Realismo e Idealismo Nas Relações Internacionais
Realismo e Idealismo Nas Relações Internacionais
Realismo e Idealismo Nas Relações Internacionais
Sumrio
1. Introduo. 2. Sobre o Pequeno Prncipe
e o rei sem sdito e sobre Alice e a rainha
malvada: a manifestao do poder como fe-
nmeno sociolgico inerente natureza hu-
mana. 3. A compreenso clssica do poder como
fenmeno poltico-jurdico. A soberania como
qualidade do poder entrelaada em relaes
de heterorreferncias partindo do sistema jur-
dico para o sistema social, poltico e econmi-
co. 4. O poder hegemnico e o fortalecimento
de um Estado centralizador, burocrtico e tec-
nocrata como tendncia em descompasso com
o ideal democrtico. 4.1. O poder hegemnico.
4.2. O Estado centralizador, burocrtico e tec-
nocrata. A expanso do poder ascendente e o
princpio da subsidiariedade. 5. O exerccio do
poder em rede. A nova constelao. A atua-
o de novos agentes.
1. Introduo
O destaque da agenda do terceiro mil-
nio encontra-se, sem dvida, na problem-
tica dos direitos humanos. A preocupao
com a efetividade dos direitos humanos e
condies dignas de vida tem fervilhado
Carlos Alberto Simes de Tomaz juiz Fe-
aqui e alhures.
deral e professor em Belo Horizonte/MG. Ps-
graduado em Direito Pblico pela Pontifcia Nesse contexto, em face dos efeitos da
Universidade Catlica de Minas Gerais PUC/ globalizao, busca-se divisar meios para
MG. Mestrando em Direito das Relaes Inter- afastar a global e unilateral massificao da
nacionais no Centro Universitrio de Braslia - identidade impingida pela cultura ociden-
UniCEUB. tal, procurando preservar valores e direitos
Braslia a. 41 n. 163 jul./set. 2004 281
a fim de ensejar uma globalizao que res- como o fez Saint-Exupry na famosa obra O
peite as identidades multicivilizacionais, Pequeno Prncipe. Alis, desse livro, que ga-
no partindo, portanto, do falso suposto de nhou expresso na literatura mundial como
hegemonia de uma cultura. uma fbula infantil e no campo da auto-aju-
A partir da, torna-se de suma importn- da para adolescentes e adultos, pode-se co-
cia uma reviso teortica da concepo jur- lher verdadeiras lies jurdico-polticas
dico-poltica do poder. De fato, a presena e para os dias de hoje. No que pertine ao po-
atuao de novos atores no-governamentais der, recorde-se que o Pequeno Prncipe ha-
no cenrio nacional e internacional tem des- bitava sozinho um minsculo planeta e bas-
locado o exerccio do poder para outro eixo, tava recuar um pouco a cadeira para con-
desviando-o do sentido vetorial vertical, como templar o pr-do-sol quantas vezes quises-
tradicionalmente tratado na teoria poltica se. O livro registra que o Pequeno Prncipe
ou jurdica, porque, com efeito, a soberania chegou a ver o sol se pr quarenta e trs ve-
tem-se projetado numa esfera de heterorrefe- zes num nico dia! E ao viajar, deparou-se
rncia que parte do jurdico para o econmi- o Pequeno Prncipe com um asteride habi-
co, poltico, militar, enfim, cultural, ensejan- tado por um rei sem sdito, mas que tinha
do, desde a, a atuao do poder em rede. pretenso de mandar no universo, que no
Essa nova atuao do poder em rede hesitou um s instante em desferir um amon-
produto do que se convencionou chamar toado de ordens ao Pequeno Prncipe. As-
sociedade em rede. sim, divisou o Pequeno Prncipe que se ele
A compreenso dessa nova ordem pas- fosse detentor de tanto poder, como aquele
sa, necessariamente, pelo rompimento das monarca que se dizia soberano do univer-
linhas de fratura entre o Direito Constituci- so, teria podido assistir no a quarenta e
onal, o Direito Internacional e as Relaes trs, mas a setenta e dois, ou mesmo cem, ou
Internacionais para se centrar num ambi- mesmo a duzentos pores-do-sol no mesmo
ente multidisciplinar. dia, sem precisar sequer afastar a cadeira!
Neste trabalho, os fenmenos do poder e (SAINT-EXUPRY, 2002, p. 26-27, 36-41).
do multiculturalismo sero analisados den- Sozinho no seu planeta, o Pequeno Prnci-
tro desse enfoque, tendo como pano de fun- pe no tinha em quem mandar. Iludia-se,
do as duas grandes vertentes das Relaes pensando que mandava no sol e isso lhe
Internacionais: o realismo e o idealismo po- satisfazia tanto que num s dia chegou a
ltico, sem, todavia, buscar estabelecer con- ver o pr-do-sol quarenta e trs vezes. di-
frontos teorticos, no raros estreis cienti- zer, quarenta e trs vezes pensou que man-
ficamente, mas, ao contrrio, com olhos vol- dou o sol se pr, quando, na verdade, era o
tados para a vida, para o que est aconte- deslocamento de sua cadeira que ensejava
cendo no mbito das relaes entre os Esta- a deflagrao do movimento do planeta de
dos e organismos governamentais e no- modo a gerar dia e noite (explicao cient-
governamentais, dentro da perspectiva de fica) e no a vontade do Pequeno Prncipe.
que o caminho est na sntese de idealis- Igualmente, aquele solitrio monarca no
mo e realismo (CHACON, 2002, p. 77). mandava em nada. Satisfazia-lhe a iluso
de que reinava sobre o universo.
2. Sobre o Pequeno Prncipe e o rei sem O autor deixa o leitor extrair a correta
sdito e sobre Alice e a rainha malvada: idia de que o poder inerente natureza
humana. Significa dizer: aonde estiver o
a manifestao do poder como fenmeno
homem, a haver a manifestao do poder
sociolgico inerente natureza humana como fenmeno sociolgico. Sim, o poder
Talvez poucos tenham enfrentado to obviamente um fenmeno social. E era exa-
bem o poder em sua concepo eidtica tamente por isso que nem o Pequeno Prnci-