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97
aberto
Docência
universitária
Jacques Therrien
Ana Maria Iório Dias
(Organizadores)
em
República Federativa do Brasil
CONSELHO EDITORIAL
Nacional:
Alceu Ravanello Ferraro – UFRGS – Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil
Ana Maria Saul – PUC-SP – São Paulo, São Paulo, Brasil
Bernardete Angelina Gatti – FCC – São Paulo, São Paulo, Brasil
Carlos Roberto Jamil Cury – PUC-MG – Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil
Celso de Rui Beisiegel – USP – São Paulo, São Paulo, Brasil
Cipriano Luckesi – UFBA – Salvador, Bahia, Brasil
Clarissa Baeta Neves – UFRGS – Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil
Delcele Mascarenhas Queiroz – Uneb – Salvador, Bahia, Brasil
Guacira Lopes Louro – UFRGS – Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil
Jader de Medeiros Britto – UFRJ – Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
Janete Lins de Azevedo – UFPE – Recife, Pernambuco, Brasil
Leda Scheibe – UFSC – Florianópolis, Santa Catarina, Brasil
Luiz Carlos de Freitas – Unicamp – Campinas, São Paulo, Brasil
Magda Becker Soares – UFMG – Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil
Marta Kohl de Oliveira – USP – São Paulo, São Paulo, Brasil
Miguel Arroyo – UFMG – Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil
Nilda Alves – UERJ – Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
Petronilha Beatriz Gonçalves Silva – UFSCar – São Carlos, São Paulo, Brasil
Rosa Helena Dias da Silva – Ufam – Manaus, Amazonas, Brasil
Rosângela Tenório Carvalho – UFPE – Recife, Pernambuco, Brasil
Internacional:
Almerindo Janela Afonso – Universidade do Minho – Minho, Braga, Portugal
Carlos Alberto Torres – University of California – Los Angeles (UCLA), EUA
Carlos Pérez Rasetti – Universidad Nacional de la Patagonia Austral –
Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina
Domingos Fernandes – Universidade de Lisboa – Lisboa, Portugal
Guiselle M. Garbanzo Vargas – Universidad de Costa Rica – San José, Costa Rica
Izabel Galvão – Universidade de Paris 13 – Paris, França
Juan Carlos Tedesco – Instituto Internacional de Planeamiento de la Educación
(IIPE/Unesco) – Buenos Aires, Argentina
Margarita Poggi – Instituto Internacional de Planeamiento de la Educación
(IIPE/Unesco) – Buenos Aires, Argentina
97
aberto
Docência
universitária
Jacques Therrien
Ana Maria Iório Dias
(Organizadores)
em
ISSN 0104-1037
Em Aberto, Brasília, v. 29, n. 97, p. 1-180, set./dez. 2016
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep)
É permitida a reprodução total ou parcial desta publicação, desde que citada a fonte.
enfoque
Qual é a questão?
Docência universitária
Jacques Therrien (UECE)
Ana Maria Iório Dias (UFC)
Meirecele Calíope Leitinho (UFC)........................................ 21
pontos de vista
O que pensam outros especialistas?
espaço aberto
Manifestações rápidas, entrevistas, propostas, experiências, traduções, etc.
bibliografia comentada
focus
What’s the point?
University teaching
Jacques Therrien (UECE)
Ana Maria Iório Dias (UFC)
Meirecele Calíope Leitinho (UFC)........................................ 21
points of view
What other experts think about it?
open space
Comments, interviews, proposals, experiments, translations etc.
annotated bibliography
Jacques Therrien
Ana Maria Iório Dias
Organizadores
Resumo 21
Nas últimas décadas, o debate sobre a formação docente para a educação
superior, tanto em nível nacional como internacional, vem destacando, além da
formação para a pesquisa, o domínio do campo pedagógico, imprescindível à formação
dos profissionais para a docência no ensino superior, assegurando sua integração
aos demais campos disciplinares da ciência. Para a sistematização dessa formação
pedagógica, entende-se que a área da Educação, cujas raízes são partes constitutivas
da totalidade do ser humano em busca de emancipação profissional e social, apresenta
interfaces multidisciplinares e multiculturais que estabelecem seu diálogo com as
peculiaridades próprias às especificidades de cada campo disciplinar. Assim, o tema
tem implicações em todos os níveis da educação brasileira.
Introdução
1
O termo universitário(a), tanto neste texto como nos demais que compõem este número da revista Em Aberto, refere-
se à educação superior (universidades, centros universitários, faculdades). Na ausência de termo que contemple todos
os segmentos, optou-se por esse.
Essas questões, entre outras que serão acrescidas, serão discutidas neste
artigo.
Inicialmente, será apresentada uma caracterização da Pedagogia, do Currículo
e da Didática e suas identidades multirreferenciais na ação docente de ensinar e de
aprender; a seguir, será analisada a pedagogia universitária, no sentido da
necessidade de profissionalização da docência e da atuação do profissional do ensino
enquanto atividade que requer articulação tanto de saberes quanto de conhecimentos,
vindos de pesquisas e/ou de sua práxis.
Conclusão
Referências bibliográficas
SCHON, Donald. The reflective practitioner. New York: Basic Book, 1983.
32
Resumo 35
A internacionalização da educação tem sido um dos mais importantes fatores
de impacto da educação superior e, especificamente, da docência universitária.
Embora inerente à instituição universitária e tradicionalmente acolhida na função
pesquisa, a partir deste século, no bojo da sociedade do conhecimento e da
globalização, a internacionalização se direciona para a função ensino e para todo
seu arcabouço constitutivo. Logo, a docência universitária passa a se constituir num
contexto de afirmação de critérios de qualidade e da internacionalização, cuja inserção
nos diferentes níveis de políticas objetiva a construção da cidadania global, mediante
currículo internacionalizado e desenvolvimento de competências interculturais. O
presente artigo, nesse sentido, tem como foco o desafio de construir a cidadania
global por meio da docência.
36 Introdução
Type 9 – Curricula in which the content is especially designed for foreign students.
(Nilsson, 2000, p. 22).
CROWTHER, P.; JORIS, M.; OTTEN, M.; NILSSON, B, TEEKENS, H.; WÄCHTER, B.
Internationalisation at home: a position paper. Amsterdam: EAIE, 2000.
OTTEN, M. Impacts of cultural diversity at home. In: CROWTHER, P.; JORIS, M.;
OTTEN, M.; NILSSON, B.; TEEKENS, H.; WÄCHTER, B. Internationalisation at
home: a position paper. Amsterdam: EAIE, 2000. p. 15-20.
ROBSON, S.; WALL, K.; LOFTHOUSE, R. Raising the profile of innovative teaching
in higher education? Reflections on the EquATE Project. International Journal of
Teaching and Learning in Higher Education, Boston, v. 25, n. 1, p. 92-102, 2013.
46
Resumo 47
O desenvolvimento profissional docente é analisado como processo humano
concreto, nos marcos da totalidade do modo de produção capitalista. O tema justifica-
se pela constatação de que, na atualidade, a política educacional para o ensino
superior contempla os ajustes da agenda neoliberal impostos por organismos
financeiros internacionais, que se traduzem em exigências de um novo perfil docente,
afetando o fazer e o ser professor. O estudo sinaliza que as exigências impostas ao
docente do ensino superior resultam na intensificação insustentável de atividades
e tarefas que restringem as possibilidades de o docente usufruir normalmente da
convivência familiar e social, pois o trabalho se torna uma questão de sobrevivência.
Introdução
Para melhor compreensão das condições de trabalho e dos fatores que geram
a intensificação em relação à educação, os pressupostos teóricos no presente artigo
serão delineados considerando as seguintes categorias: trabalho; condição docente;
profissão docente; carga de trabalho; e intensificação do trabalho docente.
Frigotto (2002, p. 31) afirma que “o trabalho humano, compreendido em
sentido ontológico, está intrinsecamente relacionado à produção de nossa existência
como sujeitos sociais [...]”. Para o Frigotto (1998, p. 28), “[...] o trabalho em primeira
instância é criador da condição humana e este o transforma em atividade laborativa,
permeado pela alienação, materializando-o como mercadoria e força de trabalho”.
O trabalho como categoria central da formação do ser humano é evidenciado
por Fantini, Silveira e Rocca (2010) como “condição docente”, sendo esta um estado
de processo social do ofício docente. As condições de trabalho docente são
intencionais, uma vez que carregam efeitos políticos, sociais, culturais e econômicos
concretos no campo das condições de trabalho. Por isso, é importante retratá-la a
partir de uma perspectiva histórica, pois se trata de um dos ofícios mais antigos da
sociedade moderna.
Arroyo (2007, p. 192), por sua vez, é categórico ao afirmar que “[...] a história
concreta, os sujeitos concretos que vivenciam a docência e as formas de trabalho
Referências bibliográficas 57
APPLE, M. Trabalho docente e textos: economia política das relações de classe e
gênero. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
58 joinpp2013/JornadaEixo2013/anais-eixo15-impassesedesafiosdaspolitica
sdeeducacao/otrabalhodocentenoensinosuperior-produtivismoacademico-
intensificacaoeprecarizacao.pdf>.
60
Resumo 61
Diante do contínuo esgotamento da racionalidade pedagógica que impõe
limites estruturais à prática docente, tais como a desnecessidade da reflexividade,
da crítica e da dialogia como fundamentos do ato pedagógico, serão analisadas as
dificuldades que rebatem nas práticas vivenciadas pelo professor-bacharel do ensino
superior, gerando dissonâncias que podem impedir a mobilização de saberes em sua
prática profissional. Será realçada a necessidade da análise coletiva e didática das
práticas com vistas a ampliar o sentido e a necessidade dos conhecimentos didáticos,
por meio da triangulação entre: a prática realizada, a análise da prática e a teoria
da prática.
Introdução
Cheguei pronto para dar uma aula; mas a secretária me disse que eu deveria passar
uma fita pronta e só acompanhar a aula se desenvolver no vídeo. Eu não me senti
professor, mas um técnico passador de fita. (Leandro, professor contabilidade).
Gostaria de, mais uma vez, reafirmar (Franco, 2012) que é fundamental definir
o sentido do que entendemos por prática, para então olharmos a didática na prática.
Jacky Beillerot (2003)1 realça que prática, contrariamente ao senso comum, não é a
totalidade de gestos, ações e fazeres de uma pessoa no exercício de sua
profissionalidade; mais que isso, prática reporta-nos aos processos que permitem
(permitiram) o referido fazer. Portanto, como tenho afirmado: a prática é um espaço
de possibilidade de práticas. O autor citado afirma que o que torna esse conceito
precioso é seu duplo caráter: de um lado, inclui os gestos, as condutas, as linguagens,
e, de outro, os objetivos, as intencionalidades, as estratégias e as ideologias que se
corporificam em gestos, condutas e ações.
Beillerot conclui que as práticas são objetos sociais abstratos e complexos e
que, assim sendo, não são perceptíveis à primeira vista, elas carecem de uma análise
profunda para serem percebidas em sua essencialidade. 67
Essa bidimensionalidade conceitual reveste a análise das práticas e a formação
para as práticas – empreendimentos de muitas ambiguidades. É comum percebermos
o professor sendo analisado pela parte exterior de sua docência: os gestos e os modos
de estar na sala de aula. É comum muitos formadores considerarem que, para mudar
a prática, é preciso mudar os gestos. É uma ingenuidade essa posição tão comum!
Os gestos decorrem de convicções, ideologias, perspectivas. Se elas não forem
percebidas e transformadas pelos próprios docentes, os gestos não se alterarão; ou
apenas na forma, mas não na essencialidade do ato pedagógico.
Torna-se necessário que o professor transforme sua relação com o saber
pedagógico/didático e que seja compreendido na dinâmica proposta tão claramente
na teoria de Charlot, quando enfatiza o sujeito que interpreta e dá sentido ao mundo,
estabelecendo diferentes relações com o saber e, assim, produzindo diferentes modos
de agir no mundo:
[...] compreender como o sujeito categoriza, organiza seu mundo, como ele dá
sentido à sua experiência e especialmente à sua experiência escolar [...], como o
sujeito apreende o mundo e, com isso, como se constrói e transforma a si próprio.
(Charlot, 2005, p. 41).
Apesar de Charlot basear sua teoria nos estudos com os alunos colocados em
situação de fracasso escolar, acredito ser pertinente considerar que essa mesma
1
Tradução livre, a partir de mimeografado da entrevista.
2
Projeto de pesquisa financiado pelo CNPq (Franco, 2010; 2013) e em finalização em 2016.
Referências bibliográficas
CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto
Alegre: Artes Médicas. 2005.
FRANCO, Maria Amélia Santoro. Práticas pedagógicas nas múltiplas redes sociais.
In: LIBÂNEO, J. C.; ALVES, N. Doze temas da Pedagogia: as contribuições do
pensamento em currículo e em didática. São Paulo: Cortez, 2012. p. 169-189.
FREIRE, Paulo. A educação como prática da liberdade. São Paulo: Paz e Terra,
1979.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 24. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
Resumo 73
A metamorfose do mundo do trabalho, decorrente da reestruturação produtiva
do capital, se caracteriza pela instituição de um modelo mais flexível baseado nos
princípios do toyotismo (just in time, kanban, trabalhador multifuncional), que leva
à flexibilização da legislação trabalhista e das formas contratuais e, como
consequência, à precarização do trabalho. Nesse contexto, no qual o capitalismo
encontra-se em profunda crise, o professor vem perdendo gradativamente os direitos
conquistados pelas lutas empreendidas pelos sindicatos e a profissão docente vive
um período de desvalorização, perda de status social e achatamento salarial. São
analisadas algumas leis e os seus impactos sobre a formação e o trabalho do professor,
estabelecendo de forma analítico-crítica as relações entre esses fatores (legislação-
formação), para demonstrar que formação deve estar dentro de um quadro de
valorização profissional.
The metamorphosis of the world of work, which stems from the productive
restructuring of capital, is characterized by the introduction of a more flexible model
based on the Toyotism principles (Just-in-time, Kanban, multifunctional workers),
leading to the flexibility of labor laws and of contractual arrangements, hence, to
the precarization of work. In this context, in which the capitalism is in a deep crisis,
professors have been gradually losing the rights they have gained as a result of
union struggles, and the teaching profession has been facing challenges such as
depreciation, loss of social status, and reduction of the purchasing power. This article
analyzes some laws and evaluates their impact on teachers’ training and work,
establishing, analytically and critically, the relationship between these factors
(legislation-teacher training), seeking to demonstrate that teacher training must be
included in a sphere of professional recognition and appreciation.
2011-2016
1
Sob o regime de contrato de exclusividade, os professores estão impedidos de exercer outras atividades remuneradas.
No entanto, podem receber, esporadicamente, por participações em eventos científicos ou palestras, bolsas de agências
de fomento ou organismos nacionais ou internacionais, ganhar direitos autorais ou direitos de propriedade intelectual.
2
O governo petista durou 14 anos, tendo se encerrado em agosto de 2016, por força de uma manobra jurídica, política
e midiática que retirou a presidente eleita do poder.
Os docentes das instituições públicas estão, a cada dia, tendo seus direitos
suprimidos, na mesma proporção que têm seu trabalho intensificado e precarizado.
A onda neoconservadora que se apoderou do país tem tido uma grande repercussão
na educação em geral e mais especificamente nas salas de aula. Isso tudo com a
participação direta e efetiva dos Poderes Executivo e Legislativo, de onde surgem
essas propostas estapafúrdias que vêm tolhendo a autonomia do professor na sala
de aula.
Veiga (2014, p. 342) traz elementos importantes para a reflexão e para se
fazer uma relação com os atos legais, tratados no tópico anterior:
A compreensão da docência na educação superior evidencia que, para se entender
a prática do professor, é necessário considerar a subjetividade da pessoa e do
profissional docente, inserido no contexto institucional e social. Cabe destacar que
a docência só pode ser entendida se contextualizada. Uma das conclusões a que
podemos chegar sobre a docência na educação superior é que ela representa um
amálgama marcado pelas políticas públicas explicitadas nas Diretrizes Curriculares
Nacionais e em outros instrumentos legais.
Considerações finais
81
3
Assim está sendo chamado o corte de recursos instituído pelo governo que assumiu com a manobra midiática, jurídica
e política desferida sobre a presidente eleita em 2014.
4
Em 2015, o governo fez um corte de 11 bilhões de reais; até março de 2016, o corte já atingia o valor de 4,6 bilhões
de reais. Além disso, tramita no Congresso a PEC 241/2016 que pretende modificar a Constituição Federal, realizando
a desvinculação de recursos da educação e saúde. Também o governo pretende reestabelecer a Desvinculação da Receita
da União (DRU) na ordem de 30%. E o Ministério do Planejamento já informou que, em 2017, haverá uma diminuição
de 10% nos recursos para a educação, em relação ao definido para o ano de 2016.
Referências bibliográficas
85
Resumo 87
Problematiza a educação superior no contexto contemporâneo e as condições
que o afetam, as quais exigem reflexões e mudanças. Explora o conceito de inovação,
abordando-o segundo a relação entre a pedagogia, a epistemologia e a cultura, de
modo a afirmar a concepção de inovação como ruptura paradigmática, no contexto
da educação superior e da emergência de mudanças nas práticas tradicionais de
ensinar e aprender. A importância de tomar a democratização numa perspectiva
conceitual e curricular é registrada no estudo. A interferência da relação entre ensino
e pesquisa nas pedagogias da educação superior também é discutida e indicadores
para análise das práticas pedagógicas inovadoras e das repercussões nos saberes
docentes são apontados. Algumas estratégias sobre a formação de professores
universitários são inferidas.
88 Readings (2003) menciona que, se for considerado o papel dessa instituição previsto
pela modernidade, é possível percebê-la em ruínas , quando se afasta das
humanidades, acirrando a dicotomia entre estas e as ciências naturais. O autor
defende a centralidade do conceito de cultura, que deveria se constituir na ideia
legitimadora, não só aplicada às ciências sociais, mas a todo conhecimento produzido
no espaço acadêmico. Critica, ainda, o acirramento da ordem capitalista que se
institui na gestão universitária, pois “[...] a figura central da universidade já não é
o professor que faz investigação e dá aulas ao mesmo tempo, mas o administrador
para quem esses professores prestam contas” (Readings, 2003, p. 17). Esse
administrador tanto pode estar próximo, no âmbito da instituição, como pode ser
representado pelos sistemas de controle nacionais e internacionais, que, numa lógica
concorrencial, definem um padrão de excelência.
Boaventura de Sousa Santos (1994) tem, há mais de uma década, denunciado
as crises que a universidade enfrenta. Em texto que denominou “Da ideia da
universidade à universidade de ideias”, propugnava a defesa de um movimento
intenso que examinasse as crises da hegemonia, da legitimidade e a institucional.
Centrando sua análise nas instituições públicas, registrava a importância de
movimentos que evitassem o acirramento dessas crises. Entretanto, ao escrever a
obra A universidade do século XXI, voltou a analisá-las e avançou, encaminhando
os princípios básicos de uma reforma democrática e emancipatória, estimulando a
universidade a responder criativamente aos desafios que se apresentam.
Barnett (2001) é outro autor que questiona as práticas acadêmicas,
referenciadas no papel da universidade na sociedade atual. Defende a ideia de
Primeira condição
Segunda condição
Conclusão
A reflexão sobre as categorias que vêm orientando nossos estudos acerca das
inovações na prática pedagógica da educação superior tem o sentido de explicitar a
referência substancial que preside a análise dos achados. Certamente, essas práticas
envolvem múltiplos saberes e descrevê-las em sua complexidade se constitui num
desafio. Nosso esforço tem sido de, tendo por base situar a condição, compreender
as práticas a partir da teoria, de forma que possam incidir no campo da pedagogia
universitária e na formação de professores.
Exigências que transgridem o espaço acadêmico são, normalmente, também
transgressoras do tempo, tendo um caráter muito mais policrônico, pois o mundo é
complexo, contraditório, denso, multidisciplinar, exigindo soluções de muitas
naturezas, ao mesmo tempo. Nele se pode e se deve desenvolver projetos, onde há
que se jogar com os imprevistos e singularidades dos momentos. Talvez sejam esses
os grandes impulsionadores das inovações.
FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. 12. ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1981.
FREIRE, P.; SHOR, I. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. Rio de Janeiro: Paz
101
Maria Isabel da Cunha, doutora em Educação pela Universidade Estadual de
Campinas, é professora titular da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos)
e colaboradora no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal
de Pelotas (UFPel). Fez parte da Comissão de Assessoramento da CAPES para a área
da Educação (2000-2005) e do Comitê Assessor do CNPq na área da Educação (2011-
2013).
mabel@unisinos.br
Resumo 103
A pesquisa-formação realizada no ano de 2015 com 18 professores
universitários da área das ciências da saúde, na Universidade Federal da Bahia, teve
por objetivo descrever os saberes didático-pedagógicos e o saber sensível mobilizados
pelos docentes nos ateliês didáticos formativos inspirados na teoria raciovitalista de
Michel Maffesoli. Os dispositivos para a coleta das informações foram: produção de
ateliês formativos, escritas autobiográficas e questionários. Concluiu-se que: a) os
professores, em geral, possuem uma visão intuitiva sobre os saberes pedagógicos;
b) os professores apresentam abertura para uma prática pedagógica raciovitalista,
demonstrando (inclusive em suas escritas) a importância de se trabalhar o ensino
associado à pesquisa, incluindo o componente lúdico em suas práticas.
Introdução
Sobre o raciovitalismo
Sem dúvida, essa crise a que nos remete Michel Maffesoli (2006) se faz sentir
em uma universidade regida pela burocracia e por modelos pedagógicos
academicistas, conducentes e diretivos, incapazes de integrar as novas linguagens
e socialidades que fazem parte do modus vivendi tribal e juvenil da contemporaneidade.
Segundo o autor, na iniciação, o acento é sobre a experiência de vida em si, mas
atualmente a educação universitária caminha ao contrário, apostando em modelos
teóricos do passado sem diálogo com a nova cultura. A vida está do lado de fora.
Há que se pensar, pois, numa educação que enfatize a vida das crianças e dos
jovens que estão na escola e na universidade. Como afirmou Maffesoli (2006): é
preciso nos darmos conta de um outro modus operandi capaz de nos fazer catapultar
da abstração à imaginação e ao sentimento. Se quisermos ir além de uma formação
baseada apenas em conceitos abstratos, precisaremos estar sensíveis à comunicação
via outras linguagens que não apenas a verbal: a linguagem sensível corporal intuitiva
deve se fazer presente como elo necessário à relação professor e alunos, ensino e
aprendizagem. Como afirmou Duarte Junior (2004), a dimensão sensível é o
fundamento de nossa relação primeira com os fatos da vida.
A intuição ganha relevância numa educação voltada para a estesia, para a
sensibilidade. A intuição compreendida como uma maneira pré-reflexiva de
apreensão do todo, como um tipo de saber do qual todos somos portadores, mas que
pouco compreendemos. Um saber de ordem corporal que capta o mundo em suas
108 particularidades, em sua dinâmica, e de maneira globalizante. Fritjof Capra (1982,
p. 35), afirma que:
o racional e o intuitivo são modos complementares de funcionamento da mente
humana. O pensamento racional é linear, concentrado, analítico. Pertence ao domínio
do intelecto, cuja função é discriminar, medir e classificar. Assim, o conhecimento
racional tende a ser fragmentado. O conhecimento intuitivo, por outro lado, baseia-se
numa experiência direta, não intelectual da realidade, em decorrência de um estado
ampliado de percepção consciente. Tende a ser sintetizador, holístico e não-linear.
110 mais direta possível de apresentar a relação do sujeito com a dimensão temporal da
existência e da experiência humana), recorremos à vivência dos ateliês didáticos e
às histórias de vida, tomando como referentes concretos as práticas desenvolvidas
no ateliê e os discursos dos professores sobre suas experiências como docentes.
Nossos ateliês didáticos constituíram um espaço de formação, mediante uma
intervenção baseada na didática do sensível, construída na sua prática, a partir dos
seguintes princípios:
Neste artigo, pelo volume das informações obtidas com o processo analítico,
111
optamos por apresentar uma síntese e usamos letras para identificar os colaboradores,
a fim de preservá-los.
No relato da professora D, observa-se a referência a um modelo de docência
de caráter academicista, vivido no passado: “Professores no meu tempo de estudante,
costumavam ser sisudos e, com frequência, um pouco arrogantes”, mas, na sua
prática pedagógica, ela se refere à importante relação entre ensino e pesquisa. Não
por coincidência, mas por força da própria formação, os demais professores se
reportaram também a essa relação. Imputamos como necessária tal vinculação, pois
a partir daí pode-se pensar em aulas mais vivas, fazendo valer a ideia do raciovitalismo
e, ainda, de uma didática do sensível defendida nesta investigação. Um trabalho
raciovitalista deve estar baseado na experiência e não há outro dispositivo didático
mais apropriado que a pesquisa para tornar o conteúdo disciplinar vivo. A professora
D reporta-se à imersão nos ateliês e à transformação no seu modo de conceber o
ensino – antes como meio de transmissão do conteúdo, e depois como processo de
mediação de conhecimentos. Remete também à empatia com a profissão docente e
ao gosto, fundamental à profissão, pelo inter-relacionamento com sujeitos da
aprendizagem.
Para o professor F, a sua inserção na docência é recente e está baseada na
pesquisa: “A minha trajetória está baseada na pesquisa e extensão. Então estou
aprendendo a ser professor neste momento”, diz referindo-se aos ateliês. “Não tinha,
1
Também conhecido como Estágio de Docência (nota do revisor).
Em síntese, à exceção de três professores, aos demais falta uma visão mais
integrada das duas dimensões: razão e sensibilidade.
Perguntados sobre como o saber sensível estaria presente em suas aulas:
MORIN, Edgar (Org.). Le défi du XXIe siècle: relier les connaissances. Paris:
Éditions du Seuil, 1999.
Resumo 119
A Pedagogia no ensino superior é debatida a partir de um olhar oriundo dos
Estudos Curriculares, partindo de uma noção abrangente de Pedagogia, que é uma
teoria e prática da educação, de um conceito de currículo como projeto, vinculado
inquestionavelmente ao conhecimento, e de análises de políticas educativas e
curriculares, sobretudo do Processo de Bolonha, na União Europeia. Considera-se,
de igual modo, que o currículo, no seu processo de desenvolvimento, concretiza-se
numa ação pedagógica, que requer, de acordo com perspectivas teóricas da
reconceptualização e pós-reconceptualização curriculares, uma conversação
complexa e deliberativa.
*
Neste artigo foram mantidas as peculiaridades da língua portuguesa usadas em Portugal (nota do editor).
Introdução
122 de créditos) e com um outro papel para o professor e o estudante, tudo isto com o
objetivo, politicamente declarado, de ser construído um espaço europeu de ensino
superior supranacionalmente harmonizado. Tal processo, de acordo com Morgado
et al (2015, p. 24),
encerra desafios e oportunidades, tendo conduzido, em Portugal, a uma reorganização
do currículo como forma de dar resposta às exigências de maior flexibilidade de
processos e integração de conhecimentos, procurando assim respostas mais eficazes
tanto ao nível da mobilidade, quanto da empregabilidade dos graduados.
1
Este processo inicia-se com a Declaração de Bolonha, assinada por 29 ministros de educação europeus, em 1999, no
seguimento da Magna Charta Universitatum, assinada por reitores de universidades, em 1998, na cidade de Bolonha.
2
Cf. Regime jurídico dos graus e diplomas do ensino superior, Portugal: Decreto-lei nº 74/2006, de 24 de março, alterado
pelo Decreto-Lei nº 230/2009, de 14 de setembro, pelo Decreto-Lei nº 107/2008, de 25 de junho, pelo Decreto-Lei nº
115/2013, de 7 de agosto e pelo Decreto-Lei nº 63/2016, de 13 de setembro.
3
Cf. Lei nº 49/2005, de 30 de agosto. Este normativo que é uma alteração à Lei de Bases do Sistema Educativo, de
1986, impõe mudanças que só seriam completamente uniformizadas, em Portugal, a partir do ano letivo de 2009/2010.
4
Cf. Standards and Guidelines for Quality Assurance in the European Higher Education Area, 2015. Disponível em:
<http://www.eua.be/Libraries/quality-assurance/esg_2015.pdf?sfvrsn=0>.
Tal diversidade de saberes exige, por outro lado, uma cultura curricular de
colaboração docente e discente, no quadro de uma aprendizagem a partir do outro,
testemunhando Anastasiou (2011, p. 50):
Concluindo
Referências bibliográficas
LIBÂNEO, José Carlos. Pedagogia e pedagogos, para quê? 6. ed. São Paulo: Cortez,
2002.
LIVINGSTON, Kay. Pedagogy and curriculum: teachers as leaners. In: WYSE, D.;
HAYWARD, L.; PANDYA, J. (Ed.). The Sage handbook of curriculum, pedagogy
and assessment. London. Sage Publications, 2016. p. 225-340.
PACHECO, José A. Curriculum Studies: what is the field today? Journal of The
129
American Association for the Advancement of Curriculum Studies, v. 8, n. 1, p.
1-25, 2012.
PINAR, William F. Working from within, together. In: DOLL, M. A. (Ed.). The
reconceptualization of curriculum studies: a festschrift in honor of William F.
Pinar. New York: Routledge, 2017. p. 194-205.
Maurice Tardif: No Canadá, como na maioria dos países, desde o século 19,
observam-se três tendências principais na evolução do ensino universitário.
Creio que, atualmente, faz-se necessária uma reflexão crítica sobre essa
visão tecnicista amplamente disseminada no mundo anglo-saxão. Precisamos
refletir sobre nossa função de professor universitário e sobre as missões
da instituição universitária. Precisamos que nossas concepções sobre
a pedagogia universitária estejam amarradas a uma visão social mais ampla
do papel da universidade. Como dizia Freire, a pedagogia é um ato politico.
Isso permanece verdadeiro para a pedagogia universitária.
140
Isabel Farias: O domínio dos saberes profissionais para o ensino e para a pesquisa,
bem como sua consequente articulação, é destacado como fundamental
ao exercício da docência na universidade. Quais os indicativos sobre essa
questão nas pesquisas recentes sobre a formação de professores em relação
à docência universitária?
Bernardete Gatti: Acho que já pontuei algumas questões sobre as quais pesquisas
nos informam, sobretudo as que sinalizam fragilidades na docência
universitária, em particular aquelas com estudantes e egressos avaliando
seus cursos e sua formação. Sob outro ângulo, estudos mostram também
a dificuldade de docentes em lidar com estudantes que adentram o ensino
superior e que evidenciam problemas em sua formação básica – por exemplo,
em leitura e interpretação de textos e na escrita, conhecimentos que
se espera ter obtido domínio no ensino médio. Os resultados das avaliações
nacionais da educação básica e do próprio Exame Nacional do Ensino Médio
(Enem) corroboram isso. Os mestrados foram criados nos anos 1960 para
formar docentes (daí sua denominação) para o ensino superior e por isso
era oferecida a disciplina de Metodologia do Ensino em sua proposta
curricular. Isso se perdeu, derivando-se os mestrados apenas para
142 a formação em pesquisa, um viés que torna esses cursos deficientes em
um dos dois eixos que deveriam sustentar a formação de docentes para
o ensino superior: de um lado, a formação disciplinar e em pesquisa, e,
de outro, a formação para a docência, para serem “mestres”. Cumprem,
assim, apenas uma parte da formação, deixando de lado a oportunidade
de propiciar a articulação entre pesquisa e ensino, pesquisa em ensino
e conteúdos específicos de campos variados do conhecimento.
1
SHULMAN, L. S. The wisdom of practice: essays on teaching, learning and learning to teach. San Francisco:
Jossey-Bass, 2004.
Para o autor, o ensino superior do ponto de vista crítico constitui uma das vias
por onde surgirão as possíveis soluções para as demandas atuais da educação
brasileira. Dentre as possibilidades postas pelo debate educacional, Masetto
vislumbra na formação do professor universitário o alcance da reflexão crítica capaz
de aperfeiçoar a prática educativa e, como consequência, a melhoria da aprendizagem
dos alunos, além do reconhecimento profissional dos professores. Nesse sentido, o
conceito de professor refere-se ao movimento teórico de compreensão do trabalho
docente e de sua formação profissional, alicerçada na epistemologia da prática, com
base no cotidiano de suas atividades profissionais.
1
VEEN, Wim; VRAKKING, Ben. Homo zappiens: educando na era digital. Porto Alegre: Artmed, 2009.
150 Desses desafios e possíveis encaminhamentos trata este livro, no qual o autor
busca um diálogo com professores do ensino superior que possuem semelhantes
perplexidades perante a docência universitária neste século. Enfim, queremos falar
da alegria que o autor expressa em sua obra “por ser o portador destas discussões
e inovações nas práticas pedagógicas”.
Referências bibliográficas
156
HUET, Isabel; COSTA, Nilza; TAVARES, José; BAPTISTA, Ana Vitória (Org.). Docência
no ensino superior: partilha de boas práticas. Aveiro, Portugal: UA Editora, 2009.
195 p.
ISAIA, Silvia Maria de Aguiar; BOLZAN, Doris Pires Vargas; MACIEL, Adriana Moreira
da Rocha (Org.). Pedagogia universitária: tecendo redes sobre a educação superior.
Santa Maria: Ed. UFSM, 2009. 248 p.
163
A busca pela consolidação da Rede Sulbrasileira de Investigadores em Educação
Superior (Ries), mediante a participação no Programa de Apoio a Núcleos de Excelência
(Pronex) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS),
representados por quatro universidades gaúchas – Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Universidade do
Vale do Rio dos Sinos e Universidade Federal de Santa Maria –, traz para o cenário
nacional resultados de pesquisas e estudos, enfocando temas referentes à pedagogia
universitária e ao desenvolvimento profissional no contexto da interdisciplinaridade,
demarcando os diversos domínios do conhecimento. Objetivando contribuir para a
construção do conhecimento sobre a educação superior e considerando o compromisso
social, a Ries congrega professores-investigadores implicados com esse nível de
formação, expandindo suas ações, permitindo o acesso irrestrito a protagonistas e
cenários onde se desenvolvem as práticas educativas e favorecendo a interatividade
e a interinstitucionalidade cooperativa.
emaberto.inep.gov.br