SANTOS (Resenha) PDF
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1 INTRODUO
A obra Um discurso sobre as cincias, de Boaventura de Sousa
Santos, um resgate histrico das cincias desde o paradigma dominante na
modernidade, passando pela sua crise, at chegar ao perodo de transio em
que vivemos, quando emerge um novo paradigma.
A resenha ser dividida em duas partes, e a primeira sublinhar as crticas feitas pelo autor ao uso do paradigma dominante na atualidade, tendo em
vista que no responde mais aos anseios cientficos e sociais. Ademais, trar a
ideia do autor de que o modelo de cincia dominante, ou seja, da racionalidade
cientfica, deve ser substitudo por um novo paradigma, qual seja, o paradigma de um conhecimento prudente para uma vida decente. Para justificar o
paradigma proposto, o autor apresenta um conjunto de teses, que sero sintetizadas ao longo da exposio: a) todo o conhecimento cientfico-natural
cientfico-social; b) todo conhecimento local e total; c) todo conhecimento
autoconhecimento; d) todo conhecimento cientfico visa a se constituir em
Santos, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as cincias. 16. ed. Porto: B. Sousa Santos
e Edies Afrontamento, 2010. 59p.
senso comum. Por sua vez, a segunda parte do trabalho trar consideraes
crticas acerca da obra, com o escopo de frisar a pertinncia das colocaes
do autor na atualidade.
2 RESENHA
O autor inicia a obra, cuja primeira edio de 1987, citando as ambiguidades, complexidades e incertezas que pairam no tempo presente. Destarte,
ao analisarmos a cincia do passado, veremos que, ao mesmo tempo em que
parece ser parte de uma pr-histria longnqua, a base do campo terico da
cincia atual. Do mesmo modo, ao voltarmos os olhos para o futuro, tambm
veremos situaes contraditrias convivendo, na medida em que, ao mesmo
tempo em que vislumbramos a sociedade da informao e do conhecimento,
quando a tecnologia o centro de tudo, nos deparamos com uma cincia sem
limites, que desemboca em guerras nucleares e em catstrofes ambientais. Tal
paradoxo tpico de momentos de transio, como o ainda vivido nos dias de
hoje (em que pese a obra seja de 1987, a fase de transio citada pelo autor
ainda no chegou ao fim). Nesses momentos, urge que faamos perguntas
simples, ou seja, profundas, mas de fcil entendimento, pois so essas que so
capazes de causar revolues. Foram perguntas assim as feitas por Rousseau
em meados do sculo 18, quando a humanidade vivia outra fase de transio.
Diferentemente, contudo, das respostas que Rousseau elaborou outrora, as
nossas sero, com certeza, extremamente complexas, at porque tambm
altamente complexo o contexto em que a pergunta feita, tanto em termos
sociolgicos quanto em termos psicolgicos.
A transio citada por Boaventura de Sousa Santos diz respeito ao
fim do ciclo de hegemonia de uma certa ordem cientfica. Para explicar essa
transio entre tempos cientficos, estrutura a obra de forma a, primeiro, caracterizar a ordem cientfica hegemnica para, em seguida, analisar a crise dessa
hegemonia e, finalmente, propor um perfil de uma ordem cientfica emergente.
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emergncia de um novo paradigma, o qual denomina paradigma de um conhecimento prudente para uma vida decente, apto a valorizar as mais variadas
experincias humanas e ampliar o acesso ao conhecimento.
Na obra aqui analisada, o autor faz reflexes acerca das mudanas que
esto ocorrendo nas cincias a partir da crise do paradigma dominante, ou
seja, a crise da cincia moderna e a emergncia de um novo paradigma, que
acompanha a cincia ps-moderna. Tais modificaes esto inseridas em um
contexto de mudanas sociais, uma vez que no h como modificar a sociedade sem refletir nas cincias e nem se quer que assim seja. Essas mudanas
sociais so muito bem explicadas por Bauman, que define o contexto em que
a cincia moderna se desenvolveu como fase slida e o contexto atual como
fase lquida:
Em primeiro lugar, a passagem da fase slida da modernidade para
a lquida ou seja, para uma condio em que as organizaes sociais
(estruturas que limitam as escolhas individuais, instituies que asseguram a
repetio de rotinas, padres de comportamento aceitvel) no podem mais
manter sua forma por muito tempo (nem se espera que o faam), pois se decompem e se dissolvem mais rpido que o tempo que leva para mold-las e,
uma vez reorganizadas, para que se estabeleam. pouco provvel que essas
formas, que j presentes ou apenas vislumbradas, tenham tempo suficiente para
se estabelecer, e elas no podem servir de arcabouos de referencias para as
aes humanas, assim como para as estratgias existenciais a longo prazo, em
razo de sua expectativa de vida curta: com efeito, uma expectativa mais curta
que o tempo que leva para desenvolver uma estratgia coesa e consistente, e
ainda mais curta que o necessrio para a realizao de um projeto de vida
individual (2003, p. 7).
Na fase lquida, em que a sociedade se organiza em rede, no h lugar
para as definies hierrquicas e estratificadas que dominaram na cincia
moderna. A insegurana, a no conformidade s regras, a incerteza e a inquietude, no so mais as vils, as causadoras dos maus sociais e cientficos,
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a segurana jurdica, e a viso de que somente Direito o que est nos Cdigos: o Direito muito maior que isso, e no se pode querer que, em plena
modernidade lquida, quando a transformao permanente, os cidados
vejam suas condutas engessadas em Cdigos e em milhares de leis, as quais,
em sua maioria, sequer conhecem.
O novo pensar cientfico defendido por Boaventura de Sousa Santos,
portanto, traduz a nova ordem social, em que a interao, a incerteza e a insegurana so as principais caractersticas. Essa nova cincia exige um novo
paradigma, uma vez que seus anseios no so mais atendidos pelos mtodos
conservadores, hierrquicos e ortodoxos da cincia moderna. Esse paradigma
deve ser, alm de cientfico, social, uma vez que, na ps-modernidade, o conhecimento cientfico e no cientfico esto em permanente contato e servem
sociedade, a fim de torn-la menos desigual e mais democrtica. A adoo
do novo paradigma urgente, pois as mudanas sociais a exigem. Assim,
Ou enfrentamos os excrementos sociais expelidos pelos parlamentos,
instituies e favelas, para recolher o que de proveitoso resta na reconstruo
dialgica de um futuro melhor para a humanidade; ou prosseguimos cegos,
bebendo do vinho desse louco Bacco cartesiano, para que as geraes vindouras
decidam o que fazer com o que restar dela e do mundo que conhecemos ou
que conseguimos reconhecer (Aronne, 2010, p. 38).
4 REFERNCIAS
ARONNE, Ricardo. Aproximaes crticas ao Direito Civil-Constitucional, repersonalizao, Direitos Reais e caos: determinismo dogmtico e indeterminao
jurisprudencial. In: ARONNE, Ricardo. Razo e caos no discurso jurdico e outros
ensaios de Direito Civil-Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.
p. 37-76.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade lquida. Traduo Plnio Dentzien. Rio de
Janeiro: Zahar, 2003. 258p.
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