Ele tenta
esclarecer que não foi na Redenção, mas faz a imprecisa referência “no coisa que tem
bicho”. Depois sintetiza numa pergunta “Tu tem pato na tua casa?” e tenta esclarecer
casa”. Os colegas participam muito: M.reage quando entende que F. comprou o pato
na Redenção- lugar que conhece bem- (“Não dá ‘pa compá, não dá ‘pa compá’”),
marcando a impossibilidade. Quando Ci. Colabora com F. dizendo que tem pato
Mobilizados depois de F. dizer que é ele quem cuida do ganso, os colegas começam a
Parecem querer checar a veracidade do que F. diz, o que tem sentido, pois F. parece
várias narrativas já trazidas por colegas. M. depois assinala o “prejuízo” que é ter um
298
ganso, que come muito e de tudo, e C., menina com muita credibilidade na turma e
para a professora, faz o desfecho: “A minha casa, lá na casa, a minha, tem três
299
a)-Orientação: Social (eu, meu pai); Espacial (pro colégio)
-Complicação: o pai não quis trazê-lo ao colégio. (Quebra da rotina , de padrão
esperado).
-Avaliação: Pelo pai: achou melhor não expor o filho ao frio e risco de doença.
b)- Orientação: Social (eu, vó); Temporal (implícito: fim-de-semana); Espacial
(muito longe)
-Complicação: eu comecei a cansar (Falta de energia para a experiência).
-Avaliação:era bem longe, era muito longe (repete com ênfase)
300
faltando alguma coisa, aí ela tem que buscar.
Professora P.: Como é que é, Natália?
N.: Ela busca o alicatinho.
P.: Tu fica como, na sala do dentista?
N.: Numa cadeira meio deitada. Meu pai fica sentado ali.
P.: Por que a gente vai no dentista? Quem pode explicar?
N.: Prá limpar os dentes, tirar as cáries, tirar os bichinhos.
P.: Isso, Natália. Tu tá craque em ir ao dentista, hein?
Análise da narrativa
Conteúdo: pessoal, externo e não imediato- relata um padrão da experiência em foco
(verbo no presente)
Tema: Serviços de saúde - dentista.
Proposições: 10 (na sala do dentista meu pai consulta pra ela+ quando chego na
sala+(e)tá faltando alguma coisa+aí ela tem que buscar+ela busca o
alicatinho+(fico)numa cadeira meio deitada+meu pai fica sentado ali+(se vai no
dentista) pra limpar os dentes + tirar as cáries+tirar os bichinhos)
Elementos estruturais
-Orientação: Social (pai, eu, dentista); Espacial(sala do dentista, ali); Amparo
(consulta pra ela=papel de marcação da consulta?, alicatinho, cadeira)
-Complicação: Quando falta alguma coisa a dentista tem que buscar. Falta de material
necessário (Quebra de padrão esperado).
-Resolução: Ela busca o alicatinho.(Ação do personagem adulto profissional).
Análise do contexto e participação do interlocutor
Tendo como desencadeante o tema abordado pela professora, a narrativa teve função
comunicativa, de compartilhar experiência pessoal relativa a cuidados dentários e
dentista. Foi construída em 4 turnos conversacionais, tendo como interlocutores a
professora e os colegas. A professora participa com pergunta que indica o não
entendimento do que a menina contava (Como é que é?), outra pergunta dirigida à
orientação sobre situação comportamental (Tu fica como, na sala da dentista?), lança
uma questão aberta à turma que é dirigida à avaliação (por que a gente vai ao
dentista?) e, diante da resposta de N., diz “isso!” e elogia o conhecimento da menina.
2.3.COMBINAÇÕES (COM)
2.3.1. Não ocorreram narrativas completas.
2.3.2. Narrativas incompletas
2.3.2.1.(Observação VI, 14/5/2004)
De volta do refeitório à sala de aula, a professora P. retoma algumas regras,
descrevendo comportamentos que “não foram legais”: “O refeitório, por exemplo, é
lugar de comer. O que aconteceu hoje no refeitório, hein, Carina? Conta pra gente, tu
te lembra?”
Carina balança afirmativamente a cabeça, olhando para o chão: Eu abri a mochila
pra tirar o desenho.
Profess.: A hora do refeitório não é hora de mexer com desenho, mas de comer. Tem
que esperar a gente chegar na sala de aula pra mostrar, tá, Carina?
C.:Tá.
Análise da narrativa
Conteúdo: pessoal, interno e não imediato.
Tema: Ligado ao contexto escolar (comportamento transgressor).
Proposições: 2 (Eu abri a mochila + pra tirar o desenho)
Elementos estruturais
-Orientação: Social (Eu)
-Complicação: (é o que justifica a pergunta da professora, o comportamento que
rompe com a regra): “Eu abri a mochila (no refeitório) para tirar o desenho”(Quebra
ou transgressão de padrão estabelecido).
Análise do contexto e participação do interlocutor
Tendo como desencadeante a pergunta da professora, a narrativa, em dois turnos,tem
a função de relembrar, por solicitação da professora, comportamento considerado
inadequado. A professora prescreve novamente a regra vigente.
304
ANEXO G
Narrativa 1.1
Ma: Eu vi... aquele dia... a história da formiguinha.
P: Tu consegue contar um pedaço dessa história, Mari?
Mariele concorda com a cabeça.
P: Mariele, tu acha que tu consegue contar um pedaço dessa história que tu falaste?
Conta pra gente então.
Ma: Teve um dia que, ãh... as formiguinha quebravam pedra e levavam prum negócio
que eu não sei...
L: Formigueiro, Mari.
Ma: Tá, e um dia uma namorada que levou ele embora , que o lugar... que... curou
eles.
V: Que história é essa? É da “Formiguinhaz” (desenho animado)?
Ma: Não.
Análise da narrativa
Narrativa individual (Mariele), incompleta.
Conteúdo: ficcional (filme assistido na escola)
Tema: mudança de lugar – explorar novas possibilidades
Proposições: 5 (Teve um dia que + as formiguinha quebravam pedra +e levavam
prum negócio que eu não sei...+ um dia uma namorada que levou ele embora + que o
lugar... que... curou eles).
Elementos estruturais
305
-Introdução: Teve um dia que
-Orientação: Social ( as formiguinha, uma namorada, ele, eles); Espacial(prum
negócio que eu não sei, um lugar que...); Temporal (um dia); situação
comportamental: quebravam pedra e levavam...
Narrativa 1.2
306
P: Não existe.
Lu: Não existe Bicho Papão.
P: (para V.) Como eles são agitados né?
V: Parece que vocês estão a fim de contar uma história de terror, hein?
Análise da narrativa
Narrativa individual (Flávio), completa.
Conteúdo: ficcional(filme assistido em casa).
Tema: terror – ligado à autodefinição como menino (agressividade, crueldade)
Proposições: 6 (O sora, é eu agora+ É Drácula+Drácula é um vampiro+ O Drácula
tirou a cabeça das mulher+ Daí ele mordeu uma mulher + daí a mulher ficou sem
cabeça).
Elementos estruturais
-Introdução: O sora, é eu agora.
-Resumo: O Drácula tirou a cabeça das mulher.
-Orientação: Social (vampiro Drácula, uma mulher); Temporal (Daí, daí);
307
pesquisadora faz um comentário que reconhece e valida o emergente temático. Isso
desencadeia a próxima narrativa.
Narrativa 1.3
V: Parece que vocês estão a fim de contar uma história de terror, hein?
Ma: Deixa eu contar! Eu quero falar uma coisa!
P: Tá, fala Mariele.
Ma: Eu quero contar uma história de terror que apareceu pra mim na minha cama e eu
fiquei com medo....(faz expressão de pavor)
F(segue a história como se fosse sua): Tinha uma casa assombrada lá...
P: Senta pessoal.
F: Eu sonhei que tava lá, mas era minha casa e daí eu se mudei dela...Bah daí a minha
mãe botava uma bruxinha ali daí eu via uma bruxa bem grande sentada aqui, mas era
uma bruxinha que a minha mãe botava e ela sentou...
Co: Era uma sombra.
F: Não era, era de verdade. Daí ela sentou aqui né...Foi assim.
V: Tu enxergava ela grandona, Flávio?
F: É. E eu fiquei com medo. Chamava os meus irmãos, ela tinha um chapéu assim. Aí
eu chamei a minha mãe e o meu pai e eu botava a mão na bruxa...
C: Monstro não existe.
F: Mas eu vi, eu vi.
P: Não existe, Flavinho, como é que tu podes ter visto?
F: No escuro dá pra ver.
C: Tu tá mentindo...
P: Não é que ele está mentindo, ele está imaginando. No mundo da imaginação pode,
mas na verdade, na verdade não.
M: Tá sonhando!
P: Tá sonhando.
F: Aí eu botei a mão na bruxa assim e matei ela.
V: Bateu na cabeça da bruxa?
F: Não.
V: Aonde então?
308
F: Bati no olho da bruxa e daí na minha cabeça ficou um galo...Bah doeu! Eu fui ver,
eu botei a mão no nariz da bruxa, a bruxa quase me pegou...
Análise da narrativa
Narrativa individual (Flávio,que parte da introdução de Mariele), completa.
Conteúdo: experiência pessoal e ficcional (sonho), externa e não-imediata.
Tema: terror- bruxa- Ligado à auto-definição:enfrentamento do medo e ameaça.
Proposições: Mariele: 4 (Deixa eu contar+ Eu quero falar uma coisa+Eu quero contar
uma história de terror que apareceu pra mim na minha cama + eu fiquei com medo)
Flávio: 28 (Tinha uma casa assombrada lá+ Eu sonhei que tava lá+ mas era minha
casa + daí eu se mudei dela...+Bah daí a minha mãe botava uma bruxinha ali +daí eu
via uma bruxa bem grande sentada aqui+ mas era uma bruxinha que a minha mãe
botava + ela sentou...+ Era de verdade +Daí ela sentou aqui, né + Foi assim +É+ E eu
fiquei com medo+ Chamava os meus irmãos+ ela tinha um chapéu assim+ Aí eu
chamei a minha mãe e o meu pai + e eu botava a mão na bruxa...+ Mas eu vi,+ eu vi!
+ No escuro dá pra ver + Aí eu botei a mão na bruxa assim + e matei ela+ Bati no
olho da bruxa +e daí na minha cabeça ficou um galo...+ Bah, doeu! + Eu fui ver+ eu
botei a mão no nariz da bruxa + a bruxa quase me pegou...).
Elementos estruturais
-Introdução: Deixa eu contar. Eu quero falar uma coisa.Eu quero contar uma história
de terror que apareceu pra mim na minha cama e eu fiquei com medo (Mariele)
-Orientação: Social (eu, minha mãe, bruxinha, bruxa bem grande); Espacial (Muito
vaga: casa assombrada lá, lá, mas era minha casa, ali, aqui, aqui, no nariz da
bruxa);Temporal (Apenas continuidade : Daí=5, Aí=2);
-Complicação: A imagem da bruxa bem grande sentada perto dele no escuro o
assustou - Susto.
-Resolução: Pediu ajuda aos irmãos (o menino é filho único), aos pais, mas resolveu
sozinho, pondo a mão no olho e no nariz da bruxa e matando-a, evitando que ela o
pegasse.
-Resultado: Ficou com galo dolorido na cabeça (não refere como, se a ação de bater
na bruxa foi dele).
309
-Avaliação: Qualifica (casa assombrada), intensifica partes (Bah, daí minha mãe...,
bah,doeu), refere seu estado interno (eu fiquei com medo), defende a veracidade (Mas
eu vi, eu vi!)
Análise do contexto e participação dos interlocutores
Após um turno de introdução da colega Mariele, Flávio constrói uma narrativa
completa em nove turnos conversacionais, estabelecendo uma continuidade com a
fala da colega como se ela fosse sua. Aproveita que a professora tenta conter a turma,
e segue falando. Carlos interpreta realisticamente sua descrição, ajudando a nomear o
objeto descrito: “Era uma sombra”. A pesquisadora faz uma pergunta dirigida ao seu
estado interno e percepção (Tu enxergava ela grandona?), encorajando-o a continuar
o relato. Carina avalia a veracidade: Monstro não existe, e julga: tu ta mentindo. A
professora a princípio concorda com Carina: Não existe, como tu pode ter visto? Mas
depois reconsidera:ele tá imaginando, e diferencia: no mundo da imaginação pode, na
verdade não. Marilize define o âmbito da experiência relatada: Tá sonhando. A
professora concorda com ela. Depois a pesquisadora encoraja o menino a contar
detalhes sobre a resolução.
Narrativa 1.4
P: O Carina, tu lembra de algum pedaço da Bela e a Fera, que tu falaste nessa
história?
L: Ela falou da Bela Adormecida.
P: Da Bela Adormecida, tu lembra um pedaço dessa história?
C (pensativa): Assim:No primeiro dia que a Bela Adormecida...Teve um dia que a
Bela Adormecida nasceu. Aí no dia do... no dia do batizado dela veio três fadinhas.
Aí uma fadinha disse...deu boa sorte, a outra fadinha disse...deu muita beleza e a
outra fadinha deu muita saúde. Aí o rei e a rainha convidaram todos menos uma fada
que era do mal e aí aquela fada chegou lá e (muda para voz áspera) ‘vocês não me
convidaram então quando ela fizer quinze anos vai espetar o dedo numa roca e
morrerá para sempre’.
F: Era uma bruxa, não era uma fada.
C: Aí ela fez quinze anos. Aí ela pediu (voz delicada, suave) “ a senhora pode por
favor me ensinar a fazer crochê?”. Aí ela espetou o dedo na roca, aí chegou o príncipe
e toda floresta cresceu de espinhos e aí todo mundo desmaiou.
310
L: Dormiu.
C: Aí o príncipe beijou ela e todo mundo acordou.
P: Ai que linda essa história.
V: Gente, alguém reparou em alguma coisa que a Carina não contou dessa história?
Quem conhece essa história?
M: Eu conheço!
P: O que ficou faltando?
M: Ficou faltando que não foi isso porque tinha três fadas.
P: Ela falou três.
L: É ela falou três. A vermelha, a verde e a azul.
F: A vermelha, a verde e a azul.
Ja: A vermelha, a verde e a azul não são más.
M: O sora, a fadinha, a faudinha, a fadinha...
C: A faudinha (risos).
M: A fadinha mentiu que elas era a tia da...
P: Ah,é verdade.
M: Da princesa. Aí mandaram ela ir “a lá” buscar as coisas...
P: Na floresta.
M: Ãhã, e aí o príncipe escutou a música dela e se apaixonou por ela.
P: Marilize, tu lembrou de uma parte tão bonita dessa história né? O príncipe nem
sabia que ela era uma princesa, ele achava que ela era uma moça do campo né?
M: E aí...
Ja: Acharam uma bruxa...
P: Só um pouquinho. E aí, Marilize?
M: E aí as fada começaram a estragar o vestido assim. Primeiro uma fada tava
arrumando, aí outra fada já começou a arrumar...
L: Com a varinha! Uma botava uma cor, outra botava outra cor, outra botava outra
cor...
M: Uma botava uma cor rosa, aí outra botava uma cor...
L: Azul.
M: Azul, depois rosa, aí a outra botava azul...
L: Até que...elas se desconderam...
M: Daí sora, a princesa chegou no palco com um vestido vermelho...
311
C: Só que eu não to falando do filme, eu tô falando da história do livro.
P: O filme é diferente do livro?
Carina diz que sim, alguns dizem que não.
P.: Não temos, que pena, mas eu vou ver se consigo o livrinho.
M: Aí a outra fadinha pegou a agulha e estragou o vestido, botaram as duas cores
misturadas e estragou o vestido, ficou branco.
L: Pra princesa.
F: Pra princesa.
312
Je: É a bruxa que não quer deixar ele passar pra encontrar a princesa.
V: Como é que o príncipe derrotou a bruxa?
M: Ele lutava com uma espada.
V: Lutava com uma espada.
Co: Cortou a barriga...e saiu lá pela barriga.
F: E enfia a espada dele cravada nas costas da bruxa, do dragão. Daí acabou.
Análise da narrativa
Narrativa coletiva (iniciada por Carina), com acréscimo de outras partes da história
construído coletivamente por várias crianças (Marilize, Luciane, Janaína, Mariele,
Carina, Flávio, Joel e Carlos), completa.
Conteúdo: ficcional (de livro e filme)
Tema: Bela Adormecida (Vingança, amor, coragem e luta).
Proposições: Carina: 18, Flávio: 2, Luciane: 1 (Assim:No primeiro dia que a Bela
Adormecida...Teve um dia que a Bela Adormecida nasceu+ Aí no dia do... no dia do
batizado dela veio três fadinhas+ Aí uma fadinha disse...deu boa sorte+ a outra
fadinha disse...deu muita beleza +e a outra fadinha deu muita saúde+ Aí o rei e a
rainha convidaram todos menos uma fada que era do mal +e aí aquela fada chegou lá
+e (muda a voz) “vocês não me convidaram +então quando ela fizer quinze anos vai
espetar o dedo numa roca +e morrerá para sempre”. F: Era uma bruxa, não era uma
fada. C:Aí ela fez quinze anos+ Aí ela pediu “ a senhora pode por favor me ensinar a
fazer crochê?”+ Aí ela espetou o dedo na roca,+ aí chegou o príncipe +e toda floresta
cresceu de espinhos +e aí todo mundo desmaiou . L:Dormiu. C: Aí o príncipe beijou
ela +e todo mundo acordou). Marilize: 16;L:6; F:2; Ja: 3. Ma: 1; C:1 (M:Ficou
faltando que não foi isso porque tinha três fadas. L: É ela falou três+ A vermelha, a
verde e a azul. F: A vermelha, a verde e a azul. Ja: A vermelha, a verde e a azul não
são más. M:O sora, a fadinha, a faudinha, a fadinha... A fadinha mentiu que elas era a
tia da... Da princesa.+ Aí mandaram ela ir “a lá” buscar as coisas...+ Ãhã, e aí o
príncipe escutou a música dela e se apaixonou por ela+ E aí as fada começaram a
estragar o vestido assim+ Primeiro uma fada tava arrumando+ aí outra fada já
começou a arrumar...+ Uma botava uma cor rosa+ aí outra botava uma cor... Azul+
depois rosa+ aí a outra botava azul...+ Daí sora, a princesa chegou no palco com um
vestido vermelho...+ Aí a outra fadinha pegou a agulha e estragou o vestido+ botaram
313
as duas cores misturadas +e estragou o vestido + ficou branco. L: Pra princesa. F: Pra
princesa. L: Ela tava limpando a casa.C: Tava fazendo bolo.Ja: É tava fazendo bolo
+e estragou o bolo. L: É pegava a vassoura +e tudo derretendo...Ma: É, as coisas
faziam tudo sozinhas...). Flávio: 5; Joel: 4; Marilize: 1 e Carlos:2 (F: No final a
bruxa virou um dragão +e caiu no fogo +e daí terminou. Je: Depois o príncipe luta
com o dragão,+ que solta fogo,+ é bem grande + É a bruxa que não quer deixar ele
passar pra encontrar a princesa. M: Ele lutava com uma espada. Co: Cortou a
barriga...+e saiu lá pela barriga. F: E enfia a espada dele cravada nas costas da bruxa,
do dragão+ Daí acabou).Total:62 proposições.
Elementos estruturais
-Introdução: Assim:No primeiro dia que a Bela Adormecida...Teve um dia que
-Orientação: Social (Princesa Bela Adormecida, três fadinhas: verde, vermelha e azul,
o rei, a rainha, fada que era do mal, bruxa, príncipe, todo mundo, dragão); Espacial
(Muito vaga: lá, a lá, no palco, nas costas da bruxa);Temporal (um dia, no dia do...
no dia do batizado, quando ela fizer quinze anos, para sempre, primeiro, no final
Apenas continuidade : aí=17,daí=3, então=1, depois=1);
-Complicação: fada do mal que não foi convidada anuncia desgraça futura (ameaça);
a princesa espetou o dedo na roca, a floresta cresceu de espinhos e todo mundo
desmaiou (desmaio); briga das fadas colorindo/estragando o vestido (desacordo);
príncipe luta com o dragão/bruxa (luta).
-Avaliação: Qualifica: fada que era do mal, é bem grande; Refere estado interno de
personagem: o príncipe escutou a música dela e se apaixonou por ela . Muda
entonação na fala dos personagens:Expressão de má/expressão de boa.
Análise do contexto e participação dos interlocutores
Difícil contar turnos conversacionais, pois não há um único narrador. A
princípio Carina assume o papel de narradora, de forma autônoma. Ninguém
interfere. Ao escutar a fala da fada do mal, Flávio faz um comentário de avaliação:
“Era uma bruxa, não uma fada”, corrigindo a colega. L. também corrige palavra
314
utilizada “desmaiou”, para “dormiu”. Isso parece ter tido o efeito de fazer com que
Carina abreviasse o resto da narrativa, pulando para o final. A professora faz
comentário elogioso à história. A pesquisadora propõe a participação das demais
crianças no reconto, apontando para a existência de lacunas. Sem nem saber ainda
como argumentar, Marilize questiona a narrativa da colega: “Ficou faltando que não
foi isso porque tinha três fadas.” Isso não tinha fundamento, sendo logo corrigido
pela professora e por Luciane, que acrescenta as cores das três fadas. Isso é repetido
em “eco” por Flávio, e depois por Janaína, que acrescenta ainda um comentário de
avaliação: ...não são más. Marilize novamente tenta acrescentar informações à
narrativa, mas erra uma palavra: “A faudinha”. Carina repete rindo (deboche), mas
M. insiste e a professora adivinha o que a menina procura dizer, de forma
atrapalhada, concordando: Ah,é verdade. Isso encoraja M., que segue contando um
trecho importante da história. Embora de forma vaga, a professora identifica a
situação relatada, e nomeia: “na floresta”. Por fim a professora elogia a participação e
a parte recordada, e se refere ao estado interno de personagem: “O príncipe nem sabia
que ela era uma princesa, ele achava que ela era uma moça do campo né?” Quando
Janaína tenta trazer outro detalhe, a professora não permite, focalizando novamente
em Marilize. Esta traz a briga das fadas pela escolha da cor do vestido da princesa, o
que gera uma participação entusiasmada de Luciane. Ambas formam uma espécie de
dueto relatando as transformações de cor. Carina desencoraja essa parceria,
questionando a versão contada (possivelmente sentindo a sua versão, tirada do livro,
como mais valorizada no contexto). Isso realmente causa repercussão na professora
(O filme é diferente do livro?), gerando polêmica entre as crianças. Mariele quer
resolver a situação de forma prática, checando no livro, que no entanto não está
disponível. A professora deixa em aberto a possibilidade de consegui-lo. Marilize
segue contando a história que conhece, a partir de onde havia parado, e Luciane
retoma o dueto sobre a cor do vestido. A pesquisadora faz pergunta dirigida à
avaliação(causalidade): Por que faziam aquele vestido? Luciane, e Flávio (em “eco”)
responderam “Para quem” era o vestido(a Princesa), e as meninas voltaram a falar de
detalhes da atividade das fadas naquela cena do filme. Estão visivelmente “revendo”o
filme enquanto contam, não se preocupando em situar quem faz o que, onde ou por
que. A professora depois estimula duas vezes as crianças a acrescentarem mais
informações (“mais um pedacinho da história”). Flávio se oferece, os colegas o
315
apóiam efusivamente, repetindo “A bruxa”. Joel acrescenta informações sobre a
complicação, e expressa corporalmente a intensidade da luta do príncipe com o
dragão (Dramatiza). A pesquisadora faz pergunta referente à avaliação (causalidade):
por que tinha que lutar. Depois faz questão dirigida à resolução: Como derrotou?
Marilize e os meninos Joel, Carlos e Flávio se alternam para explicar, e Flávio pontua
o término da história.
Narrativa 1.5
V: Gente, então agora...Olha, quantas coisas vocês trouxeram sobre essa história.
Vamos tentar contar ela do começo até o fim, colocando tudo isso que vocês
disseram?
Crianças (Em coro): Sim!
V: Vamos contar assim...Todo mundo escutou? Todo mundo acha que tem a história
na cabeça pra contar?
F: Vamos pegar a história da Bela Adormecida! Lá na biblioteca!
P: Vamos ver então!
V: Quem começa a contar? Era uma vez...
L: Pra ela, pra ela! (Aponta para Mariele).
V: A Mari?
Ma: Não, eu quero brincar!
F: Eu também quero brincar. Quero ir na pracinha.
V: Só pra terminar gente. Só participa quem quiser.
F: Então vamos contar só um pedaço!
V:Vamos tentar toda a rodinha, cada um conta um pedaço?
P:Carina, tu quer começar?
V: Quer começar Luciane?
C: Que sora?
P: Quem vai começar então?
C: Eu!
L: Ela vai começar.
P: Tá.
V: Então começa Carina! Começa! Vamos contar tudo de novo agora, cada um conta
um pedacinho.
316
Crianças conversam.
V: Então vamos começar?
C: Tá, mas ninguém tá escutando!
P: Então todo mundo vai escutar.
F: Eu começo falando era uma vez: Era uma vez...
C: Um gato japonês, jogando xadrez...
F: Era uma vez...
L: Tá, começa Carina.
P: Era uma vez...
F: A história! Era uma vez...
C: No dia do batizado da Bela Adormecida todas as fadinhas foram convidadas e todo
mundo lá do ..., que moravam lá, que o rei e a rainha conheciam foram convidados,
menos uma fada que era má, uma fada. E ela chegou lá e disse “vocês vão se vingar,
eu vou me vingar de vocês”.
V: Agora alguém quer continuar?
C: “Quando ela fizer 15 anos vai espetar o dedo numa roca e morrerá para sempre”.
P: E aí?
V: Quer continuar?
M: Não morrerá, ela vai desmaiar.
C: Ela vai desmaiar só que a fada pensa que ela vai morrer pra sempre.
P: E aí, o que aconteceu depois?
Ma: Diz que eu não vou mais contar.
V: Quem quer continuar? Ela disse que ela ia morrer e aí?
Je: E mentiu pro príncipe.
V: E mentiu pra quem?
C: Vocês não acham que dá pra eu contar toda a história e eu vou passando e cada um
conta a sua história preferida até o fim e vai passando, passando, passando...
P: Como assim? Não entendi!
C: Assim, eu conto uma história sozinha até o fim e quando acabar a minha história
eu vou passar pra Juliana, a Juliana vai passar pro Joel, o Joel vai passar pro do lado,
o lado vai passar pra Tamires...
L: E vai passar pra ti! Eu posso explicar? Tu vai passar pra ela, que vai passar pra
ela...
317
P: Eu acho que a idéia é boa, mas tem gente que não tá mais com vontade de ficar na
rodinha .
V: E eu acho também que a gente já contou a história, né? A Carina já falou bastante,
depois outras pessoas lembraram coisas importantes da história. A história já foi
contada, né gente? Outro dia a gente conta mais.
Je: Cada dia a gente conta um pedaço.
Análise da narrativa
Narrativa individual (Carina), incompleta, já que não aconteceu a planejada
continuação desta por outras crianças.
Conteúdo: ficcional (de livro)
Tema: Bela Adormecida. Vingança.
Proposições: 11 (F.: Era uma vez. C:No dia do batizado da Bela Adormecida todas as
fadinhas foram convidadas + e todo mundo lá do ..., que moravam lá, que o rei e a
rainha conheciam foram convidados,+ menos uma fada que era má, uma fada. + E ela
chegou lá +e disse “vocês vão se vingar, + eu vou me vingar de vocês. + Quando ela
fizer 15 anos vai espetar o dedo numa roca +e morrerá para sempre”..+ Ela vai
desmaiar +só que a fada pensa que ela vai morrer pra sempre.)
Elementos estruturais
-Introdução: Flávio: Era uma vez.
-Orientação: Social (Bela Adormecida, todas as fadinhas, o rei, a rainha, todo mundo
que morava lá, fada má); Espacial (Muito vaga: lá do..., lá=2);Temporal (no dia do
batizado, quando ela fizer quinze anos, para sempre);
-Complicação: fada má que não foi convidada anuncia vingança futura (Ameaça,
risco).
318
pesquisadora nem a professora respondem ou consideram essa possibilidade. Luciane
tenta passar a palavra à Mariele, que recusa e explicita o desejo de brincar, assim
como Flávio. Mas este depois oferece-se para fazer sua parte: o convencional “Era
uma vez”, que repete mais duas vezes depois. Mesmo Carina resiste e faz uma
tradicional rima: “...um gato japonês que jogava xadrez”. Por insistência da
pesquisadora, professora e Luciane, começa a contar a história. Marilize interfere
corrigindo o que Carina coloca como a fala da fada má: Não vai morrer, só desmaiar.
Ou seja, seu conhecimento sobre a maneira como a história se desenvolve interfere na
compreensão do ponto de vista da personagem naquele momento da história. Isto é
assinalado por Carina: “Ela vai desmaiar, só que a fada pensa que ela vai morrer pra
sempre”. A professora segue encorajando a continuidade da narrativa de Carina,
enquanto a pesquisadora tenta abrir para outros participarem. Mariele se aborrece e
sugere à Carina que diga que não quer continuar. Joel procura colaborar, mas de
forma vaga. Ninguém mais aceita o papel de narrador. Carina propõe uma ordem já
convencionada na rotina da escola: Cada um conta sua história de cada vez, do início
ao fim, e segue no sentido da roda. Luciane a ajuda a explicar sua sugestão à
professora, que elogia a idéia, mas reconhece então as verdadeiras necessidades da
maior parte da turma. A pesquisadora valoriza o que foi produzido e encerra a sessão.
Joel ainda acrescenta a sua sugestão: “Cada dia a gente conta um pedaço”, mostrando
sua boa vontade em relação à tarefa. Interessante a preocupação de algumas crianças
em dar sugestões funcionais ao trabalho, mostrando uma postura ativa e boa
disposição à continuidade da tarefa.
Narrativa 2.1
C: Era uma vez um baú. Um dia um moço tava passeando por uma floresta...Aí ele
viu um baú.
P: Aí ele viu um baú, legal...
319
C: Ele tavam passeando na floresta e ele viu um baú e pensou que tava cheio de
tesouros (enfatiza a sílaba) valiosos e jóias (faz expressão concentrada, séria e
longínqua de contadora de histórias), ficou curioso e ele chegou muito perto, muito
perto e se abaixou e abriu o baú e tomou um susto. Aí o outro...
V: Por que ele se assustou? O que assustou ele?
Co: Tinha dois porco espinho!
M segura o livro aberto: Foi isso daqui. Isso daqui ó. Por causa que isso daqui era um
diabo.
L: Eram pessoas que tavam ali fingindo só para assustar eles.
P: Eram pessoas que estavam...?
L: Ali só pra assustar eles.
C: Aí eles saíram correndo e eram duas crianças fantasiadas, fingindo que eram
monstros...
Co: Aí a mulher tomou um susto.
C.: Aí uma moça andando na floresta achou que eram vestidos valiosos.
P: Quer contar um pedacinho? Ajuda Natália!
N : Aí ela abriu e viu um fantasma e saiu correndo.
P: Alguém quer contar mais um pedacinho? Ó a Talita vai contar, depois a Natália.
Talita. Talita...
A menina se encolhe na cadeira.
F: Ela tá com vergonha!
P: Marilize! Quer contar um pedacinho?
M: Daí ele pegou, abriu o baú. Aí ele viu que as pessoas tavam usando uma roupa,
daí pegou e as crianças se assustaram e trancou o baú. Daí veio os homem que tavam
lá e se vestiram de...
Co: De diabo! De jacaré!
M: Ai! Não é de diabo!
C: Não, é de pássaro!
F: Que pássaro...
P: Tá, o que aconteceu? Vamos continuar a história. E aí?
N: E aí aconteceu que ele tava chegando perto mais ainda do baú e abriu e viu um
fantasma.
Falam ao mesmo tempo
320
P: E aí?
N: Deitou no baú.
V: Aí ele deitou no baú. Ele quem?
N: O jacaré.
V: O jacaré.
N: Não é jacaré. Jacaré não deita no baú. Pode ser...(reflete)
P: Mas é uma história, né?
Co: É crocodilo.
N: É. Aí um tirou a máscara e o outro saiu correndo.
Co: Ele se vestiu de....
P: E aí Carina, o que aconteceu?
C: Aí... a moça e o moço eles se vestiram de... em forma de pássaro e assustaram...
Co: Não!
L: Ela vai inventar!
P: É o bico dum pássaro!
Ta: É uma mulé...
N: Não, é uma vaca.
P: Mas é o bico de um pássaro, olha aqui.
V: Tu achaste parecido com uma vaca, é?
N: Uma vaca pássaro.
C: Uma vaca, pata, camelo...
N: Pássaro!
P: Tá e aí?
C: Eles tentaram assustar as crianças. Eles foram correndo atrás da árvore...
F: Um poste!
C: O jacaré tava dentro do baú. E então, depois, todo mundo se escondendo. Eles
assustaram o jacaré e o jacaré assustaram eles. E então e eles riram, riram...
N: E viveram felizes para sempre!
V: Ficaram rindo para sempre?
N: É, isso mesmo.
P: Olha que legal esse fim. Esse é o fim?
N: Ficaram felizes para sempre.
Análise da narrativa
321
Narrativa coletiva (Carina, Natália, Marilize, com a participação de Luciane, Carlos,
Flávio, Talita), completa.
Conteúdo: ficcional (do livro “Zuza e Arquimedes”, de Eva Furnari)
Tema: Brincadeira de assustar os outros. (Ligado à autodefinição envolvida na
relação com os pares: novo poder de provocar efeitos, reações). Exploração do
desconhecido. (Mundo mais amplo).
Proposições: Carina: 21; Natália:14; Marilize:8; Carlos:5; Luciane:2; Flávio:1;
Talita:1. Total: 52 (Carina: Era uma vez um baú.+Um dia um moço tava passeando
por uma floresta...+Aí ele viu um baú. +Ele tavam passeando na floresta +e ele viu
um baú +e pensou que tava cheio de tesouros valiosos e jóias,+ ficou curioso +e ele
chegou muito perto, muito perto +e se abaixou +e abriu o baú +e tomou um susto. Aí
o outro... Carlos: Tinha dois porco espinho! Marilize: Foi isso daqui. Isso daqui ó.+
Por causa que isso daqui era um diabo. Carina: Aí eles sairam correndo +e eram duas
crianças fantasiadas,+ fingindo que eram monstros...Carlos: Aí a mulher tomou um
susto.Carina: Aí uma moça andando na floresta achou que eram vestidos valiosos.
Luciane: Eram pessoas que tavam ali fingindo + só para assustar eles. Natália : Aí ela
abriu +e viu um fantasma +e saiu correndo. Marilize: Daí ele pegou, abriu o baú.+Aí
ele viu que as pessoas tavam usando uma roupa,+daí pegou e as crianças se
assustaram + e trancou o baú. + Daí veio os homem que tavam lá +e se vestiram de...
Carlos: De diabo!+ De jacaré! Carina: Não, é de pássaro! Natália: E aí aconteceu que
ele tava chegando perto mais ainda do baú +e abriu +e viu um fantasma.+ Deitou no
baú.O jacaré. Carlos: É crocodilo.Natália: Aí um tirou a máscara +e o outro saiu
correndo.Carina: Aí... a moça e o moço eles se vestiram de... em forma de pássaro + e
assustaram... Talita: É uma mulé... Natália: Não, é uma vaca.+Uma vaca
pássaro.Carina: Uma vaca, pata, camelo...Natália: Pássaro! Carina: Eles tentaram
assustar as crianças.+ Eles foram correndo atrás da árvore... Flávio: Um poste!
Carina: O jacaré tava dentro do baú.+ E então, depois, todo mundo se escondendo.+
Eles assustaram o jacaré +e o jacaré assustaram eles.+ E então e eles riram,
riram...Natália: E viveram felizes para sempre! Natália: Ficaram felizes para sempre.
Elementos estruturais
-Introdução: Carina: Era uma vez.
-Orientação: Social (um moço, dois porco espinho, um diabo, duas crianças
fantasiadas, uma moça, a mulher, pessoas, um fantasma, ele, os homem, o jacaré, o
322
crocodilo,mulé, vaca, vaca-pássaro, vaca-pata-camelo, pássaro); Espacial ( na
floresta, muito perto, muito perto, perto mais ainda do baú, no baú, dentro do baú,
atrás da árvore, ali, lá,);Temporal (um dia, para sempre, então; Continuidade: aí=10,
daí=3, então=1, depois=1)Elementos de apoio (baú, fantasias, máscara, árvore);
-Complicação: um homem e uma mulher se assustam com as crianças fantasiadas
dentro do baú; as crianças fantasiadas se assustaram com “ele” (jacaré, crocodilo) que
abre o baú; o moço e a moça fantasiados de algo indescritível (vaca-pássaro, vaca-
pata-camelo, pássaro) se assustam com o jacaré que está no baú, o jacaré se assusta
com eles. (Susto, quatro vezes)
-Avaliação: Intensificação: muito perto, muito perto, perto mais ainda, foi isso daqui.
Isso daqui ó!; Refere estado interno de personagens: pensou que tava cheio de
tesouros valiosos e jóias (intenção e idéia, expectativa), ficou curioso (sentimento),
tomou um susto (emoção), tavam ali fingindo só pra assustar eles (intenção), a
mulher tomou um susto (emoção), achou que eram vestidos valiosos (idéia,
expectativa), as crianças se assustaram.
323
que antecipa o resultado do próximo trecho (a mulher tomou um susto). Quando
Carina acaba de contar um trecho, a professora estimula diretamente Natália a
participar, mas quando esta fala uma única frase, a professora já muda o foco para
Talita, que se intimida, sendo interpretada por Flávio (ela tá com vergonha). A
professora então estimula diretamente Marilize a contar “um pedacinho”. A menina
narra mais uma parte. É interrompida por Carlos que quer nomear a fantasia usada
(De diabo! De jacaré!), o que Marilize rejeita. Carina também tenta nomear: “Não, é
de pássaro!”, e Flávio é quem rejeita a possibilidade: “Que pássaro...” Diante do
impasse, a professora estimula a continuidade da narrativa: “Tá, o que aconteceu?
Vamos continuar a história. E aí?” Natália assume a narrativa, e a professora faz outra
intervenção no sentido da continuidade: E aí? A pesquisadora depois repete frase da
menina e pede esclarecimento sobre orientação social: “Aí ele deitou no baú. Ele
quem?”, repetindo depois a resposta de Natália: “o jacaré”. Em seguida a menina
questiona a própria resposta, confrontando com a experiência real: “Não é jacaré.
Jacaré não deita no baú. Pode ser...” A professora valida a resposta, estimulando o
aspecto imaginativo: “Mas é uma história”. Carlos dá um nome similar: “É um
crocodilo”, Natália aceita e prossegue. A professora passa novamente a palavra à
Carina, estimulando a continuidade da narrativa. A menina tenta narrar, mas ocorre
de novo o impasse da turma na definição da fantasia usada (Parece que o grande
impasse da turma é definir o que as coisas são, o que já envolve necessidades
categoriais): Carlos grita “Não!” à nomeação de Carina, Luciane tenta contextualizar
no âmbito da imaginação (Ela vai inventar), e a professora concorda com Carina (mas
é um bico de pássaro), mostrando a gravura do livro. Talita fala do que está dentro da
fantasia: “é uma mulé”, e Natália levanta outra possibilidade: “É uma vaca”. A
pesquisadora estimula o desenvolvimento desta possibilidade: “Tu achaste parecida
com uma vaca?” (De fato a fantasia tem um corpo semelhante a uma vaca). Aí
Natália começa a integrar contribuições: “Uma vaca-pássaro”, e Carina amplia a
fusão: “Uma vaca-pata-camelo...” e Natália completa: “pássaro”. A professora então
estimula a continuidade (Tá, e aí?),e Carina assume o final da narrativa. Flávio ainda
tenta corrigi-la quanto à nomeação de elemento da narrativa (árvore): “poste!”, mas a
menina não o considera. Natália arremata o fechamento: Viveram felizes para
sempre. A pesquisadora integra com o final de Carina (Ficaram rindo, rindo), e
324
propõe: Ficaram rindo para sempre? E Natália repete, integrando: Ficaram felizes
para sempre.
Narrativa 2.2:
A pesquisadora pergunta se alguém mais gostaria de contar a história toda. Natália,
Luciane e Talita querem segurar o livro, Marilize quer contar e desiste quando afinal
lhe é oferecido que conte. Acabam Natália e Luciane ficando cada uma com um livro.
A primeira conta a história, e a segunda tenta sincronizar com ela, virando as páginas.
Natália mostra a cada página as ilustrações aos colegas, como fazem a professora e a
bibliotecária. Isto torna lento e interrompido o contar da história.
N: Tá, eu conto! O senhor tava numa floresta e encontrou um baú.
C: Posso mostrar, sora?
N: Depois tu mostra. Aí ele chegou perto do baú. Aí ele abriu e tomou um susto e
saiu correndo.
V: Como será que eles fizeram, os meninos? Os diabos ali, como será que eles
fizeram?
N: Eu sei!
L: Eu sei!
V: Como?
N: Vestiram de monstros, sei lá!
V: Mas eles fizeram algum barulho, assim(faz gesto de quem dá um susto em
alguém): Uuuu!...?
N: Não... Eu vou inventar! Daí ele fez um barulho...(mas não fez nada)
P: E aí? Só um pouquinho, Joel.
N: Aí eles se trancaram de novo no baú e uma senhora que tava passando numa
floresta encontrou o baú.
L: Eu vou mostrar pra todo mundo olhar.
N. levanta também o seu livro e mostra a gravura aos colegas.
P: E aí?
N: E aí ela abriu o baú e saiu dois monstros assustadores, que eram duas crianças.
P: Mostra, Natália, as figuras pros outros olharem.
N mostra e chama atenção da colega que não está olhando: Carina!
325
Preocupa-se que os colegas estejam escutando, reclamando à professora que um
deles não está prestando atenção, ao que a professora responde que ele não precisa
prestar atenção se não quiser.
P: Tá, e aí?
V: E aí, quem veio?
N: Um dragão... Ou um jacaré, sei lá.
L: Um crocodilo!
N:Tá.
P: Um jacaré, ou dragão ou crocodilo, é isso?
N: Tá, vamos pra próxima.
P: Tá, e aí?
N:Aí eles fugiram pé, por pé, por pé...
P: E aí?
L: Vai falar duas vezes que eles chegaram pé por pé?
N: Não! E abriu o baú.
C : Que tal tu fazer assim ó: ela (Luciane) vai mostrando e tu sem o livro vai
contando?
N: Depois eu dou pra ti!
P: Tá, mas agora a gente tem que terminar desse jeito. Vamos lá! E aí, Natália? Pode
virar.
N: E aí eles...O menino deitou... Vai mostrando que eu vou lendo.
L: Mas eu tô mostrando! Tá, mudou (de página)!
N: Eu vou mudar(de página).Ele foi para cima e veio uma galinha...
L: Não é galinha, é passarinho!
N: É uma galinha.
L:Mas era um passarinho também.
P:Tá e aí?
N: Ele estava assustando a criança. As crianças estavam com medinho atrás do tronco
da árvore.
F: Álbum?
L: Árvore!
V: Acho que é do outro lado (ela mostrava a página errada).
N: É, tá do lado errado! (risos) E aí ele... A galinha saiu correndo...
326
P: A galinha saiu correndo do...?
Je: Do jacaré.
N: Ele abriu...Eles já sairam correndo...Ela, ele...A menina e o menino, tavam atrás
do tronco duma árvore e se esconderam.
P: E aí?
N: E aí eles foram felizes para sempre! Acabaram o assunto. Perto do final, Natália
apressa a narrativa. Talita e Marilize a toda hora perguntam à pesquisadora se
podem ir lá filmar.
P: Muito bem! Palmas.
Batem palmas.
Análise da narrativa:
Narrativa individual (Natália), incompleta.
Conteúdo: ficcional (do livro “Zuza e Arquimedes”, de Eva Furnari)
Tema: Medo do desconhecido, do que não dá para definir.
Proposições: 28(O senhor tava numa floresta + e encontrou um baú.+ Aí ele chegou
perto do baú. + Aí ele abriu + e tomou um susto + e saiu correndo.+ Vestiram de
monstros, sei lá. + Daí ele fez um barulho...+ Aí eles se trancaram de novo no baú +e
uma senhora que tava passando numa floresta encontrou o baú.+ E aí ela abriu o baú
+e saiu dois monstros assustadores, + que eram duas crianças.+ Um dragão... Ou um
jacaré, sei lá.+ Aí eles fugiram pé, por pé, por pé...+ E abriu o baú.+ E aí eles...O
menino deitou...+ Ele foi para cima +e veio uma galinha...+ Ele estava assustando a
criança.+ As crianças estavam com medinho atrás do tronco da árvore.+ E aí ele... A
galinha saiu correndo...+ Ele abriu...+ Eles já sairam correndo...+ Ela, ele...A menina
e o menino, tavam atrás do tronco duma árvore + e se esconderam. + E aí eles foram
felizes para sempre!+ Acabaram o assunto).
Elementos estruturais
-Introdução: Tá, eu conto.
-Orientação: Social (o senhor, uma senhora, dois monstros assustadores que eram
duas crianças, um dragão/jacaré, o menino, uma galinha, a menina); Espacial (numa
floresta,perto do baú, no baú, para cima, atrás do tronco da árvore );Temporal (Para
sempre; Continuidade: Aí=8, Daí=1)Elementos de apoio ( baú);
-Complicação: Crianças disfarçadas assustam senhor e senhora; galinha assusta
crianças.
327
-Resolução: Se esconderam e foram felizes para sempre.
Narrativa 2.3
A pesquisadora depois propõe que as crianças representem a história. A professora
ajuda a explicar com um termo mais familiar a elas: “Fazer um teatro”. A
pesquisadora estimula as crianças a enumerar os personagens, o que é feito com
entusiasmo. Natália sugere que elas façam um desenho e pendurem no varal da sala
(como estão acostumados a fazer após as histórias), e a professora reforça a proposta
328
do teatro. V. propõe a escolha dos personagens, e várias crianças se oferecem ao
mesmo tempo, até para mais de um papel. A professora começa então a indicar as
crianças para os papéis. Natália assume uma impressionante liderança nesta tarefa, ao
lado da professora. Quando a pesquisadora pergunta quem vai contar a história, a
menina indica a professora, e esta aceita. O baú é representado por duas ou três
crianças de mãos dadas.
P. (com o livro na mão): Vai começar.
V: Eu vou filmar aqui gente! Vem, Marilize(que, impaciente, tentava antes filmar),
me ajudar.
A prof. conta a história, e as crianças representam seus papéis.
P: Era uma vez um baú. No meio da floresta tinha um baú. Aí chegou um senhor
(Entra F) e ele chegou bem pertinho do baú e foi espiar o que tinha lá dentro (F olha
para dentro da roda de crianças) quando de repente saíram dois monstros e
assustaram o senhor (L e Ma saem “de dentro do baú” e assustam F). E ele saiu
correndo. Aí, as crianças riram e se esconderam de novo dentro do baú (L e Ma se
sentam no meio da rodinha). Aí foi chegando uma senhora (entra N). A senhora se
aproximou do baú quando de repente... (L e Ma levantam e N grita) E saiu correndo
assustada. Aí, veio chegando bem devagarinho um jacaré. (Entra F). O jacaré olhou,
chegou bem pertinho, quando de repente... (L e Ma levantam e gritam) O jacaré não
saiu correndo. Ele entrou dentro do baú e se escondeu lá dentro. As crianças ficaram
atrás de uma árvore espiando. (L e Ma espiam por trás de C ). Quando se aproximou
o bicho estranho que parecia um pássaro, parecia uma vaca, um dragão ou uma
galinha. O que era aquilo? Daí ele chegou bem pertinho do baú e o jacaré apareceu e
assustou o bicho. (Je aparece e todos saem gritando). O bicho era... (inaudível, pois
todos gritam e correm. Mas a professora deve ter se referido ao homem e à mulher
antes assustados pelas crianças, que agora usavam o disfarce de “bicho”). E eles
viveram felizes e rindo para sempre. (Todos batem palmas)
Análise da narrativa:
Narrativa individual (Professora), completa, com as crianças dramatizando a história.
Conteúdo: ficcional (do livro “Zuza e Arquimedes”, de Eva Furnari)
Tema: Brincadeira de assustar os outros
Proposições: 27 (Era uma vez um baú.+ No meio da floresta tinha um baú.+Aí
chegou um senhor+ e ele chegou bem pertinho do baú +e foi espiar o que tinha lá
329
dentro,+ quando de repente saíram dois monstros +e assustaram o senhor.+ E ele saiu
correndo.+ Aí, as crianças riram +e se esconderam de novo dentro do baú.+ Aí foi
chegando uma senhora .+ A senhora se aproximou do baú, quando de repente...+ E
saiu correndo assustada.+Aí, veio chegando bem devagarinho um jacaré.+ O jacaré
olhou, +chegou bem pertinho, quando de repente...+ O jacaré não saiu correndo.+
Ele entrou dentro do baú +e se escondeu lá dentro. +As crianças ficaram atrás de uma
árvore espiando.+ Quando se aproximou o bicho estranho que parecia um pássaro,
parecia uma vaca, um dragão ou uma galinha.+ O que era aquilo?+ Daí ele chegou
bem pertinho do baú +e o jacaré apareceu +e assustou o bicho. + O bicho era... + E
eles viveram felizes e rindo para sempre).
Elementos estruturais
-Introdução: Era uma vez
-Orientação: Social (o senhor, dois monstros, as crianças, uma senhora, um jacaré, o
bicho estranho); Espacial (no meio da floresta, bem pertinho=3, lá dentro, dentro do
baú, atrás de uma árvore); Temporal (Quando de repente= 3, bem devagarinho, para
sempre; Continuidade: Aí=4, Daí=1)Elementos de apoio ( baú);
-Complicação: Duas crianças disfarçadas de monstros assustam adultos; crianças são
assustadas pelo jacaré; bicho estranho é assustado pelo jacaré.
-Resolução: O bicho estranho era... (os adultos fantasiados). Viveram felizes e rindo
para sempre.
330
história, olhando para as crianças que entrariam em cena em cada momento, como
uma “deixa”, e cada um representou adequadamente o seu personagem na hora certa.
Interessante notar que a professora, ao contar a história, usava de muita expressão, e
incorporava elementos trazidos antes pelas crianças, como as várias possibilidades de
um personagem (pássaro, galinha, vaca, dragão), ou o modo de fechar a história:
“Viveram felizes e rindo para sempre”.
Narrativa 3.1
Após ter relatado que uma das coisas que chamou a atenção durante o tempo de
convivência com elas foram as várias histórias que contaram sobre cachorros e
filhotes, a pesquisadora conta às crianças que sua cachorra Dálmata teve uma
ninhada.
Mariele: A minha mãe tinha uma dálmata lá no serviço dela. Ela ia trazer pra casa,
mas não trouxe por causa que o outro lá, do serviço dela.. é que assim, é por causa
que... e trazer pra lá pra mim levar por causa que o nosso cachorro que nós já temo.
P: Tá.
V: A tua mãe trabalha numa clínica, né?
Mariele: (confirmando com a cabeça) E ela é uma cadela, e o que já tenho em
casa...E ela é uma cadela e daí, daí aquela outra cadela, minha mesmo, ela já fez três
vezes filhotinho. Daí na última vez que ela fez filhotinho... Morreu um e um morreu
no outro dia e os resto morreu num outro dia. Daí ela, daí eu fiquei chorando por
causa... Daí eu pedi pro Deus me ajudar.
Análise da narrativa:
Narrativa individual (Mariele), completa.
Conteúdo: Experiência pessoal, externa e não-imediata.
Tema: morte de filhotes de cachorro (Ligada à constelação familiar).
331
Proposições: 13 (A minha mãe tinha uma dálmata lá no serviço dela.+ Ela ia trazer
pra casa,+ mas não trouxe +por causa que o outro lá, do serviço dela.. é que assim, é
por causa que... e trazer pra lá pra mim levar por causa que o nosso cachorro que nós
já temo.+ E ela é uma cadela,+ e o que já tenho em casa...+E ela é uma cadela +e daí,
daí aquela outra cadela, minha mesmo, ela já fez três vezes filhotinho. + Daí na
última vez que ela fez filhotinho... Morreu um +e um morreu no outro dia +e os resto
morreu num outro dia. +Daí ela, daí eu fiquei chorando por causa... +Daí eu pedi pro
Deus me ajudar).
Elementos estruturais
-Orientação: Social (minha mãe, dálmata, o outro lá do serviço dela, nosso cachorro
que eu já tenho em casa, outra cadela, minha mesmo, filhotinhos, eu, Deus); Espacial
(no serviço dela, pra casa, em casa); Temporal ( Freqüência: três vezes; Seqüência
dos acontecimentos: na última vez; no outro dia, num outro dia)
-Complicação: impossibilidade de ter outra cachorra, pois tem cachorro (está
implícito o problema de que cadelas engravidam), e a ninhada da cachorra da casa
morreu: “o nosso cachorro que nós já temo. E ela é uma cadela, e o que já tenho em
casa...E ela é uma cadela e daí, daí aquela outra cadela, minha mesmo, ela já fez três
vezes filhotinho. Daí na última vez que ela fez filhotinho... Morreu um e um morreu
no outro dia e os resto morreu num outro dia.” (Necessidade pessoal impossibilitada
pelas circunstâncias; nascimento e morte de cachorros)
-Avaliação: Estabelece relação de causalidade por repetição: por causa que o nosso
cachorro que nós já temo... E ela é uma cadela, e o que já tenho em casa...E ela é uma
cadela. Refere manifestação emocional: Daí eu fiquei chorando.
332
Com isso a menina prosseguiu e contou o que era problemático na situação: a
possibilidade de gravidez da cadela e morte dos filhotes, com que já tinha sofrido
anteriormente.
Narrativa 3.2
Co: Ô sora, eu tenho dois dálmata. Um morreu, um filhotinho bem pequenininho,
bem gordinho. O meu irmão foi pegar e tinha, tinha um que nos mordia. O meu irmão
pegou, aí, aí, ãh...Ele morreu.
P: Ah.
Co: O filhotinho.
P: Que pena. Gente, eu tô louca pra ouvir o que a Vivian vai falar.
Análise da narrativa:
Narrativa individual (Carlos), incompleta.
Conteúdo: Experiência pessoal, externa e não-imediata.
Tema: morte de filhote de cachorro (Ligada à constelação familiar).
Proposições: 6 (Ô sora, eu tenho dois dálmata.+ Um morreu, um filhotinho bem
pequenininho, bem gordinho.+ O meu irmão foi pegar +e tinha, tinha um que nos
mordia. +O meu irmão pegou,+ aí, aí, ãh....Ele morreu. O filhotinho).
Elementos estruturais
-Introdução: O sora
-Orientação: Social (dois dálmata, um filhotinho, meu irmão); Temporal (
Continuidade: aí, aí...); Situação comportamental (Tinha um que nos mordia).
-Complicação: Fica implícito que algo aconteceu entre o irmão (pequeno) de Carlos
pegar o cachorro, e sua morte. Possivelmente o filhote o mordeu e ele deixou
cair(Morte de cachorro).
333
informações e muda o foco para a tarefa que será trazida pela pesquisadora (Gente, eu
tô louca pra ouvir o que a V. vai falar).
Narrativa 3.3
A partir daí a pesquisadora narrou às crianças as histórias que trouxe. O texto
impresso das histórias aparecerá em destaque abaixo.
V: Então, eu vou contar primeiro qual? (Algumas crianças apontam a do vira-lata) A
do vira-lata? Aqui tá a casinha do vira-lata. (Mostra o livro)
Ci: Ô sora...
P: Vamos ouvir a história?
V:Que cachorrada é essa que dorme na rua, debaixo das estrelas, olhando pra lua?
(Mostra o livro).
M: Cachorrada malucada.
P sai da rodinha e da sala.
V: Era uma família de cães vira-latas que fuçam no lixo, mas que são camaradas.
(Mostra o livro. Os meninos sentam no chão, de frente para o livro). Pois foi dessa
família, sem eira nem beira, que nasceu Totó, um cãozinho magricelo, feinho de fazer
dó. (Mostra o livro).
F: Deixa eu ver sora. Totó. Ah, é esse o Totó.
Crianças riem.
M: Pára! Deixa a sora contar!
V: Andava atrás das pessoas, abanando a cauda todo contente, querendo arranjar um
dono, e fazia festa pra toda a gente. (Mostra o livro)
Toca um telefone.
Lu: Tá tocando o telefone da P. (professora)!
V: Vamos continuar a história?
Algumas crianças levantam e vão em direção a bolsa de P.
Lu diz a M: Não mexe.
V: Acho que parou.
Lu: Não mexe Marilize,não pega a bolsa da sora!
V: Vamos lá?
C levanta.
V: Quer sentar mais pertinho, Carina?
334
C confirma acenando a cabeça. Senta-se. Crianças refazem a rodinha, mas falam ao
mesmo tempo. Co e C acenam para a câmera. Crianças ficam inquietas e levantam-
se. F pega o outro livro e V. retira dele dizendo: Depois eu conto esse.
V: Então, ele tava procurando um dono, saindo atrás das pessoas, abanando o
rabinho. Ele era um cachorro assim sem graça...
Lu (de pé): Pára, Marilize, que tu tá mexendo na bolsa...
Crianças continuam dispersas, levantam-se e falam todas ao mesmo tempo.
V: Ninguém quer pegar ele pra adotar.Ele não tem dono. Gente, vamos sentar de
novo? Lu, senta tá?
L xinga N: Pára não é prá pegar, a minha mãe disse... N havia pegado um objeto na
mesa da professora e L devolve.
V: Cristiano, senta aqui?Tá quase acabando.
F senta-se no lugar de M que tenta levantá-lo dizendo: Sora, aqui é o meu lugar!
V: Vamos fazer assim ó, sentem ali que eu vou...
Ta. traz uma cadeira.
V: Ó, mais uma, mais uma cadeira.Assim não vai dar pra gente continuar. Flávio,
senta lá na cadeira...Deixa a Marilize sentar.
M empurra F que se recusa a levantar. Com a ajuda de Dina, M consegue tirar F da
cadeira e sentar-se em seu lugar.
F empurra D que devolve o empurrão.
V: Calma gente!Conto o resto ou não?
L: Conta!
V: Então o que será que vai acontecer com o Totó, gente, será que ele vai conseguir
um dono?
M levanta e vai até V.
V: Não, deixa lá que tá bem no lugar. Então ele...
F: O Luciane, quer sentar aqui?
V: Ele...
C: Deixa eu ver! Puxando o livro.
V: Totó tentava conseguir um dono, mas não conseguia. Voltava todo triste e
desanimado pelas praças.
N: Aí ele arrumou um dono.
F: Ele arrumou um dono, né sora?
335
Crianças estão sentadas.
V: Vamos ver...Mesmo vivendo desse jeito sem ter um osso pra roer, Totó não
reclamava nem punha defeito, era um grande sujeito. Mesmo assim ele ainda vivia
mais ou menos contente.
M: Cala boca Talita!
C: Por qualquer coisinha a Marilize manda calar a boca.
M: Cala a boca Talita!
Lu: É, qualquer coisinha a Marilize...
M grita com Lu.
L: Não grita com ele, porque tu não manda nele!
Ci: Tu não manda em ninguém aqui na escola!
Lu: É!
Ma: Chega vocês! Se acalmem um pouco!
C diz a D: Ó! Deixa eu falar uma coisa? Hoje tu e a Marilize tão muito mandonas.
Após algumas tentativas de continuar a história, as discussões entre as
crianças ficam mais intensas, algumas chegam a trocar empurrões. V. interrompe a
história e filmagem, e diz às crianças que elas têm muitas coisas para conversar e
resolver umas com as outras, mas que era o tipo de coisa que elas podiam fazer
melhor com a presença da professora. Quando estavam neste impasse a professora
chegou. V. disse a ela que tinha interrompido a atividade porque tinham surgido
alguns conflitos entre as meninas. Ela explica, sentando de novo na roda e chamando
as crianças que haviam saído, que teve que sair da sala e que o telefone dela tocou
porque tinha alguns problemas em casa, e que o telefone poderia tocar de novo.
Pergunta às crianças se elas não podem ficar sem ela na sala e continuar ouvindo, e
que isso é um desrespeito a mim, que estou vindo especialmente para fazer atividades
com eles, que trouxe livros novos para ler.
A filmagem é retomada, agora com a professora novamente sentada na rodinha:
Porque agora eu quero conhecer essas histórias novas, tá? Não sei se a gente
consegue? Depois a gente conversa, tá Mariele?
Ma: Mas eu não fiz nenhuma porcaria.
P: Eu não quero saber agora. Eu quero que o grupo tente. O grupo todo, a turma
A11, tente continuar a atividade.
336
V: Então, o que a gente já sabia da história, né? O Totó era um cachorrinho que tinha
nascido numa família vira-lata, na rua, e ficou procurando um dono e ninguém queria
ser dono dele, ninguém queria levar ele pra casa. E ele ficava muito chateado, mas
mesmo assim ele era um bom cachorro, ele não reclamava, né? Mas certo dia, numa
tarde de chuva fria, o pobre coitado ficou todo molhado.E não deu outra: pegou
aquele resfriado. (Mostra o livro).
P: Ele tá até espirrando.
F: Eu disse (olhava para a página seguinte do livro, pois estava sentado do lado de
V.).
V: Foi então, tu disse né Flávio, que por essas coisas do destino, sem saber como nem
porque, Totó foi salvo por um menino.
P: Que bonitinho.
V: Ele devia estar tão mal que o menino ficou com pena dele e ficou com vontade de
cuidar. Que garoto genial! Cuidou do cãozinho, deu-lhe a casa, comida e carinho. Em
compensação, ele ganhou um fiel companheirinho. (Mostra o livro). Acabou a
história.
Análise da narrativa e dos elementos estruturais:
Não será feita neste caso, já que é uma história contada às crianças pela pesquisadora.
O número de turnos não foi também aqui considerado.
Análise do contexto e da participação dos interlocutores
Embora tenha encorajado a pesquisadora a contar a história planejada (tendo
dito anteriormente que estava louca para ouvir o que ela tinha a dizer), a professora
retirou-se do contexto da tarefa logo que a história começou. Marilize havia feito uma
intervenção acompanhando a rima do texto(Cachorrada malucada). Mesmo com a
professora saindo, as crianças estavam se interessando pelo relato, aproximando-se
fisicamente para ver as ilustrações, sentando-se no chão para ficar mais à vontade.
Quando o telefone celular da professora começou a tocar, a situação se desorganizou.
Conflitos entre as crianças se evidenciaram, seja para proteger a bolsa da professora,
para disputar uma cadeira próxima à pesquisadora, para pedir silêncio, ou para
expressar insatisfação com a atitude autoritária de Marilize. Além destas
circunstâncias, esta história parece ter mobilizado as crianças e provocado evitação da
tarefa, pois coloca o cachorrinho como feio e indesejável para as pessoas que passam,
passando fome, pegando chuva. Natália e Flávio tentavam adivinhar a resolução da
337
história, tinham pressa. Foi exatamente aí que elas se dispersaram. Com o retorno, as
explicações e o apelo da professora às crianças para a continuação da história, Flávio
–bem posicionado-, apressa-se em olhar a ilustração buscando a resolução do
problema, e comenta apenas “eu disse”. A pesquisadora valoriza esta participação do
menino, incluindo-a no relato da história (Foi então, tu disse né Flávio,...), e consegue
então terminar de contá-la.
Narrativa 3.4
V.- Agora a outra. A outra história é do cachorro Cliford. Vamos ver o que esse
cachorro tem de diferente. Oi, eu sou Elisa! (Mostra o livro). Elisabeth. Se você não
mora na minha rua, talvez não me conheça, nem conheça o meu cachorro Clifford.
(Mostra o livro). O tamanho dele, né gente?!
Lu: Ele é gigante!
V: É muito divertido brincar com ele. Olha como as crianças brincam com ele.
(Mostra o livro)
L:Olha!
V: É como se fosse uma pracinha pras crianças, né? Um brinquedão. Só que...Que
brinquedão né!? Fala para Mariele. Só tem uma coisa chata com o Cliford: ele come
um monte de ração e um monte de ração custa um monte de dinheiro! (Mostra o
livro) Quanta lata vazia, quanta caixa vazia.
F: É tudo de ração.
V: Tudo de ração. E olha a cara dos pais dela...Dos pais da menina.
F: Muito furiosos.
V: Furiosos, né? Preocupados. Meus pais estavam gastando tudo o que tinham com
ração, não sabiam mais o que fazer. “Vamos ter de mandar o Cliford embora”,
disseram. Eles tão fazendo as contas, olha, e tão vendo que tá muito caro, não vai dar.
(Mostra o livro) . Olha a cara do Cliford lá na janelinha.
F: Que carão!
M: Carão.
F: Bah, parece cavalo.
Co: Cavalo de Tróia.
338
V: Cavalo de Tróia, né, grandão. Cliford queria ficar conosco e resolveu procurar um
emprego e assim poderia pagar a sua ração. Ele decidiu trabalhar no circo, o querido
amigo Cliford. (Mostra o livro). Conseguiram um trabalho pro Cliford.
F: Era maior que a casa.
P: Presta atenção nesta parte da história que é bem legal.
V: Era maior que a casa e a menina vai em cima dele como se fosse um cavalo.
C: O cavalo de Tróia.
V: O dono do circo gostou do Cliford e lhe deu um emprego. O dono do circo. Olha o
risinho do Cliford. (Mostra o livro)
Co: Cavalão do Cliford.
V: Quer que gostem dele né, com esse risinho assim. Só que eles lhe puseram no
palco e seu trabalho era simplesmente ficar sentado para as pessoas olharem. Mas
Cliford queria fazer alguma coisa. Dizia um cartazinho: “Cliford, o espantoso cão
vermelho”. E as pessoas olhando. (Mostra o livro)
Ci: Eu não vi sora.
V: Depois eu passo de novo.Tá lá só parado né.
Ci: Eu não vi, sora.
V mostra o livro para Ci.
V: Ele espiou dentro duma tenda e viu cachorrinhos pulando através do arco, coisa
que se faz no circo. Cliford também queria pular. (Mostra o livro)
Co: Mas ele é muito grande!
V: Vai dar problema né,gente? (Mostra o livro)
F: Ele é muito grande.
Ci: Ó o tamanho dele!
V: Então ele entrou correndo na barraca e tentou passar pelo arco como os outros
cachorrinhos. Ele não sabia o tamanho que ele tinha, né? (Mostra o livro). Não tinha
idéia. Ficou com a argola pendurada no nariz, não deu certo.
Crianças riem ao ver a gravura.
Ma: Parece um piercing.
V: Parece quem?
Ma: Um piercing.
P: O quê?
C:Um piercing.
339
P: Um piercing? Ah...
V: No picadeiro ao lado, Cliford viu um cachorrinho cavalgando um pônei. O que é
um pônei?
Co: Cavalo de Tróia.
F: É um pônei que parece um cavalo, mas é um pônei. É um cavalo em cima do
cavalo.
C: É um cavalo pequeno.
P: É um cavalo pequeno, isso.
V: Cliford achou que podia fazer tudo o que um cachorrinho faz. Aí lá foi ele.
(Mostra o livro)
Ci: Pulando.
V: E vejam só o que aconteceu: não pôde. (Mostra o livro)
Ma dá uma gargalhada.
V: Não pode fazer tudo o que um cachorrinho faz. Ele quase esmagou o pônei. O
dono do circo ficou zangado e despediu Cliford. O que é despedir?
F: É tirar ele.
L: Mandar embora.
V: Dizer “tu não trabalha mais aqui”.
Ma: É expulsar de lá.
V: É expulsar. Não te preocupes, falou a Elisa, você pode arrumar um outro emprego.
Ela tá dizendo pro Cliford. (Mostra o livro) E lá foi ele de novo. Então fomos falar
com o fazendeiro. O que um fazendeiro?
F: É um dono de terra.
V: Um dono de terras. Olha lá ele tá trabalhando na terra lá. (Mostra o livro)
Ma: Professora, eu não vi sora.
V: E o que o dono da terra faz com a terra?
F: Varre sora...Ele vende!
V: Vende o quê?
F: A terra.
V: Ele vende a terra. Planta também, né?
M: Não,ele não vende a terra.
F: Vende!
M: Ele arruma.
340
P: Senta direitinho, Marilize.
V: O fazendeiro achou que Cliford ajudaria na fazenda. Disse que Cliford poderia
trabalhar pra ele. Primeiro Cliford...Então. (Mostra o livro) Ele tá contratando o
Cliford pra trabalhar ali. Então, primeiro o Cliford tocou as vacas pro curral. Então,
esse fazendeiro tinha vacas né. O Cliford era maior que as vacas e ajudava a recolher
as vacas pra elas irem pro lugar delas. (Mostra o livro). Depois Cliford puxou uma
carroça cheia de feno. O que é feno?
Co: É comida de vaca!
V: Comida de vaca. De cavalo também né.
P: Hu-hum.
V: E tudo estava dando certo. (Mostra o livro) Ele tava como se fosse um boi ou um
cavalo. Até que ele viu um rato correndo para o celeiro. Cliford sabia que os ratos só
dão problema nas fazendas. Hum, que será que ele vai fazer? (Mostra o livro)
Ma: Ele correu!
V: Ele correu atrás.
Co: E largou a carroça.
V: E largou a carroça e olha só que estrago. Por isso o Cliford correu atrás do rato e...
(Mostra o livro)
Ma: Tá despedido!Tá despedido!
V: Tá despedido.
Co: De novo, né sora.
Ma: Quebrou o telhado.
V: Quebrou o telhado da casa e olha o que o dono fez para ele, ó. Isso que vocês tão
dizendo. (Mostra o livro)
Ma: Tá despedido, tá despedido, tá despedido!
V: Cliford e eu voltamos para casa, a Elisa conta, estávamos muito tristes, porque
tudo tinha dado errado. (Mostra o livro). De repente um carro passou por nós a toda
velocidade. (Mostra o livro). O que será?
Ma: Um bandido!
Co: É bandido!
V: Um bandido? Como é que vocês sabem?
Ma: Ah, porque...É a arma.
V: Tem arma?
341
Ma: Tem.
Co: O policial tem uma roupa preta igual essa daqui, sora (Aponta para sua
camiseta).
V: E olha! Logo atrás veio o que, Carlos? (Co aponta para o livro)
Co: Policial!
V: Um policial, um carro de polícia. Eles estavam perseguindo os ladrões. (Mostra o
livro)
Co: O cachorro também foi atrás!
Ma: E o cachorro foi atrás!
Co: E o cachorro pegou os bandidos!
C: Eles pegaram a polícia!
V: Prendeu a polícia, será? Cliford correu por um atalho no meio do mato. Ó. (Mostra
o livro)
F: Foi a polícia, meu.
V: E pegou os ladrões!
Co levanta: Viu?!
Ma: Bem feito pros ladrões!
V: Eles eram muito mais rápidos...
Ma: Os três patetas!
V: Parece os três patetas! Os irmãos metralha, né? Conhece os irmãos metralha?
Ma levanta-se, rindo: Os três patetas!
F: Os trigêmeos!
Ma: Os patetas gêmeos!
F: Trigêmeos!
V: Eu fiquei muito orgulhosa! O delegado ofereceu a Cliford um emprego como
cachorro da polícia!
Ma: Eh!!
Ma, L e C batem palmas.
V: Agora Cliford vai para o trabalho todos os dias, mas ele não ganha salário. O que é
salário?
Co: Dinheiro!
V: Dinheiro, né? Quando a gente trabalha a gente recebe então o quê?
Crianças: O salário!
342
V: O salário por trabalhar, isso mesmo. Olha, aqui aparece ele com os três ladrões.
(Mostra o livro).
Ma: Os três patetas!
Crianças levantam para olhar o livro mais de perto.
C: O policial prendendo pela cueca! Risos
V: Ele não ganha salário, mas toda a semana eles mandam um monte de ração para o
Cliford. Agora podemos ficar com ele. Não é maravilhoso? O meu amigo Cliford!
Crianças batem palmas.
C agradece como se as palmas fossem para ela: Brigada, brigada, brigada.
V: Gente, eu queria, será que a gente consegue agora inventar uma história que tenha
um cachorro?
Ma: Eu sou o cachorro!
P: Inventar né gente.
V: Inventar, imaginar, né, que cachorro seria esse.
Co: Um pitt-bull.
A maioria das crianças já saiu da rodinha, quando acabou a história.
V: Um pitt-bull?
Co: O sora, ali no banheiro tá cheio de mosquito!
Crianças vão para o banheiro.
V: Acho que dispersou! Então, gente, acho que vamos ficar por aqui né, o pessoal já
tá saindo. Devem estar querendo fazer outra coisa.
Análise da narrativa e elementos estruturais
Não será realizada aqui, pois foi uma história também narrada pela pesquisadora. A
maneira de narrar, entretanto, oportunizou grande envolvimento e participação das
crianças, e será analisada no contexto da participação dos interlocutores. O número de
turnos também não foi aqui considerado.
Análise do contexto e participação dos interlocutores
A pesquisadora narradora procura envolver as crianças antes de entrar no
texto e nas ilustrações, criando suspense: “Vamos ver o que esse cachorro tem de
diferente.” Depois utiliza muito o recurso de chamar a atenção para algum detalhe da
ilustração ligado ao que o texto relata: “Olha como as crianças brincam com ele”.
Luciane repete: Olha! V.:“Quanta lata vazia, quanta caixa vazia”. Flávio comenta: É
tudo de ração.V: Tudo de ração. E olha a cara dos pais dela...Dos pais da menina.
343
Flávio nomeia o estado interno dos personagens: Muito furiosos.V: Furiosos, né?
Preocupados. A partir do comentário da pesquisadora: “Olha a cara do Cliford lá na
janelinha”, as crianças começam a referir-se de maneira enfática ao tamanho do
protagonista: Flávio: Que carão! Marilize: Carão. Flávio: Bah, parece cavalo.
Carlos: Cavalo de Tróia. (Associação com referência de cultura histórica e literária)
F: Era maior que a casa. A professora parece preocupar-se com a continuidade da
história: “Presta atenção nesta parte da história que é bem legal”. A pesquisadora
integra o comentário de Flávio e segue: “Era maior que a casa, e a menina vai em
cima dele como se fosse um cavalo”. Carina repete a associação anterior de Carlos:
“O cavalo de Tróia”. Carlos agora especifica e contextualiza: Cavalão do Cliford.
Depois as crianças continuam enfatizando o tamanho do personagem, agora
avaliando isso como um problema, um impedimento. Co: Mas ele é muito grande! A
pesquisadora prevê: Vai dar problema né,gente? Flávio: Ele é muito grande.
Cristiano: Ó o tamanho dele! Diante da situação resultante do comportamento do
protagonista, que ficou com uma argola pendurada no nariz, as crianças riem, e
Mariele associa: “Parece um piercing”, num comentário pertinente que extrapola a
referência para uma cultura mais ampla, a da moda. Depois há uma série de
estimulações do tipo “O que é..?”, dirigida à definição de termos usados no texto. Em
todas elas as crianças respondem de forma organizada e interativa, uma completando
o que a outra disse. V.:O que é um pônei? Carlos responde (retomando a já famosa
associação): Cavalo de Tróia. Flávio: É um pônei que parece um cavalo, mas é um
pônei. É um cavalo em cima do cavalo. Carina: É um cavalo pequeno. A professora
concorda: É um cavalo pequeno, isso. V.pergunta depois: O que é despedir? Flavio:
É tirar ele. Luciane: Mandar embora. V: Dizer “tu não trabalha mais aqui”. Mariele: É
expulsar de lá. Outra destas estimulações: V. pergunta “O que um fazendeiro?”
Flávio: É um dono de terra.V: E o que o dono da terra faz com a terra?Seguem-se
várias explicações. E por fim: O que é feno? Carlos: É comida de vaca!
Quando a história se encaminha para o final, o tipo de estimulação da pesquisadora à
participação das crianças se modifica para questões que desafiam a capacidade de
antecipação e de reconhecimento das situações, o que possibilita que as crianças
participem mais ativamente da narrativa. V.: Hum, que será que ele vai fazer?
Mariele: Ele correu! V: Ele correu atrás. Carlos: E largou a carroça.V: E largou a
carroça e olha só que estrago. Mariele antecipa: Tá despedido!Tá despedido!V: Tá
344
despedido. Carlos avalia: De novo, né sora. Mariele: Quebrou o telhado.V: Quebrou o
telhado da casa e olha o que o dono fez para ele, ó. Isso que vocês tão dizendo
(integra aí a contribuição anterior da menina). Mariele entende a “deixa” e repete: Tá
despedido, tá despedido, tá despedido! Outra interação deste tipo ocorre na parte final
da história. V. pergunta: O que será (que passa por eles em alta velocidade)? Ma: Um
bandido! Co: É bandido!V: Um bandido? Como é que vocês sabem?Ma: Ah,
porque...É a arma.V: Tem arma? Ma: Tem. Carlos já se refere à página seguinte: O
policial tem uma roupa preta igual essa daqui, sora (Aponta para sua camiseta). V.
(incluindo a percepção do menino na narrativa): E olha! Logo atrás veio o que,
Carlos? Co: Policial! V: Um policial, um carro de polícia. Eles estavam perseguindo
os ladrões. (Mostra o livro) Crianças seguiram a história. Co: O cachorro também foi
atrás! Ma (repete): E o cachorro foi atrás! Co: E o cachorro pegou os bandidos!C:
Eles pegaram a polícia! Cria-se um impasse, esclarecido quando a pesquisadora lê o
texto. Exultante, Carlos diz “Viu?”, ao constatar que tinha razão. Mariele avalia o
resultado: Bem feito pros ladrões! E se diverte chamando-os repetidas vezes de “Três
Patetas”. Flávio acrescenta: Os Trigêmeos! E Mariele integra: Os Patetas Gêmeos!,
mas Flávio não abre mão: Os Trigêmeos. Muito contente com o final da história,
Mariele diz “Eh!”, e puxa palmas, acompanhada por Carina e Luciane. Ao ver a
ilustração que a pesquisadora mostra, Carina ainda destaca um detalhe engraçado: O
policial prendendo pela cueca! Isso gera risos de todos. Quando a história termina, as
crianças batem palmas, e Carina agradece. Isso pode refletir o sentimento geral das
crianças como co-narradoras. Parece que, após um momento de caos e conflito, a
turma conseguiu recobrar um estado de equilíbrio e entrosamento, mediado pela
tarefa. É compreensível que após este esforço de concentração e superação tenham se
dispersado e saído da rodinha.
Narrativa 4.1
345
A pesquisadora relembra as histórias contadas na última sessão, que fôra duas
semanas antes. Após resumir brevemente a primeira, as crianças começam
espontaneamente a falar sobre a segunda.
Juliana: Cliford.
V: Ele comia muito né? Era muito grandalhão e comia muito e teve então procurar
um emprego pra ajudar.
F: Menos o da polícia.
Carlos tenta falar: Ele agarrou eles pela... (Deu uma risadinha marota e calou)
V: Pela cueca, né? Foi tu que disse isso, não foi? Pergunta a Co que ri.
Análise da narrativa
346
Narrativa construída coletivamente (Carina, Juliana, Flávio,Carlos, Cristiano,
Mariele, Marilize e Natália), completa.
Elementos estruturais
-Orientação: Social (cachorro Cliford,o ladrão, os ladrões, os três patetas); Espacial (
na polícia, pelo bumbum, em cima do carro);Temporal (Continuidade: depois=4);
Elementos de apoio (ração, carro);
-Complicação: Cliford queria ganhar dinheiro para comprar sua ração, mas era
expulso dos empregos.(Necessidade pessoal dificultada pelos outros e circunstâncias;
Rejeição)
-Resolução: o cachorro pegou os ladrões pelo bumbum e foi num emprego na polícia,
de onde não foi expulso. (Por ação do personagem e reconhecimento da sua
habilidade).
347
história contada duas semanas antes, a pesquisadora encorajou-a a contar mais sobre
a história, com uma pergunta dirigida à complicação (O que acontecia com ele?).
Juliana acrescentou informação de orientação (nome do personagem), o que foi
aprovado pela pesquisadora, e depois Carina respondeu à pergunta feita a ela,
focalizando adequadamente a complicação da história. A pesquisadora acrescentou
mais algumas informações, sintetizando a situação problemática e a necessidade
emergente. Flávio dá um “salto” para a resolução (Ele foi num emprego na polícia),
mas Carina retoma a complicação referindo-se aos insucessos do personagem (E ele
foi expulso de todos os empregos). Flávio volta à resolução (Menos da polícia).
Carlos dá continuidade, retornando à parte da captura dos ladrões (Depois, depois,
viu o ladrão, hum...), Cristiano contribui com a denominação que ridiculariza os
ladrões, que fizera tanto sucesso na sessão anterior (Os três patetas). A pesquisadora
repete e ri, apoiando a lembrança do menino. Depois Carlos tenta relatar outra ação
do cachorro, atrapalhando-se (o cachorro pegou o ....) .Carina se antecipa e completa
(C: Depois o cachorro pegou os ladrões e levou...), mas Carlos quer se deter num
detalhe: de que modo humilhante os bandidos foram capturados. Ele apenas insinua e
interrompe (Ele agarrou eles pela...). A pesquisadora não deixa passar, e pergunta
diretamente “por onde”. Mariele se apressa e responde (Pelo bumbum). A
pesquisadora completa o que pensou que Carlos diria, e o menino ri. Marilize e
Natália possivelmente acharam a resolução da história infantil e inverossímil. A
primeira a questiona (Mas eu não pego pela bunda.), e a segunda propõe outra
solução (É só sentar em cima do carro!)
Narrativa 4.2
Co inclina a cabeça para trás e fecha os olhos.
348
C: Carlos!
V: Olha pro teu cachorro então e vai imaginando uma história assim. Onde é que ele
morava?
V: O dono que cuidava bem dele e ele morava numa casinha. Morava mais alguém
nessa casa ou ele só tinha um dono?
F: Ô sora!
V:Como é que era esse cachorro, era Pimenta que ele chamava? Como é que era o
Pimenta?
Co: Ele era brabo e uma vez...(inaudível, pois a professora faz outra pergunta em
cima)
F: De pegar o osso.
C: Ração?
349
Co: Ração.
C: Veterinário.
Co: Osvaldo.
Crianças riem.
V: E aí como é que ele tava? Que doença que ele tinha? Ele tava muito mal?
Crianças riem.
Co pensativo:Ãh...
Co: Ele botou uma fit... Botou um pano aqui ó. Aponta para a própria perna.
F: Uma faixa.
P:E aí?
350
P: É a história do Carlos, depois tu conta a tua, tá?
Co: Ele foi pra casa e... Ele foi pra casa... Sorri.
P: E?
C: Conta! Não fica contando e depois não contando e depois contando! Conta tudo de
uma vez!
V: Ele tá pensando, não é? Foi pra casa, com a perna toda enfaixada assim?
P: Ah, tá.
M: Não é ração.
P: Gente eu quero pedir que vocês escutem as histórias dos colegas. Diz a M que
abana o livro: Pára de abanar que isso não é leque!!!Vamos escutar a Carina agora?
Mari!
Análise da narrativa
+ Gostava de pegar o pau, guri!+ Osso, come comida. Ração.+ Ele ficou doente + e
foi parar no médico. Osvaldo.+ Ele quebrou a perna.+ Ele botou uma fit...+ Botou um
pano aqui ó. Aponta para a própria perna.+ Ele foi pra casa e... + Ele foi pra casa...
Sorri.+ Ãh, deu ração).
351
Elementos estruturais
352
fizesse um fechamento (Ele tá pensando, não é? Foi pra casa, com a perna toda
enfaixada assim?). A professora participou bastante, seja para manter o foco no
narrador (Só um pouquinho Flávio, ele tá contando uma história. E aí? Shh!!!;
Marilize, só um pouquinho; Ó gente, ele tá contando uma história legal.E aí?; É a
história do Carlos, depois tu conta a tua, tá?; Gente eu quero pedir que vocês escutem
as histórias dos colegas), para estimular a continuidade, às vezes resumindo
(Veterinário Osvaldo. É isso Carlos?E aí?; Ele quebrou a perna e aí o que o
veterinário fez?; E aí? E...? E o que o dono dele fez?). Houveram perguntas da
professora dirigidas à orientação sobre situação comportamental (E o que ele gostava
de fazer? O que ele comia?), mas a primeira delas ocorreu de forma mal sincronizada,
quando o menino começava a responder a questão da pesquisadora sobre as
características do personagem (ele era brabo) e ia colocando possivelmente o
elemento de complicação (uma vez...). Com isso, o menino retornou aos elementos de
orientação e apoio. A narrativa “não ia para lugar nenhum”, e a professora ia dando-a
por encerrada, passando expressamente a palavra a Carina (Vamos ver a Carina,
conta uma história). Os colegas tenderam a dar sugestões sobre elementos da
narrativa para responder às questões da pesquisadora e da professora a Carlos. A
demora de Carlos em responder parece ter gerado a necessidade de que alguém
respondesse por ele, enriquecesse a história que contava. Flávio deu várias sugestões
(De pegar o osso; mas ele come osso!; Ficou doente. Ele ficou doente; Ele tava com
tosse, ele não conseguia...; Ele foi pra casa e ficou... Não sei! Depois ele ficou bem!
Bah, contei toda a parte.) Flávio também ajuda a nomear elemento de apoio (Uma
faixa). Carina também dá sugestão (Ração?), nomeia (Veterinário), contribui para
reforçar a regra da atividade (Não é pra ficar contando a história dos outros!), mas
também perde a paciência com a demora e dispersão de Carlos (Conta! Não fica
contando e depois não contando e depois contando! Conta tudo de uma vez!).
Marilize e Flávio acrescentam o apoio da mímica à narrativa (M: Ele ia assim ó, com
a pata erguida. M demonstra levantando a própria perna. F: Assim ó. Se arrasta de
quatro no chão imitando o cachorro). Marilize questiona a conclusão de Carlos (o
dono deu ração), protestando (Não é ração).
Narrativa 4.3
353
C (muito séria, mostra a foto de dois filhotes de cocker): A minha história é da Mina
e da Nina. Carina abriu o “livro” para seguir contando, como se estivesse “vendo”
nele a sua história.
C: Não guri! Era uma vez duas cachorrinhas...ãh... que estavam...que estavam
brincando no pátio de seus donos. Daí...
Co levanta.
C: Os donos deles sempre deixavam eles dormirem dentro da casa. Só que no dia
seguinte elas fizeram... O gato do dono fez muita bagunça e o dono pensou que foi as
cachorras. Ele botou elas pra fora e ele fez então uma casinha de cachorro pra elas.
Duas: uma pra Mima, (corrige-se)uma pra Mina e outra pra Nina. E um dia choveu
muito...
P diz a M: Shhh!!!
P: E aí Carina? Talita, fica quietinha pra ouvir a história da amiga! (Ta está se
mexendo na cadeira).
C: Aí começou a chover muito forte. Aí elas pensavam que não precisava chover
muito e então saíram. Assim, no outro dia seguinte, o dono foi sair para levar o seu
filho para a escola e daí as cachorras, elas queriam porque queriam ir junto, mas o
dono não deixava, assim elas desobedeceram e aí o seu dono, ele deixou o portão
aberto e aí as cachorras fugiram e tanto elas andaram e andaram que acabaram se
perdendo no mato. Elas sentiram muito medo, mas no outro dia aconteceu um final
muito feliz por causa que a dona e a filha encontraram as cachorras!
Análise da narrativa
Elementos estruturais
-Resolução: 1-o dono construiu casinhas de cachorro para elas (auxílio de adulto); 2-
elas pensavam que não precisava chover muito e então saíram (ação das personagens
355
sobre seu próprio estado interno); 3- a dona e a filha encontraram as cachorras!(sorte
e apoio de adulto) E eles viveram felizes para sempre!
Narrativa 4.4
Ju: Aí ela deu banho, deu comida, botou “tope”. Ela podia levar ela pra passear na
hora que ela quisesse, ela tinha um motorista que levava, era rica mesmo. Aí um dia
ela tava sentada de noite e apareceu uma estrela, e tava de noite, e a estrela falou que,
falou assim pra ela que, falou assim pra ela que ela não podia mais ficar doente, que
356
ela sempre ficava. Ela tava doente e ficou assustada porque ela tava doente e não
podia ficar. O céu era muito longe e ela não conseguiu ouvir muito bem, mas ela
conseguiu ouvir isso que ela falou... Ela falou isso pra ela por causa que ela tava
doente. Aí um dia a Bruna que é essa a dona, que é essa que eu tô falando, o
motorista dela levava só que um dia ela levou ela na Redenção e ela começou a
correr, correr, correr,correr, correr, correr, aí a Bruna não sabia o que fazer. Aí ela
chorou, chorou, aí ela ligou pra prima dela e perguntou se ela podia ir na casa dela.
Ela tava, ela tava, não sabia onde ela tava. Aí a Bruna, a dona dela, procurou em toda
a cidade, ela tinha assistido uma história, ela tinha assistido um...
Ju: ... num lugar que ela não tinha procurado. Ela procurou nos lugares, em todos os
lugares, só que tinha um lugar que ela não tinha procurado, aí ela se lembrou de
procurar no lugar tal e aí ela encontrou ela e ficou feliz, deu banho, colocou um
monte de coisa, talquinho, aí ela deu a comidinha dela, só que ela ficou aliviada. Aí
ela foi dormir com ela na cama, porque ela dormia com ela na cama...
Outras crianças falam ao mesmo tempo o que dificulta a transcrição do que Ju. diz.
Ju: Mas um dia o pai apareceu prá guriazinha, né, a Bruna,e disse que eles não
podiam mais ficar com a Lili morando ali, que ela ia embora. Aí ela ficou triste. Só
que daí entraram ladrões e mataram o pai dela e ela ficou sozinha na casa, um...
(castelo???) desse tamanho assim, lá em cima, aí ela ficou sozinha e os dois viveram
felizes para sempre.
P: Bah, que história. Bem grandona essa história né? Quem é o próximo?
Análise da narrativa
357
Proposições: 59 (Era uma vez uma cachorrinha, a Lili,+ ela nasceu na rua, não tinha
dono...+ aí uma menina chamada Bruna encontrou ela,+ e levou ela pra casa,+ ela
morava num castelo muito grande ...+Ela era muito rica... + Aí ela deu banho,+ deu
comida,+ botou “tope”. + Ela podia levar ela pra passear na hora que ela quisesse,+
ela tinha um motorista que levava,+ era rica mesmo.+ Aí um dia ela tava sentada de
noite +e apareceu uma estrela,+ e tava de noite,+ e a estrela falou que, falou assim pra
ela que, falou assim pra ela que ela não podia mais ficar doente,+ que ela sempre
ficava.+ Ela tava doente +e ficou assustada porque ela tava doente +e não podia
ficar.+ O céu era muito longe +e ela não conseguiu ouvir muito bem, + mas ela
conseguiu ouvir isso que ela falou...+ Ela falou isso pra ela por causa que ela tava
doente.+ Aí um dia a Bruna que é essa a dona,+ que é essa que eu tô falando,+ o
motorista dela levava + só que um dia ela levou ela na Redenção+ e ela começou a
correr, correr, correr,correr, correr, correr, + aí a Bruna não sabia o que fazer.+ Aí ela
chorou, chorou,+ aí ela ligou pra prima dela +e perguntou se ela podia ir na casa
dela.+ Ela tava, ela tava, não sabia onde ela tava.+ Aí a Bruna, a dona dela, procurou
em toda a cidade,+ ela tinha assistido uma história,+ ela tinha assistido um... + ... num
lugar que ela não tinha procurado.+ Ela procurou nos lugares, em todos os lugares,+
só que tinha um lugar que ela não tinha procurado,+ aí ela se lembrou de procurar no
lugar tal +e aí ela encontrou ela +e ficou feliz,+ deu banho,+ colocou um monte de
coisa, talquinho, + aí ela deu a comidinha dela,+ só que ela ficou aliviada.+ Aí ela foi
dormir com ela na cama,+porque ela dormia com ela na cama...+ Mas um dia o pai
apareceu prá guriazinha, né, a Bruna,+ e disse que eles não podiam mais ficar com a
Lili morando ali, +que ela ia embora.+Aí ela ficou triste.+ Só que daí entraram
ladrões+ e mataram o pai dela + e ela ficou sozinha na casa,+ um... (castelo???)
desse tamanho assim, lá em cima,+ aí ela ficou sozinha +e os dois viveram felizes
para sempre.)
Elementos estruturais
-Orientação: Social (cachorrinha Lili, menina Bruna, motorista, estrela, prima, o pai,
ladrões); Espacial (na rua, pra casa,num castelo muito grande, muito longe, na
Redenção, começou a correr, correr, correr,correr, correr, correr, ir na casa dela, em
toda a cidade, num lugar que ela não tinha procurado=2, nos lugares, em todos os
358
lugares, lugar tal, na cama, ali, na casa, lá em cima);Temporal (na hora que ela
quisesse, de noite, sempre, um dia, para sempre; Continuidade: aí=14, daí );
Elementos de apoio (tope, talquinho, comida, comidinha, banho, cama).
-Complicação: 1-Lili não tinha dono, vivia na rua (desproteção); 2- a menina estava
doente e não poderia mais ficar (doença); 3-a cachorra correu para longe e a menina a
perdeu (perda); 3-O pai da menina queria levar a cachorra embora da casa
(necessidade pessoal dificultada pelo outro).
-Resolução: 1-Bruna a levou para seu castelo e cuidou dela (pela personagem
menina); 2-implícita: parece que a menina começou a sair para passear com a
cachorra; 2- a menina procurou muito e a encontrou; 3- ladrões mataram o pai e a
menina viveu feliz para sempre com a cachorra.
-Avaliação: Intensificação (castelo muito grande, muito rica, era rica mesmo, muito
longe) Repetição (Falou assim pra ela que, falou assim pra ela que ela não podia mais
ficar doente, que ela sempre ficava.Ela tava doente e ficou assustada porque ela tava
doente e não podia ficar; começou a correr, correr, correr,correr, correr, correr; ela
chorou, chorou; Procurou nos lugares, em todos os lugares; Ela tava, ela tava, não
sabia onde ela tava; Aí ela foi dormir com ela na cama, porque ela dormia com ela na
cama...; E ela ficou sozinha na casa,... aí ela ficou sozinha). Refere estado interno do
personagem (Ficou assustada, ela não conseguiu ouvir muito bem, mas ela conseguiu
ouvir isso, a Bruna não sabia o que fazer. Aí ela chorou, chorou, não sabia onde ela
tava, aí ela se lembrou de procurar no lugar tal, ficou feliz, ela ficou aliviada, ela
ficou triste).
359
comentário enfatiza o tamanho da história. A pesquisadora não chega a ter
participação verbal, apenas ouve atentamente, apesar do ambiente barulhento.
Narrativa 4.5
Flávio primeiro se oferece para ser o próximo, mas depois indica Marilize para
narrar antes a história dela.
M (mostra a figura escolhida, um bassê brincando com um pedaço de pau): Era uma
vez o Tobby. Ele, ele vivia na rua, e ele xeretava e só ficava pulando pra conseguir
um dono, aí até que ele conseguiu porque uma guriazinha foi lá, foi ver ele, daí a
guriazinha gostou, falou com o pai dela e o pai dela deixou ela ficar com o
cachorrinho. Daí ela foi lá pegou e deu uma casinha pra ele. E daí um dia...Daí um
homem, que era amigo do pai dela, aí o homem falou assim ó “me dá esse
cachorrinho”. Daí o homem veio falá com a guriazinha...E daí o pai dela... Daí o
homem não deu água e nem comida daí o cachorrinho ficou triste na casinha, ficou
numa jaula, daí ele fugiu, daí eles tavam no outro pátio, daí o portão abriu e ele fugiu
pra casa de volta e depois ele comeu água e comida e ficou cansado e dormiu. Daí
até que ele morreu por causa que o cara aquele tinha dado um pro pai dela, matou o
cachorrinho e daí ele morreu e daí todo mundo queria pegar outro cachorro.
V:Uh-hum.
N levanta.
P: Vamos tentar contar mais um pouquinho agora depois a gente pára, tá?
Análise da narrativa
360
Proposições: 33 (Era uma vez o Tobby.+Ele, ele vivia na rua,+e ele xeretava + e só
ficava pulando pra conseguir um dono,+ aí até que ele conseguiu + porque uma
guriazinha foi lá,+ foi ver ele,+ daí a guriazinha gostou, + falou com o pai dela +e o
pai dela deixou ela ficar com o cachorrinho.+ Daí ela foi lá pegou + e deu uma
casinha pra ele.+ E daí um dia...Daí um homem, que era amigo do pai dela,+ aí o
homem falou assim ó “me dá esse cachorrinho”. + Daí o homem veio falá com a
guriazinha...+ E daí o pai dela... +Daí o homem não deu água e nem comida + daí o
cachorrinho ficou triste na casinha,+ ficou numa jaula,+ daí ele fugiu,+ daí eles tavam
no outro pátio,+ daí o portão abriu +e ele fugiu pra casa de volta +e depois ele comeu
água e comida +e ficou cansado+ e dormiu. + Daí até que ele morreu +por causa que
o cara aquele tinha dado um pro pai dela,+ matou o cachorrinho +e daí ele morreu +e
daí todo mundo queria pegar outro cachorro.+ É que ele tinha fugido +e daí ele não
gostou muito.)
Elementos estruturais
-Resolução: 1- Xeretava e pulava, até que uma menina gostou dele e conseguiu
autorização para adotá-lo (pelo personagem fictício cachorro, pela menina com apoio
do pai); 2- O cachorrinho fugiu de volta e recebeu os cuidados que precisava (pelo
personagem cachorro e pela menina).
361
-Avaliação: Intensificação (só ficava pulando); Refere estado interno do personagem
(pulando pra conseguir um dono, a guriazinha gostou, o cachorrinho ficou triste,
ficou cansado, todo mundo queria pegar outro cachorro, ele não gostou muito).
Narrativa 4.6
F (olha para a figura de um cachorro fox, preso numa gaiola): Era um filhotinho e
uma cachorra.
P: Tá e daí?
P: Hum...
F: Abandonados na rua.
F: E daí veio uma guriazinha e pegou eles e levaram... e levou pra casa dela. E daí ela
deu água, comida e leite.
P: Legal essa história né? O cachorrinho vivia na rua e encontrou uma casa. Natália.
Análise da narrativa
362
Proposições: 9 (Era um filhotinho e uma cachorra.+ E daí eles eram abandonados.+
Abandonados na rua.+ E daí veio uma guriazinha + e pegou eles +e levaram... e levou
pra casa dela.+ E daí ela deu água, comida e leite.+ E aí ela fez uma casinha, boa,+ e
ele ficou feliz.)
Elementos estruturais
-Orientação: Social (filhotinho, cachorra, guriazinha); Espacial (na rua, pra casa
dela);Temporal (Continuidade: aí, daí=3); Elementos de apoio (água, comida, leite,
casinha boa).
-Avaliação: Qualifica (casinha boa); Refere estado interno do personagem (ele ficou
feliz ).
Narrativa 4.7
N: Um cachorrinho...
363
N: Simba e ele tava numa gaiola (Faz um gesto com as mãos demonstrando a gaiola).
P: Hu-hum.
N: Aí uma dona dela pegou e comprou aquele cachorrinho que tava na gaiola, levou
pra sua casa e ficou pra cuidar dele. E a dona teve que sair e deixou o cachorrinho
numa casinha e ele fugiu daí ??? achou e levou. Daí a dona pegou foi atrás, achou e
conseguiu pegar o cachorrinho aí ela, a guria né, pegou e deixou o portão aberto pra
sair pra escola ???? e aí ele ficou doente. Ele não tinha tomado vacina e ele era
bebêzinho...
P: Ai, tadinho!É uma história verdadeira que tu estás nos contando, então?
N: Morreu ...Ele era pequeno e morreu assim, urinando sangue, ele não tinha tomado
a injeção, então teve aquela doença que dá em cachorro...
P: Com o meu também aconteceu isso. Tem que levar no veterinário urgente né
Natália?
(N. leva a mão a boca e fala baixinho, dirigindo-se a V., pois P. falava paralelamente
com outras meninas): É que a minha mãe não tinha dinheiro. (continua depois,
análise abaixo da continuação)
Narrativa 4.8
Análise da narrativa
364
Narrativa individual (Carina), completa.
Elementos estruturais
-Introdução: Sora
-Complicação: Teve de dar dois dos filhotes (Necessidade pessoal dificultada pelas
circunstâncias).
N: Sora, sabe o cachorrinho? Ele morreu atropelado por um carro por causa que o
meu pai ???
C interrompe.
365
N: Daí depois que ele chegou, daí ele olhou o cachorrinho, tinha pegado, ele tinha
tomado ele ??? aqui na boca... Sabe? Coloca a mão no pescoço. ???? E outros
cachorrinhos também ???
C: Sora...
P: Só um pouquinho.
N: ????estava muito cansada, ainda mais a minha mãe ???? eu tava cuidando o
cachorrinho???
P: Fecha a porta Guto. (Diz a um menino da outra turma que está no corredor. Há
muito barulho externo).E aí, Natália?
N: Aí o meu ???
P: Tá, Marilize, agora a tua história, tá?Vamos... Pra dar tempo de todos contarem a
sua.
Análise da narrativa
366
Elementos estruturais
-Orientação: Social (cachorrinho...Simba, uma dona dela, a guria, minha mãe, meu
pai, outros cachorrinhos); Espacial (numa gaiola, pra sua casa, numa casinha, pra
escola, aqui na boca );Temporal (depois, Continuidade: aí=4, daí=4 ); Elementos de
apoio (gaiola, casinha, portão, vacina, injeção, dinheiro, carro).
-Complicação: 1-ele fugiu e foi pego por outra pessoa (Perda); 2- a guria deixou o
portão aberto (fica implícito que ele fugiu de novo) aí ele ficou doente (Doença).
-Resultado: 2-ele não tinha tomado a vacina, era bebezinho e morreu da doença que
dá em cachorro.
-Avaliação: Estabelece relação de causalidade (ele era bebezinho e não tinha tomado
a vacina/injeção, então teve aquela doença que dá em cachorro, é porque minha mãe
não tinha dinheiro; morreu atropelado por um carro, por causa que o meu pai ... ).
Natália fala muito baixo, como conta uma experiência pessoal (num total de
11 turnos), mesmo inicialmente trazida como ficção, talvez procure manter um tom
confidencial. A porta da sala encontrava-se aberta, e enquanto ela falava a outra
turma passou pelo corredor, fazendo muito barulho. Com isso a transcrição ficou
cheia de lacunas. A professora encoraja a continuidade com repetição (Era uma
vez...), vocalização de apoio (Hu-hum), mantendo na menina o foco, evitando
conversas e interferência (Talita, com licença!; Só um pouquinho Carina, agora a
Natália tá falando; Só um pouquinho) e pedindo para fechar a porta da sala. Quanto à
narrativa em si, pede informação sobre orientação social (O nome dele era...?), e
depois faz comentário dirigido à avaliação (P: Ai, tadinho!) Pela fala da professora
reconhecendo a veracidade, parece que a menina informou em alguma das lacunas do
registro que isso aconteceu mesmo com ela (É uma história verdadeira que tu estás
nos contando, então?). A pesquisadora procura confirmar a relação pessoal da menina
com a experiência relatada (O teu cachorrinho morreu desse jeito?), e a menina
parece sentir-se encorajada a dar mais detalhes sobre a situação, mostrando o seu
367
conhecimento sobre o assunto. A professora relata experiência semelhante,
solidarizando-se com ela (Com o meu também aconteceu isso. Tem que levar no
veterinário urgente né Natália?), mas a menina refere a impossibilidade de tal solução
para sua família, pois sua mãe não tinha dinheiro. Mas isso não é escutado pela
professora, pois havia muitas conversas paralelas. Na primeira parte a professora
estava mais atenta ao conteúdo, na segunda apenas permitiu que a menina falasse e
concluísse sua fala. A segunda parte é desencadeada pela narrativa de Carina sobre o
filhote que morreu atropelado. Pelo que se entende do que Natália fala então, parece
que ela anteriormente falava sobre dois filhotes diferentes que morreram: um que
estava doente, e que ela e sua mãe estavam cansadas de tanto cuidar, e o outro que
saiu pelo portão aberto e foi atropelado, talvez pelo pai de Natália. Ou talvez ele é
quem tenha encontrado o cachorro morto, não fica claro.
Narrativa 4.9
M: Um dia, eu tinha um cachorrinho, né?
P: Não né?
V: Essa ela já contou né?Agora ela vai contar uma diferente, né Marilize?
P: Ah, tá.
M: Um dia a minha cadela morreu, a Rosinha, daí a querida, aí ele tava com ela, ele
tava vendo ela ali e ela dormiu aí eu fui ali acordar ela, e daí eu fiquei só chamando
ela, aí ela não queria acordar, nem tava respirando, daí ela morreu, meu pai pegou ela
e enterrou ela ali no campo e daí e agora...eu botei, peguei e botei um negócio ali que
era dela, a corrente dela, daí ela morreu.
Análise da narrativa
368
Tema: morte de cachorra.
Proposições:15 (Um dia, eu tinha um cachorrinho, né?+ Um dia a minha cadela
morreu, a Rosinha, + daí a querida, aí ele tava com ela,+ ele tava vendo ela ali +e ela
dormiu +aí eu fui ali acordar ela,+ e daí eu fiquei só chamando ela,+ aí ela não queria
acordar,+ nem tava respirando,+ daí ela morreu, +meu pai pegou ela +e enterrou ela
ali no campo+ e daí e agora...eu botei, peguei e botei um negócio ali que era dela,+ a
corrente dela,+ daí ela morreu.)
Elementos estruturais
-Introdução: Um dia
-Orientação: Social (cachorrinho , minha cadela Rosinha, ele, eu, meu pai ); Espacial
(ali no campo, ali );Temporal (Um dia, agora, Continuidade: aí=3, daí=5 ); Elementos
de apoio (um negócio, a corrente).
- Resolução e coda: Marilize agora colocou no local a corrente que era dela.
Resolução por ação simbólica, ritualística.
Marilize constrói em dois turnos sua narrativa pessoal, desencadeada pelo tem
da morte de cachorros que outras meninas trouxeram, e ela própria anteriormente. A
professora inicialmente verifica se a história da menina é pertinente à tarefa proposta
(É essa história que tu tá inventando a partir da figura?), possivelmente para restringir
sua fala depois. Mas a pesquisadora interfere de maneira a autorizar que a menina
conte outra história ( Essa ela já contou né?Agora ela vai contar uma diferente, né
Marilize?). Com isso a professora cede, mas não dá realmente muita atenção, não
fazendo nenhum comentário depois, e passando, com um “Tá”, a palavra a outra
menina.
369
Narrativa 4.10
P: Então conta. Te. levanta e sai da roda. Tamires, na rodinha! Não acabou a
atividade ainda. Mariele!
Ma (Olha sua figura de dois labradores correndo pelo campo): Era uma vez que um
cachorrinho morava numa casa. Eram duas...(fala muito baixo)
C: Conta alto!
Crianças conversam.
P: Shh...
Ma: E quando vê eles sairam , e ele caiu, machucou a patinha e foi no médico de
cachorrinho, né?
P: Hu-hum...
P: Hu-hum.
Ma: Daí eles pegaram, almoçaram em outra casa ?????Ma fala baixo e as outras
crianças se agitam e começam a se mexer e conversar. V pede silêncio colocando o
dedo sobre os lábios.
Ma: E daí, e daí ela , a casa era arrumadinha, aí eles bagunçaram toda a casa e daí ela
não gostou.
P puxa F e fala baixinho com ele, provavelmente recriminando o fato de não parar
de conversar com Ci.
370
Ma: Daí num dia de chuva ela disse: “Vocês vão dormir na rua”, e eles dormiram na
rua, e quando vê, encheu o pátio dela.
Ma: De água.
Ma: Ãha.Daí chegou um dia que nunca parou de ter sol ??? e elas tiveram que nadar.
A Borboleta achou uma pedra e subiu nela. A Princesa se machucou, ficou sangrando
no queixo.
P: É isso? Legal.
Análise da narrativa
Elementos estruturais
371
casa, na rua, no queixo); Temporal (quando vê, num dia de chuva , um dia que nunca
parou de ter sol; Continuidade: aí=1, daí=8 ).
- Resultados: 1-são castigadas, postas para dormir na rua num dia de chuva; Uma das
cachorras fica machucada no queixo e sangrando.
-Avaliação: Qualifica (a casa era arrumadinha); Exagera, intensifica (um dia que
nunca parou de ter sol); Refere estado interno de personagem (daí ela não gostou);
Refere voz de personagem (“vocês vão dormir na rua”); Refere causalidade (Por
causa que era a patinha quebrada).
372
história. A pesquisadora fez perguntas de esclarecimento sobre elementos da
narrativa: a complicação (Encheu de que, Mari?, Ah, porque choveu muito?) e o
resultado (E aí como é que acabou, ela ficou assim? Machucada?). Carina pede que a
colega fale mais alto, mostrando disposição para ouvir.
Final da sessão
F: Não!
C: Eu posso (???)
M: Ah sora....
P: Joel, eu não ouvi o Joel, eu não ouvi o Luca. N levanta e vai até P. Só um
pouquinho Natália, senta. Eu não ouvi a Tamires.
F: Eu contei...
V: Então eu tenho uma proposta, tá? Depois vocês vão, não sei se teria...Se daria pra
fazer isso hoje... Ou se encaixaria talvez em algum outro momento contigo,
P.(professora), de cada um fazer um desenho...
V: da história no livrinho.
F: O sora, dá pra fazer uma folha hoje, uma folha amanhã e outra folha depois de
amanhã.
P: Pode ser.
V: Aí no nosso próximo encontro os que não contaram a história hoje contam com o
livrinho já desenhado.
373
P: Pode ser.
C: Ô sora...sora, sora...
Crianças: Eu não!
P: Vamos votar então!Só levanta o dedo uma vez. Senta um pouquinho. (Diz a Te.
que está de pé) Quem quer ouvir levanta o dedo! (P conta quatro crianças).
Baixa.Quem não quer ouvir, quem não está com vontade, que está cansado? A
maioria das crianças levanta a mão. Sete. O grupo tá cansado, ta, Carina, outro dia
tu conta, tá?
P: Gente, sabe o que é? É que eu queria fazer uma atividade com vocês agora, a gente
ficou bastante tempo...
374
V: A Talita, pode ser? Porque ela já tava louca pra contar.
Ta: Deixa ela?
P: Eu queria te ouvir hoje primeiro. Eu quero que tu comeces. Pode começar.
C: Lê alto.
Ta: Quê?
P: Lê alto pra gente ouvir.
Ta: V., eu te amo, você é muito querida, rosa.
V: Quem é rosa?
Ta: Tu.
V: Ah. Eu sou uma rosa? É? É uma mensagem pra mim, então?
Ta: É.
Ta levanta o livro escondendo o rosto.
M: Ai Talita, mostra a tua cara.
Ta abaixa o livro.
Ta: V., A.(a auxiliar de pesquisa).A. e V., você é muito rosa, você tem tudo que você
quiser.
V: Tu tá falando aí, contando um pouco da história do trabalho que a gente fez aqui e
que tu gostou, é isso?
Ta: Fica envergonhada, parece meio atrapalhada, e não responde.
Comentário sobre a situação
A manifestação da menina não foi uma narrativa, mas a apresentação de uma
espécie de cartão-homenagem que a menina produziu para as pesquisadoras. É uma
demonstração de um vínculo afetivo que se criou para ela, anterior a qualquer tarefa
proposta, simbolizado por uma cor ou flor (Rosa) e que possibilita qualquer coisa
(você tem tudo que você quiser). A pesquisadora faz uma tentativa de inclusão da
manifestação da menina como uma “história” do trabalho (na verdade a sua “pré-
história”), destacando o sentimento expresso por ela.
Narrativa 5.1
P: A Carina agora.
C: É a história da Mina e da Nina.
375
P: Vamos ouvir, gente? Joel, vamos ouvir? Pode contar.
C: É a história da Mina e da Nina. Era uma vez... Duas cachorrinhas muito
bonitinhas. Elas gostavam muito de morar com o dono delas, num apartamento, ele
dava pra elas ração e muito carinho. Um dia o dono saiu pra comprar ração e não viu
que deixou a porta do apartamento aberta. As duas, que eram muito safadinhas,
saíram. O porteiro do prédio não viu também elas passando e elas acabaram saindo
do prédio, e foram pruma floresta bem grande. Não conseguiram voltar pra casa, se
perderam. Até que um dia a Gabriela saiu com a sua mãe Juliana, e foram fazer um
piquenique, e sentaram perto de uma árvore. De repente ouviram um latido.
Ma e Ta levantam e saem da roda.
Em seguida C. termina a história : E então ela achou os cachorrinhos e ficou muito
alegre: “Mamãe, olha aqui a Mina e a Nina! Eu não sei como...!” Então elas pegaram
a guia e colocaram nas duas, depois em casa os outros viram e acharam que era
mesmo a Mina e a Nina. Aí eles viveram feliiizes para sempre.
P: Que história bonita, C.!
V. “puxa” aplausos, e as outras crianças acompanham.
Análise da narrativa
376
outros viram +e acharam que era mesmo a Mina e a Nina.+ Aí eles viveram feliiizes
para sempre).
Elementos estruturais
Narrativa 5.2
P: Agora a Natália. Vamos ouvir, Joel?
377
M: Eu queria contar a minha história e não tem nenhuma (aponta o livro em branco,
pois provavelmente faltara no dia em que as crianças o preencheram).
P: Tá, Natália.
N: Era uma vez um cachorro chamado Bonitinho.
V: Sabonetinho?
N: Bonintinho!
V:Ah, Bonitinho!
N: Estava numa gaiola quando seu dono...????(inaudível) comprou o cachorrinho
com o dinheiro que tinha recebido do trabalho. Aí ele pegou e comprou o
cachorrinho, daí ele se perdeu, quando assaltaram ele fugiu ???(Fala muito baixo,
impossível transcrever, e na hora também não compreendemos bem)
V: Acabou a história?
N confirma e todos aplaudem.
Análise da narrativa
378
Em três turnos, Natália conta uma história em voz muito baixa, após a
professora lhe passar a palavra duas vezes, convocando o colega a escutar. A
pesquisadora não chega a entender o nome do personagem, que ela repete. Depois
conta a história sem interrupção, e pela entonação a pesquisadora entende que ela
concluiu, sem pedir esclarecimentos. A menina confirma e os colegas aplaudem, mais
pelo ritual, pois de fato não devem ter conseguido escutar.
Narrativa 5.3
P: Luca, tu quer contar a tua história? Então vamos lá. Vem Carina, senta pra ouvir o
Luca.
Lu: Era uma vez um cachorro chamado Fernando.
P:Tá.
Lu: Ele não tinha dono e não tinha nada pra comer. Ele morria de frio na rua e veio
um menino que pegou ele e deu comida pra ele.
P:Ai que legal essa história.
V: E ele?
Lu: Encontrou um dono.
P:Ai que bom.
V:Como era esse dono?
Lu: Ele era...
Ci: Menino.
Lu: Ele era menino.
P: Ele era menino, é.
V: Como é que ele achou? Onde é que eles se encontraram?
Lu: O cachorro tava na rua e depois se encontram o menino que pegou ele.
P: E daí o que ele fez com o cachorro?
Lu: Deu comida.
L: Deu carinho?
Lu: Deu.
L diz a P:Ele disse que deu carinho.
P: Essa é tua história? Parabéns!Vamos bater palmas pro Luca. Batem palmas. Olha
Luca, adorei a tua história, tô muito feliz.
379
Análise da narrativa
-Complicação: não tinha dono, nada pra comer, morria de frio na rua (Desproteção,
privação)
380
redundante, pois era algo que Luca já dissera (Menino), e Luca aceita a sugestão: Ele
era menino. A impressão que fica é de que Luca tem preguiça de pensar, ele não
desenvolve a narrativa, embora bastante estimulado, e se restringe a repetir coisas que
já disse.
Narrativa 5.4
P:Luciane.
C: Mas ela não veio...
P:É, mas ela tem idéias legais, ela vai conseguir montar uma história.
L: O Lulu.
P:Mostra pros teus colegas o Lulu.
L mostra.
C:Sabe por que ela escolheu esse cachorrinho?
P:Ãh?
C:Por que eu insisti!
P:É mesmo? Vamos Luciane, conta a história.
L: A minha história é do Bruno. Era uma vez um cachorro chamado Bruno e ele
gostava muito de brincar com seus amiguinhos. Eles se divertiam muito. Ele ficou
muito preocupado com quem eram os cachorros. O Bruno latiu e explicou que eram
seus amiguinhos e seu dono decidiu ficar com eles... (há algo aqui que não foi
possível ouvir).Todos os cachorrinhos viveram felizes para sempre com sua dona.
P troca Ci. de lugar e ele senta ao lado de L.
P:Que legal!Palmas pra Luciane!
Batem palmas.
C: Eu não ouvi o fim.
Análise da narrativa
381
Proposições: 9 (A minha história é do Bruno.+ Era uma vez um cachorro chamado
Bruno +e ele gostava muito de brincar com seus amiguinhos.+ Eles se divertiam
muito.+ Ele ficou muito preocupado com quem eram os cachorros.+ O Bruno latiu +e
explicou que eram seus amiguinhos +e seu dono decidiu ficar com eles... +Todos os
cachorrinhos viveram felizes para sempre com sua dona).
Elementos estruturais
-Resolução: Bruno latiu e explicou que eram seus amiguinhos (ação comunicativa do
personagem sobre o adulto); seu dono decidiu ficar com eles, viveram felizes para
sempre com sua dona. (ação do adulto)
-Avaliação: Refere estado interno de personagem (se divertiam muito, ficou muito
preocupado)
Luciane conta uma história em um só turno, que inventa na hora, já que não
compareceu à aula da sessão anterior. Isso é lembrado por Carina, mas a professora
encoraja Luciane a narrar, elogiando a criatividade da menina (É, mas ela tem idéias
legais, ela vai conseguir montar uma história). Carina insiste em marcar sua possível
co-autoria na escolha do personagem (Sabe por que ela escolheu esse cachorrinho?
Por que eu insisti!).A professora reforça o convite à Luciane para narrar (É mesmo?
Vamos Luciane, conta a história). Depois elogia e puxa aplausos (Que legal!Palmas
pra Luciane!). Carina mostra especial interesse pela narrativa de Luciane (Eu não
ouvi o fim), que a professora se apressa em repetir, o que mostra atenção ao
conteúdo, mas também desejo de cumprir mais rapidamente a tarefa, passando a outro
a palavra. Carina é amiga pessoal de Luciane, o que pode explicar tanto seu interesse
pelo conteúdo da história, como certo sentimento de competição, ao resistir que ela
contasse de improviso sua história e ao explicitar a autoria da escolha do personagem.
382
Narrativa 5.5
P: Mariele (que levantava o braço).
Ma: (muito baixo) Era a Picesinha e a Broboleta...(se atrapalha para articular)
Princecinha e Borboleta.
P: Ãh? Pecinha e Borboleta?
Ma: Princesinha e Borboleta.
C:Qual é a Borboleta?
P pega o livro e mostra a turma: Boa pergunta.Ó, são dois cachorros. Quem é a
Princesinha e quem é a Borboleta? Ma fala baixinho e P. repete para a turma. A
Borboleta é a pretinha ó gente, e a menorzinha e é a Princesinha, tá.
Ma fala muito baixo!!! Algumas crianças conversam alto.
C fala a M: Pára de...
L:Nós queremos escutar a história da Mariele.
P:Deu Mari. Pode falar. Talita! (repreende)
Ma: Era uma vez a Borboleta e a Princesinha. Elas moravam numa casa muito grande
e ficavam no pátio de baixo. Aí ela deixou o portão aberto e o cachorro fugiu e ficou
louco de fome.
V:Os dois fugiram, Ma?
Ma:Só um.
V: Qual?
Ma:A Borboleta...Ela tentou achar uma casa. Ficou com sede e com fome e sem casa.
P: E aí, pra onde eles fugiram?
V:E aí, o que ela fez?
Ma: a vizinha pegou ela, era má, batia, não dava comida. Ela ficava com fome, ficou
doente e morreu.
P: A história terminou assim, Mari?
Ma acena com a cabeça confirmando.
Je: Ô sora, eu tinha nove cachorrinhos e os nove cachorrinhos morreu.
Batem palmas.
Análise da narrativa
383
Narrativa individual (Mariele), completa.
-Complicação: 1-o cachorro fugiu (afastamento do conhecido), ficou com sede e com
fome e sem casa (necessidades pessoais dificultadas pelas circunstâncias); 2- a
vizinha era má, batia e não dava comida (maus-tratos).
384
a Borboleta?) e depois ajuda Mariele a nomear os cachorros, repetindo alto o que ela
fala (A Borboleta é a pretinha ó gente, e a menorzinha e é a Princesinha, tá). A
pesquisadora pede esclarecimento sobre personagem, em duas perguntas (Os dois
fugiram, Ma? Qual?). Depois a professora, possivelmente não tendo ouvido a
resposta da menina a estas questões, faz pergunta sobre orientação espacial, mas
utilizando o plural (E aí, pra onde eles fugiram?). A pesquisadora corrige com
pergunta sobre ação do personagem (E aí, o que ela fez?). Quando a menina conclui,
a professora procura confirmar o resultado (A história terminou assim, Mari?). Joel
participa contando experiência pessoal com morte de cachorros (Ô sora, eu tinha
nove cachorrinhos e os nove cachorrinhos morreu). A professora comenta
brevemente sua fala, mas volta a atenção para Mariele, pedindo palmas.
V: Gente, hoje eu queria fazer com vocês um jogo que se chama “jogo do curioso”.
O que é que faz uma pessoa curiosa?
M: A pessoa que não gosta que chamem de alguma coisa.
N:Não. A pessoa tá olhando uma coisa, depois vem aquele olhar.
V: Que que faz uma pessoa curiosa? Vem olhar uma coisa que tá acontecendo?
F: A pessoa curiosa...
Narrativa 6.1
C:Me lembrei!Me lembrei!
N: ...Daí ele fica olhando.
C levanta o dedo: Ontem eu tava falando com a minha tia. Daí...
P:Mas o que tu vai falar é sobre o que a gente perguntou?
C:É.
P:Ah, tá.
385
C: Aí eu tava ???Tava conversando com a minha prima. Aí veio a minha amiga e
nem sabia do que a gente tava falando...Ah, a minha prima veio aqui e ela assim. C
levanta-se e se abaixa num pulo como quem escuta uma conversa: Quê?
P: Isso é ser curiosa?
C:É.
P:Hum.
V: Soa como uma coisa ruim, como ser intrometido na vida do outro, não?
M:Não.
V:Não só, né?
Análise da narrativa
-Orientação: Social (eu, tia, prima, amiga); Espacial (aqui); Temporal (Ontem;
Continuidade:daí, aí=2 ).
-Avaliação: Refere estado interno de personagem (amiga nem sabia do que estavam
falando)
Narrativa 6.2
V(prosseguindo): Hein gente, então vocês vão brincar de curioso aqui, né? Então, ãh,
vocês vão fazer assim ó: Alguém vai contar alguma coisa que aconteceu ou uma
história triste, ou uma história assustadora, um susto que levou ou alguma história
engraçada. Tá? Então algum de vocês vai trazer alguma história que aconteceu na
vida de vocês...
Carlos: Eu já assustei meu irmão.
P:Conta pra nós a história.
V:E, vamos só combinar isso aí. Os outros vão fazer papel de curiosos. Vão
perguntar pro Carlos...Vão ajudar a contar perguntando coisas que a gente quer saber,
tá? Vão perguntar quem é, quando, como, esse tipo de coisa que o curioso gosta de
perguntar...
L: Que horas...
V:Isso.
C: Posso começar?
V:Não, o Carlos vai contar.
Co: Eu tava, eu tava na minha vó e assustei o meu irmão. Lá na minha tia, a gente
fica junto né?(Olha para Joel)
P: Onde?
L: Aonde?
Ma: Aonde?
Co: Lá na minha tia, ué?!
P:Quando?
Co:Quando? Sexta.
P:E o que o teu irmão fez?
Co: Ele saiu correndo, daí ele quase atropelou a minha mãe.
P:Ai coitadinho.
387
V:Teu irmão é pequeno, Carlos?
Co: É.
Je: Ele fez assim ó (coloca a perna) e quase caiu.
V: Onde é que vocês tavam?
Co: A gente tava, a gente tava no...Cã...ãh... No...(demora algum tempo)...Tava
assim, tava lá no campo.
F:Aí como vocês assustaram ele?
Co: Eu,eu...Daí, daí...Tinha um...
Je fala ao mesmo tempo.
P: Joel, só um pouquinho que é o Carlos que tá contando.
Co: Tava numa...Num baita coisa assim ó (levanta as mãos e desce verticalmente,
indicando um espaço semelhante a um poste).
N:Uma máquina?
Co: É, uma máquina de lavar roupa que a vizinha botou no lixo. Aí, eu...Eu me
escondi...e veio, ãh, uh, bem na hora.
V:Tu te escondeu atrás da máquina?
Co sorrindo: É.
P: E aí?
V: Aí quando ele vinha chegando tu (imita alguém dando um susto)?
C levanta o dedo e F diz: Não, Carina!
Co: É...Ãh...
Análise da narrativa
388
Elementos estruturais
-Resumo: Eu já assustei o meu irmão
-Orientação: Social (eu, irmão, a gente, a minha mãe); Espacial (na minha vó, lá na
minha tia,, no campo, numa baita coisa assim); Temporal (sexta, bem na hora;
Continuidade:daí=3, aí=1 ).
-Complicação:Eu me escondi e ele veio bem na hora - assustei o meu irmão (susto).
-Avaliação: Qualifica e intensifica: num baita coisa assim, ó (usando gestos para
mostrar); Intensifica: ah, uh, bem na hora.
389
adivinhar o resto da cena, da ação de Carlos para assustar o irmão, utilizando também
gestos (Dramatiza).
Narrativa 6.3
C: Eu disse primeiro sora! É assim ó.Um dia a minha mãe tava lá na cozinha...Todos
os dias que a minha mãe ta na cozinha eu pego meus sapatos e vou devagarinho dar
um susto na minha mãe. Aí ela se assusta. Aí um dia eu voltei sem barulho e a minha
mãe foi sem barulho, foi lá na cozinha, veio (mostra com as mãos) e puf! (demonstra
um empurrão).A janela...Não!Aí a porta...Aqui tá a porta (demonstra com as mãos ao
seu lado direito) e aqui tá o outro quarto (mãos ao lado direito.Levanta e anda) Aqui
tá a geladeira e o fogão. (Dá um pulo) Daí ela caiu pra trás.
P imita a mãe: Nossa!Minha filha não me assusta!
Análise da narrativa
-Orientação: Social (eu, minha mãe); Espacial (lá na cozinha, Aqui tá a porta, aqui tá
o outro quarto, aqui tá a geladeira e o fogão, pra trás ); Temporal (Todos os dias;
Continuidade:daí=1, aí=2 ).
390
Análise do contexto e participação dos interlocutores
Narrativa 6.4
C:Deixa eu contar agora uma história triste?
P: Pode ser?
V:Pode ser uma história triste, ou engraçada...
L:De terror.
V:Uma história de terror.
N:Eu vou contar uma história de terror.
P:Ó, vamos escutar! Shh!Só um pouquinho Flávio (que tentava falar) a Natália já
começou.
N: Eu tava na minha vó.Aí a minha vó, a minha mãe, a minha vó ..????Daí eu peguei,
né, porque a minha mãe ia lavar toda a louça, daí em vez de eu dar um susto eu dei
um susto forte que ela se assustou. Daí eu peguei e botei uma fantasia sabe, tipo de
um, uma fantasia de uma bruxa e assustei. Aí, daí professora, o meu irmão,o E., aí
quando ela saía pro lado, era um vampiro, a aranha e uma bruxa e mais uma cobrinha
, sabe?
P:Ãhã.
N:Aí, daí a minha prima se assustou e ficou assim “ãh!”,aí, daí, ela pegou e foi ligar e
o meu irmão tava com dente de vampiro e ela não sabia, ela tomou um susto!
V:Qual é a idade da tua prima?
N:Ela tem catorze.
V:Ah, ela é muito assustada então? Se assustou com todo mundo?
N: Ahã. Eu já peguei o casaco dela e ela fica assustada, pensando que tinham...Eu
peguei sem querer pensando que não era dela, que era da minha vó.
F:Ela tem catorze anos?
391
N:Uh-hu.
Análise da narrativa
-Orientação: Social (eu, minha mãe, minha avó, o meu irmão, a minha prima);
Espacial (na minha vó, pro lado); Temporal (Continuidade:daí=6, aí=5 ).
392
narrado, impedindo também a manifestação de Flávio. Natália conta sua história
pessoal em 5 turnos. A professora faz uma vocalização para encorajar a continuidade
(Ãhã). A pesquisadora faz uma questão relativa a personagem (Qual é a idade da tua
prima?),e depois faz um comentário de avaliação (Ah, ela é muito assustada então?!
Se assustou com todo mundo?) Natália concorda com a avaliação e dá outro exemplo
da facilidade da prima em se assustar. Flávio parece surpreso, pois pede confirmação
da informação dada (Ela tem catorze anos?).
Narrativa 6.5
393
Proposições: 16 (É uma história meio de terror né?+ Meio de terror. + Eu tava
dormindo um dia na casa da minha vizinha né, tá. +Aí, veio duas moças, + aí a minha
vizinha, ela tava acordada.+Aí ela viu,+ aí quando ela abriu + bem na hora a vizinha
tava com uma faca + aí ela cortou assim na minha vizinha (faz um gesto como quem
corta o rosto).+ Aí eu fiquei olhando +e ela ficou lá,+ aí eu fui correndo atrás dela +
pra ajudar a pegar elas,+ mas eu não consegui. + Eu não sei,+ mas eu acho que elas
são amigas)
Elementos estruturais
-Introdução: É uma história meio de terror né?
-Orientação: Social (eu, minha vizinha, duas moças, a vizinha); Espacial (na casa da
minha vizinha,lá, atrás dela); Temporal (um dia, bem na hora; Continuidade:aí=7 ).
-Complicação: a vizinha tava com uma faca, aí ela cortou assim na minha vizinha
(Violência física).
-Resultado: ela ficou lá, eu fui correndo atrás dela, pra ajudar a pegar elas, mas eu não
consegui.
394
ANEXO H
Tabela 11
Tipos e Subtipos de Temas por Tipo de Narrativa no Estudo Etnográfico
2- Ligados à
definição e
construção de sentido
de diferentes meios
onde a vida se
desenvolve:
2.1.Constelação Lazer Lazer
familiar Mudanças Mudanças
Data marcante
Animal doméstico Animal doméstico
Animal ameaçador
Conflito Conflito
Uso de drogas
Morte (familiares) Morte (cachorro)
Herança
Loucura
2.2.Comunidade Acontecimentos dramáticos
(incêndio, crime, acidente).
2.3.Escola Aquisição de habilidades Quebra de regra
Conflito
Poder da professora
Brincadeira
2.4. Serviços de saúde Atendimento médico
Atendimento odontológico Atendimento odontológico
395
Tabela 12
Principais elementos estruturais: Tipos e freqüência por Tipo de Narrativa no Estudo
Etnográfico
Intraconversacionais Eliciadas
2-Ligados à
definição de
diferentes meios
onde a vida se situa
2.2-Comunidade -Brincar
(amigos, inimigos, -Amor
vizinhos) -Intromissão
-Vingança
-Negligência e maus-tratos
-Violência física
2.3- Serviço de -Assistência médica
saúde
2.4- Mundo mais -Exploração de novas possibilidades e apoios
amplo (Lugares -Susto com seres desconhecidos
desconhecidos, -Fuga
mundo mais -Perder-se
impessoal) -Desproteção
-Procura de ente querido
-Ferimento
Total subtipos 24
399
Tabela 14
Tipos e Freqüência dos Elementos Estruturais no Estudo de Intervenção
Elementos Tipos Freqüência Média/Narrativa
estruturais
1-Introdução -Apelo (O sora!) 6
-Direta (Quero contar...,Eu agora!) 7
-Definição de gênero (Vou contar
uma história de terror) 3
-Particularização (Um dia) 4
-Literatura infantil (Era uma vez) 12
-Minha história era do(a)...(nome
do protagonista) 5
-Assim (ó):... 2
-Me lembrei!Me lembrei 1
Total 8 40 1,38
2-Orientação
2.1-Social 2.1.1.Experiência Real
-Eu 7
-A gente 1
-Mãe 6
-Pai 3
-Irmão 3
-Avó 1
-Outros parentes 4
-Vizinhos 3
-Amiga 1
-Cachorros 15
2.1.2. Ficção
-Cachorros 23
-Personagens ameaçadores
(Vampiro, bruxas) 5
-Personagens protetores
(Fadas, Deus, estrela) 4
-Outros personagens definidos
(Bela Adormecida, Rei, Bruna) 11
-Personagens ambíguos
(dragão/jacaré,
vaca/pássaro/camelo) 13
-Atividades ocupacionais (médico,
motorista, ladrão) 6
-Referência a relações (dono, pai
dela, gato ou filho do dono) 17
-Referência por gênero e tamanho
(senhor, moço, guria, mulher) 16
-Referências gerais (todo mundo,
400
pessoas, formiguinhas) 7
-Referências vagas (ele, eles, o
cara aquele) 9
Total 20 155 5,34
2.2-Espacial -Partes do corpo 8
-A própria casa 8
-Casinha de cachorro 3
-Partes da casa 9
-Especificação do tipo de casa
(apartamento, prédio, castelo) 5
-Referências naturais (floresta,
campo) 6
-Escola 1
-Casa de parentes (tia, avó) 4
-Casa de protetores 3
-Casa de vizinhos (ou parte delas) 4
-Trabalho dos pais 1
-Outros trabalhos (polícia) 2
-Comércio (loja) 2
-Parque 1
-Cidade (na rua, por toda cidade) 4
-Referências vagas (lá, ali, aqui,
num negócio, no lugar tal) 21
-Advérbios utilizados
adequadamente (dentro, atrás, ali,
longe, para trás) 23
-Deslocamento (perto/perto mais
ainda, andaram e andaram) 4
Total 18 108 3,72
2.3-Temporal -Situa a experiência em relação a
alguém ou acontecimento (quando
assaltaram, no dia do batizado) 4
-Situa a experiência objetivamente
(ontem, sexta, quando ela fizer 15
anos) 6
-Referência vaga(um dia, uma vez) 15
-Estabelece freqüência (três vezes,
sempre, na hora que ela quisesse) 5
-Estabelece causalidade (então) 3
-Estab. mudança interna ao evento 18
-Estabelece duração (para sempre) 8
-Estabelece simultaneidade (bem
na hora) 2
-Estabelece continuidade(daí, aí) 148 5,1
Total 9 61 2,1
3-Complicação -Quebra/transgressão de 2
padrão/regra
-Punição injusta 1
-Preocupação de adulto 1
401
-Necessidade pessoal dificultada
pelo outro/circunstâncias 7
-Adversidade natural (choveu
muito) 2
-Afastamento do conhecido
(perder-se) 5
-Rejeição 1
-Perda 2
-Desproteção, privação 4
-Susto 10
-Ameaça/risco 2
-Intromissão 1
-Desacordo 1
-Luta 1
-Violência física 3
-Problema de saúde, ferimento 5
-Desmaio 1
-Morte 3
-Nascimento 1
Total 19 53 1,83
4-Resultado
4.1-Resolução -Pela criança 3
-Por adulto 1
-Por personagem fictício 26
-Pela sorte 2
-Padrão literário (Felizes para
sempre) 5
Total 5 37 1,27
4.2-Conseqüência -Física e material 10
-Subjetiva 4
Total 2 14 0,48
5-Avaliação
5.1-
Afetiva/Expressiva -Expressa verbalmente os próprios 2
sentimentos
-Expressa verbalmente estado
interno de personagem 26
-Muda entonação na fala de
personagens 5
-Expressa a gravidade ou
importância do evento ou aspecto
(intensificação, repetição, mudança
na entonação) 37
-Insinua sentido malicioso 1
Total 5 71 2,45
5.2-
Cognitiva/Moral -Qualifica (assombrada, do mal) 14
-Refere percepção, pensamento ou
intenção do personagem (a fada
402
pensa..., pensou que tinha jóias...,
ele queria ganhar dinheiro) 15
-Estabelece causalidade 6
-Julga validade ou veracidade da
história 2
Total 4 37 1,27
403