Ficcoes Do Outro - Literatura.colonial PDF
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Coleção TESES
Ficções do Outro
Sandra I. Sousa
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Sandra I. Sousa
Ficções do Outro
CLEPUL
Lisboa
2014
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Lisboa, 2014
F ICHA T ÉCNICA
Título: Ficções do Outro: império, raça e subjectividade no Moçambique
colonial
Autor: Sandra I. Sousa
Capa, Composição & Paginação: Luís da Cunha Pinheiro
Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias, Faculdade de Letras
da Universidade de Lisboa
Lisboa, agosto de 2014
ISBN – 978-989-8577-25-2
Esta publicação foi financiada por Fundos Nacionais através da FCT – Fun-
dação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do Projecto Estratégico «PEst-
-OE/ELT/UI0077/2014»
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Índice
Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
Agradecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
Um império de Palavras? História e Literatura
Colonial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
Problemas e Perspectivas . . . . . . . . . . . . 27
Para um estudo das ficções do outro colonizado 34
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À Carla Isabel,
que cedo demais se transformou num anjo.
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Prefácio
Ocupa-se a presente obra da análise e contextualização histórica de tex-
tos de ficção narrativa premiados pela Agência Geral das Colónias, e
nomeados no Boletim Geral das Colónias, entre 1925 e 1969, cingindo-
-se aos que se reportam a Moçambique. Paralelamente são ainda apre-
sentadas obras de orientação anti-colonial, produzidas na própria co-
lónia moçambicana em simultâneo com a “literatura colonial” caucio-
nada pela Agência acima referida. A preocupação da autora, Sandra
Sousa, de englobar neste estudo tanto a perspectiva africana quanto a
portuguesa decorre principalmente da consciência de a primeira resul-
tar da inevitável necessidade de se contrapor uma ideologia progres-
sista ao imobilismo conservador da segunda. Ao distinguir entre “lite-
ratura moçambicana” e “literatura colonial” portuguesa, no tempo em
que a situação política não permitia a distinção entre ambas, a autora
não deixa, aliás, de realçar o facto de serem esses termos utilizados me-
ramente pela sua funcionalidade na ausência de outros mais rigorosos.
Relativamente à escolha de um corpo literário que tem sido consis-
tentemente negligenciado pela crítica, as razões invocadas são, além da
lacuna gerada precisamente por tal negligência, a convicção de se tratar
de um tipo de ficção que abre “uma janela única para a observação e
compreensão do mundo colonial” – no dizer de Sandra Sousa – graças
ao seu carácter testemunhal em muitos casos e, na maior parte deles,
à exibição de (voltando a usar palavras suas) “percepções e represen-
tações extremamente reveladoras do imaginário das sociedades colo-
niais”, portuguesas ao longo de quatro décadas. O esforço envidado
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Leonor Simas-Almeida
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Resumo
Ao longo de séculos, o Estado português recorreu a diferentes formas
de representação e construção do seu Império em África. Este estudo
foca uma dessas estratégias de interpretação, valorização, afirmação
e justificação do Império, a literatura colonial. Através do incentivo
a esta nova expressão literária, a partir da década de vinte do século
XX, o Estado elabora uma campanha de propaganda na mesma linha
de procedimento de outros Impérios coloniais seus contemporâneos.
Para tal, teve um papel preponderante a Agência Geral das Colónias
na atribuição de prémios de literatura colonial através de um concurso
efectuado de 1926 a 1968. É através da análise de um conjunto de
obras premiadas, nomeadamente daquelas que se debruçam sobre Mo-
çambique, desde a década de vinte à de sessenta que se pretende ob-
servar como evoluiu a racialização das relações sociais em Moçambi-
que, ao mesmo tempo que se intenta perceber como é reflectida nessa
literatura a promoção de ideologias de racismo e de práticas raciais
institucionalizadas pelo Estado durante o período colonial em causa.
Sendo uma literatura profundamente ligada ao seu específico contexto
histórico, dialogando com a sua política e ideologia e legitimando-as,
oferece-se em cada capítulo uma breve introdução histórica tendo em
vista uma melhor compreensão das narrativas que se debruçam sobre
determinado período, estabelecendo-se, deste modo, nexos entre histó-
ria e ficção. Dada a insistência contemporânea numa suposta vocação
luso-tropicalista da colonização portuguesa, discutir-se-á neste estudo
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Agradecimentos
Chegada ao fim de cinco anos que, devido à intensidade dos semestres,
passaram quase à velocidade da luz e mais parecem, ao olhar para trás,
cinco meses, não poderia deixar que ficassem aqui registados os meus
agradecimentos àqueles que tornaram esta jornada possível. Lembro-
-me do primeiro dia em que entrei no departamento sem saber muito
bem se tinha sido aceite no programa de doutoramento e, ao sair com a
confirmação positiva, de ter dado pulos de alegria no meio da estrada.
Embora seja doloroso deixar esta casa e família, não posso deixar de
sentir também agora a alegria de ter cumprido o objectivo com o qual
me comprometi há cinco anos. E os bons momentos aqui passados
devo-os a todos que partilharam esta meia década comigo.
Um agradecimento especial à minha orientadora, a Professora Le-
onor Simas-Almeida, para a qual me faltam sempre as palavras para
exprimir tudo aquilo que sinto. Uma mulher especial que tem sido
desde que a conheci uma luz no meu caminho. Uma professora extra-
ordinária, assim como orientadora não só de tese, como de vida. Numa
palavra, uma amiga.
A minha gratidão também ao Professor Nelson Vieira, de cujas au-
las eu saía frequentemente como que a levitar no regresso a casa. Pro-
fessor com uma energia invejável e que me deu ânimo e inspiração para
poder continuar e cuja orientação nesta tese foi uma preciosa ajuda. Um
professor que me trata por “querida” nos seus e-mails o que faz derreter
o meu coração.
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Introdução
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Bernard Cohn afirma que “(. . . ) in Europe as elsewhere, power was made vis-
ible through theatrical displays, in the form of processions, progresses, royal entries,
coronations, funerals, and other rituals that guaranteed the well-being and continued
power of the rulers over the ruled. The theater of power was managed by specialists
(priests and ritual preceptors, historians and bards, artists and artisans) who main-
tained the various forms of knowledge required. (. . . ) European states increasingly
made their power visible not only through ritual performance and dramatic display,
but through the gradual extension of ‘officializing’ procedures that established and
extended their capacity in many areas. (. . . ) The establishment and maintenance of
these nation states depended upon determining, codifying, controlling, and represen-
ting the past” (3).
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Problemas e Perspectivas
Dado o já mencionado diálogo ideológico e epistemológico, no caso
português, entre a literatura colonial e o seu contexto histórico especí-
fico, no decorrer deste projecto recorrer-se-á a trabalhos historiográfi-
cos, de forma a complementar a informação revelada pela ficção. Esta
opção de abordagem, reflectindo nexos entre história e ficção, provém
da convicção de que a análise crítica de um corpus literário que aborda
temáticas coloniais sem a compreensão do contexto histórico em que
esse corpus se insere, corre o risco de falhas e de se tornar uma con-
versa de si para si mesma. Com efeito, tratando-se de um tipo de ficção
específica, cujos temas se encontram as demais das vezes determinados
por circunstâncias de tempo e espaço, tal obriga o leitor à familiaridade
com o contexto histórico, ao mesmo tempo que possibilita a problema-
tização dessas mesmas coordenadas espacio-temporais. A preocupação
com o passado, seja ele mais ou menos recente, é uma constante para a
esmagadora maioria dos autores aqui estudados ao fazerem uso da fic-
ção como forma de complementar ou de contradizer a história oficial e
de abrir caminhos para a compreensão do presente.
O debate e o estudo sobre a relação entre história e ficção já não
apresenta novidade; desde Walter Benjamin que vários teóricos se têm
debruçado sobre essa mesma relação.8 Entre eles, pode mencionar-se
Roger Chartier, Dominick LaCapra, Linda Hutcheon e Hayden White.
Sumariamente, todos põem em causa de forma mais ou menos contun-
dente a suposta objectividade da história, elaborando, por conseguinte,
a noção da sua proximidade relativamente à ficção. Por exemplo, se-
gundo White não existe objectividade histórica, uma vez que os histo-
riadores fazem escolhas e daí a reconstrução do passado ser um acto
interpretativo como o que se processa na elaboração de uma narrativa
8
É necessário mencionar-se que não pretendemos aqui esgotar os detalhes desta
problemática. Não quisemos, no entanto, deixar de mencionar a sua importância.
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Sobre o darwinismo social como elemento central nos esforços de compreen-
sãoo do império colonial português desde finais de oitocentos veja-se Miguel Ban-
deira Jerónimo, Livros Brancos, Almas Negras, e Patrícia Ferraz de Matos, As côres
do império: representações raciais no império colonial português. Veja-se ainda
Valentim Alexandre, “O império e a ideia de raça (séculos XIX e XX).”
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Capítulo 1
Resumo: Este capítulo tem como objectivo reflectir sobre a forma como
a literatura colonial portuguesa produzida nas décadas de 20 e 30 do século
XX está intimamente ligada ao contexto histórico em que se insere. Usada
como veículo de propaganda, a literatura colonial foi intensamente promovida
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através de vários meios, entre os quais ressalta o papel da Agência Geral das
Colónias. Faz-se uso de um breve contexto histórico, referindo sobretudo
o papel da Agência Geral das Colónias, para uma melhor compreensão dos
temas abordados pelas obras escolhidas para análise. Além disso enquadra-se
o caso português, em termos de propaganda colonial, no contexto europeu seu
contemporâneo. As três obras aqui analisadas têm como foco a colonização
portuguesa em Moçambique e as temáticas aqui exploradas incidem sobre o
patriotismo português, a racialização das relações sociais, a missão colonial
civilizadora, o trabalho indígena, as missões religiosas, o sistema de prazos,
a violência colonial, a hierarquização das raças de acordo com a ideologia
de superioridade da raça branca. Na última secção do capítulo, oferece-se
uma perspectiva sobre o que se estava a passar no mesmo período temporal,
em termos de produções literárias associadas a movimentações africanas em
desfavor do colonialismo.
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Em 1898, Norton de Matos partiu para a Índia, depois de ter concluído o curso
da Escola do Exército. Aí teve início a sua carreira na administração colonial, como
director dos Serviços de Agrimensura. Viajou por Macau e pela China em missão
diplomática. Regressa a Portugal na altura em que se dá a proclamação da República.
Ao serviço do novo regime, Norton de Matos foi chefe do estado-maior da 5.a divi-
são militar. Em 1912 tomou posse como governador-geral de Angola. Impulsionou
fortemente o desenvolvimento desta colónia, tentando protegê-la da ameaça contínua
que pairava sobre o domínio colonial português, por parte de potências como a Ingla-
terra, a Alemanha e a Itália. Foi demitido do cargo em 1915, como consequência da
nova situação política que se vivia em Portugal durante a Primeira Guerra Mundial.
Posteriormente, foi chamado, de novo, ao Governo, ocupando o cargo de ministro
das Colónias, embora por pouco tempo. Em 1917, um novo golpe revolucionário
obrigou-o a exilar-se em Londres. Foi, contudo, promovido a general por distinção e
nomeado Alto-Comissário da República em Angola.
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Informações sobre Brito Camacho encontram-se na secção dedicada à análise
da sua obra Pretos e Brancos.
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1926, “a questão colonial [tornar-se-á], cada vez mais e por uma espé-
cie de fatalidade, no elemento essencial da política externa portuguesa”
(144).
Ainda nas palavras do citado historiador, “até 1945 é possível afir-
mar que se viveu em Portugal num quadro que não se afastava, parti-
cularmente, do europeu” (146). Esse quadro internacional compôs-se
fundamentalmente de um debate consecutivo sobre direitos humanos
durante os anos vinte e trinta que, de acordo com Marilyn Lake e Henry
Reynolds, foi estimulado principalmente “by the minority treaties im-
posed on the new nation states created after the end of the First World
War” (335). Dada a indisponibilidade de os poderes imperiais consi-
derarem a necessidade de conceder direitos específicos às populações
nativas das suas colónias ou mesmo de contemplar uma generalização
de direitos (336), a tentativa de os instituir passa a ser uma das preocu-
pações fundamentais da Sociedade das Nações. E se a questão no início
apenas se circunscrevia aos direitos das minorias, depressa culminou na
defesa dos direitos universais dos seres humanos. Várias conferências
resultaram desta preocupação até que em Outubro de 1929, o Institut
De Droit International reunido em Nova Iorque, elaborou uma Declara-
ção dos Direitos Internacionais do Homem.9 Na décima quarta Assem-
bleia da Liga das Nações, em 1933, o representante haitiano, M. Fran-
gulis, sugeriu que os direitos deveriam ser formulados para que cada
habitante de qualquer Estado devesse ter acesso à mesma protecção
da vida e da liberdade, aos mesmos direitos civis e políticos, “without
distinction of race, language or religion” (Lake e Reynolds 338). Ao
mesmo tempo, a Organização Internacional do Trabalho movimenta-se
no sentido de resolver a questão relativa à então chamada mão-de-obra
“indígena.” Tanto Portugal como outros Estados Imperiais foram “acu-
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(118).
De acordo com Yves Léonard, “[às] portas de uma Europa em
guerra, o Portugal de Salazar pretendia ser um porto de paz, prote-
gido por [um] muro virtual de “oito séculos” da sua história nacional
e pela sua missão civilizadora, como que entrincheirado por detrás do
seu vasto império colonial e cego por esta mística imperial propagada
pelo regime” (30). O enfoque na história nacional ligada, sobretudo, à
história das colónias e à missão civilizadora é um dos elementos con-
tinuamente presentes nas obras escolhidas para atribuição de prémios
no Concurso de Literatura Colonial, iniciado e promovido pela Agên-
cia Geral das Colónias, assunto a ser desenvolvido na secção seguinte
deste capítulo.
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antecipa “his later fascination with the decay of colonial society with
its attendant romanticism of failure and wasted dreams. (. . . ) Walraven
never wrote about anything he had not experienced personally (. . . ).
He was a master at describing small, dead, doleful towns, backwaters
of a crumbling colonial empire” (285-291). É interessante verificar
ainda que no caso holandês hoje em dia, “more than sixty years after
Indonesia Independence and the end of the empire, Dutch literature of
the former East Indies is as alive as it ever was, and it continues to be
widely read in the Netherlands today, often in a framework of loss and
nostalgia” (Salverda et al, 368).
O caso alemão apresenta algumas particularidades que o distanciam
dos outros impérios. Joachim Warmbold refere que “[the] relatively
short period of German overseas rule might lead to the conclusion that
the origin and dissemination of a German colonial literature would be
limited to that very short period of 30 years between Germany’s first
acquisition of territories in 1883-84 and the final loss of colonies after
World War I” (10). Contudo, Warmbold prossegue informando que
“[a] look at the publication dates of the majority of colonial literary
works shows (. . . ) that their appearance by no means ran parallel to the
historical development. Literary concern with colonial themes began
only sometime later” (10). Será interessante notar, igualmente, que no
caso alemão,
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que a sua literatura colonial floresce. Tal como se verifica no caso por-
tuguês, também no alemão “[t]he growth of colonial literary produc-
tion appeared, on the one hand, highly gratifying to nationalist oriented
circles, since they thought they could detect in the growing figures a
growing interest in the populace for ‘German Africa”’ (89). Por outro
lado, refere Warmbold, “it was feared (. . . ) that many of the previously
published works were detrimental rather than beneficial to the budding
colonial consciousness in Germany” (89). Neste sentido, foram feitos
esforços para controlar a circulação da corrente literária colonial e per-
mitir que a necessária selecção fosse efectuada mais facilmente. Esta
tarefa foi levada a cabo pelas organizações coloniais alemãs, uma vez
que eram elas “[the] most familiar with colonial matters and, for the
time being, the only ones with sufficient qualifications for a competent
evaluation of German colonial literature” (Warmbold 89). Warmbold
afirma que estas organizações foram fundadas “with the aim of stimu-
lating interest in colonial activity among the populace and supporting
national settlement aims on German African soil (. . . )” (90). Estas or-
ganizações, tais como, a Organização Colonial Nacionalista Alemã, a
Sociedade para a Colonização Alemã e a Liga Feminina da Sociedade
Colonial Alemã, aperceberam-se, nas palavras de Warmbold,
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durou para além daquele e de todos os outros impérios, mas a sua lite-
ratura só acompanhou todo o processo colonial desde a segunda década
do século XX.
No que diz respeito à literatura colonial francesa, David Murphy
declara que “[w]hen something called littérature coloniale finally
emerges in France at the beginning of the twentieth century, it expli-
citly defines itself in opposition to exotic literature”29 (164). Murphy
prossegue esclarecendo que
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Nas palavras de Lima Garcia, “A estreia de Galvão como concorrente neste
evento literário não foi a mais auspiciosa, não só porque o primeiro prémio [da]
quarta edição não foi atribuído, como ainda a sua obra Terra de Pretos foi excluída,
conjuntamente com mais outras três” (135). No entanto, afirma Garcia, “Mau grado
as críticas e a desclassificação que a sua obra sofrera no IV Concurso de 1929, Hen-
rique Galvão voltara a concorrer, dois anos depois, no VI Concurso de 1931, com a
obra O Velo d’Oiro. (. . . ) [O] paradigma menos derrotista sobre a colonização branca
em África levaria o júri do Concurso de 1931 a premiar [. . . ] a obra O Velo d’Oiro do
tenente Galvão, conjuntamente com O Caminho do Oriente e Poetas e Prosadores,
respectivamente da autoria de Jaime do Inso e José Ferreira Martins” (136). Henrique
Galvão rejeita o prémio e volta a concorrer em 1933, ano em que arrebata o primeiro
prémio na primeira categoria com a mesma obra. Os livros de Galvão voltam a ser
premiados nos anos de 1934 e de 1937. Na maioria das obras que escreveu, An-
gola surge como pano de fundo, mas as obras premiadas têm como objectivo criar o
interesse e a afeição do leitor pelas colónias.
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É para estes homens que eu peço auxílio, para todos e para a sua
obra – a maior obra Portuguesa, porque Portugal sem as Coló-
nias teria o valor de zero no concêrto das nações – e todos pre-
cisam de auxílio, desde o Ministro ao mais humilde funcionário
colonial, para que a sua obra possa ter realidade e recompensa,
a única que desejam – a grandeza do Império. (191)
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De acordo com Miguel Jerónimo, “[n]o interior dos discursos civilizadores a
educação para e pelo trabalho era claramente valorizada face à educação escolar,”
acrescentando que “. . . no programa civilizador, outras prioridades se levantavam. ‘O
adiantamento do indígena por todos os meios que tendem a aumentar-lhe a cultura do
espírito e a modificar-lhe os hábitos selvagens,’ inspirando-lhe ‘os princípios mais sa-
lutares da civilização’ era considerado um objectivo importante para a administração
colonial portuguesa” (164). No entanto, a criação de um sistema escolar não entrava
nos planos da administração, sendo a educação remetida para as missões religiosas.
O objectivo dos missionários não devia ser, contudo, “a catequese,” mas “tornar a
missionação cristã um poderoso auxiliar do projecto civilizador” o que implicava
“a reformulação dos conteúdos e métodos pedagógicos por si utilizados” (Jerónimo
165). Deste modo, refere Jerónimo, “‘a empresa misericordiosa de salvar almas para
Deus tem de se conciliar com a de educar corpos para o trabalho,’ resgatando o in-
dígena da tenebrosa condição moral e social à qual se entregara desde os primórdios
dos tempos e tornando-o um elemento útil no empreendimento colonizador” (Livros
Brancos 165).
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Na opinião de Brito Camacho, nada ensinam os mestres asiáticos aos aprendizes
indígenas para serem eles a manter a Província na sua dependência. No entanto, o
europeu tenta fazer o mesmo (20).
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tos com esta região moçambicana ainda pouco desenvolvida pelo co-
lonialismo são contaminados pela visão comum do português em re-
lação a África: o medo das febres, o receio da cafrealização, a ima-
gem do ambiente africano como degradante, o tédio, a saudade de Lis-
boa e, por consequência, um olhar em que a metrópole se situa num
estado de superioridade moral e civilizacional. A título de exemplo,
Paulo pergunta-se, “– Como estarei eu também daqui a alguns me-
ses. . . sujeito a esta influência deletéria do clima?. . . ” (50); ou,
Então era esta a maravilha zambeziana!?. . . Estava bem
servido!. . . todos os dias a mesma coisa!. . . levantar cedo depois
de uma noite asfixiante de calor, prêsa inerme do mosquito de
picada dolorosa. . . ir para o serviço. Que serviço?. . . Voltar para
casa às onze, almoçar em frente de um pretoide velhaco, ladrão
e bronco (. . . ) Recolher às seis para jantar, mangalear por ali a
fumar cigarros. . . e a abrir a boca de tédio. . . e . . . ter diante de si
a perspectiva de todos os dias ser a mesma coisa! (71-12)
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[u]se of the land was to last for three lives on condition of the
payment of a quit-rent. In the Zambezi this tenure also implied
the supplying of soldiers from among the inhabitants in case of
need. The holder had the right to exploit the territory economic-
ally, and by implication had judicial rights over the inhabitants.
(72)
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96 Sandra I. Sousa
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Ficções do Outro 97
Embora Paulo acabe por admitir que N’fuca reúne as condições ne-
cessárias para ser admirada, ela é apenas uma excepção por reunir em
si o exotismo atribuído a África e, por isso, merecedora de alguma con-
sideração. Ela seria o símbolo de uma atitude portuguesa de abandono
em relação às suas colónias mas, e se a princípio parece ser uma ati-
tude de abandono humanitário do indivíduo, desde logo fica claro que
o abandono é financeiro ou de exploração económica. Compare-se
as duas passagens seguintes para que não haja confusão em relação ao
pensamento de Paulo:
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98 Sandra I. Sousa
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Ficções do Outro 99
Assim, a única forma de domínio nativo, ainda que parcial, até en-
tão aceite no interior de uma comunidade colonizada, é figurativamente
destruída com a morte da personagem que a personificava.
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Bem sabia que ela, a Nahira em quem tanto confiava, não quere-
ria outro e nunca poderia gostar de Tómo. Mas as leis da sua raça
eram ferozes: as mulheres, seres sem vontade, escravas quási, ti-
66
Leia-se as seguintes passagens: “Para lá – diziam os vélhos – nesses longes des-
conhecidos, galgadas as encostas abruptas e intermináveis (. . . ) que, como escadaria
gigante, se perdiam nas nuvens, em cêrros que as próprias heras desprezavam e onde
as noites, de frias, gelavam os corpos juntos às fogueiras, vivia uma raça desprezível
e definhada, a sua raça. Era aí o país dos Lómuès, desses pobres e imprevidentes
seres de sangue igual ao seu. Homens de cérebro mais rudimentar que o de muitos
animais do mato, diziam-nos preguiçosos, não sabendo guardar, acabadas as colhei-
tas, mandioca ou milho que os abastecessem nos meses de estiagem. Assim, chegada
a fome, abandonavam as tocas onde se abrigavam do frio, e famintos, esquálidos, de
ventre liso e seco, vagueavam lastimosamente pela floresta, percorrendo-a em todos
os sentidos, devorando tudo quanto lhes parecesse alimentício. (. . . ) eram fracos,
esverdinhados, de ventres flácidos em corpos de criança” (56-57). Ou ainda, “. . . não
perdera, perante os outros rapazes da tribo, a sua qualidade de estrangeiro, de repre-
sentante de uma raça inferior” (59).
Interessante verificar que em Pretos e Brancos, Brito Camacho faz igualmente
referência a esta etnia caracterizando-a do mesmo modo: “São homens vindos. . . do
Lomué, gente fraca, sem vigor, á uma porque é constitucionalmente fraca, e depois
porque se alimenta de toda a especie de bichos – ratos, cobras e sapos, muitas vezes
nem sequer se dando ao trabalho de lhes dar uma fervura. (. . . ) a gente do Lomué é
a mais fraca do districto, e além de ser a mais fraca, é a mais asselvajada. Homens e
mulheres andam nús, a maior parte nem sequer usando um retalho de pano ou casca
d’arvore para encobrir os orgãos sexuais. São rebeldes ao trabalho. . . ” (119).
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Isto não quer dizer que eu exija, por exemplo, que os nossos mis-
sionários, em vez de fazer dos indígenas bons trabalhadores, fi-
zessem dêles literatos. Os literatos não se fazem, nascem. O que
precisam é de ser auxiliados e se falei aqui dos pretos, em estado
mental tão atrasado, foi só para acentuar um defeito dos nossos
processos de educação, pois que podia perguntar, mais simples-
mente, onde estão os indianos ou macaístas de valor literário
absoluto. Mas não exijamos tanto dum país que conserva entre
os seus cidadãos uma percentagem formidável de analfabetos e
em que mesmo os que sabem ler não têm, em geral, educação
literária. (29)
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the outset, the thrust of the campaign was the unacceptability of race
as a criterion for distinctions among citizens” (256). A um segundo ní-
vel, “the struggle sheds considerable light on conflicting co-identities
within the black elite” (257). Quer isto dizer que entre a elite, indi-
víduos e sub-grupos tentavam apresentar-se como “mais portugueses”
do que outros. A partir da década de vinte, a campanha foi mitigada
pois, por várias razões, alguns membros da elite africana acharam mais
conveniente cooperar com as leis de excepção. A partir de 1933, a elite
educada já nem se dava ao trabalho de se opor à lei que os separava da
sua cidadania. A população branca continuava a crescer em resultado
do esforço de Portugal no sentido de ganhar controlo dos rendimentos
da área de Lourenço Marques, ignorando os primeiros comerciantes e
administradores de descendência africana, além de secundarizar o pa-
pel fundamental dos africanos que apoiaram e ajudaram a estender a
soberania portuguesa na área (Penvenne 262). De acordo com Pen-
venne:
To be considered truly Portuguese it was increasingly insuffi-
cient to accept and project Portuguese hegemony. (. . . ) black
Mozambican elite members began to be nudged out of the privil-
eges of domination despite their sharing language, Christianity,
nationality and way of life with the white Portuguese. As com-
petition grew between new immigrants and the local black elite
over jobs, land, licences and concessions, race became an in-
creasingly important differentiating criterion in the struggle to
share.73 (263)
Assim sendo, o poder e prosperidade da elite negra na economia
regional sofreu em proporção directa à intensificação das iniciativas
73
Até ao fim do século XIX, as crianças mulatas filhas de pai português eram
registadas como brancas e tinham acesso a todos os privilégios, propriedade e res-
ponsabilidades familiares. Eram chamados “os brancos da terra.” A ilegitimidade
passou a ser identificada com miscigenação a partir do anos noventa do século XIX
uma vez que o darwinismo social e questões de pureza da raça começam a ser re-
levantes, e tornou-se não apenas num estigma social, mas um impedimento para a
transferência de bens e propriedade de pais para filhos. (Penvenne 264)
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da sua narrativa, alguns dos seus contos valem pelos temas e ponto de
vista narrativo que João Dias traz pela primeira vez à cena literária mo-
çambicana. No capítulo seguinte dar-se-á atenção mais pormonorizada
à sua obra, visto ter sido publicada apenas em 1952.
As contribuições de africanos para a literatura moçambicana sur-
gem principalmente do seu trabalho como jornalistas e editores. Em
1908, os irmãos José e João Albasini fundam O Africano, jornal pu-
blicado em português e ronga que se dedicava a divulgar informações
sobre a vida e condições da população indígena. Em 1918, depois da
venda de O Africano, os irmãos Albasini fundam, com Estácio Dias e
Karel Pott, O Brado Africano, o jornal oficial do Grémio Africano. O
Brado Africano sobrevive até 1974, sendo a publicação indígena mais
significativa desse período. Nos vários números deste jornal surgem
páginas ou secções literárias e de artes, “onde vozes moçambicanas ou
portuguesas, solidárias, se exprimem em ficção, ensaística, e, princi-
palmente, em poesia” (Mendes 28). As peças literárias aqui publicadas
são um dos poucos veículos de literatura moçambicana que serve de
contraponto à literatura colonial.80 Como já se viu, foram igualmente
meios de transmissão de protestos contra as leis coloniais. Muitos dos
hoje considerados escritores moçambicanos, publicaram inicialmente
em O Brado Africano.
João Albasini (1876-1922) viveu intensamente a sua época, e as
contradições da mesma, disso deixando memória nos editoriais que es-
creveu. Jornalista mulato, e crítico da administração colonial em Mo-
çambique durante as duas primeiras décadas do século XX, a sua ami-
zade com Brito Camacho permitiu-lhe uma atitude mais irreverente.
Penvenne refere que João dos Santos Albasini “was an intellectual who
thought deeply about his own dilemmas, those of his city, his coun-
80
De acordo com Orlando Mendes, “A infiltração cultural portuguesa deixou pra-
ticamente imunes as largas massas, porque, de um lado, devido ao segregacionismo a
que estavam votadas e ao analfabetismo, não eram tocáveis, e, de outro lado, porque
o sistema colonial, desprezando-as como selvagens, se preocupava muito mais com
formar elites nacionais entre os assimilados capazes de se tornarem eles próprios,
agentes difusores do processo entre as classes dominantes do sistema feudal” (29).
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Segundo Patrick Chabal, “Livro da Dor scarcely qualifies as literature since it
is a very short and very personal reflection on the author’s condition, not intended
for publication and only appearing posthumously. The important contribution which
the Albasini brothers, Karel Pott and others made to Mozambican literature lay much
more in what they did to promote debate and publication than in what they wrote”
(31).
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Conclusões
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Capítulo 2
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1
Segundo Valentim Alexandre a crise da legitimidade foi “suscitada tanto pela
reafirmação do princípio de autodeterminação dos povos como sobretudo pela des-
crença na superioridade da civilização ocidental e na missão tutelar das nações eu-
ropeias sobre as raças até aí geralmente tomadas como ‘atrasadas’ ou ‘inferiores”’
(Velho Brasil 194).
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Por esta razão, a grande maioria dos africanos dependia dos missio-
nários, especialmente dos missionários católicos, para a sua educação.
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[o] preto que aprendeu um ofício e por êle ganha o seu sustento
não retrograda jàmais. Passa a viver da sua profissão, ensina ou-
tros mais novos, cria novos artífices e torna-se ao mesmo tempo
um centro de atracção e difusão de princípios civilizadores à sua
volta. Não nos cansamos por isso de repetir: ensine-se o indí-
gena a forjar a enxada, a construir a sua mesa e a sua cama, a
erguer em moldes aceitáveis a sua casa e a confeccionar o seu
vestuário. Cada indígena dêsses será depois um elemento civili-
zador entre os seus semelhantes, aumentará a produção e elevará
o nível de consumo interno. (92)
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does not constitute non-racialism” (50). Amílcar Cabral, por seu lado,
afirma que
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É uma prova tangível de que o Estado Novo, apesar dos mil cui-
dados que lhe merecem os problemas de ordem material, não
descuida os problemas de ordem espiritual; é um estímulo para
escreverem sobre as terras e gentes do nosso império colonial
os homens, artistas, missionários, administradores ou soldados,
que um dia viveram em terras do Império e conviveram com as
suas gentes; é, por fim, um estímulo e um caminho para a cri-
ação, entre nós, duma literatura verdadeiramente imperial, que
pelo espírito aproxime os portugueses do Ultramar e reponha o
Ultramar na consciência de todos os portugueses. (122)
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16
As viagens de Serpa Pinto e Capelo e Ivens são disso exemplo. De acordo com
Valentim Alexandre, “Agora [a partir de 1876], entre as várias centenas de sócios da
Sociedade de Geografia contam-se oficiais do exército e da marinha, funcionários,
engenheiros e técnicos de obras públicas, negociantes e industriais, proprietários, in-
telectuais de diversa origem” (Velho Brasil 236).
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Desta vez seria sua! Não porque ele fôsse o herdeiro do morto.
Diversamente do que se dava em outras regiões da Africa, o her-
deiro de Rupia seria um filho deste e de Majioa, rapazote de
doze anos apenas. Herdaria do pai todos os bens incluindo as
mulheres, à excepção da sua própria mãe. Seria ele, Meóela, na
qualidade de sobrinho do morto, que Majioa teria de aceitar para
marido, como era do uso udja mirriba. (12)
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[a]s mulheres pretas viam nos brancos uns sujeitos a quem não
faltava o dinheiro que as libertava da servidão, apanágio da sua
condição de humildes animais domésticos. Os brancos consen-
tiam-lhes, além da ociosidade, a satisfação de caprichos que nem
sequer se atreviam a manifestar quando em companhia de ho-
mens da sua raça. Nenhuma espécie de simpatia interior a ligá-
-los. Nenhuma afinidade no sentir. (110-111)
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dos outros” (174-175). Por outro lado, “[a]lguns nunca mais voltavam.
Morriam lá. Morriam do esforço violento que lhes era exigido, da at-
mosfera viciada pela poeira do minério, pela luz artificial, pela natureza
do ar, a dois, a três mil metros de profundidade” (175). Segue-se uma
comparação entre o tipo de colonização levada a cabo por ingleses e
por portugueses, evidenciando a maior capacidade lucrativa da coloni-
zação inglesa: “O John era atrevido. Fazia aqueles buracos fundos no
chão para tirar de lá o ouro, uma coisa amarela que tornava ricos os
homens. Os brancos da Manhiça não eram assim, não eram atrevidos
como os brancos do John. Contentavam-se com andar a esgaravatar
a terra para fazer machambas, que era trabalho de mulher” (175). De
acordo com Jeanne Marie Penvenne,
Mine labor in South Africa soon became a familiar and access-
ible option for Mozambicans. Mozambican men could generally
count upon employment in South Africa to enable them to accu-
mulate cash wages for the bridewealth necessary to enter adult
status. Families could try to tap a relative’s repatriated wages
for tax money or famine stores in a crisis. (. . . ) Although the
Portuguese argued that shibalo19 was a necessary counterweight
to legal and clandestine migration to South Africa, many Mo-
zambicans argued that the arbitrary abuse of the shibalo system
drove them to work in South Africa as an escape. (African 25-
-26)
Passados três anos, Catuane regressa à sua terra, com uma baga-
gem repleta de objectos extraordinários, a maioria deles sem utilidade,
como, por exemplo, uma bicicleta sem pneus. Enquanto tivesse di-
nheiro não pensava em trabalhar, “[c]onsumiria o tempo a exibir-se
repatriated earnings. The state received a bonus per migrant contracted by Wenela,
collected handling fees, licenses, and taxes on both commerce and migration. In
short, even though magaiça worked outside Mozambique, the state, the merchants,
and Mozambican families lived from the revenues their migration generated” (African
25).
19
Shibalo também escrito xibalo, chibalo ou chibaro é uma expressão que designa
trabalho forçado.
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pelas povoações e a contar histórias acerca dos lugares por onde tinha
passado e das cenas a que tinha assistido” (177). Fez ainda questão de
“ser visto pelo seu antigo patrão, a quem foi cumprimentar para que ele
também admirasse e invejasse a sua riqueza” (178). Sente-se superior
aos seus compatriotas que agora despreza como se fossem “quase uns
bichos, que não tinham onde cair mortos” (178). Ao ser mandado sair
das terras do seu patrão, Francisco, Catuane nega-se e ameaça matá-lo.
Francisco consegue, no entanto, dominá-lo e prendê-lo pedindo que le-
vassem ao Administrador uma missiva para que este desse autorização
para que Catuane fosse enviado para o Calabouço. Entretanto junta-se
um agrupamento de gente a pedir perdão para Catuane, a que Fran-
cisco acede. A sua grande generosidade passa a ser comentada pela
população indígena. Catuane acaba por lhe vir pedir trabalho três dias
depois e tornar-se no mais fiel e insubstituível dos seus empregados,
ao ponto de ser ele quem se preocupa com o abandono da propriedade,
enquanto Francisco e Vicência vivem em Lourenço Marques. No final,
é ele quem ajuda Vicência a recuperar a propriedade antes da chegada
de Luís.
Embora Vicência tenha um papel preponderante na reabilitação da
propriedade até à chegada do seu filho, não é o seu trabalho coloni-
zador que, no final, é valorizado, mas o de Francisco. Tanto as mu-
lheres europeias como as africanas são inferiorizadas e relegadas para
segundo plano. A colonização encontra-se, deste modo, associada ao
elemento masculino, como fica claramente patente na já citada con-
versa que Francisco tem com o filho: são os “homens” como ele que
deram início ao processo e são os “homens” como o filho que o conti-
nuarão (364).
Dá-se ainda conta das diferenças entre as várias etnias e dos seus
conflitos como acontece nas obras analisadas no capítulo anterior: “–
Ah! patrão, não é bom fiar nos matepuiri. Aquela gente que vive para
lá do Luanza e do Lugela nunca há-de ser nossa amiga. Matepuiris e
lómuès” (72).
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PORTUGUESES
que, pela força da vontade, do braço, da inteligência, com sacrí-
fico de tudo – do lar, da família, da própria vida – em corajosa e
porfiada luta, tendes vindo a abrir novos horizontes e novas rotas
à civilização;
PORTUGUESES
que insuflais energias nas forças latentes de terras distantes, tor-
nando-as de agrestes e improdutivas em fecundos mananciais de
riqueza;
PORTUGUESES
que transformais em rincão aprazível a selva adusia e impiedosa,
e sois por vezes bastante felizes para oferecerdes ao recém-che-
gado a sensação confortante de que ainda se encontra em Portu-
gal;
PORTUGUESES
que, na África, na Ásia ou na América, fixastes o vosso lar, que
aí erigistes a vossa casa, que aí vistes nascer os filhos, que aí
semeais todos os dias esperanças e ambições, e delas cuidais
com desvelo, para que cresçam e frutifiquem;
PORTUGUESES
de antanho e de agora, obreiros que, por grandes feitos ou ig-
norados sacrifícios, tendes vindo a concorrer para que o mundo
seja mais hospitaleiro e produtivo:
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tendo como ambição “tentar fortuna” tal como “tantos a haviam feito”
(18). A sua força, energia e fascínio pelo desconhecido são evidentes
nas seguintes palavras:
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Além disso, “[u]ma grande parte dos pretos que trabalham nas mi-
nas do Transval21 vêm, nesta temporada festiva, às suas terras passar
20
Márcia comenta ainda: “Palhota que tem cerveja fresquinha, já se sabe que atrai
toda a gente das redondezas! Se calha ser ao sábado de tarde ou ao domingo, cai como
sopa no mel, mas, quando isso se dá nos dias e horas de labuta, é uma inquietação:
logo que ouvem o grito que a anuncia, eles fogem do trabalho para ir beber, e, às
vezes, é de bem longe que os chamam” (178).
21
Márcia descreve, como em outras obras coloniais, a opção dos moçambicanos de
trabalharem nas minas da África do Sul, “(. . . ) um hábito, que já lhes vem de muito
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um ou dois meses, mas todos eles impulsionados pela mesma ideia, que
não esquecem: a da bebida cafreal” (130). A bebida, segundo Márcia,
transforma os pretos de “pacíficos e índole dócil” em violentos, “per-
dem a cabeça, zangam-se, esquecem-se e usam todas estas armas, uns
contra os outros” (135).
A sua ideologia imperialista nota-se ainda na seguinte passagem:
“(. . . ) acalentava as melhores esperanças de que poderia aqui, a África,
vir a ser o futuro para os meus filhos, e para tantos outros portugue-
ses, que todos somos os donos e possuidores destas enormes riquezas,
que aqui estão quase inaproveitadas” (74). Assim sendo, e para que tal
acontecesse era necessário que os portugueses se não deixassem cafre-
alizar, uma vez que deviam dar o exemplo de civilidade e não descer
ao nível dos indígenas:
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resto ela age da mesma forma que os colonos homens; ela é alguém
que compactua com o regime e que entende as regras da colonização,
aplicando-as sempre que necessário. É uma mulher inserida no seu
contexto e, como tal, não foge às ideologias imperiais propagadas pelo
regime. Ao referir-se às mulheres indígenas, comenta que “elas estão
sempre ao pé das famílias, e não se imagine que pelo motivo de serem
pretas tenham maneiras rudes. Não, pelo contrário, tanto no seu modo
de falar como nos seus gostos, são afectuosas” (90), mas tal não signi-
fica que as não veja de forma paternalista, como “humildes mas boas
criaturas” (121). Ao descrever um caso de uma mulher indígena que
foge para não se casar com um homem de quem não gosta, Márcia co-
menta que, “[i]sto prova que, apesar de atrasados na civilização, têm os
mesmos sentimentos de amor que nós, europeus. O coração palpita em
todas as raças humanas e ainda ninguém descobriu o segredo do amor”
(168). Os indígenas já não são, deste modo, considerados bichos, ou
seja, também são portadores de sentimentos e emoções humanos, mas
continuam a ser vistos como incivilizados e atrasados em relação aos
europeus.
A discriminação não é, no entanto, apenas em relação aos africa-
nos negros. Ela ocorre igualmente com os indianos que controlam o
comércio naquela zona. Repare-se na situação seguinte, em que a raci-
alização e o etnocentrismo praticados nas relações sociais são explici-
tamente encarados como algo “natural:” “[h]avia naqueles sítios duas
cantinas, estando uma a ser explorada por um monhé e outra por um
europeu. Como era natural, dirigimo-nos ao europeu, que ali vivia com
sua mulher” (45).
Márcia descreve e elogia ainda o papel dos missionários na obra
civilizadora:
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Na sua perspectiva,
Tudo isto devido aos missionários que “ali estão para instruir e so-
correr sempre que a sua presença é necessária; insistentemente, acon-
selham-nos a acabar com a bigamia; a registarem-se e celebrar o casa-
mento religioso; depois, levam-nos a registar e baptizar as crianças que
vão nascendo, filhos desses cônjuges” (170). Em relação às raparigas
educadas pelas irmãs missionárias, Márcia comenta que elas “em dias
de festa, se apresentam limpinhas, com os sacos de mão bordados por
elas, enfim, com arranjo” (170). E conclui afirmando que “[a] obra dos
missionários é muito vasta, e se muito eles já têm feito, muito mais têm
que fazer” (170).
O conceito de superioridade da raça branca é, de tal forma, incutido
nos africanos que eles próprios passam a acreditar nela. Márcia dá um
exemplo de uma briga entre os seus trabalhadores que depois lhe vêm
pedir que ela lhes bata, porque acham que merecem ser castigados:
“– Sim, sim, mas quando a Senhora não quer, pode manda o capataz
bater” (139). Noutra passagem quando Márcia ajuda uma indígena a
dar à luz e lhe trata da criança, a parturiente reage com embaraço e
perplexidade: “Oh! É grande vergonha para mim: a Senhora não pode
ter trabalho contigo, e com o nosso filho, porque a Senhora é branca”
(206).
Márcia pode ser mulher o que a relega para um espaço de desigual-
dade na sociedade europeia, mas no espaço colonial e mesmo ocupando
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Por fim, Zé António acaba por mandar Sehura embora de sua casa
em consequência de uma conversa com o seu cunhado. Atente-se no
diálogo entre os dois:
– Zé António! Não deves fazer isto, não deves ter aqui essa
mulher. Pelo respeito que deves aos teus, pela consideração que
te merece a tua própria pessoa. Que dirá de ti tôda essa gente,
quando souber que tens dentro de casa uma indígena – e que
vives com ela como se vivesses com a tua própria mulher?
[. . . ]
– Olha, Carlos. Deixa-me sossegar o espírito. Agradeço-te o
teres vindo hoje aqui. Abriste-me êste cérebro entontecido pelo
prazer que essa mulher me despertava. Não tinha pensado nas
consequências. Crê que te agradeço. (. . . ). (195)
[o]s brancos tinham sido uma desilusão para ela. Como os de-
veria odiar! No entanto, eu tinha já pela “Nona” uma afeição
grande. Se ela ao menos tivesse sabido que tinha por ela esta
afeição. . . (. . . ) A Sehura era uma rapariga de uma sensibilidade
grande. Tenho motivos para afirmar que muitas brancas não te-
riam a sensibilidade dessa mulher. (200)
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ideológico. Em primeiro lugar, o livro abre com uma nota, não assi-
nada, de três páginas da Agência Geral das Colónias. Nesta refere-se
que quando, em 1926, a Agência atribuiu pela primeira vez os prémios
de Literatura Colonial, “pode dizer-se que não existia tal espécie de
literatura em Portugal, apesar de termos sido a primeira nação coloni-
zadora do mundo moderno, e sermos, ainda, cabeça de um Império, e
continuarmos a ser uma das maiores potências coloniais e o povo com
maior capacidade de compreensão e simpatia pelas gentes estranhas”
(5). Imbuído de um espírito mais próximo do luso-tropicalismo, o au-
tor da nota coloca as seguintes questões:
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Capítulo 3
205
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No Boletim Geral do Ultramar, ainda em Maio de 1969, aparecem referências
ao estímulo oferecido pelo regime à emigração para as colónias de Angola e Moçam-
bique. Nele pode ler-se: “Esclarecendo as pessoas que desejem fixar-se em Angola
e Moçambique, por numa ou noutra destas Províncias terem colocação assegurada
ou parentes que lhes garantam a subsistência, o Ministério do Ultramar informou,
através de notícia publicada na Imprensa diária da Metrópole em 18 de Maio, que,
em tais condições, a concessão de transporte gratuito, por via marítima, depende ape-
nas da organização de um pequeno sumário. Para tal são necessários os seguintes
documentos: requerimento pedindo a passagem; termo de colocação ou subsistência
garantida na província de destino; certificado de registo criminal; atestado de po-
breza; duas fotografias; e atestado de vacinas contra a varíola e febre-amarela” (115).
No mesmo número anuncia-se ainda uma recente iniciativa de motivação do interesse
pelo espaço ultramarino, através de cruzeiros de férias: “A Agência Geral do Ultra-
mar promove este ano a realização de um cruzeiro de férias à província de Angola,
iniciando assim um programa de cruzeiros às províncias ultramarinas, com o intuito
de fomentar o interesse por tudo quanto se refere às diversas parcelas do espaço por-
tuguês para além da Europa” (100).
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É importante registar que nos anos sessenta se começa a dar cada vez
mais ênfase ao papel do ensino nas províncias ultramarinas. Numa al-
tura em que as guerras para a independência se começam a intensificar
em várias frentes, o regime português continua a insistir em preservar
as suas colónias e a usar de estratégias cada vez mais persistentes para
doutrinar as mentes e seduzir os corações das populações. No Boletim
Geral do Ultramar em Julho-Agosto de 1969 é publicada uma acta in-
titulada “Reunião Plenária Anual do Gabinete de Estudos da Direcção-
-Geral de Educação do Ministério do Ultramar” em que se dá conta
de algumas medidas tomadas para desenvolver o ensino nas colónias.
Nessa reunião estiveram presentes “o bispo da Beira, o vigário-geral
da arquidiocese de Luanda, os secretários provinciais de Educação de
Angola e de Moçambique, outros responsáveis dos serviços de Edu-
cação de todas as províncias ultramarinas, funcionários superiores da
Direcção-Geral de Educação do Ultramar, e dirigentes da M.P. e da
M.P.F. da Metrópole e das províncias ultramarinas” (Boletim, Julho-A-
gosto de 1969, 120). Na acta refere-se que o Sub-secretário de Estado
da Administração Ultramarina, o Dr. Almeida Cotta,
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Noa não integra Rodrigues Júnior nesta última fase, mas a comple-
xificação do imaginário, pelo menos em Muende, justifica a sua inser-
ção nela pelas razões que faremos ressaltar da análise da obra.
O romance conta a história das diferentes ligações estabelecidas
entre o personagem central, o branco Pedro da Maia, e os habitantes
da pequena localidade de Muende e do Chifumbázi, na região do Tete.
Muende é descrita como uma povoação isolada cujos “caminhos eram
desertos” (16). Neles, “[s]ó passava o branco do posto de Vila Gamito
na sua machila. Meses sem conta, ele calcorreava esses trilhos da área
do posto administrativo para cobrar o imposto de palhota. E demarcar
as machambas. E nas bandlas8 para falar aos negros” (17). Assim
sendo, “Ao Muende e ao Chifumbázi, vinham apenas, desses lados, os
cipaios avisar dos dias em que no posto começava a cobrança” (17).
O livro abre com a introdução de dois personagens africanos impor-
tantes ao longo de toda a narrativa, Kalonga e Bindiesse, nascidos no
8
De acordo com o glossário no fim do livro: “Lugar de reunião, no mato, onde o
administrativo fala aos indígenas sobre os problemas da sua área.” (Sem número de
página.)
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mesmo dia, criados juntos, mas com vidas adultas diferentes, uma vez
que Kalonga se torna régulo do clã. É de enfatizar ainda que este pri-
meiro capítulo apresenta uma meditação de Bindiesse sobre a origem
dos brancos:
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– É que tu ficaste pobre. Pobre não poder dar nada. Nosso tam-
bém é pobre – e não pode dar. Não é verdade? Tu ficas com
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Mesmo Tikone, o único inimigo de Pedro, que tudo faz para preju-
dicar a sua vida, reconhece que nada tem contra ele, a não ser o facto de
ele se ter juntado a Cafere. No entanto, tal aconteceu com o consenti-
mento desta e Tikone acaba por sofrer de remorsos até ter sido julgado
e condenado pelos seus compatriotas.
Essa ligação de proximidade com o branco é igualmente visível na
defesa deste em relação aos monhés:
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os brancos, que são muito espertos, sabem fazer” (205); “Os brancos
são homens diferentes: mais comedidos, não porque sejam mais inteli-
gentes do que nós, mas porque são mais cautelosos com a sua vida. O
seu espírito é mais forte (. . . ). (. . . ) o Deus dos brancos mostra mais
força que o nosso Molungo. . . ” (138-139). Ou ainda, quando Tikone
tenta perceber a razão de ser castigado por ter roubado uma mulher de
outro clã, enquanto a Pedro da Maia fora impunemente permitido “rou-
bar” Cafere, de uma raça diferente da sua. A conclusão a que chega é a
seguinte: “Mas os negros são negros. O branco é sempre branco. Mais
esperto que o negro – que é um burro. Que há-de precisar toda a vida
do branco, para ser gente. Pois era. Esta diferença tinha-lhe passado
despercebida” (212).
Nas relações amorosas em que a mulher nativa desempenha um pa-
pel fundamental, esta continua a ser tida como inferior na relação com
o branco. Pedro da Maia escolhe Cafere porque esta demonstra desejo
por ele e porque a solidão o obriga a escolher alguém para o acom-
panhar. As opções do protagonista são limitadas naquele lugar ermo e
Pedro cede. Embora afirme para si mesmo que a mulher negra só difere
das da sua raça pela cor da pele, Pedro acusa o poder das convenções,
daí que até ao momento se tenha inibido de ter alguma proximidade
com a mulher nativa: “E porque não? Quem o impediria? As con-
venções? Que são as convenções, senão mistificação da vida?” (62).
Admite ainda a vergonha da maioria dos homens brancos de confes-
sarem relações amorosas com as nativas (72) e, embora decida rejeitar
teoricamente as convenções, Pedro não consegue escapar a pensar que
o envolvimento com Cafere é apenas temporário, deste modo, desva-
lorizando o papel desta mulher na sua vida: “. . . poderia libertar-se,
quando o quisesse – e ir-se embora. Nada o prenderia” (121); “Quem
sabe se a Cafere não se importaria – e achasse bem que ele se fosse
embora, porque não era da sua raça? E procurasse os seus, que a
entenderiam melhor?” (118). Este tipo de atitude por parte do ho-
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do texto: “a superfície do mar verde era percorrida por uma brisa su-
ave. A ligeira ondulação que lhe era imprimida desfazia-se, avançava e
voltava a desfazer-se, murmurando o segredo dos búzios” (77). Pazos
refere que a “brisa suave” pode ser lida como “a thinly veiled reference
to the ‘wind of change’ starting to sweep the continent” (75). No que
diz respeito ao “segredo dos búzios,” Alonso afirma que a imagem im-
plica que “there is more to be heard than is presently audible” (75).
“A Velhota,” tal como o último conto, “Nhinguitimo,” descrevem
protagonistas já adultos que se apercebem da impossibilidade de se in-
surgirem contra a exploração existente. Em ambos os protagonistas
dos contos, a quem não é atribuído um nome, há uma consciência da
situação de discriminação social que os envolve. Em “A Velhota,” o
protagonista regressa a casa depois de ter sido violentado e decide não
contar o que se passou para que os seus irmãos possam desfrutar ainda
de alguma inocência: “Não, eu não contaria. Não fora para isso que
viera para casa. Além disso, não seria eu a destruir neles fosse o que
fosse. A seu tempo alguém se encarregaria de os pôr na raiva. Não,
eu não contaria” (86). Tem ainda esperança no futuro, ponderando que
“talvez para com eles o tempo obrigasse a mais compreensão, mais
carinho, sim, a mais humanidade” (87). Há assim, uma esperança na
construção de uma sociedade diferente, livre do colonialismo como se
pode verificar nas últimas palavras do protagonista de “Nhinguitimo”:
“Pôça, aquilo tinha que mudar” (138). E se estas palavras são ambí-
guas, pois a personagem parece estar a referir-se às insinuações sexuais
de Marta, sabemos que o administrador decidira retirar terras agrícolas
aos nativos para que estes não as explorassem por si próprios. Tudo isto
enquanto o protagonista “matava rolas e jogava ao sete-e-meio [acon-
tencendo] uma data de coisas e [ele] nem [se] impressionando” (138).
A conclusão final é pois a de que algo tem de mudar.
O conto seguinte, “Papá, cobra e eu,” volta a ter Ginho como nar-
rador de primeira pessoa. No entanto, este apresenta-se como um nar-
rador mais amadurecido e rebelde. Ao ver o pai ser humilhado pelo
vizinho, Ginho pergunta-lhe porque não se insurgiu. O pai, contudo,
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parece acreditar que existe uma esperança, sendo talvez mais fácil ir-
-se morrendo todos os dias um pouco, mas mais corajoso, e porven-
tura mais proveitoso do ponto de vista colectivo, enfrentar-se a morte
de uma só vez: “Quando um cavalo endoidece dá-se-lhe um tiro e tudo
acaba, mas aos cavalos mansos mata-se todos os dias” (106). O facto
de o cão do Sr. Castro ter sido morto pela cobra aponta para a pos-
sibilidade de aniquilamento da cultura branca, um significado também
sustentado pela valorização do Ronga, língua nativa usada em casa de
Ginho, embora apenas em circunstâncias específicas.
O conto “As mãos dos pretos” narrado, uma vez mais, por uma
criança é um autêntico louvor à igualdade entre os homens e as raças.
Depois de confrontado com várias versões sobre a razão de as mãos dos
pretos terem as palmas brancas como as dos brancos, o narrador não é
capaz de perceber as implicações racistas dessas mesmas versões que
lhe são dadas por adultos em posições de autoridade. Ao confrontar
a mãe com as várias histórias que lhe foram contadas, esta nada mais
faz do que rir às gargalhadas. A sua versão, no final, é aquela que vem
iluminar o objectivo do conto, explicitamente, a celebração da igual-
dade: Deus fez assim os pretos porque se arrependeu, uma vez que “os
outros homens se riam deles e levavam-nos para as suas casas para os
pôr a servir como escravos ou pouco mais” (113). Como já não podia
voltar atrás fez com que as palmas das suas mãos ficassem exactamente
com as dos outros homens. E isto para “mostrar que o que os homens
fazem, é feito por mãos iguais, mãos de pessoas que se tiverem juízo
sabem que antes de serem qualquer outra coisa são homens” (113).
Luís Bernardo Honwana traz assim uma colecção de contos que
transmitem uma mensagem que, embora por vezes se apresente codi-
ficada, não deixa de ser clara: tal como os protagonistas dos contos
passam de atitudes de inocência ou mesmo subalternização, à perple-
xidade e à consciencialização e participação aberta em conflitos com o
colonizador, também a história do país evolui no sentido de uma nova
ordem social em que o dominador não é mais aceite como tal.
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culos à resolução dos seus conflitos interiores e com o mundo que o ro-
deia. Estes acontecimentos que ocorrem na vida da personagem, desde
a infância até à fase adulta, irão traçar um trajecto sinuoso, delineando,
simultaneamente, um processo de maturação e de conhecimento da re-
alidade circundante. Assim, numa primeira sequência, dominada pelo
lugar simbólico e pela evocação do tempo passado, encontramos a ve-
lha Alima, guardiã do Ridjalembe, lugar mítico dos antepassados, onde
evoca a memória da fixação dos forros ou libertos, em especial de Ma-
fanissane, e o êxodo dos negros para o Marandal. Relembra a diferença
entre três gerações:
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João tem, deste modo que partir, a sua única alternativa é trabalhar
nas minas do “Kaniamato.” Ao regressar apercebe-se da infidelidade
da mulher acabando por esfaqueá-la à saída de um baile em que esta
se encontrava na companhia de outro homem. No dia do julgamento,
apesar da defesa do Dr. Ramires que apela à cor de João14 como factor
atenuante do crime, ele é condenado a cinco anos de cadeia na Forta-
leza. Antes de partir despede-se dos seus amigos, que vão ao cais vê-lo
embarcar. No pensamento do seu amigo Marcelino podemos encon-
trar a visão que o romance tenta enfatizar através da história dramática
de Xilim, a quem nada acontece de positivo devido à sua condição de
mulato:
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quê roubaram o meu amigo? Sofia Mais Velha anda a ganhar di-
nheiro com as raparigas. Os brancos pagam, levam as raparigas
e depois cansam depressa e querem outras novas. Depois elas
não voltam mais ao bairro onde nasceram. Andam de mão em
mão, por todo o lado, até ficarem trinta anos mais velhas do que
são. Às vezes, nasce um filho. Filho de ninguém, esta porcaria
com pele nem preta nem branca que toda a gente cospe em cima.
Pra quê tudo isto? (67-68)
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Está só no mundo, mas sabe agora que avó Alima, negra Kati,
menina Maria Helena e mulata Luísa lhe deram consciência de
homem traído. Mas, recordando-se delas, descobre-se lenta-
mente. O erro fundamental que comprometeu a paz da sua vida,
foi o abraço da mãe Kati e de patrão Campos, esse abraço que
fez dele um ser duma nova raça infamada. Tudo o que se passou
depois, tudo o que pesou sobre o seu coração e manchou as suas
mãos e os seus olhos proveio desse erro. Por toda a parte ele
encontrou gente que anda à toa, rejeitada pelos brancos e pelos
negros. Deserdada pelas duas raças puras. (169-170)
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Conclusões
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Considerações finais
Recapitulando, no primeiro capítulo mostrámos e concluímos que a
literatura colonial das décadas de vinte e trinta se encontra em total
harmonia com a ideologia promovida pelo Estado Novo, surgindo, esta
literatura como forma de propaganda dos ideiais do Estado, que dela
faz uso para incentivar o desenvolvimento e povoamento das colónias
africanas. Esta sua característica específica faz com que os preceitos
estético-literários sejam de menor importância. Nas decisões de atri-
buição de prémios no Concurso de Literatura Colonial encontra-se ex-
plicitamente o factor temático-ideológico como tendo peso fundamen-
tal. A par e passo, a literatura aqui denominada de anti-colonial ou
moçambicana começa a evoluir, apesar de não deixar de participar das
instâncias coloniais, no sentido de demarcação de um campo literário
que se quer independente e cujos temas e objectivos se encontram em
confronto com os do espaço colonial.
No segundo capítulo, vimos como, a partir da década de 50, a ide-
ologia do Estado Novo tenta manipular de um ponto de vista político
as doutrinas luso-tropicalistas desenvolvidas por Gilberto Freyre, numa
tentativa de justificar e legitimar o Império. Mostrámos que, apesar da
retórica e ideologia do Estado Novo, maquilhando uma nova imagem
do Império (que passa a ser denominado de “províncias ultramarinas”),
vários aspectos das obras coloniais negam essa teoria, demonstrando as
relações assimétricas do mundo colonial. Na década de 50, com a pu-
blicação de Godido e Outros Contos de João Dias, surge uma nova fase
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rior e civilizada. Tal é revelado nos termos que usa para identificar o
africano: ele é o indígena, o diferente, que vive no meio bárbaro embre-
nhado em superstições e feitiços, aquele que merece ser estudado pois
“também tem alma e coração” (13), ou seja, a alma é a mesma quer se
seja “um selvagem, quer (. . . ) um civilizado” (26). Na última secção
do ensaio, intitulada “Os escritores e a Agência Geral do Ultramar,”
Rodrigues Júnior em resposta ao Sr. Dr. António Alberto de Andrade,
que teria opinado no Diário Popular sobre a necessidade de o Estado
intervir na escassa produção literária relativa ao Ultramar, afirma que
a “escassês de produção literária nem diz absolutamente nada do nível
cultural do Ultramar, nomeadamente de Moçambique, nem é indicação
de falta de valores nem de que não há interesse pela cultura” (29). Em
sua opinião, “a escassez é sinal de crise do livro e não de escritores”
(29), atribuindo a tal facto a não realização do concurso de literatura
colonial de 1952. O problema, portanto, não é devido à falta de escri-
tores, mas à ausência de editores em Moçambique.1 E explica as razões
de não valer a pena os escritores concorrerem ao concurso mesmo com
livros dactilografados:
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alma, mas que necessita de ser salvo e trazido para o mundo da civi-
lização. A mestiçagem é algo a evitar e a mulher negra é a principal
responsável pela “queda” do homem branco. Estas narrativas alertam-
-nos, no entanto, para aspectos importantes e muitas vezes esquecidos,
nomeadamente: a noção de que o processo de colonização foi longo
e passou por várias fases distintas; que as relações estabelecidas entre
os dois lados se ficaram a dever, muitas vezes, às circunstâncias e aos
contextos; que o colono desrespeitou, abusou da mulher africana para
satisfazer a sua própria necessidade, mas que também se cafrealizou e
com ela casou; que até determinada altura ser mulato equivalia a ser
branco, e depois a ser bastardo; que houve pactos entre os chefes das
aldeias e os portugueses; que houve ódios, mas que o amor também foi
possível. Contudo, com todas as suas nuances, a colonização portu-
guesa não deixou de ser isso mesmo, ou seja, a imposição de um “nós”
a um “outro.” Sobretudo, nunca será demais reiterar que essa imposi-
ção se baseou na certeza da superioridade da raça branca, certeza essa
que esteve sempre presente na literatura aqui referida mesmo quando
tenha havido a tentativa de a encobrir.
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Bibliografia
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