NOTA DE LEITURA
HARVEY, David. Condição Pós-Moderna : uma pesquisa sobre as
origens da mudança cultural . 6 ed. São Paulo: Loyola, 1996.
Eva de Fátima Silva Santos
David Harvey surgiu, na década de 60 no cenário intelectual da
disciplina geográfica com um livro que fez sucesso entre os especialistas:
Explanation in Geography (Londres, 1969), no qual examinou toda a
contribuição científica recente, referente em particular a modelos e teorias dos sistemas e seu impacto em geografia. Harvey, inglês, foi professor da Universidade Jhons Hopkins, nos Estados Unidos até 1987, quando transferiu-se para a cadeira de Geografia em Halford Mackinder da
Universidade Oxford. Seus livros anteriores incluem Social Justice and
the City, The limits to capital e The Urban Experience.
Nas últimas décadas, pós-modernismo é um termo bastante discutido pelos geógrafos contemporâneos e pelas forças políticas conflitantes que já não pode ser ignorado. Portanto, faz-se necessário reconhecer a significação dessa absorção de uma espécie particular de estética
modernista pela ideologia oficial. Esse novo conceito significa uma revolta artística e cultural, bem como uma revolta política progressista organizada pelo próprio modernismo.
O termo pós-moderno é adequado para as transformações culturais a que ora assistimos. Mas não é mudança de paradigma, é um conjunto pós-moderno de pressupostos, experiências e proposições de um
período já existente. Entre 1968 e 1972 o movimento pós-moderno surge
após libertar-se dos movimentos antimodernistas dos anos 60 . É na arquitetura urbana que o pós-modernismo se manifesta no seu sentido amplo como uma ruptura com a idéia modernista de que o planejamento e o
desenvolvimento devem concentrar-se em planos urbanos de larga escala,
de alcance metropolitano, tecnologicamente racionais e eficientes, sustentados por uma arquitetura despojada.
Marx oferece uma das primeiras e mais completas interpretações
da modernização capitalista, criou um novo internacionalismo através do
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mercado mundial, das forças da natureza do homem, do maquinário, da
revolução agrícola e industrial, da navegação a vapor, das ferrovias, dos
telégrafos, do possibilismo natural etc. É nos escritos de Marx que entendemos que os processos sociais agem no capitalismo caracterizados por
promover o individualismo, a alienação, a fragmentação, a efemeridade, a
inovação, a destruição criativa, o desenvolvimento especulativo, mudanças imprevisíveis nos métodos de produção e de consumo, mudança da
experiência do espaço e do tempo. Assim concluímos que a descrição
feita por Marx do capitalismo nos oferece motivos para analisar nas relações sociais entre modernização, modernidade e os movimentos estéticos
dessas condições.
Compreender como a história é feita constitui a fonte primordial
de discernimento emancipatório e consciência política prática, ou seja, o
grande contingente mutável de uma interpretação crítica da vida e da
prática social. Hoje é nas novas formas de reparo temporal e espacial que
encontramos os elementos para identificar a impulsiva reviravolta na
direção de práticas culturais e de discursos filosóficos pós-modernistas.
Reconhece-se a gravidade dos problemas (o maior deles a desigualdade
social), mas se percebe também que os agentes sociais, sintetizados e
abstraídos em capital e trabalho, adaptam-se às novas condições, ou
mesmo influem na criação das novas circunstâncias.
O Estado trabalha na montagem de novas formas de regulação,
caminhando na direção de um regime flexível, que vem resultando num
modelo de desenvolvimento liberal-produtivista.
O mundo da experiência do espaço e do tempo teve muito a ver
com o nascimento do modernismo e com os focos de tensão entre o sentido do tempo e do espaço. É nas duas últimas décadas que temos vivido
uma intensa fase de compreensão do tempo-espaço que tem tido um impacto desorientado e disruptivo sobre as práticas político-econômicas,
sobre o equilíbrio do poder de classe, bem como, sobre a vida social e
cultural. A compreensão do tempo-espaço evidencia fortes simpatias por
determinados movimentos políticos, culturais e filosóficos com a volta de
interesse pela geografia da percepção, a valorização das paisagens e a
estética do lugar.
A intensidade da compreensão do tempo-espaço no capitalismo
ocidental a partir dos anos 60 nos indica um contexto experiencial que
confere à condição da pós-modernidade algo um tanto especial gerado
pelas pressões da acumulação de capital e a redução do espaço por meio
do tempo e também da redução do tempo de giro. A mudança da experiência do espaço e do tempo teve muito a ver com o nascimento do mo-
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dernismo e a relação do espaço temporal. Produção em massa e consumo
em massa é o grande lema chamado de fordismo. Fordismo é um sistema
que usa uma certa forma de organização espacial para acelerar o tempo
de giro do capital produtivo. Assim o tempo pode ser acelerado em virtude do controle estabelecido por meio da organização e fragmentação da
ordem espacial da produção. O capital é o dominador do espaço-tempo e
o faz, em parte, graças ao domínio superior do espaço e do tempo.
Em resumo, o pós-modernismo pode ser considerado uma condição histórico-geográfica de uma certa espécie. A mais evidente foi o poder da imagem na política americana com a eleição de um ator de cinema,
Ronald Reagan, para um dos cargos mais poderosos do mundo. Nesse
fato fica evidente o que a técnica desenvolvida pela produção de imagem
no mundo contemporânea pode fazer (desde construir a personalidade de
uma pessoa como a melhor do mundo). Outra espécie é a colagem que
consiste numa técnica que o pós-modernismo usa em larga medida, isto é,
a justaposição de elementos distintos e aparentemente incongruentes podem ser divertidas e, às vezes, instrutivas. O capital é a espécie mais
analisada para entender o pós-modernismo. É um processo de reprodução
da vida social por meio da produção de mercadorias em que todas as pessoas do mundo capitalista avançado estão envolvidas. A Geografia Histórica é fruto do capitalismo consiste sua trajetória em função do lucro,
produzindo espaço, lançado novos produtos, novas tecnologias, novos
espaços e localizações, novos processos de trabalhos etc. Bourdieu, diz
que nós possuímos poderes de improvisação regulada, moldada pela experiência, que nos permite ter “uma capacidade interminável de engendrar produtos, pensamentos, percepções, expressões, ações cujos limites
são fixados pelas condições historicamente situadas”. (Citado por HARVEY, p. 308). Toda essa reprodução na ordem social mediante a exploração alterando o espaço-tempo é evidente no pós-modernismo.
Outra contribuição para entendermos o pós-modernismo é através
do materialismo histórico como condição histórico-geográfica. O materialismo histórico defende que as forças motrizes da história devem ser
procuradas na organização material das sociedades, ou seja, na maneira
como produzem as condições de sobrevivência, e não nas idéias ou intenção dos homens. É através desse método dialético que a Geografia é levada a sério. As dimensões do espaço e do tempo tornam-se relevantes,
territórios e espaços do poder tornam-se vitais como forças organizadoras
na geopolítica do capitalismo ao mesmo tempo que alteram a lógica global do desenvolvimento capitalista. O presente é entendido como um
novo triunfo dos valores antigos e eternos, como um retorno ao princípio
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do verdadeiro e do justo, como uma restauração ou renascimento desses
princípios. Os modernistas consideram que o presente só é válido como
potencialidade para uma revolução futurística.
David Harvey escreveu esta obra para investigar mais profundamente a natureza da Pós-Modernidade. Para tanto fez uma pesquisa materialista-histórica das mudanças ocorridas na sociedade respondendo a
indagações sobre a compreensão do pós-modernismo. Trilhou os caminhos e descaminhos das condições históricas elucidando o tema numa
busca interpretativa culturalmente contextualizada.
Passo a passo o autor vai revelando não apenas conceitos de outros autores mas também vai incluindo suas idéias e tendências ideológicas, sumariza então o que pensa sobre o significado das descobertas e
acrescenta seus argumentos.
Trata-se de obra de cuidadoso rigor metodológico, que explora e
conclui sobre os problemas que se propõe estudar, sem desvios ou distorções. Utiliza várias técnicas de coleta de dados, diagramas, fotografias,
mapas, pinturas, tabelas, obras de arte, obtendo assim maior riqueza de
informação.
A escolha dos autores citados por Harvey foi extremamente feliz,
por reunir pesquisadores de primeira linha, numa seleção das primeiras
lideranças mundiais contemporâneos. Talvez, até, com excessos de contribuições para que o leitor sinta e compreenda essa realidade não somente através de suas palavras mas também através da fala dos geógrafos, arquitetos, urbanistas marxistas, lideres comunistas, historiadores e
filósofos que contribuíram para a compreensão do tema. Analisa também
dois filmes populares de ficção científica que ilustram a compreensão do
modernismo cultural.
Harvey dividiu a obra em quatro partes. Na primeira parte, com o
título Passagem da modernidade à pós-modernidade na cultura contemporânea, procura conceituar modernidade, modernismo e pósmodernismo. Em face desses temas conceituais de caráter controverso e
confuso com conotações díspares e mesmo depreciativas (por geógrafos
que não acreditam que o pós-modernismo faz parte da sociedade atual) e
por conflitar com internacionalismo – nacionalismo – globalismo – etnocentrismo, Harvey analisa dialeticamente o agrupamento desses “ismos”
nas ciências humanas e sociais. Afirma que a reprodução da vida social é
criada através de práticas de processos materiais, ou melhor, da perspectiva materialista através do tempo e do espaço. Harvey defende que as
teorias sociais não consideravam o espaço como uma categoria decisiva,
porque talvez partissem de uma idéia de “existência de alguma ordem
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espacial preexistente na qual operam processos temporais ou que as barreiras espaciais foram reduzidas a tal ponto que tomaram o espaço um
aspecto contingente, em vez de fundamental, da ação humana” (p.190).
O autor procura nessa primeira parte concentrar-se na interpretação da arquitetura e projeto urbano como respostas às indagações sobre as
percepções pós-modernas. Responde segundo a obra de Raban que o
“pós-modernismo não é somente a última moda intelectual importada de
Paris, mas a mudança no estilo arquitetônico na qualidade de vida urbana,
isto é, representa alguma espécie de reação ao modernismo”. Mas que
isso é esquizofrenia, paranóia, é um processo destruidor, um turbilhão de
criação dominada pelo conhecimento e pela ciência.
Ainda na primeira parte diferencia modernidade e modernismo.
Ser moderno é ver tudo novo, é a transformação de si e do mundo, enquanto que modernidade une toda a humanidade, ultrapassa todas as
fronteiras da geografia, das raças, da religião, da ideologia e da nacionalidade. Ser moderno é ser parte de um Universo. Modernismo é uma resposta estética a condições de modernidade produzidas por um processo
particular de modernização em uma sociedade.
Percebe-se que Harvey usa todos conceitos possíveis para clarear
o significado do pós-modernismo, mas em nenhum momento tenta comprovar a sua preocupação em buscar o significado do prefixo pós, indicando que ele significa “seguindo-se a” ou "depois de”. Ele procura determinar o que significa o termo em seus diferentes contextos, bem como
identificar seu grau de precisão e utilidade como descrição da experiência
contemporânea. Um dos conceitos que me chamou a atenção foi que a
condição essencial para entender a modernidade é a Destruição Criativa,
isto é, o novo tem que ser construído a partir das cinzas do antigo. Ser ao
mesmo tempo descritivamente criativo é ser criativamente destrutivo.
Tentando entender: a criatividade do vir a ser tem que acontecer mesmo
que o fim seja em cima de tragédia. “O heroísmo criativo garante o progresso humano”.
Parafraseando a obra de Marx, O Capital, Harvey esclarece pelos
seus escritos a modernização do processo de produção na sociedade capitalista. Salienta que Marx foi um dos primeiros grandes escritores modernistas, combinando todo o vigor do pensamento ilusionista e, também
porque a teoria da modernização capitalista por ele oferecida contribui
com as teses culturais da pós-modernidade. Harvey, assim como outros
líderes neopositivistas, vem aprofundando cada vez mais a análise do
capital com a organização espacial e desenvolvendo os princípios marxistas. Podemos dizer que o autor faz parte de uma corrente de pesquisa-
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dores que procura no socialismo as alternativas para uma sociedade capitalista em crise, que procura novos caminhos, novas alternativas, tanto
científicas como sócio-políticas para explicar a modernização.
Na segunda parte analisa A transformação político-econômica do
capitalismo do final do século XX, procurando representar as grandes
modificações ocorridas no processo de trabalho e todos os atores que se
envolvem nesse processo.
A espacialidade tradicional do capitalismo é aquela das concentrações espaciais do capital e do trabalho, dos desequilíbrios regionais,
das migrações desterritorializantes, da degradação sócio-ambiental, das
periferias das cidades, do urbanismo segregador, da involução das pequenas cidades, da modernização predatória do campo, e é assentado nela
que se reproduz o sistema. Esta espacialidade foi construída a partir da
industrialização e da urbanização, os processos estruturais fundamentais
da sociedade pós-industrial ou de consumo, consolidada após a Segunda
Guerra Mundial. Conceituada pelos regulacionistas, como aquela que se
organizou pelo modelo de desenvolvimento fordista.
O autor recorre à filosofia dessa escola de pensamento conhecida
como a “escola de regulamentação” para analisar a contribuição do fordismo na estética do modernismo, enquanto forma de intervencionismo
estatal, da internacionalização, formação de mercados de massa globais,
globalização da oferta de matéria prima, modernização no sistema bancário, turismo etc. O objetivo básico dessa escola é a estabilização por um
longo período, ou seja, a correspondência entre as transformações das
condições de produção como das condições de reprodução de assalariados. A obsessão do século XIX com o tempo e a história foi a modernização do capitalismo chamada de Era Fordista e Administração Estatal
Burocrática. “O espaço foi tratado como o morto, o fixo, o não-dialético,
o imóvel. O tempo, ao contrário, foi a riqueza, a fecundidade, a vida e a
dialética”. (FOUCAULT, citado por SOJA, 1993, p.11).
A racionalidade econômica capitalista tradicional revelou-se, em
termos espaciais, como tipicamente concentracionista, sustentando-se
numa economia de concentração. A busca do lucro, os aumentos constantes de produtividade, faturamento e as leis do mercado aplicadas a
todas as instâncias sociais consolidaram-se como elementos do processo
de acumulação e concentração de capitais nos níveis empresariais e espaciais.
Assim, com todas essas novas experiências nos domínios de organização industrial surgem os primeiros indícios de um regime de acumulação inteiramente novo, associado com um sistema de regulamenta-
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ção política e social bem distinta, a Acumulação Flexível. Termo criado
por Harvey que define as inovações no processo de produção, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados, novas
técnicas, ou seja, uma corrida em busca do moderno, do atraente, na verdade seria uma revolução em todos os setores, surgindo um novo ciclo de
compreensão do espaço-tempo. Percebe-se também que os agentes sociais, sintetizados e abstraídos em capital e trabalho, adaptam-se às novas
condições, ou mesmo influem na criação das novas circunstâncias.
Na terceira parte, A experiência do espaço e do tempo, Harvey
explica espaço e tempo na vida social esclarecendo os vínculos materiais
entre processos políticos econômicos e processos culturais. O fundamental da pesquisa é a idéia de que o tempo e o espaço não podem ser compreendidos independentemente da ação social. Ele considera em particular como o próprio significado e a própria percepção de tempo e do espaço variam, mostrando que essa variação afeta valores individuais e processos sociais do tipo mais fundamental. A marca da vida pós-moderna
está marcada por uma sociedade global sem fronteiras, com poderes inovadores. Inovações marcadas por novas condições de trabalho para suprir
a demanda vigente, a produção de imagens. Indústria da produção de
imagem que organiza as manias e modas e tudo o que é fundamental para
a experiência da modernidade .
A produção de imagem no cinema de universo futurístico exemplifica muitas das características do pós-modernismo com conceituação
dos significados do tempo/espaço e imagens de destruição criativa. A
ficção científica com temas pós-modernos mostram no seu contexto a
acumulação flexível e a compreensão do tempo/espaço no poder de imaginação que o cinema tem.
Esta obra apresenta especial interesse para estudantes e pesquisadores de Geografia, História, Arquitetura, Economia. Trata-se de um livro
de ampla aceitação, não somente pelo exame claro e crítico dos argumentos que cercam as proposições da modernidade e da pósmodernidade, como também pela contribuição à história das idéias e de
sua relação com a natureza social e política. Pode ser utilizada tanto em
nível de graduação como de pós-graduação, pois apresenta linguagem
acessível, e também por ser um clássico da literatura dos Geógrafos.
Revista de Histór ia Region al 6(1): 181- 187, V er ão 2001
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