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Pensar em Movimento
Pensar em Movimento
Pensar em Movimento
Pensadores latinoamericanos
para a sala de aula
Desenhos e Ilustrações
Javier Nobile Diagramação e Editoração
Gláucio Rogério de Morais
Correção
Mariana Ortiz Apoio
Departamento de Estudos Linguísticos, Literários e da
Educação/Faculdade de Ciências e Letras – Assis
http://untref.edu.ar/pensamientoamericano/programa.php
http:/untref.edu.ar/pensarenmovimiento/ Departamento de Didática/Faculdade de Filosofia e
Sede Caseros II. Valentín Gómez 4752 Ciências - Marília
Caseros (B1678ABH)
Província de Buenos Aires Programa de Pós-Graduação em Educação/Faculdade de
Tel. 4575-5012/14/15 Filosofia e Ciências – Marília
2016 2020
Editora LUTAS ANTICAPITAL
Editor: Julio Okumura
Conselho Editorial: Andrés Ruggeri (Universidad de Buenos Aires - Argentina), Bruna Vasconcellos (UFABC), Candido
Giraldez Vieitez (UNESP), Dario Azzellini (Cornell University – Estados Unidos), Édi Benini (UFT), Fabiana de Cássia
Rodrigues (UNICAMP), Henrique Tahan Novaes (UNESP), Julio Cesar Torres (UNESP), Lais Fraga (UNICAMP), Mariana
da Rocha Corrêa Silva, Maurício Sardá de Faria (UFRPE), Neusa Maria Dal Ri (UNESP), Paulo Alves de Lima Filho (FATEC),
Renato Dagnino (UNICAMP), Rogério Fernandes Macedo (UFVJM), Tania Brabo (UNESP).
Editora Lutas anticapital
Marília –SP
edlutasanticapital@gmail.com
www.lutasanticapital.com.br
3
4
Apresentação à edição brasileira
É com grande alegria que apresentamos ao público brasileiro este material que
inicialmente foi publicado e divulgado aos professores e alunos argentinos. Resultado
de uma parceria e de uma caminhada que estamos fazendo com os colegas daquele
país, especialmente da Universidade Nacional de Tres de Febrero (UNTREF), o Grupo
de Estudo e Pesquisa em Educação, Ética e Sociedade (GEPEES), da Universidade
Estadual Paulista (UNESP), assumiu a responsabilidade de traduzi-lo e colocá-lo à
disposição dos docentes e estudantes das escolas públicas brasileiras.
Inserido no projeto Pensar em Movimento, desenvolvido na UNTREF, a
proposta é consolidar essa parceria através da publicação de materiais com pensadores
brasileiros. Esse trabalho envolve outras universidades brasileiras, nomeadamente a
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a Universidade de Santa Cruz
do Sul (UNISC).
O desafio e o objetivo que nos propomos enfrentar com a elaboração deste
material e de outros que virão a seguir visa promover a visibilidade de pensadores e
educadores que contribuíram e são expoentes da história e da cultura de um lugar
situado, a América Latina. O que eles pensaram e o que fizeram mostra o compromisso
e a dedicação na construção e na elaboração de ideias e alternativas com vistas ao
objetivo republicano e democrático de melhorar a qualidade das escolas e da prática
pedagógica em nosso continente.
Ademais, ao iniciar a nossa caminhada com esse material, pretende-se aprofundar
o debate acerca das possibilidades de emancipação abertas ou em vias de abertura nas
políticas educacionais do Brasil e da América Latina, como também contribuir para
que seja concretamente possível a articulação entre a teoria e a prática, especialmente
em momentos desafiadores, mas também promissores que vivemos atualmente em
nossos países latinoamericanos.
Por fim, manifestamos os nossos agradecimentos aos colegas da UNTREF
pela gentileza e gratuidade com que ofereceram e colocaram à nossa disposição a
oportunidade de contribuir na resistência, na luta e na construção de uma América
Latina livre, justa e democrática. São atitudes e gestos dessa natureza que desperta,
promove e nos motiva a continuar o nosso trabalho no campo da pesquisa educacional
e da prática pedagógica. Gratidão!
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Apresentação à edição argentina
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Pensar em Movimento - Pensadores latinoamericanos para a sala de aula
Do lado da Argentina, a nosso Reitor Aníbal Jozami, por seu apoio institucional
e ao Vice-Reitor Martín Kaufmann, que nos deram permanentemente a possibilidade
de viabilizar caminhos acadêmicos, ante os insistentes requerimentos que fizemos, para
gerar novas formas de aprendizagens significativas para a sala de aula.
A Gabriel Asprella por seu apoio incondicional na Secretaria de Extensão da
UNTREF.
E à equipe de conteúdos: Ana Bustos, Ignacio Soneira e ao nosso cartunista
ilustrador Javier Nobile, à assistência de coordenação realizada por Julieta Pachano e a
nossa corretora Mariana Ortiz.
E à comunidade educativa e escolar, por permitir que apresentássemos a nossa
proposta em suas aulas.
Trata-se de “caminhos do pensar”, não de “autores e obras”, cristalizados e
fixos. O encontro entre estes pensadores com a comunidade educativa pretende
contribuir e amadurecer, de maneira a mostrar nossas formas de pensar, nossas culturas
que gravitam entre o fedor e a pulcritude de uma América que insiste em surgir de
outra maneira à hegemonia imperial, cuja vinculação com a práxis não remeta apenas
à teoria, mas que tornem-se, em exercício e produção, criadoras de novos sentidos no
diálogo na sala de aula.
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A maneira de apresentação das historietas educativas
Carlos A. Cullen
UBA - Universidade de Buenos Aires
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Conhecimento e sabedoria
Rodolfo Kusch
Conhecimento
Roteiro:
Ignacio Soneira
Desenhos:
e Sabedoria
Javier Nobile
Coord:
José A.Tasat
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Pensar em Movimento - Pensadores latinoamericanos para a sala de aula
Não preciso
disso.
Eu consigo
fazer chover
com algum
ritual.
Já na viagem de volta
Ele disse que não precisa fiquei pensando na
da sua máquina. Ele resposta daquele senhor.
consegue fazer chover.
14
Conhecimento e sabedoria - Rodolfo Kusch
Está
pensando
em que,
Rodolfo?
Nós
acreditamos
na ciência e na
tecnologia e ele
na magia.
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Pensar em Movimento - Pensadores latinoamericanos para a sala de aula
Aí, por um
instante,
acreditamos que
por causa do nosso
ritual individual
Às vezes, acontece que nós estamos vendo algum jogo
na TV e vestimos uma camiseta com a qual nosso time
vamos mudar
sempre ganha.... o resultado do
Ou nos sentamos no mesmo lugar de sempre; ou não jogo. Isso não
convidamos um amigo pé frio... é muito distante
de acreditar que
alguém pode fazer
chover.
FIM
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Conhecimento e sabedoria
Historieta baseada no livro El pensamiento indígena y popular en América de
Rodolfo Kusch.
Fragmentos
A
estância ou comunidade indígena ele ia penetrando com certo esforço em
Kollana era um ayllu ou comu- zonas de esquecimento, de onde retirava
nidade aymará, que dependia de as informações que necessitávamos.
Toledo, situada próximo de Oruro (Bo- Assim nos informou sobre o siste-
lívia), em plena puna1. Estava integrada ma de prestação ou ayni3, o ayllu ou co-
apenas por uma casa quadrada de adobe munidade. Porém, na realidade não queria
e dois putucus ou construções cilíndri- falar. Mais para o final, começaram a apa-
cas do mesmo material, todos unidos por recer as simplificações do caso. Recordo seu
uma pirca2 ou parede, também de adobe. olhar quando se voltava para as camadas da
Havíamos chegado ali com alguns alunos parede de adobe. Parecia estar dizendo para
para realizar nosso trabalho de campo, e si, com certo ar de suficiência, por que nós
conseguimos contato com a família Hal- perguntávamos tanto. Além disso, parecia
cón que nela habitava e, estava composta estar concentrado em sua própria ativida-
por um avô, seu filho, a mulher deste e de, materializada no trabalho em sua estân-
três crianças. cia, porque antes, por exemplo, notava-se
Chamou-me atenção o avô. Ele que a terra dava a eles batatas bem grandes
estava recostado sobre a parede de adobe e e que isso hoje já não ocorria mais, que an-
olhava distante, enquanto o assediávamos tes chovia mais que agora e que tudo era
com perguntas. Quem na realidade falava muito melhor. O mundo havia envelheci-
conosco era seu filho. Sabia castelhano, do com ele.
aprendeu enquanto cumpriu o serviço Realmente não valia a pena seguir
militar, e demonstrava certa confiança em perguntando. Ficou evidente. Um indíge-
si mesmo. A entrevista em si foi satisfató- na, como esse avô, não tinha porque to-
ria, ainda que bastante pesada. De vez em mar consciência de seus costumes, porque
quando, o avô dava voltas e respondia às nem sequer sabia de onde provinham, e
nossas perguntas com certo sorriso. Um pensaria que somente havia que cumpri-
sorriso pode ser útil quando não se quer -los quando as circunstâncias requeriam.
dizer o que realmente cortaria pensa e, Daí, então, que a entrevista passou a ter
geralmente, quando não se quer falar. Po- uma certa e natural descontração. O avô,
rém, demonstrava boa vontade. Diria in- como acontece entre eles, se cansou. É na-
clusive que, a partir de nossas perguntas, tural, quando se entende que as perguntas
os obrigam a um grande esforço.
1 N.T. De difícil tradução para o português, o termo puna tem
origem quechua e significa ‘região de altiplano’, com pouca
pastagem e pouca água, localizada na Cordilheira Central dos
Andes. 3 N.T.: Do quéchua ayni pode se referir ao conceito de
2 N.T.: Do quéchua pirqa, parede, muro, vala cercada de pedra ou reciprocidade ou mutualismo entre as pessoas das comunidades
outro material de construção. montanhosas andinas ou à prática desse conceito.
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Pensar em Movimento - Pensadores latinoamericanos para a sala de aula
Porém, neste momento apresen- ele contava com recursos próprios como
tou-se uma situação peculiar, provocada é o rito. Agora, se isto é assim, a fronteira
por alguns integrantes de nosso grupo. entre ele e nós parecia incontornável. Evi-
Alguém tomou a frente e perguntou ao dentemente nossos utensílios não chegam
avô por que não comprava uma bomba ao outro lado. Recordo que a distância
hidráulica. O rosto do avô se tornou mais entre ele e nós era de apenas um metro,
impenetrável. Havia várias instituições porém era muito maior.
que o ajudariam. Seguramente colocan- Alguém, escandalizado com a ati-
do-se em acordo com seus vizinhos po- tude do avô, o qualificaria de ignorante. É
diam entre eles comprar uma bomba em o que costumamos dizer nestes casos. Por
parcelas cômodas, compartilhadas por to- quê? Porque é natural que se ele conhecia
dos e a quitariam em curto prazo. ou simplesmente visse a realidade que o
Olhei ao entorno. A puna estava rodeia, forçosamente teria que comprar
seca e árida, as ovelhas fracas. Motivo su- a bomba. A questão para nós se fundava
ficiente para comprar a bomba. Di- em conhecer. Daí uma boa alfabeti-
zíamos a ele que ela “vai favorecer” e zação levaria o avô a tomar conhe-
“vai engordar o gado”. “Vá a Oruro cimento da realidade e, portanto,
e visite o escritório de Extensão a comprar a bomba, no caso. Mas
Agrícola”. O avô não respondia. o avô, sem dúvida, insistirá em
O filho, para ficar bem conosco, realizar a Gloria Misa ou a hui-
dizia um pouco entre os dentes: lancha para propiciar o
“Sim, vamos”. Logo, um pe- melhoramento de sua
sado silêncio. O avô seguia terra e de seu gado.
olhando a puna. O que Evidentemen-
estaria olhando? te, o avô não cumpre,
Já não havia então, todas as etapas do
mais nada que pergun- conhecimento. O problema
tar, nem o que propor. do conhecimento, segundo nos-
Fomos embora. Ao so ponto de vista ocidental, parece
longe vimos como o céu pesava sobre os ter quatro etapas. Primeiro, uma realidade
pucutus. Que pensava o avô? Talvez o fi- que se manifesta fora. Segundo, um conhe-
lho trataria de convencê-lo, dizendo-lhe: cimento dessa realidade. Terceiro, um saber
“Vovô, estamos em outra época, estas coi- que resulta da administração dos conheci-
sas devem ser feitas. Os estrangeiros têm mentos ou ciência, e quarto, uma ação que
razão”. Porém, o avô mascaria um pouco se volta sobre a realidade para modificá-la5.
de folha de coca, beberia seu aguardente Esta é, no final das contas, a atitu-
e não responderia. E mais, seguramente de ocidental entre os séculos XIV e XVI,
pensaria que para fazer chover era muito passando pelo Novum Organum de Ba-
mais barato, como alguns dos rituais tra- con até a revolução industrial europeia,
dicionais como a Gloria Misa ou a huilan- e é também sentido nos Estados Unidos
cha4, e ademais, é muito mais seguro. atualmente, assim como se apresenta
Realmente, o que pensar? O avô como o ideário de qualquer classe média
pertence a um mundo no qual a bomba situada no litoral atlântico da América do
hidráulica carece de significado, já que Sul. Trata-se de quatro momentos que en-
4 Huilancha provém de huila, sangue em Aymara e designa em 5 Esta classificação é própria do assim chamado cientificismo, que
geral um sacrifício de sangue. Analisaremos mais adiante este se espalhou no final do século XIX, e que hoje rege o pensamento
ritual, assim como também o da Gloria missa. do cidadão médio da américa.
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Conhecimento e sabedoria - Rodolfo Kusch
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Pensar em Movimento - Pensadores latinoamericanos para a sala de aula
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Conhecimento e sabedoria - Rodolfo Kusch
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Pensar em Movimento - Pensadores latinoamericanos para a sala de aula
pelo ocidente. Nesse sentido, a huilancha e metiam o meu eu ou as outras que não o
a bomba hidráulica se equivaliam. comprometiam?
Porém nossa referência era um Nisto se vislumbra a crise, não do
pouco mais impessoal: um simples es- índio, mas a nossa. O avô misturava sua
critório. A do avô, ao contrário, era pes- intimidade na realização do ritual, porém
soal. Um ritual compromete ao homem, para ele não tem proveito a solução exter-
o escritório, não. O remédio proposto na. Nós voltávamos para casa para dispor
por nós dependia da maneira impessoal daquilo que a civilização nos tem brinda-
do técnico para colocar a bomba. Ago- do, porém dificilmente iríamos misturar
ra, aos efeitos de justificar uma vida, o a nossa intimidade. Não a conhecemos
que é melhor? Usar formas que compro- desde outra perspectiva.
Bibliografia
Rodolfo Kusch, El pensamiento indígena y popular em América, Buenos Aires:
Hachette, 1970.
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Atividades
Conhecimento e sabedoria
Atividades para o Ensino Fundamental II e Ensino Médio:
Objetivos:
Que os alunos:
• Tenham uma aproximação com o pensamento e a vida de Rodolfo
Kusch.
• Distingam duas formas de pensar existentes na América.
• Possam valorizar e reconhecer pautas culturais diversas existentes em
sua comunidade e zonas circundantes.
• Possam refletir acerca da convivência de distintas visões sobre a realidade e
a forma de atuar nela.
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Pensar em Movimento - Pensadores latinoamericanos para a sala de aula
Terceiro momento: Será pedido aos alunos que realizem uma breve historieta
na qual seja mostrado algum ritual, cura ou festejo de que tenham notícias. No
momento de apresentá-las aos demais colegas será pedido que expliquem o que o torna
possível e qual é sua importância para a vida da comunidade (ritual a Pachamama, cura
do susto, funerais de bonecos, procissão, etc).
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Raça e colonialidade na América
Aníbal Quijano
Raça e colonialidade na América - Aníbal Quijano
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Pensar em Movimento - Pensadores latinoamericanos para a sala de aula
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Raça e colonialidade na América - Aníbal Quijano
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Pensar em Movimento - Pensadores latinoamericanos para a sala de aula
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A cor da diferença
Historieta baseada no livro Raça e Colonialidade na América de Aníbal Quijano
Fragmentos
I. América e o novo padrão de poder dos, mas o que importa é que de pronto
mundial essa ideia foi construída como referência a
América se constituiu como o pri- supostas estruturas biológicas diferenciais
meiro espaço/tempo de um novo padrão entre esses grupos.
de poder de vocação mundial e, desse A formação de relações sociais ba-
modo e por isso mesmo, como a primeira seadas nessa ideia produziu na América
identidade da modernidade. Dois proces- identidades sociais historicamente novas:
sos históricos convergiram e se associaram índios, negros e mestiços e redefiniu ou-
na produção desse espaço/tempo e se es- tras. Assim, termos como espanhol e por-
tabeleceram como os dois eixos funda- tuguês, depois europeu, que até então in-
mentais do novo padrão de poder. De um dicavam apenas origem geográfica ou país
lado, a codificação das diferenças entre de origem, desde então também adquiri-
conquistadores e conquistados na ideia de ram, em referência às novas identidades,
raça, isto é, uma suposta estrutura biológi- uma conotação racial. E, na medida em
ca diferente que colocava uns em situação que as relações sociais que se configura-
natural de inferioridade em relação aos vam tornavam-se relações de dominação,
outros. Essa ideia foi assumida pelos con- tais identidades foram associadas à hierar-
quistadores como o principal elemento quias, lugares e papéis sociais correspon-
constitutivo, fundante das relações de do- dentes, como constitutivas delas e, con-
minação que a conquista impunha. Sobre sequentemente, ao padrão de dominação
essa base, em consequência, foi classifica- colonial que se impunha. Em outras pala-
da a população da América, e do mundo vras, raça e identidade racial foram esta-
depois, no referido novo padrão de poder. belecidas como instrumentos de classifi-
De outro lado, a articulação de todas as cação social básica da população.
formas históricas de controle do trabalho, Com o tempo, os colonizadores
de seus recursos e de seus produtos, em codificaram como cor os traços fenotípi-
torno do capital e do mercado mundial. cos dos colonizados e o assumiram como
características emblemática da categoria ra-
Raça, uma categoria mental da cial. Essa codificação foi inicialmente esta-
modernidade belecida, provavelmente, pela tradição bri-
A ideia de raça, em seu sentido tânico-americana. Os negros eram aí, não
moderno, não tem história conhecida an- somente os explorados mais importantes,
tes da América. Talvez tenha se originado pois a parte principal da economia repou-
como uma referência às diferenças feno- sava em seu trabalho. Eram, sobretudo, a
típicas entre conquistadores e conquista- raça colonizada mais importante, já que os
índios não faziam parte dessa sociedade co-
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Pensar em Movimento - Pensadores latinoamericanos para a sala de aula
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Raça e colonialidade na América - Aníbal Quijano
lho no interior do capitalismo colonial/ até os dias de hoje, tem sido excepcional-
moderno se manteve ao longo de todo o mente exitosa.
período colonial.
No decorrer da expansão mundial da Evolucionismo e dualismo
dominação colonial por parte da mesma raça Como no caso das relações entre
dominante - os brancos (ou a partir do século capital e pré-capital, uma linha similar
XVIII, os europeus) - impôs o mesmo critério de ideias foi elaborada sobre as relações
de classificação social à população em escala entre Europa e não-Europa. Como já foi
global. Consequentemente, novas identidades assinalado, o mito fundacional da versão
históricas e sociais foram produzidas: amare- eurocêntrica da modernidade é a ideia do
los e pardos [aceitunados ou olivácios] foram estado de natureza como ponto de partida
somados a brancos, índios, negros e mestiços. do curso civilizatório, cuja culminação é
Essa distribuição racista de novas identidades a civilização europeia ou ocidental. Des-
sociais foi combinada, tal como havia sido tão se mito origina-se a especificamente eu-
exitosamente alcançada na América, com uma rocêntrica perspectiva evolucionista, de
distribuição racista do trabalho e das formas movimento e de troca unilinear e unidi-
de exploração do capitalismo colonial. Isso se recional da história humana. Tal mito foi
expressou, acima de tudo, em uma quase ex- associado com a classificação racial da po-
clusiva associação da branquitude social com o pulação mundial. Essa associação produz
salário e, é claro, com os postos de comando da uma visão na qual se entrelaçam, parado-
administração colonial. xalmente, evolucionismo e dualismo.
Assim, cada forma de controle de
trabalho esteve articulada com uma raça
particular. Consequentemente, o controle
de uma forma específica de trabalho po-
dia ser, ao mesmo tempo, o controle de
um grupo específico de pessoas domina-
das. Uma nova tecnologia de dominação/
exploração, neste caso raça/trabalho, se
articulou de maneira que parecesse como
naturalmente associada. Tal configuração,
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Pensar em Movimento - Pensadores latinoamericanos para a sala de aula
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Raça e colonialidade na América - Aníbal Quijano
prata, a batata, o tomate, o tabaco, etc., que haviam conquistado a todos e lhes ha-
etc.. Porque foi sobre essa base que se con- viam imposto seu domínio.
figurou uma região como sede do controle A confrontação entre a experiên-
das rotas atlânticas, e que se tornou, por sua cia histórica e a perspectiva eurocêntrica
vez, precisamente sobre essa mesma base, de conhecimento permite assinalar alguns
em algo decisivo do mercado mundial. dos elementos mais importantes do eu-
Essa região não tardou em emergir como rocentrismo: a) uma articulação peculiar
Europa. América e Europa produziram-se entre um dualismo (pré-capital-capital,
historicamente, assim, mutuamente, como não europeu-europeu, primitivo-civiliza-
as duas primeiras novas identidades geo- do, tradicional-moderno, etc.) e um evo-
culturais do mundo moderno. lucionismo linear, unidirecional, desde
Entretanto, os europeus se conven- algum estado de natureza até a sociedade
ceram desde meados do século XVII, mas europeia moderna; b) a naturalização das
especialmente durante o século XVIII, não diferenças culturais entre grupos huma-
apenas de que de algum modo se haviam nos por meio de sua codificação com a
autoproduzido a si mesmo como civiliza- ideia de raça; e c) a distorcida nova locali-
ção, à margem da história iniciada com a zação temporal de todas essas diferenças,
América, culminando uma linha indepen- de modo que todo o não-europeu é per-
dente que começou com a Grécia, como a cebido como passado. Todas essas opera-
única fonte original. Também concluíram ções intelectuais são claramente interde-
que eram naturalmente (isto é, racialmen- pendentes. E não poderiam ser cultivadas
te) superiores a todos os outros, uma vez e desenvolvidas sem a colonialidade do
poder.
Bibliografia
Quijano, Aníbal. “Colonialidad del Poder, Eurocentrismo y América Latina”. En
Colonialidad del Saber y Eurocentrismo. Edgardo Lander, ed. UNESCO-CLACSO 2000.
Buenos Aires, Argentina.
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Atividades
Objetivos:
Que os alunos:
• Observem as estratégias de dominação usadas durante a conquista da América.
• Conectem um episódio do passado com situações presentes que fazem parte
de sua vida diária.
• Comparem e ressignifiquem diferentes relatos históricos sobre os mesmos
fatos que tiveram ao longo de sua formação sobre o período colonial.
• Relativizem, com fundamento historiográfico, ideias como superioridade
natural racial, raça e história única.
Conteúdos:
Sociedades através do tempo. Conquista da América. Raças e escravidão na América
colonial. Diversidade cultural.
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Raça e colonialidade na América - Aníbal Quijano
Quarto momento: Como finalização da atividade, será pedido aos alunos que
realizem uma produção que articule os temas vistos, para compartilhar posteriormente
na aula. Abaixo estão uma série de possíveis propostas para motivar uma produção em
torno dos conteúdos vistos:
Colagem-fotomontagem: os alunos recebem uma cartolina, um conjunto de
revistas, tesouras e cola para cada grupo de aproximadamente cinco pessoas. Os alunos
são instruídos para montar uma colagem ou fotomontagem que possa apresentar as
valorações que existem sobre as raças na atualidade e que possa incluir outras ideias
ou situações que eles considerem que podem estar sendo adotadas para dominar e/
ou dominar-nos na atualidade. A colagem-fotomontagem é aberta e espera-se que ela
possa fornecer assuntos para as discussões posteriores.
Dramatização: em grupos, em um tempo de aproximadamente de quarenta
(40) minutos, os alunos devem pensar em uma cena, que pode ser dialogada ou muda,
para apresentar uma situação da atualidade na qual se manifeste a “assimetria racial”.
Ou seja, uma desigualdade na qual se possa identificar pessoas que pertenceriam
visualmente a raças diferentes.
Curta-metragem audiovisual: em grupos de no máximo cinco integrantes, são
montadas curtas-metragens audiovisuais filmadas com celulares ou câmeras digitais,
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Pensar em Movimento - Pensadores latinoamericanos para a sala de aula
nos quais são abordados temas e assuntos dos pontos anteriores. A ideia é que eles
tenham uma ou duas semanas para montar o vídeo e possam apresentá-lo a seus colegas
depois desse período, no contexto da sala de aula. Para montá-lo, é essencial que o
professor os ajude com a ideia de um roteiro, a importância do som, do planejamento
das cenas, do que eles querem comunicar, etc.
Recursos
• Historieta impressa para trabalhar em sala de aula.
• Fragmentos de Quijano, sistematizados pelo professor.
• Cartazes, marcadores, tesouras, cola.
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Identidades Americanas
Silvia Rivera Cusicanqui
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Identidades Americanas - Silvia Rivera Cusicanqui
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Pensar em Movimento - Pensadores latinoamericanos para a sala de aula
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Identidades Americanas - Silvia Rivera Cusicanqui
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Pensar em Movimento - Pensadores latinoamericanos para a sala de aula
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Identidades Americanas
Historieta baseada no livro Ch’ixinakax Utiwa. Una reflexión sobre prácticas y discursos
descolonizadores de Silvia Rivera Cusicanqui
Fragmentos
A
“ condição colonial esconde múl- (Bloch) que vislumbra a descolonização e
tiplos paradoxos. De um lado, a realiza ao mesmo tempo.
ao longo da história, o impulso A experiência da contemporanei-
modernizador das elites europeizantes na dade compromete-nos ao presente - aka
região andina resultou em sucessivos pro- Pacha - e, por sua vez, contém em si se-
cessos de recolonização.” mentes do futuro que brotam do fundo
do passado - qhip Nayr uñtasis sarna-
“...os indígenas fomos e somos, qapxañani. O presente é o cenário de pul-
antes de tudo, seres contemporâneos, coe- sões modernizadoras e, ao mesmo tempo,
tâneos e nessa dimensão - o aka Pacha1 arcaizantes, de estratégias que preservam o
- nosso próprio compromisso com a mo- status quo e de outras que significam a re-
dernidade é realizado e implantado.” O volta e renovação do mundo: o pachakuti.
pós-modernismo culturalista que as elites O mundo ao revés do colonialismo retor-
impõem e que o estado reproduz de uma nará a seus pés realizando-se como história
forma fragmentária e subordinada nos é somente quando aqueles que se esforçam
estranho como uma tática. Não há “pós” para preservar o passado puderem ser der-
ou “pré” em uma visão da história que rotados, com todo seu lastro de privilégios
não é linear ou teleológica, que se move mal obtidos. Mas se eles triunfam, “nem o
em ciclos e espirais, que marca um cur- passado poderá livrar-se da fúria do inimi-
so, enquanto ainda retornando ao mesmo go”, parafraseando Walter Benjamin.
ponto. O mundo indígena não concebe “Desde o século XIX, as reformas
a história linearmente, e o passado-futu- liberais e modernizadoras na Bolívia re-
ro estão contidos no presente: regressão sultaram em inclusão condicionada, uma
ou progressão, repetição ou superação cidadania ‘recortada e de segunda classe’
do passado estão em jogo em cada con- (Guha). Mas o preço desta inclusão fala-
juntura e dependem de nossas ações mais ciosa foi também o arcaísmo das elites. A
do que de nossas palavras. O projeto de recolonização permitiu reproduzir modos
modernidade indígena poderá emergir do de dominação senhorial e rentista, que se
presente, em uma espiral cujo movimen- assentavam nos privilégios atribuídos pelo
to é um contínuo retroalimentar-se do centro do poder colonial. Hoje em dia, a
passado sobre o futuro, um “princípio da retórica da igualdade e a cidadania con-
esperança” ou “consciência antecipatória” vertem-se em uma caricatura que encobre
os privilégios políticos e culturais tácitos,
1
N.T.: Aka Pacha é esta terra, tudo o que nos rodeia, tudo o que noções de sentido comum que tornam
apalpamos e tocamos. É o espaço vital dos homens, dos animais tolerável a incongruência e permitem que
e das plantas, o habitat da pachamama (Mãe Terra) e de outros
espíritos do mundo, é a vida mesma.
45
Pensar em Movimento - Pensadores latinoamericanos para a sala de aula
as estruturas coloniais da opressão sejam status residual, e, de fato, eles são convertidos
reproduzidas. “ em minorias, aprisionados em estereótipos
“... As elites bolivianas adotaram indígenas do bom guardião selvagem
um multiculturalismo oficial, atormentado da natureza.” “O discurso multicultural
por citações de Kymlicka, e ancorado na escondia também uma agenda oculta: negar
noção de povo indígena como minorias “. a etnicidade de populações diversificadas
(...) “Seja por medo da multidão ou por [abigarradas] e aculturadas - as zonas de
seguir a agenda de seus financiadores, as colonização, os centros mineiros, as redes
elites se sensibilizam para as demandas de comerciais indígenas do mercado interno
reconhecimento e participação política dos e de contrabando, as cidades - permitiu
movimentos sociais indígenas, e adotam um às elites e à tecnoburocracia do estado e as
discurso retórico e essencialista, sustentado ONGs cumprir os ditames do Império.”
pela noção de ‘povos originários’. O “O termo ‘povo originário’ afirma
reconhecimento – recortado, condicionado e reconhece, mas ao mesmo tempo invisi-
e mal voluntarioso – dos direitos culturais biliza e exclui a grande maioria da popula-
e territoriais indígenas permitiu, assim, a ção aymara ou qhichwa falante do subtró-
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Identidades Americanas - Silvia Rivera Cusicanqui
47
Pensar em Movimento - Pensadores latinoamericanos para a sala de aula
Bibliografia
RIVERA CUSICANQUI, Silvia. Ch’ixinakax Utiwa. Uma reflexión sobre prácticas y
discursos descolonizadores. Buenos Aires: Tinta Limón, 2010, pp. 53-77.
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Atividades
Identidades Americanas
Atividade para o Ensino Fundamental II e Ensino Médio
Objetivos
Que os estudantes:
• Reconheçam situações de diferenciação em geral e de discriminação por
razões identitárias em seu contexto social e escolar.
• Conheça algumas formas diferentes de tratar o tema da diversidade cultural
desde o pensamento americano.
• Reflitam acerca da ideia de “origem” e “raiz” de um ponto de vista não puro
das identidades americanas.
• Conheçam mais e se interessem pela busca das vertentes culturais que
nutrem nossas identidades americanas atuais.
Conteúdos:
- Sociedades através do tempo. Diversidade cultural. Identidade.
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Pensar em Movimento - Pensadores latinoamericanos para a sala de aula
Materiais:
• Um mapa mundi ou planisfério físico projetado na parede por um datashow.
• Cartolinas com espaço para escrever, uma por grupo.
• Giz ou canetas para quadro.
Disposição:
A classe é dividida em pequenos grupos com até 4 integrantes.
Atividade:
É explicado a cada grupo que a atividade é um jogo que é dividido em duas
partes, cada uma vai se realizando gradativamente sem que se adianta o que virá.
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Identidades Americanas - Silvia Rivera Cusicanqui
Conclusões:
Uma vez finalizada a localização das invenções, analisa-se o mapa. Observa-
se: Onde se concentra a maior quantidade de invenções. Por que? De que tipo de
invenções se trata (técnicos, tecnológicos, alimentícios, econômicos, etc.)? Há
invenções que tiveram dificuldade de localizá-las em UM SÓ lugar? A que se deve que
não encontramos UMA só origem? Podemos refletir sobre a ideia de “origem” tratando
de pensar que as vezes não existe um só lugar de surgimento, mas que podemos falar
de uma origem simultânea em diferentes espaços do globo.
Mais recursos:
Vídeo: “Te atreverías a preguntarte quién eres em realidade?
En: https://www.facebook.com/113981118699250/posts/961676467263040/
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“Trata-se de descobrir um novo horizonte humano, menos colonial, mais
autêntico e mais americano''
R. Kusch
ISBN: 978-65-86620-00-9
Câmpus de Marília
Câmpus de Assis C A P E S
7 786586 620009